CENTRO UNIVERSITÁRIO AUTÔNOMO DO BRASIL – UNIBRASIL
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
CURITIBA 2016
CENTRO UNIVERSITÁRIO AUTÔNOMO DO BRASIL - UNIBRASIL KÊNIA CARVALHO
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
Trabalho de Conclusão apresentado à Banca
Examinadora do Curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo do
Centro Universitário Autônomo do Brasil –
UniBrasil
Orientadora: Profª Dra. Maura Martins
CURITIBA 2016
O obituário tem o papel de nos aproximar de pessoas, de nos contar uma história e de revelar a existência de alguém. No fim das contas, é disto que trata o jornalismo: de vidas e memórias. Contar histórias foi exatamente o que me fez escolher o jornalismo como profissão, parece justo escolher essa seção para encerrar meu primeiro ciclo acadêmico. Dedico este trabalho ao meu pai, José Carlos de Carvalho e a Douglas Vieira, que confiaram em mim e me deram estímulos, apoio e carinho para que eu chegasse até aqui. Amo vocês!
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, pelos princípios, ética e aconselhamentos.
Meu muito obrigada ao meu esposo, que a oito mil quilômetros se fez presente
através do suporte, compreensão e amor.
À minha professora e orientadora Maura Martins, pela disposição e pela direção.
Aos professores do curso de Jornalismo do UniBrasil, em especial para Elaine
Javorski, Paulo Camargo, Rodolfo Stancki e Ricardo Sabbag, pelo suporte
constante.
Também não posso deixar de prestar um agradecimento especial à minha querida
amiga Regiane Marroco, pelo amparo prestado do começo ao fim da minha trajetória
em busca da graduação como jornalista.
Os demais agradecimentos vão aos estudantes de Jornalismo que colaboraram com
meu projeto: Alexia Lopes, Ana Paula Saraiva e Natanny Carvalho.
RESUMO
A presente monografia visa discutir o processo de produção da seção obituário da Gazeta do Povo. Deste modo, o intuito é investigar como se dá a criação de um texto com características autorais e literárias, como o texto do obituário, dentro de uma rotina produtiva marcada pela temporalidade que fundamenta o processo jornalístico. Para isso, a análise se consolidou por três aparatos teórico-metodológicos: análise das rotinas produtivas a partir dos estudos do newsmaking; mapeamento dos valores-notícias; e por fim, a etnografia como forma de investigação das rotinas e desenvolvimento da seção.
Palavras-chave: obituário, Gazeta do Povo, rotina produtiva, valores-notícias.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 8
2. A MORTE E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE E O JORNALISMO ............ 10
2.1 CONCEITOS E VISÕES SOBRE A MORTE ............................................................................................. 10
2.2 A(S) MORTE(S) NO JORNALISMO ................................................................................................... 13
2.3 OBITUÁRIOS – A MORTE CELEBRADA NO JORNALISMO ........................................................................ 17
2.4 O OBITUÁRIO NA GAZETA DO POVO ............................................................................................... 22
3. FORMATO OBITUÁRIO COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA .. 29
3.1 JORNALISMO COMO UM PROCESSO INDUSTRIAL ................................................................................ 29
3.2 O OFÍCIO DO NARRADOR E SUA APROXIMAÇÃO COM AS ESPECIFICIDADES DOS GÊNEROS TEXTUAIS ................. 31
3.3 JORNALISMO LITERÁRIO E ROTINAS PRODUTIVAS DE TRABALHOS AUTORAIS COMO O OBITUÁRIO ................... 34
4. PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E A ELABORAÇÃO DA NOTÍCIA ....................... 38
4.1 A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DO NEWSMAKING ......................................... 38
4.2 ROTINAS PRODUTIVAS NA ELABORAÇÃO COTIDIANA DO PRODUTO JORNALÍSTICO ...................................... 40
4.3 A ELABORAÇÃO DA REPORTAGEM-PERFIL NA ROTINA PRODUTIVA DE UM JORNAL ...................................... 42
5. ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DO OBITUÁRIO DO JORNAL GAZETA
DO POVO.................................................................................................................. 46
5.1 A PESQUISA ETNOGRÁFICA COMO FORMA DE ENTENDER AS ROTINAS PRODUTIVAS DO OBITUÁRIO ................. 46
5.2 MÉTODO E CONDIÇÕES DA PESQUISA EMPREGADA............................................................................. 49
5.3 O PROCESSO DE SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO DO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO ........................................ 51
5.4 O OBITUARISTA E A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO NEWSMAKING .............................................................. 53
5.5 APROXIMAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE NO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO .......................... 55
5.6 PARÂMETRO DE VALORES-NOTÍCIAS IDENTIFICADOS ........................................................................... 58
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 64
LISTA DE ENTREVISTAS ........................................................................................ 70
ANEXOS ................................................................................................................... 71
ANEXO 1. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. ALINE PERES ........... 72
ANEXO 2. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. FERNANDA LEITÓLES . 78
ANEXO 3. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. JOSÉ CARLOS
FERNANDES ................................................................................................................................... 86
ANEXO 4. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. MARLETH SILVA ....... 97
8
1. INTRODUÇÃO
Esta monografia pretende investigar de que forma se dá a produção do
obituário na Gazeta do Povo – ou seja, identificar a estrutura da rotina do setor, seus
valores-notícias, tendo como propósito notar elementos acerca do processo
submetido durante a criação e edição dos textos a fim de ficarem com o padrão
desejado pelo veículo.
Antes, porém, a pesquisa se deteve em abordar uma discussão acerca do
critério da temática. O capítulo dois ocupa-se da abordagem sobre a morte e sua
relação com a sociedade e o jornalismo, a definição de obituário e a chegada e
desenvolvimento da seção no periódico.
Entre as primeiras abordagens do trabalho estão os pontos de partida para o
embasamento do tema, a delimitação do problema e uma primeira análise de
campo, nos quais estão presentes os resultados da investigação sobre os valores-
notícias no período de nove meses, totalizando assim 23 textos analisados,
categorizados segundo os valores-notícias de construção que, para Nelson Traquina
(2005), são os componentes indispensáveis na edificação da autenticidade do
jornalismo e são anexos pela rotina produtiva dos profissionais. Como forma de
compreender o processo de produção dos obituários, a atenção ao aspecto como os
valores do veículo e os valores-notícia transparecem no texto pode ser um sinal para
a assimilação do formato. Assim como para Wolf (1985), os valores-notícias de
seleção servem como orientação ao jornalista na hora de optar pelo grau de
relevância do conteúdo descrito por ele.
Optou-se por realizar uma análise de textos publicados entre os meses de
junho de 2015 e fevereiro de 2016, levando em consideração que a janela temporal
escolhida poderia trazer uma visão representativa do desempenho atual da seção. A
pesquisa foi realizada no acervo do setor de Periódicos, da Biblioteca Pública do
Paraná. Tendo em vista que dentro desse recorte temporal escolhido os textos
foram publicados semanalmente, a condição para parcela temporal escolhida para o
estudo era de seis meses.
Para entender as especificidades do processo de produção e rotinas da seção
de obituários, entende-se por necessário o embasamento da metodologia de
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pesquisa etnográfica, técnica de exploração escolhida para contribuir com o
presente trabalho monográfico, cuja característica tem como a observação
participante, entrevistas em profundidade e análise documental como foco principal
de análise (Geertz apud Benetti e Lago, 2008).
Tendo escolhido o método, o transcorrer da análise foi sustentada por
entrevistas com colaboradores e ex-colaboradores da seção. Como pode ser visto
ao longo do capítulo dois, para se adequar a metodologia de pesquisa etnográfica,
optou-se por realizar entrevista de profundidade com dois jornalistas e dois editores,
são eles: Aline Peres (ex-colaboradora), Fernanda Leitóles (editora executiva), José
Carlos Fernandes (colaborador) e Marleth Silva (ex-editora executiva). Ainda no
capitulo dois, a pesquisa trás o roteiro de pergunta de um dos entrevistados.
Durante o planejamento da técnica de abordagem da segunda parte da
pesquisa de campo, a estratégia de investigação escolhida foi a observação
participante, porém, após a mudança na estruturação do jornal, conforme informado
no capitulo dois, a formação e ritual da seção passaram a ser introduzida na rotina
diária de um repórter, previamente selecionado para a produção da semana. Desta
forma, para alcance dos objetivos propostos, optou-se por aplicar a metodologia da
entrevista de profundidade.
Como sustentação da averiguação proposta neste trabalho, as
fundamentações teóricas que sustentam a pesquisa estão embasadas no obituário e
sua participação na indústria jornalística, disponível no capítulo três. Nele, o estudo
inclinou-se em discutir ainda as especificidades dos gêneros textuais e as rotinas
dos trabalhos autorais.
Na tentativa de entender o processo de produção dos textos de obituário e
tendo em vista o propósito de evidenciar como a construção da notícia pode ajudar a
desvendar o processo de estruturação da seção, para evidenciar suas
especificidades, o capítulo quatro destaca as rotinas produtivas do jornalismo.
Em todo o caminho traçado, a presente monografia tem o objetivo de, a partir
do entendimento das rotinas produtivas da seção, levantar a discussão acerca das
principais particularidades do processo de produção que os textos de obituário da
Gazeta do Povo são submetidos até sua publicação no periódico.
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2. A MORTE E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE E O JORNALISMO
2.1 Conceitos e visões sobre a morte
A morte, no seu aspecto etimológico é definida como a cessação da vida: “1.
Ato de morrer; o fim da vida animal ou vegetal. 2. Termo fim. 3.Destruição, ruína”
(FERREIRA, 1999, p.1873). O conceito de morte não está relacionado somente à
sua feição cultural entre as sociedades, uma vez que pode apresentar diferentes
relações. É necessário analisar múltiplos campos, tais como a cultura, o contexto
histórico e a religião.
Para compreender a maneira com que o jornalismo aborda a morte, é
necessário antes estudar a relação morte e sociedade. A existência do homem está
fundamentada no seu fim. Com a consciência da morte, a vida torna-se mais solene.
Habituar-se à ideia da morte alicerça um apreço particular sobre a existência,
fundamental para o entendimento de sua essência (SIMMEL apud NEGRINI, 2016).
Pode-se ver claramente a significação da morte como criadora de forma. Ela não se contenta com limitar nossa vida, quer dizer, dar-lhe forma à hora do desenlace; ao contrário, a morte é para a nossa vida um fator de forma, que vai matizar todos os seus conteúdos, fixando-lhe inclusive os limites. A morte exerce a sua ação sobre cada um dos seus conteúdos e dos seus momentos; a qualidade e a forma de cada um deles seriam outras se lhes fosse possível sobrepor-se a esse limite imanente (id, p. 17).
Em um primeiro momento, pode parecer que os posicionamentos humanos
com relação à morte sempre foram os mesmos. Porém, com o passar do tempo,
estas visões passaram por pequenas e lentas mudanças. Para compreender melhor
a transformação da postura do homem ocidental perante a morte, é importante saber
a maneira que ele lidava com a morte no passado. Na Antiguidade, a finitude era
tratada com mais abertura e frequência. Se fizermos uma comparação com o século
XXI, a morte, no período medieval, era menos reservada, mais presente em todo o
círculo da sociedade e menos oculta (ARIÈS, 1977).
As observações de Ariès (id) sobre o contexto do indivíduo perante a morte
relacionam-se à história ocidental. Ele afirma que, a partir da segunda metade do
século XX, a morte foi transportada para os hospitais, e mostrou-se a partir disso
como um fenômeno técnico, em que ocasionalmente pode ser adiada ou antecipada,
11
variando com a vontade daqueles que arriscam domá-la. Atualmente os avanços
científicos e tecnológicos propiciam essa alteração na data da morte (ibid, p. 65).
É importante evidenciar a relação entre os comportamentos e feitos que são
comuns, especialmente da Idade Média, época que Ariès (ibid) nominou de “Morte
Domada”, e as atitudes típicas da negação dos nossos dias, chamadas de “Morte
Invertida” (em oposição). Segundo Ariès (ibid), na Idade Média, a morte era prevista.
O indivíduo pressentia sua morte, através de indícios e consciências particularmente
internas, e assim, administrava sua própria morte. Depois de notificá-la, instaurava-
se então uma prática padrão, onde estavam presentes amigos, familiares e vizinhos.
Dirigiam-se as seguintes fases: uma evocação triste, sem dramatizações excessivas;
perdão dos companheiros; oração e sacramento; morte. Muitas vezes fazia parte do
processo a realização pública do testamento (ibid, p. 67)
Até meados do século XIX, o luto e o funeral sucediam com exibições
comoventes e tocantes, com muito contato com o cadáver, clamores e pesares
profundos. No século XX, segundo Ariès (ibid), o comportamento do homem
ocidental diante da morte e o morrer transformaram-se demasiadamente. A morte
passou a ser oculta, banida, para resguardar a vida. Ela passa a ter sobre si a
incumbência do silêncio.
A morte exerce seu fascínio e remete o sujeito a constantes interrogações. E
ela é encarada distintivamente, de acordo com as perspectivas das sociedades.
Passado, presente e futuro nos fascinam, pois nos fazem querer vislumbrar as
conquistas, experiências e realizações (BRUSTOLIN, 2007).
Falar da morte é falar de vida. Não se pode pensar em viver sem tratar do morrer. A vida e a morte estão intimamente conectadas. Presente e futuro nos fascinam tanto, porque queremos vislumbrar as conquistas e realizações, quanto nos atemorizam a frustração, o limite e o fim (id, p. 7).
Conhecer a morte é preciso. Com o discernimento da morte, o homem tem
ideia de sua fragilidade e do marco de sua existência. A percepção da morte é um
componente de conflagração para os indivíduos, mas é necessário para o
entendimento de seu fundamento (NEGRINI, 2016).
A morte é parte da existência humana. Em todas as sociedades, ela tem um
papel relevante; é um eixo norteador das culturas ao longo da história. Desde o
nascimento da humanidade, percebe-se que o homem tem refletido sobre o assunto
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e tem buscado uma decifração para os mistérios que a envolvem. “As perguntas
mais persistentes que os seres humanos exploram através de seus mitos e religiões
são as ligadas ao renascimento e ressurreição e a uma vida além da morte”
(KUBLER-ROSS,1998, p.28).
As diretrizes filosóficas têm como uma das principais investidas e atividades
elucidar o significado da morte e do morrer. Desta maneira, pode-se observar que há
anos o homem tenta atribuir à morte uma concepção e significação. Arrisca-se dizer
que foi a morte que desencadeou as observações filosóficas, que é dela a
fundamentação e a razão da filosofia. Pois, foi através da morte que o homem
passou a se questionar sobre a vida. Ao ter consciência de sua finitude e
mortalidade, o homem pensa mais sobre o próprio viver (MARANHÃO, 1998).
A tentativa de elucidar o significado da morte, desde os Vedas (textos sagrados indianos, escritos há aproximadamente 3 mil anos) até o atual movimento existencialista, constitui uma das tarefas centrais de alguns dos nossos principais sistemas de pensamento filosófico. A filosofia, afirmava Platão, não é senão uma meditação da morte, meditatio mortis. Toda vida filosófica, escreveu depois Cícero, é uma preparação para a morte. Vinte séculos depois Santayana disse que „uma boa maneira de provar o valor de uma filosofia é perguntar o que ela pensa à respeito da morte.‟ Uma filosofia não se reveste de uma total seriedade enquanto não se defrontar com a questão da morte; pode-se pensar, inclusive, que sem a morte o homem talvez jamais tivesse começado a filosofar. Ela seria o verdadeiro gênio inspirador, o substrato fundante de todo o pensamento filosófico (id, p. 62-63).
Portanto, cogitar sobre a temática nada mais é que refletir sobre a vida. Ao
pensar sobre a existência e ao buscar para ela um significado, o homem se depara
com a questão da finitude. Morte e vida não são conceitos independentes entre si,
eles se coabitam. “Entrelaçam-se as palavras „vida e morte‟, porque não podem ser
vistas separadamente, pois assim se constitui o ser humano” (BROMBERG, 1996, p.
16).
Perante o ponto de vista psicológico, o homem tem que se defender do medo
da morte. O homem mostra simpatia em uma notícia de morte porque o fim do
semelhante corresponde à ideia de sua perenidade e invulnerabilidade. Assim, ele
tende a repelir a realidade de sua própria morte, pois o inconsciente não pode
concebê-la e é devido a isso que o homem acredita em sua perpetuidade. Contudo,
enquanto a sua morte não é aceita, o homem pode aceitar a morte do outro.
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Em nosso inconsciente, não podemos conceber nossa própria morte, mas acreditamos em nossa imortalidade. Contudo, podemos aceitar a morte do próximo, e as notícias do número dos que morrem nas guerras, nas batalhas e nas autoestradas só confirmam a crença inconsciente em nossa imortalidade, fazendo com que – no mais recôndito de nosso inconsciente – nos alegremos com um “ainda bem que não fui eu‟”. [...] O que ouvimos quase diariamente nos noticiários é que matamos dez vezes mais inimigos em comparação com nossas baixas. É isto que queremos de verdade, a proteção de nosso desejo infantil de onipotência e imortalidade? Se um país inteiro, se uma sociedade inteira sofre deste medo e rejeição da morte, deve lançar mão de defesas que só podem ser destrutivas. As guerras, os tumultos, o aumento do índice de criminalidade podem ser sintomas da decrescente incapacidade de enfrentar a morte com resignação e dignidade (KUBLER-ROSS, 1998, p.18).
Estudar alguns conceitos sobre a morte e a mudança de atitude do homem
ocidental diante do assunto, feito neste tópico, é essencial para a compreensão de
como a sociedade encara o morrer. O jornalismo, enquanto campo que se
fundamenta justamente na sua inserção social, faz difundir certas visões sobre a
morte, bem com cerceia a circulação de outras. Para dar continuidade à pesquisa,
no próximo item, aborda-se a relação morte no jornalismo.
2.2 A(s) morte(s) no jornalismo
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros apresenta importantes diretrizes
que o jornalista deve aderir ao noticiar uma morte. De acordo com o inciso II do
artigo 11 do Código, “o jornalista não pode divulgar informações de caráter mórbido,
sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de
crimes e acidentes”.
Da mesma forma, de acordo com o inciso VIII do artigo sexto do Código, “É
dever do jornalista respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à
imagem do cidadão”. Bem como, pelo inciso III do artigo 12, “O jornalista deve tratar
com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”.
Consequentemente, viva ou morta, a pessoa deve ser respeita quando noticiada.
De acordo com o Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo
(2016), a morte deve ser tratada sem sensacionalismo. O jornalista deve escrever
diretamente a razão da morte da pessoa, contando ao leitor a verdade, sem
preconceito e poupando o leitor de detalhes ásperos. Particularidades da vida íntima
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só devem ser noticiadas se relacionadas diretamente com a causa ou circunstância
da morte. Nos noticiários, devem-se utilizar as palavras morrer, morte e morto.
Falecer, falecimento ou falecido restringe-se à seção dos obituários e falecimentos.
Já a palavra assassinar só deve ser usada com significar matar premeditadamente
(MARTINS, 2016, s/p).
Morrer, morte, morto. 1- Por serem mais jornalísticas, use estas palavras no noticiário, em vez de falecer, falecimento ou falecido, cujo emprego deve ficar restrito à seção de Falecimentos [...]. 2 - Como morto é particípio tanto de morrer quanto de matar, prefira a forma que morreu a morto (para não dar a ideia de que alguém matou alguém) em frases como: Fred Astaire, que morreu em 1987 (e não morto em)... / Tinha saudades do filho, que morrera aos 18 anos na capital (em vez de morto aos 18 anos na capital) (id, s/p).
Angrimani (1995) argumenta que falar sobre a morte não é fácil e “exige
preparo e disposição emocionais. No entanto, os jornais trazem a morte todo dia em
suas páginas, não somente na seção enquadrada e editada como tal – a Necrologia,
mas também espalhada nas diversas editorias” (id, p. 53).
Apesar de a morte ser um assunto delicado e complexo de abordar, ela é
objeto diário no jornalismo. Curiosamente, o aspecto do falecimento é capaz de dar
ao personagem um caráter público, como lembra Tavares (2012). Isso quer dizer
que uma morte particularmente excepcional ou chocante, pode transformar a vítima
em alvo de interesse público, passando a ser alvo de acompanhamento jornalístico.
Mouillaud (2002) observa que os meios de comunicação, enquanto agentes
de memória, responsabilizam-se por restaurar os personagens públicos ao expor a
morte. Na mídia há uma tentativa em cultuar ou mitificar a imagem do morto
conforme o lugar e posição que ocupa na sociedade. Ele é posto em vários lugares,
pois precisa aparecer disperso, mas de modo marcante, vivo.
De acordo com o autor, o contexto do jornalismo é ambiente para diferentes
tipos de morte. Ele ressalta que existem variados tipos de mortos nas páginas dos
jornais impresso, como: os mortos de serviço, que compõem a necrologia; os mortos
acidentais; os mortos dos conflitos, das guerras e das revoluções, que passam a
fazer parte da história; e o Grande Morto, que se destaca pelo seu nome, pela sua
fama.
Reconhece-se um Grande Morto na medida em que tende a ser Único. A informação única; na primeira página, ele apaga todas as demais
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informações. No interior do jornal, ao contrário, o Grande Morto prolifera; o preenchimento até a borda e a repetição maçante de seu nome são a segunda marca da exclusividade (id, p.351).
Para Angrimani (1995), o jornal atende a uma necessidade inconsciente do
leitor, na qual o morto da matéria morre no lugar do observador. Portanto, ao ler uma
notícia de morte, o leitor se impressiona, pois o cadáver o lembra de seu destino. Ao
mesmo tempo em que produz uma sensação de impacto, produz uma sensação de
alívio, pois aquilo não aconteceu ao leitor, mas sim a um terceiro desconhecido.
Ou seja, as características descritas por Angrimani (id) se aplicam ao conceito
de catarse, que tem origem na Poética de Aristóteles, quando este falava sobre o
gênero artístico da tragédia. Ele utiliza a expressão para designar um efeito de
purificação que os sentimentos de temor e compaixão provocam no homem ao
encontrar-se com um cenário nefasto. No caráter midiático, é como se o público
absorvesse o trágico de maneira a se sentir aliviado de seu próprio cotidiano e
redimido de seus próprios conflitos. Desta maneira, a morte é notícia porque é de
interesse coletivo.
O leitor, então, recebe um choque, imaginando que amanhã poderá ser a vez dele. Mas ao mesmo tempo que se produz esse impacto (a morte ilustrada, ampliada, por um recurso de linguagem editorial, sensacionalista), vem também o alívio. O jornal atende a uma necessidade inconsciente, onde o cadáver “ilustrado” morre por procuração no lugar do leitor (ibid, 1995, p.56).
O autor ainda afirma que os jornais trazem a morte todo dia em suas páginas,
não somente na seção enquadrada e editada como tal – Necrologia – mas também
espalhada nas diversas editorias.
Morte, em si, não é uma categoria jornalística. Ela aparece de variadas formas
e com diferentes abordagens no jornalismo. Quando o morto é um cidadão comum,
frisa-se nas pessoas relacionadas a ele e nas manifestações de afetos. Entretanto,
se o falecido é um personagem destacado, a morte em si é a notícia, indica Antunes
(2012).
Ao falar de morte, os jornais reforçam que ela acontece todos os dias, que faz
parte da vida e que é algo comum. Os jornais vão além do fato da morte, somente,
mas utilizam o acontecimento como razão para abordagem de diferentes questões
sociais (TAVARES, 2012). Todavia, Leal (2012) levanta que, na realidade, não é
exatamente da morte que o jornalismo trata, mas dos eventos que relacionam a ela.
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Por ser de interesse coletivo, ininterruptamente será de interesse do jornalismo,
portanto o assunto sempre será notícia e tema presente nos jornais. A morte é um
dos valores-notícia fundamentais para o jornalismo, destaca Traquina (2005): “onde
há morte, há jornalistas” (id, p. 79). Por essa razão, a morte jamais é banida pelo
jornalismo, e ela aparece em diferentes condições nos jornais. Tanto pode ser parte
de uma notícia (ou mesmo a notícia em si) quanto um simples anúncio fúnebre.
Traquina (ibid) ainda sinaliza que quando um morto é um cidadão comum, enfatiza-
se nas pessoas relacionadas a ele, nas demonstrações de afeto, podendo ainda
exaltar dramaticamente o momento. Todavia, se o falecido é um personagem
conhecido, a própria morte já é notícia, vinculando assim ao valor-notícia de
notoriedade.
