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8/15/2019 A Implementação Do Controle de Convencionalidade Na América Latina
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A Implementação do Controle de Convencionalidade na América Latina:
Ordenamento Jurídico Peruano, Argentino e Brasileiro em Contraponto
Adriano Alberto Smolarek1;2
Resumo
Propõe-se com este escrito analisar o grau de implementação dos ditames
convencionais emitidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nos
Ordenamentos Jurídicos Domésticos. Busca-se conceber o Controle de
Convencionalidade enquanto mecanismo de coadunação e ordenação da normativa
que dispõe sobre Direitos Humanos e a instrumentalização desempenhada pelos
estados da América Latina. Empreende-se especial análise sobre o panorama do
Controle de Convencionalidade desempenhado na República Peruana através da
sentença do Caso Barrios Altos na Corte Interamericana de Direitos Humanos e as
consequências produzidas no Ordenamento Argentino. Após, em contraponto,
verifica-se o estágio em que se encontra o Ordenamento Jurídico Brasileiro ante a
temática.
Palavras-chave: Controle de Convencionalidade, Corte Interamericana de Direitos
Humanos, Ordenamento Jurídico Internacional, Ordenamento Jurídico Doméstico.
Resumen
Este artículo propone analizar el grado de implementación de los dictámenes
convencionales emitidos por la Corte Interamericana de Derechos Humanos en los
Ordenamientos Jurídicos Domésticos. Se busca concebir el Control de
Convencionalidad como un mecanismo de coadunación y ordinación de la normativa
1
O autor é Professor de Direito Internacional Público e Direito Civil. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Graduado em Direito pela Faculdade União – Ponta Grossa – PR.2 O autor agradece a Salomé Urrea Valencia pelo auxílio prestado neste escrito.
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que dispone sobre Derechos Humanos y la instrumentalización desempeñada por los
estados de Latinoamérica. Se hace un especial análisis sobre el panorama del Control
de Convencionalidad en la Republica Peruana sobre la sentencia de la Corte en el
Caso Barrios Altos y las consecuencias producidas en el Ordenamiento Jurídico
Argentino. Luego, en contraposición, se hace una verificación del grado de
implementación del tema en el Ordenamiento Jurídico Brasileño.
Palabras Clave: Control de Convencionalidad, Corte Interamericana de Derechos
Humanos, Ordenamiento Jurídico Internacional, Ordenamiento Jurídico Brasileño.
Sumário
INTRODUÇÃO
I – O Controle da Convencionalidade
II - O Caso Peruano: Barrios Altos vs. Peru e sua implementação no Ordenamento
Jurídico Doméstico
III - O Caso Argentino: Lei do Ponto Final e Obediência Devida
IV - O exercício comparativo entre os julgados convencionais peruano, argentino e
brasileiro.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Introdução
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O Direito é um instrumento necessário à vida em sociedade. A multiplicidade
cultural, étnica e moral existente no mundo contemporâneo reflete um universo de
constante interação que supõe intensas relações humanas, políticas, comerciais e
culturais nas mais variadas maneiras de exteriorização. O Direito proporciona a
organização da vida política e social dos homens. É impossível conceber a coexistência
e as interrelações entre sujeitos sem pressupor a existência anterior de um Ordenamento
Jurídico. Seja na esfera intra-estatal ou internacional.
Contemporaneamente, os Estados organizados pautam-se no ordenamento
jurídico doméstico para manter ou resguardar em maior medida, as condições
necessárias à sua própria existência e subsistência, bem como, de seus cidadãos.
No âmbito internacional, após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial,
os Estados do globo reunidos, definiram a criação de diversos órgãos que auxiliariam na
coexistência pacífica entre seus pares. A Organização das Naçoes Unidas foi criada com
este fito. E, calcada em seu ideário “global” ditou mandamentos essenciais ao resguardo
da pessoa humana como forma de rascunhar aquilo que deveria ser implementado de
modo a que as atrocidades das guerras mundiais não se repetissem.
De forma paralela à ONU, desenvolveram-se instituições de caráter
supranacional, com viés continental que, além de estabelecer uma relação mais direta
com os Estados que conformam parte de uma determinada “região” do globo, poderiam
definir, dentro dos parâmetros emitidos pela ONU, quais seriam os direitos e garantias
fundamentais ao pleno exercício da vida humana. Surgiu em decorrência desta
tendência, no continente americano, a Organização dos Estados Americanos, que ditou a
Convenção Americana de Direitos e Deveres do Homem. Este foi o primeiro
documento de âmbito continental que vinculou inúmeras prerrogativas, quais os países
signatários deveriam implementar tão logo houvessem ratificado.
Tal Convenção instiuiu - para além dos direitos e garantias do ser humano aserem respeitados - dois organismos internacionais, aos quais recai o dever de resguardo
e fiscalização dos preceitos da Convenção em decorrência de violações ocorridas em
âmbito intra-estatal. Tais instituições, conhecemos por Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esta última constitui
Tribunal Internacional com funções contenciosas e consultivas.
Dentro dos casos julgados pela Corte, erigiu-se jurisprudência no sentido de que,
já que os Estados signatários da Convenção submetem-se à sua jurisdição, devemimplementar no plano doméstico os julgamentos voltados à seara de Direitos Humanos
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internacionais ratificados pelo país onde vigora taisnormas (controle de convencionalidade.5
A ideia de estabelecer o juízo de adequação normativa da legislação doméstica
para com a internacional teve sua gênese, não nos Tribunais e Cortes Internacionais,mas sim, dentro do ordenamento jurídico doméstico da República Francesa.
