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Victor O. de Faria
Microscópia
Coletânea de Micro Contos
1ª edição
Santa Catarina,
2017
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Ficção Científica
Vizinhos........................................................05 Relatividade..................................................07
Origami.........................................................09
Um Minuto...................................................10 Epifania........................................................12
Ficção Fantástica
13.........................................................O Farol
14...............................................Eco... Sistema 15................................................Carta à Terra
Cotidiano
Gerações.......................................................16
Luminosos....................................................18 Lições...........................................................20
Enigma.........................................................22 Ligação.........................................................24
Perspectiva...................................................26
Tempo, mano velho.......................................28 O velho piano................................................30
Humor
31...........................................................Sinais
33.....................................................Em Teoria 34.....................................................Gravidade
35..........................................................De Lua 37............................Mais estranho que a ficção
38..................E percebeu que a vida possui um estranho senso de humor, assim como o
telemarketing
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FC
Vizinhos
Dois Astrônomos observavam o fascinante espectro de luz emitido pela Supernova SN 1987A, na
Grande Nuvem de Magalhães, enquanto refletiam sobre o futuro.
— E pensar que esse é o suspiro final de uma estrela morta.
— Imagino o que teria feito isso.
— Acredita que uma civilização avançada possa ter desaparecido?
— Talvez. Enfrentaremos o mesmo problema em bilhões de anos, quando o Sol se transformar em
uma Gigante Vermelha. — Até lá... A humanidade já se espalhou pela
galáxia. — Tem certeza? Um seriado antigo afirmava
que, primeiro, precisaríamos alcançar a paz mundial.
Então os humanos estariam prontos para uma nova era.
— Parece papo de miss. Riram, um tanto constrangidos.
— O espaço já não é prioridade. Irônico... De várias formas nossa tecnologia atual surgiu de um
subproduto militar.
— É... Aquele futuro ainda está longe. — E se uma civilização bélica atingisse o
estágio de exploração espacial? Poderia perder o controle sobre seus “brinquedos”?
Olharam para as fotos recolhidas da supernova e encontraram, em seu subconsciente, um temor
primitivo.
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A energia acumulada continuava se expandido,
durante eras, até o vizinho mais próximo. Um alarme. Um aviso. Uma explosão de magnitude indescritível,
ocasionada pela Fábrica do Tempo e da Eternidade. Ou teria sido gerada artificialmente?
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Relatividade
Viagem no tempo. Um assunto complicado demais para ser discutido.
— Já notou que estamos sempre nos movendo
em direção ao futuro? O presente não é constante. — E só poderíamos voltar ao instante em que o
artefato fosse construído. — Então, o passado está fora de cogitação.
— Sem volta. Mas se deixarmos instruções para nós mesmos, podemos lê-las no futuro.
— Que tipo de instruções? Algo como “Não construa uma máquina do tempo”, em letras
grandes?
— Nem pense nisso! O contínuo daria um jeito de criar um paradoxo.
— E como vamos saber se já não estamos em um?
Aquela pergunta causava uma estranha sensação. Ignoraram. O primeiro item a ser enviado, é
claro, seria uma carta, a fim de testar o
comportamento do universo material. O acelerador de partículas foi ligado.
Nada aconteceu. — O que houve?
— Esperava receber um cartão postal de um pôr do Sol alienígena, do interior de uma cúpula
habitacional futurística, enquanto naves cruzavam os céus em direção à colônia artificial?
— Bem, sim... Falar nisso, já abriu a
correspondência dessa manhã? — Ainda não.
Ao desdobrá-la, o susto. Seu colega também a leu. Dizia, em letras grandes: “Não construa uma
máquina do tempo”. — Paradoxo. Não falei?
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Viagem no tempo. Um assunto complicado
demais para ser discutido.
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Origami
Não era ninguém, e nunca foi...Exceto, talvez, por aquele dia em especial.
Minutos se passaram até que pudesse extrair
as preciosas memórias e transformá-las em uma arte tão estranha, embora fascinante. O pássaro de papel
bateu asas e voou para dentro de seu próprio mundo. Quando os olhos da criança brilharam, soube,
no mesmo instante, que o resto já não importava mais. Deixara uma marca em sua mente, um senso
de admiração pelo desconhecido. Singelo, contudo, passageiro. Logo a vida se encarregaria de destruí-la,
sem dó nem piedade.
No entanto, aquele sorriso o lembrava de como as coisas eram simples, os adultos é que insistiam em
complicá-las. Momentos despercebidos, nuances ignoradas, curvas sinuosas de pétalas que resistiam
ao mais forte dos temporais – flores de papel. Tornara-se alguém por instantes, tempo
suficiente para lembrá-lo de uma grande verdade... A
felicidade estava nos pequenos detalhes. E o pássaro, antes inanimado, repousou sobre seu ombro.
Sorriu em resposta. Memórias. Lembranças de uma época mais
tranquila, quando as leis da natureza regiam o mundo ao redor...
E não um enorme catalisador de energia, suscetível às incontroláveis tempestades de areia.
Pelo menos o Sol ainda brilhava, resplandecendo de
forma tímida através das redomas, como um caleidoscópio, criador de prismas e arco-íris duplos.
Um céu cheio de estrelas. Dobraduras. Meros detalhes.
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Um Minuto...
