UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A SUPERAÇÃO DE CONFLITOS PRODUZIDOS PELA ANSIEDADE: UMA CONTRIBUIÇÃO À PRÁXIS PASTORAL,
A PARTIR DA TEORIA DA INTERPESSOALIDADE
MARCO LÉCIO M. MARINHO
São Bernardo do Campo 2008
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A SUPERAÇÃO DE CONFLITOS PRODUZIDOS PELA ANSIEDADE: UMA CONTRIBUIÇÃO À PRÁXIS PASTORAL,
A PARTIR DA TEORIA DA INTERPESSOALIDADE
MARCO LÉCIO M. MARINHO
Orientador:
Prof. Dr. Ronaldo Sathler-Rosa
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre.
São Bernardo do Campo 2008
FICHA CATALOGRÁFICA
M338s Marinho, Marco Lécio M. A superação de conflitos produzidos pela ansiedade: uma
contribuição a práxis pastoral, a partir da teoria da interpessoal / Marco Lécio M. Marinho. São Bernardo do Campo, 2008.
123p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Orientação de: Ronaldo Sathler-Rosa
1. Ansiedade 2. Psicologia pastoral 3. Pastoral urbana I. Título.
CDD 253.52
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos sinceros são acompanhados de um profundo senso
de reconhecimento por cada um que direta ou indiretamente cooperou para a
realização deste trabalho.
Agradeço a Deus, que de uma forma íntima e pessoal tem confirmado este
programa em minha jornada acadêmica desde seu início.
À minha família, pela paciência e apoio. Claudia, minha querida esposa,
fundamental nesta jornada, além de parceira em muitas discussões e idéias, foi
também a responsável por todas as revisões deste trabalho, até chegar a este
estágio. Aos meus filhos, Levi, Débora e Nathan, minhas inspirações para o
estudo de relacionamentos interpessoais.
Ao meu querido orientador e mestre, Prof. Dr. Ronaldo Sathler-Rosa, um
modelo de vida exemplar e cheia de conhecimento. Ele acreditou em minha
pesquisa, e me encaminhou na direção da descoberta e da responsabilidade
acadêmica durante este tempo de estudo.
Aos meus professores e colegas de aula da área de Práxis Religiosa e
Sociedade, em particular ao Prof. Dr. James Reaves Farris, pelo enriquecimento a
esta dissertação por meio do estudo da psicologia, e ao Prof. Dr. Geoval Jacinto
da Silva, pela sua simplicidade e estímulo ao estudo da práxis religiosa.
Minha gratidão também à Universidade Metodista de São Paulo, em
especial a Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, por meio de seu
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, que possibilitaram meus
estudos acadêmicos e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior – CAPES, pelo suporte financeiro.
MARINHO, Marco Lecio M... A superação de conflitos produzidos pela ansiedade:
Uma contribuição à práxis pastoral, a partir da teoria da interpessoalidade. São
Bernardo do Campo, 2008. Dissertação de Mestrado. Universidade Metodista de
São Paulo.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo, esclarecer como a ansiedade
desempenha um papel de forte influência em relacionamentos interpessoais e
como o conhecimento desta influência, seguido de uma consciência que
possibilite sua amenização, pode permitir relacionamentos harmônicos e
diminuição de conflitos que fazem parte do cotidiano. A partir de uma análise de
natureza bibliográfica, se utilizou autores de áreas correlatas como psicologia,
aconselhamento, filosofia e teologia, por entender que existe um grande volume
de conhecimentos científicos sobre o tema, os quais poderão acrescentar
positivamente ao estudo do mesmo. É utilizada uma dialética que considera a
formação das relações sociais, a origem de influências construtoras de condutas
intra e interpessoais de um indivíduo, bem como a insatisfação emocional
produzida pela ansiedade. A contribuição deste trabalho relaciona-se à viabilidade
de se conquistar relacionamentos mais saudáveis; o desenvolvimento da idéia de
ação consciente, atitude menos influenciada pela ansiedade; e o realce da
importância de uma prática pastoral fundamentada na fé como esperança
minimizadora da ansiedade. Sua utilidade aponta para a esperança em
relacionamentos interpessoais harmoniosos, não utópicos, mas produtos de
conhecimento, discernimento e compreensão da realidade intra e interpessoal do
indivíduo.
MARINHO, Marco Lecio M... The overcoming of conflicts produced by anxiety : A
contribution to the pastoral praxis, based on the interpersonal theory. São
Bernardo do Campo, 2008. Master Dissertation. The Methodist University of São
Paulo.
ABSTRACT
The object of this research is to clarify how the anxiety plays a major role
influencing the interpersonal relations and how this knowledge, followed by a
conscious attitude that allows the minimization of the anxiety would give place to
harmonic relationships and the decrease of the every day life conflicts. Based on a
bibliographic review, authors of correlated areas as psychology, counseling,
philosophy and theology were consulted, for the acknowledgement that exist a
huge volume of Scientific information about the theme that might add positively to
this study. A dialectic that considers the genesis, of the social relations and of the
influences that build interpersonal and intrapersonal individual behavior is
exploited as well as the emotional non satisfaction produced by anxiety. The
contribution of this research is related to the viability of conquering more healthy
relationships; the development of the idea of a conscious action, an attitude less
influenced by anxiety; and the highlighting of the importance of pastoral practice
based on faith as the hope that minimizes the anxiety element. Its value points to a
hope on harmonic interpersonal relations, not a utopian one, but one that is
product of knowledge, discernment and comprehension of the individual intra and
interpersonal reality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................8
1. CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................................13
1.1. Homem em conflito .........................................................................................17 1.2. Sociedade em conflito .....................................................................................20 1.3. Igreja em conflito .............................................................................................21
2. FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS ............................................................25
2.1. Visão filosófica de Kant: relações sociais e moralidade ..................................26 2.2. Piaget: contribuição da epistemologia genética ..............................................30 2.3. Kohlberg: estágios das relações sociais..........................................................36 2.4. Vygotsky: influência do meio na formação ......................................................38 2.5. Selman: níveis de aquisição de perspectiva....................................................41 2.6. Erickson: contribuição da psicologia social .....................................................47
3. RADIOGRAFIA DO CONTEXTO SÓCIO CULTURAL.........................................52
3.1. Individualismo: ato de sobrevivência, resultante da carência intrapessoal......54 3.2. Simbolismo: cenário dos valores e representações na interpessoalidade ......60 3.3. Competitividade: ato de sobrevivência, resultante da carência interpessoal...70
4. HARRY S. SULLIVAN: INFLUÊNCIA DA ANSIEDADE NA INTERPESSOALIDADE ...........................................................................................77
4.1. Sullivan e a teoria da interpessoalidade..........................................................78 4.2. Sullivan e a ansiedade na interpessoalidade ..................................................82
5. CONTRIBUIÇÃO À PRÁXIS PASTORAL............................................................89
5.1. Ação conscientizadora dos fatores intrapessoais e sociais.............................90 5.1.1. Consciência dos fatores intrapessoais ......................................................92 5.1.2. Consciência dos fatores sociais ................................................................96
5.2. Ruptura com a heteronomia, produto dos fatores intrapessoais e sociais ......99 5.3. Uma pastoral de intervenção.........................................................................103
5.3.1. Contrição, mudança sensitiva de reações ...............................................103 5.3.2. Confiança, alívio nas relações interpessoais...........................................105
5.4. Liberdade: autocontrole intrapessoal e resposta interpessoal menos ansiosa.............................................................................................................................108
5.4.1. Autocontrole intrapessoal ........................................................................110 5.4.2. Resposta interpessoal menos ansiosa ....................................................111
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................113
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................118
8
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo, esclarecer como a ansiedade desempenha
um papel de forte influência em relacionamentos interpessoais e como o
conhecimento desta influência, seguido de uma consciência que possibilite sua
amenização, pode permitir relacionamentos harmônicos e diminuir conflitos que
fazem parte do cotidiano onde cada pessoa está inserida.
Nosso contexto político e sócio-educativo, como também o da maioria de
outros países, permite argumentar que a sociedade capitalista, pós-moderna,
alimenta no indivíduo um desejo individualista e competitivo, levando-o a transformar
desejos em necessidades, aumentando, assim, o egocentrismo e a tensão entre as
pessoas, acarretando em um maior número de conflitos. É razoável também, a
premissa de que este sistema tem como matriz básica, a formação e concepções do
lar, seguidas da influência ideológica transmitida pelos meios de informação. Por
intermédio destes, a opinião, os conceitos e os costumes passam a permear as
mentes das pessoas e influenciá-las em seu cotidiano e em seus relacionamentos
interpessoais.
Parece até natural que os detentores destes instrumentos de informação
tenham suas posições e ideologias transmitidas aos outros, por imposição, quando a
sociedade tem poucas opções de escolha, ou por indução natural, quando as
opções de escolha levam para o mesmo caminho. A influência do poder neste
particular, passa a ser algo claro, especialmente quando se observa a forma que o
movimento global caminha. A sociedade assiste às mudanças e assimila modelos a
elas pertencentes, sem observar se tais influências corroboram de maneira positiva
ou negativa, com suas bases e interesses.
9
As pessoas estão expostas a influências, e isso leva o indivíduo a submeter-
se a variados costumes e ideologias oriundos de interpretações de valores
aparentemente necessários para seu convívio e prática social. Esta sedução
influencia não só a formação intrapessoal de alguém, como também suas relações
interpessoais. Este reflexo pode ser visto nos meios de consumo, nas organizações,
na informação, na educação e nos costumes. O comportamento humano passa a ser
influenciado por uma sociedade dominada por pensamentos individualistas, e
produtora do mesmo individualismo.
A ausência de compreensão interpessoal tem se levantado como fator básico
para o surgimento de conflitos, que não solucionados, geram no homem um modelo,
ou sistema de vida produtor de crises. Os saberes transmitidos se restringiram a
suprir as necessidades do mercado e a exaltar o cientificismo e o racionalismo. Este
modelo, oferecido ao indivíduo desde a mais tenra idade, o influencia e é
disseminado, abrangendo os diversos segmentos institucionais, entre estes, a
família e a escola, produzindo condutas negativas que influenciam destrutivamente
na dinâmica da administração e resolução de conflitos.
Portanto, um dos objetivos principais desta dissertação é analisar a
superação de conflitos produzidos pela ansiedade em relacionamentos
interpessoais. Refletir sobre sua origem, sua dinâmica e sobre sua influência nos
diversos ambientes onde um indivíduo pode estar inserido. Este trabalho entende
como finalidade, mesmo que tímida, sugerir encaminhamentos para uma práxis
pastoral que contribuam com a harmonia destes relacionamentos e ofereçam
entendimento e alívio de tensão em meio aos conflitos vividos no cotidiano.
A realidade contemporânea dos relacionamentos interpessoais encontra no
contexto social um ambiente fértil para propagação de crises. Atualmente as
10
instituições organizadas, como a família, a escola, o trabalho e a igreja, convivem
com um índice alarmante de conflitos interpessoais. Muitas pessoas já alimentam
um sentimento de exaustão e desânimo quando vislumbram a possibilidade de que
precisam se relacionar com o outro e não podem eliminar tal relacionamento de seu
ambiente e convívio cotidiano.
Um projeto de estudos sobre conflitos em escolas nos Estados Unidos
descobriu que existem cerca de 3.000.000 (três milhões) de casos de violência por
ano em escolas americanas. Isto significa 16.000 casos de violência por dia, 1 a
cada 6 segundos. Complementa a esses dados, a informação de que de cada 9
alunos destas escolas, 6 são diagnosticados com problemas sérios de
relacionamentos interpessoais.1
Na família, algumas pesquisas mostram que os casamentos estão sob
intensos e constantes conflitos, o número de crianças com pais divorciados cresceu
700% em 72 anos, e o número de crianças vivendo com pai e mãe juntos, caiu de
85% para 68% em um espaço de 26 anos. A proporção de crianças vivendo com um
só dos pais, cresceu de 12% para 28%, durante este mesmo tempo.2
Este estudo é feito a partir da compreensão de como se desenvolve a
intrapessoalidade, seu contexto familiar básico e sua extensão social, a qual leva à
conseqüente ação interpessoal com seus reflexos e influências. Desde que, o
contexto familiar, econômico, religioso e sócio educativo é palco dos conflitos
interpessoais, faz-se necessário o conhecimento da psicogênese relacional, ou seja,
como ocorre o desenvolvimento das habilidades sociais no indivíduo, a fim de que
haja maior compreensão sobre as raízes dos aspectos relacionados a tais conflitos.
1 NASB – National association of boards of education: Disponível em: <http://www.nasbe.org/new_resources_section/policy_Updates/pu_conflict_resolution.pdf>. Acesso em: 22 mai 2007. 2 Ibid.
11
Compreende-se, também, que para um maior entendimento deve-se
considerar a viabilidade de relacionamentos mais cooperativos, o desenvolvimento
da consciência de ações brandas e atitudes não influenciadas pela ansiedade, em
lugar de ações tensas, com atitudes influenciadas pela ansiedade. Este
entendimento, por sua vez, deve vir por meio de uma prática pastoral fundamentada
na confiança, esperança que minimiza a ansiedade que produz conflitos.
Para o alcance do objetivo mencionado, foi feita uma pesquisa de natureza
bibliográfica, e utilizada como base literária autores de áreas correlatas como
psicologia, aconselhamento, filosofia e teologia, por entender que existe um grande
volume de dados de conhecimentos científicos sobre o tema, os quais poderão
acrescentar positivamente ao estudo do mesmo.
Assim, será feito o uso também de uma dialética que considera a formação,
origem e influências construtoras de condutas intra e interpessoais de um indivíduo,
bem como sua insatisfação emocional produzida pela ansiedade. Algumas palavras
chaves tais como conflitos, ansiedade, interpessoalidade e superação devem fazer
parte deste estudo a fim de nos auxiliar no entendimento e consciência destes
relacionamentos.
Será considerada aqui a contribuição de diversos autores, dentre os quais
vale destacar Harry S. Sullivan e sua teoria da interpessoalidade, explicando sobre a
influência de diversos fatores geradores de ansiedade em relacionamentos
interpessoais. Sendo que Sullivan foi um dos primeiros estudiosos do
comportamento humano a usar o termo interpessoalidade como categoria científica,
ele contribuiu de forma singular ao estudo realizado. O mesmo autor contribui
também ao nos oferecer sua teoria relativa à dinâmica de comportamento
interpessoal, a qual foi exposta neste trabalho trazendo considerável subsídio.
12
Além de Sullivan será considerada também a participação de Emanuel Kant,
por meio de seus estudos sobre relações sociais e moralidade; Jean Piaget,
contribuindo com a sua epistemologia para a compreensão dos relacionamentos
sociais; e Lawrence Kohlberg, quando comenta dos estágios das relações sociais.
Serão estudados os conceitos de autonomia, considerada como produto de um
raciocínio que soma a racionalidade e a emoção, utilizando como filtro, o bem estar
das partes e não de um único indivíduo em uma relação,3 e de heteronomia, que
caracteriza o indivíduo que se abstém do raciocínio acima e permite ser governado
por outro,4 o que elimina em parte sua responsabilidade na ação. Tais conceitos
influenciam o pensamento, e de forma evidente, segundo os autores estudados,
interferem nas relações interpessoais. Também será feito um dialogo com Lev S.
Vygotsky, e a influência do meio na formação do indivíduo; Robet L. Selman, quando
descreve os níveis de aquisição de perspectiva do outro; e por fim Erik H. Erikson,
trazendo a contribuição da psicologia social para o entendimento de conflitos na
interpessoalidade.
Por meio desses referenciais e seus construtos foi proposto um diálogo entre
a dinâmica interpessoal e o surgimento da ansiedade, como produtora de conflitos.
Nesta mesma direção o autor propõe a superação de conflito por meio de uma
práxis religiosa em diálogo com a própria psicologia, observando relações de uma
prática pastoral reflexiva e conceitos das ciências humanas.
