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Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: Construindo Políticas Públicas Integradas na Cidade de São Paulo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente Instituto Socioambiental Serviços Ambientais Estudo 1. Valorização dos Serviços Ambientais na Política de Proteção aos Mananciais do Município de São Paulo Estudo 2 e 3. Instrumentos Econômicos e Pagamento por Serviços Ambientais como Subsídio para a Política Municipal de Proteção dos Mananciais de São Paulo 2008

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Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: Construindo Políticas Públicas Integradas na Cidade de São Paulo

Programa das Nações Unidas para o Meio AmbienteSecretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente

Instituto Socioambiental

Serviços Ambientais

● Estudo 1. Valorização dos Serviços Ambientais na Política de Proteção aos Mananciais do Município de São Paulo

● Estudo 2 e 3. Instrumentos Econômicos e Pagamento por Serviços Ambientais como Subsídio para a Política Municipal de Proteção dos Mananciais de São Paulo

2008

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Serviços ambientais A meta 2.2.3 previa um estudo sobre serviços ambientais, sua conceituação e possibilidades de pagamento por serviços. Nesse produto agregamos 3 entregas sobre esse tema feitas nos produtos anteriores.

Estudo 1 - Valorização dos Serviços Ambientais na P olítica de Proteção aos Mananciais do Município de São Paulo O objetivo do presente estudo é contribuir para a inserção do tema serviços ambientais no âmbito de uma política de proteção das áreas de mananciais do que abastecem o município de São Paulo. Para tal, e ainda em caráter preliminar, serão abordados os seguintes tópicos:

• Proposições feitas no âmbito do Seminário Guarapiranga 2006 sobre o tema, que consiste um marco na discussão do assunto vinculado à proteção dos mananciais da Grande São Paulo.

• Considerações sobre ao tema serviços ambientais, pagamento e valoração. • Descrição preliminar de algumas experiências de valorização, com pagamento ou não, dos

serviços ambientais de produção e purificação de água. No caso das áreas de mananciais que abastecem o município de São Paulo, o presente estudo pretende focar nos serviços de produção e purificação de água, sem, no entanto, deixar de considerar os benefícios adicionais que a proteção e recuperação destas áreas podem gerar para os habitantes do município. Outro aspecto importante é que a valorização dos serviços ambientais prestados pelas áreas de mananciais, visando sua inserção na política de proteção destas áreas, deve considerar não só as áreas inseridas dentro dos limites do município - sobre as quais este tem responsabilidades de comando e controle – mas também a aquelas que produzem a água consumida na região, mas encontram-se fora dos limites municipais, como é o caso do Sistema Cantareira. Recomendações do Seminário Guarapiranga 2006 para v alorização dos serviços ambientais O Seminário Guarapiranga 2006 teve como principal objetivo a proposição de ações, internas e externas àquela Bacia, para viabilizar a Guarapiranga como manancial produtor de água de boa qualidade para o abastecimento público da população da Grande São Paulo, em especial do município. O evento foi realizado entre maio e junho de 2006, no Solo Sagrado da Guarapiranga, sob coordenação do Instituto Socioambiental e contou com várias parcerias, entre elas da Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, que, inclusive, viabilizou a impressão da publicação de seus resultados. Além de um conjunto de 63 propostas de ação, o Seminário teve como produto a Carta da Guarapiranga: Água boa para os próximos 100 anos da represa. Entre as principais recomendações do seminário, cabe citar algumas que possuem íntima relação com o tema abordado no presente estudo: reorientar o crescimento da RMSP para fora das áreas de mananciais; fomentar atividades compatíveis com a produção de água de boa qualidade, garantir a participação social na gestão dos mananciais, mitigar os impactos do Rodoanel sobre essas áreas, e finalmente, valorizar o serviço ambiental prestado elos mananciais para a cidade. O tema Serviços Ambientais foi tratado por um dos grupos temáticos, que teve como objetivo identificar e avaliar os serviços ambientais proporcionados pelos ecossistemas da Bacia da

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Guarapiranga. Para tal, o grupo adotou as definições de serviços ecossistêmicos fornecidos pelo programa internacional Avaliação Ecossistêmica do Milênio. O grupo trabalhou em 14 questões diferentes, que resultaram em quatro mapas, abordando aspectos que prejudicam, ameaçam, beneficiam e podem beneficiar no futuro. As principais proposições decorrentes deste trabalho foram:

• necessidade de políticas públicas que fomentem atividades menos degradantes nas áreas periurbanas a fim de viabilizar sua conservação e a manutenção dos serviços ambientais prestados;

• valoração dos serviços ambientais e implementação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais para criar fluxo permanente de recursos financeiros que viabilize sua conservação;

• incorporação do conceito de “bem-estar humano” na avaliação e valoração dos serviços prestados pelas áreas de mananciais.

Cabe ressaltar ainda que uma política de serviços ambientais não obrigatoriamente pressupõe uma política de pagamento de serviços ambientais. Dois exemplos brasileiros podem ser usados para demonstrar essa distinção, sendo um deles o caso do ICMS1 Ecológico, e o outro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), mecanismos que muitas vezes se articulam. Considerações sobre serviços ambientais O termo serviços ambientais é definido de diversas formas na literatura especializada, podendo também ser identificado como serviços ecossistêmicos ou serviços ecológicos. Segundo alguns autores2, os serviços ambientais, estariam mais focados nos benefícios percebidos pelo homem, enquanto que os serviços ecossistêmicos estariam mais focados nos processos que os produzem. Uma definição interessante é a dada por Born e Talocchi (2002): “O termo serviços ambientais é entendido como os benefícios indiretos gerados pelos recursos naturais ou pelas propriedades ecossistêmicas das inter-relações entre estes recursos na natureza. Isto é, todo o fluxo de serviços que são indiretamente gerados por um recurso ambiental e pelos ecossistemas através de seu ciclo natural de existência. Estes serviços ambientais podem ser considerados externalidades positivas geradas pela manutenção ou incremento da qualidade ou quantidade de recursos ambientais e serviços ecossistêmicos”. De acordo com os autores (Born e Talocchi, op.cit.), alguns exemplos de serviços ambientais seriam:

• produção e disponibilidade de água potável; • regulação do clima; • biodiversidade (atual ou potencial futuro); • paisagem; • fertilidade do solo.

1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). 2 Segundo Swallow et. al. (2007), o termo serviços ambientais é utilizado pelos economistas ambientais como “um

benefício positivo que as pessoas recebem do meio ambiente. Ou seja, um serviço ambiental é gerado quando uma atividade econômica em um determinado lugar, controlada por um agente econômico, tem efeitos positivos em outros consumidores ou produtores, geralmente em outros lugares”.

De acordo com os mesmos autores (Swallow et. al., op. cit.), o termo serviços ecossistêmicos “tem sido usado por décadas, desenvolvido e aplicado por economistas e ecólogos. (...) No ano 2000, a Sociedade Americana de Ecologia produziu uma cartilha sobre serviços ecossistêmicos que o define como os processos pelos quais o meio ambiente produz recursos que usualmente tomamos como presentes tais como água limpa, madeira, hábitat para peixes e polinização de plantas nativas ou agrícolas”.

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Considerando que o objetivo do presente estudo é discutir a inserção e valorização dos serviços ambientais no âmbito de uma Política de Proteção aos Mananciais para o Município, cabe citar a abordagem feita pelo programa internacional Avaliação Ecossistêmica do Milênio3, definido, sinteticamente, como os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Segundo este programa, os serviços podem ser classificados de diferentes formas, mas devem sempre incorporar o conceito de “bem-estar humano”. Entre as diferentes classificações, estão os serviços funcionais prestados pelos ecossistemas, como provisão (produtos obtidos diretamente dos ecossistemas), de regulação (controle de processos ecossistêmicos), culturais (benefícios não materiais como cultural e espiritualidade), e de suporte (necessários para a manutenção de todos os outros serviços). Neste sentido, é possível elencar serviços ambientais diretamente relacionados com as áreas produtores de água, bem como serviços que sofrem influência e que influenciam a qualidade destas áreas. No primeiro conjunto estariam: regulação hídrica, purificação da água, suporte aos processos ecológicos aquáticos e a água como bem. No segundo, estariam: regulação climática, recursos genéticos, controle de doenças, serviços culturais, controle de enchentes, controle de erosão manutenção da biodiversidade, seqüestro de CO2, produção de alimentos, produção florestal, entre outros. Pagamento por serviços ambientais (PSA) As definições para Pagamento por Serviços Ambientais são diversas. Cabe mencionar a definição dada por Wunderi (2005), que definiu 5 critérios que, quando cumpridos, definem uma experiência como PSA. Para ele, para ser classificada como PSA, um caso deve apresentar as seguintes condições:

1. Deve ser uma transação voluntária, 2. Com um serviço ambiental bem definido (ou um tipo de uso da terra que assegura este

serviço), 3. Que é “comprado” por ao menos um comprador dos serviços, 4. De pelos menos um provedor dos serviços, 5. Apenas se o provedor (ofertante) assegura a provisão do serviço prestado (condicionante).

Outra abordagem interessante, e talvez mais proveitosa para a inserção do tema serviços ambientais na Política de Proteção aos Mananciais do Município de São Paulo, seja a de Born e Talocchi, que sugerem a mudança do termo Pagamento por Serviços Ambientais para Compensação por Serviços Ambientais. Corroborada, em certa medida, por outro autores, como sugerem Rosa et. al. (2004) e Swallow et. al. (2007). Wunder (2005). Essas compensações poderiam ser de diversos tipos, incluindo:

• Transferências diretas de recursos financeiros • Apoio na obtenção de créditos • Isenções fiscais e tarifárias • Preferências para a obtenção de serviços públicos • Acesso às tecnologias e treinamento técnico • Subsídios (Born e Talocchi, 2002).

3 Avaliação Ecossistêmica do Milênio. 2005. Ecosystems and Human Well-being A Framework for Assessment. Disponível em http://www.millenniumassessment.org/en/Framework.aspx

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BORN, R e TALOCCHI, S. (coord). 2002. Payment for Environmental Services: Brazil. Relatório elaborado com parte do projeto “Payment for Environmental Services in the Americas” financiado pela Fundação FORD e dirigido pela Fundação PRISMA sob coordenação de Herman Rosa and Susan Kandel ROSA, H., BARRY, D., KANDEL, S. e DIMAS, L. 2004. Compensation for Environmental Services and Rural Communities: Lessons from the Americas. Paper Presented at the International Conference on Natural Assets, Tagaytay City, Filipinas, Janeiro 2003. Atribuição de valor aos serviços ambientais Existe grande polêmica na definição do que são Pagamentos por Serviços Ambientais, bem como grande variedade de experiências existentes usando este nome em todo o mundo. Isto porque, como não existe uma única definição do que sejam os serviços ambientais, a sua valoração ainda é imprecisa e subjetiva. O papel das áreas de floresta para manutenção da quantidade e qualidade da água, de especial interesse para o presente estudo, ainda não é totalmente definido. Esta falta de definição, por sua vez, dificulta as estimativas de valoração dos pagamentos. Em função das fragilidades dos métodos de valoração econômica dos recursos naturais, e também pelas peculiaridades de funcionamento do mercado, as experiências de PSA têm estipulado os valores pagos muito mais em função dos custos de oportunidade do que realmente por uma valoração dos serviços prestados. Muitas das experiências em andamento demonstram que os instrumentos que são montados com pretensão de se transformar em uma fonte de renda permanente, são muitas vezes fracassados por diversas razões. A primeira é que é difícil uma fonte constante de recursos para os serviços ambientais, seja por outras oportunidades de uso do recurso por quem é responsável pela área o, seja pela dificuldade de monitoramento do serviço prestado. Outra razão é que, ainda que o PSA seja uma ferramenta interessante de promoção do desenvolvimento e da geração de renda, não se pode perder de vista o objetivo principal que é a manutenção de determinado recurso ou serviço ambiental. E paraque isso ocorra, é necessária uma mudança nos padrões de produção e consumo da sociedade. Além de não ser fácil que esta mudança aconteça, ela implica custos importantes nas fases de transição dos modelos. Para isso, os PSA podem ser instrumentos importantes para a geração de renda necessária para enfrentar os momentos iniciais da transição de modelos produtivos, mas não para manter o serviço. Tal fato é de extrema importância quando se aborda um recurso fundamental e escasso como a água para uma região com São Paulo. KOSOY, N., MARTINEZ-TUNA, M., MURADIAN, R., MARTINEZ-ALIER, J. 2007. Payments for environmental services in watersheds: Insights from a comparative study of three cases in Central America. Ecological Economics, vol. 61 (2-3), Março. Elsevier. Experiências de valorização dos serviços ambientais de produção e purificação de água A seguir são descritas, ainda em caráter preliminar e sem avaliação aprofundada, algumas experiências de valorização dos serviços ambientais relacionadas com a produção e purificação de água em andamento no Brasil e em outros paises. 1) FONAFIFO – Costa Rica Tipo de serviço: produção e purificação de água, biodiversidade, sequestro de carbono e paisagístico. Beneficiários: usuários de água

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Iniciativa: governamental Histórico Nas décadas de 60 e 70, a Costa Rica apresentava uma das maiores taxas de desmatamento do mundo, impulsionada pelo preparo do solo para a agricultura e a pecuária. Em função da acelerada perda das florestas levou, na década de 70, foram criados incentivos no pais para a plantação de árvores, visando principalmente a recuperação dos estoques de recursos madeireiros. Estes incentivos, basicamente isenções fiscais, foram regulamentados pela primeira Lei Florestal de 1979 (Lei no 4.465), conhecida como a “primeira geração de incentivos” (Rosa, 1999). Em 1996 foi aprovada a terceira Lei Florestal (Lei no 7.575), que trouxe uma série de inovações, entre as quais vale mencionar o estabelecimento do programa de Pagamento por Serviços Ambientais, a criação de um imposto sobre os combustíveis fósseis para financiar parte dos pagamentos, a criação do Sistema Nacional de Certificação Florestal para o Manejo dos Bosques, e o Fundo Nacional de Financiamento Florestal – FONAFIFO (Rosa, 2003 e Pagiola, 2006). Particularmente importante foi a criação do FONAFIFO, um órgão governamental semi autônomo, com status legal independente, cujo objetivo principal é o de captar e gerenciar os recursos do programa. Como funciona As fontes de recursos, do início até 2006, forma: imposto sobre combustíveis fósseis (US$ 6,4 milhões), venda de créditos de carbono (US$ 2 milhões), financiamento do Banco Mundial (US$ 32,6 milhões), doação do GEF (US$ 1,9 milhões), recursos advindos de usuários de água (US$ 100.000), entre outros. (Pagiola, 2003). A cada ano, através de decreto presidencial, são determinadas as prioridades de investimento do FONAFIFO, os valores disponíveis e o valor a ser pago por hectare de cada modalidade prevista, que variam de US$ 1,3 a US$ 400 por hectare para o pagamento por serviços ambientais desembolsados em um período de 5 anos, prorrogáveis por mais 5 anos. O valor mais alto é pago para o reflorestamento, enquanto que o mais baixo para reflorestamento integrado em sistemas agroflorestais. A manutenção de áreas de florestadas recebe US$ 300 por hectare, desembolsados em um período de 5 anos. A primeira grande diferença que o caso de Costa Rica oferece com relação a outros casos de pagamentos por serviços ambientais é que a decisão pela criação do programa partiu dos níveis mais altos do governo, de forma que se criou uma organização institucional forte para coordenar os trabalhos. Particularmente importante foi a criação do FONAFIFO, um órgão governamental, porém com autonomia para determinados tipos de decisões, exclusivamente dedicado à gestão do programa. Nota-se que a governabilidade ou força institucional é um dos fatores primordiais para uma política de pagamento por serviços ambientais obter êxito. Outro ponto importante diz respeito à sustentabilidade do programa, uma vez que grande parte dos recursos para o pagamento dos serviços são provenientes de financiamentos e doação.

Bibliografia consultada

CAMACHO, A. e REYES, V. 2002. Pago por servicios ambientales. Octavo informe sobre el estado de La Nacion en desarrollo humano sostenible. Consejo Nacional de Rectores, San José, Costa Rica.

LANDELL-MILLS, N. e PORRAS, I.T. 2002. Silver bullet or fools’ gold? A global review of markets for forest environmental services and their impact on the poor. International Institute for Environment and Development (IIED), London.

MAYRAND, K. e PAQUIN, M. 2004. Pago por servicios ambientales: Estudio y evaluación de esquemas vigentes. Unisféra, Canadá.

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PAGIOLA, S. 2003. Pago por Servicios Hidrológicos en Centroamérica: Enseñanzas de Costa Rica”. Em: S. Pagiola, J. Bishop, N. Landell Mills (Eds). La venta de servicios ambientales forestales. Instituto Nacional de Ecología-SEMARNAT, México.

PAGIOLA, S. 2006. Payment for Environmental Services in Costa Rica. MPRA Paper No. 2010, Munich Personal RePEc Archive.

ROSA, H. (coord.) 1999. Trade in Environmental Services and Sustainable Development in Central America: the cases of Costa Rica and Salvador. International Institute for Sustainable Development – IIED, Canadá.

SÁNCHEZ-AZOFEIFA, G.A., PFAFF, A., ROBALINO, J.A., BOOMHOWER, J.P. 2007. Costa Rica's Payment for Environmental Services Program: Intention, Implementation, and Impact. Conservation Biology, volume 21 (5).

2) PSAH – México Tipo de serviço ambiental: produção e purificação de água Beneficiários: Proprietários de áreas de florestas comunitárias e pequenos proprietários de florestas Iniciativa: governamental WUNDER, S. 2005. Payments for environmental services: Some nuts and bolts. CIFOR Occasional Paper No. 42. Center for International Forestry Research, Jacarta, Indonésia.

Para reduzir as altas taxas de desmatamento, o governo mexicano conta com uma série de medidas de comando e controle, bem como com diversas políticas de fomento às atividades florestais. No entanto, as áreas de florestas conservadas que não apresentam grande potencial às atividades florestais, seja por localização, pelo tipo de terreno, pelas espécies existentes, etc., não contavam com políticas de desenvolvimento do governo e eram, portanto, as áreas que apresentavam maior risco de desmatamento. Por outro lado, grande parte dos aqüíferos do país está degradado e/ou sob exploração intensa. De acordo com a Comissão Nacional de Água do México, dos 188 aqüíferos mais importantes e melhor estudados do país, 66% está super explorado, extraindo-se, em média, 190% do que se recarrega, enquanto outros 28% estão no limite do equilíbrio (CENAPRED, 2003 citado por Muñoz et. al., 2006).

Ainda que a super exploração dos aqüíferos não esteja diretamente relacionada com as florestas, existe um reconhecimento no México de que as florestas provêm um serviço importante para a depuração da água e a recarga dos aqüíferos. Assim, mesmo na ausência de dados científicos precisos que vinculem o desmatamento à piora na quantidade e na qualidade da água disponível, buscou-se fundamentar a construção de uma nova política publica neste vínculo e enfrentar os dois problemas de forma integrada, conservando as florestas e preservando a capacidade de recarga dos aqüíferos.

Após várias negociações políticas, o programa de Pagamento por Serviços Ambientais Hidrológicos (PSAH) do México foi implantado pelo governo federal no ano de 2003 sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Florestas – CONAFOR. O objetivo do PSAH é gerar renda para os proprietários de terras com florestas em bom estado de conservação, através do pagamento pelos serviços ambientais hidrológicos que prestam. A principal fonte de recursos do programa é o pagamento pelo uso da água, uma vez que no México, os lagos, lagunas, aqüíferos e rios são considerados propriedade da nação, razão pela qual o governo tem o direito de cobrar pelo uso da água.

Na época do desenvolvimento do programa, procurou-se estabelecer que cerca de 2% a 3% da arrecadação total do governo pela cobrança de uso da água fosse destinado ao programa. No entanto, esta proposta não foi aceita e definiu-se que US$ 18,2 milhões seriam destinados ao programa no ano de 2003 por meio de repasse ao Fundo Florestal Mexicano, criado com a Lei de

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Desenvolvimento Florestal Sustentável, e responsável pelo orçamento dos programas florestais federais, incluindo o PSAH.

Como funciona:

Os requisitos mínimos para entrar no programa são:

� Propriedades com mais de 50% de cobertura florestal, • Localizadas em áreas de aqüíferos super explorados, • Próximo a centro urbano com mais de 5.000 habitantes.

Foram estabelecidos critérios para definição de áreas prioritárias que resultem em um melhor custo-efetividade, uma vez que os recursos são limitados. A cada ano o CONAFOR divulga quais são as áreas de elegibilidade para o programa, definidas em função do grau de ameaça das florestas e da sobreposição com aqüíferos sobre explorados. Uma vez divulgadas as áreas elegíveis, os proprietários das florestas preenchem a ficha de inscrição no programa. Os proprietários selecionados recebem dois níveis de pagamento: aproximadamente US$ 30,00 por hectare de florestas tropicais e temperadas e cerca de US$ 40,00 por hectare de floresta mesófila de montanha. Esta diferenciação ocorre pelo reconhecimento de que as florestas de montanha prestam um importante serviço de capturar a umidade da neblina e proporcionar água nas épocas de seca.

A decisão pela implantação do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais Hidrológicos do México, assim como o da Costa Rica, foi tomada nas mais altas instâncias do governo mexicano. O PSAH mexicano não foi implementado por uma lei, já que não criou nenhum novo tributo, bastando apenas regular o uso do tributo de água já existente.

Em realidade, este foi o primeiro conflito que surgiu durante desenvolvimento do programa e que foi determinante para o funcionamento atual. Ao invés de um porcentagem sobre as tarifas pagas por diferentes tipos de usuários de água, a Secretaria da Fazenda (Secretaría de Hacienda y Crédito Público – SHCP) definiu montante anual fixo. Independente do montante total, isso fragilizou o programa, já que depende de aprovação orçamentária para os pagamentos de cada ano e, portanto, sujeito à aprovação política. Além disso, a Secretaria da Fazenda definiu o novo instrumento como subsidio e não como pagamento por serviços ambientais.

Do ponto de vista ecológico, ainda que o programa contribuísse substancialmente pela conservação, ou pelo menos pela geração de renda das famílias que vivem no entorno das florestas, o pagamento não apresenta muita relação com a manutenção da qualidade e quantidade dos recursos hídricos. Desde o princípio de sua concepção, o programa se fundamentava em uma relação pouco comprovada cientificamente, mas muito aceita localmente, o que é completamente legítimo. No entanto, Alix-Garcia et. al. (2005) mostram que a maior parte dos pagamentos não atinge as comunidades que habitam o entorno das florestas próximas aos aqüíferos mais ameaçados. Com isso, e dado o modelo de pagamento, o programa se assemelha mais a uma política de distribuição de renda do que de pagamento por serviços ambientais, a despeito da relação existente entre pobreza e qualidade ambiental.

Bibliografia consultada

ALIX-GARCIA, J., JANVRY, A., SADOULET, E. e TORRES, J.M. 2005. An Assessment of Mexico’s Payment for Environmental Services Program. Rome, Food and Agriculture Organization of the United Nations.

