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88 6 Futuro: a prospecção de cenários As tochas facilitaram o deslocamento noturno das diligências, assim como os faróis fizeram com os automóveis. Mas ainda não haviam surgido metodologias para “iluminar” as estradas da vida. Marcial e Grumbach 248 If futurism means “recognizing that life will change, must change, and has changed,” then we are all futurists now. Diana Searce 249 Ao longo do tempo, uma grande diversidade de métodos e técnicas foi desenvolvida para se prospectar o futuro. A partir da década de 1950, segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE 250 , técnicas como forecasting visaram “formalizar procedimentos para estudos sistemát icos das tendências e fatos futuros”. Porém, os estudos de tendência evoluíram e outras técnicas surgiram à medida que aumentava a dinâmica das sociedades contemporâneas, considerando as mudanças e inovações radicais, assim como seus desdobramentos e impactos transformadores. Ainda segundo o CGEE, a partir de meados da década de 1980 os exercícios prospectivos ganharam força por melhor responder aos desafios provenientes, principalmente, da tecnologia, levando ao estudo do macro- ambiente, ciência, tecnologia e inovação. A atividade prospectiva, segundo o CGEE, tem como lema “o futuro se constrói a partir do presente”. É importante ressaltar que as atividades prospectivas são uma prática relativamente recente e estão sendo constantemente testadas, analisadas, adaptadas e renovadas. O estudo do CGEE observa que, de modo geral, o amadurecimento dos métodos de prospecção se deu de forma isolada, com praticamente nenhuma troca de experiências e informações entre suas modalidades. Sendo assim, dependendo do campo observado e do objetivo da pesquisa, métodos e técnicas, sejam eles quantitativos ou qualitativos, podem ser ajustados para a obtenção de resultados melhores e mais focados. Partindo desse pressuposto, é necessário primeiramente compreender algumas das terminologias mais utilizadas no campo dos estudos do futuro segundo seus objetivos e abrangências. 248 MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.26. 249 SEARCE et al., 2004, p.1. (Se futurismo significa “reconhecer que a vida irá mudar, deve mudar e tem mudado”, então agora nós somos todos futuristas.) Tradução nossa. 250 CGEE Prospecção em CT&I, 2008.

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6 Futuro: a prospecção de cenários

As tochas facilitaram o deslocamento noturno das diligências, assim como os faróis fizeram com os automóveis. Mas ainda não haviam surgido metodologias para “iluminar” as estradas da vida.

Marcial e Grumbach248

If futurism means “recognizing that life will change, must change, and has changed,” then we are all futurists now.

Diana Searce249

Ao longo do tempo, uma grande diversidade de métodos e técnicas foi

desenvolvida para se prospectar o futuro. A partir da década de 1950, segundo o

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE250, técnicas como forecasting

visaram “formalizar procedimentos para estudos sistemáticos das tendências e

fatos futuros”. Porém, os estudos de tendência evoluíram e outras técnicas

surgiram à medida que aumentava a dinâmica das sociedades contemporâneas,

considerando as mudanças e inovações radicais, assim como seus

desdobramentos e impactos transformadores.

Ainda segundo o CGEE, a partir de meados da década de 1980 os

exercícios prospectivos ganharam força por melhor responder aos desafios

provenientes, principalmente, da tecnologia, levando ao estudo do macro-

ambiente, ciência, tecnologia e inovação. A atividade prospectiva, segundo o

CGEE, tem como lema “o futuro se constrói a partir do presente”.

É importante ressaltar que as atividades prospectivas são uma prática

relativamente recente e estão sendo constantemente testadas, analisadas,

adaptadas e renovadas. O estudo do CGEE observa que, de modo geral, o

amadurecimento dos métodos de prospecção se deu de forma isolada, com

praticamente nenhuma troca de experiências e informações entre suas

modalidades. Sendo assim, dependendo do campo observado e do objetivo da

pesquisa, métodos e técnicas, sejam eles quantitativos ou qualitativos, podem

ser ajustados para a obtenção de resultados melhores e mais focados. Partindo

desse pressuposto, é necessário primeiramente compreender algumas das

terminologias mais utilizadas no campo dos estudos do futuro segundo seus

objetivos e abrangências.

248

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.26. 249

SEARCE et al., 2004, p.1. (Se futurismo significa “reconhecer que a vida irá mudar, deve mudar e tem mudado”, então agora nós somos todos futuristas.) Tradução nossa. 250

CGEE – Prospecção em CT&I, 2008.

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6.1 Buzzwords: previsão, prognóstico ou prospecção?

It is high time that these concepts be clarified so that the same word does not have different meanings and that different things are not named the same.

Michel Godet251

Com tantos termos empregados para se referir aos estudos do futuro, além

de suas traduções e sinônimos, muitas vezes torna-se um problema fazer

distinções entre um e outro. Cheios de ruídos e interpretações confusas, nem

sempre é fácil empregar esses termos, ou buzzwords252, dentro de um

consenso. Dentre os termos utilizados na literatura sobre estudos do futuro,

pode-se destacar la prospective, foresight(ing), forecast(ing), future studies,

assessment e scenarios como os mais recorrentes.

6.1.1 La Prospective e foresight

La prospective is to illuminate the choices of the present in the light of possible futures. Godet e Roubelat

253

Como relata Godet e Roubelat254, o termo la prospective foi empregado

pela primeira vez em 1957 por Gaston Berger, filósofo e pedagogo francês, para

enfatizar “uma atitude orientada para o futuro”.

Segundo Michel Godet255, o termo francês la prospective é geralmente

traduzido para o inglês como foresight ou future studies, tendo em seu escopo a

idéia de antecipação: “anticipation (pre or pro-activity) to clarify present actions in

light of possible and desirable futures”256. Godet observa que a atitude

prospectiva, em sua pré-atividade, antecipa a mudança que virá; em sua pró-

atividade, provoca a mudança desejada.

Para Godet e Roubelat, a atitude prospectiva significa: olhar para longe,

porque tem uma preocupação de longo prazo; olhar com amplidão, para cuidar

das interações; olhar em profundidade, para encontrar os fatores e tendências

que são realmente importantes; assumir riscos, porque horizontes distantes

podem proporcionar mudanças de planos de longo prazo; mas também significa

251

GODET, 2006, p.5 (Já é mais do que tempo desses conceitos serem esclarecidos, considerando que a mesma palavra não possui diferentes significados, assim como coisas diferentes não possuem o mesmo nome.) Tradução nossa. 252

O termo buzzwords pode ser entendido como “palavras com ruído”. 253

GODET e ROUBELAT, 1996, p.2 (Prospectar é iluminar as escolhas do presente com a luz dos futuros possíveis) Tradução nossa. 254

Ibid., p.2. 255

GODET, 2006. 256

Ibid., p.2 (antecipação (pré ou pró-ativa) para esclarecer as ações do presente à luz dos futuros possíveis e desejáveis) Tradução nossa.

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cuidar da humanidade, porque o interesse prospectivo está focado nas

conseqüências humanas.

La prospective, segundo Godet257, não é nem forecasting nem futurologia,

mas uma forma de se pensar para a ação, pela explanação e entendimento de

crises, sem fatalismo. A tradução do termo para o português, segundo o

dicionário Larousse, seria prospecção258.

Foresight, por outro lado, é traduzido como presciência e previsão, estando

ainda ligado à ideia de previdência, prevenção e precaução, de acordo com o

dicionário Michaelis259. Godet, no entanto, salienta que o termo foresight é

geralmente aplicado à tecnologia, do ponto de vista antecipatório das mudanças

decorrentes (pré-atividade), e não apresenta uma pró-atividade. Para o CGEE260,

foresight pode ser definido como

uma tentativa sistemática de olhar, no futuro de longo prazo, para a ciência e a tecnologia, na economia e na sociedade, com o objetivo de identificar áreas estratégicas e as tecnologias genéricas emergentes com o potencial para produzir os grandes benefícios econômicos e sociais.

6.1.2 Forecast

Fashion forecasting has been compared to chasing the future with a butterfly net. Marilyn Gardner

261

O termo forecast, segundo o Michaelis262, está inicialmente ligado à ideia

de previsão e profecia. Porém, a tradução oferece ainda outro significado mais

próximo da forma como ele é empregado nos estudos de tendências, que seria

prognóstico263. Segundo a CGEE264, forecast, relacionado à tecnologia, é o

"processo de descrever a emergência, desempenho, características ou impactos

de uma tecnologia em algum momento no futuro”.

Alan Porter265 chama a atenção para o termo technological forecasting que

trata com elementos causais de vários tipos: social, econômico ou tecnológico.

Em geral, está focado nas mudanças tecnológicas, seja em sua capacidade

funcional ou no próprio significado de uma inovação. Segundo Porter,

257

GODET, 2006. 258

LAROUSSE, 1957. 259

MICHAELIS, 1961. 260 CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 261

GARDNER, M. (1995) apud BRANNON, E., 2005, p.5 (Fazer prognósticos de moda tem sido comparado à perseguir borboletas com uma rede) Tradução nossa. 262

MICHAELIS, 1961. 263

AURÉLIO, 1975. Prognóstico: deixar entrever com antecipação; anunciar; prenunciar. 264

CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 265

PORTER, 1991, p.21.

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technological forecasting está centrado nas novas tecnologias, nas mudanças

incrementais e nas descontinuidades que ocorrem em tecnologias existentes.

Salles-Filho, apud CGEE266, define forecasting como uma técnica

prioritariamente envolvida com a construção de modelos e esboços de cenários,

através de relações causais relativas aos desenvolvimentos científicos e

tecnológicos. Como hoje a prospecção de futuros contém múltiplos fatores,

englobando também aspectos político-sociais, o modelo de pesquisa

científico/tecnológico associado ao forecasting é cada vez mais substituído pela

combinação de métodos e técnicas variadas.

Porém, o termo também é utilizado na moda e, segundo Rita Perna267,

fashion forecasting está relacionado à atividade que tenta responder a duas

questões centrais: o que é provável de acontecer num futuro próximo? O está

acontecendo agora que irá influenciar significativamente o futuro mais distante?

