Post on 04-Oct-2015
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A CONDIO URBANAensaios de geopoltica da cidade
PAULO CSAR DA COSTA GOMES
Uma proposta de contribuio geogrfica para a compreenso das dinmicas sociaisProduzir uma interpretao dos fenmenos (sociais, histricos, polticos, culturais, etc.) a partir da anlise de dinmica espacial, mais especificamente da disputa territorial.
Nesse sentido, a ordem espacial dos objetos e das prticas sociais - a trama relacional das localizaes um aspecto central dessa interpretao. Essa ordem espacial encarada como condio bsica para a existncia das prticas e tambm portadora de sentidos.
Trs noes estruturam a obra
Territrio
Poltica
Cidade
TerritrioEle parte da extenso fsica do espao, mobilizada a partir de certo poder. uma expresso desse poder exercendo controle sobre o algum ou algo, atravs da imposio de regras, atitudes e comportamentos sobre o espao. Esse poder cria valores diferenciais como excluso/incluso e submisso/subverso que geram tenses, o territrio tambm um campo de disputa.
PolticaA partir de Hannah Arendt, ele pensa a poltica como uma convivncia de diferentes, a organizao de grupos humanos por certas temas em comum, entre eles esta a ocupao do espao. Nesse sentido a geopoltica a disputa e busca pela afirmao de um poder, um territrio. Na obra analisada essa luta se d dentro do espao urbano.
Cidade Retomando Max Weber, o autor define a cidade como um fenmeno de origem poltico-espacial. Sua disposio fsica unida a dinmica sociocomportamental, so elementos fundadores para a condio urbana.
Gomes tambm utiliza as reflexes de Milton Santos para pensar a cidade, definindo-a como uma associao de pessoas, que possui uma forma fsica e um contedo.
A cidade encarada como um produto histrico fundado na relao dialtica entre organizao poltica e dinmica territorial.
As duas matrizes territoriaisPaulo Csar da Costa Gomes se prope a uma agenda prxima a de Milton Santos, investigar as interaes complexas entre lugares, coisas e pessoas a partir de uma viso dialtica, fora de uma disposio simples de determinaes.
Atravs da dialtica ele pensa os conceitos por meio de jogos de oposies, confrontos. Dessa forma, o que ele denomina de matrizes os dois conjuntos opostos de concepes de espao ligadas a sociedade. Duas formas distintas de refletir sobre a dimenso poltica do espao, duas formas de se entender a geografia poltica.
Nomoespao, pressupostosO espao pensando a partir da sociedade, da relao entre indivduos.
Essa organizao possui cdigos que regem suas interaes, as leis em um sentido amplo que definem o que desejvel e o que condenvel.
Como Maquiavel, ele pensa que a regulamentao e ordenamento do espao um elemento fundamental da organizao social. A distribuio no espao atende a uma lgica que limita o bem comum e a liberdade individual.
A criao do territrio a partir de leisRetomando Arendt, ele define criao do territrio a partir de leis como uma atividade de diferenciao de espaos que formaliza incluses e excluses.
Exemplos: a definio de territrios pertencentes ao rei de que nos fala Jaques Revel; a disputa de territrios entre os estados do Cear e do RN; as lutas por demarcao de terras no passado e no presente.
Nomoespao, conceitosDinmica prpria e singular atravs da qual se delimita, domina e classifica o espao. Essa atividade de ordenao do territrio, uma condio fundadora do fenmeno social.
O nomoespao o espao hierarquizado atravs dos poderes que criam territrios. Esses poderes possuem estruturas complexas que regem e controlam a dinmica espacial atravs de disposies formais.
Nomoespao, conceitosO nomoespao fsico, limitado, institudo e regido por leis. definido atravs a associao de indivduos unidos por interesses comuns e pela aceitao de certos princpios e regras, um pacto social do tipo contratual. Esses pressupostos so mutveis ao longo do tempo e acompanham a transformao do espao e da sociedade.
O nomoespao se relaciona com uma concepo de espao geomtrico, dividido racionalmente. baseado em condies contratualistas que limitam o pblico e o privado atravs de concepes de pacto, isonomia, igualdade e justia especficas.
Nomoespao e ordem socialA organizao do espao para Gomes um pressuposto para a realizao da ordem social. Ao mesmo passo, os contratos sociais regem a organizao espacial e atravs delas constroem lugares para prticas e comportamentos especficos do social. Nesse sentido, o espao delimita as aes da sociedade, atravs dele podemos acessar a ordenamento e regulamento das prticas e instituies sociais.
Exemplos: as praas, o porto, o teatro, o cabar, etc.
