Post on 29-Sep-2018
TEORIAS DE MOTIVAÇÃO E DE COMPROMETIMENTO PODEM EXPLICAR AS
DISSONÂNCIAS DAS ATITUDES DOS VENDEDORES COM O QUE OS CLIENTES
FIÉIS APRECIAM? RESPOSTA ARTICULADA A PARTIR DE ESTUDO EM UMA
REDE DE CONCESSIONÁRIAS DE VEÍCULOS.
Resumo
Espera-se que a força de vendas que atua em um setor em que as organizações investem em
seu desenvolvimento, conheça bem o perfil de seus clientes fiéis. Quando isso não acontece
questiona-se o porquê. O objetivo deste trabalho é demonstrar fatores que podem ofuscar o
atendimento do vendedor a clientes fiéis. Três unidades de uma rede de concessionárias de
veículos situadas em regiões com distintas ascendências culturais, foram selecionadas. Seus
vendedores responderam a um instrumento validado de pesquisa elaborado com base nas
proposições de Spitzer (1997). Eles e seus clientes também responderam a formulários
baseados no modelo de vendas de Friedman (1995). Inicialmente foram investigadas as
consonâncias e dissonâncias das atitudes dos vendedores com as preferências dos clientes
fiéis. Constatou-se que as dissonâncias prevaleceram e se supôs que a principal causa poderia
ser que parte dos vendedores estava insatisfeita com as políticas organizacionais e as práticas
dos gestores, cuja conjectura inspirou os autores à segunda pesquisa. Nela constatou-se que
provavelmente os fatores de insatisfação estão enleando o brilho da motivação ao atendimento
de clientes, conforme explicado por meio do constructo insatisfação-satisfação de Herzberg
(1997) e pela teoria de comprometimento de Becker (1992).
Palavras-chave: insatisfação, motivação, comprometimento, vendedor, cliente, dissonância.
INTRODUÇÃO
Em boa parte das organizações é notória a diferença entre o discurso e a prática de
atendimento a clientes, quer quando se refere aos clientes externos, quer quando se refere aos
internos: estes; entendido como os que “adquirem” serviços de colegas de trabalho.
No Brasil, não é fato extraordinário se esperar diversos minutos ao se ligar para obter
informações de um SAC – Serviço de Atendimento a Cliente: paradoxalmente se ouve a
mensagem; “Aguarde para ser atendido. Você é muito importante para nós”. Pergunta-se: se o
cliente é tão importante, porque tem de ficar esperando?
Vários fatores da base do “iceberg” podem explicar esse problema. No entanto, tendo-se
em vista que isso acontece mesmo em organizações que investem em treinamento e
desenvolvimento, como acontece no setor automobilístico, é de se supor que o problema pode
residir em questões de motivação; não necessariamente em falta de preparação.
Na produção científica concernente a Pessoas em Organizações e Marketing não se
encontrou trabalho com a mesma extensão deste. Ou seja, a literatura carece de trabalho que
concomitantemente: 1) relaciona a prática da força de vendas com as preferências do cliente,
segundo as fases de vendas e de pós-vendas; 2) analisa como a cúpula lida com as motivações
dos vendedores, na ótica destes e, 3) relacione os mencionados constructos. Isto é, as
pesquisas sobre o primeiro tema não contemplam a relação nas diversas fases de vendas. As
concernentes ao segundo tema normalmente investigam a motivação sob as óticas dos
gestores e não sob a dos geridos, e há carência de conclusões sobre os construtos agregados.
A natureza bidirecional deste trabalho permite analisar e elaborar proposições tanto para
dentro como para fora da organização. Ou seja, investigando-se o grau de satisfação dos
funcionários, ou empregados, com as políticas organizacionais e com as práticas dos gestores
abrem-se caminhos para elaborar e implementar estratégias internas, visando elevar o
atendimento das necessidades e contribuir para ampliar os comprometimentos. E, ajustando-
se a sintonia das atitudes da força de vendas com os clientes contribui-se para melhorar o
composto de promoção, principalmente nas organizações em que a competição é mais
centrada no atendimento e nos serviços do que no produto.
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Com base nas estratégias de marketing adotadas pelas montadoras de automóveis e
transmitidas às concessionárias, supôs-se que os vendedores da pesquisada possuíam
percepções e ações em consonância com as preferências dos clientes. Para afirmar ou negar
essa suposição, definiu-se o seguinte objetivo: Verificar a consonância das atitudes da força
de vendas com o que a clientela aprecia, nas fases de venda e pós-venda.
Para colimar as constatações da primeira investigação conjeturou-se, na segunda, que o
elevado grau de dissonância verificado na primeira poderia ser oriundo de um ou da
combinação dos seguintes fatores: organização do trabalho não satisfatória; ruídos no
processo de comunicação; treinamento distorcido, ou aquém do necessário e; recompensas
insatisfatórias. Para afirmar ou negar a suposição, definiu-se o seguinte objetivo: Verificar o
grau de satisfação dos vendedores com as políticas organizacionais e as práticas dos gestores,
a partir do modelo elaborado por Spitzer (1997).
Este artigo sintetiza os objetivos de ambas as pesquisas e, por meio de teorias de
motivação e de comprometimento, indica alguns fatores que podem estar influenciando o
relacionamento dos vendedores com seus clientes fiéis.
UMA APROXIMAÇÃO DA MOTIVAÇÃO NO TRABALHO
A motivação nas organizações tem sido explorada como condição fundamental para a
governança. No entanto, ainda há muito caminho a ser percorrido para que o
comprometimento seja “visível” em boa parte do mundo do labor.
A organização é um dos lugares mais preferidos por boa parte dos seres humanos no
primeiro dia de trabalho. Com o passar do tempo os motivadores vão sendo depredados pela
realidade da vida organizacional. O comprometimento afetivo passa a normativo e jaz na
categoria instrumental. Assim a organização passa a ser o modo utilitarista de sobrevivência.