3 Lino de MACEDO (Org). Cinco estudos de educação moral, p. 38. 4 Ibid., p. 38.
13
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
A ciência já descobriu, há muito, o homem como ser social, ser que necessita
de relacionamentos e está exposto a eles cotidianamente. Cada indivíduo tem sua
formação influenciada pela rede de relacionamentos mais próximos e,
inevitavelmente, ainda necessita enfrentar relações extras, em todas as suas esferas
de convivência. (ex. no contexto de trabalho, trânsito, vizinhança, comércio, escola,
etc)
Esta exposição gera interações, algumas vezes não muito bem sucedidas,
pois requer do indivíduo um considerável nível de administração de suas emoções e
ações para que os desacordos relacionais, que naturalmente surgem, não venham a
se transformar em conflitos.
Segundo Hartwick e Barki, conflitos interpessoais é algo que acontece
freqüentemente em relações, afetando diretamente os indivíduos e seus meios de
convívio em suas mais variadas formas. Por isso a importância de estudá-los têm
sido evidenciadas por inúmeras pesquisas feitas sobre o tema. As quais tem sido
produzidas por mais de setenta anos e podem ser encontrados hoje em uma
diversidade de literaturas, como livros, artigos e revistas.5
Não obstante existir um vasto material produzido sobre o assunto, a
realidade atual reflete que o aumento dos conflitos em suas mais variadas formas
têm crescido a cada dia, de forma assustadora e alarmante. O que faz concluir que,
este tema, mesmo sendo pesquisado com insistência por muitas pessoas ou grupos
ainda não permitiu compreensão e encaminhamentos conclusivos que possibilitem a
diminuição de crises e infortúnios resultantes dos mais variados conflitos nas
5 Jon HARTWICK e Henri BARKI, Conceptualizing the construct of interpersonal conflict, p. 5.
14
sociedades contemporâneas.
Na literatura, o termo conflito, tem sido utilizado de diferentes maneiras,
referindo-se a diferentes formas e tipos de conflitos, como racial, ético, religioso,
político, matrimonial, de personalidade, gênero e valor. Paralelamente, tem-se
identificado diferentes unidades ou níveis de análises que podem estar envolvendo
conflitos, o indivíduo “intrapessoal”, entre indivíduos “interpessoal”, entre grupos,
entre organizações, entre nações e ainda em diferentes situações ou contextos onde
ele se manifesta, na família, na arena ou campo de batalha.6
Uma pesquisa recente avaliando a freqüência e intensidade de conflitos
revelou que na percepção de 95% das pessoas envolvidas nestes casos, o fator
motivador tinha relação direta com diferenças nas percepções, desacordo,
interferência, emoções negativas e omissões de qualquer tipo.7 Esta pesquisa
mostra que os conflitos têm relação direta com os desejos e intenções de cada
pessoa e, de forma bem clara, revela também que é a desarmonia produzida por
estes aspectos que vem a acender ou evidenciar os conflitos.
Segundo Hartwick e Barki, o conflito interpessoal é um processo dinâmico que
ocorre entre indivíduos e/ou grupos que se encontram em um relacionamento
interdependente e é mais provável que ele ocorra quando uma variedade de
condições pessoais e situacionais anteriores tenham ocorrido.8 Suas pesquisas
demonstram que conflitos têm sido definidos em diferentes formas, porém, três
aspectos são considerados como fundamentais para auxiliar na descrição do que
vem a ser conflito; discordância, interferência, e emoções negativas.
A discordância diz respeito ao aspecto cognitivo. A discordância é a cognição
mais comum e mais discutida na literatura sobre o assunto. Discordância passa a 6 Jon HARTWICK e Henri BARKI, Conceptualizing the construct of interpersonal conflict, p. 4. 7 Ibid. 8 Ibid., p. 8.
15
existir quando há divergência de valores, necessidades, interesses, opiniões, alvos
ou objetivos existentes entre as partes. Em seguida, as interferências, que tem sua
relação com os comportamentos, tais como, debate, argumentos variados,
competições, agressões, hostilidades e destruições têm sido associados a conflitos
interpessoais. Mesmo que estes comportamentos não impliquem na existência de
conflitos, visto que o conflito, propriamente dito, acontece somente quando o
comportamento de um indivíduo interfere com ou se opõe aos interesses, objetivos
ou alvos do outro. E finalmente, quando um número significativo de estados
emocionais acontecem de maneira exacerbada. Entre estas emoções temos: medo,
ciúme, raiva, ansiedade, e frustração, todas características de manifestações
afetivas provenientes de conflitos interpessoais. 9
A presença ou junção desses três fatores caracteriza, então, a existência de
conflito. Existe uma discordância entre dois indivíduos e acontece uma reação
comportamental que, em contraponto, gera uma emoção negativa. Como
mencionado, a discordância é o aspecto que tem sido alvo dos estudos e pesquisas,
talvez por ser esta, na maioria das vezes visível e identificada pelo comportamento
conseqüente.
O fator comportamental, por sua vez, para ser explorado necessita das
causas que o propiciam o que retorna automaticamente à discordância. Outro
diferencial, quanto ao aspecto comportamental citado, é que não se pode associar
agressões e ações do tipo a causas conflitantes. Essa interação pode ter causas
diversas, como por exemplo podem ser advindas de conflitos com uma terceira
pessoa, podem ser causadas por desvio de comportamento vitimizando um
inocente, por patologias mentais, etc. Já a característica afetiva negativa advinda
9 Jon HARTWICK e Henri BARKI, Conceptualizing the construct of interpersonal conflict, p. 5.
16
do conflito pode e deve ser objeto de investigação, pelo papel que representará em
futuros relacionamentos.
Outros conceituam conflito de maneira diferenciada da mencionada
anteriormente. Consideram que pode existir conflito quando somente um dos temas
é apresentado. Ainda, outros que variam do grupo de múltiplo tema, sugerem a
combinação entre eles. Definem conflito, por exemplo, como a presença de
desacordo, e/ ou a presença de interferência ou emoção negativa de qualquer
gênero. Em outras palavras, a presença de qualquer uma dessas propriedades
parece ser suficiente para rotular uma situação como conflitante.
Conflito também pode ser definido como qualquer situação social ou
processo, no qual, duas ou mais entidades sociais são ligadas por uma forma de
relação psicológica antagônica. Esta definição incluiu um número de diferentes tipos
de antagonismos psicológicos como, alvos incompatíveis, interesses mútuos
excludentes, hostilidade emocional, dissensão de valores ou tradições.10 E uma
outra definição simples de conflito diz que ele é uma luta entre pelo menos duas
partes independentes que tem objetivos diferentes.11
É importante observar que de tantas definições, poucas incluem a causa dos
conflitos, como o fazem Hartwick e Barki, onde concordam que os conflitos vividos
no passado interferem no presente, levando a desentendimentos, interferências e
emoções negativas.
Analisando essa afirmação é coerente afirmar então que, os
desentendimentos atuais, interferências e emoções negativas levarão a conflitos no
futuro. A experiência conflitual, se compõe de um ciclo difícil de ser quebrado e é
10 Jon HARTWICK e Henri BARKI, Conceptualizing the construct of interpersonal conflict, p. 8, 9. 11 Ibid., p.10,11.
17
quantitativamente crescente, à medida que cada experiência acrescentada, tende a
formar um bloco na construção de muros de individualismo e isolamento.
1.1. Homem em conflito
A realidade relacional dos seres humanos no mundo contemporâneo parece
desarmônica e em muitas circunstâncias desanimadora. O entendimento entre as
pessoas, sugere uma maior necessidade de compreensão. A paciência,
compreensão, cooperação e o acordo são componentes menos presente na
perspectiva da vida em sociedade. Sathler-Rosa descreve muito bem o momento
que o homem tem atravessado: “Vivemos em um tempo de impermanências.
Relações afetivas são rompidas como se os seres humanos não tivessem a
capacidade de cuidar das dificuldades próprias de qualquer relacionamento
próximo.”12
Os relacionamentos são cada vez mais efêmeros e superficiais, muitas vezes
por temor da dor que um relacionamento mais profundo pode vir a causar, que é
resultado também de uma proteção natural da pessoa, uma fuga das emoções
negativas resultante de conflitos já existentes. Assim, se cresce o individualismo, a
impessoalidade se converte em indiferença e os elos afetivos da intimidade são
cercados de medo, reserva e desejo de auto-proteção. A competição então passa a
estimular a pessoa à destruição da esperança do próximo, em um mundo de crises e
conflitos, o outro se tornou seu inferno. Pouco a pouco desaprendemos a gostar de
gente. Conhecer alguém; aproximar-se de alguém; relacionar-se intimamente com
12 Ronaldo SATHLER-ROSA, Cuidado pastoral em tempos de insegurança: uma hermenêutica teológico pastoral, p. 19.
18
alguém passou a ser uma tarefa cansativa.13
Em um artigo de revista com o título “Multidão de solitários” é descrito um
fenômeno que assola o Japão. São os “hikikomori”, adolescentes e jovens
japoneses que se isolam da sociedade e vivem sozinhos em seus quartos. Estima-
se que mais de 1 milhão deles estão vivendo nesta situação, a qual já foi
diagnosticada como doença.
Os “hikikomoris” dormem a maior parte do dia e ficam acordados à noite para
evitar contato com as pessoas da casa. Passam o tempo vendo TV, jogando games
ou navegando na internet. Aproveitam a madrugada para rápidas visitas a lojas de
conveniência para comprar comida e revistas. O contato social quase sempre se
resume a relacionamentos virtuais com pessoas que não conhecem. Alguns sofrem
de doenças como depressão e esquizofrenia, mas a grande maioria não demonstra
sinais de desordem psíquica ou neurológica. Eles simplesmente querem se isolar do
mundo.14
Segundo a reportagem, esses jovens sofrem muita pressão para serem bem
sucedidos nos estudos e trabalho, por isso, se recusam a viver em um mundo
competitivo, eles se isolam, e tentam com isso fugir dos relacionamentos e das
dores que eles provocam. O espírito competitivo, marca de uma sociedade
fundamentada em valores humanos, encerra o ser humano em uma corrida rumo ao
nada e ao vazio, e muitas vezes até o enjaula em um quarto.
Desde a mais tenra idade o homem é motivado a competir, vencer o outro,
ser melhor e ter sempre mais. Os relacionamentos, ou são evitados como forma de
proteção, ou são usados como meio para atingir alvos pessoais insustentáveis e
13 Ronaldo SATHLER-ROSA, Cuidado pastoral em tempos de insegurança: uma hermenêutica teológico pastoral, p.24. 14 Ariel KOSTMAN, Multidão de solitários: um milhão de japoneses vivem trancados em seus quartos. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/171104/p_124.html>. Acesso em: 26 nov 2007.
19
voláteis. “Tudo quanto desejaram os meus olhos, eu não lhes neguei, nem privei o
coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso
era a recompensa de todas elas.”15
A luta pelo poder, ter ou ser algo leva a pessoa a ver o outro como inimigo e
oponente. O ter e a competitividade envolvida no processo, permeiam os
relacionamentos na escola, nas amizades, no trabalho, nos relacionamentos íntimos
e no lar. Essa luta se inicia na infância, se confirma na escola, se pratica no trabalho
e acompanha toda uma vida em seus relacionamentos.
O horizonte das crises se expande no tempo e na cultura. Qualquer hora,
qualquer lugar, em qualquer circunstância, um conflito pode ser desencadeado. A
palavra crise transformou-se numa categoria chave para designação daquilo que
caracteriza nosso momento histórico: diferentes vozes a partir de diferentes óticas
designam o momento atual de nossa vida societária como momento de crise
profunda.16 Crise nos valores, crise nos relacionamentos, crises que provocam
insegurança e medo do desconhecido e infelizmente, também do conhecido e
amado.
Assim o universo relacional passa por constantes metamorfoses de costumes
e valores. E nestas mudanças, o homem não tem conseguido colher muito, ou quase
nada de significativo que possa interferir positivamente ou saudavelmente nas suas
relações interpessoais. Ouve a transformação das diferentes formas de
solidariedade e comunhão em um individualismo cada vez mais difuso que se vai
impondo como mentalidade subjacente aos comportamentos das pessoas em sua
15 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Eclesiastes, 2:10 e 11, p. 594. 16 Clóvis de P. CASTRO (Org), Ecologia urbana (eco-solidariedade): Uma ética como responsabilidade pelo futuro da cidade-solidariedade com os seres sobrantes. Novos paradigmas, São Bernardo do Campo, ano 1, v.1, p.14, nov. 1995.
20
convivência social.17 Esta crise se apoderou da sociedade, suprimindo usos e
costumes solidários e dando lugar ao individualismo.
1.2. Sociedade em conflito
Uma recente pesquisa demonstrou forte correlação entre conflitos
interpessoais e homicídios. Apesar de reconhecer que em aproximadamente 50%
dos casos não foi possível detectar as causas, os resultados desta pesquisa no
município de São Paulo revelaram que 46,2% dos homicídios de autoria conhecida,
resultaram de conflitos interpessoais diversos, como brigas entre familiares em casa
ou entre conhecidos nos bares.18
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), considera o aprendizado da convivência mútua como um de seus quatro
pilares básicos em sua famosa proposta para a educação. A necessidade sócio-
mundial de entendimento relacional em suas mais diversas camadas é
imprescindível e reconhecidamente necessária. Ela entende que as principais
instituições, como estado, escola, igreja e família estão em uma crise de aceitação
mútua e o resultado é a interferência na convivência.
Existe uma produção de ansiedade e conflitos na vida de membros da
sociedade inclusive da família, onde desde criança as respostas e ações nos
relacionamentos são inadequadas e por vezes, violentas. A tese que perpassa o
pensamento ocidental é, junto com a do indivíduo isolado a idéia de que esse
17 Clóvis de P. CASTRO (Org.), Ecologia urbana (eco-solidariedade): Uma ética como responsabilidade pelo futuro da cidade-solidariedade com os seres sobrantes. Novos paradigmas, São Bernardo do Campo, ano 1, v.1, p.14, nov. 1995. 18 Instituto de pesquisa econômica aplicada. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/destaques/livroradar/07>.segurança.pdf. Acesso em: 22 mai 2007.
21
indivíduo, na hora em que se encontrar com o seu semelhante, se transformará
inevitavelmente em competidor pelo simples fato de haver encontrado um outro que
também é concebido como competidor.19 Amigos não são mais para compartilhar
reconhecimentos recíprocos, na gratuidade da amizade, mas concorrentes na luta
por provocar invejas em uns e ciúmes em outros, na busca da realização do desejo
de ser superior aos demais.20
Estes desejos e tensões pelos quais os relacionamentos passam, afetam a
pessoa, interferindo no julgamento que ela tem sobre si mesma, sobre os outros,
sobre suas amizades e seu grupo. À medida que não há uma interação isenta de
tensão ou coação, a discordância prevalece. A discordância por sua vez causada
pela própria cobrança, ou resultante desta influência do poder coletivo proporciona a
construção do convívio social que segue ao conflito como resultado final.
1.3. Igreja em conflito
Na própria comunidade eclesiástica, percebe-se a existência de
discurso teológico adequados sob medida ao novo Ethos social, daquele que faz do
cultivo da própria individualidade o valor supremo..., a ética do sucesso, a qualquer
custo, torna-se elemento aceito acriticamente.21
As igrejas assimilaram parte desta disputa decadente, elas assumiram o
papel da competitividade, velada entre seus credos e como meio de manutenção de
seus adeptos. Para isso, fazem uso de instrumentos variados, até mesmo da fé e do
19 Hugo ASSMAN e Jung MO SUNG, Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança, p. 171. 20 Ibid., p. 195. 21 Clóvis de P. CASTRO (Org.), Ecologia urbana (eco-solidariedade): Uma ética como responsabilidade pelo futuro da cidade-solidariedade com os seres sobrantes. Novos paradigmas, São Bernardo do Campo, ano 1, v.1, p.23, nov. 1995.
22
medo natural do fiel para manipulá-lo. Utilizam diferentes formas, também veladas,
de imposições espirituais, proibições, restrições e ameaças. Este tipo de
procedimento passa a ser instrumento de líderes espirituais com o objetivo de fazer
o liderado direcionar-se ao que é conveniente à comunidade.
