Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPM) e Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.
ZELADOR CANDIERO, A POESIA COMO FORMA DE RESISTENCIA
Autora: Romilda Oliveira Santos
Zelador Candiero, a voz da tradição negra
A voz negra do poeta e militante, Zelador Candiero vem espalhando luz, na penumbra
da história paranaense sobre o existir do negro. O calor do canto africano e dos tambores
espalha-se pelas ruas curitibanas nas festas do Rosário, nos saraus de poesia e nas feiras dos
poetas contanto a sua história, contando a nossa história, desvelando algo que há muito tempo
tentava-se encobrir: A presença Negra.
O pensamento dos brasileiros, sejam eles de perto, vizinhos do território paranaense ou
de longe, do norte brasileiro, sobre a formação da sociedade paranaense ser de origem
europeia ainda predomina nos dias atuais. Até 1999 ao se falar do Paraná e mais
especificamente de Curitiba, o que se tem no imaginário popular é de que, esta é a cidade
mais europeia do Brasil, devido à sua arquitetura, cultura, manutenção de tradições como
festivais de dança, comida, e música dos imigrantes europeus. Estes são os povos que
formataram o povo paranaense com seu riquíssimo caldo cultural. Cultura que para aqui
trouxeram quando da sua vinda para as terras tropicais do Brasil, segundo Wilson Martins
(1989). Portanto não é de admirar que tais crenças perdurem até nossos dias. A força das
afirmações na escritura de Gilberto Freire com “Casa Grande e Senzala” (1933) com a teoria
da democracia racial, - a ideia de que no Brasil brancos e negros mantêm relações pacíficas e
harmoniosas - e segundo Oliveira (2005), os estudos de Wilson Martins com “Brasil
diferente” (1989) que se posicionando sobre a formação da sociedade paranaense afirma ser
esta, obra dos imigrantes, contribui para que a elite dominante camufle os direitos de
cidadania da etnia negra. Para Oliveira (2005), em nenhum momento Martins reconhece os
35% de população negra existente nestas terras. E que Martins ao se posicionar
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diferentemente da questão da miscigenação de Freire, afirmando que na formação social do
Paraná, “o português se fazia ausente”; e “a inexistência da escravatura” nestas terras, ou
melhor, nas terras paranaenses confirmava as ideias de uma elite de um Paraná branco e
europeu. Sendo, pois, o imigrante o único elemento responsável pela formação social, cultural
e política do povo do Paraná (Oliveira, 2005).
Na década de 30, do século passado, um projeto de Estado diferente começou a ser
pensado e planejado para estas terras pela elite paranaense. E com a criação da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, em 1938, esse projeto foi gerado e alicerçado no
imaginário dos que aqui viviam, por interesse de uma classe dominante em ser reconhecida
pela Europa, como branca. E assim foi criado um conceito de sociedade com uma identidade
singular e de acordo com o processo de branqueamento pensado para a população aqui
existente.
Como bem demonstrou Eduardo David de Oliveira, filósofo e antropólogo ao prefaciar
o livro Africanidades Paranaenses (2010), que o imaginário de um Estado originado da
colonização europeia, e o mito de um estado branco, sem elementos negros nasceu nessas
terras. E os arautos das ciências, na Faculdade do Paraná, reafirmaram e reificaram este
imaginário racista em suas produções acadêmicas tantas e tantas vezes que se acreditou ser
verdade.
Oliveira, deixa em seus estudos uma observação sobre “o prefeito Rafael Greca no
período de 1993 a 97, que ao ser questionado porque não havia parques ou bosques
homenageando a etnia negra e cuja resposta do prefeito era pelo fato de não existir negros na
capital do Paraná” (Oliveira, 2005).
O Paraná, assim como os demais estados brasileiros, não fugiu à regra de ter a mão de
obra escrava fazendo os trabalhos pesados. E Curitiba, sua capital, assim como as demais
cidades paranaenses foram construídas com a mão de obra escrava dos negros africanos que
ergueram ruas, igrejas, prédios, ferrovias, e também contribuíram com música, arte, seu
cotidiano. Assim, um grande contingente de africanos e de afro descendentes fizeram os
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alicerces físicos e sociais do Estado do Paraná. Entretanto, esta parte da história é
invisibilizada por conveniências sociais e políticas.