Originariamente o Controle de Convencionalidade evidenciou-se na decisão 74-54 DC,
de 15 de janeiro de 1975 do Conselho Constitucional Francês através de uma
interessante explanação sobre a competência daquele órgão jurisdicional, sobre efetivá-
lo, para além do Controle de Constitucionalidade, em virtude da existência do Princípio
da superioridade dos Tratados sobre a Lei, enunciado pelo artigo 55 da Constituição
Francesa.
6
Imperioso esclarecer, todavia, que a proteção, a promoção e o respeito aos
Direitos Humanos constitui prerrogativa de atuação do Estado-nacional, ao passo que, a
proteção internacional sobre a seara - através de organismos internacionais -, só ocorre
de forma subsidiária, quando do esgotamento dos meios recursais no plano interno.7
A prática do Controle de Convencionalidade feito a partir da Corte
Interamericana já consiste em uma realidade. Entretanto, a implementação e o grau de
aceitação pelos Estados jurisdicionados tende a variar de acordo com o grau de
incorporação dos valores da internacionalização dos Direitos Humanos e com o regime
estamental atribuído aos Tratados dessa seara.
A relevância e a obrigatoriedade das sentenças da Corte Interamericana já
encontra incidência jurisprudencial nos Tribunais domésticos em âmbito latino-
americano, a saber:
A obrigatoriedade das sentenças da Corte Interamericana
e das normas internacionais de direitos humanos noâmbito doméstico é realçada por uma expressiva
jurisprudência regional. Cabem menção aos casos: a) casodecidido pelo Tribunal Constitucional da Bolívia, emmaio de 2004 (sustenta a aplicação das normas e da
5 GUERRA, Sidney. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos no Âmbito da Corte Interamericanae o Controle de Convencionalidade. p. 359. UFC. Revista Nomos. v. 32.2, jul./dez. 2012. Disponível em:.6 DUTHEILLET de LAMOTHE, Olivier. Controle de Constitutionalite et Controle de Convencionalite.Mélanges en l’honneur de Daniel Labetoulle. Dalloz, 2007. p. 3-8. Disponível em , acessado em 05 de maiode 2014.7 AMARAL JÚNIOR, Alberto. Curso de Direito Internacional. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2013. p. 542.
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jurisprudência interamericana de direitos humanos noâmbito interno); b) caso decidido pelo TribunalConstitucional do Peru, em março de 2004 (realça osistema normativo e jurisprudencial internacional emdireitos humanos e seu valor na interpretação dos direitos
constitucionais); e c) caso decidido pela Corte Supremada Justiça da Argentina, em julho de 1992 (enfatiza aobrigatoriedade das normas internacionais de direitos humanos no sistema de fontes do ordenamento jurídico). 8
No mesmo sentido, já se tem lugar comum encontrar a aplicação da Convenção
Interamericana, Tratados Internacionais de Direitos Humanos ou mesmo a
jurisprudência e as interpretações da Corte Interamericana, nas decisões domésticas em
nosso continente. Flávia Piovesan parafraseia importante lição constante de decisão da
Corte Suprema de Justiça Argentina que ensina que “a jurisprudência da CorteInteramericana deve servir de guia para a interpretação dos preceitos convencionais,
sendo uma imprescindível diretriz de interpretação dos deveres e das obrigações
decorrentes da Convenção Americana.”9
A implementação do Controle dos instrumentos convencionais pressupõe certo
amadurecimento jurídico-cultural doméstico em relação ao Direito Internacional e sua
práxis, na medida em que se necessita de recepção privilegiada dos tratados quando
tratem de Direitos Humanos, e, mormente ante a conciliação e a complementariedade positiva representada pelo diálogo das fontes e pelo diálogo das cortes.10 Somente na
medida em que tais pressupostos forem alcançados é que a prática vai se consolidar em
âmbito doméstico.
São diversos os estágios de avanço entre as ordens jurídicas circunvizinhas sobre
o tema em questão, mas fato é que, de acordo com o Magistrado Nestor P. Sagües apud
Flávia Piovesan, o nível de implementação das regras geradas pela Corte em sede de
Controle de Convencionalidade se baseiam em 4 tipos:A admissão expressa, com destaque à República Argentina cuja jurisprudência,
desde anos 90, já reconhece expressamente o vigor jurisprudencial da Corte
Interamericana em seu ordenamento doméstico, como se nota:
8PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Diálogo entre Jurisdições. Revista Brasileira de DireitoConstitucional – RBDC. Jan./jun., 2012. p. 84. Disponível em ,
acessado em 14 de maio de 2014.9PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p. 85.10Idem. p. 90.
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"la jurisprudencia de los tribunales internacionales debeservir de guía para la interpretación de los preceptosconvencionales en la medida en que el Estado Argentinoreconoció la competencia de la Corte Interamericana deDerecho Humanos".11
A admissão tácita, onde se destaca a Costa Rica, Peru, Chile, El Salvador e
Bolívia, que admitem a modificação do ordenamento jurídico doméstico em função de
sentenças da Corte Interamericana.
