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XII Seminário Nacional TCMSP
Educação Ambiental
Mudança de Cultura
Período: 26 a 28 de novembro de 2007
Dia: 26/11/2007
Palestrante: Marcelo Lamy
Diretor da Escola Superior de Direito Constitucional
Tema: Educação Ambiental Formal
O Sr. Mestre-de-cerimônias – Esta Corte de Contas tem o
prazer de receber o doutor Marcelo Lamy, advogado e consultor
jurídico, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal
do Paraná, mestre em Direito Administrativo pela Universidade de
São Paulo, doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP,
diretor da Escola Superior de Direito Constitucional, coordenador e
professor da pós-graduação “lato sensu” em Direito Constitucional
da Escola Superior de Direito Constitucional, avaliador de
condições de ensino do INEP e do MEC, conselheiro internacional e
professor convidado do Instituto Jurídico Interdisciplinar da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal, secretário
da Associação Brasileira dos Constitucionalistas – Instituto
Pimenta Bueno, diretor da Revista Brasileira de Direito
Constitucional, dos Cadernos Interdisciplinares Luso-brasileiros e
da Revista “Notando”. Membro do Conselho Editorial da Revista
Internacional “The Humanitas”, diretor do Núcleo Pensamento e
Criatividade, Escuela de Pensamiento y Criatividad, de Madri, do
Núcleo Humanidades, Centro de Estudos Medievais Oriente e Ocidente
da Faculdade de Educação da USP, do Núcleo Direito Interdisciplinar
também do Instituto Jurídico Internacional. Consultor da
coordenadoria acadêmica de Ciências Políticas e Sistema
Constitucional do Núcleo de Desenvolvimento Acadêmico da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, OAB-SP.
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Doutor Marcelo Lamy, mais uma vez, é uma honra para esta
Casa, para esta Corte, receber tão ilustre presença no momento é um
prazer maior ainda de ouvi-lo.
O Sr. Presidente Antonio Carlos Caruso – Com a palavra,
então, o ilustre palestrante, o doutor Marcelo Lamy, grande
jurista, grande amigo desta Corte de Contas também.
Muito obrigado, doutor Lamy, por sua presença, mais uma
vez enriquecendo os trabalhos desta tarde.
O Sr. Marcelo Lamy – Boa tarde a todos. Em primeiro
lugar, não posso deixar de agradecer veementemente o doutor Caruso:
primeiro pelo presente que nós dá, com esse seminário – é um
presente para a nossa cidade, é um presente para o nosso país, é um
presente para todos nós, educadores –, e em segundo lugar pela
oportunidade de estar aqui, ao seu lado, e de compartilhar algo
que, para minha a vida de história pessoal, é insignificante. Eu
aprendi muito da minha vida profissional com o doutor Toshio Mukai.
Eu tive a alegria, a felicidade de trabalhar em seu escritório. Eu
tive a felicidade de compartilhar diversos e diversos dias com o
doutor Toshio, e diria que o pouco que sou, devo totalmente ao
doutor Toshio. Obrigado, Toshio; estar nesse seminário, ao seu
lado, para mim, é emocionante, muito tocante. De coração, muito
obrigado pelo que me ensinou para a vida.
Portanto, eu devo desculpas a todos, porque parece que
começo chorando, mas acho que os sentimentos do coração não
precisam ficar fora de nós – fazem parte da nossa vida, e nisto não
há problema algum.
Também é uma alegria muito grande estar aqui ao lado do
doutor Marcos Tadeu. Eu diria, infelizmente nem no intervalo pude
conversar com o doutor Marcos Tadeu, porque, pelo que eu conheço de
sua vida, de sua dedicação ao estudo da questão ambiental, eu
queria muito ter lhe pedido, antes de iniciar a palestra, que vá me
passando uns bilhetinhos, me dando umas dicas do que nós podemos
falar, porque sei que a sua especialidade, a sua dedicação à
questão ambiental é muito marcante. E, se não puder fazer esse
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bilhetinhos, que, no final, por favor, nos brinde com os seus
ensinamentos também.
Agora, de qualquer forma, falar depois do doutor Daniel
Fink, falar depois do doutor Toshio Mukai, é um desafio. Talvez os
que tenham ficado, todos que tenham ficado até este momento neste
seminário estejam se perguntando: “Vamos ficar para ver quem é essa
figura que está aí, vamos ver quem é, o que é isso.” Aos que já nos
deixaram no dia de hoje, que retornarão amanhã, mas que já nos
deixaram, talvez tenham sido mais presenteados. No entanto, a
curiosidade de todos me beneficia. Não é fácil falar depois desses
dois baluartes, logicamente, depois de todos que se expuseram nesse
evento, mais especial nesta tarde depois do doutor Toshio, doutor
Daniel Fink.
Ainda mais tendo a tarefa de tratar de um tema, a
Educação Ambiental Formal, que eu não posso deixar de provocar ao
doutor Toshio, deixar de provocar ao doutor Daniel Fink, com
relação à importância desse tema. Eu diria assim: parece óbvio para
todos nós que qualquer política pública – qualquer, em que área
seja –, para que ela se implante efetivamente e traga resultados
efetivos, é necessário uma educação. É necessário criar a cultura
da implementação da política pública. Nesse sentido, a educação
informal – ou a não-formal, porque essas duas espécies, da não-
formal e a informal – tem papel muito relevante.
Mas paremos para pensar. Nós temos uma estrutura já
criada, consolidada, com as suas mazelas, mas está espalhada pelo
Brasil todo, em todos os recantos, uma estrutura para explicar o
que é a questão ambiental, ou a questão da saúde, ou a questão do
sexo, ou a questão da ética – nós temos uma estrutura já
consolidada. Um investimento vultuosíssimo já feito. E desprezar a
educação formal quando vamos falar da educação ambiental seria uma
inocência, seria uma estupidez. Não foi o que nenhum dos que me
antecederam falou, mas o que eu quero ressaltar é que a educação
formal ambiental deve ser a menina dos nossos olhos; deve ser a
pepita mais lapidada, para que nós pensemos em algo possível de se
modificar a cultura ambiental. E algo que está aí; já está
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consolidado, já está gasto o dinheiro para a educação formal.