Após muitas lutas dos movimentos negros, de pesquisadores negros e intelectuais
junto às academias e da lei 10.639/2003, homens e mulheres negros vem lutando para o
reconhecimento das suas tradições, da sua cultura e do seu importante papel na formação da
sociedade paranaense e brasileira. Esta luta consiste em mostrar que a identidade paranaense
tem cores e nuances diversos.
Precursores e tradição poética negro-brasileira
O interesse deste artigo são autores que assumiram sua negritude e cujos eu-
enunciadores falam das questões referentes a problemas, dificuldades, discriminações, lutas e
conscientização dos irmãos negros e mulatos. Observa-se que desde o século XVIII, registros
de poetas e escritores que utilizaram da sua escritura para assumir “a condição negra como
sujeito” e ser o protagonista do seu discurso. Assim, veremos a seguir os principais
precursores e como a tradição poética afro-brasileira vem desenvolvendo o discurso literário.
Gayatri Chakravorty Spivak em sua obra “Pode o subalterno falar?” (2010, p 133) faz
uma reflexão sobre a condição do subalterno, utilizar a sua voz para fazer seus
questionamentos sobre a sua condição histórico social. No caso da poesia negra a necessidade
de voltar no tempo se faz presente para falar da tradição poética afro-brasileira e identificar os
momentos nos quais a poesia negra/os poetas negros brasileiros libertam sua “voz“ e
começam a contar a história segundo seu ponto de vista, passando a posição de protagonistas
da sua história. Assim a voz negra desperta e inicia um diálogo com os outros diferentes
sujeitos na sua subalternidade, de modo que juntos e fortalecidos pelos grupos diversos
possam expor seus desejos e seus interesses.
Para Cuti, o “sujeito étnico do discurso é portador de traços de uma subjetividade coletiva” ao falar
traz à luz através da memória subterrânea social “os elementos de origem africana” intrinsecamente ligados a
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si” (CUTI, 2010, p.11). O eu-protagonista ao relembrar os elementos simbólicos da sua tradição
constrói o sentimento de pertença que o enraizará ao lugar que entende como sua terra.
O lugar de pertencimento, no caso, o Brasil deveria viabilizar condições e
oportunidades para que seus direitos como brasileiros afrodescendentes fossem respeitados,
tanto na legalidade dos papéis de lei quanto na convivência física do cotidiano. Este
sentimento de pertença tem sido elaborado pelos poetas, escritores e intelectuais negros
brasileiros e seus descendentes a partir da mobilização de elementos simbólicos que se
inscrevem em uma memória literária afro-brasileira de longa duração.
O poeta negro tem utilizado a palavra como importante meio de expressão do seu
fazer e do seu existir. A prática literária é o espaço para o eu-enunciador, trazer para o debate
as questões negras. Assim as vozes negras e as tradições escritas de Luiz Gonzaga Pinto da
Gama, poeta baiano, Salvador, 1830-1882, Maria Firmina dos Reis, maranhense de São Luís
1825-1917-(século XIX), Cruz e Souza, 1861-1898, a Carolina Maria de Jesus, mineira de
Sacramento, 1917-1977, Solano Trindade, 1908-1974, Cuti, 1951- e Oswaldo de
Camargo,1936 - entre outros, no século XX, tem por meta a conscientização e o
empoderamento do povo negro como sujeito do seu destino.
A historiografia do discurso literário em que o negro se auto representa de maneira
autônoma nasce no final do século XIX, ainda sob a égide do Romantismo, quando, em meio
às discussões sobre o fim do regime monárquico e do trabalho escravo, a questão étnico-racial
se tornou tema central. Nesse contexto, Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama e o simbolista
Cruz e Souza, poetas negros apresentam nas suas obras, as primeiras rupturas no campo
literário, um discurso em que “o eu enunciador” se coloca do ponto de vista do negro.
O eu-poético se assumindo negro na poesia satírica Bodarrada “Quem sou eu?” de
Luiz Gama (1859). “ Eu bem sei que sou qual Grilo [...] / Se negro sou, se sou bode, / pouco importa. O que
isto pode? [...]”
O eu-enunciador em Úrsula (1859) de Maria Firmina dos Reis, expressa sua origem
através da memória e da voz de mãe Suzana que conta a história de sua vida na África e as
condições da sua vinda para o Brasil. “ E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas.