Centro Nacional Prevención de Desastres (CENAPRED). 2003. Acuerdo por el que se dan a conocer los límites de 188 acuíferos de los Estados Unidos Mexicanos, los resultados de los estudios realizados para determinar su disposición media anual de agua y planos de localización. Diario Oficial de la Federación 31 de enero de 2003: 65-178.

CNF, Comisión Nacional Forestal, Semarnat/Conafor. 2001. Programa Nacional Forestal 2001-

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2006.

MUÑOZ, C., GUEVARA, A., BULÁS, J., TORRES, J. e BRAÑA, J. 2006. “Pagar por los servicios hidrológicos del bosque en México”. Em: S. Pagiola, J. Bishop, N. Landell-Mills (Eds). La venta de servicios ambientales forestales. 2ª Ed. Instituto Nacional de Ecología, México.

VELÁSQUEZ, A., MAS, J.F., BOCCO, G. e EZCURRA, E. 2002. Patrones y tasas de cambio de uso del suelo en México. Gaceta ecológica 62: 21.

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Estudo 2 – Estudo sobre Instrumentos Econômicos e P agamento por Serviços Ambientais como Subsídio para a Política M unicipal de Proteção dos Mananciais de São Paulo

1. Definição de Serviços Ambientais De forma bastante generalista e abrangente, se poderia dizer que os serviços ambientais são serviços prestados pelos ecossistemas que contribuem – e em alguns casos são imprescindíveis – para a manutenção do equilíbrio dos próprios ecossistemas e da vida na Terra. As Nações Unidas, na Avaliação Ecossistêmica do Milênio (Millennium Ecosystem Assessment4 - MA, 2003), define serviços ecossistêmicos da seguinte maneira: “Serviços ecossistêmicos são os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Entre eles se incluem serviços de provisões como, por exemplo, alimentos e água, serviços de regulação, como controle de enchentes e de pragas, serviços culturais, como os espirituais, recreativos e benefícios culturais, e serviços de suporte, como o ciclo de nutrientes que mantém as condições para a vida na Terra”. Ainda que a definição dada pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio seja a mais utilizada na bibliografia recente, existem diversas definições diferentes. Não só as definições variam, como o próprio termo utilizado apresenta variações. Assim, encontra-se na literatura especializada referências a serviços ambientais, serviços ecossistêmicos e serviços ecológicos. Na prática, essas diferenças não apresentam maiores implicações, mas desde uma perspectiva teórica, existem implicações ideológicas significativas. Enquanto o termo “serviços ambientais” seria usado, em teoria, para designar um dos muitos serviços prestados pelos ecossistemas, o termo “serviços ecossistêmicos” seria utilizado por aqueles que alegam que não é possível separar em partes estes diversos serviços, os quais deveriam, portanto, serem vistos de forma integrada (Wunder, 2005). Swallow e seus colegas (Swallow et. al., 2007) fazem uma revisão e discussão sobre as diferentes definições, suas origens e utilizações atuais. De acordo com essas análises, serviços ambientais estaria focado nos benefícios providos pela natureza e percebidos pelo Homem, enquanto que os serviços ecossistêmicos estariam mais focados nos processos que os produzem. Muitos autores definiram serviços ambientais e ecossistêmicos, mas particularmente interessantes são as definições dadas por Daly (1997) e por Costanza (1997), tanto pela importância destes autores no campo da economia ecológica como pelo fato das mesmas terem sido utilizadas como base para a definição da Avaliação Ecossistêmica do Milênio. Daly (1997) definiu serviços ecossistêmicos como “as condições e processos por meio dos quais os ecossistemas naturais, e as espécies que o formam, sustentam e satisfazem a vida humana. Eles mantêm a biodiversidade e a produção dos bens ecossistêmicos como os frutos do mar, as madeiras, os biocombustíveis, fibras naturais, e muitos produtos farmacêuticos, industriais e seus precursores”. Para Costanza et. al. (1997), os bens (como comida) e serviços (como assimilação de resíduos) ecossistêmicos representam o benefício que as populações humanas derivam, direta ou indiretamente, das funções ecossistêmicas.

4 Ver http://www.millenniumassessment.org/en/index.aspx

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Vale, ainda, mencionar a interessante definição dada por Born e Talocchi (2002), para quem o termo serviços ambientais é “entendido como os benefícios indiretos gerados pelos recursos naturais ou pelas propriedades ecossistêmicas das inter-relações entre estes recursos na natureza. Isto é, todo o fluxo de serviços que são indiretamente gerados por um recurso ambiental e pelos ecossistemas através de seu ciclo natural de existência. Estes serviços ambientais podem ser considerados externalidades positivas geradas pela manutenção ou incremento da qualidade ou quantidade de recursos ambientais e serviços ecossistêmicos”. Conforme se pode notar, as definições dadas por Costanza, Daly e pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio são antropocêntricas na medida em que os serviços ambientais existem enquanto beneficio para as populações humanas. Na definição dada por Born e Talocchi, os serviços ambientais geram um benefício, mas não necessariamente para a humanidade. Evidentemente que esta é uma discussão filosófica profunda, mas ainda que se possa argumentar que o benefício somente o será enquanto houver alguém para percebê-lo como tal, é fácil aceitar que um ecossistema mais íntegro, por exemplo, é um benefício, ainda que o mesmo esteja a milhares de quilômetros de distância e que não se pretenda visitar nunca o local. Ou seja, não é difícil aceitar como benefício um serviço mesmo que não possua um valor de uso. Nesta dicotomia reside, possivelmente, uma das principais implicações para a aplicação prática do conceito de pagamento por serviços ambientais, uma vez que podem proporcionar diferentes interpretações sobre quais os bens e serviços que se pretende manter e, conseqüentemente, diferentes mensurações do pagamento a ser realizado. Conforme já se mencionou, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, na própria definição de serviços ambientais, os qualifica como serviços de provisões, de regulação, culturais e de suporte. Segundo Born e Talocchi (2002), alguns exemplos de serviços ambientais são:

• Produção e disponibilidade de água potável • Regulação do clima • Biodiversidade (atual ou potencial futuro) • Paisagem • Fertilidade do solo

Especificamente com relação à água, os ecossistemas dependem dela para gerar e prover bens e serviços para o Homem, por exemplo, os peixes (e a fauna aquática, em geral), a madeira, os produtos florestais não madereiros (como castanhas, seringa, sementes, etc), combustíveis, alimentos, remédios, grãos e pastos, entre outros. Por outro lado, os ecossistemas provêm serviços importantes para a manutenção da qualidade e da quantidade de água disponível, tais como a manutenção da oferta e dos fluxos de água, a regulação da qualidade da água (por exemplo, a purificação de resíduos e o controle de sedimentação) e a mitigação de desastres naturais relacionados à água, como, por exemplo, enchentes e secas (Emerton e Bos, 2004). Emerton e Bos (op. cit.), baseados em diversos outros autores5, apontam os principais serviços ambientais relacionados à água prestados pelas florestas e pelas áreas úmidas (pântanos, mangues, charcos, etc.), conforme mostra a tabela a seguir.

Áreas Úmidas

Oferta de água e regulação de vazão Por meio de suas funções no ciclo hidrológico, os rios, lagos e aqüíferos subterrâneos provêm uma fonte renovável de água doce. A maior parte das áreas úmidas armazena, regula, e

5 Daly, 1997; Johnson, White e Perrot-Maître, 2001; Stuip, Baker, e Oosterberg, 2002 e Winpenny, 1991.

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recarrega os estoques de águas superficiais, os lençóis freáticos e os aqüíferos. Nas funções de reservatórios, as áreas úmidas regulam as vazões de água, atenuando enchentes a jusante em épocas de cheias. Na época de seca, elas armazenam água, que é disponibilizada gradualmente. Qualidade da Água Muitos tipos de áreas úmidas absorvem, filtram, processam e diluem nutrientes, poluentes e resíduos. Elas costumam ter uma maior capacidade de retenção de nutrientes e são efetivas na remoção de bactérias e micróbios. As plantas de áreas úmidas eliminam poluentes física, química e biologicamente e capturam sedimentos – sólidos suspensos, poluentes e organismos patogênicos se acumulam e decompõem nos sedimentos submersos das áreas úmidas, que também contribuem na diluição de poluentes. Produtividade aquática As áreas úmidas ocupam um nicho importante na cadeia alimentar. Elas provêm uma rica fonte de nutrientes para todas as formas de vida, incluindo peixes, e são áreas de alimentação e procriação para espécies de água doce e marinha. Uma grande variedade de produtos é extraída destas áreas, como peixes e outras espécies aquáticas, materiais de construção, combustíveis, remédios, alimento para animais, etc.

Florestas

Oferta de água e regulação de vazão A cobertura florestal ajuda a conter os impactos das chuvas nos solos. A vegetação retém a água de forma que ela infiltra no solo lenta e constantemente ou escorre para os rios gradualmente. Os solos de florestas têm, normalmente, uma maior capacidade de armazenar água do que os solos de áreas sem florestas. Diminuindo as taxas de drenagem, as florestas ajudam a minimizar enchentes e podem, eventualmente, aumentar as vazões mínimas durante as épocas de seca. Controle de lodos e sedimentos A cobertura florestal, a camada inferior de vegetação e as folhas caídas no chão protegem o solo dos impactos da chuva que cai por entre as copas das árvores. As raízes ajudam a conter o solo e evitar deslizamentos de terra, o que, geralmente, contribui para minimizar o carreamento de sedimentos e lodos para os rios. Qualidade da Água Os solos das florestas são mais úmidos que a maioria dos outros tipos de solos e contêm mais nutrientes, possibilitando a filtragem de poluentes.

Fonte: Emerton e Bos, 2004.

2. Externalidades e Pagamento por Serviços Ambienta is A idéia de Pagamento por Serviços Ambientais decorre, por um lado, do reconhecimento de que os ecossistemas efetivamente prestam serviços importantes que devem ser conservados e, por outro lado, do entendimento de que enquanto tais serviços não fizerem parte do mercado, isto é, não possuírem um valor monetário, não farão parte da tomada de decisões dos agentes que se relacionam com tais serviços e, conseqüentemente, correrão o risco de se extinguirem em benefício de outras atividades rentáveis. Isso ocorre por dois motivos principais. O primeiro é que muitas vezes os serviços ambientais geram um benefício social, difuso, enquanto os custos por sua manutenção recaem sobre alguns poucos indivíduos privados. Ou seja, se evidencia que custos sociais e custos privados são diferentes, assim como são os benefícios. O segundo motivo é que, comumente, os bens e serviços ambientais não possuem direito de propriedade, isto é, são gerados livremente pela natureza sem a existência de um proprietário, um dono, e, portanto, não são transacionados no mercado e são utilizados até a exaustão. É o que Garret Hardin (1968) chamou de “tragédia dos (bens) comuns”.

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Para entender melhor a idéia de Pagamento por Serviços Ambientais e possibilitar uma reflexão mais aprofundada, é necessário entender o conceito de externalidade utilizado pelos economistas. As externalidades são efeitos secundários gerados em decorrência de uma decisão tomada por um agente econômico individual que afetam outros agentes econômicos que não participam da decisão. As mesmas podem ser positivas ou negativas. Assim, por exemplo, suponha que uma indústria utiliza água no seu processo de produção para resfriar as máquinas e devolve a água ao rio em estado diferente do captado, com pior qualidade. Suponha-se, ainda, que esta água devolvida ao rio em menor qualidade afetará uma comunidade de agricultores rio abaixo, que verá sua produção comprometida. A indústria, neste caso, está causando uma externalidade negativa que é percebida pela comunidade de agricultores. Na ausência de legislação específica que obrigue a indústria a devolver a água ao rio nas mesmas condições em que foi captada, a decisão pelo tratamento da água não fará parte das tomadas de decisões dos proprietários da indústria. Ou seja, ao avaliar sua produtividade, sua rentabilidade, e as decisões por ampliar a produção, mantê-la ou diminuir, por exemplo, o custo de tratamento da água não será incorporado. Custo este que será arcado pela comunidade rio abaixo, seja por meio de investimentos em tratamento de água, seja pelo comprometimento de sua produção agrícola. Para citar outro exemplo, pode-se pensar o aquecimento global como externalidade do consumo de combustíveis fósseis. Todos aqueles que usam automóveis, aviões ou consomem grandes quantidades de combustíveis fósseis geram uma externalidade, o aquecimento global, que recai sobre eles mesmos, mas, também, sobre terceiros que não participam da decisão daquele indivíduo de andar em carro ou em avião. Mais um exemplo de externalidade negativa são os resíduos sólidos gerados pelas embalagens ou os sacos de plástico. A responsabilidade e os custos pela adequada disposição final deveriam recair sobre os envolvidos diretos – a pessoa que consumiu, as que comercializaram, quem produziu –, mas é muito comum recair sobre camadas muito mais amplas da população, seja por meio dos custos de manutenção e ampliação dos aterros sanitários, seja pela contaminação dos rios, sujeira das cidades, alagamento das vias públicas, gastos com saúde decorrentes destes alagamentos e outros. Isto é, existem inúmeros exemplos de externalidades negativas com as quais nos deparamos cotidianamente. Nesta concepção, os serviços ambientais poderiam ser entendidos como externalidades positivas. Por exemplo, uma criação de abelhas, além de produzir o mel e gerar alimento e recursos monetários para o produtor, gera a externalidade positiva de polinização das plantas. As florestas em crescimento captam o carbono da atmosfera, aliviando os efeitos do aquecimento global. A economia clássica entende as externalidades como falhas de mercado. Para os economistas clássicos e neoclássicos, o mercado é eficiente na alocação dos recursos, sempre que os direitos de propriedade estejam bem definidos e os agentes econômicos detenham todas as informações sobre os bens e serviços e sobre o mercado. Nesta situação, o desejo de adquirir determinado bem por parte de um agente individual, manifestado em sua disposição a pagar por este bem, se equilibraria com o desejo de outro agente individual em vender este bem, manifestado por sua disposição a receber determinado valor pelo mesmo. Estes dois agentes encontrariam, em teoria, um preço que maximizasse a satisfação de ambos. Para estes economistas clássicos, os impactos ambientais decorrem do fato de que os recursos naturais muitas vezes não possuem direito de propriedade bem estabelecidos, sendo utilizados até a exaustão conforme postulou Hardin (1968) na “Tragédia dos Comuns”. Portanto, a solução

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seria definir a propriedade destes recursos e seu valor monetário para que façam parte do mercado e possam ser transacionados. A oferta e a demanda tratariam de manter o equilíbrio por meio da variação nos preços. A isso se chama internalização das externalidades. No entanto, existem diversos argumentos contra a “crença” de que o mercado por si só é eficiente para internalizar as externalidades. Um deles é que a atribuição “técnica” de valores monetários para os recursos naturais é ineficiente, arbitrária e poucas vezes refletem o real valor destes recursos. Outro argumento contrário é a assimetria de informações. Na maioria das vezes, os agentes envolvidos em uma transação não participam da negociação em posse das mesmas informações, o que impossibilitaria que ocorresse uma troca justa e satisfatória. É ainda mais difícil que ocorra uma troca justa quando há interesses privados e coletivos envolvidos em uma situação conflituosa com relação aos recursos naturais e os serviços ambientais associados. Além disso, a valoração dos recursos naturais e, conseqüentemente, a internalização das externalidades, padecem de problemas relacionados à equidade e às disposições a pagar e receber inerentes ao atual sistema econômico. Se se reconhece que a maioria das decisões econômicas resulta em algum tipo de implicação ambiental, então as externalidades são a regra, e não a exceção como se poderia supor ao considerá-la uma falha de mercado. Ou seja, as externalidades não são eventos isolados, e sim são a regra no atual sistema econômico. Conforme expôs Kapp (1983), citado por Martínez-Alier e Roca Jusmet (2001), “as externalidades (negativas) não são falhas de mercado, e sim deploráveis êxitos em transferir custos a outros”. Se os serviços ambientais efetivamente possuem valor e são exauridos por sofrerem da “tragédia dos comuns” e por não fazerem parte do mercado, surge a idéia de Pagamento por Serviços Ambientais, que consiste precisamente no reconhecimento do valor e em alguma forma de recompensa para os que ajudam a conservar estes serviços. Os PSA seriam, portanto, uma forma de internalizar as externalidades, de forma que a proteção e conservação dos serviços ambientais passassem a fazer parte das decisões econômicas de agentes individuais. Quando se fala em pagamentos por serviços ambientais a primeira coisa que se relaciona é uma lógica de mercado. De fato, a grande maioria das experiências de PSA existentes insere-se totalmente na lógica do mercado. Mas não todas. Em realidade, a definição e o entendimento sobre o que são os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) são muito diversos, mais ainda que as definições de serviços ambientais. Wunder (2005), por exemplo, definiu 5 critérios que, de acordo com sua interpretação, quando cumpridos, definem uma experiência como PSA. Para ele, para ser classificado como PSA, um caso deve apresentar as seguintes condições:

• Deve ser uma transação voluntária, • Com um serviço ambiental bem definido (ou um tipo de uso da terra que assegura este

serviço), • Que é “comprado” por ao menos um comprador dos serviços, • De pelos menos um provedor dos serviços, • Apenas se o provedor (ofertante) assegura a provisão do serviço prestado (condicionante).

Esta definição é extremamente restritiva e coloca toda a ênfase do termo PSA nos mecanismos de mercado. Ainda que se concorde que o termo pagamento se vincula à lógica de mercado, as relações entre humanos e ecossistemas não obedecem à lógica estrita do mercado, sobretudo levando em consideração as falhas existentes no mercado, que fazem com que estas relações não ocorram de forma eficiente enquanto basearem-se exclusivamente na lei da oferta e demanda da microeconomia.

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O funcionamento dos ecossistemas não é totalmente conhecido e as relações do Homem com a natureza são extremamente complexas e não lineares. Por isso, frente ao desconhecimento, muitas vezes se advoga pela aplicação do princípio de precaução, que implica que as decisões sejam tomadas com base em uma análise política, e não científica ou econômica, que determine o nível de proteção necessário. Assim, muitas vezes é difícil identificar estritamente o serviço ambiental e encontrar seu valor, embora se conheçam as condições ecológicas que mantém este serviço e as condições culturais dos atores/populações que contribuem para a manutenção do serviço. Portanto, pode ser muito mais eficiente para o equilíbrio ecossistêmico a manutenção destas condições ecológicas e culturais do que a identificação e pagamento de um serviço ambiental. Além disso, a ocorrência de (pelo menos) um comprador e de um vendedor de serviço ambiental é mais provável que ocorra em uma situação de conflito. Nesta situação, se os dois atores envolvidos no conflito sentam para negociar, é possível que consigam elaborar um esquema de PSA que funcione entre eles. No entanto, nos casos em que não ocorre um conflito direto com dois atores bem definidos é mais difícil que ocorram pagamentos por serviços ambientais. Por exemplo, suponha-se a perda de biodiversidade em determinado rio amazônico como conseqüência do uso de agrotóxicos. Se neste rio não existem populações ribeirinhas que o utilizam para pescar, não haverá população diretamente afetada e não ocorrerá PSA, ainda que o equilíbrio ecológico da região dependa, entre outras coisas, da biodiversidade deste rio. Isto é, um esquema de Pagamentos por Serviços Ambientais somente ocorrerá quando afeta as preferências das pessoas, ou seja, se as decisões de algum agente individual são afetadas pelas decisões de outro agente individual. No entanto, não existe nenhuma garantia que a negociação econômica que ocorrer entre estes dois atores tenha alguma relação com os valores dos ecossistemas e do serviço em questão. O mais provável é que a discussão seja balizada pelas preferências individuais de cada ator e por sua condição econômica. Se o provedor do serviço ambiental for rico e/ou receber renda elevada em função de uma exploração que compromete o serviço ambiental, ele estará disposto a preservar o serviço apenas se o pagamento representar uma quantia elevada. Se for uma pessoa pobre, a disposição a receber pela manutenção do serviço ambiental será bem menor, embora o serviço seja o mesmo e, conseqüente e obviamente, o valor seja o mesmo. Tome-se como exemplo a área de mananciais da cidade de São Paulo. Suponha-se que os residentes das áreas de floresta circundantes aos mananciais tenham o direito de desmatar em benefício de outras atividades econômicas e que o poder público decida pagar para que não se desmate. Se a população que habita esta área for de baixa renda, é provável que esteja disposta a receber um valor X para deixar de desmatar. Se a população for de maior renda, é mais provável que o valor que queira receber para deixar de desmatar seja superior a X, já que suas funções de preferências serão diferentes. O mesmo ocorre se ocorrem atividades produtivas na área. Quanto mais rentável for a atividade, maior será o valor que mudará as preferências das pessoas. Por este motivo, Kosoy et. al. (2007), em estudo no qual comparam três casos de PSA relacionados à água na América Central, identificaram que os valores pagos guardavam pouca relação com o serviço prestado e eram definidos em função do custo de oportunidade dos provedores, isto é, como alternativa a outras atividades praticadas pelo provedor do serviço que terá que deixar a atividade em benefício do serviço. Estes autores concluíram que as valorações realizadas eram apenas “maquiagens” e que as decisões iniciais e o funcionamento dos esquemas de PSA eram, em grande medida, resultado de um complexo processo social, envolvendo interação entre diferentes atores sociais, mais do que resultado de uma avaliação técnica.

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Swallow et. al (2007) concordam que a definição de Wunder é restritiva e a consideram “inútil para descrever e analisar a variedade de mecanismos interessantes e importantes que estão sendo negociados para influir nas inter-relações entre as pessoas com interesses diversos na gestão ambiental e os serviços ecossistêmicos”. Em particular, os autores notam que “as relações entre os provedores de serviços ecossistêmicos, os beneficiários dos serviços ambientais e os intermediários podem ser mais complexas que simples transações, com acordos que não são totalmente voluntários e pagamentos que não são completamente condicionantes”. A Forest Trends, uma ONG que tem em sua missão, entre outras coisas, expandir o valor da “floresta, promover manejo florestal sustentável e a conservação por meio da criação e captura dos valores de mercado para os serviços ecossistêmicos”6, tem uma visão muito mais ampla do que são PSA, incluindo:

• Esquemas de pagamentos públicos para proprietários privados de áreas florestais para manter ou incrementar os serviços ecossistêmicos

• Transações comerciais envolvendo créditos e licenças • Negociação direta e acordos privados • Certificações (Swallow et. al, 2007)

Dado que o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais leva, em geral, a uma associação direta com os mecanismos e a lógica de mercado, e considerando que as “avaliações de serviços ambientais, feitas exclusivamente pelo mercado ou por meio de metodologias de avaliação econômica, não consideram sempre de forma adequada as restrições (ou limites) ecológicas, os aspectos políticos e valores tais como respeito às gerações futuras”, Born e Talocchi sugerem a mudança do termo Pagamento por Serviços Ambientais para Compensação por Serviços Ambientais. O mesmo sugerem Rosa et. al. (2004) e Swallow et. al. (2007). Essas compensações poderiam ser de diversos tipos, incluindo:

• Transferências diretas de recursos financeiros • Apoio na obtenção de créditos • Isenções fiscais e tarifárias • Preferências para a obtenção de serviços públicos • Acesso às tecnologias e treinamento técnico • Subsídios (Born e Talocchi, 2002).