Nomoespao e exclusoO nomoespao exprime relaes formais de pertencimento e ordenao. As instituies sociais dispe de seus mecanismos de controle e vigilncia para regular as prticas sociais no espao. H marcos territoriais que delimitam as esferas de prticas aceitveis e a no-aceitveis so passveis de punio. Entre as prticas punitivas esto a excluso social e a territorial.
Exemplos: as prises, os manicmios, as colnias de trabalho forado.
Nomoespao e crticosO que Gomes entende por nomoespao possui uma extensa bibliografia crtica . Alguns deles so George Orwell (1984 e A revoluo dos bichos), passando por Michel de Certeau, Oswald Spengler at Michel Foucault.
O GenoespaoEsta categoria se refere a relao de um grupo ou comunidade com o espao que pratica. Nesse sentido observa-se a criao de uma identidade comum e prpria, que legitima a posse e o pertencimento do/ao territrio, baseada em sua relao com a alteridade.Nesse contexto, o compromisso social no se d com base na formalidade, mas sim por meio da homogeneidade, da solidariedade e da coeso. Os critrios de dominao e controle so coletivos. As aes no so classificadas pela distribuio no espao, elas prprias formam o espao. A diviso espacial perde o carter classificatrio das aes, tendo em vista a participao de um grupo social.
O GenoespaoNesse tipo de relao, ressalta-se o prestgio do passado e da tradio. Quanto mais antigo o costume, mais importante ele se torna no sentido de legitimar o uso do espao, categoria essencial para que a identidade se estabelea, sendo ele prprio um elemento fundador.As fronteiras do genoespao so mais fluidas que as do nomoespao, mas ainda assim so frequentemente reivindicadas como forma de afirmar a posse pela diferenciao. O conflito entre grupos, para alm das questes tnicas e culturais, tambm um conflito territorial, por isso a manuteno da coeso do grupo est baseada no conflito com o elemento externo. Exemplo dos ndios borors (Lvi-Strauss).
O GenoespaoQuanto mais perto do ncleo que emana os valores do grupo, maior a reafirmao do mesmo. Assim, temos como exemplo a cidade micnica. Outro exemplo a cidade medieval que ganha nova conformao com ascenso da burguesia. Se antes os ncleos eram coordenados por igrejas e abadias, ou seja, possuam um carter religioso e paroquial, agora a cidade apresentava uma conformaes polinuclear, orientada pelos diversos grupos de categorias profissionais, onde cada corporao possua sua torre para onde convergia o grupo social e de onde emanava os seus valores. Desse modo, cada unidade espacial possua cdigos de conduta e valores diferentes.
Os modelos polticos: que lugares para cidadania moderna? O Estado, a nao e os Estados-naesO autor busca problematizar sobre a instituio desses conceitos na compreenso da comunidade social e poltica. Utilizando o exemplo dos pases africanos e suas fronteiras delimitadas no processo de descolonizao, Gomes apresenta que estas categorias no so naturais, atendem a determinados interesses de grupos e supem o conflito, pois no h fronteira natural, nem os conceitos so capazes de dar conta da complexidade que as relaes de pertencimento ao territrio trazem luz. um processo dinmico do que a lei determina, em interface quilo que os grupos sociais praticam em seus modelos de estado e nao.
Os modelos polticos: que lugares para cidadania moderna? O Estado, a nao e os Estados-naesSendo assim, o autor nos apresenta que esses fenmenos podem ser analisados com base nos conceitos de nomoespao e genoespao. Sendo o primeiro deles o espao da nao pensado como uma comunidade que compartilha de um cdigo de leis civis, enquanto que a segunda categoria estaria relacionada ao que ele chama de uma nao orgnica, vivenciada e experimentada pelos que compartilham dessa ideia. Porm, Gomes deixa claro que a simples oposio dessas duas matrizes no so suficientes para explicar o fenmeno nacional, j que o mesmo se d atravs de uma interelao das duas. A compreenso reside em considerar que a nao se funda no dilogo desses dois modelos. Anlise de Hobsbawm e Habermas.
Os modelos sociolgicos: os espaos da civilizao ou territrios das culturasO autor analisa as discusses acerca da civilizao e da cultura com base nas ideias de Johann Herder, Norbert Elias e Ferdinand Tnnies.Inicialmente, trata-se dos modelos difundidos pela Frana e a Inglaterra que tm em seu cerne os ideais iluministas de defesa das liberdades individuais, em caminho para uma civilizao, pautada na urbanidade. Do outro lado, apresenta-se o modelo alemo, que leva em considerao a fragmentao das pequenas unidades territoriais e dos grupos sociais, que levar a cabo uma ideia de Kultur, visando evocar elementos fortes de sua relao sociedade e espao para construir uma narrativa de elementos comuns convergentes para o ideal de cultura alem, forte o suficiente para fazer oposio aos demais grupos.