...era o tempo necessário para que a exótica civilização alluriana atingisse o estágio da viagem
interestelar. Um minuto, ou um milhão de anos, não
fazia diferença àquela raça atemporal. Sua ânsia por conhecimento, enfim, os levara a
formular a pergunta que assombrava todas as espécies inteligentes, sem exceção. Quem, ao olhar
para um céu recheado de infinitos pontos brilhantes, não se surpreenderia se a resposta fosse “não
estamos sozinhos”? O clamor da galáxia vizinha indicava que, em breve, comprovariam essa tese.
Em pouco mais de “trinta segundos” ajustaram
seus corpos de silício, transformando os apêndices em extensões de suas próprias naves orgânicas –
amálgama necessário para quem desejava transpor as leis naturais do contínuo – e partiram. Uma vasta
expedição deixou o universo tangível, levando consigo o vislumbre de um primeiro contato.
Assim que finalmente conseguiram transpor a
malha temporal, puderam, por fim, compreender a origem da exuberante lamúria, ouvida eras atrás...
Uma supernova faminta se alimentava de sua própria cria, na Via Láctea.
Estavam adiantados, embora relativamente atrasados sob o ponto de vista das criaturas que,
anteriormente, habitavam aquele sistema solar único e buscavam, com afinco, a mesma resposta.
Teriam sobrevivido, de alguma forma? Só
saberiam em algum momento futuro, quando as duas galáxias recheadas de conhecimento primordial, por
fim, colidissem. A espiral no horizonte os lembrava do quão
longe estavam de casa. O rugido da fera os despertou. Voltaram imediatamente, pelo mesmo caminho.
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Os allurianos residentes, não viajantes,
notaram a perturbação celeste. Milhares de naves orgânicas se materializaram nos céus cansados de
Andrômeda, sua casa, respondendo de forma categórica sua própria pergunta...
Acima, os recém-chegados da Via Láctea. Abaixo, uma nova geração alluriana após 2,54
milhões de anos – relatividade. Uma verdade incontestável que os levou a
compreender, finalmente, que a resposta, esse tempo
todo, se encontrava dentro deles mesmos.
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Epifania
Sou um viajante do tempo. Não do tipo comum, a SABER. Alterar coisas
por aí costuma gerar inconsistências históricas e até
paradoxos irreversíveis, levando à única conclusão inevitável, O FIM...
Considero-me apenas um observador, afinal, já presenciei o nascimento do universo e seu declínio, a
ascensão e a queda dos superaglomerados e a chegada da não-existência. Só NÃO fui mais longe
devido à força desconhecida que me impede de atravessar o horizonte de eventos. Devo encontrá-la
em breve.
Isso não SIGNIFICA que não possa desfrutar a viagem. Contudo, prefiro voltar minha atenção ao
mero cotidiano. São os pequenos gestos que geram grandes consequências – escrever este relato,
NECESSARIAMENTE estranho, por exemplo. Infelizmente, se você está lendo este pequeno
desabafo, significa que acabei de interferir em seu
contínuo espaço-tempo por um breve período. Um minuto? Trinta segundos? Não importa. Só preciso
que guarde essa informação, antes que ela me apague de sua realidade. Sou um fugitivo.
Entretanto, por ironia do destino, preciso deixar de VIVER. Prometi não interferir, mas você tem
o direito à escolha. A chave para a resposta do grande enigma universal se encontra escondida nestes
parágrafos mal escritos.
Ela está vindo. Preciso ir...
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FF
O Farol
O farol da ilha sem nome brilhava, sereno, incansável, noite e dia. Buscava uma resposta que
poderia não existir. Sentia falta das crianças brincando ao seu redor e dos marinheiros que
agradeciam seu eterno feixe noturno. A mudança dos pioneiros para povoados prósperos explicava seu
abandono.
Não lembrava desde quando a melancolia se tornara vívida. Talvez fosse culpa do estranho
meteorito orgânico que, há alguns anos, chocara-se contra sua estrutura, deixando uma ferida profunda e
uma inquietante sensação: fazer parte de algo maior. Depois do nítido despertar, iluminou caminhos
distantes, aguardando pacientemente que alguém (ou algo) o encontrasse. Durante anos permaneceu
esperançoso, imóvel como deveria ser, tendo apenas
os pelicanos como companhia... Certo dia, após uma década, a névoa se
dissipou. O feixe de luz abriu caminho, atravessou as águas turvas, e revelou homens, mulheres e crianças
a bordo de um típico navio explorador. Finalmente, após todo aquele tempo, poderia contar-lhes a
realidade da melhor forma possível: através do
silêncio. Jamais voltaria a ficar sozinho, pois quando as
densas nuvens se dissiparam, percebeu que já fazia parte da história.
A resposta que tanto buscava estava ali, o tempo todo... Um museu ao ar livre. O último farol de
guerra.
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Eco... Sistema
No meio de uma fazenda distante, a árvore centenária, frondosa e frutífera (com nome de gente,
como dizia o povoado) trazia o descanso necessário
aos transeuntes. Crianças perambulavam, subiam em seus galhos e escreviam juras de amor, esquecidas
em breve. Amélia Oliveira, a árvore de oliva, levava uma
vida simples. Limpava o ar, servia de abrigo, produzia azeitonas a cada estação e retribuía o carinho
daquelas pessoas de forte caráter. Contudo, assim como as folhas que caem são
carregadas pelo vento, o maior inimigo do homem, o
tempo, prosseguia. Foi assim que, pouco a pouco, Amélia viu sua realidade mudar.
