Revista Mosaico

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Trabalho de conclusão do curso Comunicação Social - Jornalismo, apresentado na FAAC - Unesp/Bauru. Por: Paula Rodrigues, Aline Naoe, Érica Nering e Karen Ferraz.

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Renove seus sentidos

Glória Maria

“Toda obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, a mãe de nossos sentimentos”. Esta frase de Wassily Kandinsky representa bem a primeira edição de Mosaico que está em suas mãos. Nas páginas que seguem, você será convidado a visitar alguns temas que permeiam o nosso cotidiano, filtrados a partir da perspectiva das vanguardas artísticas modernas mais importantes do século XX. Elas romperam com a an-tiga representação do mundo ao reconhecerem uma nova sensibilidade que surgia com as transformações e inovações trazidas pela urbanização e pela indus-trialização.

Procuramos deslocar percepções estéticas e pro-blemáticas conceituais para a realidade do homem que vive em 2009, o ano do centenário do Manifesto Futurista de Marinetti. Criamos uma engrenagem que te conduz pelos desdobramentos desses movimentos artísticos na atualidade. O obscuro e o feio do Expres-sionismo. As cores intensas e a multiplicidade de vié-ses do Cubismo. A velocidade do Futurismo. A guerra debochada do Dadaísmo contra a existência humana e contra si mesmo. O mundo dos sonhos e a loucura do Surrealismo. E a exaltação irônica das celebrida-des, da publicidade e dos cartoons estampados nos muros em forma de grafite, típicos da Pop Art.

O jornalismo, assim como a arte, é uma produção que envolve reflexão e crítica, e que tem o poder de combater sua própria efemeridade quando fala de seu tempo, revelando-o para a atualidade e servindo de memória para a posteridade. Mosaico é o resulta-do da união harmônica de forma e conteúdo. A pri-meira, inspirada em vanguardas revolucionárias que imprimiram novas concepções de fazer e ver a arte. O segundo, assinalado por características, preocupa-ções e necessidades representativas de nosso tempo.

Abrimos as portas desta nova galeria chamada Mosaico. Aproveite a leitura e renove seus sentidos!

Editorial

expressionismo

o JoGo Do noVo VAmpiro Reportagem

FreAK sHoW: espeTÁCULo De Horror

Ensaio

expressão à FLor DA peLe Reportagem

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CUbismo

seLF-porTrAiT Ensaio

mALAbAres Extra

o DiA em QUe enConTrei A FormA Extra

somos mUiTos, e De UmA VeZ sÓ Reportagem

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FUTUrismo

o Ano é 2109 Reportagem

os proFissionAis DA VeLoCiDADe Entrevista

A erA DA VeLoCiDADe Reportagem

UmA oDe à LiberDADe Capa

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DADAísmo

oLGÁriA mATos Entrevista

DUAs eTC. Extra

reADYmADes: A ArTe esTÁ pronTA Ensaio

erA UmA VeZ o Homem Reportagem

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sUrreALismo

ConVersA De eDreDom Reportagem

Do ALTo VeJo o meU sUrreALismoExtra

ViAGens De Um sUrreALisTA ConTemporâneo

Ensaio Artístico

ALUCinAções De reALiDADe Reportagem

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pop ArT

LUZes eFêmerAs De inQUieTos HoLoFoTes

Reportagem

romAnCe De sAnDUíCHe Ensaio

sUbVersão em Cores Reportagem

pop às AVessAs Reportagem

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Expressionismo

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Expressionismo

Espontaneidade. Intensidade. A sub-jetividade expressionista assemelha-se a um grito. Não é à toa que as cores e a intensidade de “O grito”, de Munch, configuram-se como uma das obras mais representativas no movimento. É o ato de gritar que pinta a exteriori-zação de sentimentos que precisavam ser divididos, externalizados, mas não necessariamente compreendidos. As obras neste movimento representam uma verdadeira explosão de energia psíquica. Que pode levar ao hilário, ou ao horror. Aos extremos. Aqui, criamos um cenário que remete muito mais ao cinema daquela época. Estética utiliza-da amplamente pelos alemães, repre-sentava uma sociedade ainda assustada com a guerra. Kandinsky dizia que essa arte teria surgido para realinhar a pin-tura às necessidades espirituais do ho-mem. E o ser humano daquela época ainda estava sentido pelas suas mortes, pelas perdas, pela destruição. Já hoje, encontramos novos caminhos ao exter-no. Os mais corajosos colocam o corpo como tela de expressão. Aqueles nem tanto, criam personagens nas telas vir-tuais. Espaços em que é possível libe-rar os instintos. Representar realidades próprias e singulares, sem limites.

noite estrelada Vincent Van Gogh

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Expressionismo

ApesAr De miLenAres, As moDiFiCAções CorporAis são ConsiDerADAs símboLo De ConTemporAneiDADe

por AnA CLÁUDiA LimAimAGens KAren FerrAZ e DiVULGAção ArTe mArALise Lopes

Expressão à flor da pele

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Um dos exemplos mais conhecidos de modificação corporal é o americano Erick Sprague, mais conhecido como The Lizardman (“homem-lagarto), na foto à esquerda. Sua lista de modifica-ções é extensa: tatuagem imitando es-camas verdes de répteis por quase todo o corpo, língua bifurcada, alargadores, diversos piercings, implantes subcutâ-neos acima dos olhos, dentes afiados para parecer com caninos etc. Essa transformação começou com um pro-jeto de faculdade sobre o que significa ser humano de um ponto de vista lin-güístico. Para isso, o americano come-

Utilizo meu corpo como minha mídia. Faço dele meu obje-to de propagação de idéias. Procuro pen-sar e fazer pensar

Tatuagens, piercings, alargadores. Se você não tem nenhum deles no corpo, com certeza conhece alguém que tem. Num mundo extremamente visual e com as pessoas buscando exprimir sua individualidade, as modificações corpo-

rais se fazem cada vez mais presentes. O termo “mo-dificações corporais” – ou Body Modification, como é mundialmente conhecido – é usado para designar mu-danças feitas no corpo de diversos modos, desde o uso de produtos químicos até intervenções cirúrgicas. Os motivos que levam uma pessoa a aderir a essa prática são diversos, mas podem ser divididos em dois grandes grupos: vontade de seguir a moda vigente e o comparti-lhamento de ideais por um grupo de indivíduos.

O segundo grupo é mais especificamente estudado pela Professora Beatriz Ferreira Pires no livro “O Corpo Como Suporte da Arte”. Para ela, vivemos numa época de banalização do nosso corpo e por isso temos a neces-sidade de nos reaproximar do próprio corpo e de esta-belecer uma identidade que nos diferencie dos demais. Para isso são usadas as “marcas pessoais” (as modifica-ções corporais) que seriam uma forma de expressarmos nossos sentimentos, uma forma de concretizar algo do nosso interior, da nossa mente. No entanto, esse tipo de expressão nem sempre é bem visto pela sociedade, que muitas vezes associa modificações à criminalidade.

T. Angel, como Thiago Soares é mais conhecido, re-presenta bem o grupo estudado por Beatriz: “Utilizo meu corpo como minha mídia. Faço dele meu objeto de propagação de idéias. Procuro pensar e fazer pensar”. Ele começou a transformar o próprio corpo aos 16 anos, quando fez seu primeiro piercing, e desde então não parou mais: foram tatuagens, branding, escarificações, implantes etc. Hoje, ele é diretor do site Frrrk Guys (www.frrrkguys.com), que se auto-define como “um

projeto que tem como base explorar o universo masculino, fugindo do tra-dicional e mostrando que sensualidade não está apenas em músculos e, princi-palmente, que o ‘belo’ é bem relativo”. Para ser um frrrk guy é obrigatório que o candidato tenha modificações corpo-rais e um ensaio fotográfico aprovado.

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Expressionismo

çou a tatuar uma textura de lagarto sobre a pele. Mas o projeto ultrapassou os tempos de faculdade e hoje virou sua fonte de renda. Sprague faz shows há mais de dez anos, participa de diversas convenções, programas de TV e abre shows pra bandas famosas como Slipknot. Quando perguntado sobre o fim do seu projeto de trans-formação, ele responde que ainda não terminou, mas que espera que esse dia chegue. E ressalva: “Eu não vou dizer que eu terminei definitivamente, no entanto, podem surgir novas tecnologias e ideias que eu possa incorporar no meu trabalho”.

Não se sabe exatamente como ou quando os homens passaram a fazer essas modificações nos corpos, mas estima-se o surgimento do body piercing, por exemplo, no período da Pré-História devido a descoberta de um homem das neves que possuía piercings corporais, que foi chamado de Otzi. Antigos ou contemporâneos, esté-ticos ou ideológicos, o fato é que o Body Modification anda fazendo a cabeça – e o corpo – de muita gente pelo mundo. Uma prova disso são os donos do estúdio Tatoo-age, na cidade de Bauru, Marcelo e Rogério “Bambu”. Eles chegam a fazer cerca de cinco tatuagens por dia, sendo que a mais barata custa R$200,00. “Nós preferi-mos tatuagens maiores, onde dá para trabalhar melhor os detalhes”, afirma Bambu. Eles próprios usam o corpo para mostrar ao mundo a arte que produzem: a última tatuagem de Rogério foi um Charles Chaplin na perna, como homenagem ao ator que admira.

o tatuador rogério “bambu” utiliza o corpo como forma de expressãpo

Algumas body modifications de marcelo: tatuagens,

alargador e piercing

Tatuagem: processo de pigmentação da pele através da inserção de agulhas. É um dos processos de modificação corporal mais difundido no mundo.

Piercing: perfuração do corpo para in-serção de um objeto metálico. Existem piercings estéticos e os funcionais, colo-cados nas genitais para aumentar o prazer sexual.

Branding: desenhos feitos na pele com pe-quenas placas de metal aquecidas com um maçarico.

Escarificação: técnica feita com um bisturi em que se usa a lâmina do instrumento para se fazer cortes, que formam o dese-nho na pele.

Implantes: inserção de um objeto embaixo da pele. O implante pode ser totalmente subcutâneo ou deixar uma parte do obje-to para fora.

boDY moDiFiCATion

Ensaio

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Fre

ak sh

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rror ALGUmAs pessoAs enConTrAm prAZer

em FormAs inesperADAs De mAniFesTAção.

pArA os ADepTos Do FreAK sHoW,

espADAs, GAnCHos e AGULHAs FAZem pArTe

Do espeTÁCULo, Assim Como sAnGUe e

Dor. A seGUir, FoTos De neTo em UmA

ApresenTAção De ArrepiAr

FoTos GiseLe sAnFeLiCe

Ensaio

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Ensaio

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Expressionismo

O jogo do Novo Vampiro

CoLoQUe A sUA HUmAniDADe à proVA. pArA sobreViVer, VoCê DeVe mATAr seUs AmiGos Um A Um. é o sAnGUe DeLes

QUe VoCê preCisA. sAniDADe. morALiDADe. DeprAVAção. TUDo FiCA à proVA.

por ériCA nerinGArTe mArALise Lopes

Nos tempos em que Bram Sotcker criou o Drácula, vampiros apenas lutavam para viver, apavoravam donzelas que temiam ter seus pes-coços marcados pelos dois furos que as levariam a uma eterna vida nas

trevas. Inspiração para o marco do cinema expressio-nista, Nosferatu era só um conde um pouco corcunda criado pelo diretor F.W. Murnau. Mas de 1922 para cá, não só as pessoas, vestimentas, máquinas ou cidades, sofreram mudanças. Os vampiros também. Ganharam regras, clãs, justificativas bíblicas, gráficos 3D, segui-dores e apreciadores no mundo inteiro. A popularidade veio por meio de um jogo de RPG chamado “Vampiro: a máscara”. Do terror à popularidade, percebemos que não foi só a arte que mudou de conceitos ao longo do último século.