Como diz a autora,

Forecasting fashion is not unlike forecasting the weather, the stock market, or the success of a Broadway show. It aims to take all contingencies into account and come out with a respectable score. The forecaster must be flexible enough to shift gears when the unexpected occurs.

268

Rita Perna observa ainda que os pesquisadores utilizam os termos

prognósticos de moda ou fashion forecasting para definir tendências. A atividade

engloba possibilidades, probabilidades e preferências. Para ela, “forecasting is

simply identifying fashion trends”269.

6.1.3 Assessment

Segundo os estudos do CGEE, o conceito foi inicialmente adotado pelo

Office of Technology Assessment – OTA, em 1972,

A partir da constatação de que a tecnologia muda e se expande, rápida e continuamente, e suas aplicações são amplas e em escala crescente e cada vez mais pervasivas e críticas em seus impactos, benefícios e problemas, em relação

ao ambiente social e à natureza.270

266

CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 267

PERNA, 1987. 268

Ibid., p.91 (Fazer prognóstico em moda não é diferente de fazer prognósticos sobre o tempo, sobre o mercado ou sobre o sucesso de algum show da Broadway. Significa considerar todas as contingências e sair com uma contagem respeitável. O pesquisador deve ser flexível o bastante para deslocar as engrenagens quando ocorre o inesperado.) Tradução nossa. 269

Ibidem. (Fazer prognósticos é simplesmente identificar tendências de moda.) Tradução nossa. 270

CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008.

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Uma boa tradução para o termo assessment no contexto desta pesquisa

seria avaliação271, pois envolve não só a identificação de sinais de mudança,

mas o seu acompanhamento mais ou menos sistemático e contínuo.

No quadro abaixo (Quadro 5), um resumo dos termos e definições dos

autores citados.

Michel Godet Alan Porter CGEE Rita Perna

La Prospective

Estudos do futuro

Prospecção

Pensar para a ação (pré e pró ativa)

Foresight

Antecipação de mudanças

Ligado à tecnologia

(pré ativa)

Identificação de áreas estratégicas e

tecnologias genéricas

emergentes / futuro de longo prazo

Forecast

Prognóstico

Antever impactos tecnológicos

“technological forecasting”

Fashion forecasting

Prognóstico

de moda

Assessment

Avaliação

Identificação de mudanças e seu monitoramento

Este trabalho adotou o termo prospecção no que se refere à pesquisa e

construção de cenários futuros, seguindo a definição de Godet, para quem a

prospecção abrange tanto ações pré como pró-ativas.

6.2 A natureza da pesquisa entre o hard e o soft

Um cenário possui diversas características. A mais importante é a visão plural do futuro. Marcial e Grumbach

272

Como foi dito no início deste capítulo, existem diferentes métodos e

técnicas de exploração do futuro, e inúmeras combinações entre essas

alternativas. Torna-se, portanto, necessário fazer a escolha do método correto

de acordo com a natureza da pesquisa, para que se possa chegar a um bom

271

COLLINS GEM Dictionary, 1986. 272

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.55.

Quadro 5: Definição de termos segundo alguns autores

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resultado. Neste sentido, o CGEE273 classifica esses métodos e técnicas como

hard (quantitativas, empíricas e numéricas) e soft (qualitativas, baseadas em

julgamentos ou refletindo conhecimentos tácitos).

Marcial e Grumbach comentam a ênfase no aspecto qualitativo (ou soft)

dos cenários, tendo em vista que o nível de incerteza proveniente da dilatação

do tempo em direção ao futuro tornaria as variáveis quantitativas menos

significativas ou acertivas.

O enfoque deste trabalho está centrado na análise das técnicas utilizadas

para a prospecção de cenários – presentes principalmente nos métodos de

Godet, Schwartz e Grumbach – a fim de sugerir uma adequação dessas técnicas

ao processo de Design, contribuindo para a geração de inovação, identificação

de oportunidades e definição de estratégias eficazes. O recorte para a aplicação

das técnicas foi o design de joias.

6.3 Cenários prospectivos – definições

As ações modelam o futuro - os valores o norteiam!

CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos274

Citando Masini e Vasquez, Philip van Notten275 comenta que o

desenvolvimento de cenários tem se tornado tal e qual um canivete suiço de

múltiplos usos ou uma varinha de condão que frequentemente é manuseada por

consultores e profissionais inexperientes ou não especializados. Dessa forma,

assim como o termo tendência ligado à moda tem sido utilizado de tantas e

variadas maneiras equivocadas a ponto de se banalizar, cenário, no que se

refere à futuro, começa também a ser usado com abordagens que prejudicam o

entendimento da seriedade e profundidade de seu estudo e aplicação.

Para Glenn276, as projeções são frequentemente confundidas com

cenários, que incluem projeções e prognósticos e onde causa e efeito realiza os

links em sua construção. Sobre o assunto, Glenn assinala que os programas de

computador, cujo modelo matemático é adaptado para oferecer projeções

alternativas para diferentes inputs, não constroem cenários; apenas realizam as

273 CGEE – PROSPECÇÃO EM CT&I, 2008. 274

CGEE – Prospecção em CT&I, 2008. 275

VAN NOTTEN, 2004, p.17 (scenario development has become „a Swiss pocket knife of multiple uses, or a magical wand‟ that is often waved by inexperienced and unskilled consultants and professionals). Tradução nossa. 276

GLENN, Scenarios, 2009.

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projeções. Esta observação é importante, tendo em vista que a construção de

cenários vai além das alternativas de cruzamento das variáveis (descritas no

item 5.4), dependendo também da interpretação que a equipe envolvida dá a

essas inter-relações.

A popularização dos cenários levou ao abuso do termo relacionado a

pesquisas sobre futuro. Glenn, no entanto, observa que esse uso excessivo

acaba confundindo-o, muitas vezes, com outras atividades, que envolvem

discussões sobre possibilidades de futuro:

Such a discussion of futures research is perfectly fine and should be done, but does not constitute a scenario. It is like confusing the text of a play's newspaper

review with the text of the play written by the playwright277

.

Portanto, é necessário que se faça, inicialmente, um estudo sobre a

construção de cenários, não só do ponto de vista de suas técnicas, mas também

sobre suas definições e abrangências.

6.3.1 O que são cenários?

Cenários não dizem respeito a predizer o futuro, e sim a perceber futuros no presente.

Peter Schwartz278

Herman Kahn pode ser considerado o pai da construção dos cenários

futuros. Como relata Glenn279, Kahn introduziu o termo cenário em conexão com

planejamento e estratégias militares junto à RAND Corporation, na década de

1950. Schwartz comenta que o planejamento de cenários foi amplamente

adotado pelos militares como atividade regular após a Segunda Guerra Mundial,

e adaptado e popularizado por Herman Kahn na década de 1960 para uso

comercial.

Mas foi no início da década de 1970 que o uso de cenários ganhou força,

graças a Pierre Wack, da empresa Royal Dutch/Shell, que utilizou a prospecção

de cenários para avaliar o quanto os eventos ambientais poderiam impactar o

preço do petróleo.

277

GLENN, Scenarios, 2009, p.2 (Essa discussão sobre investigação de futuros é perfeitamente boa e deve ser realizada, mas não se constitui em cenário. É como confundir o texto de um jornal sobre a resenha jornalística de uma peça com o texto da peça escrito pelo dramaturgo.) Tradução nossa. 278

SCHWARTZ, 2006, p.40. 279

GLENN, Scenarios, 2009.

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Lawrence Wilkinson280, sócio de Peter Schwartz na Global Business

Network, comenta que o planejamento de cenários surge da constatação de que,

em decorrência da impossibilidade de se saber com precisão como o futuro irá

ocorrer, a estratégia correta é adotar aquela que melhor convive com os vários

futuros possíveis. Os cenários seriam então a estratégia capaz de dar conta

dessas variações. Segundo Wilkinson, os cenários são histórias construídas e

modeladas de formas distintas, que falam sobre possibilidades de futuros

plausíveis. Portanto, o propósito do planejamento de cenários não é localizar

com precisão os eventos futuros, mas tornar visíveis as forças que impulsionam

o futuro em diferentes direções.

Para Fahey e Randall281, através da construção de cenários podemos

identificar as forças que determinam diferentes futuros possíveis, ajudando a

empresa a se preparar para ser a primeira a entender e explorar as

oportunidades que esses futuros oferecem.

Embora existam inúmeras definições sobre o que seriam os cenários,

existe consenso sobre o que eles não são: os cenários não predizem o futuro.

Segundo Schwartz, os cenários podem ser entendidos como ferramentas

que auxiliam na adoção de uma visão de longo prazo num mundo de grande

incerteza. Longe de fazer previsões, os cenários oferecem alternativas de futuro;

são como veículos que ajudam no aprendizado sobre a realidade atual, seus

desdobramentos e melhor posicionamento segundo essas possibilidades.

O termo cenário deriva do teatro, assim como roteiro, presentes tanto

numa peça de teatro como num filme. Para Schwartz, “cenários são histórias

sobre a forma que o mundo pode assumir amanhã, histórias capazes de nos

ajudar a reconhecer as mudanças de nosso ambiente e a nos adaptar a elas”282.

Os cenários, então, facilitariam a ordenação das percepções sobre ambientes

futuros, onde as decisões atuais sinalizariam suas consequências.

Godet283 observa que cenário não é a realidade futura, mas uma forma de

representá-la a fim de iluminar as ações atuais tendo em vista futuros possíveis

e desejáveis. Para Godet, um cenário só será eficiente como guia para um future

thinking se for relevante, coerente, plausível, importante e transparente. O

cenário não é um fim em si mesmo; ele só ganha sentido ou direção através de

resultados e consequências, ou seja, em forma de ação.

280

WILKINSON, 2004. 281

FAHEY e RANDALL, 1998, p.VIII. 282

Ibid., p.15. 283

GODET, 2006, p.109.

