*
Departamento de Biologia, Universidade de Évora, Apartado 94, 7002-554 ÉVORA
1
CONSANGUINIDADE EM PLANTAS
INBREEDING IN PLANTS
POR
PAULO DE OLIVEIRA*
I. INTRODUÇÃO
Consanguinidade, ou o termo que em sua
substituição se prefira utilizar tanto para animais como
para plantas [1], refere-se à união de gâmetas
geneticamente aparentados. Segundo a biologia da
reprodução de cada espécie haverá maior ou menor
incidência de consanguinidade, e no caso das plantas
cultivadas oferece-se um leque muito largo de
perspectivas devido à multiplicidade de estratégias de
reprodução sexuada que podem ser encontradas, desde
as espécies anuais autogâmicas às florestais de ciclo de
vida longo e com mecanismo s de auto-
incompatibilidade.
A consanguinidade pode ter uma grande
importância para o melhoramento de plantas e para a
conservação de recursos genéticos de plantas
cultivadas. O presente sumário de conceitos e
situações tem a sua origem em apontamentos
preparados para o ensino de Genética a alunos de
Engenharia Agrícola da Universidade de Évora. O
propósito foi, e continua a ser, o de transmitir uma
base teórica geral e facultar uma introdução à sua
aplicação prática, organizando e dispondo os temas
de maneira a colocar a ênfase nos fenómenos
biológicos, procurando fazer com que a (inevitável)
formulação matemática não obscureça a atenção a dar
aos mesmos.
I.a. Fixação de alelos por selfing
Mendel [2], como corolário da 1ª lei da
hereditariedade, deduziu que na continuação do
processo de selfing (auto-cruzamento, ou cruzamento
1entre indivíduos com genótipos idênticos) desde a F
naté à n-ésima geração (F ), a proporção de
1heterozigóticos para cada locus híbrido na F se
reduzia, uniformemente, para metade em cada geração
(esquema 1; locus com dois alelos, A e a): os
homozigóticos reproduziam apenas os mesmos
homozigóticos, enquanto os heterozigóticos
reproduziam-se em apenas metade de heterozigóticos,
produzindo mais homozigóticos .
Tratando-se de um híbrido em k loci de segregação
independente, este processo repete-se em k pares de
cromossomas, pelo que o resultado de Mendel estende-
nse para a seguinte formulação: na F , apenas (1/2)n-1
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
2
dos loci (ou, de uma maneira geral, dos grupos de
1ligação) que eram heterozigóticos na F ainda o são em
ncada indivíduo da F . Por exemplo para n = 8, este
valor é de 0,78%, equivalendo a dizer que
1aproximadamente 99% dos loci heterozigóticos na F
foram fixados (isto é, são homozigóticos), para um dos
8alelos, na F .
Em espécies autogâmicas (onde a polinização
cruzada é muito reduzida), praticamente todos os loci
estão fixados por este mecanismo, acontecendo até
certas populações serem, para além disso, isogénicas
(virtualmente constituídas por um único tipo de linha
pura). Os loci heterozigóticos nos indivíduos destas
populações são devidos praticamente só à ocorrência
de mutação (como será evidenciado posteriormente).
Portanto, a “linha pura” já existe na natureza; mas
pode ser obtida experimentalmente por cruzamentos
consanguíneos, de que o selfing é o exemplo extremo.
II. Genealogias: identidade por descendência
Quando a partir de um heterozigótico Aa se produz
um descendente homozigótico, os dois genes deste
último são idênticos por descendência: são duas
réplicas de um só cromossoma presente no
heterozigótico (esquema 2):
Neste esquema, a probabilidade de ter
homozigóticos com genes idênticos por descendência
através de selfing (AA ou aa) é, pela 1ª lei de Mendel,
¼ + ¼ = ½ ao fim de uma geração; e como Mendel
demonstrou (esquema 1), a continuação do selfing leva
à acumulação de genótipos com genes idênticos por
descendência, à custa da redução dos heterozigóticos.
Mas como será noutros modelos de cruzamento?
Suponhamos um locus A/a, e um locus B/b ligado no
mesmo cromossoma (taxa de recombinação entre A e
B virtualmente nula). O esquema 3 representa a
sucessão de quatro gerações em que se faz
sistematicamente o cruzamento entre irmãos (T × U, V
× W, X × Y), e não há selfing, partindo de dois
indivíduos heterozigóticos Bb.
Cada seta unindo 2 indivíduos indica a passagem de
um gâmeta. Como é que poderia haver uma fixação do
mesmo alelo em T e U? Se ambos fossem BB, ou se
ambos fossem bb. No entanto isto não é ainda
identidade por descendência, porque nessa geração
cada gene do locus B/b está ligado a um diferente gene
do locus A/a, que serve neste exemplo para atestar a
sua diferente origem.
Já nos indivíduos V e W existe a possibilidade de
exactamente um mesmo cromossoma (dos quatro
presentes nos progenitores iniciais) aparecer
duplamente, para o que se concebem quatro
possibilidades (esquema 4):
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
3
A cada seta, segundo a 1ª lei de Mendel,
corresponde uma probabilidade de ½ de o cromossoma
em causa ser transmitido à geração seguinte. Daí se
conclui que cada uma destas quatro alternativas de
identidade por descendência tem uma probabilidade de
(½) = 1/16; mas como são independentes, a4
probabilidade de obter identidade por descendência
(sem precisar que cromossoma aparece duplicado
nesse indivíduo) é, globalmente, 4×(½) = ¼.4
Considere-se agora que eram utilizados 4
indivíduos em cada geração (cruzamentos entre
primos-direitos, esquema 5): a possibilidade de
identidade por descendência fica adiada para o terceiro
cruzamento. Os progenitores directos do indivíduo
XIII (ou de qualquer um dos da quarta geração)
contêm em proporção probabilisticamente igual a
herança dos quatro indivíduos iniciais I, II, III e IV.
Mas o parentesco entre os indivíduos da terceira
geração (IX ! XII) já implica uma certa proporção de
identidade por descendência na quarta, nesta sendo
possível (por exemplo para o XIII) a duplicação de
cromossomas de I via V e IX por um lado, e via VI e
X pelo outro, como de IV via VII e IX e via VIII e X,
etc.. Se os quatro indivíduos iniciais não tivessem
parentesco entre si, então existiam à partida 8
cromossomas diferentes por grupo de ligação e a
probabilidade de obter-se identidade por descendência
na 4ª geração ficava 8×(½) = 1/8.6
Estes e outros modelos sistemáticos de cruzamento
podem ser utilizados na prática em diversos contextos
do melhoramento de plantas, especialmente para a
obtenção mais ou menos acelerada de linhas puras: o
aumento da percentagem de homozigóticos com genes
idênticos por descendência será tanto mais rápido
quanto menor o número de indivíduos envolvidos em
cada geração (4, 2 ou 1), isto é, quanto menor a
diversidade genética presente de início. E o usarem-se
2 ou mais indivíduos depende não só de ser prático ou
não fazer-se o selfing sistematicamente: pode
interessar não acelerar demasiado a fixação de alelos,
pelas implicações que esta tem nalguns dos
mecanismos postulados para a depressão de
consanguinidade (que serão abordados mais adiante
neste trabalho).
II.a. Cálculo do coeficiente de parentesco
Em animais de criação, ou no estudo de árvores
genealógicas na espécie humana, é mais provável que
os esquemas de cruzamento sejam muito irregulares,
pelo que se requer um método geral de cálculo da
identidade por descendência. Como se viu nos
esquemas 3 e 4, o parentesco entre os dois
progenitores de um indivíduo é a condição para haver
identidade por descendência entre os gâmetas que lhe
deram origem; o cálculo do coeficiente de parentesco
entre os progenitores [3] é uma das vias (mas não a
única) para a determinação da identidade por
descendência que recai sobre cada indivíduo. Definem-
se as seguintes regras e corolários para esse cálculo:
Regra principal: o coeficiente de parentesco, entre
PQdois indivíduos P e Q (f ), é a média dos coeficientes
de parentesco entre cada um dos progenitores de P e
cada um dos progenitores de Q. Assim, na genealogia
(esquema 6)
PQ AC AD BC BDf = (f + f + f + f )/4
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
4
Regra auxiliar: o coeficiente de parentesco entre
dois indivíduos é igual à média dos coeficientes de
parentesco entre um desses indivíduos e cada um dos
PQ QAprogenitores do outro. Por exemplo, f = (f +
QB QA AC AD QB BC BDf )/2, e ainda f = (f + f )/2 e f = (f + f )/2;
PQ AC AD BC BDdestas igualdades resulta f = (f + f + f + f )/4
(q.e.d....).
Corolários: os símbolos A, B, C e D no esquema 6
não têm de representar indivíduos diferentes. Por
exemplo se P e Q são meios-irmãos, pondo por
PQ AC AAexemplo D = A, a fórmula geral fica f = (f + f +
BC ABf + f )/4; já se P e Q são irmãos por selfing, D = C
PQ AA AA= B = A, dando f = 4f /4 = f .