“O que eu gosto nos vampiros é a questão do horror pessoal deles, de serem seres poderosos e sedutores, mas ao mesmo tempo viverem o horror de serem eter-nos monstros”, disse Yaridovich, como gosta de ser cha-mado Lucas Moreira, jogador de RPG e moderador de uma comunidade sobre “vampirismo” no orkut.

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RPG significa “Role-Playing Game”, que traduzindo quer dizer “Jogo de Interpretação de Papeis”. É exatamente isso que você faz: você interpreta um papel. Existe um narrador, que cria a base da história, do mesmo jeito que um roteirista, e os personagens participam da narrativa. As decisões dos personagens podem mudar o rumo da história, tanto para melhor quanto para pior. “Vampiro: a máscara” começou como um jogo de RPG tradicional, por meio de cartas e, devido à popularidade, transformou-se em jogo de computador (a imagem remete ao personagem vampírico do game digital). Além disso, a história também inspirou o seriado de televisão “Irmãos de Sangue”.

o QUe é rpG?

A Máscara, no jogo, é aquilo que pro-tege os vampiros dos seres humanos, dos seus governantes e da mídia. “É por isso que gosto de RPG, filmes e games: são maneiras de fugirmos da realida-de”, explica Lucas.

Uma verdadeira metáfora da vida real? O jogo “Vampiro: a Máscara”, assim como a maioria dos RPGs, tem uma filosofia que rege a história. Nes-te, o jogador começa como um humano morto-vivo, que se transforma aos pou-cos em monstro, conforme mata outros humanos para sobreviver. Segundo a história, quem originou as gerações de mortos-vivos que depois viriam a for-mar seitas e clãs de vampiros foi Caim, o filho de Adão e Eva, assassino de seu irmão Abel por ciúmes.

O clã de vampiros mais visível no mundo do game chama-se “Nosferatu”, uma alusão ao vampiro de Murnau. Os espiões dos mortos, são conhecidos por sua aparência asquerosa, uma metáfora da vaidade que remete ao primeiro do clã: um homem belo e orgulhoso que teria sofrido uma maldição pelas mãos de Caim.

A máscara

O que eu gosto nos vampiros é a questão

do horror pessoal deles, de serem seres poderosos e seduto-res, mas ao mesmo

tempo viverem o hor-ror de serem eternos

monstros

Cubismo

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Cubismo

Chamamos de “quadrado” aquele que se apega ao antigo, que resiste às novas e inevitáveis formas de ver e sentir o mundo. Certamente não é o caso dos cubistas. Sem compromisso com a apa-rência “real” das coisas, o movimento desprezava as regras da perspectiva e desejava explorar as obras de diversos ângulos, combinando planos, mostran-do que as questões quase sempre têm bem mais que dois lados. Ainda que não estivessem unidos por uma teoria forte ou um manifesto, podemos dizer que Pablo Picasso, George Braque e Juan Gris formam a base desse movimento, com as obras mais expressivas e defini-doras do movimento. Influenciados por Paul Cézanne, os cubistas promoviam a valorização das formas geométricas, negando o naturalismo, mas manten-do seu aspecto figurativo, na busca do equilíbrio entre a representação e a abstração. A decomposição do objeto em planos resultava numa visão ampla do objeto, expondo simultaneamente todas as suas faces. É essa perspecti-va – na verdade, a ausência dela -, que queremos passar nas páginas seguintes, explorando novas maneiras de se olhar o que nossos olhos já se acostumaram a ver.

Three Woman pablo picasso

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Cubismo

Somos muitos, e de uma vez só

A primeirA pessoA Do sinGULAr não preCisA ser A úniCA

por ALine nAoeimAGens ALine nAoe ArTe mArALise Lopes

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Minha análise da alma, da psique humana, leva-me a crer que o ser humano não é verdadeiramente um, mas verdadeiramente dois. O discurso vem da boca do res-peitável e recatado Dr. Jeckyl,

protagonista do romance O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson. Para ele, o homem tem dois la-dos: um bom e outro mau. Tentando separar essas duas personalidades com uma substância química, o doutor acaba libertando de si mesmo um monstro, capaz até de cometer crimes, e comprova a máxima que diz que “de médico e louco todo mundo tem um pouco”.

Engraçado é que aqui na vida real nem precisamos de poção mágica para soltar algumas feras. TPM, trân-sito, dor nas costas, o prato que veio errado: não é pre-ciso muito para o humor oscilar e revelar um pequeno monstro que mora atrás de faces serenas. É o caso da Marcela Pimenta, mulher de voz delicada e jeitinho de menina, que espanta muita gente durante o dia. “No geral sou bem calma, mas acho que meu humor varia umas 30 vezes por dia, dependendo de onde estou e do que estou fazendo. Às vezes a gente precisa ser bra-va!”, esbraveja a estudante de Farmácia, filha do seu Juca, namorada do Mateus, voluntária no centro espíri-ta e doida por uma balada, como ela própria se define. Para cada pessoa uma maneira de falar, vestir, cumpri-mentar, gostar. Para cada situação, a Marcela escolhe a Marcela mais adequada.

Não se trata de falsidade. Vamos combinar que nin-guém é igual com a mãe, com o professor e com os amigos da faculdade – e seria bem estranho se fosse. Assumir que um pode ser vários não tira de nós perso-nalidade nem nos faz menos autênticos. Claro que há extremos. Por vezes a variação no humor é tão grande que é preciso tratamento médico. É o caso do transtor-no bipolar, uma doença que pode atingir de 1,8 a 15 mi-lhões de brasileiros, segundo estimativa da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB).

“As pessoas podem ter prejuízos no trabalho, desde perda de rendimento a faltas até não conseguir mais trabalhar. Quem tem transtorno bipolar apresenta maior chance de divórcio e problemas de relacionamento em geral”, explica a psiquiatra Sheila Cavalcante Caetano, pesquisadora da Universidade de São Paulo e diretora-secretária da ABTB. A pessoa bipolar apresenta períodos

Quem tem transtorno bipolar apresenta maior chance de

divórcio e problemas de relacionamento

em geral

intensos e intercalados de depressão profunda e euforia, as chamadas fases. Em uma, sente uma enorme tristeza e desânimo e, na outra, tanta agitação e ansiedade que fica até mesmo sem conseguir dormir.

É algo como as fases azul e rosa do

No divã

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Cubismo

início da carreira de Pablo Picasso. Melancólico, o pin-tor de Andaluzia retratou durante um período a solidão, o abandono e a morte. Coincidentemente, após conhe-cer uma nova mulher, por quem se apaixonou, passou a pintar com mais cor, alegria e delicadeza. A pessoa com transtorno bipolar vive como num quadro de Picasso, mas uma tela com tons indecisos sobre o azul ou o rosa. A bipolaridade se manifesta em diversas intensidades, em casos que exigem desde remédios comuns a anti-depressivos e, nas situações mais graves, a internação.

Outra doença bastante incômoda é o distúrbio de identidade dissociativa, mais conhecido como múlti-plas personalidades. Em uma só cabeça convivem várias mentes – segundo um levantamento médico, a média de alter-egos nos pacientes é de 13, o que faz, por exem-plo, com que a estação de rádio favorita não esteja sintonizada porque “outra” pessoa andou mexendo nos botões...

Mais assustador que isso é saber que, enfim, tudo isso possa ser fruto de um desarranjo em funções na-turais do nosso cérebro, que desenvolveu a habilidade “ser vários” como uma proteção : é aquilo que nos dá o poder de esquecer de si mesmo enquanto dirige ou que permite abstrair de grandes tristezas e problemas para dar conta de trabalhar e se alimentar direito.

Ter mais de uma personalidade aparece então não só como uma necessidade, mas um desejo das pessoas,

sem que isso represente algo doentio. Já percebeu como as pessoas gastam horas para fazer e atualizar seu perfil no Orkut e outras redes sociais?

Mil facesA internet caracteriza um ambien-

te perfeito para expressar não só as diversas identidades que temos, mas também as que gostaríamos de ter. Criamos avatares, perfis e usuários em plataformas diversas e com os mais va-riados objetivos, desde impressionar possíveis paqueras até ganhar dinheiro. “Existem diversas perspectivas teóricas que advogam que todos nós somos com-postos de mais de uma expressão iden-titária, e que nós , no dia-a-dia, ape-nas gerenciaríamos a sua expressão de acordo com as demandas situacionais. A partir desses enfoques, poderíamos afirmar que, com a internet, apenas foi potencializada esta expressão”, ex-plica o José Carlos Ribeiro, doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea e professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. “Com certo cuidado, eu diria que estamos potencializando a possibilidade de ex-plorar diversos aspectos de nossas ex-periências cotidianas, seja no campo existencial, cognitivo ou comportamen-tal”, completa o Prof. José Carlos.

Real ou virtual, a vida deixa e pede que sejamos flexíveis e mesmo contra-ditórios. Se somos, afinal, uma mistura daquilo que dizem nossos genes com tudo aquilo que vemos, ouvimos e to-camos, é de se esperar que o resultado de tudo isso seja um mosaico de jeitos e gostos. Como todo super herói que se preze, temos nossos disfarces – e o poder de decidir quando e para quem tirá-los.

Extra

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Ver meu mundo através de novos olhares. Parti rumo aos detalhes despercebidos de um caminho pelo qual tenho andado todos os

meus anos. Era a volta para a casa. Demoro alguns passos para perder o automatismo do olhar.

Notar planos diferentes, que deslizavam entre si, conforme o piscar das pálpebras. Como quem achara o X de um mapa do tesouro, retive o andar.

Fui capaz de ver cada ponto de luz e projeção de sombra da casa com a qual dividi a vida.

A estrutura de tijolos era neutralizada pela rua de arbustos opulentos e placas enferrujadas. Mas pelas lentes de minhas experiências, única. Observar cada parte do todo permitiu que sua plenitude como casa fosse absorvida. Era a alegria da descoberta e o prazer do inesperado. Já

não se projetava simplesmente como um lar... Agora eu via as falhas do telhado e as ranhuras na fachada.

O dia em que encontrei a forma

por ALiCe meireLLesiLUsTrAção KenJi KiHArA

A VerDADe esTÁ ALém De QUALQUer reALismo e A ApArênCiA

DAs CoisAs não DeVeriA ser ConFUnDiDA Com sUA essênCiA

JUAn Gris

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Cubismo

Sou dois, sou três, sou seteDe manhã ator

à tarde contestadorà noite pivete

sou guerra, sou paz.Sou terrorista, malabarista

equilibristaartista, cantor,

amo, odeiocanto, choro

sou ateu, amo a Deussou dentista, jornalista

bondoso, montruoso.NÃO!!!!!!!!!!

Quem sou eu?Já sou tantos

que Eujá não sou mais.

No quarto lutocontra essa guerra

Ergo a bandeira brancaesgotam-se as forças

PÁRA!!!!!!!!!!!!!Já não vejo mais,

não escuto,não sinto...

Estou só,Eu e esta insana imaginação

que não me abandona.SAIA!!!!!

Choro,Berro,

Sou,Sumo...

LARGA!!!!!Já não sou mais Jeckyl

sou Hyde.CORRE!!!!!!

Sou Tu.LUTA!!!!!!!!!

Sou seu.VINGA!!!!!!!

Sou dele.Sou de todos,

só não maisMeu...

