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6 Futuro: a prospecção de cenários
As tochas facilitaram o deslocamento noturno das diligências, assim como os faróis fizeram com os automóveis. Mas ainda não haviam surgido metodologias para “iluminar” as estradas da vida.
Marcial e Grumbach248
If futurism means “recognizing that life will change, must change, and has changed,” then we are all futurists now.
Diana Searce249
Ao longo do tempo, uma grande diversidade de métodos e técnicas foi
desenvolvida para se prospectar o futuro. A partir da década de 1950, segundo o
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE250, técnicas como forecasting
visaram “formalizar procedimentos para estudos sistemáticos das tendências e
fatos futuros”. Porém, os estudos de tendência evoluíram e outras técnicas
surgiram à medida que aumentava a dinâmica das sociedades contemporâneas,
considerando as mudanças e inovações radicais, assim como seus
desdobramentos e impactos transformadores.
Ainda segundo o CGEE, a partir de meados da década de 1980 os
exercícios prospectivos ganharam força por melhor responder aos desafios
provenientes, principalmente, da tecnologia, levando ao estudo do macro-
ambiente, ciência, tecnologia e inovação. A atividade prospectiva, segundo o
CGEE, tem como lema “o futuro se constrói a partir do presente”.
É importante ressaltar que as atividades prospectivas são uma prática
relativamente recente e estão sendo constantemente testadas, analisadas,
adaptadas e renovadas. O estudo do CGEE observa que, de modo geral, o
amadurecimento dos métodos de prospecção se deu de forma isolada, com
praticamente nenhuma troca de experiências e informações entre suas
modalidades. Sendo assim, dependendo do campo observado e do objetivo da
pesquisa, métodos e técnicas, sejam eles quantitativos ou qualitativos, podem
ser ajustados para a obtenção de resultados melhores e mais focados. Partindo
desse pressuposto, é necessário primeiramente compreender algumas das
terminologias mais utilizadas no campo dos estudos do futuro segundo seus
objetivos e abrangências.
248
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.26. 249
SEARCE et al., 2004, p.1. (Se futurismo significa “reconhecer que a vida irá mudar, deve mudar e tem mudado”, então agora nós somos todos futuristas.) Tradução nossa. 250
CGEE – Prospecção em CT&I, 2008.
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6.1 Buzzwords: previsão, prognóstico ou prospecção?
It is high time that these concepts be clarified so that the same word does not have different meanings and that different things are not named the same.
Michel Godet251
Com tantos termos empregados para se referir aos estudos do futuro, além
de suas traduções e sinônimos, muitas vezes torna-se um problema fazer
distinções entre um e outro. Cheios de ruídos e interpretações confusas, nem
sempre é fácil empregar esses termos, ou buzzwords252, dentro de um
consenso. Dentre os termos utilizados na literatura sobre estudos do futuro,
pode-se destacar la prospective, foresight(ing), forecast(ing), future studies,
assessment e scenarios como os mais recorrentes.
6.1.1 La Prospective e foresight
La prospective is to illuminate the choices of the present in the light of possible futures. Godet e Roubelat
253
Como relata Godet e Roubelat254, o termo la prospective foi empregado
pela primeira vez em 1957 por Gaston Berger, filósofo e pedagogo francês, para
enfatizar “uma atitude orientada para o futuro”.
Segundo Michel Godet255, o termo francês la prospective é geralmente
traduzido para o inglês como foresight ou future studies, tendo em seu escopo a
idéia de antecipação: “anticipation (pre or pro-activity) to clarify present actions in
light of possible and desirable futures”256. Godet observa que a atitude
prospectiva, em sua pré-atividade, antecipa a mudança que virá; em sua pró-
atividade, provoca a mudança desejada.
Para Godet e Roubelat, a atitude prospectiva significa: olhar para longe,
porque tem uma preocupação de longo prazo; olhar com amplidão, para cuidar
das interações; olhar em profundidade, para encontrar os fatores e tendências
que são realmente importantes; assumir riscos, porque horizontes distantes
podem proporcionar mudanças de planos de longo prazo; mas também significa
251
GODET, 2006, p.5 (Já é mais do que tempo desses conceitos serem esclarecidos, considerando que a mesma palavra não possui diferentes significados, assim como coisas diferentes não possuem o mesmo nome.) Tradução nossa. 252
O termo buzzwords pode ser entendido como “palavras com ruído”. 253
GODET e ROUBELAT, 1996, p.2 (Prospectar é iluminar as escolhas do presente com a luz dos futuros possíveis) Tradução nossa. 254
Ibid., p.2. 255
GODET, 2006. 256
Ibid., p.2 (antecipação (pré ou pró-ativa) para esclarecer as ações do presente à luz dos futuros possíveis e desejáveis) Tradução nossa.
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cuidar da humanidade, porque o interesse prospectivo está focado nas
conseqüências humanas.
La prospective, segundo Godet257, não é nem forecasting nem futurologia,
mas uma forma de se pensar para a ação, pela explanação e entendimento de
crises, sem fatalismo. A tradução do termo para o português, segundo o
dicionário Larousse, seria prospecção258.
Foresight, por outro lado, é traduzido como presciência e previsão, estando
ainda ligado à ideia de previdência, prevenção e precaução, de acordo com o
dicionário Michaelis259. Godet, no entanto, salienta que o termo foresight é
geralmente aplicado à tecnologia, do ponto de vista antecipatório das mudanças
decorrentes (pré-atividade), e não apresenta uma pró-atividade. Para o CGEE260,
foresight pode ser definido como
uma tentativa sistemática de olhar, no futuro de longo prazo, para a ciência e a tecnologia, na economia e na sociedade, com o objetivo de identificar áreas estratégicas e as tecnologias genéricas emergentes com o potencial para produzir os grandes benefícios econômicos e sociais.
6.1.2 Forecast
Fashion forecasting has been compared to chasing the future with a butterfly net. Marilyn Gardner
261
O termo forecast, segundo o Michaelis262, está inicialmente ligado à ideia
de previsão e profecia. Porém, a tradução oferece ainda outro significado mais
próximo da forma como ele é empregado nos estudos de tendências, que seria
prognóstico263. Segundo a CGEE264, forecast, relacionado à tecnologia, é o
"processo de descrever a emergência, desempenho, características ou impactos
de uma tecnologia em algum momento no futuro”.
Alan Porter265 chama a atenção para o termo technological forecasting que
trata com elementos causais de vários tipos: social, econômico ou tecnológico.
Em geral, está focado nas mudanças tecnológicas, seja em sua capacidade
funcional ou no próprio significado de uma inovação. Segundo Porter,
257
GODET, 2006. 258
LAROUSSE, 1957. 259
MICHAELIS, 1961. 260 CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 261
GARDNER, M. (1995) apud BRANNON, E., 2005, p.5 (Fazer prognósticos de moda tem sido comparado à perseguir borboletas com uma rede) Tradução nossa. 262
MICHAELIS, 1961. 263
AURÉLIO, 1975. Prognóstico: deixar entrever com antecipação; anunciar; prenunciar. 264
CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 265
PORTER, 1991, p.21.
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technological forecasting está centrado nas novas tecnologias, nas mudanças
incrementais e nas descontinuidades que ocorrem em tecnologias existentes.
Salles-Filho, apud CGEE266, define forecasting como uma técnica
prioritariamente envolvida com a construção de modelos e esboços de cenários,
através de relações causais relativas aos desenvolvimentos científicos e
tecnológicos. Como hoje a prospecção de futuros contém múltiplos fatores,
englobando também aspectos político-sociais, o modelo de pesquisa
científico/tecnológico associado ao forecasting é cada vez mais substituído pela
combinação de métodos e técnicas variadas.
Porém, o termo também é utilizado na moda e, segundo Rita Perna267,
fashion forecasting está relacionado à atividade que tenta responder a duas
questões centrais: o que é provável de acontecer num futuro próximo? O está
acontecendo agora que irá influenciar significativamente o futuro mais distante?
Como diz a autora,
Forecasting fashion is not unlike forecasting the weather, the stock market, or the success of a Broadway show. It aims to take all contingencies into account and come out with a respectable score. The forecaster must be flexible enough to shift gears when the unexpected occurs.
268
Rita Perna observa ainda que os pesquisadores utilizam os termos
prognósticos de moda ou fashion forecasting para definir tendências. A atividade
engloba possibilidades, probabilidades e preferências. Para ela, “forecasting is
simply identifying fashion trends”269.
6.1.3 Assessment
Segundo os estudos do CGEE, o conceito foi inicialmente adotado pelo
Office of Technology Assessment – OTA, em 1972,
A partir da constatação de que a tecnologia muda e se expande, rápida e continuamente, e suas aplicações são amplas e em escala crescente e cada vez mais pervasivas e críticas em seus impactos, benefícios e problemas, em relação
ao ambiente social e à natureza.270
266
CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 267
PERNA, 1987. 268
Ibid., p.91 (Fazer prognóstico em moda não é diferente de fazer prognósticos sobre o tempo, sobre o mercado ou sobre o sucesso de algum show da Broadway. Significa considerar todas as contingências e sair com uma contagem respeitável. O pesquisador deve ser flexível o bastante para deslocar as engrenagens quando ocorre o inesperado.) Tradução nossa. 269
Ibidem. (Fazer prognósticos é simplesmente identificar tendências de moda.) Tradução nossa. 270
CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008.
92
Uma boa tradução para o termo assessment no contexto desta pesquisa
seria avaliação271, pois envolve não só a identificação de sinais de mudança,
mas o seu acompanhamento mais ou menos sistemático e contínuo.
No quadro abaixo (Quadro 5), um resumo dos termos e definições dos
autores citados.
