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    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS26

    Este artigo publicado sob a licena de creative commons.Este artigo est disponvel onlineem .

    CECLIA MACDOWELL SANTOS

    Professora Associada de Sociologia da Universidade de So Francisco e

    Pesquisadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

    Endereo: Departamento de Sociologia, Universidade de So Francisco, 2130

    Fulton Street, So Francisco, CA 94117, EUA.

    E-mail: [email protected]

    RESUMO

    Este artigo analisa o crescente uso, por ONGs locais e transnacionais de direitos humanos,

    dos instrumentos jurdicos internacionais para o reconhecimento e a proteo dos direitos

    humanos, um fenmeno que a autora denomina de ativismo jurdico transnacional.

    ABSTRACT

    This paper analyzes the increased use, by local and transnational human rights NGOs, of

    international legal instruments for the recognition and protection of human rights, a

    phenomenon the author calls transnational legal activism.

    RESUMEN

    Este trabajo analiza el uso creciente que las ONG locales y trasnacionales de derechos

    humanos hacen de instrumentos legales internacionales para reconocer y proteger los

    derechos humanos, fenmeno que la autora denomina activismo legal transnacional.

    Original em ingls. Traduzido por Thiago Amparo.

    PALAVRAS-CHAVE

    Mobilizao jurdica transnacional Direitos humanos e globalizao Comisso

    Interamericana de Direitos Humanos Brasil Violncia contra as mulheres

    Discriminao racial.

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    Ceclia MacDowell Santos

    Ver as notas deste texto a partir da pgina 52.

    Introduo1

    Desde os anos 90, como parte do processo de globalizao, ns temostestemunhado o aumento da transnacionalizao das instituies legais e da

    mobilizao jurdica, dois lados de um fenmeno denominado pelos juristas dejudicializao global2 e litigncia transnacional.3 A judicializao global surgeatravs da criao de cortes internacionais ad hocou permanentes e tribunaisarbitrais, bem como por intermdio do crescente recurso s instituiesinternacionais judiciais ou quase judiciais para lidar com disputas sobre questescomerciais e direitos humanos. A litigncia transnacional engloba as disputasentre os Estados, entre indivduos e Estados e entre indivduos atravs de suasfronteiras nacionais. Essas mudanas jurdicas no contexto da globalizao tmaumentado os debates sobre quando a judicializao global desejvel ou efetiva

    em fortalecer o Estado de Direito e promover a democracia local e global.Contudo, tanto os defensores nem os crticos dessa judicializao tm conseguidoanalisar criticamente a poltica global do Estado de Direito em legitimar o projetoneoliberal hegemnico, o qual enfraquece a capacidade dos Estados nacionaisem cumprir as normas de direitos humanos.4 Alm disso, a maioria dos estudossobre o direito e a globalizao no atenta suficientemente para o papel dasorganizaes no-governamentais de direitos humanos (ONGs), ou para o papelcentral e, muitas vezes, contraditrio do Estado nas batalhas jurdicastransnacionais pelo reconhecimento e proteo dos direitos humanos.

    O objetivo deste artigo refletir sobre a relao entre a mobilizao jurdica

    ATIVISMO JURDICO TRANSNACIONAL E O ESTADO:

    REFLEXES SOBRE OS CASOS APRESENTADOS

    CONTRA O BRASIL NA COMISSO INTERAMERICANA

    DE DIREITOS HUMANOS

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    transnacional e o Estado atravs de uma anlise do uso crescente, por ONGs locaise transnacionais de direitos humanos, dos instrumentos jurdicos internacionaispara o reconhecimento e proteo desses direitos.5 Analisando os casos apresentadoscontra o Brasil na Comisso Interamericana de Direitos Humanos (daqui a diante,CIDH), o artigo procura oferecer instrumentos tericos para se refletir acerca dasestratgias e limitaes do que chamo de ativismo jurdico transnacional vis--visas respostas apresentadas pelo Estado. Por ativismo jurdico transnacional refiro-me a um tipo de ativismo focado na ao legal engajada, atravs das cortesinternacionais ou instituies quase judiciais, em fortalecer as demandas dosmovimentos sociais; realizar mudanas legais e polticas internas; reestruturar ouredefinir direitos; e/ou pressionar os Estados a cumprir as normas internacionais e

    internas de direitos humanos. As respostas do Estado brasileiro sero analisadas luz do conceito de Estado heterogneo, qual seja, um Estado que, devido a pressesnacionais e internacionais contraditrias, assume lgicas diferentes dedesenvolvimento e ritmo, tornando impossvel a identificao de um modelocoerente de ao estatal comum a todos os setores ou campos de ao.6

    O ativismo jurdico transnacional pode ser visto como uma tentativa nosimplesmente de remediar abusos individuais, mas tambm de (re)politizar ou(re)legalizar a poltica de direitos humanos ao provocar as cortes internacionaisou sistemas quase judiciais de direitos humanos e lev-los a agirem diante das

    arenas jurdicas e polticas nacionais e locais. As estratgias do ativismo jurdicotransnacional esto situadas histrica e politicamente. Por isso, elas devem serobjeto de pesquisa emprica. Uma vez que o Estado um ator principal nasbatalhas jurdicas transnacionais sobre direitos humanos, importante investigartanto sobre as prticas dos defensores jurdicos transnacionais quanto como oEstado responde a eles. Isso nos auxilia a entender melhor no somente como osatores da sociedade civil se engajam na mobilizao jurdica transnacional, mastambm como o Estado se refere s normas internacionais de direitos humanos ecomo os discursos e as prticas ligados aos direitos humanos so desenvolvidos

    em diferentes setores do Estado e em diversos nveis da atuao estatal. Analisando entrevistas e conversas com ativistas de direitos humanos noBrasil, bem como pesquisas de arquivo, incluindo documentos legais e dadoscolhidos de ONGs de direitos humanos e da pgina na internet da Organizaodos Estados Americanos, este artigo mostrar que as prticas das ONGs locais etransnacionais de direitos humanos, nos casos apresentados por elas CIDH,constituem um exemplo de ativismo jurdico transnacional. No entanto, como oestudo de caso ilustrar, suas realizaes, embora importantes, tm sido muitolimitadas, seja em razo da precria eficcia do direito internacional dos direitos

    humanos, seja pelas contradies internas e heterogeneidade do Estado brasileiroem questes de direitos humanos. Alm de uma viso geral dos casos apresentadoscontra o Brasil na CIDH, apresentarei um exame mais aprofundado de trs casos

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    relativos, respectivamente, luta pela memria no caso Guerrilha do Araguaia;a questo da violncia domstica enfrentada no caso Maria da Penha; e o problemada discriminao racial discutido no caso Simone Diniz. Cada um desses casosmostrar que os discursos e as prticas do Estado quando se trata de direitoshumanos so heterogneos e contraditrios nos mbitos nacional e local daadministrao. A seguir, comeo com uma reviso crtica da pesquisa existentesobre direito, globalizao e mobilizao jurdica transnacional. Em segundo lugar,situo o estudo de caso dentro do contexto poltico mais amplo da democratizaoe da perpetuao das violaes de direitos humanos no Brasil. Essa parte seguidapela discusso sobre o ativismo jurdico transnacional na CIDH e o papelcontraditrio do Estado brasileiro com relao poltica de direitos humanos.

    Estudos sobre direito, globalizao emobilizao jurdica transnacional

    Os juristas tm analisado a internacionalizao do judicirio a partir de umaperspectiva de resoluo de disputas, debatendo se a judicializao global inevitvel e desejvel para o fortalecimento efetivo e eqitativo do Estado deDireito.7 Em um lado do debate esto aqueles a favor de uma regulamentaojurdica global sobre jurisdio e julgamentos, tanto no mbito cvel e comercial,

    quanto para resoluo de questes criminais.8

    Slaughter, por exemplo, umaentusiasta do surgimento do que ela chama de comunidade global de cortes ejurisprudncia global, visto por ela como conseqncia da expanso da litignciatransnacional.9 De acordo com Shaughter, a resoluo internacional de disputastem sido substituda cada vez mais pela litigncia transnacional, uma significativamudana no sistema jurdico internacional. Tradicionalmente, as disputasinternacionais envolviam Estados e eram resolvidas sob os auspcios do sistemainternacional. A litigncia transnacional, ao contrrio, engloba cortes internas einternacionais, envolvendo casos entre Estados, entre indivduos e Estados e entre

    indivduos atravs de suas fronteiras. Slaughter destaca que a litignciatransnacional tipicamente refere-se a disputas comerciais, como nos casosapresentados Organizao Mundial do Comrcio (OMC), ao Acordo Norte-americano de Livre Comrcio (NAFTA) e ao Tribunal das guas.

    No outro lado do debate esto aqueles que no vem a judicializao globalcomo um desenvolvimento inevitvel do direito internacional e parecem estarmenos entusiasmados com essa tendncia. Observando que, na Europa e naAmrica Latina, a habilidade dos indivduos em procurar um recurso contra oseu governo tem avanado rapidamente no mbito internacional, Ratner discute

    os limites da judicializao global focando na internacionalizao da legislaocriminal e nos obstculos para a efetividade da Corte Penal Internacional.10 Ratner,um antigo membro da Assessoria Jurdica do Departamento de Estado dos EUA,

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    argumenta que a judicializao global no nem inevitvel, nem efetiva nemdesejvel se ela for desviar recursos dos mtodos no judiciais destinados aocumprimento do direito e resoluo de disputas, tais como diplomacia,negociaes e sanes. A viso dele de que a soft law11 mais efetiva em enfrentaras disputas internacionais tambm baseada em sua experincia no AltoComissariado para Minorias Nacionais da Organizao para a Segurana eCooperao na Europa (OSCE).

    Ao apresentar idias sobre os aspectos procedimentais e obstculos globalizao do Estado de Direito e dos julgamentos, os juristas tm abordado ofenmeno da judicializao global e litigncia transnacional a partir de umaperspectiva restrita, legalista. Eles tm focado principalmente na resoluo de

    disputas que lidam com questes comerciais, adotando uma perspectivaindividualista e doutrinria que desconsidera as relaes complexas entre diferentesideologias jurdicas e relaes de poder entre diversos atores jurdicos. Quandodiscutem violaes de direitos humanos, eles tambm tratam das disputas deuma perspectiva individualista, como se os interesses das partes em questo e osremdios buscados por eles dissessem respeito apenas a questes legais e pudessemser separados da poltica e da cultura. Alm disso, os juristas freqentementeabordam as cortes internacionais e as instituies quase judiciais ou como entidadesseparadas, ou como instituies fundidas em uma s comunidade global de

    cortes em desenvolvimento. Ambas as perspectivas desconsideram o papel queas ONGs e os Estados nacionais possuem como partes envolvidas nas disputasdomsticas e internacionais, bem como na constituio dos sistemas judicial equase judicial tanto interno quanto internacional.