Silêncio com aparente resiliência, cujos exemplos são Equador, Brasil, México e
Colômbia, posto que tais países não emitiram posicionamentos oficiais sobre a prática,
muito embora, por vezes, hajam implementado de alguma forma os mandamentos do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos.Ainda, a negação tácita, com destaque ao grave caso venezuelano, em que a Sala
Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça declarou não executável uma sentença
da Corte Interamericana, encorajando o poder Executivo a retirar-se da Convenção
Americana de Direitos Humanos, em 18 de dezembro de 2008 de acordo com o caso
“Apitz Barbera”.12
Cabe ao Poder Judiciário de cada país evoluir e amadurecer quanto à utilização
deste meio que pode ser desempenhado, inclusive de ofício pelos juízes, conforme
disposição da Corte:
Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacionalcomo la Convención Americana, sus jueces también estánsometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efectoútil de la Convención no se vea mermado o anulado por laaplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto yfin. En otras palabras, los órganos del Poder Judicialdeben ejercer no sólo un control de constitucionalidad,
sino también “de convencionalidad” ex officio entre lasnormas internas y la Convención Americana,evidentemente en el marco de sus respectivascompetencias y de las regulaciones procesalescorrespondientes. Esta función no debe quedar limitadaexclusivamente por las manifestaciones o actos de los
11VILLANUEVA, Marcos Agustín. El control de convencionalidad y el correcto uso del margen deapreciación: medios necesarios para la protección de los derechos humanos fundamentales. Anais doCongreso de Derecho Público para estudiantes y jóvenes graduados “Democracia y Derecho”.Universidad Buenos Aires. 2012. p. 6. Disponível em
, acessadoem 14 de maio de 2014.12PIOVESAN, Flávia. Op Cit. p.84.
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accionantes en cada caso concreto, aunque tampocoimplica que ese control deba ejercerse siempre, sinconsiderar otros presupuestos formales y materiales deadmisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones.13
A transformação da cultura jurídica requer tempo e vontade para tanto.Direcionar e capacitar os magistrados sobre a aplicação dos instrumentos internacionais
de proteção aos direitos humanos; da principiologia específica aplicável a estes direitos
e da jurisprudência protetiva internacional deve converter-se em referência e parâmetro
a guiar a conduta de tais agentes. A elaboração de normas, a adoção de políticas
públicas e a formulação de decisões judiciais devem louvar o princípio da boa fé no
âmbito internacional, buscando sempre harmonizar a ordem doméstica à luz dos
parâmetros protetivos mínimos assegurados na ordem internacional no campo dosdireitos humanos.14
Dentro da casuística a que o presente artigo dispõe analisar estão, o Caso
Barrios Altos y Otros vs. Peru na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a
posterior consequência ocasionada no Ordenamento Jurídico Argentino. A saber.
II - O Caso Peruano: Barrios Altos vs. Peru e sua implementação no Ordenamento
Jurídico Doméstico
Na noite de 03 de novembro de 1991, na localidade conhecida como “Barrios
Altos”, cidade de Lima, Peru, seis indivíduos fortemente armados invadiram o imóvel
localizado no “jirón Huanta”, 840. No local ocorria uma festa com a finalidade de
arrecadar fundos para reformar o imóvel. Os seis indivíduos, que estavam encapuzados,
adentraram ao imóvel e lá ordenaram que todos deitassem no chão. Uma vez deitados,
os invasores dispararam indiscriminadamente utilizando-se de armas com silenciador,
durante o período de dois minutos. Da ocasião restaram 15 mortos e 4 feridos, dentre os
quais um incapacitado permanentemente. Das investigações que seguiram ao caso, bem
como, das reportagens jornalísticas dos dias que sobrevieram aos fatos, restou revelada
a participação de membros da inteligência militar, um esquadrão denominado “de
13CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados del Congreso
versus Peru. Sentença de 24 de novembro de 2006. Ponto 128. p. 47. Disponível em, acessado em 14 de maio de 2014.14PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p. 91.
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eliminación”, conhecido posteriormente como “Grupo Colina”15, que era financiado
pelo então Presidente do Peru, Alberto Fujimori.
Dada a comoção social de um crime de tamanha brutalidade, em 14 de
novembro de 1991, diversos Senadores da República solicitaram ao plenário para
constituir uma Comissão de Investigação sobre os fatos. Em 15 de novembro a referida
Comissão foi instituída. Entretanto, em abril de 1992 o Congresso Legislativo e o Poder
Judiciário peruanos foram destituídos.16
Em abril de 1995, o Ministério Público do Peru (Fiscalía Provincial Penal)
iniciou uma investigação idônea sobre os fatos, qual culminou em denúncia em foro
penal. No interim entre o início do processo proposto, o Congresso peruano sancionou a
Lei nº 26479, que concedeu anistia a militares, polícias ou civis que houvessem
cometido ou participado de violações a direitos humanos entre 1980 e 1995. 17 E,
posteriormente, para evitar novas investigações sobre os fatos violatórios
supervenientes, o Congresso Peruano aprovou nova Lei de anistia, qual declarou
expressamente que a anistia concedida não é passível de revisão.18
Mister ressaltar que ambas as leis editadas não possuíram tempo para discussão
e deliberação pública no âmbito do Congresso Nacional Peruano, sendo inexistente
qualquer registro de votação atinente a matéria.19
Em julho de 1995, a décima primeira sala penal da Corte Superior de Justiça de
Lima resolveu arquivar definitivamente o processo investigatório dos fatos do caso
Barrios Altos. Na sentença, resolveu-se que a lei de anistia não era antagônica à Carta
Política da República Peruana (Constituição) e nem com os tratados internacionais de
Direitos Humanos assinados pelo Peru!20
Estas foram as circunstâncias sob as quais consistiu o reclamo junto à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que sugeriu ao Peru, deixasse sem efeito toda
medida interna, legislativa ou de outra natureza que tendesse a impedir a investigação,
15 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Peru.Sentencia de 14 de março de 2001. p. 2 - 3. Ponto 2 a, b, d e e. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.16 Idem. p. 3. Ponto 2 f.17 CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 26479. Disponível em, acessada em 07 de junho de 2014.18 CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 26492. Disponível em , acessado em 07 de junho de 2014.19 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Perú.
