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O desafio da liberdade
Argumentos e sentenças: confissões tormentosas
por Luis Alberto Warat
Tradução Jaqueline S. B. Sena
I
Texto em homenagem ao professor Tercio Sampaio Ferraz, meu primeiro
parceiro e grande amigo que conheci no Brasil1
1. Corpos mestiços e corpos sucessivos
1.1. - Se a linguagem e o amor são como fluidos únicos de um rio que passa sem
nunca repetir-se, através de corpos sucessivos, este ensaio é, assim, um suceder
cartográfico de alguns dos seus resíduos. Restos que tratam de se agarrar ao fundo.
Homens em ruínas que mantêm um esconderijo secreto para os tesouros. Uma geografia
de difícil acesso, que quando se consegue penetrar, permite ao forasteiro encontrar-se a
si mesmo nos territórios desconhecidos da “outridade” e dele mesmo nela.
Este ensaio é uma das possibilidades cartográficas que existem para se poder
navegar dentro do que meu corpo esconde. Partirei, cartografias em mão, com uma
tripulação de fantasmas: Barthes, Cortazar, Guatarri, Castoriadis, Foucault, Mafessoli.
Marinheiros experientes que serão minha estrela-guia. Alguns chamam essa cartografia
de iluminuras do espírito, eu prefiro chamar de deuses do dionisíaco.
1.2 - Alguns acordos para se aproximar ao sentido de alguns termos em aberto
que usarei neste ensaio
As convicções do espírito constituem o sangue ou a seiva dos corpos
sucessivos. Nas ruínas dos homens, elas se instalam como sementes que podem fazer
1 Este texto reflete o estado atual das minhas investigações que, suspeito, diferem dos atuais interesses de
Tercio. Sempre os caminhos dos intelectuais se bifurcam, o que é bom no trabalho teórico. Mas não existe
melhor homenagem a um amigo do que participar de uma obra em sua homenagem com o melhor que se
reputa como produção presente. De qualquer forma, creio que as diferenças com Tercio são de detalhes.
Ao largo da nossa história em comum, divergimos em alguns pontos e, com o passar dos anos,
reconhecíamos sempre a razão do outro. Esses reconhecimentos são as homenagens mais sutis.
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germinar os fluxos do amor e da palavra poética. Isso, sempre que as convicções do
espírito que nutrem os corpos sucessivos não sejam tóxicas e impeçam o florescimento
das palavras do desejo. As convicções do espírito podem ser nutritivas ou tóxicas. Estas
últimas podem ser purificadas pela palavra e pelo amor do outro. A alteridade como um
filtro.
a) Corpos sucessivos é um conceito aberto que me proponho usar para mencionar a
existência de um lugar virtual na rede de intercâmbios simbólicos e vínculos que os
homens estabelecem para construir reciprocamente, nesse jogo de influências, suas
identidades, que são sempre estados relacionais. São todos os corpos que
sucessivamente passaram por mim, para constituir-me, deixando suas sementes entre as
minhas ruínas. São os corpos que configuram este corpo mulato, que é a minha
identidade. “Virtual”, o emprego aqui não como um estado ou tipo de realidade, mas
como um lugar indeterminado, uma rede de intercâmbios onde se armazenam
informações, sentimentos, dados de todos os tipos.
b) O corpo mulato é a expressão que uso para referir-me ao homem maduro, que
conseguiu sua autonomia responsável sem renunciar às partículas do surrealismo que o
permitem manter-se como cronópio em um mundo saturado de famas. É o corpo que
consegue contagiar-se pelos sucessivos corpos que o atravessam sem ser contaminado
por toxinas, apropriando-se apenas de seus nutrientes, metabolizando-se nas diferenças,
mediando sangue e seivas de outros corpos. Em contraponto, uso a expressão corpo
minguante (tomando um pouco a idéia de Almodóvar em “Hable con Ella”) para
referir-me ao homem que, por paixões e dependências desmedidas, vê seu corpo
minguar até ficar reduzido a um tamanho tão pequeno que pode entrar na vagina de sua
paixão: o corpo da devoradora. Esse corpo que, fingindo proteger-lo, o conduz a um
estado de infantilismo ou de vitimização.
c) Corpos minguantes são os dos famas (os excluídos que não se dão conta de seu
estado e seguem ordenando suas vidas por suas agendas), dos discriminados,
abandonados e danificados pelas exclusões mais aberrantes; corpos minguantes são os
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dos devorados pela cultura, pelos objetos da moda, da ideologia de consumo e pelas
trivialidades fashion, são aqueles que preferem formar parte de uma espécie
infantilizada (a espécie dos infantes perpétuos, que, como as crianças, não conseguem
compreender o alcance da palavra alteridade), ou os que, passando-se por vítimas,
procuram responsabilizar os portadores de diferenças. O corpo minguante é o do
homem reduzido em suas possibilidades de pluralidades pelo modismo do pensamento
único.
d) O corpo da devoradora é principalmente uma referência à maioria dos
componentes do sistema educacional e da administração da justiça. Corpos deformados
pelas suas instituições, que conseguem produzir o melhor elixir para minguar os corpos
(principalmente dos mulatos potenciais) que logo introduzirão em suas páginas
poderosas para atingir o êxtase.
e) Convicções do espírito é um outro conceito aberto que proponho para me referir aos
conteúdos que informam e formam os corpos sucessivos. Esses conteúdos podem ser de
dois tipos: desejantes, ou delegados ou manipuladores. Os primeiros são eco-políticos,
já os segundos, bio-políticos ou de tratamento degradante. Os primeiros são credores do
próprio destino, os segundos, disciplinadores ou exterminadores. Ambos estão
configurativos do que tradicionalmente se convencionou chamar de mentalidade ou
consciência coletiva, duas expressões de que nunca gostei; prefiro falar de corpos
sucessivos portadores de convicções. Conforme as convicções que carregam os corpos
sucessivos que me atravessaram e que continuam a me perpassar, terei mais ou menos
chances de chegar a ter um corpo mulato ou minguante. Um humanismo da alteridade,
ou uma moral de escravos (humanismo reduzido da condição moderna). O corpo mulato
capaz de pensar e sentir por si mesmo, sem necessidade de delegar essa possibilidade a
alguém ou a um conjunto representacional.
Em algum lugar da rede de comunicação, entre os corpos e suas ruínas, estão
expectantes: as convicções do espírito que podem ser imagens, idéias já estabelecidas,
objetos de moda que marcaram sensibilidades e artifícios, somados aos códigos de
existência e modalidades estilísticas para a vida, marcada através de mensagens
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publicitárias ou pelo clima fashion. Crenças do senso comum cotidiano e teórico.
Formas unívocas de entendimento, manifestações melodramáticas sobre a pátria e a
família. Fetiches persuasivos, lugares-comuns, inversões humanas. Marcas de
quadrinhos da infância, matinês de westerns e filmes mexicanos cm telefones brancos.
A imprensa do coração e dos livros de auto-ajuda, sonhos fabricados para continuar
iludindo-nos com o consumo, com a vida e com o amor.