Começou com uma simples estrada de chão. Tropeiros e carroças tornaram-se comuns. Logo,
trilhos de trem. Mas isso não importava. Continuaria cedendo
seus frutos e sombra a quem quisesse seu aconchego.
Infelizmente, já não havia tanto interesse em sua companhia. Os ventos da mudança não paravam de
soprar. Em poucos anos, pavimentações cobriram por
completo o solo enriquecido. E o vasto jardim natural desapareceu, tomado por prédios e maquinários
fantásticos. Que estranhas máquinas barulhentas! Já não a visitavam mais. Tampouco colhiam
seus frutos. Quando percebeu que ao seu redor havia
apenas um pequeno retângulo recortado e todas as suas raízes estavam cobertas por um manto,
entristeceu-se. E Amélia Oliveira, a árvore de seiscentos anos,
voltou ao solo, sabendo que, um dia, renasceria num mundo diferente.
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Carta à Terra
“Embora escreva em palavras intangíveis, sei que, quando a hora chegar, não haverá mais nada a
se dizer, confesso. Já não serei mais eu, mas muitos
de nós. Ouso intitular-me um sonhador distante e teimo em cavalgar o limiar da eternidade – uma
anomalia, por assim dizer. Não posso dizer-lhe de onde venho, e nem o saberei, tão logo empreenda esta
conquista. Mas esteja certa de que a observo desde os primórdios da criação, quando ainda procuravas um
lugar para se aconchegar. Sua cor pálida e seus tons eflúvios, em contraste com o vazio do infinito,
impeliram-me nessa direção. Forças desconhecidas
agem entre nós. Logo estarei em seus braços – tentei avisar-lhe, mas você não respondeu. Uma explosão
não parecia suficiente. Por isso, escute o que lhe digo: palavras intangíveis! Já não sou mais eu! Temo que,
apesar de meus esforços, minha breve passagem seja notada apenas por aquele que te ilumina, e por
consequência, me vejas apenas como um resquício de
tempos antigos... Um Ente. Decadente. Subserviente... Uma estrela cadente.”
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C
Gerações
Um fim de semana deveras especial... Acampávamos num parque primaveril sob o
céu estrelado de setembro, uma ótima oportunidade de me achegar às crianças, que em pouco tempo
atingiriam a pré-adolescência. Desejava descobrir quais eram seus planos futuros, esperando
ansiosamente que uma delas dissesse “astronauta”,
assim como seu avô tinha sido em tempos áureos. — Vejam só a oportunidade que temos. Lá,
onde estão aqueles três pontos brilhantes, fica a Constelação de Órion. Dizem que as pirâmides foram
construídas com base na sua localização, ou seja, apontam para lá. Bem intrigante, não acham?
Os dois não tiravam os olhos do celular. Tentei uma pergunta mais direta.
— Não gostariam de um dia navegar pelo
espaço, realizar descobertas incríveis e admirar nosso “pálido ponto azul”?
Os dedos teclavam em velocidades absurdas. Em um último esforço, abordei um cenário que
finalmente os afetava. — Se um dia um meteoro atingisse nossos
satélites e ficássemos um ano sem energia...
— Aí eu seria uma astronauta... Já estava satisfeito com a resposta, mas ela
continuou. — ... Para voar até o espaço e consertar o
satélite do Facebook, descendo em seguida.
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Fui obrigado a rir. Enquanto isso, nas
profundezas do abismo estelar, Órion observava, aguardando pacientemente as futuras gerações.
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Luminosos
Numa noite agradável de verão, no interior da tenda montada no jardim, o pai conversava com a
filha menor, disposta a dormir lá fora a qualquer
custo, mesmo sob os protestos da mãe. A infinidade de pontos brilhantes naquele céu límpido e colorido
era um convite à reflexão. — Pai, será que um dia chegaremos lá?
— Onde? — Nas estrelas, que nem eu vi nuns livros
antigos da biblioteca. — Quem sabe... Quando o homem deixar de
olhar para seu próprio umbigo e se focar no bem estar
da humanidade, deixando de lado interesses individuais... Talvez sua geração consiga!
— Hum... — Não desanime! Há tanta coisa por aqui que
nem conhecemos! Já ouviu falar dos “luminosos”? — Não.
— São seres estranhos, incomparáveis. Vivem
nas profundezas dos oceanos. Somos incapazes de chegar no fundo das fossas quilométricas, mas é
possível, com o auxílio de robôs, vislumbrar uma parte do ecossistema alienígena, repleto de cores e
formas translúcidas. — Eles se comunicam por cores?
— Sim. — Ah, que nem a gente.
— Como assim?
— Ué, quando apronto, a mãe fica verde de raiva. Quando preciso comer, fico roxa de fome. E
quando faço perguntas “difíceis”, vocês dois ficam vermelhos de vergonha.
— Nunca tinha pensado nisso.
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— Vou contar pra ela que você nos chamou de
alienígenas! — Espera um pouco, espertinha! Volta aqui!