Sentencia de 14 de março de 2001. p. 4. Ponto 2 i. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.20 Idem. p. 3. Ponto 2 n.
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processo ou sanção de responsáveis por assassinatos ou lesões resultantes dos fatos
conhecidos como “Barrios Altos”. Além de conduzir uma investigação séria, imparcial
e efetiva dos fatos, sem prejuízo das reparações a título de indenização dos familiares
das vítimas do caso.21
O Estado não cumpriu satisfatoriamente com o recomendado, de modo que, em
maio de 2000, a Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana.22
Na sentença, a Corte considerou expressamente:
Esta Corte considera que son inadmisibles lasdisposiciones de amnistía, las disposiciones de
prescripción y el establecimiento de excluyentes deresponsabilidad que pretendan impedir la investigación y
sanción de los responsables de las violaciones graves delos derechos humanos tales como la tortura, lasejecuciones sumarias, extralegales o arbitrarias y lasdesapariciones forzadas, todas ellas prohibidas porcontravenir derechos inderogables reconocidos por elDerecho Internacional de los Derechos Humanos. […] LaCorte, conforme a lo alegado por la Comisión y nocontrovertido por el Estado, considera que las leyes deamnistía adoptadas por el Perú impidieron que losfamiliares de las víctimas y las víctimas sobrevivientes enel presente caso fueran oídas por un juez, conforme a loseñalado en el artículo 8.1 de la Convención; violaron elderecho a la protección judicial consagrado en el artículo25 de la Convención; impidieron la investigación,
persecución, captura, enjuiciamiento y sanción de losresponsables de los hechos ocurridos en Barrios Altos,incumpliendo el artículo 1.1 de la Convención, yobstruyeron el esclarecimiento de los hechos del caso.Finalmente, la adopción de las leyes de autoamnistíaincompatibles con la Convención incumplió la obligaciónde adecuar el derecho interno consagrada en el artículo 2
de la misma.
23
E, objetivamente decidiu pela responsabilização internacional do Estado
Peruano pela violação de diversos preceitos contidos na Convenção Interamericana,
atinentes ao resguardo do Direito à Vida, Direito à Integridade Pessoal, Direito às
21 Ibidem. p. 7. Ponto 17 A.22 Ibidem. p. 8. Ponto 20.23
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Perú.Sentencia de 14 de março de 2001. p. 15. Pontos 41 e 42. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.
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Garantias Processuais e Judiciais em relação aos familiares das vítimas. Em seguida
declarou expressamente que:
“las leyes de amnistía Nº 26479 y Nº 26492 sonincompatibles con la Convención Americana sobreDerechos Humanos y, en consecuencia, carecen deefectos jurídicos”.24
Tão logo emitida a sentença, o Poder Judiciário peruano, em estrito
cumprimento, anulou a decisão que havia arquivado os procedimentos investigatórios
do massacre ocorrido na localidade de Barrios Altos. Com o desarquivamento, o
Ministério Público pediu o aditamento de outros diversos réus que possuíam
envolvimento com os fatos. Finda a instrução, o “4º juzgado penal” emitiu sentença emque se condenou, alguns dos 15 réus com pena de detenção, e outros, com pena
restritiva de direito e outras com prisão domiciliar. 25 Entre os que foram processados e
condenados encontra-se o ex-presidente Alberto Fujimori que além da condenação
referente ao Caso Barrios Altos, também se soma o massacre denominado “La Cantuta”,
qual foi realizado pelo “Grupo Colina” subsidiado por ele, e que necessitou também do
auxílio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que as investigações, no
plano interno, pudessem existir. No que tange à declaração de nulidade das leis que concedem anistia, silenciam
os poderes judiciais peruanos, muito embora, todos os outros requisitos solicitados pela
Corte tenham sido cumpridos. Isto é, não houve manifestação do judiciário peruano
sobre a derrogação das leis que instituíram a anistia. Sua invalidação aconteceu de
maneira tácita em virtude de que restou comprovada a organização criminosa conhecida
como Grupo Colina, cujo mandante era o ex-presidente Alberto Fujimori.
Ao fim e ao cabo, em 27 de junho de 2002, o Congresso peruano aprovou umaLei que regulamentou o procedimento de execução de sentenças emitidas por tribunais
supranacionais.26
O Poder Judiciário Peruano foi o primeiro a colocar em prática a modalidade de
convencionalidade em relação a um instrumento normativo como tal. Até então, a
24 Idem. p. 18. Ponto 51.3.25 COMISIÓN DE LA VERDAD. Tomo VII. Caso Barrios Altos. Disponível em, acessado em 07 de junho de 2014.26 CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 27775. Disponível em, acessado em 07 de junho de 2014.
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Exército, havia criado a criança como sua filha biológica tendo, por conseguinte,
ocultado sua verdadeira identidade. Em relação ao caso, a justiça argentina entendeu por
condenar o militar e sua esposa.28
No ano 2000, o Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) apresentou uma
queixa criminal contra os responsáveis pelo sequestro, pelo desaparecimento forçado e
pelas torturas a que foram submetidos José Poblete e Gertrudis Hlaczik. No julgamento
do pedido afirmou-se que as leis de Obediência Devida e Ponto Final não deveriam ser
aplicadas.29
A Lei Ponto Final (Ley de Punto Final – nº 23.492) e Lei de Obediência Devida
(Ley de Obediencia Debida – nº 23.521), ambas postas em vigência durante o regime
democrático, estabeleciam anistia aos delitos cometidos durante o período de repressão
sistemática da Ditadura Argentina que esteve no poder entre 1966 e 1982.