Na era da “Administração Científica” as organizações voltaram-se para a obtenção da
máxima produtividade através da especialização de tarefas, da divisão do trabalho e dos
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incentivos monetários, baseados na concepção do ‘homo economicus’. A filosofia dominante
era a de que o dinheiro era tudo o que o ser humano buscava no seu emprego. Entendendo
isso, a questão da motivação estava “resolvida”. Conquanto a verbalização está no tempo
passado, muitos ainda cultuam isso (Motta, 2002).
Bergamini (1997) comentou que até a Revolução Industrial a observação da motivação
tinha como finalidade punir os que não apresentavam as motivações esperadas. Com o
advento da Administração Científica, mudou-se o enfoque no sentido de substituir a punição
por incentivos financeiros. Argumentou que esse modelo, que funcionou por algumas
décadas, sofreu críticas pois não promovia o crescimento do ser humano e não proporcionava
nenhum grau de satisfação no trabalho (1997, p.19-21).
A Escola de Relações Humanas estudou atitudes e comportamentos no trabalho,
identificou a influência do grupo informal e reconheceu o ‘homo social’, em virtude de que o
ser humano cultua relações sociais nas diversas instituições, em especial no trabalho. Seus
pesquisadores constataram que o trabalhador tinha seu comportamento influenciado pela
organização informal em suas relações sociais no trabalho, (Motta, 2002). Bergamini (1997,
p.21) acentuou: “a gerência passou a se preocupar com a importância e a utilidade que os
empregados viam no seu trabalho”.
Três correntes contemporâneas podem ser categorizadas quanto à origem das motivações:
1) a que define a motivação como um processo essencialmente intrínseco (Archer, 1997;
Bergamini,1997, Herzberg, 1997); 2) a que argumenta a forte influência dos fatores
extrínsecos na motivação intrínseca (Lawler III, 1997; Beer & Walton, 1997) e; 3) a que
afirma que as causas do comportamento são externas ao organismo e que podem, portanto, ser
controladas em suas conseqüências pelo reforçador que as acompanham (Skinner, 1970,
1982).
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Para efeitos didáticos, vamos denominar as correntes, segundo suas ênfases: 1) motivação
intrínseca; 2) motivação “dupla-face”; e 3) motivação extrínseca.
MOTIVAÇÃO EXTRÍNSECA
Skinner (1970, 1982) realizou experimentos que o levou a crer em perspectiva
funcionalista para a Psicologia. Em seus testes de laboratório ele detectou interações do
organismo com o meio ambiente. Resumidamente: o organismo emite resposta ao encontrar
um estímulo no ambiente.
A teoria de Skinner foi baseada em condicionamento operante. Para o autor, o organismo
em atividade encontra reforçadores no meio ambiente que têm o papel de modificar a
intensidade de seu comportamento. E o reforço é valido quando emitido imediatamente.
Assim, o indivíduo é condicionado pelos estímulos do meio ambiente e, portanto, tem um
comportamento possível de se prever e controlar. Como exemplo, na medida em que um
funcionário quer receber um prêmio e a organização o satisfaz, também dará respostas
positivas a outros prêmios que serão colocados à disposição. Isto é, diante do reforço positivo
ele tende a repetir aquele comportamento (esforço para conseguir prêmio) no futuro. Esse
comportamento operante é representado por R - S, em que “R” é a resposta e “S” o estímulo.
Se após vários esforços (respostas) o indivíduo não mais for premiado ele tenderá a se
acomodar, até que o comportamento operante seja extinto.
Para Keller (1973) o comportamento operante
inclui todos os movimentos de um organismo dos quais se possa dizer que, em algum
momento, têm efeito sobre ou fazem algo ao mundo em redor. O comportamento operante
opera sobre o mundo, por assim dizer, quer direta, quer indiretamente.
Segundo Skinner o reforço pode ser programado em termos de freqüência, duração e
intensidade. Se, por exemplo, um funcionário cometer desídias no trabalho (respostas) e for
punido com certa freqüência; as punições (estímulos aversivos) tendem a influenciá-lo a
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deixar aquele comportamento indesejado. Nas palavras de Skinner, uma resposta seguida por
um estímulo aversivo, resulta em provável decréscimo no futuro. Por outro lado, se um
estímulo aversivo for removido provavelmente no futuro reforçará o comportamento
indesejado: isso é chamado de reforço negativo.
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999) “reforço negativo é todo evento que aumenta a
probabilidade de futura resposta que o remove ou o atenua”. E, “reforço positivo é todo o
evento que aumenta a probabilidade de futura resposta que o produz” (p.50).
Skinner não era a favor da punição, pois acreditava que ela não é eficiente, uma vez que
as razões que levaram à ação não são alteradas com punição. Isto e, se as razões não forem
abordadas a resposta indesejável pode ser repetida e camuflada. Por exemplo, um funcionário
que foi advertido por produzir peças com defeitos tende a ocultar as futuras peças defeituosas
para evitar novos castigos. Melhor, portanto, procurar extinguir o comportamento (resposta)
por outros meios, como: esclarecimento do prejuízo, revisão de conceitos, compartilhamento
de lucros, cooperações e considerações.
Analisando a teoria do reforço, Bergamini (1997) enfatizou: “tais pesquisadores
pressupõem que o comportamento humano possa ser planejado, modelado ou mudado por
meio da utilização adequada dos vários tipos de recompensas ou punições disponíveis no
meio ambiente”. A autora concluiu que “De forma geral, há unanimidade entre os autores
quando não consideram tais teorias como suficientemente explicativas do comportamento
motivacional” (p. 39).
MOTIVAÇÃO DUPLA-FACE
Uma corrente de autores entende que a motivação é, em termos metafóricos, uma moeda
de dupla-face.
Ao comentar sua obra Motivation in Work Organizations; Lawler III (1997) afirmou sua
convicção de que as pessoas são motivadas “tanto por recompensas extrínsecas, como, por
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exemplo, o salário, como por recompensas intrínsecas, tais como sentimentos de realização e
de competência” (p. 132).
Comentando a influência do salário, Spitzer (1997) disse que as empresas podem estar
recompensando de maneira incorreta:
...Porém as recompensas hoje são vistas pelos funcionários como algemas, que os
prendem às empresas. O comportamento humano perante as recompensas seria um
simples esforço para não perder os privilégios, isto é, o funcionário estaria com maior
medo da perda do emprego, e de seus benefícios, do que propriamente motivado e
comprometido com a empresa (p.213).