Ou seja, ao propor a modificação do termo Pagamento por Serviços Ambientais para Compensação por Serviços Ambientais, Born e Talocchi (op. cit.) reconhecem a importância dos serviços ambientais e assumem que sua manutenção pode ser estimulada mediante o uso de diversos instrumentos, econômicos e não econômicos, e não somente por meio de transações monetárias definidas em uma negociação de mercado. Isso assume grande relevância na medida em que se entende que os recursos naturais possuem uma diversidades de valores que nem sempre são passíveis de serem representados em unidades monetárias. 3. Valores dos recursos naturais e da água Alguns dos bens e serviços providos pelos ecossistemas e dependentes de água são negociados no mercado e apresentam, portanto, um valor monetário. Outros bens e serviços, a despeito de possuírem um valor para os Homens e para os ecossistemas, não são negociados diretamente no mercado e não possuem um valor monetário claramente definido. A não identificação clara destes valores providos pelos ecossistemas e pelos recursos hídricos leva a um mau entendimento do sistema econômico-ecológico e, consequentemente, a uma alocação ineficiente dos recursos

6 Ver http://www.forest-trends.org/whoweare/mission.htm

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monetários e a uma má gestão dos recursos naturais. A teoria da economia do meio ambiente identifica quatro tipos de valores associados aos bens e serviços ambientais: valor de uso direto, valor de uso indireto, valor de opção e valor de existência. O valor de uso direto é aquele atribuído aos bens utilizados diretamente pelas pessoas e que, por isso mesmo, apresentam um claro valor de mercado. Por exemplo, o valor dos produtos madeireiros e não madeireiros e o preço dos peixes são valores determinados pelo sistema econômico em função do benefício direto que as pessoas obtém ao consumir tais produtos e assim os valoram. O valor de uso indireto se dá em função de benefícios que determinado bem ou serviço provê às pessoas, ainda que de forma indireta. Ou seja, é um valor atribuído a determinado bem ou serviço pelo reconhecimento de sua função na manutenção de outros bens e serviços que possuem utilidade direta ao Homem. Assim, a proteção das bacias hidrográficas, a reciclagem de nutrientes e a regulação do clima, por exemplo, representam valores de uso indireto para as pessoas. O valor de opção é atribuído pelas pessoas àquele bem ou serviço que não apresenta uma utilidade hoje, mas que pode vir a apresentar no futuro. Por exemplo, as pessoas podem optar pela preservação de um remanescente de floresta por acharem que a diversidade biológica da mesma pode apresentar uma utilidade futura, por exemplo, como princípio ativo para um remédio importante. Por fim, o valor de existência é atribuído pelas pessoas a determinados bens ou serviços pelo simples fato de existirem, ainda que não apresentem uma utilidade hoje nem se espera que venham a apresentar no futuro. Os recursos hídricos e os ecossistemas que os regulam e que dele dependem apresentam todas estas formas de valor, alguns de fácil percepção, dada a utilidade gerada, outros de menor percepção por não apresentarem relação tão direta. Emerton e Bos (2004) classificam os valores dos recursos hídricos e seus ecossistemas relacionados da seguinte maneira:

• Valor de uso direto: matérias primas e produtos dependentes de água utilizados diretamente para produção, consumo e venda. Exemplos de valores diretos da água são a produção de energia, alimentos, produção agrícola, madeira, transporte, turismo, lazer, etc.

• Valor de uso indireto: serviços ambientais que mantém e protegem os sistemas naturais e humanos, tais como a manutenção da qualidade e quantidade de água, controle de enchentes e proteção contra tempestades, retenção de nutrientes, estabilização do micro clima, turismo, etc.

• Valor de opção: a manutenção da diversidade de espécies dependentes de água, recursos genéticos e paisagens para possíveis usos futuros (em atividades comerciais, industriais, agrícolas, farmacêuticas, de lazer, etc.).

• Valor de existência: o valor intrínseco dos ecossistemas relacionados aos recursos hídricos e suas partes, independente de uso atual ou futuro. Estes podem ser valores culturais, estéticos, de legado ou herança.

Portanto, na formulação de políticas, publicas ou não, que considerem o uso dos recursos naturais é necessário considerar esta vasta gama de valores. Ainda que a valoração de todos eles não seja absolutamente necessária, seu entendimento é importante para a racionalidade da tomada de decisões. Geralmente, as decisões econômicas se baseiam na análise custo-benefício. Por meio desta técnica, se verifica quais os custos e os benefícios resultantes de determinada tomada de decisão. Se os benefícios superam os custos, a decisão é implantada. Se os custos são maiores, então se procuram projetos alternativos. Para isso, procura-se incluir toda a diversidade de valores envolvidos na tomada de decisão, incluindo eventuais perdas ambientais e compensações a populações afetadas. Assim, ainda que a idéia pareça simples, existem problemas práticos e teóricos que são praticamente insuperáveis. Alguns dos valores envolvidos são dados pelo mercado e, portanto, estão indicados em unidades monetárias. Por exemplo, o custo de construção de uma represa ou a perda de produção agrícola podem ser estimados a partir dos valores de mercado sem maiores problemas. Alguns bens e serviços, no entanto, não fazem parte do mercado e, conseqüentemente, não possuem valores monetários. Este é o caso de diversos

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recursos naturais como a água ou o ar limpo, a conservação de uma paisagem ou a proteção de determinada espécie, por exemplo. Para que estes bens entrem na análise custo-benefício devem ser indicados nas mesmas unidades monetárias que os demais bens que entram na tomada de decisões. Ou seja, para avaliar a magnitude dos custos e a magnitude dos benefícios e poder compará-los, é necessário que custos e benefícios, bem como todos os componentes que os formam, sejam indicados de acordo ao seu valor monetário de mercado ou ao seu valor monetário estimado na ausência de mercado. Para isso, existem diversas técnicas de valoração que procuram atribuir “preços”, ou valores monetários, àqueles bens e serviços que não fazem parte do mercado. Não cabe aqui discorrer sobre todos os métodos de valoração monetária dos recursos naturais, mas vale mencionar algumas de suas limitações, que se aplicam a todos estes métodos. Ainda que se admita que em muitos casos a valoração monetária dos recursos naturais pode auxiliar na tomada de decisões, a mesma se baseia na utilidade presente que as pessoas obtêm com estes recursos ou com a suposta utilidade futura que se possa ter. No entanto, muitos dos bens e serviços ambientais não representam utilidade ou elas são desconhecidas para grande parte da população. Este é o caso de muitos dos serviços ambientais que, embora exerçam funções imprescindíveis para o equilíbrio dos ecossistemas, as pessoas não identificam sua utilidade e, conseqüentemente, os infra-valoram. Por exemplo, as pessoas podem facilmente reconhecer o valor da água ao comprá-la em garrafas nos supermercados, mas dificilmente reconhecerão o seu valor para a reciclagem de nutrientes ou para a manutenção da biodiversidade. Tome-se, ainda, como exemplo, artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo” de 15 de janeiro de 2007, cujo título é “Brasil testa gel anti-HIV derivado de alga marinha”. Se de fato esta alga marinha possui a substância capaz de inibir a propagação do vírus HIV, se pode estimar o enorme valor que ela teria em conseqüência da redução dos gastos de saúde público e privado que a doença da AIDS causa, os gastos trabalhistas gerados com as pessoas doentes que faltam a seus trabalhos e os custos atuais das vidas humanas perdidas. No entanto, pode-se afirmar sem correr o risco de equivocar-se que qualquer método de valoração econômica atual desta alga marinha não encontraria um valor nem próximo destes benefícios que a mesma pode gerar. Tampouco seria atribuído algum valor monetário à água por servir de hábitat para esta alga. Suponha-se, agora, que a construção de um porto vá gerar impactos de tal magnitude que estas algas vão se perder e para tomar a decisão da viabilidade do empreendimento se recorra a uma análise custo-benefício. Para incluir na tomada de decisão a perda da biodiversidade se recorrerá a métodos de valoração que não identificarão este possível valor futuro da alga e o resultado é que o os benefícios da construção do porto serão muito superiores aos custos e a alga se extinguirá. Outro problema inerente aos métodos de valoração monetária está relacionado ao poder econômico das pessoas. Apesar de que o poder econômico afeta de forma diferente os vários métodos de valoração, a tendência é que as pessoas de maior poder aquisitivo atribuam maior valor monetário aos bens e serviços ambientais, mesmo que suas utilidades e preferências manifestas por determinado bem ou serviço seja inferior a de uma pessoa de menor poder aquisitivo. Neste caso, existe uma grande dissociação entre o valor percebido e o valor monetário atribuído. A valoração monetária peca, ainda, em não conseguir incluir de forma eficiente as populações que se encontram distantes da área afetada nem as gerações futuras. Além disso, estes métodos refletem o valor que os bens e serviços possuem para o Homem, considerando muito marginalmente o valor que bens e serviços ambientais possuem com independência da utilidade para o ser humano. Ainda, os métodos de valoração dificilmente conseguem captar as dinâmicas dos ecossistemas e sua importância para o Homem, sabendo que muitos dos processos levados a cabo pelos humanos resultam em impactos irreversíveis para os ecossistemas. Contudo, o fato de que os métodos de valoração dos recursos naturais apresentem falhas não significa que sejam completamente inúteis. Pelo contrário, em alguns casos são extremamente

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úteis para auxiliar a tomada de decisões. No entanto, é necessário ter em conta as limitações apresentadas para que se possam utilizar os resultados encontrados de maneira justa e eficiente. Devido às limitações apresentadas até aqui, Martínez-Alier e Roca Jusmet (2001) e Martínez-Alier, Munda e O´Neill (1998) argumentam que a incomensurabilidade de valores existentes nas relações economico-ecológicas não implica em incomparabilidade. “O fato de que possamos eleger entre diferentes situações e objetos, de forma sensata e racional, não significa que devamos sustentar que uma situação é mais valiosa que outra. Podemos não aceitar uma proposição como X vale mais que Y e, ao mesmo tempo, eleger X ao invés de Y” (Martínez-Alier e Roca Jusmet, 2001). As limitações dos métodos de valoração dos bens e serviços ambientais resultam, portanto, em limitações na internalização das externalidades bem como na utilização de instrumentos econômicos para a conservação. No entanto, conhecendo estas limitações, os instrumentos econômicos, associados a políticas de comando e controle e a mecanismos de compensações por serviços ambientais conforme postulado por Born e Talocchi (2002), podem ser boas ferramentas para alcançar objetivos pré estabelecidos. Podem, portanto, proporcionar os melhores custo-efetividade quando se conhecem os objetivos a serem perseguidos. Parafraseando Martínez-Alier (1998), “...pensamos que, no melhor dos casos, os agentes econômicos atuais valoram de maneira arbitrária os efeitos irreversíveis e incertos de nossas ações de hoje sobre as gerações futuras. No entanto, ainda que questionemos as possibilidades de internalização convincentes das externalidades, que defendamos a tese da incomensurabilidade dos elementos da economia e que, portanto, sustentemos que necessariamente a economia está imbricada na sociedade e na política, não significa que devamos estar contra, na prática, aos impostos sobre o uso de energias não renováveis ou ao mercado de licenças de contaminação de SO

2 como instrumentos que levam à redução dos

impactos negativos da economia sobre a ecologia”. 4. Instrumentos econômicos de política ambiental Já na década de 1920, o economista inglês A.C. Pigou propôs a utilização de impostos como forma de internalizar as externalidades negativas, instrumento que até hoje é utilizado e chamado de imposto pigouviano. A idéia de Pigou era que, uma vez determinado o “nível ótimo” de poluição, podiam ser criados impostos de forma que a função de produção de uma empresa considerasse todos os custos, incluindo os relativos aos impactos negativos gerados. Pigou lançou, assim, a concepção do poluidor pagador. Por mais absurdo que o conceito de “nível ótimo” de poluição possa parecer, a sua concepção reside na suposição de que para produzir bens e serviços utilizados pelos seres humanos, algum nível de interferência no meio ambiente ocorrerá e será aceitável até determinados limites. Em outras palavras, existem trocas (trade-offs) entre capital natural e capital produzido e a questão é determinar os limites para estas trocas. Na década de 60, o também economista inglês R. H. Coase, premio Nobel de economia no ano de 1991, lançou, com a publicação do artigo “The Problem of Social Cost”7, a idéia de que parte dos problemas ambientais decorre do fato de que os recursos naturais não fazem parte do mercado, cuja explicação já foi descrita no presente documento. Neste artigo, Coase argumentava que em ausência de custos de transação (por exemplo, custos de negociação, redação de

7 Publicado em outubro de 1960 no Journal of Law and Economics.

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contrato, monitoramento do cumprimento, etc.) e com os direitos de propriedade bem definidos, o mercado seria eficiente para resolver conflitos socioambientais entre dois agentes econômicos sem a necessidade de intervenções externas, o que levaria à internalização das externalidades. Para muitos, o atrativo do que se convencionou chamar Teorema de Coase é a regulação dos conflitos ambientais pelo mercado, sem que sejam necessárias intervenções externas nem que ninguém defina “politicamente” (ou tecnicamente, se é que isso é possível) o valor dos recursos naturais e dos impactos ambientais (Martínez-Alier e Roca Jusmet, 2001). No entanto, Martínez-Alier e Roca Jusmet (op. cit.) mostram que o Teorema de Coase, da maneira como foi formulado, não pode funcionar de forma eficiente. Conseqüentemente, assim como ocorre com os impostos pigouvianos, as normas e limites ambientais não são determinados pelo mercado e sim política ou tecnicamente, e o que assume relevância são os instrumentos utilizados para ajustar a economia a tais normas. Neste sentido que se coloca o conceito de custo-efetividade, que consiste em encontrar a maneira mais barata de conseguir que as normas ambientais sejam cumpridas. Jacobs (1997) e Van Hauwermeiren (1999) mostram que são quatro os principais instrumentos por meio dos quais se podem restringir as atividades econômicas para o cumprimento de metas ambientais: mecanismos voluntários, regulação, gastos governamentais e incentivos econômicos. “Quando se trata de limitar e não de proibir totalmente determinadas atividades, os economistas em geral tem se pronunciado a favor dos incentivos econômicos ao invés de outras formas de política ambiental. Se entendem por incentivos econômicos aquelas políticas que não se limitam a dizer o que está e o que não está permitido fazer, mas aquelas que mudam os dados do mercado – preços e custos – que afetam as decisões dos agentes econômicos (Martínez-Alier e Roca Jusmet, 2001). O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA aponta (UNEP, 2004) que os instrumentos econômicos podem promover mudanças importantes nas dinâmicas do mercado. Assim, de acordo com o PNUMA, os instrumentos econômicos são mais eficientes que as políticas de comando e controle para fazer com que os custos de poluição recaiam efetivamente sobre os causadores da poluição, reduzem os custos de cumprimento da legislação na medida em que as atividades de redução de contaminação se direcionarão para as áreas onde os resultados são mais fáceis de serem atingidos, geram incentivos para reduzir a poluição abaixo dos níveis definidos por lei, requerem menos gestão do setor público que as políticas de comando e controle, entre outros. Não obstante, existem casos, por exemplo, em que não se trata de reduzir a poluição onde seja mais fácil e mais barato atingir as metas, mas sim de reduzir as fontes de contaminação de forma geral. Por isso, o próprio PNUMA realça a importância de ver os instrumentos econômicos como um componente de uma política abrangente, que complementa as políticas de comando e controle e não as substitui. Este mesmo raciocínio seguem MacDonald, Connor e Morrison (2004) ao afirmar que os “instrumentos econômicos raramente são substitutos para os marcos regulatórios e outras abordagens. Eles apenas possibilitam que se alcancem resultados ambientais desejáveis a menores custos”. Ainda de acordo com o PNUMA (UNEP, 2004), os “instrumentos econômicos são estruturados para alcançar basicamente três objetivos principais:

6. Corrigir problemas relacionados aos direitos de propriedade que contribuem para a contaminação ou para a má gestão dos recursos,

7. Estabelecer e reforçar os preços dos recursos consumidos e dos impactos ambientais associados à produção,

8. Subsidiar a transição para comportamentos mais desejáveis com relação ao impactos sobre os recursos”.

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Segundo Jacobs (1997) e Van Hauwermeiren (1999), existem basicamente três tipos de incentivos econômicos: os impostos, os direitos transacionáveis e os depósitos retornáveis. MacDonald et. al. (2004), tendo como pano de fundo os mesmos incentivos relatados por estes autores, fazem uma interessante divisão entre instrumentos baseados nos preços e instrumentos baseados nas quantidades. Os instrumentos baseados nos preços visam influenciar o desempenho ambiental por meio da internalização das externalidades ou do subsídio de ações mitigadoras. São os casos das taxas, impostos, subsídios, e as ofertas públicas de incentivos para redução de poluição ou aumento da mitigação, que serão concedidas aos atores privados que oferecem a melhor proposta. Os instrumentos baseados nas quantidades definem padrões e/ou limites de contaminação. São os casos dos direitos transacionáveis e das indenizações ambientais, que consiste em um pagamento do causador da externalidade para aqueles que sofrem com a mesma. 4.1. Impostos Os impostos ecológicos podem ser aplicados em diferentes etapas dos processos que utilizam os recursos naturais. Podem ser aplicados, por exemplo, na extração dos recursos, no seu manejo, na utilização como input em processos produtivos, na geração e disposição final de resíduos e também sobre o consumo. Vale reforçar que o objetivo principal de um imposto ambiental não é a arrecadação que o mesmo gera e sim a mudança no comportamento das pessoas/empresas afetadas por este gravame. Assim, do ponto de vista de sua capacidade incentivadora de mudanças de comportamento, mais importante do que o destino final do dinheiro arrecadado é o desenho do imposto proposto. Tributos criados com finalidade arrecadadora podem ser incentivadores se afetam o pagamento – pagar mais ou menos – de acordo com o comportamento ambiental e impostos chamados ambientais podem ser pouco ou nada incentivadores. Por exemplo, uma taxa de resíduos municipais que recaia igualmente sobre todos os cidadãos ou que sua variação não tenha nenhuma relação com a quantidade de resíduos gerados pode cumprir uma função arrecadadora importante para o serviço público, mas não terá nenhum efeito incentivador: o custo monetário marginal para uma família de gerar mais resíduos é zero (Roca, Puig, Hercowitz e Hernández, 2003). Assim, quando se fala em reforma fiscal ecológica, muito discutida na Europa na década de 90, se fala em gravar maus comportamentos e deixar de gravar bons comportamentos, ou, conforme colocaram Repetto et. al. (1992), mudar a carga fiscal dos bens econômicos para os “maus” ambientais, de forma que se gere um duplo dividendo (ver também Pearce, 1991). Por exemplo, no “Livro Branco sobre o Crescimento, a Competitividade e o Emprego da União Européia (Comissão Européia, 1993), o termo duplo dividendo se associava principalmente com a possibilidade de substituir parte das contribuições sociais por impostos ecológicos. A idéia é que se se encarecem os custos das energias contaminantes e se barateiam o preço do trabalho, se alcançariam dois objetivos socialmente desejáveis, uma melhora ambiental e o aumento do emprego (Roca et. al., 2003). Um imposto sobre a extração de recursos desempenha um papel incentivador na medida em que encarece o custo total deste recurso. No entanto, o efeito sobre a quantidade extraída dependerá da elasticidade renda dos consumidores com relação a este produto. A elasticidade é um termo utilizado na economia que indica a variação no consumo de um produto em função da alteração nos preços. Uma baixa elasticidade indica que mesmo com grandes variações nos preços as variações no consumo seriam pequenas. Alta elasticidade significa o

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contrário, ou seja, pequenas variações nos preços afetam de forma importante o consumo. Assim, os bens básicos essenciais, como a água, por exemplo, tem uma baixa elasticidade até determinada faixa de consumo. Isto é, dado que a água é necessária à vida, mesmo que se aumentasse muito o preço o consumo se manteria igual, pelo menos até a faixa de consumo necessária para atender às necessidades básicas. Atendida estas, a elasticidade seria maior, porque então já não se trataria mais de um consumo essencial. Neste caso surge a questão distributiva. Evidentemente os efeitos distributivos de um imposto ecológico desta natureza dependem do bem afetado, do desenho específico do imposto e do estabelecimento ou não de medidas compensatórias. No exemplo de um imposto sobre o consumo de água, é de se esperar que o mesmo tenha um efeito regressivo, isto é, afetará mais aos pobres, já que a elasticidade é baixa conforme explicado. No entanto, ao estabelecer uma tarifa baixa para os consumos mais básicos e uma tarifa progressiva para ser aplicada conforme o consumo aumenta, pode-se penalizar os que desperdiçam água ao mesmo tempo em que os mais ricos paguem proporcionalmente mais. Além disso, ao subsidiar e/ou financiar sistemas de economia de água para os mais pobres, os efeitos sociais regressivos podem ser reduzidos (Roca et. al., 2003). Os impostos podem ser aplicados com o intuito de reduzir a contaminação. Quando é possível monitorar os lançamentos nos pontos de emissão, se podem gravar os fluxos de contaminações. Em vários países as companhias pagam de acordo com o nível de lançamentos contaminantes nos rios e corpos d´água. “Na França, são cobrados impostos pela emissão de dióxido de enxofre no ar. Na Bélgica, Dinamarca e Estados Unidos se cobram impostos por resíduos sólidos e químicos” (Jacobs, 1997). Em teoria, para que estes impostos tenham um caráter incentivador, estes impostos não deveriam estar relacionados apenas ao nível de emissão, mas também, e principalmente, ao problema ambiental que causa. Por exemplo, o impacto que o lançamento de um efluente causa em um rio pode variar com a localização do lançamento, a época do ano, o fluxo de água, etc. Não é o que acontece em geral. Normalmente o imposto cobrado é muito baixo para gerar uma mudança de atitude e o objetivo final acaba sendo arrecadador para financiar as atividades do setor público (ou privado, em alguns casos) de tratamento, limpeza e controle da contaminação. Quando o lançamento de efluentes é muito difuso, de tal forma que se torna muito difícil e/ou custoso identificar todas as fontes de contaminação, pode ser mais adequado aplicar o imposto sobre o input que causa a contaminação. Este é o caso, por exemplo, do dióxido de carbono emitido pelos automóveis. Neste caso é mais fácil gravar a utilização de combustíveis fósseis do que as emissões de CO2. Se pensamos no efeito incentivador do imposto, se poderia imaginar

um gravame sobre o uso de gasolina comum de tal maneira a gerar incentivos para que os consumidores utilizem biocombustíveis, como, por exemplo, o etanol, que emite menor quantidade de CO2. Neste caso o imposto seria sobre o consumo e não sobre o insumo.