Nestas comunidades, os conflitos e crises conseguem ser ocultado por mais
tempo, pois a “conivência harmônica” faz parte da expectativa da igreja, assim as
crises relacionais só vêm a ser reveladas em última instância. Em uma comunidade
eclesiástica, qualquer razão que no julgamento de seus dirigentes, justifique, pode
vir a ser suficiente forma de discriminação ou punição espiritual de um congregado.
O senso de julgamento de quem tem poder, predomina sobre aqueles que não tem,
desencadeando assim o abuso espiritual, bem como, conflitos intra e inter pessoais
entre congregados.
A punição neste sentido, inspira medo e põe o homem perante a constante
exigência de conduzir sua vida em harmonia com leis formuladas por Deus e seus
representantes – no caso, seus líderes na igreja.22 E o que leva até mesmo ao caos
nas relações pessoais é justamente o fato de estes representantes serem falhos e
definirem regras unilaterais. Tomam decisões de forma a se beneficiarem, se
protegem de seus próprios medos e satisfazem seus próprios desejos, criando
típicos ambientes abusivos. É o homem que desenvolve seu medo diante de Deus,
quando se deixa inspirar por uma teologia de êxito, em vez de basear sua fé no
Deus de ternura e amor prenunciado nas escrituras.23
Assim, são muitos os líderes religiosos que, de forma abusiva, fazem uso
destes argumentos, basicamente fortalecidos pelo receio que seus congregados têm
de perder o espaço no grupo, ou sua “posição no céu”. Tais homens se utilizam 22 Hugo ASSMAN e Jung MO SUNG, Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança, p. 103. 23 Ibid., p. 104.
23
psicologicamente disto como instrumento de coação não só para moldar condutas
como também para manter tais membros junto à suas comunidades.
Estes congregados, por sua vez, molestados pela premissa de que não são
bem sucedidos materialmente porque não satisfazem as exigências de Deus são
alimentados em sua busca pelas bênçãos, reforçando assim o senso de
competitividade. O espaço da própria comunidade eclesiástica provoca conflitos e
luta pelo poder, mesmo em um local onde se deveria aprender e ensinar
solidariedade se alimenta a divergência.
Neste ambiente, a teologia da prosperidade tem espaço, ela defende a
premissa de que o acúmulo de riquezas é um direito homologado por Deus aos
cristãos anteriormente ao princípio da justiça e da distribuição. Segundo Edênio
Valle, esta teologia é uma legitimação do neoliberalismo da lógica do mercado. Tal
teologia insinua que a mentalidade de consumo, típica da cultura das massas é
agradável a Deus. 24
Na visão da teologia da prosperidade o homem espiritual, deve almejar
sempre por mais bens, mesmo em países subdesenvolvidos, e ver nestes bens a
constatação de sua eleição por Deus. Aquele que prospera vê-se recebendo as
bênçãos de Deus e busca os dons e benefícios a que tem direito. A riqueza é dom
de Deus e as pessoas que são abastadas não necessitam sentir vergonha, pois
estão sendo agraciadas pelas bênçãos dEle.
O sagrado entra na ciranda de interesses individualistas e o que deveria
alentar as almas e alimentar os pobres, acaba discriminando o pobre e
atormentando de culpa a alma sequiosa de paz. Na medida em que a saúde
espiritual de alguém é um aspecto indispensável para a saúde interpessoal, elas só
podem ser separadas teoricamente, o que machuca ou cura um relacionamento 24 Edênio VALLE, Psicologia e experiência religiosa, p. 163-164.
24
interpessoal, tende a machucar ou curar o relacionamento desta mesma pessoa com
Deus.25
Uma pastoral consciente, deve ensinar e viver na harmonia, instruir e
exemplificar a cooperação, doutrinar e criar bons hábitos. Ela deve conhecer sobre o
outro, os infortúnios que o afligem, seus relacionamentos e conflitos, e na visão de
Deus, o doador da esperança, ajudar este outro, por meio de uma conduta solidária.
E para que isso seja possível, se faz necessário conhecer a influência que a
formação das relações sociais de um indivíduo pode ter no surgimento de seus
conflitos. Visto que parece ser na formação destas relações sociais que muitas
condutas e hábitos relacionais são formados.
25 David G. BENNER, Care of souls: revisioning christian nurture and counsel, p.127.
25
2. FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Tem se observado que conflitos e relacionamentos interpessoais passaram a
ser um dos principais problemas da sociedade contemporânea. Nas escolas, por
exemplo, a indisciplina e a violência têm encaminhado centenas de professores para
tratamento em especialistas nas áreas clínica, psicológica e psiquiátrica. Segundo
uma pesquisa da Apeoesp (Associação dos Professores do Estado de São Paulo),
realizada em 2003, observou-se que 46% dos professores pesquisados demonstram
algum sintoma de estresse – e que entre as mulheres, esse número aumenta,
chegando a 51%.26
No estado do Mato Grosso, nunca se concedeu tantas licenças médicas para
profissionais da área de ensino. Elas perfazem um total de 60%, de onde 38% tem
relação com transtornos mentais. Segundo a Unesco (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em 2002, 54,8% dos professores
apontaram a falta de controle disciplinar na sala, como problema.27 Entre os
problemas de ordem disciplinar estão as constantes brigas e atos de violência entre
as crianças.
Quando se pensa em resolução de conflitos somos remetidos ao que muitos
entendem como estabelecimento de regras, castigos, e recompensas. Talvez porque
a educação formal parece se basear muito nestes parâmetros. O paradigma,
formado em torno de resoluções práticas e automáticas para os problemas da vida
não funciona quando tais problemas dizem respeito à formação de caráter e à
administração de relacionamentos.
26 Augusto CURY, Pais brilhantes, professores fascinantes, p. 29. 27 Ibid., p. 29.
26
Para as leituras da realidade consoante à resolução de conflitos, deve-se
refletir por meio de uma práxis que respeite a individualidade e a autonomia das
pessoas, auxiliando-as em seus relacionamentos interpessoais. Um indivíduo
deveria valorizar o outro, como agente promotor de seu bem estar, sua atitude de
fazer algo em benefício de alguém, não deveria ser reflexo de necessidades
pessoais, objetivando receber algo em troca e sim, tão somente, ajudar o próximo.
Para compreensão e melhor entendimento desta dinâmica relacional, serão
utilizados estudos na área da filosofia e da psicologia utilizando nomes como
Emanuel Kant, Jean Piaget, Lawrence Kohlberg, Lev Vygotsky e mais recentemente
Robert Selman quanto à formação social do indivíduo. A Psicologia social também
dará sua contribuição na menção de Erick Erickson. E finalmente as pesquisas de
Harry Stack Sullivan, concernentes à influência que a ansiedade exerce nos
relacionamentos interpessoais.
2.1. Visão filosófica de Kant: relações sociais e moralidade
O filósofo alemão Emanuel Kant, no século XVIII, já considerava princípios de
ética do dever entre indivíduos em seus escritos, ao conceber moral como algo
adquirido para a facilitação das relações interpessoais.28 Em seu pensamento Kant
entendia que as relações entre pessoas concebem as atitudes morais, ao mesmo
tempo em que estas atitudes morais, irão influenciar positiva ou negativamente estas
relações. A moral, fonte de respeito e princípio delineador de direitos e deveres é
considerada por Kant, base para um relacionamento saudável.
28 Lino de MACEDO (Org.) Cinco estudos de educação moral, p. 38.
27
Neste sentido, Emanuel Kant incluiu em sua pesquisa o termo “autonomia”,
produto de um raciocínio que soma a racionalidade e a emoção, utilizando como
filtro, o bem estar das partes e não de um único indivíduo.29 Para Kant, a
racionalidade e a emoção poderiam e deveriam ser produtoras de uma conduta
relacional saudável, a qual ele entende e define como autônoma.
O raciocínio, como instrumento unificador da razão com a emoção, deve ser
plausível em seu resultado, mesmo porque trabalha com dois objetos diferentes e
que não são em tudo harmoniosos. A razão é lógica e prática, enquanto a emoção é
sensitiva e muitas vezes impulsiva.
Kant entendia que, para que o bem estar relacional pudesse existir, a razão e
a lógica deveriam ser filtradas. Ou seja, avaliadas de uma forma consciente
considerando as partes, e não a unilateralidade como única beneficiada. Em certo
sentido, Kant definiu que nenhuma ação individualista poderia ser produtora de
autonomia, e que esta autonomia, norteadora da ação saudável no relacionamento
social, é baseada no bem estar mútuo.
Assim ele considera que para existir autonomia é necessário compreensão. A
autonomia resultante desta compreensão é por sua vez promotora de
responsabilidade, desde que a mesma também considera o outro como beneficiado
pela ação. Pode-se dizer desta forma que a autonomia é valiosa no nascimento da
compreensão e em sua competência para as relações sociais.
Para Kant, o conceito de autonomia em certo sentido, se opõe ao conceito de
heteronomia, que caracteriza o indivíduo que se abstém do julgamento produzido
por este raciocínio compartilhado, citado acima e permite ser governado por outro.30
O governo do outro estabelece uma conduta controlada, ou seja, não autônoma.
29 Lino de MACEDO (Org.) Cinco estudos de educação moral, p. 38. 30 Ibid.
28
Neste sentido a produção da compreensão, que é responsabilidade desenvolvida
pela autonomia, é obstruída pela intervenção de um ser que exerce domínio sobre o
agente da ação.
Observa-se que essa ação além de obstruir a iniciativa do raciocínio
compartilhado, oferece lugar de destaque à individualidade, porque a ação
heterônoma é imposta, sendo o que Kant denomina de governo do outro. Assim, o
que predomina dentro da relação social é o desejo controlador do que governa e não
o senso comum entre as partes envolvidas.
É singular observar também que a obediência ao senso heterônomo tem uma
razão que a justifica. Esta razão para alguns é entendida como sendo uma fuga da
responsabilidade que viria como resultado da ação. Em obedecer a regras e
imposições alheias, o indivíduo se afasta das conseqüências provenientes desta
mesma ação, sendo que outro a impôs, ele não se vê como responsável pela
mesma.
Desta forma, se explica porque o senso de responsabilidade é ignorado na
conduta heterônoma. Pois ao mesmo tempo em que a preservação e proteção
pessoal objetiva não sofrer a conseqüência do ato em relação ao outro, ela passa a
ser também base de onde se origina a ação individualista no relacionamento.
Outro aspecto na teoria de Kant que diz respeito ao bem estar de um
relacionamento social é salientado pela moral, como objeto adquirido através da
autonomia, a qual em sua opinião facilita as relações sociais. A atitude moral, na
visão de Kant, propõe uma inter-relação na qual não haveria agressão ao outro. As
atitudes deveriam ser aceitas bilateralmente e as ações levariam em conta as
influências não só externas, mas principalmente os motivos e conseqüências
29
relacionais internos.31 Neste sentido o nível de tensão ou desacordo entre as partes
quase que inexiste. No que se aumenta o sentimento de aceitação se diminui a
ansiedade produzida pelo desacordo.
O desacordo, produto de ações unilaterais causador da tensão e conflito no
relacionamento vem a ser consideravelmente nulo na conduta autônoma pela
racionalização das partes, tendo como resultado a harmonia. Porém este mesmo
objeto é evidenciado na conduta heterônoma, desde que não contempla as partes e
sim uma parte, é unilateral, causando tensão e conseqüentemente, conflitos.
Em defesa de sua posição, Kant faz questão de salientar o valor da
racionalidade para se encontrar o que é benéfico em uma relação interpessoal. Ele
entende que uma atitude racional produzirá um comportamento coerente e salutar,
gerando, em conseqüência, uma conduta com resultados positivos. É por isso que
Kant justifica sua visão, quando defende que a autonomia leva em consideração o
potencial de universalidade, o valor do coletivo, e não só do unitário. Valorizar este
potencial significa seguir princípios autônomos.
A autonomia como mencionada, tem relação com a universalidade, e é uma
ação produto de um raciocínio que soma racionalidade e a emoção, utilizando como
filtro, o bem estar das partes e não de um único indivíduo. Esta também deve ser
uma máxima para o bem estar interpessoal.
Em contraponto, a imposição se destaca como ato arbitrário valorizando
regras e restrições no desenvolver das relações interpessoais. Esta ação obrigatória
exalta a autoridade, contempla o poder e abre espaço para a discriminação entre
pessoas. Todas estas resultantes são agentes produtores de ansiedade e tensão
relacional, sendo também fortes criadores de conflitos no seio das relações
interpessoais. Eliminam assim o respeito, que é visto por meio do raciocínio que 31Lino de MACEDO (Org.) Cinco estudos de educação moral, p. 38.
30
considera a razão e a emoção, prestigia a vontade do outro e elimina parte do
desacordo e da conseqüente tensão advinda do mesmo.
A heteronomia que por sua vez, consiste em seguir o pré-estabelecido
baseado nas mesmas leis e regras impostas, deveria ser evitada. Assim as relações
entre pessoas estariam sendo concebidas por meio de atitudes morais,
conseqüentemente estas mesmas relações e atitudes iriam influenciar positivamente
suas futuras relações interpessoais.
Para Kant não existe moralidade sem autonomia, parece plausível também
afirmar que não existe autonomia sem compreensão. Compreensão é fundamental
para o relacionamento interpessoal harmônico e sem esta compreensão o
entendimento é impossível de existir. O que provavelmente irá existir é uma relação
tensa entre partes, pois, desde que não existe entendimento em uma relação, a
mesma fica aberta à tensão que por sua vez será produtora de conflito.
2.2. Piaget: contribuição da epistemologia genética
A visão de Jean Piaget observa algo que muitos estudiosos defendem e
apregoam em suas teorias, que é, a considerável influência que o ambiente de
convívio diário exerce na formação de uma pessoa. Sendo psicólogo e
epistemólogo Piaget entendia que os valores morais são construídos a partir da
interação do sujeito com os diversos ambientes sociais como: família, escola,
amigos, sociedade e meios de comunicação.32
32 Yves de LA TAILLE; Marta OLIVEIRA; Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 14
31
Ele argumenta que é durante a convivência diária, com adultos e seus pares
em situações diversas e em meio a problemas diversos, que a criança irá construir
seus valores, princípios e normas morais.
Esta afirmação coloca uma forte carga de responsabilidade sobre as pessoas
envolvidas no convívio de alguém, sobretudo no período da infância, quando este
ambiente passa a ser um dos responsáveis por grande parte da formação da
mesma. Para Piaget todo o contexto relacional de alguém vem a ser fator
fundamental na formação desta pessoa, em especial de suas concepções e
assimilações sócio relacionais.
A obra de Levy-Bruhl, sobre a ciência dos costumes, escrita no início do
século XX, parece ter inspirado Piaget. Ele criticava a chamada moral teórica,
atribuindo a ela alguns erros, entre eles: a crença numa natureza humana, a
conformação à consciência moral da época, a crença na harmonia da consciência
moral humana e a confusão feita entre explicação e normatização.
Foi daí que Piaget procurou através do método científico pensar e explicar a
moralidade humana dentro de relacionamentos interpessoais, utilizando em primeira
instância, a observação e a pesquisa com o comportamento das crianças. Piaget
lançou mão de situações de jogos com crianças para avaliar o respeito às regras,
relacionando, posteriormente, seus resultados aos relacionamentos sociais e o
respeito às suas regras.
Para ele toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas
regras.33 Essa aquisição do respeito às regras foi o foco de sua pesquisa sobre o
desenvolvimento da moralidade em relacionamentos.
33 Jean PIAGET, O juízo moral da criança, p. 23.
32
Essas regras seriam transmitidas pelos adultos, sendo este, filtro ou fonte de
regras. Após observação e pesquisa, Piaget concluiu que existe uma diferença entre
a prática da regra e a consciência de mesma, e lançou a hipótese da existência de
duas morais. A primeira, advinda da coação, a qual associa o bem ao que advêm de
uma autoridade, e a segunda, proveniente de relações de cooperação e que associa
o bem ao respeito mútuo.34
Neste sentido, pode-se observar a relação dos estudos de Piaget com os
realizados por Emanuel Kant quanto aos fatores de formação social relacionados à
autonomia e a heteronomia. O que seria para Piaget a moral advinda de uma ação
de coação, pode ser o que Kant chamaria de ação heterônoma, que é imposta. E a
moral advinda de uma ação cooperativa, que produz uma ação espontânea, seria o
que Kant chamaria de autonomia.