Era uma prisioneira – era uma escrava! [...](REIS, 2004, p.112 a 113 )
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Maria Firmina dos Reis aparece entre as mulheres negras que marcaram ou ainda
marcam a história literária negra. Para Assis Duarte, a poeta/escritora Maria Firmina age de
maneira inovadora e ousada ao constituir sua personagem com mulher que tem voz própria e,
como eu-enunciador, resolve contar a sua história: “Mãe Suzana vai contar como era sua vida na
África, entre sua gente, de como se deu a prisão pelos caçadores de escravos e de como sobreviveu à terrível
viagem nos porões do navio”. (DUARTE, 2000:266).
Contemporâneo de Maria Firmina dos Reis, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, como poeta
engajado, põe em questão a ordem escravocrata. Seguido pelo simbolista Cruz e Souza que
através do seu poema “Emparedado” revela um elemento estruturante das nossas relações
sociais, o racismo.
– Tu és de Cam, maldito, réprobo, anatematizado! Falas em Abstrações, em
Formas, em espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das
raças de ouro e da aurora, se viesses de arianos, depurados por todas as
civilizações, célula por célula, tecido por tecido, cristalizado o teu ser num
verdadeiro cadinho de ideias, de sentimentos – direito, perfeito, das perfeições
oficiais dos meios convencionalmente ilustres! [...] Cruz e Souza, “Emparedado”
do livro “Evocações”(1898).
Luiz Gama e Cruz e Souza são considerados os primeiros alicerces para o surgimento
de produções literárias ao pós-abolição. Suas obras mostraram um modo diferente de pensar o
negro, como eu-enunciador que ao assumir sua negritude, o seu “fazer literário por meio da
escrita” (BERND, 1988) se torna marco para a literatura negro-brasileira.
O fazer poético de Luiz Gonzaga Pinto da Gama registra o “modo negro de ver e sentir
o mundo”. A poética de Luiz Gama reúne um conjunto de elementos simbólicos relacionados
à sua trajetória de vida. Ao reafirmar a identidade afro-brasileira através da articulação dos
elementos da ancestralidade africana na sua escritura, o poeta reivindica a pertença ao
universo cultural afro-brasileiro.
Silva acerca da elaboração da cultura afro-brasileira sobre as raízes africanas afirma:
Concebemos a cultura afro-brasileira como um sistema simbólico orientador das
práticas sociais referenciadas em princípios ancestrais africanos. [...] As práticas
culturais afro-americanas, embora orientadas pelos referenciais africanos, não
são, portanto, reproduções ou cópias de África nas Américas, mas reelaborações,
de caráter dinâmico, flexível, plástico e em constante mutação (SILVA, 2013, p.
1).
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Segundo Ferreira, a primeira vez que se observou a filiação poética à cultura afro-
brasileira foi na obra “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino” de Luiz Gama. “O próprio
pseudônimo Getulino, refere-se a uma área geográfica outrora nomeada “Getúlia”, localizada
ao norte da África” (FERREIRA, 2011, p.39-38).
O eu-enunciativo do poema “Quem sou eu” se afirma “negro sou” além de afirmar sua
ancestralidade africana, também, se diz rebelde e insubmisso, por ser filho de Luiza Manhin,
Luiz Gama assim, descreve a mãe.
Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação)
de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e
sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa,
insofrida, vingativa. (CÂMARA, 2010, p. 35).
E avisa, “filho de insurgente, insurgente é” (AZEVEDO, 1999, p.69).
Os poetas e escritores dão voz aos eu-enunciativos em seus poemas e prosas
denunciando o contexto discriminativo que vivem e presenciam.
Lima Barreto, no início do século XX, em sua obra “Recordações do Escrivão Isaias
Caminha”, publicada em 1909, denuncia o preconceito observando a “arrogância dos oficiais
em relação aos demais componentes da tropa composta por negros e mulatos, em um desfile
militar” (DUARTE, 2002, p.54).
Lima Barreto, (1881-1922) Filho mulatos, chegou a ingressar na faculdade de Direito
do Rio de Janeiro, mas as dificuldades financeiras de sua família o obrigaram a abandonar os
estudos e buscar trabalho. As situações de discriminação e dificuldades econômicas pelas
quais o escritor passou é denunciada pelo eu enunciador, o protagonista Isaías Caminha em
“Recordações do escrivão Isaías Caminha”, publicada em Portugal em 1909. Tanto na vida
real como escritor quanto na ficção através do protagonista, situações cotidianas de ofensas
veladas e discriminações subjetivas levam ambos, Lima Barreto e Isaías ao desencanto com a
nova república.