Agora, é preciso aperfeiçoar o que já está investido.
Desta forma, esse tema da educação ambiental formal, eu
acredito que deveria estar até mais amplificado aqui no Seminário,
mas eu compreendo a necessidade do Seminário querer abranger todos
os temas, discutir todos os temas.
Por essa importância que tem a educação formal, a
responsabilidade maior me cabe, porque eu sou o único que falará
expressamente desse tema. E eu preciso pontuar algumas coisas que
me parecem muito relevantes para a educação ambiental formal. Dois
apontamentos eu gostaria – me deu vontade, hoje, vou ser sincero
para vocês, mas deu vontade, hoje; eu já tinha preparado essa
palestra, inclusive pontuado os tópicos aqui, mas eu tive uma
vontade, hoje, de pegar essa palestra e jogar fora. Por dois
motivos. Hoje, quando eu levantei, saiu uma reportagem na Folha de
São Paulo, eu trouxe aqui, a entrevista de segunda. Não sei se
vocês leram a entrevista de segunda, que apresenta a entrevista com
o mineiro Tião Rocha, que foi agora premiado como o empreendedor
social de 2007. Ele fala algumas coisas, aqui, nesta entrevista,
que talvez calem muito no nosso coração, traduza muito do que nós
pensamos, mas destrói a educação formal, destrói a educação
ambiental, se mal utilizado esse pensamento. Vamos dizer algumas
das frases dele: “A escola formal não está só na forma; está dentro
da fôrma. O pior é quando está no formol. É um cadáver.” Não é
mentira, o que o Tião Rocha está falando. Ele está relatando um
empreendimento maravilhoso – que é um grande pedagogo, esse Tião
Rocha, cria diversas pedagogias novas, pedagogia da roda, pedagogia
do sabão, pedagogia do brinquedo, pedagogia do abraço. Fascinante:
leiam e consultem. Realmente, é um educador para que nós imitemos.
Mas o meu medo de afirmações dessa natureza é que calem no nosso
coração, estas frases, e resolvamos abandonar a educação formal.
“Olhe, o negócio é as ONGs, o negócio é os projetos de políticas
públicas; olhe, vamos educar o Estado, vai fazer uma série de
projetos para ensinar a cultura, a conscientizar, e a escola não. A
escola não adianta, está falida. Está no formol.” “A escola formal
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não está só na forma, está dentro da fôrma. Pior, está no formol.”
Isso é terrível. É uma constatação verdadeira. Mas isto é terrível.
Que nós sabemos que os alunos vão para a escola já sem
alegria, já sabemos. Que os alunos vão para a escola, preocupados
em tirar notas, e não em aprender; preocupados em passar no
vestibular; preocupados em ter um bom comportamento. As crianças
vão às escolas e comportam-se, para que os pais não sejam chamados,
e não porque elas queiram se comportar bem. Essa falência no estilo
pedagógico, essa falência na escola, nós sabemos que isso existe.
Mas nós não podemos nos conformar com isso. É possível, sim, que as
pessoas vão à escola com alegria; é possível retirar o medo da
escola; é possível que as crianças vão e reclamem: “Ah, hoje não
tem aula?” É possível. E há diversos modelos que demonstram que
isso acontece. E aqui em São Paulo, inclusive. Inclusive em uma
escola municipal, que eu tenho conhecimento, é encantador o projeto
que se faz ao fim de semana.
O que me preocupa, então... Por que eu fiquei com vontade
de rasgar a minha exposição, hoje, é isto. Será que vale a pena eu
falar de uma série de coisas aqui com que eu me preparei para falar
a todos aqui, diversos aqui são educadores também, se essa cultura
da escola falida estiver em nossa mente não vai adiantar nada. Não
adianta. Se nós já pensamos que perdemos o campeonato, nós perdemos
mesmo. E aqui eu não estou falando de”O Segredo”, não. Mas é que
essa questão: se nós não temos uma atitude ativa, se nós não temos
o peito aberto para lutar pela vida, para lutar pela educação, para
mudar a sociedade, ela não vai mudar. Não vai mesmo. Então me
preocupou demais em ler esta entrevista. Tem idéias maravilhosas
aqui. Por exemplo, uma das criações fascinantes do Tião Rocha, foi
o seguinte: constatou-se que as crianças andam muito tempo de
ônibus para chegar nas escolas. É no interior de Minas. Aqui em São
Paulo, quem dirá mais, não é?
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O Sr. Marcelo Lamy – Então o que nós vamos fazer? “Ah,
vamos colocar professor dentro do ônibus, e dentro do ônibus vamos
ensinar; vamos ter atividades educativas dentro do ônibus.” E deu
certo. É a pedagogia do ônibus. Então é possível mudar a realidade,
é possível criar encantamentos, é possível que a educação seja
gostosa. Mas cuidado: se entrar em nossa mente essa idéia de que a
escola... Olhem a manchete do jornal: “Essa escola é formal, não
serve para educar ninguém.” Se isso estiver em nossas mentes, é
melhor passarmos para as próximas palestras. Quer dizer, não
adianta. A educação formal tem um papel que eu defendo como o mais
importante em todo o processo de educação ambiental.
Toda a preocupação – vejam todos os documentos
internacionais, desde a Carta de Belgrado, em 1975 –, todos os
documentos internacionais, todos os documentos nacionais, a Lei da
Política Nacional Ambiental, a Declaração de Brasília, todos os
documentos sérios para todos aqueles que estudam a questão da
educação ambiental são unânimes em uma coisa que o Doutor Caruso
traduziu muito bem. O Doutor Caruso, no folheto do nosso evento,
fala especialmente o seguinte: “A crise ambiental em que vivemos
reflete um estilo de vida fundado no consumismo desenfreado, na
lógica do ganho, na cumulação de bens e no domínio da natureza e do
mundo.” E lá no final: “Não é o clima do planeta que deve mudar,
como desastrosamente vem ocorrendo, mas as nossas atitudes e nossos
comportamentos.”