Na mesma idéia de imposto sobre o consumo, se poderia pensar, por exemplo, em impostos sobre as garrafas PET, que tanto contaminam os rios e demais corpos d´água, de forma a incentivar o uso de garrafas de vidro reutilizáveis. Contudo, apesar da importância dos impostos ecológicos como instrumentos de política ambiental, gerando incentivos para diminuir a contaminação, se pode entendê-los de acordo ao princípio do poluidor pagador. Isto é, as pessoas e/ou indústrias que contaminam pagam uma valor monetário por fazê-lo. A melhor das hipóteses de aplicação do princípio do poluidor pagador é quando existe tecnologia disponível que permita mitigar completamente a contaminação gerada. Neste caso, o valor pago pelo poluidor deve ser suficientemente alto para, se não inibir a geração da contaminação, ao menos permitir sua neutralização. Infelizmente na maioria das vezes não é isso o que ocorre; o pagamento engorda as contas públicas, permite eventualmente alguma

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melhoria nos níveis de contaminação, e o resto é pago pelo conjunto da sociedade ou, ao menos, por um grupo de pessoas afetadas. Em qualquer um dos casos, o princípio do poluidor pagador gera um conflito distributivo no qual as pessoas e/ou indústrias de maior poder econômico “compram” o direito de contaminar enquanto os menos favorecidos não podem se beneficiar dos mesmos direitos. 4.2. Subsídios Em geral os subsídios são classificados na literatura específica como gastos governamentais, já que os governos efetivamente fazem um pagamento para subsidiar determinados comportamentos desejáveis das pessoas e/ou indústrias ou deixam de arrecadar recursos monetários como forma de incentivo. No entanto, no presente relatório trataremos os subsídios juntamente com os demais incentivos econômicos, porque assim entendemos e também porque sua utilização guarda estreita relação com os impostos. Da mesma forma que os impostos ecológicos são utilizados para forçar a mudança de comportamento dos agentes de mercado, os subsídios podem gerar incentivos semelhantes. Mais dói que isso, os subsídios podem muitas vezes ser utilizados conjuntamente com a os impostos, configurando uma política fiscal ecológica. Um exemplo disto já foi mencionado neste relatório, quando se referiu aos impostos sobre o consumo de água ao mesmo tempo em que se subsidiam investimentos para a economia de água. A grande diferença dos subsídios com relação aos impostos é que os primeiros não obedecem à lógica do poluidor pagador. Os subsídios podem ser de várias formas distintas. Por exemplo, podem ser colocados em prática por meio de subvenções, créditos mais favoráveis que os de mercado ou descontos fiscais. Além disso, os subsídios podem ser concedidos para reduções de emissões abaixo de um nível determinado ou para a realização de pesquisa e investimentos que levem à redução da contaminação, por exemplo pelo uso de novas tecnologias, ou, ainda, à menor utilização de recursos naturais. 4.3. Direitos transacionáveis Os direitos transacionáveis se assemelham ao mecanismo de cotas de exploração dos recursos naturais. Diferentemente dos impostos, que segue o princípio do poluidor pagador e, portanto, não fixa limites nas quantidades de contaminação gerada, mas determina os custos para mitigá-la, a utilização de direitos transacionáveis determina um nível máximo de contaminação aceitável. Assim, estes direitos são distribuídos de acordo a alguma lógica determinada pelos governos entre os agentes econômicos que podem, posteriormente, negociá-las no mercado. Essa distribuição inicial das cotas de contaminação é fator fundamental nas políticas de direitos transacionáveis e podem ser de diferentes maneiras. As cotas podem, por exemplo, ser distribuídas conforme as emissões históricas ou, para citar outro exemplo, podem ser leiloadas entre no mercado. As empresas que apresentam custos de tratamento muito elevados, para as quais reduzir a contaminação será muito custoso, preferirão adquirir cotas de contaminação de outras empresas. Da mesma forma, aquelas empresas que conseguem reduzir suas emissões de poluentes a um custo relativamente baixo, optarão por fazê-lo e vender seus direitos em uma negociação de mercado. Com isso, as empresas terão constantemente um incentivo para reduzir suas emissões, sempre que exista demanda no mercado por direitos de poluição. O fato de os limites de contaminação serem determinados politicamente, de fora do mercado, é uma vantagem que os direitos transacionáveis apresentam com relação aos impostos. Os

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governos podem, a qualquer momento, determinar o número máximo de cotas a disponíveis. Por outro lado, os direitos transacionáveis apresentam a desvantagem de que possam ocorrer emissões muito elevadas em alguma parte enquanto em outro lugar não ocorra nenhuma contaminação. Portanto, os direitos transacionáveis são mais efetivos em um mercado com um número elevado de atores e cujo poluente seja disperso o suficiente que não permita desigualdades regionais nos níveis de contaminação. O mercado de carbono decorrente das negociações que levaram ao Protocolo de Kyoto é um bom exemplo de política de direitos transacionáveis. Conforme se sabe, uma das grandes dificuldades para sua efetiva implementação foi justamente a distribuição inicial dos direitos de contaminação. Apenas os países do chamado anexo 1 tinham metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, e alguns deles não assinaram o Protocolo alegando que outros países também deveriam ter cotas de redução. Por outro lado, as metas determinadas pelo Protocolo de Kyoto, que foram o ponto de partida para a distribuição das cotas de redução, foram determinadas politicamente e é questionável sua contribuição para a redução dos gases de efeito estufa acumulados na atmosfera e para a mitigação do aquecimento global. 4.4. Depósitos retornáveis Os depósitos retornáveis funcionam de forma a incentivar determinados comportamentos que cumpram com boas práticas ambientais. Parte do pagamento que as pessoas e/ou empresas fazem na aquisição de determinado produto se refere ao valor que deveria ser, em teoria, suficiente para fazer frente ao tratamento necessário para mitigar a contaminação que o mesmo produz. No caso que esta pessoa/empresa assuma práticas ambientalmente favoráveis de forma que ela própria se responsabilize pela mitigação do impacto, ou assuma comportamentos favoráveis para tanto, o depósito é devolvido. Se este comportamento não ocorre, o governo ou outro ator econômico da cadeia produtiva fica com este valor e se responsabiliza pela mitigação do impacto. Um fácil exemplo disso é dado pelas garrafas de vidro compradas em supermercados. Ao comprar a mesma, o consumidor para pelo líquido e pela garrafa. Ao devolver a garrafa, o depósito é retornado. O valor deste depósito deveria ser suficientemente grande para garantir um serviço de limpeza publico e a disposição final da garrafa ou a limpeza e transporte necessários para seu reaproveitamento. No caso das garrafas de vidro, provavelmente o valor do depósito se refira ao custo de produção da garrafa e guarde pouca relação com o impacto ambiental. No entanto, pensando desde uma perspectiva ambiental, até mesmo, ou principalmente, as garrafas de plástico deveriam possuir um valor de depósito. Conforme já mencionado neste relatório, os custos de disposição final da mesma ou os custos de limpeza das vias públicas deveriam ser arcados pelos atores que fazem parte de sua cadeia de custodia. Ao inserir no preço da garrafa um valor que se destine a esta finalidade e que seja devolvido no caso de o consumidor entregar a garrafa em um posto de reciclagem, se está contribuindo ativamente para a mudança de comportamento e para uma gestão mais eficiente tanto dos recursos naturais como dos serviços públicos. 5. O planejamento da política econômica ambiental Conforme apresentado até este ponto no presente relatório, os instrumentos econômicos de política ambiental são diversos, e a utilização de cada um deles será recomendada de acordo as situações que se apresentem. Em realidade, é muito possível que um instrumento exclusivamente não seja tão útil como uma combinação de vários deles para tentar incentivar a mudança de comportamento da sociedade por padrões mais sustentáveis. Mais do que isso, a efetividade dos instrumentos econômicos estará condicionada, quase sempre, a existência de marcos legais e

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regulatórios bem estabelecidos, políticas de comando e controle claras e, conseqüentemente, a um marco institucional forte que se traduza em forte governança. Um dos principais elementos para o sucesso dos incentivos econômicos na busca por padrões mais sustentáveis é o seu potencial incentivador de mudança de comportamento. Para este fim, além de um profundo conhecimento da realidade, é necessária muita criatividade na concepção e formulação dos instrumentos a serem propostos. Uma situação como a apresentada pelos mananciais da região metropolitana da cidade de São Paulo, de enorme complexidade e situações extremamente distintas, requererá certamente uma combinação de instrumentos que possam atingir de forma eficiente e justa todas as pessoas afetadas. O processo de formulação de uma política econômica ambiental pode ser dividido em duas etapas. Na primeira etapa se trabalha com os indicadores primários, que medem a quantidade e a qualidade das características fundamentais dos ecossistemas. Por exemplo, os solos, as florestas, o uso da terra, a água, o ar, a biodiversidade, etc. Estes são os aspectos que proporcionam a integridade e a qualidade ambiental e são, portanto, os indicadores que se pretende manter constantes ou melhores que os atuais (Jacob, 1997). Os indicadores secundários são os que medem as atividades econômicas que causam mudanças nos indicadores primários. Ou seja, são os fluxos de entrada e saída dos estoques representados pelos indicadores primários. Incluem, por exemplo, índices de emissões e lançamento de poluentes, que é o que determina a contaminação dos indicadores primários de água, terra e ar (Jacob, 1997). É o indicador primário que mede a sustentabilidade, mas é sobre o secundário que os instrumentos econômicos podem atuar para o estabelecimento de uma política econômica ambiental (Jacob, op. cit.). Na segunda parte deste trabalho, onde se pensarão os instrumentos econômicos que podem contribuir para a Política Municipal de Proteção dos Mananciais de São Paulo, será necessário realizar um diagnóstico da situação atual destes mananciais que proporcionem o entendimento das realidades existentes e, principalmente, o estado atual dos indicadores primários relacionados à quantidade e à qualidade da água da cidade. Com base nestas informações, poder-se-á pensar quais os indicadores secundários mais eficientes para alcançar metas pré-estabelecidas. Desta forma, se podem propor instrumentos econômicos, incluindo os pagamentos por serviços ambientais, se assim for indicado, que se transformem em políticas públicas efetivas que proporcionem os melhores custo-efetividade, ou seja, que alcancem objetivos estabelecidos com os menores custos sociais e econômicos. Bibliografia Born, R. e Talocchi, S. (coords). 2002. Payment for Environmental Services: Brazil. Relatório elaborado com parte do projeto “Payment for Environmental Services in the Americas” financiado pela Fundação FORD e dirigido pela Fundação PRISMA, sob coordenação de Herman Rosa and Susan Kandel. Comissão Européia. 1993. Growth, Competitiveness and Unemployment. Livro Branco, Dezembro de 1993 (manuscrito). Costanza, R., D’arge, R., De Groot, R.S., Farber, S., Grasso, S., Hannon, B., Limburg, K., Naeem, S., O’neill, R.V., Paruelo, J., Raskin, R.G., Sutton, P. e Van den Belt, M. 1997. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, 387(6630), 253–260. Daly, G.C., 1997. Introduction: What are ecosystem services? Em: G.C. Daily (ed.) Nature’s Services: Societal Dependence on Natural Ecosystems. Island Press, Washington, DC.

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Estudo 3 - Estudo sobre Instrumentos Econômicos e P agamento por Serviços Ambientais como Subsídio para a Política M unicipal de Proteção dos Mananciais de São Paulo 1. Instrumentos econômicos aplicados à gestão da ág ua A água é um recurso natural renovável, porém finito, essencial à vida e ao equilíbrio ecológico do planeta. Enquanto o ciclo hidrológico é responsável pela renovação da água do planeta, sua disponibilidade para o consumo humano – em termos de quantidade e de qualidade – está diretamente relacionada ao conceito de capacidade de suporte.

O ciclo hidrológico é a circulação contínua de umidade e água no planeta por meio da energia solar que chega á superfície terrestre. A energia solar causa a evapotranspiração das águas dos mares, rios e lagos e a transpiração das plantas. O vapor d’água forma as nuvens, que se movimentam por meio das correntes atmosféricas e sob influência da rotação da Terra, e cuja condensação forma as chuvas. A água das chuvas que atinge a superfície terrestre escoa superficialmente para áreas de menor declividade, abastecendo os rios que desaguarão no mar, ou então são infiltradas no solo alimentando os lençóis subterrâneos. O ciclo da água é representado na figura abaixo.

Figura – Ciclo da água ou ciclo hidrológico

Fonte: http://www.photographia.com.br/gerais.htm.

O conceito de capacidade de suporte aplicado à gestão dos recursos hídricos diz respeito à capacidade dos corpos d’água em assimilar os resíduos lançados e à capacidade de renovação dos estoques d’água8 com relação à quantidade de água consumida. Isto é, os corpos d’água são capazes de reciclar uma determinada quantidade de efluentes lançados e possuem uma determinada taxa de renovação da água. Sua utilização acima destes limites provoca perda de qualidade dos recursos hídricos, comprometendo também a quantidade disponível.

Tradicionalmente, a teoria econômica baseia suas análises na avaliação dos ciclos monetários/financeiros de acordo a uma concepção de um sistema fechado. Isto é, tradicionalmente a economia analisa as relações sociais e de fluxo monetário entre as empresas, 8 Realizada por meio do ciclo hidrológico.

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que produzem bens de consumo que são vendidos às pessoas, e as pessoas, que fornecem a mão de obra (trabalho) para a produção destes bens e recebem, em troca, seus salários que servirão para adquirir bens de consumo.

A economia ecológica ampliou este campo de análise ao entender o sistema econômico como um sistema aberto. Isto é, a economia ecológica incorpora a análise econômica tradicional, mas entende que estas relações entre empresas e pessoas não pode ocorrer infinitamente. Isso ocorre porque existem limites impostos pelos ecossistemas que afetam esta relação. Existe, por um lado, limite na extração de recursos naturais e na obtenção de energia necessários para a produção destes bens de consumo e, por outro lado, existe um limite na capacidade dos ecossistemas em absorverem os resíduos gerados pelo sistema econômico. Por mais que os processos de reciclagem ganhem eficiência, existe sempre perda de material e energia ao longo da cadeia, de acordo à terceira lei da termodinâmica, a lei da entropia.

Metaforicamente, o sistema econômico pode ser visto como um metabolismo, que ingere recursos, os processa para gerar bens de consumo, e os elimina na forma de resíduos e energia dissipada. A figura a seguir representa graficamente o sistema econômico como um sistema aberto, especialmente às entradas e a saídas de água.

Figura – Sistema econômico como um sistema aberto

Fonte: elaboração própria, 2008.

O sistema econômico apresenta, portanto, relação com o ciclo hidrológico pelo lado da produção de água, que representa as entradas no sistema, e pelo lado da absorção de resíduos, representando as saídas do sistema que, de qualquer forma, estão intimamente relacionadas. Os instrumentos econômicos podem ser aplicados tanto na entrada como na saída de água do sistema econômico, no primeiro caso para manter a disponibilidade de água, incluindo qualidade e quantidade, e no segundo para não despejar nos corpos d’água quantidade de resíduos maior que a capacidade de suporte ou assimilação, o que afetaria também a disponibilidade de água para entrar no sistema.

Segundo Kraemer et. al. (2003), a aplicação de instrumentos econômicos na gestão da água pode ocorrer ao longo de todo o ciclo da água, e a forma como são usados varia muito entre os países. Entendemos, no entanto, o ciclo da água, ou ciclo hidrológico, como o processo natural de “produção” e reciclagem da água apresentado na figura. Ainda que os humanos tenham muito pouca influência e capacidade de intervenção direta sobre o ciclo hidrológico, especialmente sobre a energia solar que o move, seus comportamentos podem afetar negativamente o ciclo

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hidrológico. Por exemplo, os comportamentos humanos podem afetar a transpiração das plantas, na medida em que avança o desmatamento, a permeabilidade do solo, na medida em que se destroem as matas e pavimentam-se as ruas, assim como podem afetar o regime de chuvas de uma determinada região, entre outros. Sobre estes comportamentos os instrumentos econômicos têm um importante papel a desempenhar, incentivando os bons e desincentivando os maus comportamentos.

Quando Kraemer et. al. (op. cit.) referem-se ao ciclo da água, entendemos que se refiram principalmente à cadeia do saneamento. Se, por um lado, os instrumentos econômicos podem desempenhar um importante papel com relação aos comportamentos das pessoas de forma a contribuir para a manutenção da qualidade do ciclo hidrológico, por outro lado eles também podem ser aplicados de forma eficiente em todas as etapas da cadeia do saneamento. De forma genérica se poderia dizer que os instrumentos mencionados anteriormente afetam a produção de água (entrada no sistema econômico) enquanto que estes últimos influenciam mais a absorção dos resíduos (saída do sistema econômico). Não obstante, sabe-se que ambos estão relacionados, já que lançamento de efluentes em quantidade e qualidade superior à capacidade de suporte provocará, também, uma menor disponibilidade de água para entrar no sistema. A figura a seguir ilustra a cadeia do saneamento.

Os diferentes instrumentos mencionados por estes autores são:

− Taxas de extração de água – cobrança de uma quantidade de dinheiro para a extração de água. As águas subterrâneas e superficiais podem ser taxadas de forma diferente para incentivar um ou outro uso. Apesar de ter um caráter eminentemente arrecadador, as taxas de extração podem gerar incentivos para menor consumo de água e maior eficiência (diminuição de perdas).

− Cobrança pelo uso da água – tem o objetivo principal de financiar a infra-estrutura de captação e distribuição da água. Em princípio, a cobrança pelo uso da água deveria incluir os custos econômicos diretos, os custos sociais e os custos ambientais.

− Cobrança pela emissão de esgotos e efluentes – são tarifas pagas pela descarga da água utilizada. Consiste em um valor monetário pago pelas emissões indiretas, isto é, pelos esgotos domésticos ou efluentes lançados no sistema de tratamento de efluentes. Estas taxas podem desempenhar um papel incentivador na medida em que internaliza o custo de tratamento dos efluentes de acordo ao princípio do poluidor pagador.

Figura – Cadeia do saneamento

Tratamento de água Captação de água Adução

Reservação

Distribuição para

o consumo Coleta de

esgoto

Lançamento no

corpo d’água

Reuso

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− Cobrança por lançamento de água contaminada – consiste em pagamentos diretos com base em medições ou estimativas de quantidade e qualidade de poluentes lançados em um corpo d’água.

− Subsídios – tem dois objetivos principais: compensar usuários pelo custo que eles possam ter em decorrência de uma proibição ou de uma ação desejável, ou criar os incentivos necessários para alcançar determinada ação desejável, mas não obrigatória. Neste sentido, podem incentivar mudanças de comportamento para ações ambientalmente mais desejáveis ou promover investimentos em técnicas de produção ambientalmente mais adequadas, mitigando ou eliminando efeitos negativos. A Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD, 1996), citada por Kraemer et. al. (2003), define subsídio como “intervenções governamentais via pagamentos diretos ou indiretos, regulação de preços e medidas protecionistas para promover ações ambientalmente favoráveis em detrimento das ações degradantes”. Com este entendimento, os pagamentos por serviços ambientais se enquadram na categoria de subsídios.

− Licenças comercializáveis – a criação de licenças comercializáveis do direito de usar/poluir a água decorre da idéia de que em mercados perfeitamente competitivos, as licenças alcançarão seu maior valor de uso (Tietemberg, 2000, citado por Kraemer et. al., 2003). Os detentores de licenças que obtém baixos benefícios por usufruírem de suas licenças teriam um incentivo para vendê-las a alguém que obtivesse maiores benefícios. Esta transação resultaria, em teoria, em um benefício mútuo. O vendedor da licença obteria uma renda superior à que teria usufruindo do seu direito, enquanto que o comprador obteria um benefício superior ao gasto com a aquisição da licença. Especificamente com relação à água, as licenças comercializáveis podem ser aplicadas à extração de água, ao lançamento de efluentes e ao uso de bens e serviços da água, por exemplo, peixes ou geração de energia (Kraemer e Banholzer, 1999, citados por Kraemer et. al., 2003).

− Responsabilização por danos à água – tem o objetivo de internalizar e recuperar os custos de um impacto ambiental por meio de ações legais e fazendo o poluidor pagar pelo impacto causado. Desta forma, a responsabilização por danos ambientais coloca em prática o princípio do poluidor pagador. Por um lado, a responsabilização ambiental procura induzir o poluidor a ter mais cuidado com suas decisões com relação à emissão de poluentes, respeitando o princípio de precaução e, por outro lado, procura garantir a compensação das vítimas de um dano ambiental.

2. Alguns exemplos

Existem inúmeras experiências de aplicação de instrumentos econômicos na gestão da água. Kraemer et. al. (2003), por exemplo, analisam as experiências das taxas de extração de água na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca, a cobrança pelo uso da água na França e na Alemanha, as cobranças por coleta e tratamento de esgotos na Alemanha, na Dinamarca, na França e na Áustria, a cobrança pela disposição de efluentes industriais na Alemanha, na França, na Dinamarca e na Holanda, os subsídios na República Checa, no Reino Unido, na Irlanda, na Nova Zelândia e na Suécia, as licenças comercializáveis no Chile e na Austrália e a responsabilização por danos na Suécia. Sem entrar em detalhes de cada um destes casos, pode-se notar que um

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mesmo país pode utilizar mais de um instrumento econômico relacionado à gestão da água, deixando claro que os instrumentos apresentados anteriormente não são excludentes e, pelo contrário, podem ser utilizados conjuntamente de forma a configurar uma política econômica de gestão da água.

Especificamente com relação aos pagamentos por serviços ambientais, existem também diversas experiências sendo aplicadas em todo o mundo. Landell-Mills e Porras (2002), por exemplo, identificaram 61 casos de pagamento por serviços ambientais, em 22 países, relacionados exclusivamente à água. Destes, 20 se localizavam na América do Norte, 18 na América Latina e Caribe, 17 na Ásia, 5 na África e 1 na Europa. No entanto, a grande maioria destas experiências ocorre em escalas bastante pequenas, com um número reduzido de pessoas envolvidas. Além disso, a maioria das experiências se aplica a áreas rurais ou pequenas cidades onde existe claramente uma comunidade a jusante de um rio que é afetada pelas atividades de alguma outra comunidade e/ou indústria à montante. Uma exceção é a cidade de Nova York, que implementou um programa de conservação dos mananciais que inclui, entre outras ações, pagamentos por serviços. Cabe mencionar, também, que já se encontram em aplicação algumas experiências de pagamento por serviços ambientais nos mananciais que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo, especificamente o Programa Produtor de Água, idealizado pela Agência Nacional de Águas – ANA, ainda não implementado, o Programa Conservador de Água, do município de Extrema, inspirado no programa da ANA e que tem servido como projeto piloto para este, e o Projeto Oásis, idealizado e implementado pela Fundação Boticário. Todos estes, assim como o caso de Nova York, serão analisados mais adiante.