As sepulturas eram a ponta final do processo que era o funeral. Para o falecido,
o cerimonial fúnebre assinalava a transmutação de estado, mas, para os vivos
apontava uma etapa perturbadora de contato com sua limitação. Desta maneira, os
ritos lutuosos acabam sendo mais espantosos que a própria morte (MORIN apud
ENGSTER, 2016, p. 19). No entanto, a presença da morte nos noticiários presta
uma forma de alívio para os vivos, pois, ao saber que outro morreu, reconheço-me
vivo (VAZ, 2012).
Ao fornecer narrativas povoadas de mortos e agonizantes, continuada e reiteradamente a imprensa nos fornece farto material com o qual podemos proteger o nosso lugar (...) Eles serão sempre os outros, não eu, leitor (id, p. 46).
Uma ressalva importante sobre mídia e a noticiabilidade da morte é o tabu que
gira em torno do suicídio na pauta jornalística. A decisão de noticiar um suicídio
provoca discussão entre pesquisadores e profissionais. Dapieve (apud GRANDO,
2016), por exemplo, propõe que os motivos que levam a descrição da mídia perante
o assunto são para apaziguar o sofrimento e possível culpabilidade dos amigos e
familiares do suicida, além de respeitar a intimidade e a motivação do caso. E ainda
segundo o autor, existe uma crença de que o assunto pode ser contagiante, quer
dizer, divulgar suicídios poderia influenciar, mesmo que inconscientemente, outros
atos.
Kovács (2016) evidencia que o falecimento do outro manifesta uma descoberta
da morte em vida entre os indivíduos. Como uma viabilidade de sondar a morte em
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vida. Para a autora, é nos meios de comunicação que o indivíduo supre a
necessidade de passar pela experiência do pós-morte, mesmo durante sua
existência. Assim, ao conduzir a morte até as casas dos espectadores e ou leitores,
as mídias demonstram como devem ser as práticas e hábitos diante dela, fazendo
com que se torne compartilhada (KOVÁCS apud NEGRINI, 2016).
Os meios de comunicação podem levar a morte até a casa do público, mesmo
que ela seja proibida nesse ambiente. Eles são capazes de fazer com que o óbito se
torne público e construir o imaginário sobre ele. Mostram, assim, como devem ser os
rituais diante do fim, os lugares de preservação da lembrança e os aspectos que
devem ser levados em consideração em relação à finitude (NEGRINI, 2016, p. 49).
Contudo, pode-se observar que a abordagem da morte no jornalismo faz uma
intermediação entre o homem e algumas das angústias que cercam a sua vivência.
Consumir a morte na mídia vai muito além da simples contemplação de veiculações
de meios de comunicação; é uma forma encontrada pelo espectador para lidar com
um tema delicado e polêmico.
O próximo conteúdo abordará um espaço reservado para a morte no jornalismo:
os obituários. Como seção fixa de alguns jornais impressos, os obituários são claras
expressões da abordagem da morte na mídia.
2.3 Obituários – a morte celebrada no jornalismo
O obituário, ou necrológio1, é a relação dos óbitos acontecidos no dia anterior
publicados em jornal impresso e, bem como, na atualidade, até mesmo em jornal on-
line. Os dicionários de língua portuguesa o descrevem como a parcela ou a
associação de pessoas que morrem em predeterminado período ou de uma devida
patologia, ou ainda com reconhecimentos ou notícias fúnebres. Em seu Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa, Cunha (1986, p. 554) categoriza o surgimento da
palavra obituário pontualmente nos Oitocentos (período de 1800 a 1899).
1 Necrológio é um recurso utilizado basicamente para informar o falecimento de uma pessoa e podem
trazer declarações e afirmações do tipo “foi um ótimo pai”, por exemplo.
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Um tanto mais voltado para uma definição jornalística, o Novo Dicionário da
Língua Portuguesa (FERREIRA, 1999, p.1397) o apresenta como uma notícia
inserida em um meio de comunicação atribuído a pessoas que faleceram,
normalmente como elogios.
Portanto, é uma seção que se dedica exclusivamente a falar de pessoas. Local
em que o jornalismo se dedica a conhecer alguém, mesmo que seja após sua morte.
Na nossa tradição católica e latina, a morte é vivida como silêncio e dor. Você pode ter a dor da perda, mas isso não impede que você possa também celebrar os fatos importantes relacionados à vida de uma pessoa (COSTA, 2008, s/p).
Dentre as perspectivas históricas e a pesquisa sobre as atitudes diante da
morte, é possível observar que a recordação pública sempre foi de crucial relevância
em diferentes pontos e tempos culturais. Monarcas, soberanos, burgueses,
importantes figuras religiosas e destemidos heróis de guerra foram os primeiros a
serem lembrados por seus legados e suas imposições diante de uma cultura, como
uma forma de registrar um passado notório (VOLVELLE, 1997).
Criado na Inglaterra, o obituário recebeu alguns aperfeiçoamentos nos Estados
Unidos. Na década de 1960 ele foi reestruturado, herdou uma narrativa literária,
passando a exaltar a vida e o regozijo, e não mais associado à melancolia da morte.
A Folha de São Paulo foi o precursor que incorporou o obituário no jornalismo
brasileiro, no dia 24 de outubro de 2007, influenciada pelas tendências e modelos do
The New York Times (SILVA, 2016, s/p).
O livro Secrets of the Press (1999) traz um artigo de James Fergusson, no qual
o editor aponta detalhes da história dos obituários. Segundo ele, uma revista
fundada no ano de 1731, em Londres, Gentleman‟s Magazine, começou a se
destacar pelo seu diferencial. Sua proposta era trabalhar com episódios do
cotidiano, eventualidades, poesias, casamentos, mortes e funerais. Na seção
mortório, além das informações básicas das mortes e enterros, fornecidas
corriqueiramente, começou a publicar detalhes estatísticos sobre falecimentos. Essa
singularidade com o tema começou a instigar os leitores.
Posteriormente, em 1778, John Nichols, responsável pela seção, expandiu
ainda mais os necrológios da revista, deixando-os ainda mais arquitetados e
semelhantes aos obituários contemporâneos. Em 1791, a seção já consumia oito
19
páginas, e chamava-se Obituary of considerable Persons, with Biographical
anecdotes.
Seguindo esta linha, em 1850, ainda em Londres, o The Times, jornal diário
fundado em 1785, ainda com textos não assinados, desviou o sucesso nos
obituários. Segundo Fergusson (id), no ano de 1966 a coluna de Mortes deste jornal
já tinha identidade e era incomparável a qualquer outro jornal.
Em 1988, o jornal britânico Guardian foi o primeiro jornal a empregar
assinaturas nos obituários, com textos assinados por Neville Cadus. Mas o veículo
que consolidou o modelo e o uso diário do obituário foi o Independent, jornal
britânico, no qual Fergusson trabalhou.
Já o estilo atual do The New York Times, modelo internacional de obituários,
deve-se a Abe M. Rosenthal e Arthur Gelb, editor e assistente. Antes de Rosenthal,
o jornal já publicava narrativas em seus necrológios, contudo, limitava-se a episódios
sobre pessoas familiarizadas com o veículo. Rosenthal, inspirado no jornalismo
literário, queria um obituário com narrativas mais desenvolvidas do que as
integradas apenas por relatos biográficos, salienta Fergusson (ibid).
Fergusson (ibid) considera que a seção devia representar as pessoas pelo
que elas foram. Exemplificando, seria como publicar no obituário de um pintor, uma
de suas obras.
Deviam ser escritos não com exercício jornalístico, mas por pessoas que sabiam do que estavam falando, a par dos assuntos ou especialistas na área. Isto daria a eles valor e veracidade. Eles deviam ser escritos, também, assim como construídos [...]; eles devem responder a grande questão (porque esta pessoa é lembrada, ou porque ela merece ser lembrada? Como ele ou ela era?) e não errar no pântano da cronologia [...]. Isto deveria torná-los entretenimento: material para o leitor em geral, não
somente aquele de certa idade, não somente notícias para homens velhos2
(FERGUSSON in GLOVER, 1999, p.154).
O obituário narra histórias de pessoas que faleceram, uma forma de respeitar
as memórias das figuras atraentes, curiosas e relevantes de uma sociedade. Ele faz
com que o leitor sinta vontade de conhecer a trajetória de vida daquele indivíduo.
Seu texto costuma trazer características que se aproximam do chamado jornalismo
2 Tradução pessoal da autora
20
literário, pois utilizam figuras de linguagem e outros recursos para retratar as
trajetórias de vida dos personagens.
Trata-se de um texto jornalístico que necessita tanto dos mortos quanto dos
vivos para ser elaborado, um verdadeiro processo entre o passado e futuro.
Obituário é uma minibiografia, publicada em jornais, após a morte de um indivíduo e
expressa o que há de mais singular durante sua existência.
É importante ressaltar que o obituário é diferente da nota de falecimento,
considerando que a nota pode ser paga e manifesta-se de modo resumido sobre a
vida do falecido. Segundo mapeamento teórico, o obituário encontra-se nos gêneros
utilitários ou prestadores de serviços de um veículo (MELO, 2016).
Trata-se de deixar de se publicar apenas a morte dos já conhecidos em vida
pela imprensa, e passar a deter o olhar um pouco mais demoradamente sob uma
população anônima e não reconhecida pela maioria, mas que fez a diferença para o
mundo de alguma forma, mesmo que para seu pequeno mundo: cidade, bairro, rua,
família, amigos. O necrológio passa a ser uma oportunidade de se aparecer no
jornal com alguma dignidade, ao menos no fim. Todos que foram importantes ou
interessantes de alguma maneira têm o mérito de aparecer.
O obituário detalha a vida de um personagem e rastreia suas maiores virtudes.
Ele carrega diversos aspectos da vida de um sujeito e resume em partes o que o
representa como: o que o indivíduo era, e aquilo que considerava importante para
ele, conforme a mediação feita pelas pessoas próximas a ela. Estes geralmente são
compostos por nome do falecido, sua idade, profissão, local e dia em que será
sepultado, e uma espécie de lembrança aos entes queridos com a habitual frase:
“Deixa...” filho (a), viúvo (a), pais e irmãos, referindo-se às pessoas de sua família.
Ainda é comum haver na mesma divisão registro das missas de sétimo dia que
estão por vir. Em alguns veículos, há espaços para informações sobre órgãos
responsáveis em caso de morte e relação de telefones e/ou endereços eletrônicos
para contato com a seção obituária do jornal.
Fergusson (1999) lembra que necrológio é um registro histórico importante
para a época e para o próprio registro do jornal. Ele pode vir a ser estudado para
conclusões sobre a vida de determinada sociedade. Outra justificativa para sua
21
inserção no jornal seria uma fuga do leitor, já cansado das habituais notícias
corriqueiras ou estrangeiras (FERGUSSON apud GLOVER, 1999).
Stanley Walker, editor do jornal de New York Herald Tribune, pertencente ao
grupo The New York Times Company, escreveu em um de seus livros que os
obituários sobre pessoas desconhecidas vêm a ser uma das partes mais difíceis do
jornalismo, pois envolve uma pesquisa meticulosa.
Quase nunca temos a necessidade de apresentar o morto como um santo ou um monstro: é possível, com todo respeito pela alma que talvez esteja na soleira do inferno, ser realista, até mesmo picante, sem ser injusto ou cruel. Os melhores amigos do morto serão capazes de fechar o jornal e dizer “esse era o Abner que conheci em vida (WALKER apud SUZUKI, 2008, p.290).
Segundo Suzuki (2008), a relação do jornalismo americano com os óbitos
passou por modificações. Antigamente os textos enviados para publicação eram
escritos por um conhecido do perfilado. Mediante estas relações afetivas que
cercavam a produção do conteúdo, a composição do texto era de enaltecimento e
elogios.
Mais tarde, os obituários passaram a ser compostos e redigidos pelos
noticiaristas, por meio de técnicas jornalísticas, renunciando o conceito de
glorificação dos mortos. “Nesse processo, apareceram, aqui e ali, aspectos
socialmente menos aceitos da vida dos biografados, mas quase sempre em sotto
voce. O eufemismo faria do obituário sua confeitaria” (id, p.300).
A tendência de fazer obituários com pessoas comuns que têm histórias para
contar surgiu na década de 80. E essa referência é utilizada por diversos jornais na
Europa, América do Norte e mesmo no Brasil. O texto procura transmitir uma
narrativa mais humanizada e sensível à morte. Segundo Suzuki (ibid), é uma poesia
à vida e não ao luto como se pensa “ainda que retire a brevidade de tudo, ao tomar
o ponto final da existência como ponto de partida do jornalismo” (ibid, p.289).
Atualmente, os eufemismos se renovaram e apresentam-se até como ironias nos
obituários, através de diversas maneiras sutis de referir-se a certos atributos do
perfilado.
Os obituários diante de tal dimensão discursiva poderiam ser, segundo Marocco
(2016), identificados em pelo menos dois formatos: um mais cronológico e superficial
22
e outro mais denso e autoral, marcado pela apuração jornalística, mas ambos
responsáveis por formas de narrar e reordenar a vida dos obituariados.
De acordo com Marocco (id), o jornalismo brasileiro não possui um „tipo‟ ou
„padrão‟ de se fazer obituários. O que acontece são apropriações do estilo
internacional de se fazer obituário, que variam de periódico para periódico.
O relato da experiência vivida no obituário, a partir de outras valorizações que não a de valor-notícia, se distancia igualmente do simples anúncio fúnebre; com ela, aparece o acontecer no fluxo da cotidianidade sob forma de um quase indizível jornalístico, do qual o obituarista vai se aproximar optando entre dois procedimentos: redação final de um texto, com base nos materiais enviados ao jornal por amigos e familiares ou a investigação jornalística (ibid, p. 373).
Para Silva (2016) o gênero chegou tardiamente ao Brasil devido a fatores
culturais no tratamento da morte. Scarpin (2008) acredita que possivelmente, por
relacionar a perda de alguém ao sofrimento, os brasileiros ainda não possuem uma
afinidade com a morte, da mesma maneira que os europeus e norte-americanos, por
exemplo. No Brasil, apesar de reconhecer o gênero, muitos ainda podem estranhar
a real aplicabilidade do texto de obituário (id, p.2).
Neste item observaram-se detalhes da missão, definição e história do gênero.
Para avaliar a construção dos obituários brasileiros, e com ênfase no jornal Gazeta
do Povo, o próximo espaço abordará a chegada do obituário no Brasil e no veículo
em questão.
2.4 O obituário na Gazeta do Povo
Para entender a especificidade do processo de produção dos textos de
obituários, optou-se como objeto de averiguação o formato de obituário do jornal
Gazeta do Povo, do grupo Rede Paranaense de Comunicação, filiada da Rede
Globo. Atualmente, no Paraná, é a empresa líder no segmento jornal impresso3.
Com circulação média de 32.845 exemplares diariamente4, no ano de 2015 o
veículo esteve na posição de 22° no ranking dos maiores jornais do Brasil de
circulação paga (Associação Nacional de Jornais, 2016). Há 11 anos, o jornal vem
3 Essa informação pode ser encontrada no site <www.grpcom.com.br>.
4 Segundo informações cedidas pelo setor de Comunicação Institucional do veículo.
23
dominando o primeiro lugar em todas as edições do Top of Mind5, desde o início da
pesquisa, na categoria de jornal mais lembrado do Paraná (CORAIOLA, 2016, p.
108).
Criado pelos advogados Benjamin Lins e Oscar Joseph de Plácido e Silva, a
primeira edição do jornal saiu em três de fevereiro de 1919. Trazia notas a respeito
da cidade, estado e país. A Editora Gazeta do Povo Ltda., constituinte da Rede
Paranaense de Comunicação (RPC), surgiu a partir de uma série de debates
realizados no escritório de Benjamin Lins, estabelecido na Rua Doutor Muricy. A
mudança para a Praça Carlos Gomes, atual sede do veículo, aconteceu em 27 de
janeiro de 1951.
A Rede Paranaense de Comunicação é o maior grupo de comunicação do Estado do Paraná. Constituída por 13 diferentes empresas, detém a liderança nos quatro segmentos de mídia em que atua: rádio, televisão, jornal e internet. Até meados do ano 2000, existiam somente 11 empreendimentos autônomos e isolados em propriedade de duas famílias (CCI, in CORAIOLA, 2016, p. 108).
O veículo nasceu com a finalidade de ser um espaço para difusão e afirmação
dos interesses do povo paranaense. As primeiras palavras da edição inaugural do
jornal, que circulou em Curitiba no dia 3 de fevereiro de 1919, anunciavam
claramente esta intenção.
Este jornal, como já o declarou seu editor em boletim profusamente distribuído, é um jornal imparcial. Destina-se à defesa dos interesses gerais da sociedade, a chamar a atenção de todos e de cada um para os assuntos que, diretamente, nos interessam (FERNANDES; DOS SANTOS, 2010, p. 16).
Segundo levantamento histórico feito pelo veículo6, no ano de 1996 a Gazeta
do Povo lança seu site, e começa a reproduzir o conteúdo do jornal impresso para o
online, a chamada integração. Em 2008, para comemorar os 90 anos do jornal, o
veículo impresso passou por uma atualização gráfica. O espaço online também
ganhou uma reestruturação. A partir de então, o jornal passou a disponibilizar todo o
5 Top of Mind é um termo em inglês utilizado na área de marketing empresarial como uma maneira de
qualificar as marcas que são mais populares na mente (mind em inglês) dos consumidores. 6 Levantamento do site da Gazeta do povo. Disponível em
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=970046&tit=Gazetado-Povo-91-aniversario-marca-o-ano-da-integracao. Acesso em 4 de junho de 2016.
24
seu conteúdo aberto na internet, tornando um editorial único para ambas as
plataformas7.
O primeiro dado sobre divulgação e informação de falecimentos no veículo foi
no ano de 1923. Segundo referências históricas, nesta época, na sede do jornal,
endereço em que permanece até hoje, na parede externa do imóvel havia uma
pedra de mármore conhecida como “pedra da Gazeta”. No local, a qualquer hora do
dia, as pessoas podiam ler os mais recentes acontecimentos, inclusive as notas de
falecimento dos moradores da capital (OLIVEIRA, 2016, p. 90).
Até o ano de 2008, a seção obituária do veículo era composta apenas por uma
listagem de falecimentos do dia, chamada lista de falecimento. Esta lista é composta
pelo nome do falecido, a data de sua morte, data de nascimento, profissão,
endereço, filiação, o nome do viúvo (a), o número da FAF (Ficha de
Acompanhamento de Funeral), o local de falecimento, velório e sepultamento, a data
e o horário deste último e informações sobre a funerária responsável. Ela
permanece no veículo até os tempos atuais e é obtida através da Prefeitura de
Curitiba – porém, o jornal não se responsabiliza por sua produção, apenas da
divulgação.
A chegada dos textos de obituário no veículo (site e impresso) ocorreu em abril
de 2008. Criando uma seção fixa e com textos diários, a partir de então, o caderno
“Serviços” tomou novas formas e passou a implantar os textos de obituários,
seguindo a linha de um texto biográfico, com média de 4,5 mil a 5 mil caracteres e
carregados de particularidades da vida de perfilado8, previamente definido pelo
jornalista responsável pela produção do conteúdo.
A proposta de implantação do gênero na Gazeta do Povo foi feita por Marleth
Silva, editora executiva na época. “Eu lia em outros jornais e eu achava interessante
[...] É uma forma de abrir as portas do jornal para falar de pessoas comuns, fora do
noticiário” (SILVA, 2016).
O primeiro obituário do periódico foi a história de um motoboy, 46 anos. Estava
indo fazer uma entrega, a sua última entrega. Peres (2016) comenta que aquela
7 Cada plataforma é uma mídia, ou seja, plataforma impresso, plataforma online, plataforma móbile,
plataforma rádio e plataforma TV. 8 Informações coletada pela pesquisadora, no dia 3 de março de 2016, com a jornalista Aline Peres,
repórter responsável pela produção dos primeiros textos de obituário na Gazeta do Povo.
25
poderia ter sido igual a qualquer outra morte por acidente, se inserida às matérias
diárias do veículo. Mas estava no obituário e, por isso, foi diferente. “Queríamos e
conseguimos transformar um nome desconhecido da lista de falecimento em uma
pessoa com forma, cheiro e sentimento” (id).
No segundo semestre de 2015, o jornal passou por uma reforma em seu formato
e, por conseguinte, ficou estabelecido que os textos de obituário estariam apenas
nas edições de fim de semana e passariam a ter uma média de 3,5 mil a 4 mil
caracteres. Neste sentido, a produção do conteúdo da seção passou a se encaixar
na rotina de um jornalista, previamente selecionado para elaboração do conteúdo da
semana. A editora executiva Fernanda Leitoles (2016) esclarece os critérios das
modificações:
O jornal ficou um pouco menor. Foi preciso escolher alguns conteúdos. Então, naquele momento, a direção entendeu que, o obituário era um serviço que deveria continuar juntamente com a lista de falecimentos que sai diariamente, que é a lista das pessoas que morreram em Curitiba, tida como um documento, uma lista que é passada pela Prefeitura de Curitiba pelo serviço municipal. Já o texto da homenagem decidiu que ia ser semanal, pra que fosse trabalhado e fosse um conteúdo também do jornal especial do fim de semana (id).
Os perfilados são resgatados pelo repórter aleatoriamente, através da lista do
Serviço Funerário Municipal disponível em seu site na internet, estar entre o nicho
de conhecidos de um dos jornalistas do veículo ou por interesse da própria família.
Não existe nenhum parâmetro na hora da escolha do perfilado. Os únicos critérios
estabelecidos pelo veículo é que o perfilado tenha alguma relação com o estado do
Paraná e que a publicação não exceda três meses da data do falecimento. “Nós não
fazemos distinção entre pessoas [...] Nós vamos atrás das famílias e contamos boas
histórias, esse é o objetivo” (ibid).
No obituário não buscávamos contemplar o público A e B, por exemplo, foco da Gazeta do Povo; assim como, outros interesses editoriais. Como eu disse antes, havia uma liberdade de escolha e texto nas produções. Talvez aí o sucesso (PERES, 2016).
No sentido jornalístico, os textos podem ser tomados como um segmento da
comunicação em que um autor, o jornalista, compila uma série de dados e
informações que marcaram a vida da pessoa em questão através de um
levantamento investigativo. Uma vez que foi decidido o perfilado da semana, para a
composição da biografia são realizadas entrevistas com familiares e/ou conhecidos
26
do perfilado, na grande maioria das vezes, via telefone. “Em alguns casos as
pessoas preferem ir até a redação. São exceções, mas nós também atendemos e
fazemos pessoalmente” (LEITOLES, 2016).
Nas entrevistas, buscam-se elementos essenciais sobre o perfilado que serão
inseridos no texto. Com relação à construção da obra, discorre-se sobre aspectos de
identidade, o que ele gostava de fazer e como as pessoas a seu redor a viam, por
exemplo.
Não deixa de ser um perfil, só que com um formato mais livre e com uma pegada mais sensível. Reforço a palavra sensibilidade, porque está aí o segredo. Se for fazer uma entrevista como para um perfil de alguém vivo, nem sempre terá boas respostas. É diferente. Lembrando que a grande maioria dos contatos era por telefone, sem olhar no olho do outro. Eu usava o parâmetro da voz como sentimento e emoção. Você aprende onde investir, o momento de parar e o momento de retomar a pergunta (PERES, 2016).
Para a construção de um obituário, é preciso que se tenha o máximo de
informações sobre o indivíduo perfilado. Um ponto importante é quem ele vai
entrevistar para coletar e checar as informações necessárias para enriquecer e
sustentar seu trabalho. Neste caso, a informação está sujeita a dois níveis de filtros
de seleção, conforme relato dos colaborados e ex-colaboradores: uma das formas
utilizadas pelos jornalistas para localizar potenciais perfilados, conforme já relatado é
a lista do Serviço Funerário Municipal, através de influências entre os jornalistas ou
por interesse de famílias que procuram o veículo para solicitar divulgação.
Profissionais liberais são os perfis mais reproduzidos na seção. Ao longo desta
pesquisa, descobriu-se que isso se dá graças à facilidade na busca por contatos em
listas telefônicas ou redes sociais. Conforme aponta Peres (id), “precisávamos ser
ágeis, porque era uma produção diária”. Deste modo, constata-se que a pressão do
cumprimento de uma rotina diária causa determinação nos personagens a serem
escolhidos ao obituário.
Seguindo a linha literária, as biografias descrevem a origem dos perfilados, se
casou, teve família, sua profissão e seus gostos e costumes. A linha inferior do texto
segue um padrão: data do falecimento, idade, causa da morte – exceto em caso de
suicídio, segundo Peres (ibid). A edição gráfica é composta ainda por uma fotografia
de arquivo pessoal.
