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USO VARIÁVEL DE VIBRANTE SIMPLES EM LUGAR DE
MÚLTIPLA NO PORTUGUÊS FALADO EM UMA COMUNIDADE
RURAL DE DESCENDENTES DE IMIGRANTES ITALIANOS: O
PAPEL DA ESCOLA
Sarah Loriato (UFES)
1
Edenize Ponzo Peres (UFES)2
RESUMO: Situado na Região Serrana do Espírito Santo, o município de Itarana foi fundado por
imigrantes vindos do Vêneto, Itália, no final do século XIX. Atualmente, os descendentes desses
imigrantes assumem posição de destaque na região não só pelo número, mas também pela influência
econômica e cultural que exercem entre os que aqui vivem. Considerando esse cenário, este estudo, que
segue a perspectiva da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972), tem por objetivo central
evidenciar a influência da variável escolaridade do falante para o uso de vibrante simples em lugar de
múltipla no português falado em uma comunidade rural de descendentes de imigrantes italianos,
moradores da zona rural de Itarana. Os dados foram coletados de um corpus de 34 entrevistas realizadas
com descendentes de imigrantes italianos residentes na zona rural de Itarana, divididos de acordo com a
escolaridade (de 0 a 04, de 05 a 08 e de mais de 08 anos de escolarização). Os dados foram analisados
estatisticamente usando o programa GoldvarX (SANKOFF, TAGLIAMONTE & SMITH, 2005) . Os
resultados encontrados sugerem que a escolaridade favorece o uso da variante que sofre influência do
dialeto italiano. Os resultados obtidos a partir da análise qualitativa das entrevistas também indicam que
as escolas propiciaram o uso da variante dominante, o português-padrão, contribuindo, desta forma, para
a estigmatização da variante minoritária.
PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística. Estigmatização. Variação do /r/
ABSTRACT: Located in the mountain region of the state of Espirito Santo, the municipality of Itarana
was founded by immigrants from Veneto, Italy, in the second half of the 19th century. Nowadays, the
descendants of Italian immigrants assume a prominent position in the region not only by a large number
of descendants, but also by economic and cultural influence performed among people who live there.
Considering these facts, this study, which follows the approach of Variationist Sociolinguistics (LABOV,
1972), aims to highlight the influence of speakers’ schooling in the use of simple vibrant instead of
multiple vibrant in the Portuguese spoken by the descendants of Italians immigrants, in the rural area of
Itarana. The data was collected from a corpus of 34 sociolinguistic interviews with descendents of Italian
immigrants residing in the rural area of Itarana, divided according to levels of education (0 to 4 years of
schooling, 5 to 8 years of schooling and over 8 years of schooling). The data was analysed statistically
using Goldvarb X (SANKOFF, TAGLIAMONTE & SMITH, 2005). The results suggest that education
1 Mestranda em Linguística pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Vitória, Espírito Santo,
Brasil. Email: [email protected] 2 Professora Doutora do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo –
UFES, Vitória, Espírito Santo, Brasil. Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa intitulado Línguas em
contato: o português e o italiano no Espírito Santo.
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favor the use of the variant influenced by the Italian dialect. The qualitative analysis of the interviews
show that education is one of the factors that contributed to the loss of traces of Venetian dialects, or even
to their stigmatization.
KEYWORDS: Sociolinguistic. Stigmatization. Variation of /r/
1 Introdução
A Região Serrana do Espírito Santo caracteriza-se, linguisticamente, pelo
contato do português com dialetos falados por imigrantes italianos, holandeses, suíços e
alemães, dentre outros, que colonizaram o estado.
Dentre esses grupos étnico-linguísticos, o italiano assume uma posição de
destaque na região, não só pelo número de descendentes, mas também pela influência
econômica e cultural que exercem sobre os que ali vivem.