Malabarespor ériCA nerinG

Ensaio

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self-portraitpor sHAron pAZner

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Futurismo

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Futurismo

Fábricas, fumaça, automóveis. Como quem dá partida em um motor de combustão, os futuristas incendiaram heranças artísticas, pregaram a liberta-ção com o passado e a “higienização” do mundo através da guerra e da des-truição de museus e academias. Em 20 de fevereiro de 1909, o poeta italiano Filippo Marinetti inaugurava a primeira vanguarda artística do século XX com seu Manifesto Futurista, estampado nas páginas do jornal francês Le Fígaro. Um discurso inflamado que escandalizou e apavorou a sociedade, aclamando um mundo veloz conduzido por máquinas e engrenagens. Estava proclamada a necessidade de uma nova arte para um novo mundo, uma resposta ao ritmo ve-loz com que as cidades cresciam. O Fu-turismo exaltou a beleza da velocida-de, do dinamismo e das máquinas, que saíram das fábricas para tornar a vida mais ágil e prática, como o automóvel, seu signo máximo e representante per-feito da velocidade. Cem anos depois, as profecias futuristas se concretizaram e a vida continua cada vez mais veloz.

A carga dos lanceiros Umberto boccioni

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Futurismo

Uma ode à Liberdade

por ériCA nerinG imAGens TATemoDern.Co.UK ArTe ALine nAoe

o mAniFesTo FUTUrisTA FAZ 100 Anos. A ComemorAção nos FAZ reTomAr

os ConCeiTos De neGAção Ao ConserVADorismo, à LiberDADe pUrA DA ArTe, Dos pensAmenTos, DAs pALAVrAs....

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“V amos, disse eu; vamos amigos! Par-tamos! Finalmente a mitologia e o ideal místico estão superados. Nós estamos prestes a assistir ao nasci-mento do Centauro e logo veremos voar os primeiros Anjos! Será preci-

so sacudir as portas da vida para experimentar seus gozos e ferrolhos!... Partamos! Eis, sobre a terra, a primeiríssima aurora! Não há que iguale o resplendor da espada vermelha do sol que esgrima pela primeira vez nas nossas trevas milenares!...”. Marinetti, mani-festo futurista.

Era o dia 20 de fevereiro de 1909, há 100 anos, quando o jornal francês Le Fígaro publicou em sua capa as frases que anunciavam a chegada da “primei-ra vanguarda do século XX”, escrito por Filippo Tomas-so Marinetti. O movimento surgiu para modernizar a arte e as atitudes sociais italianas, mas sua influência espalhou-se por toda a Europa, e o mundo. Foi uma revolução. Uma resposta ao dinamismo da vida mo-derna: a tecnologia, a velocidade, a vida nas grandes cidades... Tudo isso expresso pelos pincéis de Pablo Pi-casso, Umberto Boccioni, Luigi Russolo, Giacomo Bala e Gino Severini, entre outros. Obras que representa-vam um verdadeiro fascínio pelos automóveis, bondes e aviões, por meio de cores fortes e estridentes.

Entregar-se como pasto ao desconhecido, assim como pediu Marinetti, foi o objetivo da exposição “100 anos de Futurismo”, que começou em Roma, na Itália, e passou pelo Tate Modern, em Londres. E em contraste com o manifesto, que mandava: “desviem os cursos do canais, para inundar os museus!”, Mosai-co convida para um passeio pelas galerias modernas do Tate, e deixar para que o leitor entenda da for-ma mais livre possível esse movimento da liberdade.

à esquerda: movimento d’uccello, de Fortunato

Depero, que ilustra a capa desta edição.

Abaixo: The revolt, de Luigi russolo

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Futurismo

Sala 1 - O que é o Futurismo

Comemorar a Guerra como um meio de mudança política. Velocidade como a nova beleza. A primeira fase é aquela da experimentação: os artistas baseiam-se em novas ideias de per-cepção, a fotografia experimental. A fragmentação do corpo usada para de-monstrar o constante impacto ao qual estamos sujeitos.

Sala 2 - A Rua Milanese, Boccioni, Russolo e Carrà

fizeram das ruas o tema principal: a iluminação pública permitia que se ca-minhasse por elas nos dias e nas noites. Os trens e os bondes podem ser vistos pelas janelas de casa.

Sala 3 - Cabarés Os teatros e os cabarés eram os es-

paços da vida enérgica futurista. Onde o homem moderno havia encontrado a diversão. Um verdadeiro contraste entre as emoções, o prazer e a liber-tação daquilo que inibe. Verdadeiros sinais de como a intensidade era, e ainda é, vivida.

The Dance of the pan-pan at the “monico”

Gino severini

Unique Forms of Continuity in spaceUmberto boccioni

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Sala 5 - Guerra Em 1914, quando começou a primei-

ra guerra, a Itália manteve-se neutra. Mas os futuristas agitaram-se em uma onda intervencionista. Para Marinet-ti, a neutralidade era um sintoma de conservadorismo, que contraria a todas as ideias futuristas. Nessa época, eles procuraram capturar a atmosfera de renovação nacional, que levou a Itália à guerra, em 1915.

Sala 4 - Palavras em Liberdade

Marinetti não queria revolucionar apenas as artes, como também a escrita propriamente dita, promovendo a ideia de “palavras em metáforas-liberdade”, por meio da condensação de imagens telegráficas, vibrações máximas e nós nos pensamentos.

Sala 6 - Paris orfismos

O movimento cubista de Apollinaire foi essencial para que os futuristas con-seguissem chegar à abstração. Essas in-fluências de união das duas vanguardas foi chamado de “orfismo” em memória a Orfeu, poeta e músico da mitologia grega, o mais talentoso de todos os tempos. Robert Delaunay foi a figura principal desta fase, apesar de rejeitar que tenha influências futuristas.

subway (paroles in liberta)Fortunato Depero

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Futurismo

A Era da Velocidade As noVAs TeCnoLoGiAs permiTem Ao Homem ViAJAr A UmA VeLoCiDADe seis VeZes sUperior à Do som e se ConeCTAr Com QUALQUer pArTe Do mUnDo no insTAnTe De Um CLiQUe

por KAren FerrAZimAGens peDro ViLAZ ArTe ALine nAoe

Imagine fazer uma viagem en-tre o Rio de Janeiro e Nova York em apenas duas horas. A construção de aeronaves que voam a velocidades seis vezes maiores que a do som é cada

vez mais possível graças às recentes pesquisas tecnológicas em velocidade hipersônica. Nos próximo meses, o Bra-sil inicia a etapa de testes do motor do 14-X, um veículo que atingirá velocida-des próximas a 3 km/s a uma altitude entre 40 e 50 quilômetros. A aeronave foi projetada pelo engenheiro Tiago Rolim, formado pelo ITA (Instituto Tec-nológico de Aeronáutica), e está sendo desenvolvida no Instituto de Estudos Avançados (IEAv).

“Um veículo deste tipo seria usado como uma alternativa aos motores fo-guete atuais, pois o 14-X, com o seu motor scramjet, de combustão super-sônica, conseguiria levar ou acelerar cargas em grandes altitudes mais efi-cientemente que os foguetes”, explica Tiago.

Existe pouco espaço para erros quando se considera velocidades pró-ximas a 3km/s. Grandes velocidade trazem uma série de desafios tecnoló-gicos, como o desenvolvimento do sis-tema de proteção térmica e do sistema de controle das aeronaves para, em futuras pesquisas, serem aplicadas em

Mosaico 31

aeronaves de transporte comercial. Até hoje, o recorde de velocidade de uma aeronave de transporte pertence ao Concorde, modelo construído juntamente pela Fran-ça e Inglaterra, cuja velocidade atingida é duas vezes superior à do som.

busca incessante pela velocidade vem do desejo do homem de se locomover tão rápido quanto seu pensamento. “Como faríamos para alcançar um lugar quase instantaneamente eu não sei, mas até que se invente um meio de ‘te-letransporte’, curtos tempos de viagem são relacionados a grandes velocida-des. Meios de transporte hipervelozes poderiam nos colocar frente-a-frente com uma pessoa que esteja distante em questão de minutos, salvar vidas na locomoção de doentes ou no transporte de órgãos para transplante, ou quem sabe, uma rede internacional de doa-dores não poderia ser instituída?”, res-salta o engenheiro.

As tecnologias deram ao homem a liberdade de se locomover rapida-mente tanto físico como virtualmente, transpondo barreiras com um simples apertar de botões. Consequentemen-te, nossa sensibilidade e percepção também foram modificadas, por isso, não é estranho ouvir de alguém dizer

Tão rápido quanto o pensamento

Mas de onde vem esse fascínio pela velocidade e essa necessidade de estar sempre buscando superá-la em experimentos tecnológicos? Quando prenunciaram um mundo dinâmico e veloz movido por máquinas, os futu-ristas foram vanguardistas ao captarem o impacto das novas invenções tecnológicas na velocidade com que a sociedade se transformava.

A partir do século XX, seu ícone máximo de expres-são, o automóvel, deixou de ser um artigo de luxo de esportistas e abonados para se tornar um meio de trans-porte e objeto de consumo em massa completamente presente no cotidiano que, talvez, seja uma das inven-ções tecnológicas que mais mudou a vida do homem moderno – ao lado da energia elétrica, dos aviões, do telefone, da televisão, e, mais recentemente, da in-ternet.

Para Tiago Rolim, o criador do 14-X, a razão dessa

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Futurismo

que sente o tempo passar mais rápido. As máquinas, já compreendidas anteriormente pelos futuristas como um novo corpo que multiplicaria o corpo humano, nos possibilitaram executar diversas atividades simultanea-mente, porém, criando uma nova exigência na moder-nidade: a de cumprir um maior número de tarefas ao mesmo tempo. Nosso cérebro está tão acostumado a realizar automaticamente e agilmente sua rotina, que escrever com uma caneta, ao invés de teclar as letras freneticamente, tornou-se uma missão bastante lenta e árdua. É a substituição do manual pelo automático.

Assim como a noção temporal foi alterada pela in-corporação de tecnologias no cotidiano, o espaço dei-xou de ser medido exclusivamente por escalas matemá-ticas. A velocidade do mundo moderno já não é mais essencialmente representada pelas fuselagens adorna-das dos carros, e sim pelos espaços virtuais constituí-dos pela interação de infinitas redes de navegação que possibilitam o compartilhamento de informações em tempo real, em qualquer lugar do planeta. Nesse con-texto, surge o ciberespaço, o novo espaço que rompe com as antigas estruturas lineares de tempo e territo-rialidade, no qual transita um fluxo de informações por

um ambiente virtual que pode ser aces-sado através da internet, de celulares e pagers.

As novas relações espaço-temporais dispensam a presença física do homem para serem estabelecidas e são defini-das estritamente pela convergência de diversos meios e recursos tecnológicos, pela interatividade e pela simultanei-dade dos processos comunicativos, inaugurando novas formas de sociabili-dade pautadas essencialmente na velo-cidade.

Velocidade que permite realizar fun-ções instantaneamente, como mandar um email, assistir a um vídeo, acessar um portal, fazer compras, ver uma pessoa que está do outro lado mundo pelo computador. Nessa nova era, a da velocidade, o homem tornou-se com-pletamente dependente das máquinas, acelerou suas ações e sua vida e revo-lucionou a noção de tempo e de espa-ço: é o sonho futurista diante de nossos olhos.