27
Diante da rotina do periódico, o repórter responsável pela produção da semana
tem o prazo de uma semana para a entrega do material. Tendo detectado e
selecionado o perfilado da semana, em um segundo momento, é feito o contato com
os familiares e conhecidos do homenageado para a composição do personagem
para a biografia.
De acordo com Vilas Boas (2007), lidar com o filtro da memória é um trabalho
de extrema delicadeza e exige que o jornalista ou historiados seja muito cuidadoso
ao tomar os relatos:
A maioria dos biógrafos reconhece que o sentido da palavra oral lhes escapa ao controle. Entrevistados com frequência alteram seus pensamentos e suas palavras conforme a idade e a conveniência; lembram e mentem conforme a necessidade e a época; consciente ou inconscientemente, reproduzem o que apenas ouviram como se tivessem testemunhado; tentam agradar ou desagradar dizendo o que acham que o biógrafo quer ouvir (id, p. 61).
O jornalista pode enfrentar resistência para coletar estas informações. Segundo
Pena (2016), dificilmente o autor encontra fontes melhores do que os familiares do
biografado, mas o que poderia ser útil para o biógrafo pode acabar se tornando uma
barreira para a coleta das informações. Mesmo que estes familiares colaborem com
o trabalho, é preciso ter cuidado. Os testemunhos estão baseados na lembrança e
nos interesses do emissor.
A seleção de perfilados era extensa, mas os que aceitavam não chegavam a dois ou três, de 20, por exemplo. Tornava-me íntima das pessoas, porque entrava na vida delas, no mais profundo. Lembro que chorei muitas vezes ao escrevê-lo. Em algumas situações eu precisei segurar para não chorar no telefone (PERES, 2016).
Os fatos históricos existem, mas não são independentes da interpretação de
quem os seleciona (CARR, 1989, p. 15). Para a construção de um texto de obituário,
é preciso que se tenha tipos específicos de informações sobre o perfilado os
repórteres desta seção necessitam ter certa sensibilidade para o filtro das
informações mas, mais especificamente, para a procura pela singularidade de cada
indivíduo.
E as pessoas ficam intimidadas quando a qualidade é que ela fazia um bolo de laranja como ninguém, e a gente sabe que no obituário isso é bacana porque o bolo de laranja que alguém fazia vai ser sempre a lembrança. No obituário, isso tudo cai muito bem, porque no fundo, na vida comum, na vida no cotidiano, que é disso que nós estamos falando, é do cotidiano (FERNANDES, 2016, em entrevista).
28
Nessa perspectiva, a seção do obituário se revelou, desde sua instalação, um
formato regular do jornal produzido em consonância com a rotina de trabalho do
veículo. Ou seja, sua produção está adequada aos demais processos que
possibilitam que a Gazeta do Povo concretize periodicamente um veículo jornalístico
composto por conteúdos diversos.
Pretendemos, portanto, apreender a especificidade da produção do obituário,
de modo a compreender de que forma se dá a elaboração deste tipo de conteúdo
(um texto jornalístico de acentuado trabalho estético, com fortes características
autorais e literárias, que anuncia a morte de indivíduos selecionados dentre vários) e
como ela se encaixa em um intrincado processo da geração de um jornal.
29
3. FORMATO OBITUÁRIO COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA
3.1 Jornalismo como um processo industrial
Freidson (1996) afirma que uma profissão procura gerar confiabilidade em
torno de si com a utilização de artifícios retóricos e institucionais que atraem seu
compromisso em servir; sendo assim, “parte da defesa que o profissionalismo faz de
seu status especial incluir a alegação de compromisso com algum valor
transcendente: verdade, beleza, esclarecimento, justiça, salvação, saúde ou
prosperidade” (id, 1996, p. 151).
Freidson (ibid) também objetiva a elucidação de profissão como um “tipo
específico de trabalho especializado” e que engloba “ocupações e ofícios
desempenhados na economia reconhecida oficialmente” (ibid, 1996, p. 143). Para o
autor, as profissões se diferenciam em virtude de uma colocação proeminente nas
qualificações da força de trabalho, confirmando crescimento e visibilidade. O
jornalismo industrial, especializado e profissionalizado, certamente se engloba nisso.
A profissionalização da atividade jornalística segue particularidades políticas e
sociais de cada país. No Brasil, a padronização se iniciou em meados do século XX,
com o Decreto-Lei 910, de 1939, assinado por Getúlio Vargas, a respeito da
regulamentação de profissões. Mais tarde, em 1967, foi assinada a Lei de Imprensa
e, a continuidade do Decreto-Lei, de 1969, referente à prática da profissão
jornalística, que começou a requerer o diploma universitário da atividade. No
entanto, a exigência do diploma foi abolida em junho de 2010, por veredito do
Supremo Tribunal Federal (NEVEU, apud AGNEZ, 2011, p. 62).
De acordo com Juarez Bahia (1990), jornalismo significa “apurar, reunir,
selecionar e difundir notícias, ideias, acontecimentos e informações gerais com
veracidade, exatidão, clareza, rapidez, de modo a conjugar pensamento e ação”.
Contudo, para alguns pensadores o jornalismo serve a interesses específicos: “os
jornais não são simplesmente empresas capitalistas com a ânsia do lucro, mas
também organizações políticas que funcionam como clubes políticos” (WEBER in
BRODBECK; BRUSTOLIN; SALMON; SILVA, 2016, p. 6).
30
A sociedade precisa confiar na fidedignidade da manifestação jornalística,
pois “é por meio do jornalismo que o leitor espera ler o mundo” (BENETTI; JACKS,
2012, p. 6). Como lembra Nelson Traquina:
Lemos as notícias acreditando que elas são um índice do real; lemos as notícias acreditando que os profissionais do campo jornalístico não irão transgredir a fronteira que separa o real da ficção. E é a existência de um „acordo de cavalheiros‟ entre jornalistas e leitores pelo respeito dessa fronteira que torna possível a leitura das notícias enquanto índice do real e, igualmente, condena qualquer 16 transgressão como „crime‟ (id, 1993, p. 168).
Para alguns estudiosos, o jornalismo trabalha com interesses específicos,
uma vez que “os jornais não são simplesmente empresas capitalistas com a ânsia
do lucro, mas também organizações políticas que funcionam como clubes políticos”
(WEBER, in BRODBECK; BRUSTOLIN; SALMON; SILVA, 2016, p. 6).
O jornalismo, para Gramsci (1979, p. 164), tem o dever de “seguir e controlar
todos os movimentos e centros intelectuais que existam e se formam num país”. No
entanto, Marcondes Filho (1989, p. 31) reconhece o jornalismo como uma
construção social de segunda essência, utilitário à preservação do capitalismo, uma
vez que o seu serviço (notícia) é instrumento de comercialização.
O jornalismo desempenha a atividade central de informar, explicar e orientar.
Todavia, o jornalismo, como fração da comunicação de massa, executa ainda outros
serviços, segundo Pereira Lima (2004, p. 11).
As funções subjacentes são muitas, variadas, incluindo-se no rol a função econômica, a ideológica, a educativa, a social, entre outras. Mas o que diferencia de fato o jornalismo de outras atividades é o desempenho da tarefa informativa e orientativa. O alimento dessa função é a ocorrência social, sobre a qual se debruça o jornalismo para, a partir daí, manter a sua audiência a par dos acontecimentos, possibilitando-lhe orientar-se diante da avalanche de ocorrências relevantes na sociedade moderna (id, 2004, p. 11).
De acordo com Traquina (2005), a profissionalização do jornalismo apadrinhou
certas circunstâncias, como a constituição de associações de classe, criação de
códigos deontológicos e a evolução do ensino da atividade. Para Traquina (id),
mesmo ainda havendo obstáculos para o meio na área profissional, com
multiplicidade de forma de acessos, algumas conquistas já foram atingidas, como a
autenticação do sigilo profissional entre fonte e jornalista, como entre médicos e
pacientes. No resguardo pelo mercado de atuação, discursos ideológicos voltados
31
para uma “imprensa livre” ou a defesa de um “quarto poder”, proposto a assistir uma
opinião pública e comprometido com a verdade, rastrearam um ethos profissional,
com peso, linguagens, práxis e regras próprias.
Na metodologia de industrialização e profissionalização da atividade
jornalística, o método da autolegitimação se apresentou permanente através da
introdução de valores relativos à liberdade de imprensa e ao interesse público
baseado em um ideal utópico de clareza como a garantia de tratado com a verdade
e a suposta neutralidade do profissional (MORETZSOHN, 2007).
Esta divisão do trabalho apresenta o jornalismo como uma atividade da
Comunicação Social que trabalha com notícias, dados e informações factuais;
coletando, redigindo, editando e publicando informações por meio de um veículo de
imprensa. As divulgações podem estar fundamentadas em circunstâncias culturais,
econômicas, políticas ou sociais.
Diante destas particularidades do processo industrial do fazer jornalístico, é
importante compreender não apenas a manufatura da produção, mas também a
narrativa jornalística como produto individual dos jornalistas. É significativo
caracterizar tanto o papel daquele que narra quanto os estímulos que norteiam as
técnicas jornalísticas nas construções textuais e as particularidades de seus
gêneros, principalmente no que diz respeito às estruturações do gênero obituário –
formato de forte característica autoral e estética e que, ainda assim, se situa na
processualidade temporal da produção do jornalismo.
3.2 O ofício do narrador e sua aproximação com as especificidades dos gêneros textuais
A narrativa é formada pelos elementos que a compõem. Como afirma Motta
(2016, p. 5), “na narrativa, imitamos a vida, na vida, imitamos as narrativas”. O
jornalismo é uma entre tantas formas de compreender o mundo e o outro por meio
do ato de narrar fatos e histórias. A narrativa jornalística pode ser compreendida
como mediação entre “os sujeitos que escrevem e se inscrevem no texto”
(RESENDE, 2006, p. 138).
32
O narrador é quem se posiciona sobre algo; ele assume o papel de
conselheiro, segundo Benjamin (apud CAVALCANTI, 2006). A proporção válida do
narrador pode aparecer em um ensinamento moral ou uma sugestão prática, de
acordo com o autor.
Rocha (2016) traça o surgimento do emblema no narrador quando o hábito
dos discursos era a expressão oral. Para a autora, nos feitos históricos, o narrador
se posicionava em um padrão superior, como embaixador da voz de outro ser. Na
modernidade, com o surgimento do romance, e a difusão da informação, aquele
narrador que já não existe mais, como explica Benjamin (apud RESENDE, 2006).
Perde sua vitalidade – narrador - no momento de exacerbação de uma prática cotidiana, burocratizante e limitadora (...), sendo assim, o ato de narrar, quando burocratizado pelas fundamentações epistemológicas do discurso jornalístico, torna-se limitado e limitador (id, pg. 3).
Traduzindo conhecimento em relato, a narrativa nos coloca em perspectiva de
um determinado acontecimento em seu desenrolar lógico e cronologicamente. “Isto
é, a qualidade de descrever algo enunciando uma sucessão de estados de
transformação” (MOTTA, 2009, p. 2).
Para compreender a estruturação do personagem dentro do jornalismo é
necessário compreender o papel do jornalista enquanto autor e conceituar seu
ofício. Para Resende (2006), as narrativas jornalísticas são dominadoras, já que
ofuscam o autor, em princípio.
O jornalista, diante de pressupostos conceituais que formatam o seu texto – a necessária busca da verdade, valor encravado na pressuposta imparcialidade de quem relata o fato – se esvai no narrado e raramente se apresenta como autor. Não há, na perspectiva da narrativa jornalística tradicional, alguém que conta a história (id, p. 164).
Com finalidade de estabelecer o que são os gêneros jornalísticos dentro do
oficio do narrador é importante verificar como a sua separação foi feita ao longo da
história. Acerca disso, Medina (2016) explica que:
[...] classificar gêneros já era uma atividade na Grécia antiga, onde Platão propôs uma classificação binária, entre gênero sério, que incluía a epopeia e a tragédia, e gênero burlesco, do qual faziam parte a comédia e a sátira. Posteriormente, o próprio Platão realizou uma nova classificação, agora em três modalidades, baseada na variação das relações entre literatura e realidade, à luz do conceito de mimesis, ou seja, da imitação: gênero mimético ou dramático (tragédia e comédia); gênero expositivo ou narrativo (ditirambo, nomo, poesia lírica); e gênero misto, constituído pela associação
33
das duas classificações anteriores (epopéia). Com isso, Platão lançou o fundamento da tripartida dos gêneros literários (id, p. 45).
Medina (ibid) afirma que os gêneros servem para orientar os leitores a
prestigiaram os jornais, além de auxiliarem na elaboração de um diálogo entre o
periódico e o leitor. Para o autor “é através das exigências dos leitores que as
formas e os conteúdos dos jornais se modificam” (ibid, p. 50). Segundo ele, os
gêneros também servem para identificar uma determinada intenção, seja de
informar, opinar, interpretar ou divertir.
No jornalismo, os tópicos de interesse público foram fragmentados em
seções, pretendendo atender a carência de informação de cada um. A classificação
nasceu a partir de uma necessidade humana, conforme levanta Seixas (2009):
[...] naturais e humanas evidenciaram a necessidade prática da classificação. Ordenar para preservar e manipular. A mesma ordem que se pretendia estabelecer para os seres vivos, se buscava na observação dos dados concretos visíveis dos textos (id, p. 20).
Para Gargurevich (1982), os gêneros jornalísticos são aspectos que os
jornalistas trazem para se manifestar. Suas características estabelecidas estão na
forma da estratégia da linguagem. O autor traz uma exibição de conceitos do
jornalismo sobre gêneros jornalísticos, abordando as peculiaridades entre jornalismo
noticioso e jornalismo literário. No primeiro conjunto estão as crônicas, as colunas,
as entrevistas, as reportagens, o editorial, o artigo e a notícia. No segundo estão os
ensaios, as biografias, os contos e as histórias verídicas ou conto da vida real (apud
MEDINA, 2016).
Para Marcuschi (2008), os gêneros estão conectados à atividade social da
língua, e aos empregos, que ao tornarem-se sucessivo em uma comunidade,
transformam o texto em um modelo pré-elaborado. “O tipo caracteriza-se muito mais
como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos
materializados; a rigor, são modos textuais” (id, p.154).
No Brasil, a classificação de gêneros jornalísticos é constantemente
modificada, “por não convencerem quanto aos critérios de divisão” como afirma
Seixas (2009, p. 55). Isso faz com que a cada novo estudo científico os gêneros
ganhem novos conceitos e divisões.
34
Luiz Beltrão e Marques de Melo (apud TONDOLO, 2016) categorizam os
gêneros jornalísticos de forma semelhante. Luiz Beltrão classifica os gêneros em:
Informativo (História de atrativo humano, Notícia, Reportagem, Informação pela
imagem), Opinativo (Editorial, Artigo, Fotografia e ilustração, Resenha, Crônica,
Charge/caricatura, Colaboração do leitor) e Interpretativo (Reportagem em
profundidade). Logo, Marques de Melo divide em: Informativo (Nota, Notícia,
Reportagem, Entrevista) e Opinativo (Editorial, Artigo, Resenha, Crônica, Caricatura,
Carta, Comentário, Coluna).
Ainda de acordo com Bazerman (in TONDOLO, 2016, p. 7), as características
dos gêneros textuais “estão relacionadas as funções principais ou atividades
realizadas”, desta forma, a missão do gênero coordena suas peculiaridades
linguísticas. Desta forma, os textos de obituários podem se desprender de alguns
limites e paramentos do jornalismo informativo – capaz de desprender-se das
noticias midiáticas.
Para Lima (apud MARTINS, 2016), a estruturação da perspectiva sistêmica
de um determinado acontecimento exige a identificação da atividade que o sistema
vem praticando e poderá vir a praticado. Os textos de obituário não estão
estritamente ligados ao sistema jornalístico de produção, como a notícia, por
exemplo. Nesta perspectiva, o obituário é um produto autônomo, pois apresenta
maior liberdade e não sofrem interposições sobre outros trabalhos do jornalismo
convencional e seu sistema. Com um parâmetro mais literário, o obituário, não traz
somente as formas básicas da narrativa dos fatos, ele caracteriza-se por ser um
texto mais carregado de adjetivos, e um enredo sofisticado.
3.3 Jornalismo literário e rotinas produtivas de trabalhos autorais como o obituário
Conforme já dito, enquanto um gênero que está intimamente relacionado com o
jornalismo literário, “os obituários são, sem dúvida, na imprensa diária, os textos
mais bem escritos, eles estão muito próximos do melhor texto do jornalismo literário”
(SUZUKI, 2016, s/p).
35
O princípio do jornalismo literário é detectado por diferentes autores em
diversos momentos históricos. De acordo com Pena (2016), alguns determinam
como referência introdutória o século XIX, onde “escritores assumiram as funções de
editores, articulistas, cronistas e autores de folhetim” (id, p. 21). No entanto, demais
autores acreditam que o jornalismo desenvolvido nos anos 1960 como a origem
desta tendência.
Para Martinez (2009), a especialidade jornalística tem primícias em época
muito mais extrema, determinando o advento do jornalismo literário simultaneamente
ao início da civilização, quer dizer, da oralidade.
Não seria incorreto, sob este ponto de vista, dizer que os seus primórdios remontam à aurora da civilização. Tempo em que o ser humano se deu conta de que era finito e que, para lidar com o irremediável fato de sua mortalidade, começou a se questionar, pensar, simbolizar e, sobretudo, comunicar suas inquietações e descobertas sobre essas questões que continuam nos intrigando até hoje, como a origem da vida, de onde viemos, para onde vamos, quem somos (id, p.72).
Como já mencionado neste trabalho, os textos da seção obituária de um
veículo são composições cujas características se aproximam do chamado jornalismo
literário. Um estilo que foge do campo pré-estabelecido, os textos sobressaltam o
óbvio e cruzam os aspectos predominantes das publicações. Um gênero jornalístico
que emprega estratégias peculiares da composição literária e se dispõe a provocar
sensações, despertar interesse, instigar e seduzir.
O jornalismo literário é identificado por Lima (1969) como um ofício em que as
expressões, utilizadas em uma maneira particular, devem ser um fim em si mesma e
não um meio, afirmando que “o modo de dizer é um elemento capital para que o
jornalismo, como qualquer outro êmprego [sic] da palavra, seja ou não uma arte” (id,
p. 42).
Segundo o autor, é este modo de dizer, de empregar as palavras, que
estabelece o jornalismo como gênero literário e artístico. Assim como Lima (ibid),
outros autores também consideram essencial o estilo e uso da palavra como forma
de fixar o jornalismo em vertente literária (WEISE apud MELO; OLIVEIRA; VALKIU;
VICHOSKI; VIEIRA, 2016).
Tanto jornalismo quanto literatura empregam a palavra para dar corpo ao fato, seja ele jornalístico ou ficcional. A literatura abusa do mundo
36
imaginário, já o jornalismo prima pela versão de fatos que envolvem, de alguma maneira, seres humanos (id, p.43).
Para Costa (2005), a linguagem literária atravessa a estrutura do discurso
jornalístico. Para a autora, ao contrário da direção do texto jornalístico, esta
linguagem apresenta uma “intransitividade radical”, fundamentada na liberdade
linguística e na autorreferência. Em outras palavras, a manifestação literária não tem
a obrigação de difundir algo de aspecto objetivo.
Do jornalismo literário, Lima (2016), destaca sua natureza humana, espaço
para pessoas deixam de ser “apenas um dado folclórico de ilustração de uma
situação, uma fonte de informação” para se enxergarem estampadas em toda a sua
complexidade como imagem de uma utilidade social. Assim sendo, afirma o autor:
O Jornalismo Literário que se preza envolve a imersão do repórter na realidade que deseja retratar, a exatidão no relato de acontecimentos e situações, a leitura simbólica do mundo que observa, estilo, uma voz narrativa distinta e às vezes digressões que abram uma reflexão profunda sobre o tema subjacente à narrativa. Busca unir a compreensão racional do mundo com o entendimento intuitivo, passando pela leitura sensível de pessoas, ações, cenários e contextos. Une razão e lógica, integra as esferas objetiva e subjetiva que constituem a realidade integrada (id, p.1).
Autores ressaltam que a essência do jornalismo literário não o caracteriza
numa variação do jornalismo tradicional, mas de um “modelo paralelo e oposto,
composto por suas próprias variações de modalidade” (PASSOS e ORLANDINI,
2016, p. 78), estabelecido pela combinação substancial de jornalismo e literatura.
Referente ao vinculo que cerca o jornalismo e a literatura, Lima (1969) declara
que “sendo literatura, por se enquadrar dentro da definição dessa atividade humana,
não se confunde com qualquer outro gênero literário, distinguindo-se deles pela
marca específica de ser uma apreciação em prosa dos acontecimentos” (id, p. 64).
Para Pena (2016), essa liberdade na criação do conteúdo possibilita ao
jornalista abstrair-se de entrevistados formais, rotineiros da imprensa diária, e
levantar outras fontes, muitas vezes protagonistas presentes no cotidiano popular.
Desta maneira, como acontece nos textos de obituários, é permitido inovar e
elaborar mais aspectos de envolvimento com o leitor. Para o autor, o conceito de
jornalismo literário abrange:
Potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade,
37
exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade nos relatos (id, p. 13).
O estilo literário, portanto, é a arte da combinação de expressões que podem
ou não adotar as articulações linguísticas para manifestar uma mensagem que
possui um significado inexpressável pelos modelos da narrativa do discurso
cotidiano. Percebemos neste momento que toda notícia é objeto de apuração
jornalística, mas nem todo texto jornalístico é, necessariamente noticioso. Há outras
formas de texto, com personalidades poéticas e literárias que podem ser
classificados como textos jornalísticos não noticiosos, como as crônicas, os editoriais
e os obituários, por exemplo.
Como forma de dar continuidade do processo de estudo do gênero, é preciso
adentrarmos nas rotinas jornalísticas e técnica de produção para associarmos o
processos e elaboração do conteúdo abordado.
38
4. PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E A ELABORAÇÃO DA NOTÍCIA
4.1 A construção da notícia sob a perspectiva da teoria do newsmaking
A maneira singular como um jornal nota, narra e relaciona os fatos é um
importante ponto de partida para conhecê-lo. Os jornalistas possuem costumes
próprios que são determinados pelo processo de apuração, redação e divulgação
das informações, principalmente em produtos autorais como caso dos obituários.
Neste sentido, compreender as rotinas produtivas e o processo de construção da
notícia é necessário para esclarecer a metodologia de elaboração desse produto.
Um dos estudos sobre a estruturação da notícia é a teoria do newsmaking, o
conceito aborda o processo de construção das notícias como um fenômeno de
interesse social. Para esta teoria, desvendar suas especificidades significa reunir
várias disciplinas. O estudo do newsmaking reúne observações de áreas como a
ciência política, a economia, a crítica literária e a sociologia.
Hohlfeldt (apud RUSSI, 2016) destaca que a teoria teve início com as
investigações acerca da verificação do processo de gatekeeping (filtragem da
notícia) realizados por Kurt Lewin, nos Estados Unidos, em 1947. A compreensão
deste estudo exibe a expressão originária do inglês, gate „portão‟ e keeper „porteiro‟,
que Wolf (1995) retrata como „selecionador‟ das notícias compartilhadas ao público.
De acordo com os estudos de Lewin, “os gates são regidos por regras imparciais ou
por um grupo (no poder) de tomar a decisão de „deixar entrar‟ ou „rejeitar‟ uma
notícia” (WHITE in TRAQUINA, 1999, p.142). Desta maneira, o gatekeeper dá
medidas às notícias para descomplicar a escolha do que vai entrar.
Já para Motta (2002) a teoria newsmaking é uma corrente de estudos sobre a
maneira de seleção de notícias que se aprimorou na Universidade de Birminghan,
Inglaterra, a partir da década de 1960. Para ele, o newsmaking “nasceu fazendo
uma forte crítica ao empirismo da sociologia da comunicação norte-americana” (id, p.
130).
Os estudos sobre newsmaking tratam os meios de comunicação como
emissores de mensagens socialmente produzidas. Na formação dessa mensagem,
se espelham as rotinas produtivas dos profissionais. O cotidiano é marcado por
39
acontecimentos que atingem diretamente a sociedade. Para Hohlfeldt (apud RUSSI,
2016) a hipótese de newsmaking dá ênfase à produção de informações, ou seja, à
transformação dos acontecimentos em notícia.
A hipótese de newsmaking dá especial ênfase à produção de informações, ou melhor, à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. Deste modo, é especialmente sobre o emissor, no caso o profissional da informação, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e sua narratividade, que é a notícia, que está centrada a atenção destes estudos, que incluem sobremodo o relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes etapas de produção informal, seja ao nível da captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua distribuição (id, p. 9).