Ora, essa questão de que a educação ambiental está
voltada à mudança de atitudes, a mudança de comportamentos, isso é
patente em todos os documentos internacionais sobre a educação
ambiental, é patente em toda a legislação nacional, nas diretrizes
curriculares nacionais. É patente essa questão de que a educação
visa a mudança de comportamento. Portanto, quem está voltado a
educar as crianças para terem novos comportamentos deve fazer um
exame pessoal, pelo menos. “Qual é o comportamento que eu tenho?”
Porque não é porque eu vou repetir o que está na lei nacional do
meio ambiente que eu estou dando educação ambiental. A preocupação
na educação ambiental não é a transmissão de conhecimento, embora
esteja junto – é mudança de comportamento. É atitude. Atuar,
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efetivamente, para a resolução dos problemas ambientais. Ora, se o
educador não está com isto incorporado, não será a escola formal.
Aí, realmente, “a escola formal estará no formol”. É verdade. Então
a primeira preocupação é essa.
Então, em minha exposição, eu pensei em dois aspectos
relevantes para que nós pensássemos sobre a educação ambiental
formal. Eu já perdi um tempão aqui falando só da minha preocupação
de por que eu quase rasguei essa palestra. Primeiro, os pontos
centrais em que se ancoram, do ponto de vista jurídico – porque eu
não posso trair a minha origem, eu sou advogado –, os pontos
centrais que explicam o porquê da educação ambiental. E segundo, o
que é mudar de comportamento? O que é mudar de atitude? E aí eu
fujo da área jurídica e vou para a área filosófica.
A área jurídica é mais fácil. Eu diria para vocês o
seguinte. O Professor Toshio já nos alertou: a Constituição Federal
dá o parâmetro. “Todos têm o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.” Doutor Toshio apontou: nós preservamos para as
presentes e futuras gerações. Doutor Fink também apontou. Quer
dizer, por que se preserva o meio ambiente? Preserva-se o meio
ambiente pelo homem. Isso é opção da nossa Constituição. Eu posso
ser acusado, se Capra estivesse aqui, agora, acusaria o nosso
direito de uma ecologia rasa. Essa é a expressão que o Capra usa.
Porque a ecologia profunda já tomou consciência de que o homem é um
fio da teia da vida, e não o condutor da vida; essa é a ecologia
profunda. Mas a nossa Constituição optou pela ecologia rasa. “O
homem é a finalidade da proteção ao meio ambiente”, apesar de isso
estar estreitamente superado na mentalidade da educação ambiental
mundial, a nossa Constituição não foi modificada ainda nesse
assunto.
De qualquer forma, ainda o artigo 225 diz que a educação
ambiental deve estar presente em todos os níveis de ensino. Todos
os níveis de ensino. Aqui, no Tribunal de Contas, que tem uma
Escola de vanguarda, que tem uma Escola que lança um curso de pós-
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graduação que tem parâmetros de competitividade jamais vistos na
pós-graduação do Brasil, há que dar educação ambiental em todos os
cursos da Escola de Contas do Tribunal de Contas. É o que coloca a
Constituição e a educação ambiental em todos os níveis de ensino,
não importa que escola seja, em que nível seja. É ensino? Tem que
ter educação ambiental.
Mais ainda, a nossa Constituição aponta, no 205, que a
educação tem três finalidades: o pleno desenvolvimento da pessoa
humana, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação
para o trabalho. Nossa Constituição foi compromissória – sabe
aquela constituição que quer agradar todo mundo? São as três
tendências da educação da história do homem. A Grécia educava o
homem para ser guerreiro, educava o homem para o Estado: preparo
para o exercício da cidadania. A sociedade industrial preparava o
homem, sua educação, para ser operário: é preparação para o
trabalho. E eternamente se discute, na educação, como finalidade o
desenvolvimento do homem. Nossa Constituição diz que a educação
deve atingir tudo, todas as finalidades. Mas, entre todas essas
finalidades, deve permear a educação ambiental.
Então, quando nós preparamos alguém para o trabalho, nós
devemos ter em conta do que o trabalho é compatível ou incompatível
com os limites de proteção ao meio ambiente. Quando nós preparamos
alguém para exercer a cidadania, não podemos esquecer que faz parte
da cidadania tomar o destino das questões ambientais; isso o
Professor Toshio falou muito bem. Quando nós lembramos do pleno
desenvolvimento da pessoa, nós temos que resgatar também a questão
ambiental – para que a pessoa seja completa, ela é completa
realizando-se no meio ambiente. Poderíamos explorar muito isso daí.
E, por fim, um último artigo da Constituição Federal –
são vários que poderiam ser levantados para a questão ambiental,
mas relevantes para essa abordagem “educação ambiental formal”. O
artigo 210 diz que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e
respeito aos valores culturais, artísticos, nacionais, regionais.
Para aqueles que não são da área jurídica, talvez isso não soe tão
estranho. Mas para quem é da área jurídica, preste atenção em uma
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situação. Uma norma jurídica, de hierarquia superior, chamada
Constituição, diz que o ensino deve respeitar os valores. Sabem os
juristas que “valor”, por muitos e muitos teóricos do Direito, é
algo paralelo ao Direito. Paralelo. Não é do interesse do Direito.
O positivismo implantado na ciência jurídica, coloca o valor como
algo à parte. Essa é uma questão de política, não de direito. Ora,
nossa Constituição faz uma opção: é do Direito a proteção dos
valores. Isso volta à mesma questão: a educação ambiental é
formação de comportamento, é formação de atitudes, é construção de
valores. Nossa Constituição aponta, portanto, uma compatibilidade
com os documentos internacionais e apresenta como norte que a
educação deve ser uma educação de valores, uma educação que
desenvolva a pessoa, como o Professor Toshio falava da dignidade da
pessoa humana.
