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A IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DOS
TRABALHADORES EM EMPRESAS MULTINACIONAIS (EMNs)
2000 a 2010
O COMITÊ MUNDIAL DE TRABALHADORES (CMT) DA DAIMLER AG
Eduardo Magalhães Rodrigues
Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas
UNICAMP, PUC-SP E UNESP
3º ENCONTRO NACIONAL DA ABRI
Associação Brasileira de Relações Internacionais e
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo
Governança Global e Novos Atores
20, 21 e 22 de julho de 2011
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Resumo
O presente estudo pretende discutir a importância dos Comitês Mundiais de
Trabalhadores (CMT), presentes em EMNs (Empresas Multinacionais).
Para isso será analisada a atuação do Comitê Mundial de Trabalhadores da Daimler
desde sua criação em 2002 até o ano de 2010.
Da mesma forma serão investigadas, sumariamente, as principais conquistas
obtidas – no campo do CMT – por meio dos AMIs (Acordo Marco Internacional)
assinados em 2002 e 2006 pela direção mundial da Daimler, FITIM (Federação
Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas) e CMT Daimler.
O estudo espera ainda demonstrar a importância de entidade sindicais globais frente
à globalização econômica, principalmente em relação ao gigantismo crescente das
EMNs e o enfraquecimento dos Estados diante as corporações empresariais.
Assim, objetivamos sugerir que há uma alternativa para a defesa dos direitos dos
trabalhadores e que este caminho está em sua própria organização em nível
internacional por empresa.
Palavras-chave
Organização internacional dos trabalhadores – organizações sindicais globais –
comitê mundial de trabalhadores – Mercedes-Benz – Daimler – Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC – Acordos Marco Internacionais – estrutura sindical global
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SUMÁRIO
1. Introdução 04
2. A Daimler Mundial 05
3. Estrutura Sindical Global 07
3.1 As Centrais Sindicais Mundiais 08
3.2 As Federações Sindicais Mundiais 08
4. O Comitê Mundial dos Trabalhadores (CMT) da Daimler 09
4.1. Uma nova ferramenta para os trabalhadores: conquistas e desafios 11
4.2. Desafios 12
5. Os Acordos Marco Internacionais (AMIs) da Daimler 13
5.1. Avanços, necessidades e potencialidades dos AMIs da Daimler 15
5.2. Sugestões 15
6. Bibliografia 16
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1. Introdução
O presente estudo pretende discutir a importância dos Comitês Mundiais de
Trabalhadores (CMT), presentes em EMNs (Empresas Multinacionais).
Para isso será analisada a atuação do Comitê Mundial de Trabalhadores da Daimler
desde sua criação em 2002 até o ano de 2010.
Da mesma forma serão investigadas, sumariamente, as principais conquistas
obtidas – no campo do CMT – por meio dos AMIs (Acordo Marco Internacional)
assinados em 2002 e 2006 pela direção mundial da Daimler, FITIM (Federação
Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas) e CMT Daimler.
O estudo espera ainda demonstrar a importância de entidade sindicais globais frente
à globalização econômica, principalmente em relação ao gigantismo crescente das
EMNs e o enfraquecimento dos Estados diante as corporações empresariais.
Assim, objetivamos sugerir que há uma alternativa para a defesa dos direitos dos
trabalhadores e que este caminho está em sua própria organização em nível
internacional por empresa.
No segundo capítulo traçamos um perfil econômico da EMN Daimler, ressaltando o
poder crescente das corporações multinacionais frente aos Estados-Nação.
Na terceira parte expomos a estrutura atual do movimento sindical internacional,
destacando as Centrais Sindicais Mundiais (CSMs) e as Federações Sindicais
Internacionais (FSIs).
No penúltimo capítulo, o quarto, investigamos os oito anos de funcionamento do
CMT da Daimler. Sublinhamos a sua origem, estatuto, estrutura política e de
representação, principais temas debatidos durante as reuniões e especialmente as
conquistas e desafios alcançados no período.