Michel Godet Alan Porter CGEE Rita Perna
La Prospective
Estudos do futuro
Prospecção
Pensar para a ação (pré e pró ativa)
Foresight
Antecipação de mudanças
Ligado à tecnologia
(pré ativa)
Identificação de áreas estratégicas e
tecnologias genéricas
emergentes / futuro de longo prazo
Forecast
Prognóstico
Antever impactos tecnológicos
“technological forecasting”
Fashion forecasting
Prognóstico
de moda
Assessment
Avaliação
Identificação de mudanças e seu monitoramento
Este trabalho adotou o termo prospecção no que se refere à pesquisa e
construção de cenários futuros, seguindo a definição de Godet, para quem a
prospecção abrange tanto ações pré como pró-ativas.
6.2 A natureza da pesquisa entre o hard e o soft
Um cenário possui diversas características. A mais importante é a visão plural do futuro. Marcial e Grumbach
272
Como foi dito no início deste capítulo, existem diferentes métodos e
técnicas de exploração do futuro, e inúmeras combinações entre essas
alternativas. Torna-se, portanto, necessário fazer a escolha do método correto
de acordo com a natureza da pesquisa, para que se possa chegar a um bom
271
COLLINS GEM Dictionary, 1986. 272
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.55.
Quadro 5: Definição de termos segundo alguns autores
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resultado. Neste sentido, o CGEE273 classifica esses métodos e técnicas como
hard (quantitativas, empíricas e numéricas) e soft (qualitativas, baseadas em
julgamentos ou refletindo conhecimentos tácitos).
Marcial e Grumbach comentam a ênfase no aspecto qualitativo (ou soft)
dos cenários, tendo em vista que o nível de incerteza proveniente da dilatação
do tempo em direção ao futuro tornaria as variáveis quantitativas menos
significativas ou acertivas.
O enfoque deste trabalho está centrado na análise das técnicas utilizadas
para a prospecção de cenários – presentes principalmente nos métodos de
Godet, Schwartz e Grumbach – a fim de sugerir uma adequação dessas técnicas
ao processo de Design, contribuindo para a geração de inovação, identificação
de oportunidades e definição de estratégias eficazes. O recorte para a aplicação
das técnicas foi o design de joias.
6.3 Cenários prospectivos – definições
As ações modelam o futuro - os valores o norteiam!
CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos274
Citando Masini e Vasquez, Philip van Notten275 comenta que o
desenvolvimento de cenários tem se tornado tal e qual um canivete suiço de
múltiplos usos ou uma varinha de condão que frequentemente é manuseada por
consultores e profissionais inexperientes ou não especializados. Dessa forma,
assim como o termo tendência ligado à moda tem sido utilizado de tantas e
variadas maneiras equivocadas a ponto de se banalizar, cenário, no que se
refere à futuro, começa também a ser usado com abordagens que prejudicam o
entendimento da seriedade e profundidade de seu estudo e aplicação.
Para Glenn276, as projeções são frequentemente confundidas com
cenários, que incluem projeções e prognósticos e onde causa e efeito realiza os
links em sua construção. Sobre o assunto, Glenn assinala que os programas de
computador, cujo modelo matemático é adaptado para oferecer projeções
alternativas para diferentes inputs, não constroem cenários; apenas realizam as
273 CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 274
CGEE – Prospecção em CT&I, 2008. 275
VAN NOTTEN, 2004, p.17 (scenario development has become „a Swiss pocket knife of multiple uses, or a magical wand‟ that is often waved by inexperienced and unskilled consultants and professionals). Tradução nossa. 276
GLENN, Scenarios, 2009.
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projeções. Esta observação é importante, tendo em vista que a construção de
cenários vai além das alternativas de cruzamento das variáveis (descritas no
item 5.4), dependendo também da interpretação que a equipe envolvida dá a
essas inter-relações.
A popularização dos cenários levou ao abuso do termo relacionado a
pesquisas sobre futuro. Glenn, no entanto, observa que esse uso excessivo
acaba confundindo-o, muitas vezes, com outras atividades, que envolvem
discussões sobre possibilidades de futuro:
Such a discussion of futures research is perfectly fine and should be done, but does not constitute a scenario. It is like confusing the text of a play's newspaper
review with the text of the play written by the playwright277
.
Portanto, é necessário que se faça, inicialmente, um estudo sobre a
construção de cenários, não só do ponto de vista de suas técnicas, mas também
sobre suas definições e abrangências.
6.3.1 O que são cenários?
Cenários não dizem respeito a predizer o futuro, e sim a perceber futuros no presente.
Peter Schwartz278
Herman Kahn pode ser considerado o pai da construção dos cenários
futuros. Como relata Glenn279, Kahn introduziu o termo cenário em conexão com
planejamento e estratégias militares junto à RAND Corporation, na década de
1950. Schwartz comenta que o planejamento de cenários foi amplamente
adotado pelos militares como atividade regular após a Segunda Guerra Mundial,
e adaptado e popularizado por Herman Kahn na década de 1960 para uso
comercial.
Mas foi no início da década de 1970 que o uso de cenários ganhou força,
graças a Pierre Wack, da empresa Royal Dutch/Shell, que utilizou a prospecção
de cenários para avaliar o quanto os eventos ambientais poderiam impactar o
preço do petróleo.
277
GLENN, Scenarios, 2009, p.2 (Essa discussão sobre investigação de futuros é perfeitamente boa e deve ser realizada, mas não se constitui em cenário. É como confundir o texto de um jornal sobre a resenha jornalística de uma peça com o texto da peça escrito pelo dramaturgo.) Tradução nossa. 278
SCHWARTZ, 2006, p.40. 279
GLENN, Scenarios, 2009.
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Lawrence Wilkinson280, sócio de Peter Schwartz na Global Business
Network, comenta que o planejamento de cenários surge da constatação de que,
em decorrência da impossibilidade de se saber com precisão como o futuro irá
ocorrer, a estratégia correta é adotar aquela que melhor convive com os vários
futuros possíveis. Os cenários seriam então a estratégia capaz de dar conta
dessas variações. Segundo Wilkinson, os cenários são histórias construídas e
modeladas de formas distintas, que falam sobre possibilidades de futuros
plausíveis. Portanto, o propósito do planejamento de cenários não é localizar
com precisão os eventos futuros, mas tornar visíveis as forças que impulsionam
o futuro em diferentes direções.
Para Fahey e Randall281, através da construção de cenários podemos
identificar as forças que determinam diferentes futuros possíveis, ajudando a
empresa a se preparar para ser a primeira a entender e explorar as
oportunidades que esses futuros oferecem.
Embora existam inúmeras definições sobre o que seriam os cenários,
existe consenso sobre o que eles não são: os cenários não predizem o futuro.
Segundo Schwartz, os cenários podem ser entendidos como ferramentas
que auxiliam na adoção de uma visão de longo prazo num mundo de grande
incerteza. Longe de fazer previsões, os cenários oferecem alternativas de futuro;
são como veículos que ajudam no aprendizado sobre a realidade atual, seus
desdobramentos e melhor posicionamento segundo essas possibilidades.
O termo cenário deriva do teatro, assim como roteiro, presentes tanto
numa peça de teatro como num filme. Para Schwartz, “cenários são histórias
sobre a forma que o mundo pode assumir amanhã, histórias capazes de nos
ajudar a reconhecer as mudanças de nosso ambiente e a nos adaptar a elas”282.
Os cenários, então, facilitariam a ordenação das percepções sobre ambientes
futuros, onde as decisões atuais sinalizariam suas consequências.
Godet283 observa que cenário não é a realidade futura, mas uma forma de
representá-la a fim de iluminar as ações atuais tendo em vista futuros possíveis
e desejáveis. Para Godet, um cenário só será eficiente como guia para um future
thinking se for relevante, coerente, plausível, importante e transparente. O
cenário não é um fim em si mesmo; ele só ganha sentido ou direção através de
resultados e consequências, ou seja, em forma de ação.
280
WILKINSON, 2004. 281
FAHEY e RANDALL, 1998, p.VIII. 282
Ibid., p.15. 283
GODET, 2006, p.109.
96
Para Fahey e Randall284, os cenários descrevem, através de narrativas285,
várias alternativas plausíveis de uma parte específica do futuro. Por isso, eles
precisam ser possíveis, críveis e relevantes.
Diane Searce286 define os cenários como histórias que falam sobre como o
futuro pode se revelar para as empresas, países ou mesmo para o mundo.
Um cenário, segundo Glenn287, não pode ser confundido com um simples
prognóstico288, pois o cenário é também uma forma de organizar várias
afirmações sobre o futuro. Também não deve ser confundido apenas com ficção
científica ou como exercício de estímulo à imaginação, embora a imaginação e a
ficção científica possam ser o ponto de partida para a construção de um cenário
disruptivo ou radical. Os cenários devem ser claros o suficiente para que
problemas, desafios e oportunidades que eles apresentam possam ser
compreendidos no presente, ajudando a tomada de decisões. Através de
narrativas, os cenários ilustram os eventos, decisões chaves e suas
consequências.
Em van Notten289, encontramos a definição de cenário como uma
combinação de conhecimento analítico e pensamento criativo, visando a captura
de uma série variada de futuros possíveis dentro de um limitado número de
perspectivas. Considerando ainda o nível de incerteza com relação ao futuro,
van Notten observa que o desenvolvimento de cenários pode ocorrer em várias
direções, abrangendo perspectivas que vão do convencional ao revolucionário.
