UNOESC - UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU
MESTRADO EM DIREITOS FUNDAMENTAIS
Mixilini Chemin Pires
A JUDICIALIZAO DA POSSE COMO MECANISMO DE AMPLIAO E
EFETIVAO DE DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS
Chapec
2015
MIXILINI CHEMIN PIRES
A JUDICIALIZAO DA POSSE COMO MECANISMO DE AMPLIAO E
EFETIVAO DE DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu Mestrado em Direito da Universidade do
Oeste de Santa Catarina como requisito parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Direito, rea de concentrao Direitos Fundamentais Civis,
sob a orientao da Professora Ps-Doutora Riva Sobrado de Freitas.
Chapec
2015
C517j Pires, Mixilini Chemin
A judicializao da posse como mecanismo de ampliao e
efetivao de direitos subjetivos fundamentais. /
Mixilini Chemin Pires. UNOESC, 2015.
137 f.
Orientadora: Riva Sobrado de Freitas.
Dissertao (Mestrado) Universidade do Oeste de
Santa Catarina. Programa de Mestrado em Direito, Chapec, SC, 2015.
Bibliografia: f. 132 138.
1.Propriedade. 2. Posse. 3. Funo social. 4. Judicializao. 5.
Direitos fundamentais. I. Sobrado de Freitas, Riva , orient. II.
Ttulo.
Elaborado pelo Sistema de Gerao Automtica da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
MIXILINI CHEMIN PIRES
A JUDICIALIZAO DA POSSE COMO MECANISMO DE AMPLIAO E
EFETIVAO DE DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu Mestrado em Direito da Universidade do
Oeste de Santa Catarina como requisito parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Direito, rea de concentrao Direitos Fundamentais Civis,
sob a orientao da Professora Ps-Doutora Riva Sobrado de Freitas.
Banca examinadora:
________________________________________________
Prof Ps-Doutora Riva Sobrado de Freitas Orientadora
UNOESC
________________________________________________
Prof Doutora Maria Cristina Cereser Pezzella - UNOESC
________________________________________________
Prof. Ps-Doutor Jos Querino Tavares Neto - UFGO
Aprovada em: ___/___/___
Aos meus amores, Roberto e Luiza, companheiros para a
vida eterna, que me permitem sonhar e fazer; que
representam tudo do pouco que sou.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento o mnimo que se espera daquele que foi servido de algum modo por
algum. E como fcil identificar nesse momento, as pessoas que permitiram que esta parte
do trabalho pudesse ser escrita, com tamanha facilidade e verdade.
Devo ento, primeiro agradecer a Deus, pela vida que me concedeu e que ainda
preserva, pela forma tranquila e serena com que conduziu minha mente e meus passos.
Ao meu amor e companheiro para a vida toda, Roberto. Nas nossas semelhanas nos
encontramos como seres humanos e descobrimos o amor, e nas nossas divergncias, nos
fizemos fortes. A solidez com que construmos nossa relao de respeito e lealdade nos
permitiu ousar e trilhar caminhos separados hoje, em virtude de nossas profisses, fisicamente
pelas estradas, cidades e estados, mas no nos afastou do nosso objetivo comum, sermos
felizes. A distncia fsica apenas um detalhe, a essncia de tudo, est nos bons sentimentos
que tecemos e nutrimos um pelo outro.
minha pequena Luiza, a forma mais singela de amar, que mesmo enquanto
nascituro, se comportou como um anjo. Permitiu-me uma gestao tranquila, para que
pudesse seguir com o mestrado nos mesmos termos iniciados: com comprometimento e
dedicao. E, que hoje, com quatro meses, amvel e doce, mesmo sentindo que no pude
por muitos momentos conversar com a barriga, organizar o enxoval, escolher o nome,
com toda a calmaria e dedicao que o momento exige e merece. Descobri em voc a melhor
e mais fcil forma de amar. Amo-te incondicionalmente.
Aos meus pais e irmos, cujos olhos e oraes esto voltados para mim o tempo todo,
mesmo quando a geografia teima em afastar fisicamente o que no pode se separar e cujo
amor me d a fora necessria para seguir adiante e tentar a cada dia ser um ser humano
melhor. Peo desculpas pela ausncia, pelas poucas visitas e o agradecimento pela presena
amorosa. As dificuldades apenas os tornaram mais fortes.
professora e orientadora Riva, que mesmo no coadunando com todos os
argumentos esposados neste trabalho, por trilhar interpretaes distintas, sem medo permitiu-
me voar nos ideais que acredito e na viso que trao para a interpretao do direito. Sem
freios ou medidas, permitiu-me transcorrer e pensar livremente. Acredito que possam existir
melhores autores, um timo referencial terico, mas acredito tambm que a verdade por eles
trazidas precisa ser compreendida por quem as aplica e esta aplicao para que alcance seus
propsitos no pode ser tida como uma verdade absoluta, mas uma verdade a ser trabalhada
na mente de cada de um de ns. Obrigada professora pelos impulsos, pelos convites, por me
fazer sentir medo de estar ou no no caminho certo, por nossos artigos, mas em especial de
promover a coragem para acreditar em mim.
professora Maria Cristina que com toda a bagagem terica e cultural que possui
promoveu em mim, em nosso primeiro encontro (de apresentao), ainda quando no aluna do
mestrado, a possibilidade e capacidade de ir adiante. Seus incentivos, seus elogios e crticas
foram fundamentais para que academicamente me tornasse uma profissional melhor, sem
medo do novo ou de ousar. A velha falcia de que somente os outros podem fugiu naquele
momento.
Aos coordenadores do Curso de Direito da Unoesc, Professores Ndio e Peterson pela
compreenso e auxlio na organizao dos horrios de aula a cada semestre, permitindo que o
mestrado fosse apenas mais uma etapa da vida acadmica e no uma anulao em relao ao
que mais amo fazer estar em sala de aula. O incentivo jamais ser esquecido.
UNOESC em parceria com o SINPROESTE, pela concesso de bolsa parcial para
adimplemento das mensalidades do mestrado como incentivo a qualificao docente e
profissional. Acreditar nos seus profissionais a marca de quem prima pela qualidade.
Ao Programa de Bolsa FUMDES, uma descoberta para uma gacha em relao ao
incentivo dado pelo governo do estado de Santa Catarina pesquisa e ps-graduao. Investir
na educao e em seu aprimoramento a certeza de que os melhores resultados sero
produzidos aqui, neste pedao de cho.
Aos meus queridos e fiis alunos, que me ensinam muito mais do que aprendem e me
permitem continuar acreditando que o direito muito mais do que uma compilao de leis ou
de regras, mas que o direito tem em si uma funo social em prol do ser humano e que esta
tarefa precisa ser repensada e relida nas salas de aula.
Aos meus queridos colegas de mestrado das linhas de pesquisa sociais e civis pelos
momentos partilhados e crescimento dividido, em especial, a Izabel, Daniela, Rafaella, Arno,
Jorge, Silvano, Roni e Jlia, que me permitiram descobrir que mesmo depois de velhos, a
amizade pode ser construda e mantida, como aquelas velhas conquistadas nos balanos da
infncia, nas classes escolares e na vizinhana, mas que os objetivos de vida afastaram e das
quais sentimos saudades.
Aos meus amigos, Alex e Vanessa, por terem durante todo o perodo do mestrado,
inclusive de construo deste trabalho, ficado de viglia, quando o Roberto estava longe e
principalmente por entenderem e no permitirem que a ausncia durante este perodo no
prejudicasse nossa amizade.
Aos professores, Matheus Felipe de Castro e Daniela Menengoti Gonalves Ribeiro,
durante a defesa do projeto de dissertao, e Cristhian Magnus de Marco e Janana
Reckziegel, durante a qualificao da dissertao, pelas sugestes e crticas, que foram
fundamentais para o amadurecimento e alinhamento deste trabalho.
A todos que de maneira direta ou indireta contriburam para a realizao de mais esta
etapa e que no foram aqui nominados, meu fraterno agradecimento.
As leis nunca disseram que os pobres tm que ter mocambo para viver, s diz que a terra tem proprietrio e que
ningum pode tomar de ningum... E eu sem ter onde morar. errado ter terra a aos montes e ns sem casa.
Pelo uma parte no sou contra os donos da imobiliria. Ningum quer ter o seu para ser invadido assim. Nem
sou contra as pessoas que tiveram a necessidade de fazer isso: ningum tendo do que viver ia se apossar de uma
coisa impossvel.
No vou dizer que ta certo invadir, mas a terra tava deserta... Se essa uma necessidade de quem no tem casa
prpria acho que a gente fez um direito.
No sei nada de leis. Sei do povo que no tem casa.
Suponho que o juiz esteja juridicamente certo, no entendo de lei, mas socialmente est errado.
(Entrevista feita por Joaquim A. Falco a ocupantes de terras alheias, 1984).
Nenhum conhecimento nos ajudar se perdermos a capacidade de nos comover com a desgraa de outro ser
humano, com o olhar amvel de outro ser humano, com o canto de um pssaro, com o verde de um jardim. Se o
homem se faz indiferente vida, no h nenhuma esperana de que possa fazer o bem.