Eu lembrava só quando o Professor Toshio falava da
dignidade, da questão que Kant nos coloca: como nós esquecemos a
noção de dever. Diz o Kant que o dever fundamental de cada um de
nós é a perfeição própria e a felicidade alheia. E é curioso,
porque parece que a sociedade atual inverteu a equação: a perfeição
não é mais própria, nós queremos a perfeição alheia, e a felicidade
própria. Nós invertemos a equação dos direitos e deveres, que a
nossa sociedade vive assim. “Eu me preocupo com os meus direitos,
eu não me preocupo com os meus deveres.” E a dignidade, diz lá
Kant, se realiza pelo exercício dos deveres. E assim nós
conseguimos enxergar como nós nos tornamos dignos respeitando o
meio ambiente, porque o dever nos torna dignos. É curiosa, essa
situação de que nós invertemos a equação.
Não bastasse a Constituição, ainda vem a Lei da Política
Nacional da Educação Ambiental e estabelece um elo de ligação
inafastável, dizendo que a defesa da qualidade ambiental é um valor
inseparável do exercício da cidadania. Não é possível que
construamos a cidadania sem a defesa da qualidade ambiental. Mais
ainda, diz que a educação ambiental é fundada no princípio da
solidariedade; é fundada no princípio da responsabilidade – eu só
estou destacando algumas partes, porque são mais fundamentos, mas
são aqueles fundamentos que talvez nós nem saibamos o que são.
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Solidariedade não é “peninha dos pobres”, não é
“caridade, filantropia”. Isso não é solidariedade. Eu diria para
todos o seguinte, talvez eu pudesse traduzir da seguinte forma: se
um irmão nosso pega câncer, nós nos afetamos. Tanto quanto ele, nós
nos abalamos. Talvez nós nos abalemos até mais do que o nosso
irmão. Essa simpatia – de ter a mesma “pathos”, “sim” + “patia”,
“patia” de “pathos”, “paixão”, “sentir a mesma paixão” – ou
empatia, isso traduz o que é solidariedade, de forma que, se nós
abrimos o jornal e vemos o que vemos, nós deveríamos chorar todos
os dias. Chorar. Chorar. Mas não, porque isso está longe de nós; e
nós vamos criando defesas, para ficarmos pessoas frias e
calculistas – e nós criamos defesas, aqui em São Paulo, para não
nos importar que tem uma pessoa maltrapilha na rua. Nós vamos
criando isso. Ora, a solidariedade tem muito mais a ver com isto do
que com essas esmolas que nós distribuamos. Isso não é
solidariedade.
Responsabilidade é “responder por”, “responder pelos
atos”. Não adianta pensar que somos livres, que nós fazemos o que
queremos. Não. Nós respondemos pelo que nós fazemos. Apesar de, no
passado, não ser crime, se nós soltamos balão no passado, nós
respondemos por isso – se algum dano foi provocado, respondemos do
mesmo jeito, mesmo não estando na lei. A resposta.
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O Sr. Marcelo Lamy – Esses fundamentos da Política
Nacional de Educação Ambiental são fundamentos que nós devemos
refletir se nós já os compreendemos; porque se não os
compreendermos, talvez, realmente, estejamos falando do mundo dos
formóis.
De qualquer forma, a educação ambiental, diz a nossa lei
de Política Nacional, a Lei nº 9.795/99, no seu artigo 10,
parágrafo primeiro: “Não deve ser implantada como disciplina
específica no currículo do ensino.” E aqui eu me debato com um
problema seríssimo. Vocês vão ter uma professora que vai lhes
falar, que é brilhantíssima, amanhã, a Professora Eda, que vai
falar sobre a interdisciplinaridade. Aprendam com ela, não comigo,
essa questão: esse parágrafo primeiro, do artigo 10 é uma
confissão, na nossa legislação, do que nós somos incompetentes.
Fala assim: “Não funciona educar por disciplina, então vamos
proibir que a educação ambiental seja por disciplina?” É o que está
escrito lá. “A educação ambiental não deve ser implantada como
disciplina no currículo do ensino.” Quer dizer, não pode, porque
não funciona. Agora, o que é isso? Parem para pensar: se a educação
por disciplina não funciona, será que não é melhor extinguir as
disciplinas?
É aquele raciocínio que nas discussões ambientais é
comum, mas eu vou repetir aqui; olhem a falta de ética que nós
todos temos e concordamos. Isso eu vivenciei: estava no terceiro
ano da minha faculdade, em Curitiba, fui fazer estágio na
Secretaria de Administração do Estado do Paraná, em um prédio
construído pelo grandíssimo arquiteto Niemeyer. E a Secretaria de
Administração tinha o Departamento Jurídico no subsolo. As pessoas
que conhecem, às vezes, as construções do Niemeyer, com todo o
perdão, talvez já estejam antecipando qual é o problema de um
departamento no subsolo de uma construção de uma cidade úmida como
Curitiba. O que acontece? Todas as pessoas que trabalhavam no
subsolo tinham um adicional de insalubridade. Então a nossa conduta
é tão anti-ética, o desrespeito aos homens é tão grande, que, ao
invés de nós proibirmos um trabalho insalubre, nós premiamos. E as
pessoas, às vezes até lutavam: “Será que não dá para ir para o
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departamento lá, porque daí eu ganho o adicional?” É terrível,
isso, nós negociarmos com a saúde alheia, com a vida, às vezes, o
encurtamento da vida alheia, com um prêmio, só, por que se recebe
um pouco a mais por mês.
Como a nossa sociedade é anti-ética e irrefletida. Então
nós fazemos assim. Em vez de acabar com a insalubridade – “olhe,
reforme o prédio, chame lá o Niemeyer, vamos resolver essa
situação” –, não, nós damos um “tapa-buraco”. Então, a educação por
disciplina para que não está funcionando no Brasil. Então a
educação ambiental, que é a lei concreta, “vamos proibir que seja
educado por disciplina; tem que ser pelo método transversal.” De
temas transversais. Aí é eleger os cinco temas transversais e
agora: “Professores, aprendam a educar com métodos transversais.”