Note-se que o coeficiente de parentesco do
AAindivíduo consigo mesmo (f ), como vimos acima na
definição de identidade por descendência (esquema 2),
AAé em princípio ½. Mais em rigor, porém, define-se f
A A= ½(1 + F ). O F é o coeficiente de consanguinidade
(genealógico) do indivíduo A, e representa a
probabilidade de já se encontrar identidade por
AAdescendência nesse indivíduo (por isso f varia entre
A½ e 1). Por outras palavras, F é numericamente igual
ao coeficiente de parentesco entre os progenitores de
A. Aplicando este princípio ao parentesco entre
progenitor e descendência, ou seja pondo B = Q, pode
PQ QA QQ QQ CC CDformular-se f = (f + f )/2 e se f = (f + 2f +
DD CD C D PQf )/4 = ½(1 + f ), assumindo F = F = 0, resulta f
AC AD CD= (f + f + ½(1 + f ))/4.
Tome-se como exemplo a famosa árvore
genealógica do esquema 7 [4]:
AB A B E FConsiderando que f , F , F , F e F são nulos, e
que os progenitores não representados não têm
parentesco com os seus parceiros, obtém-se
Q OP MN MN JK JL JK GH JLF = f = f /4, f = (f + f )/4; f = f /4, f =
GI GH GI EE EF FFf /4, f = f = (f + 2f + f )/4;
EF CD CD AA AB BB Qf = f /4, f = (f + 2f + f )/4 = ¼; donde F
OP= f = 9/1024 = 0,88%.
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
5
Examinando o pedigree do esquema 8 [5], que é muito
mais complexo:
Pela regra principal enunciada, o coeficiente de
0 0parentesco entre a e B é dado pela resolução da
0 0 1 1 1 1 1 1 1 1fórmula fa B = (fa d + fa C + fB d + fB C )/4.
Através do cálculo dos coeficientes de parentesco
necessários, dispostos no quadro 1, e assumindo que o
parentesco com progenitores não representados (os
2segundos progenitores dos indivíduos e, B , g e h) é 0,
1 1 1 1 1 1fica fa d = 0,3203, fa C = 0,1797, fB d = 0,3359, e
1 1 0 0fB C = 0,0938, donde fa B = 0,2324.
As regras enunciadas também se aplicam a
TUgenealogias regulares como a do esquema 3. Assim, f
= ¼, ou seja a identidade por descendência já calculada
para qualquer um dos seus descendentes (V e W).
Quanto ao valor da identidade por descendência de Z:
VW TT TU UU TT UUf = (f + 2f + f )/4, e dado que f = f = ½,
VWobtém-se f = 3/8 (o valor do coeficiente de
consanguinidade de X e também o de Y); continuando,
XY VV VW WW Vf = (f + 2f + f )/4 = (½(1 + F ) + 6/8 + ½(1 +
W ZF ))/4 = (0,625 + 0,75 + 0,625)/4 = ½ = F . De igual
modo, para a genealogia dos primos-direitos XIII até
XVI (esquema 5), verifica-se que na segunda geração
são irmãos dois a dois (V com VI e VII com VIII),
IX,X XI,XII XIII XIV XV XVIdando um f = f = 1/8 = F = F = F = F .
Comparando esses dois exemplos com o modelo de
selfing, constata-se que ao fim de 3 gerações se
atingem valores de identidade por descendência de
0,875 no selfing (2× 7/16, esquema 1), 0,375 entre
VWirmãos (f , esquema 3), e 0,125 entre primos-direitos
X I I I( F ) . T r a t a - s e d e l i n h a g e n s i s o l a d a s
reprodutivamente, isto é, sem intervenção de
indivíduos de outras proveniências, e que em cada
geração têm um número fixo de indivíduos utilizados
na reprodução, respectivamente 1, 2 e 4. O material de
partida, sejam 2, 4 ou 8 cromossomas por grupo de
ligação, é pois o único que pode continuar a
considerar-se nas sucessivas gerações. Daqui se
confirma que quanto menor é o número de indivíduos
utilizados por geração, mais rapidamente aumenta a
proporção de loci com identidade por descendência.
Porquê fazerem-se acasalamentos que aumentam a
identidade por descendência? Recordando o esquema
2, nota-se que a identidade por descendência se dá com
XQuadro 1 — Coeficientes de parentesco utilizados no cálculo do F referente ao esquema 8.
1 2 3 1 2 3f a a a B B B e E g h
1a 17/32 9/32 7/64
2a 3/16 1/16 1/4 1/8 1/8
3a 1/2 0 0 0 1/4 1/4
1B 9/16
2B 1/2 1/16 0 1/32
3B 1/2 1/4 1/4
e 1/8
E 1/2 1/8 1/4
g 1/16
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
6
igual probabilidade para qualquer dos alelos presentes
no heterozigótico, e por isso da mesma maneira que se
podem fixar genótipos desvantajosos, como é o caso
do fenómeno de depressão de consanguinidade, o
mesmo poderá dar-se com genótipos vantajosos para
o melhoramento. Os acasalamentos consanguíneos dos
pedigrees animais são acompanhados de uma
cuidadosa selecção dos parceiros de modo a tentar
fixar um máximo de genes favoráveis; aqui, portanto,
a consaguinidade é uma característica desejável.
III. Populações: coeficiente de fixação
Em rigor, o coeficiente de parentesco de cada
indivíduo, medido através da sua genealogia, apenas
representa a acumulação de identidade por
descendência em relação a uma população inicial de
referência, cujos valores de coeficiente de parentesco
se convenciona serem 0. Mas de facto qual é a
consanguinidade dos indivíduos dessa população de
referência?
O modelo definido para o equilíbrio de Hardy-
Weinberg estabelece que numa população panmíctica,
isolada e infinitamente grande, a distribuição dos
genótipos para cada locus depende apenas das
frequências dos genes respectivos. Assim, para um
alelo A de frequência p, a frequência dos
homozigóticos AA é p e a dos heterozigóticos com A2
é 2p(1!p). Embora se trate de condições só
concebíveis em abstracto, elas são informativas sobre
a consanguinidade nesse modelo: com um número de
indivíduos infinito, há um número infinito de
cromossomas diferentes por grupo de ligação, pelo que
em panmixia a probabilidade de resultar identidade por
descendência é nula em todos os indivíduos. Por outras
palavras, as distribuições genotípicas definidas pelo
equilíbrio de Hardy-Weinberg correspondem
exactamente a um F = 0 para toda a população. Mais
ainda, se se puder partir de uma população
razoavelmente grande, independentemente do
parentesco entre os indivíduos à partida, ao fim de uma
geração após cruzamentos ao acaso obtém-se uma
população com F = 0 em todos os loci, portanto uma
p o p u laç ã o d e re ferênc ia com paren tesc o
verdadeiramente nulo entre os seus membros [6:178].
No caso geral [6:174], as distribuições genotípicas
que se verificam para cada locus numa população são
(quadro 2):
Quadro 2 — Distribuições genotípicas para um gene A em
relação ao modelo de Hardy-Weinberg
Genótipo Frequência Desvio do H-W1 2
AA p + p(1!p)F p(1!p)F2
Aa 2p(1!p)!2p(1!p)F !2p(1!p)F
O símbolo a representa todos os alelos diferentes de A presentes na1
população
H-W: modelo de Hardy-Weinberg2
Ou seja, pelo facto de uma população ter um
número finito de indivíduos, mesmo que os
cruzamentos sejam ao acaso, a proporção de
homozigóticos para um determinado gene é superior à
esperada, em detrimento da de heterozigóticos com
esse gene. Dito doutra maneira, F mede a proporção
de heterozigóticos esperados que deixa de haver por
consanguinidade. Esta definição do F como coeficiente
de fixação de cada locus adianta a noção que o número
finito de indivíduos acarreta também deriva genética.
Por isso a distribuição dos genótipos pode também ser
Quadro 3 — Diferentes fórmulas para as frequências genotípicas do quadro 2
Frequências genotípicas
Genótipo Referidas ao H-W Média ponderada Desvio da fixação
AA p + p(1!p)F p P + pF p!p(1!p)P2 2
Aa 2p(1!p)!2p(1!p)F 2p(1!p)P 2p(1!p)P
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
7
escrita (quadro 3) como média ponderada entre uma
componente “panmíctica”, afectada do chamado índice
panmíctico P = 1!F, e uma componente de fixação
representada por este F, ou ainda como um desvio
(dependente de P) da fixação total do locus [6:174]:
Dentro deste contexto, o coeficiente de fixação
calculado numa população é por sua vez o valor médio
dos coeficientes de parentesco dessa população na
geração precedente. No entanto, isso só é válido
quando a única excepção ao modelo de Hardy-
Weinberg é o número finito de indivíduos; nas
populações reais é de presumir a acção de outros
factores, entre os quais a selecção, a mutação e a
migração. Então o valor do F que se calcula em
referência ao esperado pelo modelo de Hardy-
Weinberg terá uma interpretação muito mais complexa,
como será exemplificado mais adiante — mas em
compensação, e complementado por outras
informações, pode fornecer indicações interesantes
sobre outros aspectos da biologia das populações onde
foram obtidos [7]. Para já, no entanto, importa analisar
a situação mais simples, isto é, sem estas interferências
adicionais, e portanto continuar a considerar F e P
como estimadores do desvio, em relação à população
ideal, resultante do número finito de indivíduos
presentes nas populações.