Pinto (2003) organizou uma pesquisa que foi respondida por 458 pessoas que trabalham
em nove empresas estabelecidas no Oeste do Paraná e no Vale do Itajaí em Santa Catarina e
não encontrou diferença significativa na relação salário-motivação dentre os que percebiam
salários de até R$ 370,00 e dentre os que recebiam acima de R$ 2.499,00. Ou seja, verificou
que foi frágil a relação entre o salário ganho e as motivações à organização do trabalho, à
comunicação e às recompensas em dois distintos níveis salariais. O estímulo “salário”,
portanto, não se relacionou com os vários tipos de motivações.
MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA
Contrapostos aos behavioristas são os que crêem que o ambiente pouco influencia o
indivíduo: esses autores entendem que a motivação advém das necessidades não satisfeitas.
Archer (1997) afirmou, com base nas teorias de Maslow, McGregor e Freud, que
somente as necessidades motivam o ser humano, e que os administradores não podem
motivar, unicamente podem satisfazer ou contra-satisfazer as necessidades humanas.
Archer apontou cinco interpretações de motivação que ele as considerou errôneas, entre
elas: 1) “a crença de que uma pessoa pode literalmente motivar outra” e; 2) “a crença de que
os fatores de motivação e os fatores de satisfação são a mesma coisa” (p. 23). Explicou que o
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motivo inclina a pessoa à ação e a satisfação elimina o motivo. Por exemplo, fome é um
motivo que sugere alimento. Este a satisfaz. Portanto, a pessoa não se motiva pelo alimento
(fator extrínseco), mas pela fome (fator intrínseco). Em outras palavras, o fator intrínseco é o
que motiva e o extrínseco é o que satisfaz: elimina o motivo.
Um vendedor, por exemplo, tem um elenco de necessidades que pode levá-lo à ação:
atividade, interação, competência, realização etc. A satisfação dessas necessidades advém,
respectivamente, de circunstâncias, como: realizar tarefas variadas, interagir com o cliente;
expressar sua competência, por exemplo, ao convencer o cliente com argumentos plausíveis e,
realizar vendas consideradas difíceis.
As necessidades do ser humano são reduzidas, ou eliminadas, temporariamente. A fome,
por exemplo, cessa, ou é parcialmente reduzida, com a deglutição de alimento, mas retorna
momentos depois. Outro exemplo menos tangível: o reconhecimento pode propiciar a
sensação de competência, mas a necessidade de ser reconhecido tende a regressar no futuro.
Nesse diapasão, a palavra “satisfação” pode, então, ser definida, como: a sensação temporária
de que a necessidade foi atendida no momento oportuno e em nível adequado. Assim, a
necessidade é mantida em um nível confortável e seu impulso não perturba o intelecto, mas
faculta-o gerir as atitudes. Por esse conceito, a finalidade não é eliminar a necessidade, mas
mantê-la salutar, visto que sem motivo o ser humano perde o sentido da vida.
Herzberg (1997) estabeleceu uma metáfora para explicar o efeito da insatisfação na
motivação do indivíduo. Explicou que a assepsia em um hospital não acrescenta saúde ao
paciente, no entanto evita que ele adoeça mais ainda pela presença de germes patológicos.
Para Herzberg (1997), as recompensas de natureza extrínseca à disposição dos gerentes
para honrar o contrato psicológico com os funcionários são: salário, benefícios, espaço no
escritório e normas da organização. Elas têm breve duração. Orientação a desafios, assunção
de responsabilidade, sensação de crescimento e de estar desempenhando um papel importante
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são exemplos de motivações intrínsecas, duradouras, que podem ser atendidas pelo gestor por
meio do enriquecimento do cargo do indivíduo e fortalecer o contrato psicológico (pp. 55-82).
Ele acentuou: “A motivação é baseada nas necessidades de crescimento. É um motor interno,
e seus benefícios aparecem em um longo período de tempo...” (p. 79)
Bergamini explica que a satisfação dos colaboradores que se sustenta através do tempo
e que resulta em bons resultados para a organização vem da motivação própria. Em sua
percepção, os gestores podem colaborar para que os funcionários, individualmente, busquem
dentro de si a força necessária para agir e vejam um porquê em sua atividade. Nas palavras
textuais da autora “Conseguir que a motivação não desapareça é fazer com que se continue
vendo algum sentido naquilo que se está fazendo” (1994, p. 52).
RELAÇÃO ENTRE MOTIVAÇÃO, FATORES DE SATISFAÇÃO E
COMPROMETIMENTO NO TRABALHO
Nesta seção iremos realizar um breve ensaio sobre a relação entre motivação, satisfação
e comprometimento no trabalho, cujo relacionamento é pouco trabalhado na literatura
especializada. Isto é, boa parte dos autores da literatura de Pessoas em Organizações
normalmente trabalha separadamente esses temas.
Pesquisas revelaram que as pessoas se envolvem e, ou, produzem menos do que
poderiam nas organizações (Chusmir, 1990; Colson & Eckerd, 1991; Huseman & Hatfield,
1989; Schwatz, 2002).
Chusmir (1990) apurou que 50% fazem o mínimo necessário para não serem
exonerados. Colson e Eckerd (1991) verificaram que 73% dos trabalhadores revelaram menos
comprometidos do que poderiam. Huseman e Hatfield (1989) descobriram que 84% dos
investigados poderiam apresentar desempenho superior. Schwatz (2002) constatou que 48%
dos funcionários do departamento “A” e 55% do departamento “B” atribuíram nota 6 ou mais
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(escala de 0 a 10) no fator instrumentalidade na relação de emprego que tinham com uma
Instituição do Ensino Superior municipal atuante no Sul do país.
As pesquisas de Chusmir e Schwatz (a primeira nos Estados Unidos e a segunda no Sul
do Brasil) revelaram o alto, mas talvez não surpreendente, percentual de pessoas que fazem
do emprego o seu modo utilitarista de sobrevivência.