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Lições
Aninha e Felipe acordaram de súbito. Um som curioso, de trás do fogão de sua avó, os obrigou a
saírem de pijama em direção à cozinha rústica.
Aproximaram-se lentamente e aguardaram. Havia duas sombras pequenas, refletidas na
parede, enquanto as últimas chamas insistiam em queimar os gravetos. Sentaram sobre o tapete à luz da
fogueira e observaram, em silêncio. As noites de inverno estavam cada vez mais rigorosas. Ouviram
um estalido. — O que foi isso, Lipe?
— O vô devia estar roncando e a vó deu um
chute nele. — Ah... – Virou-se para as sombras.
— Será que eles têm nome? — Como vou saber?
Chamou as criaturas do jeito que conhecia. Mia apareceu, ronronando. Os olhos da mascote se
abriram e, em questão de segundos pulou na parede,
derrubando uma panela. A avó levantou e foi até lá. — O que fazem aí crianças, nesse frio?
— Vendo as visitas! Olhou a parede.
— Ah, são os caracóis. — Viu só? Não era monstro nenhum, Aninha!
— Por que eles carregam a casa deles junto? — Se prometerem dormir depois, eu conto.
Balançaram as cabeças.
— Para se proteger. — E não é pesado?
— Depende do que eles guardam lá dentro. Aninha pensou um pouco e completou.
— Que nem a gente? — Como assim?
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— Ué, a senhora disse que a gente leva pra vida
o que guarda no coração. Ele pode ficar leve ou pesado, que nem o caracol ali.
Apontou. A avó sorriu; a nova geração aprendia rápido.
22
Enigma
Seu Manoel, com oitenta e quatro primaveras de existência, gostava de pedalar toda manhã nas
praias vizinhas. Atravessava de uma vez só a orla
marítima, admirando o deslumbrante espetáculo das águas ao abrirem passagem para o astro-rei...
Naquela semana, numa inesperada quarta-feira ensolarada, as ondas resolveram presenteá-lo
com uma garrafa antiga, contendo um estranho bilhete enrolado em seu interior.
“Ainda fazem essas coisas?”, indagou ao vento, buscando lembranças perdidas.
Teve de encostar a bicicleta no banco de areia.
A rolha improvisada, de aspecto rústico e semelhante às da sua infância, saiu facilmente. Retirou o lacre.
Puxou o bilhete com cuidado, depositando a garrafa na areia macia. Leu em voz alta.
“Se contá-lo, deixarei de sê-lo. Se disser a que vim, não terei mais objetivo. Trago lembranças
perdidas de outrora. Lança-me de volta e torças para
que, um dia, nos encontremos novamente.” Ora, era óbvio que se tratava de um “segredo”.
Mas que segredo? Olhou o fundo. Duas iniciais sobrepostas, “M” e “V”, desenhavam um coração
estilizado. Sorriu. Aquela caligrafia era única. Uma lágrima perdida encontrou seu caminho.
Lembrou-se de palavras juvenis, ditas meses antes de seu casamento com dona Vitta, levada pelas
areias do tempo. Ajeitou tudo e novamente a jogou no
mar. Suspirou. A espontânea celebração da natureza ao seu redor curava ferimentos profundos. O sol a
pino encheu de vida seus pensamentos. Decidido, mais forte e renovado, voltou a
pedalar...
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... Até o dia em que se tornou parte de seu
próprio enigma. E completou, por fim, a letra que faltava.
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Ligação
Marlene parou em frente à cabine telefônica. O artefato antigo, de épocas esquecidas, permanecia
exposto fora da loja de antiguidades. Os entalhes em
madeira só podiam ser comparados ao seu próprio reflexo na vidraçaria. Uma verdadeira obra de arte.
Seu Alcides acenou. Conhecia Marlene há dez anos, assim como seu falecido pai.
Toda a quarta Dona Martha passava por ali. Marlene já havia parado para ver um rádio de
válvulas, uma TV em miniatura e até um exótico Theremin. Mas a cabine telefônica, com toda a sua
ousadia artística, ganhara seu coração. Fez menção
de entrar, mas sua mãe retribuiu o aceno e a puxou. Na semana seguinte, torceu para que alguém
ligasse. Seria a primeira a atender. Recebeu apenas a costumeira troca de gentilezas entre sua mãe e o “tio”
Alcides. Tinha algo rolando ali. Sorriu – uma cena que se repetiria muitas vezes.
Assim, certo dia...
“Triiim...” O som de grilos no xilofone era inconfundível.
Marlene abriu a porta com cuidado e usou o banquinho para alcançar o cone em forma de sino.
— Alô? — Marlene?
— Viu, mãe? Eles sabem meu nome! Dona Martha olhou com desconfiança para seu
Alcides.
— Se a mãe da pequena senhorita aceitar tomar um chá comigo, lhe darei uma miniatura dessa
máquina extraordinária. — Mãe! A cabine quer tomar chá com a
senhora. É a coisa mais estranha que já ouvi. Eu vou é embora! Tchau!
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Desligou. A mãe esboçou um sorriso tímido.
Marlene encarou os dois por alguns segundos. Exclamou, sem aviso.
— Ahhhh... Entendi! E a cabine telefônica, finalmente, alcançou seu
objetivo.