Acabo de enumerar exemplos escolhidos de uma lista interminável de
convicções contidas em corpos sucessivos. Lugares para responder artificialmente à
pergunta sobre o sentido da condição humana. A forma pré-histórica de uma Matrix.
Claro que, também, as convicções do espírito podem conter as chaves para
apostar nas buscas do que não se percebe com o logos, mas com a sensibilidade, com os
impulsos que podemos construir para ouvir a nossa criança interior insatisfeita. Estas
convicções do espírito acompanham os fluxos de amor e a palavra para poderem
alcançar a iluminação dos enigmas, algo como o que dizem os hinduístas. Respostas,
entre as ruínas, para os desafios da liberdade. A combinação: uma mistura explosiva,
um longo caminho de comunicações que não dispensam os conflitos. A liberdade como
resultado da mediação interior entre convicções enfrentadas.
Uma cartografia muito particular de convicções do espírito circula entre os
corpos mulatos de juristas. Aqui também pode-se notar a guerra, o embate entre
convicções conflitantes que acabam funcionando como condição de significação da lei.
Os sentidos da lei são ideologicamente dialógicos (nos meus tempos de estudante, os
lógicos chamavam “falácias não formais” a esses diálogos configurativos dos sentidos
da lei). Signos construídos não sobre o império da arbitrariedade, explicitada na
semiologia de Saussure, mas sob o comando do desejo e do poder.
Convicções profundas, que, nada mais são do que a Matrix de interpretação das
leis. Os métodos de interpretação não são mais do que uma lista de esforços com os
quais se pretende esconder a sensibilidade que opera como condição renegada do
sentido das leis. Tais métodos podem esconder, inclusive, mais do que pretendiam
esconder, graças às imagens gerais que circulam configurando a imagem geral e difusa
que se tem sobre a linguagem e o pensamento (sabe-se tão pouco que, o que se sabe, se
está bem fundamentado retoricamente, parece muito).
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Parece que posso tentar mostrar que as convicções do espírito são o que
assegura o trânsito sucessivo do nosso corpo por entre as ruínas do inacessível. Elas
acabam impondo o regime de nossos “lloríqueos” (choromingo infantil, em português),
frente aos sentidos que se nos impõem, apesar de alguns de nós sabermos, em nosso
íntimo, da sua precariedade. Pensamentos e práticas progressistas que sempre acabam
por reconhecer sua impotência se comparada à virilidade fascista.
Passam os anos e continuo sentindo que sempre tenho a mesma ocupação
quando quero protestar contra a biopolítica que me impõem. Sempre estou questionando
as mesmas coisas, dando voltas, rodeios que me deixam um sabor agridoce.
Simultaneamente, sigo sentindo o fracasso e, ao mesmo tempo, uma certa esperança de
estar dando um passo adiante, ao menos para mim mesmo, para abordar, desembarcar
em terras desconhecidas, que sempre olhei de longe para conseguir penetrá-las. Sei que
não irei muito longe. Mas, dar um próximo passo é, para cada membro da espécie, um
dever político de esperança.
Meu pequeno passo não é “adânico”. Segue por uma trilha já iniciada pelo
pensamento dos tempos de 68 (principalmente Guattari, Foucault e Deleuze). Meu
pequeno passo vai mostrar o valor da multiplicidade, que vai além de distinções como
consciente e inconsciente, natureza e história, corpo e espírito, animalidade e
racionalidade. Multiplicidades são o real concreto, que não supõe nem suporta nenhuma
unidade, não comporta nenhuma totalidade. Expandem-se rizomaticamente. Os
elementos de uma multiplicidade são singularidades. Suas relações, devires e seus
acontecimentos são individuações sem sujeito. Além de afirmar que seus planos de
realização são metas, quer dizer, intensidades contínuas (atravessadas por vetores que
constituem territórios e graus de desterritorialização). Um passo que mude o olhar e
rompe, simultaneamente, com ambos os tipos de convicções. Uma morte da ontologia.
Apenas devires que vão se expandindo, devires perdidos, bloqueados, abortados.
A concepção do multívoco, concordo com Deleuze e Guattari, inaugura uma
outra semiologia, uma nova perspectiva sobre a semiótica que altera todas as áreas de
produção dos saberes consagrados, desde a psicanálise até o Direito. É uma crítica forte
e uma proposta de abandono da representação e do significado (eles se produzem no
acontecimento, não se representam). A rejeição total da interpretação, que os autores
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que me servem de apoio consideram a maneira moderna de crer e ser piedosos. O que
acaba por aparecer como possibilidade é a produção de acontecimentos singulares e os
mecanismos para poder fugir deles.
Ao reler o que estou escrevendo, sinto que vou desaparecendo deste ensaio.
Estou apagando principalmente as marcas da memória daquilo que fui, principalmente
como escravo erudito da instituição universitária, ou um escriba metido dentro de uma
batina laica. O que produzi no passado, se teve valor datado, se foi útil para seu
momento, agora não serve mais. Preciso construir, com suas ruínas, algo diferente,
transitório. Me desterritorializei de muitas coisas. Eu não sou, mas sou. Os sentidos que
meu corpo emitiu ou emite não tem órgãos. Um ensaio, como este, só existe enquanto
espaço de metamorfose.
A sensibilidade não é representativa. Em geral, a pragmática, em todas as suas
manifestações, não é representativa, também não é conceituável. As conotações são
marcas d'água que expressam algo mais além da representação, revelam o silente, o
inaudível da linguagem. O não dito que diz mais que o dito. Para a sensibilidade, a
semiologia é inútil. É um absurdo pretender traduzir a uma metalinguagem
representativa qualquer reflexão sobre os acontecimentos sensíveis. O sensível se sente
e se desfruta sem comentários. Em certo sentido, trato de dizer, ainda que só o consiga
por fagulhas, que o mais importante de uma linguagem não passa pela representação,
que é sempre um esquema reducionista. Preciso escutar o outro no silêncio de seus
ditos. Para isso, preciso saber escutar e entender a mensagem dos corpos. A linguagem
que me dá vida, que me torna vivo, está depositada em meus corpos sucessivos, nos
vínculos rizomáticos dos corpos.
Em geral, a linguagem é uma comunicação de standards, com uma carga
interpretativa que se pretende afirmar desde uma neutralidade sem surpresas. Isso, há
muito tempo, deixou de me interessar. Prefiro surpreender a fala, a um texto, a uma
comunicação discursiva, sempre além do estandardizado. Estabelecer o que Barthes
chamo o puntum, algo que muda o sentido introduzindo uma novidade no
deslocamento2. Nós escutamos a fala desde momentos e incidências de angústia, alegria,
2 Nota do tradutor: no original, o termo utilizado pelo autor foi “desplazamiento” e deve ser
compreendido a partir do seu significado para a psicanálise.
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tristeza, desde o desamparamento, querendo que o que escutamos sirva de útero. Essas
sensações significativas são instantes fugazes de sentido, que nos atravessam, deixando
em nosso corpo animal apenas ruínas de seus significantes invisíveis, agenciados pelas
emoções, pelo desejo, pelo traumático em nós instalado pelo fato de vivermos.