(Erich Fromm, 1992)
RESUMO
A judicializao da posse como mecanismo de ampliao e efetivao de direitos
fundamentais fundamenta-se na valorizao da posse com funo social em detrimento de
uma propriedade que abandonou o contedo constitucional para qual se lhe atribui proteo
a funcionalidade em prol dos deveres de solidariedade, a propriedade privada em prol do bem
comum. Este trabalho foi desenvolvido a partir do projeto de pesquisa a Constitucionalizao
dos Direitos Fundamentais Civis, vinculado linha de pesquisa Direitos Fundamentais Civis,
do Curso de Mestrado em Direitos Fundamentais da UNOESC. Trata-se de Dissertao
realizada com apoio do mtodo dedutivo e metodologia exploratria, e que pretende
responder e discutir a seguinte questo: Pode o juiz, ao reconhecer a propriedade
imobiliria, judicializar a posse em prol de uma adequao constitucional, qual
seja, a de que a propriedade dever cumprir sua funo social em prol da ampliao
e efetivao de direitos subjetivos fundamentais? A complementar, objetiva verificar
a possibilidade da judicializao da posse como mecanismo de ampliao e
efetivao de direitos subjetivos fundamentais. Quanto aos procedimentos
empregados, o estudo se apoiou em levantamento e anlise de doutrina, em
especial, aos conceitos introduzidos por Ronald Dworkin e jurisprudncia dos
Tribunais Superiores e de Justia Brasileiros. Os principais resultados v erificados
indicam que as regras devem encontrar sua fundamentao nos princpios e a partir desta
conjuntura, que a efetivao e ampliao de direitos fundamentais civis deve ser
inerente atividade jurisdicional, em um autntico processo de judicializa o, sem
que isto represente discricionariedade ou parcialidade por parte do julgador, mas a
efetiva preocupao com a funo social do direito e com o verdadeiro Estado
Democrtico de Direito. As jurisprudncias colacionadas neste trabalho
representam significativamente a preocupao que as decises judiciais tm
arbitrado em prol dos direitos fundamentais consagradores da dignidade da pessoa
humana. Por derradeiro, as principais concluses desta dissertao so que a
judicializao da posse se reveste da mais autntica legitimidade e possibilidade de se
construir um direito possvel e que se quer, promovendo no campo do direito material e
privado, soluo constitucionalmente adequada ao caso, com respeito aos direitos e garantias
fundamentais, que no caso em tela reveste a posse de funo social mesmo que em detrimento
do direito de propriedade, pois funo social contedo, e quando este a propriedade faltar,
deslegitimado estar seu titular de opor direitos contra aquele que mesmo, sem ttulo, garantiu
que esta funo fosse cumprida, mesmo que no exerccio apenas da posse. Ou seja, o papel do
juiz est em adequar sua deciso ao texto constitucional, apresentando uma resposta correta
ao conflito posto sua disposio, fugindo do procedimentalismo que muitas vezes engessa o
sistema e sufraga os ideais de dignidade pelo que deve e caminha o Estado-juiz.
Palavraschave: Direitos fundamentais. Direitos Civis. Judicializao da posse.
Constitucionalizao dos direitos fundamentais civis. Direito de propriedade. Deciso
judicial.
ABSTRACT
The judicialization of possession as expansion mechanism and realization of fundamental
rights is based on the valuation of possession with social function instead of a property which
abandoned the constitutional content which gives you protection - the functionality in favor of
solidarity obligations, the private property in favor of the common good. This work has been
developed from the research project named the Constitutionalisation of Civil Fundamental
Rights, linked to the line of research Civil Fundamental Rights, from Master Degree in
Fundamental Rights from UNOESC. This Dissertation is performed with support of the
deductive method and exploratory methodology, and intends to answer and discuss the
question: "Can the judge, recognizing the real property, judicialize the possession in favor of a
constitutional adequacy, which is, that the property must fulfill its social function in favor of
the expansion and realization of fundamental legal rights? " In order to complement, there is
an objective to verify the possibility of judicialization of possession as expansion mechanism
and realization of fundamental legal rights. About the procedures used, the study relied on
collection and teaching analysis, specially, the concepts introduced by Ronald Dworkin and
jurisprudence of the Superior Courts and the Brazilian Courts. The main results indicate that
the rules must find its foundation in the principles and from this juncture, that the realization
and expansion of civil fundamental rights must be inherent in the judicial activity in an
authentic process of legalization, without representing discretion or partiality by the judge, but
the real concern with the social function of the right and the true Democratic State of Law.
The jurisprudence collated in this work significantly represent the concern that judicial
decisions have arbitrated in favor of fundamental rights of human dignity. By last, the main
conclusions of this work are that the judicialization of possession remains of the most
authentic legitimacy and possibility of building a possible law and whether, promoting in the
field of materials and private law constitutionally appropriate solution to the case, with
respect to rights and fundamental guarantees, which in the case in question covers the
possession of social function even at the expense of property rights, because social function is
content, and when the property is missing, delegitimized will be the holder of opposing rights
against the one that even without the title, has ensured that this function would be fulfilled,
even in the exercise only of possession. In other words, the judge's role is to adapt his
decision to the constitutional text, with a correct answer to the conflict placed at his disposal,
escaping the proceduralism that often paralyzes the system and suffrages the ideals of dignity
for what must the Judge-State walks through.
Keywords: Fundamental rights. Civil rights. Legalization of ownership. Constitutionalisation
of fundamental civil rights. Property right. Judicial decision.
A aprovao da presente dissertao no significar
o endosso da Professora Orientadora, da Banca
Examinadora e da Universidade do Oeste de Santa
Catarina ideologia que a fundamenta ou que nela
exposta.
SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................................17
1 A RECONSTRUO DO DIREITO COM BASE EM UM IDEAL DE
JUSTIA: O PERMEAR DOS PRINCPIOS ....................................................................21
1.1 DOS PRINCPIOS E DAS REGRAS: OS CONTRIBUTOS E AS CRTICAS DE
DWORKIN UMA QUESTO DE INTERPRETAO ..........................................21
1.2 A BASE TERICA E FILOSFICA DAS DECISES JUDICIAIS: UMA
DISCUSSO COM BASE EM DWORKIN ...............................................................26
1.3 TEORIA DA DECISO JUDICIAL: AS RESPOSTAS CORRETAS EM
DIREITO.......................................................................................................................31
1.3.1 A valorao dos princpios e as decises judiciais: um contributo a efetivao de
direitos fundamentais em um estado democrtico de direito .................................39
1.4 A RE (CONSTRUO) DO DIREITO FORMULADA COM BASE EM UM IDEAL
DE JUSTIA ................................................................................................................46
2 O DIREITO DE PROPRIEDADE E A POSSE NA TEORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS: A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO CIVIL
......................................................................................................................................55
2.1 A POSSE E A FUNO SOCIAL: PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS A
PREVALNCIA DA POSSE FUNCIONALIZADA EM DETRIMENTO DA
PROPRIEDADE DESFUNCIONALIZADA ..............................................................55
2.2 DA PROPRIEDADE A FUNO SOCIAL: A RECONSTRUO DE UM
CONCEITO COM BASE NA REFORMULAO DE SEU CONTEDO
PROPRIEDADE-FUNO E PROPRIEDADE DIREITO SUBJETIVO .................59
2.2.1 Estado do bem-estar social: do cdigo civil constituio federal de 1988 o
direito fundamental propriedade - uma mudana de eixo ..................................64
2.3 A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO CIVIL: O SURGIMENTO DE UMA
NOVA ORDEM JURDICA PRIVADA ....................................................................73
2.3.1 A constitucionalizao do direito civil e a ampliao de direitos subjetivos
fundamentais: uma anlise em torno do direito de propriedade e da funo social
.......................................................................................................................................79
3 O DIREITO DE PROPRIEDADE E A JUDICIALIZAO DA POSSE AS
RESPOSTAS CORRETAS EM DIREITO: A INTERPRETAO
JURISPRUDENCIAL NA REALIZAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
.......................................................................................................................................91
3.1 A PROPRIEDADE COMO GARANTIA DE LIBERDADE E OS DEVERES DE
SOLIDARIEDADE SOCIAL: A REALIZAO DE UM ESTADO SOCIAL E
DEMOCRTIO DE DIREITO COM BASE NA EFETIVAO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS ......................................................................................................92
3.2 O DIREITO DE LIBERDADE INDIVIDUAL: A AUTONOMIA PRIVADA COMO
DIREITO FUNDAMENTAL E O IDEAL DE SOLIDARIEDADE ...........................93
3.3 O DIREITO DE PROPRIEDADE E O DIREITO DE LIBERDADE INDIVIDUAL: A
MITIGAO DA AUTONOMIA PRIVADA EM PROL DOS DEVERES DE
SOLIDARIEDADE SOCIAL ......................................................................................98
3.4 A JUDICIALIZAO DA POSSE: CAMINHO INTERPOSTO PARA A
REALIZAO E AMPLIAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................108
3.4.1 O direito social moradia .......................................................................................113
3.4.2 O direito dignidade - a implementao de condies dignas de vida: uma
questo de poder viver .........................................................................................118
3.4.3 A judicializao da posse: a posse funcionalizada como exceo ao direito
material na concretude de direitos fundamentais .................................................120
CONSIDERAES FINAIS ..............................................................................................128
REFERNCIAS ...................................................................................................................133
INTRODUO
Devemos nos esforar ao mximo, dentro dos limites da interpretao, para que a lei fundamental do nosso pas
seja compatvel com nosso senso de justia no porque o direito deva s vezes curvar-se perante a moral, mas
porque exatamente isso que o prprio direito exige, quando bem compreendido.
(Ronald Dworkin, 2014).
O tema desta dissertao a judicializao1 da posse como mecanismo de ampliao
e efetivao de direitos subjetivos fundamentais, calcado na valorizao da posse com
funo social em detrimento de uma propriedade que abandonou o contedo constitucional
para qual se lhe atribui proteo a funcionalidade em prol dos deveres de solidariedade. A
propriedade privada em prol do bem comum.
O trabalho encontra-se estruturado em trs captulos. No primeiro, abordar-se- a
reconstruo do direito com base em um ideal de justia, tendo por escoro a teoria das
respostas corretas de Dworkin e a valorao dos princpios. Assim sendo, procura-se lanar,
com base nas respostas corretas de Dworkin, ratificadas por demais autores e filsofos, a ideia
de que a teoria da deciso judicial comporta uma anlise por meio dos princpios
constitucionalmente lanados em busca de um ideal de justia que de modo algum
descaracterize a imparcialidade do julgador, ou d a ele o poder de discricionariedade e
subjetividade na hora de decidir.
Objetiva tal captulo investigar em seus aspectos ontolgico, dogmtico,
dialtico, social e jurdico a formao do conceito de direito, de justia, princpios
e regras bem como o poder de deciso que envolve a atividade jurisdicional
prestada pelos juzes de direito na concretude desses conceitos.