    Estudos sobre redes para defesa de causas transnacionais [transnationaladvocacy networks, na verso original em ingls], ativismo transnacional eglobalizao anti-hegemnica tm contribudo para o nosso entendimento acercado ativismo transnacional de direitos humanos.12 Em seu trabalho inovador nessarea, Keck e Sikkink definem redes como formas de organizao caracterizadas

    por modelos voluntrios, recprocos e horizontais de comunicao e troca. Apesardas diferenas entre os mbitos domstico e internacional, o conceito de redetransita bem por estas esferas, porque ele enfatiza as relaes fluidas e abertasentre atores comprometidos e instrudos trabalhando em reas especficas.13 Osautores chamam essas redes de redes para defesas de causas, pois defensoresadvogam causas alheias ou defendem uma causa ou mxima [...]. Elas soorganizadas para promover causas, idias principistas e normas e, com freqncia,envolvem indivduos apoiando mudanas polticas que no podem ser facilmenteatribudas a um entendimento racionalista de seus interesses.14 O conceito de

    redes para defesa de causas transnacionais mais til que litignciatransnacional para expor as relaes de poder inerentes s lutas pela definio eproteo dos direitos humanos. No entanto, esse conceito no trata

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    especificamente das prticas jurdicase da mobilizao jurdicatransnacional.Dede os anos noventa, as interaes jurdicas atravs das fronteiras e a

    globalizao do Estado de direito tm surgido como um novo campo de pesquisada sociologia jurdica.15 Duas abordagens podem ser identificadas nesse campo,desde uma anlise institucional e sistemtica at um exame mais poltico e crticoda relao entre direito e globalizao. Esta abordagem procura analisar a relaoentre as instituies jurdicas e no jurdicas com o objetivo de desvendar ascaractersticas da cultura jurdica global em desenvolvimento. Essa anlise levantaquestes sobre o fato de se usar ou evitar os processos legais, bem como questessobre as culturas jurdicas, os tipos de disputas, formas de deciso ou ainda sobreas atitudes e estratgias dos atores legais.16 A importncia dessa abordagem reside

    na ateno que presta tanto aos atores legais e s culturas jurdicas, quanto srelaes desiguais de poder entre esses atores. Porm, ela foca principalmente emdisputas comerciais e na elite internacional, ao mesmo tempo em que tende aofuscar a relao entre a globalizao do direito e a poltica. Por no examinar asprticas de atores do movimento social e seu engajamento atravs das instituiesjurdicas, essa abordagem tambm desconsidera os processos de globalizao e oduplo papel assumido pelo Estado tanto como promovedor quanto como violadorde direitos humanos.

    A abordagem poltica e crtica do direito e globalizao baseia-se em estudos

    da sociologia jurdica sobre o direito visto como um instrumento de conflitosocial17 e como uma ttica do movimento social.18 Focando na mobilizao jurdica transnacional e sua relao com os movimentos sociais que defendemuma alternativa globalizao neoliberal, essa nova literatura continua a questionarquando e em quais condies o direito pode ser usado como um instrumento deemancipao social.19 Apesar de a globalizao neoliberal ter diminudo o poderdos Estados nacionais, essa literatura examina como a mobilizao jurdicatransnacional relaciona-se tanto com o Estado quanto com as instituiesinternacionais. Como Sousa Santos observa Os Estados nao continuaro sendo,

    no futuro visvel, o principal foco para as lutas pelos direitos humanos, tanto nacondio de violadores quanto de promovedores e garantidores de direitoshumanos.20 No entanto, a expanso das corporaes transnacionais e oestabelecimento dos programas de ajuste estrutural, todos aprovados pelos Estadosnacionais, tm tido efeitos desastrosos aos direitos humanos. Mesmo quando osEstados no so violadores de direitos humanos, eles esto to pequenos e fracospara reagirem a tais violaes. Essa a razo pela qual torna-se imperativofortalecer as formas existentes de mobilizao global e de promoo e proteode direitos humanos bem como, a criao de novas.21

    De acordo com Sousa Santos, a mobilizao jurdica transnacional seremancipatria e constituir-se- em uma poltica e uma legalidade subalternascosmopolitas se ela englobar quatro ampliaes do conceito de poltica de

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    legalidade. Primeiro, deve haver uma combinao de mobilizao poltica commobilizao jurdica.22 Em segundo lugar, a poltica de legalidade precisa serconceituada em trs escalas diferentes: local, nacional e global.23 Terceiro, devehaver a ampliao do conhecimento jurdico profissional, do direito do Estadonacional e do cnone legal que privilegiam os direitos individuais. Isso no significaque as conceituaes de direitos individuais devam ser abandonadas. Por ltimo,a durao das batalhas jurdicas deve ser expandida a fim de incluir o tempo daslutas sociais, uma vez que esto relacionadas, por exemplo, com capitalismo,colonialismo, regimes polticos autoritrios e outros contextos histricos.

    As prticas das ONGs de direitos humanos nos casos apresentados contra oBrasil na CIDH preenchem as condies do que Sousa Santos descreve como

    poltica e legalidade subalterna cosmopolita. No entanto, eu preferi utilizar otermo ativismo jurdico transnacional para enfatizar a dimenso transnacionaldas alianas e redes formadas por ONGs, atores do movimento social e organizaesde base engajadas no ativismo em prol dos direitos humanos. A expresso ativismojurdico tambm destaca os atores sociais como ativistase enfatiza um movimentoque inclui uma diversidade de lutas jurdicas, sociais e polticas. Alm disso, nemtodas as formas de ativismo jurdico transnacional desafiam diretamente aglobalizao neoliberal, o que no significa que este tipo de ativismo no procurepromover mudanas sociais, jurdicas e polticas. Igualmente aos interesses daqueles

    envolvidos em lutas em prol dos direitos humanos, as estratgias e objetivos doativismo jurdico transnacional de direitos humanos so diversos, ligados a vriosmovimentos sociais, que vo desde lutas de classe at batalhas contra o sexismo,racismo, represso poltica, imperialismo e assim por diante. Uma vez que o Estado um ator importante nas disputas jurdicas transnacionais, ns precisamos examinarmais profundamente como o Estado responde ao ativismo jurdico transnacionalem casos concretos e em todos os mbitos da atuao estatal local, nacional einternacional. Antes de examinar as estratgias de ONGs nos casos apresentadoscontra o Brasil na CIDH e as respostas do Estado Brasileiro, eu irei situ-los dentro

    do contexto poltico mais amplo da democratizao e da continuao das violaesde direitos humanos no Brasil.

    O paradoxo da democratizao e a permannciadas violaes dos direitos humanos

    Desde os anos sessenta at metade dos anos oitenta, a maioria dos pases na Amrica Latina sofreu golpes militares e foi controlada por governos quepraticavam sistematicamente o seqestro, a tortura e o assassinato de dissidentes

    polticos. Esses regimes impuseram constituies revogando direitos civis epolticos fundamentais. Desde meados dos anos oitenta, a maior parte dos pasesna Amrica Latina tem obtido sucesso em pr fim aos regimes militares

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    autoritrios, promovendo reformas legais e polticas importantes em direo democracia. A maioria dos pases na regio possui agora um regime polticodemocrtico, juntamente com uma legislao progressiva que garante novosdireitos a grupos freqentemente excludos, tais como prisioneiros, trabalhadoresrurais, crianas de rua, populaes indgenas, negros, mulheres, homossexuais,travestis. No entanto, prticas sistemticas de violao de direitos humanos contraesses grupos sociais ainda tm ocorrido na Amrica Latina. 24

    No Brasil, o regime militar autoritrio durou mais de vinte anos, de 1964 a1985. Baseado na doutrina da Segurana Nacional e Desenvolvimento,25 o regimemilitar suspendeu as eleies diretas para presidente, governadores e senadores;submeteu o legislativo ineficcia; baniu os partidos polticos existentes; suspendeu

    direitos constitucionais; censurou a imprensa; as artes; e a academia; e processou,prendeu, torturou e matou todos aqueles que se opuseram ao regime. Duranteeste perodo de terror poltico, setores da sociedade civil organizaram movimentosde resistncia e oposio.26 Vrios movimentos sociais floresceram ao longo dosanos setenta.27 Presses desses movimentos e seus aliados internacionais, bemcomo divergncias entre os lderes militares incentivaram uma diminuio narepresso no final dos anos setenta, levando Abertura Poltica. Em 1979, durantea presidncia do General Figueiredo, a anistia dos prisioneiros polticos foiconcedida atravs da promulgao da Lei de Anistia(Lei 6.683/79). Os ativistas

    no exlio voltaram ao pas. Eleies para prefeitos e para as assemblias estaduaisforam restabelecidas.28

    Para facilitar uma transio suave para o governo civil, os militares e osubseqente governo civil ampliaram a interpretao da Lei de Anistia paratambm conceder anistia a militares e policiais que tivessem cometido abusos dedireitos humanos contra dissidentes polticos. Essa medida tem provocadonumerosos protestos por parte de familiares de desaparecidos e antigos prisioneirospolticos. ONGs de direitos humanos e renomados juristas tambm tm protestadocontra a impunidade concedida por essa interpretao ampla da Lei de Anistia e

    tm demandado uma reviso desta Lei.29

    Esse um aspecto importante na batalhapela memria dos tempos de ditadura, a qual ser examinada mais para frente noprximo tpico luz do caso da Guerrilha do Araguaia que est pendente nascortes federais brasileiras desde os anos oitenta e na CIDH desde meados dosanos noventa.

    Os anos oitenta trouxeram um perodo de reformas poltica, legal einstitucional com o objetivo de restabelecer a democracia no pas. Eleies paragovernadores, membros do Congresso Nacional e para presidente foramretomadas. Durante a transio do governo militar para o civil, a estratgia dos

    movimentos sociais mudou da luta externa contra o regime para a participaono processo de democratizao tanto dentro quanto fora do Estado. Graas apresses por parte do movimento de mulheres, a primeira delegacia de polcia no

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    mundo gerida exclusivamente por policiais femininas foi criada em So Pauloem 1985.30 No entanto, apenas recentemente o Congresso aprovou uma leiespecfica determinando a criao de servios integrados para combater a violnciadomstica contra as mulheres no pas, uma mudana legal muito aguardada quedeve bastante ao caso Maria da Penha, a ser discutido no prximo tpico.

    Diversos movimentos sociais tambm fizeram lobbya fim de influenciar aredao da nova Constituio Brasileira em 1988. Como conseqncia, o Artigo5o estabelece uma srie de direitos fundamentais, determinando que homens emulheres so iguais em direitos e obrigaes, ningum ser submetido tortura,a propriedade atender a sua funo social, a prtica do racismo constituicrime. A Constituio tambm declara que as relaes exteriores so guiadas

    pelo princpio da prevalncia dos direitos humanos (Artigo 4, inciso II).