A semiologia que se ocupe dos vazios da linguagem e o que eles comunicam
está, porém, em vias de construção. Falta. Proponho-me chamá-la, na ausência de um
nome melhor, de semiótica das incógnitas. Seria um agenciamento expressivo que
funcionaria fora da órbita suspeita de uma semiologia que se pensa científica sabe-se lá
porque (exceto para o desejo do neutro). Uma quimera. Trata-se de uma fala das
linguagens, se resolvo essas incógnitas, não preciso falar sobre elas. Daí se depreende a
inutilidade da semiótica.
Como Barthes e muitos outros companheiros surrealistas, sou um
semioanarquista que me deleito com o azar de minhas escolhas bibliográficas que
fundamentam as minhas idéias. De Cortazar a Nietzsche. Nunca as instituições me
convocaram com suas recomendações bibliográficas. Prefiro detestar-las. Não tenho
mais consciência paradigmática, só tenho má consciência semiótica. A relação de
qualquer ser humano, se se sente mais intelectual ou apenas mais um membro da
espécie, é amorosa e passional. O destino da linguagem, que é sempre passional, é por
essa mesma razão ingovernável, sendo assim, se inutiliza a semiologia e eu a semiótica,
em todas as suas dimensões. Nos movemos dentro de agenciamentos de puras
sensações. Se aceitamos isto, a história dos esforços da razão fica reduzida a um sorriso
burlador, sarcástico, uma ironia. A partir desta nova perspectiva, o neutro não é mais do
que uma ausência de supostos valorativos diante do abismo que angustiará para sempre.
Para mim, e eu discordo de Barthes neste ponto, o neutro é o que preocupa por
desbaratar os signos em relação ao seu sentido.
A linguagem é sempre delicada. Por isso se ofende diante das repetições inúteis.
A filosofia, a representação, a ciência, não são mais do que ofensas à linguagem.
A linguagem é, para o homem, um ambiente biológico, aquilo pelo qual e no
qual ele vive. Mas como um homem vive gregariamente, vai produzindo agenciamentos
de linguagem que transcendem o contorno biológico e se manifestam, diríamos, como
natureza. Quer dizer, ao invés de responder à necessidade de vida, respondem a
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necessidades de uma expropriação política da vida. É a biopolítica de que falava
Foucault manifestando-se como linguagem. Nesse caso, devemos falar de “ideosferas”.
Elas são linguagens que internalizamos fantasmagoricamente. Seguindo abaixo,
poderíamos dizer que a linguagem como ideologia são fantasmas significativos.
Significantes que não veiculizam sentidos, mas convicções.
As ideosferas, os significantes convictos (que veiculam convicções) têm a
tendência de converterem-se em doxa, quer dizer, num sistema particular de linguagem
que é vivido pelos usuários como um discurso universal, natural, evidente. Um
aniquilamento dos dogmas individuais, substituídos pelos dogmas nacionais, patrióticos.
O paradigma moderno viveu seu desenvolvimento alimentado pelo desejo de diferenciar
a doxa da episteme. O que foi um profundo fracasso. Uma embriaguez que facilita a
fuga do sensível.
1.3. - A economia de consumo e de produção a alta velocidade de todos os tipos
de artigos de moda, enquanto fabricam, por meio da educação, uma Matrix, um sono
simulado, servem para que as mentes ou a subjetividade em ruínas possam seguir
iludidas com a vida, com o consumo e com o sol. Para o ser humano, livrar-se da Matrix
adquire a dimensão de um desafio religioso até a busca do si-mesmo perdido. Uma
busca desafiante que começa pelo questionamento da concepção educacional que
governou durante toda a condição moderna, com algumas linhas de fuga, que marcaram
a tendência de um certo desvio da opressão imposta pelo modo em que se
institucionalizaram os saberes.
Estou juntando escola e meios de comunicação de massa considerados protótipo
para marcar uma tendência privilegiada, que faz da educação uma maneira de
discriminação e exclusão social. Com distintas estratégias e apelando a diferentes tipos
de elementos e objetos de moda, a educação foi se encarregando, reservou a si a tarefa
de ir criando uma rede sólida de convicções fetichizadas e atitudes idolátricas,
principalmente em torno de uma razão abstrata vangloriada como a melhor conquista do
ocidente. Os muros da razão. Uma razão que foi consolidando uma determinada forma
de nos enganarmos sobre o mundo, criando a virtualidade da razão abstrata. Uma razão
comunicada por meio de signos que ao mesmo tempo que veiculavam os conceitos
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virtuais se impunham como fetiches, lugares comuns a idolatrar. Democracia, Estado de
Direito, Direitos Humanos, para dar apenas alguns exemplos.
Dissemos que a televisão nos distancia até dela própria, porque nos faz diminuir
a nossa sensibilidade a ponto de nos fazer desaprender a olhar o mundo, só conseguimos
olhá-lo através de uma forma mediática que aniquila os conteúdos e os contrastes. Em
oposição, diz Lyotard, a obra pictórica nos desafia a revelá-la. É como se eu lhe dissesse
que demorarás para compreendê-la. O que Lyotard disse sobre a pintura, podemos
generalizar para todos os produtos estéticos.
Pode surpreender que se esteja chamado de virtual à razão abstrata da condição
moderna. Mas, se repararmos que podemos atribuir ao termo virtual o sentido de ser um
lugar inefável, não-localizável, onde as palavras se encontram em estado de nirvana à
espera de renascer em qualquer sequencia de corpos sucessivos, não cabem dúvidas
sobre a possibilidade de se aplicar esse conceito de virtualidade para todas as
manifestações da razão cartesiana. A metafísica é a primeira virtualidade criada pelos
modos grego para compreender o mundo. Podemos continuar conosco e o Direito,
então, em uma nova grande referência para a virtualidade. Não podemos negar que as
ilusões criadas pelo universo conceitual dos juristas tem muito mais de virtualidade do
que de realidade. O virtual é um fazer de contas simbólico, do qual a razão abstrata não
escapa, ao contrário, o reafirma. A concepção educacional sustentada pela ideologia da
escolaridade não faz mais do que consagrá-la fabricando as bases internas para que
essas ilusões possam fazer pé no escorregadio terreno da alma humana. É nesse fazer de
contas simbólico que se assentam e se fundamentam as argumentações, as falácias não-
formais.
Em seguida, vem o declínio da condição moderna, a sociedade disciplinar, o
consumismo, a triviologia fashion que vai tomando conta do paradigma moderno para
reduzi-lo a esse momento crítico. Dobradiças do mundo, o ponto crítico de um
raciocínio falho, que terminou em ceticismo e na falta de sentido da vida da espécie.