Conforme revelou Spitzer (1997, p. 17) pessoas comprometidas produzem muito mais:
Surpreendentemente, estudos revelam que 1% correspondente aos funcionários de
melhor desempenho produz quase vinte vezes a produção per capta da metade inferior
da força de trabalho! A maior parte dessa variação no desempenho humano deve-se às
diferenças em motivação.
Boa parte dos indivíduos não está comprometida e não produz o que poderia. O que
fazer então? Fogo neles!!! Traumático, sim, mas é o que se observa em muitas organizações.
É de se lamentar que parte expressiva dessas instituições tem extrema habilidade de detectar o
“impotente” descomprometido, no entanto, não conseguem conquistá-lo.
O trabalho é, ou poderia ser, uma oportunidade de conquista. Em nossa cultura se
concebe que o dinheiro, ou pagamento, recompensa tudo. E quem não se submeter,
independente de qualquer coisa, está fora. Por isso, estudiosos vem analisando os problemas
de motivação para se entender o que está na base desse Iceberg.
É evidente que o ideal seria entender, pessoa a pessoa no trabalho, suas necessidades,
desejos e expectativas, como recomenda a psicologia do indivíduo. Ou seja, ater-se a cada
base de comprometimento de cada pessoa e satisfazê-la. No entanto, como esse quimérico
parece cada dia mais difícil, ou menos aplicável em virtude da sobrecarga de trabalho
operacional hoje imposta aos gestores, principalmente aos de níveis inferiores e a quantidade
de pessoas sob suas alçadas; a recomendação para se atender as necessidades mais comuns na
organização parece ser o caminho mais adequado.
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Spitzer (1997) explicou que todo trabalho tem dois aspectos: a tarefa (conteúdo técnico)
e o contexto (elementos do entorno da tarefa). E, para a função se tornar mais interessante
muda-se o contexto. Salientou que é difícil conhecer as motivações de cada funcionário.
Assim, o gestor pode mudar o contexto do trabalho para elevar e auto-sustentar as arquiteturas
das motivações e os desempenhos individuais e organizacionais.
Os fatores de satisfação, normalmente promovidos pela organização ao conjunto dos
funcionários, apenas encontrarão eco se atenderem as bases mais comuns de
comprometimento no coletivo da organização. Mas, para tanto é fundamental compreender a
diferença entre os fatores de satisfação de necessidades básicas, de segurança e dos
motivadores propriamente ditos.
As necessidades básicas dizem respeito à alimentação, abrigo, transporte, saúde e lazer.
É satisfeita pela renda, ou salário, que caracteriza o poder de compra (satisfação extrínseca).
As necessidades de segurança – física, mental e emotiva – são satisfeitas pelo próprio
indivíduo (satisfação intrínseca) e podem ser afetadas pelo ambiente em que labora. As
necessidades mais elevadas (gosto por desafios, autonomia, desejo de progresso, auto-estima,
auto-realização) são essencialmente intrínsecas e podem ser satisfeitas pelo próprio individuo
por meio do exercício de um papel que lhe é oportunizado, ou pelo próprio intelecto.
A intensidade de manifestação das necessidades básicas é, pela natureza dos fatores que
as atendem, efêmera: ou seja, a satisfação perdura segundo a capacidade do fator que a
satisfaz. A satisfação das necessidades mais elevadas, ou motivadoras, tem efeitos mais
duradouros. Como exemplo, o indivíduo estará suprindo suas necessidades de desafio
enquanto exercer um papel desafiante.
Para Bastos (1994), o indivíduo trás para a organização a sua socialização passada. Suas
necessidades, desejos e expectativas construídas ao longo de sua vida afetam o modo como
ele se compromete.
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Pela sua natureza longitudinal o comprometimento afetivo parece diretamente conexo
com os antecedentes, com as atuais necessidades mais elevadas e com o futuro distante.
O comprometimento normativo parece diretamente ligado aos fatores que Herzberg
denominou “higiênicos”. Ou seja, o funcionário que valoriza questões, como as políticas da
organização e a segurança no emprego, sente-se no dever de dar respostas coerentes com
esses estímulos organizacionais. O construto parece, também, ser formado pela vida
pregressa, principalmente sua socialização em termos de normas, valores e princípios.
O comprometimento instrumental parece basicamente, não exclusivamente, ligado à
vida pregressa ao vínculo do indivíduo com a organização, ao presente e ao futuro imediato,
uma vez que ele ocupa parte de seu tempo “calculando” a relação custo-benefício de
permanecer no emprego, tendo como base a sua experiência – normalmente esse “cálculo”
carrega resultados anteriores tornando o da atual equação incorreto, ou não realista.
Becker (1992) explicou que o comprometimento é composto pela natureza intrínseca ou
psicológica, isto é, as bases de comprometimento; e pela extrínseca, isto é, os focos do
comprometimento (com o que, ou com quem o indivíduo se compromete).
Reunindo os termos, constata-se que a motivação: 1) é parte do comprometimento (a
base); 2) que ela é satisfeita por um fator intrínseco (emitido dentro do indivíduo), ou
extrínseco (oferecido pelo ambiente); 3) facilitando o indivíduo a manter-se conectado ao
foco (com o que, ou com quem). Portanto, há relação estreita entre o motivo (o que), o
comprometimento (o que, com o que, ou com quem) e satisfação (do que, de quem).
BASES CONCEITUAIS DA PESQUISA
Os autores vivenciaram as pesquisas em virtude de que o impulso às mesmas adveio tanto
da experiência da pesquisadora em gestão de programas de treinamento e desenvolvimento
dos vendedores que trabalham nas três unidades investigadas, como da experiência do
pesquisador no ensino e produções de obras sobre Pessoas em Organizações.
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Ambas as pesquisas são de corte transversal e envolvem uma amostra de sujeitos que
descreve o fenômeno em seus aspectos intra-organizacional e interorganizacional. Isto é, nos
seus vínculos com a organização e com o cliente. O fenômeno intra-organizacional foi
descrito em termos do grau de satisfação dos vendedores com as políticas da organização e as
práticas dos gestores. O interorganizacional foi arejado em termos da comparação de como o
cliente almeja ser atendido e do que o vendedor pratica nas vendas e no pós-vendas.