Isso porque, ao falar-se em direitos fundamentais, h que se destacar a sua vinculao
ao Poder Judicirio, que deve fiscalizar2, quando provocado, os demais poderes quanto
1 Entenda-se e utiliza-se, neste trabalho, a expresso judicializao como sendo a possibilidade do julgador,
mesmo diante de um ttulo registral de propriedade, decidir em prol da posse com funo social, com base no
contedo constitucional, dado quela (a propriedade deve atender funo social) em detrimento do proprietrio,
que mesmo com ttulo, quedou-se em seu cumprimento, em prol da ampliao e efetivao de direitos
fundamentais. A complementar tal direcionamento, conforme Luiz (2013), na medida em que o Estado no
cumpre os direitos fundamentais que lhe so delegados, a jurisdio aparece como mecanismo possvel. E passa
a atuar de forma distinta na transio de um Estado Liberal para um Estado Democrtico de Direito, eis que no
primeiro, o papel da legislao dominante, enquanto no segundo, a Constituio passa a representar a
possibilidade de alterao das injustias sociais. Por isso o grande destaque judicializao. A falta de
instrumentos de implementao de direitos fundamentais leva a sua concretude, s vias da jurisdio, tornando-
se difcil afastar o direito de sua judicializao. 2 Entenda-se por fiscalizar a tarefa que o Judicirio tem de, por meio de suas decises, promover a realizao de
direitos fundamentais.
aplicao dos direitos fundamentais e ao mesmo tempo, zelar a fim de que suas decises
tenham contedo que respeite esses direitos.
Contudo, a ordem constitucional jurdica vigente no se garante apenas pela harmonia
dos poderes, mas justamente pelo contexto controverso que envolve sua interpretao e
eficcia. Nessa senda, a prpria Constituio determina, no sugestiona, ao Supremo Tribunal
Federal que atue como guardio dos direitos fundamentais a funo de controle de
constitucionalidade, a funo de intrprete com efeito vinculativo e a funo normativa.
Nesse aparato e com base na necessidade de que as decises judiciais atuem na
concretude e efetivao de direitos fundamentais, o que significa, de forma muito simples,
dar, em seus comandos, interpretao adequada Constituio, que se optou pelo tema
alhures destacado, entendendo-se que h respostas corretas em direito nas decises judiciais
sempre que essas comportarem ou intervirem na efetivao de direitos fundamentais.
Procura o captulo em tela trazer tona questes, como a valorao dos princpios nas
decises judiciais para a concretude de direitos fundamentais, abordando-se a teoria em
direito de Dworkin, com base nas respostas corretas e, por fim, em um segundo momento,
mas definidor para o deslinde em questo, a insero e adequao das respostas corretas em
direito de Dworkin na interpretao do ordenamento jurdico brasileiro e formao das
decises judiciais interferentes ao bem ou ao mal na efetivao e guarida dos direitos
fundamentais.
Nessa toada, ao que refere o enredo terico, optou-se, diante do objetivo e problema
traados, pela teoria das respostas corretas de Dworkin, no intuito de promover o encontro da
atuao dos juzes na promoo de direitos fundamentais, negando-lhes a possibilidade
discricionria de decidir. Algo que tanto vigorou e vigora nos modelos jurdicos positivistas,
ou seja, a possibilidade quase que incrdula de afastar das decises judiciais os objetivismos e
subjetivismos presentes e atuantes no ato de julgar a ideia de que a resposta correta a
desejada pela conscincia do julgador , caso no haja fundamentao, a pensada pela lei, por
meio de normas ou smulas, embora outros tericos que retratem o tema existam e
possam contribuir tanto quanto para uma prtica hermenutica mais constitucional e
de certo modo, mais justa. Isso porque se pretende, com base na interpretao,
encontrar respostas corretas em direito, o que obriga situar -se a obra de Dworkin,
essencialmente quanto viabilidade de seus argumentos num sistema jurdico de
civil law, pois com base nos princpios que se pode caminhar em direo a uma
resposta correta, nesse caso, adequada, constitucionalmente.
Permitir que regras jurdicas prevaleam sobre os princpios desvincular o conceito
de justia lei e ao direito. permitir, sem qualquer receio, que os dogmas positivistas
sobrevivam como verdades absolutas por toda a histria e evoluo jurdica, acima e antes de
tudo, ignorar ao ser humano as garantias e deveres de um sistema que deve albergar o ideal de
justia em prol dos seus.
Para tanto, vislumbra-se analisar tambm a formao do conceito de direito com base
em um ideal de justia, bem como o poder de deciso que envolve a atividade jurisdicional
prestada pelos juzes de direito na concretude e efetivao de direitos fundamentais. Pretende-
se ainda a valorao dos princpios como caminho uniformizador de decises que deve seguir
o mesmo prumo, sem, contudo, caracterizar a discricionariedade ou o livre arbtrio por parte
dos magistrados, provocando insegurana jurdica na efetivao de direitos fundamentais aos
seres humanos.
J o segundo captulo objetiva analisar a formao ontolgica, dogmtica e
jurdico-histrica do instituto da propriedade e da posse, bem como a funo social
da propriedade e da posse na teoria dos direitos fundamentais , adentrando no
processo de constitucionalizao do Direito Civil, em especial do direito de propriedade, que
influi na efetivao de direitos fundamentais. Ampara-se tal fundamentao terica em
ensaios bibliogrficos e julgados destacados, com o fito de compreender e responder, com
clareza concreta, problemtica que ampara tal objetivo: at que ponto a
constitucionalizao do Direito Civil, em especial do instituto jurdico da propriedade, pode
interferir na efetivao de direitos fundamentais?
O referido captulo, assim, procura reconhecer a importncia da constitucionalizao
do Direito Civil na regulamentao e aplicao das normas constitucionais no que tange
propriedade e sua funo social, vista esta ltima no como um limite constitucional
liberdade do proprietrio, mas como contedo de uma propriedade relativizada em prol de
direitos e deveres de solidariedade social, destacando-se nas jurisprudncias colhidas, o
direito de propriedade, a posse e o princpio da funo social, desenhando a transio da
propriedade absoluta propriedade com funo social.
E por fim, o terceiro e ltimo captulo permeia-se pelo objetivo de verificar a
possibilidade da judicializao da posse em conflito com o direito de propriedade,
com base em uma anlise jurisprudencial e principiolgica (propriedade com
funo social) em prol da ampliao e efetivao dos direitos subjetivos
fundamentais.
Utiliza-se como metodologia de pesquisa a exploratria; como mtodo, o dedutivo
para a resoluo dos objetivos e problema propostos, sem qualquer inteno de esgotar o
assunto, mas, sim de promover respostas, mesmo que iniciais, de forma satisfatria
promoo sequencial de novos pensamentos e contextos que procurem dar e promover ao
direito sua real funo a promoo da dignidade da pessoa humana.
Dessa feita, o que se procura responder e discutir a partir do exposto, se Pode o
juiz, ao reconhecer a propriedade imobiliria, judicializar a posse em prol de uma
adequao constitucional, qual seja, a de que a propriedade dever cumprir sua
funo social em prol da ampliao e efetivao de direitos subjetivos
fundamentais? A complementar, objetiva verificar a possibilidade da judicializao
da posse como mecanismo de ampliao e efetivao de direitos subjetivos
fundamentais.
1 A RECONSTRUO DO DIREITO COM BASE EM UM IDEAL DE JUSTIA: O
PERMEAR DOS PRINCPIOS
Permitir que regras jurdicas prevaleam sobre os princpios desvincular o conceito
de justia lei e ao direito. permitir, sem qualquer receio, que os dogmas positivistas
sobrevivam como verdades absolutas por toda a histria e evoluo jurdica, e acima e antes
de tudo, negando ao ser humano as garantias e deveres de um sistema que deve albergar o
ideal de justia em prol dos seus. nesse sentido e com esse afinco que se pretende lanar,
no presente captulo, uma discusso em torno de conceitos pontuais como o de regras,
princpios e justia que permeiam as decises judiciais e contribuem incisivamente no campo
da interpretao efetivao ou no de direitos fundamentais.
Para tanto, o presente captulo tem por objetivo analisar a formao do conceito de
direito com base em um ideal de justia bem como o poder de deciso que envolve a atividade
jurisdicional prestada pelos juzes de direito na concretude e efetivao de direitos
fundamentais. Pretende-se ainda a valorao dos princpios como caminho uniformizador de
decises que deve seguir o mesmo prumo, sem, contudo, caracterizar a discricionariedade ou
o livre arbtrio por parte dos magistrados, provocando insegurana jurdica na efetivao de
direitos fundamentais aos seres humanos.
O marco terico central, nesta fase, so os conceitos trazidos por Dworkin e
as discusses que envolvem suas premissas, embora outros tericos que retratem o
tema existam e possam contribuir tanto quanto para uma prtica hermenutica mais
constitucional e de certo modo, mais justa. Isto porque se pretende, com base na
interpretao, encontrar respostas corretas em direito, o que obriga a situar a obra
de Dworkin, essencialmente, quanto viabilidade de seus argumentos em um
sistema jurdico de civil law, pois com base nos princpios que se pode caminhar
em direo a uma resposta correta, neste caso, adequada, constitucionalmente.
1.1. DOS PRINCPIOS E DAS REGRAS: OS CONTRIBUTOS E AS CRTICAS DE
DWORKIN UMA QUESTO DE INTERPRETAO
A teoria do direito de Dworkin sustenta que argumentos jurdicos adequados repousam na melhor interpretao moral possvel das prticas em vigor em uma determinada comunidade. A essa teoria da argumentao jurdica
agrega-se uma teoria da justia, segundo a qual todos os juzos a respeito de direitos e polticas pblicas devem
basear-se na ideia de que todos os membros de uma comunidade so iguais enquanto seres humanos,
independentemente das suas condies sociais e econmicas, ou de suas crenas e estilos de vida, e devem ser
tratados, em todos os aspectos relevantes para seu desenvolvimento humano, com igual considerao e respeito
(DWORKIN, 2011).
luz do que dispe Dworkin, o modelo positivista um modelo de e para um sistema
de regras. Dessa forma, tal performance delinearia o conceito de princpios como sendo um
conjunto de padres que no so regras, todavia um padro que deve ser observado, no pelas
modificaes desejveis em mbito social, poltico ou econmico que possam causar, mas,
acima de tudo, por ser uma exigncia de justia ou equidade (DWORKIN, 2011).