2 - Quando falo de consumismo, quero dizer uma forma de fetichismo e de
ideologia, uma ideologia transformada trivialogia, uma lógica canibal que está tomando
conta de tudo que toca para reduzi-lo, para colocá-lo sobre os contornos que controla ou
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territórios que habita. Já faz tempo que o consumismo transcendeu o espaço de
supermercados para começar a adquirir o lugar de mundo de uma visão substitutiva e
imbecilizante. Uma lógica que, no momento, está instalada no centro da produção de
sentido da sociedade mediatizada, quer dizer, no campo comunicacional da tecno-
cultura. Abrindo um parêntese, direi que se entende por mediatização os processos de
articulação das instituições sociais com os meios de pós-comunicação de massas, como
instância de produção de bens simbólicos culturais e educacionais, mas também de
contaminação e escolarização da realidade. Um mix de realidades virtuais que vão se
integrando a nossas convicções de espírito.
Em seguida, vem o declínio da condição moderna, a sociedade disciplinar, o
consumismo, triviologia fashion que vai tomando conta do paradigma moderno até
reduzi-lo a esse momento crítico, ponto crítico de uma racionalidade viciada, que
terminou em ceticismo e na falta de sentido da vida espécie.
Quando falo de consumismo, refiro-me a uma forma de fetichismo e de
ideologia, a uma ideologia transformada em trivialogia, a uma lógica canibal que vai se
apoderando de tudo aquilo que toca para reduzi-lo, para colocá-lo sobre os contornos
que controla ou territórios que habita. Já há muito que o consumismo transcendeu o
espaço de supermercados para começar a adquirir o site de uma visão de mundo
substitutiva e imbecilizante. Uma lógica que, nesse momento, está instalada no centro
da produção de sentidos da sociedade mediatizada. Quer dizer, do campo
comunicacional de tecno-cultura. Abrindo um parêntese, direi que se entende por
“mediatização” os processo que articulam as instâncias sociais com os meios de pós-
comunicação de massas, como instância de produção de bens simbólicos culturais e
educacionais, mas também para a contaminação e culturalização e escolarização da
realidade. Um mix de realidades reais virtuais que se vão integrando a nossas
convicções do espírito.
O consumismo impõe o fashion como triviologia. Signos fetichizados sem
conteúdos persuasivos, unicamente configurativo de uma cultura de frenesi envolvente
para que ninguém pense. Um manto de banalidades que nos protege com uma suavidade
que acaba confundindo sabedoria com o embrutecimento que produz. Compro, logo
existo. Corpos minguantes que adquirem a ilusão de identidade reconhecendo-se como
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marcas. Encontrei-me comigo mesmo fumando um Malboro. Meu desejo de
identidade confundido com as marcas que consumo. Um consumo que, até mesmo, nos
consola da exclusão, apagando os vestígios daquilo que é verdadeiramente a causa da
exclusão. “Isto usam os sul-americanos”, dizem em alguns países da União Européia;
“isso é o que compram os ‘bolitas’”, dizem os incas de Boca, em Buenos Aires. O
consumismo exclui qualquer experiência anterior, qualquer diálogo com o outro,
qualquer circuito de corpos sucessivos, uma vez que nos propõe esperar tudo da compra
de um objeto, um espetáculo de rock, ou da troca de um automóvel. O consumismo
somente nos forma para nos alienar de nós mesmos, seu valor existencial ou pedagógico
é nulo. Seu valor como suporte persuasivo, de manipulação e de aceitação cega de
argumentos, contudo, é altíssimo.
A grande armadilha do consumismo está no fato de que todos nós estamos tão
envolvidos nele que não nos damos conta dos seus efeitos destrutivos. Suaviza também
aos críticos. Impõe a sua presença em todas as áreas, inunda os processos pedagógicos.
Aqueles que procuram aprender não se subtraem às embalagens consumistas. Aqueles
que tentam ensinar, menos ainda. Todos contaminados por um sagrado fashion, que
impossibilita o encontro com a alteridade, com o desejo, com os valores, enfim, com
qualquer via de espiritualidade. Quantos são os que conseguem desligar a televisão ou
deixar de passear pelo shopping? O consumismo é uma forma miserável de privar-nos a
nós mesmos que agrava as conseqüências do modelo de ensino que predominou ao
longo do Estado Moderno. Quantos são os que vão a uma sala de aula com o “discman”
ligado? Como se pode, nestas condições, estabelecer o diálogo? Não podem estabelecer
diálogo os que não se despojam de seus objetos de fetiche. Com essa ideologia em
mente, é ainda mais difícil encontrar os caminhos para o si-mesmo. Trata-se de um
recurso fantástico para a ideologia da escolarização. Somos nós a maioria dos homens
presos a um devir infanto-consumista. Nessa prisão, ninguém escuta a um Mestre.
Devemos esvaziar, primeiro, a casa carregada de objetos com energia consumista, senão
ela nunca se tornará hospitaleira. Sem desfazer o malefício consumista, não poderemos
tentar nenhuma pedagogia do amor, da alteridade, do diálogo. Os muros da
Universidade foram fortalecidos.
Quando se fala de muros, temos que tomar em conta que não estamos nos
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referindo a uma divisória que demarca o “dentro” e o “fora”. É óbvio que a educação
está comprometida com o processo de coesão social e suas distorções. Estamos nos
valendo da força da expressão de um muro onde o exterior penetra para dentro das
quatro paredes da Universidade. Mas, não se trata de um exterior condicionado por
convicções libertárias; aquilo que entra, vindo de fora, são as convicções alienantes, o
consumismo, os primeiros esboços de uma Matrix que se instala como ilusão que torna
o outro e o mundo virtual. A alienação não está a extramuros das Universidades, mas no
modo de ser daqueles que nelas irão se formar e dos professores que nelas ministram
suas aulas magistrais. Hoje, na Universidade, os estudantes sequer têm a cabeça vazia
para ser carregada de informações e, além disso, consomem realimentados pelos
companheiros e pelos professores, que cada dia podem saber menos, ser iletrados,
menos criativos e mais burocratizados. Mas em uma coisa são competentes: em
retransmitir a ideologia de consumo que têm impregnada em seu corpo. Presenciei isso
no Direito que, creio, antecipou o consumismo através das formas de dogmatismo. Com
o consumismo sucede o mesmo que com a ideologia jurídica e seus fetiches: todos
sabem do que se trata, mas não se consegue dela escapar.
2.1 - Não tenho mais nenhuma dúvida que me impeça de afirmar que o destino
da educação não passa por nenhum tipo de saber erudito, senão pela ajuda na construção
das identidades. Aí está o grande ponto crítico, já que o modelo educacional foi
construído em contraposição a esse destino. Ao invés de contribuir para a formação de
identidades, colabora ou influi para torná-las minguantes.
Tampouco tenho dúvida para sustentar que o processo educacional tem que ser
visto, antes de tudo, como um fenômeno comunicacional, um espaço de comunicação,
sem ruídos, sem muros.