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Perspectiva
Sob a luz da Lua, numa tranquila praia do interior, pais e filhos apreciavam o manto estrelado da
noite. Sua imaginação desenhava infinitos caminhos
futuros. Mal sabiam que muito daquele brilho provinha de estrelas já extintas. O que viam era
apenas um resquício da aurora do início dos tempos. Os céus contavam suas próprias histórias de um
passado distante. O menino foi o primeiro a perguntar.
— Pai, e aquela ali? — Ah, aquela ali não é uma estrela. É a
Estação Espacial.
A menina interrompeu. — Será que estão nos vendo?
— Quem sabe, filha. Tudo é uma questão de perspectiva.
— Não entendi. Ajeitou o cabelo, caso estivessem olhando. O
pai continuou.
— Veja só todos os pontinhos que podemos ver daqui. Cada um deles pode conter centenas de
galáxias, com centenas de planetas. Mas vemos apenas um único ponto luminoso. Para o pessoal “lá
de cima”, também somos apenas um pontinho. — Hum... Para o caranguejo, a areia da praia é
uma galáxia? — De certa forma...
— Então, o que somos pra ele?
Seus filhos cresciam e o surpreendiam cada vez mais. O menino se adiantou.
— Perspectiva é que nem aquele dia em que a gente coloriu as paredes com tinta a óleo e o senhor
disse pra mãe ver o lado bom? Que espantava os mosquitos e cupins?
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— Mais ou menos isso.
A menina saltou. — Já sei! Para o caranguejo somos guardiões!
Isso quer dizer que... Também temos um? A mãe os chamava. O pai apenas sorriu.
Acharia sua própria resposta, no devido tempo.
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Tempo, mano velho
As folhas de outono começavam a se acumular em frente ao jardim. A ventania aparecia somente
agora, no fim do inverno, sob a forma de pequenos e
curiosos ciclones. Lara se divertia ao ver seu pai fazendo um montinho delas, para em seguida ser
desmanchado pelo próprio vento. Trancou a janela do quarto. Desceu as escadas correndo, espantando a
gata sonolenta, e atravessou a sala como um raio. Sua mãe nem percebeu.
— Pai, quer ajuda? — A primavera já tá chegando. Logo, essas
folhas vão ficar onde devem, lá em cima.
— Na primavera começo a estudar de manhã – disse ela, intrigada.
— Sim... O tempo voa – disse Carlos, analisando os traços de sua filha.
Lara colocou o dedo sobre os lábios e franziu o cenho. Seu pai conhecia muito bem aquele
semblante.
— Como assim “o tempo voa”? Se ele voasse, não deveria passar pela gente, que nem as folhas?
Coçou a cabeça. As perguntas estavam mais difíceis; se fosse uma “daquelas”, então...
— É uma expressão. O tempo é relativo e depende do ponto de referência.
— Hein? — Vou explicar melhor. “Até ontem” você era
uma menininha em meus braços. Agora já vai pra
terceira série. Tudo passou muito rápido, como um pássaro quando dá um rasante.
— Ah! Entendi. Mas pra mim ele não voa, ele manca. Principalmente quando tem aula de
matemática. O pai gargalhou.
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— Aproveite! Quando for adulta e “chata”, vai
sentir falta de tudo isso. — Mas se o tempo voa e a imaginação tem
asas, o futuro não devia ser uma criança? Aquela era uma excelente pergunta.
Carlos deixou a nostalgia de lado, largou o ancinho e se atirou no monte de folhas, como uma
baleia. Ela fez o mesmo. Prometeu construir um balanço. Ainda poderia desfrutar da juventude
guardada em seu interior, nem que fosse através de
outros olhos... Tempo. Seu velho amigo. O acompanharia a
vida toda. E, enquanto durasse, deixaria para trás lembranças e uma boa dose de melancolia.
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O velho piano
Aquele era um boteco estranho. No lugar de uma mesa de bilhar, havia um piano, velho, cansado,
sem uso. Seu Aristides gostava de explicar aos
clientes, em detalhes, a história trazida por aquela relíquia. Um conto que envolvia um perfume, uma
mulher estonteante e um homem medroso demais para expor seus sentimentos.
Porém, como dono do estabelecimento, utilizava com frequência o bordão “contar a quem
solicitar”. Ou seja, se “molhassem” sua mão, em troca, “molharia” seus ouvidos…
O caso é que o velho piano trazia consigo
lembranças de uma época esquecida, de quando ouvir boa música e cantar era algo natural, do tempo em
que seus acordes atravessavam as trilhas do coração e convertiam-se em poesia.
Seu Aristides limpou os pequenos copos de vidro, cheios da melhor aguardente da região,
empurrou-os sobre o tampo de madeira e encheu
cada um até a boca. Pôs-se a contar. “Sabem o piano? Pois é. Ele matou os últimos
que se sentaram aqui”. Os clientes cuspiram no chão. Seu Aristides ria como uma criança de sete anos,
sabendo que, naquela tarde, encheria os bolsos com estórias inverídicas de um amor perdido; embora, lá
no fundo, ainda sentisse falta de Eleonor e sua inconfundível fragrância de jasmim, enquanto tocava
concentrado, espalhando poesia pelos dedos, sem
olhar para os lados, sem qualquer distração. Maldito piano.
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H
Sinais
— Então... Há quanto tempo os sinais vêm aparecendo em sua fazenda?