Sintetizando, van Notten diz: “scenarios are coherent descriptions of alternative
hypothetical futures that reflect different perspectives on past, present, and future
developments, which can serve as a basis for action.”290
Pierre Wack, apud Raspin e Terjesen, descreve o planejamento de
cenários como „„a discipline for rediscovering the original entrepreneurial power
of creative foresight in contexts of accelerated change, greater complexity and
genuine uncertainty.‟‟291
284
FAHEY e RANDALL, 1998, pp.6 e 9. 285
O item 5.7 trata do assunto. 286
SEARCE et al., 2004, p.7. 287
GLENN, Scenarios, 2009. 288
forecast; ver item 5.1.2. 289
VAN NOTTEN, 2004, pp. 7 e 8. 290
Ibid., p.20 (Cenários são descrições coerentes de alternativas hipotéticas de futuros que refletem diferentes perspectivas sobre o passado, presente e desenvolvimento futuro, podendo servir como base para a ação.) Tradução nossa. 291
RASPIN e TERJESEN, 2007, p.116 (uma disciplina para redescobrir o poder original do prognóstico criativo empreendedor em contextos de mudanças aceleradas, grande complexidade e incerteza genuína) Tradução nossa.
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6.3.2 Prospecção de cenários e estratégia
O método de cenários é projetado para produzir o tipo de entendimento mútuo que permite às pessoas agirem na direção de um objetivo comum.
Peter Schwartz292
Do ponto de vista da relação entre prospecção de cenários e estratégia,
Godet293 comenta que as atividades, embora aparentemente sejam como irmãs
gêmeas, possuem identidades distintas que precisam ser bem delimitadas.
Nessa distinção, o autor aponta a fase antecipatória, que seria o estudo
sobre as mudanças possíveis e desejáveis; e a fase preparatória, envolvendo a
definição das estratégias possíveis para se preparar para os eventos vindouros.
Como base para a organização dessas fases, Godet sugere cinco questões
principais e atividades referentes:
O que pode acontecer? (prospecção de cenários)
O que eu posso fazer? (opções estratégicas)
O que eu irei fazer? (decisões estratégicas)
Como eu irei fazer? (ações e planos operacionais)
Quem eu sou? (considerada um pré-requisito para as demais questões e
que muitas vezes é desprezada)
Godet salienta ainda que apenas a prospecção trata da primeira questão
(o que pode acontecer?), em seus aspectos pré e pró-ativo, como foi visto no
item 6.1.1. A estratégia passaria a atuar a partir da resposta dada à segunda
questão.
Ainda em Godet, três conceitos básicos que têm como base a estratégia e
o planejamento: o planejamento estratégico, o gerenciamento estratégico e uma
abordagem prospectiva estratégica, envolvendo problemas e métodos
específicos, como a construção de cenários, objeto de estudo desta tese. A
abordagem prospectiva estratégica é o conceito que interessa a este trabalho.
Glenn294 aponta ainda alguns dos objetivos estratégicos mais utilizados
quando se constroem cenários:
Catalogar o que é desconhecido e que deveria ser conhecido para a
tomada de decisões.
292
SCHWARTZ, 2006, p.189. 293
GODET, 2006, p.6. 294
GLENN, 2009, p.4.
98
Entender o significado das incertezas.
Ilustrar o que é possível e o que não é possível.
Identificar o que as estratégias podem trabalhar pelo cruzamento de um
conjunto de cenários possíveis.
Dividir as estratégias entre elementos fortes e contingentes.
Tornar o futuro mais real, forçando novos pensamentos e decisões.
Aprender a se preparar para riscos futuros e descobrir novas
oportunidades.
No quadro abaixo (Quadro 6), Godet295 exemplifica como os cenários e as
estratégias são afetadas pela forma como as empresas se posicionam com
relação ao futuro:
Atitudes com respeito ao futuro
Cenários correspondentes Estratégias
correspondentes Exemplo
Passiva Nenhum “ir com a onda” Avestruz
Reativa Nenhum Adaptativa Bombeiro
Pré-ativa Baseado em tendências Preventiva Seguradora
Pró-ativa Alternativas desejáveis Inovadora Gerente prospectivo
Godet observa o quanto é sedutor assumir os desejos como realidade.
Neste sentido, ele alerta para o risco de se assumir unicamente uma atitude pró-
ativa e desenvolver estratégias para um cenário desejável. Segundo Godet, é
preciso também assumir uma atitude pré-ativa, a fim de se preparar para as
mudanças esperadas no ambiente corporativo futuro.
Marcial e Grumbach296 apontam três situações para a aplicação de
cenários: global, focalizado e de projeto (Figura 6).
295
GODET, 2006, p.112. 296
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.56.
Quadro 6: Como as atitudes das empresas afetam os cenários e as estratégias (Godet, 2006)
99
Os cenários globais focam seu conteúdo em questões políticas,
macroeconômicas, sociais e tecnológicas, sejam elas nacionais ou mundiais. Os
cenários focalizados preocupam-se com questões regionais ou setoriais, como
movimentos da concorrência, preços e riscos tecnológicos e de investimento. Os
cenários de projeto são utilizados para a tomada de decisão de investimentos
quando existem incertezas e um longo prazo de maturação.
No caso do Design, a terceira aplicação (cenários de projetos) pode ser
bastante útil para a configuração de briefings e produtos inovadores.
6.4 Os fatores-chave que precisamos conhecer para a construção de cenários
Fahey e Randall297 identificam quatro elementos chaves que compõem os
cenários: driving forces (forças motrizes), logics (lógicas), plots (enredos) e end
states (situações finais). Em Godet, Schwartz e Marcial e Grumbach
encontramos os seguintes componentes principais para um cenário completo:
um tema ou título, uma filosofia (que seria a direção central ou a ideia-força do
297
FAHEY e RANDALL, 1998, p.10.
Figura 6: Classificação de aplicação de cenários (Marcial & Grumbach, 2008)
100
cenário), as forças motrizes (variáveis do macroambiente relevantes segundo os
objetivos do cenário), os atores (também variáveis, que seriam indivíduos,
grupos, decisores, organizações etc. que desempenham papel importante no
sistema e influenciam o comportamento das forças motrizes), as cenas
(descrição da forma como os atores e forças motrizes se vinculam e se
organizam em determinado instante) e a trajetória (dinâmica do enredo, da cena
inicial à final).
Os campos observáveis para a coleta de informações que definirão as
forças motrizes são muitos, como também são muitas as formas para realizar
essas observações. Viagens são importantes para a conexão com diferentes
culturas e subculturas, assim como para a identificação do interessante que está
surgindo. A leitura também é imprescindível e, como salienta Gutsche298, a
abrangência vai de romances a suspenses, de revistas de negócios a jornais
políticos, relatórios acadêmicos e blogs. A coleta de informações vai depender
do tipo de cenário que se vai trabalhar (global, focalizado e de projeto) e do tema
central a ser prospectado.
Manter a mente elástica e uma certa rebeldia diante do status quo também
ajuda a estabelecer associações improváveis entre assuntos e situações
diversas. Socializar, conectar e compartilhar fazem parte deste processo que
visa, segundo Gutsche, “descobrir o que é legal antes de se tornar legal”299.
É importante salientar que, em sua construção, cada cenário de uma
mesma prospecção aborda parâmetros idênticos ou similares. O que vai fazer a
diferença entre eles (cenários) é o tipo de relação estabelecida entre esses
parâmetros.
Os fatores-chave relacionados a seguir envolvem a visão de Peter
Schwartz, Michel Godet, Fahey e Randall, Jerome Glenn, Marcial e Grumbach,
Petersen e Steinmüller. Cabe antes ressaltar a recomendação de Schwartz para
não se focalizar apenas nas definições desses elementos, mas em centrar a
atenção em como eles são percebidos nas várias situações. Schwartz salienta a
visão de alguns futurólogos, inclusive Pierre Wack, que “acreditam que qualquer
definição iria trivializar a sutileza do processo. A criação de cenários não é um
processo reducionista; é uma arte, assim como a arte de contar histórias”300. No
entanto, é necessário compreender os elementos que compõem a dinâmica dos
cenários para facilitar sua identificação e importância na estruturação do enredo.
298
GUTSCHE, 2010, p.175. 299
Ibid., p.177. 300
SCHWARTZ, 2006, P.97.
101
Antes da definição dos fatores-chave, dois outros termos – sementes do
futuro e macrotendências – são apresentados para delimitação de seu emprego
no âmbito deste trabalho.
6.4.1 Sementes do futuro
Marcial e Grumbach301 classificam como sementes do futuro pequenos
sinais que se encontram no passado e no presente e que podem, ou não,
germinar no futuro. Em Godet302, encontramos os termos seed events e weak
signals, referindo-se a sinais pouco perceptíveis no presente, mas que poderão
aumentar no futuro, tornando-se, inclusive, macrotendências.
6.4.2 Macrotendências
As macrotendências atuam como pano de fundo e são os principais
sinalizadores de mudanças estruturais nas sociedades, como grandes
movimentos que afetam a quase todo o mundo. As macrotendências ou
tendências de fundo são entendidas como padrões de modelação dos
acontecimentos. Elas “anunciam possíveis e gigantescas mudanças sociais,
condicionando os desenvolvimentos vitais nos mercados, na tecnologia, na
política e na cultura”303. Como exemplo, podemos citar a globalização, questões
de urbanização, mudanças climáticas e energéticas.
O campo a ser observado é amplo e heterogêneo, abrangendo várias áreas do conhecimento, como: arte, arquitetura, design, tecnologia, comunicação, decoração, filosofia, psicologia, sociologia, economia, política, meio-ambiente, ciência, propaganda, mídia, medicina, estética e beleza, entre outras. É importante estar atento aos primeiros sinais de mudança em algumas dessas áreas, desde o surgimento de novos valores morais, cultos religiosos, experimentações culinárias e emergência de países ou governos às novas práticas medicinais e opções sexuais.