Hoje, comigo, deu-se um caso que, por repetido, mereceu-me reparo. Ia eu pelo
corredor afora, daqui do Ministério, e um soldado dirigiu-se a mim, inquirindo-
me se era contínuo. Ora, sendo a terceira vez, a coisa feriu-me um tanto a
vaidade, e foi preciso tornar-me de muito sangue frio para que não desmentisse
com azedume. (DIÁRIO ÍNTIMO, 2012, p.15).
Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
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A sua obstinada crítica à hipocrisia da sociedade brasileira que negava a discriminação
racial ao mesmo tempo em que pregava o branqueamento, se aliava às suas críticas a atores
políticos e a denúncia de injustiças sociais. Sendo Lima Barreto um escritor negro na cor e no
discurso num período em que “`apagar a cor’ era medida cautelosa e necessária” para ser
aceito na intelectualidade literária, se negar a esse comportamento era “viver em permanente
dilema, conflito e contradição entre a projetada inclusão e a realidade da exclusão social”
(SCHWARCZ, 2011, p.23-24-29).
O precursor Lino Guedes, autor, entre outros títulos, do poema “Negro preto cor da
noite” (1936): o autor usa da ironia, quando nos primeiros versos do poema “Novo Rumo”, o
eu enunciador relembra ao irmão de cor, a sua cor e o sofrimento passado e que deve se
endireitar.
Abdias Nascimento, um dos grandes ícones da literatura e da luta negra, poeta, ator,
escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos
civis e humanos das populações negras, funda o Teatro Experimental do Negro (TEN), em
1944, dedicado à produção de uma arte feita por negros.
Em 1954 surge o escritor e poeta Oswaldo de Camargo com o livro de poemas “O
Homem tenta ser anjo” e a partir daí, uma produção de literatura negra surge tanto na prosa
como na poesia, onde o escritor apresenta um eu-lírico enunciador que ao procurar construir
sua identidade, se vê preso entre duas culturas. Porém, mesmo diante desse hibridismo
cultural, as marcas da negritude se fazem presentes como ferramenta de um discurso em favor
da construção de identidade.
Acerca da poesia de Oswald de Camargo, afirma, Zilá
A poesia de Oswaldo de Camargo reflete a crise do poeta que toma consciência
de seu hibridismo cultural: de um lado, suas raízes africanas e os elementos
culturais ligados a esta ancestralidade pulsam dentro dele, lembrando-lhe de sua
origem e do outro, o apelo cultural do mundo branco e dos valores morais do
ocidente não deixam de exerce rum enorme fascínio. (BERND, 1992, p.64)
Solano Trindade é outro ícone da poesia negra brasileira, reconhecido pelo
posicionamento político-social e pela tradição literária brasileira. No poema, “navio negreiro”
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(1962) enaltece as qualidades da etnia negra. O poeta diz que o tumbeiro traz uma carga de
poesia, resistência e inteligência apesar da melancolia.
Cuti é pseudônimo de Luiz Silva, a escritura de Cuti é forte e registra a consciência da
necessidade de afirmação como se pode observar no poema “Ferro” (CUTI, 1986, p.90), no
qual o poeta re-significa a palavra ferro, transformando-a em um objeto que lembra a
“violência histórica” impingida ao escravo através do acoite, das algemas, das mordaças e
marcador (“para marcar na cara os filhos de escravos até a terceira ou quarta geração para
serem vendidos, segundo Prado (1962, p.97)”. Num segundo momento, o ferro serve para
modificar as características fenotípicas, como alisar o cabelo carapinha se adequando ao
modelo de sociedade que valoriza o cabelo liso, afastando o negro das características raciais
de sua gente. A voz forte deste propaga a necessidade de mudanças através do orgulho
valorizador das características negras. Assim, Cuti em seus poemas mostra a realidade
brasileira através da revelação das discriminações físicas e psicológicas imposta ao negro. Ao
valorizá-lo, sua escritura torna-se produto cultural afirmativo forte.
Dos anos 90 até nossos dias, a jornada continua com contornos mais definidos, agora o
objetivo é a conscientização da população negra. O comprometimento da poesia negra se faz
presente nas escrituras de Éle Semog, Adão Ventura, Arnaldo Xavier, Carolina Maria de
Jesus, Mestre Didi (Dioscóredes M. dos Santos), Geni Mariano Guimarães, Paulo Colina, W.