— Olha, doutor, faz quase seis meses. — O senhor não suspeita de alguma pegadinha
dos moleques da vizinhança? — Não. Eles pagam.
— Como é?
— Sim. Eles roçam todo o milharal, fazem um desenho doido, catam o que precisam e deixam
dinheiro na minha caixa de correio. O repórter riu discretamente.
— Difícil acreditar, senhor Orson. O senhor está me dizendo que eles vêm até nosso planeta,
fazem uma feira e vão embora; como se a Terra fosse apenas um posto de abastecimento ou uma loja de
conveniências?
— Ué, não vejo problema. Vai que os coitadinhos tão sempre com fome – levam um lanche
pra viagem! Ganho muito mais que meus colegas. — Não entendi porque o senhor me chamou.
Vim atrás de um furo de reportagem! Até a comunidade ufóloga entrou em ação!
— Para agradecer, é claro! Coloca no jornal
assim: “Família Orson cumprimenta benfeitores do espaço”.
Fechou a agenda e balançou a cabeça. Despediu-se, agradecendo a entrevista.
Na semana seguinte, para sua surpresa, os jornais da concorrência traziam a seguinte chamada:
“Fazendeiro Orson desaparece sem deixar vestígios,
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deixando para trás um enigmático bilhete, com os
dizeres: ‘Já volto! Estavam sem troco’ ”. Olhou para o céu. Não seria possível!
Ou seria?
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Em Teoria
Ainda era cedo quando o novo gato da vizinhança iniciou seu passeio matinal. Malhado e
com manchas engraçadas, chamava a atenção por
onde passava, exibindo de forma exagerada seu porte diferenciado. Avistou três gatos de rua, não muito
longe dali, confraternizando em uma grande lixeira. Boa oportunidade para demonstrar seus
conhecimentos e impressioná-los. — Olá, vizinhos! Sou o gato de Schrödinger.
O encararam com desdém. O maior deles, cinza e arrepiado, se aproximou.
— Quem?
— Nunca ouviu falar? Aquele da famosa teoria, onde duas partículas podem estar em dois estados ao
mesmo tempo? Achei que seus donos ensinassem alguma coisa. Perdoem minha ignorância.
Trocaram olhares entre si. Audacioso... Recém-chegado e já queria bancar o “sabido”. Cinza lambeu
a pata e apontou.
— Muito bem. Então, quer dizer que você pode estar em DOIS lugares ao mesmo tempo.
— Em teoria... — Tá vendo esse jardim e essa lata, novato?
— Estou. Sorriu. Mostrou as unhas, pulou com uma
agilidade incrível e derrubou o latão sobre a grama, correndo em seguida. Um som bem conhecido,
apavorante, foi ouvido por entre as pequenas árvores
do pátio. Um enorme Pitbull surgiu, com sede de vingança.
— Esse é o Einstein! Ele pode estar em TODOS os lugares ao mesmo tempo!
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Gravidade
— Dizem que as vacas não caem — afirmou Sebastião, escorando-se na cerca.
— É porque elas têm um centro de gravidade
maior — respondeu Aroldo, dando uma de entendido. Ficaram em silêncio observando por um tempo
os imensos descampados onde o gado vacum desfrutava das pastagens, enquanto eram banhados
pelo sol da manhã. Sebastião não estava convencido. — Acho que não é isso não.
— Você quer testar? — Sugeriu Aroldo. — Como? — Indagou.
Aroldo fez um sinal ao descer da cerca e
caminhou lentamente até o primeiro grupo de vacas leiteiras, sozinho. Malhada era a única a permanecer
de costas. —Ei! Não acho uma boa ideia... — Alertou
Sebastião. —Shhh! — Silenciou o amigo.
Posicionou-se bem atrás de Malhada. Respirou
fundo, abriu os braços e soltou um grito. A vaca, dormindo de forma serena, tomou um susto tão
grande que fez seu intestino funcionar. O desastre se tornou completo assim que Aroldo levou uma patada,
bem no meio do estômago. Sebastião deu uma gargalhada tão alta que quase caiu da cerca. Seu
amigo voltou... Sujo e desamparado. — Tá vendo? Eu disse pra não fazer isso.
— Você não disse que ela era indomada... Mas
ela não caiu! Sebastião riu novamente, sem esconder o
sarcasmo. — É. Você tinha razão. Agora entendi a
“gravidade” da situação.
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De Lua
Todas as noites, Seu Juvenal vestia um pijama de bolinhas, sorvia um chá de erva cidreira e
observava o brilho da Lua em sua varanda, noite
afora. Permanecia sempre absorto em pensamentos, balançando a cabeça.
Certa vez, quando seu neto mais velho passou a noite por lá, um barulho estranho no sótão o
acordou. Era noite de Lua cheia. Aurélio nunca fora muito corajoso, mas como já tinha ouvido falar em
esquilos selvagens que invadiam casas de campo, resolveu investigar. Pegou uma lanterna, um biscoito
na cozinha e subiu os longos degraus.
Mas o que viu não tinha nada de selvagem. Seu avô vasculhava uma caixa antiga.
— O que foi vô? — Tenho certeza que deixei por aqui. Eles
voltaram, Aurélio! Eles voltaram... — Quem?
— Preciso da minha luneta. Ah, tá aqui.