    31

    Nocomeo dos anos noventa, uma nova legislao infraconstitucional progressivafoi tambm promulgada. Por exemplo, a Lei 7719/89 foi criada para punir oscrimes resultantes de discriminao com base na raa, cor, etnia, religio enacionalidade.

    Os anos noventa foram uma dcada de ratificao de diversas normasinternacionais e regionais de direitos humanos.32 O antigo Presidente FernandoHenrique Cardoso (Partido Social Democrata ou PSDB), eleito para doismandatos (1995-1998 e 1999-2002), favoreceu o reconhecimento de normas

    internacionais de direitos humanos. Em 1995, o Brasil ratificou a ConvenoInteramericana para Preveno, Punio e Erradicao da Violncia contra aMulher, a chamada Conveno de Belm do Par, adotada pela Organizaodos Estados Americanos (OEA) em 1994. No entanto, apesar das diversascomunicaes enviadas pela CIDH, a administrao Cardoso ignorou o casoMaria da Penha at o final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.Alm disso, comparado com outros pases latino-americanos, o Brasil demoroumuito mais para reconhecer as normas regionais de direitos humanos estabelecidaspela Conveno Americana de Direitos Humanos. Enquanto um nmero

    considervel de Estados membros da OEA ratificou a Conveno nos anos oitenta,o Brasil a ratificou apenas em 1992. O Brasil tambm est entre os ltimos Estadosmembros da OEA a aceitar a jurisdio da Corte Interamericana de DireitosHumanos. Apenas em 1998, o Brasil reconheceu a competncia dessa corte. 33

    Com base no princpio constitucional da prevalncia dos direitos humanose com o intuito de promover uma cultura de direitos humanos, Cardoso lanouem 1996 o Programa Nacional de Direitos Humanos (Decreto 1.904/96),formalmente reconhecendo os direitos humanos de mulheres, negros,homossexuais, populaes indgenas, idosos, deficientes fsicos, refugiados,

    indivduos infectados pelo HIV, crianas e adolescentes, policiais, prisioneiros,ricos e pobres.34 Em 1998, Cardoso criou a Secretaria Nacional de DireitosHumanospara implementar este programa. Pela primeira vez na histria do Brasil,

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    o governo reconheceu que o Brasil no era uma democracia racial. O ProgramaNacional de Direitos Humanos sinalizou a criao no ensino superior de programasde ao afirmativa, embora eles no sejam obrigatrios e tenham sido objeto deum acalorado debate no pas.

    Com relao batalha pela memria da ditadura, no comeo de seu primeiromandato, Cardoso assinou a Lei 9.140/95, conhecida como Lei dos Desaparecidos,criando a Comisso Especial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Polticos.Atravs dessa lei o Estado Brasileiro reconheceu a sua responsabilidade peloassassinato de 136 pessoas desaparecidas por motivos polticos. Essa lei criou aComisso Especial para examinar denncias apresentadas pelas famlias dasvtimas, as quais acabaram recebendo algumas indenizaes pecunirias. No

    entanto, as famlias das vtimas e simpatizantes de sua causa foram crticos aosprocedimentos e ao escopo dessa lei. Eles afirmaram que o governo, ao se recusara rever a Lei de Anistia e a desclassificar os documentos sobre o massacre militardos membros da Guerrilha de Araguaia, estaria promovendo uma poltica deesquecimento e impunidade.35

    O Presidente Luis Incio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores ou PT)tambm eleito para dois mandatos (2003-2006 e 2007-at o momento) no temse diferenciado de seu antecessor no que diz respeito batalha pela memria daditadura. No entanto, a administrao Lula tem criado certo suporte institucional

    para a promoo dos direitos humanos. Por exemplo, logo depois de assumir ocargo em 2003, o Presidente Lula concedeu statusministerial Secretaria Nacionalde Direitos Humanos, agora com o nome de Secretaria Especial de Direitos Humanos.Ele tambm criou a Secretaria Especial de Polticas para as Mulherese a SecretariaEspecial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial, fortalecendo ambas com ostatus ministerial.

    Apesar dessas secretarias, das novas leis progressivas promulgadas e doreconhecimento de normas internacionais de direitos humanos, srias violaesde direitos humanos persistem no Brasil. Perpetuadas pela polcia, esquadres da

    morte e outros grupos de interesse, essas violaes incluem a prtica sistemticade tortura; trabalho escravo; discriminao com base na raa, etnia, gnero,orientao sexual, idade e deficincia; impunidade dos perpetradores de violnciacontra as mulheres; execues sumrias; e violncia contra movimentos sociaisque lutam por reformas agrrias e pelos direitos dos indgenas, incluindo acriminalizao dessas lutas.36 As novas leis e programas destinados a combater aexcluso social, racismo e sexismo dificilmente so implementados. Isso ocorreem razo da contnua concentrao de poder nas mos da elite, corrupo eproblemas institucionais do sistema judicial no Brasil. As polticas neoliberais

    adotadas por todos os partidos no poder desde o fim da ditadura militar tmreduzido ainda mais a capacidade do Estado de implementar os programas dedireitos humanos.

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    Diversas ONGs locais e internacionais de direitos humanos tm denunciadoessa situao e apresentado denncias s cortes brasileiras. Contudo, tendo emvista que a polcia e grupos de interesse poderosos esto freqentemente envolvidosem violaes de direitos humanos, as cortes locais e o governo tm evitado consertaressas organizaes. Isso tem ocasionado o que Keck e Sikkink chamam de modelobumerangue.37 Esse modelo ocorre quando um dado Estado evita corrigir asorganizaes dentro dele, induzindo assim a ativao de uma rede transnacional.Os membros dessa rede pressionam os seus prprios Estados e, caso seja relevantee necessrio, uma terceira organizao, a qual em contrapartida pressiona o Estadoque se esquivou de reestruturar as organizaes que dele fazem parte.

    Seguindo o modelo bumerangue, as ONGs brasileiras tm formado redes

    nacionais e internacionais para a defesa de causas de direitos humanos a fim depressionar o governo a cumprir a legislao progressiva, criar novas leis e formularpolticas pblicas para a proteo dos direitos humanos. Desde meados dos anosnoventa, essas redes tm aumentado seu engajamento no ativismo jurdicotransnacional, mobilizando-se para assegurar o apoio de organizaes internacionais,tais como a OEA e seu Sistema Interamericano de Direitos Humanos.38

    Ativismo jurdico transnacional naCIDH e o Estado Brasileiro

    A CIDH e a expanso do ativismo jurdico transnacional

    A Conveno Americana de Direitos Humanos, adotada em 1969 e em vigordesde 1978, estabelece que dois rgos devem zelar pela sua observncia: aComisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), criada pela OEA em1959, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Conveno eem vigor desde 1978.39 Uma vez que indivduos e ONGs somente podem

    apresentar denncias CIDH, o ativismo jurdico transnacional est diretamenteligado a este rgo.40 A CIDH composta por sete membros eleitos pelaAssemblia Geral da OEA. Eles no so juzes e representam todos os Estadosmembros da OEA. A CIDH possui competncia para receber peties contra osEstados membros, tenham eles ratificado a Conveno ou no. Considerandoque a CIDH e a Corte possuem uma funo subsidiria vis--vis o sistema judicialinterno, a admissibilidade da denncia pela CIDH est sujeita ao esgotamentodos recursos internos pelo denunciante. Apesar da CIDH poder aceitar dennciasindividuais e realizar investigaes in loco, ela no um rgo judicial e no

    pode proferir decises judiciais e vinculantes.41

    O ativismo jurdico transnacional na CIDH tem se expandido muito na ltimadcada. Apesar dos dados sobre as denncias recebidas e os casos processados pela

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    CIDH no estarem consistentemente apresentados em seus relatrios anuais,publicados desde 1970, esses relatrios indicam um aumento significativo no nmerode denncias ao longo dos anos.42 Em 1969 e 1970, por exemplo, a CIDH recebeu217 peties, metade do nmero recebido apenas em 1997 (435).43 Esse nmerocontinuou a crescer ao longo dos anos, tendo triplicado em 2006 (1325), com amaioria das denncias apresentadas contra Peru, Mxico e Argentina.44

    O nmero de denncias apresentadas contra o Brasil na CIDH tambmtem crescido desde os anos noventa. No entanto, em comparao com outrospases da regio, nos ltimos dez anos as ONGs brasileiras de direitos humanostm atuado menos por intermdio do ativismo jurdico transnacional. Em 1969e 1970, por exemplo, a CIDH recebeu 40 denncias contra o Brasil e o pas

    ocupou o segundo lugar em nmero de peties na regio.

    45

    Em 1999 e 2000, onmero de denncias apresentadas contra o Brasil diminui (35).46 Em 1999, opas ficou em dcimo em nmero de denncias e 46 casos contra o Brasil aindaestavam pendentes na CIDH.47 Entre 2001 e 2006, houve um aumento gradualno nmero de denncias apresentadas contra o Brasil Em 2006, esse nmeroquase dobrou (66) se comparado ao quadro existente entre 1999 e 2000 e o pasatingiu a stima posio dentro da regio.48 Desde 1999, a CIDH recebeu 272denncias contra o Brasil, sendo que 72 casos ainda esto pendentes atualmente.49

    O aumento no nmero de denncias pode ser atribudo a processos polticos

    nacional e internacional. Desde os anos oitenta, governos militares e outros regimesautoritrios mantinham representantes na CIDH, dando pouco valor aos seusobjetivos estabelecidos de promoo da democracia e respeito aos direitoshumanos. Alm de enfrentar a prtica de tortura em larga escala, desaparecimentose execuo extrajudicial, o sistema interamericano de direitos humanos tambmteve que lidar com judicirios internos fracos, ineficientes e corruptos.50 O processode democratizao tem ajudado a fortalecer a OEA e seu sistema de direitoshumanos. A globalizao dos direitos humanos e a transnacionalizao dosmovimentos sociais tm tambm contribudo para a expanso do ativismo jurdico

    transnacional. Como resultado desses processos, a CIDH tem ganhado maiscredibilidade entre as ONGs de direitos humanos e pressionado os Estadosmembros da OEA a reconhecer e cumprir as normas de direitos humanos.51

    Antes da Conveno ter sido ratificada pelo Brasil em 1992, a CIDH chamouateno do Estado Brasileiro apenas duas vezes, em 1972 e 1985. Durante aditadura, a CIDH claramente ignorou a grande maioria das dennciasapresentadas contra o Brasil. De 1969 e 1973, por exemplo, a CIDH recebeu,pelo menos, 77 peties contra o Brasil. Dentre essas, 20 foram aceitas comocasos concretos.52 Todas, com exceo de uma, esto relacionadas com a prtica

    de deteno arbitrria, ameaa de morte, tortura, desaparecimento, assassinatoperpetuado por agentes estatais contra dissidentes polticos do regime. Aoresponder s denncias enviadas pela CIDH, o Estado Brasileiro negou a