Por fim, no quinto capítulo, enfatizamos os Acordos Marco Internacionais (AMIs)
assinados entre a Daimler e os seus trabalhadores. Examinamos a origem global
dos mesmos, os benefícios que podem possibilitar, os tipos de direitos garantidos e
principalmente exploramos suas potencialidades e desafios, elaborando algumas
sugestões para concluir.
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2. A Daimler Mundial
Seus fundadores, Gottlieb Daimler e Carl Benz, inventaram o automóvel no ano de
1886 e dessa criação teve origem o grupo Daimler. Hoje a corporação está presente
em 33 países e é composta pelas seguintes divisões: Carros Mercedes-Benz;
Caminhões Daimler; Vans Mercedes-Benz; Ônibus Daimler e Serviços Financeiros
Daimleri. Em 2010, o Grupo Daimler, cujas ações são negociadas nas bolsas de
valores de Frankfurt e Sttutgart, vendeu 1,9 milhão de veículos e empregou mais de
260 mil pessoas. Sua receita foi de 97,8 bilhões de euros e seu ebtida de 7,3
bilhões. Segundo a Revista Forbes, o Grupo Daimler é a 43ªii maior transnacional do
mundo a partir de uma combinação de quatro fatores: vendas, lucro, patrimônio e
valor de mercado. Analisando-se esses mesmos dados isoladamente a Daimler
assume as seguintes posições:
Vendas 21ª
Lucro 74ª
Patrimônio 131ª
Valor de mercado 93ª
Entre as fabricantes de caminhões e automóveis a Daimler é a segunda no mundo,
sendo superada somente pela outra alemã Volkswagen.
2.1 Visão Geral do Grupo
Brevemente, apresentamos os dados mais significativos em relação à Daimler.
Receita por regiões (em bilhões de euros)
Europa Ocidental 38.478 Alemanha 19.281 NAFTA 23.582 EUA (isolado) 20.216 Ásia 19.659 China (isolada) 9.094 Outros mercados 16.042 Total 97.761
Receita por divisão (em bilhões de euros)
Carros Mercedes-Benz 53.426 Caminhões Daimler 24.024 Vans Mercedes-Benz 7.812 Ônibus Daimler 4.558 Serviços financeiros Daimler 12.788
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Trabalhadores (por região)
Alemanha 164.026
EUA 18.295
Resto do mundo 77.779
Total 260.100
Não há assim, como negar, a enorme dimensão da Daimler. Os números dizem por
si e a colocam na frente não só entre as maiores multinacionais do mundo, mas
também entre a maioria dos Estados-Nação. Pode-se ainda alegar que, mesmo os
Estados sendo, em grande parte, menores do que as mais importantes
multinacionais, ainda são responsáveis pela elaboração e execução das leis que vão
nortear e delimitar as ações das corporações. Tal argumento parece ser
extremamente ingênuo, basta verificarmos – por exemplo - a relação existente entre
financiamento de campanhas eleitorais e doações de multinacionais. Quem paga,
manda. Sobre isso Joseph Stiglitz (Stiglitz, 2006) nos fornece dados muito
interessantes. 41 EMNs, entre elas a General Electric, Microsoft e Disney doaram
U$S 150 milhões para candidatos federais entre 1991 e 2001 nos Estados Unidos.
Em um período de três anos tiveram U$S 55 bilhões em isenção de impostos. As
empresas farmacêuticas gastaram U$S 759 milhões entre 1998 e 2004 para
influenciar 1.400 congressistas. Aliás, empregam 3 mil lobistas. Ainda nos Estados
Unidos, as cinco maiores empresas de contabilidade e auditoria contribuíram com
U$S 29 milhões para candidatos federais entre 1989 e 2001. Outro fator que
demonstra a fraqueza da importância normatizadora do Estado está simplesmente
na alta capacidade das EMNs em deslocarem rapidamente a produção, para
qualquer lugar do planeta, quando entraves legais prejudicam os seus interesses em
determinado país.