J. de Paula, José Alberto de Oliveira de Souza ,Maria da Paixão, Eduardo de Oliveira, Mirian
Alves, Oliveira Silveira Antônio Vieira, Jônatas Conceição da Silva , Ronald Tutuca, Carlos
Assumpção Romeu Crusoé, o historiador e professor Joel Rufino dos Santos, Aline França,
Paulo Colina , Carlos Assumpção e Zelador Candiero entre outros. O objetivo é denunciar as
injustiças, gritar por direitos já adquiridos pelo povo negro na “coparticipação da construção
da nacionalidade”, na necessidade urgente de que a história da cultura negra seja revelada a
toda população negra e afrodescendente. A luta de escritores antigos e novos que juntos
fortalece o conceito de identidade negra, de resistência e reconhecimento social entre outros.
A poesia do Zelador Candiero –
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Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
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O vocábulo “Zelador” vem do grego e significa zelos “cuidados” e Adegmar José da
Silva é aquele que cuida para que as tradições de seu povo não sejam esquecidas, assim, é um
dos pilares da luta contra a discriminação, a negação dos direitos, a invisibilização, o
esquecimento das artes, da cultura, da religiosidade do povo negro.
E como negro empoderado utiliza a arte da palavra, a poesia, para conscientizar e
instrumentalizar seus irmãos para a luta, para a resistência com palavras, atitudes e ações
contra a inviabilização imposta por um racismo cordial. O poeta procura manter vivo as
tradições, os costumes, herdados de seus antepassados, através de projetos organizados e
selecionados pelo Centro Cultural Humaitá para o trabalho com crianças e adolescentes na
área da educação; atua como coordenador dos saraus de poesia cujo objetivo é mostrar a
poesia negra e dá visibilidade aos poetas negros; além de organizar as comemorações
religiosas e festivas da negritude em solo paranaense. Também já publicou artesanalmente
três coletâneas de poesia.
Um dos instrumentos de resistência negra é a poesia e o Zelador Candiero assim como
outros poetas negros paranaenses e curitibanos mostram suas dores, seus questionamentos
frente à realidade agressiva deste século.
Na poesia do Zelador Candiero, o eu-lírico enunciador traz à tona as memórias dos
antepassados, as lutas e a resistência. E a música, a dança, a arte, a religiosidade, o registro
das vivências servem como armas para luta, cujo objetivo é se mostrar, é ser sujeito. Sua
poesia fala do sincretismo religioso, da religiosidade africana ligada aos orixás, das rodas de
capoeira, o toque dos tambores, dos guerreiros e guerreiras africanas, dos terreiros, dos
egunguns (antepassados), das histórias, dos griots, das árvores sagradas as gameleiras
moradas do “tempo”, do seu compromisso com a história do negro e sua história.
Adegmar José da Silva é poeta ativista e zelador das tradições culturais negras no
Paraná. Em suas vivências exprime seus desejos, suas expectativas, suas dores, sua luta e
trajetória de negro brasileiro e paranaense. Falar da tradição, dos ancestrais, da luta e do
empoderamento é um dos vieses da poesia negra do Zelador Candiero. O registro de suas
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vivências é a luta contra o esquecimento da história e cultura africana. É o rememorar. É o
lembrar.
Antes conhecido pelo codinome “sombra”, apelido dado pelos amigos, colegas da
capoeira, recebeu o nome de Zelador Candiero - aquele que ilumina- após muito tempo de
observação pelos seus mestres , os quais chamam de “os mais velhos”.
O cotidiano do Zelador Candiero é fortemente marcado pelo sentimento de
pertencimento a cultura e as tradições negras herdadas dos ancestrais. O poeta descobriu-se
pedra alicerçante da sua história no rap, no break na música negra afro americana e foi
construindo sua identidade negra e se empoderando como sujeito transformador da sua
história e orgulhoso das suas tradições e origem negra. A partir desta descoberta muitas trilhas
foram surgindo e o caminhante ora passeia por elas, ora as desbrava deixando a sua marca de
rebeldia. Rebeldia essa, transformada em muitas formas lutas contra um único modelo de
cultura, de história e de conhecimento. O caminhante vai trançando seu caminho e registrando
suas vivências – como: capoeira, poeta, zelador das tradições culturais, além de militante das
causas negras no Paraná -, com uma linguagem cheia de significados e sentimentos. O poeta é
negro, e se orgulha em demonstrar sua luta e preferência pela temática negra.