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    ocorrncia dessas violaes. A CIDH considerou que a maior parte dos casos erainadmissvel ou que deveria ser arquivada.53 O nico caso em que o EstadoBrasileiro foi considerado responsvel dizia respeito ao seu envolvimento nadeteno arbitrria, tortura e assassinato do lder sindical Olavo Hansen no interiordo Departamento de Ordem Poltica e Social(conhecido como DOPS) em SoPaulo em maio de 1970. A CIDH decidiu que o Estado Brasileiro deveria imporsanes aos perpetuadores da violao e indenizar as famlias das vtimas. Ogoverno brasileiro argumentou que Hansen havia cometido suicdio e se recusoua seguir as recomendaes.54

    O segundo caso diz respeito violao de direitos humanos da populaoindgena de Yanomamis. Teve incio em 1980 e terminou em 1985, dentro do

    contexto da democratizao. Os peticionrios eram representantes de associaesantropolgicas e de ONGs defensoras dos direitos indgenas com sede nos EstadosUnidos. A CIDH reconheceu as medidas importantes tomadas pelo GovernoBrasileiro, particularmente desde 1983, para proteger a segurana, sade eintegridade dos ndios Yanomami.55 Ao mesmo tempo, a CIDH recomendouque o governo continuasse a tomar essas medidas, procedesse demarcao dasfronteiras do Parque Yanomami e consultasse a populao indgena a fim deestabelecer programas sociais no parque. Esse caso mostra que tanto a CIDHquanto o governo brasileiro comearam a levar as violaes de direitos humanos

    mais a srio. Mesmo assim, desde os anos oitenta, o Estado no tem respondidosempre s comunicaes enviadas pela CIDH e, apesar de defender a proteodos direitos humanos, tem atuado de maneira contraditria.

    Tipos de casos e peticionrios

    De acordo com Paulo Srgio Pinheiro, mais de 70% dos casos pendentes naCIDH dizem respeito perpetuao pelos Estados de prticas autoritrias tantoantigas quanto atuais: elas envolvem tortura, deteno arbitrria, desaparecimentos

    e execues extrajudiciais.56

    No entanto, importante levar em considerao ocontexto poltico em que se inserem esses casos. Nos casos contra o Brasil, porexemplo, dependendo do contexto poltico em questo, possvel encontrardiferenas entre as posies institucional e social tanto dos perpetuadores quantodas vtimas. Conforme j citado, sob a ditadura, quase todos os casos apresentadosreferem-se violncia poltica oficialmente apoiada pelo Estado e cometida poragentes estatais contra dissidentes polticos, independentemente de sua classe,raa e gnero. Desde o comeo dos anos oitenta, a maioria dos casos apresentadosreferia-se a violaes de direitos humanos no atribudas somente ao Estado, mas

    sim perpetuadas tanto por agentes do Estado quanto por esquadres da morte,grupos paramilitares, fazendeiros, homens de negcio e outros membros da elite.A maior parte desses casos dizia respeito violncia baseada na classe social e na

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    raa das vtimas, sendo perpetuadas contra negros, minorias tnicas e pobres.Apesar de representar uma minoria nesse espectro, h tambm casos que focamespecificamente na violncia contra as mulheres, discriminao racial no local detrabalho e memria da violncia poltica ocorrida nos tempos de ditadura.

    Estima-se que as ONGs de direitos humanos sejam responsveis por 90%dos casos apresentados CIDH.57 Desde os anos oitenta, a maioria dos casoscontra o Brasil na CIDH foi proposta pelas ONGs de direitos humanos. A maioriadas peties foi elaborada e assinada por ONGs internacionais em parceria comONGs locais, vtimas e suas famlias, atores do movimento social e/ou organizaesno governamentais de base. As ONGs internacionais de direitos humanosincluem, por exemplo, o Centro para Justia e Direito Internacional (CEJIL,

    sigla em inglspara Center for Justice and International Law), Americas/HumanRights Watche o Comit Latinoamericano e Caribenho para Defesa dos Direitosdas Mulheres (CLADEM). Apesar dos membros do Centro para Justia Global(agora nomeado Justia Global) advirem e trabalharem no Brasil e nos EstadosUnidos, a Justia Global pode ser classificada como uma organizao nacional.Ela possui sede apenas no Brasil e advoga em nome dos direitos humanos deindivduos e grupos dentroepeloBrasil. Desde o final dos anos oitenta, a maioriadas denncias CIDH foi apresentada por iniciativa do CEJIL, seguido pelaJustia Global e pelaAmericas/Human Rights Watch.

    As ONGs locais originam-se de uma variedade de movimentos e lutas sociais.As ONGs locais que ativamente participam do movimento de direitos humanose que tm se engajado no ativismo jurdico transnacional de direitos humanosso, entre outras, o Gabinete de Assistncia Jurdica Popular(GAJOP), o MovimentoNacional de Direitos Humanos(MNDH), o Grupo Tortura Nunca Mais(GTNM/RJ), e a Comisso de Familiares de Mortos e Desaparecidos Polticos de So Paulo(CFMDP/SP). AUnio de Mulheres de So Paulo um exemplo de organizaolocal feminista de base que tem usado a CIDH para promover a luta feministacontra a violncia com base no gnero. O Geleds - Instituto da Mulher Negrae o

    Instituto do Negro Padre Batistaso exemplos de ONGs locais ligadas ao movimentodos direitos dos negros e das mulheres. Com exceo do GAJOP, que criou umprograma especificamente para atuar na seara do direito internacional dos direitoshumanos, a maioria das ONGs locais assinou apenas uma ou trs peties,normalmente em parceria com ONGs internacionais, nacionais ou locais maiores.

    Estratgias mltiplas

    ONGs usam diferentes estratgias quando trabalham no mbito da OEA e quando

    atuam com as Naes Unidas (ONU). O ativismo jurdico transnacional na OEA qualitativo, ao passo que a abordagem das ONGs na ONU possui cunhoquantitativo. Desde 1998, GAJOP, por exemplo, tem apresentado denncias

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    contra o Brasil na CIDH. Porm, a organizao elaborou 200 comunicaes agora extinta Comisso de Direitos Humanos.58

    Essas ONGs apelam CIDH no somente para encontrar solues paracasos individuais, mas tambm para criar precedentes que tero um impacto napoltica, legislao e sociedade brasileiras. A estratgia fazer com que o casoseja um exemplo de mudana social. Como explica Jayne Benvenuto, diretordo Programa Internacional de Direitos Humanos do GAJOP: Ns trabalhamoscom a idia de criar exemplos. O caso deve ser exemplar para fazer com que opas adote uma posio diferente. Ns no estamos simplesmente interessadosnuma soluo para o caso individual. Ns tambm nos interessamos pelamudana da polcia, das leis e do Estado para evitar a continuao das violaes

    de direitos humanos.

    59

    Porm as ONGs esto conscientes de que a mobilizao jurdica em geral e oSistema Interamericano em particular possuem recursos limitados para promoverema mudana social. Como explica James Cavallaro, fundador dos escritrios da HumanRights Watche do CEJIL no Brasil, membro fundador da Justia Global e atualmenteprofessor na Escola de Direitos da Universidade de Harvard:

    A Justia Global prepara um relatrio sobre a situao de conflitos agrrios no Par,Esprito Santo ou qualquer outro Estado onde h uma crise, sobre a brutalidade

    policial em So Paulo ou qualquer tema. O relatrio preparado em portugus etraduzido para o ingls. Ele entregue a organizaes internacionais, jornais, como oNew York Times e etc. Dessa maneira, a Justia Global tambm usa esse espaoinformal para pressionar o governo brasileiro a responder a suas demandas. Aorganizao realiza isso ao mesmo tempo em que utiliza o sistema interamericano. Aabordagem holstica, porque uma petio isoladamente considerada no transformara realidade do Brasil. O ponto inicial estratgico para qualquer ao no sistemainteramericano. O sistema til apenas em certa medida, pois ele no resolver oproblema no qual temos trabalhado.60

    Alm de usar a CIDH como um recurso poltico para promover a mudanasocial, as ONGs tambm a utilizam para reconstruir as normas internacionais dedireitos humanos. A estruturao da denncia como uma violao dos direitospolticos e sociais mais facilmente aceita pelos rgos internacionais judiciais equase judiciais. Por exemplo, todas as denncias apresentadas pelo GAJOP CIDH, com exceo de uma delas, foram estruturadas como uma violao dedireitos civis. A CIDH considerou essas denncias admissveis. O nico casoreferente a direitos sociais (habitao) no foi admitido pela CIDH. Jayme

    Benvenuto explica que essa petio foi estruturada como referente a direitos sociaispara testar a justiciabilidade dos direitos sociais, econmicos e culturais. Comooutras ONGs no Brasil, GAJOP utiliza rgos internacionais judiciais e quase

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    judiciais no apenas para resolver disputas individuais sobre direitos humanos,mas tambm para reconstru-los.

    Porm, enquanto a maioria das violaes de direitos humanos reconstruda como violaes de direitos civis, as demandas vo alm dasreparaes s vtimas. Os peticionrios normalmente demandam que o EstadoBrasileiro tome medidas preventivas e criem nova legislao ou polticas pblicassobre um assunto especfico. Apesar do contexto de democratizao, o EstadoBrasileiro tem respondido a essas demandas contraditoriamente, conformeilustrado pelos casos seguintes.

    O caso da Guerrilha do Araguaia:

    o direito memria versus a poltica do esquecimento

    Desde os anos noventa, o nico caso sobre violaes de direitos polticos duranteo perodo da ditadura militar trazido CIDH diz respeito ao massacre de membrosdo movimento da guerrilha do Araguaia, que ocorreu no estado do Par de 1972a 1975. Nesse caso, os peticionrios tm usado tanto o direito interno quanto ointernacional para reconstruir suas memrias, requerendo acesso a documentossob classificao restritiva e busca dos corpos daqueles que foram assassinados naregio do Araguaia.

    Essa batalha legal comeou em 1982, quando os membros das famlias de22 pessoas desaparecidas ingressaram com aes na Justia Federal em Braslia noDistrito Federal. Em razo da Justia Brasileira no ter proferido uma deciso demrito nesse caso em treze anos, CEJIL, a Americas/Human Rights Watch, oGTNM/RJ e a CFMDP/SP em 1995 apresentaram uma petio contra o EstadoBrasileiro CIDH. Em um primeiro momento, o Estado Brasileiro negou suaresponsabilidade nesse caso e ainda assim rejeitou a prpria existncia domovimento da guerrilha do Araguaia. Ele posteriormente reconheceu suaresponsabilidade, mas alegou que uma nova lei promulgada em 1995, a Lei dos

    Desaparecidos, citada acima, iria prover indenizao pecuniria aos membrosfamiliares daqueles que foram mortos ou desapareceram por motivos polticos.Os peticionrios argumentaram que tal recompensa no era suficiente para reaveras circunstncias da morte e do desaparecimento de seus membros familiares.Em maro de 2001, a CIDH declarou a admissibilidade do caso.