III.a. Relação entre o efectivo populacional e a
consanguinidade
Considerando a situação da maior parte das plantas
cultivadas, isto é, cada indivíduo produzir elevado
número de gâmetas dos dois sexos e com a
possibilidade de auto-fertilização (na proporção h de
todos os zigotos formados), e considerando ainda a
separação de gerações como é o caso das plantas
anuais, o coeficiente de fixação na n-ésima geração é
dado por
e o respectivo índice panmíctico por
com N a designar o efectivo populacional
participante na reprodução sexuada nas gerações n!2
e n!1 (assumido como constante por simplicidade)
[6:194].
Estas duas fórmulas simplificam-se muito quando
h = 1/N, isto é, quando a probabilidade de auto-
fertilização depender apenas da frequência de gâmetas
do mesmo indivíduo. Embora este valor de h seja uma
situação-padrão em muitos dos desenvolvimentoas
teóricos nesta área, é considerado altamente
improvável nas populações reais [6:194], pois ou há
preferência pelos próprios gâmetas como nas
autogâmicas ou existem mecanismos de interferência
com a auto-fertilização (por exemplo auto-
incompatibilidade), dando respectivamente valores de
h mais altos ou mais baixos que 1/N.
Embora dependendo ligeiramente dos valores de h,
atinge-se assintoticamente, para a fórmula geral, uma
relação
n n!1que é aproximada por P = P [2N/(2N+1)]. Da
n!1 n n!1adaptação desta última, para 2N = (1!F )/(F !F ),
é fácil calcular estimativas do efectivo populacional de
que descendeu uma determinada geração: por exemplo,
se na geração n–1 se observassem 250 indivíduos AA,
n!1100 Aa e 50 aa, p(A) = 0,75, q(a) = 0,25, e F =
0,3(3); supondo que na geração n se observavam 255
nAA, 90 Aa e 55 aa, o resultado seria um F = 0,4,
donde se tira 2N = 0,6/0,06(6) e N = 4,5.
III.a.i. Variação do N
Haverá populações com um N constante durante
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
8
longos períodos de tempo? Se bem que as condições
ambientais possam variar marcadamente entre ciclos de
reprodução sucessivos, com incidências, por exemplo,
no número de indivíduos que atingem a maturidade se
desenvolvem em cada geração (em espécies anuais), ou
na intensidade de floração feminina em cada ano (em
espécies perenes), pode assumir-se que essas variações
se compensam entre si, resultando presumivelmente um
N médio representativo para a população num período
de tempo alargado.
Casos há, por exemplo na colonização por uma
espécie pioneira de um terreno desocupado, em que o
valor de N pode aumentar rapidamente de geração em
geração [6:209]. No modelo de expansão geométrica
de uma população, em que na geração t se tem N =
0 0N (1+r) , sendo N o efectivo da geração 0 (emt
princípio representativo do grau de variabilidade
genética com que foi iniciada) e r a taxa de acréscimo
populacional por geração, obtém-se um índice
panmíctico
0no de expansão aritmética, N = N (1+rt), obtém-se
A dinâmica de N vai determinar a rapidez com que
se atingem efectivos suficientemente elevados para que
o declínio de P entre gerações sucessivas fique quase
0negligenciável. Por exemplo, com N = 5 mas r = 1
t(crescimento para o dobro em cada geração), P
estabiliza em poucas gerações em valores acima dos
0 090% de P ; por outro lado, mesmo com N = 20, uma
tr = 0,1 não chega para evitar um declínio de P que
continua até para lá das 20 gerações, nesse caso para
0baixo dos 80% do P inicial. Em qualquer caso, a um
baixo efectivo populacional nas primeiras gerações
corresponde sempre uma quebra de P. Essa quebra
(portanto, o aumento de F) mede a proporção de loci
fixados por deriva, e neste contexto é importante
realçar que, mesmo que ao fim de algumas gerações a
população esteja a níveis muito próximos do modelo
de Hardy-Weinberg e portanto os valores observados
indiquem um F aproximadamente 0, no seu historial
houve uma “crise” de consanguinidade que se traduziu
na perda de alelos, a qual significa um empobrecimento
genético da população. E para medir este último
STrecorre-se a parâmetros como o D , que é
independente do F (ver adiante).
III.b. Produtividade variável e tamanho efectivo
O parâmetro N utilizado nas fórmulas anteriores
não é aquele que é mais exacto na estimativa da
variabilidade genética que participa num dado ciclo
reprodutivo, na medida em que se está a assumir uma
igual participação de todos os N indivíduos no
património genético da geração seguinte. Por outras
palavras, quando a produtividade dos progenitores é
variável, passa a considerar-se uma distribuição de
número de gâmetas por progenitor, com valor médio
kk e variância ó . Essa variação de produtividade pode2
até ser meramente por erros de amostragem
k(distribuição Poisson com ó = k). Na situação-padrão2
h = 1/N, fica-se [6:216] com um tamanho efectivo
isto é, uma representação da variabilidade genética
que passa para a geração seguinte e não do número de
indivíduos que a transmitiram. À excepção da
distribuição de Poisson, espera-se um desvio mais ou
emenos marcado entre o N e N. Assim, com k = 2, que
é a situação de uma população com um efectivo
k econstante de geração em geração, se ó = 2k = 4 o N2
reduz-se para 66% de N (N = 100; com N = 10 a
redução é para 63% — de facto, a diferença relativa
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
9
eentre N e N depende pouco do valor de N). Já
considerando (sempre com N = 100) uma ligeira
redução da produtividade média, por exemplo k = 1,5
k emas com ó = 3, o N situa-se a 60% do respectivo2
kvalor de N. Em constraste, com k = 2,5 e uma ó =2
e1,5, o N vai para 119% do N. Uma maior
produtividade média, por isso, traduz-se até num
eaumento do N . Assim, com um N constante de
geração em geração, uma variação de produtividade
entre os progenitores de cada geração traduz-se em
tendências para endocruzamento diferentes das que os
valores de N dariam a entender.
eA substituição de N por N tem grande significado,
por estabelecer a distinção entre o número de
indivíduos presentes e a variabilidade que de facto
transmitem, pelo que é considerado o parâmetro de
real interesse. Sendo uma aproximação da variabilidade
genética que é herdada por uma determinada geração,
eo N é a melhor medida do que se pode esperar em
termos de fixação de alelos e de todas as
consequências que daí podem advir [10]. Existem
emuitas fórmulas para o N , algumas muito complexas,
segundo os modelos populacionais para que foram
deduzidas.
IV. Populações: correlação entre gâmetas
O conceito de correlação entre gâmetas numa
população foi originalmente introduzido em função do
desvio da frequência de heterozigóticos ao valor
previsto pela distribuição de Hardy-Weinberg,
portanto, identificou-se essa correlação com o
coeficiente de fixação [6:174]. Tomando o exemplo de
dois alelos, A e a, com frequências p e q
respectivamente, obtém-se
(dado que a fracção é entre heterozigóticos
observados e esperados, é comum usar-se a
o enomenclatura F = 1!H /H ). A correlação r indica a
semelhança estatística para cada locus entre os
gâmetas participantes em cada ciclo reprodutivo, e
com esta interpretação para o valor de F abre-se uma
nova perspectiva, pois as correlações podem ser
negativas e de facto há situações em que a frequência
de heterozigóticos é superior à da distribuição do
modelo de Hardy-Weinberg.
Sendo o F uma correlação, que significa o valor F
e= 0 nas populações reais, visto que têm N finitos?
Dado que os mecanismos combinatórios tendem
sempre para um aumento do F, o facto do valor de F
ser 0 implica por isso a existência de mecanismos
compensatórios desse aumento, e então o valor de
referência F = 0 nas populações reais, finitas, não é
de facto o do modelo de Hardy-Weinberg, mas sim um
equilíbrio entre factores que aumentam e diminuem o
valor de F em cada geração. Por outras palavras, um F
= 0 é uma correlação entre gâmetas numericamente
igual à do modelo de Hardy-Weinberg, num contínuo
entre correlações positivas e negativas.
A complexidade das situações reais é bem ilustrada
no seguinte exemplo, tirado dum estudo de aloenzimas
feito com duas populações (A e B) de azevém (Lolium
perene), na Califórnia (quadro 4):
As plântulas da geração n foram criadas em viveiro
(ex situ), constituindo amostragens na ordem dos
milhares por população, e os seus genótipos
permitiram deduzir os genótipos maternos, ou seja das
plantas adultas da geração n!1 que cresceram e foram
polinizadas no campo (in situ), na ordem de centenas
por população. Note-se o contraste entre os valores
negativos de F tanto para o locus PER nas duas
populações como para o locus ACP na população A,
nas plantas adultas, e os respectivos valores (positivos)
para as plântulas. No entanto, para o locus PGI, nas
duas populações, os valores de F permanecem
relativamente baixos e quase inalterados de uma
geração para a outra. Portanto, segundo os loci,
diferentes factores influenciam as distribuições
genotípicas — isto sem que as diferenças da frequência
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
10
de cada gene entre as duas populações, como é o caso
nos loci PGI e PER, tenham, aparentemente, qualquer
influência nos coeficientes de fixação obtidos.