Empresas como o Wall-Mart com receita de U$S 408,21 bilhões em 2010; a Shell
com U$S 278,19 bilhões e a ExxonMobil com U$S 275,56 são maiores do que
grande parte dos países basta uma simples comparação entre receitas das EMNs e
PIBs nacionais. Para se ter uma ideia, as 500 maiores possuem um patrimônio de
23 trilhões de dólares. Toda riqueza mundial é de 61,9 trilhões. Ou seja, pelo menos
30% da riqueza mundial está nas mãos de um pequeno punhado de empresas. Dos
194 países existentes, apenas 25 (13%) são maiores do que qualquer multinacional.
Isto é, os outros 169 países (87%) são menores do que alguma multinacional.
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Por mais que os governantes, políticos e acadêmicos partidários da Teoria
(Neo)Realista em Relações Internacionais afirmem e tentem demonstrar a
prevalência do Estado enquanto principal ator do sistema internacional, diante dos
números, somente podem estar falando de alguns pouquíssimos Estados e não da
maior parte e muito menos de todos. Que jogo é esse, onde os indicados ou auto-
proclamados principais jogadores não possuem efetiva capacidade de jogar?! Isso
não significa, ao menos por enquanto, o fim do Estado, mas é necessário ter a
consciência de que somente alguns poucos realmente têm poder. A grande maioria
tem importância secundária e sem capacidade alguma de negociação em nível
mundial. O Estado ainda não desapareceu, pois o Capital ainda não encontrou uma
forma de substituí-lo plenamente. Dizemos plenamente porque de maneira parcial já
se encontrou uma forma para a substituição parcial do Estado: são as ONGsiii.
3. Estrutura Sindical Global
O internacionalisimo esteve presente na organização dos trabalhadores desde
praticamente a origem do operariado moderno na segunda fase da Revolução
Industrial. Em 1864, na cidade de Londres e tendo como figura dominante Karl Marx,
foi fundada a AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores) conhecida
principalmente como Primeira Internacional Socialista. Apesar dos graves revezes
que lhe seguiram, os trabalhadores, a partir disso, começaram a se organizar em
entidades sindicais mundiais.
Atualmente a estrutura sindical global está dividida em quatro níveis (Santos,
2005:27): mundial, regional, setorial e por empresa. Aqui abordaremos, mesmo que
brevemente, o nível mundial, setorial e por empresa – na medida em que nos
interessam mais proximamente. O nível mundial é composto pelas Centrais Sindicais
Mundiais (CSMs), o setorial pelas Federações Sindicais Internacionais (FSIs) e o
nível por empresa pelos Comitês Mundiais de Trabalhadores (CMTs). O nível
regional é integrado basicamente pelos departamentos continentais das CSMs e
pela CES (Confederação Europeia de Sindicatos), criada em 1973. Há também
outros tipos de organizações sindicais e parasindicais globais: Comitê Consultivo da
OCDE (TUAC), ao Global Compact da ONU, à GURN (The Global Union Research
Network – Rede Global de Pesquisa Sindical), e à Global Unions Federarion
(Federação Sindical Global).
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3.1. As Centrais Sindicais Mundiais (CSMs)
As FSIs (Federações Sindicais Internacionais), das quais trataremos a seguir, são
anteriores à existência das Centrais Sindicais Mundiais (CSMs). A mais antiga delas,
a FITIM (Federação Internacional dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica) foi
fundada em 1893, somente 29 anos depois da Primeira Internacional Socialista.
Como veremos, a primeira CSM, a CISCiv (Confederação Internacional dos
Sindicatos Cristãos) surgiu em 1920, portanto 27 depois da FITIM. Assim podemos
constatar que as entidades sindicais por setor econômico surgiram antes das
centrais sindicais mundiais (CSMs).
Hoje há duas CSMs: a CSI (Confederação Sindical Internacional – ITUC:
International Trade Union Confederation) e a FSM (Federação Sindical Mundial –
WFTU: World Federation of Trade Unions).
A FSM, fundada em 1945 e de orientação comunista, encontra-se fragilizada
politicamente e em sua estrutura, mas continua resistindo. Possui escritórios
regionais em Moscou, Oriente Médio, Europa, África, Ásia-Pacífico e América Latina.