A Lei Ponto Final tinha o objetivo de concluir com as investigações pelos crimes
ocorridos durante a Ditadura e, dando um prazo de 60 dias, para conceder a anistia a
todos aqueles que não houvessem sido citados ou investigados. Na sequência, a Lei da
Obediência Devida impôs aos juízes que investigavam os feitos cometidos no período
da repressão, que deveriam declarar que os militares haviam agido por coerção, em
virtude de ordens superiores sobre as quais não tiveram possibilidade de negar, nem
prestar oposição e nem resistência.
Em março de 2000, mesmo mês que a Corte Interamericana pronunciou-se
acerca do Caso Barrios Altos Versus Perú, o Juiz Gabriel Cavallo, de um tribunal
comum, resolveu, numa espécie de Controle Difuso de Constitucionalidade, que ambas
as leis eram incompatíveis com os tratados internacionais de Direitos Humanos
ratificados pela República Argentina e que as leis eram contrárias à Constituição
Nacional, decretando sua invalidação, inconstitucionalidade e nulidade.30
Em resolução a Câmara Legislativa Federal aprovou por unanimidade a medidatomada pelo Juiz Gabriel Cavallo através de uma extensa e bem fundamentada decisão,
28 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y ObedienciaDebida son inconstitucionales. p.1 - 2. Disponível em, acessado em 08 de
junho de 2014.29 Idem. p.2.30 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y Obediencia
Debida son inconstitucionales. p. 2. Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.
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na ocasião em que se declararam nulas tanto a Lei do Ponto Final como a da Obediência
Devida através da aprovação da Lei nº 25.779:
En el contexto actual de nuestro derecho interno lainvalidación y declaración de inconstitucionalidad de lasleyes 23.492 y 23.521 no constituye una alternativa. Esuna obligacion.31
No entanto, a decisão da Câmara Federal foi apelada à Corte Suprema de Justiça
Nacional, o órgão máximo da justiça argentina. Dois Procuradores Nacionais, Nicolas
Becerra e Esteban Righi, confirmaram a decisão do Juiz Gabriel Cavallo, afirmando que
ambas as leis contrariavam o ordenamento jurídico nacional e internacional.32
Em uma decisão fortemente respaldada por conhecimento técnico dosProcuradores e pelos Juízes, em 275 laudas a Corte Suprema declarou a nulidade das
Leis mencionadas pela afronta aos dogmas presentes em seu ordenamento doméstico e
também pela incoerência que tais diplomas conferiam em relação às obrigações
assumidas no plano internacional.
É sabido que o Direito Internacional possui uma série de postulados básicos que
revestem-se de imperatividade: o jus cogens, por exemplo. Tais regras consistem em
postulados derivados originariamente do Direito Internacional e transcendem asrelações inter-estatais, haja vista que a referida seara não se limita às interrelações dos
países do globo, mas sim, auxiliam a desenvolver os princípios fundamentais sobre os
quais devem os estados calcar-se as relações internacionais, vinculando não só países
mas também, pessoas que encontram submetidas às determinadas ordens jurídicas.
Durante a Reforma Constitucional realizada em 1994, o constituinte argentino capitulou
na “Constituición Nacional”, no artigo 75, inciso 22 a hierarquia de norma
constitucional aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como se vê:
Articulo 75º - Corresponde al Congreso:[…]22. Aprobar o desechar tratados concluidos con lasdemas naciones y con las organizaciones internacionales ylos concordatos con la Santa Sede. Los tratados y
31 Idem. p.3.32 CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Fallo del Procurador.
Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.
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concordatos tienen jerarquia superior a las leyes. […] Losdemas tratados y convenciones sobre derechos humanos,luego de ser aprobados por el Congreso, requeriran delvoto de las dos terceras partes de la totalidad de losmiembros de cada Camara para gozar de la jerarquia
constitucional.33
Ao sancionar as Leis do Ponto Final e da Obediência Devida, o estado argentino
violou o dever internacional de investigar e punir violações de direitos humanos e no
que diz respeito aos crimes contra a humanidade. A Corte Suprema com base na
jurisprudência da Corte Interamericana, de modo incisivo, no precedente do Caso
Barrios Altos Vs. Peru, reconheceu o dever do estado em prevenir, investigar e punir,
através da utilização de todo o aparato governamental, os direitos humanos
reconhecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos.34 Do mesmo modo,
estatuiu expressamente, em exercício louvável, que:
“las leyes de Punto Final y de Obediencia Debida presentan los mismos vicios que llevaron a la CorteInteramericana a rechazar las leyes peruanas de"autoamnistía". Pues, en idéntica medida, ambasconstituyen leyes ad hoc, cuya finalidad es la de evitar la
persecución de lesiones graves a los derechos humanos.”(…) “también deben quedar alcanzadas aquellas leyesdictadas por regímenes ulteriores que otorgan impunidada aquellos autores que pertenecían al régimen anterior, einfringen, de este modo, el propio deber de perseguir
penalmente las violaciones a los derechos humanos.”35
Neste sentido, no bojo da análise da Corte Suprema, houve a alegação de que se
estava lesando o Princípio da Legalidade pela imputação do crime de “desaparição
forçada”, figura delituosa ora sem tipificação no ordenamento argentino e ainda, por
valer-se de normas internacionais relativas a crimes contra a humanidade que possuem
imprescritibilidade e não possuíam vigência no Estado Argentino, à época dos fatos.
33 CONSTITUICIÓN DE LA NACIÓN ARGENTINA. Artigo 75º, inc. XXII. Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.34 CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Dictamen. p. 6 – 11.Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.35 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y Obediencia
Debida son inconstitucionales. p. 6.Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.