Eu não tenho dúvida, eu sou um defensor dos temas
transversais. Não pensem que eu sou contrário à educação dos temas
transversais, até porque o pensador espanhol Afonso López Quintás –
que foi um dos criadores dessa tecnologia pedagógica –, eu o admiro
muito, e sou um leitor assíduo de todos os seus livros. Ele tem
mais ou menos uns 60 livros; eu cheguei na metade dos livros dele.
Ele é o criador dessa teoria, dos temas transversais; um brilhante
pedagogo espanhol. Eu sou favorável aos temas transversais – eu
acho que eles funcionam muito mais porque a vida é transversal. É a
mesma coisa daqueles estudantes do Direitos que querem se
especializar: “Ah, como o Professor Toshio.” Chega um aluno dele,
pelo brilho de suas exposições, e fala: “Ah, eu quero ser um
especialista em licitações.” Só vai estudar Lei de Licitações e
esquece o resto. E esquece que, na Lei de Licitações, tem questões
criminais, tem questões tributárias – o Direito também é
transversal. A vida é transversal. Não dá para pensar por
departamentos, por especialidades; então eu sou favorável à
educação pela transversalidade, para quebrar justamente o
artificialismo da educação que torna a educação enfadonha, chata,
realmente. Ou algum de vocês gostava de estudar os capítulos das
nossas aulas? O capítulo das histórias, de um instituto? Nós não
gostamos porque está descontextualizado.
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Eu não consigo entender por que as escolas, por exemplo,
não pensam assim: “Estamos na Grécia.” Então o professor de
Matemática vai ensinar o que os gregos descobriram de Matemática.
Professor de Geografia, olhem, ensinar a geografia da Grécia.
Professor de História, história da Grécia. Professor de Português,
peguem os textos gregos para vocês aprenderem a língua através de
textos gregos. Eu não consigo entender por que não fazer isso.
Ficaria mais gostoso; o ensino ficaria mais gostoso. Nós
aprenderíamos épocas na sua completitude. Bem, isso aí eu tenho que
encerrar, porque senão...
A educação ambiental não deve ser implantada como
disciplina específica no currículo de ensino. É uma ordem jurídica;
nós devemos obediência; então, a educação formal se dá por temas
transversais. Ainda mais, na regulamentação desta lei nacional, o
Decreto nº 4.281/02 aponta, então, como referência de como deve ser
a educação formal, os parâmetros e diretrizes curriculares
nacionais, que são os grandes documentos que criaram, no Brasil, a
educação por esse modo transversal. Vocês terão uma exposição sobre
o modo transversal, então eu me abstenho de aprofundar essa
discussão.
Mas nestes parâmetros curriculares nacionais, documento
de 1997 de nosso país, no livro específico da questão ambiental,
volta-se ao tema que o Doutor Caruso, aqui no folheto, colocou
muito bem. Diz expressamente este documento: “Tarefa importante
para o professor, associado ao tema do meio ambiente, é de
favorecer ao aluno reconhecimento de fatores que produzam real bem-
estar.” Olhem que curioso: “Fatores que produzam real bem-estar.”
“Ajudá-lo a desenvolver um espírito de crítica às induções ao
consumismo e o senso de responsabilidade e solidariedade no uso dos
bens comuns e recursos naturais, de modo a respeitar o ambiente, as
pessoas e a sua comunidade. A questão ambiental, mais à frente, no
ensino de primeiro grau, centra-se principalmente no
desenvolvimento de valores, atitudes e posturas éticas.” Primeiro
que me parece que os PCNs criaram, no Brasil, um resgate
maravilhoso para a nossa educação. Falar assim: “Quando vamos
educar, é para educar para a vida. Por isso nós vamos falar dos
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fatores que produzam real bem-estar. É preciso ensinar as crianças,
é preciso ensinar a todos o que nos faz feliz. O que nos faz
feliz.” E, nesse sentido, nesse ponto dos parâmetros curriculares e
nessa luz que os PCNs nos deram, que é preciso ensinar, que o
espírito crítico é avesso a essa manipulação do consumismo, essa
manipulação da irresponsabilidade, a manipulação do individualismo
– essas manipulações que criaram a nossa sociedade, a nossa
cultura.
Essa luz que o PCN nos trouxe, em 97, que certamente
ainda é pouco desenvolvida nos bancos escolares, nos fez resgatar
um pensador que eu gostaria que todos nós tivéssemos lido para,
agora, debater este pensador, e não que eu tenha que apresentar as
idéias desse autor. Chama-se Bertrand Russell. Bertrand Russell
escreve um livro chamado “On Education”, em 1926, dirigido aos
pais, não dirigido às escolas. Não é sobre educação formal, no
sentido escolar. Neste livro, ele discute a formação das crianças
de zero a seis anos, porque é nesta fase que se forma o caráter de
uma criança, defende Bertrand Russell, com todos os apontamentos –
e isso é confirmado pela ciência até hoje, pelo médicos e pelos
psicólogos, que muito do caráter se forma nesta idade.
Como educar uma criança até os seis anos de idade? E isto
é educação formal também porque essas crianças chegam às escolas
com essa idade. Neste ponto, me parece de uma lucidez o Bertrand
Russell, que eu vejo que é um homem não do seu tempo, é mais
avançado, talvez, do que nós. Ele nos aponta o seguinte: “Olhem, o
homem pode ser educado para várias coisas.” Nós podemos educar um
homem para ser um bom advogado, para ser um bom engenheiro, para
ser um bom médico, para ser um bom pai, para ser um bom operário,
para ser um bom chefe de família. Nós podemos educar o homem para
várias finalidades. Cada homem tem um destino particular nesta
vida, e vai ser educado para o que lhe apetecer ou para o que o
acaso lhe trouxer, mas há características que todos os homens
necessitam ter; todos os homens necessitam ter para serem felizes.