Os fenômenos podem se influenciar mutuamente. Por exemplo, as políticas construídas
pelos gestores – questões intra-organizacionais – podem influenciar as atitudes dos
vendedores diante dos clientes – questão interorganizacional. Estes, com suas demandas,
podem influenciar vendedores e gestores.
O elemento interorganizacional foi investigado segundo proposições de Friedman (1995).
Para descrever o fenômeno intra-organizacional os autores utilizaram o modelo de Spitzer
(1997), conforme sintetizado no Quadro 1, adiante descrito.
Na análise dos dados privilegiou-se o modelo Insatisfação-Satisfação de Herzberg (1997)
e a teoria de comprometimento de Becker (1992).
A expressão conceitual-chave da primeira pesquisa foi rotulada “consonância” e a da
segunda “satisfação”. Para melhor compreendê-las serão desenvolvidas as conceituações.
Ao analisar como a Escola do Design avalia e escolhe a estratégia, Mintzberg, Ahlstrand
e Lampel (2000) disseram que a consonância tem a ver com as adaptações e as mudanças
críticas da organização diante do ambiente externo. Segundo essa conceituação o termo
“consonância” sugere a conveniência da ação no meio em que ela se insere, por exemplo, a
pertinência da estratégia da organização diante das leis e das demandas sociais. Nesse
diapasão, definiu-se, para fins deste trabalho, que consonância é a expressão da simbiose do
que os clientes apreciam no processo de venda e no pós-venda e das atitudes e
comportamentos manifestos pelos vendedores para atendê-los.
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A conceituação do termo “satisfação” teve como ponto de partida as contribuições de
Archer (1997), conforme analisado na seção denominada “Motivação Intrínseca”. Assim, para
fins deste trabalho a palavra “satisfação” foi definida, como: a sensação temporária de que a
necessidade foi atendida no momento oportuno e em nível adequado.
Os resultados da pesquisa são expressos por meio de uma visão interpretativa e
construtivista, conforme conceitos emitidos por Reich e Benbasat (1996). A interpretação da
consonância foi a partir das informações dadas pelos sujeitos da pesquisa (vendedores e
clientes). O construtivismo foi caracterizado na ponte que se erigiu para ligar o que os
vendedores manifestam nas atitudes de vendas diante das políticas e das práticas dos gestores.
MÉTODO E MATERIAL DE PESQUISA
PERFIL DA POPULAÇÃO E PROCESSO DE AMOSTRAGEM
Para responder as perguntas de pesquisa e cumprir o objetivo delineado foram escolhidas
três unidades de um grupo empresarial fundado em 1985 e que conta atualmente com
dezesseis empresas localizadas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. As unidades
escolhidas administram consórcios e comercializam veículos novos das marcas Ford,
Volkswagen e Fiat, e usados de todas as marcas.
Segundo explicou Ferron (2001, pp. 181-184), a indústria automobilística abarca três
processos integrados: desenvolvimento de novos produtos, atendimento da demanda, atração
e retenção de clientes. Dentre os quesitos de atração e retenção recomenda entender as
necessidades do cliente, diálogo, “experiência positiva de aquisição e relacionamento pós-
vendas em torno dos produtos e seus usos”.
A competição entre concessionárias tem crescido em virtude do incremento de marcas,
modelos, fábricas e canais. Considerando-se os modelos, opcionais e preços, observa-se que
existe dentro de cada categoria um nivelamento cada vez maior. Nesse cenário a estratégia
para um diferencial competitivo é o atendimento aos clientes e os serviços prestados.
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Pela pujança do setor automotivo e a relação das concessionárias com os elementos desse
contexto, escolheu-se a população-alvo. Os seguintes méritos também influenciaram a
escolha da rede: pertence a um grupo empresarial consolidado e, fundamentalmente; as
concessionárias estão situadas em regiões com influência de diferentes culturas – Blumenau
(fundada por colônia alemã); Itajaí (imigrantes de origens diversas, mas principalmente
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açorianos) e; Rio do Sul (originária de colônias alemã e italiana)i. Essas diferenças culturais
conferem multicores à pesquisa. Isto é, permitem conhecer a relação das atitudes do vendedor
com as preferências do cliente em pessoas que herdaram hábitos distintos.
Todos os profissionais de vendas de veículos novos que trabalhavam exclusivamente com
a marca Fiat em Rio do Sul, Blumenau e Itajaí e, usados de qualquer marca, tiveram chance
i Fonte: as colonizações das cidades de Blumenau e de Itajaí forma obtidas na Wikipédia: a enciclopédia livre.
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%B4nias_de_Santa_Catarina. A colonização de Rio do sul
foi obtida em http://www.riodosul.sc.gov.br/portal/index.php Acessos em 08/11/2005.
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Colson, C., Eckerd, J. (1991). Why America doesn’t work. Dallas: Word Publishing.
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de serem sorteados. Isto é, pelo processo de amostragem aleatória simples foram sorteados
dez vendedores de cada localidade, aproximando-se do censo da força de vendas de cada
unidade. Este número de selecionados adveio do interesse dos gestores em uma amostra
acurada. O sorteio contribuiu para a fidedignidade da amostra.
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17
Com base nas recomendações de Aaker, Kumar e Day (2004, p. 392) decidiu-se por uma
amostra intencional dos clientes, visto que é o vendedor que tem a competência de selecionar
o cliente “conhecido”. Isto é, ele é o perito no processo de amostragem.
Os gestores da rede de concessionárias recomendaram a cada vendedor selecionar três
clientes, para formar uma amostra suficiente para representar a população dos clientes fiéis.
O critério de fidelidade foi baseado nas informações de McKenna (1992) que disse que
um vendedor a cada dois anos, em média, deverá estar recebendo o cliente fiel para trocar seu
veículo.