O sentido da comunicação sempre foi oscilante entre a retórica e a dialética,
entre o monológico e o dialógico. A especificidade do seu poder, a subjetividade que
condiciona sua fixação, as vinculações entre mídia e arte, a narrativa telenovelesca
como matriz melodramática da informação às ficções virtuais que veicula a televisão,
assim como as mutações de identidade pessoal que os chamados “meios de
comunicação de massa” produzem. Discutiram-se suas dimensões normativas e
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políticas, seu caráter democrático ou totalitário. Mas quase não se acentuou a questão do
valor educacional da comunicação. Por quais modos a comunicação deve ser usada para
educar e não apenas para criar a sensação de estar educando, quando na realidade se está
desinformando (no sentido desestruturador ao que se pretende comunicar para
aprender). A comunicação não é um espaço onde se aprende. Para que esse espaço
possa cumprir essa finalidade requer-se certas condições que, honestamente, creio que
não são dadas dentro do modelo educacional dominante. Penso que o espaço
comunicacional para ajudar a aprender tem que ser carnavalizado, dialógico e
antropofágico, não sustentado por argumentos que simulam ser verdades e falácias não-
formais que nos convencem de que a ilusão é realidade objetiva.
Face o enfraquecimento das relações comunicativas entre os indivíduos, que
reprimem a ética em favor de uma forma organizacional baseada na tecnociência e no
mercado, Habermas pensa sobre a possibilidade de um racionalismo substancial da
ação comunicativa (por meio de avaliações discursivas, que levariam os sujeitos a
orientar suas ações sociais baseando-se num sentido comunitariamente compartilhado).
Penso mais ou menos o mesmo. Eu falaria de denominadores comuns, produto de
diálogos; falaria de mediação como instrumento ou modo de realização das avaliações
discursivas. Uso outra terminologia para apontar a mesma alternativa. No fundo, trata-se
da mesma denúncia. Habermas fala de retração da ética. Heidegger dos modos de
decadência, da existência inautêntica (fuga de si mesmo, curiosidades artificiais,
verbosidade). Eu falo sobre a ideologia da moda, o consumismo, a banalização do
simbólico.
Com base na psicanálise, poderíamos dizer que quando se trata de
enfraquecimento da ética, pode-se estar fazendo referência a um enfraquecimento do
inconsciente como uma dimensão do sentido que está ao cuidado de um outro, e o qual
não podemos acessar sem interpretar esse lugar do outro. O inconsciente como lugar de
uma ética debilitada é paulatinamente substituído pela matriz ideológica do
consumismo, que põe uma Matrix de indiferenciações virtuais que distancia ainda mais
os emissores comunicacionais do domínio das mensagens que produzem. São ainda
menos donos e senhores daquilo que dizem do que nos momentos de maior liberdade do
inconsciente. O fenômeno do consumismo nos fazer perder para o inconsciente a nossa
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liberdade de influir, sem sermos advertidos na comunicação entre os indivíduos. O
homem disposto à comunicar-se nunca pode ter controle total sobre o que diz, porque
não domina sua causalidade interna, muito menos nos momentos em que se pretende
instalar uma Matrix de controle das ilusões.
A proposta de uma teoria psicanalítica da comunicação humana é a de ajudar o
homem a comunicar-se consigo mesmo. Esta reorientação é essencial para os processos
de comunicação educacional. O processo de educar começa por ajudar o outro a
comunicar-se consigo mesmo. E isso é o que menos sabemos; é o com o que menos se
importa a educação tradicional. No modelo tradicional, reforça-se a necessidade de
aprender a ouvir o professor. Ensina-se a aprender a escutar uma mensagem estruturada
como se fosse possível uma comunicação monológica. A comunicação só pode ser
dialógica. O monológico é imposição de mensagens. É um modo de manipulação, não
de comunicação. A transmissão impositiva ou persuasiva de fetiches não pode ser
comunicativa. Nesta questão estou marcando diferenças com outros pontos de vista. A
transmissão monológica não seria, conforme o que estou afirmando aqui, comunicativa.
Nessa perspectiva, os meios de comunicação de massas e os de pós-comunicação de
massas não comunicam. Esta é uma problemática central das atuais teorias da
comunicação, preocupadas por debater as novas formas de discursividade engendradas
pela tecnologia avançada da informação. Poderia afirmar aqui que sem uma dimensão
estética, amorosa, poética, essas formas de discursividade não comunicam. Nem toda
discursividade é comunicativa.
Estamos começando a falar sobre o impacto de uma nova cultura burguesa pós-
massa. Neste momento, temos a cultura das relações capitalistas globalizadas. A
educação não está fora dessa cultura? Depende da concepção de educação. O problema,
no fundo, passa em saber se permitimos que nossas ilusões sejam controladas por uma
Matrix ou por nossa reserva selvagem. No segundo caso, mais do que ilusões, devemos
falar em sonhos comandados pelo desejo.
Em suma, se o nosso compromisso é com uma universidade responsável, e essa
responsabilidade está embasada na ética, esta última tem que ser adjetivada pela
alteridade. Não se trata de qualquer ética, muito menos que funcione como fetiche
disciplinador e excludente. Não nos esqueçamos que também podem existir processos
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de exclusão efetuados em nome da ética e de sentidos de ética, que, apesar de sua
aparente boa intenção, terminam produzindo efeitos de barbárie e exclusão social.
Falar da educação como uma concepção baseada na necessidade de contar com
um docente que sirva de facilitador para que as pessoas possam reencontrar-se com a
possibilidade de comunicar-se consigo mesmas, implica propiciar uma concepção de
educação sustentada por uma prática de docência terapêutica ou uma pedagogia
“terápica” (prefiro propor esse nome como substitutivo de terapêutica). A diferença
substancial entre esta concepção e a pedagógica dominante está em que esta última
pretende informar, rechear nossa cabeça e nosso coração de informação e de razões para
fundamentar o mundo. A docência terápica, ou a pedagogia do amor, como sempre a
chamei, teria como principal aspiração ajudar a trocar. Chaves psicológicas para um
homem e um mundo melhor em termos de eco-política. Um retorno ao sentido
originário da filosofia, seis séculos antes da era cristã. Ali a filosofia não era a busca
pelos fundamentos da realidade ou da verdade, senão uma arte para viver melhor. A
filosofia como arte da vida, como caminho para viver em harmonia e alcançar o
autodesenvolvimento pleno. Uma filosofia que nos ensine que tudo que se pode dizer
sobre a verdade não é verdade. E que tudo que se diga sobre o amor como busca de seu
sentido carece de sentido, porque como sentimento, o amor só pode ser sentido. É
necessário aprender a sentir-lo e não aprender a pensar sobre ele. A pergunta não é “o
que é o amor”, senão “como posso senti-lo”.
A filosofia da Grécia antiga era consciente de que as divisões entre teoria e
prática, conhecimento e transformação, não tinham nenhuma razão de ser. Apontavam a
uma mente bem formada, clara, lúcida, que em si mesma nos ajudaria, que seria uma
fonte de libertação interior e de transformação profunda. Uma filosofia que deveria
realimentar-se com o compromisso cotidiano, com o próprio conhecimento. Uma mente
clara serve para liberar-nos das intoxicações externas, das convicções solidificadas por
contaminação. Uma mente libertada para os contágios. Uma educação que nos ajude a
encontrar-nos com a sabedoria e não com o saber de informações e domínios. Uma
educação que trate de liberar-nos dos saberes de busca da sabedoria. Que nos ajude a
esvaziar a casa dos objetos do consumismo, a infantilização e vitimização do homem. A
educação para a sabedoria, para o amor. A firme convicção de que sabedoria, amor e
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vida são um tripé em que se apóia nossa liberação interior. Esse tripé nos remete a outra
concepção de filosofia, de uma filosofia que se faz terapêutica por excelência e se
brinda como remédio liberador e capaz de curar as enfermidades da alma, infantilismo,
vitimização (autodeterminação de um “eu” como “culpado”).