Os modelos sociolgicos: os espaos da civilizao ou territrios das culturasSendo assim, observamos uma dicotomia entre passado e futuro, tradio e modernidade. Ao passo que um modelo se legitimava no discurso do desenvolvimento, o outro sustentava-se por meio da tradio. Ideia de evoluo de um modelo primitivo para estatal.Nesse sentido, Gesellschaft surgiria como uma possvel explicao para o modelo Francs/Ingls, onde a civilizao apontaria para o estabelecimento de leis que garantissem os direitos dos cidados e se fundasse enquanto nao por meio desse cdigo, em que a cidade era a sua expresso mais sublime. So as sociedades frias. J a ideia de Gemeinschaft estaria mais relacionada s sociedades quentes, em que a vida em conjunto est relacionada com afinidades e laos familiares, dando vazo a uma organizao social comunitria.
Os limites metodolgicos dos modelos de nomoespao e genoespaoCrticos da ideia de Gemeinschaft: Raymond Boudon, Georges Gurvitch e Talcott Parsons. Impossibilidade de compreender o estabelecimento de uma sociedade unicamente por meio de um sentimento de concrdia e organicidade natural.J Max Weber atenta para a no reduo desses conceitos a duas categorias antagnicas, mas sim como tentativas de compreender os processos scio-espaciais, onde nomoespao e genoespao estariam inseridos. No se trata de isolar ou desconsiderar o carter poltico (Genoespao), mas vislumbrar nesse conceito uma tentativa de explicao possvel para organizaes sociais que no se baseiam nos princpios legislativos civis. (Ex. cidado/ pichador)
Aplicao das matrizes aos casos
Cidadania e espao pblico: o que a Geografia tem a dizer?O autor nos insere na discusso explicitando que a criao de um espao considerado pblico foi de primeira importncia para constituio de uma ideia de cidadania. (Grcia clssica do genos ao demos)O espao a condio e o meio que permite o desenvolvimento das prticas cidads. Cidade, poltica e espao compem um nico objeto, por isso novos projetos polticos e sociais, so sempre acompanhados de novas organizaes espaciais. Ex. da constituio da cidade moderna e dos diversos debates de construo dos espaos em urbanistas como Camilo Sitte, Choay, Fourrier, etc. A questo das utopias e a dicotomia entre os modelos de cidade moderna e medieval.
Cidadania e espao pblico: o que a Geografia tem a dizer?A Geografia repousa no conceito de espao pblico para compreender questes ligadas a cidadania.O espao pblico se constitui por meio de relaes contratuais, regulamentadas pela lei. Ganha sentido atravs da lei que orienta a prtica, enquanto que a prpria prtica d sentido a existncia deste espao. o lugar da representao social, do desenrolar da vida pblica a que todos tm direito de acesso, desde que atentem para o cumprimento das leis.O autor atualiza a discusso de cidadania com relao a constante supresso e homogeneizao espacial no mundo globalizado.
O espao pblico e as manifestaes do recuo da cidadaniaO espao geogrfico o terreno onde as prticas sociais se exercem, a condio necessria para que elas existam e o quadro que as delimita e d sentido. (p.172)O autor atenta para um recuo da ideia fundante de cidadania, e para a resignificao dos espaos pblicos.A apropriao privada dos espaos comunsA progresso das identidades territoriaisO emuralhamento da vida socialO crescimento das ilhas utpicas
Exemplos de anliseO autor faz uma anlise comparativa entre os movimentos dos casseurs em Paris, e dos arrastes, nas praias do Rio de Janeiro.Guardadas as devidas ressalvas de realidades socioeconmicas e processos histricos diferentes, o autor explicita a origem dos grupos que promovem os movimentos que so nos dois casos de camadas excludas da sociedade e do direito a prtica do espao pblico, que so representados nestes casos pelos bulevares e pelas praias.O futebol como metfora da disputa territorialA questo do Quebec
ltimas notasPensar nomoespao e genoespao como duas categorias de anlise possveis dos fenmenos socioespaciais.Conceber a anlise espacial com base no dilogo entre a morfologia e as prticas sociais.Observar o espao fsico a partir das vivncias nele estabelecidas e das construes de sentido.O espao possui sentidos diferentes, de acordo com dinmicas sociais diferentes.A orientao do olhar do pesquisador quando lanado ordem espacial.