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APÊNDICE ÚNICO
Variáveis que Permaneceram e as que Não Permaneceram no Grupamento Teórico no Teste
Fatorial Realizado com Base na Proposição de Spitzer (1997).Grupamento TeóricoFrase (facilitar o vendedor a)PermanênciaTrabalhoorientar-se
ativamente para o trabalho. Ou seja, tomar a iniciativa de realizar as tarefas da melhor maneira possívelSimcontribuir com idéias e ações na organizaçãoNãoassumir responsabilidades, como integrantes do seu caráterSimcontribuir para tornar o ambiente de trabalho divertido, eficiente, eficaz e com
significadoNãoComunicaçãocompartilhar informaçõesNãocomunicar-se com clareza, interativamente, adequadamente, honestamente e com consistência.Nãomanifestar os próprios erros e lapsos éticos.Nãorecomendar
melhorias ao processo de comunicaçãoNãoTreinamento e Desenvolvimentoparticipar de cursos seminários, campanhas, palestras e afins aplicar o que aprendeu no trabalhoSimcompartilhar aprendizagens, com os colegas de trabalho e com os clientesSimdesenvolver as próprias habilidades de aprenderSimparticipar e aprender o máximo
possível, em eventos de aprendizagem, como reuniões, cursos, seminários, campanhas, palestras, etc. NãoRecompensastrabalhar com empenho e obter salário compatívelNãoagradecer e retribuir os carinhos que
recebeSimobter recompensas por melhora de desempenhoSimcriar, recriar e compartilhar recompensas afetivasSim
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Decidiu-se, com base na informação de McKenna e nas recomendações de Aaker et al.,
que qualquer cliente que voltasse a comprar um veículo na concessionária em períodos de até
quatro anos poderia ser escolhido. Inicialmente os clientes foram identificados no cadastro.
De posse dos nomes, pediu-se a cada vendedor indicar três clientes que eles bem conheciam.
INSTRUMENTOS DE PESQUISA, COLETA E ANÁLISE DE DADOS
O modelo de Friedman (1995) foi utilizado para compreender o grau de sintonia dos
vendedores com os clientes.
Friedman apontou os passos para a realização da venda: 1) abertura: oferecer ajuda ao
cliente. E, recomendou desenvolver um relacionamento pessoal mais do que o comercial
nesse momento; 2) sondagem: identificar as necessidades e desejos por determinado produto.
Quanto mais o consultor souber de seus clientes, mais será capaz de ajudá-los a selecionar os
produtos e vendê-los; 3) demonstração: nesta parte do processo de venda, o consultor pode
explicar o valor do produto, através das características, vantagens, benefícios e torná-los
atrativos; 4) fechamento experimental: fazer uma pergunta que fecha a venda do item
principal – carro, por exemplo – e também realizar a venda de um adicional; 5) contornando
objeções: para investigá-la recomenda ouvir o cliente e colocar-se no lugar dele – empatia –,
visando descobrir o real motivo que o está levando à objeção e; 6) fechamento: a função de
um consultor é atender aos desejos dos clientes, verificando a sua satisfação (pp. 36-163).
Com base nesse modelo de vendas, foram elaborados os formulários de pesquisa com
questões fechadas, destinadas a apurar se o que o cliente aprecia é o que o vendedor está
praticando. Vários tipos de escalas foram usados, visando, conforme orientações de Aaker et
al. (2004, pp. 287-317), atender a cada natureza de fator investigado, sendo a mais comum a
que os autores denominam “categoria itemizada”
As questões feitas aos vendedores e aos clientes foram semelhantes em suas essências,
mas sob a ótica de cada lado: vendas e compras. Exemplificando: perguntou-se ao vendedor:
19
“Os contatos com os clientes para verificar a satisfação com o produto adquirido são feitos: a)
uma única vez; b) a cada seis meses; c) não faço contato pós-venda”. Aos clientes essa
pergunta foi feita da seguinte forma: “Depois de adquirir um veículo na concessionária, você
gosta de ser contatado pelo vendedor: a) uma única vez; b) a cada seis meses; c) prefiro não
ser contatado após a compra”.
As questões do instrumento de pesquisa da satisfação do vendedor com as políticas
organizacionais e práticas dos gestores foram baseadas nas proposições de Spitzer (1997).
Na primeira parte do livro o autor discorreu sobre as necessidades dos seres humanos, a
partir de teóricos consagrados, como Freud, Maslow, Herzberg, e sobre os problemas de
motivação encontrados no cotidiano do trabalho nas organizações. Na segunda parte da obra
ele sugeriu diversas práticas e finalizou cada capítulo com um sumário delas, que os
denominou “pontos de ação”.
Spitzer enquadrou os pontos de ação em cinco tipos de fatores de satisfação (como
disse: os que “dinamizam todos os níveis da organização”), como exemplificados a seguir.
Quadro 1. Variáveis que compõem cada conjunto de fatores de
satisfação.
Fator Facilitar ao liderado:
Planejamento participar, compreender e se comprometer com o planejamento geral; definir as
próprias metas e associá-las ao planejamento geral e; realizar retroações.
Trabalho estar em ambiente descontraído de trabalho; realizar tarefas variadas; respeitar os
prazos e; comemorar as vitórias.
Comunicação compartilhar informações importantes; discutir fatos com os colegas; realizar
sessões de perguntas e respostas; compartilhar a missão, os valores e a visão da
organização; ser incentivado a dar e obter respostas às sugestões e; participar de
reuniões importantes e produtivas.
Treinamento e
desenvolvimento
cultivar atmosfera de aprendizagem; se envolver na definição, na execução e na
avaliação de treinamentos e desenvolvimentos; desenvolver os pontos fortes e gerir
os fracos; aplicar os conhecimentos e; ter oportunidades como a quaisquer um.
Recompensas obter salário adequado às suas competências; escolher os benefícios que
interessam; ser reconhecido e; ser recompensado pelas contribuições espontâneas.
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Fonte: Elaborado pelos autores a partir das recomendações de Spitzer (1997:111-254)
Com base nos pontos de ação formulados por Spitzer, foi desenvolvido e testado o
instrumento aplicado. Ele é composto de dezesseis questões agrupadas nos seguintes títulos:
trabalho, comunicação, treinamento, desenvolvimento, recompensas. Utilizou-se escala
“itemizada”, fluindo do grau “inexistente” até “excelente”.
O indicador de coeficiente Alfa de Crombach apresentou o resultado de 0,9153,
atestando o formulário de pesquisa como excelente em termos do modelo fatorial. Com a
redução das variáveis em 5 fatores o instrumento explica 77,8% da variância dos dados, com
o indicador de KMO = 0,50453.