A primeira moral advinda da coação, associa o bem, ao que advêm de uma
autoridade, e tem como resultado a formação de uma moral heterônoma. E a
segunda, proveniente de relações de cooperação, associa o bem, ao respeito mútuo
e leva à formação de uma moral autônoma – uma assimilação racional do motivo da
regra.35
Piaget identificou quatro estágios de prática de regras e três estágios de
consciência de regras que de certa forma acompanham os estágios de
desenvolvimento intelectual: na prática das regras, o primeiro estágio de 0 a 2 anos,
chamado de motor e individual, a criança se comporta conforme seus desejos e
hábitos, nele só existem regras motoras. O segundo estágio de 2 a 5 anos, o
indivíduo é egocêntrico, imita regras, mas joga sozinho sem precisar vencer. O
terceiro estágio de 7 a 8 anos, envolve cooperação, controle e unificação das regras,
34 Jean PIAGET, O juízo moral da criança, p. 40. 35 Ibid.
33
para este estágio vencer é essencial, porém há uma variação na interpretação das
regras. O quarto estágio de 9 a 11 anos, faz a codificação das regras, há
concordância em relação às regras e variações não são permitidas.
Quanto à consciência das regras, Piaget identificou três estágios. No primeiro
estágio, a regra não é coercitiva, ela é puramente motora, no segundo, começa no
meio da fase egocêntrica e vai até a metade do estágio da cooperação, a regra é
sagrada, de origem adulta externa e a modificação desta significa transgressão, e no
terceiro, a lei é advinda do consentimento mútuo, o respeito à regra é obrigatório e
sua modificação deve ser consensual.36
Na prática das regras, a criança parte de uma anomia, que é a inconsciência
de regras, passa pela simples imitação da regra à unificação da regra, até a
codificação dela. Ela ignora a regra, depois a imita, pratica como pode e depois
codifica e conhece a regra praticando-a.
Já quanto à consciência da regra, isto é, a compreensão do porque da regra,
a criança inicia inconsciente à prática obrigatória da regra, depois passa do estágio
onde a regra é sagrada até o estágio onde ela interioriza a regra coletiva, e esta
aparece como livre resultado do consentimento mútuo e da consciência autônoma. A
contribuição social é essencial para que a consciência da regra se desenvolva. Sem
as relações sociais o indivíduo permanece egocêntrico e imitador.37
Por fim, Piaget afirma em uma máxima coerente com sua pesquisa que a
consciência moral das regras nasce da cooperação entre indivíduos e do respeito
mútuo. Neste sentido se observa que a presença da ação consciente de Kant é mais
uma vez observada em Piaget, e justifica que o ato autônomo concebe segurança
36 Jean PIAGET, O juízo moral da criança, p. 297. 37 Telma VINHA, O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista, p. 67.
34
inter-relacional, produz a consciência de igualdade e evoca a idéia de justiça, que,
por sua vez, leva à apreciação da razão das regras.
Por outro lado, a ação isenta desta consciência moral, que é a ação
heterônoma, desenvolve o senso ego-centrado ou individualista, pois não é
cooperativa, concebe tensão ao relacionamento, podendo ser produtor de conflito.
La Taille, comentando Piaget, descreve a fase denominada de “realismo
moral”, como aquela onde a criança ainda não é consciente da intencionalidade por
trás dos atos, no que diz respeito ao juízo moral e as regras ainda não
compreendidas. Para ela o dever significa tão somente obediência a uma lei
revelada e imposta pelos adultos, a qual ela deve obedecer.38 Da mesma forma
como na relação heteronomia, onde o respeito à regra advêm da junção entre o
amor e o medo que a criança sente pela autoridade produtora da regra, ela
está diretamente relacionada à determinada sanção, o que por sua vez não produz
resultados pacificadores no relacionamento.
Mais tarde, no estágio da autonomia, a criança compreenderá os deveres
como decorrentes de obrigações mútuas que implicam acordos entre as
consciências e não mera conformidade das ações a determinados mandamentos.39
Este respeito se desliga da autoridade e a relação de amor e medo se volta para o
igual. A construção da autonomia, por conseguinte, exige interação e aprendizado
da cooperação como base para bons relacionamentos interpessoais.
Quanto à relação entre moral e conflito interpessoal, Piaget entende que
conflito ocorre tanto no interior do sujeito como entre os indivíduos, e os vê como
necessários ao desenvolvimento através do processo de equilibração e assimilação
que levaria à construção de conhecimentos, quer sejam cognitivos, afetivos ou
38 Yves de LA TAILLE, A dimensão ética na obra de Jean Piaget, p.79. 39 Ibid., p. 79.
35
sócio-morais.40 Pode-se concluir que para Piaget o conflito tem um valor construtivo
e pode ser visto como instrumento de amadurecimento interpessoal.
Através de suas pesquisas sobre o surgimento do respeito às regras e leis e
construção da moralidade, Piaget também concluiu que a prática e a consciência
das regras são duas coisas distintas, porém, em existindo a consciência das regras,
um relacionamento social pode desfrutar do chamado processo de equilibração e
assimilação (conflito e resolução) que leva à construção de conhecimentos.
Assim como Kant, Piaget entendeu também que um ato que não contemple a
racionalidade, o que ele define como consciência de uma regra, compreensão do
porque ela existe, não desenvolveria relações equilibradas, podendo este dar
espaço para a origem e crescimento de desajustes relacionais. Para estes autores o
cumprimento de regras deve considerar algo que vai além do conhecimento puro e
simples das mesmas, ele deve partir da compreensão através da ótica racional
cooperativa, onde o bem comum deve ser apreciado.
Piaget coloca a cooperação como fator primordial para o desenvolvimento da
consciência das regras, ele define cooperação como sendo o estabelecimento de
trocas equilibradas com o outro. Tal atitude provoca descentração, que resulta na
diminuição do egocentrismo.41 É importante observar que na medida em que esta
diminuição do egocentrismo se estabelece o senso de individualidade, competição e
influência diminuem. E à medida em que esta diminuição acontece se afrouxa
também a tensão relacional ou a ansiedade produzida pelo desequilibrio no
relacionamento interpessoal.
E por fim, Piaget concebe a idéia de conexão, como resultante de um
processo de relações interpessoais em superação e equilíbrio que é baseado no
40 Yves LA TAILLE, Marta OLIVEIRA, Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 14. 41 Telma VINHA, O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista, p. 42-45.
36
conhecimento. Piaget formulou que é necessário que haja conhecimento para que
exista desenvolvimento interpessoal. É necessário também que haja confrontação,
comparação e reflexão do processo interativo para que haja avanço no
entendimento coletivo.42
Estas assertivas sobre crescimento interpessoal e superação, em sua teoria
do desenvolvimento, reafirmam o papel do conhecimento inter-relacional como
fundamental. Assim sua dinâmica, seus conflitos e sua esperança são objetos de
pesquisa necessários para o entendimento e superação dos conflitos.
2.3. Kohlberg: estágios das relações sociais
Lawrence Kohlberg foi professor de psicologia social e educação na
Universidade de Harvard. Em Harvard ele desenvolveu estudos sobre a moralidade
em relacionamentos interpessoais, ampliando e completando as pesquisas de
Piaget. Em 1969, Kohlberg escreveu sobre um modelo de estágios de
desenvolvimento estrutural43 e demonstrou como a abordagem de Piaget pode ser
aplicada ao desenvolvimento do conhecimento social e a compreensão de
relacionamentos interpessoais.
Kohlberg identificou seis estágios de relacionamentos pessoais, e descreveu
esses estágios, agrupados em três níveis: nível pré-convencional que se baseia nas
normas culturais, onde o cumprimento de normas é dirigido pela punição/
recompensa ou pelo poder de quem emite a lei; nível convencional, no qual, o
indivíduo entra em um estágio de conformidade e lealdade à ordem constituída; e o
42 Yves LA TAILLE, Marta OLIVEIRA, Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 38. 43 Ibid.
37
nível pós-convencional, autônomo ou de princípio, onde há um esforço para
compreensão dos valores morais válidos e aplicáveis.44
No primeiro estágio, o bem e o mal são definidos pela relação das
conseqüências físicas acarretadas,45 neste sentido já se observa a presença da
tensão e da ansiedade dentro da dinâmica relacional. No segundo estágio, a
concepção de bem e mal se torna relativa à auto-satisfação e a reciprocidade, e é
puramente comercial. Neste sentido baseia-se em interesses próprios fortalecendo
assim a individualidade. E no terceiro estágio, a boa intenção entra como
determinante na obediência às regras, e o alvo é ser agradável aos outros.46 Há
uma ação de negação pessoal, não voluntária e também produtora de tensão à
medida que a intenção não é alcançada.
No quarto estágio, o bem se relaciona ao cumprimento do dever em relação à
sociedade pela simples vontade de fazê-lo.47 Neste caso, a eliminação da tensão é
possível por meio da liberdade da ação. Na descrição do quinto estágio, o bem tem
a ver com o direito individual e civil e, diante disso, os valores pessoais se tornam
relativos. E o sexto e último estágio, onde o bem passa a ser definido por uma
consciência abstrata de acordo com princípios éticos e voltados para o universal,
para a coerência, reciprocidade, respeito e dignidade mútua.48
Para Kohlberg, os estágios das relações interpessoais eram considerados
invariáveis e ordenados; para ele seria improvável que alguém em um estágio
inferior conseguisse compreender o raciocínio moral do estágio superior; neste
sentido estes estágios seriam de certa forma progressivos. Uma pessoa em um
estágio, seria sempre propensa a desenvolver o próximo estágio pela facilitação que
44 Lino de MACEDO (Org.) Cinco estudos de educação moral, p. 38. 45 Ibid. 46 Ibid. 47 Ibid. 48 Ibid.
38
este ofereceria na solução do problema. Para haver a progressão ao próximo
estágio seria imprescindível que ocorresse um desequilíbrio cognitivo diante de um
problema moral, precedido por uma adaptação à nova estrutura; e por fim, os
estágios caminham sempre na direção da abstração e da adequação ao sistema
social.
Kohlberg, ao contrário de Piaget, entendia que não havia necessariamente
relação entre idade cronológica ou capacidade cognitiva e desenvolvimento moral.
Estudando vários estágios no comportamento humano, ele observou que a rigidez e
as penalidades em sociedades são os fatores que levam as pessoas a tensões por
condutas impostas. Neste caso, elas não são pensadas ou julgadas, e geram uma
relação onde há a eliminação da coerência e do julgamento das partes,
característicos de uma relação autônoma, aumentando assim o nível de tensão.
O pensamento de Kohlberg sobre rigidez e penalidades em sociedades e a
influência negativa que isto vem a acarretar nos relacionamentos interpessoais
fortalecem colocações de Kant e Piaget. Entre outras coisas, observa-se uma clara
relação entre os três autores e suas colocações sobre ação imposta e conflitos
interpessoais, e ação voluntária e equilíbrio relacional. Colocações que por sua vez
são de considerável valor na analise e entendimento dos conflitos em
relacionamentos interpessoais.
2.4. Vygotsky: influência do meio na formação
Lev S. Vygotsky nasceu em Orsha na Bielorrusia, psicólogo, contemporâneo
de Piaget era professor e pesquisador. Em suas pesquisas sobre a formação social
do indivíduo desenvolveu pressupostos básicos na defesa de que uma pessoa é
39
constituída como resultado de sua relação com o outro. O relacionamento social em
que alguém está inserido, segundo Vygotsky, tende a moldar sua conduta
psicológica. E a cultura passa a ser parte da natureza de uma pessoa. Ele entendia
que as funções psicológicas superiores do cérebro são construídas ao longo da
história dos relacionamentos sociais do homem.49
Vygotsky rejeitou a idéia de funções mentais fixas e imutáveis, ele entendia o
cérebro como um sistema mental aberto, acessível à influência externa e com
estruturas e modos de funcionamento em construção ao longo do processo de
desenvolvimento do ser humano.50 Neste particular, não diferentemente de Kant,
Piaget e Kohlberg, ele entendia que os instrumentos e símbolos construídos por
meio do relacionamento social definem a forma de ação do indivíduo e suas
maneiras de responder e realizar tarefas. Sendo assim, estes instrumentos e
símbolos passam a ser componentes significativos na forma em que um individuo se
relaciona e ou responde a relacionamentos com outros.
Em Vygotsky, os conceitos são construções culturais internalizadas pela
pessoa ao longo de sua vida, e eles são fornecidos pelo grupo onde este indivíduo
está sendo formado. Tais conceitos, uma vez assimilados, são também
transformados em ações e transferidos a outros em forma de novas ações e
conceitos. A esta dinâmica de influência que, na visão dos autores já citados, tem
direta ligação com a relação do indivíduo e seu ambiente de convívio, o que resta,
seria identificar tais postulados e relacioná-los com a ansiedade e seu fator promotor
de conflitos nos relacionamentos interpessoais.
No processo de formação de conceitos descrito por Vygotsky, existe o
intercâmbio social e o pensamento generalizante. A linguagem ordena as instâncias 49 Yves de LA TAILLE, Marta OLIVEIRA, Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 24. 50 Ibid., p. 24.
40
do mundo real em categorias conceituais, cujo significado é compartilhado pelos
outros que tem a mesma linguagem.51 A influência do que foi absorvido por um
indivíduo, passa a ser, em potencial o que deverá ser absorvido por outro ser, pelo
envolvimento com aquele indivíduo.
O que Kant descreve como heteronomia caracterizada por assimilação isenta
da razão e permeada pelo governo do outro, Piaget definiria como conduta advinda
de coação, a qual associa o bem ao que advêm de uma autoridade e tem como
resultado a formação de uma moral heterônoma. Para Kohlberg isso tem relação
com o nível pré-convencional onde condutas relacionais se baseiam nas normas
culturais e o cumprimento destas é dirigido pela punição/ recompensa ou pelo poder
de quem emite a lei. Desta forma estes autores seriam reafirmados por Vygotsky
através de sua teoria de assimilação conceitual por meio da linguagem e a influência
da mesma na formação social de um indivíduo. É através da linguagem que o
indivíduo desenvolve o comportamento heterônomo ou autônomo provocado por
suas relações sociais.
Na formação de conceitos o signo é a palavra, que em príncipio tem o papel
de instrumento na formação de um conceito, e posteriormente irá tornar-se seu
símbolo. Ela desempenha um papel central não só no desenvolvimento do
pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. É
neste momento que os autores se encontram, quando afirmam que os
relacionamentos interpessoais são formadores das concepções de valores, de
formas de ver o outro, e da vida como um todo.
Entende-se assim a relação destes autores, seus estudos e os pressupostos
básicos de Vygotsky de que um indivíduo é constituído do resultado de suas
51 Yves de LA TAILLE, Marta OLIVEIRA, Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 27.
41
relações com o outro, de sua dinâmica interpessoal. Pode-se entender também a
resultante conflitual que estes relacionamentos passam a ter. O poder da palavra
transmitida por coação ou medo sempre irá culminar em um ato conflitante, visto ser
contrário ao senso da harmonia, da cooperação e da voluntariedade, instrumentos
comuns a uma relação menos tensa.
As assimilações, resultantes do contexto tenso ou de relações equilibradas
são produtoras de internalização em cada individuo. E este mundo interior segundo
Vygotsky, passará a responder pelos processos de pensamento, auto regulação,
planejamento, monitoração do funcionamento afetivo-volitivo de alguém.52
Em sintonia com estes autores já citados, esta interiorização na vida de um
indivíduo faz parte da construção de seu mundo intra e interpessoal, levando ele a
internalizar uma linguagem que construirá suas relações interpessoais. Em todas
essas circunstâncias a assimilação conceitual por intermédio da linguagem está
presente.
2.5. Selman: níveis de aquisição de perspectiva
Robert L. Selman, professor do departamento de psicologia e psiquiatria da
escola de medicina da Universidade de Harvard, desenvolveu uma teoria piagetiana
sócio-cognitiva, quanto à estrutura do pensamento e seus padrões universais.