304
301
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.58. 302
GODET, 2009, p.136. (sementes do futuro ou sinais fracos) Tradução nossa. 303
CAMPOS, 2007, p40. 304
Ibidem.
102
6.4.3 Elementos predeterminados
A natureza humana é predeterminada – só muda muito devagar, se mudar.
Peter Schwartz305
Elementos predeterminados são os fatores com os quais podemos contar;
são aqueles que não dependem de outros eventos para ocorrer e são, em sim
mesmos, considerados invariantes. Schwartz306 chama a atenção para o perigo
que envolve os elementos predeterminados, porque as pessoas têm uma
tendência a negligenciá-los ou mesmo negá-los.
Como observação, é bom lembrar que os elementos predeterminados,
como o próprio nome diz, são os mesmos em todas as variações dos cenários.
Como exemplo, o Natal, o Dia das Mães, as eleições presidenciais de quatro em
quatro anos etc.
6.4.4 Forças motrizes
A primeira face do futuro é fugaz: a velocidade será tudo. Nunca antes o futuro se tornou passado tão depressa.
Patrick Dixon307
Schwartz define forças motrizes como “os elementos que acionam o mapa
dos cenários, que determinam o desenrolar da história”308. Como numa aventura,
onde a busca (seja de emoções ou de alguma impossibilidade) é definida desde
o início como a força motriz que impele a jornada, para a construção de cenários
é necessário que as forças motrizes fiquem bem definidas.
Porém, a identificação correta dessas forças nem sempre é tarefa fácil.
Schwartz diz que elas podem parecer óbvias para algumas pessoas e ocultas
para outras. Neste sentido, o trabalho em equipe é sempre recomendado,
considerando diferentes visões, expertises e áreas de conhecimento.
Para se definir as forças motrizes de um cenário, Schwartz309 recomenda
que observemos os seguintes campos do macroambiente: sociedade
(englobando aqui o crescimento populacional, o analfabetismo, a diversidade
cultural etc.), tecnologia (a inovação é um dos fatores primordiais), economia,
política e meio-ambiente (danos e consciência ecológica, sustentabilidade,
reciclagem etc.). As forças motrizes devem ser avaliadas e selecionadas
305
SCHWARTZ, 2006, p.107. 306
Ibid., p.101. 307
DIXON, 2007, p.19. 308
Ibid., p.92. 309
Ibidem.
103
considerando-se seus aspectos significativos e influenciáveis para a construção
dos cenários, atentando para o fato de que algumas forças podem ser
consideradas irrelevantes, dependendo do objetivo dos cenários que se deseja
prospectar. As forças motrizes podem ser classificadas como: tendências de
peso, fatos portadores de futuro, incertezas críticas, surpresas inevitáveis e wild
cards ou coringas.
6.4.4.1 Tendências de peso
Segundo Godet310, tendências de peso são eventos visíveis e com grande
probabilidade de ocorrerem dentro do horizonte do cenário. Como exemplo,
Marcial311 cita a valorização da educação observada no ambiente sócio-
demográfico brasileiro. Nesse contexto, apontam-se algumas tendências de
peso como a ênfase no treinamento e aprendizado contínuo e no tele-ensino, o
surgimento do profissional do conhecimento, o crescimento do tempo médio de
permanência na escola e a diminuição do índice de analfabetismo.
6.4.4.2 Fatos portadores de futuro
Fatos portadores de futuro são pequenos sinais, ainda pouco identificáveis
no ambiente, mas que trazem em si um imenso potencial de consequências.
Sãos eles, segundo Marcial e Grumbach312, que podem levar à identificação de
incertezas críticas, surpresas inevitáveis e wild cards.
6.4.4.3 Incertezas críticas
Equipes que ensaiam suas reações ao inesperado terão mais possibilidades de navegar pelo caminho da incerteza.
Jeremy Gutsche313
Algumas vezes, fica difícil identificar o que são elementos predeterminados
e incertezas críticas na construção de cenários. Em muitos casos, pode haver
uma sobreposição entre esses elementos e Schwartz314 recomenda que o mais
importante é ficar atento para a forma como esses elementos são percebidos
nas situações, pois eles dão estrutura à exploração do futuro. Como comenta
Schwartz: 310
GODET, 2009. 311
MARCIAL, 2005. Aula. 312
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p. 313
GUTSCHE, 2010, p.79. 314
SCHWARTZ, 2006, p.97.
104
Em cada plano existem incertezas críticas. Os planejadores por cenários as procuram para se prepararem, uma abordagem que lembra os velhos cenários militares: “sabemos que eles vêm pelo leste, general, mas não sabemos se pretendem atravessar a montanha ou a floresta. Aqui está o que faremos em cada
caso”315
.
6.4.4.4 Surpresas inevitáveis e wild cards
Peter Schwartz comenta que atualmente as surpresas são a regra e não a
exceção. Para ele, no futuro “voltaremos a viver inúmeros momentos em que as
premissas sobre as quais vínhamos vivendo terão subitamente desaparecido”316,
levando à mesma sensação provocada por uma montanha russa ou por uma
forte turbulência no avião. Muitas dessas surpresas, no entanto, não serão
negativas, e as contribuições advindas das tecnologias e identificação de
oportunidades poderão beneficiar as sociedades.
Schwartz317 qualifica essas surpresas de inevitáveis e embora não se
possa antecipar suas consequências, salienta que: 1- sempre haverão
surpresas; 2- pode-se lidar com elas; 3- muitas delas são previsíveis.
Nas próximas décadas, enfrentaremos mais surpresas inevitáveis, grandes descontinuidades nas esferas econômicas, política e social de nosso mundo; cada uma delas modificará as “regras do jogo” tal como praticado hoje. No mínimo,
haverá mais – e não menos – surpresas no futuro, e elas estarão interligadas.318
Para se trabalhar com as surpresas inevitáveis, Schwartz diz que é preciso
considerar duas reações naturais provocadas por elas e que levam à tomada de
decisões ineficazes. Uma delas seria a negação da inevitabilidade desses
acontecimentos, que pode impedir que as pessoas reconheçam a necessidade
de ações emergenciais de prevenção. Para Schwartz, “a negação talvez seja a
resposta mais perigosa frente a evidências de uma surpresa inevitável”319.
A outra reação seria a defesa, como uma forma de negação ao contrário.
Neste caso, a seriedade com que as surpresas inevitáveis e suas consequências
são vistas pode paralisar as pessoas. Segundo Schwartz, “em suas mentes não
haveria um modo possível de reagir a não ser encontrando um lugar seguro para
encolher-se e esperar que vá tudo pelos ares”320. De modo prático, isso
315
Ibidem. 316
SCHWARTZ, 2003, p.14. 317
Ibidem. 318
Ibid., p.16. 319
Ibid., p.21. 320
Ibidem.
105
pode significar, por exemplo, uma redução drástica de investimentos, com corte
nos gastos e inovações.
Em ambas as reações, o que se percebe é a falta de ação, uma
vitimização diante das circunstâncias, impedindo o desenvolvimento de
estratégias capazes de enfrentar a inevitabilidade desses acontecimentos, sejam
eles políticos, econômicos, tecnológicos, sociais ou ambientais.
Os coringas ou wild cards podem ser entendidos como rupturas, como
aqueles acontecimentos de grande impacto, difíceis de serem antecipados e
com pouca possibilidade de ocorrência.
Petersen e Steinmüller321 apontam três elementos que compõem o
ambiente do forecasting: 1 – As tendências seriam as forças motrizes que
fornecem orientação fundamental para o futuro. 2 – Os impactos cruzados
seriam as interações entre as tendências. 3 – Os wild cards seriam as surpresas
com riscos de alto impacto. Segundo Petersen e Steinmüller, a maior parte das
metodologias de pesquisa de tendências tem foco nas relações transversais, e
as surpresas inevitáveis têm sido tratadas como algo adicional a este
cruzamento. Considerando a velocidade e intensidade das mudanças vividas
hoje, muitas vezes surge a dificuldade em imaginar o extraordinário alcance
desses acontecimentos. Para os autores, os wild cards, hoje, tornaram-se mais
relevantes do que anteriormente. Toda essa força que, segundo Petersen e
Steinmüller, começa agora a convergir a um ritmo acelerado, produz grandes
eventos com muito pouca antecedência e pode ser caracterizada como wild
cards.
Com a integração global, houve um aumento da amplitude do impacto dos
wild cards, cuja abrangência já não se restringe a um ambiente local. Citando
Petersen e Steinmüller, além do aumento de seu espaço de impacto,
globalizado, os wild cards “exert a direct effect on the future – a „habitat‟ of our
hopes, fears, wishes, plans, and expectations. By producing changes in this
„habitat‟, they shake the entire landscape of the future reality”322.
Dessa forma, pode se entender o enorme efeito que esses choques
provocam na sociedade, minando a percepção dos acontecimentos cotidianos.
Como salientam Petersen e Steinmüller, “[…] Wild Cards not only transform
321
PETERSEN e STEINMÜLLER, 2009, p.2. 322
Ibid., p.3. (exercem um efeito direto sobre o futuro - o „habitat‟ de nossas esperanças, medos, desejos, planos e expectativas. Ao produzir mudanças neste „habitat‟, eles abalam toda a paisagem da realidade futura.) Tradução nossa.
106
reality but also revolutionize the future and rewrite the past. We look from a
different perspective at past developments”323.
Petersen e Steinmüller dividem as surpresas inevitáveis e os wild cards em
três categorias: 1 – eventos de que se tem conhecimento com chances quase
certas de ocorrer, porém sem data prevista, como o próximo terremoto. 2 –
acontecimentos futuros ainda desconhecidos que poderiam ser identificados
através de consultas a especialistas ou modelos adequados, como os impactos
das mudanças climáticas. 3 – eventos futuros absolutamente desconhecidos.