A geração n criada em viveiro foi avaliada bastante
cedo após a germinação e considera-se relativamente
liberta de factores ecológicos que poderiam eliminar
preferencialmente certos genótipos; poderá assim
admitir-se que as distribuições genotípicas na geração
n deram valores de F semelhantes aos que antes se
verificaram na fase de semente da geração n!1. Sendo
assim, os valores de F negativos sugerem que durante
o desenvolvimento da geração n!1, até à maturidade,
terá havido selecção (pós-zigótica) favorecendo os
heterozigóticos em “certos” loci, possivelmente
acumulada de vários anos em virtude de ser uma
espécie perene. Tais loci estariam em desequilíbrio de
ligação com loci como PER ou ACP — quando não
fossem estes últimos os próprios alvos directos da
selecção (o paralelismo entre as populações A e B
favorece a segunda perspectiva). Utilizando a fórmula
aproximada de 2N em função dos valores de F,
eresultam estimativas de N da ordem de 2 a 5 para os
loci ACP e PER, que seria talvez indicativa de uma
elevada taxa de auto-polinização nesta espécie [8].
Porém, para que esta explicação fosse
generalizável, o valor de F no locus PGI teria também
ede ter aumentado em função deste N , e como tal não
aconteceu (nem neste nem noutro locus, GOT, não
incluído nesta tabela [8]), pode parecer que há uma
econtradição. Admitindo que o N é na realidade um
valor baixo, poderia postular-se, por exemplo, um
mecanismo compensatório que seleccionasse, não após
as sementes germinarem mas antes (por exemplo,
selecção pré-zigótica) a favor dos heterozigóticos em
eloci como o PGI; então, apesar do N ser baixo obter-
se-ia uma distribuição genotípica nas plântulas mais
próxima da do modelo de Hardy-Weinberg como é o
caso. Em conclusão, se aquilo que se passa nas
populações reais parecer diferente em função dos loci,
isso patenteia a acção de diferentes mecanismos
condicionantes das distribuições genotípicas, e pode
acrescentar-se que a priori será essa a regra e não a
excepção [9].
IV.a. Inbreeding e outbreeding
A mutação contribui, se bem que subtilmente, para
manter uma certa variabilidade em cada locus.
Segundo a Teoria Neutral, F tem um valor de
eequilíbrio F = 1/(1+q) — em que q = 4N u (q é o
chamado parâmetro neutral; u é a taxa de mutação no
locus, representativa para qualquer dos alelos). Este
evalor indica que, especialmente em populações de N
Quadro 4 — Resumo dos resultados do estudo publicado por Mitton [8]. Geração n!1: plantas adultas no campo (in situ); geração
n: plântulas criadas em viveiro (ex situ).
Locus PGI ACP PER
População Geração n!1 n n!1 n n!1 n
A Freq. alelo 1 0,3426 0,3485 0,9350 0,9465 0,2037 0,2047
Freq. heterozigót. 0,4396 0,4401 0,1300 0,874 0,3333 0,2968
F 0,240 0,309 -0,695 0,1367 -0,275 0,885
B Freq. alelo 1 0,2486 0,2725 0,9514 0,9547 0,3541 0,3556
Freq. heterozigót. 0,3568 0,3866 0,865 0,739 0,4703 0,3767
F 0,452 0,251 0,657 0,1468 -0,281 0,1781
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
11
grande, é improvável a fixação completa de um alelo,
ou seja, o limite teórico de F é ligeiramente abaixo de
e1. Por exemplo para uma população com N = 1000, o
valor de equilíbrio de F é aproximadamente 0,95 caso
a taxa de mutação ronde os 10 .!5
Dado que se pode presumir que a mutação é um
mecanismo relativamente uniforme de interferência
com a fixação, é possível fazer algumas generalizações.
Em cada locus homozigótico com identidade por
descendência, logo que ocorra uma mutação num
desses alelos, esse indivíduo não só fica heterozigótico
numa das suas linhagens somáticas como pode
transmitir dois gâmetas diferentes para esse locus se
essa mutação ocorrer em células percursoras dos
gâmetas (recorde-se que nas plantas superiores não há
uma separação precoce entre soma e gérmen).
eConsiderando uma população muito grande, com N =
10 e h = 1/N, há um acréscimo de 5 × 10 no valor de4 !5
F por geração, na ordem de grandeza de muitas taxas
de mutação, ou seja: a mutação cancela o aumento do
F de tal modo que a correlação entre gâmetas deixa de
tender a aumentar nessa população, daí resultar em
distribuições genotípicas aparentemente de acordo com
o modelo de Hardy-Weinberg.
eEste valor de N = 10 é assim utilizável como4
referência para as populações naturais, delimitando
duas situações opostas [10]:
a) inbreeding (tendência para uma correlação entre
egâmetas positiva) correspondendo a valores de N <
10 , sendo que abaixo de 100 já se falaria de4
inbreeding extremo;
b) outbreeding (tendência para uma correlação entre
egâmetas negativa), situação com N > 10 que é4
exemplificada não tanto por populações
excepcionalmente grandes mas antes pelo
cruzamento entre indivíduos de populações
diferentes, divergentes geneticamente, por exemplo
entre subespécies ou mesmo entre espécies.
IV.b. Subdivisão da população
A correlação negativa entre os gâmetas, em
outbreeding, simula um “excedente” de mutação, e de
facto a possibilidade de mutações independentes entre
duas populações de origem comum, ocorrendo
enquanto isoladas entre si, estaria na base da
divergência genética entre elas. Talvez mais
marcadamente, a possibilidade de terem estado sujeitas
a pressões selectivas diferentes, ou aos efeitos da
deriva genética, explicaria essa correlação negativa.
Este fenómeno de divergência tem grande importância
no melhoramento genético assim como na conservação
de recursos genéticos.
Voltando à situação mais próxima do modelo de
Hardy-Weinberg: se uma população tiver uma
distribuição geográfica tão alargada que os
cruzamentos se dêem sobretudo localmente, com a
econsequente redução do N e acção da deriva genética,
então define-se essa população como um conjunto de
demes, isto é, subdivisões idealmente panmícticas
[6:291]. Diferentes demes podem ter diferentes
frequências para o mesmo gene, ou seja, se
Tconsiderarmos um gene A de frequência p em dada
geração (o índice T refere-se ao total da população), a
frequência global de heterozigóticos de A nessa
T T p'(D)geração é 2p (1!p )!2ó , em que o segundo termo2
representa a variância das frequências p' (da geração
p'(D)anterior) nos diversos demes (D). Por seu lado, ó2
relaciona-se com a variância das frequências p (da
própria geração e não da anterior) através da
proporção de gâmetas de origem local, 1!m, tal que
p'(D) p(D)ó = (1!m) ó [6:293].2 2 2
Pela definição de desvio do modelo de Hardy-
W einb erg, ob tém -se a equ ivalênc ia F =
p'(D) T T p'(D)ó /[p (1!p )]. Por outras palavras, maior ó2 2
significa maior efeito da deriva acumulado até à
geração anterior e com isso um maior valor de F na
Tgeração que se lhe segue, para p constante [6:293].
Mas este modelo encerra uma contradição: se há
deriva em cada subdivisão, então esta não se pode
considerar em rigor um deme. Em lugar disso, a
correlação entre os gâmetas de uma população é
hierarquizada por subdivisões, sem implicar que são
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
12
demes [6:294]:
ISF — média das correlações entre os gâmetas
produzidos por cada indivíduo (I) de uma subdivisão
(S) e o conjunto dos gâmetas da respectiva subdivisão;
ITF — correlação entre os gâmetas produzidos por
cada indivíduo e os gâmetas da população em geral
(T);
STF — correlação entre os gâmetas dentro das
subdivisões, relativamente aos gâmetas da população
ISem geral. Ou seja, assumindo que F é independente
STdas frequências dos genes entre subdivisões, F =
IT IS IS IT(F !F )/(1!F ), ou usando índices panmícticos, P =
IS STP P .
Esta hierarquização funciona da mesma maneira
intercalando mais níveis entre I e T, por exemplo
IS“raças” dentro das subdivisões [6:295], tais que P =
IR RSP P , etc..
STConsiderando que F > 0 [6:295], uma distribuição
aparentemente de Hardy-Weinberg no conjunto da
IT ISpopulação, isto é com F = 0, implica um F negativo,
ou seja o favorecimento dos heterozigóticos dentro das
ISsubdivisões. Uma das maneiras de se ter F negativo é
haver diferenciação genética dentro das subdivisões em
IR RS“raças”, com F > 0 mas F < 0, o que implica de
alguma forma uma preferência, ao nível da subdivisão,
pela conjugação entre gâmetas correlacionados
negativamente, ou seja entre raças e não dentro de
raças. Esta situação é bem exemplificada pelos
mecanismos de auto-incompatibilidade em plantas,
chamando “raça” a uma vizinhança de indivíduos
aparentados (por exemplo, plantas descendentes da
mesma mãe e localizadas perto umas das outras) e ao
conjunto destas famílias, entre as quais as polinizações
cruzadas são extensas, uma subdivisão [9].