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Para Fahey e Randall284, os cenários descrevem, através de narrativas285,

várias alternativas plausíveis de uma parte específica do futuro. Por isso, eles

precisam ser possíveis, críveis e relevantes.

Diane Searce286 define os cenários como histórias que falam sobre como o

futuro pode se revelar para as empresas, países ou mesmo para o mundo.

Um cenário, segundo Glenn287, não pode ser confundido com um simples

prognóstico288, pois o cenário é também uma forma de organizar várias

afirmações sobre o futuro. Também não deve ser confundido apenas com ficção

científica ou como exercício de estímulo à imaginação, embora a imaginação e a

ficção científica possam ser o ponto de partida para a construção de um cenário

disruptivo ou radical. Os cenários devem ser claros o suficiente para que

problemas, desafios e oportunidades que eles apresentam possam ser

compreendidos no presente, ajudando a tomada de decisões. Através de

narrativas, os cenários ilustram os eventos, decisões chaves e suas

consequências.

Em van Notten289, encontramos a definição de cenário como uma

combinação de conhecimento analítico e pensamento criativo, visando a captura

de uma série variada de futuros possíveis dentro de um limitado número de

perspectivas. Considerando ainda o nível de incerteza com relação ao futuro,

van Notten observa que o desenvolvimento de cenários pode ocorrer em várias

direções, abrangendo perspectivas que vão do convencional ao revolucionário.

Sintetizando, van Notten diz: “scenarios are coherent descriptions of alternative

hypothetical futures that reflect different perspectives on past, present, and future

developments, which can serve as a basis for action.”290

Pierre Wack, apud Raspin e Terjesen, descreve o planejamento de

cenários como „„a discipline for rediscovering the original entrepreneurial power

of creative foresight in contexts of accelerated change, greater complexity and

genuine uncertainty.‟‟291

284

FAHEY e RANDALL, 1998, pp.6 e 9. 285

O item 5.7 trata do assunto. 286

SEARCE et al., 2004, p.7. 287

GLENN, Scenarios, 2009. 288

forecast; ver item 5.1.2. 289

VAN NOTTEN, 2004, pp. 7 e 8. 290

Ibid., p.20 (Cenários são descrições coerentes de alternativas hipotéticas de futuros que refletem diferentes perspectivas sobre o passado, presente e desenvolvimento futuro, podendo servir como base para a ação.) Tradução nossa. 291

RASPIN e TERJESEN, 2007, p.116 (uma disciplina para redescobrir o poder original do prognóstico criativo empreendedor em contextos de mudanças aceleradas, grande complexidade e incerteza genuína) Tradução nossa.

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6.3.2 Prospecção de cenários e estratégia

O método de cenários é projetado para produzir o tipo de entendimento mútuo que permite às pessoas agirem na direção de um objetivo comum.

Peter Schwartz292

Do ponto de vista da relação entre prospecção de cenários e estratégia,

Godet293 comenta que as atividades, embora aparentemente sejam como irmãs

gêmeas, possuem identidades distintas que precisam ser bem delimitadas.

Nessa distinção, o autor aponta a fase antecipatória, que seria o estudo

sobre as mudanças possíveis e desejáveis; e a fase preparatória, envolvendo a

definição das estratégias possíveis para se preparar para os eventos vindouros.

Como base para a organização dessas fases, Godet sugere cinco questões

principais e atividades referentes:

O que pode acontecer? (prospecção de cenários)

O que eu posso fazer? (opções estratégicas)

O que eu irei fazer? (decisões estratégicas)

Como eu irei fazer? (ações e planos operacionais)

Quem eu sou? (considerada um pré-requisito para as demais questões e

que muitas vezes é desprezada)

Godet salienta ainda que apenas a prospecção trata da primeira questão

(o que pode acontecer?), em seus aspectos pré e pró-ativo, como foi visto no

item 6.1.1. A estratégia passaria a atuar a partir da resposta dada à segunda

questão.

Ainda em Godet, três conceitos básicos que têm como base a estratégia e

o planejamento: o planejamento estratégico, o gerenciamento estratégico e uma

abordagem prospectiva estratégica, envolvendo problemas e métodos

específicos, como a construção de cenários, objeto de estudo desta tese. A

abordagem prospectiva estratégica é o conceito que interessa a este trabalho.

Glenn294 aponta ainda alguns dos objetivos estratégicos mais utilizados

quando se constroem cenários:

Catalogar o que é desconhecido e que deveria ser conhecido para a

tomada de decisões.

292

SCHWARTZ, 2006, p.189. 293

GODET, 2006, p.6. 294

GLENN, 2009, p.4.

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Entender o significado das incertezas.

Ilustrar o que é possível e o que não é possível.

Identificar o que as estratégias podem trabalhar pelo cruzamento de um

conjunto de cenários possíveis.

Dividir as estratégias entre elementos fortes e contingentes.

Tornar o futuro mais real, forçando novos pensamentos e decisões.

Aprender a se preparar para riscos futuros e descobrir novas

oportunidades.

No quadro abaixo (Quadro 6), Godet295 exemplifica como os cenários e as

estratégias são afetadas pela forma como as empresas se posicionam com

relação ao futuro:

Atitudes com respeito ao futuro

Cenários correspondentes Estratégias

correspondentes Exemplo

Passiva Nenhum “ir com a onda” Avestruz

Reativa Nenhum Adaptativa Bombeiro

Pré-ativa Baseado em tendências Preventiva Seguradora

Pró-ativa Alternativas desejáveis Inovadora Gerente prospectivo

Godet observa o quanto é sedutor assumir os desejos como realidade.

Neste sentido, ele alerta para o risco de se assumir unicamente uma atitude pró-

ativa e desenvolver estratégias para um cenário desejável. Segundo Godet, é

preciso também assumir uma atitude pré-ativa, a fim de se preparar para as

mudanças esperadas no ambiente corporativo futuro.

Marcial e Grumbach296 apontam três situações para a aplicação de

cenários: global, focalizado e de projeto (Figura 6).

295

GODET, 2006, p.112. 296

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.56.

Quadro 6: Como as atitudes das empresas afetam os cenários e as estratégias (Godet, 2006)

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Os cenários globais focam seu conteúdo em questões políticas,

macroeconômicas, sociais e tecnológicas, sejam elas nacionais ou mundiais. Os

cenários focalizados preocupam-se com questões regionais ou setoriais, como

movimentos da concorrência, preços e riscos tecnológicos e de investimento. Os

cenários de projeto são utilizados para a tomada de decisão de investimentos

quando existem incertezas e um longo prazo de maturação.

No caso do Design, a terceira aplicação (cenários de projetos) pode ser

bastante útil para a configuração de briefings e produtos inovadores.

6.4 Os fatores-chave que precisamos conhecer para a construção de cenários

Fahey e Randall297 identificam quatro elementos chaves que compõem os

cenários: driving forces (forças motrizes), logics (lógicas), plots (enredos) e end

states (situações finais). Em Godet, Schwartz e Marcial e Grumbach

encontramos os seguintes componentes principais para um cenário completo:

um tema ou título, uma filosofia (que seria a direção central ou a ideia-força do

297

FAHEY e RANDALL, 1998, p.10.

Figura 6: Classificação de aplicação de cenários (Marcial & Grumbach, 2008)

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cenário), as forças motrizes (variáveis do macroambiente relevantes segundo os

objetivos do cenário), os atores (também variáveis, que seriam indivíduos,

grupos, decisores, organizações etc. que desempenham papel importante no

sistema e influenciam o comportamento das forças motrizes), as cenas

(descrição da forma como os atores e forças motrizes se vinculam e se

organizam em determinado instante) e a trajetória (dinâmica do enredo, da cena

inicial à final).

Os campos observáveis para a coleta de informações que definirão as

forças motrizes são muitos, como também são muitas as formas para realizar

essas observações. Viagens são importantes para a conexão com diferentes

culturas e subculturas, assim como para a identificação do interessante que está

surgindo. A leitura também é imprescindível e, como salienta Gutsche298, a

abrangência vai de romances a suspenses, de revistas de negócios a jornais

políticos, relatórios acadêmicos e blogs. A coleta de informações vai depender

do tipo de cenário que se vai trabalhar (global, focalizado e de projeto) e do tema

central a ser prospectado.

Manter a mente elástica e uma certa rebeldia diante do status quo também

ajuda a estabelecer associações improváveis entre assuntos e situações

diversas. Socializar, conectar e compartilhar fazem parte deste processo que

visa, segundo Gutsche, “descobrir o que é legal antes de se tornar legal”299.

É importante salientar que, em sua construção, cada cenário de uma

mesma prospecção aborda parâmetros idênticos ou similares. O que vai fazer a

diferença entre eles (cenários) é o tipo de relação estabelecida entre esses

parâmetros.

Os fatores-chave relacionados a seguir envolvem a visão de Peter

Schwartz, Michel Godet, Fahey e Randall, Jerome Glenn, Marcial e Grumbach,

Petersen e Steinmüller. Cabe antes ressaltar a recomendação de Schwartz para

não se focalizar apenas nas definições desses elementos, mas em centrar a

atenção em como eles são percebidos nas várias situações. Schwartz salienta a

visão de alguns futurólogos, inclusive Pierre Wack, que “acreditam que qualquer

definição iria trivializar a sutileza do processo. A criação de cenários não é um

processo reducionista; é uma arte, assim como a arte de contar histórias”300. No

entanto, é necessário compreender os elementos que compõem a dinâmica dos

cenários para facilitar sua identificação e importância na estruturação do enredo.

298

GUTSCHE, 2010, p.175. 299

Ibid., p.177. 300

SCHWARTZ, 2006, P.97.

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101

Antes da definição dos fatores-chave, dois outros termos – sementes do

futuro e macrotendências – são apresentados para delimitação de seu emprego

no âmbito deste trabalho.