Os estudos de Selman são incontestavelmente relacionados com as teorias
sociais de Kant, Piaget, Kohlberg e Vygotsky no que diz respeito às influências
sociais na formação de uma pessoa e sua visão relacional. Para Selman, as
relações sociais são responsáveis pela criação e mudança dos paradigmas 52 Yves de LA TAILLE, Marta OLIVEIRA, Dantas HELOYSA, Teorias psicogenéticas em discussão, p. 83.
42
relacionais, assim como o significado ou representação social de um indivíduo é
produto do contexto social vivido por este mesmo indivíduo.
Neste sentido, Selman desenvolveu uma teoria de cinco níveis de aquisição
de perspectiva, necessários para o desenvolvimento do entendimento dos
relacionamentos interpessoais. Sua proposta é de que o indivíduo passa por
estágios na aquisição da perspectiva do outro. No nível 0, do nascimento aos 6
anos, o conceito do outro é indiferente, nesse nível, as crianças não diferenciam
claramente as características físicas e psicológicas das pessoas. Sentimentos
podem ser observados e reconhecidos, mas a confusão entre o psicológico/
subjetivo e o físico/ objetivo leva à confusão entre ações e sentimentos, entre o
comportamento intencional e o não intencional. Neste nível o conceito de relações
interpessoais é egocêntrico. O eu e os outros são diferenciados somente como
entidades físicas, não entidades psicológicas. Portanto, perspectivas subjetivas são
indiferentes e o fato de que o outro possa interpretar a mesma situação
diferentemente não é reconhecido.53
No nível 1, de 5 a 9 anos, o conceito do outro é diferenciado. O avanço no
desenvolvimento está relacionado à clara diferenciação das características físicas e
psicológicas das pessoas. Atos intencionais e não intencionais são diferenciados,
porém pensamentos, opiniões ou estados emocionais de um indivíduo são ainda
percebidos como seus e não do outro. O conceito de relações interpessoais é
subjetivo. As perspectivas subjetivas de si mesmo e do outro são diferenciadas,
porém a diferença só é reconhecida quando observada através de demonstrações
físicas. As relações de perspectiva são concebidas em termos unilaterais. Não
53 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p.37.
43
havendo noção de reciprocidade, as ações são limitadas à área física e os
indivíduos respondem a ações com ações parecidas.
No nível 2, de 7 a 12 anos, o conceito do outro é auto reflexivo, já se
consegue adquirir a perspectiva dele. Os avanços são na habilidade da
descentração e aquisição de uma auto reflexão ou perspectiva de segunda pessoa
em seus próprios pensamentos e ações. Os estados emocionais e pensamentos são
vistos como potencialmente múltiplos, porém isolados e seqüenciados. Começa a
compreensão de que as pessoas são capazes de atos não intencionais e ocorre o
aparecimento de máscaras sociais: aparência visível para ser mostrada e realidade
verdadeira escondida. O conceito de relações interpessoais é o da reciprocidade.
Passa a existir reciprocidade de pensamentos e emoções além de ações. A criança
se coloca no lugar do outro e percebe que o outro fará o mesmo. Ela também
reconhece a distinção entre aparência e verdade, porém, existe um isolamento
relativo. Dois indivíduos reconhecem um ao outro, porém não reconhecem o sistema
de relacionamento entre eles.
No nível 3, de 10 a 15 anos, o conceito do outro é baseado em um julgamento
do que é melhor para as partes. As pessoas são vistas como sistemas de atitudes e
valores e é desenvolvida a habilidade de assumir a perspectiva de uma terceira
pessoa saindo de sua própria perspectiva e do sistema como um todo. O conceito de
relações interpessoais é mutualidade. A perspectiva da terceira pessoa permite não
só a aquisição da perspectiva do outro, mas também inclui e coordena a sua própria
perspectiva com a do outro em um julgamento que reconhece sistema/ situação. O
adolescente acredita que satisfação social, compreensão ou resoluções de conflitos,
devem ser mútuos e coordenados, a fim de serem genuínos e efetivos.54
54 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p.39.
44
No nível 4, de 12 anos a adulto, o conceito de pessoa é profundo. Duas
noções novas a respeito das pessoas aparecem. A primeira é que existem
interações mais complicadas e interiores que nem sempre podem ser
compreendidas por um ego observador. As pessoas são vistas como sendo capazes
de fazer coisas que elas não querem e não entendem porque não querem. O
segundo, emerge de uma nova noção de personalidade como produto de credos,
valores e atitudes. O conceito de relações interpessoais é simbólico. O indivíduo age
em direção a mutualidade e a níveis mais profundos de comunicação, o jovem adulto
pode abstrair perspectivas mútuas e múltiplas, levando-as a níveis morais, sociais,
legais e convencionais os quais, todos podem compartilhar. Nesta noção o sistema
social é levado em consideração. 55
Vale salientar alguns resultados interessantes da pesquisa de Selman: não há
diferença entre os gêneros no que diz respeito aos estágios; cada nível avançado
em aquisição de perspectiva, representa uma mudança de natureza qualitativa no
entendimento das relações interpessoais. Há uma mudança de paradigmas não
apenas adição de novos dados sociais;56 e por fim, o significado social nasce
predominantemente dos contextos sociais ou interacionais nos quais o indivíduo se
encontra, e não de sua idade cronológica.57
A compreensão de Selman ligada à ação em direção a mutualidade que leva
um indivíduo a atitudes mútuas e múltiplas, fundamenta a perpetuação de qualquer
ação prejudicial a um relacionamento. Esta base analítica envolve e fundamenta
também o espaço da tensão interpessoal entre os indivíduos, o que proporciona o
surgimento de conflitos e suas agravantes relacionais.
55 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p.39-40. 56 Ibid., p.76. 57 Ibid., p.65.
45
Acrescido a isto, Selman também considera a influência do pensamento
simbólico, o qual permite níveis mais profundos de comunicação nos
relacionamentos como interferentes nas áreas morais, sociais, legais e
convencionais da vida de uma pessoa.
Diante dessas observações, é importante que na formação de um diagnóstico
de análise e superação de conflitos se observe o contexto social, não olvidando que
todas as competências inter-relacionais são produtos e produtores de
individualidade, competitividade e de influências, muitas das quais, destrutivas a um
relacionamento.
Em suas pesquisas sobre a aquisição de perspectiva e crescimento do
entendimento interpessoal, Selman também analisou o conceito de amizade, como
as crianças nos diversos níveis, administram os conflitos e suas resoluções.
No nível 0, as amizades são breves e passageiras e as soluções para
conflitos envolvem características físicas. A resolução de conflitos físicos abrangeria
a interferência da atividade ou a separação meramente com intenções físicas, pela
dificuldade que a criança tem de compreender atitudes e diálogos reflexivos. Ela
ainda está no estágio egocêntrico, centra-se em si mesmo e não consegue assimilar
que existe uma discordância entre duas partes, para esta criança, alguém
simplesmente está se pondo em seu caminho.58
Para as crianças no nível 1, as amizades são unilaterais, as soluções para os
conflitos são desconectadas do conflito em si. A criança se encontra ainda em
processo de descentração, ela entende o conflito como um problema que uma parte
sente e a outra causa. Sua compreensão de resolução abrange uma reversão da
58 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p. 108.
46
ação causadora do problema, ou uma ação positiva, ou um pedido de desculpas por
parte de quem iniciou o conflito.59
No nível 2, as amizades já se tornam bilaterais e a resolução dos conflitos
envolve a atitude cooperativa, que deve ser permeada pela sensibilidade e
julgamento de ambas as partes. Neste nível existe a consciência de que não há
como resolver um conflito sozinho e de que algumas atitudes são produtos do
momento de raiva havendo precisão de parar para acalmar-se; outra característica
desta fase é o pensamento de que a fonte dos conflitos é sempre externa;
sinceridade é chave para resolução; e pode-se mudar a opinião do outro
dialógicamente.60
No nível 3, se passa a ter uma maior estabilidade nas amizades e soluções
mútuas para os conflitos com satisfação de ambas as partes, envolvendo resoluções
verbais ou mentais. Aflora o reconhecimento de que conflitos podem existir por
diferenças de personalidade e que sua solução pode significar mudanças nas
mesmas. Conflitos também são vistos como fortalecedores de amizades e há a
distinção entre conflitos superficiais e laços profundos de amizade.61
Por fim, no nível 4, segue um grau mais profundo de amizade, a qual envolve
interdependência autônoma e a utilização da ação simbólica para a resolução dos
conflitos. Isso implica em manter as linhas de comunicação abertas bem como o
equilíbrio entre independência e a manutenção de um contato com sentimentos
interiores próprios.62
É interessante observar que assim como nos estágios anteriores, o
desenvolvimento de uma fase para outra é influenciado pelas relações que o
59 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p. 108. 60 Ibid., p.110. 61 Ibid., p.112. 62 Ibid., p.114.
47
indivíduo está exposto, as quais servem como modelo e modeladores das relações
sociais.
Os níveis de resolução de conflitos são potencialidades de cada indivíduo,
não quer dizer necessariamente que a pessoa agirá assim em determinada idade.
Porém permanece a assertiva de que o indivíduo adulto tem a capacidade e a
potencialidade para lidar com conflitos, das formas acima descritas.
2.6. Erikson: contribuição da psicologia social
Como foi descrito nos parágrafos anteriores, a psicologia genética muito tem
a acrescentar em termos de conhecimento sobre a formação da estrutura social do
indíviduo, porém, de forma alguma esgota o assunto, cedendo espaço para que se
possa buscar em outros construtos, como o da psicologia social, um olhar
diferenciado e significativo sobre o tema.
Segundo Cloninger, Erik Homberger Erikson, nascido na Alemanha e
professor de Psicologia da Universidade da Califórnia, é um dos representantes da
perspectiva sócio psicanalítica e compartilhador da tese da importância dos fatores
sociais na formação do indivíduo, além, é claro, do ego, parte de sua herança
freudiana.63
Erikson afirmava que cada pessoa desenvolve-se dentro de uma determinada
sociedade, e que por intermédio de seus padrões específicos de educação e suas
instituições sociais, esta pessoa é influenciada e exerce forte influência sobre a
maneira como as outras resolvem seus conflitos.64 Pode-se concluir através da
expressão de seu pensamento que, o fator social em que o indivíduo está inserido, 63 Susan C. CLONINGER, Teorias da personalidade, p. 146. 64 Ibid., p. 149.
48
adicionado as questões biológicas, determinará as ações e pensamentos deste em
termos de resolução de seus conflitos intra e inter-individuais.
Sua teoria está fundamentada na proposição de que, assim como no
crescimento físico do feto, as outras estruturas do ser humano, também se
desenvolvem sequencialmente até atingirem sua globalidade. Diferentemente de
alguns teóricos da psicologia genética, Erickson reconhece a religião como
instituição cultural fortalecedora do ego e sustentáculo da confiança e da
esperança.65
Ele destaca oito fases psicossociais, reinterpretando o trabalho de Freud.
Essas fases envolvem crises e conflitos dos quais insurge uma nova fase, e cada
uma delas é influenciada pelo aspecto social. Partindo do relacionamento primeiro
com a mãe e seguindo todos os relacionamentos significativos que o indivíduo tem
durante sua existência. 66
As leituras de respostas das pessoas ao indivíduo determinam, em parte, seu
desenvolvimento para a próxima fase. Isto é, seus relacionamentos são
significativos, para o seu desenvolvimento psicossocial, assim como no construto
anterior, relações influenciam a formação do indivíduo, que por sua vez influenciarão
seus futuros relacionamentos, sendo sujeito e objeto em seu desenvolvimento.
Segundo Erickson, as fases são: confiança versus desconfiança, a qual é
adquirida pela criança ainda bebê pelo contato com sua genitora e satisfação ou não
de suas necessidades.67 A segunda, envolve autonomia versus vergonha e dúvida.
Entendendo que o vocábulo autonomia utilizado por Erickson não representa, pelo
menos em sua origem, o que representa na psicologia genética, tem significado
diferenciado, ele compreende o ato de contenção da musculatura e asseio pessoal 65 Susan C. CLONINGER, Teorias da personalidade, p. 150. 66 Ibid., p. 153. 67 Ibid., p. 154.
49
como raízes da autonomia no indivíduo. O indivíduo desenvolve seu primeiro
lampejo de autonomia e vergonha através do uso do banheiro. Assim como na fase
anterior uma porção de vergonha e dúvida é colocada como necessária para a futura
vida social.68
A terceira fase descreve iniciativa versus culpa e é influenciada pela força de
representação dos pais. A criança percebe-se em termos de gênero e
potencialidade. A quarta fase, produtividade versus inferioridade, é ligada a
escolaridade e ao senso de produção significativa e reconhecimento, nessa fase, os
professores tem um papel expressivo como fonte de aprovação.
Na quinta, se tem identidade versus confusão de identidade e é observada na
adolescência, na qual mais uma vez, o papel da sociedade determina, em parte as
crises e conflitos que envolvem a descoberta da individualidade e significação desta
para os outros. O jovem retira o seu olhar dos pais e busca a si mesmo
ocupacionalmente e representativamente na sociedade. A confusão de identidade
acontece quando não se acha coerência ou quando se opta por uma identidade
negativa através da modelagem. A autonomia em sua essência, é peça chave para
um bom desenvolvimento dessa fase, equilibrada com a vinculação ainda existente
com a família. A moratória e o experimento também aparecem como facilitadores no
bom desenvolvimento da mesma.69
A sexta fase compreende a intimidade versus isolamento e acontece na idade
adulta, esta fase só ocorre quando a quinta é resolvida, pois o indivíduo só está
pronto para um relacionamento mais íntimo e recíproco quando descobre e assegura
sua identidade. O casamento equivale ao momento da crise que resultará na
próxima fase descrita como generatividade versus estagnação. Este momento é
68 Susan C. CLONINGER, Teorias da personalidade, p. 154. 69 Ibid., p. 155 e 156.
50
caracterizado pelo desejo de estabelecer, orientar e prover para a próxima geração.
E quando não se constroem relacionamentos nestas bases, acontece a estagnação.
A última fase é caracterizada pela integridade versus esperança. O senso de
integridade implica na capacidade de olhar retrospectivamente para a própria vida e
admitir que ela tem sentido do jeito como foi vivida, sem desejar que as coisas
tivessem sido diferentes. O contraponto desse sentimento evoca a desesperança e a
não aceitação do fim de todos os homens.70
Uma contribuição da psicologia social de Eriksom para este ensaio, encontra-
se na dinâmica de resolução de conflitos que cada pessoa assimila. Em seu
entendimento cada indivíduo recebe uma carga de influência por intermédio de seu
ambiente social, esta influência vem a ser responsável pela forma que a mesma lida
ou soluciona seus conflitos intrapessoais.71 Eriksom entendia, que na infância,
recebe-se, o que ele chama de padrões específicos de educação, os quais
desenvolvem suas potencialidades na adolescência, e estes exercem as influências
sobre a maneira de como alguém interage em seus conflitos interpessoais. Na
adolescência, acontece também a descoberta de sua individualidade, valiosa para
sua representação social.
Através da expressão de seu pensamento, pode se concluir que o fator social
no qual o indivíduo está inserido, adicionado as questões biológicas, determinará as
intenções e pensamentos do mesmo em termos de relacionamentos. E na idade
adulta acontece a descoberta da identidade, e por fim, o senso de integridade, visto
por Erickson como a capacidade de conformação pessoal e social.
Neste sentido, não só pela posição de Erickson, como também, pelo
entendimento dos outros escritores estudados. Faz-se necessário ter um
70 Susan C. CLONINGER, Teorias da personalidade, p.156 e 157. 71 Ibid., p. 149.
51
conhecimento mais razoável do contexto sócio cultural onde alguém esta inserido e
analisar sua influência nos relacionamentos e conflitos desta pessoa. Considerando
a sociedade em que vivemos como um dos pontos centrais nesta pesquisa, ser-lhe-á
dada a devida atenção no próximo seguimento.