IV.b.i. Identidade e diversidade genética
Nei [11] introduziu o coeficiente de diversidade
ST ST Tgenética G = D /H , definido como a proporção da
T S STdiversidade genética total H = H + D que diferencia
Sas subdivisões de uma população. H define,
Tcomplementarmente, a proporção de H que constitui
a diversidade genética média dentro das subdivisões
S T ST(note-se que H /H = 1 ! G ). As fórmulas
respectivas [12] baseiam-se no cálculo de identidades
genéticas J = 1 ! H, ao nível da população (índice T),
das subdivisões (índice S), de “colónias” que compõem
as subdivisões (índice C), etc. (entre outras
T C CTpropriedades, Nei demonstrou que H = H + D =
C CS ST C T CS STH + D + D , e H /H = (1 ! G )(1 ! G ), sendo
CS CS SG = D /H ).
Como as identidades genéticas se baseiam
exclusivamente nas frequências dos genes e não dos
ST STgenótipos, G não é comparável com F , embora o
sentido (diferenciação entre subpopulações) seja
análogo. Relembrando o estudo em Lolium perene
(quadro 4), os coeficientes de fixação calculados como
medidas de desvio em relação à distribuição de Hardy-
Weinberg parecem ser a resultante não só da deriva
genética (tendência para aumento da correlação entre
gâmetas nas populações finitas) mas de factores
selectivos actuando aos mais diversos níveis e podendo
influenciar esse desvio em qualquer dos sentidos. Mas,
em rigor, os coeficientes de fixação só pretendem
ISmedir a componente de deriva, isto é, com F positivo.
STO coeficiente G parte do princípio que uma
população começou por ser homogénea e passou a ter
uma diferenciação entre subdivisões em virtude de
factores locais que podem não só ser resultantes das
distâncias entre os indivíduos (que condicionam os
evalores de N ) mas também de factores selectivos,
como características do solo, exposição a pragas, etc.
que, variando entre subdivisões, podem determinar
diferentes frequências dos genes. Por outras palavras,
ST STG procura medir o mesmo que F mas é mais
genérico, daí ser considerado o melhor parâmetro de
diversidade entre subdivisões de uma população.
Considerem-se 3 populações, A B e C, com 4
subdivisões cada uma (quadro 5).
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
13
Para cada alelo apresentam-se as respectivas
frequências dentro de cada subpopulação (cada coluna
totaliza 100%). Os parâmetros calculados a partir
destes “dados” encontram-se no quadro 6:
Quadro 6 — Parâmetros de identidade e diversidade genética
calculados [12] a partir das frequências do quadro 5.
População A População B População C
SJ 0,286
STD 0,014
SH 0,714
TH 0,728
STG 0,067
Comparando a população A, onde estão presentes
os 8 alelos, com a população B, apenas com 3, o valor
Smais elevado de J (identidade genética dentro das
subdivisões) nesta última reflecte a relativa monotonia
de cada uma das suas subdivisões; em contrapartida, as
frequências dos alelos predominantes, 1 e 2, bastante
semelhantes entre subdivisões na população A, variam
bastante mais na população B, o que se reflecte num
STmaior valor de D (diferenciação entre subdivisões)
nesta última. Daqui resulta uma elevada diversidade
S Sdentro das subdivisões (H = 1!J ) na população A, e
STtambém um valor mais pequeno de G . Note-se que
na população B, apesar da menor diversidade genética
T STtotal (H ), o valor G é maior que na A porque este
parâmetro mede especificamente a diferenciação
genética entre subdivisões.
A população C é uma espécie de compromisso
entre A e B: tem todos os alelos de A, mas os alelos 1
e 2 têm, como em B, frequências bastante diferentes
STentre subdivisões. Isto dá o valor D mais elevado das
STtrês, mas o de G é ligeiramente mais baixo que na
Spopulação B porque o H também é mais elevado.
STPortanto note-se que um valor de G elevado pode,
como aqui é exemplificado na população B em relação
às outras duas, estar associado a uma relativa falta de
diversidade genética.
IV.c. Métodos moleculares
Os fenótipos morfológicos são pouco satisfatórios
para a análise genética de populações por duas razões:
são poucos os que numa dada espécie têm uma
genética simples e conhecida (a maior parte destes
fenótipos são poligénicos e muito susceptíveis a
modificadores ambientais), e desses ainda menos se
podem analisar em diferentes espécies da mesma
maneira. Em contrapartida, fenótipos moleculares
como o comportamento electroforético de diferentes
isoenzimas [13] e as próprias sequências do DNA têm
uma correspondência genotípica simples (isto é, fácil
atribuição de genótipos a cada tipo enzimático, perfil
de restrição enzimática, tamanho de fragmento
amplificado por PCR, etc.), e a metodologia que serve
para uma espécie pode servir para outra, geralmente
com leves adaptações (por exemplo, a revelação de
uma actividade enzimática, um primer PCR para o
rDNA, etc.).
Quadro 5 — Exemplo (fictício) de distribuições de frequências alélicas num locus em três populações (A, B e C) e nas suas
subdivisões (numeradas de 1 a 4 para cada população)
Subpopulações Subpopulações Subpopulações
Alelos A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 B4 C1 C2 C3 C4
1 0,4 0,35 0,4 0,45 0,7 0,4 0,6 0,3 0,6 0,35 0,5 0,2
2 0,3 0,35 0,35 0,25 0,25 0,45 0,4 0,6 0,15 0,4 0,3 0,5
3 0,1 0,05 0 0,05 0,05 0,05 0 0,1 0,1 0,05 0 0,05
4 0,05 0 15 0,05 0 0 0 0 0,05 0 0,1 0,05
5 0 0,1 0 0,1 0 0 0 0 0 0,1 0 0,1
6 0 0 0,05 0,1 0 0 0 0 0 0 0,05 0,1
7 0,05 0,1 0 0 0 0 0 0 0,05 0,05 0 0
8 0,1 0,05 0,05 0 0 0 0 0 0,05 0,05 0,05 0
0,475 0,342
0,042 0,048
0,525 0,658
0,567 0,705
0,020 0,074
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
14
Muitos dos enzimas que revelam polimorfismos em
electroforese ou focagem isoeléctrica são não só
abundantes e correspondem a passos reguladores de
vias metabólicas (glutamato desidrogenase, álcool
desidrogenase, isocitrato desidrogenase, etc.) ou estão
associados a respostas a situações de stress
(peroxidases, etc.). Estas correspondências parecem
não ser acidentais e desde há muito se julga que estes
polimorfismos resultam de um favorecimento dos
heterozigóticos [8, 14, 15], isto é, estão-lhes
associados mecanismos selectivos que implicam uma
compensação da consanguinidade.
Muitos dos fenótipos DNA são considerados
selectivamente neutros e são por isso indicadores mais
específicos dos fenómenos relacionados com a deriva
genética; os fenótipos identificáveis com o número de
repetições em cadeia de sequências nucleotídicas
simples (“micro-satélites”), onde as taxas de mutação
(10 ou mesmo 10 por geração) são muito mais!3 !2
elevadas do que é comum às mutações pontuais em
sequências codificantes, são especialmente úteis. A sua
análise, correntemente, vai aos poucos sendo alargada
a um grande número de espécies, designadamente as
cultivadas, e deverá permitir conhecer de uma maneira
mais directa, se de facto na ausência de factores
selectivos, os mecanismos genéticos que prevalecem
nas populações e suas implicações com o sistema de
reprodução sexuada de cada espécie.
V. Depressão de consanguinidade
A principal importância prática da identidade por
descendência reside na expressão fenotípica em que
costuma traduzir-se, a chamada depressão de
consanguinidade. Ela é definível, nos indivíduos
consanguíneos, por reduzido fitness, isto é, por
redução da adaptabilidade às condições naturais ou, no
contexto do melhoramento, por redução do vigor (seja
a nível somático, seja em fertilidade), ou ainda por
aumento da susceptibilidade às flutuações ambientais.
Opostamente, o “vigor híbrido” ou heterose define-se
nos mais heterozigóticos pelo aumento de vigor e/ou
pela maior uniformidade fenotípica face às flutuações
ambientais.
A existência de estratégias compensatórias da
identidade por descendência, assentes em mecanismos
em si mesmos independentes da capacidade de
adaptação ao meio ambiente, como é o caso da maior
parte dos mecanismos de auto-incompatibilidade em
plantas (e o tabu do incesto na espécie humana), ou
ainda a alopoliploidia em espécies autogâmicas, parece
evidenciar bem a importância que o problema da
depressão de consaguinidade tem para a adaptação das
populações na natureza. E, por extensão, para o
melhoramento. Depressão de consanguinidade e
heterose são manifestações do mesmo fenómeno
genético — a maior estabilidade do desenvolvimento
dos caracteres fenotípicos com impacto no fitness —
e reconhecem-se pelo menos três classes de interacção
genética, que provavelmente coexistem nos diversos
casos, para explicá-lo:
i) hipótese da sobredominância: há loci que
contribuem maximamente para o fitness apenas em
genótipos heterozigóticos [3, 8].
ii) hipótese da dominância: em diversos loci existem
genes recessivos desfavoráveis que se traduzem em
deficiências fisiológicas nos indivíduos que neles
são homozigóticos, enquanto nos que são
heterozigóticos essa redução não se manifesta
devido à presença dos alelos favoráveis. Ao
contrário da hipótese anterior, nesta é possível em
teoria obter linhas puras de fitness máximo [3, 8].
iii) interacções entre loci: certos alelos de diferentes
loci, por epistasia ou complementaridade, ou por
const i tu irem hap ló tipos com diferenças
substanciais na expressão fenotípica, definem entre
si conjuntos genotípicos que se dizem
coadaptados; esta classe de interacções parece ser
a mais plausível em relação a certas experiências,
com Drosophila e outros organismos, onde se
observou um retardamento da redução do fitness
à medida que a identidade por descendência se ia
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
15
Figura 1 — Dependência do fitness (W) em função da correlação entre os gâmetas em
duas populações de espécies diferentes (A e B), e com indicação da correspondente
evariação no N na delimitação entre inbreeding e outbreeding.
acumulando [7].
