Post on 25-Dec-2015
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A Árvore de Phobos
E de Ares rompe-escudoCitereia pariu Pavor e Temor terríveis.
Hesíodo
A árvore era linda, frondosa, bem maior do que os prédios que a circundavam, o que
lhe dava imponência e singularidade. As formas do tronco e dos galhos eram suaves,
talhadas, quem sabe, pelas mãos de um deus caprichoso. Sua cor é que causou alguma
controvérsia. Para uns, era negra; para outros, marrom ou, para os últimos, tão clara quanto
o marfim. Acontece que a superfície da madeira refletia diferentemente a luz na mínima
variação do ângulo de visão, o que dava a impressão de que se via uma árvore distinta a
cada vez em que o observador movimentava-se em torno dela. As folhas, verde-escuras,
quase negras, tinham a superfície tão lisa e cristalina quanto um espelho, proporcionando
aos observadores ter em seus rostos e corpos pequenos grãos de luz refletidos.
A notícia espalhou-se pelas cidades vizinhas. Em pouco tempo, multidões de
curiosos afloraram das estradas, o que foi, de início, recebido com agrado. O próprio
Imperador foi consultado para promover a construção de uma vasta rede de templos, além
de novas acomodações para os visitantes.
Até que, na terceira semana após o seu miraculoso aparecimento, tentaram roubá-la.
Nem mesmo foi à noite, como geralmente os ladrões fazem. Fizeram-lhe um cerco
enquanto outros tentaram derrubá-la de todas as maneiras possíveis. O fato é que nem os
homens e seus maiores esforços, seus machados, facas ou quaisquer outros utensílios
surtiram o menor efeito, nem mesmo um arranhão, o que lhes causou um enorme
constrangimento e um considerável alívio entre os moradores locais.
O resultado é que os que habitavam o “jardim da árvore” – assim é que os
moradores daquela cidade passaram a ser conhecidos – tomaram medidas extremas de
proteção à sua preciosidade. Todos os portões foram selados e, nas estradas de acesso, uma
guarda local passou a barrar a permanência de qualquer homem, mulher ou criança que não
pertencesse às cercanias. O próprio Imperador e sua comitiva foram desencorajados a
realizar uma visita agendada antes do atentado – fato que não seria jamais esquecido.
Ínfimos lugares foram vasculhados a fim de pesquisar se ainda restava um ou outro vindo
de fora. Até os empregados recém-contratados tiveram que ser despedidos. Ninguém mais
podia sequer imaginar a perda daquela árvore. Principalmente agora, quando ela dava os
seus primeiros frutos.
No início, as pequenas flores mal podiam ser vistas em meio às folhas verde-
escuras. Mas elas logo cresceram tão miraculosamente como, aliás, tudo o que acontecia
com aquela maravilha. Amarelas – ao contrário do que um poeta diria milhares de anos
depois –, não eram pálidas; mais pareciam pequenos discos solares. Por essa época, os
estranhos haviam sido expulsos e ninguém de fora soube das flores, como também dos
frutos que vieram depois – da cor do ouro e respingados de vermelho.
A princípio, houve grande medo de prová-los. Mas a curiosidade foi, aos poucos,
vencendo a precaução. Aquele que se aventurou a conhecer-lhes o gosto foi aclamado com
grande pompa e circunstância, já que nenhum animal doméstico ou selvagem submetia-se a
mordê-los. Como é comum nessas ocasiões, um culto especial foi realizado e mesmo a
cobaia, um membro da baixa elite local, foi batizada de “O primeiro homem” – ou aquele
que, em primeiro lugar, provaria o que somente pelos deuses poderia ser conhecido.
Ficaram todos embasbacados a olhá-lo em cima da árvore retirando um dos frutos e
comendo, secretamente a esperar que ele caísse fulminado no chão. Mas não foi isso o que
aconteceu. Ele não só comeu todo o fruto, como tirou outro e o guardou no bolso, talvez
pensando em jantá-lo mais tarde. Suas palavras foram, numa tradução aproximada do
idioma local “A fruta é doce; amarga um pouco ao final e não tem caroço!”
Na manhã seguinte, havia uma fila em frente à árvore e cada cidadão recebeu a sua
cota merecida. Havia muitos frutos, mas não o suficiente para a coletividade – como
sempre, os ricos e os nobres foram agraciados com mais de um para cada família, enquanto
o resto levou, quando muito, uma pequena lasca amarela a ser dividida da melhor maneira –
a maioria estava satisfeita quando houve a invasão.
O Imperador, a princípio, tinha ódio no olhar quando vislumbrou a árvore. Mas sua
visão magnífica transformou-o radicalmente. Pouco tempo depois, estava tão satisfeito que
mandou trucidar somente o povo, os escravos e, claro, os soldados inssurretos, deixando a
maior parte elite arrependida entre os salvos. Mas essa alegria durou pouco tempo. Durante
as três semanas seguintes em que quatrocentas e oitenta e duas pessoas foram executadas
das mais variadas formas, ele assistiu ao lento desaparecimento da maravilha de seu
império.
A árvore estava a ficar, a cada dia, mais transparente. Numa das muitas manhãs em
que o Imperador acordou mais cedo a fim de melhor contemplá-la, seu desespero foi tão
grande que permaneceu ali, perplexo – imóvel por muito tempo. E ficaria por muito mais se
não tivesse sido interrompido pela presença de um nobre senhor local disposto
voluntariamente a contar pela trigésima quinta vez o motivo de não haver guardado para o
tirano nem mesmo a casca de um dos doze frutos sagrados que lhe foram confiados.
É preciso dizer que, àquela altura, nenhum dos frutos havia sobrado e o Imperador
guardava um secreto rancor de não ter provado sequer um deles. A reação àquela
interrupção foi imediata – o seu punhal desceu preciso na jugular do nobre senhor, que
ainda deu alguns passos e foi morrer aos pés da árvore. A revelação veio por conta do
sangue que lhe jorrava do pescoço – estranhamente parecia vivificar a transparência do
tronco. É claro que imediatamente o seu cadáver foi cortado em pedaços e todo o seu
sangue extraído a fim de manter a árvore no mundo. Pouco depois, descobriu-se que esse
efeito só era possível com o sangue daqueles que haviam se servido das frutas amarelas.
Antes de ser sacrificada, o Imperador foi informado que a última vítima que havia
provado o fruto queria dar-lhe um presente. Foi com imenso espanto que o Imperador viu,
diante de si, um fruto amarelo e respingado de vermelho – era aquele que “o primeiro
homem” havia guardado e que, agora sabemos, ele não o comera – a alegria do tirano não
foi maior porque, naquele mesmo instante, a árvore desaparecera por completo.
Esta antiga história percorreu diversas tradições e culturas – o pouco que se sabe é
que surgiu entre os Assírios, povo que teve o seu esplendor no século VII a.C. e foi
conhecido por sua crueldade ao dominar e aterrorizar grande parte da Mesopotâmia, dos
reinos de Israel e até do Egito. Presente divino de Assur e de Isthah, ela foi conhecida
durante muitos séculos como a Árvore de Phobos porque, segundo os gregos, o medo é o
que se pode esperar da união entre os deuses da guerra e da paixão.