A noticiabilidade, apresentado por Wolf (2001) como consequência da
investigação do newsmaking, está pertinente ao processo de rotinização das
atividades produtivas do jornalismo, que representa em colher matéria prima a partir
das situações. Pra o autor, as notícias são aquilo que os jornalistas delimitam como
tal, mas a noticiabilidade é “a reposta que o órgão dá à questão que domina a
atividade dos jornalistas: quais os factos quotidianos que são importantes?” (WOLF,
2001, p. 190).
Wolf (2003) relaciona o newsmaking com um estudo ligado à sociologia das
profissões. Para ele, o estudo passa, impreterivelmente, pelo quesito dos
parâmetros de distinção do que vem a ser noticia, isto é, critérios de relevância e
ponto de vista da noticiabilidade dos fatos.
A noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas -, para adquirir a existência pública de notícia. Tudo o que não responde a esses requisitos é „selecionado‟, uma vez que não se mostra adequado às rotinas de produção e aos cânones da cultura profissional: não conquistando o estatuto público de notícia, permanece simplesmente um evento que se perde na „matéria-prima‟ que o aparato informativo não consegue transformar e que, portanto, não deverá fazer parte dos conhecimentos de mundo, adquiridos pelo público por meio da comunicação de massa. Pode-se dizer também que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias (id, pg. 195/196).
Wolf (ibid) destaca também que os critérios de noticiabilidade e as rotinas
produtivas empregados pelos veículos podem promover uma distorção, ainda que,
inconsciente, entre o acontecimento e o produto final, ou seja, a notícia. No âmbito
40
referente aos meios de comunicação, os fatos são considerados com base no meio
em que a notícia pretende ser explorada. Entra em análise a disponibilidade,
liberdade para deslocar um profissional e até mesmo o acesso à informação.
Para Traquina (2005), a notícia é construída de forma complexa e na sua
produção intervêm agentes e forças sociais diversas. E como podemos observar nas
constatações dos autores acima, diante de um amplo universo de fatos ocorridos, o
jornalismo estabelece critérios que determinarão quais destes fatos serão vistos
como notícias e, consequentemente, divulgados. Assim, pode-se afirmar que o
processo de seleção da notícia nas redações é, muitas vezes, subjetivo. Isto quer
dizer: as notícias que chegam até a população são aquelas que o jornalista, ou o
veículo em que ele trabalha, decidiu publicar.
Em suma, se a identidade do jornalismo enquanto profissão continua a ser problemática, é bem clara a existência de uma identidade jornalística, ou seja, existe uma resposta bem precisa à pergunta sobre o que é que significa “ser jornalista”. Antropologicamente falando, a comunidade jornalística é uma tribo, e as características e ideologia dessa tribo são um factor crucial na elaboração do produto jornalístico, na definição da agenda jornalística (TRAQUINA, 2000, p.25-26).
Os interesses do veículo de comunicação influenciam no que vai ser noticiado.
O espaço dedicado ao fato também será mensurado a partir do grau de importância
estabelecido pela empresa. A seção de obituários tem local limitado no jornal, e é
utilizada para publicar mortes que foram encaminhadas ao veículo e/ou
selecionadas por ele. Além disso, existem os fatos inesperados, que contemplam
vários critérios de noticiabilidade e por isso precisam ser publicados, como o
falecimento de famosos, que geralmente é mencionado na seção, por isso a
influência da teoria do newsmaking como correspondente análise.
4.2 Rotinas produtivas na elaboração cotidiana do produto jornalístico
Como a presente unidade de análise tem como objetivo investigar o processo
de produção dos textos da seção obituário da Gazeta do Povo, compreender
detalhes da atividade profissional e das rotinas produtivas contribuem para
elucidação da articulação do cotidiano do veículo. Isso significa repensar as rotinas
41
profissionais no jornalismo visando identificar técnicas de produção característica da
seção de obituário.
Chamamos de mídias convencionais aquelas de caráter comercial, tradicionais
veículos de empresas e redes de comunicação instaladas no mercado para
distinguir de mídia das fontes. As instituições criaram seus próprios serviços de
comunicação para falar com jornais, rádio, televisão, internet.
Particularidades da rotina de produção jornalística provocam alterações nas
decisões do que se torna ou não notícia nas esferas de comunicação de massa. De
acordo com o manual da Folha de S. Paulo, o jornalismo está “subordinado a um
regime de pressa que faz parte de sua utilidade pública” (p. 14). Isto é, a utilidade
pública, assim sendo, está associada à agilidade. Uma notícia não tem valor se for
antiga.
Na metodologia de produção das notícias, à formação de práticas profissionais
que, em grande proporção, condicionam a rotina de jornalistas e repórteres,
combina-se ainda as pressões adotadas pela ânsia da empresa. Segundo Traquina
(2005), esse processo é natural, pois a adaptação do jornalista ao ritual é
considerada profissionalismo. “O conhecimento de formas rotineiras de processar
diferentes tipos de „estórias‟ noticiosas permite aos repórteres trabalhar com maior
eficácia” (id, p. 193).
Assim, é preciso averiguar a pertinente liberdade que os jornalistas utilizam a
seu trabalho, no centro de um plano em que dificilmente as decisões serão tomadas
isoladamente. Os manuais de redação instruem os jornalistas a acompanhar a linha
editorial do jornal, ajustando limites para a emancipação dos autores das notícias.
Consequentemente, apesar das linhas editoriais e dos valores notícias, a rotina
produtiva do veículo também pode intervir na produção do jornalista.
Cada meio e cada seção tem uma maneira de ordenar o trabalho e um acordo sobre o que supostamente o jornalista deve fazer e se espera que ele faça, assim como critérios que indicam o que é publicável, noticiável, e que formam parta de qualquer organização dos meios de comunicação (MARTINI apud MARTINS, 2003, pg. 6).
Em relação ao ambiente organizacional, as rotinas produtivas, a cultura
profissional e a estrutura de valores–notícia dominante, os jornalistas trabalham
como elementos no controle de execuções lógicas produtivas e fazem a
42
intermediação desse suporte com as operações objetivas, a realidade social e a
própria subjetividade. Os jornalistas são operadores proprietários de um
determinado nível de liberdade na prática em relação aos poderes constituídos, e
têm papel relevante nos processos de construção negociada de sentidos quando
elaboram seu relato sobre os acontecimentos a partir de dados fornecidos pelas
fontes (TRAQUINA, 2005, p. 114-126).
Alguns aspectos da rotina de produção jornalística influenciam claramente na
definição do que vira ou não notícia nos meios de comunicação. Para se moldar às
linhas editorias do veículo, um jornalista começa a decifrar as especificidades do
veículo e passa a trabalhar de acordo com elas. Como evidencia Breed (apud
TRAQUINA, 2005), o profissional passa a assimilar a rotina para qual está
trabalhando, aprende a política editorial, descobre e interioriza os direitos e as
obrigações do seu estatuto, interessado em recompensas e evitando punições.
Um ponto a ser considerado neste contexto de rotinas produtivas, dentro do
processo de produção dos obituários é que há neles influência de uma espécie de
compromisso com a memória e com o nostálgico - e não, necessariamente, com o
fato ou a relação reveladora do acontecimento. Ou seja, a “pauta de Deus”, como se
refere Marocco (2016) referindo-se aos critérios da rotina produtiva dos textos,
coloca o obituário como um ambiente de noticiabilidade para “acontecimentos
impróprios” e que não teriam no gênero algum valor-notícia. Deste modo, tornam a
morte “acessório de um acontecimento estético, cuja apreensão é concebida na
relação entre o jornalista e o que se configura como um objeto de valor, em um ritmo
que não é natural ao jornalismo” (id, p. 374).
4.3 A elaboração da reportagem-perfil na rotina produtiva de um jornal
Ao buscarmos estudar os processos de confecção dos conteúdos de
obituários, um fator considerado primordial é o esclarecimento do comportamento e
das rotinas de produção do texto em estilo perfil.
O perfil é um gênero que descreve os fatos sobre a vida de uma pessoa,
procurando informações inéditas, tratando o indivíduo com uma identidade original.
Usa figuras de linguagem e caminhos literários para retratar a existência de alguém
43
– contudo, o perfil pode ser um conteúdo amplo. Se a notícia é o informe de um
episódio de interesse jornalístico, a reportagem é a narrativa que trata as origens,
implicações e desenvolvimento do fato, bem como apresenta os personagens
envolvidos nele, humanizando-os. [...] “é uma extensão da notícia e, por excelência,
a forma-narrativa do veículo impresso” (SODRÉ, 1986, p. 11).
A reportagem-perfil visa atender a necessidade de ampliar os fatos para uma
dimensão contextual e colocar para o receptor uma compreensão de maior alcance,
que possibilita um mergulho nos fatos e em seu contexto e oferece ao seu autor
uma dose ponderável de liberdade para superar os padrões e fórmulas
convencionais do tratamento da notícia.
As pessoas lêem e continuam lendo biografias, acredita Stephen B. Oates, pelo prazer de se projetarem em outras vidas, diferentes tempos, outros destinos e de retornarem ao presente após a viagem. As biografias sugerem o universal embutido na particularidade de um indivíduo. É como se o leitor se deliciasse com o fato de não estar sozinho no mundo, de poder compartilhar a sua própria história com a outra pessoa, não importando a época (VILAS BOAS, 2007, p. 37).
É, portanto, considerado um produto para uma leitura agradável, que consegue
abordar passagens relevantes da vida e carreira do entrevistado e/ou perfilado,
extrair suas convicções em assuntos importantes, ouvir o que dizem dele os amigos
e até os inimigos. O perfil é o “filão mais rico das matérias chamadas humanas”, pois
é nele que o repórter tem a chance de fazer um texto mais trabalhado – seja sobre
um personagem, um prédio ou uma cidade (KOTSCHO in LENE, 2016).
Para fazer um perfil é necessário que o repórter se municie previamente sobre o tema de que vai tratar. O motivo é simples: para ir fundo na vida de uma pessoa ou de um lugar é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem. Estas informações prévias podem ser conseguidas no arquivo do jornal, em pesquisa na internet ou com pessoas ligadas ao assunto (id, 2016, s/p).
Os indivíduos se interessam pela trajetória dos outros, em virtude da
magnanimidade passada por suas performances excêntricas. Quando uma pessoa
falece, as memórias preponderantes se sobrepõem. No obituário, por exemplo,
concentra-se a morte através dos feitos e do passado do indivíduo. “A cultura de
massa, que valoriza o indivíduo particular, que ignora o além não tem outra coisa a
fazer senão recalcar, camuflar, euforizar o fundo trágico ou delirante da existência,
e, evidentemente, a morte” (MORIN in SILVA, 2016, p. 25).
44
Para Sodré (1986), diante do perfilado, que pode ser um herói ou anti-herói, o
repórter deve manter dois tipos de comportamento: ou permanece afastado,
permitindo que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado
momento e passa ao leitor essa experiência (id, p. 14). Para o autor, a reportagem-
perfil apresenta-se das seguintes formas:
a) Personagem indivíduo – A imagem que o jornalista faz do perfilado é menos
referencial e mais psicológica. A relevância trata a respeito do comportamento do
entrevistado/perfilado diante da vida, sua conduta, a característica de seu modo e
atitudes. O narrador, obviamente, salienta o lado de maior importância do perfilado
(modelo característico de obituários).
b) Personagem tipo – Nem sempre temos uma figura surpreendente. Como por
exemplo, celebridades que se inscrevem em grupos: esportistas, cantores,
milionários, etc. O natural, diante disso, é ressaltar, no texto, propriamente aquilo
que lhes deu popularidade: beleza, dinheiro, habilidade, talento, ou qualquer outra
característica própria de suas classes ou atividades.
c) Personagem caricatura – São os indivíduos estranhos, grotescos, de atitudes
espalhafatosas, com intensa inclinação para a exibição, que podem originar um perfil
tipo caricatura.
d) Miniperfil – Casualmente introduzido na reportagem. Sendo assim, a ênfase é
dada aos acontecimentos, suas ações, e os personagens são complementares ou
secundários. A descrição de um episódio é suspenso para dar um breve destaque
sobre personagens.
e) Multiperfil – Quando o personagem é tão significante que merece uma
abrangência maior que a do perfil. Exemplo: quando é uma personalidade muito
reconhecida, escritor renomado ou figuras políticas, jornais chegam a elaborar
cadernos especiais exclusivos sobre o indivíduo.
Ainda segundo o autor (ibid), a imagem que o repórter faz de um perfilado é
mais psicológico do que referencial. A importância reincide sobre o posicionamento
do individuo diante da vida, suas particularidades, comportamentos e modo de
desempenho. O locutor, sensatamente, salienta o sentido de maior relevância do
perfilado.
45
O bom perfil “é intimista, sem ser invasivo; e interpretativo, sem ser analítico”
(PIZA in LENE, 2016, s/p). O autor ainda destaca que no jornalismo brasileiro,
corriqueiramente, os perfis costumam terminar glamourizando os personagens,
através de seus gestos elogiáveis. Um erro, segundo ele.
Para desvendar o processo de produção do conteúdo do obituário, faz-se
necessário compreendermos que o perfil ou a reportagem-perfil caracterizam o
material que é publicado na seção de obituários. Isso pode ser certificado a partir da
análise de que muitos textos desse padrão se empregam de referências sobre
alguém para escrever uma memória.
46
5. ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DO OBITUÁRIO DO JORNAL GAZETA
DO POVO
Nesta divisão, os conceitos teóricos abordados ao longo dos capítulos
anteriores são aplicados através da análise da pesquisa etnográfica. Os tópicos a
seguir referem-se, de acordo com a metodologia utilizada neste estudo, às
condições e diagnósticos revelados ao longo das entrevistas.
5.1 A pesquisa etnográfica como forma de entender as rotinas produtivas do obituário
Há muitas maneiras de se fazer pesquisa no âmbito das ciências sociais e
humanas, e de acordo com teorias já citadas, sabemos, portanto, que o jornalismo
produz discursos em condições particulares. A partir dessas considerações, para a
investigação do objetivo proposto a esta monografia, adequam-se os métodos da
vertente etnográfica.
Mas o que é exatamente uma etnografia? Ferreira (1999, p. 849) define a
etnografia de duas maneiras: como "parte dos estudos antropológicos que
corresponde à fase de elaboração de dados obtidos em pesquisa de campo e
estudo descritivo de um ou de vários aspectos sociais ou culturais de um povo ou
grupo social".
A etnografia é uma descrição densa. Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 2008, p. 7).
Para Wilson (apud LIMA; DUPAS; OLIVEIRA; KAKEHASHI, 2016) a pesquisa
etnográfica apoia-se em dois prognósticos sobre as práticas humanas: 1) a hipótese
naturalista-ecológica, que declara ser a conduta humana consideravelmente
influenciada pelo âmbito em que se posiciona. Por causa disso a conveniência de
estudar o indivíduo em seu ambiente natural. 2) a hipótese qualitativo-
fenomenológica, que define ser pouco possível entender uma conduta,
procedimento ou costume sem procurar compreender a situação referencial dentro
47
do qual os indivíduos coabitam. Logo, o pesquisador deve exercer o papel subjetivo
de participante e o papel objetivo de investigador, a fim de compreender e explicar
aquele determinado comportamento.
Geertz (apud TRAVANCAS, 2016) acredita que a etnografia é um método cuja
aplicação significa "estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos,
levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, assim por diante" (id, pg.
1). Sendo assim, as especificidades do método etnográfico o tornam aplicável nos
critérios de execução desta pesquisa, uma vez que se pretende aqui mapear, por
meio de entrevistas em profundidade com os atores sociais envolvidos, os meandros
da produção jornalística e suas relações com o produto – o jornal e, mais
especificamente, o formato obituário dentro do sistema do jornal – a partir da
compreensão de suas rotinas.
O trabalho de campo etnográfico é uma técnica especialmente aberta para a
representação do cotidiano. O reconhecimento participante exige que seus
praticantes experimentem fisicamente a tarefa de interpretar um corpo social,
procurando compreender suas expressões, sistemas e símbolos. A teoria
etnográfica faz o pesquisador ver com outros olhos a diversidade cultural e
linguística. O termo etno designa cultura. O conceito é uma descrição densa de uma
determinada cultura, feito a partir de um trabalho de campo, cuja observação
participante é a principal característica. Lago e Benetti (2008, p. 234) ressaltam a
importância da observação participante nas pesquisas práticas sobre a relação dos
emissores.
Na falta de um conceito mais efetivo para darmos da observação participante no dia-a-dia das redações propomos a noção provisória do etnojornalismo, observação sobre práticas jornalísticas que resultam num produto chamado notícia (id, 2008, p. 234).
A etnografia é hoje empregada na compreensão das especificidades culturais
de grupos de nossa própria sociedade. Em pesquisa etnográfica, o observador vai
até o local de produção, permanece durante um período de tempo, analisando como
os profissionais do jornalismo aplica sua atividade, para assimilar como se dá o
processo de produção das notícias. Isso permite reconhecer as rotinas como parte
central do processo. Fernandes (2002) acredita que a melhor maneira para estudar
48
um grupo é submeter-se aos choques culturais do determinado local. Para o autor, é
preciso usar seus próprios corpos e mentes como um laboratório.
O trabalho do jornalista Gonzo termina quando ele conta uma boa história. O do etnólogo apenas começa aí. Ele tenta interpretar a pesquisa de campo. E geralmente isso leva a questionar a ciência, o modo ocidental de viver, os valores e a filosofia. Passa-se da etnografia para a etnologia (FERNANDES in COSTA; BATISTA; GOMES, 2016, p. 57).
Segundo Pena (2016), para perceber além, é necessário ver com olhos do
outro. Vivemos da nossa própria cultura, nossos estilos, nosso vocabulário,
costumes, princípios e conduta, e esses elementos não podem servir como base de
conduta para estudar a coletividade. Neste sentido, o autor questiona: “como pode
um profissional perceber a cultura, o rito e mito das diversas sociedades se é cego
para o polissêmico e surdo para o polifônico?” (PENA, 2016, s/p).
Do ponto de vista etnográfico do jornalismo, faz sentido pensar que os
profissionais da área formaram, ao longo dos anos, uma cultura técnica, a qual
Traquina (2005) chama de tribo jornalística, uma vez que “não é possível
compreender as notícias sem uma absorção da cultura dos profissionais que
dedicam suas horas e, às vezes, suas vidas, a esta atividade” (id, p. 14). O autor
destaca que a formação dessa tribo jornalística, ajustada por profissionais que
repartem uma cultura profissional, acaba fazendo com que isso se revele na forma
similar com que todos os jornalistas propagam as notícias - como uma consequência
de pensamentos comuns de um grupo.
O principal objetivo da pesquisa etnográfica é entender o ponto de vista do
informante. E para verificar se um estudo pode ser chamado de etnográfico, “basta
verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar aquilo que ocorre no
grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro deste grupo”
(WALCOTT in SILVA, 2016, s/p).
Mais do que um estudo sobre pessoas e/ou comportamento, etnografia quer
dizer “aprendendo com as pessoas” (SPRADLEY in LIMA; DUPAS; OLIVEIRA;
KAKEHASHI, 2016, p. 24). É importante esclarecer que a pesquisa etnográfica não
é a única forma de averiguação e interpretação de um meio, no entanto, a fim de
compreender as características do processo autoral e os elementos metodológicos
do obituário da Gazeta do Povo, a pesquisa leva em consideração a hipótese
49
“qualitativo-fenomenológica”, visando interpretar o que é e como é desempenhado o
gênero utilizando dos recursos etnográficos de apuração.
5.2 Método e condições da pesquisa empregada
Bronosky (in PIRES, 2016, p.43), estabelece uma definição de etnografia que
se harmoniza igualmente ao problema proposto pela pesquisa. De acordo ele, “a
etnografia trata-se de um processo/método de captura, descrição e análise de dados
provenientes de observações qualitativas realizadas em agrupamentos específicos”.
Segundo Bardin (1994), a pesquisa é uma forma de estudo em que se
atribuem conceitos objetivos em objetos de comunicação. Como resultado das
propostas de estudos desenvolvidos neste trabalho, e como já mencionado, na
etnografia, o pesquisador participa, o quanto é possível, da vida normal do grupo
pesquisado, da cultura pesquisada. A partir dessas considerações, o método de
pesquisa conduzido neste trabalho foi a pesquisa de profundidade, que significa uma
técnica qualitativa que permite explorar um ou mais temas, com maior profundidade
do que as entrevistas comuns.
Quando aplicada, a entrevista de profundidade pode ser classificada em três
categorias distintas, em função do grau de estruturação do guia de entrevista
utilizado pelo entrevistador: entrevista não-estruturada; entrevista semi-estruturada e
entrevista estruturada (DELBÈS; GRAMONT, apud MARCHETTI, 2016). A estratégia
utilizada para a entrevista aplicada nesta pesquisa foi o método da entrevista
individual e estruturada, pois se percebeu a necessidade da criação de um roteiro de
perguntas, acreditando que desta forma, o aproveitamento do tempo, da
observação, interpretação, discernimento e o desenvolver de uma perspectiva
holística, seriam mais favoráveis.
Apesar de a observação participativa ser uma técnica importante à pesquisa
etnográfica, neste trabalho a estratégia não foi aplicável. Tendo em vista que, desde
o segundo semestre de 2014, o obituário passou a ser semanal, o repórter
responsável pelo texto encaixa a produtividade do conteúdo na sua rotina diária do
expediente – ou seja, não existe, necessariamente, um horário específico para
50
elaboração do produto, o que não possibilitaria a permanência de uma pesquisadora
dentro da redação para acompanhar a prática de produção.
Para chegar a uma compreensão descritiva contextualizada do processo de
produção dos obituários da Gazeta do Povo, optou-se por realizar entrevistas com
dois obituaristas e uma editora executiva e uma ex-editora do veículo, acreditando
que desta forma possível interpretar e desenvolver uma perspectiva do processo de
análise proposto por este trabalho.
Foram coletados depoimentos da ex-colaboradora da seção, Aline Peres; o
colaborador José Carlos Fernandes; a ex-editora e introdutora do projeto no veículo,
Marleth Silva; e a atual editora da seção, Fernanda Leitóles. A condição das
entrevistas foi planejada através de encontros pessoais com os referidos. Porém, a
rota da pesquisa foi adotada com dois dos entrevistados. Devido a indisponibilidades
pessoais, Aline Peres participou da entrevista através de e-mail, e a editora
executiva Fernanda Leitóles prestou participação via contato telefônico.
A escolha dos entrevistados se deu pelo seu tempo de colaboração na seção,
pela participação histórica no início do processo de introdução dos textos no veículo
e pela atuação no desenvolvimento editorial nos dias que correm a produção desta
monografia. Os dados gerados através das técnicas aqui descritas foram transcritas
e encontram-se na categoria “Anexos” desta pesquisa. Todos os entrevistados foram
acessíveis e se mostraram dispostos a colaborar com a elaboração do estudo.
O encontro com José Carlos Fernandes aconteceu no setor de Comunicação
Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o de Marleth Silva aconteceu
em um café, na região central de Curitiba. Todas as entrevistas foram gravadas,
tendo autorização prévia dos entrevistados, inclusive a realizada com Fernanda
Leitóles, via telefone.
Segundo Pena (2005), “a „tribo‟ dos jornalistas tem efetivamente seus próprios
costumes e ritos” (p. 152). No geral, o recolhimento de dados feitos através do
método etnográfico teve foco de interpretar individualmente cada realidade dentro da
seção, contextualizar e compreender a prática e rotina de produção do obituário da
Gazeta do Povo.
51
5.3 O processo de seleção e construção do obituário da Gazeta do Povo
Os conceitos teóricos abordados ao decorrer desta pesquisa foram aplicados
através dos parâmetros da pesquisa etnográfica. Assim, os estudos propostos pela
análise, que intenta investigar a rotina produtiva da seção, que engloba a rotina do
repórter, seleção de perfilado, processo de produção, função do editor, e produto
final.
A análise da pesquisa de campo nos possibilita identificar uma mecanicidade
no processo de produção dos textos. Como relata Leitóles (2016), ao ser indagada
sobre os passos da construção do obituário no jornal Gazeta do Povo:
Primeiro: encontrar o personagem. Passo dois: entrar em contato com a família e explicar o que é obituário pra ver se elas aceitam ou não. Se a família aceitar, nós marcamos uma data para fazer a entrevista. Passo três: a pessoa ou as pessoas, porque às vezes são duas, enfim, vão contar pra nós tudo que elas queira sobre os seus falecidos. Passo quatro: depois que fizemos essas entrevistas vamos produzir o texto para o obituário. Passo cinco: esse texto será realizado pelo repórter. Passo seis: será editado por mim. Passo sete: eu vou preparar essa edição, ou seja, vou colocar na página, passar para o paginador. Passo oito: esse conteúdo vai ser publicado no jornal de fim de semana e no site da Gazeta do Povo (id).