Como exemplos de wild cards, Petersen e Steinmüller324 sugerem uma
possível mutação humana, a chegada de extraterrestres, mudança do eixo da
Terra, choque de um asteróide com a Terra, a ocorrência de um terremoto de
grandes proporções, a descoberta de vida em outras dimensões, bactérias que
se tornam imunes aos antibióticos, a clonagem humana, a invenção da viagem
no tempo e uma revolução da educação pela realidade virtual. A maior parte dos
coringas ou wild cards não pode ter seu curso alterado, diferentemente do que
acontece com as incertezas críticas e os fatos portadores de futuro.
As surpresas inevitáveis e os wild cards abordam questões que envolvem
a ideia de descontinuidade, já discutida no capítulo 2, item 2.2. Para o
desenvolvimento de cenários, não se pode deixar de considerar a possibilidade
de eventos inesperados ou rupturas de alto impacto que podem atingir a
sociedade, transformando-a.
6.4.5 Atores
Os atores, segundo Marcial e Grumbach325, são os verdadeiros agentes de
mudança, alterando o curso dos acontecimentos e influenciando o
comportamento das forças motrizes. “Sua importância é tão grande que todos os
estudos prospectivos levam em consideração seu mapeamento, análise de seu
comportamento passado e suas estratégias”. Os cenários seriam o resultado das
alternativas possíveis na condução da história.
Os atores estão presentes no microambiente do contexto observado.
Muitas vezes, o comportamento de um ator no horizonte de um cenário tem sua
direção visivelmente consolidada e, neste caso, podemos dizer que a lógica do
cenário seguiu uma tendência de peso.
323
PETERSEN e STEINMÜLLER, 2009, p.3 (Wild Cards não só transformam a realidade, mas também revolucionam o futuro e reescrevem o passado. Vemos de uma perspectiva diferente os desenvolvimentos do passado.) Tradução nossa. 324
Ibid., p.16. 325
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.58.
107
6.4.6 Um exemplo
Um bom exemplo para a compreensão da atuação desses fatores dentro
de um cenário é a história mencionada por Schwartz326 sobre o faraó e a
enchente do Nilo, citada no capítulo 1 desta Tese.
Os sacerdotes egípcios compreendiam o significado dos elementos
predeterminados e das forças motrizes que forneciam a eles informações
importantes sobre o comportamento do Nilo. Pela observação da cor da água do
rio e não pela adivinhação, os sacerdotes identificavam as forças motrizes que
afetariam o equilíbrio do nível das águas; no caso, as chuvas que caiam na
cabeceira dos afluentes. Essa informação permitia que os sacerdotes
construíssem o cenário com antecipação suficiente para que o faraó se
prevenisse estrategicamente.
Na história, o elemento predeterminado327 eram as enchentes, pois o faraó
e os sacerdotes sabiam que elas ocorreriam de uma forma ou de outra. A força
motriz era o padrão de chuvas que alterava o nível dos rios, e a variação desse
nível seria a incerteza crítica. Embora os sacerdotes não conseguissem
visualizar a chuva, pois elas ocorriam bem longe de onde eles estavam,
observavam a cor das águas (sinal) e, através dessa cor, conseguiam saber o
nível da enchente.
Porém, Schwartz328 chama a atenção para a introdução de outro elemento
a partir da década de 1960, que foi a construção da represa de Assuã. A partir
desse momento, outras variáveis (forças motrizes e atores) entraram no jogo,
envolvendo a necessidade da água para a agricultura e a necessidade da
eletricidade, gerada pela represa. O nível das enchentes, então, já não dependia
das chuvas e da natureza, mas da regulagem da represa, realizada pela mão
humana. Dessa forma, a enchente deixou de ser um elemento predeterminado
para transformar-se numa incerteza crítica, moldada por interesses políticos e
sujeito a erro proveniente da administração da represa (atores).
326
SCHWARTZ, 2006, p.91 327
Ibid., p.98. 328
Ibid., p.102.
108
6.5 Enredos e Narrativas
Os cenários, também, podem ser triviais ou emocionantes, dependendo de como você pensa sobre o enredo.
Peter Schwartz329
Segundo Pierre Wack330, apud Schwartz, “os cenários lidam com dois
mundos: o mundo dos fatos e o mundo das percepções”. Estabelecer uma lógica
ao enredo dos cenários é saber lidar com esses dois mundos na condução da
história. É um modo de desembaraçar o ambiente e amarrar todos os elementos
do sistema.
O enredo descreve o comportamento das forças motrizes e atores dentro
de uma lógica e uma plausibilidade, tendo em vista seu comportamento no
passado. Para Schwartz, “os cenários exploram duas ou três dessas
alternativas, baseados no enredo (ou combinação de enredos) que vale mais a
pena considerar”331.
Na definição dos enredos que façam sentido, trabalha-se tanto com as
tendências de peso e os elementos predeterminados como com as surpresas
inevitáveis, incertezas críticas e wild cards. Para isso, uma série de perguntas
deve ser formulada, a fim de estabelecer os fatores-chaves corretos. Schwartz332
sugere que cada membro da equipe (participantes da prospecção e construção
de cenários) responda a essas questões principais:
Quais são as forças motrizes?
O que você acredita ser incerto?
O que é inevitável?
Que tal este ou aquele cenário?
Segundo Fahey e Randall333, os enredos não são apenas uma bela forma
de se contar histórias criativas. Os enredos são construídos a partir das forças
motrizes que modelam essas histórias e que falam de questões como economia,
sociedade, cultura, tecnologia e ecologia, como também de política, agências
governamentais e mercado. A delimitação do enredo dentro da construção de
cenários envolve decisões comparáveis à elaboração de um roteiro de cinema
ou teatro, onde se define o tema, os personagens (atores e forças motrizes) e o
329
SCHWARTZ, 2006, p.119. 330
Ibid., p.41. 331
Ibid., p.117. 332
Ibid., p.118. 333
FAHEY e RANDALL, 1998, p.10.
109
ambiente onde eles irão atuar. Para que esses enredos sejam pertinentes e
possam ser utilizados para a tomada de decisões é necessário que eles sejam
construídos com lógica, que sejam plausíveis ou, como os autores observam:
“the why underlying the what and how”334.
Para Godet e Roubelat335, a prospecção do futuro possui tanto um enfoque
exploratório (futuros possíveis) quanto um enfoque normativo ou antecipatório
(futuro desejado). No enfoque exploratório, a prospecção parte do passado ou
presente e vai em direção aos futuros possíveis. Neste caso, o foco está
direcionado para o que é realmente possível e o processo tem início pela
extrapolação de situações correntes. No enfoque antecipatório, a prospecção é
baseada em visões alternativas de futuro, que tanto pode ser desejado como
temido. A questão central neste caso seria: Que futuro nós queremos? O que
queremos que aconteça? O que pode acontecer e não queremos?
Complementando, vale também ressaltar a visão de Matathia e Salzman,
que observam que partir do presente, das tendências dominantes, pode não ser
suficiente para se chegar à identificação de cenários futuros. Uma segunda
opção seria:
[...] criar novos cenários, totalmente hipotéticos, e supor a ocorrência de eventos inusitados, como avanços extraordinários na ciência, invenções revolucionárias, verdadeiros breakthroughs, como teletransporte, ou catástrofes mundiais, como guerras, invernos nucleares, epidemias ou doenças até aqui desconhecidas.
336
Ainda sob esta perspectiva, Fahey e Randall337 também definem duas
técnicas de abordagem para a prospecção de futuro: um future backward e um
future forward. O future backward é um método dedutivo, no qual,
primeiramente, se projetam futuros desejáveis para, em seguida, em retrocesso,
tentar descobrir o que os motivou, método que podemos identificar com o
enfoque normativo/antecipatório de Godet. Em sentido inverso, o future forward
atua pela indução. A projeção de futuros plausíveis é realizada através da
análise do presente e das prováveis evoluções de suas forças e motivações,
similar ao enfoque exploratório de Godet.
Para Glenn338, no entanto, essa divisão não deve ser rígida quando
referente a metodologias específicas, pois muitas técnicas podem ser utilizadas
tanto pelo aspecto antecipatório como exploratório. Dependendo do objetivo, a
334
FAHEY e RANDALL, 1998, p.10 (o por que sublinha o o que e o como) Tradução nossa. 335
GODET e ROUBELAT, 1996, p.8. 336
MATATHIA e SALZMAN, 2004, p.19. 337
FAHEY e RANDALL, 1998, p.19. 338
GLENN, 2009, p.7.
110
pesquisa tem a flexibilidade necessária para adotar, inclusive, as duas
modalidades.
Segundo Glenn339, um dos pontos mais importante e largamente usado
nos cenários é a apresentação das condições das variáveis através do tempo.
Os enredos são alimentados pela evolução e combinação dessas variáveis. Os
cenários ganham textura quando seus enredos são enriquecidos pela ação e
interação das forças convergentes, ampliando a imaginação e gerando
subenredos.
É preciso experiência para se reconhecer um bom enredo, o que significa
prestar atenção ao que está sendo comentado sobre determinado assunto.
Também é importante ter uma boa elasticidade mental, incentivando o
pensamento a considerar um assunto sobre vários ângulos e possibilidades.
Marcial e Grumbach340 realizaram uma análise comparativa das principais
características dos fatores-chave, considerando sua probabilidade de ocorrência,
seu grau de surpresa, sua rapidez de materialização, sua influência sobre a
lógica do cenário, seu nível de variação, seu comportamento futuro e sua
importância para o enredo do cenário. O quadro abaixo (Quadro 7) apresenta, de
forma clara, um mapa dessa análise para a compreensão do papel de todos os
elementos na construção de cenários futuros.