Por tal motivo, as regras podem ser tidas como comandos de tudo ou nada, ou seja,
ou so vlidas, devendo ser aplicadas; ou invlidas, diferenciando-se dos princpios apenas
quanto natureza da orientao que oferecem, visto que tanto regras quanto princpios se
aproximam, ao preencherem um conjunto de padres que levam a uma deciso particular
acerca de uma obrigao jurdica resultante de situaes especficas (DWORKIN, 2011).
Nessa perspectiva e considerando a discusso que envolve a aplicao de regras
espcie de modelo normativo, aplicado dentro do sistema jurdico brasileiro, sob uma tica
ainda positivista, como nica forma de oferta de segurana jurdica aos seus destinatrios,
resultado de uma discreta, mas eterna subsuno, destaca-se a interpretao funcional, cujos
princpios, segundo Dworkin (2011, p. 45), so:
Palavras como razovel, negligente, injusto e significativo desempenham
frequentemente essa funo. Quando uma regra inclui um desses termos, isso faz
com que sua aplicao dependa, at certo ponto, de princpios e polticas que
extrapolam a (prpria) regra. A utilizao desses termos faz com que essa regra se
assemelhe mais a um princpio.
Entretanto, h que se destacar que no qualquer princpio que pode ser invocado para
justificar a mudana ou no aplicao de uma regra, da a necessidade de que cada princpio
tenha peso e importncia distinta, o que no pode, sobremaneira, ficar vinculado s
preferncias do julgador. Caso contrrio, nenhuma regra poderia ser tida como obrigatria,
nesse caso, estar-se-ia diante de possveis julgados considerados, de certo modo, como
reinterpretaes radicais (DWORKIN, 2011).
Nesse norte, denotar ao intrprete a subjetividade de decidir, podendo fazer ele o que
quiser, destoa do carter criativo e construtivo da interpretao, o que, de modo algum,
significa imposio de sentido (DWORKIN, 1999). De tal modo que o sujeito solipsista3,
que constri o mundo subjetivamente pelo pensamento, incompatvel com a tradio e se
3 O solipsismo ocorre pelo fato de relegar a deciso conscincia ou convico pessoal do julgador (LUIZ,
2013, p. 54).
torna um obstculo ao repensar da tradio como forma de emancipao (LUIZ, 2013, p.
119). Isso porque a pr-compreenso no depende da vontade do intrprete, mas da autoridade
da tradio, logo, as pr-compreenses do intrprete no esto na sua conscincia
(DWORKIN, 1999).
Assim, a compreenso no pode ser pensada como o resultado da ao da
subjetividade do homem, mas como um situar dele com uma tradio, na qual passado,
presente e futuro esto sempre em processo de fuso (LUIZ, 2013, p. 121). Qualquer ato
contrrio feriria o direito democrtico conquistado historicamente.
Ao contrrio, para Hart4 (1994), a maioria das regras vlida, sopesando o fato de que
alguma instituio competente as promulgou, ou o poder legislativo, na forma de lei, ou os
juzes para decidir casos especficos5. Contudo, quando se trata de casos difceis
6, nem mesmo
Hart consegue fugir de uma teoria de poder discricionrio, que nada diz e a lugar nenhum
leva, pois a representao do direito como um conjunto de regras no capaz de construir um
modelo mais fiel complexidade e sofisticao de nossas prprias prticas (DWORKIN,
2011, p. 72).
Por isso, para Dworkin, o direito deixa de ser um conjunto de regras, para ser
delineado pela prtica social de decises judiciais mantidas e valoradas pelo ideal de
integridade. Em outros termos, o positivismo jurdico tradicional simplifica o direito,
considerando-o apenas um conjunto de regras vlidas ou invlidas, todavia o direito no pode
ser operado apenas dessa forma, pois h situaes diferentes das regras, tais como os
princpios (SGARBI, 2009).
Isso quer dizer que no o sujeito em si que formar um princpio, o qual, por sua
reiterada aplicao, passar a influir na prtica social. Ao contrrio, os princpios j esto
enraizados na unidade comum, na tradio, o que delinear as prticas do sujeito (LUIZ,
2013). Nessa senda, se as regras pela indefinio semntica ou lacunas davam ao
julgador vrias opes e interpretao, os princpios, como resgate do mundo prtico que
4 Hart um neopositivista para o qual ou as regras se aplicam ao caso ou no se aplicam, uma viso dualista
amplamente criticada por Dworkin, principalmente diante dos hard cases (casos difceis). 5 Sob este aspecto, discorda Dworkin, pois a origem dos princpios no se encontra nas decises particulares de
um poder legislativo ou tribunal, todavia na avaliao e compreenso do que apropriado. Desta forma, a
distino entre aceitao e validade trazida por Hart no se sustenta, porque tal distino traz a ideia de tudo ou
nada (pertinente as regras) o que no considerado compatvel quando o tema for princpio, em resposta a
dimenso de peso que possui, pois, para Dworkin, Hart ignora a importncia dos princpios como fontes do
direito (DWORKIN, 2011). 6 Casos em que os parmetros normativos vigentes (Constituio, lei, precedentes) no apresentariam, de forma
inequvoca, a resposta a ser dada pelo Direito.
aponta em que direo seguir conforme as prticas sociais, fechar esta possibilidade
(LUIZ, 2013, p. 168).
Gadamer (2008) bem expressa essa ideia ao delinear que a interpretao do texto legal
no pode ocorrer no vcuo e que a tradio, j como erigido por Dworkin, condio
necessria do processo interpretativo, em outras palavras, a faticidade o local da
interpretao.
Nesse enredo, a faticidade da existncia ocorre em meio tradio, e a resposta
jurdica sempre depender do caso concreto que a exija, at porque as respostas no podem se
adiantar as perguntas, afirmando-se, ento, que a interpretao sempre ocorrer diante de uma
situao concreta (LUIZ, 2013). Estando equivocada a assertiva de que o juiz primeiro decide
e depois busca fundamentos para o seu decidir, pois ele somente decide, nas palavras de Lnio
Streck, porque j encontrou o fundamento (LUIZ, 2013).
Diante disso, no h como afastar a ideia de ser o direito composto por um conjunto de
regras jurdicas e de princpios morais, que expressam sentimentos e consideraes de justia
e equidade, ou seja, pelos princpios, no h como se estabelecer uma soluo nica aos
conflitos a que se aplicam, eis que no possuem a mesma operacionalidade lgica das regras
(SGARBI, 2009).
De mais a mais, retrata Sgarbi (2009, p. 152) que:
[...] os princpios se caracterizam pela dimenso de peso ou de importncia, no
determinando um resultado em especfico, pois eles so razes que guiam e
devem se considerados quando as decises jurdicas so tomadas, mesmo que, para
tanto, devam ser submetidos a um balanceamento frente a outros princpios que
concorrem como razes textuais para o caso.
Por isso, Dworkin discorda, criticando o modelo de regras adotado pelo positivismo, j
que, na sua acepo, possibilita aos juzes, diante da ausncia de regra aos fatos,
empreenderem decises que instituem direitos, como se fossem legisladores. Ao contrrio do
modelo de regras e de princpios, que permitiria ao julgador encontrar sadas jurdicas para
casos insolveis pelas regras, como justificar, em certos momentos, a relativizao das regras,
quando a exigncia de um princpio se fizer necessria. E tudo isso somente se torna possvel
para a teoria dworkiana por no considerar o direito apenas como um conjunto de regras, mas
um conjunto formado por dois tipos de normas, quais sejam, as regras e os princpios.
O direito, para Dworkin uma prtica social7 de caracterstica argumentativa, eis
que considerar o direito como resultado apenas de uma atividade legislativa manter uma
viso incompleta de seu real e necessrio conceito.
E, a partir da importncia dada aos princpios nas decises judiciais, Dworkin destaca
a situao dos casos difceis, os quais ele descreve como aqueles que no podem ser
resultado de uma simples subsuno regra ou de sua disponibilidade, dadas as
peculiaridades que envolvem o fato.
Isso porque, quando duas regras conflitam, uma delas ser considerada invlida, e
somente a outra poder servir de soluo para o caso, ao contrrio do que traduz a ideia de
princpios, que, quando colidentes, podero ser simultaneamente vlidos, pois no atuam
como excees, tampouco, procuram estabelecer condies que tornem sua aplicao
necessria, mas antes de tudo, conduzem a certa direo, no necessitando de uma deciso em
particular (NEVES, 2013)8.
Assim, com fulcro em Dworkin, nos casos de lacunas, vagueza da lei, de conceitos
indeterminados, de conflitos de normas, quando constitucionais os hard cases, ausncia de
regras, no se solucionam com base na discricionariedade judicial, mas, sim, nos princpios
elencados e auferidos pelo texto constitucional (PIOVESAN; VIEIRA, 2003)9.