    A estratgia de usar a CIDH teve certo impacto sobre o caso pendente naJustia Federal interna. Em junho de 2003, a juza federal Solange Salgado proferiuuma deciso sem precedentes sobre o mrito do caso, condenando o EstadoBrasileiro a tomar todas as medidas necessrias para encontrar os corpos dos

    familiares dos peticionrios que desapareceram durante o massacre da Guerrilhado Araguaia; proporcionar aos peticionrios um enterro digno, juntamente comtoda a informao necessria para emisso da certido de bito; e apresentar aos

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    peticionrios todas as informaes requeridas sobre as circunstncias da morte edesaparecimento das vtimas.

    No entanto, de acordo com os procuradores pblicos da Secretaria Especialde Direitos Humanos, a mobilizao jurdica transnacional realizada atravs docaso da Guerrilha do Araguaia no gerou impacto nesse rgo, como tambmno afetou o governo.61 O Estado brasileiro recorreu da deciso proferida pelajuza Solange Salgado. O governo no desclassificou os documentos relativos Guerilha do Araguaia. Alm disso, os militares ainda insistem que os documentosno foram destrudos. Em novembro de 2004, o Tribunal Regional Federalconfirmou essa deciso e marcou uma audincia com as partes envolvidas paraimplementar sua deciso. O Estado Brasileiro no negou a sua responsabilidade,

    porm recorreu novamente, argumentando que a referida deciso deveria serexecutada no foro de origem, onde a ao foi proposta. Em 26 de junho de 2007o caso ainda estava pendente no Superior Tribunal de Justia (STJ). Nessa data, oSTJ, ao mesmo tempo em que confirmou a deciso de Salgado, deu provimentoao recurso do Estado ordenando que o foro de origem executasse a deciso.

    Em outubro de 2003, enquanto o caso ainda estava pendente no TribunalRegional Federal, o Presidente Lula criou uma Comisso Interministerial com oobjetivo de obter informaes sobre os corpos daqueles que desapareceram duranteo massacre da Guerrilha do Araguaia (veja Decreto 4.850/2003). importante

    destacar que, diferentemente da Comisso Especial de Reconhecimento dosMortos e Desaparecidos Polticos, essa Comisso Interministerial era apenasconstituda por representantes do Estado. Em maro de 2007, a ComissoInteramericana apresentou o seu relatrio final, afirmando, entre outras coisas,que o Exrcito brasileiro continua a declarar que todos os documentos relacionados Guerrilha do Araguaia foram destrudos. O relatrio tambm deixa claro que areferida comisso trabalhou sob a condio, imposta por militares, de no usar ainformao solicitada ao Exrcito para revisar a Lei de Anistia. Enquanto aComisso estava comprometida em encontrar informaes sobre os corpos

    daqueles que foram mortos ou desapareceram por motivos polticos, ela nodeveria necessariamente tornar pblicos os nomes dos perpetradores.62 Claramente,o governo federal, apesar de reconhecer a sua responsabilidade com relao aoseventos passados, aceitou as condies impostas pelos militares no processo debusca da verdade sobre esse mesmo passado. Alm disso, a batalha sobre quandoe como os documentos secretos existentes sero desclassificados continua e ocaso da Guerrilha do Araguaia ainda est pendente na CIDH.

    A GTNM/RJ e a CFMDP/SP tm sido bem ativas na politizao dessa batalha jurdica para alm do mbito das cortes. Desde o comeo dos anos oitenta, essas

    organizaes tm se mobilizado a favor do direito a ter acesso aos documentossubmetidos a uma classificao restritiva e mantidos pelo Exrcito Brasileiro. Entreoutras coisas, elas tm usado a mdia para denunciar a impunidade dos oficiais militares

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    e agentes policiais envolvidos no assassinato e no desaparecimento dos dissidentespolticos durante a ditadura; tm promovido campanhas sobre o direito memria;e denunciado as limitaes das polticas governamentais de reparao como um meiode apagar a histria. A CFMDP/SP tambm criou um websitepara documentar suasiniciativas em buscar informao sobre aqueles que desapareceram.63

    importante notar que a mobilizao jurdica e o uso da CIDH no so osmaiores focos dessas batalhas pelo direito memria e o acesso a documentosclassificados. Diferentemente de ONGs de direitos humanos como o CEJIL, quese especializaram na defesa de causas legais de direitos humanos no SistemaInteramericano de Direitos Humanos, o GTNM/RJ e a CFMDP/SP vem amobilizao jurdica interna e transnacional como ferramentas adicionais

    destinadas ao fortalecimento de suas lutas sociais e polticas. Como destaca CrimiaSchmidt de Almeida, fundadora da CFMDP/SP e sobrevivente do movimentoda Guerrilha do Araguaia:

    O papel da justia local e das instituies internacionais de justia ser importante casoelas consigam fazer com que a lei seja cumprida. Penso que essas leis sejam importantes.Porm, h vrios truques. Ns ganhamos um caso contra o governo, contudo ele podeprocrastinar e nunca cumprir a deciso. Minha perspectiva ideolgica marxista e euno vejo o judicirio como algo separado do Estado e este est a servio da classe

    dominante. O mesmo pode ser dito sobre as organizaes internacionais. Por outrolado, as comisses de direitos humanos, a princpio, podem defender os direitos humanosem benefcio daqueles que no tm acesso ao poder estatal. Assim, as leis so importantes.Entretanto, elas no sero cumpridas se ns no conquistarmos realmente o poder.64

    Tanto a administrao de Cardoso quanto a de Lula relutaram em desclassificaros documentos sobre as operaes militares na regio do Araguaia. Ambaspromulgaram decretos que estenderam indefinidamente o perodo de tempo paradesclassificar os documentos oficiais considerados altamente secretos, os quais,

    de acordo com essas leis, podem prejudicar a segurana nacional caso tornem-se pblicos.65 Essas duas administraes tambm se opuseram reviso da Lei de Anistia. Em suma, o caso da Guerrilha do Araguaia claramente ilustra aheterogeneidade e o papel contraditrio do Estado Brasileiro com relao polticade direitos humanos no mbito federal da atuao estatal. Apesar doreconhecimento de diversas normas internacionais de direitos humanos e dacriao da Secretaria Especial de Direitos Humanos, com a funo, entre outras,de implementar os programas de direitos humanos, o governo federal,independentemente do partido poltico no poder, tem-se confrontado com uma

    forte resistncia por parte dos militares no tocante ao acatamento da deciso dajustia federal e garantia do direito memria. Consequentemente, o governofederal tem promovido uma poltica de esquecimento e impunidade.

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    O Caso Maria da Penha:promovendo os direitos humanos apesar de um Estado heterogneo

    Em 1998, CEJIL, CLADEM e Maria da Penha Maia Fernandes apresentaram umadenncia CIDH alegando que o Estado brasileiro tinha sido conivente com aviolncia domstica perpetuada na cidade de Fortaleza, Cear, por Marco AntnioHeredia Viveros, por anos durante o tempo de convvio conjugal, contra sua mulher poca, Maria da Penha Maia Fernandes, culminando em tentativa de homicdio eposterior agresso em maio e junho de 1983. Como resultado dessa agresso, a senhoraMaria da Penha sofre de paraplegia irreversvel e outras seqelas desde 1983. Ospeticionrios argumentam que o Estado Brasileiro foi conivente com essa situao,

    por mais de 15 anos, uma vez que tem falhado em tomar as medidas efetivas necessriaspara processar e punir o violador, apesar de reiteradas denncias.66

    Embora tenha enviado diversas comunicaes ao Estado Brasileiro em umperodo de trs anos, a CIDH no recebeu nenhuma resposta por parte dogoverno sob a presidncia de Cardoso. Em 2001, a CIDH publicou um relatrioa respeito do mrito do caso, concluindo que o Estado Brasileiro tinha violadoos direitos da senhora Maria da Penha Maia Fernandes a um julgamento justoe proteo judicial. A CIDH tambm concluiu que essa violao faz parte deum modelo de discriminao evidenciado pela conivncia com violncia

    domstica contra as mulheres no Brasil por intermdio de uma atuao judicialineficiente. A CIDH recomendou que o Estado conduzisse uma investigaosria, imparcial e exaustiva com o objetivo de determinar a responsabilidadepenal do acusado pela tentativa de homicdio da senhora Fernandes e identificarquaisquer outros eventos ou aes de agentes estatais que tm obstaculizado oandamento efetivo e rpido das investigaes contra o acusado. A CIDHtambm recomendou a pronta e efetiva compensao vtima e a adoo demedidas no mbito nacional a fim de eliminar a condescendncia do Estadocom a violncia domstica contra as mulheres.67

    Conforme destacado pelas organizaes CEJIL, CLADEM e AGENDE(Aes em Cidadania, Gnero e Desenvolvimento), a extrema relevncia dessecaso transcende o interesse da vtima Maria da Penha, estendendo a suaimportncia a todas as mulheres brasileiras.68 De acordo com eles:

    A razo para isso que, alm de ter declarado a responsabilidade do EstadoBrasileiro por negligncia, omisso e condescendncia com relao violnciadomstica contra as mulheres, recomendando a adoo de medidas relacionadasao caso individual (pargrafo 61, itens 1, 2 e 3) inclusive estabelecendo o

    pagamento de compensao vtima a Comisso tambm recomendou que oEstado adotasse medidas veiculadas por polticas pblicas destinadas a pr fim tolerncia dissimulada e ao tratamento discriminatrio dado violncia domstica

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    contra as mulheres no Brasil (pargrafo 61, itens 4 a, b, c, d e e).Esse foi o primeiro caso no qual a Conveno de Belm do Par foi aplicada porum rgo internacional de direitos humanos, em uma deciso no qual um pas foi considerado responsvel na questo da violncia domstica.O caso da Maria da Penha, conseqentemente, tornou-se paradigmtica, porqueexpe o modelo sistemtico de violncia domstica contra as mulheres e estabelecea responsabilidade do Estado no mbito internacional em razo da ineficinciado sistema judicial nacional.69

    Apesar da importncia desse caso, apenas em outubro de 2002 o governo, atravsda Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher(SEDIM), criada bem ao final do

    segundo mandato do Cardoso, comeou a dar ateno ao caso Maria da Penha.