Quando falo de sabedoria como objeto educacional, como meta da pedagogia
ajudar o outro a aprender a ser sábio, estou me referindo: primeiro, à necessidade de
desaprender o aprendido como informação, erudição e modelos de verdade,
esquecendo-se da informação científica como lugar de idolatria: a sabedoria como o que
se recorda e depois se esquece; segundo, como expressão do potencial humano,
principalmente do potencial amoroso; terceiro, como meus entendimentos inseparáveis
da experiência cotidiana mais vivencial do que racional, mais inspiradora do que
explicativa, mais antropofágica do que descritiva, algo que precisa ser mais entendido
do que explicado demonstrativa ou dialeticamente.
A sabedoria como a chave para derrubar muros. A universidade constrói seus
muros baseada nos seus saberes. São muros que, por outro lado, podemos dizer, são
construídos para preservar ou aprisionar seus saberes. Derrubar os muros é liberar nosso
entendimento para que possa ir ao encontro da sabedoria. Portanto, para falarmos de
uma nova concepção educacional é necessário que paremos de nos referir às maneiras
para obter e comunicar conhecimentos, saberes, e passar a falar das formas de conferir à
experiência um novo estado: o de se tornar a cada dia mais sábio. E tornamo-nos cada
dia mais sábios quando conseguimos escutar a nós mesmos, conhecer a nós mesmos e
ao lugar que ocupamos na comunidade e no mundo. Essa sabedoria que consiste em
entender que entender-se a si mesmo é a única forma de felicidade e de transformações
possíveis.
Somente os sábios conseguem não ser manipulados pelos argumentos e pelas
virtualidades.
A universidade com muros nos transmitia uma idéia de filosofia confundida com
epistemologia, e cada vez mais como um reduto, um gesto reduzido para especialistas
muito inteligentes, um clube privado para inteligências VIP. Um lugar sagrado,
reservado para deuses laicos e dos quais somos proibidos até mesmo de ver o rosto.
Como Deus proibiu aos judeus de ver seu rosto. Aos deuses da filosofia só podemos
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acessar pela interpretação, mas os leigos nem o rosto deles consegue ver. A filosofia é
preciso ler e interpretar. Não podemos conviver com eles. A condição do poder de seu
saber é não ter consistência cotidiana nem um convívio afetivo. Assim, a filosofia está
longe da Didática terápica. O amor da filosofia é ao saber e não ao outro. E tudo isso
porque, no modelo dominante de filosofia e de educação, a verdade é um lugar
inacessível aos leigos. Unicamente tem acesso a esse lugar sagrado os sacerdotes, que se
comunicam oracularmente. Com o passar do tempo, muitos deles foram se convertendo
em mafiosos com territórios demarcados.
2.2. - A didática terápica baseia-se na busca da sabedoria, na logoterapia - ou
terceira via ou terceira escola vienense de psicoterapia, como o seu criador (Victor
Frank) propôs chamá-la. Trata-se de uma concepção da psicanálise que aparece como
uma alternativa à visão positivista ortodoxa da psicanálise. Um ressurgimento da
filosofia da Grécia antiga, somada a algumas experiências em campos de concentração
nazistas (Frank sobreviveu a quatro campos de concentração). É uma terapia didática
baseada em um humanismo da alteridade. Frank vê a logoterapia como algo que se
desloca do método psicoterapêutico para promover uma oferta para que pessoas de
qualquer condição, considerando a sua condição de vida, sua estilística, seu próprio
estilo de vida, dirijam-se da melhor forma possível até aquilo que para elas faça sentido,
para o que é razoável e ético. A busca da felicidade como sentido. A busca da
serenidade que se pode obter quando temos a convicção de que estamos seguindo pelo
caminho que escolhemos. O logoterapeuta, o mediador, o professor que aderiu a essa
corrente, considera o outro a quem oferece sua ajuda como um indivíduo que porta
dificuldades no seu projeto de auto-realização. Pessoas que ainda não se deram conta do
seu próprio desejo de lugar, do lugar no mundo que desejam para si. Pessoas que não
aprenderam a escutar a si mesmas para saber qual caminho seguir para desenvolver suas
potencialidades, e que sequer compreendem que potencialidades possuem. Ajudar a
compreender a partir da experiência e não de bibliotecas infinitas e sem saída, ajudar a
entender o vínculo entre experiência e o modo próprio e irrepetível de sentir-la desde e a
partir da própria sensibilidade. Uma ajuda a experiências pessoais e irrepetíveis que não
devem ser contaminadas por seitas, dogmas ou grupos que fazem da espiritualidade um
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produto de consumo. A liberdade interior, a autonomia individual, é algo que nunca
pode ser convertido em fetiche, em mercadoria. A sabedoria renega intermediários.
Confundimos os facilitadores com intermediários. Mediar não é intermediar.
O sentido da vida são as múltiplas formas com que tratamos de nos aproximar
interpretativamente do mistério do amor. Um mistério é sempre um lugar vazio proibido
de ser acessado, a que nos referimos por interpretações aproximadas, que são os
sentidos do mistério. As normas jurídicas e as verdades também são lugares de mistério,
fazem parte do leque mistérios da condição humana. Mas pensar que a vida é algo que
não possui sentimento é coisa da depressão. Os deprimidos pensam que a vida não tem
sentido.
A logoterapia aborda e denuncia um tipo particular de depressão, a intelectual
(noogen), que pode ser definida como a frustração espiritual, existencial de uma pessoa
que se desespera porque não vive segundo os ditados de sua verdadeira e melhor forma
de ser. Basicamente, para ajudar, a logoterapia convida as pessoas a voltar a serem
realmente pessoas. Um convite a mudar os pontos de partida, fazê-las ver que têm que
deixar de sentir que já passaram por todos os trens que as poderiam levar a alguma
direção.
Filosofia, sabedoria, logoterapia, vida, amor, todas palavras em conjunção para
aprender a viver; matéria-prima para o aprendizado da vida; matéria-prima para uma
universidade sem muros, que é outro modo que emprego como sinônimo de
universidade da vida. Sem esses componentes, a comunicação dialógica, carnavalizada,
será impossível.
Sabedoria é entender que os sonhos se alimentam com amor e imaginação
criativa e não com as ilusões de um homem ideal, perfeito, que se acredita perfeito no
interior da Matrix.