De tal sorte, no sistema jurdico brasileiro, a extenso constitucional que se tem
permite, sem riscos, que o juiz encontre, dentro do prprio sistema constitucional, os
argumentos necessrios para encontrar a resposta correta em direito, sem, contudo, ampliar o
espao dado ao julgador como pretendem conceber os positivistas, pois em um sistema em
que as respostas corretas so aquelas constitucionalmente adequadas10
, decidir por princpios
7 Segundo Dworkin, afirmar que o direito uma prtica social implica 1) manter ateno atividade
desenvolvida por certos agentes, tais como os advogados, os legisladores, os juzes, ou, mesmo, os cidados
comuns; isso, com maior prioridade do que a simples individualizao do objeto interpretado, isto , decretos,
leis ou sentenas. Porque, embora possam auxiliar na inteligibilidade da atividade, eles pouco auxiliam na
individualizao do que seja o direito. Ademais, sendo uma prtica, como prtica 2) supe fins ou objetivos a
serem alcanados, alm de 3) um sentido na prtica (SGARBI, 2009, p. 174). 8 Marcelo Neves refere constituir uma iluso principiolgica a tese de Dworkin segundo a qual os princpios
servem para cobrir o espao de discricionariedade, que, no modelo positivista de regras, o juiz disporia para
decidir (2013, p. 56). 9 De acordo com Dworkin, quando diante de uma controvrsia desse tipo, o juiz estaria ao invs de livre
para decidir a contenda obrigado a argumentar com princpios, ou seja, com argumentos de natureza moral
que favorecessem os direitos em disputa. Notem: ao invs de liberdade, de discricionariedade
judicial, princpios. Essa seria a responsabilidade poltica do juiz: procurar, nos princpios que compem o
Direito como um todo, a melhor soluo para o caso (MOTTA, 2013). 10
Para Streck (2011, p. 378), medida que estamos de acordo que a Constituio possui caractersticas
especiais oriundas de um profundo cmbio paradigmtico, o papel da hermenutica passa a ser,
fundamentalmente, o de preservar a fora normativa da Constituio e o grau de autonomia do direito diante das
tentativas usurpadoras provenientes do processo poltico (compreendido lato sensu). Nesse contexto, a grande
engenharia a ser feita , de um lado, preservar a fora normativa da Constituio e, de outro, no colocar a
poltica a reboque do direito.
no amplia nem revela qualquer hiptese de discricionariedade11
, todavia, fecha e limita a
atividade jurisdicional e a interpretao decorrente. Nesse contexto, necessrio olvidar-se de
que o direito constitui-se apenas de um conjunto de regras, pois, acima dessas, esto os
princpios (FACCINI NETO, 2011).
E continua o autor a referir que:
Com o advento do constitucionalismo, frise-se, no h mais como se conceber o
Direito como um sistema de regras. A Constituio o elo conteudstico que liga a
poltica e a moral ao Direito e, ademais, o Direito aqui deixa de ser mero regulador,
para preponderar transformao da realidade, em vista dos compromissos
estabelecidos pela Constituio. (FACCINI NETO, 2011, p. 83).
Assim, cabe ao Judicirio a guarda da Constituio e a maneira como desenvolve essa
tarefa reflete no princpio democrtico e na separao dos poderes, por isso, deve atuar com
respeito e seriedade, pois no se desacredita que a atualizao da Constituio por meio de
decises judiciais seja essencial, mas tambm no se desacredita na necessidade de se
encontrar um modo compatvel com o regime democrtico para realizar essa tarefa (DIAS,
2012). Tomando-se como aporte o conceito de direito trazido por Dworkin, poder-se-ia dizer
que esse modo compatvel estaria representado na supremacia dos princpios, que seriam
capazes de fazer o juiz responsvel por sua deciso superar sua suposta falta de legitimidade
democrtica (DWORKIN, 2011).
Isso porque levar os direitos a srio, conforme o autor, no perder de vista que os
direitos individuais so preexistentes e que a tarefa judicial a de realizar esse direito
(SGARBI, 2009, p. 168). Apresenta, nesse contexto, a presena mnima de duas referncias: a
dignidade da pessoa humana e a igualdade poltica.
1.2. A BASE TERICA E FILOSFICA DAS DECISES JUDICIAIS: UMA DISCUSSO
COM BASE EM DWORKIN
No decorrer dos conceitos e princpios abalizadores do direito, surge a necessidade de
fundamentar as decises judiciais ao nvel de respostas corretas. Contudo, a resposta correta
depende necessariamente do contexto ao qual se insere o fato, do destinatrio da norma, e
11
Alguns talvez se pense que a distino entre agir discricionariamente e interpretar corretamente o Direito no
tem consequncia prtica; ou melhor, que dificilmente se saber, pelos fundamentos de uma deciso judicial,
quando o juiz agiu de uma forma ou de outra. De fato, isso no algo simples de se fazer. Mas pense-se nisso
(no dever de fornecer a resposta correta), como uma obrigao de meio, e no de resultado. importante, para o
carter democrtico de uma comunidade poltica, que o juiz saiba que no est autorizado a decidir
discricionariamente o que, diga-se, nada tem a ver com independncia judicial (MOTTA, 2013).
essencialmente da funo constitucional a que a norma se destina na realizao de direitos
fundamentais. No pode a deciso, em hiptese alguma, em casos similares, ser diferente em
seus efeitos, se os princpios que a homenageiam so os mesmos. A mudana de julgador no
permite diferentes decises. Deve promover a melhor e mais correta deciso, e essa,
inevitavelmente, dentro de sua isonomia, deve ser a mesma para todos.
Nesse pice, o Estado Democrtico de Direito permeia os juzes de possibilidades
decisrias justas, o que no significa discricionariedade, ou qualquer risco ordem jurdica
instaurada, contudo a vinculao a princpios mais altos, a vinculao a um direito mais justo,
a vinculao, acima de tudo, a uma ordem jurdica vigente em prol do ser humano, de sua
dignidade. Significa tambm o abandono de normas prontas, inadequadas a sua poca, a
desero de um positivismo exacerbado, sem qualquer finalidade social ou humanstica. O
direito foi criado no intuito de organizar a vida social e os comportamentos humanos, no foi
concebido para ofender ou restringir em sua extrema legalidade a dignidade da pessoa
humana, com base na convico quase que absoluta de permear em si um conjunto de
regras que se aplicam ou no se aplicam somente.
Assim, outorgar aos juzes a possibilidade de um ideal de justia no consiste em
autoriz-los a decidir como entenderem melhor, mas sim permitir que sabiamente
abandonem os catlogos positivistas de seu tempo universitrio, a fim de adentrar na
sensibilidade geral de justia, limitada, sem risco algum, pela ordem constitucional posta.
Ao caracterizar cientificamente o direito, o positivismo o apresenta como um conjunto
de regras que estabelece comportamentos previamente amparados por uma estrutura
normativa, a qual, supostamente, daria sentido jurdico s aes sociais. Todavia, tal
pensamento, bem como o direito e o ato decidir, passa a ser questionado por alguns filsofos
como Dworkin, ao apresentar um discurso crtico ao padro dominante na busca de superar
teorias conservadoras do saber jurdico institudo.
Por conseguinte, Dworkin vem com as teses dos direitos e da resposta correta,
estabelecendo a preponderncia dos princpios sobre as regras positivadas, ao levar
principalmente em considerao o fato de essas comporem um conjunto exaustivo, de tal
modo que, se um caso no possuir uma regra, no poder ser decidido pelo direito,
deliberando-se, assim, o poder discricionrio dos juzes, com base em seu discernimento,
criando nova regra jurdica ou complementando uma j pr-existente (MELEU, 2013).
Sustenta ainda que os juzes no decidem somente por regras, eis que o direito no
compreende apenas regras, mas tambm princpios. Alm de que, ao decidirem, os juzes
tambm lanariam mo de outros aspectos, pois, para o filsofo, o direito composto no
apenas de regras vlidas ou no, sobretudo, por princpios (MELEU, 2013).
Dessa forma, caso o juiz se encontre diante de um caso difcil, o qual o direito
positivo no conseguisse resolver, tanto os positivistas quanto os antipositivistas auferem ao
julgador a necessidade de decidir. Contudo, ao que tange aos positivistas, essa deciso estaria
vinculada a um poder discricionrio, enquanto, para os antipositivistas, seria necessrio criar-
se um novo modo de decidir (DWORKIN, 2010).
Nesse encalo, Dworkin alberga uma reviravolta interpretativa, partindo da
compreenso do direito como um conceito interpretativo da prtica jurdica, no qual sempre
haver uma resposta certa, e as decises judiciais, nesse nterim, deveriam ser baseadas nos
princpios, j que os direitos individuais precedem os coletivos (MELEU, 2013). Ademais, a
partir da integridade (forma pela qual Dworkin define o direito) como princpio adjudicativo,
que o juiz encontrar as respostas corretas, prestando legitimamente jurisdio (LUIZ,
2013).
No mais, Dworkin, de modo explicativo, compara o direito literatura. Argumenta
que, se vrios autores compuserem a sua elaborao, cada um dever retomar de onde o autor
anterior parou, a fim de que se mantenha a coerncia, no havendo espao algum a fim de
que os autores interpretem a histria, cada qual a seu modo. Assim, deve o juiz, em suas
decises, ler a histria toda. Ou seja, entender a histria institucional do direito, pois as
decises judiciais devem ser dadas de acordo com a sua histria jurdica (DWORKIN, 2005).
Ele complementa, referindo que:
[...] O senso de qualquer juiz acerca da finalidade ou funo do Direito, do qual
depender cada aspecto de sua abordagem da interpretao, incluir ou implicar
alguma concepo da integridade e coerncia do Direito como instituio, e essa
concepo ir tutelar e limitar sua teoria operacional de ajuste isto , suas
convices sobre em que medida uma interpretao deve ajustar-se ao Direito
anterior, sobre qual delas, e de que maneira [...] (DWORKIN, 2005, p. 241).
No admite, ento, a possibilidade de os juzes decidirem de forma discricionria, pois
at mesmo nos casos difceis, eles estariam vinculados a julgar com padres prvios de
conduta, considerados como princpios jurdicos, que serviriam para fundamentar e justificar a
deciso, levando o magistrado a proferir a resposta correta, no caso, a que lhe compete
decidir. Cabe salientar que tais princpios podero ser decisivos nas decises, pois somente
eles possuem a dimenso de peso ou importncia, isso porque um bom juiz prefere a justia
lei, aplica os princpios e os valores constitucionais, atuando de forma determinante na
efetividade da prestao jurisdicional, garantindo aos cidados suas prerrogativas
constitucionais (MELEU, 2013).
Pode-se dizer, ento, que a funo do juiz retroceder ao passado, ter a viso do
todo antes de decidir, recompor o direito como prtica social, no como um conjunto de
casos distintos e apartados, e para isso, deve o juiz, em suas decises judiciais, fundamentadas
em princpios, ajustar-se a essa prtica. Ao viver em uma comunidade de princpios, a
jurisdio deve, como papel vetor, dar-lhe efetividade, o que, na ordem jurdica, aparece
juridicizado com base nos direitos fundamentais (LUIZ, 2013).