Em entrevista que nos foi concedida em 09 de Fevereiro de 2016, o poeta e escritor
Zelador Candiero diz não escrever poesia e sim registrar em forma de poema suas vivências e
recordações. E que a cada passo, a cada atitude, cada irmão negro que encontra vai emergindo
em palavras, borbulhando, querendo mostrar e contar a história de seu povo. Assim, registra
na folha branca o pensamento, o sentimento e sua negritude.
Neste aspecto pode-se considerar que a memória atua na obra do Zelador Candiero
como uma um força de resistência pessoal e cultural, tal como indica Eduardo de Assis Duarte
(2005, p. 100) ao sugerir que
a força dessa memória ressalta o sentido da resistência cultural e de luta
ideológica (...) pois se trata de marcar posições para além do campo artístico,
visando atuar na construção psicológica e cultural desse sujeito, bem como na
definição de seu lugar na sociedade e na própria história.
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As vivências, expressão que o poeta usa para referir-se aos seus versos, traduz o
sentido dos costumes, recordações e tradições dos ancestrais, e conta suas experiências sociais
e individuais à comunidade.
Segundo o poeta, a escolha de pseudônimo é um ato político de empoderamento da
sua condição de homem negro. É chegada a sua vez de falar, de sair, deixar de ser “Sombra”,
agora é Candiero. Nome recebido dos mais velhos como manda a tradição. A luz que tem por
responsabilidade e objetivo nas rodas de conversas, nos saraus, nos festejos, nos sons dos
tambores despertar seu povo para as questões inerentes a tradição negra. Os costumes devem
ser relembrados, devem ser praticados pelos adultos e contados às crianças, pois “é necessário
uma comunidade inteira para educar uma criança” segundo um ditado africano, diz Candiero.
O poeta luta por equidade para seu povo, negros, afrodescendentes, acima de tudo negros
brasileiros e seus descendentes utilizando como arma, a palavra, nas suas vivências, no seu
cotidiano.
N’ZINGA, é um poema de tom forte, cujo conteúdo louva uma grande guerreira que
ofereceu resistência a Portugal, quando com grande visão de estrategista venceu a guerra
contra os portugueses, em sua terra natal, o reino de Angola. O poema é composto por 31
versos. O orgulho de sua negritude emerge no início do poema emerge através das palavras e
do ritmo o jogo de capoeira.
Dois capoeiras jogando
É como galo na rinha
Cada um de um lado
Dá esporada, canta
Se arrepia...”
O negro quando dança
Faz louvor a sua rainha
N’Zinga N’Bandi
Reino de Angola, da Matamba
Sozinha uniu todas as etnias
Enfrentou os portugueses com sabedoria
Uma guerreira estrategista
Conhecia de política
E a religião dos seus ancestrais
Venceu todas as demandas europeias
Viveu e morreu na sua terra
Seu nome espalhou-se pelo mundo
No Paraná, os Reis Congos
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Mantêm viva sua memória ancestral
Dos tempos da escravidão até nossos dias
Buscar fundo na história
É fundamental para o povo negro
Pois um povo sem memória é um povo sem história
Tratado como escória
Temos um futuro sim: aquele que nós construímos.
Valeu o exemplo, Rainha da nossa ginga!
EPARREI OYÁ
Senhora dos ventos e das tempestades
Aquela que cega os mentirosos
Mas protege quem anda com a verdade.
Motumbá (2015, p.52)
O eu enunciador trata a capoeira como uma dança para louvar a rainha N’Zinga
N’Bandi recontando a história de valentia e de resistência do povo negro, que aparece como
agregador de todas as etnias, indicando que a luta é de todos. Além de inteligente e grande
estrategista”, a guerreira tinha conhecimentos de política e da religião dos ancestrais. O poeta
trabalha assim para desconstruir através dessa imagem, “o estereótipo de negro que inferioriza
a inteligência e a capacidade dos povos negros”(Cuti, 2010, p.55) cunhado pela ideologia
racista da elite brasileira.
A memória cultural se faz presente no poema, identificando o lugar em que essa
memória está fincada e como. “No Paraná, os Reis Congos/ mantêm viva sua memória
ancestral” o eu poético fala do “enraizamento” do negro paranaense e de suas memórias
culturais reavivadas através das festas dos Reis Congos. O eu lírico saúda o orixá dos ventos e
das tempestades e diz que, quem mente é cegado por ela, assim faz referência às verdades
que são ocultadas sobre o continente africano para fazer os afrodescendentes se sentirem
pequenos e sem força. E diz que todos precisam conhecer a sua história, a sua origem, as
tradições dos antepassados para se orgulharem e não deixarem que os tratem como escória.