2.1. Conclusões gerais encontradas por Landell-Mill s e Porras (2002) com base na análise de 61 casos de PSA relacionados à água 9

Com relação aos 61 casos analisados por Landell-Mills e Porras (2002), os autores chegam a algumas conclusões gerais. Uma muito importante é que embora exista a percepção bastante difundida de que as florestas contribuem para a provisão de serviços ambientais, existem poucas evidências científicas que respaldem tal percepção. Com isso, os autores do estudo afirmam ser arriscado fazer qualquer tipo de generalização sobre a relação entre as florestas e a água, já que a o impacto das florestas nos fluxos de água, na qualidade, erosão, sedimentação, nos níveis do lençol freático e na produtividade aquática dependem de diversas variáveis que se combinam de formas diferentes em diferentes localidades. Entre estas variáveis estão o terreno, a composição do solo, as espécies de árvores e a fisionomia vegetal, o clima e os tipos de manejo utilizados.

Para ilustrar as diferenças entre as suposições largamente assumidas e as evidências científicas, Landell-Mills e Porras (op. cit.) citam exemplos de respostas diferentes da relação entre florestas e recursos hídricos devido às diferentes condições locais. São exemplos relacionados aos serviços prestados pelas florestas para a manutenção dos fluxos de água em épocas de seca, de controle de enchentes, controle de erosão, controle de sedimentação e de manutenção de habitats aquáticos. Posteriormente, os autores concluem: “as florestas não oferecem a panacéia para a perda de serviços das bacias hidrográficas. Suas contribuições dependerão de uma gama de fatores locais, incluindo clima, terreno, composição do solo, manejo das florestas e acessibilidade.

Na maioria dos casos, as florestas adicionarão mais valor onde forem incorporadas em amplas estratégias de proteção das bacias hidrográficas, incluindo outros tipos de uso da terra e medidas de proteção física como barreiras para conter a erosão, construção de terraços e a revisão das barragens”.

A dificuldade em relacionar as florestas com as melhorias na quantidade e na qualidade da água, isto é, a dificuldade de determinar com precisão os serviços ambientais prestados pelas florestas para a manutenção da oferta e da qualidade de água, não significa que eles não existam e não devem ser valorizados. Por um lado, a economia ecológica trabalha com o conceito, cada vez

9 Este ponto 2.1 se baseia quase que exclusivamente em Landell-Mills e Porras (2002).

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mais aceito pelos economistas tradicionais e pelos formuladores de políticas públicas, do princípio de precaução, que implica que decisões sejam tomadas com base em uma análise política, e não puramente científica ou econômica, que determine o nível de proteção necessário. Neste sentido, ainda que não exista comprovação científica exata do papel das florestas na oferta e na qualidade da água, as suposições comumente assumidas deste papel não são totalmente descabidas de sentido e podem orientar a formulação de políticas. Ou seja, não é absurdo supor que as florestas prestam um serviço ambiental com relação à água, ainda que seja difícil quantificá-los, e devem, portanto, ser considerados na formulação de políticas públicas, sobretudo em uma política ampla que inclua diversos instrumentos, diversos tipos de uso e ocupação do solo e diversos tipos de proteção. Por outro lado, a valorização destes serviços não significa necessariamente que sejam atribuídos valores monetários às florestas e aos serviços, e sim que tanto florestas como serviços devem ser conservados, visto que apresentam um valor nem sempre passível de ser traduzido em unidades monetárias.

Contudo, conforme visto na primeira parte do presente estudo, a idéia de Pagamentos por Serviços Ambientais está quase sempre relacionada à lógica do mercado. Neste sentido, a maioria das experiências de PSA envolve, de fato, um pagamento dos beneficiários para os provedores dos serviços. A quantia paga, no entanto, guarda pouca relação com a valoração monetária dos recursos naturais e dos serviços ambientais, sendo, na maioria das vezes quantificada pelo custo de oportunidade da terra. Em qualquer caso, nesta concepção de serviços ambientais e dos pagamentos por eles – que é muito diferente da idéia de serviços ecossistêmicos, que significaria uma visão mais holística e integrada, conforme já abordado – é necessária a identificação do serviço prestado e do motivo pelo qual se está pagando. Utilizando a terminologia de Landell-Mills e Porras (2002), é necessário definir a commodity pela qual o serviço ambiental será pago, ou, em outras palavras, qual o instrumento que transformará aquele serviço em um bem transacionável no mercado. Para tanto, é necessário identificar os beneficiários e avaliar qual o serviço prestado que lhes favorece e pelo qual estariam dispostos a pagar.

Entre os 61 casos analisados pelos autores mencionados, os serviços prestados e as commodities que transformam estes serviços em produtos comercializáveis no mercado são apresentados na tabela abaixo. Em seguida, no quadro 1 se explica o que significa cada commodity (instrumento). Note-se que o número total de commodity supera os 61 casos porque alguns deles utilizam mais de uma commodity.

Tabela – Análise de casos de PSA. Serviços prestado s e “ commodities ” transacionadas

Serviço Commodity – instrumentos propostos para transformar o serviço em uma “mercadoria”

transacionável no mercado

Número de casos

Proteção de mananciais/contratos de melhores práticas de manejo 6

Créditos de qualidade da água 4

Aquisições de terras 4

Qualidade da Água

Áreas protegidas em propriedades privadas 2 Créditos de salinidade 1

Créditos de transpiração 1

Produtos que não provocam salinização 1

Regulação do lençol freático

Licenças de redução de fluxos d’água 1 Proteção de

habitat aquático Contratos de melhores práticas de manejo 3

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Produtos sem salmão 1

Arrendamento de terras 1

Contratos de restauração de habitats de salmões 1

Créditos de habitats de salmões 1

Direitos de água 1 Aquisições de terras 1

Controle da contaminação

do solo Plantações de espécies "filtrantes" 1

Contratos de proteção de mananciais 20

Áreas protegidas 10

Aquisições de terras 4

Direitos de água 2

Regulação e qualidade da

água

Arrendamento de mananciais 1 Total 67

Fonte: Landell-Mills e Porras (2002)

Quadro 1 – instrumentos propostos para transformar o serviço em uma “mercadoria” transacionável no mercado

Contratos de melhores práticas de manejo – contratos negociados entre proprietários de terras nas bacias hidrográficas e beneficiários localizados à jusante nos quais se expressam claramente de forma detalhada as “melhores práticas de manejo” que deverão ser implementadas para o recebimento do pagamento.

Créditos de qualidade da água – comercializa o serviço prestado pelas florestas de manutenção da qualidade da água, por exemplo, a redução de sedimentos e a carga de nutrientes nos corpos d’água. O instrumento foi desenvolvido nos Estados Unidos como parte de iniciativas de regulação para manter a qualidade da água. Licenças de poluição são concedidas para fontes de poluição pontuais (por exemplo, plantas industriais), que só podem exceder seus limites se investirem em redução de poluição de fontes difusas, por exemplo, a proteção de mananciais. Atividades que melhoram a qualidade da água são recompensadas com créditos de qualidade da água que podem ser compensados pelo excesso de poluição.

Aquisições de terras – uma das formas mais simples de garantir a oferta de água de qualidade, comprando as terras em áreas de mananciais.

Áreas protegidas em propriedades privadas – contratos entre proprietários e aqueles que querem proteger ou expandir certos ecossistemas naturais (por exemplo, florestas e mananciais) nos quais os proprietários recebem um pagamento para manejar a terra de forma a alcançar o objetivo da conservação definido. Funciona como uma Reserva Privada do Patrimônio Natural, com a diferença que o proprietário recebe um pagamento pela mesma.

Créditos de salinidade – comercializa-se a função de controle da salinidade da água e dos solos realizadas pelas florestas. A plantação de árvores em áreas críticas reduz o lençol freático e consequentemente a salinização do solo superficial a dos corpos d’água. O sistema está sendo desenvolvido na Austrália. Limites de emissões de salinidade são dados a poluidores pontuais, que podem excedê-los apenas se os compensam por meio de aquisição de créditos de salinidade. Proprietários que investem em atividade que reduz a salinidade do solo e da água, por exemplo

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plantação de árvores, são contemplados com créditos que podem ser vendidos aos que poluem.

Créditos de transpiração – utilizados na Austrália para comercializar a função exercida pela floresta de evapo-transpiração e regulação do lençol freático. Os créditos de transpiração são fornecidos para plantações de árvores em pontos críticos da captação.

Produtos que não provocam salinização – o pagamento pela função de controle de salinidade das florestas e do cultivo de outros produtos (por exmplo, lima e tomates) vai embutido (internalizado) nas vendas destes produtos nos mercados sensíveis ao problema.

Licenças de redução de fluxos d’água – instrumento utilizado na África do Sul que consiste em licenças para atividades que reduzem a disponibilidade de água para usuários a montante. Plantações de árvores exóticas usam quantidades significativas de água e necessitam ser licenciadas. Em teoria, as licenças podem ser transacionadas, por exemplo, os proprietários que diminuírem a “redução” que causam no fluxo de água podem vender o excesso constante nas licenças para outros.

Produtos sem salmão – o pagamento pela manutenção de habitats de salmões seria embutido na venda de produtos agrícolas. Proprietários que investem no manejo de áreas sensíveis para o salmão seriam financeiramente recompensados por seus esforços.

Arrendamento de terras – consiste na distribuição de direitos de uso das florestas em uma área determinada para o arrendador, que se compromete a proteger a floresta de atividades madeireiras e não madeireiras insustentáveis.

Contratos de restauração de habitats de salmões – contratos negociados entre proprietários e pessoas/instituições que querem proteger o habitat dos salmões estabelecendo atividades detalhadas de restauração e manutenção de habitats em troca de pagamento.

Créditos de habitats de salmões – comercializa o papel que as florestas desempenham ao prover habitat para salmões. Este instrumento proposto seria baseado em um sistema regulatório para que os proprietários de terras em áreas de habitat de salmões conservem as florestas, por exemplo, as matas ciliares. Se realizaria um zoneamento de acordo ao valor que a área desempenha para os habitats dos salmões. Os proprietários em zonas menos sensíveis poderiam realizar outras atividades que não a conservação desde que compensassem créditos de habitats de salmão em áreas mais valiosas para esta espécie.

Direitos de água – estabelece direitos de propriedade para usos da água. Normalmente é utilizado para regular a demanda de água, mas pode ser estendido com a finalidade de criar incentivos para atividades que melhoram a distribuição de água, de forma que direitos adicionais podem ser estabelecidos para venda. Direitos de água também se configuram como uma maneira de garantir que os usuários de água paguem pela proteção dos mananciais.

Plantações de espécies "filtrantes" – comercialização da função de remoção dos contaminantes do solo realizada por algumas espécies de árvores e sistemas vegetativos (leguminosas e gramíneas) que absorvem água contaminada do solo. Este processo é conhecido por “fitoremediação”.

Contratos de proteção de mananciais – contratos negociados entre proprietários de terras em áreas de mananciais e beneficiários a jusante que especificam atividades de manejo que devem ser levadas a cão em troca de um pagamento.

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Arrendamento de mananciais – terras em áreas de mananciais são arrendadas por beneficiários a jusante, que implementam atividades de proteção.

Fonte: Landell-Mills e Porras (2002).

Dos casos analisados, Landell-Mills e Porras (2002) verificam que a maior parte dos programas de PSA relacionados à água tem participação do setor privado (entre 60% e 65% dos casos). Os compradores (beneficiários) dos serviços são, em geral, instituições privadas (empresas, por exemplo) e pessoas físicas, enquanto que os proprietários de terras são os principais vendedores (ofertantes) destes serviços. No entanto, embora o setor privado tenha dominado a oferta e a demanda dos serviços ambientais, a função de intermediação, responsável, entre outras coisas, em aproximar compradores e vendedores, tem sido assumida por governos, comunidades e, especialmente, por ONGs locais. Contudo, vale ressaltar a importância do setor público. Por um lado, os departamentos governamentais e as empresas públicas são os maiores compradores individuais de serviços ambientais relacionados à água e, por outro, como proprietários de extensas áreas de terra e áreas de mananciais, os governos têm um importante papel a desempenhar na oferta dos serviços ambientais.

Em geral, com base nos 61 casos analisados, nota-se que o mercado de serviços ambientais tende a ser mais cooperativo do que competitivo. Por um lado, as áreas de mananciais possuem na maioria das vezes mais de um proprietário, de forma que é muito difícil que os serviços sejam ofertados por apenas um proprietário individual. Por outro lado, os beneficiários em geral atuam em grupo, já que têm os mesmos interesses que vão, via de regra, contra os interesses dos ofertantes. Este é, por certo, conforme já mencionado ao longo deste trabalho, um fator presente na maior parte dos casos de PSA existentes: o conflito de interesses que gera uma negociação entre atores com diferentes pontos de vista e necessidades de água. “Para assegurar a proteção, os beneficiários têm que cobrir os custos de oportunidade relacionados aos rendimentos que os proprietários localizados a montante deixarão de ter com um uso alternativo da terra, por exemplo, agricultura” (Landell-Mills e Porras, 2002).

Apesar de que a característica cooperativa deste mercado é muito interessante e condizente com o objetivo final almejado, em alguns casos pode ser interessante estimular a competição. Por exemplo, nos casos em que existam poucos recursos para o pagamento pelos serviços ambientais, pode ser interessante estimular uma competição entre os ofertantes de modo a conseguir as melhores relações entre custo e efetividade, isto é, de forma a maximizar os benefícios ambientais com a menor quantidade de recursos disponíveis. Em New Soth Wales, na Autrália, por exemplo, foi proposto um fundo de investimentos em serviços ambientais que estimulará competição para a concessão de créditos de salinidade por meio de leilão entre os ofertantes. Os proprietários de terra competirão em termos da quantidade de créditos que eles se comprometem a gerar (ou reduzir a salinidade do solo) pelo preço dado.

No entanto, os autores apontam que provavelmente os Estados Unidos são quem mais tenham avançado na criação de mercados competitivos para os serviços ambientais, por meio da promoção de comercialização de poluentes (ou efluentes) de mananciais. O governo norte-americano determinou metas de qualidade de água em determinados mananciais e definiu responsabilidades para os maiores emissores pontuais de efluentes (por exemplo, os que lançam diretamente aos rios como as estações de tratamento de esgotos e as indústrias) para o cumprimento destas metas. A indústria que não cumpre com suas metas pode comprar créditos de contaminação, criando, com isso, demanda por estes créditos. Os créditos podem, no entanto, serem gerados de diversas formas, desde reduções de emissões destes maiores poluidores pontuais até atividades agrárias como, por exemplo, plantação de árvores. Com isso criou-se, também, um mercado competitivo de oferta de créditos de contaminação.

Na revisão dos casos realizada, os autores identificaram oito categorias de pagamentos por serviços em áreas de mananciais:

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• Negociação direta entre compradores e vendedores – envolve tanto compra de terra, contratos que determinam práticas específicas de manejo e criação de áreas protegidas em propriedades privadas.

• Transações com base em intermediários – intermediários são utilizados para controlar os custos de transação e os riscos. Normalmente são ONGs, organizações das comunidades, e agências governamentais. Em alguns casos foram criados fundos fiduciários.

• Transações consorciadas – controlam os custos de transação dividindo os riscos entre vários compradores.

• Comercialização interna – transações dentro de uma mesma organização, por exemplo, pagamentos intra-governamentais.

• Taxas aos usuários – ocorre quando o serviço é determinado por medidas padrões, por exemplo, os certificados.

• Transações “ Clearing-house” - um intermediário mais sofisticado que oferece uma plataforma central de comercialização para compradores e vendedores. Este mecanismo depende da existência de padrões pré-concebidos de commodities, por exemplo, créditos de salinidade ou compensações de qualidade da água.

• Leilões – geralmente associados ao mecanismo anterior, os leilões procuram estimular um mercado mais competitivo para os serviços ambientais relacionados à água. Leilões são propostos para determinar a oferta de serviços ambientais bem como para alocar os pagamentos da maneira mais eficiente.

• Comércio no varejo – quando os pagamentos pela proteção dos mananciais vão embutidos em outros produtos comprados pelos consumidores, por exemplo, produtos que não contém salmão. Normalmente são associados a certificações e rotulações que geram um reconhecimento por parte do consumidor e uma disposição a pagar.

A maior parte dos mercados de serviços ambientais relacionados à água existentes atua em nível local. Por um lado, em mercados maiores e mais dispersos, por exemplo, grandes bacias hidrográficas, a relação da conservação das áreas de nascentes com os impactos rio abaixo não é tão direta e linear e, por outro lado, os beneficiários percebem os benefícios da manutenção dos serviços a montante quanto mais próximo estiverem destas áreas. Por isso é maior o número de experiências locais com um mercado de serviços ambientais pequeno, ainda que existam exceções.

Outra característica importante dos mercados emergentes de serviços ambientais é que eles têm funcionado em sintonia com outras instituições locais, freqüentemente complementando e reforçando os sistemas reguladores ou cooperativos de manejo das bacias hidrográficas. Além disso, estes mercados emergentes muitas vezes têm impulsionado a criação de novas instituições.

A criação destes mercados tem sido impulsionada, na maioria das vezes (50% dos casos), pela demanda dos serviços ambientais. É mais difícil que isso ocorra por iniciativa dos ofertantes do serviço, já que os serviços ambientais relacionados à água não são excludentes, isto é, são prestados sem que se possa restringir e, portanto, é difícil exigir pagamentos pelos mesmos. A despeito da dificuldade em estimar cientificamente a relação entre a conservação das florestas e a melhoria na qualidade e na quantidade de água disponível, a percepção de que esta relação existe e é positiva tem sido o principal fator para a implantação de esquemas de PSA relacionados à água.

De acordo com Landell-Mills e Porras (2002), a maioria dos estudos sobre os mercados de serviços ambientais centram atenção na estrutura atual, e não muita no desenvolvimento dos

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mesmos. No entanto, com base nos casos revisados, os autores sugerem, de forma genérica, quais seriam os passos importantes a serem dados para a implantação de um esquema de PSA e a estruturação do mercado. Os passos são os seguintes:

• Verificar que o serviço existe e é positivo e identificar quais as atividades florestais que proporcionam o serviço.

• Geração de disposição a pagar, isto é, promover a percepção entre os beneficiários de que o manejo de florestas por terceiros localizados rio acima tem um valor e é positivo para eles mantê-los.

• Definir uma commodity que funcione como proxy do serviço, ou seja, definir o instrumento que transformará o serviço em um bem transacionável no mercado.

• Desenhar e implantar um mecanismo de pagamentos e as instituições de suporte.

• Atividade piloto e feedback para a efetiva estruturação do mecanismo e do mercado associado.

Os autores mencionam três grandes grupos de restrições para a criação de mercados de serviços ambientais relacionados à água: restrições relativas a altos custos de transação, relativas ao lado da demanda e relativas ao lado da oferta, que não são excludentes. Ou seja, podem ocorrer situações em que um mecanismo de PSA não possa ser implantado por apresentar restrições que relativas a mais de um destes grupos. Por exemplo, uma situação de altos custos de transação pode afetar negativamente a demanda.

Entre os fatores que podem gerar altos custos de transação, mencionam-se a existência de muitos, e heterogêneos, atores sociais na bacia, a inexistência de intermediários eficientes (custo-eficientes), direitos de propriedade não bem definidos e a carência de um marco regulatório claro e eficiente.

Com relação às restrições que afetam a demanda, são apontadas a falta de informação científica estabelecendo os benefícios das florestas, a falta de participação dos atores sociais chaves e a falta de disposição a pagar, que pode se dar pela resistência dos atores sociais que utilizam os serviços ambientais de forma gratuita ou pela falta de recursos financeiros.

Do lado da oferta, os maiores problemas apontados são o baixo conhecimento do mercado e da capacidade para explorar as oportunidades, a falta de credibilidade na oferta do serviço e a resistência cultural dos proprietários em não ter autonomia para decidir o que fazer em (parte de) suas terras.

2.2. Caso de Nova York

O sistema de abastecimento de água de Nova York é composto por três mananciais de água superficiais não filtradas – Croton, Catskill e Delaware – e um sistema de bombeamento de água subterrânea em Queens – o sistema Jamaica. O sistema de captação de água dos três mananciais, localizados na parte norte do estado (ver mapa 1 a seguir), contam com 19 reservatórios e três lagos controlados, com uma capacidade total de armazenamento de aproximadamente 2,1 bilhões de metros cúbicos. O sistema distribui água para quase metade da população do estado de Nova York – mais de 8 milhões de pessoas na cidade de Nova York e um milhão nos municípios de Westchester, Putnam, Orange e Ulster. No ano de 2005, o consumo médio foi de 4,2 milhões de metros cúbicos por dia (New York City Department of Environmental Protection (NYCDEP), 2006). Para distribuir toda esta água, o sistema de conta uma complexa e antiga rede de aquedutos, túneis e tubulações, algumas com mais de 100 anos, que necessitam manutenção e reparos (Pires, 2004).

Desde a década de 1990, a cidade de Nova York colocou em prática uma nova estratégia de

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manejo da água e dos mananciais que relaciona a proteção da qualidade da água com objetivos socioambientais das comunidades localizadas nas áreas de mananciais, distantes da cidade (Isakson, 2002).

A motivação maior para a implementação da nova estratégia de manejo dos recursos hídricos pelo departamento de águas de Nova York foi a Regulação de Tratamento de Águas Superficiais (Surface Water Treatment Rule) lançada pela Agência de Proteção Ambiental norte-americana, EPA, em 1989. Esta regulação dizia que toda a água potável distribuída para os cidadãos e captada em reservatórios superficiais deveria passar por um processo de filtragem. No entanto, a EPA divulgou também uma determinação (Determinações Para a Não Filtragem – Filtration Avoidance Determination, FAD) que dizia que se a água atender consistentemente os rígidos parâmetros estabelecidos para a água potável pelo governo federal e que se o provedor tem em prática um plano de manejo que minimiza os riscos de degradação e de abastecimento de água, a filtragem pode ser dispensada.

O governo de Nova York prontamente verificou a necessidade de construir um processo de filtragem para a água de Croton. No entanto, para implantar um processo de filtragem nas águas dos sistemas Catskills e Delaware, que são responsáveis por cerca de 90% da água consumida em Nova York, seria necessário um investimento superior a US$ 6 bilhões, mais US$ 200 a US$ 300 milhões por ano para operação e manutenção (NYT, 1996, citado por Isakson, 2002). Em face destes altos valores, a cidade de Nova York optou por destinar US$ 1,5 bilhões para elaborar e colocar em prática por um período de 10 anos um plano de proteção ambiental que garantisse a qualidade da água e evitasse a necessidade de filtragem.

Mapa 1 – Sistema de Abastecimento de Água de Nova Y ork

Fonte: Pires, 2004.

Depois de 6 anos de intenso e conturbado debate, no dia 21 de janeiro de 1997 foi firmado um acordo que resultou na Carta do Acordo dos Mananciais da Cidade de Nova York e que inclui o

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Plano de Gestão de dos Mananciais. O acordo foi assinado pela Cidade de Nova York, o Estado de Nova York, a EPA, a Coalizão das Cidades em Áreas de Mananciais, cerca de 40 comunidades destas áreas e cinco organizações conservacionistas. Pelo acordo final, a cidade de Nova York se compromete a uma estratégia de longo prazo que combina a aquisição de terras, novas regras e regulação para os mananciais e assistência financeira para as comunidades promoverem a economia local e a qualidade ambiental. Um ponto fundamental do acordo é o pacote de iniciativas elaboradas para aumentar a viabilidade econômica da agricultura nas comunidades das áreas de mananciais” (Isakson, 2002).