Desceram até a varanda. Seu Juvenal montou o equipamento e deixou seu neto olhar a enorme
esfera brilhante, através das lentes. — É bonito, mas não vi nada de diferente.
— Como não? Viu as crateras? — Sim.
— Viu algum módulo espacial? — Não.
— Pois, então! Eles voltaram!
— O senhor diz os homens que foram à Lua? — Sim! Por anos foi noticiado a chegada do
homem à Lua... Mas nunca disseram quando eles voltaram!
Aurélio deu uma gargalhada que chegou a acordar sua vó. Missão cumprida.
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A próxima Lua era minguante. O que diria ao
mais novo quando viesse? A história de ratos famintos era boa demais para ser descartada.
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Mais estranho que a ficção
Marília quase derrubou os livros ao sentir que algo roçava em suas pernas. A gata do vizinho, uma
siamesa branca de íris azul, tão perdida quanto seu
olhar, a encarava. Com cuidado, carregou a mascote até o outro lado da rua, e a deixou em sua própria
casa. Conferiu o relógio. A biblioteca fecharia em minutos. Apertou o passo.
Ao chegar em frente à instituição, deparou-se com uma cena peculiar. A mesma gata estava à sua
frente, sentada, esperando. Como era possível? Ignorou os pensamentos estranhos e entrou pela
porta que já se fechava.
A poltrona da diretoria, carmesim e de aspecto retrô, chamava a atenção. Marília largou os livros e
tomou outro susto. Uma gata idêntica permanecia deitada sobre a almofada macia. A bibliotecária
apareceu, ignorou a mascote e sugeriu mais alguns livros. O que estava acontecendo?
Marília voltou para casa pensativa – e aquilo se
repetiu algumas vezes. Uma gata que conseguia estar em três lugares ao mesmo tempo era o destaque de
sua página pessoal. No entanto, preferia que o mistério continuasse sem solução. Afinal, quantas
visualizações já não havia ganhado? Mal sabia ela que a mascote era tão esperta
quanto um cão-guia. Pegava carona no ônibus que passava de quinze em quinze minutos e conhecia um
atalho para o interior da biblioteca. Encurtava
caminhos como ninguém. Tudo por uma aconchegante e macia poltrona
vintage – uma verdade tão estranha que mais parecia ficção.
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...E percebeu que a vida possui um estranho senso
de humor, assim como o telemarketing
A exótica borboleta laranja flutuava
suavemente pela via expressa, contornando as
lufadas de ar primaveril. Miranda notou quando a pobre criatura, ao se chocar contra o vidro do carro,
estremeceu. Ao olhar pelo retrovisor, sentiu pena. Tão bela, tão colorida, tão frágil. Começar o dia
atropelando um inseto que admirava não estava em seus planos.
Mas as horas, assim como previa, passaram rapidamente. E a imagem vívida desapareceu no tecer
das malhas do tempo.
Chegando em casa, iniciou seu ritual diário. Desligou o automóvel, desceu, procurou a chave do
portão – precisava investir numa versão eletrônica daquela coisa – e o empurrou com força.
Ao entrar na garagem e descer o vidro do carro, parou diante da cena incomum. Foi com espanto e
admiração que observou um vulto laranja atravessar
a janela e ganhar impulso em direção às nuvens, carregando sonhos e lembranças de uma infância
distante – estava viva! De consciência mais leve, permitiu-se sorrir.
Não haveria furacões no outro lado do mundo, como diriam os teóricos. De caos já bastava o trânsito. Se
pisar numa borboleta causava desastres naturais em terras distantes, o que aconteceria ao salvá-la?
O celular tocou de repente. Em dúvida, e
assustada com seus próprios pensamentos, atendeu…
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Bônus A Máquina do Juízo Final
Astrid Astra Celeste, a mais nobre sacerdotisa do Alto Conselho de Júpiter, enfrentava um dilema: a
Singularidade, de dimensão astronômica quase infinita, se aproximava – fenômeno que traria o fim
àquela raça guerreira, exploradora e persistente, espalhada pelo sistema solar.
Era imperativo decidir se devia ou não utilizar
a Máquina do Juízo Final, artefato concluído a tempo pelos mais destacados tecnomagos, considerado
sagrado pela colônia magistral do satélite Europa. Aquele exótico item possuía a estranha
habilidade de distorcer qualquer evento passado, ao custo da destruição do tempo presente, oferecendo
um risco que deveria ser calculado pelos magistrados.
Assim, Terra, Marte, Europa, Kepler e Gliese permaneciam conectados ao templo onde Astrid
discursava, lamentando o curso de suas ações vindouras. Suas palavras emocionadas chegavam ao
ápice na planície rochosa de Ganimedes. — Todos sabem que, nos tempos antigos, um
ataque exterior devastou por completo nossa terra-mãe, deixando um rastro de destruição e corações
partidos. Todavia, aquele fatídico evento serviu para
nos reerguemos e conquistarmos o espaço de uma vez por todas. Expulsamos os invasores, valendo-se de
sua própria tecnologia. Aprendemos a conviver com a energia extraída dos próprios minérios e a conquistar,
com sucesso, viagens intergalácticas... Todos aplaudiram, inflamados pela aura que
seus trajes reais esvoaçantes provocavam. Astrid era
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discreta, mas no fundo gostava de toda a bajulação.