Que existe futuro, que podem construir seu futuro.
Andrade apud Cascudo, coloca que
A eleição de reis negros meramente titulares, a coroação deles, e as festas que
provinham disso, Congos, Congadas, sempre até hoje se ligaram intimamente à
festa, e mesmo à confraria do Rosário. Inda mais: as procissões católicas eram
cortejos que relembravam ao negro os seus cortejos reais da África.
(ANDRADE, 1965, p. 315)
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O poema faz referência à festa da Congada da Lapa, no Paraná, é uma celebração que
traz os reis do congo, sua coroação e séquito de súditos. A riqueza da congada tem por
objetivo de despertar as lembranças ancestrais de poder, beleza e riqueza do elemento negro
que em terras distantes, a terra dos antepassados, onde eram reis.
A escritura poética do Zelador Candiero traz para o debate e conhecimento dos negros
e seus descendentes a cultura negra reavivada nas congadas, nas rodas de samba, trazidas
pelos escravizados, através de suas memórias. A descendência negra do poeta lhe confere o
direito de ser o protagonista dos seus versos e clamar seu povo para o conhecimento da
história negra. O eu lírico afirma que “um povo sem memória é um povo sem história”. O
poeta como militante que é utiliza em seus poemas a frase de Chico de Assis, advogado,
jornalista, poeta e ex preso político.
As vozes ecoadas ao longo do poema mostram a identificação dos envolvidos com as
memórias dos ancestrais, individual e coletiva. O tom de celebração do orgulho negro
ancestral e o chamamento para o momento presente, reivindicando o reconhecimento da
cultura e das tradições de seu povo. O poeta relembra o tempo da escravização, o tratamento
recebido, ao pedir que seus irmãos busquem no fundo do baú da história suas memórias, o
contexto em que obrigados a viver, para logo depois afirmar que apesar do tratamento
indigno, o futuro do povo é aquele que cada um constrói.
O eu enunciador procura empoderar o povo negro ao chamar a atenção para a
inteligência e a valentia da rainha N’Zinga e assim forjar uma nova autoestima e para
despertar o orgulho de ser afrodescendente. A essa intenção Cuti (2010, p.43) intitula como
“gostar-se negro” aceitar-se negro de forma completa, sentimento normalmente recalcado
pelo racismo que por muito tempo levou o negro a se transvestir ao assimilar a moda, os
pensamentos, os modos de agir e sentir do branco, também conceituado por Frantz Fanon de
pele negra e máscaras brancas (2008, p.34).
O eu enunciador termina fazendo uma saudação a uma divindade africana Iansã, orixá
que domina os ventos e tempestades que protege e ilumina aqueles que estão com a verdade
Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPM) e Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.
na linguagem dos nagôs, Motumbá é um pedido de bênçãos. O eu-lírico enunciador se mostra
comprometido com a religiosidade de matriz africana.
EPARREI OYÁ
Senhora dos ventos e das tempestades
Aquela que cega os mentirosos
Mas protege quem anda com a verdade.
Motumbá. ...”(2015, p.52)
No poema, “RESISTÊNCIA CULTURAL II” (2015, p.59), o poema apresenta 33
versos.
Combatentes do bom combate, uni-vos...
Ser representante de rainhas e reis africanos
Em solo brasileiro
Não é fácil
Trabalho duro
Tornei-me flexível... Sensível
Viver no mundo humano
Clamando por ajuda do Espirito
Santos...
Fazendo a colcha de detalhes
Costurando com a agulha de ouro
Os fios prateados da memória
Aparecem...
Minha alma transborda
Brada por justiça
No meio desta carnificina de verdades escondidas
Holocausto de sonhos
Combativo, assíduo
Sigo minha sina
Pelos poderes legados dos meus antepassados
Vou à luta
Não tenho o direito de ficar no cômodo silêncio
Respiro fundo
Atendo à minha consciência
Minhas lágrimas são de força
E não de fraqueza
Perdoem minha franqueza
Os estalos do chicote do Neo-Escravismo
Mostram-me um norte desconhecido
Enquanto muitos dormem...