    70

    A presidente da SEDIM, Solange Bentes, ento pressionou o Superior Tribunalde Justiaa decidir o recurso do julgamento contra o agressor. O caso foi concludologo depois, confirmando a deciso do Jri local que havia condenado o senhorViveros a 10 anos e seis meses de priso. Proferir essa deciso, somente poucosmeses antes do prazo prescricional do crime em questo, foi uma dasrecomendaes da CIDH nesse caso.

    De maneira semelhante a Cardoso, o Presidente Lula ignorou o caso Mariada Penha e as recomendaes da CIDH por dois anos. Em 2004, CEJIL,

    CLADEM e AGENDE apresentaram uma petio ao Comit responsvel pelomonitoramento da Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas deDiscriminao contra as Mulheres (sigla em ingls CEDAW), informando sobreo descumprimento por parte do Brasil de suas obrigaes internacionaisrelacionadas com a preveno e erradicao da violncia contra as mulheres. Graass presses do movimento de mulheres, o governo comeou a cumprirparcialmente as recomendaes da CIDH. Em razo dos esforos desse movimentoe da Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres, o governo props ao CongressoNacional um projeto de lei sobre violncia domstica contra as mulheres uma

    proposta que vinha sendo exigida pelo movimento de mulheres desde os anosoitenta. A lei foi aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente Lula em 7de Agosto de 2006. Como um ato de reparao simblica, a lei foi nomeada LeiMaria da Penha (Lei 11.340/2006) e foi assinada em uma cerimnia pblica esolene amplamente divulgada pela mdia brasileira.

    Apesar de o Estado Brasileiro ter parcialmente cumprido as recomendaesdeste caso, importante notar que o estado de Cear tem se recusado a indenizara vtima.71 Tambm plausvel afirmar que a implementao da Lei Maria daPenha enfrentar a resistncia de administraes locais. Maria da Penha Fernandes

    se sente honrada pelo ttulo da lei, porm ela considera muito importante queaqueles que utilizam negativamente o corporativismo com o objetivo deprocrastinar o caso sejam considerados responsveis.72

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    ATIVISMO JURDICO TRANSNACIONAL E O ESTADO: REFLEXES SOBRE OS CASOS APRESENTADOSCONTRA O BRASIL NA COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

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    O caso Simone Diniz:discriminao racial como uma violao dedireitos humanos versus a negao de racismo

    Em outubro de 1997, CEJIL, o Subcomit sobre Afro-descendentes daComisso de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e Simone Andr Diniz enviaram uma petio CIDH, alegando que oEstado Brasileiro no garantiu o direito justia e ao devido processo legalcom relao aos recursos internos para investigar a discriminao racial sofridapor Simone Diniz. O Instituto do Negro Padre Batista foi posto como co-peticionrio posteriormente.73 Diversos indivduos e organizaes em prol

    dos direitos dos negros assinaram uma declarao em apoio a essa iniciativa,relacionando essa mobilizao jurdica a um movimento social mais amplocujo objetivo o fim do racismo no Brasil.

    Em maro de 1997, Aparecida Gisele Mota da Silva publicou um annciono jornal dirio Folha de So Paulo, demonstrando seu interesse em contrataruma emprega domstica. O anncio indicava expressamente a sua prefernciapor uma pessoa branca. Estudante e trabalhadora domestica, Simone Dinizrespondeu a esse anncio ligando para o nmero indicado e se apresentou comocandidata para o trabalho. A pessoa respondeu ligao de Diniz perguntando

    sobre a cor de sua pele. Quando Diniz disse que era negra, foi informada de queela no preenchia os requisitos para o trabalho.Diniz imediatamente prestou queixa na Delegacia de Crimes Raciais de So

    Paulo. O inqurito policial (10541/97-4) foi iniciado e encaminhado ao MinistrioPblico. Porm em 2 de abril de 1997, o promotor pblico encarregado do casopediu o arquivamento do inqurito, uma vez que ele no considerava que os atoscometidos por Aparecida da Silva constitussem crime de racismo, conformetipificado pela Lei 7716/89. O juiz do caso proferiu uma deciso em 7 de abrilde 1997, determinando o arquivamento do inqurito.

    Usando a CIDH como um instrumento tanto para obter indenizaoindividual quanto para promover mudanas sociais mais abrangentes, ospeticionrios requereram que seja recomendado ao Estado que d prosseguimentos investigaes sobre o fato, indenize vtima e d publicidade resoluo dessecaso a fim de prevenir futuros incidentes de discriminao baseada na cor ouraa.74 Em Outubro de 2002, a CIDH declarou a admissibilidade da petio.

    O Estado Brasileiro no negou a existncia de discriminao racial noBrasil, mas negou a sua responsabilidade no caso Simone Diniz, alegando que,conforme determinado pela justia interna, as aes cometidas por Aparecida

    da Silva no constituam crime de racismo e, consequentemente, no constituamuma violao de direitos humanos. Ao mesmo tempo, o Estado Brasileiroofereceu um acordo amigvel. Contudo, uma vez que o Estado no fez nenhuma

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    proposta sobre os termos desse acordo, os peticionrios pediram CIDH quedecidisse o mrito do caso.

    Em uma deciso sem precedentes em um caso de discriminao racial, pensadacomo uma violao de direitos humanos, a CIDH apresentou um relatrio sobre omrito do caso s partes em outubro de 2004, concluindo que o Estado responsvelpela violao dos direitos igualdade perante a lei e proteo judicial e do direito aum julgamento justo [...].75 A CIDH recomendou que o Estado Brasileiro:

    1. Indenize integralmente a vtima, Simone Andr Diniz, tanto em termos moraisquanto materiais pelas violaes de direitos humanos conforme determinado norelatrio de mrito, e em particular, que:

    2. Publicamente reconhea a sua responsabilidade internacional pela violaodos direitos humanos de Simone Andr Diniz;3. Preste assistncia financeira vtima para que ela possa comear ou completaro ensino superior;4. Estabelea um valor monetrio a ser pago vtima como indenizao pelosdanos morais sofridos;5. Faa mudanas legislativas e administrativas necessrias para que a lei anti-racismo se torne efetiva [...];6. Conduza uma completa, imparcial e efetiva investigao dos fatos, a fim de

    precisar a responsabilidade pelos eventos ligados discriminao racial sofridapor Simone Andr Diniz e aplicar as sanes cabveis;7. Adote e implemente as medidas necessrias para capacitar os agentes pblicosda justia e da polcia a evitar atitudes que envolvam discriminao nasinvestigaes, nos procedimentos ou nas condenaes cveis ou criminais poracusaes de discriminao racial e racismo;8. Promova uma reunio com a imprensa brasileira, com a participao dospeticionrios, para formular uma estratgica comum com o objetivo de evitar aveiculao de contedos racistas, tudo em conformidade com a Declarao de

    Princpios de Liberdade de Expresso;9. Organize seminrios governamentais com representantes do Poder Judicirio,Ministrio Pblico e Secretarias de Segurana locais a fim de fortalecer a proteocontra a discriminao racial ou racismo;10. Pea aos governos estaduais que criem delegacias especializadas na investigaode crimes de racismo e discriminao racial;11. Pea ao Ministrio Pblico Estadual que crie Procuradorias Pblicas estaduaisespecializadas no combate ao racismo e discriminao racial;12. Promova campanhas de conscientizao sobre a discriminao racial e o racismo.76

    A deciso teve impacto no governo brasileiro tanto no mbito federal, quantoestadual. A mdia local amplamente divulgou o caso e o Estado Brasileiro atentou

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    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS48

    mais para a necessidade de se criar mais polticas pblicas para combater adiscriminao racial no pas. O estado de So Paulo passou a dar mais atenoaos 26 casos referentes ao estado pendentes na CIDH. Em setembro de 2005, oento vice-governador e atual governador Cludio Lembo (PSDB) determinouque a Procuradoria Geral do Estado de So Pauloacompanhasse os casos envolvendoo estado na CIDH (Decreto 50.067 de 29 de setembro de 2005). O governadornomeou a procuradora Maringela Sarrubbo para acompanhar esses casos erepresentar o estado de So Paulo nas audincias pblicas realizadas no mbitoda CIDH (Resoluo 21 da PGE de 4 de outubro de 2005).

    Apesar disso, o estado de So Paulo se recusou a cumprir as recomendaesfeitas pela CIDH com relao indenizao para Diniz. Em outras palavras, as

    recomendaes 1, 2, 3, 4 e 6 no foram aceitas pelo estado de So Paulo. Deacordo com a procuradora Maringela Sarrubbo:

    O estado considera que no violou os direitos humanos, pois criou polticas afirmativas,conforme recomendado pela Constituio. A Academia da Polcia, por exemplo, criouum novo curso sobre discriminao racial para agentes policiais. Uma nova legislaofoi proposta pelo Governador Geraldo Alckmin Assemblia Estadual de So Paulo para estabelecer um sistema de avaliao em concursos pblicos que favoream osafrodescendentes. O caso Simone Diniz fez com o que o estado ficasse mais atento ao

    problema da discriminao racial. Esse caso teve uma enorme repercusso, porque amdia o tornou visvel. Porm, trata-se de um caso particular que no prova ainexistncia de aes afirmativas. o caso isolado de uma mulher supostamentediscriminada por outra mulher. Contudo, no houve nenhum crime de racismo. Depoisde a Comisso ter feito suas recomendaes, ele dispunha do prazo de 30 dias paraencaminhar o caso Corte. Entretanto, no o fez. Eu acredito que a Comisso confiouque as medidas tomadas pelo estado fossem suficientes.77

    A CIDH no encaminhou o caso Corte, porque os peticionrios pediram que

    ela no o fizesse, baseando-se no fato de que a violao tinha ocorrido antes daaceitao pelo Estado Brasileiro da competncia da Corte. O desenrolar dessecaso mostra que o Estado Brasileiro reagiu contraditoriamente. No mbito federal,a Secretaria Especial de Poltica Pblica para a Promoo da Igualdade Racial e aSecretaria Especial para os Direitos Humanos tentaram, embora sem xito,encontrar novas maneiras de cumprir as recomendaes feitas pela CIDH. Nombito local, o estado de So Paulo negou at mesmo a existncia da violao.