52
3. RADIOGRAFIA DO CONTEXTO SÓCIO CULTURAL
A busca de satisfação pessoal por meio da realização da vontade própria de
uma pessoa parece fazer parte da natureza de sobrevivência do ser. Desta forma
surgem algumas questões relacionadas ao contexto sócio cultural do homem, como:
O que leva uma pessoa à busca pela realização individual? Em que o desejo de
alguém entra em conflito com o propósito de outro? O desejo será sempre algo
natural ou pode ser produzido? A ansiedade pode ser produto de desejos não
realizados? De que forma a ansiedade pode ser responsável pelo surgimento de
conflitos? E qual a função da fé para a diminuição da ansiedade?
Nesta série de questões acima se observa uma correlação entre, desejo,
ansiedade, conflitos e relacionamentos interpessoais. Ninguém vive à parte de
relações interpessoais, nessas relações sempre se fará presente os objetos de
desejo. E a ausência da realização pessoal ou da satisfação deste desejo, parece
ser um motivo de tensão e ansiedade.
Este capítulo, objetiva mostrar a relação entre o contexto sócio-cultural e os
conflitos produzidos pela ansiedade. O entendimento de como o contexto social e
familiar vivido por cada pessoa proporciona relacionamentos tensos: A relação da
ansiedade com o individualismo, a influência demasiada de símbolos (usos e
costumes) que leva a pessoa a ações moldadas pelo grupo ou pelo contexto em que
vive. E por fim, a competitividade, influência do mundo consumista e seu estímulo a
posses. Estes fatores serão analisados como agentes agressivos às relações
interpessoais, criadores de tensão e por fim produtores de conflitos.
Por meio da psicologia, da sociologia e mesmo da antropologia já foram
identificadas necessidades que o ser humano tem de relacionamentos. De um
53
convívio comum que parece ser algo intrínseco à natureza de alguém. Nunca foi
possível para a raça humana, viver à parte do convívio relacional comum à sua
espécie. Desde que se conhece a história deste ser social, ele é identificado como
um ser relacional, agente e objeto da ação interpessoal. Nenhuma pessoa está
isenta de relacionamentos interpessoais, neste sentido, ninguém também está livre
da presença da ansiedade.
O panorama de conflitos, revela que o sentimento de satisfação própria,
provoca uma guerra de interesse pessoal em que a presença de um ser divino e
auxiliador no relacionamento, não é considerada. Todo pensamento está
atravessado pela tendência predominante da individualidade como fundamental, a
qual proporciona um anseio de concorrência não só na pessoa como em todo o
sistema em que ela vive.
A presença do conflito obriga a pessoa a conviver cada momento, com todas
as turbulências do dia-a-dia tentando localizar as formas através das quais ela se
comportará em relação aos limites e às coerções da sociedade. Sua racionalidade
crítica é desenvolvida a partir das relações interpessoais construídas. Seu
pensamento ou visão do outro é derivado destas relações e se perpetua nas
gerações seguintes.
A eliminação completa desta influência e sua tensão resultante é algo
impossível de acontecer. Primeiro por encontrar no interior do ser humano, um
terreno por demais rochoso, já desiludido com os resultados das tentativas de
germinar sobriedade, moderação e harmonia. E segundo, por pensar que sua
realização relacional está no fazer comum, o que o leva a centralizar seu esforço
nesta concretização. Este terreno abre as portas para o surgimento e fortalecimento
54
do individualismo, sentimento egocêntrico que leva o homem a crer que adquirindo o
que deseja da forma que deseja trará sobre si a satisfação e a felicidade.
3.1. Individualismo: ato de sobrevivência, resultante da carência intrapessoal
No início da era cristã, Santo Agostinho havia fornecido as linhas básicas do
pensamento medieval ao apontar a ânsia por dinheiro e bens materiais, o desejo de
poder e o desejo sexual como os principais pecados do homem decaído.72 Neste
contexto, cabe a análise da influência que a natureza decaída do homem e seu
desejo natural exercem sobre suas escolhas, dificultando o ato humanitário de
encontro a necessidade do outro.
Esta busca, vem embutida do senso de necessidade presente na natureza,
antes criada perfeita à imagem e semelhança de um ser divino e também
relacional.73 Hoje, afastado da segurança e companhia que antes desfrutava, busca
novamente este relacionamento seguro, o qual por ser objeto de sua necessidade,
deve ser encontrado e satisfeito, sob pena de sofrimento, ao qual ele chama de
solidão.
Compreende-se também que o valor demasiado que uma pessoa passa a dar
ao grupo, sua representação e influência, deve-se ao medo de não atender a
expectativa do outro ou do meio a que pertence. Pessoas buscam relacionamentos
para serem completadas por meio deles. E esta procura natural passa a ser, em
muitas circunstâncias, a essência da crise interpessoal de uma pessoa.
72 Dados de pesquisa, http://www.uol.cgi-bin.exe..segurança.pdf. Acesso em: 22 mai 2007. 73 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Gênesis 1: 27, p. 3.
55
Esta crise depende do nível de valor que um indivíduo atribui a outro e a sua
representação em sua história de vida pode ser agravada ou diminuída. À medida
que esta pessoa, por uma carência relacional passa a atribuir um demasiado valor a
certo relacionamento, a possibilidade de sofrimento pela ausência deste
relacionamento também deve ser maior. Da mesma forma, ao atribuir menos valor, o
sofrimento pela ausência será menor. Seja uma pessoa ou um grupo, a falta dele
produzirá tensão e ansiedade pelo valor afetivo e emocional a ele atribuído.
Assim a ansiedade pode ser medida pelo nível de valor que é dado à pessoa
ou grupo, e este nível de valor tem seu dimensionamento com base na sua gênese
familiar, e especialmente no ambiente onde foram formados seus relacionamentos,
onde o seu grau de afetividade e segurança relacional foi desenvolvido. Desta
forma, o meio onde alguém está inserido, passa a ser, em certo sentido, um agente
direcionador do nível de tensão ou ansiedade desenvolvido em suas relações
interpessoais.74
Um produtor de ansiedade advindo do ambiente de interação interpessoal é a
decepção. A decepção é resultante do descumprimento da expectativa. Sua via de
ação é bidirecional, ou seja, uma pessoa é decepcionada com o meio e o meio, por
sua vez, também decepciona a pessoa. Se cria assim um ciclo de decepções e
conseqüentemente conflitos e crises interpessoais.
Neste sentido se entende a forma que o individualismo é estabelecido e
fortalecido na visão de sobrevivência de alguém. A proteção contra a dor relacional
caracterizada por respostas individualistas produzirá maior distanciamento do desejo
do outro, abrindo sempre um maior espaço para a satisfação do desejo próprio. Este
tipo de resposta será sempre mais previsível, visto que tal insatisfação é a
manifestação comum da maioria, seu fortalecimento é estabelecido por esta maioria. 74 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. 40.
56
Esta relação, que passa a ser influenciada pelo contexto de convívio, não
pergunta a ética qual o julgamento que a mesma tem de suas atitudes. A
espiritualidade é ignorada sob a égide de atraso ou ignorância e nas relações
predominam os achismos de cada pessoa, atrelados à influência da maioria, o que
para muitos, passa a ser a essência da verdade independente do tipo de sentimento
que esta influência leva em seu rastro.
O ser humano, como ser social e responsável diante das crises é um ser
intra-retro-relacionado, por isso, inter-dependente. Na vida, ele necessita buscar
princípios para a sobrevivência, e entre estes princípios está o da cooperação. E
qualquer ação que contrarie a essência inter-dependente do ser pode levá-lo à
competição, ao individualismo, e a não-cooperação”.75
Passa a existir o fortalecimento da pessoa, indivíduo e não do outro ou do
grupo. Diminui-se a essência religiosa, o princípio do ser solidário, e este espaço é
ocupado por uma prática individualista mais baseada em necessidades próprias do
que coletivas. O desejo ou necessidade do outro é ignorado, sob risco de perda
pessoal, o que é um pensamento pouco inteligente, porque se vivemos em um
sistema que precisa de cooperação das partes para sobreviver, não há coerência em
se acreditar que cooperar significa prejuízo pessoal.
Diante disto, entende-se a razão pela qual, no cenário religioso, cresce a
religião do tipo feiticeira, a qual segundo Weber, em contraste com a religião do tipo
sacerdotal, dá ênfase a este mundo e age, sendo essencialmente individualista, ao
invés de social.76 Se a importância que o outro tem no relacionamento interpessoal
fosse considerada com maior respeito, o encontro relacional harmonioso promoveria
relacionamentos menos agressivos, menos ansiosos e mais promissores.
75 Leonardo BOFF, Crise: oportunidade de crescimento, p. 15-45. 76 James R. FARRIS, Psicologia e religião, comentários sobre Max Weber, p. 1-5.
57
Não se pode fugir do fato que a natureza dos indivíduos os tem afastado do
bem comum, do interesse pelo coletivo, do relacionamento interpessoal abençoador
e por ser esta natureza parte de seu interior, tende a impedir qualquer progresso do
todo, fazendo da alegria relacional uma utopia.
No movimento socialista se observou bem claramente esta realidade, quando
do colapso dos socialismos. Foi observado que se cometeu um equívoco, quanto à
assim chamada natureza humana, (afirmação na qual coincidem explicitamente o
Papa João Paulo II e Zbigniew Brzezinski), estas duas autoridades eclesiásticas
defenderiam que houve um erro antropológico na proposta marxista: a realidade de
que os seres humanos não se preocupam apenas com suas necessidades, mas
também – e muitíssimo – com seus desejos.77
Para muitos que estudam teologia, a natureza má do homem, ou seu assim
chamado pecado original, vem a ser um dos fatores preponderantes para a não
assimilação do bem ao outro. Sua ação, na maioria das vezes centrada em seus
próprios interesses e sua luta por sobreviver em detrimento de quem está ao seu
lado parece ser uma barreira intransponível.
Assim, a natureza humana é um instrumento que leva o homem, de forma
inconsciente, a uma busca por uma realização pessoal utópica e por uma satisfação
também ilusória de desejos adquiridos, os quais indiretamente produzem desgaste
nos seus relacionamentos sociais.
Se o individualismo trouxesse para o ser humano, algum resultado em direção
à sua realização pessoal, isto já deveria ter sido percebido e amplamente divulgado
e vivenciado. Fica mais do que evidente, que satisfação interpessoal jamais
acontece por meio de realizações ego centradas, e o resultado proveniente de tal
77 James R. FARRIS, Psicologia e religião, comentários sobre Max Weber, p. 1-5.
58
atitude leva seu interlocutor sempre ao encontro de respostas contrárias à sua
intenção primária.
Este sistema social não só fortalece o individualismo como também escraviza
o indivíduo, levando-o a crer numa realização que existirá, caso ele faça parte de
sua proposta ou caso ele possua o que ela propõe como objeto de felicidade. Se
assim não for, ou se assim não possuir, que seja infeliz! De fato não parece ter
havido jamais, nenhuma organização social humana sem alguma forma de abuso de
poder, discriminação ou exclusão social.
Adam Smith, pensador escocês do século XVIII considerado o pai da teoria
econômica moderna, entendia que: “se uma pessoa busca seu interesse próprio de
uma forma intencional, certamente ela mesma irá produzir para si efeito não
intencional”.78 Ou, a satisfação ego centrada, jamais acontecerá por resultado
interior insaciável ou, o resultado advindo do outro lado sempre será inverso à busca
da realização proposta pelo interesse. A mente humana parece ter sido laçada pelo
desejo fomentador de suas necessidades, porém, seu projeto de realização é
sempre decepcionado pelo resultado de sua busca.
Em, caminhando na direção de um propósito, o indivíduo obtém o interesse
contrário. Nesta realidade que faz parte do cotidiano da maior parte das pessoas, as
crises e conflitos nos relacionamentos aumentam, dando lugar ao caos relacional em
cadeia, o qual está sendo claramente vivido pelas sociedades contemporâneas.
Para Jung este sentimento de satisfação própria provocado pela visão
capitalista de mercado leva a uma eventual guerra de interesses. Nesta visão
contraditória, passa a existir sim, o crescimento do homem indivíduo, e não do todo
78 Hugo ASSMANN e Jung MO SUNG, Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança, p. 166-172.
59
ou grupo. Diminui-se, a essência religiosa, e o princípio do amor ao outro,79 na
realidade é negado por práticas individualistas e destrutivas do coletivo e do social.
Os indivíduos perdem o controle sobre o que desejam, são assimiladores do
desejo do outro e do que é comum, mesmo que seja algo que essencialmente não
necessitem. A realização do desejo individual passa a acontecer conforme a
importância do fascínio que o acompanha.80 À medida que isto é vivenciado, o
indivíduo luta para ser parte deste sistema que é demasiadamente egoísta. Esforça-
se para adquirir o que é proposto como regra e tenta ficar seguro, garantir sua
estabilidade fazendo tudo com o objetivo de conseguir o que tem valor para a
maioria, o que, de certa forma, é também buscado por todos.
Isto reflete a convivência antagônica entre relação interpessoal isenta de
ansiedade e uma que busca ansiosa pela satisfação do desejo assimilado, elas são
opostas e impossíveis de caminharem em harmonia. O ser humano se coloca em
uma posição de insustentável realização e contentamento, desde que suas atitudes
para satisfazer suas necessidades pessoais trazem resultados contrários a esta
mesma busca. Sua tentativa de ter o que o outro tem, como forma de sentir-se bem
e seguro, antes, produzirá no outro uma ameaça, pois este, por sua vez, está em
busca das mesmas coisas. Tal realização será impossível de alcançar, mesmo que
ele próprio não consiga conscientizar-se disso.
A sociedade dominada pelo individualismo reflete o homem em um processo
de sedução pós-moderno, “ele sente-se cada dia mais centrado em si mesmo, à
medida que lhe é oferecido como complemento, aquilo que ele entende que precisa
para sua vida, o que conseqüentemente fará parte de sua identidade”.81
79 A Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, Mateus 22: 39, p. 29. 80 Guy ROSOLATO, A força do desejo: o âmago da psicanálise, p. 18. 81 José GIOVANETTI, Entre necessidades e desejos: diálogo da psicologia com a religião, p.98.
60
O sentimento poderoso do medo de não possuir, não pertencer ou não ser,
parece influenciar a conduta diária na busca de identidade relacional. Ao entender
que, em não ter, posso não pertencer, o temor de ficar só, parece levar o ser
humano a um isolamento ainda maior, o que não deixa de refletir a separação do
outro por uma conduta também individualista. Aristóteles comenta que a
sociabilidade essencial ao ser humano “passou a ser subsumida dentro de uma
visão relacional sumamente estreita, ou seja, o ser humano precisa de algum tipo de
companhia com outro ser humano” para completar sua interação social.82 A
necessidade da aprovação do outro e de mostrar a ele a conquista de sua realização
social, alimenta o individualismo, transforma desejos em necessidades, reforça o
egocentrismo e desencadeia conflitos.
3.2. Simbolismo: cenário dos valores e representações na interpessoalidade
Todos os grupos sociais são cobertos de entidades simbólicas herdadas
culturalmente. Objetos de tradições e costumes que exercem influência direta em
cada núcleo do grupo, sedimentando sempre suas práticas e seus modos de vida. A
mais pálida das existências está repleta de símbolos, o homem mais realista, vive de
imagens.83 Isto revela que qualquer contexto, é composto pela unidade de várias
zonas do real e o símbolo ocupa uma dessas unidades. E sua influência, nas
crenças e no comportamento humano como um todo, é digna de ser observada e
estudada, pelo fato de que o mesmo pode se tornar fator que desequilibra as
relações humanas.
82 Hugo ASSMANN e Jung MO SUNG, Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança, p. 171. 83 Mircea ELIADE, Tratado de historia das religiões, p. 368.