6.4.1 Sementes do futuro

Marcial e Grumbach301 classificam como sementes do futuro pequenos

sinais que se encontram no passado e no presente e que podem, ou não,

germinar no futuro. Em Godet302, encontramos os termos seed events e weak

signals, referindo-se a sinais pouco perceptíveis no presente, mas que poderão

aumentar no futuro, tornando-se, inclusive, macrotendências.

6.4.2 Macrotendências

As macrotendências atuam como pano de fundo e são os principais

sinalizadores de mudanças estruturais nas sociedades, como grandes

movimentos que afetam a quase todo o mundo. As macrotendências ou

tendências de fundo são entendidas como padrões de modelação dos

acontecimentos. Elas “anunciam possíveis e gigantescas mudanças sociais,

condicionando os desenvolvimentos vitais nos mercados, na tecnologia, na

política e na cultura”303. Como exemplo, podemos citar a globalização, questões

de urbanização, mudanças climáticas e energéticas.

O campo a ser observado é amplo e heterogêneo, abrangendo várias áreas do conhecimento, como: arte, arquitetura, design, tecnologia, comunicação, decoração, filosofia, psicologia, sociologia, economia, política, meio-ambiente, ciência, propaganda, mídia, medicina, estética e beleza, entre outras. É importante estar atento aos primeiros sinais de mudança em algumas dessas áreas, desde o surgimento de novos valores morais, cultos religiosos, experimentações culinárias e emergência de países ou governos às novas práticas medicinais e opções sexuais.

304

301

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.58. 302

GODET, 2009, p.136. (sementes do futuro ou sinais fracos) Tradução nossa. 303

CAMPOS, 2007, p40. 304

Ibidem.

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6.4.3 Elementos predeterminados

A natureza humana é predeterminada – só muda muito devagar, se mudar.

Peter Schwartz305

Elementos predeterminados são os fatores com os quais podemos contar;

são aqueles que não dependem de outros eventos para ocorrer e são, em sim

mesmos, considerados invariantes. Schwartz306 chama a atenção para o perigo

que envolve os elementos predeterminados, porque as pessoas têm uma

tendência a negligenciá-los ou mesmo negá-los.

Como observação, é bom lembrar que os elementos predeterminados,

como o próprio nome diz, são os mesmos em todas as variações dos cenários.

Como exemplo, o Natal, o Dia das Mães, as eleições presidenciais de quatro em

quatro anos etc.

6.4.4 Forças motrizes

A primeira face do futuro é fugaz: a velocidade será tudo. Nunca antes o futuro se tornou passado tão depressa.

Patrick Dixon307

Schwartz define forças motrizes como “os elementos que acionam o mapa

dos cenários, que determinam o desenrolar da história”308. Como numa aventura,

onde a busca (seja de emoções ou de alguma impossibilidade) é definida desde

o início como a força motriz que impele a jornada, para a construção de cenários

é necessário que as forças motrizes fiquem bem definidas.

Porém, a identificação correta dessas forças nem sempre é tarefa fácil.

Schwartz diz que elas podem parecer óbvias para algumas pessoas e ocultas

para outras. Neste sentido, o trabalho em equipe é sempre recomendado,

considerando diferentes visões, expertises e áreas de conhecimento.

Para se definir as forças motrizes de um cenário, Schwartz309 recomenda

que observemos os seguintes campos do macroambiente: sociedade

(englobando aqui o crescimento populacional, o analfabetismo, a diversidade

cultural etc.), tecnologia (a inovação é um dos fatores primordiais), economia,

política e meio-ambiente (danos e consciência ecológica, sustentabilidade,

reciclagem etc.). As forças motrizes devem ser avaliadas e selecionadas

305

SCHWARTZ, 2006, p.107. 306

Ibid., p.101. 307

DIXON, 2007, p.19. 308

Ibid., p.92. 309

Ibidem.

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considerando-se seus aspectos significativos e influenciáveis para a construção

dos cenários, atentando para o fato de que algumas forças podem ser

consideradas irrelevantes, dependendo do objetivo dos cenários que se deseja

prospectar. As forças motrizes podem ser classificadas como: tendências de

peso, fatos portadores de futuro, incertezas críticas, surpresas inevitáveis e wild

cards ou coringas.

6.4.4.1 Tendências de peso

Segundo Godet310, tendências de peso são eventos visíveis e com grande

probabilidade de ocorrerem dentro do horizonte do cenário. Como exemplo,

Marcial311 cita a valorização da educação observada no ambiente sócio-

demográfico brasileiro. Nesse contexto, apontam-se algumas tendências de

peso como a ênfase no treinamento e aprendizado contínuo e no tele-ensino, o

surgimento do profissional do conhecimento, o crescimento do tempo médio de

permanência na escola e a diminuição do índice de analfabetismo.

6.4.4.2 Fatos portadores de futuro

Fatos portadores de futuro são pequenos sinais, ainda pouco identificáveis

no ambiente, mas que trazem em si um imenso potencial de consequências.

Sãos eles, segundo Marcial e Grumbach312, que podem levar à identificação de

incertezas críticas, surpresas inevitáveis e wild cards.

6.4.4.3 Incertezas críticas

Equipes que ensaiam suas reações ao inesperado terão mais possibilidades de navegar pelo caminho da incerteza.

Jeremy Gutsche313

Algumas vezes, fica difícil identificar o que são elementos predeterminados

e incertezas críticas na construção de cenários. Em muitos casos, pode haver

uma sobreposição entre esses elementos e Schwartz314 recomenda que o mais

importante é ficar atento para a forma como esses elementos são percebidos

nas situações, pois eles dão estrutura à exploração do futuro. Como comenta

Schwartz: 310

GODET, 2009. 311

MARCIAL, 2005. Aula. 312

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p. 313

GUTSCHE, 2010, p.79. 314

SCHWARTZ, 2006, p.97.

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Em cada plano existem incertezas críticas. Os planejadores por cenários as procuram para se prepararem, uma abordagem que lembra os velhos cenários militares: “sabemos que eles vêm pelo leste, general, mas não sabemos se pretendem atravessar a montanha ou a floresta. Aqui está o que faremos em cada

caso”315

.

6.4.4.4 Surpresas inevitáveis e wild cards

Peter Schwartz comenta que atualmente as surpresas são a regra e não a

exceção. Para ele, no futuro “voltaremos a viver inúmeros momentos em que as

premissas sobre as quais vínhamos vivendo terão subitamente desaparecido”316,

levando à mesma sensação provocada por uma montanha russa ou por uma

forte turbulência no avião. Muitas dessas surpresas, no entanto, não serão

negativas, e as contribuições advindas das tecnologias e identificação de

oportunidades poderão beneficiar as sociedades.

Schwartz317 qualifica essas surpresas de inevitáveis e embora não se

possa antecipar suas consequências, salienta que: 1- sempre haverão

surpresas; 2- pode-se lidar com elas; 3- muitas delas são previsíveis.

Nas próximas décadas, enfrentaremos mais surpresas inevitáveis, grandes descontinuidades nas esferas econômicas, política e social de nosso mundo; cada uma delas modificará as “regras do jogo” tal como praticado hoje. No mínimo,

haverá mais – e não menos – surpresas no futuro, e elas estarão interligadas.318

Para se trabalhar com as surpresas inevitáveis, Schwartz diz que é preciso

considerar duas reações naturais provocadas por elas e que levam à tomada de

decisões ineficazes. Uma delas seria a negação da inevitabilidade desses

acontecimentos, que pode impedir que as pessoas reconheçam a necessidade

de ações emergenciais de prevenção. Para Schwartz, “a negação talvez seja a

resposta mais perigosa frente a evidências de uma surpresa inevitável”319.

A outra reação seria a defesa, como uma forma de negação ao contrário.

Neste caso, a seriedade com que as surpresas inevitáveis e suas consequências

são vistas pode paralisar as pessoas. Segundo Schwartz, “em suas mentes não

haveria um modo possível de reagir a não ser encontrando um lugar seguro para

encolher-se e esperar que vá tudo pelos ares”320. De modo prático, isso

315

Ibidem. 316

SCHWARTZ, 2003, p.14. 317

Ibidem. 318

Ibid., p.16. 319

Ibid., p.21. 320

Ibidem.

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pode significar, por exemplo, uma redução drástica de investimentos, com corte

nos gastos e inovações.

Em ambas as reações, o que se percebe é a falta de ação, uma

vitimização diante das circunstâncias, impedindo o desenvolvimento de

estratégias capazes de enfrentar a inevitabilidade desses acontecimentos, sejam

eles políticos, econômicos, tecnológicos, sociais ou ambientais.

Os coringas ou wild cards podem ser entendidos como rupturas, como

aqueles acontecimentos de grande impacto, difíceis de serem antecipados e

com pouca possibilidade de ocorrência.

Petersen e Steinmüller321 apontam três elementos que compõem o

ambiente do forecasting: 1 – As tendências seriam as forças motrizes que

fornecem orientação fundamental para o futuro. 2 – Os impactos cruzados

seriam as interações entre as tendências. 3 – Os wild cards seriam as surpresas

com riscos de alto impacto. Segundo Petersen e Steinmüller, a maior parte das

metodologias de pesquisa de tendências tem foco nas relações transversais, e

as surpresas inevitáveis têm sido tratadas como algo adicional a este

cruzamento. Considerando a velocidade e intensidade das mudanças vividas

hoje, muitas vezes surge a dificuldade em imaginar o extraordinário alcance

desses acontecimentos. Para os autores, os wild cards, hoje, tornaram-se mais

relevantes do que anteriormente. Toda essa força que, segundo Petersen e

Steinmüller, começa agora a convergir a um ritmo acelerado, produz grandes

eventos com muito pouca antecedência e pode ser caracterizada como wild

cards.

Com a integração global, houve um aumento da amplitude do impacto dos

wild cards, cuja abrangência já não se restringe a um ambiente local. Citando

Petersen e Steinmüller, além do aumento de seu espaço de impacto,

globalizado, os wild cards “exert a direct effect on the future – a „habitat‟ of our

hopes, fears, wishes, plans, and expectations. By producing changes in this

„habitat‟, they shake the entire landscape of the future reality”322.