Apesar das potencialidades dessa região como local para estudos sobre línguas
em contato, há ainda uma grande carência de pesquisas nessa área. Dessa forma, o
presente trabalho toma como tema de estudo o contato entre o português – a língua
majoritária e oficial – e o dialeto vêneto, falado pela maioria dos imigrantes italianos
que colonizaram o Estado, especificamente, a zona rural do município de Itarana. Por
ter sido a língua do contato dos primeiros moradores e de seus descendentes diretos,
pressupõe-se que tenha influenciado fortemente a língua portuguesa adquirida
posteriormente, na escola ou em contato com os brasileiros de comunidades vizinhas.
Neste estudo, objetivamos: a) apresentar e analisar resultados da análise de
regra variável (LABOV, 1972, 1994, 2001) do emprego da vibrante simples em lugar da
vibrante múltipla no português falado pelos descendentes de imigrantes italianos na
zona rural de Itarana (ES), em posição intervocálica, em início de sílaba precedida por
consoante e em início de palavra; e b) evidenciar a influência da variável escolaridade
do falante, para a manutenção ou a substituição desse traço do dialeto vêneto.
Para nossos propósitos, foi analisado o fonema /r/, pelo fato de que, nos
dialetos falados no norte da Itália, local de origem de grande parte dos imigrantes
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italianos que colonizaram a região Serrana do Espírito Santo, o fonema /r/ é
pronunciado apenas como vibrante simples, mas nunca como múltipla3 (ROHLFS,
1966; ZAMBONI, 1974).
A realização da vibrante, por suas características articulatórias, apresenta
elevado grau de polimorfismo, especialmente em coda silábica, tanto em português
quanto em outras línguas (CALLOU; MOARES; LEITE, 1996). No português, a
vibrante simples e a múltipla são fonemas, uma vez que há valor contrastivo entre esses
segmentos. Dessas duas consoantes, apenas a vibrante múltipla realiza-se em diferentes
fones: vibrante alveolar [r], fricativa velar [X] e fricativa glotal [h]. Assim, a
inexistência da vibrante múltipla como fonema nos dialetos italianos e, por outro lado, a
sua existência no sistema fonológico da língua portuguesa, estabelecendo oposição
distintiva com a vibrante simples, acarreta, o emprego da vibrante simples em lugar da
múltipla no português de contato, pela transferência de uma característica da fala
dialetal italiana (FROSI; MIORANZA, 1983).
Por conseguinte, um traço marcante da fala dos moradores da região Serrana
do Espírito Santo é a pronúncia de /r/ com influência vêneta, ao contrário dos capixabas
de outras regiões do estado. Dessa forma, a análise dessa variável é importante para
verificarmos as consequências do contato linguístico no nível fonético-fonológico.
2 A imigração italiana no Espírito Santo
O papel da imigração europeia, no século XIX, foi determinante para a
configuração do estado do Espírito Santo. Por sua vez, a imigração italiana, constituindo
a maioria dessa população, deixou marcas profundas nos mais diversos domínios de sua
vida social e cultural, influenciando também o elemento luso-brasileiro dominante na
região.
3 A vibrante múltipla, que ocorre no italiano standard, não aparece no dialeto vêneto (ROHLFS, 1966;
ZAMBONI, 1974).
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Segundo registros do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES),
no período de 1812 a 1900, desembarcaram 32.900 imigrantes italianos em solo
espírito-santense, o que corresponde a 75% do total de imigrantes que entraram no
estado no período. Destes, a maioria partiu das províncias das regiões ao norte daquele
país: 40% do Vêneto, 20% da Lombardia, 14% do Trentino Alto-Ádige, 10% da Emília
Romagna, 5% do Piemonte, 4% do Fruili Venezia Giulia e os 7% restantes de outras
regiões da Itália.