A figura 1 mostra dois exemplos hipotéticos de
curvas de fitness (símbolo W) em função da correlação
entre gâmetas [adaptado de 8 e 10]. Na curva A os
valores de W não são particularmente penalizados pelo
aumento da correlação, e a população só não resvalará
epara F = 1 se tiver um N grande (por efeito da
mutação). Já na curva B o fitness é máximo em valores
de F ligeiramente negativos, mas desce marcadamente
à medida que F sobe: a depressão de consanguinidade
é capaz de manter o F próximo de 0 numa população
edestas, mesmo que a N não seja muito elevada.
Nestes dois exemplos, o fitness desce também
quando F tende para !1 [9, 10]: o “excesso” de
heterozigóticos é prejudicial, por exemplo porque
certos loci dão fitness máximo quando homozigóticos
para certos alelos, ou porque as combinações alélicas
obtidas entre gâmetas demasiado contrastantes levam
a conflitos de expressão e consequente baixa do
fitness. Por outras palavras, há loci sujeitos a uma forte
selecção disruptiva, actua a favor de um ou mais
homozigóticos.
As curvas A e B da figura 1 apenas indicam dois
exemplos: cada espécie tem uma estratégia reprodutiva
evolutivamente estável [9], que se traduz em nuances
adaptativas próprias. A sua caracterização ao detalhe,
para cada espécie, pode determinar o sucesso ou o
insucesso de certas manipulações genéticas. De notar
que, com o exaustivo conhecimento prático que se foi
acumulando sobre as espécies mais manipuladas no
melhoramento, essa caracterização está bastante
avançada para elas. Tome-se o exemplo de duas
espécies com características reprodutivas muito
diferentes entre si: o trigo é autogâmico e cada planta
é praticamente homozigótica em todo o genoma e,
1embora se note por vezes o maior vigor das F de
cruzamentos experimentais, é pouco significativo e não
chega a ser explorável no melhoramento; aliás, todas as
variedades de trigo comerciais são homozigóticas (usa-
8se como critério de linha pura seleccionar até à F ) e é
evidente que não são afectadas por qualquer depressão
de consanguinidade; o milho, planta alogâmica, é
notório pelos efeitos da heterose (de tal maneira que
foi nesta espécie que primeiro se caracterizou este
fenómeno e se explorou para o melhoramento [3, 6]),
e ao mesmo tempo nele é conhecida uma forte
depressão de consanguinidade.
Os métodos moleculares anteriormente referidos
podem vir a revelar-se úteis no levantamento de
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
16
indicadores genotípicos para o fitness, e mesmo
estabelecer estimativas de F relevantes para a previsão
da adaptabilidade a determinadas condições ambientais.
V.a. Carga genética (genetic load)
O ambiente natural é limitativo do crescimento das
populações e a competição intraspecífica inerente
levaria a supor que uma população estabelecida há
bastantes gerações, num local de condições estáveis, se
encontra muito perto do óptimo adaptativo para essas
condições. No entanto, a presença de genótipos com
fitness sub-óptimo é inevitável, isto é, existe uma carga
genética, como que um “lastro” de genes (ou
haplótipos) desfavoráveis que persiste na população.
Os tipos de carga genética que se conhecem são [7,
10]:
Mutacional: se o fitness máximo num determinado
locus é representado por um dos homozigotos, a
mutação (especialmente para um gene que não seja
recessivo) introduz heterozigotia de fitness sub-
óptimo. Este tipo de carga é especialmente importante
em espécies clonais, embora também se faça sentir em
epopulações de N grande. Segundo Wright [6:363],
com uma taxa de mutação para um alelo letal recessivo
eda ordem dos 10 , se N = 10 a expectativa média de!5 4
frequência desse gene é de 0,2% (com probabilidade de
15% de uma população nessas condições nem o ter).
Nos casos de fitness máximo no heterozigótico, Wright
sugere que tanto o N como os coeficientes de selecção
dos homozigóticos terão maior ou menor peso sobre a
distribuição das frequências dos genes em causa em
função dos valores das taxas de mutação: por exemplo
4N = 1/u pode dar praticamente qualquer valor dessas
frequências, pela acção combinada dos coeficientes de
selecção dos genótipos homozigóticos e da deriva
genética.
Segregacional: produção de homozigóticos para
genes desfavoráveis, nomeadamente letais ou semi-
letais, ou inférteis, a partir de heterozigóticos
portadores. Em espécies de ciclo de vida longo,
eespecialmente se com N pequeno, pode assumir
grande importância.
Recombinatória: haplótipos que determinam maior
fitness tendem a manter-se mais frequentes e a
produzir por isso um desequilíbrio de ligação: esta é
uma das facetas da co-adaptação entre diferentes loci,
e pode ser substancialmente afectada pela
recombinação se se produzirem haplótipos menos
favoráveis — esta situação é exemplificada pela
selecção disruptiva.
Dispersiva: resultante da impossibilidade dos
descendentes desenvolverem-se na vizinhança dos
progenitores; quando melhores genótipos em cada
geração não se podem desenvolver por este
constrangimento, não chegam a expressar-se genótipos
mais favoráveis e assim persistem genes desfavoráveis
nas populações.
V.b. Eficiência fisiológica e versatilidade ecológica
Mitton [8] procurou fundamentar a heterose em
termos de maior eficiência fisiológica dos indivíduos,
postulando um menor “custo metabólico” basal (isto é,
2maior consumo de O em repouso) nos indivíduos
menos consanguíneos, diferença especialmente notável
em condições ambientais de stress. Estudos em animais
(que provavelmente terão a sua correspondência em
plantas) mostraram uma menor perda de peso, nos
indivíduos menos consanguíneos, quando sujeitos a
períodos de restrição alimentar, assim como uma
2diferença de consumo de O entre repouso e exercício
muito mais marcada (talvez correlacionada com um
crescimento mais rápido desses indivíduos). O facto de
os menos consanguíneos terem proteínas com um
período de semivida mais longo pode estar
estreitamente relacionado com essa redução do
metabolismo basal, mas ignora-se o porquê dessa
diferença.
A menor eficiência fisiológica nos mais
consanguíneos resulta num menor vigor somático,
donde menor fecundidade e fertilidade... e menor
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
17
fitness. A nível populacional, uma das consequências
da menor fertilidade desses indivíduos será uma maior
kvariância de produtividade média (ó ) que tenderá a2
euma substancial redução do N a não ser que o
“espaço” deixado aos indivíduos mais férteis permita
um aumento compensatório do próprio k — naquilo
que é designado por “homeostase populacional” — e,
com isso, uma acelerada eliminação dos genótipos
menos férteis.
Talvez em interligação com estas diferenças esteja
um outro postulado para o maior fitness dos
heterozigóticos em certos loci: os dois alelos de um
heterozigótico complementam-se entre si na interacção
com certos factores ambientais, o produto proteico de
um conferindo as mesmas vantagens que o do outro
mas para condições diversas — por exemplo de
temperatura, potencial hídrico, intensidade luminosa,
etc. — a que o indivíduo chega a estar sujeito. É como
uma codominância ao nível metabólico a traduzir-se
numa sobredominância em termos de fitness.
VI. Aplicações
Da exposição feita até aqui resulta que as
consequências que a nível fisiológico pode acarretar o
aumento do coeficiente de consanguinidade requer que
esse aumento seja controlado ou, muitas vezes,
corrigido. As opções a tomar são forçosamente ditadas
especificamente pelas necessidades de cada situação,
por isso a discussão que se segue pretende somente
apontar alguns princípios básicos a ter em mente.
VI.a. Recursos genéticos
Os melhoradores de plantas compreendem há muito
a necessidade de localizarem, caracterizarem e
manterem as populações mais antigas das espécies de
seu interesse, porque é nestas que os efeitos
(relativamente lentos) da selecção natural podem ter
resultado numa riqueza máxima de soluções
genotípicas relevantes para a sobrevivência em
condições naturais e potencialmente importantes do
ponto de vista agronómico. A acessibilidade ao
germoplasma dessas populações continua a ser o
principal meio de obter novas variedades com
acrescido interesse agronómico, nomeadamente pela
introgressão de novos alelos nas variedades existentes.
Noutra perspectiva, a heterose resultante do
cruzamento entre variedades melhoradas e as formas
“primitivas” presentes na natureza, ou cultivares delas
obtidas independentemente, pode beneficiar a
produção.