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À alegação do crime de desaparição forçada, sustentou a Corte:
“la desaparición forzada de personas ya se encuentra -y seencontraba- tipificada en distintos artículos del Código
Penal argentino. Pues no cabe duda de que el delito de privación ilegítima de la libertad contiene una descripcióntípica lo suficientemente amplia como para incluirtambién, en su generalidad, aquellos casos específicos de
privación de la libertad que son denominados"desaparición forzada de personas". Se trata,simplemente, de reconocer que un delito de autorindistinto como la privación ilegítima de la libertad,cuando es cometido por agentes del Estado o por personasque actúan con su autorización, apoyo o aquiescencia, yes seguida de la falta de información sobre el paradero de
la víctima, presenta todos los elementos que caracterizan auna desaparición forzada. Esto significa que ladesaparición forzada de personas, al menos en lo querespecta a la privación de la libertad que conlleva, ya seencuentra prevista en nuestra legislación interna como uncaso específico del delito -más genérico- de los artículos141 y, particularmente, 142 y 144 bis del Código Penal,que se le enrostra al imputado.36
Defende, portanto, a Corte Suprema que a imputação atribuída consiste na
utilização combinada de diversos tipos penais previstos no Código Penal Argentino, em
virtude da natureza do delito. E, dada a época e natureza em que se cometeram tais
delitos, reconhece-se o seu caráter de crime contra a humanidade.
Sobre a eventual violação do Princípio da Legalidade em relação aos direitos e
garantias fundamentais, tem-se que, na época do cometimento das condutas, o Estado
argentino já havia se comprometido com o resguardo de uma série de garantias
fundamentais, quais foram violadas através das sistemáticas ações desempenhadas pelos
agentes dos delitos. Nesta passagem, a Corte Argentina cita precedente emitido pela Corte
Interamericana para dizer que:
En esa inteligencia, la Corte Interamericana de DerechosHumanos en sus primeras decisiones sobre denuncias de
36 CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Dictamen. p. 22.
Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.
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Resguardada a manifestação de aparente resiliência, os atos realizados pela
República Peruana tiveram importante desdobramento no ordenamento jurídico
argentino. A Constituição Nacional Argentina dá aos tratados internacionais sobre
direitos humanos o caráter de norma constitucional. Este fato atribui à jurisdição da
Corte, a característica de fonte permanente de elementos normativos daquele
ordenamento. Ora, se as interpretações da Corte Interamericana vinculam o
ordenamento argentino, seus juízes, em exemplar exegese, utilizando-se de
recomendação interamericana, praticaram o Controle de Convencionalidade, ou mesmo
o Duplo Controle normativo, de modo a anular os efeitos das leis do Ponto Final e da
Obediência Devida, em virtude da extrema similaridade com as leis de anistia peruana.
Se a Corte utilizou-se dessas medidas em relação às leis peruanas, o Juiz
Argentino calcado na prática internacional declarou isentas de efeitos as referidas leis
anistiadoras. As leis do Ponto Final e Obediência devida foram declaradas nulas após
quatro anos de intensa pesquisa da Corte Suprema de Justiça Argentina que em sua
sentença final, afastou qualquer tentativa de alegação atinente às violações porventura
existentes ao Princípio da Legalidade, havendo exposto ainda, as características de
retroatividade, imprescritibilidade e consequente inexistência de coisa julgada, sem
deixar de abordar a característica de crime contra a humanidade.
A denúncia feita contra o Brasil perante a Comissão Interamericana sobre a
ineficácia das investigações da Guerrilha do Araguaia culminou no início do processo
Gomes Lund e Outros vs. Brasil na Corte Interamericana. No entanto, a condenação e a
respectiva responsabilização internacional do Estado Brasileiro só sobreveio após a
declaração de constitucionalidade da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº153, no Supremo Tribunal Federal.
No que atine à recepção da Lei anistiadora (Lei nº 6.683/79) pela Consituição
Federal de 1988, o julgador pátrio disse que a anistia estabelecida lei supramencionadaencontrou supedâneo de reiteração na Emenda Constitucional nº 26/85, que convocou a
Assembleia Nacional Constituinte. Ainda, ressaltou nossa Suprema Corte que não seria
possível restringir os efeitos do parágrafo 1º do artigo 1º da lei da anistia em razão do
postulado do Estado Democrático de Direito, bem como, do Princípio da Segurança
Jurídica.42
42
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153. p. 9. Disponível em ,acessado em 09 de junho de 2014.