Nesse contexto, a teoria do direito de Dworkin visa a, antes de qualquer coisa, afastar
qualquer possibilidade de discricionariedade nas decises judiciais, isso porque os juzes que
aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difceis tentando encontrar, em
algum conjunto coerente de princpios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor
interpretao [...] (DWORKIN, 1999, p. 305).
Para Dworkin (2005, p. 240), as decises jurdicas apenas seriam verdadeiras se
advindas de princpios de justia, de equidade e do devido processo legal, sob pena de
carncia de integridade. Estabelece, ainda, que o dever do juiz interpretar a histria
jurdica que encontra, no inventar uma histria melhor.
Por conseguinte, a separao do direito e da moral na prtica dos Tribunais no uma
tarefa to fcil e simples quanto possa parecer ao positivismo jurdico. Ter respostas corretas,
em direito, est alm de aplicar ou no uma regra, alm do carter normativo traado pelos
positivistas, est, acima e antes de tudo, na base dos princpios.
O direito est muito alm de um conjunto de regras. Antes das regras, h princpios
que devem ser identificados e utilizados por sua fora argumentativa. Isso porque, enquanto
as regras se aplicam ou no se aplicam, os princpios aludem a razes, fundamentos,
argumentos para decidir. Os princpios esto muito mais atrelados ao conceito de justia que
ao prprio conceito de direito.
Por isso, na viso de Dworkin, a literalidade da norma pode ser desatendida pelo
julgador sempre que violar um princpio que, no caso concreto, seja mais importante. , nesse
contexto, que se poderia abarcar a responsabilidade do julgador na efetivao de direitos
fundamentais. A possibilidade do julgador, nas situaes fticas que lhe so postas, de decidir
com base nos princpios, e no necessariamente ou literalmente, em uma viso positivista,
renegar um direito de grau muito superior, pelo peso de sua normatividade, mas no de sua
valorao social e humana.
Alguns crticos da concepo Dworkiana poderiam dizer que, se assim fosse feito, ao
julgador permitir-se-iam os poderes da discricionariedade. Contudo, nos princpios est a
prpria limitao do ato de julgar, de decidir. Quando esses princpios conduzem a
interpretao do direito, com base em um ideal de justia, nesse ponto que residem as
normas de sua real funo social.
Os princpios, muito pelo contrrio, no significam ou induzem s respostas jurdicas
variveis, abrindo passo discricionariedade judicial, contudo encerram a interpretao ao
invs de ampli-la (FACCINI NETO, 2011).
Nesse contexto, Faccini Neto (2011, p. 168) alude que:
[...] quando se diz que o juiz h de decidir a partir de argumentos de princpio, no
se os pode conceber como entes dados previamente, de forma a serem alcanados
por um esforo intelectual individual dos julgadores. Ao contrrio, o manejo dos
princpios aponta, efetivamente, na direo dos limites que se h de impor ao ato de
aplicao judicial, de modo a afastar dessa mesma aplicao as convices polticas,
morais e pessoais de quem decide, razo por que os princpios se vo afirmando e
modificando ao longo do tempo e dependem de interpretaes da prtica jurdica
como um todo.
Ademais, depender da discricionariedade desacreditar no prprio direito, em sua
autonomia, e na Constituio, na sua fora normativa, jogando-se fora importantes conquistas
da humanidade. Portanto, uma postura de desesperana e desiluso, de quem entregou os
pontos e assenta que no h mais nada a fazer (LUIZ, 2013, p. 173).
Na acepo de Dworkin, a ideia de separar o direito da moral no to simples assim,
como relutam em provar pela normatizao o elenco de positivistas, eis que na aplicao dos
princpios, melhor dizendo, na formao dos princpios pela argumentao jurdica do
julgador tambm est presente, de forma muito decisiva, sua argumentao moral, que
promove de forma muito mais efetiva a resoluo do que Dworkin resolveu denominar de
casos difceis.
Assim, diante de um ideal positivista, quando no houver regras ou respostas ao caso
concreto, estaria o juiz autorizado a resolv-lo por meio de sua discricionariedade. Todavia,
ao prever isso, at mesmo os positivistas ratificam que o direito no pode, nem conseguiria
prever resposta para tudo, e contra essa autorizao discricionria, Dworkin rebate com a tese
das respostas corretas.
Critica severamente a ideia de o juiz utilizar-se de critrios pessoais para decidir diante
das lacunas legislativas, eis que, mesmo diante da ausncia de regra, de uma impossvel
subsuno, existe um direito previamente estabelecido e tarefa do julgador encontr-lo. Da
em diante estabelece que essa fonte esteja nos princpios, os nicos mecanismos capazes de
oferecer legitimidade s decises, tornando os juzes responsveis por elas (DIAS, 2012),
embora os juzes estejam em posio menos adequada para elaborar argumentos de poltica
do que representantes eleitos h um espao de garantias constitucionais a ser decidido a partir
de argumentos de princpios (DIAS, 2012, p. 142).
Nesse propsito, ratifica que as respostas corretas estariam fundadas nos princpios,
contudo no em princpios estticos, mas dinmicos, o que permite, em vez de um
engessamento do sistema, das decises tidas por absolutas, uma deciso correta, a qual,
mesmo decorrente de fato igual ou semelhante, possa ser resolvida de forma distinta pelo
mesmo princpio. Em outros termos, cada fato um fato e a resposta correta encontrar
fundamento e legitimidade na individualizao de histrias e personagens, na inovao do
enredo.
1.3. TEORIA DA DECISO JUDICIAL: AS RESPOSTAS CORRETAS EM DIREITO
Sou juiz, minha me juza, meus amigos juzes e promotores, com os quais convivo, so todos honestos, probos
e justos. Interessante que, quando nos reunimos para falar sobre os casos que decidimos, chegamos a concluso
que, embora a nossa honestidade, probidade e sentimento de justia, damos sentenas to diferentes uma das
outras, em casos, por vezes, muito, muito similares [...] cheguei a concluso de que havia algo errado. No basta
ser honesto, probo e ter sentimento do justo. Todos, eu, minha me, meus amigos, decidimos conforme nossas
conscincias. S que as decises so to discrepantes [...]12.
Com base no escoro terico, mesmo que breve, trilhado at aqui, pde-se analisar o
peso que se aufere discricionariedade do julgador na hora de lanar a resposta correta, ao
analisar as decises realizadas e ratificadas pelos tribunais brasileiros considerando sua
conscincia decido como entender melhor, decido de acordo com minhas convices e
conceitos.
Nesses padres, permite-se colacionar trecho da deciso do STJ, sustentada, na poca,
pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, citada por Luiz (2013, p. 58-59)13
:
No me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior
Tribunal de Justia, assumo a autoridade da minha jurisdio. O pensamento
daqueles que no so Ministros deste Tribunal importa como orientao. A eles,
porm, no me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos
Carneiro. Decido, porm, conforme minha conscincia. Precisamos estabelecer
nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. preciso
consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peanha Martins e
12
LUIZ, Fernando Vieira (2013). 13
BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Agravo Regimental nos Embargos de Divergncia em Recurso
Especial n. 279.889/AL.
Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide
assim, porque a maioria dos seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse o
pensamento do Superior Tribunal de Justia, e a doutrina que se amolda a ele.
fundamental expressarmos o que somos. Ningum nos d lies. No somos
aprendizes de ningum. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente
assumimos a declarao de que temos notvel saber jurdico uma imposio da
Constituio Federal. Pode no ser verdade. Em relao a mim, certamente, no ,
mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim
seja.
Corrobora-se, de certo modo, que as teses, discursos levados ao julgador para uma
deciso de acordo com sua conscincia ainda ocupam um lugar cativo no atuar da
jurisdio, que a discricionariedade tomada pelos ideais positivistas ainda amargura as
decises tidas por corretas em direito.
Em vez de prevalecer a filosofia das respostas corretas fundadas em princpios, que
encontram suas razes libertadoras, igualitrias e limitadoras nos princpios constitucionais
ditados por uma Carta Poltica, em tese, democrtica, prevalece a filosofia da conscincia do
julgador. Permitindo-se o trocadilho, a confirmao do reverso: ao invs das decises se
moldarem aos ditames constitucionais, so os ditames constitucionais que acabam sendo
moldados pelas decises que se pretendem lanar.
Para Luiz (2013, p. 59-60), a atuao de um Ministro que opera sob o manto de decidir
de acordo com sua conscincia pode ser assim comentada e instigada:
[...] Se um Ministro est certo em decidir x por pensar x e, outro, igualmente correto
em decidir y por pensar y, findou-se no s a possibilidade de controle da deciso
judicial, mas, e principalmente, acabou-se com qualquer espao para discusso ou
outro ato reflexivo, eis que cada um possui a sua verdade indiscutvel, gerada por
sua prpria conscincia. Se assim for, podem-se fechar todas as universidades,
jogando-se as chaves fora, pois nada mais faz sentido.
Contudo, esses problemas similares de decidir de acordo com a sua conscincia so
ativos tanto em decises do STF quanto do STJ, como se observa em trecho de voto
destacado e manifesto pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, referindo que a deciso
judicial , portanto, uma deciso que est subordinada aos sentimentos, emoes, crenas da
pessoa humana investida do poder jurisdicional (LUIZ, 2013, p. 61).
Ademais, o senso de justia que ratifica por diversas vezes esse poder de decidir
conforme sua conscincia no pode ser levado ao casusmo, ao ponto de que toda deciso
fique dependente da vontade e senso de justia particular de cada juiz. No significa que no
se podero ter decises acertadas decorrentes do senso de justia particular do julgador,
contudo nem sempre esse senso particular de justia provocar e resultar em boas repostas,
em repostas corretas. Isso porque no h que se permitir que em um Estado Democrtico de
Direito as respostas corretas fiquem merc de um bom juiz.
Nesse contexto, acreditar que as solues dos casos difceis encontram-se na
discricionariedade do julgador um risco muito grande em assumir-se a imprevisibilidade das
decises judiciais. Em outras palavras, a partir do momento em que os magistrados passaram
a decidir por meio de seu livre convencimento, casos similares passaram a ser decididos de
forma diversa.