3 - O que aconteceu foi uma mudança radical na concepção lingüística
comunicacional. Do signo como representação passamos à imagem como signo. Trata-
se de uma mudança cultural brutal. O que resta é a busca do caráter abstrato do sistema
de signos, dos conceitos que se convertam em núcleo da linguagem representacional a
imagem abstrata e perfeita da linguagem tecno-cultural. De qualquer forma, continua
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existindo uma relação entre duas séries infinitas de elementos: a da realidade real e da
linguagem. São duas séries oraculares, séries de significantes que podem veicular
infinitos sentidos. A virtualidade sempre foi uma presença cultural, o que mudou é que
antes a virtualidade era da ordem da representação e agora da imagem. Mas, em ambos
os casos, deu-se uma fusão ou uma imbricação com a realidade, que não deixa de ser a
última das virtualidades.
A grande complicação da condição moderna foi a busca do homem ideal, que
teve um impacto sobre todas as buscas. O parceiro ideal no amor, conceitos ideais na
metafísica, as ilusões ideais da mulher ideal no amor, a verdade ideal na ciência, a
democracia ideal, o Direito ideal (tipos e tudo o que se refere a segurança). Agora, a
grande quebra cultural da modernidade tardia prossegue na busca de identidade. Feridas
suficientes, a busca pelo homem ideal transformou-se na questão da busca de uma
realidade ideal, construindo múltiplos ideais através de um tipo especial de imagens
substitutivas.
4 - Universidade sem muros é uma força de expressão que não podemos
engolir sem mastigar, que devemos devorar antropofagicamente antes de engolir. Uma
força de expressão, não me canso do apontar, nunca pode ser interpretada linearmente.
A sociedade sem escola foi uma tendência de moda nos anos 60. Falar de uma
universidade de muros é propor uma transformação radical na concepção educacional,
uma proposta de reinvenção da cultura educacional.
O século XX se postulou como uma esperança triunfadora sobre a ignorância, a
guerra, a violência e a multiplicação de genocídios, esperança alimentada pelos avanços
da ciência dos diferentes saberes e a generalização das ilusões democráticas. Como todo
gênero, tudo o que postulava o fazia como superação em um grau nunca antes
imaginado. Inclusive, muitas das palavras idolatradas pela razão da condição moderna
terminaram o século com uma carga de sangue impensável nas origens do
cartesianismo: ao invés de criar condições ótimas de humanização, otimizaram as
condições de barbárie escamoteada por uma exaltação idolátrica aos Direitos Humanos.
O modelo educacional hegemônico da condição moderna sustenta a
possibilidade de ensinar. Pensa-se, nesse modelo, que ensinar é impor conhecimento.
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Ensinar, para o modelo da modernidade, é impor, invadir, doutrinar, disciplinar,
controlar, inumanizar. Ensinar é um formar o homem unidimensional de que falava
Marcuse. Os que simulam ensinar, escolarizam ao invés de humanizar. A educação nos
tornou inumanos como condição de controle. Os que tem pretensões de ensinar somente
conseguem institucionalizar valores de opressão, que contaminam dependências
emocionais nas relações pessoais e institucionais, e isso começa a nos tornar inumanos.
No sentido mais forte, tornar-nos inumanos significa perder o senso de alteridade e da
estilística da existência, os dois pilares da nossa identidade.
Ninguém educa ninguém. O que educa é a possibilidade de estabelecer uma
comunicação dialógica, estabelecer um diálogo entre educandos e educadores. Educar é
estabelecer a possibilidade de construir um diálogo, fazer circular a palavra que
podemos escutar num entre-nós do diálogo entre educador e do educando (o sentido está
nesse entre-nós da linguagem e da realidade real).
5 - Finalizando e resumindo o que foi até aqui apresentado:
Temos, primeiramente, que nos colocar diante de uma atitude desconstrutiva da
concepção educacional hegemônica. Uma crítica e não o exercício de uma censura, que
é outra forma de barbárie. A crítica como desconstrução exige que formulemos uma
pergunta inicial que funcione como ponto de partida. Para esse caso, escolhi começar
perguntando-me sobre como é possível realizar uma educação desde e para os direitos
humanos. Essa pergunta, imediatamente, a reformulo nos seguintes termos: como
podemos ter uma educação para evitar a exclusão social e ajudar os excluídos a
reinserem-se socialmente? Como educamos para a reinserção social? Tratar-se-ia de
uma pergunta nevrálgica, dado que o ponto critico do modelo educacional predominante
na contemporaneidade é um modelo de barbárie que provoca diferentes modos de
exclusão, discriminação e esquecimento social, que vai se agravando em uma
assustadora espiral crescente.
Tal pergunta obriga-nos a adentrar num terreno de alta complexidade, já que
temos de começar admitindo que a concepção educacional não é um fenômeno isolado
de resposta da razão bárbara, ou melhor dizendo, está inscrita no paradigma da
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modernidade, que provocou, dentre os seus efeitos perniciosos, o de haver generalizado
uma razão bárbara. Se isto for admitido, devemos afirmar, então, que estamos diante de
uma tarefa de desconstrução múltipla, em que temos que atacar ao mostro da barbárie
decapitando todas as suas cabeças, porque se uma permanece intacta, muito
rapidamente provocará a regeneração das outras, reaparecerão todas as cabeças
cortadas. Assim, temos que efetuar o ataque desconstrutivo simultaneamente sobre a
concepção jurídica, científica, ética de Direitos Humanos e de alteridade da condição
moderna. Todas elas são responsáveis simultaneamente, tem uma quota de
responsabilidade sobre todo o sangue derramamento no século XX. Os genocídios e os
semiocídios do século XX são responsabilidade da condição de barbárie do paradigma
moderno. A barbárie interna à razão moderna é, em grande medida, responsável pelo
sangue que manchou as grandes utopias que romperam o paradigma que estou julgando
neste texto. Poderíamos dizer, encerrando o argumento, que a barbárie escondida na
razão abstrata fez metástase em todas as concepções do paradigma moderno.
Dito isso, vou situar-me na Bíblia para fazer uma leitura ideológica que me
permitirá mostrar que no texto sagrado, que é mito fundante do ocidente, encontra-se
uma condenação ao saber. Ali se estabelece que é pecado, e um pecado original, sair da
ignorância. Deus condena o esforço do homem por sair da ignorância. Por esse esforço,
Adão e Eva perderam a possibilidade de continuar no paraíso. Por outro lado, Deus
perdoa Caim pela morte de seu irmão, transmitindo como mensagem sua apreciação de
que o extermínio do outro não é pecado, carece de gravidade. Esta leitura não é
religiosa, mas trata de ver a Bíblia como um mito fundante. Dos antropólogos, aprendi
que fazendo uma interpretação dos mitos fundantes podemos aproximar-nos, em parte,
do núcleo de inacessibilidade da conduta dos homens de uma determinada sociedade
nos momentos ou situações contemporâneas. Os homens estão marcados em suas
condutas e em suas relações com o outro por esses mitos fundantes. Não importa
acessar os desígnios inacessíveis de Deus. Importa acessar, no que as interpretações
permitem, ao inacessível do outro que convive comigo no presente. Esse outro está
condicionado, quase sem defesas, nas convicções secretas do mito fundador.