Dessa forma, pode se entender o enorme efeito que esses choques

provocam na sociedade, minando a percepção dos acontecimentos cotidianos.

Como salientam Petersen e Steinmüller, “[…] Wild Cards not only transform

321

PETERSEN e STEINMÜLLER, 2009, p.2. 322

Ibid., p.3. (exercem um efeito direto sobre o futuro - o „habitat‟ de nossas esperanças, medos, desejos, planos e expectativas. Ao produzir mudanças neste „habitat‟, eles abalam toda a paisagem da realidade futura.) Tradução nossa.

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reality but also revolutionize the future and rewrite the past. We look from a

different perspective at past developments”323.

Petersen e Steinmüller dividem as surpresas inevitáveis e os wild cards em

três categorias: 1 – eventos de que se tem conhecimento com chances quase

certas de ocorrer, porém sem data prevista, como o próximo terremoto. 2 –

acontecimentos futuros ainda desconhecidos que poderiam ser identificados

através de consultas a especialistas ou modelos adequados, como os impactos

das mudanças climáticas. 3 – eventos futuros absolutamente desconhecidos.

Como exemplos de wild cards, Petersen e Steinmüller324 sugerem uma

possível mutação humana, a chegada de extraterrestres, mudança do eixo da

Terra, choque de um asteróide com a Terra, a ocorrência de um terremoto de

grandes proporções, a descoberta de vida em outras dimensões, bactérias que

se tornam imunes aos antibióticos, a clonagem humana, a invenção da viagem

no tempo e uma revolução da educação pela realidade virtual. A maior parte dos

coringas ou wild cards não pode ter seu curso alterado, diferentemente do que

acontece com as incertezas críticas e os fatos portadores de futuro.

As surpresas inevitáveis e os wild cards abordam questões que envolvem

a ideia de descontinuidade, já discutida no capítulo 2, item 2.2. Para o

desenvolvimento de cenários, não se pode deixar de considerar a possibilidade

de eventos inesperados ou rupturas de alto impacto que podem atingir a

sociedade, transformando-a.

6.4.5 Atores

Os atores, segundo Marcial e Grumbach325, são os verdadeiros agentes de

mudança, alterando o curso dos acontecimentos e influenciando o

comportamento das forças motrizes. “Sua importância é tão grande que todos os

estudos prospectivos levam em consideração seu mapeamento, análise de seu

comportamento passado e suas estratégias”. Os cenários seriam o resultado das

alternativas possíveis na condução da história.

Os atores estão presentes no microambiente do contexto observado.

Muitas vezes, o comportamento de um ator no horizonte de um cenário tem sua

direção visivelmente consolidada e, neste caso, podemos dizer que a lógica do

cenário seguiu uma tendência de peso.

323

PETERSEN e STEINMÜLLER, 2009, p.3 (Wild Cards não só transformam a realidade, mas também revolucionam o futuro e reescrevem o passado. Vemos de uma perspectiva diferente os desenvolvimentos do passado.) Tradução nossa. 324

Ibid., p.16. 325

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.58.

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6.4.6 Um exemplo

Um bom exemplo para a compreensão da atuação desses fatores dentro

de um cenário é a história mencionada por Schwartz326 sobre o faraó e a

enchente do Nilo, citada no capítulo 1 desta Tese.

Os sacerdotes egípcios compreendiam o significado dos elementos

predeterminados e das forças motrizes que forneciam a eles informações

importantes sobre o comportamento do Nilo. Pela observação da cor da água do

rio e não pela adivinhação, os sacerdotes identificavam as forças motrizes que

afetariam o equilíbrio do nível das águas; no caso, as chuvas que caiam na

cabeceira dos afluentes. Essa informação permitia que os sacerdotes

construíssem o cenário com antecipação suficiente para que o faraó se

prevenisse estrategicamente.

Na história, o elemento predeterminado327 eram as enchentes, pois o faraó

e os sacerdotes sabiam que elas ocorreriam de uma forma ou de outra. A força

motriz era o padrão de chuvas que alterava o nível dos rios, e a variação desse

nível seria a incerteza crítica. Embora os sacerdotes não conseguissem

visualizar a chuva, pois elas ocorriam bem longe de onde eles estavam,

observavam a cor das águas (sinal) e, através dessa cor, conseguiam saber o

nível da enchente.

Porém, Schwartz328 chama a atenção para a introdução de outro elemento

a partir da década de 1960, que foi a construção da represa de Assuã. A partir

desse momento, outras variáveis (forças motrizes e atores) entraram no jogo,

envolvendo a necessidade da água para a agricultura e a necessidade da

eletricidade, gerada pela represa. O nível das enchentes, então, já não dependia

das chuvas e da natureza, mas da regulagem da represa, realizada pela mão

humana. Dessa forma, a enchente deixou de ser um elemento predeterminado

para transformar-se numa incerteza crítica, moldada por interesses políticos e

sujeito a erro proveniente da administração da represa (atores).

326

SCHWARTZ, 2006, p.91 327

Ibid., p.98. 328

Ibid., p.102.

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6.5 Enredos e Narrativas

Os cenários, também, podem ser triviais ou emocionantes, dependendo de como você pensa sobre o enredo.

Peter Schwartz329

Segundo Pierre Wack330, apud Schwartz, “os cenários lidam com dois

mundos: o mundo dos fatos e o mundo das percepções”. Estabelecer uma lógica

ao enredo dos cenários é saber lidar com esses dois mundos na condução da

história. É um modo de desembaraçar o ambiente e amarrar todos os elementos

do sistema.

O enredo descreve o comportamento das forças motrizes e atores dentro

de uma lógica e uma plausibilidade, tendo em vista seu comportamento no

passado. Para Schwartz, “os cenários exploram duas ou três dessas

alternativas, baseados no enredo (ou combinação de enredos) que vale mais a

pena considerar”331.

Na definição dos enredos que façam sentido, trabalha-se tanto com as

tendências de peso e os elementos predeterminados como com as surpresas

inevitáveis, incertezas críticas e wild cards. Para isso, uma série de perguntas

deve ser formulada, a fim de estabelecer os fatores-chaves corretos. Schwartz332

sugere que cada membro da equipe (participantes da prospecção e construção

de cenários) responda a essas questões principais:

Quais são as forças motrizes?

O que você acredita ser incerto?

O que é inevitável?

Que tal este ou aquele cenário?

Segundo Fahey e Randall333, os enredos não são apenas uma bela forma

de se contar histórias criativas. Os enredos são construídos a partir das forças

motrizes que modelam essas histórias e que falam de questões como economia,

sociedade, cultura, tecnologia e ecologia, como também de política, agências

governamentais e mercado. A delimitação do enredo dentro da construção de

cenários envolve decisões comparáveis à elaboração de um roteiro de cinema

ou teatro, onde se define o tema, os personagens (atores e forças motrizes) e o

329

SCHWARTZ, 2006, p.119. 330

Ibid., p.41. 331

Ibid., p.117. 332

Ibid., p.118. 333

FAHEY e RANDALL, 1998, p.10.

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ambiente onde eles irão atuar. Para que esses enredos sejam pertinentes e

possam ser utilizados para a tomada de decisões é necessário que eles sejam

construídos com lógica, que sejam plausíveis ou, como os autores observam:

“the why underlying the what and how”334.

Para Godet e Roubelat335, a prospecção do futuro possui tanto um enfoque

exploratório (futuros possíveis) quanto um enfoque normativo ou antecipatório

(futuro desejado). No enfoque exploratório, a prospecção parte do passado ou

presente e vai em direção aos futuros possíveis. Neste caso, o foco está

direcionado para o que é realmente possível e o processo tem início pela

extrapolação de situações correntes. No enfoque antecipatório, a prospecção é

baseada em visões alternativas de futuro, que tanto pode ser desejado como

temido. A questão central neste caso seria: Que futuro nós queremos? O que

queremos que aconteça? O que pode acontecer e não queremos?

Complementando, vale também ressaltar a visão de Matathia e Salzman,

que observam que partir do presente, das tendências dominantes, pode não ser

suficiente para se chegar à identificação de cenários futuros. Uma segunda

opção seria:

[...] criar novos cenários, totalmente hipotéticos, e supor a ocorrência de eventos inusitados, como avanços extraordinários na ciência, invenções revolucionárias, verdadeiros breakthroughs, como teletransporte, ou catástrofes mundiais, como guerras, invernos nucleares, epidemias ou doenças até aqui desconhecidas.

336

Ainda sob esta perspectiva, Fahey e Randall337 também definem duas

técnicas de abordagem para a prospecção de futuro: um future backward e um

future forward. O future backward é um método dedutivo, no qual,

primeiramente, se projetam futuros desejáveis para, em seguida, em retrocesso,

tentar descobrir o que os motivou, método que podemos identificar com o

enfoque normativo/antecipatório de Godet. Em sentido inverso, o future forward

atua pela indução. A projeção de futuros plausíveis é realizada através da

análise do presente e das prováveis evoluções de suas forças e motivações,

similar ao enfoque exploratório de Godet.

Para Glenn338, no entanto, essa divisão não deve ser rígida quando

referente a metodologias específicas, pois muitas técnicas podem ser utilizadas

tanto pelo aspecto antecipatório como exploratório. Dependendo do objetivo, a

334

FAHEY e RANDALL, 1998, p.10 (o por que sublinha o o que e o como) Tradução nossa. 335

GODET e ROUBELAT, 1996, p.8. 336

MATATHIA e SALZMAN, 2004, p.19. 337

FAHEY e RANDALL, 1998, p.19. 338

GLENN, 2009, p.7.

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pesquisa tem a flexibilidade necessária para adotar, inclusive, as duas

modalidades.

Segundo Glenn339, um dos pontos mais importante e largamente usado

nos cenários é a apresentação das condições das variáveis através do tempo.

Os enredos são alimentados pela evolução e combinação dessas variáveis. Os

cenários ganham textura quando seus enredos são enriquecidos pela ação e

interação das forças convergentes, ampliando a imaginação e gerando

subenredos.