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De acordo com o voto do eminente Relator, a inicial da ADPF compreendia
duas linhas de argumentação: a primeira, onde se pleiteava a contemplação da
interpretação conforme a constituição, à luz dos preceitos constitucionais fundamentais,
de modo a declarar que a anistia concedida pela aludida lei aos crimes políticos ou
conexos não se estenderia aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão
contra opositores políticos durante o regime militar; a segunda, onde se pleiteava o não
recebimento da Lei da anistia pela Constituição Federal.43 Na ótica do peticionário,
haviam sido violados os seguintes preceitos fundamentais: direito à isonomia, direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou coletivo e os
princípios democrático e republicano e da dignidade da pessoa humana.44
O argumento de maior controvérsia, entretanto, alude à análise do contexto
histórico qual se desenvolve a Lei de Anistia. Tal referência ao momento histórico já foi
analisada neste trabalho. Todavia, afirma a síntese do julgado que “A anistia tem índole
objetiva, não visando a beneficiar alguém especificamente, mas dirigindo-se ao crime,
retirando-lhe o caráter delituoso e, por consequência, excluindo a punição dos que o
cometeram.”45
E prossegue:
“relevantíssima questão submetida ao Supremo TribunalFederal, entretanto, não comporta exame dissociado docontexto histórico em que editada a norma objeto daarguição, absolutamente decisivo para a sua adequadainterpretação e para o juízo definitivo acerca dasalegações deduzidas pela Ordem, como, aliás, jádestacado em outros pronunciamentos trazidos aos autos.A anistia, no Brasil, resultou, todos sabemos, de um longodebate nacional, com a participação de diversos setores dasociedade civil, a fim de viabilizar a transição entre o
regime autoritário militar e o regime democrático atual. Asociedade civil brasileira, para além de uma singela participação neste processo, articulou-se e marcou nahistória do país uma luta pela democracia e pela transição
pacífica e harmônica, capaz de evitar maiores conflitos.”46
43 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153. p. 12 e ss. Disponível em, acessado em 09 de
junho de 2014.44
Idem. p.14 e ss.45 Ibidem. p. 9.46 Ibidem. p. 9 – 10.
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Longe das controvérsias já levantadas sobre se o “acordo” civil e militar sobre a
anistia realmente existiu ou não, conforme já se expôs em capítulos anteriores. A
Arguição fora julgada improcedente, ungindo outra vez mais, com aparente legalidade a
Lei nº 6.683/79. A decisão da ADPF possui efeito vinculante de acordo com o art. 10,
§3º da Lei nº 9.892/99. Sequer cogita-se a existência do processo que tramitava ante a
Corte Interamericana envolvendo questões atinentes ao tema da anistia.
Uma vez condenado pela Corte, o Brasil recebeu a sentença e deveria executá-la
incontinenti. Muito embora a sentença do Caso Gomes Lund tenha ido na mesma linha
exegética das demais sentenças referentes às Leis de Anistia, o Brasil não possui um
mecanismo apto ou mesmo uma lei como o ordenamento jurídico peruano, para
executar os mandamentos dos tribunais internacionais. O núcleo do que foi decidido
pela Corte, isto é, a determinação da anulação da Lei nº 6.683/79, tornou-se
impraticável, segundo o que decidiu o STF, através de uma visão negacionista.
Sobre as obrigações internacionais que dizem respeito à proteção dos direitos
humanos ratificados pelo Brasil, somente o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski faz
menção àquilo que o julgamento da Corte Suprema de Justiça Argentina analisa
pormenorizadamente: as obrigações internacionais assumidas pelo Estado e a busca pela
coerência. Tivesse o STF se ocupado de verificar se as graves violações de Direitos
Humanos praticadas por agentes públicos durante o regime militar configuram ou não
crimes internacionais ou crimes contra a humanidade. Em crítica ao teor geral da
decisão da ADPF 153, pontua Deisy Ventura:
Caberia a uma Corte Suprema atenta à evolução doDireito da segunda metade do século passado travar essedebate. O STF preferiu, porém, ao longo das 266 páginasdeste florão estatalista, desfilar revisões aventureiras da
história, além da regurgitação de questões desprovidas detranscendência, se comparadas ao que o mundo jurídicoconstruiu nos últimos 70 anos.47
Afortunadamente, não só de mazelas compõe-se o ról de feitos que envolvem o
cumprimento da sentença do Caso Gomes Lund. Eis que através da Lei nº 12.528 de
47
VENTURA, Deisy. A Interpretação Judicial da Lei de Anistia Brasileira e o Direito Internacional.Revista Anistia Política e Justiça de Transição. nº4, jul./dez. 2010. p. 210. Disponível em, acessado em 09 de junho de 2014.
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A Corte Interamericana de Direitos Humanos constitui um tribunal internacional
formado por juízes indicados pelos países signatários da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos. A Corte exerce o resguardo dos direitos humanos definidos como
fundamentais, através da citada Convenção, e protege particulares pelos atos violatórios
dos preceitos convencionais.
Cada Estado-membro, no exercício de sua soberania, usufruindo das
prerrogativas inerentes à sua jurisdição pode aplicar o seu direito interno ao caso
concreto. Entretanto, em determinadas situações, no que respeita aos Estados signatários
dos documentos internacionais de resguardo dos Direitos Humanos, as violações devem
obedecer àquilo que dispõe o ordenamento jurídico internacional, porquanto vinculante
sua aplicação ao que abrange as garantias fundamentais do ser humano. Quando a
prestação jurisdicional do Estado resultar inefetiva ou mesmo inócua, quanto a punição,
reparação e resguardo das garantias fundamentais, pode o indivíduo, mediante o
esgotamento das instâncias nacionais, socorrer-se dos meios internacionais de proteção.
No continente americano, à Corte Interamericana.
Dentro de suas prerrogativas, a Corte pode emitir pareceres (função consultiva) e
mesmo analisar e resolver contenciosos que registrem eventuais supostas violações dos
preceitos da Convenção ou dos demais documentos que compõem o Sistema
Interamericano de proteção aos Direitos Humanos. Uma vez ratificada a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, a jurisdição da Corte torna-se obrigatória,
devendo o Estado implementar as medidas necessárias ao cumprimento do que for
disposto.
Baseado neste pressuposto, notamos que alguns ordenamentos jurídicos de
nosso continente possuem a sistematicidade e a coerência necessária para cumprir com
o que a Corte dispõe sem macular a soberania nem os princípios fundamentais,
quaisquer que sejam. Outros ordenamentos, por conseguinte, ainda sofrem com oretardo causado pela ignorância relativa ao Direito constituído em âmbito internacional
e a possibilidade de vinculação dos preceitos lá pactuados em relação à realidade
doméstica do caso concreto.