O mito também me permite construir uma provocativa força de expressão: Deus
foi o primeiro que violou os Direitos Humanos, foi ele que autorizou a sua violação.
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Esta força de expressão me leva também a outra, forte e forçante na argumentação: o
modelo educacional vigente é ele mesmo uma violação aos Direitos Humanos. É um
modelo que nos condena à ignorância e à exclusão. Quando falo aqui de ignorância
refiro-me a uma educação que nos veda o acesso à sabedoria. Não estou me referindo à
ignorância como ausência de saber, refiro-me a ela como uma ausência de sabedoria.
Afirmo aqui àquilo que foi mimicamente concebido como pecado original, ou seja, o
acesso à sabedoria.
Partindo da postulação de que a maior violência aos Direitos Humanos é a
educação que gera nossa barbárie interior, quero brevemente agendar no texto os dois
territórios onde, ao meu ver, surgiu essa barbárie.
Começarei por registrar o território da escolarização, ou seja, a ideologia da
escolarização, que alienou o homem de sua própria existência interior, tornando-o um
corpo minguante. O segundo território a registrar é o tipo de razão que veiculou a escola
como ideologia. Refiro-me à razão abstrata que, condicionada pelos ideais de pureza,
verdade e objetividade, e pelo desejo “melogâmico” de alcançar a universalidade do
conhecimento, conseguiu impor a construção de um conhecimento único como algo
positivo; um pensamento e uma modalidade de saber que terminou convertendo o que
se apresentava como objetivo em um grande aglomerado de narrativas ideológicas. O
corpo do homem minguando um pouco mais. Dois territórios que se uniram para criar a
instância mais glorificada de produção do conhecimento, a universidade, que, como seu
nome conota, é o lugar de produção do pensamento único e universal, o pensamento
mais rigoroso, o lugar que, devido ao um acordo de poderes, se passará a chamar “de
conhecimento de verdades”. Estou falando agora dos dois grandes muros: da
universidade e do saber ideológico que em nome da ciência produz aquele espaço. A
universidade é um lugar de poder. É um lugar onde a digna voz da majestade expressa o
saber. A universidade é o campo onde se trava a luta pela produção do conhecimento. A
universidade é o lugar onde se luta pelo poder do saber. É fundamental ter isso muito
claro, sobretudo se nossa preocupação é gerar um conhecimento e uma concepção de
educação posta a serviço da inclusão ou da reinscrição social dos excluídos. Eles devem
lutar para conseguir um espaço no lugar onde se gera o poder do saber. Eles devem lutar
para se tornar parte desse poder de geração do saber. Parece-me que os excluídos
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caminham em direção errada se reduzem a sua luta a quotas para poder estar sentados
recebendo doutrinamento ideológico dos que dominam o poder do saber. Eles devem
lutar por sua quota de poder, devem lutar para que o saber de sua cultura tenha um
espaço de manifestação nas universidades. Assim teremos um campo terciário que não
será mais o da universidade, o da universalização do saber como ideologia. Teremos
assim um caminho de uma Universidade sem muros. Será uma Pluriversidade e não
mais universidades (existem já na Venezuela, Equador e em outros países da América
Latina experiências nessa direção, que se podem registrar atrás de uma ampla gama de
significantes).
Nesta luta pelo poder do conhecimento devem participar todas as culturas
condenadas à exclusão, a dos afrodescendentes, dos povo indígenas, dos gays, da
cultura de gênero. Neste quadro não incluiria as comunidades de excluídos que não
geraram cultura própria, independente da dos dominadores. Aqui, para concluir este
fragmento, gostaria de abrir um parênteses para comentar que o poder de saber é muito
mais visível que o poder político-econômico; o poder do saber tem nomes e apelidos
sendo assim muito mais fácil saber contra quem é preciso lugar.
5.1. - Quando alguém está preocupado com as questões da alteridade, descobre,
muito rapidamente, que o conceito de alteridade da modernidade é, também,
discriminatório. A idéia do outro como o diferente remete a uma dicotomia em que a
noção de igualdade é maniqueísta, diferente de um eu que se pressupõe existente para a
comparação. Nos força a pensar a nossa identidade como algo personalizado e ao
mesmo tempo pensado como coisa, como um ente material no mundo. Certo é que não
tenho uma identidade materializável, essa ideia de sujeito da modernidade acabou sendo
ideológica. Meu eu interior, minha alma, não é um elemento que se encontra de modo
fechado no interior do meu corpo. Propor essa identidade e logo postular a diferença da
identidade dos outros acaba sendo algo discriminatório, ainda que reconheçamos e
recomendemos aceitar os outros na sua diferença, nossa identidade está no conjunto de
relações que me atravessam no cotidiano. Meu corpo é um corpo sucessivo. Um corpo
mestiço. Quando em vez de ser atravessado por corpos sucessivos que deixam suas
marcas, me deixo ser contaminado ideologicamente pelas instituições e pelos outros,
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meu corpo se torna um corpo minguante. Agora bem, se todos deveríamos ser corpos
sucessivos ameaçados a nos tornar minguantes, como podemos falar de igualdade e de
diferenças com o outro, se o outro não é um corpo diferente, é uma sucessividade
composta unicamente de outros atravessamentos? Se é assim, não existe o “um” e o
“outro”. Eu sou o outro. Nós somos o outro. O outro é um sucessivo como eu. O que me
obrigaria a ter que reconhecer que o outro não é diferente, senão um parte de mim.
Razão pela qual eu não devo tolerar nem aceitar o outro, senão reconhecê-lo como uma
necessidade para que possa ser um corpo sucessivo. Se eu não reconheço isso, meu
corpo começa a minguar. Como se vê, estou propondo categorias, figuras de corpos
sucessivos e corpos minguantes para me contrapor às tradições e às modernas categorias
de igualdade e diferença, duas caras da mesma discriminação. A modernidade postula
que existem grupos diferentes, mas acaba apresentando todos os componentes desse
fruto de diferentes como iguais. Essa é a estratégia de homogeneização, que é o modo
de poder adjudicar a todo o grupo características idênticas, características estereotipadas
que permitem engendrar o preconceito.
5.2. - A modernidade nos legou impositivamente uma concepção de Direitos
Humanos que constituiu uma violência com a própria concepção, uma violência a si
mesma. Durante todo o século XX vivemos e atuamos condicionados por uma
concepção ilusória e idolátrica dos Direitos Humanos. Uma concepção que os
proclamava como universais e produto de uma razão abstrata, uma razão divorciada das
contingências históricas. Estivemos condicionados por um discurso dos Direitos
Humanos que não passou de fetichismo (isso sem negar o papel positivo que
desempenharam politicamente). A concepção idolátrica de Direitos Humanos os deixou
prisioneiros, também, da concepção jurídica dominante na modernidade. Os deixou
prisioneiros do normativismo. Essa concepção nos vendeu a idéia de que os Direitos
humanos eram uma dimensão simbólica do jurídico, negando, assim, a possibilidade de
que possamos percebê-los como uma dimensão simbólica da política.
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