Apontam-se normalmente como causas da vinda desse contingente
populacional a substituição da mão-de-obra escrava nas fazendas de café (GROSSELLI,
2008), além da povoação de um estado com imensos vazios demográficos (DERENZI,
1974). A partir de 1848, ocorreram na Europa guerras de unificação dos diversos reinos
que compunham o continente, além das consequências da Revolução Industrial e de
uma grave crise social na Europa, que geraram um grande empobrecimento da
população, causando fome e falta de emprego aos mais pobres, notadamente
camponeses, fazendo com que houvesse saída em massa de pessoas para outros países
(FRANZINA, 2006).
Segundo Derenzi (1974), a primeira leva de imigrantes italianos destinados à
Província do Espírito Santo foi trazida por Pietro Tabacchi, que os introduziu no
município de Santa Cruz, em terras a ele concedidas pelo Decreto Imperial 5.295, de 31
de maio de 1872. Entretanto, as cláusulas contratuais abusivas impostas pelo contratante
Tabacchi culminaram na revolta dos imigrantes, que exigiram sua transferência para os
núcleos coloniais mantidos pelo governo: Colônia Rio Novo e Santa Leopoldina
(Timbuí), respectivamente a sudoeste e a noroeste da cidade de Vitória. De acordo com
Demoner (2001), se não fosse o destemor de alguns imigrantes insatisfeitos com o
patrão Tabacchi, fugindo de seu jugo em direção às cabeceiras do Rio Timbuhy, outros
municípios do Espírito Santo talvez não chegassem a existir.
Em 1892, já no período republicano, foi firmado um dos maiores contratos para
a introdução de imigrantes italianos no Espírito Santo. O contratante foi Domenico
Giffoni, que recebeu do Governo o direito de introduzir 20.000 imigrantes. No entanto,
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não vieram mais que 10.000, no período de 1892 a 1895, pois chegaram à Europa as
notícias dos erros cometidos durante o primeiro contrato, o que levou Alcindo
Guanabara, chefe da Superintendência Geral da Imigração para o Brasil, a pedir
esclarecimentos sobre o mesmo ao Governo do Espírito Santo – “por não serem
favoráveis às condições e vantagens oferecidas no referido contrato”. (DEMONER,
2001, p.31).
Não foi sem razão que, por ordem do decreto de 20.07.1895 do Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Gabinete Italiano, foi suspensa a imigração italiana para o
Espírito Santo (NAGAR, 1895; DEMONER, 2001). Encerrava-se assim,
temporariamente, um movimento que alterou toda a estrutura socioeconômica do estado
do Espírito Santo e que determinou características até hoje inconfundíveis, ou seja, 78%
dos capixabas são descendentes desses pioneiros italianos, que, à procura de um futuro
melhor para si e seus filhos, tiveram a coragem de deixar sua terra natal e vir para outra
totalmente desconhecida. (DEMONER, 2001).
2.1 O município de Itarana e a imigração italiana
O município de Itarana está localizado a 126 km a oeste da capital, Vitória.
Possui área de 299 km2
e conta com uma população de 10.881 habitantes, sendo 4.094
(37,65%) na zona urbana e 6.786 (62,37%) na zona rural. (IBGE, 2010). A base
econômica do município sempre foi a agricultura, principalmente o café, mas também
há lavouras de milho, banana, tomate, feijão, alho, arroz e hortifrutigranjeiros.
Atualmente o município é um dos maiores produtores dessas culturas no Estado.
Nessa região, já havia a presença de fazendeiros fluminenses e mineiros desde
meados do século XIX; entretanto, sua prosperidade se deu somente após a chegada dos
imigrantes italianos, provenientes do município vizinho - Santa Teresa.
A imigração italiana nesse lugar teve início provavelmente em 1882. Segundo
Derenzi (1974), o veleiro La Velleja chegou ao Porto de Vitória em 21 de junho de
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1879, e seus ocupantes foram conduzidos para a colônia de Santa Teresa. Dentre esses
imigrantes, estavam várias famílias vindas da província de Treviso, região do Vêneto, e,
ao chegarem a essa região, encontraram patrícios que haviam saído há mais tempo da
Itália e que tinham propriedades ali.