As áreas dos mananciais de Catskills e Delaware são tradicionalmente ocupadas por atividades agrícolas, muito prósperas no passado, mas que é atualmente uma das regiões mais pobres do Estado de Nova York. Vivem atualmente na região destes dois reservatórios, que são vistos freqüentemente como um único sistema, aproximadamente 66.000 pessoas (Stave, 1998, citado por Isakson, 2002). Em comparação com o uso da terra para expansão urbana ou outras formas de ocupação, a agricultura de baixa intensidade é que apresenta a menor ameaça aos mananciais e à qualidade da água. Cerca de 75% da área total permanece coberta com florestas, enquanto outros 15% são ocupados por áreas agrícolas e menos de 2% da área é ocupada com urbanizações de alta densidade. A cidade de Nova York é proprietária de apenas 7% das terras na área dos mananciais Catskills/Delaware, dos quais aproximadamente a metade são as áreas dos reservatórios propriamente ditos. Ou seja, no entorno dos mananciais o município era proprietário de apenas 3,5% das terras. Outros 20% da área, correspondentes a Reserva Florestal de Catskill, são controlados pelo governo do Estado de Nova York. Os restantes quase 75% estão sob propriedade privada (Isakson, 2002).

O Plano de Manejo dos Mananciais da cidade de Nova York contempla duas estratégias principais para a manutenção da qualidade da água, uma estrutural e outra não estrutural. As ações estruturais, que prevêem a construção de plantas de tratamento de esgoto e implantação de melhores práticas de controle da poluição, têm a finalidade de mitigar a poluição de fontes existentes, enquanto que as ações não estruturais têm a finalidade de prevenir ou reduzir as potenciais descargas de contaminantes de fontes futuras (NRC, 2000, citado por Pires, 2004). As ações estruturais incluem programas de saneamento, de novas infra-estruturas de tratamento de esgotos, de gestão de resíduos das comunidades, de melhorias nas plantas de tratamento existentes e de prevenção de enchentes e águas de tempestades. As ações não estruturais incluem programas de manejo de aves aquáticas, de aquisição de terras, de manejo da terra, de agricultura, de manejo florestal, de manejo dos cursos d’água, de criação e proteção de zonas de amortecimento nas matas ciliares, a proteção das áreas de alagamento, estratégia para as fontes de poluição difusas, de controle da qualidade da água no reservatório Kensico e o controle da turbidez em Catskill (NYCDEP, 2006b). Os mapas 2 e 3 a seguir mostram respectivamente as medidas de proteção dos mananciais existentes nos mananciais Catskill/Delaware antes e depois do Acordo dos Mananciais de 1997.

Contudo, conforme apontado pelo programa de longo prazo de proteção dos mananciais de Nova York (NYCDEP, 2006b), os programas chaves para o cumprimento da Regulação de Tratamento de Águas Superficiais e para evitar o processo de filtragem foram os de aquisição de terras, de manejo das aves aquáticas, do manejo dos cursos d’água, os programas de infra-estrutura de tratamento de águas residuais, de manejo das terras adquiridas pelo município, o programa de agricultura e o programa de parcerias com as comunidades locais. A seguir se apresentam resumidamente estes programas principais com base no relatório do “Programa de Longo Prazo de Proteção dos Mananciais de Nova York” (NYCDEP, 2006b).

Aquisição de terras

A Carta do Acordo dos Mananciais estipula que a cidade de Nova York procure aumentar suas propriedades em terras não desenvolvidas e hidrologicamente sensíveis, isto é, onde exista uma ameaça significativa à qualidade dos mananciais. Existe um sistema de priorização para a

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aquisição de terras que está em desenvolvimento baseado na proximidade dos reservatórios, dos cursos d’água e dos sistemas de captação, associados à declividade e o uso potencial da terra.

Mapa 2 – Sistema de abastecimento Catskill/Delaware antes do Acordo dos Mananciais (outubro de 1997).

Fonte: NYCDEP, 2006b

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Mapa 2 – Sistema de abastecimento Catskill/Delaware depois do Acordo dos Mananciais (novembro de 2006).

Fonte: NYCDEP, 2006b * Cada símbolo no mapa acima significa algum tipo de intervenção por meio de um dos programa mencionados anteriormente nop marco do Plano de Manejo dos Mananciais.

As terras podem ser efetivamente compradas pela municipalidade de Nova York ou podem ser estabelecidas áreas de proteção em propriedades privadas mediante pagamentos. No entanto, um ponto importante da Carta de Acordo dos Mananciais é que qualquer aquisição de terra será feita em acordos voluntários, isto é, se ambas as partes estiverem dispostas a realizar a transação e a mesma deve ser realizada por um preço justo, determinado por um avaliador independente (Pires, 2004).

“As áreas de proteção em propriedades privadas foram pensadas para os proprietários que não querem vender suas terras, mas que estão interessados em receber dinheiro e isenções fiscais por abrir mão de alguns direitos de uso em parte de sua terra. As áreas de proteção permitem aos proprietários desenvolver alguns tipos limitados de atividades, por exemplo, turismo contemplativo e manejo florestal, desde que com plano de manejo, e proíbe atividades que poderiam ameaçar a qualidade da água, como a expansão de superfícies impermeáveis. Os proprietários mantêm os direitos sobre a venda da terra. O município de Nova York paga aos proprietários um valor pela restrição do “direito ao desenvolvimento”, determinado por um avaliador independente, equivalente à diferença do valor da terra antes e depois da área protegida ser declarada” (Pires, 2004).

Quando o programa de aquisição de terras começou, a cidade de Nova York detinha os títulos de propriedade de apenas 3,5% da área do entorno dos mananciais, conforme mencionado anteriormente. Atualmente, incluindo as áreas sob proteção em propriedades privadas, o município controla 10,9% da área.

Programa de manejo das aves aquáticas

Foi estabelecido em 1992 para medir o nível e o impacto da poluição causada pelas aves aquáticas, especificamente os coliformes fecais. Com o implantação do programa, o Departamento de Proteção Ambiental de Nova York conseguiu manter a qualidade da água dentro dos padrões exigidos pela EPA para água de abastecimento público.

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Manejo dos cursos d’água

O principal objetivo deste programa é o de preservar e/ou restaurar os níveis sustentáveis da estabilidade dos cursos d’água e sua integridade ecológica, promovendo o manejo adequado da água e das planícies de alagamento. Desde 1997, o Departamento de Proteção Ambiental implantou 13 projetos de restauração de cursos d’água nas áreas dos mananciais.

Programas de infra-estrutura de tratamento de águas residuais

O Acordo dos Mananciais estabeleceu que o Departamento de Proteção Ambiental de Nova York financiaria a construção de sete novas estações de tratamento de águas residuais. Além da construção, das quais 4 estão concluídas e outras 3 em vias de conclusão, o município de Nova York se comprometeu a pagar uma parte significativa dos custos de operação e de manutenção destas plantas à perpetuidade.

Manejo das terras adquiridas pelo município

O Acordo dos Mananciais estabeleceu que o município de Nova York deveria explorar as novas terras adquiridas nas áreas de mananciais para atividades recreativas. Desta forma, o Departamento de Proteção Ambiental lançou um programa de uso recreativo que conta, atualmente, com 102.000 licenças de recreação concedidas. Em 1997, um pouco mais de 10.000 acres de terra sob propriedade do município estavam abertos à caça. Atualmente, quase 43.000 acres de terra disponíveis para atividades recreativas como caça, caminhadas, observação de pássaros, trekking na neve e outros usos.

Programa de agricultura

Em 1990, o município de Nova York propôs a regulação das propriedades localizadas em áreas de mananciais. As comunidades locais mostraram-se preocupadas que esta regulação resultasse em perda de competitividade de suas produções, possibilitando uma ocupação mais intensiva com forte urbanização na região. Trabalhando em conjunto, os proprietários e o poder público municipal desenvolveram o Programa Voluntário de Agricultura nos Mananciais. Atualmente, 95% das propriedades fazem parte do programa, que estimula o desenvolvimento de planos de manejo das propriedades e a implantação de melhores práticas de manejo estruturais e não-estruturais. Além disso, foi criado o Programa de Aumento das Áreas Protegidas, custeado em conjunto pelo município de Nova York e pela União, que paga os proprietários por deixarem as matas ciliares sem exploração agrícola, servindo como uma zona de amortecimento para os mananciais.

Portanto, conforme se verifica, o programa de manejo dos mananciais da cidade de Nova York inclui uma diversidade muito grande de ações que lhe permitiu evitar a filtragem de água e a manutenção da integridade ecológica. Isakson (2002) argumenta que o Programa de Agricultura, especificamente, pode ser visto como uma mecanismo de PSA, que compensa os proprietários por sua contribuição à manutenção da qualidade de água de abastecimento público de Nova York. Segundo este autor, os benefícios são monetários e não-monetários, já que os benefícios incluem melhoria do capital social, aumento da auto-estima e uma participação ativa na definição de como o meio ambiente é manejado.

Os passos para o desenvolvimento do Plano de Manejo das propriedades são (WCA, 1997, citado por Isakson, 2002):

Identificação da missão de curto e de longo prazo da fazenda, dos objetivos, do plano de negócios e dos recursos.

Inventário e análise da água, solo, ar, fauna e flora.

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Determinação das questões prioritárias de água na propriedade com relação às prioridades estabelecidas na bacia.

Identificação de práticas alternativas que atendam às prioridades definidas para a qualidade da água e sejam compatíveis com a missão e os objetivos da propriedade.

Determinação dos efeitos esperados com as práticas alternativas na qualidade da água, solo, fauna e flora.

Identificação das práticas apropriadas que atendem os critérios de qualidade da água do programa.

Quantificação das implicações econômicas e de manejo decorrentes das práticas alternativas.

Seleção e integração das práticas que serão incluídas no Plano de Manejo das propriedades. Apresentação do plano para o departamento de conservação de solos e água e para o Conselho de Agricultura dos Mananciais.

Desenvolvimento dos planos tático e de controle para garantir o sucesso da implantação do Plano de Manejo da propriedade aprovado.

Implantação do Plano de Manejo.

Assistência, monitoramento e avaliação da implantação e do progresso do Plano de Manejo da propriedade.

Os benefícios econômicos e as exigências para participar dos vários componentes do pacote de PSA são identificados na tabela abaixo.

Tabela – Benefícios econômicos e exigências para pa rticipar dos vários componentes do programa de PSA.

Programa Benefícios econômicos Exigências para participar

Programa de Agricultura dos

Mananciais

Melhorias estruturais nas propriedades, melhoria nas

práticas operacionais, isenção das taxas de uso da terra do

município de Nova York (desde que 85% dos proprietários em

áreas de mananciais participem), custo reduzido de

outras taxas

A propriedade deve estar dentro da área dos

mananciais Catskill/Delaware e a

receita bruta da fazenda deve ser de, no mínimo,

US$ 10.000 por ano

Programa de Pequenas

Propriedades

Melhoria das práticas operacionais, isenção das taxas

aplicadas pelo município de Nova York, melhorias estruturais

nas propriedades que representam ameaça para a

qualidade da água

A propriedade deve estar dentro da área dos

mananciais Catskill/Delaware e a

receita bruta da fazenda deve ser entre US$ 1.000

e US$ 9.999 por ano

Programa de Áreas Protegidas

Pagamentos monetários por não praticar atividade agrícola em terras sensíveis na beira dos cursos d’água. Contratos

variam de 10 a 15 anos

Deve participar do Programa de Agricultura dos Mananciais ou do

Programa de Pequenas Propriedades

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“Servidão” Agrícola

Pagamentos monetários por praticar a agricultura de acordo

ao Plano de Manejo da Propriedade (qualquer outra forma de desenvolvimento é proibida). Acordos perpétuos

Deve participar do Programa de Agricultura

dos Mananciais

“Servidão” Florestal

Pagamentos monetários por não praticar nenhuma atividade

econômica que modifique a cobertura vegetal (incluindo

agricultura) nas áreas de Catskill/Delaware. Acordos

perpétuos

Deve participar do Programa de Agricultura

dos Mananciais

Programa de Viabilidade dos

Recursos Naturais

Melhoria das oportunidades de mercado para os produtos

agrícolas, especialmente para produtos lácteos

Deve participar do Programa de Agricultura dos Mananciais ou do

Programa de Pequenas Propriedades

Cooperativa das Famílias de

Catskill

Melhoria das oportunidades de mercado para vegetais e seus

processados

Deve praticar agricultura na região de Catskill (não necessariamente dentro

das fronteiras dos mananciais

Catskill/Delaware) Fonte: Isakson, 2002.

2.3. Programa Produtor de Águas e Projeto Conservad or de Águas

2.3.1. Programa Produtor de Águas

O Programa Produtor de Água foi idealizado pela Agência Nacional de Águas – ANA – como um programa voluntário de controle da poluição difusa rural, dirigido prioritariamente a bacias hidrográficas de importância estratégica para o país. De acordo com o Manual Operativo do programa, elaborado pela ANA (ANA, 2008), “pagamentos serão feitos pelos agentes participantes aos produtores rurais que, através de práticas e manejos conservacionistas, venham a contribuir para o abatimento efetivo da erosão e da sedimentação e para o aumento da infiltração de água, segundo o conceito provedor-recebedor”. O Programa ainda não foi implementado na prática, mas uma experiência piloto baseada em suas premissas, está sendo realizada no município de Extrema, em Minas Gerais.

O objetivo do Programa Produtor de Águas é a redução de erosões, a melhoria da qualidade da água e o aumento das vazões dos rios por meio da utilização de práticas mecânicas e vegetativas de conservação de solo e água, readequação das estradas vicinais e construção de fossas sépticas nas propriedades rurais. Entre as ações elegíveis para financiamento encontram-se a construção de terraços e barraginhas, a proteção de nascentes, recuperação das matas ciliares e vegetação dos topos de morro (ANA, 2008).

O Programa é flexível quanto aos manejos e práticas conservacionistas elegíveis para pagamento. No entanto, as mesmas deverão contribuir para os objetivos do Programa, o que deverá ser comprovado por meio de um processo de certificação. Em datas pré-determinadas no contrato que será estabelecido, o proprietário (provedor dos serviços) solicitará ao contratante a verificação do projeto, cuja avaliação será realizada por meio de parâmetros técnicos definidos

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pela ANA. Os contratantes podem ser entidades federais, estaduais, prefeituras municipais, organizações não governamentais, comitês e agências de bacias, entre outros.

A premissa básica do Programa é que, com a adoção das práticas conservacionistas, o aporte de sedimento anual a um ponto da bacia (digamos, uma captação para abastecimento) é reduzido na mesma proporção que a redução da erosão total na mesma.

Com isso, o Programa Produtor de Água pagará total ou parcialmente os novos projetos de manejo a serem implementados, de acordo ao contrato firmado entre as partes, sempre de forma proporcional ao percentual de abatimento de erosão da propriedade e às áreas florestadas. Os projetos de manejo já existentes que contribuem para a qualidade de água também serão elegíveis para receber pagamentos do Programa. Neste caso, o valor a ser pago corresponderá a um percentual do custo de implantação de um novo projeto com características semelhantes, a ser definido entre as partes.

Os recursos do Programa poderão vir das seguintes fontes:

• Recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos;

• Das empresas de saneamento, geração de energia elétrica e usuários;

• Dos Fundos Estaduais de Recursos Hídricos;

• Do Fundo Nacional de Meio Ambiente;

• Do Orçamento Geral da União;

• Do Orçamento de Estados, Municípios e Comitês de Bacias;

• Compensação financeira por parte de usuários beneficiados;

• Mecanismo de Desenvolvimento Limpo / Protocolo de Kyoto;

• Organismos Internacionais (ONG’s, GEF, BIRD, etc.); e

• Financiamento de bancos de investimento oficiais (Banco do Brasil e BNDES);

As bacias hidrográficas elegíveis no Programa serão aquelas que atenderem aos seguintes critérios:

• Bacias hidrográficas que já tenham os instrumentos de gestão, previstos na Lei 9.443/97, implementados;

• Bacias hidrográficas cujo Plano de Recursos Hídricos identifique problemas de poluição difusa de origem rural, erosão e déficit de cobertura vegetal em APP’s e proponha ações de mitigação desses impactos;

• A bacia deverá ser um manancial de abastecimento de água para uso urbano ou industrial;

• A bacia a ser selecionada deverá ter um número mínimo de produtores rurais interessados que possa viabilizar a aplicação do Programa.

Caberá ao Comitê de Bacia identificar e hierarquizar as sub-bacias prioritárias no âmbito de sua jurisdição.

Os projetos serão selecionados por meio de licitações, e serão priorizados os que gerem maiores benefícios ambientais. Os produtores que forem selecionados poderão receber simultaneamente pelos serviços de conservação do solo, restauração de matas ciliares e pela conservação de remanescentes florestais.

Os projetos aprovados pelo Programa Produtor de Águas que receberão pelo serviço de conservação do solo deverão inicialmente estabelecer a estimativa de percentual de abatimento de erosão (PAE), que será referência para o pagamento a ser realizado.

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O PAE é calculado em função do fator de risco de erosão das atividades praticadas antes e depois do projeto implementado. Assim, o PAE é dado pela seguinte fórmula:

PAE (%) = 100 (1 - �1/�0), onde �0 é o fator de risco de erosão proporcionado pelo uso e manejo atual e �1 é o fator de risco de erosão com as práticas propostas.

Os valores de � são pré-determinados, variando conforme a atividade realizada, e são dados na tabela abaixo.

Tabela – Valores de (fator de risco de erosão de so lo) para diversas práticas de uso do solo

Programa Produtor de Água - Valores de � - Agro-pecuária-florestal

No. Manejo Convencional � Obs.

1 Grãos 0,25 Milho, soja, arroz, feijão

2 Algodão 0,62

3 Mandioca 0,62

4 Cana-de-açúcar 0,10 Média de 4 cortes

5 Batata 0,75

6 Café 0,37

7 Hortaliças 0,50

8 Pastagem degrad. 0,25

9 Capoeira degrad. 0,15

Man. Conservacionista � Obs.

10 Grãos, rotação 0,20 Gramín./Leguminosa

11 Grãos, em nível 0,13

12 Grãos, rot., em nív. 0,10

13 Grãos, faixas veg. 0,08 Faixas c/ 20% larg.

14 Grãos, cordões veg. 0,05

15 Grãos, terraços 0,03 Em nível, com manut.

16 Grãos, rot., terraços 0,02

17 Grãos, pl. direto 0,01 Média de 4 anos

18 Alg./Mand., rotação 0,4 Rotação com grãos

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0

19 Alg./Mand., nível 0,31

20 Alg./Mand., rot., nível 0,20

21 Alg./Mand., faixas 0,19

22 Alg./Mand., cordões veg. 0,12

23 Alg./Mand., terraços 0,06

24 Alg./Mand., rot., terraços 0,04

25 Alg./Mand., plant. direto 0,04

26 Cana, em nível 0,05

27 Cana, em faixas 0,03

28 Cana, terraços 0,01

29 Batata, em nível 0,38

30 Batata, em faixas 0,23

31 Batata, terraços 0,08

32 Café, em nível 0,19

33 Café, em faixas 0,11

34 Hortaliças, em nível 0,25

35 Pastagem recuperada 0,12

36 Pastag., rotação c/ grãos 0,10

37 Reflorestamento 0,05

Situação � Obs.

38 Estrada degradada 0,50

40 Estrada conservada 0,10 Retaludam., baciões

Fonte: ANA, 2008.

Os valores de PAE encontrados serão multiplicados por um Valor de Referência (VRE) para encontrar o valor a ser pago para cada proprietário participante do Programa. Os valores de referência serão definidos para cada bacia hidrográfica de acordo às características próprias.

Para que um proprietário seja aceito no programa, as práticas por ele propostas devem apresentar um Percentual de Abatimento de Erosão de, no mínimo, 25%. Além disso, a ANA propõe que nas etapas iniciais do Programa seja estipulado um limite máximo de hectares por contrato realizado.

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Para os serviços prestados de restauração de matas ciliares e conservação de remanescentes florestais, serão definidos valores de referência a serem pagos por hectare de floresta existente ou a recuperar. Existirão 4 valores de referência. Será um valor para as florestas já existentes, seja ela em APP (mata ciliar) ou não, outros três valores de referência para as matas a serem recuperadas em áreas de preservação permanente – APPs. Quanto maior a área de APP a ser recuperada, maior será o valor de referência. Assim, se o proprietário contratado se dispuser a recuperar 25% a 50% de seu passivo de APP receberá um determinado valor por hectare. Se a disposição a recuperar for de entre 51% a 75% do passivo de APP, o valor será outro, superior ao anterior. Se a disposição do produtor for de recuperar mais de 75% de seu passivo de APP, então terá outro valor de referência, superior aos outros mencionados.

Dado que o Programa Produtor de Águas ainda não foi implementado, os valores de referência ainda não foram estipulados.

2.3.2. Projeto Conservador das Águas

Com base no Programa Produtor de Águas da ANA, o município de Extrema implementou o Projeto Conservador das Águas, que tem servido como experiência piloto para a ANA avaliar o seu programa proposto. Em 21 de dezembro de 2005 o município de Extrema publicou a lei número 2.100 que “Cria o Projeto Conservador das Águas, autoriza o executivo a prestar apoio financeiro aos proprietários rurais e dá outras providências.”

Assim, a concepção do Projeto Conservador de Águas é similar à do Programa Produtor de Águas. Segundo determina a lei 2.100 do município de Extrema, cabe ao Departamento de Serviços Urbanos e Meio Ambiente – DSUMA – do município a definição dos critérios e a elaboração dos projetos técnicos para serem implantados nas propriedades que fazem parte da iniciativa. Ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental – CODEMA - cabe a análise e deliberação sobre o projeto apresentado pelas propriedades e pelo DSUMA.

No projeto Conservador de Águas de Extrema, os pagamentos são realizados com base no cumprimento de metas. São 4 metas estabelecidas:

• Adoção de práticas conservacionista de solo, com finalidade de abatimento efetivo da erosão e da sedimentação.

• Implantação de Sistemas de Saneamento Ambiental: abastecimento de água, tratamento de esgotos e coleta de lixo.

• Implantação e Manutenção das Áreas de Preservação Permanente.

• Implantação através de averbação em cartório da Reserva Legal.

O valor de referência utilizado no projeto de Extrema, conforme determina a lei no 2.100, é de 100 Unidades Fiscais de Extrema – UFEX por hectare ano. Atualmente, uma UFEX corresponde a R$ 1,48 e a quantidade total de UFEX (100) por hectare ano é dividida pelas 4 metas do projeto, de forma que o cumprimento de cada uma delas é recompensado com 25 UFEX, equivalente, hoje, a R$ 38,00 por hectare/ano.