A CSI é fruto de uma fusão, em 2006, da CIOSL (criada em 1949 e de orientação
social-democrata – ICFTU: International Confederation of Free Trade Unions) e a
CMT (criada em 1920 – WCL: World Confederation of Labour) e de orientação cristã.
Formaram então a mais poderosa CSM com muito mais recursos, estrutura e filiados
do que a FSM.
3.2. As Federações Sindicais Internacionais (FSIs)
Tanto a CSI como a FSM possuem FSIs filiadas ou de alguma forma a ela ligadas.
As FSIs relacionadas à CSI possuem uma maior independência e autonomia, às
vinculadas à FSM, na maior parte das vezes, funcionam mais como departamentos
e não entidades sindicais independentes.
Nos últimos anos há uma tendência de fusão entre as FSIs cristãs ligadas à antiga
CMT com as que estão próximas à ex-Ciosl. Um exemplo aconteceu em 2005 na
cidade de Buenos Aires entre a FITICM (Federação Internacional dos Trabalhadores
na Indústria da Construção e Madeira – BWI: International Federation of Building and
Wood Workers – de orientação social-democrata) e a Federação Mundial dos
Trabalhadores da Construção e Madeira (WFBW – World Federation of Building and
Wood Workers: de orientação cristã), constituindo a ICM (Internacional dos
Trabalhadores da Indústria da Construção e Madeira – BWI: Building and Wood
Workers´ International).
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As FSIs ligadas à CSI são atualmente as seguintes: BWI (Building and Wood
Workers´ International); EI (Education International); IAEA (International Arts and
Entertainment Alliance); ICEM (International Federation of Chemical, Energy, Mine
and General Workers´ Unions); IFJ (International Federation of Journalists); IMF
(International Metalworkers´ Federation); ITF (International Transport Workers´
Federation); ITGLWF (International Textile, Garment and Leather Workers
Federation); IUF (International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant,
Catering, Tobacco and Allied Workers´ Association) e PSI (Public Services
International). Juntas representam mais de 135 milhões de trabalhadores(as) em
todo o mundo espalhados por quase todos os países e em 1.230 sindicatos
nacionais e locais.
As FSIs da FSM são: Trade Union of Public and Allied Employees (TUI); Trade
Union International of Teachers´ Union (FISE); Trade Union International of Workers
in the Building, Wood, Building Materials and Allied Industries (UITBB); Trade Union
International of Workers in Agriculture, Food, Commerce, Textiles and Allied
Industries (UISTAACT); Trade Union International of Transport Workers; Trade Union
International of Energy, Metal, Chemical, Oil and Allied Industries; Trade Union
International of Workers in the Mining the Metallurgy and the Metal Industries.
Sublinhamos que essas são organizações enfraquecidas política e economicamente,
sem autonomia e por isso esvaziadas.
4. O Comitê Mundial dos Trabalhadores (CMT) da Daimler
A origem do CMT da Daimler é informal e teve início a partir da decisão da empresa
se fundir com a Chrysler. Imediatamente após a união, em maio de 1998 o IG Metallv
e o Conselho Geral de Trabalhadores da Daimler (Daimler General Works Council)
iniciaram uma série de reuniões com o UAW (Sindicato dos Trabalhadores
Metalúrgicos dos Estados Unidos). Dessas reuniões resultaram em 1999 a criação
do Grupo de Trabalho Automotivo dos Representantes dos Trabalhadores e em 17
de julho de 2002 este formalmente se tornou o Comitê Mundial de Trabalhadores
(CMT), presidido por Erich Klem, também presidente da maior Comissão de Fábrica
da Daimler (planta de Sindelfingen) e do Daimler EWC (Conselho Europeu de
Trabalhadores da Daimler). A vice-presidência coube a Nate Gooden, do UAW e
também representante da Chrysler.
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Para a elaboração de seu estatuto, o CMT se inspirou no correlato documento do
Conselho Europeu de Trabalhadores da Daimler (EWC: European Works Council)
acordado em 1996, apesar de que em bases mais simplificadas.