Todos os homens precisam de quatro características, e
estas são as características pelas quais ele escreve este livro
inteiro. Então, se nós estamos falando que o homem precisa mudar de
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comportamento, precisa mudar de atitude, quer dizer, que atitudes
são essas, básicas de todo e qualquer homem, que precisam ser
modificadas para que a educação ambiental formal exista?
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O Sr. Marcelo Lamy – Vejam que a educação ambiental
formal está colocada não para transmitir conhecimentos, conteúdo,
dados, informações, estatísticas, não é para isso que está colocada
a educação ambiental formal. Ela está colocada para modificar o
comportamento e as atitudes. Ora que comportamento e atitudes são
esses? O que é possível? O que é necessário para todo homem? São
quatro características que Bertrand Russell aponta: vitalidade,
coragem, sensibilidade e inteligência, mas é preciso entender cada
uma delas e, nesses pontos, quero deixar um especial recado.
Vitalidade. Não é possível existir educação, seja
ambiental, seja saúde, seja sexo, seja ética, estou pegando os
temas transversais, ou, seja geografia, seja história, seja
português, seja matemática. Não haverá educação se não houver
vitalidade. Se a criança, o adolescente, o adulto não tem
vitalidade, ou ele não absorve nada, ou ele dorme, ou ele desmaia,
é o primeiro aspecto que é a vitalidade física. Mas, a preocupação
de Bertrand Russell não é vitalidade física, é vitalidade
espiritual. É o prazer de sentir-se vivo, o interesse pelas coisas,
a sensação que as coisas do mundo nos fazem felizes. Essa
vitalidade está sendo afogada na sociedade moderna – isso, Bertrand
Russell já falava em 1926 -, por uma espécie de acídia.
Acídia é traduzida nos dias de hoje pela palavra
preguiça, que não é a mesma coisa que acídia, mas traduz uma parte
do que é acídia. Acídia é uma espécie de tristeza contagiante que
nós faz duas coisas: ou não nos entusiasmamos pela grandeza, pelo
que podemos ser, pelo que podemos fazer, pelo que podemos
transformar, ou afogarmos nossas preocupações como a Daria
Aleksandrovna, a russa da Anna Karenina, que afogava os seus
desgostos no dia-a-dia dos seus afazeres. Nós também afogamos os
nossos desgostos, a nossa falta de mudança de vida, a nossa falta
de conquistas, não fazer muitas coisas. O “fazer muito, fazer
muito, fazer muito” é uma forma de acídia, é uma forma de preguiça,
veja que curioso, como muda o significado das palavras.
A preocupação de Bertrand Russell é que o homem para ser
educado em vitalidade que é o oposto da acídia. É preciso vida, é
preciso energia, é preciso afastar a tristeza para que aquela
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expressão de Píndaro: “Torna-te o que és” não seja esquecida.
“Torna-te o que és”. Todos nós somos chamados a nos tornarmos o que
somos, homens, homens que lideram, que modificam, que são livres,
responsáveis e que amam. E nós nos esquecemos disso porque estamos
afogados na acídia. Então, essa é a primeira característica que
Bertrand Russell nos aponta como... É para isso que serve, é este
comportamento que nós devemos afogar.
E aqueles que não perceberam em si a acídia, porque a
acídia está em todos nós, nos maiores e menores, percebam também
nos outros. As crianças, cada vez mais, afogam a sua falta de
realização nos afazeres, seja o afazer de ficar no vídeo-game o dia
inteiro, quer dizer, perde o sabor da vida. E como é que se pensa
em educação ambiental, se uma criança de hoje poucas vezes tem o
prazer de colocar uma água numa planta? Pode ser um vasinho dentro
de casa, pôr uma agüinha e ver a planta crescer, ou pegar um
feijãozinho e colocar lá no algodão molhado e fazer brotar. Isso é
participar do que as coisas externas nos trazem de alegria. Isso é
uma forma de vitalidade. Eu não vou poder ampliar todas as
conseqüências da vitalidade para a questão ambiental, mas vocês
enxergam isso já, eu tenho certeza.
A segunda característica. É preciso modificar o
comportamento para que a educação ambiental seja efetiva. Primeiro
comportamento é vitalidade. Segundo comportamento é coragem, o
oposto da covardia. Os homens ficam ofendidos se falamos que não
temos coragem e as mulheres podem estar pensando: “Mas isso é coisa
para homem.”. Coragem, talvez, seja uma tradução que Bertrand
Russell fez de algo que é apontado por Tomás de Aquino e apontado
por Aristóteles já, como uma virtude cardeal, que faz os pontos
cardeais, que fazem a estrutura do ser humano que é a virtude da
fortaleza. Coragem é aquele que é forte, não porque é “marombado” e
tomou uns anabolizantes, mas porque ele é forte de espírito.
A coragem passa por dois aspectos, há dois pressupostos
para que exista coragem. E nós devemos pensar se isso está em nós e
nós pudemos produzir isso nos outros. Temos que tomar cuidado. Nós
falávamos, semana passada aqui, sobre a liberdade com Dr. Caruso,
discutimos bastante a liberdade. Eu diria que há uma espécie de,
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parece que está cheio de anúncios pelo mundo, cheio de anúncios
invisíveis espalhados pelo mundo, de uma espécie de sistemas
intelectuais dominadores. Está se vendendo aí em todos os cantos
segurança em troca de escravidão. Em todos os cantos se vende
segurança em troca de escravidão. Pensem nas religiões, pensem nas
ideologias, elas vendem segurança em troca de escravidão. Pensem
bem nisso.
E logicamente que sem a liberdade não haverá coragem, não
há fortaleza, não há possibilidade de modificar sem liberdade. Mas,
ultrapassando a liberdade, a coragem só existe se, primeiro, temos
respeito a nós mesmos, que é algo que, talvez, nós pensemos pouco,
porque nós somos acostumados a viver da opinião do vizinho. Não
adianta. O vizinho é terrível e a vizinha, então. A vizinha, eu
digo, em função dos homens, porque o homem logicamente dá muito
mais valor à opinião da vizinha.