É preciso experiência para se reconhecer um bom enredo, o que significa

prestar atenção ao que está sendo comentado sobre determinado assunto.

Também é importante ter uma boa elasticidade mental, incentivando o

pensamento a considerar um assunto sobre vários ângulos e possibilidades.

Marcial e Grumbach340 realizaram uma análise comparativa das principais

características dos fatores-chave, considerando sua probabilidade de ocorrência,

seu grau de surpresa, sua rapidez de materialização, sua influência sobre a

lógica do cenário, seu nível de variação, seu comportamento futuro e sua

importância para o enredo do cenário. O quadro abaixo (Quadro 7) apresenta, de

forma clara, um mapa dessa análise para a compreensão do papel de todos os

elementos na construção de cenários futuros.

339

GLENN, 2009, p.7. 340

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.62.

Tendência de

peso Elemento

predeterminado Fato portador

de futuro Incerteza

crítica Surpresa inevitável

Coringas Wild Cards

Probabilidade de ocorrência

Alta Alta Incerta Incerta Alta Baixa

Grau de surpresa

Baixo Baixo Incerto Incerto Alto Alto

Materializa-se rapidamente

Não, encontra-se em curso

Não Não Não Não Sim

Determina a

lógica dos cenários

Não Não Na maioria das

vezes Sim Não Sim

Variação ao longo do tempo

Em sentido preestabelecido

Invariante Incerta Incerta Incerta Incerta

Comportamento futuro

Conhecido Desconhecido Desconhecido Desconhecido Parcialmente

conhecido Desconhecido

Complementam o enredo do cenário

Sim Sim Não Não Sim Não

Quadro 7: Quadro comparativo dos fatores-chave para a construção de cenários (MARCIAL e GRUMBACH, 2008)

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6.5.1 Um nome para ele

Muitas vezes, uma das maiores dificuldades para se vislumbrar o futuro é descobrir palavras capazes de descrevê-lo. Uma metáfora baseada em algo tangível e familiar pode ajudar a descrever algo intangível e pouco conhecido.

Prahalad e Hamel341

Dar nome a um cenário é uma arte, porque ele precisa resumir a essência

da história em algumas palavras e ser fácil de gravar e pronunciar. O nome do

cenário abrevia seu conteúdo e, muitas vezes, pode ser o início do processo.

Van Notten342 dá alguns exemplos de cenários para a Europa (Figura 7),

onde um nome forte resume toda a essência do cenário desenvolvido.

Título do Cenário Descrição da essência do cenário

Big is Beautiful?

Descreve um mundo onde os grandes negócios crescem cada vez mais fortes. A integração européia leva a uma consolidação de poder semelhante em Bruxelas. Alguns grupos na sociedade sofrem com este desenvolvimento e a agitação social cresce à medida que o fosso entre os ricos e os pobres aumenta.

Knowledge is King

Descreve um mundo no qual as ICTs são a força motriz da mudança, com profundas implicações para a economia, a sociedade, as instituições e o meio ambiente. O desemprego e o contínuo envelhecimento da sociedade são problemas muito grandes para os governos europeus. Contudo, a fenda entre o “conectado” e o “não conectado” é uma ponte que nunca se completa inteiramente.

Como recomenda Schwartz, “preste atenção no ato de batizar seus

cenários. Os nomes devem ser eficazes para transmitir a lógica do cenário.”343

Devem ser marcantes e fáceis de decorar. Para Schwartz, muitas vezes o nome

pode dar início à construção de cenários. Como exemplo, ele cita um título que

pode ser aplicado a pequenos negócios como a grandes corporações: Meu Pior

Pesadelo344. A pergunta a ser feita seria: “o que você fará se o seu Pior

Pesadelo se tornar realidade?”. A paralisia proveniente do medo de se encarar o

pesadelo e considerar suas verdadeiras ameaças, muitas vezes impede o

administrador de perceber as alternativas e agir com antecipação.

341

PRAHALAD e HAMEL, 2005, p.111. 342

VAN NOTTEN, 2004,p.110. 343

SCHWARTZ, 2006, p.204. 344

Ibid., p.171.

Figura 7: Exemplos de cenários (Van Notten, 2004)

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112

6.5.2 Narrativas – os cenários contam histórias As boas histórias tornam-se inesquecíveis, ao contrário de grande parte das milhares de informações que recebemos hoje e esquecemos no dia seguinte.

John Kotter345

Peter Schwartz comenta que, diferentemente da ideia de que informações

sérias precisam ser apresentadas através de tabelas, gráficos, números ou em

uma linguagem acadêmica, na descrição de cenários, por sua complexidade e

imprecisão, utiliza-se em geral a linguagem das histórias e dos mitos. Segundo

ele, “histórias possuem um impacto psicológico que falta aos gráficos e às

equações”346 e dão significado aos eventos.

Nas narrativas dos cenários, compõem-se mitos, velhos ou novos. Um

determinado tipo de consumidor identificado num cenário, por exemplo, é

representado por uma figura mítica, porque não fala de uma pessoa em si

concretamente, mas de milhões de pessoas que ganham forma e têm suas

forças e sentimentos explicados através desse personagem. Schwartz diz que

“contar histórias na forma de mitos pode revelar algo sobre o que sentimos,

desejamos, esperamos ou tememos em relação ao futuro”347.

A construção do texto é muito importante para a apresentação dos

cenários, para que a história desperte o interesse e faça sentido. Schwartz

enumera algumas vantagens da apresentação dos cenários através de histórias,

entre elas, o fato de permitirem a descrição da forma como os diferentes

personagens enxergam os significados de cada evento. Além disso, segundo

ele, as histórias ajudam as pessoas a lidar com a complexidade; a narrativa

organiza os fatos, conferindo-lhes significado.

Fahey e Randall também apontam a importância da narrativa para a

melhor apresentação e compreensão do cenário. Para os autores, é quando a

equipe une as peças como num quebra cabeça, formando uma história com

início, meio e fim. Para Neilson e Stouffer, “futuristic scenarios – stories that paint

a vivid picture of a future state – can help provide vision and leadership in a

narrative format as well as communicate the organizational vision”348.

Sobre a natureza temporal da apresentação dos cenários, van Notten349

sugere duas possibilidades: o desenvolvimento em cadeia das variáveis no

345

KOTTER, J., 2006, p.7. 346

SCHWARTZ, 2006, p.42. 347

Ibid., p.46. 348

NEILSON e STOUFFER. 2005 (Cenários futuros – histórias que pintam uma imagem viva de uma situação futura – podem ajudar a fornecer visão e liderança no formato de narrativa, assim como comunicar a visão organizacional). Tradução nossa. 349

VAN NOTTEN, op.cit., p.35.

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cenário, como num filme, ou uma apresentação em forma de instantâneos, como

um album fotográfico. O importante é encontrar a forma que melhor represente o

tipo de cenário que se está descrevendo. Lembrando que: um bom conteúdo, se

mal apresentado, pode causar rejeição; um conteúdo ruim muito bem

apresentado pode causar um bom impacto inicial; um bom conteúdo muito bem

apresentado pode se tornar inesquecível!

Figura 8: Resumo dos fatores-chave para a construção de cenários (Siqueira Campos, 2011)

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6.6 A construção de cenários Por que dois ou três enredos ou lógicas? Porque as mentes das pessoas só conseguem lidar com duas ou três possibilidades. Duas podem não capturar a realidade, portanto freqüentemente usamos três.

Peter Schwartz350

Embora não se saiba com antecedência qual dos cenários irá acontecer, a

atitude estratégica permite a preparação antecipada para as alternativas

prospectadas. A chave, como no teatro, é saber reconhecer todo o enredo

através de algum detalhe do cenário e, assim, saber que tipo de atuação será

necessário. Ao se construir as alternativas de cenários (entre três ou quatro),

simulam-se as possibilidades de futuro, ou dito de outra forma, ensaiam-se

algumas peças que poderão entrar em cartaz.

Um ponto importante relacionado à equipe participante na construção de

cenários são as divergências e convergências de opiniões. Schwartz alerta para

este fato, ressaltando que os cenários são alimentados tanto pela ampla

variedade de informações e pontos de vista, como pelo posterior ajuste dessas

diferentes visões, convergindo para histórias em comum.

Fahey e Randal351 alertam para o aspecto good news/bad news352 que os

pesquisadores devem atentar na construção de cenários (futuro desejável, futuro

temido, futuro inesperado etc.). Sobre o assunto, Schwartz aponta para a

escolha das alternativas dos cenários, que podem variar entre uma visão

otimista (envolvendo crescimento, inovação e mudança), uma visão

revolucionária (abordando mudanças e descontinuidades), uma visão pessimista

e, ainda, uma mediana, que faria o equilíbrio entre as demais.

6.6.1 Por onde começar? Para onde ir?

Thinking about the future has always been a special opportunity for us to let our minds run free.

Michel Godet353

O método de construção de cenários possui algumas variações, segundo o

critério adotado por cada um dos autores aqui estudados e na adoção de

técnicas específicas para seu desenvolvimento.

350

SCHWARTZ, 2006, p.121. 351

FAHEY e RANDAL, 1998, p.72. 352

(Boas notícias/más notícias) Tradução nossa. 353

GODET, 2006, P.336 (Pensar sobre o futuro é sempre uma boa oportunidade para deixarmos nossas mentes correrem livres) Tradução nossa.

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Em Godet (Quadro 8), são descritas 6 etapas, que vão da delimitação do

sistema e do ambiente ao estabelecimento e monitoração de estratégias.

Método - Michel Godet354:

Etapas:

1 Delimitação do sistema e do ambiente;

2 Análise estrutural do sistema e do ambiente - análise retrospectiva do ambiente e da situação atual;

3 Seleção de condicionantes do futuro;

4 Geração de cenários alternativos;

5 Testes de consistência dos cenários;

6 Estabelecimento de estratégias e sua monitoração.

Em Schwartz (Quadro 9), 8 etapas sintetizam seu método, que tem início

com a identificação da questão principal e finaliza com a seleção de indicadores

e sinalizadores principais.