Efetuou-se comparação sobre a vinculação dos Estados peruano, argentino e
brasileiro às obrigações, porventura, assumidas em ambiente internacional, bem como
sobre a implementação do efetivo Controle de Convencionalidade.
Tratou-se do precedente jurisprudencial criado pelo Caso Barrios Altos vs. Peruna Corte Interamericana. Referido caso, constituiu grave violação de direitos humanos
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ante a prática de um massacre levado a cabo por milícia ligada a então presidência da
República peruana. Antes da manifestação da Corte, o Estado peruano emitiu duas leis
quais atribuíam anistia aos civis e militares em determinado espaço temporal qual
abrangia o do massacre de Barrios Altos.
A Corte responsabilizou internacionalmente o Estado Peruano em virtude da
concessão de anistia que ocasionou o pronto arquivamento de todos os feitos
investigatórios sobre eventuais violações de direitos humanos e decretou a inexistência
de efeitos jurídicos das referidas leis.
O fato da Corte declarar a inexistência de efeitos jurídicos das leis anistiadoras
peruanas causou repercussão no ordenamento jurídico da República Argentina. Fato que
mais adiante aludimos.
O poder judiciário peruano, tão logo emitida a sentença da Corte Interamericana
requisitou o desarquivamento de todos os procedimentos investigatórios que haviam
sido arquivados em decorrência das leis anistiadoras. No entanto, muito embora o
judiciário daquele país tenha empreendido ações voltadas ao cumprimento do disposto
da sentença do Caso Barrios Altos, silenciou-se no que diz respeito a aceitação ou
rechaço da prática do Controle de Convencionalidade.
Na Argentina, o precedente criado pela Corte Interamericana sobre o Caso
Barrios Altos, ocasionou amplo mal-estar ao juiz singular Gabriel Cavallo que, em
exercício ex oficio, de forma difusa, de adequação da legislação argentina (no caso, leis
anistiadoras nominadas Lei do Ponto Final e Lei de Obediência Devida), em relação às
obrigações internacionais assumidas por aquele país e mesmo, que elas gozavam de
vigência ao arrepio da Constituição da Nação Argentina. O fato causou grande
repercussão.
A Suprema Corte de Justiça Argentina, após analisar a decisão judicial, bem
como outro precedente legislativo criado em apoio à decisão do Juiz Cavallo, em ummonumental parecer, tanto da parte dos “Procuradores de la Nación” como dos juízes do
referido Tribunal, analisaram a vigência das referidas leis em consonância com as
obrigações internacionais assumidas pela Argentina, bem como, em relação à natureza
dos crimes cometidos durante o regime militar argentino. Ademais, o sólido parecer
judicial analisou todo o âmbito em que se erige o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, estabelecendo a submissão do Estado Argentino para com suas obrigações e,
ainda, desenvolveu o raciocínio de vinculação dos crimes cometidos pela ditaduramilitar consistiam em “crimes contra a humanidade”. Sem esquecer de esmiuçar a
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relação entre as características que possuem tais crimes: imprescritibilidade,
retroatividade, etc., em relação ao princípio da legalidade. Por fim, em exercício
absolutamente exemplar, declaram a nulidade de ambas as leis anistiadoras analisadas.
No que tange ao Ordenamento Brasileiro mostra-se a materialização da
incoerência referida no primeiro capítulo em relação ao Caso Gomes Lund e Outros Vs.
Brasil, que tramitou perante a Corte Interamericana e culminou na responsabilização
internacional do Estado brasileiro sobre a falta de investigação e uma série de outras
prerrogativas resguardadas pela Convenção para com as famílias das vítimas do
episódio conhecido como “Guerrilha do Araguaia”. A Corte, de modo a impelir o
Estado a cumprir de forma coerente com suas obrigações internacionais, sustentou que a
Lei nº 6.683/79, também conhecida como Lei da Anistia carecia de efeitos jurídicos, em
virtude de haver sido redigida de modo a constituir anistia tanto aos civis como também
aos militares do período autoritário que comandou o país no período compreendido
entre 1964 e 1985.
Não obstante isso, em período anterior, cerca de alguns meses antes da emissão
do mandamus da Corte no Caso Gomes Lund, o Supremo Tribunal Federal manifestou-
se sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, proposta pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sobre a atribuição de
interpretação conforme a Constituição dos preceitos contidos dos artigos da referida lei
de anistia. O Supremo Tribunal Federal em abordagem friamente calcada em
argumentos históricos buscou justificar a formulação da Lei de Anistia ante a conjuntura
de transição do regime ditatorial para o democrático. De forma lacônica, apenas um dos
eminentes magistrados de nossa Corte Suprema citou, em breve aforismo, mecanismos
internacionais aos que o Brasil estava vinculado. Olvidou nossa Corte, das obrigações
internacionais que nos obrigam a prover mecanismos de resguardo aos direitos
humanos. Sem mencionar a contraposição exercida pelos direitos e garantiasfundamentais garantidos pela Constituição Federal. Uma decisão pautada no positivismo
à la carte, conforme no bojo do trabalho explicitado.
Impõe-se, por prudência, ao fim, a necessidade de dar tempo ao Supremo
Tribunal Federal, bem como a todo o Poder Judiciário nacional, no que tange a
utilização dos mecanismos de Direito Internacional como fonte de adequação, de juízo
de coerência para com a justiça. O retrospecto jurisprudencial sobre a matéria de Direito
Internacional, em nossos tribunais é, ainda escasso. Muito ainda se tem que galgar de
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