Nós vivemos governados pela opinião dos outros. Nós somos
espelhos do que os outros querem que nós sejamos. Daí, nós
querermos ser corajosos, fortes, diferentes, ser admirado por
todos. Se nós queremos ser admirados, nós não somos corajosos. Se
nós temos pavor de perder a consideração pública, temos pavor de
perder a estima pública, é porque nós não somos corajosos. Nós
certamente não faremos o que queremos fazer.
E quanto que as nossas crianças são criadas assim? O
quanto são criadas para aprender a agradar. As coisas mais
ridículas do mundo. Eu já me peguei em diversas situações, como
diria Fernando Pessoa, “Ah, estou farto de semideuses.”. Todos são
príncipes. Só eu que sou ridículo. Só eu que trai, só eu que tomei
emprestado sem pagar, parece que todos são deuses. Se Fernando
Pessoa não sou eu, mas eu já me peguei em situações tão ridículas,
por exemplo, de batendo palma para o meu filho porque ele comeu.
Isso é ridículo. Nós estamos, eu estou criando uma cultura no meu
filho de que ele come para me agradar e não porque ele está com
fome, e não porque ele tem necessidade. Nós fazemos isso, coisas
tão ridículas como essas criam nossas crianças para serem crianças
que vivem pela admiração, vivem pela consideração alheia.
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Outra necessidade da coragem, para que exista coragem, é
a visão impessoal da vida. Nós temos a doença da “unbiguite”. Toda
a nossa vida nós enxergamos através de nós mesmos e todo o
referencial são as minhas preocupações, o que eu quero fazer e
“hoje, eu não estou bem...”, quer dizer, nós temos essa visão
pessoal da vida muito marcada. Como é que nós vamos valorizar as
coisas alheias se nós vemos o mundo por nós mesmos? Nós precisamos
construir essa visão impessoal e nós só passamos a ter coragem
quando nós temos menos importância.
O homem corajoso ou a mulher corajosa, o que é muito mais
comum, a mulher corajosa é aquela que passa por cima de si mesma.
Coragem precisa disso. E o meio ambiente precisa disso. Precisa que
nós passemos por isso do que ficar para a fala que nós somos da
ecologia rasa. Só haverá a proteção do meio ambiente quando nós
entendermos que o meio ambiente é tão importante quanto nós. Essa
cultura cristã que nos foi incutida de que o homem é o ser do
universo é perigosa, porque nós passamos a ser os déspotas do mundo
e tudo está a nosso serviço.
O certo é que a fortaleza ou a coragem nasce da
inteligência, da vontade e do braço, deste tripé. Só vai ser
corajoso aquele que ensinarmos a usar a inteligência, usar a
vontade e usar o braço. O que eu quero dizer com isso? A coragem
nasce de um centro de convicções. Estar convicto de algumas coisas
e não porque eu fui manipulado, não porque eu sou marionete na mão
dos outros, isso não é coragem. Isso é burrice, é manipulação.
Então, a coragem existe de um centro de convicções, de alguém que
aprendeu a amar, amar de verdade.
Há um pensador espanhol que fala muito bem assim: “Amas?
Amas como um avaro ama seu ouro? Ou queres? Queres como um avaro
quer o seu ouro? Não? Então, não queres.”. Às vezes, falamos que
queremos alguma coisa, que amamos alguma coisa, mas não é tanto
assim, um querer tão profundo. É porque desaprendemos a amar. É
preciso aprender a amar de verdade, ter um centro de convicções e
fazer o que se deve. Isso é coragem.
Eu diria como remédio para o comportamento que trará
conseqüências ambientais terríveis, e benéficas também. Terríveis
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nesse sentido, benéficas, marcantes pela amplitude. É de algo que
nos esquecemos, de um pensamento de vários pensadores religiosos:
temos que fazer o que se deve e estar no que se faz. Fazer o que se
deve, nós, volta e meia, nos lembramos.
Mas, estar no que se faz, parece incrível, esquecemos
isso e isso faz com que nós ajamos com mais felicidade, com um
comportamento mais adequado. Fazemos uma coisa já pensando no que
tem que fazer depois. Vamos dormir pensando nas coisas que temos
que fazer no dia seguinte. Não é assim a música? Assim, você nem
dorme, nem faz as coisas. Então, é melhor não dormir e fazer as
coisas? Mas, a nossa vida é essa neura de não estar no que se faz.
Agora, é a palestra, então, agora é o horário da palestra. Daqui a
pouco, é o horário da pizza. Ficamos naquela neura, nos remoendo.
Dizem que isso é um conto medieval clássico, mas já
passamos o tempo demais, que conta o seguinte: a grande arma do
demônio para cultivar o preguiçoso é a ansiedade. Cultivar a
ansiedade pela próxima coisa que ele tem que fazer, porque ele fica
tão ansioso pela próxima que ele nem faz a atual e acaba não
fazendo nenhuma. É assim que se cria a preguiça. Esse é um mito
medieval.
Terceira qualidade necessária para a educação e mudança
de comportamento: sensibilidade. Eu teria que contar, talvez, eu já
falei para vocês da simpatia? Simpatia pela solidariedade. Mas, sem
sensibilidade, não é possível pensarmos em educação ambiental e não
é possível pensarmos em seres humanos verdadeiros. Não basta criar
a sensibilidade nas pessoas, é criar a sensibilidade adequada. Não
é porque, agora, qualquer coisa que façamos, vamos desabar em
choros e lamúrias, porque somos sensíveis. Não. É preciso despertar
a reação adequada àquilo que nós temos que ser sensíveis.
Bertrand Russell nos fala: “Uma grande porção dos males
do mundo moderno deixaria de existir se pudéssemos remediar esse
fato, isto é, se pudéssemos aumentar a capacidade para a simpatia
abstrata.”. A sensibilidade, a simpatia, se existisse, muito do que
está no nosso mundo não aconteceria. Nós jogamos lixo, abrimos a
janela do carro e jogamos lixo, porque aquilo não nos afeta, não é
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nosso. Eu nunca vi ninguém jogar lixo em si mesmo. Eu nunca vi. Nem
louco eu vi fazer isso.