Segundo o seu estatuto, o CMT tem como objetivo:
“(...) permitir que os fóruns ou coletivos de representação dos trabalhadores em todo
o mundo compartilhem informações e opiniões uns com os outros e também
promovam o diálogo com a administração corporativa sobre importantes questões a
respeito da empresa em nível global. O objetivo é melhorar a compreensão mútua,
promover a boa vontade para a cooperação e ainda facilitar o processo de
integração. Os aspectos econômicos e sociais são combinados para formar a base
do futuro corporativo e das políticas de recursos humanos. O CMT trata das
questões de grande importância para a cooperação internacional entre os
empregados da Daimler. O CMT assume a responsabilidade por todos os
empregados da Daimler.”.
O documento não deixa dúvida sobre ser a organização essencialmente
internacional e sindical. Também se propõe enquanto um espaço de troca de
opiniões e informações entre os trabalhadores em nível global, em outras palavras,
possibilitar a comunicação e organização transnacional entre os trabalhadores.
Ainda de acordo com o estatuto do CMT os debates envolvem a situação atual e
futura da empresa nas seguintes áreas: estrutura da Daimler; situação econômica e
financeira; o desenvolvimento dos negócios, produção e vendas; a situação do
emprego e suas tendências. O CMT elege um comitê executivo com mandato de
quatro anos que consiste de um presidente e um vice. Também é importante
sublinhar que o CMT não é deliberativo em relação às estratégias próprias da
Daimler, apesar de poder assinar AMIs (Acordos Marco Internacionais) e outros
acordos com a direção da empresa e de estes acordos poderem ter o seu
cumprimento monitorado e cobrado. Os AMIs (dos quais trataremos na sequência)
possibilitam, podemos afirmar, um salto por parte do CMT: de sua natureza
simplesmente informativa, consultiva e de troca de experiências para uma situação
um pouco mais deliberativa.
A legislação alemã foi o instrumento utilizado para a legalização do CMT, ou ainda,
para a resolução de dúvidas provenientes da interpretação das cláusulas do
estatuto. Dessa forma o CMT pôde ser institucionalizado apesar de não ter um
caráter legal (Stevis, 2009).
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As reuniões do CMT ocorrem anualmente e em parte dela participa a direção da
Daimler. Durante as reuniões discutem-se temas relacionados aos trabalhadores em
todo o mundo: implantação dos AMIs, questões relacionadas à administração e
negócios, demissões, contratações; investimentos, lucros, prejuízos, estratégias da
produção entre outras previstas no estatuto. Normalmente, a pauta é composta pela
apresentação de um relatório pelo presidente do CMT; relatório dos países e
relatório da FITIM, que participa como observadora e se convidada. Essa é a pauta
“permanente”. Os outros itens são selecionados conforme a necessidade da
conjuntura. Fica assim, clara a apropriação de informações estratégicas por parte
dos trabalhadores e que podem ser utilizadas no planejamento de suas ações não
só em nível mundial, mas também nacional e local.
A formação original do CMT era de 13 membros, sendo que mudanças devem ser
negociadas com a direção da Daimler AG e o número máximo não deve exceder 15.
A composição inicial era: Alemanha: 6 representantes; EUA: 3; Canadá; Brasil;
África do Sul e Espanha 1 para cada. Em 2011 a composição passou a ser:
Alemanha: 6 representantes; EUA: 2; Brasil; África do Sul; Japão e Espanha 1 para
cada.
4.1. Uma nova ferramenta para os trabalhadores: conquistas e desafios
Apesar de ainda ser bastante jovem, especialmente em comparação às centenárias
EMNs e FSIs, o CMT da Daimler já acumula resultados positivos mais do que
suficientes para torná-lo um instrumento extremamente importante de diálogo social
internacional e organização dos trabalhadores. Alguns elementos justificam essa
afirmação, dos quais destacamos os principais:
O potencial de aumento das conquistas é muito grande. O CMT da Daimler,
por ter uma estrutura enxuta pode responder com maior rapidez frente às
situações colocadas, movendo-se rapidamente em relação às outras
estruturas sindicais internacionais, cuja burocracia pode dificultar retornos
mais ágeis. Outra vantagem do CMT é a sua especificidade. Uma entidade
sindical como a FITIM, por exemplo, deve atender a uma gama de assuntos
bastante ampla. O CMT da Daimler responde somente às demandas dos
trabalhadores de alguma forma vinculados a uma única empresa. Isso facilita
o foco e possibilita maior atenção. Além disso, há o fortalecimento da
legitimidade do CMT na medida em que é reconhecido não só pelos
trabalhadores, mas também pela empresa.