Após três anos estabelecidos em Santa Teresa, à espera do título de posse de
terras, deslocaram-se por meio de picadas à região de Figueira de Santa Joana4. Os
primeiros imigrantes que chegaram a essa vila eram, em sua maioria, pobres lavradores
sem instrução. Entretanto, por meio do apoio mútuo, as primeiras famílias de colonos
superaram os obstáculos que a natureza impunha: matas fechadas, diferenças climáticas
entre a Europa e o Brasil, animais e doenças desconhecidas etc., alcançando a almejada
prosperidade econômica. (VENTORIM, 1990).
Atualmente, na zona rural de Itarana, encontra-se uma das maiores colônias de
descendentes de italianos e de pomeranos5 do Estado.
3 Referencial teórico: a Sociolinguística Variacionista
A Sociolinguística apresentou-se como uma reação à ausência do componente
social dos modelos teóricos anteriores. Assim, se a língua está intimamente relacionada
à cultura e ao modo de ser e de viver de seus falantes, fica evidente que ela deverá ser
heterogênea, pois irá refletir os contrastes, os confrontos, os desejos de afirmação e de
identidade de cada indivíduo e de cada grupo social.
A variação linguística está relacionada ao uso de duas ou mais variantes de
uma mesma variável por integrantes de uma determinada comunidade. Esse uso, porém,
4 Em 1942, Figueira de Santa Joana passou a ser denominada Itarana, que em guarani significa Pedra da
Onça, referência a um monumento natural e paisagístico do mesmo nome, localizado nas cercanias da
cidade. 5 Os pomeranos são um povo da antiga Pomerânia, região localizada entre o nordeste da Alemanha e o
noroeste da Polônia. Atualmente, muitos descendentes desses imigrantes, no Espírito Santo, ainda
conservam sua língua e suas tradições.
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não se dá ao acaso, fortuitamente, mas sim de acordo com fatores linguísticos e
extralinguísticos, que atuam em qualquer situação de fala.
Assim, para se compreender a variação, é preciso empreender uma análise não
só do comportamento das variáveis dentro do sistema linguístico, mas também do
comportamento dos membros das comunidades (CEZARIO; VOTRE, 2010). Para tanto,
é preciso descrever esses membros, a fim de determinar a influência dos fatores
externos nos processos de variação e mudança linguística. E, para se dar essa
explicação, os fatores linguísticos e extralinguísticos devem ser analisados
conjuntamente. (LABOV, 1972)
Os fatores sociais que podem desempenhar papel preponderante na variação
linguística são: idade, gênero, classe social, nível de escolaridade, ocupação
profissional, etnia, região geográfica (urbano/rural) e posição nas redes sociais
(LABOV, 1972, 1994, 2001). Quanto aos fatores linguísticos, sua escolha dependerá do
fenômeno a ser analisado. Nesta pesquisa, a variável dependente é a realização do
fonema /r/, e suas variantes são: a) a vibrante simples; e b) a vibrante múltipla. No
tocante aos fatores linguísticos, interessa-nos verificar o contexto fonético em que se
encontra a variável: em posição intervocálica, em início de sílaba precedida por
consoante e em início de palavra, a exemplo dos seguintes vocábulos, entre outros:
terra, roça, genro, carroça, rico, rosa. Como variáveis sociais, levaram-se em conta a
escolaridade dos informantes.