Alguns apontam que as smulas, vinculantes ou no, seriam a cura para essa
discricionariedade e subjetivismo de julgar. Contudo, engessar a fundamentao das
decises em respostas corretas antes da prpria pergunta, do caso concreto, o ponto
culminante do modelo de subsuno interpretativo da lei. Nesse ponto, observa-se que
hermenutica muito mais do que mtodos de interpretao.
No h dvidas, ao menos quanto a isso, de que a Constituio o pice do
ordenamento jurdico, embora o problema esteja no na unanimidade desse pensamento, sim,
no abismo que se identifica entre o ponto mximo e a prtica jurdica, no permitindo uma
maior efetividade aos preceitos e ordens constitucionais.
Isto porque mesmo aps a promulgao da Constituio de 1988, o Judicirio
continuou e continua a interpretar a Carta Poltica de 88 a partir da legislao ordinria, em
uma completa inverso das fontes (LUIZ, 2013, p. 98). O que ratifica a ideia de que a
Constituio no est devidamente posta no horizonte de sentido dos juzes (LUIZ, 2013, p.
99). A pirmide kelseniana, indiscutvel nos bancos universitrios, quase passa invisvel,
quando se trata de interpretao de respostas corretas em direito.
A corroborar, em no tendo os juzes sua legitimidade advinda de um processo
eleitoral, do exerccio da democracia, mas das atuaes postuladas e auferidas pelo texto
constitucional, podem e devem apenas agir em conformidade com a Constituio, e no
conforme suas convices particulares, criando novos direitos. Tal assertiva faz parte de um
ideal de democracia. E nesse prognstico, no dado ao Judicirio o poder de criar leis,
mas, sim, de zelar e velar pelo seu legtimo cumprimento. A legitimidade que se reconhece na
afirmao no mais histrica, todavia jurdica e social dos direitos fundamentais em prol da
pessoa humana.
Nesse contexto, colaciona-se trecho do voto do Ministro Cezar Peluso, na poca,
presidente do STF, no julgamento da Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 54, que discutia a possibilidade de interrupo da gestao de fetos anencfalos, no
qual se manifestou pela total improcedncia.
Justificou que no cabe ao STF atuar como legislador positivo, se o Legislativo no
incluiu o caso dos anencfalos nas hipteses que, no artigo 124 do Cdigo Penal, autorizam o
aborto. Se o Congresso no o fez, parece legtimo que setores da sociedade lhe demandem
atualizao legislativa, mediante atos lcitos de presso. No temos legitimidade para criar,
judicialmente, esta hiptese legal. A ADPF no pode ser transformada em panaceia que
franqueie ao STF a prerrogativa de resolver todas as questes cruciais da vida nacional.
O voto do ministro Lewandowski, tambm pela improcedncia da ADPF 54, seguiu
duas linhas de raciocnio. Na primeira, ele destacou os limites objetivos do controle de
constitucionalidade das leis e da chamada interpretao conforme a Constituio, com base na
independncia e harmonia entre os Poderes: O STF, semelhana das demais cortes
constitucionais, s pode exercer o papel de legislador negativo, cabendo a funo de extirpar
do ordenamento jurdico as normas incompatveis com a Constituio". Mesmo esse papel,
segundo seu voto, deve ser exercido com cerimoniosa parcimnia, diante do risco de
usurpao de poderes atribudos constitucionalmente aos integrantes do Congresso Nacional.
Segundo o ministro, no dado aos integrantes do Judicirio, que carecem da uno
legitimadora do voto popular, promover inovaes no ordenamento normativo como se
fossem parlamentares eleitos.
Nesse aspecto, o ministro observou que o Congresso Nacional, se assim o desejasse,
poderia ter alterado a legislao para incluir os anencfalos nos casos em que o aborto no
criminalizado, mas at hoje no o fez.
Por derradeiro, importante, acredita-se, saber e compreender que o juiz deve decidir
por princpios, e no por clamor pblico ou por convices morais e polticas prprias.
Decidir para depois encontrar a fundamentao, como se tem observado em vrias decises
que envolvem no apenas o STJ ou STF, mas Tribunais de Justia dos Estados. Essa no deve
ser a melhor e mais efetiva forma de decidir. O direito fundamental a uma deciso
fundamentada se representa no nas concepes e discricionariedade do julgador, mas nos
limites da Constituio. Se a deciso ser boa ou ruim, se o destinatrio direto ou indireto
entender os seus reflexos ou no. Isso no importa! O que importa que a integridade e
legitimidade da deciso esto a democraticamente impostas! Na concretude de direitos
fundamentais, as questes de princpios se sobrepem s questes de poltica.
O Poder Judicirio tem como misso fazer valer a Constituio, implementando
direitos fundamentais pela jurisdio constitucional, mesmo que haja dissenso nesse sentido.
Isto porque os direitos fundamentais so os elementos mais importantes na configurao do
Estado contemporneo, em que h a preponderncia do homem e seus interesses em um
enfoque social e no mercantilista. A jurisdio antes de tudo deve estar preocupada em
defender o carter normativo da Constituio (LUIZ, 2013).
Assim, o princpio da resposta correta deve ser, conforme Dworkin, entendido como
unidade de uma prtica social. Em outros termos, no o sujeito que formar os princpios,
mas esses que se moldaro s prticas dos sujeitos. Nesse diapaso, decidir com base nos
princpios estabelecer freios atuao judicial contempornea, ao positivismo jurdico do
juiz discricionrio, que decide por ato de vontade de sua conscincia.
Por derradeiro, se as regras ampliavam o espao de interpretao do julgador, os
princpios estabelecem o limite de sua deciso, por isso, conforme Lenio Streck (apud LUIZ,
2013, p. 168), no se pode falar em abertura interpretativa no que tange aos princpios
jurdicos, pois eles condicionam o intrprete no sentido de obrig-lo a decidir de modo a
no comprometer o todo conjuntural da comum-unidade dos princpios constitucionais.
Para Dworkin, essa discricionariedade atribuda ao julgador conduz a uma delegao
de poder antidemocrtica, eis que questes fundamentais passam a ser decididas por pessoas
que no podem ser destitudas de seu cargo pela vontade popular.
Contudo, ainda h que se acreditar em verdades baseadas e apoiadas na Constituio,
que afastem a discricionariedade que envereda na arbitrariedade judicial, do decido como
quiser, na busca de respostas hermeneuticamente adequadas e corretas nova ordem
constitucional e fundamental vigente.
Em outras palavras, compilando Grossi (2003, p. 47), precisamos de juzes que
tenham condies de compreender a complexidade da sua ao de perceber que o direito tem
suas razes submersas em valores histricos, de juzes que se preocupem com as causas que
lhes so submetidas, que procurem entender as pretenses das partes, que vivam a realidade
presente, mas que, mais que tudo, se preocupem e reflitam sobre as consequncias concretas
de seu julgamento (AGUIAR JUNIOR, 2006).
Tal anlise pode ser ilustrada com base no trecho da palestra proferida por Ftima
Nancy Adrighi, Ministra do STJ, em 200414:
[...] Para concluir, invito a todos os participantes deste evento, para, com intrepidez,
avanarmos alm dos limites da legislao infraconstitucional, tendo como vetor
primordial o princpio da dignidade da pessoa humana, e assim, abalanarmo-nos na
tutela da criatura humana razo e destinatrio nico da prestao jurisdicional. [...]
E, para nossa inspirao, trago a citao do trecho final de uma das melhores e
menos conhecidas pginas de Rui Barbosa, onde ele examina, luz do Direito
Hebraico e do Direito Romano, o processo de Jesus Cristo: Foi como agitador do
14
Trecho da palestra proferida pela Ministra do STJ no Congresso Brasileiro de Direitos Fundamentais em 08/12/2004 em Macei/AL.
povo e subversor das instituies que se imolou Jesus. E, de cada vez que h
preciso de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor
dos indefesos, um apstolo de ideias generosas, um confessor da lei, um educador
do povo, esse, a ordem pblica, o pretexto, que renasce, para exculpar as
transaes dos juzes tbios com os interesses do poder. Todos esses acreditam,
como Pncio, salvar-se, lavando as mos do sangue, que vo derramar, do atentado,
que vo cometer. Medo, venalidade, paixo partidria, respeito pessoal,
subservincia, esprito conservador, interpretao restritiva, razo de estado,
interesse supremo, como quer que te chames, prevaricao judiciria, no escapars
ao ferrete de Pilatos! O bom ladro salvou-se. Mas no h salvao para o juiz
covarde.
Nessa mesma esteira, no julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510
na qual se debateu a possibilidade de realizao de pesquisas cientficas com clulas-tronco
embrionrias , o Supremo, a uma s voz, primou pela laicidade do Estado sob tal ngulo,
assentado em que o decano do Tribunal, Ministro Celso de Mello, enfatizou de forma precisa:
[...] nesta Repblica laica, fundada em bases democrticas, o Direito no se submete religio, e as autoridades incumbidas de aplic-lo devem despojar-se de pr-compreenses em matria confessional, em ordem a no fazer repercutir, sobre o processo de poder, quando no exerccio de suas funes (qualquer que seja o domnio de sua incidncia), as suas prprias convices religiosas (grifo no original)
15.
Ainda, pode-se perceber que o julgar de acordo com sua conscincia, conforme suas
convices, mesmo que em um ideal ps-positivista, amparado pela fora de guarda
Constituio, no se afastou totalmente das decises que envolvem o STF. Na referida ADI
n. 3510, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto, em trecho de seu voto, assim se
manifestou16
:
assim ao influxo desse olhar ps-positivista sobre o Direito brasileiro, olhar
conciliatrio do nosso Ordenamento com os imperativos de tica humanstica e
justia material, que chego fase da definitiva prolao do meu voto. Fazendo-o,
acreso s trs snteses anteriores estes dois outros fundamentos constitucionais do
direito sade e livre expresso da atividade cientfica para julgar, como de fato
julgo, totalmente improcedente a presente ao direta de inconstitucionalidade. No
sem antes pedir todas as vnias deste mundo aos que pensam diferentemente, seja
por convico jurdica, tica, ou filosfica, seja por artigo de f. como voto17.