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Outra vitória proporcionada aos trabalhadores pela existência do CMT está no
acesso a informações importantes referentes à empresa e que dificilmente
poderiam ser apropriadas pelos trabalhadores para assim serem
consideradas na elaboração das estratégias definidas pelos sindicatos.
A participação direta de trabalhadores de outros países é também um avanço
para a organização.
4.2. Desafios
As estratégias das EMNs estão altamente globalizadas, inclusive em relação
ao seu imenso poder de comunicação junto aos trabalhadores e à sociedade.
Entretanto o alcance da comunicação sobre as ações do CMT são muito
limitadas. Em suas resoluções, o VI Congresso dos Metalúrgicos do ABC
realizado em 2009, constata “(...) a pouca comunicação existente entre
membros dos Comitês Mundiais de diferentes empresas. A ação de cada
Comitê continua sendo feita de forma isolada, não existindo na base dos
metalúrgicos do ABC um fórum onde essas experiências possam ser
socializadas e difundidas, de forma mais ampla, na categoria.”. No sentido de
melhorar o processo de comunicação, sugerimos algumas ações:
Divulgar as conquistas e discussões básicas do CMT. Por exemplo, é
importante difundir ao maior número possível de trabalhadores da Daimler
o essencial da situação em cada país; sempre apresentadas e discutidas
nas reuniões ordinárias anuais do CMT.
Criar um website do CMT disponível ao menos nos idiomas alemão,
francês, espanhol, português, inglês e também mandarim.
É necessário que haja mecanismos práticos e formais para a realização de
denúncias por parte de dirigentes sindicais locais e até mesmo por
trabalhadores diretamente contratados pela Daimler, terceiros e por
trabalhadores das empresas pertencentes à extensa cadeia produtiva de
fornecedoresvi. Atualmente a origem das denúncias está restrita aos
sindicatos locais nos países; membros do CMT; FITIM e IGMetal. O próprio
CMT reconhece que a Daimler é altamente dependente dos fornecedores e
vendedores da Daimler, daí a força para se garantir direitos dos trabalhadores
(terceirizados, cadeia de fornecedores e vendedores).
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Constituição de mecanismos formais para garantir a aplicação dos AMIs
também junto aos trabalhadores terceirizados e pertencentes à cadeia
produtiva dos diversos níveis de fornecedores. Entre eles, a inclusão nos
contratos de compra assinados entre as empresas do Grupo Daimler e o
primeiro nível de fornecedores da exigência de cumprimento das normas
sociais.
O Grupo Daimler desenvolve sua produção em 33 países, no entanto,
somente 6 possuem representação no CMT. O ideal, obviamente, seria a
representação direta de cada país. Entretanto, inicialmente uma maior
representação por região seria um avanço. Por exemplo, uma maior
representação da Ásia devido o grande número de países desse continente
com atividades da Daimler, entre eles a China, é urgente; bem como uma
representação da Oceania. O número limite de 15 membros para compor o
CMT, proposto desde o início é um obstáculo para se obter uma maior
democratização do fórum. Não se pode alegar a dificuldade de custos para
uma maior representação, pois mesmo se os gastos com deslocamento,
hospedagem etc para a participação em reuniões fossem realmente
significativos, há somente uma reunião por ano do CMT, o restante das
articulações e encaminhamentos são realizadas a distância (os modernos e
baratos meios de comunicação atuais facilitam o trabalho internacional) ou
localmente. Outra necessidade para uma maior democratização do CMT é a
representação da cadeia produtiva e terceirizados. Tendo atualmente o CMT
12 membros e os estatutos permitindo 15, por que não se inclui 1 membro a
mais para a Ásia, 1 para a Oceania e 1 representando os trabalhadores
terceirizados e da cadeia produtiva? Segundo Stevis,2009 e os dados
fornecidos pela própria Daimler, o número de trabalhadores em países sem
representação no CMT tem crescido e continuará aumentandovii.