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Os profissionais da velocidade

inGo HoFFmAnn, o mAior piLoTo DA HisTÓriA DA sToCK CAr, e AirTon DAré, A FerA DA FÓrmULA inDY, ConTAm As experiênCiAs De QUem

DesAFiA ALTAs VeLoCiDADes nA pisTA

por KAren FerrAZ ArTe mArALise Lopes

“U m carro de corrida cuja capota é adornada com grandes canos, como serpentes de respirações explosivas de um carro bravejante que parece correr na metralha é mais bonito do que a Vitória da Samotrácia”. Assim

escrevera Marinetti em seu manifesto, há cem anos, ao comparar a beleza de um carro de corrida com a da es-cultura grega da deusa da vitória, produzida entre 220 e 190 a. C.. Em 1769, o francês Nicolas Cugnot foi pioneiro ao movimentar um veículo com um motor a vapor, mas apenas em 1885, graças ao alemão Karl Benz, e sua ideia de introduzir um motor de combustão interna a gasolina, foi possível idealizar um veículo com auto-propulsão que conseguisse transportar passageiros por distâncias consideráveis. Desde então, proprietários e aficionados por carros começaram a testar a potência de seus modelos em disputas que aconteciam nas ruas das cidades, o que oferecia vários riscos aos pedestres. A primeira corrida aconteceu em 1894 na França, em que um Peugeot foi o carro vencedor dentre os 20 concorrentes no percurso entre Paris e Rouen. Os veículos ainda eram os mesmos que andavam pelas ruas, porém as fábricas já perce-biam que era vantajoso incentivar essas competições para valorizar e dar visibilidade a seus produtos. Com a regularização do automobilismo, as provas

foram transferidas para circuitos fecha-dos. Assim, em 1906 surgiu a Grande Prêmio da França, no qual 32 carros completaram 12 voltas em estradas em ao redor da cidade de Le Mans. O auto-móvel, então, entra no imaginário po-pular através de corridas espetaculares e, mais tarde, com sua popularização e produção em série e o surgimento dos vários road movies, filmes cujos perso-nagens saiam com seus carros furiosos em busca de aventuras.

Como protagonistas da vida real, os pilotos tornaram-se bravos heróis que arriscavam suas vidas desafiando a velocidade e batendo seus recordes levando o público à loucura. Hoje domi-nam super máquinas e atraem milhares de aficcionados para os autódromos do mundo inteiro. Mas afinal, como é sentir o cheiro do combustível na pista e a adrenalina de “voar” a 300, 400 km/h? Ninguém melhor para responder do quem vive essa experiência por debaixo de maca-cões e capacetes: aqui, os pilotos Ingo Hoffmann e Airton Daré em uma con-versa sobre a velocidade.

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Futurismo

Ingo Hoffmann

O conhecimento técnico é necessário a um piloto?Ingo Hoffmann: Hoje o conhecimento técnico pelo pi-loto não é fundamental. Na minha época era necessá-rio dominar o funcionamento interno do carro e eu fui aprendendo aos poucos.

E qual é a sensação de se experimentar altas veloci-dades? Você sente alguma alteração corporal ou psi-cológica durante a corrida?IH: O interessante é que a pessoa acaba se acostumando com a velocidade. Muitos começam no kart e depois vão para modalidades mais velozes. Faz parte ir adquirindo noção de velocidade e adaptando os reflexos que nem se percebe que está a uma velocidade de 300 km/h. Eu consigo ter uma visão profunda durante a corrida em função da adaptação. Enxergo até coisas na arquiban-cada, e aquele cara com a bandeirinha sinalizando.

E como é a sua preparação para as corridas?IH: É importante ter preparo físico para aguentar o calor e manter uma boa frequência cardíaca, além de ter raciocínio e reflexo rápidos. Eu pratico espor-tes regularmente, como corrida, maratona, e faço um treinamento para o fortalecimento dos músculos. Hoje existem profissionais especializados em psicologia es-portiva, que fazem toda a preparação dos pilotos.

Você é um piloto que já correu na F1, na Stock Car e em rallys. Como você descreve a variação de veloci-dade dentre essas diferentes modalidades?IH: Nas pistas de F1 o piloto se acostuma e nem sente a velocidade. Por incrível que pareça, a velocidade de um carro de rally parece estar a 400 km/h. A sensação de velocidade é muito maior porque na F1 o asfalto é todo preparado, enquanto no rally você anda no meio do mato, passa muito perto de árvores e de outros carros.

Por que você acha que o homem está sempre buscan-do experimentar cada vez maiores velocidades?IH: Acho que é coisa do ser humano, cuja ambição e de-sejo de evoluir e de procurar novos desafios é cada vez maior para não cair no tédio e no ostracismo. Buscamos sempre nossa superação.

“”

Eu consigo ter uma vi-são profunda durante a corrida (...) Enxergo até coisas na arquibancada

AmAnTe DA VeLoCiDADe DesDe CriAnçA e piLoTo AUToDiDATA, inGo HoFFmAnn ConsiDerA-se Um priViLeGiADo por Ter ConseGUiDo TrAnsFormAr sUA pAixão em proFissão. em 1976, esTreoU nA FÓrmULA 1 e, em 1979, nA sToCK CAr, onDe ConQUisToU DoZe TíTULos, sAGrAnDo-se o mAior CAmpeão DA HisTÓriA DA CATeGoriA. ATUALmenTe, inGo TroCoU As pisTAs Dos GrAnDes CirCUiTos peLA ADrenALinA Dos rALLYs oFF-roAD e reVeLA QUe ToDo esse sUCesso sÓ Foi ALCAnçADo Com mUiTA DeDiCAção e CompromeTimenTo

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Airton DaréO que é mais importante na sintonia entre o piloto e o carro: a habilidade ou o feeling?Airton Daré: É um conjunto, e a pessoa tem que ter sor-te. Cada categoria tem sua particularidade. Na fórmula Indy depende muito mais da percepção do piloto que acerta mais o carro e fala pro mecânico, e já na Stock Car a corrida depende mais do braço do piloto do que do acerto do carro. Antigamente os pilotos conheciam mais do carro, hoje em dia um piloto de F1 não sabe nem apertar um parafuso.

Como é pilotar um carro à 400 km/h? AD: Na Stock Car não se sente tanto a velocidade, o contrário da Fórmula Indy, em que o piloto corre a uma velocidade tão alta que o cérebro demora umas três voltas para acostumar com a corrida.

O que você sente durante e depois do término da cor-rida?AD: Depois, quando você desce do carro, ainda fica com aquela sensação de estar em alta velocidade. No aspec-to físico, como é um circuito oval, o corpo sente a força G no pescoço e na coluna durante as curvas.

Comparando os carros de hoje com os de antigamen-te, qual evolução tecnológica você considera a mais importante?AD: Os carros atuais são totalmente diferentes e não dá para comparar com antigamente, mas acho que a maior revolução no automobilismo aconteceu nos freios e no aprimoramento da segurança e dos soft-walls, princi-palmente depois da morte do Senna. Além de melhorias na aerodinâmica dos carros também.

Como é pilotar um carro na Fórmula Indy?AD: Só quem andou em Indianápolis a 400 km/h sabe o que é. A sensação é indescritível!

AirTon Foi Um Dos primeiros piLoTos brAsiLeiros A ConQUisTAr

espAço nA inDY rACinG LeAGUe, ConHeCiDA AQUi Como FÓrmULA inDY, moDALiDADe nA QUAL os

CorreDores piLoTAm CArros A UmA VeLoCiDADe De 400 Km/H

em CirCUiTos oVAis. DAré, QUe JÁ DispUToU VÁrios prêmios inTernACionAis imporTAnTes,

CorreU TAmbém peLA sToCK CAr, sempre GosToU De CArros, mAs A inTimiDADe Com A VeLoCiDADe ComeçoU mesmo Com o JeT sKi

“”

Hoje em dia um piloto de F1 não sabe nem apertar um parafuso

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Futurismo

por pAULA roDriGUesimAGens DiVULGAção ArTe ALine nAoe

O ano é 2109nAVeGo em reDe, LoGo exisTo. TenHo UmA FAmíLiA mArGArinA moDernA. TrAbALHo em CAsA. soU VeGeTAriAno.

E m 1900, algumas pessoas pintaram em telas o cenário que imaginaram dali a cem anos, representadas ao lado. É curioso observar que, salvo alguns en-genhos tecnológicos, nada mudava em termos de vestimentas, mobiliário e ar-

quitetura. As pessoas têm uma enorme dificuldade de romper os atuais paradigmas e libertar a imaginação das amarras dos valores impostos e das fórmulas pron-tas. Em homenagem ao centenário do Manifesto Futu-rista, de 1909, promovemos um exercício de reflexão e perguntamos para especialistas de várias áreas como eles pensam o futuro do próximo século.

Mídias Digitais Carlos Nepomuceno – presidente do Instituto de Inte-

ligência Coletiva e professor de Mídias Digitais do Senac

“A história nos mostra que as mídias não vivem de continuidade, mas de rupturas. Certamente, já é pos-sível prever que as redes de conhecimento serão filhas de algo que virá da inteligência artificial, de robôs e de mudanças genéticas, além do posicionamento por satéli-tes, como também a virtualização geral do mundo real, com dificuldade de saber o que é ou não digital, no estilo Matrix. E “estar em rede” fará parte da nossa vida sem necessidade de aparelhos, ou dispositivos. Nós seremos estes dispositivos, navegando ao mesmo tempo em que existimos, sempre tendo o que queremos em termos de informação, através das demandas que faremos, talvez por demandas cerebrais, sem mesmo precisar falar”.

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Pedro Jovchelevich - Gerente geral da Associação Brasileira de Agricultura

Biodinâmica

“Depois de todas as crises ambientais e de alimentos, o ser humano desper-ta lentamente para seu papel aqui na Terra e supera a ganância pelo consumo desenfreado. Neste sentido, a agricul-tura se torna uma maneira não apenas de produção de alimentos, mas de in-tegração do Homem com a Natureza. Em vez de grandes áreas de produção em monocultura, voltado para expor-tação, cada região desenvolve sistemas de produção adaptados e diversificados nas bases da agricultura orgânica e bio-dinâmica. Todos os recursos locais são reutilizados e não há dependência de insumos externos. Não importa a quan-tidade, mas a qualidade do alimento produzido.

O ser humano do futuro buscará co-nhecer novos alimentos, principalmente do reino vegetal, já que a maioria da população será vegetariana. A maior par-te da área hoje cultivada será usada para recuperação de florestas nativas, visan-do a estabilizar o clima do Planeta”.

Alberto Borges Matias – doutor em Finanças e Marketing

“Estamos entrando, no Brasil, em um período de ele-vada liquidez de mercado, nunca antes vista neste país - em razão da recente crise econômica, o Banco Cen-tral liberou o compulsório dos bancos e este dinheiro está sendo aplicado em operações de crédito, iniciando um novo ciclo de crescimento econômico. Observa-se estreita relação entre economia e finanças. Podemos, assim, imaginar um século de crescimento, mesmo com crises econômicas a cada período próximo a cinco anos. Isto significa emprego e a necessidade de qualificação da mão de obra, através de pleitos sociais – o brasi-leiro é um povo pacato, mas vendo a ineficiência do setor público em questões de educação, saúde e infra-estrutura, deveremos nos unir e cobrar, prevendo-se movimentos sociais em pleito à qualificação do setor público. Finanças dominarão cada vez mais o controle de terrorismo e tráfico de drogas. A evolução da nano-tecnologia, das neurociências e da informática irá pro-vocar vibrantes mudanças na produção, distribuição e armazenamento de produtos e serviços, integrados ao dia-a-dia dos consumidores por canais altamente efi-cientes de comunicação. Viveremos um novo mundo de expansão do homework”.

Agricultura

Finanças e Economia

Estrutura Familiar Roberta Palermo - terapeuta familiar

“A estrutura familiar pode até ter muitas mudanças, mas imagino que a família ainda será a base de cada um mesmo daqui a cem anos. Quem sabe o que deva mudar seja o número de filhos. Se a mulher quer trabalhar e ser mãe, tem que ver quantos filhos terá, de quantos dará conta. Com o desenvolvimento tecnológico, imagi-no que o ser humano tenha ainda mais mecanismos que auxiliem e facilitem a interação e sua união. Eu não imagino nada tão diferente do que vivemos hoje, afinal, já é confuso demais. Espero que as famílias estejam aceitando bem essas alterações que aconteceram nesse século: a chegada da madrasta e do padrasto, casais homossexuais criando filhos, etc. A família tradicional já se quebrou com o divórcio, com o falecimento dos entes e com avós criando seus netos. Família todos te-mos, o que muda é a formação de cada uma. A família margarina ainda é a mais desejada por ser a tradicional, aparentemente a mais organizada. Mas cada um pode criar sua própria família margarina moderna”.