61
Assim, por um lado, “comunica a dialética da hierofania ao transformar os
objetos em algo diferente do que eles parecem ser à experiência profana: uma pedra
torna-se o símbolo do ´centro do mundo`, etc.”, e, por outro lado, ao tornar-se
símbolo, quer dizer, sinal de uma realidade transcendente, esses objetos anulam os
seus limites concretos, deixam de ser fragmentos isolados para se integrar num
sistema, ou melhor, eles encarnam em si próprios, a despeito de sua precariedade e
do seu caráter fragmentário, todo o sistema em questão.84
Ao entrar no horizonte da imaginação, o símbolo ignora o limite do concreto,
passando a ter uma força que nem mesmo ele, por si teria, mas lhe é concedida
devido à dimensão emocional que o homem lhe atribui. Assim, tudo pode ser um
símbolo ou a desempenhar o papel de um símbolo, desde a cratofania mais
rudimentar que simboliza, de uma maneira ou de outra, o poder mágico-religioso
incorporado num objeto qualquer, até Jesus Cristo, que, de certo ponto de vista,
pode ser considerado um símbolo do milagre da encarnação da divindade no
homem.85
Portanto, tomar parte na utilização de tal símbolo, posição, objeto ou imagem,
deixa de ser somente um costume e vem a ser algo considerado também uma
realidade emocional natural, uma necessidade, ou seja, algo comum à vida de cada
pessoa. Compreendemos hoje algo que o século IXX não podia nem mesmo se
pressentir: que o símbolo, o mito e a imagem pertencem à substância da vida
espiritual, que podemos camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mas que jamais
poderemos extirpá-los.86
Haja vista que muitas das discussões em torno do assunto do religioso, não
passam da esfera simples de seu uso nas comunidades e raramente são avaliadas 84 Mircea ELIADE, Tratado de historia das religiões, p. 368. 85 Ibid., p. 365. 86 Mircea ELIADE, Imagens e símbolos , ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso, p. 7.
62
de forma crítica em seu estudo, especialmente dentro do contexto psicológico e
realista da necessidade humana. Entender o valor dos símbolos nos
relacionamentos interpessoais e a influência que representam para o individuo,
respeitá-los, e acima de tudo analisá-los de forma consciente e produtiva para a
comunidade religiosa, é uma função significativa das ciências da religião.
A sociedade atual, além de ser relativamente mística, tem também, como
parte da natureza comum a todos os homens, uma dificuldade de crença no
imaginário ou não visível. Essa, talvez seja a razão pela qual se pode observar a
utilização acentuada de símbolos e imagens que objetivam o estabelecimento de
segurança e conforto emocional em meio ao palpável ou visível da realidade
humana e seus relacionamentos.
Desta forma, representações simbólicas em um grupo, são poderosos
influenciadores na formação de um indivíduo. Seja na tentativa de encontro de
segurança por meio da adequação a ele, ou pelo conforto emocional em satisfazer a
este mesmo grupo. O poder de influência do grupo é observado em cada sociedade.
Em parte, os valores que são salientes no mundo contemporâneo, coisas como,
dinheiro, beleza, fama e outros, de nada significariam se não fosse por intermédio da
representação que estes valores exercem dentro do grupo que os exalta.
José Machado Pais, em sua visão de segurança ontológica, “teoria ou ciência
do ser enquanto ser, considerado em si mesmo, independentemente do modo pelo
qual se manifesta”87, e Mircea Eliade quando se refere ao símbolo “como valor ou
significado atribuído a algo” 88, mostram uma clara relação existente entre um objeto
e seu valor emocional atribuído. Eles estabelecem como fator comum, a segurança,
87 Francisco B. SILVEIRA, Dicionário da língua portuguesa, p 799. 88 Mircea ELIADE, Imagens e símbolos, ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso, p. 7.
63
como intenção relacionada diretamente ao uso do símbolo, o que é comum a todos,
aceito por todos e usado por todos.
É na busca do símbolo, objeto desejado para a realização, que a segurança
ontológica referida por Pais encontra o sentido de estabilidade emocional na vida de
um ser humano inserido em um grupo e suas relações. Para uma pessoa, sempre
será mais fácil crer em algo que vá além do seu senso de fé imaginária, algo que ela
possa enxergar ou pegar, alguma coisa visível. Algo que para outros costumeira ou
culturalmente já tem sido usado com o mesmo fim. Assim ela mesma passa a fazer
uso deste algo, mostrando que qualquer imagem ou representação, seja material,
pessoal, lendária, espiritual ou emocional pode influenciá-la.
Esta relação e influência do significado comum e existente nas relações
humanas, pode e deve estar ligada diretamente a uma possível necessidade natural
deste ser humano na busca da satisfação ou preenchimento de sua realização
interior ou seu encontro com esta satisfação. Um exemplo disto é a situação de um
jovem que faz uso de drogas em um grupo. Nada poderia justificar esta ação onde,
mesmo sabendo que tal uso poderá trazer problemas maiores que a satisfação
sentida, o jovem decide ainda usar a droga. Isto mostra a força que existe na
necessidade de pertencer ao comum ou na importância que este pertencer exerce
em alguém. Este é um exemplo claro do símbolo, sua influência e seus riscos nas
relações interpessoais.
Uma outra justificativa plausível a isto, refere-se ao medo de rejeição que
acompanha este indivíduo dentro deste contexto do grupo. O receio de exclusão
desenvolve uma atitude forte de insatisfação, inadequação e medo da iminente
perda de algo. Uma preocupação acentuada com a marginalidade, ou exclusão
64
social, sentimento este que machuca o ego da pessoa e a faz sentir mal amada e
desprezada, o que contraria sua natureza que deseja ser aceita e reconhecida.
Assim é bem evidente que a ansiedade tem relação direta com a frustração
do ser humano em não conseguir atender as expectativas simbólicas da sociedade
vigente. Seu horizonte de interpretações e possibilidades no uso destes símbolos é
demasiadamente vasto e ao mesmo tempo arriscado para quem faz uso dos
mesmos. Mesmo porque, a leitura que uma pessoa faz de qualquer objeto ou
situação, leva em consideração seu contexto pessoal, suas experiências e
expectativas, e elas diferem de pessoa para pessoa, e não é em tudo realista com
suas reais necessidades.
Tais utilizações passam pelo mundo do emocional, e por seus clamores, por
segurança e estabilidade. Nem sempre o anelo da emoção dialoga em sintonia com
a lógica da razão, assim as possibilidades de riscos e erros aumentam, não agora
pela utilização do novo, e sim por sua não utilização. Conquanto as crises de
inseguranças psicológicas por falta de realização pessoal também sejam reais, de
uma forma ou de outra, muitas realizações emocionais só poderão existir mediante a
abertura ao novo e quebra do paradigma do uso do comum.
O fato de um objeto ser algo comum ao meio, traz estabilidade para quem
usa, diminui o risco de erro ou falha, e não o tira do padrão, do aceitável e comum a
todos, pois o simbolismo do mesmo neste contexto já tem sido usado e
popularmente fortalecido em seu valor. Quem passa a fazer uso do símbolo, passa
também a estar inserido no aceitável, eliminando-se assim, o risco do novo e por
assim dizer, a possibilidade de não ser aceito pelo grupo. É deste modo que a
resistência do homem ao novo, tem uma estreita relação com a segurança ou
65
insegurança emocional e com seus relacionamentos, a qual, associa instabilidade ao
novo, e senso de segurança ao comum.
Muito embora a sociedade seja aparentemente segura emocionalmente, na
realidade, ela é verdadeiramente desestabilizada em sua estrutura emocional e
deficitária em suas relações interpessoais. Assim, a caminhada na direção da
satisfação do desejo difundido pela representação simbólica, e seu uso comum em
comparação com o espiritual ou religioso podem levar a resultados favoráveis ou
desfavoráveis dependendo da forma que se considera a coerência da utilização.
Pois como existem resultados agradáveis, podem existir resultados desagradáveis,
quando ignoradas a coerência e a avaliação dos símbolos em seu uso, a
conseqüência tende a ser insustentável e a estabilidade emocional de uma pessoa
fica em risco.
Porquanto, o significado do símbolo, não se situa em terrenos restritos, como
nas áreas da teologia e da história, mas também no campo da cultura, das artes e
das emoções. Eles estão presentes em qualquer lugar em que sua influência pode
ser vista de forma prática. Eles levam em consideração a própria história e influência
cultural como legado e utilizam o cotidiano como palco de atuação no presente.
Assim, se observa o que norteia a ansiedade nas relações interpessoais
trazendo consigo certa amargura e infelicidade ao ser humano. Os símbolos e
valores atribuídos ao dinheiro, a posição, a beleza, ao poder e outros, são propostos
como coisas que mais interessam e têm significado, elas passam assim, a ser pratos
recheados à individualidade e à competitividade.
O desafio diante disto é que a não utilização de objetos do desejo, requer de
uma pessoa, condição ou estado emocional que comumente a maioria não está
pronta para ter um preço que não estão preparados a pagar, condição esta que
66
podemos entender como o risco de se sair do comum para o novo, do cotidiano,
para a inovação, do certo para o duvidoso.
Em certo sentido, os desejos se alimentam dos símbolos e encontram neles
também a esperança de realização pessoal. Eles carregam consigo os valores a
eles atribuídos e desta forma, a imaginação do homem pode levá-lo para o mundo
da liberdade e segurança através de seus credos, como também, para o universo da
insatisfação e servidão.
Em busca de sua realização pessoal, alguém corre o risco de usar o simbólico
como muleta de sustentação ou estabilidade. Ele passa a ser o objeto de um mundo
místico e imaginário, o qual de alguma forma pode trazer prazer e realização,
mesmo que, de outra forma, em um contexto de mundo real, ele traga em si certa
sujeição instável. Assim, muitas comunidades especialmente religiosas, tem tido a
presença constante do símbolo em seu convívio comum, e esses símbolos são
reproduzidos em costumes.
Diversas práticas de costumes são reconhecidas como exercício espiritual e
passam a ser objetos de extrema influência. Eles têm embutidos em si uma
promessa de recompensa espiritual. São observados por meio de um julgamento
severo e de certa forma, direta ou indiretamente, vem a influenciar o indivíduo e
conseqüentemente o grupo no fazer de sua vida diária.
As pessoas sentem vontade de se unirem a outras, por razão superior às
suas diferenças, assim estas pessoas permanecem unidas mesmo que existam
divergências entre elas. Esta vontade reflete uma realidade lógica da raça humana
que é seu senso comunitário e de relacionamento. Onde se encontra também, em
um primeiro momento uma relação intrínseca entre o ato e seu agente motivador, ou
67
seja, o estar em comunidade, não deixa de ser um reflexo do desejo ou vontade do
homem de ser parte ou aceito por esta mesma comunidade.
Em uma pesquisa de campo feita sobre juventude e religião, observou-se o
caso de uma aluna da periferia da cidade de Cachoeirinha, na região metropolitana
de Porto Alegre, a qual por orientação da igreja não poderia fazer a aula de
educação física, por razão de sua crença religiosa. Após uma conversa da direção
da escola com o pastor, ficou decidido que ela participaria das aulas, desde que
usasse uma bermuda embaixo da saia. Os professores observando o visível desejo
da aluna em participar das aulas e a vontade de jogar futebol, a convidaram, mesmo
usando as saias longas.89
Esse pequeno recorte da realidade nos permite pensar que o sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas
ao redor de um eu coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identidades estão
sendo continuamente deslocadas.
Neste contexto de relações interpessoais as igrejas parecem apresentar um
campo doutrinário restritivo, o que de certa forma estabelece de maneira mais clara
os limites de interlocução com o mundo pagão. E assim, muitas passam a possuir
uma identidade que se expressa e se fortalece através da comunhão desses
costumes. Valorizando ou não valorizando determinadas coisas, estabelecem
condutas interpessoais baseadas em valores que em certo sentido aumentam
tensões relacionais e conflitos.
A valorização da atitude exterior como o uso de saias e cabelos que não
podem ser cortados pelas mulheres e a impossibilidade do uso de calção por parte
89 Edmilson SANTOS, Cláudio MANDARINO, Revista de estudos da religião. Juventude e religião: cenários no âmbito do Lazer, p.1.
68
de homens, representam pudor e santidade, e passam a ser algumas formas de
expressão desses costumes.90 Ao serem elevados, tais costumes escondem a
possibilidade da expressão interior, sentimentos como, respeito, compreensão e
amor são sufocados pela valorização do costume.
Por ser a pessoa humana alguém que busca segurança no contexto social e
religioso, a comunidade exerce considerável influência nela. O grupo é a
representação do comum, assim, sua comunidade, sua religião, sua escola, seu
trabalho é para este, parte do seu existir social. O risco, porém, é que a necessidade
de adequação lhe leve ao afastamento da harmonia relacional ou mesmo que seus
desejos e anelos por aceitação produzam um forte senso de incômodo, dependência
e ansiedade. À medida que não se é feito algo de forma consciente e desejável, algo
que de fato seja julgado como bom e necessário para a pessoa, ou grupo que
realiza, não existe também o prazer na realização.
Ao pensar sobre saúde relacional é imprescindível a discussão sobre
imposições nos relacionamentos interpessoais. Encontrar sentido e estabilidade
emocional são coisas extremamente desejadas pelo homem, porém, sempre será
mais fácil crer em algo que esteja em seu universo comum e visível e que para
outros costumeira ou culturalmente tem sido usado, a viver de forma diferente ou
inovadora. Assim, em que subsiste o relacionamento pessoal harmônico, ou mesmo
socialmente saudável de alguém, na liberdade do ser autônomo ou na imposição do
fazer comum?
Por outro lado, estes elementos simbólicos comuns, identificadores culturais
devem existir e sempre serão presentes em qualquer espaço social, sob pena da
perca ou até mesmo da morte desta cultura e do existir social. O antropólogo
90 Edmilson SANTOS, Cláudio MANDARINO, Revista de estudos da religião. Juventude e religião: cenários no âmbito do Lazer, p.1.
69
brasileiro, Egon Schaden, observa que muitos grupos sobreviventes, após relações
inter culturais e conseqüente perda de elementos de sua cultura, procuram manter e
alimentar um sentido de reconstrução étnica, a qual se manifesta por uma
consciência tardia de sua cultura, sobretudo, nas manifestações religiosas e na
reiteração dos ritos.91
A percepção é uma das formas de funcionamento dos órgãos dos sentidos e
de certa forma influencia o cérebro de uma pessoa em seu entendimento sobre o
mundo. A verdade é que, em se tratando de fazer algo ou acostumar-se com algo,
mesmo que religioso, a idéia de adequação ou adaptação ao sistema ou grupo
sempre estará demasiadamente presente. E este julgamento deve ser feito, não só
por conta do distanciamento temporal entre os símbolos, mas também por ocasião
das vastas mudanças que ocorrem dentro deste distanciamento. A realidade
simbólica pode transcender o tempo, porém pode, em sua transcendência, sofrer
consideráveis alterações.
Os mitos se degradam e os símbolos se secularizam, podem nunca
desaparecer, porém devem ser avaliados com cuidado, sob pena de produzirem
relações interpessoais permeadas por ansiedade e insegurança. A psicologia do
comportamento humano ou mesmo social não são neutros, especialmente as teorias
de relacionamento. Assim, fazer a análise destes comportamentos nesta proposta
metodológica compreensiva, se preocupando com o fato social, principalmente no
que concerne ao conteúdo das relações interpessoais, seus significados e motivos
do fenômeno, passa a ser de demasiada importância e de grande significado para a
harmonia interpessoal.
91 Vera ROMARIZ, Espetáculo revista de estúdios literários, Novembro, p.1.
70
3.3. Competitividade: ato de sobrevivência, resultante da carência interpessoal
O que cabe avaliar neste ensaio é a ansiedade existente no sistema e nas
relações sociais, resultantes de uma produção de necessidades ilegítimas,
imanentes de desejos produzido pelo meio comum e fortalecido pela ação da
maioria. Neste sentido, o alcance do desejo conduz para além das necessidades e
de seus objetos, a um desconhecido colhido e condensado por um objeto de
perspectiva conforme os ideais dominantes.92
A sociedade capitalista do mundo pós-moderno alimenta no indivíduo o
desejo consumista e o transforma em necessidade, que gera tensão competitiva
entre as pessoas. O desejo passa a ser uma sedução dominante da sociedade que
influencia não só as relações interpessoais, como também, o consumo, as
organizações, a informação, a educação e os costumes.
O sistema competitivo atrai e fascina, suas propostas induzem a sonhos de
consumo, às vezes jamais realizáveis. As tecnologias de informação e a mídia são
instrumentos por demais manipuladores, falsos e desonestos. O despertar da
competitividade diante de uma massa de indução com multidões de pessoas
seguindo-a, não oferece quase que chance para aqueles que decidem não ser parte
do sistema.