Outra polêmica é a ausência de critérios mais objetivos para a inclusão e
exclusão de membros no CMT. Indicações claras e específicas seriam
saudáveis.
5. Os Acordos Marco Internacionais (AMIs) da Daimler
O surgimento dos AMIs remonta aos anos 80, especificamente a 1988, quando foi
assinado o primeiro entre a Danone e a UITA (União Internacional dos
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Trabalhadores da Alimentação). Entretanto, seu maior uso começa a partir dos anos
2000 e atualmente há 53 AMIs assinados. São, hoje, não só a melhor alternativa de
luta global por parte dos CMTs para garantir direitos dos trabalhadores, mas na
verdade a única forma de negociação entre sindicatos ou organizações de
trabalhadores e EMNs em nível mundial (Stevis, 2009).
Os AMIs podem garantir direitos aos trabalhadores onde a legislação seja
inadequada ou se adequada, muitas vezes pouco respeitada. Podem ainda,
temporariamente, substituir os sindicatos locais onde não existam ou sejam débeis
ou subservientes ao capital.
Em setembro de 2002 foi assinado o primeiroviii AMI entre a Daimler-Chryslerix e o
CMT/FITIM (Federação Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias
Metalúrgicas). Antes disso, a única empresa automotiva com AMI assinado era a
Volkswagen.
Representando a Daimler, o AMI-2002 foi assinado pelo seu CEO Günter Fleig e
pelo Diretor Mundial de RH, Jürgen E. Schrempp. Representando os trabalhadores
assinaram Erich Lemm, presidente do CMT e Nate Gooden co-presidente e também
representante da FITIM.
Um dos motivos que estimularam a criação e a assinatura de um AMI em 2002
ocorreu primeiramente por uma iniciativa dos representantes dos trabalhadores da
Alemanha que viram uma excelente oportunidade quando a direção mundial da
Daimler anunciou uma estratégia na área de recursos humanos para os executivos
da empresa. Os representantes dos trabalhadores refletiram e questionaram porque
não poderia haver também um tratamento global padrozinado para os trabalhadores
de outras estruturas (Stevis, 2009).
Os temas abordados pelo AMI-2002 e sua estrutura são: Direitos Humanos
(Trabalho Forçado, Trabalho Infantil, Igualdade de oportunidades, remuneração igual
por trabalho de valor igual); Relação com funcionários e representantes trabalhistas;
Condições de Trabalho (Proteção à saúde, Remuneração, Tempo de trabalho,
Qualificação) e Fornecedores.
Em 2004 a Cúpula dos Líderes do Global Compact da ONU acrescentou outro
princípio ao modelo existente de AMIs, o décimo, que trata do combate à corrupção.
Sendo assim, o CMT incorporou-o também no AMI da Daimler assinado em 2002.
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5.1. Avanços, necessidades e potencialidades dos AMIs da Daimler
É impossível desvincular o CMT da Daimler dos AMIs assinados em 2002 (Princípios
Sociais) e 2006 (Saúde e Segurança Ocupacional). Além do CMT ter sido um dos
principais incentivadores e signatários dos AMIs, fazem permanentemente uso dos
mesmos para a garantia de direitos dos trabalhadores em nível global. A aplicação e
o monitoramento dos AMIs pertencem às metas e compõem a pauta das reuniões
do CMT. Portanto, falar de um significa – na maior parte das vezes - referir-se ao
outro direta ou indiretamente. Os progressos são reais e concretos, além de
indicarem um crescimento de sua utilidade enquanto ferramenta para os
trabalhadores. A seguir, destacamos avanços conquistados e fazemos sugestões de
mudanças no sentido de aumentar os benefícios.
Desde 2002, 23 violações, em diversos países, foram reportadas ao CMT,
sendo a maior parte resolvidas.