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DadaísmoDadaísmo

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Dadaísmo

Diante de uma Europa assolada pela Primeira Guerra Mundial, um grupo de artistas reunidos no Cabaré Voltaire, em Zurique, decidiu expressar a indig-nação pelo conflito e, assim, surgiu o Dadaísmo. Eles assinalavam a ausência de perspectiva diante do mundo em guerra, posicionavam-se contra as for-mulações da lógica e pregavam o niilis-mo. Nega-se tudo que seja arte, moral, política ou religião.

A revolta dos dadaístas era calcada em uma crítica mordaz da sociedade capitalista e burguesa, responsável pela guerra. Porém, eles dependiam da sociedade que condenavam e a destrui-ção de tudo significaria o extermínio deles próprios. Afinal, ser dadá é ser antidadá.

Nas palavras de Hans Arp: o Dadá visou destruir as razoáveis ilusões do homem e recuperar a ordem natural e absurda. Quis substituir o contra-senso lógico pelo ilogicamente desprovido de sentido e proclamar a virtude da não-razão. Para dar vazão a essa fúria satíri-ca, uma entrevista de teor pessimista, um poema feito ao acaso e guerra, o ópio da humanidade.

roda de bicicleta marcel Duchamp

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Dadaísmo

Era uma vez o homem

os reTroCessos DA HUmAniDADe Ao LonGo De sUA pArADoxAL eVoLUção soCiAL

por pAULA roDriGUesimAGens ALine nAoe “Estamos vivendo tempos

calcados em um modelo de civilidade de pouca qualidade”, pondera o arquiteto e ambientalis-ta Fredmar Corrêa. Po-

de-se dizer que as raízes desse modelo estão fincadas no limiar do século XVI, marco da consagração de um sistema eurocêntrico de dominação das terras e dos povos do planeta. A vontade eu-ropeia sobrepunha-se diante dos po-vos “bárbaros” considerados inferiores em termos de civilização. “Cada qual chama de barbárie aquilo que não é de costume; como verdadeiramente pare-ce que não temos outro ponto de vista sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e os usos do país em que estamos”, assinala o ensaísta francês Michel de Montaigne. Assim, foi imposto o padrão conceitual de dominação global da vontade euro-peia de desenvolvimento.

Desde então, a civilização, em ter-mos dos progressos da humanidade no processo de evolução social, viu-se condenada a um alargamento contínuo

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das ambições humanas de poder e de desfrute que cul-minou em um torturado século XX. Os avanços sociais e tecnológicos do esperançado século anterior foram insuficientes para assegurar a paz e a política de boa vizinhança entre as nações.

As noções de civilização ficaram confinadas aos estu-dos acadêmicos, relegadas ao vento nuclear. O mundo entra em colapso. Duas grandes guerras mundiais con-tabilizaram 64 milhões de mortos e ninguém, além do próprio homem, tem culpa. E não consideremos culpa-dos apenas aqueles que riscaram o fósforo no pavio se-jam quais forem as justificativas econômicas, políticas, religiosas ou xenófobas, mas também aqueles que se omitem e se acostumam à selvageria. “Talvez 10 mi-lhões de mortos parecessem um número mais brutal para os que jamais haviam esperado tal sacrifício (os partícipes da Primeira Guerra Mundial) do que os 54 mi-lhões para os que já haviam experimentado a guerra com um massacre antes”, pondera o historiador Eric Hobsbawn no livro Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991).

Os olhos viciaram-se em episódios de catástrofe, miséria e opressão. Foi assim que mais de 40 guerras deflagraram ao longo do Século Sangrento sem que hou-vesse compaixão pelo outro. O homem, enquanto ser social, afirma-se mediante a concepção de alteridade que, muitas vezes, não respeita, não admira, não ama. Assim, como acreditavam os dadaístas, a experiência humana não poderia resultar em outra coisa senão em guerra. Ao ambicionar ser mais, ter mais e saber mais, o homem trava uma guerra contra o outro, contra o meio em que vive e contra si mesmo. Talvez a civili-zação humana esteja condenada se não se perguntar, assim como na canção, quantas guerras terá que vencer por um pouco de paz.

Um levantamento da Organização das Nações Unidas revelou que, em 2050, bem na metade do século XXI, a população mundial já terá ultrapas-sado os nove bilhões de habitantes. O mundo fica pequeno. O mundo entra em colapso. Se não formos tomados por um cataclismo humano e social, o ápice de nossa evolução social se resumirá a nove bilhões de estranhos, vegetativos intelectuais cegos pelo instinto de am-bição autodestrutiva, vivendo no Plane-ta dos Macacos.

Ao ambicionar ser mais, ter mais e saber mais, o homem trava uma guerra contra o outro, contra o meio em que vive e contra

si mesmo

Extra

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por pAULA roDriGUesArTe ALine nAoe

Duas Etc.Antropofagia chuva suicídios.Regularmente assalto crimes escândalos.Letargia.Capitais.Incêndios as amor como notícias... extraordinários, misteriosos.Sonambulismo fenômenos jornais.Ventre quinto diferentes inundações.Execuções rubrica andar dentes.Hediondos mais de mundo com pequenos.Cabeças mula raptos mão que caso, etc.Arte!

Para fazer um poema dadaístapor TrisTAn TZArA

Pegue um jornal.

Pegue a tesoura.

Escolha no jornal um artigo do tamanho que você

deseja dar a seu poema.

Recorte o artigo.

Recorte em seguida, com atenção, algumas palavras

que formam esse artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Tire em seguida cada pedaço, um após o outro.

Copie conscienciosamente na ordem em que elas

são tiradas do saco.

O poema se parecerá com você.

E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma

sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido

do público.

Ensaio

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Read

y-m

ade

a arte está prontapor pAULA roDriGUes

roda de música

Asas de ferro

balança

DesDe QUe os TUbos De TinTA UsADos por Um ArTisTA são proDUTos mAnUFATUrADos e pré-FAbriCADos (“reADY-mADe”), DeVemos ConCLUir QUe ToDAs As pinTUrAs Do mUnDo são “reADY-mADes” e TAmbém obrAs De CoLAGemmArCeL DUCHAmp

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em enTreVisTA pArA mosAiCo, A FiLÓsoFA oLGÁriA CHAin Feres mATos, proFessorA DA Usp e DA UniFesp, nos oFereCe UmA DeCoDiFiCAção pessimisTA sobre A ATUALiDADe em Um mUnDo DesproViDo De VALores. sem sAber menCionAr ALTernATiVAs, ApesAr De DiZer QUe eLAs exisTem, oLGÁriA FALA sobre VALores éTiCos, reLiGião, eDUCAção e CiênCiA.

Olgária Matos

por KAren Terossi FoTos ériCA nerinG ArTe ALine nAoe

O que as pessoas escolhem não é por um ato de liberdade, porque já foi escolhido antes pela indústria cultural, pela oferta de comportamentos. Pense no mercado religioso: você tem uma proliferação de religiões. E por que as pessoas mudam tão rápido de religião? As pessoas não têm mais fé, elas têm cren-ças, que é algo mais superficial, no sentido de resolver um problema afetivo. Se essa religião resolver, ótimo! Se não resolver, vou procurar outra. É um mercado religioso.

Entrevista

Religião

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A indústria do entretenimento está invadindo a educação e está criando padrões de educação que a imitam. Por isso a educação está em crise. A edu-cação não é fácil não! É chato! A crian-ça tem que aprender a ficar sentada quando ela quer brincar. O espírito de reflexão, de autonomia com relação à sociedade, de estar nela, mas estar dis-tante para poder justamente mudar e aperfeiçoar os comportamentos e criar novos valores, esse distanciamento é difícil hoje porque não há mais diferen-ciação entre entretenimento e educa-ção. O que se diz no Brasil? A educação está em crise porque ela tem que se adaptar à sociedade. Não! Ela tem que erguer a sociedade a valores universais e não se adaptar à pobreza moral, inte-lectual e material da sociedade. Então, onde vão ser gestados esses valores? Também não sei te dizer!

gresso, o progresso vai pra onde ele tem que ir e as vítimas do progresso são acidentes de percurso. Então você não toma conta das vítimas porque a ideia de pro-gresso dissimula a violência do princípio e da execução da racionalidade científica. A ciência, ao desenvolver a ideia de vencer processos que ela não controla, acaba desencadeando processos que ela também não contro-la. Existe um potencial de risco permanente criado pela ciência.

olgária matos, no Café Filosófico

Educação

CiênciaA ciência tem essa duplicidade: por

um lado é desejo de conhecimento, e esse é seu lado especulativo; e por ou-tro ela tem uma adaptação tal qual o mundo é, ou seja, quanto mais agressi-va é uma força da natureza, mais agres-siva é a ciência para tentar vencer essa ameaça. Então a ideia de uma neutra-lidade científica não existe. A ciência é uma construção que foi produzida ideologicamente para forjar a ideologia da racionalidade tecnológica, segundo a qual todas as decisões políticas são decisões técnicas. Na sua função de dominação violenta da natureza, aca-ba desencadeando processos naturais que a ultrapassam. Se a gente pensar na energia nuclear, tanto civil quanto militar, a ciência diz que é uma energia limpa. Energia limpa nada! É a energia mais tóxica que o homem já produziu! Precisa de milhões de anos para o lixo atômico parar de produzir radiação. É extremamente letal. É um genocídio chamado progresso. Mas o que está in-cluído na racionalidade científica? Dado que existe um fetiche da ideia de pro-

Valores? Nós temos um volume saturante de informações,

mas nosso tempo carece de valores. O único valor que domina e que organiza a sociedade é o valor de troca, de mercadoria. É um período histórico incapaz de criar e reconhecer valores éticos. Um exemplo: o que era até pouco tempo uma parábola, uma fábula, um provér-bio ou uma máxima moral? Quem eram aquelas figuras notáveis, que serviam de exemplo de vida? Pense em Sócrates, um homem muito pobre, que andava sempre com uma túnica de algodão, descalço no verão e no in-verno, e se tornou patrono da Filosofia e da Humanida-de. Conta-se que ele era um homem muito pobre, mas que todo dia ia à praça do mercado. Os seus discípulos teriam perguntado por que ele ia todo dia para lá, se não tinha dinheiro para comprar nada. E ele teria res-pondido que era pra ver as coisas de que ele não preci-sava para viver. Você tem nessa afirmação uma espécie de orientação para a vida e para o pensamento. Aque-las personagens eram admiradas porque correspondiam a valores éticos. Hoje o que significa você se espelhar numa celebridade? Ela te ensina o quê? Não há valores propriamente!

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Surrealismo

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Surrealismo

Sentimento. Instinto. Amarras liber-tas, pensamentos soltos. Desprender. Libertar. O automatismo reina no am-biente surreal: tudo provindo de po-rões psicológicos de artistas prontos ao experimento absoluto. Salvador Dalí e René Magritte são os principais, aqueles que vestiram a camisa (de força?) surrealista. “Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a haste-ar a meio a bandeira da imaginação”, manifesta André Breton em 1924 ao construir as ideias que cerceariam os expoentes do movimento essencial-mente francês. A esquizofrenia, co-nhecida como uma doença da loucura, chega ao subconsciente e leva o doen-te à arte. Os sonhos, a expressão do nosso psicológico, como diria Freud. Tudo motivos para a arte. Mas, por que, afinal, tantos porquês? Tantas justificativas para o que se desenha, se escreve? As obras surrealistas não se justificam, assim como, acreditam, deveria ser o mundo. A realidade vem do subconsciente, incompreensível às lógicas comuns, tendo como úni-ca razão o não-racional. “Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares”, diziam. Não perdoe, não pense, não justifique. Liberte-se. Bem-vindo ao surreal mundo onde nada é errado, a não ser que se sinta.