Armado com meu berimbau
Invoquei o poder ancestral
Recomeço a caminhada (2015, p.59)
O eu lírico enunciador chama para a luta, os bons combatentes. Anuncia que é difícil
“ser representante de Rainhas e Reis africanos”, fazendo referência a toda carga de
Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPM) e Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.
discriminação e racismo que existe na sociedade paranaense, afirma que é a luta “não é fácil”,
que “é trabalho duro” vencer os obstáculos colocados nos caminhos dos negros e seus
descendentes. Mas, afirma também que tornou-se mais flexível, referência talvez as
negociações por seus direitos, que às vezes cede um pouco para ganhar. Aqui aparece a
questão do misticismo religioso, quando diz que clama por ajuda do Espírito Santo(s), para
viver no mundo humano. O eu-lírico enunciador termina colocando no vocábulo Santo um (s)
seguido de reticências como que deixando no ar, dando outra conotação a palavra, talvez
implicitamente se referindo aos “Santos” da religiosidade africana.
O eu-enunciador ao mencionar “enquanto muitos dormem...” dá a entender que está
falando dos afrodescendentes que ainda não se conscientizaram da luta do seu povo para
conquistar seus espaços na sociedade.
E ao se referir à memória, diz que vai juntando “os fios prateados”, ou seja as
lembranças e vai costurando-as umas às outras com “agulha de ouro”, sugerindo talvez o
grande valor dessas lembranças, dessas memórias que juntadas umas às outras deixam vir a
tona “a verdade escondida” no meio de todo sofrimento.
Segundo, Michael Pollack as “memórias subterrâneas” são cultivadas e desenvolvidas nos
espaços da “informalidade” em rede de sociabilidades afetivas, “são zelosamente guardadas em estruturas de
comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante” (1989, p.8).
O eu poético grita por justiça, em meio a tantas mortes de sonhos, de expectativas. E
não se rende, segue adiante, combativo, assíduo. É o destino que lhe foi legado pelos
antepassados. O eu lírico diz não poder ficar calado, que suas lágrimas não são de fraqueza e
sim, por perceber novas formas de exploração do povo negro. E enquanto muitos dormem, ele
armado com seu berimbau (instrumento de toque da capoeira), invoca os ancestrais para
ajuda-lo e segue na sua caminhada de luta.
Nota-se neste posicionamento do eu poético o chamamento do conhecimento dos mais
antigos (os ancestrais) para direcionar a luta, os direitos pleiteados, e a conquista dos
objetivos pretendidos.
Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPM) e Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.
Conclusão
Diversas são as possibilidades de leitura da poesia do Zelador Candiero. Entretanto, se
o pano de fundo for uma sociedade elitista que se acredita herdeira de tradições e culturas
unicamente europeias que prevalece o conceito de democracia racial, muita luta ainda tem a
população negra e seus descendentes para serem reconhecidos como sujeito coprodutores da
cultura brasileira e paranaense. O Zelador Candiero é um dos pilares dessa luta, no solo
paranaense. O poeta não esconde a sua negritude, orgulho, paixão pela tradição e costumes
dos ancestrais. Produz uma poesia carregada de simbologismo deixando transparecer através
do eu poético, que fala mesmo cansado não se cala ao ver e sentir os sofrimentos e dores do
povo negro. A sua poética deixa entrever nas linhas da sua escritura toda a riqueza cultural do
povo “subalterno”.
Como “subalterno” em sua negritude, o poeta dá voz e representatividade ao lugar de
onde fala das suas origens, da sua religiosidade e da sua história. Subalterno que apesar de
construir praças, igrejas e monumentos históricos com sangue e suor teve como pagamento, o
apagamento da sua história e a negação da sua presença.
O subalterno agora tem voz e fala e lutam para sair da penumbra, do esquecimento, ao
qual foram lançados. Não mais existe a história só de um único o ponto de vista . A literatura
negro-brasileira lança mão da poesia, a prosa, a dança, a música, os costumes como
instrumento de luta. São elas, as armas utilizadas pelos poetas, escritores, pesquisadores,
artistas, em geral, para contar a história e a cultura do povo cor de ébano e seus descendentes.
Ubuntu, para vocês ! “Sou quem sou, porque somos todos nós”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Romilda Oliveira Santos – Especialista em Educação das Relações Étnicos Raciais pela UFPR;
Especialista em Literatura Brasileira pela PUC-MG; Membro da Associação Brasileira de
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