Para Leitóles, Peres e Silva (2016), a ideia do obituário é valorizar o homem
comum, aquele sujeito que não entraria como destaque de seus feitos no noticiário.
Olha, eu nem sei mais o que eu pensava na época, porque assim, eu achava era uma forma exatamente de falar de pessoas comuns, porque muitas vezes a gente ouve falar de pessoas interessantes [...] na verdade eu achava que o obituário era uma forma, pelo que eu lia, de outros jornais, de você colocar pessoas comuns que, normalmente, não sairia no jornal. Essa que era a minha ideia, você colocar a pessoa comum (SILVA, 2016).
Contudo, as entrevistas trazem pistas de que a realidade nem sempre permite,
precisamente, elaborar os conteúdos através desses critérios de planejamento.
Como já discutido no capitulo dois desta pesquisa, devido ao tempo viável para tal, o
contexto da necessidade de agilidade acaba determinando modificações na
justificativa inicial do produto.
Para Fernandes (2016) o detalhe do sucesso e eficiência no processo de
elaboração do texto de obituário é “procurar a chave”. Decifrar detalhes, fazer o leitor
se identificar. “A regra é o leitor dizer „minha vida comum e a minha vida parecida
52
com a dele‟, „eu também sou assim‟” (id). No mesmo sentido, para Silva (2016) a
particularidade está em não repetir padrões textuais ou estereótipos:
Era um tal de dizer: “como um bom católico ele era devoto de Nossa Senhora”. “Nunca esqueceu a sua infância passada no interior e por isso gostava de comer banana no pé”. Então virava um clichê, um clichê, um clichê e isso era um problema. E como é que você foge do clichê? Ficar ouvindo, ouvindo, ouvindo e escrever o que ela falou e não o que você já tem pronto na cabeça (id).
Pensar nos fatos básicos. Não excluir detalhes simples da vida das pessoas é
ainda considerado uma premissa para a técnica de produção. Esse procedimento é
importante ao se levar em conta as diferentes etapas de produção na narrativa do
obituário.
É isso que você tem que ajudar aonde o leitor comum vai se mirar naquela vida? E às vezes sim, é o bolo de laranja ou limpar uma casa ou costurar ou era um grande vendedor, como o meu pai que foi um comerciante, valorizar isso. Aonde é que estava a topofolia dele? O espaço de felicidade (FERNANDES, 2016).
Observa-se que o obituário funciona, para Fernandes (id), como uma
narrativa que cria identificação imediata. É como se tais elementos, quando
oferecidos ao obituarista, por meio de entrevistas com familiares ou amigos,
ganhassem vida na estruturação do texto.
Temos em vista que o processo de produção é de um texto autoral, voltado
às técnicas do jornalismo literário, como já discutido anteriormente. Sendo assim, a
relação entre o obituarista e o editor está diretamente relacionado à qualidade final
do produto. Trata-se de um sistema de controle e qualidade de produção, conforme
levantamentos:
Eu vou lendo o texto, obviamente, e vou tentando ver se as coisas batem, se as coisas encaixam. A ideia é deixar, o bom texto que o repórter já me entrega, tentar deixar ainda melhor. Então, repetição de palavras, por ventura algum erro ortográfico, que dificilmente a gente encontra, mas assim, a gente passa um pente fino. Essa é a parte, digamos assim, ortográfica, o português correto. E também a alguma informação que às vezes me soa estranho ou eu acho que vou conversar com o repórter [...] Tentando tirar as dúvidas e entregar o melhor texto possível que nós podemos naquele momento (LEITÓLES, 2016).
Mesmo que o obituário seja entendido como autoral, e não sendo
compreendido como um texto essencialmente informativo, é possível compreender
53
que as técnicas empregadas no processo de produção podem se tornar
automáticas dentro da rotina da seção:
Ter sensibilidade de fazer as perguntas certas que me possibilitariam ter um perfil psicológico da pessoa, assim como a percepção de cenários e situações muito próprias ao retratado. Se você for ler os obituários, verá que a ideia sempre é aproximar o retratado do leitor para que ele possa “sentir” as emoções; “ver” as cenas que foram importantes a ele; “tocar”, de certa forma, aquele que busca o texto como curiosidade (PERES, 2016).
“Você não fala da morte, você fala da vida” (SILVA, 2016). Segundo Suzuki
(2008), obituário é uma ode à vida e não à morbidez como se pensa. Na Gazeta do
Povo, os obituaristas procuram desenvolver uma narrativa mais humanizada e
sensível à morte, não manifestam detalhes do abatimento dos últimos momentos,
por exemplo. Mantendo assim, de alguma maneira, os perfilados vivos no periódico.
5.4 O obituarista e a influência da teoria do newsmaking
Conforme já apresentado nesta pesquisa, um dos estudos sobre a formação
da notícia é a teoria do newsmaking. Um conceito que discute o processo de
construção das notícias como um fenômeno de interesse social. Na formação dessa
mensagem, se espelham as rotinas produtivas dos profissionais.
Em concordância com a metodologia de pesquisa proposta para este
trabalho, segundo Schlesinger (apud WOLF, 1985) os estudos de newsmaking são
fundamentados pela linha de pesquisa etnográfica.
A abordagem etnográfica, ao contrário de outras abordagens centradas no produto de mass media, permite a observação, teoricamente orientada, das práticas sociais efetivas que dão lugar à produção cultural. (id, p. 167).
A maneira individual como um veículo nota, narra e relaciona os fatos é um
importante ponto de partida para estudá-lo. Os jornalistas possuem costumes
próprios que são determinados por alguns processos, como por exemplo, a forma de
apuração, redação e exposição das informações.
Durante a análise, foi possível perceber que o obituário transita por vários
caminhos até a chegada no leitor. Neste sentido, pode ser tomado como um
segmento da comunicação em que um autor recolhe uma série de dados e
54
informações que marcaram a vida da pessoa, através de um levantamento
investigativo.
Produtos autorais, como casos de obituários, ao menos teoricamente,
envolvem uma metodologia de desenvolvimento mais autônoma, se comparados
com as rotinas de produção dos noticiários, dentro de um veículo. Podemos
argumentar que não existe a consolidação de um método padrão entre os
obituaristas da Gazeta do Povo para levantamentos de dados, rotina e elaboração
dos textos.
Diante das entrevistas realizadas, observamos que o processo de filtragem dos
perfilados entre Aline Peres e José Carlos Fernandes, por exemplo, seguem linhas
opostas. Aline, enquanto colaboradora da seção, extraía personagens, na maior
parte das vezes, de lista de falecimentos fornecida pela Prefeitura de Curitiba.
Fernandes inclina-se por perfilar pessoas que possuem uma ligação habitual com o
jornalista ou por contemplar um ponto de importância no perfilado. “No meu caso é
eu conhecer, eu ter admiração ou eu acreditar que eu posso ter admiração”
(FERNANDES, 2016).
Foi possível observar que Peres e Silva (2016) apontam que o processo do
obituário acaba se automatizando dentro da corrida rotina jornalística, e que é
comum que os jornalistas não se atentem a isso, pela simples razão de não terem
tempo para refletir cotidianamente sobre suas práticas. Suas falas indicam também
a questão do desinteresse dos repórteres das sucursais pela seção, uma vez que o
texto é considerado de pouca repercussão – o que contradiz com o fato de que é um
dos textos mais lidos, conforme vários dados levantados pelos entrevistados. Ou
seja, talvez haja aqui uma importante constatação acerca da “tribo jornalística”: o
fato de que os jornalistas das sucursais não privilegiam o formato por considera-lo
de pouca relevância entre os próprios jornalistas.
Neste sentido, atentou-se ao detalhe de que, para Fernandes – que atualmente
opera no jornal como colaborador, sem vínculos empregatícios – o obituário é um
possível bônus da práxis: “Eu faço como uma colaboração, é um texto doado, eu
recebo só pelas colunas” (id). De alguma forma, ele sugere que o obituário seja,
para ele, uma trégua dentro de uma árdua rotina de trabalho, pois o jornalista pode
ser menos jornalista e mais escritor, devido a liberdade estética do trabalho.
55
5.5 Aproximação dos critérios de noticiabilidade no obituário da Gazeta do Povo
De modo a entender a processualidade da seção de obituário da Gazeta do
Povo, optou-se por fazer ainda um mapeamento dos critérios de noticiabilidade que
regem a seção. Neste sentido, para fazer uma aproximação à metodologia, optou-se
por fazer uma seleção temporal de oito meses de publicações, valendo-se do acervo
da Biblioteca Pública do Paraná, que mantém preservados há mais de 30 anos
materiais dedicados aos assuntos do Estado.
Na tentativa de entender o processo de produção, a pesquisa se deteve a
analisar 23 textos de obituário, publicados entre junho de 2015 e fevereiro de 2016.
Em todo caminho traçado, a presente consulta tem objetivo de, a partir da
exploração dos conteúdos reproduzidos, levantar a discussão acerca dos possíveis
parâmetros de valores-notícias utilizados pela seção.
A fim de facilitar a apresentação e análise dos dados coletados, optou-se por
fazer uma listagem com as principais particularidades encontradas nos textos (tabela
1). A norma utilizada para ordem de lançamento dos nomes na planilha abaixo é a
data de publicação do texto.
A partir daí, os parâmetros da pesquisa atentaram-se a constatar os critérios
de noticiabilidade encontrados nos textos publicados, ou seja, um conjunto de
elementos que vão agir na definição do produto. A fim de localizar particularidades
no processo de construção dos textos, assim como suas referencias.
Hierarquizando e considerando as categorias analisadas abaixo, é possível
testificar algumas pistas e elementos do processo de produção do obituário do
jornal, como, por exemplo, a categoria “Perfilado”, que indica a média de sexo e
idade dos homenageados, permitindo ainda averiguar que entre os textos
analisados, o predomínio está entre o sexo masculino e com idade entre 84 e 94
anos.
É evidente que residentes em Curitiba estão entre a maioria dos perfilados. É
notório também que o maior número de publicações parte com assinaturas da
redação – a justificativa para não trazer o nome do repórter responsável pela
produção do conteúdo indica que a produção do texto foi feita por um estagiário do
veículo, segundo relatou José Carlos Fernandes (2016) em entrevista.
56
A caracterização e destaques das profissões dão indícios do grupo social
representado entre os homenageados. Esquadrinha-se também que, em maioria,
estão indivíduos com grau superior de escolaridade – o que, a princípio,
descredibiliza algumas das colocações dos entrevistados, acerca do fato de o
obituário ser sobre qualquer indivíduo.
Ao proceder a pesquisa, pode-se notar que as principais características do
personagem começam a ser destacadas a partir do título do texto. Na categoria
“Informações destacadas no título” é possível averiguar que os títulos seguem um
modelo padrão: contêm o nome completo do perfilado, juntamente com uma frase
que descreve uma ou mais particularidade de sua personalidade.
Por intermédio das consultas de dados abaixo é interessante ressaltar que os
textos são conduzidos por um discurso altamente valorativo. Também é válido
ressaltar que os textos são regidos por recursos literários para contar histórias, se
isentando de críticas e expressando, exclusivamente, apenas o que há de mais
singular do personagem em evidência.
Tabela 1 – Características e critérios de noticiabilidade no jornal Gazeta do Povo
Perfilado Local do
falecimento Profissão
Informações destacadas
no título
Principais características destacadas no
texto
Assinatura Data de
publicação
Carlos Gabriel Surjus, 71 anos
Curitiba Médico Origem e time
de futebol
Amor pelo time do coração, profissão
e família A redação 7/6/2015
Eduardo Alves de Souza, 24 anos
Curitiba Não
menciona Família e futebol
Amor pelo futebol, família e amigos
A redação 14/6/2015
Cristina Alexandre Girke, 43 anos
Curitiba Vendedora Fé e profissão
Independência, cuidado com a
família e perfeccionista
A redação 21/6/2015
João Gualberto de Sá Scheffer, 85
anos Curitiba Médico
Orquídeas e praia
Amor por orquídeas, férias, família e futebol
A redação 28/6/2015
Bruno Schweitzer de Miranda, 34
anos Curitiba Médico Profissão
Amor pela medicina, amigos do bairro e família
Aline Peres 5/7/2015
Odair Cooper, 86 anos.
Curitiba Empresário Profissão Amor pela
profissão, família e criação de aves
A redação 12/7/2015
Paulo Lubel, 78 anos
Curitiba Padre Piedade, cultura
e religião Vocação A redação 19/7/2015
57
Iamir Pereira de Souza, 88 anos
Curitiba Professora Referência ao
nome
Amor pelo fusca azul, praia,
esportista, mãe adotiva e, religiosa
José Carlos Fernandes
26/7/2015
Francisco Soares Neto, 51 anos
Curitiba
Escritor, educador,
compositor e artista
plástico
Profissão Amor pela arte,
religião e animais Daniel Zanella 2/8/2015
Douglas MacArthur de Oliveira
Boechat, 69 anos Curitiba Professor
Viver entre nuvens e estrelas
Prazer em assustar os familiares,
apreciador de artes, futebol e
compras
Daniel Zanella 9/8/2015
Daniella Nichio Cordeiro de Lima,
24 anos. Curitiba Estudante
Sonhos, viagens em família
Vaidosa, preparo para o casamento que não chegou, família e noivo
Aline Peres 16/8/2015
Arno Hauser Júnior, 90 anos
Curitiba Aviador,
comerciante e projetista
Referência ao nome
História com o nome, boa memória, liberdade,
natureza, animais e família
A redação 6/12/2015
Paulo Sérgio Hulmann, 35 anos
Ponta Grossa Atleta Profissão Amizade, amor pela profissão e
família Especial 13/12/2015
Rosangela Valêncio Santos, 46 anos
Paranaguá Não
menciona Referência à característica
Festa, família e amigos
Especial 20/12/2015
José Daher, 87 anos
Morretes Professor Cidade e profissão
Família, amigos, religião,
voluntariado e profissão
A redação 27/12/2015
Mauro Scaramuzza, 85 anos
Curitiba Médico Profissão Profissão e família José Carlos Fernandes
3/1/2016
Zaira Julia Avelleda, 104 anos
Curitiba Professora Idade
História do passado
curitibano, profissão, família,
viajar, amigos, festas de
aniversário, arte e religião
A redação 10/1/2016
Raul Pimenta, 81 anos
Maringá Professor Profissão Profissão e família Especial 17/1/2016
Adelar Miecoanski, 54 anos
Curitiba Professor Profissão e
música Profissão, família
e música A redação 31/1/2016
Hélio Luiz Ribeiro, 59 anos
Curitiba Trabalhava
com aço Características
físicas Amizade, família,
música e praia Diego Ribeiro 7/2/2016
Karina as Silva Pratezzi, 25 anos
Paranaguá Estudante Idade
Animal de estimação, família,
estudo, características
pessoais, causa da morte (dengue)
Especial 14/2/2016
58
Mairicio Schewinski, 31
Anos
União da Vitória
Secretário de saúde
Características pessoais
Família, crianças, animal de
estimação, doença e trabalho
Especial 21/2/2016
Roamano Ribeiro, 99 anos
Palmeira Auditor da
Receita Federal
Apreço pessoal
Idade, trabalho, família, leitura,
viagens, música e dança
A redação 28/2/2016
A análise dos valores-notícias nos possibilita identificar, de aspecto prévio, um
predomínio de características entre os perfilados. Os perfis publicados são de
indivíduos, evidentemente munidos de méritos sociais, no quesito profissão ou grau
de escolaridade. A maioria dos textos é constituída por personagens com instrução
em nível superior, e recebem destaques nas atuações profissionais, por exemplo,
notoriamente há uma predominância entre educadores e profissionais liberais. Como
já mencionado neste trabalho, isso se deve à facilidade de acesso às buscas por
nomes e informações.
Nesse sentido, é possível afirmar que há circunstâncias que atuam e exercem
certo critério de distinção na escolha dos perfilados dos textos de obituário, mesmo
que de forma inconsciente, isso influencia na representatividade do produto.
É importante frisar que, ainda que haja destaque aqui nas características dos
critérios de noticiabilidade da seção, através da análise de textos publicados, esse
não é o objetivo central desta pesquisa. Os critérios aparecem aqui como um
desdobramento de um corpus de um diagnóstico maior, isto é, um ciclo cujo
averiguação precisa entrar para manifestar detalhe da processualidade da rotina
produtiva.
5.6 Parâmetro de valores-notícias identificados
Como forma de elucidação do processo de produção dos obituários, a atenção
à forma como os valores do veículo e os valores-notícia transparecem no texto pode
ser uma pista para a compreensão do formato. Em atenção às características
destacadas dos perfilados, aferidas e observadas diante do estudo em 23 textos, foi
possível observar uma quantidade significativa de personagens com formação
acadêmica, profissionais liberais (médico e empresários), por exemplo. Para
59
Traquina (2005), valores-notícias são ingredientes primordiais na construção da
veracidade do jornalismo e são acrescentados pelo ritual produtivo dos profissionais.
A análise dos valores-notícia se mostra importante devido à orientação de triagem
que antecede a produção dos textos, a fim de ficarem com as características
evidenciadas no estudo. Segundo Wolf (1985), os principais critérios de
noticiabilidade de um fato são os valores-noticias.
Os jornalistas não podem obviamente, decidir sempre como devem selecionar os fatos que surgiram. Isso tornaria seu trabalho impraticável. A principal exigência é, por conseguinte, rotinizar tal tarefa, de forma a torná-la exequível e gerível. Os valores-notícias servem, exatamente para esse fim (id, p. 197).
Wolf (ibid, p. 194) declara que, como esses valores, o repórter alcança a
resposta para os seguintes questionamentos: quais os acontecimentos que são
considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem
transformados em notícias?
Como verificado nas entrevistas, os perfilados são resgatados pelo repórter
aleatoriamente, através da lista do Serviço Funerário Municipal disponível em seu
site na internet, ou estar entre a classe de relacionamento de um dos jornalistas ou
através de procura, por interesse da própria família (mais raro).
Mesmo com estes critérios de seleção, observou-se que os profissionais
liberais são os perfis mais presentes na seção, devido à facilidade na busca por
contatos em listas telefônicas ou redes sociais. Por meio das entrevistas, foi possível
entender que o compromisso com a produção do texto de obituário não está entre as
prioridades dos repórteres do veículo; diante disso, o colaborador preza pela
agilidade no rastreio pelo personagem.
Melo (1985) acredita que os gêneros jornalísticos são determinados pelo estilo,
e dependem muito de uma relação de interlocução que o jornalista deve manter com
o seu público, apreendendo seus modos de expressão e suas temáticas abordadas,
é evidente que a sua classificação destina-se a meios culturais pré-definidos. Como
se os valores-notícias dessem a direção ao veículo na hora de eleger o assunto
retratado.
Funcionam, portanto, como uma espécie de itinerário para o jornalismo
rastrear, inspirando o que deve ser elevado ou extraído do conteúdo. Particularidade
60
esta identificada durante averiguação da pesquisa de campo, na reflexão feita por
Silva:
Então você tem aí um conjunto de informações e vai destacar aquelas que criam aquele personagem. Você não tem como ser 100% realista sobre alguém, isso é impossível. Então, você não compõe um perfil verdadeiro, você esta criando um personagem (SILVA, 2016).
Para Silva (2004), estudar os critérios dos valores-noticias e parâmetro de
noticiabilidade implica em trilhar os julgamentos sociais e culturais das organizações
de cada setor, interferências estas que são válidas em diferentes cargos na redação,
e até mesmo na participação das fontes e do público ao qual pretende atingir. A
autora ressalta que a influência dos valores-notícias ocorre da seguinte maneira:
servem como critério de seleção dos elementos a serem incluídos no produto final e
funciona como termômetro para o que deve ser priorizado ou omitido. “Às vezes, a
matéria conterá diversos destes elementos provocadores de interesse, outras vezes,
apenas um. Em cada caso, o elemento dominante presente nos indica qual o tipo de
categoria do assunto” (BOND in SILVA, 2004, p. 101).
Observa-se, diante das entrevistas com Fernandes e Silva, que o meio
jornalístico considera o obituário como um jornalismo menor, como pode ser
observado na decupagem, anexa a esta pesquisa.
Ele tem uma licenciosidade, é lógico que o obituário é um “panegírico”. Por isso ele é considerado um jornalismo menor; ele é um elogio a uma pessoa, ao destaque do cotidiano daquela pessoa, da miudeza da vida daquela pessoa, mas é uma vida, uma homenagem. [...] é o máximo da generosidade, você não esta atrás de um lead, de um grande fato, não vai ser premiado por isso (FERNANDES, 2016).
Podemos observar que, apesar dos valores-notícias estarem vigentes em todos
os ciclos da produção jornalística, cada notícia está carregada de um caráter
particular de avaliação de importância ou interesse, seja do veículo ou do jornalista.
Valores estes que podem ser notados em análise:
Elaborei um pequeno manual para nortear o trabalho de apuração e escrita. Basicamente, contávamos com a lista do Serviço Funerário Municipal diária para nos dar um norte de quem procurar. Selecionava os casos que mais chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros; sobrenomes conhecidos; idade para mais ou para menos; profissão (PERES, 2016).
61
Conforme afirmação de Marleth Silva (2016), quando um personagem se
destaca pelo reconhecimento e obras – como, por exemplo, um renomado cientista
ou artista – faz mais sentido transferir sua história para uma reportagem do jornal.
Ou seja, os valores envolvem algo abstrato e só ganham força quando aplicados
através dos critérios relativos ao produto, meio de comunicação e ao formato a ser
abordado. Veículos de comunicação se valem de valor-notícia como meio de tornar
uma publicação mais atrativa, vendável comercialmente. Estas características
podem ser aplicáveis também ao gênero obituário.
Distinguir o vínculo do gênero relacionado à manifestação social, cultural e
religiosa permite entender não somente os valores-notícias do veículo, mas também
os discursos compreendidos, o conjunto de signos e significados que se referem a
determinadas representações. Práticas que formam, sistematicamente, os objetos
de que falam (FOUCAULT apud ABUD, 2016).
De acordo com Cavalcanti (2006), no meio jornalístico, nada se destaca
isoladamente, protegido de interferências. E com esta essência, os resultados das
análises dos valores-notícias de construção atestam a hipótese de que o processo
de seleção do perfilado interfere diretamente na representação social do veículo,
mesmo que indiretamente. Seja pela técnica de valerem-se de aparentes virtudes
e/ou facilidade nas buscas, como menciona Aline Peres (2016), “[...] casos que mais
chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros; sobrenomes conhecidos; idade
para mais ou para menos; profissão”. Ou por nível de contato e convívio do
jornalista, como é o caso de José Carlos Fernandes.
62
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como objetivo, este trabalho monográfico se propôs a mapear as principais
particularidades do processo produtivo e elaborar um conjunto de elementos para a
representação histórica, bibliográfica e conceituar os valore-noticías da seção de
obituário do jornal Gazeta do Povo. Para que o trabalho não se limitasse à teoria, e
de modo a nos aproximarmos do corpus da pesquisa e suas constantes discursivas,
narrativas e método de produção, achou-se considerável a necessidade de subsidiar
uma investigação por meio de entrevista de profundidade com colaboradores e ex-
colaboradores da seção. Fez-se necessário ainda a execução de uma análise dos
critérios de noticiabilidade que a regem, através da observação de 23 textos
publicados entre junho de 2015 a fevereiro de 2016.
Durante a investigação, observou-se a quebra de três meses consecutivos de
publicações de perfis, já que a seção obituária passou a vincular matérias da então
colunista do veículo – Clarissa Grassi. As matérias abordavam temas sobre
cemitérios e arquitetura tumular. Diante da interrupção da publicação dos perfis, o
recorte de tempo se estendeu para nove meses.
A seguir, para compreender como os filtros de redação interferem nas
especificidades do objeto analisado, a metodologia abordada levantou discussão
sobre a morte e sua relação com a sociedade e o jornalismo, tendo em vista que o
obituário leva em sua temática estas referências.
Dentre as perspectivas abordadas sobre as atitudes do homem diante da
morte, foi possível observar que a recordação pública da perda sempre foi de crucial
relevância em diferentes pontos e tempos culturais. A partir disso, a presente
monografia introduziu reflexão e histórica do gênero morte dentro da história e no
próprio jornalismo, inclusive no veículo analisado.