Three Agessalvador Dalí

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A rvores de tangerina, céu de marme-lada, flores de celofane amarelas e verdes. Procure a menina com o sol em seus olhos! Segue até a ponte perto da fonte onde pessoas com cavalo de pau comem marshmalow.

Todos sorriem enquanto você boia passando as flores que crescem tão inacreditavelmente altas. Reconhece esses versos traduzidos de um disco famoso dos Beatles? É a Lucy, no céu, com diamantes. É o cenário de estra-nhamento descrito pela banda britânica mais famosa de todos os tempos. A música cria um panorama psicodéli-co. Uma viagem louca. Uma verdadeira alucinação. “E as alucinações, quer sejam visuais, auditivas, táteis ou de outra modalidade, estão presentes em algumas fases ou tipos de esquizofrenia”, explica Lígia Sena, douto-ra em farmacologia, pesquisadora da esquizofrenia, fã inveterada dos Beatles.

Alucinações de Realidade

por ériCA nerinG imAGens KAren FerrAZ e THessA FerrAZ ArTe mArALise Lopes

ViAJAr Com os pés no CHão e A CAbeçA nAs nUVens: A esQUiZoFreniA é UmA DoençA bAsTAnTe reAL, QUe LeVA QUem A Tem pArA

mUnDos nUnCA AnTes VisiTADos

´ A música, desde o seu lançamento em 1967, passou por uma grande polê-mica. “Lucy in the Sky with Diamonds” seria a maneira encontrada para fazer alusão à droga LSD? “Um dia eu resolvi ler o diário dela e descobri que ela, al-guns vizinhos e até seus primos usavam drogas. Eu tentei controlar, desconfia-va de tudo”, explica Daisy Antonello, mãe de Lílian, a garota de classe média que se viu internada por dependência de drogas. O que para alguns jovens é uma brincadeira, uma forma de “sair da real”, desencadeou em Lílian uma viagem que agora só termina à base de remédios. Daqueles com a faixa preta na caixinha. “Ela se sentia perseguida pelas pessoas na faculdade. - Mãe, eu

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Surrealismo

Ficar preso à própria mente, mas abrir-se para ideias abstratas. Libertar-se das convenções

não estou conseguindo encostar o carro na frente de casa porque tem alguém me perseguindo. A Lílian me dizia isso, eu saía na porta e não tinha ninguém. Não tinha nada. Só o carro dela dando voltas”. O diagnóstico demorou a aparecer, mas a menina tinha esquizofrenia.

Drogas como o LSD contêm um composto que dimi-nui a liberação de serotonina em algumas regiões ce-rebrais. “O uso de LSD induz um estado muito seme-lhante aos surtos psicóticos observados em pacientes esquizofrênicos, o que levou à hipótese de que a sero-tonina estivesse envolvida na gênese ou manifestação da esquizofrenia”, explica Lígia. Delírios, incoerências, isolamento, passividade, negativismo, ansiedade, com-portamento violento, estupidez, rigidez... Os sintomas da doença podem ser os mais diversos, o que dificulta ainda mais o seu diagnóstico.

Dizem por aí... Esquizofrenia significa, etimologica-

mente, “divisão da mente”. “Ela indica uma quebra entre as funções do pen-samento, da afetividade e do compor-tamento”, segundo a pesquisadora. A doença caracteriza-se por um tipo de psicose. A pessoa perde a noção do que acontece à sua volta. “Psicose é quando o indivíduo perde a noção da realida-de, perde a capacidade de interpretar adequadamente a realidade”, explica a professora.

A última novela das 21h, na rede Globo, mostrou a história de Tarso Ca-dore, um garoto rico que passa a de-senvolver a doença. “Nós não podíamos ligar a televisão em casa porque o apa-relho falava dela”, explica Daisy. A mãe de Lílian explica que foi começando a ficar difícil para toda a família lidar com a doença. Os surtos passam a fi-car mais intensos. Em certo momento, ela dizia sentir dores de cabeça muito fortes e suas mãos adormecidas. “Meus outros filhos diziam que a culpa era mi-nha, que eu tinha mimado demais. Mas

Mosaico 51

Alguns estudos apontam a arte como um dos sinto-mas da esquizofrenia. “O lugar comum não satisfaz, eles precisam de algo mais”, explica Daisy falando das tendências artísticas de sua filha, que já estudou Edu-cação Artística e agora estuda Moda. Para ela, essa ca-racterística faz de Lílian uma pessoa mais criativa, que busca alcançar concretamente, por meio da arte, o que ela vivencia em sua mente.

Embora o paciente de esquizofrenia ainda viva sob certo estigma, muitos profissionais da saúde mental lu-tam para que essa situação mude. E a capacidade artís-tica tem sido usada com esse objetivo. No Brasil, a ini-ciativa reconhecida internacionalmente é a da médica psiquiátrica alagoana Nise da Silveira. “Ela lutou contra

Árvore de tangerinamoldar o mundo como

quem brinca de massinha

A arte

a gente só acaba dando um pouco mais de atenção para aquele que precisa, que preocupa”. Ainda não se sabe ao certo o que causa essa doença. “o que sabemos até o momento é que as causas da dizem respeito a uma inte-ração entre fatores ambientais, sociais ou genéticos”, diz Lígia. O que ela explica é que isso tudo pode poten-cializar uma predisposição do paciente a desenvolver a doença, mas que, assim como seus sintomas variam de pessoa para pessoa, suas causas também são variáveis.

Apesar de tudo, a esquizofrenia é uma doença com a qual é possível conviver bem. “Atualmente temos uma ampla gama de medicamentos voltados a controlar os sintomas mais prejudiciais à vida do paciente, bem como um grande número de técnicas psicoterapêuticas e de terapias ocupacionais que são tão eficazes quanto o próprio tratamento medicamentoso”, como Lígia diz. “Agora ela arrumou um namorado legal, que sabe de todos os seus problemas. Ele já esteve aqui em uma das suas crises. A Lílian não aceita ainda a doença, mas ela sabe que vai tomar medicação pelo resto da vida”, fala a mãe.

o confinamento manicomial e o trata-mento à base de choque e estimulou o tratamento da esquizofrenia feito à base do desenvolvimento das potencia-lidades artísticas dos pacientes, em um trabalho louvável e humano”, explica Lígia sobre o trabalho da alagoana. O trabalho de Nise deu origem ao Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, que faz exposições com os tra-balhos desses artistas que alucinam as mais belas realidades.

“”

O lugar comum não satisfaz, eles precisam de

algo mais

Ensaio

52 Mosaico

Via

gens

de

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A sUbJeTiViDADe, o mUnDo Dos sonHos, DA LoUCUrA ConsCienTe, Do irreAL pAUpÁVeL: o ArTisTA AnDreY rossi UsA inFLUênCiAs sUrreALisTAs pArA proVoCAr sensAções.

Coisas60 x 80 cm

ensAio De AnDreY rossi, 22 Anos, esTUDAnTe De “eDUCAção ArTísTiCA” DA Unesp

Ensaio

Mosaico 53

Aborto100 x 70 cm

Aborto em segundo grau100 x 80 cm

Gosto de deixar a expectativa para o leitor: sua interpretação fica em aberto, você pode fazer de acordo

com o título

Tenho influência da estética surrealista, mas o “aborto”

tem traços do expressionismo também

experimento i 140 x 145 cm, em lona

“”

”“

Ensaio

54 Mosaico

experimento60 x 36 cm, em metal

Não sofro influência de nenhum artista em específico, dentro do

movimento surrealista, mas mais dentro do cinema e do trabalho

surrealista contemporâneo

reflexo50 x 80 cm, em madeira

“”

Extra

Mosaico 55

Do alto vejo um louco nu e furioso esbravejar seus versos tolos pela causa da imaginação. Do alto vejo a revoada de sonhos, o desvario

da noite e as flores de ar. Ouço o sotaque andaluz dum cão que ladra impaciente, ouço os tique-taques de relógios persistentes na memória e a humanidade lamentar a derrocada do fantástico e do maravilhoso.

“Isso não existe!”, uma voz estridente e bela me repreende.

“E o que é que existe?”, despautero cá do alto, donde vejo um louco nu e furioso esbravejar seus versos indolentes e românticos exaltando

o belo e o maravilhoso. Sem resposta.

“Antes há a iluminação, então o inferno e por fim o silêncio”, provo-ca sóbria e consciente a razão. Mas o meu surrealismo esbraveja que antes vem o inferno e então a iluminação. Rimbaud não se calou por

conhecer o inferno ou o fim da poesia. Calou-se por seu surrealismo ser a vida e não a obra. Calou-se por depois de iluminar não ver mais que

o silêncio. O mesmo silêncio que ecoa nos meus sonhos e me confunde a inconsciência.

“Ora, caro poeta, e por que te confunde o silêncio?”, questiona uma voz impositiva e grave.

“Não apenas o silêncio, mas me confunde a razão”, respondo e silencio. E só me encontro nos surrealismos de Baudelaire e de Poe e

de Jarry. Só me encontro em Lautréamont. Reflito linha a linha com Breton e seus eternos manifestos enquanto do alto vejo um louco nu e

furioso mutilar o próprio romantismo obcecado pela beleza.

Exalto cada verso de Éluard e Desnos e Aragon. Exalto a denúncia do exótico de um Man Ray ou de um Dalí, o desespero de Artaud ou da

personagem perdida entre o maravilhoso e a imaginação, desencontra-da entre o inconsciente e os sonhos. Mergulho no sono e exalto o teu,

como o deles, como o meu surrealismo!

“E por que exaltas esse surrealismo se sequer podes tocá-lo, tê-lo?”, me recrimina uma voz tão consciente que me faz crer estar desperto.

“E quem é que toca ou tem os sonhos?”, respondo do alto do meu voo, do alto do meu surrealismo, donde vejo a mim mesmo – louco, nu e

furioso – esbravejando os versos eufóricos dos quais gloriosamente me elevo e que entoam altaneiros os meus sonhos, os meus desejos, os

meus amores!

do alto vejo o meu surrealismo

por CesAre roDriGUes

iLUsTrAção KenJi KiHArA ArTe ALine nAoe

56 Mosaico

Surrealismo

mesmo QUe seJAm, enFim, somenTe Um meCAnismo pArA JoGAr no Lixo As inFormAções inúTeis QUe ACUmULAmos DUrAnTe o DiA, os sonHos FAsCinAm e pAreCem QUerer DiZer ALGo

por ALine nAoe imAGem CLAriCe DiAmAnTinoArTe mArALise Lopes

Conversa de edredom

Mosaico 57

Uma vez sonhei com meu pai que já estava morto há 21 anos. No sonho, ele me entregou uma caixa de papelão com alguns ob-jetos de minha infância, entre os quais um caderno com uma espécie de diário que eu iniciei quando menino. Mais tarde tive outros sonhos com diários – ca-dernos maravilhosos e trágicos que eu abria como se fossem li-vros sagrados – e me pareceu que o inconsciente queria me dizer alguma coisa por meio daquelas narrativas recorrentes. Eu de fato mantenho diários desde os 12 anos de idade, de modo que, em 2005, aos 53 anos, constatei que havia acumulado 2.500 páginas de apontamentos íntimos. Há muito desejava fazer uma seleção delas e publicar um livro autenti-camente meu, que ninguém mais poderia ter escrito, mas o pudor não deixava. Interpretei aqueles sonhos recorrentes sobre diários como vozes de encorajamento ou de advertência para que publicas-se sim aquele livro, pois ele teria um papel importante para mim como escritor e pessoa. Por isso, eles se constelaram daquela ma-neira. Obedeci aos sonhos, fiz a compilação e o diário foi publica-do. A última notícia que tive dele é que estava sendo estudado num curso de pós-graduação em litera-tura na UERJ, a Universidade Es-tadual do Rio de Janeiro.

sonHo Do eUsTÁQUio“Uma vez que a gente dê impor-

tância aos próprios sonhos, eles passam a responder ao nosso in-teresse e se deixam reter pela memória com uma facilidade que antes não havia”. É o que diz o

sonhador, escritor e jornalista Eustáquio Gomes. Embora tudo se passe em uma dimensão que muitas vezes nem lembramos de ter passado, o mundo dos sonhos serve de alerta, esconderijo e inspiração para muita gente. Lendo o que Carl Jung e Sigmund Freud falavam sobre os sonhos, Gomes adotou o hábito de anotá-los e deles saem crônicas, diários e livros. Em “Viagem ao centro do dia”, um livro-diário, ele conta que as narrativas noturnas podem mesmo se tornar uma segunda vida – e que dar importância a elas tem o potencial de atenuar aquela sensação de brevidade impregnada em nossa existência.