Afinal, a equipe responsável pelo Registro exigia que seu desempenho fosse único, uma lembrança
inspiradora para as gerações futuras, caso viessem a existir. Cruzando as mãos sobre o quadril, ela
continuou. — Infelizmente, conforme previsto pelo Oráculo
de Titã, a Singularidade irá nos atingir em breve. Mas não temam! Todo o conhecimento acumulado durante
eras será arquivado no Dodecaedro. Queira Júpiter
que o objeto seja encontrado por outra forma de vida senciente – eles se encarregarão de dar
prosseguimento aos nossos sonhos. Suspirou, transmitindo mais emoção. Em
seguida estendeu os braços ao horizonte, com vívido entusiasmo.
— A Máquina do Juízo Final está pronta, meus
irmãos! Houve um grande silêncio.
— Mas é uma decisão que não poderei tomar sozinha!
As faces se voltaram para a etherosfera, sabendo que, devido àquela afirmação, teriam de
votar em algum momento pelo futuro da humanidade.
Astrid Astra Celeste, no topo de uma tribuna de mármore dourado, preparou-se. O curso da história
seria definido por todos. — Queridos súditos! É chegada a hora de
ligarmos a Máquina do Juízo Final! Portanto, lhes faço agora a pergunta derradeira.
A ansiedade tomou conta das colônias terrestres.
— Devemos permitir que bilhões de pessoas
morram no passado para que nossa sociedade se desenvolva até o ponto em que chegamos hoje, sob o
risco de sermos exterminados pela Singularidade? Ou
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devemos interferir naquela batalha derradeira,
deixando que o inimigo vença, atrasando em milhões de anos nosso desenvolvimento, sabendo que talvez
possamos ser apagados da história? A confusão mental era evidente. Não havia
qualquer opção favorável. Astrid encerrou sua participação naquele momento, simplificando a
pergunta ao máximo. Uma decisão que alteraria o destino de uma raça inteira.
— Salvar o passado e destruir o futuro? Ou
destruir o passado e salvar o futuro? Vocês têm uma semana para decidir.
Ajeitou a manta sobre os ombros, empunhou o cetro de diamante e desceu a imponente escadaria do
templo Galileu, evitando olhar diretamente para a etherosfera. Sua expressão melancólica denunciaria a
meia verdade... Desapareceriam de qualquer forma.
O Dodecaedro foi lançado no mesmo dia, e com ele, os sonhos e esperanças de uma humanidade que
jamais seria a mesma... Além do Cinturão de Asteroides, lar de imensos
pedregulhos e rochas de gelo, a mais ambiciosa estação espacial já construída pelo homem
permanecia constante. Júpiter, sendo o gigante do
sistema solar e fonte inesgotável de ondas de rádio e hidrogênio, ditava o suntuoso desenho das
estruturas, contribuindo para que seus habitantes assumissem formas, costumes e vestimentas de um
panteão singular. O maior planeta do sistema terrestre governava
sobre todos. E agora, estava prestes a perecer. A decisão havia sido tomada.
***
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Num passado distante, a armada inimiga,
destruída por um artefato desconhecido de origens atemporais, tingiria os céus de vermelho, derrubando
destroços por todo o planeta – os quais seriam bem utilizados nos anos à frente pelos humanos restantes.
A história diria que um contra-ataque terrestre bem-sucedido teria sido a chave para a vitória. E
todos acreditariam, incluindo as futuras gerações. Mas, assim como um arranhão se cura com o
tempo, as linhas temporais se encarregariam de
estancar o corte, nem que para isso levassem milhões de anos.
***
Astrid Astra Celeste, a última nobre sacerdotisa
do Alto Conselho de Júpiter, chorou pelos filhos do
Sol... A Singularidade, filha do tempo, avançava com apetite voraz.
43
B
Biografia
Victor Oliveira de Faria está em sua versão 3.5, é natural de Caxias do Sul, e atualmente reside na
região de Santa Catarina. Há mais de dez anos escreve e publica seus textos em sites de literatura,
como o Recanto das Letras e Entre Contos, sob pseudônimo.
Mensalmente envia micro contos para o jornal
cultural de Araranguá e já teve uma noveleta registrada na 2ª edição da revista digital Trasgo.
Recentemente teve a oportunidade de participar da 4ª Antologia Devaneios Improváveis, também do site
literário Entre Contos. Suas principais influências vêm de autores
consagrados da ficção científica, sendo entusiasta do gênero. Se tivesse o poder de quebrar as barreiras da
quarta dimensão, seria arqueólogo, astrônomo,
astronauta, escritor e violinista. Ao mesmo tempo.
Contato com o autor:
[email protected] (e-mail) @victorfaria2012 (twitter)
paradoxotemporal.wordpress.com (blog, para
mais coletâneas de contos, acesse)
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Microscópia Coletânea de Micro Contos
Esta mini coletânea traz a atmosfera da ficção especulativa e suas variantes, bem como reflexões e
metáforas sobre o cotidiano e o futuro alcançável,
além do bom humor nas entrelinhas. Vinte e quatro estórias de autoria própria
divididas em quatro temas (ficção científica, ficção fantástica, cotidiano e humor) contendo reflexões
acerca da vida, do universo e tudo mais, em escala reduzida.
Boa viagem!
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