Ademais, partindo-se do pressuposto de que as respostas corretas, que se almejam no
nvel de Estado Democrtico de Direito, so aquelas adequadas Constituio e efetivao
de direitos fundamentais, no h como deixar de mencionar a postura interpretativa do STF no
15
Disponvel em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334 16
Disponvel em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723 17
BARROSO, Lus Roberto. Supremo Tribunal Federal, direitos fundamentais e casos difceis. Revista
Brasileira de Direito Constitucional RBDC n. 19 jan./jun. 2012, p. 120.
reconhecimento das unies de pessoas de mesmo gnero a partir da aplicao direta de
princpios constitucionais.
Por derradeiro, diante do itinerrio de decises tolhidas aqui, destaca-se em Dworkin
(2005, p. 237), a busca pelas repostas corretas em direito como integridade, referenciando que
o juiz deve interpretar o que aconteceu antes porque tem responsabilidade de levar adiante a
incumbncia que tem em mos e no partir em alguma nova direo. Significa que, antes de
decidir, deve o juiz avaliar e entender a histria institucional do direito.
Tal conduta atua no modelo de recomposio do direito como prtica social, como um
todo, pois no um conjunto fragmentado de casos (LUIZ, 2013, p. 174). a que surge a
fundamentao e argumentao em princpios, trazidas baila por Dworkin (2005), que
revela que somente no caminho dos princpios que se conseguir adequar a deciso judicial
prtica, demonstrando, acima de tudo, sua finalidade e seu valor.
Ao definir que a interpretao deve demonstrar seu valor, em termos polticos,
demonstrando o melhor princpio ou poltica que serve (DWORKIN, 2005, p. 239), ressalta
a impossibilidade das decises serem fruto da inteno do julgador.
Nesse diapaso, em sendo o ordenamento jurdico composto de regras e de princpios,
o juiz no pode agir com discricionariedade judicial, como Hrcules, o qual consegue, por
sua sabedoria, resolver com coerncia e integridade todos os casos que lhe so impostos. Um
juiz que tem conhecimento de toda a histria que envolve aquela deciso judicial, ao
desconsiderar a possibilidade de vrias interpretaes para uma mesma norma, reafirma a
existncia de uma resposta correta em direito (DWORKIN, 1999).
Entretanto, importante frisar que, com a criao de Hrcules, Dworkin (1999) no
quer afirmar que todos os casos tero uma nica resposta correta, pois juzes reais cometem
erros, mas que Hrcules representaria a superao da discricionariedade da modernidade, o
fim das interpretaes judiciais subjetivistas.
Assim, ao estabelecer o direito como integridade, e integridade como princpios,
Dworkin idealiza que todas as respostas devem estar fundamentadas em princpios, pois
representam prticas sociais compartilhadas. Nesse contexto, afirma que a jurisdio tem
como fim primordial dar efetividade a esses princpios, que aparecem juridicizados na forma
de direitos fundamentais (LUIZ, 2013).
Busca, ento, a teoria do direito Dworkiana afastar a discricionariedade e a
arbitrariedade judicial, criar um escudo ao subjetivismo judicial, eis que julgar por
princpios significa retomar e retornar a prtica do direito, a sua autonomia. Assim:
Os juzes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difceis
tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princpios sobre os direitos e
deveres das pessoas, a melhor interpretao da estrutura poltica e da doutrina
jurdica de sua comunidade. [...]. Mas quem quer que aceite o direito como
integridade deve admitir que a verdadeira histria poltica de sua comunidade ir s
vezes restringir suas convices polticas em seu juzo interpretativo geral. Se no o
fizer se seu limiar de adequao derivar totalmente de suas concepes de justia e
a elas for ajustvel, de tal modo que essas concepes ofeream automaticamente
uma interpretao aceitvel , no poder dizer de boa-f que est interpretando a
prtica jurdica. Como o romancista em cadeia, cujos juzos sobre a adequao se
ajustavam automaticamente a suas opinies literrias mais profundas, estar agindo
de m-f ou enganando a si prprio (DWORKIN, 1999, p. 305-306).
A Teoria Integrativa de Dworkin revela-se contrria s antirrelativistas e s
antidiscricionrias, no permitindo de nenhum modo que a interpretao judicial seja feita
pela convico pessoal de seu intrprete. Traduz a valorao de um governo judicirio criado
pela moralidade da comunidade e no pessoal do julgador, que encontra na prpria
fundamentao de suas decises o controle ao subjetivismo (LUIZ, 2013).
Ressalta e destaca a centralidade dos princpios coadunados ao dever de
fundamentao das decises judiciais devidos pela Constituio Federal. Logo, em uma
anlise recorrente ao aqui exposto, insta afirmar que a resposta correta, dentro do contexto e
ordenamento jurdico presente, aquela adequada Constituio, que no exclui do julgador
a necessidade de fundamentar suas decises em princpios, ao qual cumpre a tarefa de manter
a coerncia e a integridade do direito.
Desta forma, no haver nem uma nica resposta correta, nem vrias, mas sim a
resposta constitucionalmente adequada ao caso que est sendo decidido (LUIZ, 2013, p.
180). Uma resposta verificada com base em sua adequao Constituio.
Por derradeiro, indiscutvel que, enquanto o Estado brasileiro no cumprir com sua
tarefa de concretizao de direitos fundamentais, no h que formalizar ou vislumbrar um
ideal democrtico decisrio que alcance, inclusive at mesmo aqueles que tm maior
dificuldade de concretizar direitos que lhes so fundamentais e essenciais para sua dignidade
por meio do Estado-Juiz.
Sob esse prospecto, no se pode perder de vista que cumpre ao Poder Judicirio, nas
decises que profere, sujeitar-se aos preceitos constitucionais, possibilitando a realizao de
um Estado Democrtico de Direito na concretude de direitos fundamentais.
Constitucionalizar o direito, funcionalizando sua base e essncia em princpios
permitir a criao de um novo direito, um direito que busca na sua concretude promover a
segurana jurdica no nos falseados de interpretao, mas na interpretao segura e
isonmica dos princpios. A promoo de direitos fundamentais em prol da dignidade da
pessoa humana. A busca incessante pelas respostas corretas.
Assim sendo, os juzes tm, em suas decises, a grande e essencial tarefa de efetivar a
Constituio, mesmo que a maior dificuldade esteja em encontrar-se um modo compatvel
com os ditames estabelecidos pelo Estado Democrtico de Direito, quando o hbito de se
decidir ainda se consubstancia nos ideais de conscincia e subjetivismo do julgador.
Contudo, a fim de negar-se qualquer possibilidade de discricionariedade ou atribuir
funes mximas e absolutas de legislador a poder diverso, necessrio, que mesmo diante
desses percalos, mantenham-se decises judiciais contemporneas ao seu tempo, ao tempo
de um Estado Social Democrtico de Direito, que clama todos os dias por direitos
fundamentais efetivos qualidade de vida e dignidade da pessoa humana. Direitos
fundamentais afirmados historicamente e reconhecidos pela ordem jurdica interna como
norteadores de polticas sociais, pblicas, humanas e jurdicas. No dado ao julgador
legislar, mas lhe dado, sem que o contrrio descaracterize a tarefa que lhe foi delegada,
garantir a efetividade dos direitos fundamentais, a vontade democrtica da Constituio
Federal de 1988.
Portanto, reconhecer nos princpios constitucionais sua funo social ao nvel de
respostas corretas, interpretar constitucionalmente os fatos no caracteriza decidir de
qualquer jeito ou sem freios, criando lei, todavia caminhar rumo a uma atualizao
constitucional, que, embora sbia e indiscutvel, muitas vezes, continua omissa em relao s
decises que envolvem o Judicirio na concretude de direitos fundamentais.
1.3.1. A valorao dos princpios e as decises judiciais: um contributo efetivao de
direitos fundamentais em um estado democrtico de direito
A opinio o tribunal dos tribunais. Ante ela se examinam e reveem as sentenas da justia ordinria. As suas
correntes, na atividade incessante da vida, so as foras morais, a cujo contacto benfazejo se avigora, nos
conflitos entre interesses poderosos, a independncia das grandes magistraturas.
Rui Barbosa
O debate entre a filosofia e o direito, melhor dizendo, entre o filsofo e o jurista,
constitui o melhor meio, ao menos em uma sociedade democrtica, de se estabelecerem as
diversas dimenses da dignidade e a sua praticidade voltada para cada ser humano. Assim,
no h como afastar o papel importante que o direito realiza na proteo e promoo da
dignidade (SARLET, 2009). Afinal, os direitos humanos e a soberania popular ainda
permeiam as ideias justificadoras do direito moderno, mesmo que entre si, apaream como
elementos concorrentes (HABERMAS, 2003).
Ademais, o fundamento de um direito depende necessariamente do direito que se tem
ou do direito que se gostaria de ter. Na primeira situao, necessrio saber se a ordem
jurdica reconhece esse direito e qual essa norma; na segunda, procura-se defender a
legitimidade desse direito e convencer o maior nmero de pessoas de sua legitimidade, da
necessidade de seu reconhecimento. At porque estabelecer o fundamento de um direito
ultrapassa o campo do positivismo e adentra-se muito mais nas questes racionais ou crticas
(ou de direito natural), tudo isso, partindo-se da anlise de que os direitos so coisas
desejveis, mas nem sempre, necessariamente, reconhecidas pelo direito positivo (BOBBIO,
1992).
Assim, dessa busca incessante pelo encontro de um fundamento, pode-se acreditar
na existncia de um fundamento absoluto, baseado em razes e argumentos irresistveis, sobre
os quais ningum poder recusar a aderncia. Viso esta por muito tempo comum aos
jusnaturalistas, mas que, hodiernamente, torna-se infundada (BOBBIO, 1992).
Observa-se, com base no exposto at aqui, que os problemas de justia e de direito no
so metajurdicos, mas so decorrentes das lutas sociais pela libertao humana.
Nesse enfoque procura atuar o Humanismo Dialtico, sugerido por Lyra Filho,
abordando o direito em
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