Método - Peter Schwartz355:

Etapas:

1 Identificação da questão principal;

2 Identificação dos fatores-chave (microambiente);

3 Identificação das forças motrizes (macroambiente);

4 Ranking das incertezas críticas;

5 Seleção da lógica dos cenários;

6 Descrição dos cenários;

7 Análise das implicações e opções;

8 Seleção de indicadores e sinalizadores principais.

354

GODET, 2006. 355

SCHWARTZ, 2003 e 2006.

Quadro 8: Etapas do Método de Michel Godet

Quadro 9: Etapas do Método de Peter Schwartz

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Grumbach (Quadro 10) resume seu método a 4 etapas, que vão da

identificação do sistema à consolidação através dos softwares Puma e Lince.

Método – Raul Grumbach356:

Etapas:

1 Identificação do sistema;

2 Diagnóstico estratégico (estudo detalhado das principais questões ligadas ao sistema e ao ambiente - construção e identificação de variáveis alternativas (fatos portadores de futuro);

3 Visão estratégica: visão de presente, visão de futuro (simulação e gestão de futuro) e avaliação de medidas e gestão de resistências;

4 Consolidação. Softwares Puma (sistema de planejamento estratégico e cenários prospectivos – etapas 1, 2, 3 e 4) e Lince (sistema de simulação e gestão de futuro – na etapa 3).

Dentre as diversas técnicas que auxiliam a construção de cenários, optou-

se, principalmente, por uma combinação das sugeridas por Godet, Schwartz

(Global Business Network) e Grumbach, cujas etapas foram apresentadas

acima. Nos três autores, cabe assinalar os pontos em comum, como a base na

teoria prospectiva, a análise das variáveis (atores e forças motrizes), o uso de

matrizes e a construção de múltiplos cenários.

Schwartz357 aconselha que a prospecção de cenários tenha início “de

dentro para fora”, ou seja, primeiramente se define o assunto de interesse

específico e a partir daí constrói-se o ambiente. A complexidade na estruturação

do cenário, envolvendo o número e categorias das variáveis, vai depender do

tema a ser pesquisado e do seu objetivo.

356

Curso on-line: Planejamento Estratégico e Cenários Prospectivos - O Método Grumbach: http://www.brainstorming.educs.com.br 357

SCHWARTZ, 2006, pp. 199-204.

Quadro 10: Etapas do Método de Raul Grumbach

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6.6.2 Categorização e cruzamento dos dados coletados

Não se preocupe com seus arquivos, preocupe-se com suas percepções.

Peter Schwartz358

A pesquisa tem início com a delimitação do sistema e do ambiente a ser

trabalhado, ou seja, a questão central. Segundo Marcial e Grumbach, “o sistema

é delimitado pelo objeto do estudo, seu horizonte temporal e área geográfica”359,

enquanto o “ambiente é o contexto mais amplo onde está inserido o sistema”.

A segunda fase é a construção do cenário atual sobre o tema delimitado,

através da coleta de dados/informações, fornecidos por instituições e

especialistas do setor ou presentes na mídia impressa (jornais, revistas etc.) e

digital (sites, blogs etc.), nas manifestações culturais, comportamentais etc.

Todas essas informações precisam passar por um processo de seleção e

codificação (resumo, paráfrases, palavras chaves etc.) visando sua posterior

categorização.

Segundo Flick, a codificação pode ser entendida como a “representação

das operações pelas quais os dados são fragmentados, conceitualizados e

reintegrados de novas maneiras”360, representando um resumo dos conceitos

centrais presentes nas informações coletadas. A codificação dos dados leva à

identificação das categorias as quais eles pertencem. De posse dessas

categorias, cria-se uma Matriz de Categorização (Matriz 1), onde todos os dados

selecionados são organizados.

A categorização dos dados oferece, primeiramente, um panorama geral do

presente. Num segundo momento, permite o levantamento dos elementos pré-

determinados (invariantes) e das variáveis (forças motrizes e atores) que podem

impactar e/ou influenciar a questão central. No método de construção de

cenários, recomenda-se a seleção das variáveis mais impactantes – aquelas

358

Ibid., p.62. 359

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.91 360

FLICK, 2009, p.277.

Matriz de Categorização – Cenário Atual

Econômico Tecnológico Ambiental Cultural Social Emocional Etc.

Matriz 1: Exemplo de Matriz de Categorização dos dados coletados

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capazes de influenciar e provocar mudanças –, e imprevisíveis – que possuem

um alto grau de incerteza (elementos predeterminados, surpresas inevitáveis,

incertezas críticas e, eventualmente, wild cards). Para essa análise e seleção,

parte-se de uma Matriz de Análise Estrutural361 (Matriz 2) onde, primeiramente, se

faz um cruzamento entre as forças motrizes a fim de dimensionar o seu grau de

impacto sobre as demais.

Na análise estrutural das forças motrizes, adota-se o sistema binário, com

o valor 1 pontuando as variáveis com maior motricidade e o 0 para as variáveis

com menor motricidade. Esta análise ajudará na compreensão do

comportamento das variáveis e a influência exercida umas sobre as outras na

construção dos enredos dos cenários.

Marcial e Grumbach362 sugerem uma seleção de seis forças motrizes

dentre as identificadas, aqui representadas por x1, x2, x3, x4, x5 e x6, para

verificação do grau de motricidade (M) e dependência (D) dessas forças.

Utilizando-se os valores 1 e 0, a matriz é preenchida e os valores

somados, tanto horizontal como verticalmente. Dessa forma, chega-se a um

resultado, onde se obtém um mapa das forças motrizes selecionadas. No

exemplo abaixo (Matriz 2), a variável x2 aparece com um total 5 (na horizontal),

atribuindo à ela maior motricidade. A variável x6 aparece com um total 5 (na

vertical), o que significa que, no contexto analisado, ela é a mais dependente.

Além das forças motrizes (macroambiente), é importante definir os atores

(microambiente) cujas ações podem influenciar o movimento das forças motrizes

e o grau de impacto. Para tanto, seleciona-se entre cinco ou seis atores e faz-se

361

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.93. 362

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.93.

x1 x2 x3 x4 x5 x6 M

x1 0 1 1 0 1 1 4

x2 1 0 1 1 1 1 5

x3 0 1 0 0 0 1 3

x4 0 0 0 0 1 1 2

x5 0 1 1 0 0 1 3

x6 0 1 0 0 1 0 2

D 1 4 3 2 4 5

Matriz 2: Matriz de Análise Estrutural (Marcial e Grumbach, 2008)

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um cruzamento de sua influência (I) sobre as forças motrizes já definidas,

através de uma Matriz de Influências Atores (A) X Forças Motrizes (x)363. No

exemplo a seguir (Matriz 3), os atores A1, A3 e A4 aparecem como os mais

influentes e as forças motrizes x5 e x6 como as mais dependentes ou

influenciáveis.

A definição das forças motrizes com maior motricidade (verificada na

Matriz de Análise Estrutural) e dos atores mais influentes (Matriz de Influência

Atores x Forças Motrizes) é ponto chave para que a construção dos cenários

tenha uma base coerente e bem fundamentada.

Em Schwartz, apud Marcial e Grumbach364, encontramos uma

classificação individual das forças motrizes por seu grau de imprevisibilidade e

impacto. Para tanto, ele recomenda o uso de uma matriz (Matriz 4) onde as

variáveis selecionadas recebem notas de 1 a 5.

363

Ibid., p.96. 364 MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.102.

x1 x2 x3 x4 x5 x6 I

A1 0 1 1 1 1 1 5

A2 0 0 0 1 0 1 2

A3 0 1 1 0 1 1 4

A4 1 0 0 1 1 1 4

A5 0 1 0 0 1 1 3

A6 0 0 1 0 0 0 1

D 1 3 3 3 5 5

Variável Imprevisibilidade Impacto

x1 2 3

x2 2 1

x3 5 3

x4 4 2

x5 5 5

x6 4 4

Matriz 3: Matriz de Influências Atores x Forças Motrizes (Marcial e Grumbach, 2008)

Matriz 4: Matriz de Classificação das Forças Motrizes (Peter Schwartz)

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Para melhor visualizar o resultado dessa classificação, Schwartz adota

uma Matriz de Forças Motrizes (Matriz 5), onde as variáveis são posicionadas

segundo a Tabela de Classificação a acima.

Esta Matriz define as duas forças motrizes mais impactantes e

imprevisíveis (no caso, x5 e x6 foram selecionadas; porém a x3 também poderia

ser considerada.), recomendadas por Schwartz como as variáveis que comporão

os eixos ortogonais da Matriz de Cenários (Matriz 6), lembrando que, inicialmente,

as variáveis foram selecionadas segundo a questão central a ser abordada pelos

cenários.

Matriz 6: Matriz de Cenários (Peter Schwartz)

Matriz 5: Matriz das Forças Motrizes (Peter Schwartz)

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Como se pode observar na Matriz de Cenários (Matriz 6), existem quatro

campos formados pelos eixos impacto x imprevisibilidade, que sugerem quatro

possibilidades de futuro. O Cenário 1 (menos imprevisibilidade e menos impacto)

poderia ser projetado de modo incremental, com mudanças poucos impactantes.

Já o Cenário 3 (maior imprevisibilidade e maior impacto) poderia ser projetado

de forma mais disruptiva, com mudanças de grande impacto. Os Cenários 2 e 4

alternam o grau de impacto e imprevisibilidade.