339
GLENN, 2009, p.7. 340
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.62.
Tendência de
peso Elemento
predeterminado Fato portador
de futuro Incerteza
crítica Surpresa inevitável
Coringas Wild Cards
Probabilidade de ocorrência
Alta Alta Incerta Incerta Alta Baixa
Grau de surpresa
Baixo Baixo Incerto Incerto Alto Alto
Materializa-se rapidamente
Não, encontra-se em curso
Não Não Não Não Sim
Determina a
lógica dos cenários
Não Não Na maioria das
vezes Sim Não Sim
Variação ao longo do tempo
Em sentido preestabelecido
Invariante Incerta Incerta Incerta Incerta
Comportamento futuro
Conhecido Desconhecido Desconhecido Desconhecido Parcialmente
conhecido Desconhecido
Complementam o enredo do cenário
Sim Sim Não Não Sim Não
Quadro 7: Quadro comparativo dos fatores-chave para a construção de cenários (MARCIAL e GRUMBACH, 2008)
111
6.5.1 Um nome para ele
Muitas vezes, uma das maiores dificuldades para se vislumbrar o futuro é descobrir palavras capazes de descrevê-lo. Uma metáfora baseada em algo tangível e familiar pode ajudar a descrever algo intangível e pouco conhecido.
Prahalad e Hamel341
Dar nome a um cenário é uma arte, porque ele precisa resumir a essência
da história em algumas palavras e ser fácil de gravar e pronunciar. O nome do
cenário abrevia seu conteúdo e, muitas vezes, pode ser o início do processo.
Van Notten342 dá alguns exemplos de cenários para a Europa (Figura 7),
onde um nome forte resume toda a essência do cenário desenvolvido.
Título do Cenário Descrição da essência do cenário
Big is Beautiful?
Descreve um mundo onde os grandes negócios crescem cada vez mais fortes. A integração européia leva a uma consolidação de poder semelhante em Bruxelas. Alguns grupos na sociedade sofrem com este desenvolvimento e a agitação social cresce à medida que o fosso entre os ricos e os pobres aumenta.
Knowledge is King
Descreve um mundo no qual as ICTs são a força motriz da mudança, com profundas implicações para a economia, a sociedade, as instituições e o meio ambiente. O desemprego e o contínuo envelhecimento da sociedade são problemas muito grandes para os governos europeus. Contudo, a fenda entre o “conectado” e o “não conectado” é uma ponte que nunca se completa inteiramente.
Como recomenda Schwartz, “preste atenção no ato de batizar seus
cenários. Os nomes devem ser eficazes para transmitir a lógica do cenário.”343
Devem ser marcantes e fáceis de decorar. Para Schwartz, muitas vezes o nome
pode dar início à construção de cenários. Como exemplo, ele cita um título que
pode ser aplicado a pequenos negócios como a grandes corporações: Meu Pior
Pesadelo344. A pergunta a ser feita seria: “o que você fará se o seu Pior
Pesadelo se tornar realidade?”. A paralisia proveniente do medo de se encarar o
pesadelo e considerar suas verdadeiras ameaças, muitas vezes impede o
administrador de perceber as alternativas e agir com antecipação.
341
PRAHALAD e HAMEL, 2005, p.111. 342
VAN NOTTEN, 2004,p.110. 343
SCHWARTZ, 2006, p.204. 344
Ibid., p.171.
Figura 7: Exemplos de cenários (Van Notten, 2004)
112
6.5.2 Narrativas – os cenários contam histórias As boas histórias tornam-se inesquecíveis, ao contrário de grande parte das milhares de informações que recebemos hoje e esquecemos no dia seguinte.
John Kotter345
Peter Schwartz comenta que, diferentemente da ideia de que informações
sérias precisam ser apresentadas através de tabelas, gráficos, números ou em
uma linguagem acadêmica, na descrição de cenários, por sua complexidade e
imprecisão, utiliza-se em geral a linguagem das histórias e dos mitos. Segundo
ele, “histórias possuem um impacto psicológico que falta aos gráficos e às
equações”346 e dão significado aos eventos.
Nas narrativas dos cenários, compõem-se mitos, velhos ou novos. Um
determinado tipo de consumidor identificado num cenário, por exemplo, é
representado por uma figura mítica, porque não fala de uma pessoa em si
concretamente, mas de milhões de pessoas que ganham forma e têm suas
forças e sentimentos explicados através desse personagem. Schwartz diz que
“contar histórias na forma de mitos pode revelar algo sobre o que sentimos,
desejamos, esperamos ou tememos em relação ao futuro”347.
A construção do texto é muito importante para a apresentação dos
cenários, para que a história desperte o interesse e faça sentido. Schwartz
enumera algumas vantagens da apresentação dos cenários através de histórias,
entre elas, o fato de permitirem a descrição da forma como os diferentes
personagens enxergam os significados de cada evento. Além disso, segundo
ele, as histórias ajudam as pessoas a lidar com a complexidade; a narrativa
organiza os fatos, conferindo-lhes significado.
Fahey e Randall também apontam a importância da narrativa para a
melhor apresentação e compreensão do cenário. Para os autores, é quando a
equipe une as peças como num quebra cabeça, formando uma história com
início, meio e fim. Para Neilson e Stouffer, “futuristic scenarios – stories that paint
a vivid picture of a future state – can help provide vision and leadership in a
narrative format as well as communicate the organizational vision”348.
Sobre a natureza temporal da apresentação dos cenários, van Notten349
sugere duas possibilidades: o desenvolvimento em cadeia das variáveis no
345
KOTTER, J., 2006, p.7. 346
SCHWARTZ, 2006, p.42. 347
Ibid., p.46. 348
NEILSON e STOUFFER. 2005 (Cenários futuros – histórias que pintam uma imagem viva de uma situação futura – podem ajudar a fornecer visão e liderança no formato de narrativa, assim como comunicar a visão organizacional). Tradução nossa. 349
VAN NOTTEN, op.cit., p.35.
113
cenário, como num filme, ou uma apresentação em forma de instantâneos, como
um album fotográfico. O importante é encontrar a forma que melhor represente o
tipo de cenário que se está descrevendo. Lembrando que: um bom conteúdo, se
mal apresentado, pode causar rejeição; um conteúdo ruim muito bem
apresentado pode causar um bom impacto inicial; um bom conteúdo muito bem
apresentado pode se tornar inesquecível!
Figura 8: Resumo dos fatores-chave para a construção de cenários (Siqueira Campos, 2011)
114
6.6 A construção de cenários Por que dois ou três enredos ou lógicas? Porque as mentes das pessoas só conseguem lidar com duas ou três possibilidades. Duas podem não capturar a realidade, portanto freqüentemente usamos três.
Peter Schwartz350
Embora não se saiba com antecedência qual dos cenários irá acontecer, a
atitude estratégica permite a preparação antecipada para as alternativas
prospectadas. A chave, como no teatro, é saber reconhecer todo o enredo
através de algum detalhe do cenário e, assim, saber que tipo de atuação será
necessário. Ao se construir as alternativas de cenários (entre três ou quatro),
simulam-se as possibilidades de futuro, ou dito de outra forma, ensaiam-se
algumas peças que poderão entrar em cartaz.
Um ponto importante relacionado à equipe participante na construção de
cenários são as divergências e convergências de opiniões. Schwartz alerta para
este fato, ressaltando que os cenários são alimentados tanto pela ampla
variedade de informações e pontos de vista, como pelo posterior ajuste dessas
diferentes visões, convergindo para histórias em comum.
Fahey e Randal351 alertam para o aspecto good news/bad news352 que os
pesquisadores devem atentar na construção de cenários (futuro desejável, futuro
temido, futuro inesperado etc.). Sobre o assunto, Schwartz aponta para a
escolha das alternativas dos cenários, que podem variar entre uma visão
otimista (envolvendo crescimento, inovação e mudança), uma visão
revolucionária (abordando mudanças e descontinuidades), uma visão pessimista
e, ainda, uma mediana, que faria o equilíbrio entre as demais.
6.6.1 Por onde começar? Para onde ir?
Thinking about the future has always been a special opportunity for us to let our minds run free.
Michel Godet353
O método de construção de cenários possui algumas variações, segundo o
critério adotado por cada um dos autores aqui estudados e na adoção de
técnicas específicas para seu desenvolvimento.
350
SCHWARTZ, 2006, p.121. 351
FAHEY e RANDAL, 1998, p.72. 352
(Boas notícias/más notícias) Tradução nossa. 353
GODET, 2006, P.336 (Pensar sobre o futuro é sempre uma boa oportunidade para deixarmos nossas mentes correrem livres) Tradução nossa.
115
Em Godet (Quadro 8), são descritas 6 etapas, que vão da delimitação do
sistema e do ambiente ao estabelecimento e monitoração de estratégias.
Método - Michel Godet354:
Etapas:
1 Delimitação do sistema e do ambiente;
2 Análise estrutural do sistema e do ambiente - análise retrospectiva do ambiente e da situação atual;
3 Seleção de condicionantes do futuro;
4 Geração de cenários alternativos;
5 Testes de consistência dos cenários;
6 Estabelecimento de estratégias e sua monitoração.
Em Schwartz (Quadro 9), 8 etapas sintetizam seu método, que tem início
com a identificação da questão principal e finaliza com a seleção de indicadores
e sinalizadores principais.
Método - Peter Schwartz355:
Etapas:
1 Identificação da questão principal;
2 Identificação dos fatores-chave (microambiente);
3 Identificação das forças motrizes (macroambiente);
4 Ranking das incertezas críticas;
5 Seleção da lógica dos cenários;
6 Descrição dos cenários;
7 Análise das implicações e opções;
8 Seleção de indicadores e sinalizadores principais.
354
GODET, 2006. 355
SCHWARTZ, 2003 e 2006.