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2.4. Projeto Oásis

A Fundação O Boticário de Proteção a Natureza foi criada em 1990 pela empresa O Boticário com a missão de promover e realizar ações de conservação da natureza no Brasil. A fundação tem atuação em nível nacional, e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio econômico a projetos de outras organizações e sensibilização da sociedade para a causa conservacionista.

No final de 2006 a Fundação O Boticário lançou o Projeto Oásis, cujo objetivo é a proteção de remanescentes de Mata Atlântica e ecossistemas associados na Área de Proteção aos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, especificamente na bacia hidrográfica da represa de Guarapiranga, e nas Áreas de Proteção Ambiental municipais do Capivari-Monos e Bororé-Colônia. Com esta configuração, o projeto abrange parte dos municípios de São Paulo, Itapecerica da Serra, Embu, São Lourenço da Serra, Cotia e Juquitiba e a totalidade do município de Embu-Guaçu. No total, a área em que se insere o Projeto Oásis soma cerca de 82.000 hectares.

O Projeto Oásis paga os proprietários de áreas privadas nesta região pela conservação de suas florestas, assumindo que as mesmas prestam serviços ambientais de produção de água, controle de erosão e manutenção da qualidade da água. Para tanto, conta com um montante de US$ 400.000 doados pela Fundação Mitsubishi.

Atualmente, o projeto apóia 11 propriedades que totalizam aproximadamente 350 hectares. Todas estas propriedades apresentam mata nativa, sendo que na maioria delas a área ocupada com as matas supera os 75% da área total da propriedade.

No início do projeto, a área de abrangência foi dividida em 28 sub-bacias, e estas foram agrupadas segundo 3 graus de prioridade. Para tanto, foram consideradas variáveis de a) fornecimento de água para Guarapiranga; b) maior produção hídrica e maior fragilidade ambiental; c) entorno de unidades de conservação de proteção integral; e, d) maiores índices de cobertura vegetal e menores índices de urbanização. O resultado da priorização é apresentado no mapa xxx a seguir.

Mapa – Áreas prioritárias de atuação do Projeto Oá sis

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Têm preferência para participar do projeto as propriedades localizadas nas áreas de maior prioridade. Os proprietários interessados em participar do projeto, entram em contato com a equipe técnica, que faz um primeiro cadastramento com informações gerais da propriedade. Para que as mesmas possam fazer parte do projeto, devem estar dentro da área de abrangência do mesmo, dentro das bacias prioritárias e possuir, no mínimo, 2 hectares de mata nativa. Uma vez que a propriedade atende todos os requisitos, se procede à análise da documentação fundiária da mesma. Estando tudo correto, a propriedade está apta para fazer parte do projeto Oásis.

As propriedades selecionadas são, então, visitadas pela equipe técnica do projeto que faz um levantamento de informações ambientais. São avaliadas a vegetação, a hidrografia e a existência de atividades potencialmente poluidoras. Especificamente, as características avaliadas são:

1) Vegetação:

a) percentagem de cobertura vegetal,

b) proteção de margens e encostas (matas ciliares),

c) conectividade com outras áreas naturais.

2) Hidrografia:

a) densidade de nascentes e rios,

b) proximidade com rios principais.

3) Atividades potencialmente poluidoras:

a) destinação do esgoto e outros resíduos (agroquímicos,lixo).

Esta avaliação serve para identificar o estado de conservação das áreas de floresta da propriedade, que determinará a quantia a ser paga ao proprietário. Além disso, com base nesta avaliação inicial serão realizadas visitas de monitoramento semestrais para identificar se o proprietário continua mantendo sua área conservada. Paralelamente, na visita inicial são levantadas as coordenadas geográficas da propriedade e, uma vez por ano, a Fundação O Boticário compra uma imagem de satélite da região do projeto para fazer a checagem da ocorrência de desmatamentos nas propriedades cadastradas.

Os proprietários que fazem parte do projeto assinam um contrato de 5 anos com a Fundação O Boticário no qual se comprometem a não degradar suas florestas. O cumprimento do contrato lhe rende um pagamento anual, enquanto que o não cumprimento implica no rompimento do contrato. Caso se tenha verificado alguma degradação na floresta que tenha ocorrido à revelia do proprietário, por exemplo, uma queimada, então o contrato não é cancelado e o proprietário deverá tomar medidas para a recuperação no período de 1 mês. Caso estas medidas não sejam tomadas, o contrato é cancelado.

O valor máximo que um proprietário pode receber é de R$ 370,00 por hectare e ano. Para se chegar a este valor, partiu-se do pressuposto que a conservação das florestas presta 3 tipos de serviços ambientais, conforme exposto anteriormente: produção de água, controle de erosão e manutenção da qualidade da água. Assim, os R$ 370,00 são compostos pelos valores atribuídos a estes três componentes. A produção de água foi valorada em R$ 99,00 por hectare e ano, o controle de erosão em R$ 75,00 por hectare e ano e a manutenção da qualidade da água em R$ 196,00 por hectare e ano.

Para se chegar ao valor de R$ 99,00 da produção de água, foi realizada a comparação de duas áreas semelhantes, sendo que uma com vegetação nativa e outra sem vegetação. Foi verificado

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quanto de água é armazenado na área com vegetação e o resultado encontrado foi multiplicado pelo valor utilizado para a cobrança da água pelo Comitê de Bacias do PCJ.

O valor de R$ 75,00 referente ao controle de erosão foi calculado com base no custo de recuperação das matas ciliares.

O valor de R$ 196,00 atribuído à qualidade de água foi estimado com base na quantidade de fósforo presente na água. Tomou-se uma amostra de água em uma região preservada, com floresta nas matas ciliares e boa qualidade de água e uma amostra em uma região sem floresta e qualidade de água pior. Como isso, verificou-se a quantidade de fósforo presente na água e se estimou a diferença no custo de tratamento da água. O valor encontrado foi aplicado à quantidade de água armazenada na floresta e chegou-se ao valor da floresta para a manutenção da qualidade da água.

Assim, uma propriedade que esteja totalmente conservada e não apresente nenhuma ameaça aos mananciais recebe por parte do Projeto Oásis R$ 370,00 por hectare e ano. No entanto, nenhuma das 11 propriedades que fazem parte atualmente do projeto apresenta tais condições, e os pagamentos são proporcionais aos serviços prestados pela propriedade. Se a mesma não apresenta as melhores condições, logo não presta todos os serviços e o valor que receberá será inferior.

No momento da avaliação inicial da propriedade, a equipe técnica do projeto verifica os critérios de vegetação, hidrografia e atividades potencialmente poluidoras mencionados acima e, de acordo a critérios pré-estabelecidos, atribui um valor chamado de Índice de Valoração dos Mananciais – IVM – que varia entre 0 e 1. Quanto melhores as condições apresentadas pela propriedade, mais próximo de 1 é o IVM. Assim, o IVM encontrado é multiplicado por R$ 370,00 e pela quantidade de hectares de floresta nativa na propriedade, e se chega ao valor a ser pago a cada propriedade.

O IVM e, conseqüentemente, o valor pago não variam ao longo dos 5 anos do contrato. Isto é, não se avaliam a melhora ou piora na prestação do serviço. Avalia-se apenas a manutenção das florestas ou não.

Na média, as 11 propriedades que atualmente fazem parte do projeto recebem cerca de R$ 310 por hectare e ano. Considerando-se que o projeto conta 350 hectares contratado, o pagamento total realizado é de R$ 108.500,00, que equivale a aproximadamente R$ 10.000 por propriedade/ano ou cerca de R$ 820,00 por propriedade/mês.

2.5. Lei das Águas – Cobrança pelo Uso da Água

A legislação brasileira, por meio da lei nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997, conhecida como Lei das Águas, prevê a cobrança pelo uso da água. Em seu artigo 5º, inciso IV, a “Lei das Águas” define a cobrança pelo uso dos recursos hídricos como sendo um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos. No artigo 7º, inciso IX, a Lei das Águas atribui aos Planos de Recursos Hídricos a definição de diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e no artigo 37 define como competência dos Comitês de Bacia estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir valores a serem cobrados.

No estado de São Paulo, a cobrança já é realizada na Bacia dos rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari – PCJ – e na Bacia do rio Paraíba do Sul. Nessas bacias, as cobranças começaram efetivamente em março de 2003, na bacia do Paraíba do Sul, e em janeiro de 2006, nas bacias PCJ, com a emissão dos primeiros boletos de cobrança (Carvalho et. al., 2007).

A Lei das Águas define, em seu artigo 22, que os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:

− No financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos, e

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− No máximo 7,5% do total arrecadado, para o pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A aprovação da cobrança necessita cumprir duas etapas principais: aprovação pelo respectivo comitê de bacia e submissão dos critérios e valores ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).

O processo de discussão, determinação da fórmula e valores de cobrança na bacia do PCJ pôde se beneficiar das lições apreendidas com a experiência em prática na bacia do Paraíba do Sul, já que esta foi pioneira e iniciou a cobrança dois anos antes. Por outro lado, a bacia do Paraíba do Sul realizou em 2006 uma revisão dos seus mecanismos, e para isso pôde se beneficiar da experiência aprimorada da bacia do PCJ.

A metodologia de cobrança na bacia do Paraíba do Sul, aprovada em março de 2001 e que ficou em vigência até dezembro de 2006, contemplava três componentes em sua base de cálculo: o volume captado no manancial, a quantidade efetivamente consumida e o despejo de efluentes do corpo receptor. Ou seja, essa base de cálculo inicial levava em consideração aspectos de quantidade (volume captado e consumido) e de qualidade (dos efluentes lançados) (Carvalho et. al., 2007). A fórmula de cobrança na bacia do Paraíba do Sul foi revista e, em 19 de outubro de 2006 foi aprovada nova fórmula que contemplava diferenciações no pagamento dos recursos hídricos de acordo às atividades usuárias. Dado que as fórmulas de cobrança das bacias do Paraíba do Sul e do PCJ se assemelham, sobretudo após a revisão, analisaremos a seguir em maiores detalhes a cobrança na bacia do PCJ.

Importante ressaltar que os valores determinados para a cobrança foram definidos pelos respectivos comitês de bacias, em processo participativo, após a realização de simulações que consideraram o montante total a ser arrecadado e o impacto da cobrança sobre os usuários (Carvalho et. al., 2007).

Os Comitês do PCJ definiram valores de Preços Unitários Básicos – PUBs, que compõem as fórmulas de cálculo, diferenciados conforme o tipo de uso. Estes valores são dados na tabela a seguir.

Tabela – Valores dos PUBs para os diversos tipos de uso da água

Tipo Uso PUB Unidade Valor

Captação de água bruta PUBcap R$/m3 0,01

Consumo de água bruta PUBcons R$/m3 0,02

Lançamento de carga orgânica DBO5,20

PUBDBO R$/kg 0,10

Transposição de bacia PUBtransp R$/m3 0,015

No caso da bacia do PCJ, a base de cálculo é definida na Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ no 078/07, e se dá em função do volume de água captada, volume de água consumida (diferença entre o captado e o lançado no corpo hídrico), volume lançado no corpo hídrico, transposição de bacias, carga orgânica e o aproveitamento de potencial hidrelétrico.

A cobrança pela captação da água é indicada por Valorcap, e é dada pela fórmula:

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Valorcap = (Kout x Qcap out + Kmed x Qcap med) x PUBcap x Kcap classe

Onde: Valorcap = pagamento anual pela captação de água;

Kout = peso atribuído ao volume anual de captação outorgado;

Kmed = peso atribuído ao volume anual de captação medido;

Qcap out = Volume anual de água captado, em m3, em corpo d´água de domínio da União, segundo valores da outorga, ou verificados pela ANA, se não houver outorga;

Qcap med = Volume anual de água captado, em m3, em corpo d´água de domínio da União, segundo dados de medição;

PUBcap = Preço Unitário Básico para captação superficial;

Kcap classe = coeficiente que leva em conta a classe de enquadramento do corpo d´água no qual se faz a captação.

Os valores de Kcap classe são apresentados na tabela abaixo.

Tabela – Valores de Kcap classe para o cálculo do valor da água captada

Classe de Uso do corpo d´água Kcap classe

1 1,0 2 0,9 3 0,9 4 0,7

Fonte: Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ no 078/07.

O coeficiente de outorga (Kout) multiplica o volume de água outorgado (Q cap out) e foi definido como sendo 0,2. O coeficiente de água captada medida (Kmed) multiplica o volume de água efetivamente captada (Q cap med) e foi definido como sendo 0,8. Isso significa que o captador de água paga pela água captada e, além disso, paga 25% do valor da água captada pelo volume total outorgado, mesmo que não tenha captado a totalidade da outorga. Assim, o maior valor incide sobre a quantidade de água efetivamente extraída do corpo hídrico, mas também incide um valor sobre a água outorgada e não captada. A fórmula do valor da água captada é, portanto:

Valorcap = (0,2 x Qcap out + 0,8 x Qcap med) x PUBcap x Kcap classe

No entanto, “não é desejável que um usuário utilize uma pequena parcela da sua vazão outorgada, deixando o restante como uma espécie de “reserva de água”, mesmo que pague por esta reserva, pois estará inviabilizando a entrada de novos usuários na bacia ou a expansão do empreendimento de usuários existentes. Visando desestimular a criação de “reservas de água”, os Comitês PCJ propuseram um tratamento diferenciado para os usuários cujo volume anual de água captado medido for inferior a 70% do volume anual de água captado outorgado” (Carvalho et. al., 2007), ou seja, quando Qcap med/ Qcap out for inferior a 0,7. Nestes casos, o usuário da água pagará pela quantidade de água utilizada (multiplicada pelo coeficiente 0,8), pela quantidade de água outorgada (multiplicada por 0m2) e pagará também pelo volume de água que resulte da diferença entre 70% do volume outorgado (0,7 x Qcap out) e o volume efetivamente captado, multiplicado por um coeficiente 1. Portanto, no caso em que o usuário capte menos de 70% da água outorgada, a fórmula do valor é dada pela seguinte equação:

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Valorcap = [0,2 x Qcap out + 0,8 x Qcap med + 1,0 x (0,7 x Qcap out - Qcap med)] x PUBcap x Kcap classe

Em suma, o valor da água captada varia de acordo com o volume outorgado, o volume efetivamente captado e com a classe do corpo hídrico em que a água é captada.

A cobrança pelo consumo de água, exceto para irrigação, é dada pela seguinte fórmula:

Valorcons = (QcapT – QlançT) x PUBcons x (Qcap / QcapT)

Onde:

Valorcons = pagamento anual pelo consumo de água;

Qcap = volume anual de água captado, em m3, (igual ao Qcap med ou igual ao Qcap out, se não existir medição, em corpos d’água de domínio da União);

QcapT = volume anual de água captado total, em m3, (igual ao Qcap med ou igual ao Qcap out, se não existir medição, em corpos d’água de domínio da União, dos Estados mais aqueles captados diretamente em redes de concessionárias dos sistemas de distribuição de água);

QlançT = volume anual de água lançado total, em m3, (em corpos d’água de domínio dos Estados, da União ou em redes públicas de coleta de esgotos);

PUBcons = Preço Unitário Básico para o consumo de água.

O consumo cobrado se refere à quantidade de água que é captada e que não é lançada de volta ao corpo hídrico. De acordo com a fórmula, existe uma quantidade consumida total (QcapT - QlançT), à qual se aplica o preço unitário básico e se pondera pela quantidade captada por cada usuário, dada pela relação Qcap/ QcapT.

No caso específico da irrigação, a fórmula de cobrança é Valorcons = Qcons irrig x PUBcons, onde o Qcons irrig equivale a quantidade captada (Qcap) multiplicado por um coeficiente Kconsumo que varia de acordo com a técnica utilizada. O Kconsumo é dado na tabela a seguir.

Tabela – Valores de Kconsumo

Sistema de Irrigação KConsum

o

Gotejamento 0,95 Micro aspersão 0,90

Pivô central 0,85 Tubos perfurados 0,85

Aspersão convencional 0,75

Sulcos 0,60 Inundação 0,50

Existem, ainda, definidas na Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ no 078/07, fórmulas específicas para cobrança de uso da água do setor rural, para cobrança de lançamento de carga

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orgânica, para cobrança pelo uso de água para geração hidrelétrica e para cobrança de águas transpostas para outras bacias. No caso da cobrança de uso da água do setor rural, o valor varia também de acordo às práticas utilizadas. No caso da cobrança pelo lançamento de carga orgânica, o valor é definido em função da carga de DBO efetivamente lançada e da percentagem de remoção de carga orgânica na Estação de Tratamento de Efluentes Líquidos.

É importante ressaltar que a Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ no 078/07 prevê o abatimento da cobrança pelo lançamento de carga orgânica com o intuito de incentivar investimentos, com recursos do próprio usuário, em ações de melhoria da qualidade, da quantidade de água e do regime fluvial, que resultem em sustentabilidade ambiental da bacia. Para se beneficiar deste abatimento, o usuário deve apresentar proposta de investimento, com recursos próprios, em ações que contemplem obras e equipamentos de sistemas de afastamento e tratamento de efluentes, excluindo redes coletoras, e medidas estruturais que propiciem a redução de cargas poluidoras lançadas. Ainda assim, o abatimento somente poderá ser concedido se as ações propostas estiverem previstas no Plano de Bacias do PCJ e se as ações propostas forem priorizadas anualmente pelo Comitê PCJ.

O pagamento pelo uso da água do setor rural também se beneficiará de mecanismo diferenciado se são dadas as seguintes condições:

1. O usuário apresentar pelo menos uma das seguintes características:

− Reserva Legal averbada em cartório

− Área de Preservação Permanente conservada e atestada por laudo do órgão ambiental competente

− Ter aderido às ações implementadas por programas conservacionistas, mediante comprovação por meio de declaração do órgão ou entidade coordenadora/implementadora do programa.

2. O usuário apresentar proposta de investimentos, com recursos próprios, em ações que contemplem a aplicação de boas práticas de uso e conservação da água na propriedade rural onde se dá o uso de recursos hídricos, definidas pela Câmara Técnica de Uso e Conservação da Água no Meio Rural (CT-Rural), dos Comitês PCJ, conforme segue:

− Prática, pelo usuário, na propriedade onde ocorre o uso dos recursos hídricos, de, pelo menos, uma das ações de controle da erosão relacionadas a seguir: plantio com curvas de nível; construção de bacias de contenção de água pluvial; terraceamento; plantio direto, faixas vegetadas; sendo que tais ações serão declaradas pelo usuário, ficando sujeitas à verificação por parte da ANA ou da entidade delegatária de funções de Agência de Água;

− Prática, pelo usuário, na propriedade onde ocorre o uso dos recursos hídricos, de controle da água captada (por meio de equipamento medidor de volumes de água captados) e, no caso de irrigação, de controle da irrigação por meio de, pelo menos, uma das técnicas relacionadas a seguir: Tanque Classe A; tensiômetros; estação hidrometeorológica; sendo que tais ações serão declaradas pelo usuário, ficando sujeitas à verificação por parte da ANA ou da entidade delegatária de funções de Agência de Água

3. As ações propostas estejam previstas no Plano das Bacias PCJ;

4. As ações propostas sejam priorizadas anualmente pelos Comitês PCJ.

Para o propósito do presente estudo, é também muito importante determinação dada pela Resolução no 78, de 10 de dezembro de 2007, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH – que aprova a Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ no 078/07. Especificamente, a Resolução no

78 do CNRH “aprova a revisão dos mecanismos e ratifica os valores relativos à

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cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, e aprova a proposta de captações consideradas insignificantes para esta finalidade”.

A Resolução determina que “nos casos em que o usuário comprovar por medições, atestadas pela ANA, em articulação com o órgão ambiental competente, que a carga orgânica presente no lançamento de seus efluentes é menor ou igual à carga orgânica presente na água captada, em um mesmo corpo de água, após manifestação dos Comitês PCJ, o cálculo dos valores referentes ao pagamento pelo lançamento de carga orgânica poderá ser revisto, buscando-se uma compensação ao usuário. Uma vez que um dos serviços ambientais prestados pelas florestas é o de depuração da água, esta determinação prevê, de forma indireta, o pagamento pelos serviços ambientais.

3. Valoração

De acordo com Landell-Mills e Porras (2002), que analisaram os 61 casos de PSA cujas conclusões gerais foram descritas anteriormente no presente relatório, “a literatura específica sobre proteção dos mananciais falha ao não produzir análises custo-benefício sistemáticas dos programas de PSA existentes. Freqüentemente se assume como os pressuposto que o mercado é ‘uma coisa boa’. A discussão dos benefícios e dos custos de proteção dos mananciais são amplas, e pouca atenção é dada para a atribuição de valores a estes custos e benefícios. Além disso, as avaliações geralmente não examinam os custos e benefícios vis à vis um sistema alternativo de alcançar a proteção dos mananciais, por exemplo, mecanismos de comando e controle”.

Uma explicação para esta falha apontada pelos autores mencionados é que a atribuição de valores monetários aos custos e benefícios da proteção dos mananciais não é tarefa trivial e que, ainda que implicitamente, e talvez inconscientemente, as pessoas têm adotado o conceito do princípio de precaução.

Por um lado, ao se desconhecerem as relações diretas e indiretas entre conservação das florestas e das áreas de mananciais com a manutenção e melhoria da quantidade e qualidade da água, fica difícil atribuir valores monetários aos benefícios da conservação e aos custos da degradação. Além disso, ainda que fosse possível saber à exatidão tais relações, a atribuição de valores monetários a recursos que não são transacionados no mercado é tarefa extremamente complexa. Por exemplo, ainda que não impossível, sempre com certa dose de arbitrariedade, é complicado estimar quanto vale uma paisagem agradável, quanto vale a biodiversidade de um rio ou de um reservatório ou quanto vale um odor agradável. Para mencionar um exemplo cotidiano dos paulistanos que circulam pelas marginais dos rios Pinheiros e Tietê, qual é o valor de ter que suportar o mau cheiro dos rios.

Por outro lado, existe um entendimento e uma crença generalizada de que as florestas e ecossistemas íntegros contribuem para a manutenção da quantidade e da qualidade da água. Ainda que esta visão não tenha relação direta com os serviços ambientais, até mesmo porque, conforme visto, os serviços ambientais relacionados aos mananciais e à água não são tão evidentes como se imagina, as pessoas reconhecem que a interferência humana e a degradação dos ecossistemas são os principais vetores de pressão sobre a disponibilidade de água, tanto em termos de quantidade como em termos de qualidade; e aí se aplica, portanto, o princípio de precaução.