Após relacionar a morte na sociedade, mídia e suas formas de noticiabilidade,
a pesquisa atentou em relacionar as rotinas produtivas e o processo de construção
do gênero obituário dentro da indústria jornalística. Dentro desta estratégia de
abordagem, viu-se a necessidade dos estudos sobre a estruturação da notícia é a
teoria do newsmaking, o conceito aborda o processo de construção das notícias
63
como um fenômeno de interesse social. Para esta teoria, desvendar suas
especificidades significa reunir várias disciplinas.
No último capítulo a monografia se direciona ao um conteúdo teórico-
metodológico, evidenciado pela elucidação da condição do aspecto da etnografia,
modelo de pesquisa estabelecido como trabalho que campo, entendida como uma
técnica especialmente aberta para a representação do cotidiano. E isso permitiu
reconhecer as rotinas jornalísticas como parte central do processo. Nesta mesma
divisão, foi possível evidenciar e aplicar através dos conceitos teóricos abordados ao
longo dos capítulos uma análise de conteúdo das entrevistas. Neste segmento, foi
possível difundir os interesses propostos por esta monografia, que pretendia
investigar a rotina produtiva da seção, que engloba a rotina do repórter, seleção de
perfilado, processo de produção, função do editor, valores-notícias e produto final.
Os jornalistas possuem costumes próprios que são determinados por alguns
processos, como por exemplo, a forma de apuração, redação e exposição das
informações. Durante a análise, também foi possível perceber que o obituarista
transita por diferentes alternativas até a chegada do produto final ao leitor.
Soube-se que os perfilados são resgatados pelo repórter aleatoriamente,
através da lista do Serviço Funerário Municipal disponível em seu site na internet, ou
estar entre a classe de relacionamento de um dos jornalistas ou através de procura,
por interesse da própria família (mais raro). Porém, o detalhe da análise de campo
nos possibilita identificar uma mecanicidade no processo de produção dos textos. Ao
longo da averiguação, foi possível constatar que há circunstâncias que atuam e
exercem certo critério de distinção na escolha dos perfilados dos textos de obituário,
mesmo que de forma inconsciente, isso influencia na representatividade do produto.
64
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70
LISTA DE ENTREVISTAS
FERNANDES, José Carlos. Entrevista concedida à pesquisadora em 21 de outubro
de 2016.
LEITÓLES, Fernanda. Entrevista concedida à pesquisadora em 20 de outubro de
2016.
PERES, Aline. Entrevista concedida à pesquisadora em 26 de outubro de 2016.
SILVA, Marleth. Entrevista concedida à pesquisadora em 18 de outubro de 2016.
71
ANEXOS
ANEXO 1. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA
SEÇÃO. ALINE PERES ................................................................................................... 72
ANEXO 2. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA
SEÇÃO. FERNANDA LEITÓLES ........................................................................................ 78
ANEXO 3. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA
SEÇÃO. JOSÉ CARLOS FERNANDES ............................................................................... 86
ANEXO 4. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA
SEÇÃO. MARLETH SILVA ............................................................................................... 97
72
Anexo 1. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Aline Peres
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
Jornalista, formada há 25 anos pela PUCRS em Comunicação Social, com
especializações nas áreas de marketing, comunicação empresarial e pós em
psicopedagogia. Já atuou na área de comunicação do SESI-RS, Zero Hora, revistas
de esporte e assessorias. Em Porto Alegre, montou uma agência de propaganda e
editora de vídeo, onde atuou por mais de cinco anos. Em 1997, mudou para Curitiba
e iniciou o trabalho na Gazeta do Povo. Concomitantemente, atuou em assessorias
como o DER e a AmplaSet. Durante os 18 anos de atuação na Gazeta do Povo
passou pelas áreas de planejamento gráfico/pauta e reportagem com atuação em
projetos como “Paz Tem Voz”, “Tô na Gazeta” e Obituário.
1- Quanto tempo trabalhou no jornal?
18 anos
2 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?
O projeto de publicação de obituários pela Gazeta do Povo iniciou de um desejo da
editora Marleth Silva de iniciarmos uma coluna tal qual o modelo do New York
Times. Em 2008, o “O Livro das Vidas” tinha sido lançado. Assim, mediante uma
conversa resolvemos experimentar em abril daquele ano, com publicação diária. A
última edição foi no segundo semestre de 2015.
3 - Como era o ambiente da redação?
Dinâmico.
4 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo? De quem foi o
projeto? De onde surgiu a inspiração?
73
Então, como escrevi na resposta três foi um trabalho de dupla. A Marleth teve a ideia
e me chamou para participar do projeto pelo perfil de trabalho que sempre
apresentei, mais humanizado, mais intuitivo com um toque educado de insistência,
algo essencial para um trabalho como esse de conversar com as famílias para que
me contassem as histórias dos entes queridos, recém-falecidos.
5 - Como acontecia a seleção do repórter responsável pela produção do
obituário?
Por muitos meses, fiquei quase que exclusivamente escrevendo sozinha, com
algumas participações da Marleth. Com o tempo, incluímos participação de
repórteres do interior que enviavam semanalmente uma contribuição mais a
presença de estagiário. Como sempre foi uma área mais sensível, nem sempre os
designados se sentiram à vontade de lidar com o tema. Em quase oito anos de
existência, foram várias desistências permanecendo apenas a minha contribuição
como constante desde a inauguração da coluna.
6 - Quais eram suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?
Quando da inclusão de outros colaboradores, elaborei um pequeno manual para
nortear o trabalho de apuração e escrita. Basicamente, contávamos com a lista do
Serviço Funerário Municipal diária para nos dar um norte de quem procurar.
Selecionava os casos que mais chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros;
sobrenomes conhecidos; idade para mais ou para menos; profissão, e admito que
muita intuição de que aquele nome se transformaria em uma excelente história. Era
raro eu me enganar. A partir da delimitação de 20 nomes, em média, eu ia buscar
contato telefônico pela Telelista e redes sociais. Lembrando que as funerárias não
são autorizadas a passar informações da pessoa falecida, por isso precisávamos
achar o nosso método de procura. Digamos que era praticamente uma caça
investigativa. Diariamente, buscava essa média de contatos e ligava para todos que
conseguia contato, sempre após o enterro. Salvo exceções quando a família nos
procurava ou quando era uma figura conhecida e se fazia necessário a publicação
factual. É claro que com o tempo de publicação e sucesso da coluna – estava
74
sempre entre as dez mais lidas matérias publicadas diariamente – as pessoas
começaram a entrar em contato com a redação sugerindo histórias.
7 - Quanto tempo levava para escrever um texto de obituário?
Não tinha uma regra. A entrevista podia durar de 20 minutos a uma hora; dependia
muito do caso, da receptividade da família. Confesso que ganhei alguns novos
amigos que depois vinham me conhecer pessoalmente e trazer pequenas
lembranças, quando não produzida pela própria pessoa falecida. Teve uma ocasião
que recebi um pano de prato pintado; um terço bento pelo Papa João XXIII e dado
de presente pela filha da minha personagem; e bolachas de Natal; vaso de bromélia
e orquídeas produzidas pelo falecido, entre outros. A escrita sempre foi rápida
porque a história ia sendo construída durante a entrevista. Cerca de 20 minutos, o
texto estava pronto para ser revisado.
8 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a
seção?
Os textos eram únicos para cada publicação tendo o cuidado sempre de ter um viés
humano e pessoal em cada um deles. Cada história era uma história. As normas
criadas para facilitar o trabalho diário e repassar para possíveis colaboradores eram
apenas um norte; nunca rígidas.
9 - Como fazia a coleta de dados para a produção do perfil?
Quase sempre por telefone; em raras exceções a pessoa interessada aparecia no
jornal para conversar comigo.
10 - Desde sua implantação, quais as principais mudanças que a seção de
obituários já enfrentou?
Inicialmente – mas, por pouquíssimos meses – chegávamos a publicar três histórias
breves de pouco mais de 1,5 mil caracteres. Percebemos rapidamente que além de
ser difícil conseguir três boas histórias diárias – sendo que produzia matérias diárias
e especiais para o caderno Vida e Cidadania; não era minha tarefa exclusiva – os
textos acabavam ficando superficiais e engessados pelo tamanho. Assim, passou a
75
ser apenas uma história no tamanho que fosse necessário. Teve ocasiões que
chegamos a publicar um material com mais de quatro mil caracteres.
11 - A partir da mudança do texto diário para o semanal, quais foram as
mudanças na rotina da seção de obituário?
Quando passou para o semanal, não estava mais na redação.
12 - Qual momento do dia utiliza, exclusivamente, para a produção do texto de
obituário? Como você encaixava a produção do texto dentro da sua rotina?
Como no meu tempo a apuração era diária – algumas vezes eu conseguia adiantar
as publicações dois a três dias – todos os dias ao chegar no jornal buscava a lista do
Serviço Funerário Municipal e já buscava os nomes potenciais. Quando no final de
ano, chegava a produzir sete obituários diários para deixar como gaveta; assim
como no período de férias quando produzia, em média, de 20 a 22 textos, em uma
semana, para somarem-se às contribuições do interior.
13 - Acredita que a seção possui uma importância social? Descreva sua
posição.
Com certeza. Desde sua inauguração, a coluna sempre teve uma excelente
aceitação. As pessoas – envolvidas ou não com o morto retratado – me ligavam
para agradecer a leitura do dia; o quanto estava fidedigno ao perfil da pessoa morta;
o quanto era bom iniciar o dia com uma boa história que retratava um simples nome
na lista do serviço funerário.... Assim, era uma satisfação pessoal quando tinha esse
feedback. Foram pouquíssimas vezes que recebemos alguma ligação negativa.
Eram casos de famílias duplas que envolvia herança, por exemplo, e que uma das
partes não queria que a pessoa tivesse sido exposta. Mas, foram raras situações
contornáveis.
14 - Os textos passavam por um processo de edição?
Sim, passavam sempre pela edição. Após a produção de Curitiba, por exemplo, a
Marleth ou o Márcio Campos, quando o obituário passou para a editoria de Opinião,
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liam os textos. O material do interior, normalmente, eu revisava e pedia mudanças,
caso necessário, antes de ir para a página. Depois de diagramado, nova revisão
gramatical, nesse caso.
15 - Quais seus principais critérios para produção de um texto de obituário?
Saber ouvir, ter sensibilidade de fazer as perguntas certas que me possibilitariam ter
um perfil psicológico da pessoa, assim como a percepção de cenários e situações
muito próprias ao retratado. Se você for ler os obituários, verá que a ideia sempre é
aproximar o retratado do leitor para que ele possa “sentir” as emoções; “ver” as
cenas que foram importantes a ele; “tocar”, de certa forma, aquele que busca o texto
como curiosidade. Em resumo, a motivação dos leitores sempre foi a curiosidade.
16 - Por favor, detalhe como é fazer um texto de obituário:
Sempre foi um processo agradável, mesmo sendo sobre um tema tão árduo e
sensível. Eu, particularmente, sentia prazer em poder ouvir a outra pessoa em um
momento tão triste e – muitas vezes, muitas mesmo – ouvir da outra parte o quanto
isso fazia bem a ela. As pessoas gostam de falar de quem amam; e a morte não
deixa de ser um momento de expurgo, de manutenção da lembrança; do medo de
que a pessoa seja esquecida porque morreu. O obituário acabava tendo essa
missão. Manter a pessoa viva no impresso. A história de qualquer um – rico, pobre,
negro, branco, homem, mulher, adolescente ou idoso – era retratada com toda a
fidelidade, diante do que era repassado pelo familiar que conversava comigo. Nesse
sentido, os filhos eram os que mais tinham a intenção de falar, em especial as filhas
mulheres. Em algumas situações, a pessoa do outro lado da linha quando eu
perguntava se gostaria de participar da coluna, me dizia que a história do seu
familiar era tão simples que não valia a pena. Eu sempre argumentava de que não
existiam histórias simples, e iniciava a conversa. Ao fim da ligação, tinha elementos
fantásticos para retratar uma pessoa. Só o simples fato de ouvir e ter as perguntas
certas faziam com que a pessoa do outro lado se soltasse e falasse comigo como
uma amiga íntima.
17- Como você avalia o setor e a versão final dos textos?
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Os meus textos não eram modificados; passavam pelo crivo do editor que alterava
uma palavra aqui, outra ali – muitas vezes para deixar mais claro – mas a essência e
construção textual eram sempre preservadas. Acontecia, sim, com os textos do
interior onde as equipes não tinha tanto comprometimento e nem sempre gostavam
da tarefa imposta de envio semanal de um texto. Tiveram exceções de repórteres
que me diziam que gostavam muito do trabalho. Assim, as versões finais eram o que
tínhamos imaginado que o leitor leria. Tínhamos muita liberdade e espaço criativo
para produzir.
18 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha
editorial do jornal?
Não. No obituário não buscávamos contemplar o público A e B, por exemplo, foco da
Gazeta do Povo; assim como, outros interesses editoriais. Como eu disse antes,
havia uma liberdade de escolha e texto nas produções. Talvez aí o sucesso.
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Anexo 2. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Fernanda Leitóles
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
Jornalista, formada pela PUC-PR. Historiadora, formada pela Universidade Federal
do Paraná. Especialista em Comunicação Política e Imagem. Recentemente conclui
o curso Jornalismo de Desenvolvimento Social, no Instituto Tecnológico de
Monterrey.
Trabalha na Gazeta do Povo desde 2008. No periódico, já contribuiu com as
editorias de Esportes; Vida Pública; Vida e Cidadania; Verão; fez alguns projetos
especiais junto com o jornalista José Carlos Fernandes, como edição Oitenta Mil na
Gazeta do Povo e participou da pesquisa histórica do livro sobre os noventa anos da
Gazeta do Povo “Todo dia nunca é igual”. Desde 2014 é editora Web, Vida e
Cidadania e também editora do Obituário.
1 - Há quanto tempo trabalha no jornal?
Desde 2008.
2 - Acompanhou a chegada do obituário na Gazeta?
Não.
3 - Quais mudanças presenciou na seção obituária do veículo?
O conceito geral do obituário não mudou. O que é um texto do obituário? É um texto
em homenagem a uma pessoa que faleceu. Então eu sempre digo para os
repórteres e enfim, quem vai começar o trabalho no obituário, a gente vai falar da
vida da pessoa, e não da morte. É essa a ideia que me conduz e que já vinha assim.
Ele mudou por alguns fatores, mudanças de tamanho, de estrutura, no sentido da
Web, né! Então, por exemplo: quando eu assumi, o obituário saía todos os dias na
edição e também era publicado no site. Depois que houve a mudança no formato do
jornal o obituário seria semanal. Que faria parte da edição especial de fim de
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semana. O tamanho do texto diminuiu um pouco, a gente passou de 4,5 mil a cinco
mil pra 3,5 mil a quatro mil. Mas o que mais mudou mesmo foi deixar de ser diário
para ser semanal.
4 - O que motivou a mudança?
Exatamente pelo tamanho ou formato do jornal. O jornal ficou um pouco menor.
Então foi preciso escolher alguns conteúdos. Naquele momento a direção entendeu
que o obituário era um serviço que deveria continuar com a lista de falecimentos que
sai diariamente, todo dia publicado no jornal, a lista das pessoas que morreram em
Curitiba, que é um documento, uma lista que é passada pela Prefeitura de Curitiba
pelo Serviço Municipal. E o texto da homenagem decidiu que ia ser semanal pra que
fosse trabalhado e fosse um conteúdo também do jornal especial do fim de semana.
5 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?
Olha, é um trabalho que precisa ter muito cuidado. Ter muita atenção com as
pessoas. Como essas homenagens chegam pra gente? Como esses personagens
chegam pra gente? Digamos assim, qualquer pessoa pode ser perfilada e passar
pelo obituário depois da sua morte. Não há diferenciação de pessoas de luxo ou
pessoas comuns, como nós. Por indicações, muitas vezes as pessoas entram em
contato por meio da central do leitor. Algumas famílias fazem o anúncio, que é outro
serviço, o Serviço do Falecimento é um serviço pago, não tem nenhuma relação
com o obituário, o nosso texto da homenagem. Então as famílias estão sempre
fragilizadas. Ou quase sempre é um momento de muita emoção pra pessoa recordar
e falar sobre o seu parente ou ente querido. A gente sempre ouve que o trabalho do
jornalista é ouvir as pessoas, mas ali no obituário é dar uma atenção especial. A
pessoa vai contando, a gente vai perguntando, as pessoas vão lembrando de coisas
importantes, coisas interessantes da pessoa que faleceu. Também tem todo o
trabalho jornalístico de entender daquilo tudo que a pessoa conta, o que você vai
contar, o que é mais importante, às vezes é uma informação que pra pessoa ou pro
parente que inicialmente parecia menor ou não tão importante é aquilo que pode dar
pro texto um molho. Como a gente fala com jargão, deixar ele especial, aquela
pegada no texto. É um trabalho de contar histórias. O obituário nada mais é do que
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contar uma história. Infelizmente a pessoa já se foi, mas a gente está ali pra prestar
aquela última homenagem e com aquela pessoa, representar várias outras que não
passaram por ali, mas que são pessoas comuns e que tem alguma coisa bacana pra
contar. Uma dona de casa, um professor, um médico, um jornalista, um estudante,
enfim, pessoa comum do dia a dia e, em alguns casos a gente acaba falando de
pessoas ilustres da cidade. Já houve a primeira matéria da morte que aconteceu na
sua editoria específica: um atleta no Esporte, um político em Vida Pública, um artista
no Caderno G. E depois a gente vai fazer o texto no obituário, porque como eu te
expliquei, a pegada, o objetivo do obituário é diferente. Um texto jornalístico a gente
vai contar: fulano morreu na hora tal no dia tal e morreu disso. Lead, sublead, contar
um pouco da história. No Obituário entra o quê? Entra um parente, um filho, um pai,
um esposo, um marido, um amigo também pra complementar, falamos sempre com
alguém da família, em alguns casos tem um amigo que goste de complementar
também, pra fazer aquela homenagem, a visão daquela pessoa a partir dos entes
que ela deixou. Então essa é a pegada do obituário.
6 - O que você acha do ambiente da redação?
Estou há oito anos. Gosto muito. Sou uma jornalista que sempre trabalhou em
redação, em estágios. É um ambiente super bacana. Jornalista gosta disso, ver
movimentação, ver os colegas apoiando. Quando acontece alguma coisa como
ontem, um fato, o Cunha preso. Toda aquela agilidade, a gente vai pro aeroporto,
pra Polícia Federal pra acompanhar, apuração, checando fonte. Eu acho que é um
ambiente muito bacana e gosto muito de trabalhar em redação.
7 - Como é feita a seleção do repórter responsável pela produção do texto da
semana?
Nisso houve algumas mudanças ao longo do tempo. De 2014 até agosto/setembro
de 2015, nós tínhamos uma equipe chamada “Tô na Gazeta”, que é um projeto
especial da Gazeta. Nesse período, repórteres desse projeto faziam o texto
obituário, só que o obituário é muito anterior a isso. Então, antes, um repórter de
Vida e Cidadania que fazia esse texto. Depois passou pra todos da Gazeta e assim
continua. Hoje, vai ser alguém da equipe Web que faz. As vezes alguns trainees,
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que também ajudam na apuração e as vezes também freelas do interior, porque
alguns textos vêm do interior do estado. O jornal tem freelas em várias cidades e
eles também mandam personagens das suas cidades.
8 - Quais são suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?
Primeiro: encontrar o personagem. Como esse personagem vai ser encontrado? Às
vezes ele entra em contato conosco (familiares), às vezes ele entra na Lista de
Falecimentos e encontramos pessoas, e às vezes nos temos indicações. Passo
dois: entrar em contato com a família e explicar o que é obituário pra ver se elas
aceitam ou não. Se a família aceitar, nós marcamos uma data para fazer a
entrevista. Passo três: a pessoa ou as pessoas, porque às vezes são duas, enfim,
vão contar pra nós tudo que elas queiram sobre os seus falecidos. Passo quatro:
depois que fizemos essas entrevistas vamos produzir o texto para o obituário. Passo
cinco: esse texto será realizado pelo repórter. Passo seis: será editado por mim.
Passo sete: eu vou preparar essa edição, ou seja, vou colocar na página, passar
para o paginador. Passo oito: esse conteúdo vai ser publicado no jornal de fim de
semana e no site da Gazeta do Povo.
9 - Como são feitas as entrevistas?
Nós temos uma série de questões, mas como já te falei, explicar pra família tudo
aquilo, o que é obituário. Nós vamos começar a conversar: então, quando e onde o
fulano nasceu? O que a pessoa gostava de fazer? Quais são as características
dele? No que ele trabalhou? Uma séria de perguntas, enfim, que nos ajudem a
construir um mini perfil e aí os ganchos que as pessoas vão dando e as pontes que
as pessoas vão fazendo. A gente vai perguntando e vai complementando também
com aqueles pontos que a gente acha importante e que naquele momento a família
não tocou ou esqueceu de falar. Assim que é feito.
A maioria das vezes é feita por telefone. Em alguns casos as pessoas preferem ir
para a redação, são exceções, mas nós atendemos e fazemos pessoalmente.
10 - Em média, quanto tempo leva pra um repórter escrever um texto de
obituário?
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Isso depende muito da experiência, não tem um tempo fixo. Porque isso vai
depender muito se é um repórter mais experiente, se é um repórter mais novo. Mas
eu acredito que entre duas e três horas eles escrevem, depois tem mais o tempo da
revisão ou aquela segunda lida que ele vai ter que complementar alguma coisa que
tenha faltado, ou alguma coisa assim. Mas eu imagino que seja esse mais ou menos
o tempo.
11 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a
seção?
Houve casos assim, um parente deu a entrevista e depois comentou com os outros
e daí as pessoas não quiseram mais fazer, porque houve uma discordância entre os
familiares. Então, atendendo ao pedido da família, nós não publicamos esse
obituário. Isso já aconteceu. Não é uma coisa incomum de acontecer, porque às
vezes a pessoa tinha a intenção e os outros acham que naquele momento não é o
mais adequado. Nós respeitamos e não publicamos.
No meu caso, em específico, eu acho que um obituário muito particular e muito
especial foi o da minha avó. A minha vó faleceu em 2015 e aí quando completou um
mês da morte, nós publicamos um obituário dela. Claro que foi uma experiência
completamente diferente das outras, até porque é um parente meu e, enfim, todas
aquelas emoções que as pessoas passam naquele momento de dar aquela
entrevista eu passei também e tentei construir aquele perfil como via meu pai, o filho
dela via, como nossos familiares viam a minha vó. Uma semana depois morreu o
irmão dela, o irmão caçula dela e aí a Aline Peres, que na época era repórter do
obituário, escreveu também e aí, enfim, como os dois faleceram praticamente na
mesma semana, eu toquei um e ela tocou outro, então foi um momento difícil, mas
também especial. Por eu escrever o texto da minha vó e ver uns dias depois sair o
do meu tio-avô.
12 - Tendo em vista que o texto é publicado semanalmente, como é a rotina da
produção?
Isso não tem uma regra. Isso realmente não é X, Y. Cada um vai entregar o texto no
dia de acordo com os seus afazeres, reportagens, as outras atividades que eles têm
83
que fazer. Ele tem o compromisso de entregar esse texto até na quinta ou sexta-
feira. Então, de repente, por exemplo, ele entrou em contato com a família na
semana anterior e a família “eu não quero”. Ok, ele passa pra um segundo, terceiro,
enfim, quantos contatos tiver que fazer. Pode ser que na semana seguinte aquela
primeira família dê um retorno. Então se ele já tem o personagem vai ser mais
rápido, porque ele já vai agendar a entrevista e a coisa vai fluir de uma forma mais
fácil pra ele. Se ele não tiver esse personagem, ele já vai começar a procurar muito
antes. Ele vai ter que encaixar durante a semana, ali na rotina dele, mas ele não vai
seguir uma regra. Porque depende muito do horário que a família pode atender.
Depende de quantas pessoas essa família orientou que ia falar. Depende de uma
série de questões e também da rotina jornalística. Obviamente nem um dia é igual
ao outro.
13 - O jornal costuma manter obituários de gaveta?
Isso depende muito. Às vezes, tem um feriado na semana, alguma coisa assim que
encurte a semana, nós tentamos adiantar, mas nem sempre é possível. Depende,
digamos, se as famílias vão topando ou não. Se possível, sim. No fim de ano a
gente tenta adiantar um pouquinho, porque muitas famílias não atendem, vão viajar,
enfim, pra organizar a rotina também. Mas, nem sempre. Depende muito desse
fluxo, digamos assim, que as pessoas vão aceitando e do calendário mesmo.
14 - Existe algum critério para escolha do perfilado?