Exemplificando essa aplicação, Fahey e Randall365 descrevem uma matriz

de cenários construída para a indústria de vinhos californianos (Figura 9). As

forças motrizes identificadas com maior impacto e incerteza para compor os

eixos foram o ambiente regulatório da indústria vinícula (mercado aberto x

protecionismo) e a imagem do vinho do ponto de vista dos consumidores

(imagem positiva x negativa). O cruzamento dessas duas forças passa pela

questão: o que acontece quando duas forças importantes convergem no futuro

do mercado? Por exemplo: se os consumidores tiverem uma boa imagem dos

vinhos californianos, se o mercado não tiver competidores externos, e se os

estudos comprovarem que uma taça de vinho por dia faz bem à saúde, o cenário

resultante seria “Seguro em Casa”. Neste cenário, haveria tanto o aumento da

demanda do vinho californiano como a elevação dos preços, dentro de um

mercado de pouca competitividade. Os demais cenários foram prospectados de

forma semelhante, a partir de considerações envolvendo a interação dos eixos.

365

FAHEY e RANDALL, op.cit., p.66.

Figura 9: O futuro da indústria de vinhos da Califórnia (Fahey e Randall)

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6.6.3 What IF? A pergunta que não pode calar

Mas uma pessoa que realmente acredite que “é assim que as coisas são”, uma pessoa demasiadamente preguiçosa para perguntar “por que isso não pode ser diferente?” jamais verá o futuro.

Prahalad e Hamel366

A prospecção de cenários tem início através de questões que são

formuladas sobre assuntos que precisam ser tratados e compreendidos para a

tomada de decisões. Essas questões, segundo Schwartz367, podem ser estreitas

ou amplas. As questões estreitas são específicas a determinado campo ou

assunto e, como salienta Schwartz, os cenários construídos de forma mais

específica são os locais onde se pode encontrar “valiosas ideias (sic) relativas a

organizações e missões em particular”. As questões amplas referem-se ao

mundo em geral.

A construção de cenários, segundo Searce368, incentiva as pessoas a

desafiarem o status quo, através da questão: e se...?. Ao fazer considerações a

respeito de questões que se iniciam com este e se...?, pode-se prospectar

futuros possíveis e construir enredos sobre esses futuros. E se o futuro nos

trouxer oportunidades e desafios novos e imprevisíveis, estaremos prontos para

agir?

Na prospecção de futuros possíveis, a pergunta e se...? é aplicada às

inter-relações de atores e forças motrizes. Ao se considerar a possibilidade de

determinada interferência de uma variável sobre outra, vão-se criando

alternativas futuras. Quanto mais improváveis e impactantes forem os resultados

dessas interferências, mais disruptivo o cenário.

Como exemplo do emprego da questão e se...? na construção de cenários,

Schwartz369 cita três cenários desenvolvidos para uma empresa interessada num

novo negócio de plantas caseiras. No quadro a seguir (Quadro 11), pode-se

verificar a formulação da questão e a resposta encontrada, dentro de uma visão

otimista, pessimista e alternativa.

366

PRAHALAD e HAMEL, 2005, p.100. 367

SCHWARTZ, 2006, p.57. 368

SEARCE, 2004, p.2. 369

SCHWARTZ, 2006, p.100.

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Cenário otimista E se a economia florescer?

Toda a geração investiria mais dinheiro em suas casas; além de quadros e móveis, comprariam plantas como “paisagem interna”.

Cenário pessimista E se a economia piorar e a violência e a incoerência aumentarem?

As plantas caseiras proporcionariam um ambiente para que os assustados amantes da natureza não precisassem sair de casa.

Cenário alternativo E se ocorrer uma transformação social? As plantas caseiras seriam parte do movimento, como a meditação e a comida saudável.

Como comenta Searce370, a utilização da construção de cenários vem

ganhando cada vez mais adeptos porque é uma das poucas ferramentas

capazes de desenvolver nossa capacidade de compreender e controlar as

incertezas. A pergunta lançada desafia a mente e a opinião sobre as coisas, dá

elasticidade ao espírito, projetando o indivíduo para o futuro, entendendo que

este futuro será consequência das decisões do presente.

6.6.4 Com um helicóptero na cabeça

Qualquer um pode criar cenários, mas se tornará muito mais fácil se você estiver disposto a encorajar a sua própria imaginação, a novidade e até mesmo o senso de absurdo – assim como seu senso de realismo.

Peter Schwartz371

A construção de cenários é uma atividade que implica não apenas na

observação externa dos eventos e coleta de informações do mundo, mas

também através dos modelos mentais de cada um dos envolvidos no processo.

Para Schwartz, “cada esforço para fazer um cenário inicia-se olhando para

dentro”372. Schwartz observa que “cada um de nós responde, não ao mundo,

mas à nossa imagem do mundo. Esse modelo mental inclui atitudes a respeito

de todas as situações em nossas vidas e de cada pessoa que encontramos”373.

Modelos mentais, segundo Marcial e Grumbach, “são imagens internas

profundamente arraigadas sobre o funcionamento do mundo, imagens que nos

limitam a formas bem conhecidas de pensar e agir”374. São os modelos mentais

370

SEARCE, 2004, p.2. 371

SCHWARTZ, 2006, p.37. 372

Ibid., p.51. 373

Ibidem. 374

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.41.

Quadro 11: Exemplo de Schwartz para a questão E se…? num cenário otimista, pessimista e alternativo.

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124

que direcionam as ações e reações de cada indivíduo para caminhos distintos,

embora sob as mesmas circunstâncias.

Citando Arie de Geus, Marcial e Grumbach375 salientam que, para a

empresa, o aprendizado pode ser considerado uma das grandes contribuições

da prospecção de cenários futuros. Isto se dá pela utilização dos mapas mentais

pela equipe e a possibilidade de mudança nesses mapas, seja em relação à

empresa, ao mercado e aos concorrentes.

Dario Caldas376 comenta que a realização de um mapa de valores e

sensibilidades e sua permanente atualização ajuda a identificar e acompanhar

os desdobramentos das tendências de fundo, cuja observação não é tão fácil ou

evidente. Esse processo é indispensável para que se tenha uma visão mais

ampla (macro) do ambiente, evitando o risco de se ficar a reboque dos

acontecimentos.

Segundo Glenn377, na construção de cenários é importante pensar sobre

possíveis impactos de tendências atuais ou potenciais eventos futuros; organizar

o pensamento sobre esses eventos futuros ou tendências; criar projeções em

cenários alternativos; mostrar complexas inter-relações; expor outras pesquisas

futuras; desenvolver uma multiplicidade de conceitos a partir de um conceito

inicial de uma tendência ou evento; introduzir pensamentos sobre o futuro em

determinado grupo contextualizado; consolidar uma perspectiva de futuro

consciente; evitar surpresas inesperadas.

Para o bom êxito na construção de cenários futuros, deve-se desviar a

mente de um pensamento linear, simplista e hierárquico, direcionando-a para um

pensamento mais orgânico, complexo e orientado em rede. Cabe aqui ressaltar

a sugestão de Schwartz:

A ferramenta mais importante para enxergar à frente é a qualidade da mente. Entre meus amigos na Shell, é esperado que as pessoas que chegam ao topo – além de ser realistas, analíticas e imaginativas – tenham um “bom helicóptero” na cabeça. Isso significa a habilidade de enxergar o quadro grande e ao mesmo tempo aproximar-se para examinar detalhes-chave.

378

375

MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.40. 376

CALDAS, 2004, p.121. 377

GLENN, 2009, The Futures Wheel, p.2. 378

SCHWARTZ, 2006, p.178.

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125

6.7 Considerações parciais

Good forecasts are not necessarily those which are realised, but those which lead to action so as to avoid the dangers and arrive at the desired objective.

Godet e Roubelat379

As visões de futuro ou cenários, segundo Godet380, nem sempre são

prováveis ou desejáveis. Também não se deve confundir as opções realizadas

para a projeção de futuros considerando a movimentação das forças motrizes e

dos atores, com as opções estratégicas voltadas para as mudanças previstas no

ambiente futuro da empresa. Godet observa que a incerteza sobre o futuro pode

ser avaliada pelo número de cenários possíveis dentro do campo das

possibilidades. Em princípio, isso vai significar que quanto maior o número de

alternativas de cenários, maior é a incerteza, sem deixar aqui de considerar que

a diferença de conteúdo desses cenários pode confundir.

Como Godet comenta, o cenário mais provável pode ser muito similar ou

muito contrastante às demais alternativas.

Experience shows that in general a third of the total possible scenarios is enough to cover 80% of the field of probables; i.e., 10 scenarios out of 32 possibles for 5 fundamental hypotheses

381.

Para se prognosticar futuros é preciso considerar o alto grau de incerteza

que nos cerca e, atualmente, a prospecção de cenários é uma das ferramentas

mais poderosas para realizar esses prognósticos. Os cenários abrem a

percepção para novas possibilidades e, num mundo onde o risco e a incerteza

podem interromper determinadas tendências e movimentos, torna-se necessário

o investimento nesse tipo de pesquisa antecipatória.

Os cenários, então, têm como propósito explorar, criar e testar, de forma

sistemática, alternativas plausíveis de futuro, a fim de possibilitar a geração de

políticas de médio e longo prazo, planos e estratégias capazes de ajudar na

tomada decisões acertadas. Schwartz diz que as empresas levam um tempo até

absorverem novas formas de encarar o mundo. Se as novas perspectivas forem

apresentadas quando a ação já for necessária e urgente, dificilmente essas

empresas adotarão uma nova proposta. A prospecção de cenários e a análise

379

GODET e ROUBELAT, 1996, p.2 (Bons prognósticos não são, necessariamente, aqueles que se realizam, mas aqueles que levam à ação, a fim de evitar os perigos e chegar ao objetivo desejado) Tradução nossa. 380

GODET, 2006. 381

GODET, 2004, p.11 (A experiência mostra que, em geral, um terço do total de cenários possíveis é suficiente para cobrir 80% do campo das probabilidades, ou seja, dez dos trinta e dois cenários possíveis para cinco hipóteses fundamentais.) Tradução nossa.

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Page 39: 6 Futuro: a prospecção de cenários · Michel Godet. 251. Com tantos termos empregados para se referir aos estudos do futuro, além de suas traduções e sinônimos, muitas vezes

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de suas alternativas devem ser feitas com antecedência, para que a empresa

possa realizar as mudanças internas necessárias, absorver as probabilidades

futuras e traçar estratégias para elas.

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