VI.a.i. Preservação do germoplasma: ex situ e in situ
Os bancos de germoplasma são repositórios da
diversidade genética que vai sendo recolhida da
natureza ou dos programas de melhoramento. Devido
à enorme quantidade e diversidade de material que se
acumula, a preocupação principal é a de manter o
germoplasma (geralmente sementes) vivo, em câmaras
refrigeradas.
Porém, mesmo nas melhores condições de
preservação, e com maior ou menor rapidez consoante
as espécies, o germoplasma vai perdendo a viabilidade,
acabando por exigir o “rejuvenescimento” de cada lote
com pelo menos um ciclo de sementeira. A nova
geração de sementes, que se colhem para nova
preservação, tenderá a ter maior consanguinidade, e em
certas circunstâncias não é de excluir a possibilidade de
genes importantes para o melhoramento — em futuro
próximo ou longínquo — estarem perdidos (por
fixação dos seus alelos) com a repetição desses ciclos.
Mantendo o germoplasma nas estações de
melhoramento, ou seja longe dos locais onde as
espécies devem ser semeadas para produção (daí o
termo ex situ), pode ainda vir a favorecer genótipos
que não interessam aos agricultores. É natural que,
pela elevada qualidade dos terrenos dessas estações
e/ou pelo uso de fertilizantes e outros químicos, etc., a
manifestação de maior vigor por parte de certos
genótipos resulte no desalojar progressivo de outros,
esses sim úteis para a produção. Acresce que, na
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
18
ausência de factores ecológicos condicionantes da
sobrevivência dos diferentes genótipos (por exemplo
competição, parasitismo, predação, etc.), a preservação
ex situ pode conduzir à acumulação de genótipos que
seriam eliminados nas condições naturais a que a
espécie está adaptada. Além disso, implica que o
germoplasma conservado não tem a oportunidade de
coevolução com alguns desses factores. Estes factores
em conjunto podem resultar na erosão progressiva da
adaptabilidade das colecções de germoplasma à
produção agrícola “real”, e no limite tornar as
colecções existentes inúteis.
A preservação de germplasma ex situ pode ainda
recorrer à criação das chamadas “metapopulações”,
obtidas pelo cruzamento (ao acaso ou segundo
procedimentos controlados) entre lotes de origens
distintas. Com esta estratégia visa-se contrabalançar os
efeitos da deriva genética para, de modo geral, evitar
a perda de genes; mas a grande proporção de
genótipos outbred nestas metapopulações implica uma
elevada carga recombinatória, acaba por ser necessário
libertá-las para que se recuperem, nos locais de
produção, genótipos bem adaptados. Mesmo assim, há
que prever um reduzido sucesso adaptativo nas
eprimeiras gerações, ou seja: apesar do elevado N
destas metapopulações, no campo ele baixa de novo,
com a possibilidade de perda da diversidade genética.
Em conjunto com a preservação da diversidade
genética duma espécie, é muito importante a
preservação dos habitats onde essa diversidade se
encontra estabilizada. A pressão da actividade humana
tende, senão a fazê-los desaparecer, pelo menos a
reduzir a sua extensão a tal ponto que, para algumas
eespécies, resultam drásticas reduções do N . Outra
componente a preservar, com as espécies cultivadas,
são as práticas tradicionais dos agricultores nos centros
de origem e noutros locais onde cada espécie seja
particularmente rica em diversidade genética. Não que
isso exclua a possibilidade de melhorar essas práticas
com base nos conhecimentos científicos, mas a sua
substituição por práticas de cultura não-tradicionais, às
quais nem todos os genótipos dão a mesma resposta
em termos de produção, pode implicar a rápida erosão
genética dessa diversidade, senão mesmo extinção de
uma componente importante desse repertório genético.
A resposta a estas necessidades e aos problemas
inerentes à preservação ex situ podem passar por uma
estratégia totalmente diferente, a preservação in situ.
Contrapondo-se à estratégia “estática” da
preservação ex situ, a preservação in situ é uma
estratégia “dinâmica”, na qual se opta por manter o
germoplasma no campo, isto é, semeando-o
continuamente e tentando controlar o aumento da
consanguinidade. A preservação in situ implica que o
agricultor, seja a título individual seja através das
comunidades onde pertence, participa na preservação
do germoplasma de uma espécie, cultivando em
parcelas do seu terreno genótipos que lhe são
entregues pelo melhorador. Actuando na coordenação
de redes de agricultores, apesar de porventura ser uma
tarefa complicada, os melhoradores têm o potencial de
optimizar a preservação dinâmica de germoplasmas,
pela manutenção, conjuntamente, dos genótipos
adaptados naturalmente e das condições ambientais
que se relacionam com essas adaptações. Por isso, a
sua implementação para dada espécie é especialmente
apropriada em regiões onde a mesma exiba maior
diversidade genética, nos centros de origem das
espécies e não só — onde o grau de diversidade
existente implique uma responsabilidade de
conservação envolvendo melhoradores e produtores.
No caso de Portugal, espécies como o trigo rijo e o
feijão constituem exemplos disso mesmo [17].
VI.b. Programas de melhoramento por selecção
O impressionante progresso conseguido nas
características das novas variedades saídas de
programas de melhoramento não dá sinais de vir a
parar tão cedo. Deve-se tal facto à não menos
impressionante diversidade genética presente nos
germoplasmas disponíveis, assim como ao cuidado que
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
19
os melhoradores se vêem obrigados a ter de modo a
preservar essa diversidade.
Um desses cuidados tem a ver com a aparente
interdependência dos caracteres alvo de melhoramento
com certos fenótipos vitais para a sobrevivência e
reprodução dos indivíduos. O progresso no
melhoramento de um fenótipo traz consigo, muito
frequentemente, efeitos adversos de perda de
fertilidade ou aumento da letalidade; as causas
possíveis são muito diversas, e podem ser o resultado
da perda fortuita de genes (às vezes envolvidos
pleiotropicamente na expressão dessas características),
seja por deriva genética, seja por ligação
cromossómica; a vantagem dos heterozigóticos em
certos loci pode também implicar um carga genética
segregacional que se manifesta através da selecção
artificial. No seu conjunto, reflectem uma selecção
natural contra os indivíduos seleccionados
artificialmente, e requerem um relaxamento da selecção
durante uma ou duas gerações, ou então medidas de
“abertura” das populações onde se faz a selecção.
Trabalhar com populações “fechadas”, isto é,
começar com uma população-base e produzir uma
única linha de melhoramento sem introduzir
diversidade por cruzamentos com outras populações,
eé ignorar que os N são forçosamente finitos e a
fixação de alelos acaba por ter os reflexos mais
imprevisíveis (perda de flexibilidade adaptativa, perda
de fertilidade, etc.) sobre as características das
populações que se supõe estarem melhoradas. Duas
medidas de “abertura” contrabalançam esses efeitos, e
que cabe aos melhoradores saber introduzir na altura
certa:
Primeiro, e a exemplo do que é prática corrente em
melhoramento animal, o cruzamento com stocks
genéticos diferentes, como que a introduzir “sangue
novo” na população; para isso importa, em plantas, ter
acesso a um germoplasma capaz de corresponder a
essa necessidade; bem entendido, a escolha de stocks
introduzidos é regida pelos objectivos de cada
programa de melhoramento, pelas características das
populações disponíveis, etc..
Segundo, a manutenção em simultâneo de diversas
linhas sujeitas ao mesmo procedimento de
melhoramento, na expectativa que os efeitos da deriva
genética não se tenham repetido exactamente de umas
para as outras — ou seja, diversos loci podem ficar
fixados em cada linha, mas com alelos diferentes de
umas para as outras. Por outras palavras, os gâmetas
tendem a ficar com uma correlação negativa entre
diferentes linhas. Cruzando-as entre si, durante o
programa de selecção restabelece-se temporariamente
eum N relativamente elevado que permite recuperar
muita da diversidade para a nova geração. Equivale
isto a dizer que, comparado com uma só população de
eN custosamente alto, é preferível fazer o
melhoramento por selecção dentro de n populações
epequenas (N /n para cada uma, por exemplo) em
paralelo, onde a deriva assume um papel mais
preponderante, mas com muito menor risco da perda
irreversível de alelos de interesse, que a mutação muito
provavelmente não iria repor. Como para tudo, há
limites para esta estratégia, dado que a excessiva
fragmentação do stock a ser melhorado torna as
respostas demasiado imprevisíveis, e aí o progresso do
melhoramento dentro de cada linha seria inviabilizado.
VI.c. Heterose
A produção de híbridos (crossbreeding) é o único
meio universal de obter populações melhoradas
geneticamente, homogéneas e heterozigóticas [3, 16].
Explorando duas componentes da heterose — o
acréscimo de vigor e da uniformidade fenotípica —
para optimizar a produção, a qualidade, o tempo de
maturação, etc., tem dado grandes resultados no caso
do milho e doutras espécies, não só em termos de
quantitativos de produção como na maior
homogeneidade das culturas, facilitando a mecanização
das colheitas.