Outro que costumava anotar os sonhos era Franz Kafka - aquele que escreveu a experiência pós-sonho mais bizarra de todas: um homem que depois de uma noite de sonhos intranquilos, acorda metamorfoseado num inseto bem parecido com uma barata. O autor anotava sonhos e pesadelos pela manhã e muitos de-les foram parar em suas obras. Será então que sonhar pode caracterizar um surto de criatividade? Freud ex-plica. “Todo material que compõe o conteúdo de um sonho é derivado, de algum modo, da experiência, ou seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho – ao menos isso podemos considerar como fato indiscutí-vel”, é o que o doutor diz em “A interpretação dos sonhos”. Assim, todas as coisas loucas, criativas, mór-bidas e sem sentido que você sonha vêm de um só lugar: você.

E se você se animou para guardar seus sonhos, se-gure-os com força, pois eles podem fugir. “De 2001 a 2005 anotei 420 sonhos, mas perdi-os num colap-so do computador - desgraçadamente não tinha fei-to back-up. Continuo a registrá-los, mas com menor frequência; como retaliação, eles se tornaram esqui-vos e não se deixam reter com tanta facilidade”, la-menta Eustáquio.

Pop Art

58 Mosaico

Mosaico 59

Pop Art

Popular, Momentânea, Consumível, Barata, Produzida em Massa, Jovem, Espirituosa, Sexy, Trapaceira, Glamou-rosa, e um Ótimo Negócio. Essa é a definição de Richard Hamilton para o movimento que nasceu em Londres, na década de 50, mas ganhou proporções em território norte-americano.

Era a exaltação de uma arte feita a partir de elementos da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, externos aos temas de museus e gale-rias. Armada de ironia, consistia em uma relação paradoxal de denúncia e glória da sociedade do consumo.

“O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?”, nome da obra inaugural da Pop Art, também é o título do artigo que res-ponde à questão. O imaginário urbano, típico da vanguarda, vem representado pelo colorido grafite das metrópoles. O fascínio pelo mundo sensual das ce-lebridades e a busca pelos minutos de fama. A perversa lógica do consumo promovido pela indústria cultural e a reprodução em série das Sopas Camp-bell da atualidade. Deseje e consuma!

marilynAndy Warhol

Pop Art

60 Mosaico

Domingo. A platéia ansiosa aguarda em pé o apresentador chamar a “atração internacional” ao palco. “Só ele con-segue fazer a integração da música clássica com a popular. Vem aí An-dré Rieu e seu violino mágico”. Deve

mesmo haver algo de mágico no instrumento de quatro cordas do holandês (imagem acima). Algo que impede o público de estranhar que, ao fundo do palco, haja uma dezena de mocinhas de top e saia dançando ao ritmo do violino. E que a música clássica pareça, enfim, tão fácil de gostar e assobiar.

Ao contrário do que o movimento pop dos anos 60 fazia com a cultura popular, transformando-a em ma-

téria prima para a produção artística “de museu”, hoje, a indústria da cul-tura tira os quadros da parede e os ofe-rece em versões mal acabadas para o público. Há quem enxergue esse fenô-meno como a popularização da cultura erudita. E há também quem veja nele somente mais uma forma de exclusão social por meio da cultura.

“Se a música, mesmo sob pequenos novos ‘enfeites’ é a mesma em todos os hits, ela é facilmente identificável pelo ouvinte, por isso sua audição é facilita-da, já que é de fácil reconhecimento,

por ALine nAoePOP QUesTões sobre A reCiCLAGem DA CULTUrA

erUDiTA peLA inDúsTriA CULTUrAL

às a

ves

ass

Mosaico 61

não requerendo esforço ou atenção con-centrada no seu processo de escuta”, escrevem o professor do Departamento de Psicologia da Unesp, Ari Fernando Maia, e sua orientanda, Deborah Cristi-na Antunes. Por meio de uma pesquisa empírica, Ari e Deborah estudaram as relações entre as pessoas – músicos ou não – com a música, verificando que ela acaba adquirindo a função de “cimen-to social”, ou seja, torna-se mais um elemento para a perpetuação da ideo-logia dominante. A música e a alegria de André Rieu, assim, não seriam ino-fensivas – sob o verniz do “Domingão do Faustão’’, as pessoas parecem apreciar uma cultura “de qualidade”, quando na verdade não há nenhum tipo de experi-ência ou reflexão, um comportamento que caracteriza as mais profundas raí-zes do preconceito, ou seja, a ação de maneira fixa e irrefletida.

“O emancipador da nona sinfonia está intrínseco à leitura que se faz dela. Produtos como ‘Mozarth para crianças’ ou ‘Kant em 90 minutos’ tiram completamente o caráter das obras ori-ginais e, por conseguinte, a apreciação que se poderia extrair delas”, defende

Ari, estudioso da Teoria Crítica, que trata do processo de conversão da cultura em mercadoria. O público, no entanto, parece não concordar.

“A música clássica é bela. E artistas como o André Rieu prestam não só uma grande homenagem, mas um grande favor, ao conferir vivacidade a elas. O grande problema é que tem gente que acha que música clássi-ca só é apreciável se você estiver num salão de ópera em Berlim de fraque e super sério. Mas não é assim. O que é belo tem que ser difundido, e se for difundido com alegria, tanto melhor”, diz o estudante de Direito Matheus Rodrigues, de 19 anos. Assim como muitas pes-soas entrevistadas, Matheus considera as críticas não só à música “erudita-popular”, como a certas literaturas e crenças, como uma reação elitista de quem não quer compartilhar cultura com o povo e que despreza suas manifestações e interesses.

A literatura de auto-ajuda, por exemplo, está cons-tantemente no topo das listas dos livros mais vendidos, fenômeno que para os otimistas representa o cresci-mento do interesse dos brasileiros pela leitura, mas que, assim como ocorre com a música erudita popula-rizada, pode ser questionada como uma falsa cultura, facilitada e conveniente a certos interesses. “O discur-so de autoajuda é favorável à manutenção do sistema capitalista. Com a idéia de que cada um constrói seu próprio destino, na condição de o único responsável pela própria felicidade ou tristeza, pelo que há de bom ou ruim em sua vida, o discurso de autoajuda leva as pessoas a acreditarem que elas são a origem dos seus problemas, como se eles não tivessem qualquer ligação com outros fatores, por exemplo, as condições em que as pessoas vivem”, diz a professora da Unesp, doutora em Lingüística, Anna Flora Brunelli.

A questão atinge todas as matizes da produção em cultura e parece difícil de chegar a um fim. Mas é fato que enquanto se discute o valor das obras da indústria cultural, ela mesma não está nem aí – e está faturando muito.

A música acaba adquirindo a função de “cimento social”,

ou seja, torna-se mais um elemento para a perpetuação da ideo-

logia dominante

Pop Art

62 Mosaico

A poéTiCA Do GrAFiTe em meio Ao

CAos UrbAno

Subversão em cores

O trajeto é interrom-pido momentanea-mente pelo semáfo-ro, que logo inicia a contagem regressiva para a próxima lar-

gada no trânsito. As ruas se parecem todas iguais - uma massa homogênea de asfalto, paredes e muros sem cor, compondo um infinito de concreto cortado por carros nervosos e letrei-ros frenéticos. Os olhos, acostumados com as propagandas e com a quantida-de exorbitante de cartazes e outdoors espalhados por metro quadrado, mal se espantam com as nuvens sempre cinzas. Tampouco com alguma cama improvisada com papelões num canto qualquer.

Até que o carro entra subitamente em um viaduto e, durante segundos, a superfície se revela em cores e de-senhos. O que era matéria concreta e geométrica torna-se imagem e subje-tividade e, assim, coberta por grafi-tes, a cidade subverte a racionalidade de seus planos e ganha um novo senti-do, o poético.

por KAren FerrAZ FoTos boLeTA, ZeZAo e ériCA nerinG

ArTe mArALise Lopes

Grafite de boleta, uma revoada de pássaros e cores pelos muros

Mosaico 63

“O grafite desperta o olhar e a crítica porque está nas ruas. Ele usa o ataque surpresa: você acorda, abre a janela e alguém mudou o cenário com um protesto. E o grafite não é só para embelezar e deixar a cidade mais bonita. Por estar na rua, ele acaba somando-se ao caos”, afirma Zezao, um dos grandes nomes que estampa os muros da cidade de São Paulo e que já levou o grafite brasileiro para exposições na França, Estados Unidos e Inglaterra.

De raízes marginais e transgressoras, o grafite come-çou a tomar conta das ruas na década de 80, quando jovens das classes baixas, influenciados pela cultura hip-hop de Nova York e pelo break dance, começaram a utilizar os muros da cidade como meio para se expres-sarem. A partir de 2005, com o suporte e a divulgação da mídia, principalmente da internet, o cenário sofre uma reviravolta e essa manifestação artística genuina-mente urbana invade as galerias, museus e exposições de arte, além de passar a ditar tendências e estilos na publicidade, no design e na moda.

No Brasil, a primeira geração de grafiteiros nascia em 1970 com Alex Vallauri, que já desenhava seus fa-mosos e intrigantes protestos políticos nos bairros de classe média paulistanos, como a “bota” e a “Rainha do Frango Assado”. Em 1980, o grupo TupiNãoDá organiza-va intervenções coletivas no espaço urbano da metró-pole com a plasticidade de seus stencils.

Hoje, o grafite é comercializado e sua estética é re-conhecida na rua e também na galeria. A partir de 1999, a internet, junto com os fotologs, deu oportunidade dos próprios grafiteiros se conhecerem e publicarem seus trabalhos, como explica Zezao, que juntamente com artistas como osgemeos, Titi Freak, Nunca e Boleta, representam a terceira geração do grafite brasileiro, reconhecida mundialmente.

O grafite apresenta fortes influências e resquícios da cultura dos cartoons iniciada pela Pop Art. Nos anos 50, essa vanguarda artística ironizava e criticava a sociedade, extraindo seus elementos iconográficos do estilo de vida essencialmente consumista preconizado nos mass media. Daí as 200 latas de sopa Campbell’s e as caixas de sabão em pó, de Warhol, e as imagens gi-gantes de história em quadrinhos que Roy Linchtenstein retirava dos desenhos animados e do cinema. Era a arte se alimentando do próprio mundo e reproduzindo em série, e de maneira tão efêmera, o cotidiano bombar-deado pelo consumo.

Do mesmo modo, o grafite lança seu olhar para a cidade e apropria-se de seu próprio contexto caótico e do ima-ginário de seus cidadãos. Num ambien-te dominado pelas imagens, o grafite capta a dimensão perceptiva do espa-ço urbano: quando essa arte feita com sprays de tinta materializa-se em uma superfície construída exclusivamente para separar, remarcar e definir, ela desloca e inverte a função da arquite-tura e de seus planos geométricos.