Nós não fazemos distinção entre pessoas, digamos, conhecidos/pessoas públicas e
pessoas comuns, assim como nós. Não há distinção de profissão, de idade, de
nada. O único critério que nos colocamos é ter uma relação com o estado do
Paraná. Obviamente porque vai sair na Gazeta do Povo, que é o jornal do Paraná. A
pessoa não precisa ter nascido no Paraná. Mas alguma relação com o estado, ou
morou aqui, estudou aqui, cresceu, trabalhou aqui um tempo. Enfim, alguma coisa
que a aproxime do nosso estado. Essa é a única situação, a única questão,
digamos, além do tempo da morte. Nós normalmente fazemos os obituários das
pessoas até um ou dois meses do falecimento. Mas se chega uma pessoa depois e
fala “meu parente está completando três meses hoje, gostaria muito de fazer o
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obituário”, nós não vamos deixar de atendê-lo. Nós não vamos deixar de fazer, mas
normalmente nós tentamos buscar pessoas que tenham falecido há um, dois meses
ou três no máximo.
15 - Acredita que a seção possui alguma importância social?
Com certeza é uma posição social. Primeiro, contar histórias de pessoas comuns, eu
acho isso muito bacana. O jornalismo vive de contar boas histórias e o obituário é
um espaço pra isso. E é um espaço também em que as pessoas gostam de ler
porque veem as homenagens e às vezes alguma característica lembra de alguém.
Então, acho que é um espaço muito importante pra família e também pra nós, que
escrevemos e para o jornal.
16 - Como é feita a edição dos textos?
Eu vou lendo o texto, obviamente, e vou tentando ver se as coisas batem, se as
coisas encaixam. A ideia é deixar, o bom texto que o repórter já me entrega, tentar
deixar ainda melhor. Então, repetição de palavras, por ventura algum erro
ortográfico, que dificilmente a gente encontra, mas assim, a gente passa um pente
fino. Essa é a parte, digamos assim, ortográfica, o português correto. E também a
alguma informação que às vezes me soa estranho ou eu acho que vou conversar
com o reporte, “olha, não entendi essa parte. É isso mesmo? É isso aqui?”.
Tentando tirar as dúvidas e entregar o melhor texto possível que nós podemos
naquele momento. É isso, não tem muito segredo.
17 - Como você avalia o setor e a versão final dos textos?
Eu acho que assim, é um trabalho demorado. Porque até a gente conseguir as
famílias, até o resultado final, a publicação no impresso, no site, demora. Mas a
gente sempre se esforça pra entregar o melhor possível. Um trabalho que está há
muito tempo na Gazeta, é uma seção. Uma seção que as pessoas leem muito e
acho que, sim, estamos realizando um bom trabalho.
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18 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha
editorial do jornal?
Eu acredito que não há uma relação direta. Nós fazemos perfis muito diferentes. A
ideia do obituário é muito diferente. Então, nós já fizemos crianças, infelizmente, que
faleceram de câncer, alguma doença. Muitos idosos, a maioria foram de idosos.
Claro, tudo dentro de um jornal tem que estar de acordo. Mas nunca houve, que eu
tenha conhecimento, tem que ser assim ou tem que ser assado. Nós vamos atrás
das famílias, e contamos boas histórias, então esse é o objetivo. Não sei como
poderia ser diferente. Nesse momento não conseguiria responder exatamente essa
pergunta. Mas eu acho que nunca houve um texto barrado, ou que isso não pode
ser publicado. Até porque, nós contamos com as famílias, então o que as famílias
nos contam, até mesmo quando são questões delicadas, uma dependência química
ou alguma outra questão assim, a família já tem um cuidado pra nos contar e,
obviamente, nós colocamos no texto, mas reportamos também de uma maneira
muito respeitosa e de forma alguma queremos, enfim, denegrir a imagem de
ninguém.
19 - Tecnicamente, como é produzir o texto de obituário?
Ele é um texto diferente de um texto jornalístico porque ele não vai ser lead e
sublead. Não vai ser “fulano de tal morreu”. É um texto que se aproxima de uma
crônica, é um mini perfil. Tem a característica de crônica, então você vai contando a
história de alguém. E nem sempre a linha é a cronológica: pessoa morreu, estudou,
trabalhou, algumas vezes casou ou não e faleceu. Essas informações estão dentro
do texto. Às vezes, alguma característica dela que se sobressaia, é que vai abrir o
texto. Então, são essas as características principais.
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Anexo 3. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. José Carlos Fernandes
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
Jornalista, professor e pesquisador. Antes do jornalismo, José foi religioso, estudou
no seminário católico, dos 13 aos 25 anos. Academicamente, é formado em
Filosofia, Belas Artes e Jornalismo e cursou três anos de Teologia, não concluído.
Tem especialização em História da Arte no século XX e Mestrado e Doutorado em
Estudos Literários. Veio para o jornalismo aos 25 anos. Entrou na Gazeta ainda na
faculdade. No começo trabalhou em um setor pré internet, fazendo pesquisas,
preparando textos de sínteses. Em seguida foi para o caderno de Cultura, e lá ficou
por 13 anos. Atua na seção de obituário desde 2008.
1 - Qual sua função hoje na Gazeta do Povo?
Sou colaborador desde maio com a coluna, para o obituário, pra um blog que não
comecei ainda, pra um acervo, enfim, são vários trabalhos que faço com eles.
2 - Há quanto tempo trabalha na Gazeta?
27 anos. Agora como colaborador.
3 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo?
Eu achei interessante, gostava, já tinha lido alguma coisa sobre isso. Eu lembro Eu
achei interessante, gostava, já tinha lido alguma coisa sobre isso. Eu lembro que era
um livro da Sara Belke, mas antes disso teve um texto do Robert Darnton. Ele é um
autor muito lido na área de leitura que é a que pesquiso. E Darnton tem um texto
chamado Toda Notícia que Couber a Gente Publica, que é uma volta dele ao New
York Times. Ele chega lá no Times, onde trabalhou antes de ser historiador, e fala
do obituarista. Quando você ia fazer obituários era como se estivesse no fim da
carreira ou que não estava bem no jornal. Então, o obituário era para alguém que
não tinha grandes desafios. Então você imagine no Brasil, alguém que ficou anos
87
atualizando o obituário da Dercy Gonçalves, ou do Niemeyer, por exemplo. Você
nunca será premiado por um obituário. Então, ele fala desse menino, o Jones, que
fazia o obituário e que um dia ele o provoca para que ele invente uma história, e ele
inventa, mas não sobre um morto, e sim sobre um menino que teve a bicicleta
roubada. Aí, o Darnton diz pra ele: “Agora ligue pra família do menino e pergunte se
tudo o que você colocou no texto é verdade”. Ele liga e, curiosamente, tudo que ele
imaginou era verdade. Na verdade, as histórias são muito previsíveis. Como é que
um menino americano compra uma bicicleta? Entregando jornal. É aquela coisa que
a família tem de comprar com o suor do seu trabalho. Que dia ele ganhou? No Natal.
O que ele ganhou também com a bicicleta? O direito de andar no parque. E aí ele
tinha essa frase fatal no texto, e o menino nunca mais foi ao parque. Os americanos
são absurdamente obcecados pela liberdade, do ir e vir. É uma coisa cultural pra
eles. Essa frase mobilizou a comunidade toda pra comprar uma bicicleta nova para o
menino e para rever a questão da segurança do parque. Se aquele menino não
podia andar no parque, outros meninos não poderiam andar também. E daí, a
sociedade americana estaria caminhando para o fim impedindo meninos e meninas
de andarem de bicicleta num parque público. Ele lembra esse episódio do Jones que
era alguém que estava preso ao obituário, uma história que é contada pela família
da qual você não pode sair e pra uma história imaginária sobre a vida de um menino
qualquer. E aquela matéria sobe na página, vai pro abre, continua durante a semana
e vai tendo toda uma repercussão em cima de uma mobilização de uma
comunidade. E depois teve o filme “Closer”, que eu não lembro se foi exatamente na
mesma época que começaram os obituários na Gazeta, mas repare que o
personagem é o obituarista de um jornal, e com exceção de um personagem, todos
os outros são medíocres. Então, quem é o jornalista considerado mais limitado? O
obituarista. Quem é o médico mais limitado, no senso comum? O ortopedista. O
personagem é um ortopedista. Quem é a fotógrafa mais limitada, mais medíocre? A
documentarista que fotografa crianças chorando, com pé no chão, aquela foto
emocional do Natal, era o personagem da Julia Roberts. E tem a garota de
programa, a única pessoa no filme que não é medíocre. Sei que a palavra medíocre
é forte, mas é uma trama, e aquilo me chamou a atenção, a ideia do obituarista
como alguém medíocre. E o que é interessante no campo do jornalismo é você
pensar como é esse espectro com a internet, com essa coisa da angústia provocada
pela multidão, de que nós passaremos a vida em branco, que só quem teve grandes
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feitos será lembrado, todos querem ter uma grande vida, e parece que o obituarista
saiu desse espaço burocrático da mediocridade no fim da carreira pra um lugar de
mais destaque porque ele está resistindo a essa engrenagem violenta da grande
vida, que é uma marca do século 21. A afirmação da grande vida é muito
angustiante porque a maioria de nós não terá uma grande vida. Nossa vida será
comum, entende? E daí, o obituário parece que renasce, e daí você vê o livro das
vidas. Aqui no Brasil já saiu Um Dia Uma Vida, que é da Folha de São Paulo. Os
jornais começam a valorizar esse elemento que é muito unido. Outra coisa, as
medições na Internet mostraram o absoluto sucesso que os obituários tinham. Na
Gazeta, por exemplo, nós tínhamos uma medição; todo dia o obituário estava na
lista das cinco matérias mais lidas. Uma nota do Reinaldo Bessa, alguma nota do
obituário. Agora, na última reforma, eles tiraram o obituário de todo dia porque
disseram que a soma da audiência, pelo trabalho que dava, e tinha uma regra que
não podia ser mais de um mês, e agora essa regra não está sendo mais respeitada,
então, eles acharam que não valia mais a pena todo o investimento porque a
audiência é baixa, e daí passa a ser só uma vez por semana, mas na Folha de São
Paulo ainda é todo dia.
4 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?
Primeiro, eu sou um privilegiado na questão do obituários porque eu nunca fiz um
obituário de alguém que eu não tivesse conhecido. Então eu entrei como
colaborador veterano, então você vem com as vantagens do veterano. A minha
obrigação não é igual a da Aline que tinha que entregar todo dia, aquele era o
trabalho dela. Eu entrava por ser mais velho, por estar muitos anos no jornalismo,
conhecia muita gente. Só agora estou com o Wilson Rio Appa, vizinho meu, que
morreu, homem de grande piedade. Então eu fiz de pessoas conhecidas, ou que
eram meus amigos, meus vizinhos, ou que eram parentes, porque não tem esse
problema no obituário. A imparcialidade, a não ser que seja um caso de uma vida
introvertida. Então, ele tem uma licenciosidade nesse sentido porque é lógico que o
obituário é um “panegírico”. Por isso ele é considerado um jornalismo menor; ele é
um elogio a uma pessoa, ao destaque do cotidiano daquela pessoa, da miudeza da
vida daquela pessoa, mas é uma vida, uma homenagem. Então isso me facilitou. Eu
nunca escrevi de alguém que eu achasse que não merecesse um obituário. E não
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tem vida que você não olhe que você não ache alguma coisa. Então, o meu trabalho
foi esse, e bacana porque eram pessoas que muita gente não acreditava que elas
tinham elementos pra informação na vida delas sobre coisas que eu pesquiso como
jornalista. Aconteceu também de eu fazer de pessoas que entrevistei. Então, eu fiz
obituários que não saíram na página do obituário, às vezes saiam em uma página
inteira. Então, essas grandes vidas, eu também fazia já, mas como repórter
veterano. E teve obituários que não saíram pra mim, que eu chorei de tristeza
porque eu queria muito ter feito, e fiquei muito bravo de não terem me dado. Nem
sempre me pediam. Às vezes eu achava que era pra me poupar. Mas assim em
alguns eu senti de não ter feito.
5 - Como é o ambiente da redação?
Eu acho um ambiente mais estimulante do mundo, o céu deve ser parecido com a
redação de um jornal. Você tá ali e alguém diz que caiu o avião do Eduardo Campos
caiu, ou que jogaram duas bombas nos Estados Unidos, o crime do Morro do Boi,
então, você tem que elaborar aquilo, se mobilizar, não tem esses filtros acadêmicos,
longos discursos, a coisa é muito instantânea, muito humana, você tem uma
obrigação com o leitor, é pra ele que você vive, de ir pra rua naquele momento atrás
do que você tem que contar pra aquela pessoa, naquele dia, mesmo quando morre
alguém. Como não deixar aquela vida passar. Eu acho assim, um lugar
intelectualmente estimulante, é muito despojado, muito direto, você não tem
segredos com os teus amigos de redação. “Cara, você não tá vendo que tá falando
uma grandessíssima merda?” Você tem alguns choques de convivência, que no dia
seguinte tudo acabou, no dia seguinte você tem outra edição pra fechar. Então não
tem essa coisa de carregar uma mágoa da terça pra quarta, não que não haja,
lógico, mas eu acho que é menos comum. De segunda pra terça, terça pra quarta,
quarta pra quinta, quinta pra sexta, no dia seguinte todo mundo é igual de novo. Seja
lá quem for, todo mundo tem uma pauta nova pra cobrir, tem que se apresentar de
novo pra alguém que está do outro lado do telefone, começar do zero. Então, é um
mundo assim, que a vaidade. Você é colocado à prova todos os dias, você pode
errar, entendeu? Pode errar feio, recomeça. Eu acho muito bacana.
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6 - Como é feita a seleção do repórter responsável pela produção do obituário?
Olha, é meio assim, contando ninguém acredita. Eu acho que tem um pouco das
camadas óbvias, quer dizer, morreu o Wilson Rio Appa, poxa, lógico foi o pai da
contracultura aqui no Paraná, uma figura ímpar da vida da época do “desbunde” do
teatro, pronto, você tem que fazer. Aí, tem aquela coisa que alguém te conta. “Puxa,
olha, morreu um vizinho meu, é uma pessoa que daria um obituário”. No meu caso
vinha por quem eu conhecia. Como eu te falei, a Aline fazia uma prospecção por
nome da família. Tanto que usei esse método num trabalho que a gente fez aqui
(UFPR), com professoras formadas no Instituto de Educação, em 1963. Como a
gente achou? A maioria foi pelo nome da família. Família Quadros, família Vosniack.
Curitiba tem uma certa facilidade, principalmente família de imigração, elas moram,
elas são ligadas a bairros. Mesmo que a pessoa não more mais nesse bairro, mas
você sabe que é o Pilarzinho, é uma família que muita gente tem aquele sobrenome.
Smolka, né, você sabe que tem Bettega no Portão. Então, por exemplo, tem Nadalin,
Baggio, Gabardo, no Água Verde. Tulio, Santa Felicidade. Então, isso facilitava um
pouco. Ás vezes, ela recebia a lista da prefeitura, dos mortos, ela meio que ia pelos
bairros. Então, a Aline perguntava: “Você conhece alguém em Santa Felicidade com
esse nome?”. Aí, a gente tinha lá a mãe do Carlos Dallastela, por exemplo, que é
uma família muito conhecida lá. Então, ela dizia “Sim, fulano era daqui, tenho o
telefone, me criei com eles”. Então, a gente achava assim, sabe? Daí tinha os
colegas de redação que eram ligados a determinadas áreas, então, quando morria
alguém que a família era da Água Verde, eles me perguntavam, a minha mãe mora
lá há 50 anos. “Ah, conhecia, era comerciante”, a gente acabava, a minha mãe dava
muita ajuda no obituário, tinha uma rede que ela sabia exatamente quem estava
sendo velado na capela do cemitério da Água Verde, todos os dias ela sabe quem é.
“Mãe, você conhece?” “Sim, lógico”. Era da Igreja Filhas de Maria ou de grupos da
paróquia, e a gente descobria, sabe? E Aline fazia um quadro em que ela ia
marcando, tipo uma tabela de Excel, em que ela ia marcando mais ou menos as
pistas que a gente tinha pra encontrar as pessoas. Tem também, as pessoas que
ligavam, e eu sempre achei que ir ao cemitério diretamente, sempre funcionava. Ela,
que eu me lembre, foi umas duas vezes só, mas eu já tinha feito matéria direto no
cemitério e funcionava. As pessoas ficam num estado de surrealidade na hora que
morre alguém. As pessoas diziam “não é ofensivo?”, não, às vezes ela se sente
gratificadas, elas querem contar quem era aquela pessoa que morreu. E, eu
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inclusive fui fazer obituários indo no cemitério, no caso da Ana Maria, aquela artista
plástica, conhecia também. Fui no velório, e a cena do velório foi a primeira cena do
obituário. Abri o obituário com a cena do velório, foi um franciscano que fez a
cerimônia e aí ele falou “Por favor, cada um que está aqui diga uma palavra que
defina a Ana Maria, né”. Aí, começou “generosidade”, e assim ficou um coral, tão
bonito foi aquilo, espontâneo, as pessoas começaram a falar e não paravam mais,
“Alegria, bondade” e não sei o que lá, só palavrinha, sabe? Então, eu abri com
aquela imagem, que era muito. A Ana Maria era muito generosa, ela foi uma pessoa
muito generosa com os amigos, com qualquer pessoa que cruzasse com ela, na
frente do caminho dela, e foi no velório que eu encontrei essa cena. Se eu não
tivesse ido ao velório não teria.
7 - Quais são suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?
Olha, eu acho que é a mesma, é uma lógica parecida, com a lógica do perfil, sabe?
Embora no perfil entra mais o defeito do que é humano, é mais bem visto no perfil do
que num obituário. A Aline vai te dizer isso melhor, que a gente chegou a fazer uma
lista de eufemismos que as pessoas usavam. Eu escrevi o obituário do meu pai, só
pra você ter uma ideia dos eufemismos que as pessoas usavam nos obituários. Ela
pegava mais eufemismo do que eu, porque eu nunca fiz por telefone. Só se fosse
uma checagem o último, mais um filho que não mora comigo, aquelas histórias, mas
pessoalmente os eufemismos são menores, mas por telefones os eufemismos eram
grandes. É engraçado e perigoso você tem que tomar cuidado aonde você coloca
isso porque pode dar impressão que a gente tá tirando sarro, e não é? Não estou
tirando sarro, não estou debochando da pessoa de nenhuma maneira. Eu acho que
é natural. Eu estou falando com um estranho, e se ele fosse escrever sobre o meu
pai, eu não diria as coisas que eu posso dizer pra você aqui numa boa. Isso não
diminui o meu amor por ele em nada, entendeu? Então, eram coisas assim. Gostava
da coisa certa, provavelmente era alguém um pouco autoritário, mas a pessoa não
quer usar. Era organizado, pronto. Talvez tivesse um toque de limpeza, alguma
coisa assim. Era muito reservado, parecia muito uma pessoa deprimida. Era muito
reservado, isso acontecia muito, não gostava de conversa, e às vezes, era
engraçado. Vinha toda essa parte de depuração do defeito e na hora de você
começar a fazer a entrevista você vai depurando o defeito e chega a hora das
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grandes qualidades. E as pessoas ficam intimidadas quando a qualidade é que ela
fazia um bolo de laranja como ninguém, e a gente sabe que no obituário isso é
bacana porque o bolo de laranja que alguém fazia vai ser sempre a lembrança,
entende? Lá em casa, o meu pai levou todas as receitas de bacalhau embora, ele
nunca contou, e nós tínhamos as famosas bacalhoadas lá em casa, e ele nunca
contou como é que ele fazia. Minha irmã mais velha tentou descobrir, então assim,
comer bacalhau lá em casa é um memorial dele, lembrar do bacalhau que nós
nunca mais vamos comer, a carne com alho especiaria portuguesa. Assim, no
obituário, isso tudo cai muito bem, porque no fundo, na vida comum, na vida no
cotidiano, que é disso que nós estamos falando, é do cotidiano. Vou te dar mais uma
informação importante. No cotidiano, é ali que as pessoas próximas vão lembrar
daquele que se foi, sabe? Das pequenas manias dele, que depois a gente começa a
achar graça, entendeu? Então, a gente ajudava, geralmente no final da entrevista, a
pessoa a contar. Eu lembro que fiz um obituário bem difícil pra mim, porque foi de
um vizinho meu da Água Verde, o seu Danilo Baggio. E o seu Danilo eu conheço
desde criança. Estudei com os três filhos dele, e são os nossos vizinhos. E o seu
Danilo foi se tornando uma pessoa “casmurra”, assim na velhice, sabe? E daí, eu
sentia que os filhos dele estavam evitando esse lado mais esquisito dele, mas tinha
uma história linda que era como ele construiu uma casa pra se casar com a mulher
dele. Ele construiu uma casa, nova e muito boa, daí eu falei “Como está a casa?”. Aí
ele desmanchou essa casa e levou pra um sítio que ele tem. Esse homem pescou
todos os dias da vida dele, todos os finais de semana, ele só não pescou no final de
semana que ele casou. A dona Joaninha nunca teve ele em casa no sábado e
domingo porque ele pescava, e onde ele era feliz era pescando. Assim, aquilo era
meio incômodo pra ele, como ela conta também. Isso depois eu liguei e conversei
com elas, mas ela pediu pra não colocar que a mãe do seu Danilo morreu com uma
patada de vaca. E eu achei interessante contar que você tinha, no Água Verde,
pessoas que ainda tiravam leite em casa. Ela dizia que era muito esquisito, as
pessoas acham que aquilo vai dar um sintoma de classe. Sabe que às vezes, aquela
palavrinha destrói o obituário porque daí a família fala “Ah, mas falou que a nona
morreu com patada de vaca, que chato!”. Daí tirei. Eu tive que procurar admiração
por ele ali nas histórias porque eu tinha uma imagem muito forte dele como uma
pessoa difícil. O esforço do obituarista de procurar onde está o encanto daquela
pessoa, quando o encanto não é tão visível. Ou porque os últimos anos não foram
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tão encantadores pra ela. Então você constrói, ela é um pouquinho ficcional, mas ela
é um recorte, e você vai procurar onde está a dobra. Qual foi o grande momento da
vida daquela pessoa. E essa é a chave. É a mesma coisa que o perfil. No caso da
minha avó, por exemplo, pra mim já estava claro que a grande dobra da vida dela foi
o momento que ela veio para o Brasil com os filhos todos. Desobedece o marido que
já estava aqui e vem. E daí ela vai pedir favor pro Ivo Leão, que era dono do Mate
Leão, pra ter uma casa pra ela, porque ela era uma mulher que tinha uma casa em
Portugal e não tinha onde morar com os sete filhos, e ele disse pra ela: “nossa, dona
Marta, vocês gostam de fazer filhos, hein”? E ele dá uma casa pra ela morar um
tempo, e ela tem mais dois filhos. Ela teve três pessoas que a ajudaram. Então a
dobra foi a vinda, desobedecer e vir e a segunda dobra foi a gratidão eterna pelas
pessoas que a ajudaram. Era o Ivo Leão, a irmã do Mário Covas, a primeira pessoa
que deu bordados pra ela, e apresentou a minha vó pra toda alta sociedade, e o Dr.
Giocondo Artigas que foi o médico que a operou de graça. Ela bordava pra família
dele e teve uma pancreatite, e ele a operou e nunca cobrou um tostão dela. Foi
médico dela por 40 anos. Então, o senso dela de gratidão era imenso. Era
impressionante porque hoje as pessoas são pouco gratas. Então, a vida inteira ela
visitou as pessoas. Eu tinha o obituário dela pronto na minha cabeça. Às vezes,
quando você não conhece também, mas não era o meu caso, eu sabia onde
estavam. O Sr. Danilo era a construção daquela casa, mas ele era um homem que
não queria ficar na casa talvez por bipolaridade, ele queria estar pescando, e daí o
que ele faz? Ela leva a casa para o lugar da pescaria. Então, é altamente simbólico.