A heterose pode ter interesse económico de várias
maneiras. A mais evidente reside em vir a dispor-se de
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
20
populações homogéneas que produzem mais e/ou
resistem melhor do que qualquer das populações
anteriormente existentes, por via de fortes efeitos de
(sobre)dominância e interacções entre loci. Porém os
híbridos a comercializar, apesar de muito férteis, não se
utilizam para reprodução: a segregação dos genes na
meiose acarreta a produção de homozigóticos e um
declínio progressivo da heterose, e a selecção nas
populações recombinantes não se revela a curto prazo
útil. Deste modo, em termos de germoplasma, a
manutenção resume-se a linhas puras progenitoras dos
híbridos. A outra face da moeda, é que essas linhas
puras estão exclusivamente na posse de produtores de
semente híbrida, pelo que os agricultores dependem
sempre do fornecimento de novas sementes todos os
anos.
Mesmo quando o fenótipo de interesse não exibe os
efeitos da heterose por si mesmo, a melhoria do vigor
e fertilidade pela heterose amplifica os ganhos
económicos de utilizar os híbridos como progenitores
(geralmente femininos). Por exemplo, a descendência
do cruzamento triplo em gado produtor de carne,
A×(B×C), apesar da diminuição de 6% do peso médio
dos descendentes na altura do desmame em relação à
raça A, traduziu-se num acréscimo de 18% na
produção total graças à fertilidade 25% mais alta das
mães B×C [3].
Após uma primeira fase de híbridos de cruzamentos
quádruplos do tipo (A×B)×(C×D), os melhoradores de
milho decidiram aproveitar algumas das linhas puras,
consideradas mais interessantes, polinizando-as entre
si para resultarem metapopulações donde se foram
seleccionando novas linhas puras ainda melhores, não
só em termos de multiplicação das sementes como dos
muito importantes efeitos maternos (a teoria genética
sobre os valores aditivos e genotípicos envolvidos
neste processo de selecção pode ser consultada no
livro de Falconer e MacKay [3], por exemplo). Graças
1a isso as F comerciais passaram a ser obtidas numa só
geração, e passou a ser essa a regra também noutras
espécies.
Constata-se hoje que uma grande parte da semente
melhorada produzida anualmente, de quase todas as
espécies que não são rigorosamente autogâmicas, é
obtida por este procedimento, daí que se fale não só do
milho híbrido, mas também da soja híbrida, etc.. Quase
todo o material transgénico (isto é, hemizigótico para
genes introduzidos por métodos moleculares) que é ou
venha a ser comercializado também é híbrido.
VII. Resumos
VII.a. Português
Nesta revisão sobre consanguinidade em plantas
parte-se do conceito (genealógico) de identidade por
descendência e do cálculo de coeficientes de
parentesco, para em seguida rever conceitos a nível
populacional, através das duas perspectivas do
parâmetro F de medida de consanguinidade: a de um
coeficiente de fixação, que traduz o afastamento em
relação ao modelo de Hardy-Weinberg das
distribuições genotípicas nas populações reais, pelo
facto de não serem infinitamente grandes; e a de
correlação entre gâmetas, que entra em linha de conta
com factores (como mutação, migração e selecção)
que podem compensar a fixação de genes e assim fazer
populações finitas parecerem estar de acordo com esse
modelo. Exemplificam-se ainda os cálculos de
identidade e diversidade genética nas populações.
Analisam-se as bases genéticas e fisiológicas da
depressão de consanguinidade (a redução de fitness
freque n te m en te o b se rvad a em in d iv íduos
consanguíneos), e referem-se as implicações destes
conceitos em aplicações como a gestão de recursos
genéticos e melhoramento de plantas.
VII.b. Inglês
This review of inbreeding in plants analyses the
(genealogical) concept of identity by descent and the
computation of relationship coefficients, followed by
the two perspectives for the F parameter as measure of
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
21
inbreeding at the population level: as a coefficient of
fixation measuring the distortion, in relation to the
Hardy-Weinberg model, of genotype distributions in
real populations, due to the fact that they are finite; and
as correlation between gametes, where the
compensatory effects of other factors (such as
mutation, migration and selection) on gene fixation can
also be taken into account, sometimes resulting in
genotype distributions, in finite populations, that mimic
those predicted by that model. An example of the
computation of genetic identity and diversity in
populations is included. The genetic and physiological
bases for inbreeding depression (the decrease in fitness
often observed in inbred individuals) are analysed, and
the implications of this knowledge on the management
of genetic resources and plant breeding are addressed.
VIII. Agradecimentos
Aos colegas do departamento que participam na
cadeira de Genética para Engenharia Agrícola da
Universidade de Évora, pelo estímulo, perspectivas e
bibliografia facultada.
XI. Notas e referências
1. Segundo o Méd. Vet. Prof. Sieuve Monteiro, a
consanguinidade é uma «Expressão originada pela concepção
clássica (pré-mendeliana) de hereditariedade em que se
admitia serem os fenómenos hereditários determinados nos
descendentes pela fusão do <sangue' dos progenitores...»
(Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 5º volume,
pagina 1422, Verbo, Lisboa, 1967), preconizando-se o uso
do termo endocruzamento, ou por vezes endogamia, para
tradução literal do termo inglês inbreeding. O termo
consanguinidade, porém, parece ainda ser o único consagrado
pelo uso em Português.
2. Mendel, G., 1865 — Experiências sobre híbridos de
plantas. Naturalia (Supl.), edição comemorativa do
centenário, traduzida para Português.
3. Falconer, D. S., Mackay, T. F. C., 1996 —
Introduction to quantitative genetics, 4ª ed.. Longman,
Harlow.
4. Strickberger, M. W., 1976 — Genetics, 2ª ed..
MacMillan.
5. Plum, M., 1954 — Computation of inbreeding and
relationship coefficients in populations with a relatively small
number of different male ancestors. J. Hered. 45, 92!94.
6. Wright, S., 1969 — Evolution and the Genetics of
Populations, Vol. 2: The Theory of Gene Frequencies. The
University of Chicago Press, Chicago & London (com
indicação do número de página em cada referência).
7. Templeton, A. R., Read, B., 1994 — Inbreeding: one
word, several meanings, much confusion. In: Conservation
Genetics, pp. 91!105, ed. V. Loeschcke, J. Tomiuk, S. K.
Jain. Birkhäuser, Basel.
8. Mitton, J. B., 1993 — Theory and data pertinent to the
relationship between heterozygosity and fitness. In: The
Natural History of Inbreeding and Outbreeding.
Theoretical and Empirical Perspectives, Cap. 2, ed. N. W.
Thornhill. Univ. Chicago, Chicago & London.
9. Waser, N. M., 1993 — Population structure, optimal
outbreeding, and assortative mating in angiosperms. In: The
Natural History of Inbreeding and Outbreeding.
Theoretical and Empirical Perspectives, Cap. 9, ed. N. W.
Thornhill. Univ. Chicago, Chicago & London.
10. Shields, W. M., 1993 — The natural and unnatural
history of inbreeding and outbreeding. In: The Natural
History of Inbreeding and Outbreeding. Theoretical and
Empirical Perspectives, Cap. 8, ed. N. W. Thornhill. Univ.
Chicago, Chicago & London.
11. Nei, M., 1973 — Analysis of gene diversity in
subdivided populations. Proc. Natl. Acad. Sci. 12, 3321!3.
12. Considerando um número n de alelos em dado locus,
e a divisão da população em s subpopulações de peso igual,
Sdefine-se J como sendo a média das identidades genéticas (J)
S i STdas subpopulações, ou seja J = (3J )/s (i = 1, ..., s), e D
como a diversidade média entre subpopulações tomadas duas
ST ija duas, ou seja D = (33D )/s , em todas as combinações de2
i i iki e j (i,j = 1, ..., s). Calcula-se cada J pela fórmula J = 3p 2
ik(k = 1, ..., n) sendo p a frequência do alelo k na
ijsubpopulação i. O cálculo dos valores D faz-se pela fórmula
ij i j ij ij ik jkD = ½(J + J ) !J , em que J = 3p p (k = 1, ..., n) é a
identidade genética entre as subpopulações i e j, expressa
pelos produtos das frequências para cada alelo k nessas
ijsubpopulações. Note-se que quando i = j, D = 0. Nas outras
ij ik jkcombinações, Nei demonstrou que D = ½3(p ! p ) $ 02
[11].
13. Hamrick, J. L., Linhart, Y. B., Mitton, J. B., 1979 —
REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
22
Relationships between life history characteristics and
electrophoretically detectable genetic variation in plants. Ann.
Rev. Ecol. Syst. 10, 173-200.
14. Johnson, G. B., 1974 — Enzyme polymorphism and
metabolism. Science 184, 28-37.
15. Lewontin, R. C., 1973 — Population genetics. Ann.
Rev. Genet. 7, 1-17.
16. Eberhart, S. A., 1977 — Quantitative genetics and
practical corn breeding. In: Proceedings of the International
Conference on Quantitative Genetics (E. Pollack, O.
Kempthorne, T. B. Bailey, Jr., eds.), Iowa State University,
pp. 491-502.
17. Comunicação pessoal, Engº Maçãs (ENMP, Elvas)
e Engº Téc. Bettencourt (EAN, Oeiras).
Top Related