Eu tive uma experiência muito peculiar na minha vida e,
talvez, isso explique um pouco de mim, com todo o hilário que isto
é, mas, eu, durante dois anos, prestei serviços num manicômio e eu
nunca vi nenhum louco comer “merda”, nem passar em si mesmo, nem
jogar dinheiro fora. Nunca vi no manicômio.
Então, me parece que muitos dos nossos problemas
ambientais é isso: nós não somos sensíveis à coisa alheia, ela não
nos interessa. Diz o mito de Píndaro, quando ele descreve que Zeus
faz uma festa no Olimpo para mostrar aos outros deuses, porque Zeus
era todo metido - não sei se vocês têm essa visão -, Zeus era o
“cara”. Zeus faz uma festa no Olimpo e convoca todos os deuses do
Olimpo para ver o que ele tinha feito. Ele tinha criado o homem.
Faz aquela cena toda, todos no banquete, lá na festa no Olimpo,
chega o momento crucial, ele abre as cortinas e mostra para todos
os deuses: “Olhem o que eu criei.”. Automaticamente, todos os
deuses se espantam com a obra que Zeus criou, pelo fascínio do que
Zeus criou. No entanto, lá no fundo, levanta a mão um dos deuses –
não fala o mito qual era o deus, talvez fosse Hermes -, e fala para
Zeus: “Ah, mas tem uma falha. Tem um defeito de fabricação neste
ser que você criou.”. Zeus fica possesso, “Como eu tive uma falha
do que eu criei? Eu, Zeus?”. O outro deus, que não sabemos quem é,
fala: “O homem é um ser que esquece. Esse é o grande problema do
homem. Esquece de quem ele é, esquece de que é criatura, pensa que
é criador. Esquece das coisas importantes da vida.”.
Nós não nos esquecemos do cheque que está para cair na
nossa conta. Nós não esquecemos uma festa que estamos esperando há
muito tempo. Mas, nos esquecemos de quem somos. Esta falta de
sensibilidade para a humanidade é o que perturba a educação
ambiental.
Como é que vamos criar o homem dentro de um meio e
valorizar esse meio, se esquecemos de quem nós somos? Mas, para não
nos desesperarmos, o que faz Zeus? Cria as musas com a finalidade
de lembrar o homem de quem ele é. As musas, as artes fazem lembrar
o homem de quem ele é, fazem o homem ganhar a sensibilidade
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necessária. No entanto, a educação formal, infelizmente, está
abandonando as musas. Cada vez menos se vê arte na educação. É
triste isso, mas é algo com que nós devemos nos preocupar. É pela
arte também que nós criaremos comportamentos e lembraremos do meio
ambiente para as pessoas.
Por fim, última característica, e já fecho aqui, assim
não me demoro mais, inteligência. A inteligência não é acúmulo de
conhecimentos, é capacidade para conhecer. Aprender a aprender,
diriam os pedagogos, é o que interessa como comportamento e
atitude. Inteligente não é aquele que tem muitas informações no seu
bolso, inteligente é aquele que pára e sabe pensar. Nisso, é
perigoso para todos aqueles professores, em qual me incluo, que
parece que depois de pensarmos tantas coisas, estudar tanto,
conviver com pessoas mais sábias aqui, ao meu lado, em ambos os
lados, nós começamos a achar que sabemos alguma coisa. E, achando
isso, ao encontrar com os nossos alunos, nós queremos ensinar-lhes
o que nós sabemos.
Assim, criaremos alunos que vão anotar o que nós sabemos,
que vão anotar para tirar boas notas e nós voltamos para o ciclo do
começo da palestra. A escola perde sua alegria. Por mais sábio que
um professor seja, se realmente sábio é, tem que parar de ensinar,
tem que começar a aprender com os alunos. E, aí, volta-se às
questões dos temas transversais. É a solução de problemas e se os
professores sábios sabem tanto as soluções dos problemas, que nos
mandem rapidinho, porque faremos os projetos, políticas públicas e
leis e resolvemos. Resolvemos o nosso país, a nossa sociedade.
É preciso aprender. Para criar a cultura do aprender a
aprender, o professor precisa descobrir que ele não é um gênio.
Isso é difícil, porque nós estamos acostumados com essa neura de
acharmos que nós estamos preparados para ser professores.
De qualquer forma, eu diria o seguinte. Eu tenho uma
convicção que eu quero deixar-lhes como conclusão da minha
exposição. Confirmando os ensinamentos do Professor Toshio, mostrei
a vocês que sei muito pouca coisa, por isso falei tanto. Mas, tenho
uma convicção e, talvez, essa não ser minha, ser de um grande
pensador alemão, possa lhes deixar como mensagem de esperança para
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educação ambiental formal. Trata-se do pensamento do escritor Ernst
Jünger, não confundam com o psicólogo, esse aqui era tenente-
coronel do Exército alemão. O seu livro “Heliópolis” diz o
seguinte: “Sabe que existe duas espécies de homens: os simplórios e
os iniciados.” – é uma espécie de sociedade futura -, “Os primeiros
são os escravos. Os segundos os senhores. Bem, onde está a
diferença? Muito simples. Duas grandes leis regem o universo, o
acaso e a necessidade. Lembre-se bem disso. Não existem outras leis
além dessas duas. O acaso e a necessidade. Os escravos são
governados pelo acaso, os senhores governam o acaso. No seio do
exército de cegos anônimos, existem alguns espíritos que
enxergam.”.
Eu sei que, nesse auditório, os meus colegas, estamos
entre espíritos que enxergam, que governam o acaso. Então, eu diria
com a minha convicção religiosa junto, pelo amor de Deus, deixemos
de achar que a questão ambiental é o acaso, é a catástrofe que nos
assola. Nós as fizemos, mas nós as podemos retificar, nós podemos
mudar o meio ambiente e a nossa educação.
Muito obrigado.