Da mesma maneira que o CMT, os AMIs estão focados diretamente em uma
mesma empresa, independentemente da quantidade de plantas, países e
trabalhadores pertencentes àquela corporação. Isso certamente produz
maiores resultados com melhor aproveitamento das energias envolvidas.
Impacta positivamente a cadeia produtiva das empresas fornecedoras. Cria-
se um “efeito dominó” onde a pressão exercida sobre as fornecedoras diretas
das EMNs é transmitida para as fornecedoras das fornecedoras e assim
sucessivamente aos outros níveis.
O AMI-2002 da Daimler foi incorporado pelo Código de Integridade da
empresa, segundo documento mais importante da Daimler.
5.2. Sugestões
É importante que sejam construídos indicadores que possam ser usados
como critério para se dizer se uma cláusula que beneficia o trabalhador está
ou não sendo cumprida, inclusive fontes de verificação onde se possa apurar
os indicadores. Caso contrário, o critério passa a ser demasiadamente
subjetivo e assim, a decisão pelo seu cumprimento ou não, eventualmente
arbitrária.
Incluir diretamente e de maneira clara nos AMIs cláusulas pertinentes à
questão ambiental. Atualmente não há nada nesse sentido.
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Os AMIs não fazem referência direta a nenhuma cláusula da OIT (Stevis,
2009). Seria muito importante fazê-lo.
6. Bibliografia
CASTELLS. Manuel. A Sociedade em Rede. 9 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
CHESNAIS. François. A Mundialização do Capital. 1 ed. São Paulo: Xamã, 1996.
DAIMLER. Daimler at a Glance – Fiscal Year 2010. Stuttgart, Germany, 2011.
HOLDCROFT, Jenny. International Framework Agreements: A Progress Report.
Metal World, 2006.
INTERNATIONAL METALWORKERS´ FEDERATION. Strategies for na alternative
globalisation. Geneva.
INTERNATIONAL METALWORKERS´ FEDERATION. The Power of Framework
Agreements. Geneva.
MÜLLER, Torsten; PLATZER, Hans-Wolfgang; RÜB, Stefan. Global Company
Strategies – Global Employee Interest Representation? The Cases of
Volkswagen and DaimlerChrysler.
SANTOS. Boaventura de Sousa (org). Trabalhar o Mundo. 1ª Ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC. VI Congresso dos Metalúrgicos do
ABC – Caderno de Resoluções. São Bernardo do Campo, 2009.
STEVIS. Dimitris. International Framework Agreements and Global Social
Dialogue: Lessons from Daimler case. 1 ed. Geneva: ILO, 2009.
STIGLITZ, Joseph. Making Globalization Work. 1 ed. London: Penguin Books,
2007.
VIEIRA. Liszt. Os argonautas da cidadania: A sociedade civil na globalização. 1
ed. Rio de Janeiro: Record Editora, 2001.
i Essa divisão oferece, aos clientes do Grupo Daimler, um amplo conjunto de serviços financeiros automotivos incluindo financiamento, leasing, seguro e gestão de frota. ii As 10 maiores, nesta lista, são por ordem: JPMorgan Chase, HSBC, GE, ExxonMobil, Shell, PetroChina, ICBC, Petrobrás, Berkshire Hathaway e Citigroup. iii Parte das ONGs efetivamente estão preocupadas em executar políticas sociais que sirvam como modelos para as políticas públicas dos Estados e estimular a participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas. No entanto, outra parte, objetiva mesmo substituir o Estado, decretando sua “incompetência” e “ineficiência”, promovendo assim, a privatização do setor público. iv A antiga CISC anos depois transformou-se na CMT (Confederação Mundial do Trabalho). v É o sindicato metalúrgico alemão. vi Até o início de 2009, o Grupo Daimler contava com 24 mil fornecedores em todo o mundo. vii Em 28 de junho de 2011 a Daimler, em parceria com a chinesa BAIC, assinou acordo para investimento de 2 bilhões de euros com o objetivo de expandir as atividades na China. viii Em 2006 foi assinado novo AMI sobre Saúde e Segurança. ix A fusão entre a Daimler e a Chrysler vigorou entre 1998 a 2007.