3.2 As formas variantes do fonema /r/
O fonema /r/ apresenta elevado grau de variação fonética. Essa variação se
deve à amplitude do espaço articulatório existente para a realização desse segmento
fônico, seja no grau de abertura no eixo vertical (vibrante, fricativa, por exemplo), seja
na área de articulação, na dimensão longitudinal (alveolar, velar, uvular ou faríngeo, por
exemplo) (CALLOU; MOARES; LEITE, 1996, p.465). Em português, o uso da variável
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/r/ está relacionado à posição que ele ocupa na sílaba: se pré-vocálico, em início de
palavra (roupa), em início de sílaba precedida por consoante (gen-ro), em coda silábica
(a-ler-tar) e em encontros consonantais tautossílábicos (bra-do) (MONARETTO,
2002). O contraste fonêmico entre as diferentes formas de /r/ só é atestado em posição
intervocálica, como era e erra, careta e carreta (SILVA, 2001).
Segundo Camara Jr. (1970), em português o /r/ (seja múltiplo, ou velar, ou
uvular ou fricativo) é um fonema oposto a / r/ tepe (um único golpe vibratório da ponta
da língua junto aos dentes superiores), porque com ele se distingue erra de era ou carro
de caro, ou corre de core, e assim por diante.
Uma das características mais comuns do português em contato com o italiano é
o abrandamento do /r/, independentemente de sua posição na palavra. Como
mencionamos anteriormente, nos dialetos italianos falados pelos imigrantes italianos
que colonizaram a região Serrana do Espírito Santo, só existe uma vibrante simples.
Isso faz com que os falantes bilíngues português-italiano ou mesmo os falantes
monolíngues das áreas de contato do português com o italiano tenham dificuldade em
estabelecer a oposição que existe em português, substituindo a vibrante simples pela
múltipla, como faz o sistema fonético-fonológico italiano (FROZI; MIORANZA, 1983).
Para verificar o grau de variação do português em contato com o dialeto
vêneto, investigaremos o emprego da vibrante simples em lugar da múltipla em posição
inicial de vocábulos, em início de sílaba precedido por consoante e em posição
intervocálica.
4 Procedimentos metodológicos
Os pressupostos teóricos apresentados serviram de base para a fixação da
metodologia desta pesquisa, desde o estabelecimento dos objetivos até a análise dos
dados coletados.
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4.1 Os informantes
Após a escolha da localidade, partiu-se para a seleção dos informantes, que foi
feita levando-se em conta características específicas para a pesquisa: eles deveriam ser
descendentes de imigrantes italianos e ter nascido e residido a maior parte de sua vida
no distrito de Sossego.
Foram realizadas entrevistas com 34 informantes, divididos de acordo com a
escolaridade (de 0 a 04, de 05 a 08 e de mais de 08 anos de escolarização), com dois
informantes em cada célula6.
As entrevistas foram feitas com base num roteiro de perguntas previamente
montado, que se referiam à história da imigração italiana no lugar, histórias de família,
costumes, sentimentos com relação aos antepassados e à Itália, planos para o futuro etc.
No início, as perguntas versavam sobre fatos emocionantes que o entrevistado tivesse
presenciado ou de perigo real de vida, utilizadas como estratégia para que o entrevistado
deixasse fluir seu vernáculo. (LABOV, 1972).
As entrevistas foram gravadas em áudio, depois transferidas para o
computador, organizadas em pastas e, posteriormente, transcritas. Os dados foram
codificados e quantificados, usando-se o Programa Goldvarb X (SANKOFF,
TAGLIAMONTE & SMITH, 2005), sendo, em seguida, analisados.
4.2 As variáveis linguísticas
A fim de determinar o emprego da vibrante simples no lugar da múltipla no
português falado atualmente pelos moradores de Sossego, faz-se necessário descrever os
6 Outros aspectos sociais foram analisados durante as entrevistas, no entanto, não serão abordados no
presente estudo.
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contextos de vibrante nos ambientes fonéticos onde as duas línguas em contato mais se
diferenciam. Assim, as variáveis linguísticas controladas são:
a) início de vocábulo, como em rua, roça, rico.
b) em início de sílaba precedida por consoante, como em genro, enrolado.
c) entre vogais, como em carro, carroça, terra.