Nenhuma das variáveis de comunicação permaneceu no grupamento teórico original após
o teste fatorial e por isso o fator foi eliminado. Outras quatro variáveis de grupamentos
teóricos diversos foram excluídas por não permanecerem no grupamento teórico original,
conforme pode ser visto no Apêndice Único.
O formulário de preferências no atendimento foi enviado aos clientes pelos correios, com
envelopes selados para respostas, facultando-lhes o anonimato.
Tanto o formulário de pesquisas sobre o atendimento como o de verificação da satisfação
dos vendedores com as políticas organizacionais foram entregues a cada vendedor sorteado.
Visando evitar receios, assegurou-se o direito ao anonimato.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
Os resultados das duas pesquisas serão apresentados separadamente na ordem cronológica
das investigações. Ou seja, inicialmente serão apresentados os resultados da investigação
sobre o grau de sintonia dos vendedores com os clientes das unidades investigadas e depois a
pesquisa que apurou o grau de satisfação dos vendedores com a organização.
Como o intuito central do trabalho é analisar a validade dos modelos teóricos, os
resultados serão apresentados de maneira breve, restando o espaço necessário às
21
fundamentações. Isto é, não serão discutidos os detalhes das descobertas, mas o significado
teórico delas.
ESSÊNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA DO GRAU DE CONSONÂNCIA DAS ATITUDES
DOS VENDEDORES COM AS PREFERÊNCIAS DOS CLIENTES
Trinta vendedores e três clientes de cada vendedor responderam ao instrumento de
pesquisa. O número desejado de respostas foi possível a partir da estratégia de substituição de
um sorteado por outro nos raros casos em que o pesquisado se recusou a participar.
Contribuiu, também, com o sucesso da coleta de dados, o empenho de um dos autores deste
trabalho que atua no Grupo Empresarial. Na tabela a seguir são apresentados os resultados
consolidados.
Tabela 1. Resultados Consolidados da Investigação da Sintonia do Vendedor com o
Cliente
Fase Fator Investigado Resultado do Qui²
Recepção do cliente Campo de interação e confiança entre vendedor e cliente 0,23, gl = 1, 1-p = 36%
Sondagem Identificação do perfil do cliente 6, gl = 1, 1-p = 98%
Identificação dos interesses de compras 1,80, gl = 1, 1-p = 82%
Uso de estratégias
de vendas
Acompanhamento do cliente na loja 15, gl = 2, 1-p = 99%
Apresentação dos atributos do produto e conclusão da venda gl = 2, 1-p = >99%
Contato pós-venda Verificando a satisfação com o produto 33, gl = 2, 1-p = >99%
Fonte: resultados da pesquisa, com base no modelo de vendas de Friedman (1995)
Como se observa na tabela acima, de seis conglomerados de variáveis quatro
apresentaram dependências significativas. Em outras palavras, apenas em dois conjuntos de
variáveis a forma como o vendedor atende ao seu cliente é aproximada com a que este gosta.
Um exemplo de conglomerado é apresentado na Tabela 2.
Tabela 2. Classificação dos Atributos do Veículo, Segundo Suas Importâncias
Atributos Maior Importância Menor ImportânciaCliente Vendedor Cliente Vendedor
Consumo 15% 57% 11% 10%Cor 2% 7% 42% 13%Design 56% 33% 2% 0%
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Velocidade 0% 0% 45% 77%Segurança 27% 3% 0% 0%Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: dados primários da pesquisa.Observação: excluindo-se o atributo velocidade, o conjunto dos atributos mais importantes obteve dependência muito significativa (Qui2=51,gl=3,1-p=>99%). O conjunto de menos importância também obteve dependência muito significativa, com a exclusão do atributo segurança (Qui2 = 26, gl = 3, 1-p = >99%)
Como se observa, por exemplo, enquanto que 57% dos vendedores afirmaram que
consumo (economia) é o atributo mais importante na decisão de compra de seus clientes,
apenas 15% destes fizeram essa afirmação.
Diante das constatações, decidiu-se verificar os fatores de satisfação às motivações da
força de vendas, para compreender a possível origem das dissonâncias no atendimento.
ESSÊNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA DO GRAU DE SATISFAÇÃO DOS VENDEDORES
COM AS POLÍTICAS ORGANIZACIONAIS E AS PRÁTICAS DOS GESTORES
Para entender o grau de satisfação dos vendedores com a organização, se recorreu à
tipologia de Spitzer (1997), conforme apresentado na seção Instrumentos de Pesquisa, Coleta
e Análise de Dados. Os resultados estão sintetizados na Tabela 3.
Tabela 3. Grau de Satisfação dos Vendedores com as Políticas da Organização
Conglomerado de variáveis inexistente, insatisfatório e elementar
satisfatório, muito bom e excelente
Trabalho 40% 60%Treinamento e desenvolvimento 23% 77%Recompensas 53% 47%Fonte: dados primários da pesquisa.
A classificação dos fatores, segundo o grau de satisfação, é: treinamento e
desenvolvimento (77%); o trabalho em si (60%); recompensas (47%).
ANÁLISE DOS DADOS DE AMBAS AS PESQUISAS
A questão inicial (“O vendedor atende o cliente como este quer?”) inspirou os autores a
definir o objetivo da primeira pesquisa: “Verificar a consonância das atitudes da força de
vendas com o que a clientela aprecia, nas fases de venda e pós-venda”. E, a indagação
posterior (“Que causas podem estar inibindo as motivações de certos vendedores para um
23
bom atendimento?”) oriunda das respostas à pesquisa primitiva, impulsionou os pesquisadores
ao segundo desígnio: “Verificar o grau de satisfação da força de vendas com as políticas
organizacionais e as práticas dos gestores”
Em resposta à primeira pergunta, verificou-se que de seis conjuntos de variáveis quatro
apresentaram dependências significativas. Isto é, 66% de dissonância.
Ao falar sobre a organização centrada no cliente, Ferron (2001) afirmou que dentre outras
ações ela “conduz os negócios através dos olhos do cliente e compartilha insigts não filtrados
pela empresa...” (p. 178). As evidências permitem afirmar que parte dos vendedores não
atende a parte dos clientes, pois desconhece os “olhos deles” (dos clientes).