    Antes de 2004, o Estado Brasileiro tinha aceitado a sua responsabilidade emdezesseis casos. Dois envolvendo violaes contra trabalhadores rurais. Um outro

    relacionado com priso ilegal, tortura e morte de um lder indgena. Outroreferente ao assassinato de 111 prisioneiros na recm extinta priso do Carandiru.Em onze outros casos, o Brasil foi considerado responsvel por violaes de direitos

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    que diziam respeito a execues sumrias perpetuadas pela polcia militar contracrianas e adolescentes. Em todos esses casos, restou provada a impunidadedaqueles responsveis pelos crimes.78 Um importante caso que resultou em umacordo amigvel refere-se a trabalho escravo. Ao assinar o acordo em 2003, oEstado Brasileiro reconheceu a sua responsabilidade mesmo levando emconsiderao que essa violao no foi atribuda a agentes estaduais. Comoafirmam os peticionrios, tal responsabilidade foi devida, pois os rgos estaduaisno foram capazes de prevenir a ocorrncia de prticas graves de trabalho escravo,bem como de punir os indivduos envolvidos nas violaes alegadas.79

    Na maioria dos casos, no entanto, o Estado Brasileiro no cumpre plenamenteas suas obrigaes e as vtimas tm que lutar novamente para garantir que as

    recomendaes da CIDH sejam implementadas pelo Estado Brasileiro.

    80

    Mesmoos casos onde o Estado Brasileiro concordou em cumprir as suas obrigaes deindenizar as vtimas, um dos maiores problemas enfrentados pelo governo federal a resistncia de governos e cortes locais em respeitar as normas internacionaisde direitos humanos, apesar do fato de que essas normas tenham sido ratificadaspelo Estado Brasileiro.

    Graas mobilizao de ONGs de direitos humanos, o Presidente Lulacriou em 2002 uma Comisso para a Proteo dos Direitos Humanos. EssaComisso ficou responsvel pela implementao das recomendaes feitas pela

    CIDH e das decises proferidas pela Corte. No entanto, a poltica governamentalde direitos humanos tem sido minada pela crise poltica que persegue o governoe pela atual reestruturao econmica que tm reduzido a capacidade do governode implementar os programas de direitos humanos.

    Concluso

    A globalizao tem promovido a expanso das redes para defesa de causastransnacionais. Os ativistas tm aumentado a participao nestas redes atravs da

    mobilizao jurdica transnacional. Nesse artigo, formulei o conceito de ativismo jurdico transnacional para me referir s estratgias de ONGs engajadas emdisputas de direitos humanos trazidas CIDH, utilizando-me do Brasil comoum estudo de caso. Os conceitos de judicializao global e litignciatransnacional so muito restritos para capturar os aspectos polticos caractersticosdas estratgias do ativismo jurdico transnacional. A estrutura das redes paradefesa de causas transnacionais muito ampla para capturar a especificidade doativismo jurdico transnacional. Esse ativismo pode servir de exemplo do queSousa Santos chamou de poltica e legalidade subalterna cosmopolita. Ao invocar

    os sistemas internacionais de direitos humanos para influenciarem a arena jurdicae poltica nacional, as ONGs de direitos humanos possuem o potencial de(re)politizar o direito e (re)legalizar a poltica.

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    Contudo, as estratgias do ativismo jurdico transnacional enfrentam doistipos de limitaes. Primeiro, a mobilizao jurdica apenas no suficiente parapromover mudanas sociais. Em segundo lugar, as normas internacionais de direitoshumanos dependem dos Estados nao para o seu reconhecimento e cumprimento.Por depender das condies polticas locais, nacionais e internacionais, o Estadopode estar mais ou menos aberto a reconhecer tais normas. No entanto, mesmodentro de um mesmo contexto poltico, o desenvolvimento da poltica de direitoshumanos pode ser diferente em cada um desses nveis de atuao estatal. Ocumprimento das normas de direitos humanos pelos sistemas judiciais internos tambm um dos maiores desafios enfrentados pelo ativismo jurdico transnacional.O conceito de Estado heterogneo ajuda a entender as diferenas referentes s

    polticas de direitos humanos nos diversos nveis de atuao estatal.O caso do Brasil revela que a democracia poltica no tem sido suficientepara pr fim s violaes de direitos humanos. As ONGs tm aumentado o usoda CIDH para pressionar o Estado Brasileiro a reconhecer e cumprir as normasestabelecidas pela Conveno Americana de Direitos Humanos e outrosdocumentos internacionais nessa seara. O Sistema Interamericano de DireitosHumanos no foi desenhado para substituir os sistemas judiciais internos, pormele oferece certo espao para que as ONGs de direitos humanos moldem a polticaexistente na legislao e polticas pblicas em direitos humanos.

    Uma vez que as peties so apresentadas contra o Poder Executivo do Estado,o Judicirio permanece quase intacto e os juzes possuem pouco contato com asnormas internacionais de direitos humanos. O ativismo jurdico transnacionalpode ajudar a mudar o curso de uma disputa jurdica pendente nas cortes internas,conforme ilustrado pelos casos da Guerrilha do Araguaia e Maria da Penha.Contudo, se o caso no estiver pendente, o sistema judicirio local podepermanecer intocvel. Alm disso, a resistncia de parte dos setores do Estado,tanto no mbito nacional quanto local da administrao, em aceitar suaresponsabilidade com relao s violaes de direitos humanos torna difcil para

    o Estado cumprir integralmente as decises da CIDH, como ilustrado pelos casosda Guerrilha do Araguaia e Simone Diniz.Em suma, apesar do contexto poltico de democratizao, o Estado Brasileiro

    heterogneo e tem reagido contraditoriamente ao ativismo jurdico transnacional.Nos diferentes nveis da ao estatal, a poltica de direitos humanos ambgua econtraditria, com diferentes setores do Estado formalmente reconhecendo asnormas de direitos humanos em alguns casos, negando tal reconhecimento emoutros casos e raramente fazendo cumprir as normas reconhecidas. O impactodo ativismo jurdico transnacional em diferentes setores da atuao estatal em

    todos os nveis da administrao um importante aspecto das batalhas em proldos direitos humanos no Brasil e em outros pases latinoamericanos, o que mereceser analisado com mais profundidade em outro momento.

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    Apndice

    Nmero total de peties contra o Brasil recebidas pela

    Comisso Interamericana de Direitos Humanos, de 1969 a 1973.

    Fonte: Dados compilados pela autora, a partir dos Relatrios Anuais, 1970, 1971, 1972, 1973,Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

    Grfico 1

    1969-1970

    1971

    1972

    1973

    Total

    40

    26

    11

    Dados indisponveis

    9

    4

    3

    4

    20

    Dados indisponveis

    Dados indisponveis

    Dados indisponveis

    Dados indisponveis

    Dados indisponveis

    Ano PetiesCasos ou peties encaminhados

    ao governo brasileiroCasos aindapendentes

    Nmero total de peties contra o Brasil recebidas pelaComisso Interamericana de Direitos Humanos, de 1999 a 2006.

    Fonte: Dados compilados pela autora, a partir dos Relatrios Anuais, 1999, 2000, 2001, 2002,2003, 2004, 2005, 2006, Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

    Grfico 2

    Ano PetiesCasos ou peties encaminhados

    ao governo brasileiroCasos aindapendentes

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    Total

    13

    22

    28

    30

    42

    29

    42

    66

    272

    Dados indisponveis

    13

    9

    3

    8

    7

    10

    8

    58

    46

    58

    42

    55

    65

    90

    72

    72

    72

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    NOTAS

    1. Artigo escrito para a Sur-Revista Internacional de Direitos Humanosem 7 de maro de 2007.

    2. Steven R. Ratner, The International Criminal Court and the Limits of Global Judicialization,

    Texas International Law Journal, v.38, n. 3, 2003, pp. 445-453.

    3. Anne-Marie Slaughter, A Global Community of Courts, Harvard International Law Journal, v. 44,

    n. 1, 2003, pp. 191-219.

    4. Para uma anlise crtica das mudanas jurdicas no contexto da globalizao, bem como do significado

    social e poltico da globalizao do estado de direito e reforma do Judicirio, ver Jane Jenson e

    Boaventura de Sousa Santos, Introduction: Case Studies and Common Trends in Globalization in

    Jane Jenson and Boaventura de Sousa Santos (org.), Globalizing Institutions: Case Studies inSocial

    Regulation and Innovation, Burlington, Ashgate, 2000, pp. 9-28. Ver tambm Boaventura de SousaSantos, Toward a New Legal Common Sense: Law, Globalization and Emancipation, London, LexisNexis

    Butterworths Trolley, 2002.

    5. Em outro momento, eu discuti a bibliografia sobre o tema e alguns dados aqui apresentados luz da

    relao entre ativismo jurdico transnacional e globalizao anti-hegemnica. Ver Ceclia MacDowell

    Santos, Transnational Legal Activism and Counter-Hegemonic Globalization: Brazil and the Inter-

    American Human Rights System, Oficna do CES 257, Setembro de 2006. Uma verso anterior deste

    artigo foi apresentada no encontro anual da Associao de Direito e Sociedade (nome original em

    ingls Law and Society Association- LSA), Baltimore, 6-9 de Julho, 2006. A pesquisa para este artigo

    foi financiada pela Fundao Jesuta (nome original em ingls Jesuit Foundation) e pelo Fundo de

    Desenvolvimento Departamental da Universidade de So Francisco. Eu tambm gostaria de reconhecer

    o apoio da Fundao Portuguesa para Cincia e Tecnologia (FCT), atravs do Financiamento ao Centro

    de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que possibilitou a realizao da presente pesquisa.

    Agradeo Brianna Dwyer-OConnor e Adriana Carvalho por seu inestimvel auxilio pesquisa. Agradeo

    a Seth Racusen pelos comentrios inspiradores verso apresentada em Baltimore. Agradeo ao

    pesquisador annimo da Revista SUR pelas crticas pertinentes e excelentes sugestes sobre como

    melhorar a verso anterior deste artigo. Eu sou especialmente grata s vtimas, ativistas de direitos

    humanos, advogados e agentes pblicos que pude entrevistar.

    6. Sobre o conceito de estado heterogneo, ver Boaventura de Sousa Santos, The Heterogeneous

    State and Legal Plurality in Boaventura de Sousa Santos, Joo Carlos Trindade e Maria Paula Meneses(Org.), Law and Justice in a Multicultural Society: The Case of Mozambique, Dakar, Council for the

    Development of Social Science Research in Africa, 2006, pp. 3-29.

    7. Ver, por exemplo, Richard H. Kreindler, Transnational Litigation: A Basic Primer, Dobbs Ferry, N.Y.,

    Oceana Publications, 1998. Ver tambm Anne-Marie Slaughter, op. cit., e Steven R. Ratner, op. cit.

    8. Para uma discusso sobre as possibilidades de se estabelecer uma regulamentao jurdica global

    sobre jurisdio e julgamentos nas searas cvel e penal, ver a coletnea de artigos em John J. Barcel

    III e Kevin M. Clermont (Org.), A Global Law of Jurisdiction and Judgments: Lessons from the Hague,

    The Hague, Kluwer Law International, 2002.

    9. Ver Anne-Maria Slaughter, op. cit., p. 192.

    10. Ver Steven R. Ratner, op. cit., p. 445.

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    CECLIA MACDOWELL SANTOS

    53Nmero 7 Ano 4 2007

    11. O termo em ingls soft law refere-se a instrumentos ou normas legais que no possuem fora

    coercitiva ou vinculante (N. T.).