Quadro 8: Etapas do Método de Michel Godet
Quadro 9: Etapas do Método de Peter Schwartz
116
Grumbach (Quadro 10) resume seu método a 4 etapas, que vão da
identificação do sistema à consolidação através dos softwares Puma e Lince.
Método – Raul Grumbach356:
Etapas:
1 Identificação do sistema;
2 Diagnóstico estratégico (estudo detalhado das principais questões ligadas ao sistema e ao ambiente - construção e identificação de variáveis alternativas (fatos portadores de futuro);
3 Visão estratégica: visão de presente, visão de futuro (simulação e gestão de futuro) e avaliação de medidas e gestão de resistências;
4 Consolidação. Softwares Puma (sistema de planejamento estratégico e cenários prospectivos – etapas 1, 2, 3 e 4) e Lince (sistema de simulação e gestão de futuro – na etapa 3).
Dentre as diversas técnicas que auxiliam a construção de cenários, optou-
se, principalmente, por uma combinação das sugeridas por Godet, Schwartz
(Global Business Network) e Grumbach, cujas etapas foram apresentadas
acima. Nos três autores, cabe assinalar os pontos em comum, como a base na
teoria prospectiva, a análise das variáveis (atores e forças motrizes), o uso de
matrizes e a construção de múltiplos cenários.
Schwartz357 aconselha que a prospecção de cenários tenha início “de
dentro para fora”, ou seja, primeiramente se define o assunto de interesse
específico e a partir daí constrói-se o ambiente. A complexidade na estruturação
do cenário, envolvendo o número e categorias das variáveis, vai depender do
tema a ser pesquisado e do seu objetivo.
356
Curso on-line: Planejamento Estratégico e Cenários Prospectivos - O Método Grumbach: http://www.brainstorming.educs.com.br 357
SCHWARTZ, 2006, pp. 199-204.
Quadro 10: Etapas do Método de Raul Grumbach
117
6.6.2 Categorização e cruzamento dos dados coletados
Não se preocupe com seus arquivos, preocupe-se com suas percepções.
Peter Schwartz358
A pesquisa tem início com a delimitação do sistema e do ambiente a ser
trabalhado, ou seja, a questão central. Segundo Marcial e Grumbach, “o sistema
é delimitado pelo objeto do estudo, seu horizonte temporal e área geográfica”359,
enquanto o “ambiente é o contexto mais amplo onde está inserido o sistema”.
A segunda fase é a construção do cenário atual sobre o tema delimitado,
através da coleta de dados/informações, fornecidos por instituições e
especialistas do setor ou presentes na mídia impressa (jornais, revistas etc.) e
digital (sites, blogs etc.), nas manifestações culturais, comportamentais etc.
Todas essas informações precisam passar por um processo de seleção e
codificação (resumo, paráfrases, palavras chaves etc.) visando sua posterior
categorização.
Segundo Flick, a codificação pode ser entendida como a “representação
das operações pelas quais os dados são fragmentados, conceitualizados e
reintegrados de novas maneiras”360, representando um resumo dos conceitos
centrais presentes nas informações coletadas. A codificação dos dados leva à
identificação das categorias as quais eles pertencem. De posse dessas
categorias, cria-se uma Matriz de Categorização (Matriz 1), onde todos os dados
selecionados são organizados.
A categorização dos dados oferece, primeiramente, um panorama geral do
presente. Num segundo momento, permite o levantamento dos elementos pré-
determinados (invariantes) e das variáveis (forças motrizes e atores) que podem
impactar e/ou influenciar a questão central. No método de construção de
cenários, recomenda-se a seleção das variáveis mais impactantes – aquelas
358
Ibid., p.62. 359
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.91 360
FLICK, 2009, p.277.
Matriz de Categorização – Cenário Atual
Econômico Tecnológico Ambiental Cultural Social Emocional Etc.
Matriz 1: Exemplo de Matriz de Categorização dos dados coletados
118
capazes de influenciar e provocar mudanças –, e imprevisíveis – que possuem
um alto grau de incerteza (elementos predeterminados, surpresas inevitáveis,
incertezas críticas e, eventualmente, wild cards). Para essa análise e seleção,
parte-se de uma Matriz de Análise Estrutural361 (Matriz 2) onde, primeiramente, se
faz um cruzamento entre as forças motrizes a fim de dimensionar o seu grau de
impacto sobre as demais.
Na análise estrutural das forças motrizes, adota-se o sistema binário, com
o valor 1 pontuando as variáveis com maior motricidade e o 0 para as variáveis
com menor motricidade. Esta análise ajudará na compreensão do
comportamento das variáveis e a influência exercida umas sobre as outras na
construção dos enredos dos cenários.
Marcial e Grumbach362 sugerem uma seleção de seis forças motrizes
dentre as identificadas, aqui representadas por x1, x2, x3, x4, x5 e x6, para
verificação do grau de motricidade (M) e dependência (D) dessas forças.
Utilizando-se os valores 1 e 0, a matriz é preenchida e os valores
somados, tanto horizontal como verticalmente. Dessa forma, chega-se a um
resultado, onde se obtém um mapa das forças motrizes selecionadas. No
exemplo abaixo (Matriz 2), a variável x2 aparece com um total 5 (na horizontal),
atribuindo à ela maior motricidade. A variável x6 aparece com um total 5 (na
vertical), o que significa que, no contexto analisado, ela é a mais dependente.
Além das forças motrizes (macroambiente), é importante definir os atores
(microambiente) cujas ações podem influenciar o movimento das forças motrizes
e o grau de impacto. Para tanto, seleciona-se entre cinco ou seis atores e faz-se
361
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.93. 362
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.93.
x1 x2 x3 x4 x5 x6 M
x1 0 1 1 0 1 1 4
x2 1 0 1 1 1 1 5
x3 0 1 0 0 0 1 3
x4 0 0 0 0 1 1 2
x5 0 1 1 0 0 1 3
x6 0 1 0 0 1 0 2
D 1 4 3 2 4 5
Matriz 2: Matriz de Análise Estrutural (Marcial e Grumbach, 2008)
119
um cruzamento de sua influência (I) sobre as forças motrizes já definidas,
através de uma Matriz de Influências Atores (A) X Forças Motrizes (x)363. No
exemplo a seguir (Matriz 3), os atores A1, A3 e A4 aparecem como os mais
influentes e as forças motrizes x5 e x6 como as mais dependentes ou
influenciáveis.
A definição das forças motrizes com maior motricidade (verificada na
Matriz de Análise Estrutural) e dos atores mais influentes (Matriz de Influência
Atores x Forças Motrizes) é ponto chave para que a construção dos cenários
tenha uma base coerente e bem fundamentada.
Em Schwartz, apud Marcial e Grumbach364, encontramos uma
classificação individual das forças motrizes por seu grau de imprevisibilidade e
impacto. Para tanto, ele recomenda o uso de uma matriz (Matriz 4) onde as
variáveis selecionadas recebem notas de 1 a 5.
363
Ibid., p.96. 364 MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.102.
x1 x2 x3 x4 x5 x6 I
A1 0 1 1 1 1 1 5
A2 0 0 0 1 0 1 2
A3 0 1 1 0 1 1 4
A4 1 0 0 1 1 1 4
A5 0 1 0 0 1 1 3
A6 0 0 1 0 0 0 1
D 1 3 3 3 5 5
Variável Imprevisibilidade Impacto
x1 2 3
x2 2 1
x3 5 3
x4 4 2
x5 5 5
x6 4 4
Matriz 3: Matriz de Influências Atores x Forças Motrizes (Marcial e Grumbach, 2008)
Matriz 4: Matriz de Classificação das Forças Motrizes (Peter Schwartz)
120
Para melhor visualizar o resultado dessa classificação, Schwartz adota
uma Matriz de Forças Motrizes (Matriz 5), onde as variáveis são posicionadas
segundo a Tabela de Classificação a acima.
Esta Matriz define as duas forças motrizes mais impactantes e
imprevisíveis (no caso, x5 e x6 foram selecionadas; porém a x3 também poderia
ser considerada.), recomendadas por Schwartz como as variáveis que comporão
os eixos ortogonais da Matriz de Cenários (Matriz 6), lembrando que, inicialmente,
as variáveis foram selecionadas segundo a questão central a ser abordada pelos
cenários.
Matriz 6: Matriz de Cenários (Peter Schwartz)
Matriz 5: Matriz das Forças Motrizes (Peter Schwartz)
121
Como se pode observar na Matriz de Cenários (Matriz 6), existem quatro
campos formados pelos eixos impacto x imprevisibilidade, que sugerem quatro
possibilidades de futuro. O Cenário 1 (menos imprevisibilidade e menos impacto)
poderia ser projetado de modo incremental, com mudanças poucos impactantes.
Já o Cenário 3 (maior imprevisibilidade e maior impacto) poderia ser projetado
de forma mais disruptiva, com mudanças de grande impacto. Os Cenários 2 e 4
alternam o grau de impacto e imprevisibilidade.
Exemplificando essa aplicação, Fahey e Randall365 descrevem uma matriz
de cenários construída para a indústria de vinhos californianos (Figura 9). As
forças motrizes identificadas com maior impacto e incerteza para compor os
eixos foram o ambiente regulatório da indústria vinícula (mercado aberto x
protecionismo) e a imagem do vinho do ponto de vista dos consumidores
(imagem positiva x negativa). O cruzamento dessas duas forças passa pela
questão: o que acontece quando duas forças importantes convergem no futuro
do mercado? Por exemplo: se os consumidores tiverem uma boa imagem dos
vinhos californianos, se o mercado não tiver competidores externos, e se os
estudos comprovarem que uma taça de vinho por dia faz bem à saúde, o cenário
resultante seria “Seguro em Casa”. Neste cenário, haveria tanto o aumento da
demanda do vinho californiano como a elevação dos preços, dentro de um
mercado de pouca competitividade. Os demais cenários foram prospectados de
forma semelhante, a partir de considerações envolvendo a interação dos eixos.