Para responder à segunda questão investigou-se a satisfação dos vendedores com as
políticas organizacionais e as práticas dos gestores da rede de concessionárias.
De posse dos perfis de satisfações apurados com base na tipologia de Spitzer (1997),
recorreu-se à teoria dos motivadores e dos fatores higiênicos (Herzberg, 1997), para verificar
se o desempenho da força de vendas é explicável por esse ensinamento.
Herzberg comentou que muitas organizações investiram em fatores, como salário,
benefício e comunicação (denominou-os “higiênicos”) e conseguiram pouca, ou nenhuma,
motivação. O muito que conseguiram foi reduzir ou obter ausência de insatisfação. No
entanto, ações orientadas para ajudar o funcionário a superar os desafios, se realizar, se sentir
reconhecido e aprender (denominou-as “motivadoras”), demonstraram forte impacto na
motivação (pp. 55-81)
Herzberg acentuou: “A motivação é baseada nas necessidades de crescimento. É um
motor interno, e seus benefícios aparecem em um longo período de tempo...” (1997, p. 79).
Observando-se a classificação dos fatores de satisfação, percebe-se que os fatores
higiênicos (recompensas) são os que apresentaram mais vendedores insatisfeitos e os
motivadores (treinamento e desenvolvimento; o trabalho em si) apresentaram maior número
24
de pessoas satisfeitas. Ou seja, os fatores oriundos do “motor interno” (crescimento por meio
de educação e pela riqueza da função), que são combustíveis e recompensas finais da
motivação, foram os mais bem pontuados. Assim descrito parece que não há ligação entre as
dissonâncias dos vendedores com os seus clientes e as políticas da rede. Ou seja, uma vez que
os dois conglomerados de motivação foram apontados pela maioria como satisfatórios, o
atendimento deveria apresentar mais consonâncias que dissonâncias.
Para aprofundar essa questão, vamos analisar a metáfora que Herzberg estabeleceu ao
explicar o efeito da insatisfação na motivação do indivíduo. Ele comparou o atendimento às
necessidades básicas com a assepsia em um hospital, pois ela não acrescenta saúde ao
paciente, no entanto evita que ele adoeça ainda mais pela presença de germes patológicos.
Com o esteio da essência dessa metáfora pode-se dizer que a insatisfação com as
recompensas (germes) podem estar anulando o efeito da motivação ao atendimento ao cliente
(o trabalho em si).
Herzberg (1997) propôs o enriquecimento do cargo em virtude de que isso propicia
crescimento psicológico. E explicou que o enriquecimento se concretiza “no relacionamento
com o cliente...” (p. 80).
Tendo-se em vista que a arquitetura do cargo inclui o ocupante, as funções e as
recompensas (financeiras e não-financeiras), pode-se erigir a ponte entre os germes intra-
organizacionais e as dissonâncias verificadas no atendimento aos clientes. Ou seja, as
insatisfações dos vendedores com as recompensas repercutem no frágil interesse em conhecer
e melhor atender os clientes, visto que tanto as recompensas como o atendimento são
elementos da arquitetura do cargo e o crescimento psicológico depende, segundo herzberg do
cargo enriquecido.
A relação entre atendimento ao cliente e motivação pode também ser explicada por meio
de teorias de comprometimento.
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Becker (1992) explicou que o comprometimento é composto pela natureza intrínseca ou
psicológica, isto é, as bases de comprometimento; e pela extrínseca, isto é, os focos do
comprometimento (com o que ou com quem o indivíduo se compromete).
Tendo-se em vista que as bases do comprometimento estão contaminadas com os germes
das recompensas eles podem estar repercutindo no foco (atendimento aos clientes). Assim, o
comprometimento, visto como composto por base e foco, também permite erigir a ponte entre
as insatisfações dos vendedores com as recompensas (bases de comprometimento) e a falta de
sintonia com o cliente (focos de comprometimento).
Comprometimento, portanto, é resultado da interação da motivação do indivíduo com o
mundo real cujos estímulos que este apresenta pode estar enleando o brilho da motivação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por limitação do espaço para publicação, não demonstramos neste trabalho a constatação
de que as ações de parte dos vendedores e as preferências de parte dos clientes são distintas
nos três municípios pesquisados, de laços culturais singulares.
Os formulários de pesquisa das fases de venda e pós-venda permitiram verificar as
diferenças entre as atitudes dos vendedores e as preferências de atendimento dos clientes fiéis.
O instrumento baseado na tipologia de Spitzer permitiu conhecer a satisfação dos
vendedores com as políticas organizacionais e as práticas dos gestores em diversos aspectos
da dinâmica organizacional, o que facilitou erigir a ponte entre satisfação e atendimento ao
cliente.
Não se pretende estender o resultado da pesquisa de atendimento a todas as
concessionárias e aos seus clientes. No entanto, os resultados encontram eco em pesquisas,
conforme depoimento de Cespedes (1997): “Não obstante, embora o atendimento e os
serviços tenham se tornado um tema popular, as pesquisas constatam repetidas vezes que o
bom atendimento ainda é uma exceção” (p. 267).
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Este trabalho seguiu o “norte” das pesquisas sobre Pessoas em Organizações, indicado
por Ulrich (1998) e a importância das constatações permite depreender que é uma direção
irreversível. O autor orientou os pesquisadores da área a ir além do espaço interno da
organização e afirmou que “O redirecionamento do foco das práticas de RH, mais sobre a
cadeia de valor (fornecedores e consumidores) e menos sobre as atividades no interior da
empresa, tem profundas implicações” (p.20).
O desempenho cognitivo do vendedor pode melhorar na rede de concessionárias. Para
tanto, ela pode produzir enriquecimentos verticais e transformá-los em consultores de vendas.
Ou seja, pode ampliar o número dos que obtém crescimento pessoal por meio de educação e
pelo trabalho em si e reduzir as insatisfações com as recompensas. Por óbvio, este princípio
teórico é aplicável a outras organizações com semelhantes perfis de motivações da força de
vendas.
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