O objetivo principal da realização de uma análise custo-benefício é a comparação de duas alternativas de projetos possíveis de serem realizados para se alcançar uma determinada finalidade comum. Desta forma, se comparam custos e benefícios de cada um deles e decide-se pela implantação daquele que apresenta um melhor resultado para este binômio. Na afirmação de Landell-Mills e Porras mencionada no primeiro parágrafo deste ponto 3, estes autores mencionam a análise custo-benefício da conservação dos mananciais. Ou seja, eles questionam qual seria o método mais interessante, em termos de custo-efetividade, para alcançar o objetivo de

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conservação dos mananciais, e mencionam como exemplo os pagamentos por serviços ambientais e as políticas de comando e controle. Nesta afirmação, portanto, parte-se do pressuposto que a conservação dos mananciais é importante, e o que está em jogo é como conseguir efetivá-la. Ainda que concordemos com esta suposição, poderíamos partir de uma outra pergunta inicial e indagar qual alternativa apresenta o melhor custo-benefício: investir na conservação dos mananciais ou no tratamento da água? Outras questões poderiam ser colocadas, por exemplo, pensando exclusivamente na cadeia do saneamento, é mais interessante investir em coleta e tratamento de esgotos ou em tratamento da água? A seguir discutiremos estas questões, assim como as limitações da análise custo-benefício, já mencionadas na primeira parte deste trabalho.

3.1. Conservação dos mananciais x tratamento da águ a

Analisando-se a cadeia do saneamento, representada na figura XXX, pode-se concluir que a disponibilidade de água (quantidade) e a qualidade da água disponível podem afetar diretamente os custos de captação e os custos de tratamento da água. Os demais elos da cadeia do saneamento – adução, reservação, distribuição, coleta de esgoto, tratamento dos esgotos e lançamento de volta ao corpo d’água – apresentam custos que variam proporcionalmente à quantidade de água que entra no sistema, mas que não são afetados pela qualidade da água captada. Desta forma, uma análise estritamente econômica, por exemplo, uma análise custo-benefício, que queira subsidiar decisões sobre investir em proteção e conservação dos mananciais ou em tratamento da água contaminada deveria comparar os custos e benefícios da conservação dos mananciais e os custos e benefícios do tratamento de água.

Os custos de captação e de tratamento da água são muito fáceis de estimar, já que a empresa de captação e distribuição de água detém todas as variáveis envolvidas, contando, inclusive, com séries históricas e diversos eventos de contaminação que tenham alterado estes custos. Por exemplo, houve épocas no passado não muito distante em que a represa de Guarapiranga, em decorrência do aumento da contaminação, ficou tomada por macrófitas aquáticas, conhecida por alface da água. Nesta ocasião, o custo de tratamento da água aumentou significativamente, sendo necessária a adição de uma quantidade maior de produtos químicos para obter a mesma qualidade da água. No caso do município de São Paulo quem detém estas informações é a Sabesp e, infelizmente, as informações não estão disponíveis para o público em geral.

Estimar o custo da conservação dos mananciais ou, em outros termos, o custo de evitar a degradação, é mais difícil que estimar os custos de captação e tratamento, já que envolve fatores sócio-econômicos cujos comportamentos não respondem diretamente a uma relação de causa e efeito como no caso da contaminação e do tratamento da água. No entanto, são valores possíveis de serem calculados. Partindo-se de um bom diagnóstico socioeconômico e ambiental, das dinâmicas de uso da terra e a definição do que se pretende para aquelas regiões, é possível prever os tipos de intervenções necessárias e os custos associados.

Contudo, entender como a degradação afeta a qualidade e a quantidade de água disponível é uma tarefa muito mais complexa, apresentando múltiplas relações não lineares. Isto é, por exemplo, a perda de um hectare de floresta pode provocar uma diminuição na qualidade da água em diferente medida que a degradação de um hectare de floresta em outra área no mesmo reservatório. Ou, para mencionar outro exemplo, a perda gradual de 20 hectares de floresta pode não gerar impacto negativo algum na qualidade da água, mas depois de desmatados 20 hectares, a perda de 1 hectare a mais de floresta pode gerar uma mudança no estado do sistema ecológico que comprometa o curso d’água ou reservatório.

Com isso surge a primeira limitação de uma análise custo-benefício tradicional, já que mesmo sendo possível estimar os custos da conservação, não é possível relacionar facilmente esta conservação com os impactos na qualidade e na quantidade de água. Com isso, torna-se complicado comparar os custos de uma e de outra alternativa para atingir uma mesma finalidade, qual seja, a qualidade da água.

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Pelo lado dos benefícios, suponha-se que efetivamente a conservação dos mananciais garanta a qualidade da água, o que de fato tem se mostrado verdade no caso de Nova York, por exemplo. Neste caso, tanto o tratamento de água contaminada como a conservação dos mananciais trariam resultados similares. No entanto, além da água potável de qualidade distribuída para a população, existe uma série de outros benefícios que diferenciam as duas alternativas.

Entre os benefícios comuns às duas alternativas mencionam-se os gastos evitados com saúde pública, os gastos evitados com dias de trabalho pagos e não trabalhados devido a doenças relacionadas à água, o crescimento do setor agrícola, o crescimento do setor industrial, entre outros. Todos estes, com maior ou menor dificuldade, podem ser convertidos em valores monetários.

O Instituto Internacional de Águas de Estocolmo (Stockholm International Water Institute – SIWI), por exemplo, estimou diversos destes benefícios. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto, uma boa gestão dos recursos hídricos impulsiona o desenvolvimento de países e contribui para aliviar a pobreza. Países pobres com bons serviços de distribuição de água potável e de saneamento verificam taxas médias de crescimento por volta de 3,7%. Países pobres com renda per capita similar, mas sem acesso adequado a estes serviços, têm tido taxas de crescimento médias de 0,1%. Investimentos realizados para melhorar a oferta de água e o saneamento proporcionam retornos econômicos importantes para os países. Cada R$ 1,00 investido no setor pode gerar benefícios que somam entre R$ 3,00 e R$ 34,00 em saúde e nos setores agrícola e industrial, dependendo da região e da tecnologia utilizada. Além disso, melhores condições de saúde significam menos dias de trabalho perdidos pelos trabalhadores. Uma oferta constante e confiável de água permite o planejamento e desenvolvimento do setor industrial. Neste sentido, a oferta de água de qualidade torna-se uma vantagem competitiva de países ou regiões. Um estudo realizado na China, por exemplo, estima em US$ 1,7 bilhão a perda de receita do setor industrial em função da contaminação hídrica (Stockholm International Water Institute - SIWI, 2005).

A conservação dos mananciais, no entanto, gera uma série de outros benefícios, alguns deles passíveis de serem transformados em unidades monetárias, outros não. Por exemplo, as represas e rios com boa qualidade de água geram recreação para as populações que utilizam suas praias ou os utilizam para navegar, geram habitat para a biodiversidade, que por sua vez gera alimentos, recreação (pesca) e trabalho. As florestas do entorno dos mananciais prestam os serviços ambientais já mencionados neste trabalho – biodiversidade, evita erosões, sedimentação, regulação do lençol freático, etc.

Estes benefícios, ainda que não sejam transacionados no mercado diretamente, podem ser valorados por meio de técnicas desenvolvidas pelos economistas. Isto é, ainda que não façam parte do mercado e não sejam transacionados, podem ser atribuídos valores monetários a estes benefícios. Em outras palavras, é possível estimar quanto valem os mananciais preservados.

Uma das técnicas de valoração dos recursos naturais que se aplicaria a este caso é o chamado método de custo viagem. Ao visitar uma localidade, um turista incorre em gastos de deslocamento, estacionamento, hospedagem, etc. Todos estes gastos, de alguma maneira revelam as preferências das pessoas. Ao tomar a decisão de sair de casa e passar um dia na represa de Guarapiranga, por exemplo, uma pessoa está revelando sua disposição por usufruir do lugar. Assim, ao contabilizar o número de pessoas que visitam a represa em um dia, um fim de semana, ou um ano, e estimar o gasto que cada uma destas pessoas faz neste período, incluindo gasolina, passagens, alimentação, etc. chega-se a um dos valores que podem ser atribuídos à represa. Comparar estes gastos totais com a represa estando em boa qualidade ambiental e em má qualidade gera uma aproximação do valor do manancial preservado. Evidentemente que esta é apenas uma parte do valor total da represa, e representa apenas o valor de uso que as pessoas fazem da mesma.

Outro método de valoração ambiental existente é o método dos preços das vivendas. Se existem dois imóveis absolutamente iguais e que apresentam preços de mercado diferentes, esta diferença poderia ser atribuída à localidade onde se encontra esta vivenda.

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Uma outra técnica de valoração monetária dos recursos naturais é a chamada valoração contingente. Esta técnica procura perguntar diretamente às pessoas quanto estariam dispostas a pagar por uma melhoria na qualidade ambiental ou pela manutenção de determinado recurso e/ou serviço ou quanto estariam dispostas a receber pela perda de qualidade ambiental.

Outro método mais é o que se chama custo alternativo, que consiste em calcular o custo de reparação de um determinado impacto ambiental. Por exemplo, mencionamos como exemplo no presente relatório a contaminação dos rios Pinheiros e Tietê, na cidade de São Paulo. Se poderia definir o custo do rio poluído como a soma dos gastos necessário para odorizar os escritórios que se localizam nas marginais, os gastos com ar condicionado, dos escritórios e dos veículos, os custos com o desassoreamento do rio, etc.

No entanto, todos estes métodos de valoração, além de refletirem apenas o valor de uso das pessoas, apresentam falhas. Por exemplo, no caso do método do custo viagem, se a população que visita a represa mora perto da mesma e é de baixa renda, o valor deste manancial será menor que se for visitado por pessoas que vêm de mais distante e que gastam mais dinheiro no seu dia de lazer. Apesar disso, é evidente que o manancial é o mesmo e do ponto de vista ambiental não fazem sentido as diferenças socioeconômicas. A valoração contingente, para mencionar outro exemplo, variará muito conforme as informações que as pessoas perguntadas detêm sobre o objeto da valoração e também conforme o seu nível de renda. Além disso, pode-se perguntar a uma pessoa quanto estaria disposta a pagar pela represa preservada, por exemplo, e sua resposta seria certamente diferente se a pergunta fosse quanto estaria disposta a receber para deixar de ter uma represa preservada.

Landell-Mills e Porras (2002), por exemplo, mencionam que o estudo realizado sobre a proposta de cobrança de taxas de proteção e conservação dos mananciais nas Filipinas identificou que os usuários estariam dispostos a pagar US$ 0,03 a mais por metro cúbico de água para aumentar a proteção dos mananciais, resultando em um valor total de US$ 1,46 milhão por ano, dado o consumo anual de 48.607.272 m3. Isso geraria uma quantia superior ao valor estimado do programa de manejo dos mananciais – US$ 2,59 milhões em 5 anos.

Já foi visto que o valor do manancial não depende exclusivamente da utilidade que as pessoas obtêm dele, e pelo qual o valoram, já que isso depende de inúmeros fatores, entre eles a capacidade financeira das pessoas. Além disso, neste caso do exemplo mencionado, a disposição a pagar das pessoas se revelou maior do que o custo do programa de manejo dos mananciais. No entanto, se este valor fosse menor significaria que as pessoas não estariam dispostas a preservar os mananciais? Não necessariamente, por diversos fatores, entre eles a já mencionada capacidade financeira. As pessoas podem pensar que a conservação é importante, mas não estarem dispostas a pagar por ela.

Tome-se o método do custo alternativo. Se poderia pensar que o valor dos mananciais conservados é equivalente aos custos com tratamento de água decorrentes da degradação dos mananciais. No entanto, existem diversos outros valores além do relativo ao tratamento da água. Se a perda de qualidade dos mananciais afeta a diversidade biológica, afeta a pesca, a recreação e o ciclo hidrológico, por exemplo, é claro que investimentos em tratamento de água não serão suficientes para cobrir todas estas perdas.

A valoração dos recursos naturais pode ser eficiente, portanto, para justificar determinada intervenção de política pública, sempre que o resultado dela for superior ao custo da política a ser implementada. No entanto, quando o resultado da valoração indica cifras menores, ele praticamente não serve para nada, visto que não reflete o real valor dos recursos e serviços naturais e dos ecossistemas, seja por não incorporar a diversidade de valores, seja por conter um viés econômico pouco condizente com a lógica ecológica.

A fragilidade dos métodos de valoração ambiental e o fato de que dificilmente podem ser atribuídos valores monetários aos recursos naturais sem incorrer em uma grande dose de arbitrariedade, não significa que tais recursos não devam fazer parte dos processos de decisões. Significa, apenas, que as decisões não podem se basear exclusivamente em análises

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econômicas. Conforme apontam Martinez-Alier e Roca (2001), mencionados anteriormente, “podemos não aceitar uma proposição como X vale mais que Y e, ao mesmo tempo, eleger X ao invés de Y”.

Assim, além de todos estes problemas de valoração apontados, existem outras questões importantes a serem consideradas. Ao comparar a conservação dos mananciais com o custo e benefício do tratamento da água, tomamos como base de análise, no início desta discussão, a cadeia do saneamento. No entanto, não se pode esquecer a ligação com os sistemas naturais, isto é, com o ciclo hidrológico. Mesmo que a alternativa de tratamento da água fosse economicamente mais rentável, o que foi visto só é possível afirmar ao entender a economia como um sistema fechado, isto é que se refere apenas às variáveis monetárias, existem limites para esta alternativa. Ou seja, não se pode contaminar as águas indefinidamente e acreditar que as tecnologias de tratamento serão suficientes para resolver o problema. Por um lado, além dos custos crescentes do tratamento em decorrência de uma água cada vez mais contaminada, a degradação dos mananciais e das florestas do entorno pode afetar significativamente o ciclo hidrológico, diminuindo e/ou modificando o regime das chuvas e outros efeitos indesejáveis. No limite, se poderia tentar calcular as perdas agrícolas, de solo, de casas e vidas humanas, etc. decorrente da mudança no regime de chuvas e do aquecimento global. Dado que este também é um efeito da degradação dos mananciais, deveria certamente entrar nos cálculos do custo-benefício. Por exemplo, sabe-se que o desmatamento da Amazônia tem afetado as chuvas que caem na região sudeste do país, mas dificilmente os impactos decorrentes da mudança do regime de chuvas no sudeste influem nas decisões sobre o desmatamento da Amazônia. No entanto, mais do que reforçar o argumento pela inclusão de todos os valores na análise custo-benefício, esta dinâmica reforça a percepção da necessidade de tomadas de decisões baseadas em uma pluralidade de valores.

3.2. Investir em tratamento de água ou em tratament o de esgotos?

A comparação entre investimentos em tratamento de esgoto e tratamento de água é bem mais simples que a comparação recém apresentada, principalmente pela maior facilidade de comparação entre as variáveis envolvidas e o conhecimento dos efeitos de uma e de outra opção pela Sabesp.

Os custos de tratamento de esgotos podem ser estimados em função da infra-estrutura necessária, assim como os custos do tratamento de água. No entanto, dois pontos merecem destaque. O primeiro e mais evidente é que investimentos em coleta e tratamento de esgotos afetarão positivamente o tratamento de água, significando menores custos. O segundo e mais importante ponto é que os benefícios da coleta e do tratamento de água vão muito além do barateamento no tratamento da água. Eles se refletem em menores gastos com saúde e maiores benefícios com recreação, preservação da biodiversidade, regulação das chuvas, etc.

Os investimentos e benefícios em coleta e tratamento de esgotos e na conservação dos mananciais são bastante diferentes, ainda que os benefícios possam parecer similares. Isso evidencia que uma alternativa não exclui, em absoluto, a outra. Pelo contrário, são complementares e reforçam a necessidade por ações integradas, atuando em vários níveis do sistema socioeconômico-ambiental.

3.3. Pagamento por Serviços Ambientais, Políticas d e Comando e Controle ou outro instrumento?

Visto que os serviços ambientais prestam um importante serviço para a manutenção dos ecossistemas e para a vida na Terra, cabe perguntar se o pagamento por eles garantiria sua continuidade e a conservação dos ecossistemas que os geram. Conforme apresentado anteriormente, os Pagamentos por Serviços Ambientais são uma forma de internalizar as externalidades ou, visto de outra forma, uma forma de compensar pelas

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externalidades positivas que proporcionam. No entanto, ainda que se pague por eles, não significa que os mesmos serão mantidos. Da mesma forma, não necessariamente o pagamento pelos serviços ambientais será o melhor instrumento para garantir sua preservação. A degradação dos serviços ambientais ocorre por uma série de fatores, incluindo o desconhecimento das funções exercidas pelos ecossistemas, a infravaloração (não necessariamente monetária) destes serviços, a diferença entre custos e benefícios privados e sociais e usos alternativos da terra mais rentáveis. O objetivo de se pagar pelos serviços ambientais é o de gerar um incentivo que influencie a tomada de decisão dos agentes que detêm a terra onde tais serviços são prestados, de tal maneira que optem por atividades não destrutivas destes serviços. No entanto, onde existem atividades muito rentáveis, será difícil gerar um incentivo suficientemente grande para mudar a decisão dos agentes econômicos. Neste caso surge um problema relativo à fonte de financiamento para o pagamento destes serviços ambientais. Ao considerar todos os valores envolvidos na conservação dos serviços ambientais, particularmente aqueles relativos aos mananciais conforme demonstrado até aqui, é certo que sua conservação será economicamente interessante. No entanto, as escalas de tempo entre os benefícios dos pagamentos e os custos decorrentes da perda dos serviços ambientais são diferentes, sendo neste último caso bastante distantes. Vale mencionar mais alguns exemplos destes benefícios encontrados na literatura específica. Em Vientiane, capital do Laos, as áreas úmidas provêm controle de enchentes e serviços de tratamento de resíduos valorados em US$ 2 milhões por ano. Estima-se que estes serviços ambientais representem uma economia de U$ 18 milhões em gastos evitados com recuperação de danos e US$ 1,5 milhão em tecnologias artificiais que seriam necessárias para prover os mesmos serviços (Gerrard, 2004 citado por Emerton e Bos, 2004). Investimentos realizados em conservação dos mananciais e das bacias hidrográficas também podem gerar benefícios econômicos, neste caso em termos de custos evitados. Cada R$ 1,00 investido em conservação pode significar uma economia de entre R$ 7,50 e R$ 200,00 em investimentos para novos sistemas de tratamento de água (Reid, 2001 mencionado por Emerton e Bos, 2004). Além, é claro, do exemplo já mencionado de Nova York, no qual por meio de ações de conservação de florestas na região dos mananciais de Catskills/Delaware, o poder público estima ter evitado um investimento que poderia alcançar os US$ 6 bilhões em infra-estrutura necessária para manter a qualidade da água ofertada e mais um adicional de US$ 200 a US$ 300 milhões por ano de gastos operacionais e de manutenção (NYT, 1996 citado por Isakson, 2002). Assim, um programa de pagamento por serviços ambientais de pequena escala, cujo objetivo não é conservar a pluralidade de serviços ambientais e sim algumas características específicas, e que ocorra por meio de negociações entre dois agentes econômicos (ou dois grupos) pode ser bastante eficiente. No entanto, na escala necessária dos mananciais do município de São Paulo, cuja maior importância é a conservação dos mananciais e de todos os valores socioeconômico-ambientais que representa, é impensável um programa deste porte sem a participação do governo. Em primeiro lugar porque existem diversos atores envolvidos, com interesses muito diversos e percepções da questão muito diferentes. Em segundo lugar porque o governo é um dos principais atores envolvidos, já que a degradação de tais serviços ambientais gerará, no longo médio e prazo, altíssimos custos sociais que recairão sobre o próprio governo. Neste sentido se coloca a questão da fonte de financiamento para os recursos que garantam um programa desta magnitude. Como exemplo, cabe mencionar o caso da Costa Rica, que implementou um ambicioso programa de Pagamento por Serviços Ambientais cuja maior fonte de ingressos advém de um imposto sobre combustíveis fósseis criado pelo governo federal. Caso se decida pela implantação de um programa de Pagamento por Serviços Ambientais, um ponto importante diz respeito ao valor a ser pago. Na grande maioria dos casos, se não em sua totalidade, os valores são estimados em função dos custos de oportunidade da terra nas áreas de mananciais. Ainda que para a finalidade da conservação do serviço ambiental fosse interessante pagar de acordo à prestação do serviço, já foi visto a dificuldade em estimar a quantidade de serviço prestado bem como atribuir valores a estes serviços. Por outro lado, considerando o princípio de precaução, mais importante que a prestação do serviço em si é a manutenção das

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qualidades ambientais que favorecem o equilíbrio ecológico. Assim, para influenciar a tomada de decisão dos agentes econômicos que utilizam as terras nas áreas de mananciais, pode ser mais eficiente trabalhar com os custos de oportunidade do que com exercícios de valoração arbitrários, ainda que, em alguns casos, é muito possível que os valores encontrados por um exercício de valoração sejam superiores aos custos de oportunidade (dependendo de quem os conduza, já que os resultados são absolutamente variáveis de acordo às premissas assumidas). Isso foi o que concluíram Kosoy et. al. (2007) ao analisar alguns esquemas de PSA na América Central, onde identificaram que os valores pagos guardavam pouca relação com os serviços prestados e eram definidos em função do custo de oportunidade dos provedores Com isso, já se aborda a segunda questão colocada de que não necessariamente os Pagamentos por Serviços Ambientais serão o melhor instrumento para garantir a conservação dos mananciais e dos serviços ambientais associados. Percebe-se que será necessário o desenvolvimento de uma política integrada que contemple diversas ações. Por exemplo, uma política tributária inteligente, que grave os maus comportamentos ambientais (como no caso do imposto sobre combustíveis fósseis da Costa Rica, por exemplo, ou a criação de um imposto sobre o consumo excessivo de água) e desgrave o emprego, por exemplo. A concessão de subsídios para estimular atividades desejáveis também é outro instrumento a ser utilizado. Uma boa e contundente política regulatória se faz também necessária. Tome-se, por exemplo, o caso de Nova York, onde se concluiu que é muito mais barato investir em todas as ações para a conservação dos mananciais descritas anteriormente do que investir no processo de filtragem exigido pela EPA. No entanto, caso a EPA não lançasse em 1989 a Regulação de Tratamento de Águas Superficiais, é possível que não fossem realizados os investimentos para a conservação dos mananciais, implicando em custos significativos à saúde dos cidadãos nova-iorquinos, além de todos os custos econômicos descritos anteriormente – custos de hospitais, agrícolas, etc. – e dos custos não monetarizados relativos às externalidades, mas arcados por indivíduos, conjunto da sociedade e pelo governo no médio prazo. Além disso, existem casos nos quais não existe um valor a ser pago pela não degradação ou pela manutenção de determinado ecossistema, e sim que simplesmente não se pode degradar. Nestes casos, se faz necessária uma política regulatória e ações eficazes de comando e controle. Portanto, se por um lado o contexto local é fundamental para avaliar a viabilidade de um programa de pagamento por serviços ambientais (em Nova York, sem a regulação provavelmente não seria viável), por outro as chances de sucesso de um programa como este serão muito maiores se for inserido em uma política mais ampla de proteção dos mananciais. Isto é, não seria um programa de pagamento por serviços ambientais e sim um programa de conservação dos mananciais, no qual os PSA seriam um elemento dentre tantos.

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