Assim, a pintura e os desenhos mul-ticoloridos ressignificam a cidade e, ao mesmo tempo em que fazem referên-cia à desordem presente em seu entor-no, compõem com seus muros, viadu-tos e fachadas uma poesia urbana de efeito visual arrebatador. “O fato de o grafite estar nas ruas o torna a mani-festação artística mais contemporânea e próxima das pessoas. Ele consegue chamar a atenção através de suas co-res e formas que contrastam com a paisagem urbana”, explica o grafiteiro Daniel Medeiros, o “Boleta”, que já foi membro da Vício, uma das mais antigas gangues de pichadores de São

Urban Hearts em azul, as formas abstratas de Zezao

Pop Art

64 Mosaico

Mosaico 65

muro grafitado na barra Funda, em são paulo

Paulo. Atualmente, tem seus grafites desenhados em marcas famosas de camisetas e embalagens de perfumes, além de assinar paredes do Museu de Arte Contemporânea da USP. Recente-mente, lançou um livro sobre picha-ções.

Os grafiteiros, esses artistas urba-nos, tomam como inspiração o aspec-to desorganizado e sujo da cidade. Um exemplo disso é o trabalho que Zezao realiza na “Cracolândia” e no subter-râneo, neste pintando as paredes das galerias de esgoto de São Paulo, o que depois é divulgado em seu fotolog. “Em vez de olhar um lugar feio, quero que essas pessoas que moram nesses lugares possam ver uma arte bela. E quando vou pintar no subterrâneo, eu quero mostrar um lugar da cidade que está lá e existe”.

Pela lei, é crime ambiental grafitar em local público sem permissão. Os artistas se desdobram para se esqui-var da polícia e fazer seus trabalhos e, muitas vezes, até usam como argu-mento o desprezo dos governos para com a cidade. No grafite, o fugaz, o imediato e o efêmero estão irremedia-velmente atrelados à sua concepção e materialidade. Deve ser produzido ra-pidamente para evitar complicações e dura instantes na mente de quem vê. Ele existe, e nunca se sabe se no dia seguinte vai estar ali ou será apagado. Se é arte ou não, cumpre sua missão em meio ao caos, que é justamente a de fazer quem está passando estra-nhar, questionar. Olhar.

Ensaio

66 Mosaico

Romance de sanduíche

emi LUCY e Fê presLeY em

UmA HisTÓriA De Amor QUe ComeçA românTiCA, mAs TerminA CompLeTAmenTe popFoTos KAren FerrAZ e ériCA nerinG

Ensaio

Mosaico 67

Ensaio

68 Mosaico

Ensaio

Mosaico 69

Pop Art

70 Mosaico

Luzes efêmeras de

inqu

ieto

s hol

ofot

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A bUsCA De Anônimos peLA FAmA AssinALA A CrençA De QUe As CeLebriDADes Têm TUDo pArA serem FeLiZes: beLeZA e DinHeiro

por pAULA roDriGUes imAGens LeAnDro GAZiGnATo ArTe mArALise Lopes

Mosaico 71

Um dia, todos terão direito a quinze mi-nutos de fama”, diz a profecia do visio-nário e famoso Andy Warhol. Pois esse

dia chegou e já passou! Devido à velo-cidade das tecnologias multimídias de comunicação, os vislumbrados por cli-ques de paparazzi devem contentar-se em receber somente quinze segundos de atenção da mídia. Afinal, a fila anda e tem muitos candidatos absolutos logo atrás.

A massificação dos blogs e os sites de vídeos favorecem a elevação de anônimos a celebridades instantâneas, a ponto de beliscarem alguns segundos em programas vespertinos de auditório ou até telejornais que, eventualmente, repercutem a última febre de acessos e comentários na rede. Porém, para a imponente maioria, esse é o máximo alcance de uma fama passageira que logo direciona suas luzes ao próximo aspirante.

Pergunta-se agora: por que as pes-soas, principalmente adolescentes, querem tanto ser famosas? Para Rinaldo Correr, doutor em Psicologia Social e psicoterapeuta, o fascínio pela popula-ridade e pela fama está enraizado na crença de que as celebridades possuem de fato todos os atributos necessários para completar o que lhes falta: beleza e riqueza.

Desejo irreprimível

Ela, nos seus irremediáveis dezesseis anos, folheia os inúmeros títulos de revistas femininas dedicadas a assuntos como dieta, fitness, moda e beleza. Com o extremismo de quem passa frio, mas deixa o vestido à mostra, segue como pode (e como o dinheiro permi-te) todas as dicas, escritas por mulheres descrentes de suas próprias palavras e semelhantes à sua mãe, a quem nunca dá ouvidos.

Já ele não perde um só programa futebolístico e, como todo garoto de sua idade, quer viajar o mundo jogando bola por um salário ímpar, que talvez nunca consiga, mesmo com diploma após cursar cinco anos de faculdade. A lógica é simples: trabalho no que gosto e ganho bem (!!!) por isso.

Não se pode culpá-los por desejarem a beleza e o dinheiro, afinal parecem ser os requisitos básicos para alcançar o status de celebridade. “O culto promovido pela mídia e sociedade contemporâneas justifica, em parte, a busca pela fama que, associada à riqueza e poder, exibidos até a exaustão, molda ambições e pre-enche uma existência desprovida de sentido”, analisa Correr.

Muitas vezes, esse desejo irreprimível de ser famoso pode ser creditado ao sonho de se tornar uma pessoa talhada aos modelos impostos de produtividade e con-sumo. E isso, no território onírico, estaria ligado à ga-rantia de felicidade.

Definitivamente, a fama não bateu na porta do ator que largou a faculdade de jornalismo, mudou-se para a Califórnia e, enquanto tentava o estrelato, trabalhou como motorista, entregador e mascote de uma rede de fast food, vestido de galinha. Hoje, é ícone máximo de beleza, riqueza e felicidade hollywoodiana.

brAD piTT Como AQUiLes De TrÓiA

Pop Art

72 Mosaico

Projeções desfocadas

Às vezes, o fascínio pela fama e pela vida das celebridades é tanto que as pessoas passam a seguir o comporta-mento e os hábitos do ídolo que admira. “O processo de identificação funciona como uma aproximação mágica entre o “eu real” e o “eu ideal”. Ao me vestir, falar, me comportar como o ídolo, de certa forma me transformo nele”, ex-plica Correr.

Andy Warhol soube explorar esse lado desejável e consumível da fama nos quadros que pintou de Elvis Pres-ley, Marlon Brando e Marilyn Monroe, ícones máximos da cultura popular das décadas de 50 e 60. Eles retratavam a paixão evidente pela celebridade e por tudo o que usavam, assim, alguns obje-tos tornaram-se emblemáticos e apete-cíveis como o perfume Chanel nº5, fa-vorito de Marilyn Monroe e a jaqueta de couro e motocicleta do rebelde Brando, no filme O selvagem.

É baseando-se em exemplos como esses que não duvidamos da conclusão do pesquisador Henry Jenkins, diretor do Programa de Estudos Comparativos de Mídias do Massachusetts Institute of Technology (MIT): nenhum estudioso jamais vai saber metade do que os fãs sabem sobre cultura pop. É justamen-te por conhecer tão bem o berço das celebridades que as pessoas desejam o mesmo para si, com a fixação de serem mais, melhor e, óbvio, reconhecidos e aclamados por isso.

A psicologia diz que quem se en-volve com projetos pessoais é menos vulnerável a essa chuva torrencial de reality show e exploração do univer-so particular das celebridades. A fama ignora o aviso e seduz com suas luzes volúveis os que esperam pelos seus segundos de flashes.

Parece que a polivalente atriz, modelo e cantora já nasceu para desfilar no tapete vermelho. O seu nome é uma homenagem a Scarlett O’Hara, personagem principal do clássico E o vento levou. Linda, loira e curvilínea, não demorou muito para a imprensa norte-americana compará-la a Marilyn Monroe, celebridade retratada em pôsteres por Andy Warhol.

sCArLeTT JoHAnsson

Extra

Mosaico 73

Os slogans das marcas de eletrodomésticos resu-mem o que esperar de uma casa sintonizada com os padrões atuais de modernidade. Os lares de hoje e as casas do futuro tendem a potencializar a atmosfera consumível e espirituosa retratada por Richard Hamil-ton na colagem de 1956 (foto).

Hoje, ao listar os itens responsáveis pela atrati-vidade de um lar temos a liderança da televisão de siglas (LCD, HDTV, WXGA), faculdade das massas, dis-posta na parede principal da sala de estar para ser contemplada, assim como uma obra de arte, por toda a família, por horas a fio, especialmente no nobre ho-rário das refeições.

O epicentro do lar moderno é seguido de uma in-finidade de móveis e aparelhos tão essenciais quanto os canais de TV a cabo. E, em casa que se preze não pode faltar uma boa poltrona anatômica, um micro system com comandos sensíveis ao toque, um sedã na garagem e um refrigerador duplex digital de mil fun-cionalidades, inclusive (pasmem!) congelar. Dentro dele, todos os tipos imagináveis de comida congelada, artigos de luxo assim como o presunto enlatado sobre a mesa de centro de Hamilton.

A infinidade de avanços tecnológicos e a prima-zia do design, sem dúvida, deixam os lares de hoje cada vez mais práticos e atraentes, reafirmando a exaltação de invenções que contribuem para a me-lhoria do globalizado american way of life ou estilo de vida americano.

Para habitar esse cenário que é o sonho de consumo de qualquer pessoa minimamente sã e antenada às possibilidades de consumo, um jovem empresário bem-sucedido casado com uma modelo/atriz/apre-sentadora e um casal de filhos, quer dizer, filhotes de Lhasa Apso. Pensando bem, o que há de tão diferente do lar cobiçado e ideal de quatro décadas atrás...

O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes,

tão atraentes?Um sHoW De imAGem em som

DiGiTAL. TeCnoLoGiA De úLTimA GerAção e ConeCTiViDADe

ALiADAs Ao DesiGn ConTemporâneo. inoVAção rÁpiDA e DesCompLiCADA.

eFiCiênCiA pArA se ComUniCAr. VoCê no ComAnDo DA

proGrAmAção

por pAULA roDriGUes

IPods reproduzidos em série, inspirados nas Sopas Campbell de Andy Warhol (por Larissa Naoe)

REITORHerman Jacobus Cornelis Voorwald

VICE-REITORJulio Cezar DuriganCHEFE DE GABINETE

Carlos Antonio GameroPRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO

Sheila Zambello de PinhoPRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Marilza Vieira Cunha RudgePRÓ-REITOR DE PESQUISA

Maria José Soares Mendes GianniniPRÓ-REITORA DE EXTENSÃO

Maria Amélia Máximo de AraújoPRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO

Ricardo Samih Georges Abi RachedSECRETÁRIA GERAL

Maria Dalva Silva PagottoFACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

DIRETORRoberto Deganutti

VICE-DIRETORNilson Ghirardello

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIALCHEFE

Letícia Passos AffiniVICE-CHEFE

Mauro de Souza Ventura

Trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo - 2009Edição 0 - Ano 1 - dezembro 2009

ORIENTAÇÃO Marcelo Magalhães Bulhões

EDIÇÃO E REPORTAGEMAline Naoe, Érica Nering, Karen Ferraz, Paula Rodrigues

COLABORAÇÃOAlice Meirelles, Ana Cláudia Lima, Andrey Rossi, Clarice Diamantino, César

Rodrigues, Gisele Sanfelice, Karen Terossi, Kenji Kihara, Larissa Naoe, Leandro Gazignato, Pedro Vilaz e Thessa Ferraz

CAPAEugênio Tonon

PROJETO GRÁFICOMaralise Lopes

[email protected]

OSAICOREVISTA

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Av. Eng. Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Vargem Limpa17033-360 Bauru-SP Brasil