Os valores obtidos na análise quantitativa foram expressos em percentuais e
em pesos relativos. Os percentuais expressam a distribuição dos dados e realizações
variáveis por fator considerado nas diferentes variáveis controladas. Os pesos relativos
expressam a tendência de o processo estudado ocorrer, como efeito dos diferentes
fatores considerados na análise.
4.3 As variáveis extralinguísticas
Numa pesquisa de contato linguístico, vários são os aspectos que poderiam ser
estudados, como a importância da identidade dos falantes, da lealdade à pátria e à
cultura de origem, da utilidade da língua minoritária etc., para a manutenção ou a
substituição das línguas de imigração. Entretanto, neste estudo, analisaremos o nível de
escolaridade dos informantes, a fim de verificarmos sua influência no fenômeno
linguístico investigado. Passemos, assim, à apresentação e à análise dos dados.
5 Apresentação e análise dos dados
Depois de codificados os dados, foi utilizado o Programa GoldVarb X. Os
resultados da análise quantitativa são apresentados na TAB 1:
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Tabela 1: Distribuição das variantes no corpus
Variantes Vibrante
simples
Vibrante
múltipla
Total
Nº de
ocorrências
78 950 1028
% de
ocorrências
7,6 92,4 100
De acordo com os resultados da Tabela 1, a variante vibrante simples apresenta
frequência muito pequena, em relação à variante vibrante múltipla, o que já pressupõe
uma mudança em curso em fase avançada, nessa comunidade.
Tendo sido rodado o programa estatístico, este selecionou como significativos
apenas o fator extralinguístico. Em nosso corpus, como será visto com detalhes adiante,
os moradores de Sossego apresentam comportamento linguístico relativamente
uniforme, em se tratando da variável /r/. Vejamos, então, a distribuição das variantes
conforme o fator extralinguístico.
5.1 Atuação da variável Escolaridade no uso das vibrantes
A Tabela 2 nos mostra os resultados obtidos para essa variável.
Tabela 2 - Escolaridade
Significância : .000
Escolaridade
(anos) Aplicação/Total % Peso Relativo
+ 8 01/361 0,3 .05
5-8 03/301 1,0 .26
0-4 74/366 20,2 .97
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Os dados da Tabela 2 evidenciam que a pronúncia de /r/ como vibrante simples
é fortemente favorecida pelas pessoas com um nível mais baixo de escolaridade,
decaindo conforme esta aumenta: o peso relativo .97, para os menos escolarizados,
passa a peso relativo de .26, para aqueles com 5 a 08 anos de estudo, e para peso
relativo de .05, para os que têm Nível Médio ou mais.
Os estudos sociolinguísticos apontam para a importância da escolaridade dos
informantes na seleção de variantes de prestígio: quanto maior a escolaridade, maior a
tendência de os falantes optarem pelas variantes prestigiadas socialmente (VOTRE,
2003).
Os resultados obtidos a partir da análise qualitativa das entrevistas também
indicam que as escolas propiciaram o uso da variante dominante, o português-padrão,
contribuindo, desta forma, para a redução do uso da variante minoritária, como se vê
pelos exemplos abaixo:
Informante J.C - A gente ia para a escola e todo mundo falava brasileiro. E eles riam da
gente, porque a gente não sabia falar português direito [...] a gente falava diferente... [...]
a gente falava caroça ao invés de carroça, falava tera ao invés de terra, aí eles riam, né.
Informante L.L – Papai contava que quando o pai dele e os outros meninos italianos iam
para escola, eles ficavam com vergonha porque todo mundo ria deles [...] eles sabiam
falar português, mas eles tinham aquele jeito de falar diferente e o pessoal daqui num
tava acostumado.
Desta forma, pode-se destacar a escola como uma das principais fontes
geradoras de estigmatização, preconceito e falta de prestígio atribuído a variante
minoritária, quando na verdade, deveria priorizar o respeito às diferenças e à bagagem
cultural que o educando traz consigo ao ingressar na instituição.