Ele desmancha a casa e a leva para o lugar onde ele gostaria de ter vivido, à beira
do rio. Às vezes, até a família não viu essa relação. Eu lembro quando eles viram
pronto, eles não tinham feito essa relação, a casa e o desejo de liberdade dele, que
talvez fosse uma bipolaridade, mas na verdade era o que ele era. Um homem que
procurou a liberdade o tempo inteiro. É um processo assim: procurar a chave. Às
vezes, a própria família não decifrou, porque você está muito perto, você tem que
fazer um esforço pra ver o que eles estão dizendo nas entrelinhas. Sobre aquele
personagem e às vezes você tem a chave, em todo o caso da Maria Tereza que eu
disse “Eu tinha a chave”. A chave era pelo menos uma chave possível para o leitor
identificar. A regra é o leitor dizer “minha vida comum e a minha vida parecida com a
dele”, “eu também sou assim, eu fui uma pessoa que tive gratidão por alguém”,
vendo a minha virtude da gratidão foi reconhecido dentro daquela pessoa. É um jogo
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de espelho, que é uma teoria bem clássica no jornalismo, muito eficiente no jogo que
o obituário propõe. “Eu oro e me vejo gratificado” ou alguém que pesca todo o final
de semana, outro olha e diz “eu queria ser igual a esse cara”, ele foi fazer o que era
uma alegria e não fez riqueza, mas fez a história que ele queria viver. Há um jogo de
espelhos ali que é muito bacana. É isso que você tem que ajudar aonde o leitor
comum vai se mirar naquela vida? E às vezes sim, é o bolo de laranja ou limpar uma
casa ou costurar ou era um grande vendedor, como o meu pai que foi um
comerciante, valorizar isso. Aonde é que estava a topofolia dele? O espaço de
felicidade. Todo mundo tem o espaço de felicidade. No caso do meu pai era o
balcão, ele era uma pessoa muito melhor quando ele estava vendendo. Ele era um
grande vendedor, tinha um carinho por todos. Da porta pra dentro de casa ele era
sombrio. No meu caso, eu tive liberdade pra isso, coloquei que ele era sombrio. E há
outros obituários que você sabe onde está a felicidade da pessoa. É ali que você
tem que explorar o obituário.
8 - Sendo colaborador especial para Gazeta, como você encaixa a produção do
obituário? Como é a sua rotina de preparação?
Só indo na casa mesmo, falando com os familiares, eu sugiro a família geralmente
apoia, não tem muito segredo. Eu faço como uma colaboração, é um texto doado,
eu recebo só pelas colunas.
9 - Como são feitas as entrevistas com as famílias dos perfilados?
Eu chego lá e explico como é, pergunto como era o fulano em casa, às vezes eles
cobram o porquê não colocamos aquilo que eles falaram. Com isso vemos que o
pacto na entrevista não ficou tão claro, principalmente com pessoas mais
esclarecidas. Fiz com um professor da PUC esses dias, conversei muito com a
mulher dele, tive que explicar tudo muito bem. Ela queria que eu pegasse o currículo
dele. Depois ela viu que o que eu fiz era o marido dela dentro de casa. Agora as
pessoas comuns não se importam com as vidas invisíveis. Eu fiz um agora do meu
pediatra e a família dele ficou numa expectativa que eu falasse da profissão dele, foi
uma entrevista bem difícil. Depois no Facebook ficou engraçado, o filho dele postou
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dizendo que ele que escreveu, eu deixei e dizia assim “veja o belo texto que eu fiz
do papai”.
10 - Quanto tempo leva para escrever um texto de obituário?
Sou cada vez mais lerdo, mais lento. Posso escrever em 2 horas, mas o que demora
é a reflexão da pessoa, encontrar a chave.
11 - Você utiliza algum critério na escolha dos perfilados?
No meu caso é eu conhecer, eu ter admiração ou eu acreditar que eu posso ter
admiração.
12 - Os seus textos passavam por algum processo de edição?
Eu mando pra edição igual a todo mundo, acredito que é uma Instituição o editor, é
igual imprensa. Pode ter coisa ruim, mas é pior sem ela. Então, às vezes o editor
pode estragar o seu texto, mas eu não tive problemas assim. É importante ir pra
edição, porque você tem aquele primeiro leitor que diz o que não entendeu. O
obituário não está nos textos principais, então as pessoas se importam menos, são
mais espontâneos.
13 - Como é fazer um texto de obituário?
É o máximo da generosidade, você não está atrás de um lead, de um grande fato,
não vai ser premiado por isso. É ouvir. Você não tem grandes perguntas, então é
muito exercício de respeitar, de ouvir. O obituário às vezes pode te dar uma
novidade, que ninguém sabe. Antes era uma por semana, agora são mais.
14 - Desde sua implantação, quais as principais mudanças que a seção de
obituários já enfrentou?
Hoje, é feito por duas estagiárias com muito carinho. Elas fazem bem e lógico que
elas não querem ser obituaristas. No meu caso já é um conforto, conheço bastante
gente, estou há 30 anos aqui. Eu acho que é lido por pessoas mais velhas, porque
eles reparam nos familiares, idade, se reconhecem alguém. Por isso que antes tinha
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uma visualização maior. O obituário que teve a maior leitura na Gazeta, foi a do
Fernando Guimarães. Teve uns 10 mil acessos. Eu escrevo mais do que eles
pedem, uns quatro mil caracteres. Eu gosto do formato, eu acho que a gente é
menos radical de ficar olhando.
15 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha
editorial do jornal?
Eu acho que tem sim, digamos assim com a internet de hoje, a audiência que move
os jornais, e foi isso que matou o obituário. Se eu tinha lá uma estagiaria que ia atrás
da família do morto, que gastava energia com isso, colocavam ela pra gastar energia
em outras coisas, coisas curiosas. Só o que é essencial nas linhas editorias está
sobrevivendo. Só o que é essencial mesmo. Porque as questões de sessões
editorias, essa parte da editoria fina, o trator passou por cima. Eu tinha lá uma
pessoa que trabalhava com tal coisa, o caderno do estudante, vai lá e fecha. Não
sei até quando o obituário vai continuar. Certas coisas vêm em momentos de
farturas, quando tinha muita gente trabalhando, 30 mil, a audiência era bom. É um
tiro no pé.
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Anexo 4. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Marleth Silva
VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA
ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO
Mestre, jornalista, formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Já
trabalhou na Sucursal do Jornal do Brasil, na Câmara Americana do Comércio, foi
repórter da Revista Veja, portal UOL, foi editora na Gazeta do Povo e hoje é
colunista no veículo.
1 - Quanto tempo trabalhou no jornal?
14 anos.
2 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?
Acho que tem duas partes. Uma é você conseguir localizar essas pessoas, o que é
difícil. Eu imagino que, num jornal, onde haja tradição de obituário que, aqui no
Paraná não chegou a existir em lugar nenhum. Na Gazeta existiu durante alguns
anos e daí começou a perder força. Não é uma coisa que as pessoas sabem sobre o
obituário da Gazeta do Povo, não se tem clareza, senão eles iriam levar a
informação até nós. Então o desfaio. É entrar em contato com essas pessoas e o
outro é ouvir. Então o trabalho tem duas etapas que são bem fundamentais.
Primeiro, você consegue localizar a família. Não é localizar a pessoa morta, porque
que nem eu te falei, você pode ficar sabendo que morreu alguém do seu bairro e
você ver que é uma história interessante. Mas e daí pra você localizar a família?
Porque se a pessoa acabou de morrer, esse é outro aspecto que eu sempre defendi,
não precisa fazer assim que a pessoa morreu, porque daí a família não tinha
condições de falar. Então, você tem que localizar essa família e convencer essa
família a falar. A outra coisa é o ouvir... ouvir, ouvir. As pessoas podem pensar que
não têm nada pra falar. Muitas vezes a família acha que não tem nada pra contar.
Então você tem que ficar fazendo pergunta. O que ela estava fazendo, se estava
trabalhando, o que fazia no final de semana, o que ela fez quando jovem. “Ah,
quando jovem ela tinha trabalhado na roça”. E ela ainda gostava de trabalhar na
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terra? “Ah, gostava ou não gostava”. E onde que ela morava? Alguma coisa assim,
você tem que ficar cutucando porque na hora de escrever você tem uma história pra
contar. Ai primeiro você conta: morava na rua Marechal, no centro de Curitiba,
adorava o centro, o movimento, o asfalto porque tinha crescido na roça e tinha vivido
uma infância muito dura. Você entende? Você constrói a historia. É um exercício
muito bom de jornalismo. Mas é isso, tem essas duas etapas. Localizar essas
pessoas e ouvir, ouvir, ouvir.
3 - Como era o ambiente da redação?
O ambiente varia muito, conforme vários fatores. Se o jornal está num bom período,
se está em um período difícil. E outra coisa é quem são as pessoas, porque o mix
vai mudando, então tem vários ambientes. Em geral, a Gazeta em todos esses anos
estava num esforço pra melhorar. O que a gente percebia era isso. O esforço, desde
pra direcionar as pessoas que entravam, ver o potencial, preparar as pessoas que
estavam lá. Eu diria que era sempre um ambiente de esforço pra melhorar. Isso que
me marcou.
4 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo? De quem foi o
projeto? De onde surgiu a inspiração?
Olha, eu nem sei mais o que eu pensava na época, porque assim, eu achava era
uma forma exatamente de falar de pessoas comuns, porque muitas vezes a gente
ouve falar de pessoas interessantes. Vamos supor: você trabalha na redação de um
jornal e dai você vê que morreu o dono daquele comércio que tem lá na sua rua, no
Xaxim, que todo mundo no Xaxim conhece. Então você sabe que no Xaxim está
todo mundo comentando que fulano faleceu. Eu pensava que esse tipo de coisa
tinha que sair no jornal um pouco, entendeu? Porque tem uma graça nisso, é a vida
das pessoas. Só que você não vai colocar lá: “morreu o seu fulano que era dono de
uma mercearia”. Isso não entra no jornal. O obituário é uma forma de falar, então foi
esse o meu argumento e, também, porque na verdade quem trabalha num jornal tem
que saber o que é um obituário. Apesar que, como eu te falei, entre os chefes até
nem tanto, mas entre os mais jovens, nossa, as pessoas torceram muito o nariz.
Tinha gente que não sabia eu era ideia minha e falava pra mim: “agora essa ideia de
ficar falando de morto, vamos ter que falar de morte no jornal”. Muita gente falou isso
99
perto de mim, sabe? Então assim, a chefia aceitou e foi uma época que o jornal
estava passando por uma reforma e eu propus da gente criar uma seção física. E eu
me lembro que no dia que a gente estava editando o primeiro obituário que foi esse
do motoboy, depois que a gente fechou o jornal, o assunto era esse obituário. Todo
mundo falou “mais que legal, olha só o cara”. Então ali eu já percebi que era uma
história de um motoboy e estava todo mundo falando daquilo. E ele foi um sucesso.
Tanto é que, às vezes assim, a direção do jornal, os donos dos jornais vêm me
contar: “encontrei não sei quem e que pegava a Gazeta e ia ler o obituário”. Isso
acontecia muito. Só que, francamente, eu acho que a redação em si nunca
assimilou. Proporcionalmente o trabalho que dá é grande pra uma coisa pequena.
Pra fazer um bom obituário você tem que ter paciência porque você não consegue
numa conversa rápida. Você demora pra conseguir falar com a pessoa. Por
exemplo, esse rapaz aí, você liga e ele não está ou ele não pode falar. Então você
leva um tempinho pra chegar na pessoa, aí a pessoa topa conversar com você e às
vezes você vai ter que falar uma hora com ela, então é uma coisa trabalhosa. Outra
coisa, você vai ter que fazer aquilo todo dia então você vai ter que ter um cuidado
pra não ficar repetitivo, pra não cair em clichê. É uma coisa trabalhosa. Então, a
redação como um todo não gostava de fazer. Era bem difícil, as pessoas às vezes
vinham falar: “ai, eu acho legal”. Mas depois de um certo tempo, você notava que
tinha uma certa resistência. Mas a empresa, em si, aceitou, inclusive teve um efeito
comercial. Acho que isso é interessante. Como se colocava junto com a lista de
falecimento e se não saía, tinha gente que ligava pra reclamar ou saía um dado
errado, porque na verdade aquelas lista não são informações da Gazeta, são da
Prefeitura. Não tem como um jornal fazer aquilo, não tem como. Teria que checar
com a família que acabou de perder uma pessoa, então é impossível isso. A gente
notava que tinha muita repercussão de público, então foi assim, foi bem aceita a
proposta pela direção, pela redação não, e com isso foi difícil de tocar. Eu acho até
que durou bastante, hoje olhando pra trás, porque a Aline que tocou muito tempo, eu
tinha outras funções. Eu ajudava a Aline porque, pensa fazer sete numa semana,
era muito difícil. Então, geralmente, eu fazia um, dois e a Aline fazia o resto. E às
vezes as pessoas acham que as pessoas ligavam pra passar, mas é muito raro
alguém ligar e dizer “quero fazer um obituário”, é muito difícil. Então, na verdade, é
muito trabalho pra aquele resultado lá. Uma outra coisa que eu ia te falar, não sei se
encaixa nas suas questões é a questão do trabalho jornalístico mesmo em cima do
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obituário. Você tem que ter muito cuidado pra não cair no clichê. As pessoas tendem
a cair no clichê. Fica fácil, entendeu? Por exemplo, você dizer assim: a Aline, cá
entre nós, muitas vezes tinha que puxar a orelha dela porque como a pessoa está
fazendo aquilo todo dia, ela começa a fazer obituários muito parecidos porque daí
você percebe essas coisas assim. Comentário meu: interessantíssima essa análise
da Marleth sobre a padronização do texto, uma automatização do texto autoral. Não
adianta perguntar só da profissão, você tem que perguntar o que as pessoas faziam
nas horas vagas. Então, começa a virar um clichê porque a pessoa começa a repetir
o mesmo padrão e até coisas meio feitas já e que são falsas, por exemplo, você
dizer assim: “ela era descendente de italianos e ela era uma pessoa festiva e que
gostava de cantar. Como bom descendente de italiano, ela era uma pessoa
animada”. Isso é um clichê. Nem todo descendente de italiano vai ser animado,
então não tem nada a ver, mas é uma coisa que as pessoas tendem a começar a
repetir. Ou de dizer assim, destacar a mesma coisa. Então pronto já tem uma
historinha. Não, entendeu? O obituário é você ouvir à exaustão e tentar tirar uma
coisa original e depois da uma olhada pra ver se não entrou em clichê. É muito fácil
entrar em clichê. Isso me irritava muito e eu comecei a notar que tinha uma época
que tinham alguns repórteres que ajudavam a Aline e que nunca tinham feito aquilo.
Como a pessoa nunca tinha feito aquilo, o que ela fazia? Ela olhava os obituários
que já tinham sido feitos e ela copiava, não a informação, óbvio. Mas era como se
ela pegasse um padrão e trocasse as informações. Então todos os obituários
ficavam parecidos. Era um tal de dizer: “como um bom católico ele era devoto de
Nossa Senhora”. “Nunca esqueceu a sua infância passada no interior e por isso
gostava de comer banana no pé”. Então virava um clichê, um clichê, um clichê e isso
era um problema. E como é que você foge do clichê? Ficar ouvindo, ouvindo,
ouvindo e escrever o que ela falou e não o que você já tem pronto na cabeça.
Então, eu não sei, porque na verdade eu achava que o obituário era uma forma, pelo
que eu lia, de outros jornais, de você colocar pessoas comuns que, normalmente,
não sairia no jornal. Essa que era a minha ideia, você colocar a pessoa comum.
Muitas pessoas que você poderia dizer que pessoa comum é aquela que não tem
uma profissão importante? Não, porque às vezes uma pessoa com uma profissão
importante nunca ia sair no jornal, nunca vai se ouvir falar dela. Então vamos pensar
assim, por exemplo: a pessoa pode ser o professor de medicina mais importante da
Universidade Federal do Paraná, e nunca você vai colocar num jornal. Quando ele
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morre, todos os ex-alunos dele falam dele: “você soube que o professor fulano
morreu?” e você não põe ele no jornal. Eu achava que era um jeito de colocar essas
pessoas. Desde aquele que é a pessoa do teu bairro que morreu. Por exemplo, eu
moro no bairro Cascatinha, muitas vezes você vai na padaria e ouve: “você soube
que o seu fulano ali faleceu?” O seu fulano então que a gente poderia colocar no
jornal. Era essa a minha ideia. Você abrir as portas do jornal e falar de pessoas
comuns, fora do noticiário. Aqui tem uma notícia: eles morreram. Mas as pessoas só
usam isso como desculpa pra botar ele ali.
5 - Como acontecia a seleção do repórter responsável pela produção do
obituário?
Era mais pela conveniência mesmo, se a pessoa não estava envolvida com outros
projetos, que na verdade a Aline ficou encarregada muito tempo. Depois ela
começou a acumular com outras coisas, mas acho que porque ela queria variar,
porque eu dizia que não sabia como ela ia aguentar, porque eram muitos anos
fazendo a mesma coisa. Não dá certo. Então era conforme a pauta definida pelas
tarefas e pelo perfil também. A Aline é muito boa para ouvir. Ela é uma pessoa que
consegue fazer as pessoas falarem. É uma mistura de perfil com a pauta do jornal.
6 - Quais eram suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?
A gente tinha que, quando ele era diário, tinha que garantir que iriam ter os sete
obituários da semana, sendo que os de sábado, domingo e segunda eles tinham que
estar prontos na sexta-feira. Então, na verdade, em cinco dias a gente fazia sete
obituários. Era uma corrida pra conseguir fazer. E no final do dia ela fazia, eu editava
no final do dia. Todo dia antes de ir embora, era a última coisa que eu fazia. Entrava
lá, pegava o texto dela e editava. Eu reescrevia o que precisava, corrigia e daí
liberava o texto. E, às vezes, pro fim de semana a gente passava muito apuro,
porque chegava na sexta feira você tinha que ter três, e às vezes não tinha. Era bem
complicado.
7 - Como foi a mudança da publicação diária para a versão semanal?
Foi depois que eu saí.
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8 - O obituário é considerado um setor dentro do veículo?
A Aline ficou bastante tempo. Às vezes, quando ela pegava um outro assunto, ela
precisava de alguém ajudando. Mas, em geral, tinha uma pessoa fixa. Não vou dizer
que era um setor, porque era uma pessoa só. Ela tinha dedicação exclusiva a isso e
eu era encarregada de editar, então ninguém mais precisava falar daquilo. Entrava
numa editoria e quem cuidava disso era eu.
9 - Como o nome dos perfilados chegam até o veículo?
Poucos chegavam até nós, era muito difícil. A maioria era pela lista de falecimentos
da prefeitura, ai nós procurávamos os telefones, entrávamos em contato, e
entravamos em contato com as funerárias quando precisava. Eu me lembro que era
uma busca ativa, digamos assim. Por exemplo, você via na lista de falecimentos que
alguém era militar, porque saía na relação. Aí eu ligava na Associação da Vila Militar
e perguntava: vocês conhecem fulano de tal que morreu? Na verdade, nunca deu
certo, que eu me lembre. Eu cheguei a pedir a algumas entidades de classe como a
Associação da Vila Militar que se eles tivessem alguém que faleceu que me
ligassem. Era muito difícil. Dos militares, por exemplo, que fui eu que falei nunca
aconteceu. Às vezes você ouvia falar de alguém e você ia atrás pra descobrir quem
era. Uma vez eu vi uma pessoa que era uma senhora, também. Eu não sei se foi o
filho dela que procurou, mas eu acho que daquela vez aconteceu isso. Mas era
muito raro alguém nos procurar. Nos últimos anos começou a acontecer, mas era
muito pouco.
10 - Como encaixava a produção do obituário dentro da rotina do jornal?
Era entendido como uma reportagem normal. Tanto é que durante anos, a Aline fez,
praticamente, só isso. Ela pegava outros trabalhos às vezes, mas dificilmente um
trabalho com pauta diária. Ela podia participar de alguma outra reportagem.
11 - Quanto tempo levava para escrever um texto de obituário?
Acho que 1h. Não muito mais do que isso. O trabalho maior é antes. Que é ouvir,
localizar. Quer dizer, no total, você pode levar um dia inteiro pra fazer. Porque até
103
você localizar, até você conseguir falar com ela, você ter a história. Até porque
quando você está ouvindo a história, você já percebe os elementos que você vai
poder compor.
12 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a
seção?
Não, na verdade todos eles tinham o desafio de serem diferentes.
13 - Como era feita a coleta de dados para a produção do perfil?
Na entrevista com os familiares. A gente não tem tempo de ouvir mais de uma
pessoa, então a gente acaba ouvindo uma pessoa só. Talvez se você quisesse
compor um perfil mais realista da pessoa, você teria que ouvir mais de um.
Provavelmente, se você ouvir um amigo, ele vai te contar aspectos diferentes.
14 - Qual momento do dia utilizava, exclusivamente, para a produção do texto
de obituário? Como você encaixava a produção do texto dentro da sua rotina?
No final do dia, isso quando era semanal.
15 - Acredita que a seção possui uma importância social?
Na minha visão, tem sim uma função social. Que é exatamente mostrar a dignidade
da vida, independente do papel econômico dela na sociedade. Porque aí você pega
desde uma pessoa que tinha uma função altamente remunerada até uma pessoa
que tinha uma mais simples, e contar no mesmo nível, porque isso que é importante
de um obituário. Todo mundo é tratado igual, ninguém é tratado como mais ou
menos importante. Eu acho, inclusive, que essa é real função social. Eu acho que
quando o obituário deixar de ser feito pelo repórter e passar, e eu acho que na
Gazeta está acontecendo isso, a família a fazer o texto e eles publicam, eu acho que
é isso que falha. Porque dai eles começam a ficar vangloriando aquela pessoa,
“Porque ele fez isso fez aquilo”, perde o sentido. O sentido é tratar todo mundo igual.
16 - Os textos passavam por um processo de edição?
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No caso da Gazeta, todo dia ele era relido por alguém e editado, no caso eu. Ele era
produzido por um repórter e editado por editor.
17 - Quais os principais critérios para a produção do texto?
Eu acho que você não pode ter critérios muito fixos para a escolha de um
personagem. Tem que ser uma escolha muito ampla pra você ter a variedade de
pessoas e não começar a criar alguns preconceitos em relação ao personagem,
então é melhor não ter muitos critérios. Excluir aqueles que devem ser somente de
reportagem. São aqueles em que a obra tem que prevalecer. Eu vou dar um
exemplo: morreu no começo do ano o professor Bigarella, que era um cientista,
professor da Universidade Federal do Paraná. Você podia fazer um ótimo obituário
dele contando a história da família dele, dos amigos dele e tal. Você tem que falar da
obra dele, entendeu? Nesse caso, é melhor que ele seja um assunto de reportagem
do jornal, porque você vai ter que enfatizar muito a obra dele. Por exemplo, morre o
Bob Dylan, que ganhou o premio Nobel. Você pode fazer o obituário dele, mas faz
mais sentido você fazer uma reportagem porque, necessariamente, você vai ter que
falar da obra dele, e é isso que as pessoas querem saber. Quando a obra da pessoa
vai tomar uma proporção maior transfere ele pra uma reportagem.
18 - Por favor, detalhe como é fazer um texto de obituário:
É destacar aspectos que deem uma ideia ao leitor de quem era aquela pessoa.
Então você tem aí um conjunto de informações e vai destacar aquelas que criam
aquele personagem. Esse que é o maior segredo. É óbvio que a informação sobre a
profissão é importante. O fato de ter trabalhado 30 anos como professor do ensino
médio é importante, mas só isso não diz quem era ele. Você tem que encontrar
informações que ajudem o leitor a compor a ideia desse personagem. Você não tem
como ser 100% realista sobre alguém, isso é impossível. Pra saber isso teria que
ouvir muitas pessoas. A família vai contar uma história, os amigos vão contar outra.
Então, você não compõe um perfil verdadeiro, você está criando um personagem.
19 - Desde a chegada do obituário na Gazeta do Povo, quais mudanças você
acompanhou na seção?
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Na verdade, o obituário foi criado enquanto eu estava lá. Ele passou por um período
de consolidação e depois ele deixou de ser prioridade, e eu vi que ele estava
perdendo espaço. Não estava mais cuidando dele porque saiu da minha área e
caminhava, inclusive, pra ele desaparecer. Acho até que é o que está acontecendo.
Eu vi ele nascer, crescer e vi ele perdendo força. Na minha opinião é errado, porque
as pessoas gostam de ler. Mas é como eu te falei, o obituário não é uma coisa que
as pessoas entendem.
20 - Como você avalia o setor e versão final dos textos?
Eu detecto uma série de falhas. Eu acho que precisaria ser feito por mais pessoas.
Eu acho que as pessoas precisam entender melhor e gostar mais de fazer. A Aline
gostava, mas não é todo mundo que gosta de fazer. Eu acho difícil que os jornalistas
se encantem com isso, não sei se é no mundo inteiro. Aí também você tem que
achar pessoas que sejam contadoras de histórias, que gostam de ouvir. Não é todo
mundo que gosta disso.
21 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha
editorial do jornal?
Hoje eu acho que sim, eu percebo que eles estão escolhendo mais. A equipe
diminuiu muito, então na atual situação acho que eles não têm muita opção. E antes
tinha no sentido que você trazia um lado humano para o jornal. Servia para essa
valorização das qualidades humanas que o jornal queria fazer.
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