365
FAHEY e RANDALL, op.cit., p.66.
Figura 9: O futuro da indústria de vinhos da Califórnia (Fahey e Randall)
122
6.6.3 What IF? A pergunta que não pode calar
Mas uma pessoa que realmente acredite que “é assim que as coisas são”, uma pessoa demasiadamente preguiçosa para perguntar “por que isso não pode ser diferente?” jamais verá o futuro.
Prahalad e Hamel366
A prospecção de cenários tem início através de questões que são
formuladas sobre assuntos que precisam ser tratados e compreendidos para a
tomada de decisões. Essas questões, segundo Schwartz367, podem ser estreitas
ou amplas. As questões estreitas são específicas a determinado campo ou
assunto e, como salienta Schwartz, os cenários construídos de forma mais
específica são os locais onde se pode encontrar “valiosas ideias (sic) relativas a
organizações e missões em particular”. As questões amplas referem-se ao
mundo em geral.
A construção de cenários, segundo Searce368, incentiva as pessoas a
desafiarem o status quo, através da questão: e se...?. Ao fazer considerações a
respeito de questões que se iniciam com este e se...?, pode-se prospectar
futuros possíveis e construir enredos sobre esses futuros. E se o futuro nos
trouxer oportunidades e desafios novos e imprevisíveis, estaremos prontos para
agir?
Na prospecção de futuros possíveis, a pergunta e se...? é aplicada às
inter-relações de atores e forças motrizes. Ao se considerar a possibilidade de
determinada interferência de uma variável sobre outra, vão-se criando
alternativas futuras. Quanto mais improváveis e impactantes forem os resultados
dessas interferências, mais disruptivo o cenário.
Como exemplo do emprego da questão e se...? na construção de cenários,
Schwartz369 cita três cenários desenvolvidos para uma empresa interessada num
novo negócio de plantas caseiras. No quadro a seguir (Quadro 11), pode-se
verificar a formulação da questão e a resposta encontrada, dentro de uma visão
otimista, pessimista e alternativa.
366
PRAHALAD e HAMEL, 2005, p.100. 367
SCHWARTZ, 2006, p.57. 368
SEARCE, 2004, p.2. 369
SCHWARTZ, 2006, p.100.
123
Cenário otimista E se a economia florescer?
Toda a geração investiria mais dinheiro em suas casas; além de quadros e móveis, comprariam plantas como “paisagem interna”.
Cenário pessimista E se a economia piorar e a violência e a incoerência aumentarem?
As plantas caseiras proporcionariam um ambiente para que os assustados amantes da natureza não precisassem sair de casa.
Cenário alternativo E se ocorrer uma transformação social? As plantas caseiras seriam parte do movimento, como a meditação e a comida saudável.
Como comenta Searce370, a utilização da construção de cenários vem
ganhando cada vez mais adeptos porque é uma das poucas ferramentas
capazes de desenvolver nossa capacidade de compreender e controlar as
incertezas. A pergunta lançada desafia a mente e a opinião sobre as coisas, dá
elasticidade ao espírito, projetando o indivíduo para o futuro, entendendo que
este futuro será consequência das decisões do presente.
6.6.4 Com um helicóptero na cabeça
Qualquer um pode criar cenários, mas se tornará muito mais fácil se você estiver disposto a encorajar a sua própria imaginação, a novidade e até mesmo o senso de absurdo – assim como seu senso de realismo.
Peter Schwartz371
A construção de cenários é uma atividade que implica não apenas na
observação externa dos eventos e coleta de informações do mundo, mas
também através dos modelos mentais de cada um dos envolvidos no processo.
Para Schwartz, “cada esforço para fazer um cenário inicia-se olhando para
dentro”372. Schwartz observa que “cada um de nós responde, não ao mundo,
mas à nossa imagem do mundo. Esse modelo mental inclui atitudes a respeito
de todas as situações em nossas vidas e de cada pessoa que encontramos”373.
Modelos mentais, segundo Marcial e Grumbach, “são imagens internas
profundamente arraigadas sobre o funcionamento do mundo, imagens que nos
limitam a formas bem conhecidas de pensar e agir”374. São os modelos mentais
370
SEARCE, 2004, p.2. 371
SCHWARTZ, 2006, p.37. 372
Ibid., p.51. 373
Ibidem. 374
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.41.
Quadro 11: Exemplo de Schwartz para a questão E se…? num cenário otimista, pessimista e alternativo.
124
que direcionam as ações e reações de cada indivíduo para caminhos distintos,
embora sob as mesmas circunstâncias.
Citando Arie de Geus, Marcial e Grumbach375 salientam que, para a
empresa, o aprendizado pode ser considerado uma das grandes contribuições
da prospecção de cenários futuros. Isto se dá pela utilização dos mapas mentais
pela equipe e a possibilidade de mudança nesses mapas, seja em relação à
empresa, ao mercado e aos concorrentes.
Dario Caldas376 comenta que a realização de um mapa de valores e
sensibilidades e sua permanente atualização ajuda a identificar e acompanhar
os desdobramentos das tendências de fundo, cuja observação não é tão fácil ou
evidente. Esse processo é indispensável para que se tenha uma visão mais
ampla (macro) do ambiente, evitando o risco de se ficar a reboque dos
acontecimentos.
Segundo Glenn377, na construção de cenários é importante pensar sobre
possíveis impactos de tendências atuais ou potenciais eventos futuros; organizar
o pensamento sobre esses eventos futuros ou tendências; criar projeções em
cenários alternativos; mostrar complexas inter-relações; expor outras pesquisas
futuras; desenvolver uma multiplicidade de conceitos a partir de um conceito
inicial de uma tendência ou evento; introduzir pensamentos sobre o futuro em
determinado grupo contextualizado; consolidar uma perspectiva de futuro
consciente; evitar surpresas inesperadas.
Para o bom êxito na construção de cenários futuros, deve-se desviar a
mente de um pensamento linear, simplista e hierárquico, direcionando-a para um
pensamento mais orgânico, complexo e orientado em rede. Cabe aqui ressaltar
a sugestão de Schwartz:
A ferramenta mais importante para enxergar à frente é a qualidade da mente. Entre meus amigos na Shell, é esperado que as pessoas que chegam ao topo – além de ser realistas, analíticas e imaginativas – tenham um “bom helicóptero” na cabeça. Isso significa a habilidade de enxergar o quadro grande e ao mesmo tempo aproximar-se para examinar detalhes-chave.
378
375
MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.40. 376
CALDAS, 2004, p.121. 377
GLENN, 2009, The Futures Wheel, p.2. 378
SCHWARTZ, 2006, p.178.
125
6.7 Considerações parciais
Good forecasts are not necessarily those which are realised, but those which lead to action so as to avoid the dangers and arrive at the desired objective.
Godet e Roubelat379
As visões de futuro ou cenários, segundo Godet380, nem sempre são
prováveis ou desejáveis. Também não se deve confundir as opções realizadas
para a projeção de futuros considerando a movimentação das forças motrizes e
dos atores, com as opções estratégicas voltadas para as mudanças previstas no
ambiente futuro da empresa. Godet observa que a incerteza sobre o futuro pode
ser avaliada pelo número de cenários possíveis dentro do campo das
possibilidades. Em princípio, isso vai significar que quanto maior o número de
alternativas de cenários, maior é a incerteza, sem deixar aqui de considerar que
a diferença de conteúdo desses cenários pode confundir.
Como Godet comenta, o cenário mais provável pode ser muito similar ou
muito contrastante às demais alternativas.
Experience shows that in general a third of the total possible scenarios is enough to cover 80% of the field of probables; i.e., 10 scenarios out of 32 possibles for 5 fundamental hypotheses
381.
Para se prognosticar futuros é preciso considerar o alto grau de incerteza
que nos cerca e, atualmente, a prospecção de cenários é uma das ferramentas
mais poderosas para realizar esses prognósticos. Os cenários abrem a
percepção para novas possibilidades e, num mundo onde o risco e a incerteza
podem interromper determinadas tendências e movimentos, torna-se necessário
o investimento nesse tipo de pesquisa antecipatória.
Os cenários, então, têm como propósito explorar, criar e testar, de forma
sistemática, alternativas plausíveis de futuro, a fim de possibilitar a geração de
políticas de médio e longo prazo, planos e estratégias capazes de ajudar na
tomada decisões acertadas. Schwartz diz que as empresas levam um tempo até
absorverem novas formas de encarar o mundo. Se as novas perspectivas forem
apresentadas quando a ação já for necessária e urgente, dificilmente essas
empresas adotarão uma nova proposta. A prospecção de cenários e a análise
379
GODET e ROUBELAT, 1996, p.2 (Bons prognósticos não são, necessariamente, aqueles que se realizam, mas aqueles que levam à ação, a fim de evitar os perigos e chegar ao objetivo desejado) Tradução nossa. 380
GODET, 2006. 381
GODET, 2004, p.11 (A experiência mostra que, em geral, um terço do total de cenários possíveis é suficiente para cobrir 80% do campo das probabilidades, ou seja, dez dos trinta e dois cenários possíveis para cinco hipóteses fundamentais.) Tradução nossa.
126
de suas alternativas devem ser feitas com antecedência, para que a empresa
possa realizar as mudanças internas necessárias, absorver as probabilidades
futuras e traçar estratégias para elas.