Para explicar nossos resultados, cabe esclarecer que, em Sossego, os moradores
contam com escola apenas até o 5º ano (antiga 4ª série) do Ensino Fundamental. A
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partir daí, as crianças têm de se deslocar, por meio de transporte público, até a Sede do
Município. Em Itarana, a maior influência do dialeto dos imigrantes no português se
circunscreve à zona rural do município, onde eles se estabeleceram. Na zona urbana de
Itarana, essa influência foi muito diluída pelo contato com outras etnias que aí viveram
e ainda vivem. Assim, os moradores que pronunciam o fonema /r/ com influência dos
antigos imigrantes são os que têm menor escolaridade, ou seja, os que tiveram menos
oportunidade de sair da comunidade.
Portanto, podemos pensar no que afirmam Chambers e Trudgill (1994),
Chambers (2009) etc. sobre a importância do isolamento dos moradores das zonas rurais
para a manutenção da linguagem e da cultura ancestral: o pouco contato com outras
formas de falar permitiu a manutenção desse traço do dialeto vêneto, por parte dos
informantes menos escolarizados.
De acordo com os entrevistados, na localidade pesquisada não houve ensino
público na língua italiana, o que houve, segundo relatos dos descendentes, foi a
transmissão da variedade dialetal pelos próprios pais.
Ainda segundo os entrevistados, a proibição das variedades dialetais na Era
Vargas, foi marcada pelo medo, preconceito e um gradativo abandono da variedade
dialetal italiana e das tradições trazidas do país de origem. Assim, à medida que os
meios de comunicação ampliaram sua influência sobre a comunidade, a cultura e as
tradições italianas, centradas essencialmente na família, ficaram fadadas ao
desaparecimento.
6. Considerações Finais
Em nosso estudo, fica evidente a existência da relação entre o grau de
interferência fonética do italiano no português e a variável extralinguística investigada
em nossa pesquisa. Em Sossego, as pessoas mais jovens e mais escolarizadas, ao fazer
uso da variante de prestígio, prescrita pela escola, ou adquirida por meio da interação
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com outras pessoas letradas e falantes monolíngues em português, lideram o processo
de difusão da variante prestigiada. Neste caso, há indícios de que a escolarização é uma
das circunstâncias que contribuíram e ainda contribuem para a degeneração de traços da
influência italiana, ou mesmo para a sua estigmatização.
Observamos, igualmente, que a pronúncia mais tradicional de /r/ - a vibrante
simples, no lugar da vibrante múltipla, independentemente de seu contexto fonético -
encontra-se presente nos indivíduos pouco escolarizados. Dessa forma, o menor contato
entre eles e os moradores da Sede do município contribuiu para o conservadorismo de
sua linguagem. Aqueles que têm oportunidade de continuar seus estudos, aqueles que
convivem com pessoas de fora do lugar, já não apresentam a influência do dialeto
vêneto em sua fala.
Vale ressaltar que o suporte institucional desempenha papel relevante na
manutenção da língua minoritária, pois coletiviza seu uso e seu valor, afetando a visão e
a imagem da língua. Assim, a proibição da fala dialetal italiana nas escolas e locais
públicos, nas décadas de 30 e 40, contribuiu para o aumento do desprestígio social da
língua minoritária, restringindo seu uso ao âmbito familiar.
Na zona rural estudada, poucos são os informantes que admitem saber o dialeto
vêneto. Também devemos lembrar que o português constitui a língua majoritária e
oficial, a língua dos veículos de comunicação e da escola; enfim, é a língua do meio
social.
Esta pesquisa é apenas o início de uma série de outros estudos que
pretendemos realizar a partir do material coletado, no município de Itarana. De qualquer
modo, nossa esperança é de que este trabalho tenha contribuído para a descrição do
português falado no Espírito Santo e que também possa servir de estímulo para a
realização de outras pesquisas sociolinguísticas no Estado.
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