    12. Ver, por exemplo, Margaret E. Keck e Kathryn Sikkink, Activists beyond Borders: Advocacy Networks

    in International Politics, Ithaca and London, Cornell University Press, 1998; Jeremy Brecher et al.,

    Globalization from Below: The Power of Solidarity, Cambridge, Mass., South End Press, 2000; Michael

    Burawoy et al (Org.), Global Ethnography: Forces, Connections and Imaginations in a Postmodern

    World, Berkeley, University of California Press, 2000; P. Evans, Fighting Marginalization with

    Transnational Networks: Counter-Hegemonic Globalization,Contemporary Sociology, v. 29, n. 1, 2000,

    pp. 230-241; Sidney Tarrow et al (Org.), The New Transnational Activism, Cambridge, Cambridge

    University Press, 2005.

    13. M. E. Keck e K. Sikkink, op. cit., p. 8.

    14.M. E. Keck e K. Sikkink, op. cit., pp. 8-9.

    15. Ver, por exemplo, os artigos publicados no volume editado por Volkmar Gessner (Org.), Foreign

    Courts: Civil Litigation in Foreign Legal Cultures, Aldershot, UK, Dartmouth, 1996. Ver tambm a

    coletnea de artigos publicados pelo Instituto Internacional de Sociologia Jurdica em Oati, editada

    por Johannes Feest, Johannes (Org.), Globalization and Legal Cultures: Oati Summer Course 1997,

    Oati, The International Institute for the Sociology of Law, 1999.

    16. Volkmar Gessner, The Institutional Framework of Cross-Border Interaction in Volkmar

    Gessner (Org.), Foreign Courts: Civil Litigation in Foreign Legal Cultures, Aldershot, UK,

    Dartmouth, 1996, p. 18.

    17. Austin T. Turk, Law as a Weapon in Social Conflict, Social Problems, v. 23, 1976, pp. 276-291.

    18. P. Burstein, Legal mobilization as a social movement tactic: the struggle for equal employment

    opportunity, American Journal of Sociology, v. 96, 1991, pp. 1201-1225. Ver tambm Michael McCann

    (Org.), Law and Social Movements, Burlington, Ashgate, 2006.

    19. Ver tambm a coletnea de artigos em Boaventura de Sousa Santos e Csar A. Rodriguez-Garavito

    (Org.), Law and Globalization from Below: Towards a Cosmopolitan Legality, Cambridge, Cambridge

    University Press, 2005.

    20. B. de Sousa Santos, op. cit., p. 283.

    21. Ibid.

    22. B. de Sousa Santos, Beyond Neoliberal Governance: The World Social Forum as Subaltern

    Cosmopolitan Politics and Legality in Boaventura de Sousa Santos e Csar A. Rodriguez-Garavito

    (Org.), Law and Globalization from Below: Towards a Cosmopolitan Legality, Cambridge, Cambridge

    University Press, 2005, p. 30.

    23. Ibid.

    24. Cf. Juan E. Mndez, Guillermo ODonnell e Paulo Srgio Pinheiro (Org.), Democracia, Violncia e

    Injustia: O No-Estado de Direito na Amrica Latina, So Paulo, Paz e Terra, 2000.

    25. Os princpios mais importantes da doutrina brasileira de Segurana Nacional e Desenvolvimentopodem ser encontrados em Golbery do Couto e Silva, Conjuntura Poltica Nacional, o Poder Executivo

    e Geopoltica do Brasil, Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora, 1981.

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    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS54

    26. Ver, por exemplo, Arquidiocese de So Paulo no Brasil, Brasil: Nunca Mais, Petrpolis, Vozes,

    1981; Maria Helena Moreira Alves, Estado e Oposio no Brasil (1964-1984), Petrpolis, Vozes,

    1987; e Luciano Oliveira, Do Nunca Mais ao Eterno Retorno: Uma Reflexo sobre a Tortura , So

    Paulo, Brasiliense, 1994.

    27. Sobre anlises a respeito da relevncia social, poltica e histrica desses movimentos ver, por

    exemplo, Eunice Ribeiro Durhan, Movimentos Sociais: A Construo da Cidadania, Novos Estudos,

    v. 10, 1984, pp. 24-30; Emir Sader, Quando Novos Personagens Entraram em Cena: Experincias e

    Lutas dos Trabalhadores da Grande So Paulo, 1970-1980, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995; Eduardo

    J. Viola, O Movimento Ecolgico no Brasil (1974-1986): Do Ambientalismo Ecopoltica, Revista

    de Cincias Sociais, v. 1, n. 3, 1987, pp. 5-26; Sonia E. Alvarez, Engendering Democracy in Brazil:

    Womens Movements in Transition Politics, Princeton, Princeton University Press, 1990 e Maria Amlia

    de Almeida Teles, Breve Histria do Feminismo no Brasil, So Paulo, Brasiliense, 1993.

    28. Ver M. H. Moreira Alves, op. cit.

    29. Ver Janana Teles (Org.), Mortos e Desaparecidos Polticos: Reparao ou Impunidade?, So Paulo,

    Humanitas/FFLCH/USP, 2001.

    30. Hoje, h 127 delegacias de polcia femininas no Estado de So Paulo e o Brasil possui mais 365

    dessas delegacias. Para uma anlise sociolgica e feminista acerca do surgimento e trabalho dessas

    delegacias em So Paulo, ver C. MacDowell Santos, Womens Police Stations: Gender, Violence and

    Justice in So Paulo, Brazil, New York, Palgrave Macmillan, 2005.

    31. Para uma anlise doutrinria inspiradora dos debates entre juristas brasileiros sobre o regime

    legal adotado pela Constituio Brasileira de 1988 com relao incorporao no sistema jurdicobrasileiro das normas internacionais de direitos humanos, ver F. Piovesan, Direitos Humanos e o Direito

    Constitucional Internacional, So Paulo, Max Limonad, 5a edio, 2006.

    32. Nos anos oitenta, alguns tratados internacionais e convenes foram tambm ratificados pelo

    Estado Brasileiro, como, por exemplo, a Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de

    Discriminao contra as Mulheres, tambm conhecida como CEDAW, aprovada pelas Naes Unidas

    em 1979 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 1 de fevereiro de 1984. No entanto, somente nos anos

    noventa as normas interamericanas de direitos humanos foram reconhecidas pelo Estado Brasileiro.

    33. Ver J. BenvenutoLima Jr., Fabiana Gorenstein e L. Ferreira Hidaka (Org.), Manual de Diretios

    Humanos Internacionais: Acesso aos Sistemas Global e Regional de Proteo dos Direitos Humanos,So Paulo, Edies Loyola, 2003.

    34. Brasil, Secretaria de Direitos Humanos, Programa Nacional de Direitos Humanos, Braslia, SEFOR,

    1995, p. 5.

    35. Para maiores detalhes sobre essas e outras crticas, ver J. Teles, op. cit..

    36. Ver, por exemplo, Sydow, Evanize e Maria Luisa Mendona (Org.), Direitos Humanos no Brasil

    2006: Relatrio da Rede Social de Justia e Direitos Humanos,So Paulo, Rede Social de Justia e

    Direitos Humanos, 2006; Evanize Sydow e Ramirez Tellez Maradiaga, Derechos Humanos en el Campo

    Latino-Americano: Brasil, Guatemala, Hondura y Paraguay, So Paulo, Rede Social de Justia e Direitos

    Humanos, 2007; Centro de Justia Global e Ncleo de Estudos Negros (Org.), Execues Sumrias no

    Brasil (1997-2003), So Paulo, Centro de Justia Global e Ncleo de Estudos Negros, 2003; AGENDE-

    Aes em Gnero, Cidadania e Desenvolvimento e CLADEM Brasil Comit Latino-Americano e do

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    CECLIA MACDOWELL SANTOS

    55Nmero 7 Ano 4 2007

    Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, O Brasil e a Conveno sobre a Eliminao de Todas as

    Formas de Discriminao contra a Mulher: Documento do Movimento de Mulheres para o Cumprimento

    da Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAW,

    pelo Estado Brasileiro: Propostas e Recomendaes, Braslia, AGENDE-Aes em Gnero, Cidadania

    e Desenvolvimento, 2003; Juan E. Mndez et al, op. cit..

    37. Cf. M. E. Keck e K. Sikkink, op. cit..

    38. Ver P. Ferreira Galvo, Brazil and the Inter-American System of Human Rights in Human Rights

    in Brazil 2002: A Report by the Social Network for Justice and Human Rights in Partnership with

    Global Exchange,So Paulo, Rede Social de Justia e Direitos Humanos, 2002; L. Tojo e A. L. Lima,

    O Brasil e o Sistema Interamericano de Proteo dos Direitos Humanos in Evanize Sydow e Maria

    Lusa Mendona (Org.), Direitos Humanos no Brasil 2004: Relatrio da Rede Social de Justia e

    Direitos Humanos, So Paulo, Rede Social de Justia e Direitos Humanos, 2004, pp. 297-305.

    39. Para uma viso histrica e doutrinria sobre a OEA, criada em 1948 e seu sistema de direitos

    humanos, ver Henry J. Steiner and P. Alston, International Human Rights in Context: Law, Politics,

    Morals, Oxford, Clarendon Press, 1996. Ver tambm O. S. Machado Hanashiro, O Sistema

    Interamericano de Proteo aos Direitos Humanos, So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo/

    Fapesp, 2001; e Flvia Piovesan, op. cit..

    40. Apenas estados partes da Conveno e a CIDH podem submeter um caso Corte Interamericana

    de Direitos Humanos.

    41. A Corte o rgo judicial encarregado da interpretao e aplicao da Conveno. A jurisdio

    da Corte deve ser reconhecida pelos estados envolvidos no caso. As decises da Corte so vinculantescomo se elas tivessem sido proferidas por uma corte interna. As decises so definitivas e no esto

    submetidas a recurso.

    42. Ver o Relatrio Anual da Comisso Interamericana de Direitos Humanos, 2006. Denncia refere-

    se a uma comunicao apresentada por escrito por um indivduo ou ONG, concernente a uma alegada

    violao de direitos humanos por um estado membro da OEA. Caso diz respeito a uma denncia ou

    petio que submetida ao exame de admissibilidade e anlise de seu mrito pela CIDH, sendo

    encaminhada ao estado membro em questo.

    43. Ver Grfico 1 no Apndice e tambm o Relatrio Anual da Comisso Interamericana de Direitos

    Humanos, 2006.

    44. Ver o Relatrio Anual da Comisso Interamericana de Direitos Humanos, 2006.

    45. Ver Grfico 1 no Apndice.

    46. Ver Grfico 2 no Apndic