Parece ser inconsciente a atitude comum da sociedade atual, de armazenar e
ter mais. Este tipo de conduta é priorizado sob pena da possibilidade de exclusão do
meio ou grupo social. É neste quadro que relacionamentos interpessoais são
desenvolvidos, dinâmicas de convívio são estabelecidas e normas de conduta são
vivenciadas por indivíduos, baseadas em influências recebidas desde sua origem
social, desde seus primeiros anos de existência. 92 Guy ROSOLATO, A força do desejo: o âmago da psicanálise, p. 9.
71
Esta rivalidade existe por conta da assimilação individual dos valores
apresentados no contexto e convívio onde as pessoas estão. O peso de uma ação é
representado pelo valor a ela atribuído, este valor é atribuído individualmente por
cada um, dependendo da dimensão que este objeto tem, em seu julgamento. E este
julgamento por sua vez sofre a influência direta da visão do outro ou grupo e do
valor que eles lhe atribuem.
Em certo sentido, as pessoas sofrem um grande risco no contexto social
vigente. Suas ações e reações são retratos deste contexto e sendo assim, “não são
de responsabilidade de ninguém”. A destruição emocional ou social de alguém ou de
um grupo social, sempre terá um álibi em sua defesa, desde que, o contexto em que
vive é reprodutor da ação, como alguém, de forma pessoal, pode ser culpado, de
algo que é de autoria de todos.
Isto exerce considerável influência no indivíduo e por assim dizer na vida
social e nas opções que uma pessoa tem. O meio, a mídia, o mercado, a
comunidade, ou mesmo a cultura, o convence de ser diferente. O homem passa a
ser tão somente produto e meio de produção do sistema, sendo influenciado e
formado através dele. E à medida que as expectativas dominantes não são
atendidas, a tensão produtora de ansiedade o controla. A renúncia por alguém, ou a
cooperação com outro é ignorada, a disputa por sua vez é a premissa da
sobrevivência, e a competitividade o carro chefe para este alcance.
Neste contexto em que está a realidade ocidental, a busca da riqueza passou
a ser o mais importante objetivo na vida da maioria das pessoas... a mercadoria
tornou-se o objeto de desejo.93 A atração e deslumbre de propostas, objetos do
sentimento inconsciente de representatividade e pertença, levam o homem ao
mundo do mercado, ao individualismo e à competitividade. Deixando a mercê do 93 Jung MO SUNG, Desejo, mercado e religião, p. 10.
72
secundário qualquer ação interpessoal promissora mergulhando em um mundo de
lutas e ansiedades. Em certo sentido, o ter é a identificação do poder, desta forma, a
busca por este ter, tem embutido em si a dimensão do poder a alguém. A
competição advinda do interesse pelo poder comum é buscada pela maioria a fim de
possuir a representatividade a ele imputada.
“O desejo está seguramente no cerne dos conflitos entre suas diversas
orientações, com os recalques e as defesas resultantes, com as transposições, as
sublimações e os ideais que se revelam”.94 Para ser aceito é preciso ter, desta
forma surge o desejo de ter por conta da necessidade de pertencer. Nenhum homem
parece ser isento da influência exercida pela valorização que é dada ao que tem e
da humilhação e sofrimento inevitável ao que não tem.
Considerando que as necessidades básicas do homem são naturais à sua
sobrevivência, é legítimo afirmar que elas virão antes dos desejos. Quando não se
tem o básico, existe uma necessidade e passa-se a desejar. Se alguém tem fome –
necessidade básica – desejará comer. Se uma criança sente medo da solidão –
necessidade básica – irá desejar o abraço materno.
Este conjunto, não parece oferecer risco aparente para a relação de convívio,
pois trata de relações naturais. Quando esta ordem se inverte surgem riscos
potenciais, surgem necessidades baseadas em desejos criados. Esta ordem se
inverte na medida em que o desejo passa a ditar ou interferir na necessidade. Desta
forma o desejo pode não ser legítimo e interferir diretamente no relacionamento de
forma negativa. Imagine o ser humano desejando o insaciável e necessitando o
desnecessário.
Mesmo possuindo o que deseja, nunca estará totalmente realizado. A
insatisfação irá o atingir, mesmo aquelas pessoas com auto poder aquisitivo passam 94 Guy ROSOLATO, A força do desejo: o âmago da psicanálise, p. 15.
73
a viver uma eterna insatisfação, visto que seu desejo está direcionado a uma
satisfação interior, em nada voltado a satisfação do outro, do meio onde vive,
trazendo para ele a impressão que se realizar sua vontade, será feliz. A pergunta
que surge diante desta atitude comum à maioria das pessoas é: como posso eu ser
feliz se o meio onde vivo está infeliz? Como posso eu estar realizado, se as pessoas
ao meu redor não estão?
Diferentemente das necessidades oriundas de desejos assimilados pelo meio
onde as pessoas vivem, existem as necessidades naturais de uma pessoa. Elas
estão ligadas a sua realidade e são inevitáveis à natureza humana. O alimento para
saciar a fome, a água para saciar a sede, o movimento para firmar o corpo e a
atenção ou carinho para assimilação da segurança. No entanto as necessidades
criadas, oriundas de desejos assimilados pelo convívio, influenciadas pelo grupo ou
comuns à maioria, trazem consigo riscos eminentes de fracassos interpessoais.
O ser humano deseja o desejo do outro, ou seja, o reconhecimento.
Especialmente ser reconhecido como ser humano, isto é, como um ser com certo
valor ou dignidade.95 Este reconhecimento se faz por meio do ter o que o outro
deseja, ou que para ele é importante. Desde que a realização deste desejo e
reconhecimento é inatingível, o ser humano, pelo menos nestas circunstâncias,
nunca alcançará este objetivo de forma completa. A esperança adiada faz adoecer o
coração,96 a busca pelo inalcançável sempre será incômoda e o levará a uma
tensão constante.
Esse desejo tem guiado a economia, gerado concentração de renda e
dualismo social e econômico, isto passa a ser fator extremamente estressante,
95 Hugo ASSMANN, Jung MO SUNG, Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança, p. 17. 96 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Provérbios 13: 12, p. 577.
74
devastador às relações interpessoais e extremo produtor de ansiedade. Ele está
ligado à influência de valores simbólicos, ligados ao ter, poder, possuir ou ser, tem
relação e influência nos relacionamentos, especialmente por desenvolver uma
cultura competitiva.
É nesta busca constante e insaciável que a ansiedade encontra espaço nos
conflitos interpessoais produzidos pela competitividade. Especialmente na crise
gerada pelo receio de rejeição social, sentimento não muito diferente do medo de
rejeição interpessoal. O sentimento de não ser aceito, ou de ser rejeitado por um
grupo ou pessoa, é algo por demais doloroso. Independente do sistema onde uma
pessoa esteja inserida é natural ao ser, e parte de sua essência relacional ser e
fazer parte do grupo.
Em não existindo tal adequação, a ansiedade passa a ser um produto natural
deste sistema, e os conflitos sua resultante. A competição é priorizada tendo como
interesse inconsciente o poder por trás do objeto desejado. A ação no conflito pode
ser uma forma de comunicação e expressão de poder e, por isso, o poder é
freqüentemente o motor, ou a moeda, do conflito. Este mesmo pode ser entendido
como sendo a habilidade de agir, influenciar um resultado, ou opor resistência
conseguir um fim, ou resultado desejado.97
Desta maneira o desejo proveniente do sistema, fomenta o senso competitivo
que eleva a ansiedade e sofrimento, pelo fato de não se possuir. Estes fatores, por
sua vez, dificultam as relações interpessoais, pois neste contexto, do vale o quanto
pesa, quanto mais se tem, mais se vale, quanto menos, menor valor lhe é atribuído.
Esta assimilação é feita pelo indivíduo em seu contexto social, tem uma
relação direta com seus relacionamentos e sua necessidade de pertencer ao grupo.
É neste contexto que cabe a análise da influência que a natureza do ser humano e 97 Bernard MAYER, The dynamics of conflict resolution, p. 50.
75
seu desejo exercem sobre suas escolhas, dificultando seu ato harmônico e sua visão
humanitária da necessidade do outro.
Para muitos, o sistema capitalista, particularmente o neoliberalismo, consolida
o mercado como fundamento e centro das sociedades. O homem passa a ser tão
somente produto e meio de produção deste sistema, sendo influenciado e formado
através dele. A busca da riqueza passou a ser o mais importante objetivo na vida da
maioria das pessoas. A atração e deslumbre de propostas, objetos e do inconsciente
sentimento de representatividade e pertença, levam o homem ao mundo do
mercado.
À medida que isto é vivenciado, o indivíduo luta para ser parte deste sistema,
se esforça por reconhecimento, tenta ter representatividade. E as coisas pelas quais
se esforça são basicamente as coisas que têm valor para a maioria. A busca pelo
poder leva o homem ao desejo de ter, e para ter poder, ele tem que ter capital, assim
ele entende a felicidade pelo poder. A acumulação de riqueza passa a ser o melhor
caminho para satisfazer o desejo.
Neste contexto de competitividade as pessoas passam a crer que
relacionamentos interpessoais saudáveis são impossíveis de acontecer. Elas vêm
uma convivência antagônica entre harmonia interpessoal e competição, as direções
se mostram opostas, não parece possível caminharem juntas. Por um lado existe o
questionamento sobre até que ponto pode existir produtividade sem competitividade,
e por outro, como pode existir harmonia em meio à competitividade.
Desta forma pode se entender como é extrema a relação existente entre
reconhecimento e mercado. Sua força de influência é significativa, e quanto maior
ela é, menor a esperança de alguém ser feliz ou solidário com outro. Haja vista, que
ser solidário é algo que parte de uma intenção renunciadora, incomum a um mundo
76
competitivo. Como também, qualquer um que acha que tem algo, ou que é alguém
acima de seu valor normal como pessoa, tem o risco de si tornar déspota, com
facilidade pode ignorar o próximo e desestabilizar totalmente o sistema ao seu redor.
Surge a pergunta: será que a forma em que o mercado influencia as pessoas
não as estaria levando a uma sociedade desenfreada em busca de algo sem limites
e inalcançável? Até que ponto um indivíduo tem submetido seus desejos a uma
transformação evidente de suas necessidades, escravizando-se na tentativa de
alcançá-lo? “Uma afirmação pode ser facilmente sintetizada quando se fala de
desejos, é que eles não têm limites, sua busca é ilimitada e quando se deseja o
ilimitado nunca sobra nada para partilhar; sempre falta”.98
E essa falta, bem como a competição para não padecê-la, pode armar um
cenário gerador de ansiedade e conflitos interpessoais. E para um melhor
entendimento destes conflitos e sua relação com a ansiedade, passamos a
considerar Harry Satck Sullivan e sua colaboração com respeito a influência da
ansiedade na interpessoalidade.
98 Guy ROSOLATO, A força do desejo, o âmago da psicanálise, p. 50.
77
4. HARRY S. SULLIVAN: INFLUÊNCIA DA ANSIEDADE NA INTERPESSOALIDADE
Harry Stack Sullivan, psiquiatra, filho de irlandeses católicos, criado em uma
área rural dos Estados Unidos, foi um dos primeiros estudiosos do comportamento
humano a usar o termo interpessoalidade como categoria científica. Reconhecido
como uma das pessoas de sua época que mais trouxeram contribuição para o
estudo da psiquiatria, aliada à avaliação psicológica de seus pacientes. Harry Stack
Sullivan nasceu em 1892 e faleceu em Paris em 1949, quando participava de um
projeto da Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura, sobre as raízes psicológicas do conflito internacional.99
Além de ter criado a escola interpessoal de psiquiatria, Sullivan também foi
considerado juntamente com Karen Horney e Erich Fromm, um dos expoentes das
teorias relacionais, sistêmicas e radicais. Correntes que incluem uma variedade de
terapias que focalizam a transformação de sistemas sociais a fim de que todos os
membros da sociedade sejam libertados para crescer na direção da integralidade
humana100.
Sullivan recebeu também profunda influência da psicologia social de George
Mead, da antropologia cultural de Ruth Benedict e Margareth Mead. É o pastoralista
Clinebell, que assistiu conferências proferidas por Sullivan, quem salienta seus
esforços em favor da Unesco e da Organização Mundial da Saúde. 101
No ensaio intitulado Remobilizando para a Paz Duradoura e para o Processo
Social, Sullivan expressa sua preocupação com as ciências sociais e a psicoterapia,
de como estas oferecem recursos importantes que podem nos ajudar a sobreviver e
99 Ronaldo SATHLER-ROSA, Pastoral de aconselhamento e interpersonalismo: um estudo exploratório do pensamento de Harry Stack Sullivan, p. 2. 100 Ibid. 101 Ibid.
78
a desenvolver um novo tempo para humanidade.102 Estudar Harry Stack Sullivan é
de grande contribuição para a sociedade, não só no contexto do processo social,
mas também, de singular forma, com relação ao relacionamento intra e interpessoal
de cada indivíduo.
Sua contribuição pode ir além do humanitário, pois seus estudos envolvem as
ciências sociais em considerável dimensão. Assim fica a esperança de que parcelas
de contribuição como esta possam despertar outros a conhecer melhor sobre o
trabalho de Sullivan e extrair o máximo que ele pode oferecer em seus estudos e
relatos científicos para a sociedade moderna.
4.1. Sullivan e a teoria da interpessoalidade
A teoria da interpessoalidade de Sullivan e suas implicações para o social se
encontram mais acentuadamente em duas de suas obras: “The interpersonal theory
of psychiatry” e “The psychiatric interview”. Nesta sessão será considerada a
definição e o olhar de Sullivan sobre os temas da interpessoalidade, considerando
sua relação com a ansiedade, suas dinâmicas próprias entre pessoas e seus
relacionamentos.
Sullivan define a interpessoalidade como sendo um campo constituído da
interação dinâmica de dois ou mais organismos.103 Não muito diferente de outros
autores, ele considera que a dinâmica relacional é a base da interpessoalidade.
Trata-se do processo de ida e vinda em um relacionamento, do recebimento e da
102 Ronaldo SATHLER-ROSA, Pastoral de aconselhamento e interpersonalismo: um estudo exploratório do pensamento de Harry Stack Sullivan, p. 2. 103 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. 40.
79
doação, do ser influenciado e do influenciar, enfim, este é o processo que compõe a
interpessoalidade.
Ele desenvolveu, o que ele próprio chamou de “teorema da emoção
recíproca.” Este teorema delineia sua visão interpessoal de relacionamento. Para
Sullivan, este teorema está relacionado ao indivíduo desde a sua mais tenra
infância. O mesmo está baseado em três aspectos práticos de interpretação dos
efeitos das relações entre pessoas. Para ele a integração em uma situação
interpessoal é um processo em que necessidades complementares são resolvidas,
“ou agravadas”; padrões recíprocos de atividades são desenvolvidos “ou
desintegrados”; e por fim previsão de satisfação “ou rejeição” de necessidades
semelhantes são facilitadas.104
Assim, em um relacionamento as necessidades de cada parte podem ser
preenchidas, ou, se houver negação da outra parte em preencher aquela expectativa
ou vazio, a necessidade existente tende a se agravar pelo impacto da rejeição.
Quanto ao segundo aspecto, que afirma que padrões recíprocos de
atividades são desenvolvidos ou desintegrados, ele refere-se ao relacionamento
onde está existindo uma cooperação mútua para crescimento das partes, e de
repente uma parte crê que já é hora de progredir mais, ameaçando a outra parte,
que regride em sua cooperação. Ambas as partes, como se vê, causam a
desintegração dos padrões até então recíprocos.
Por fim, o que ocorre para existir “previsão de satisfação” ou “previsão de
rejeição” do preenchimento das necessidades que são similares, é a quebra dentro
do relacionamento, da facilitação que as partes estavam proporcionando para que o
outro se satisfizesse em suas necessidades. Existe assim a ruptura, por uma ou
104 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. 198.
80
ambas as partes dessa facilitação, a outra parte, logo prevê que suas necessidades
não serão preenchidas e também suspende a facilitação.
Segundo Sullivan, todo este processo inicia na infância à partir do
relacionamento da criança com sua mãe. Se houver cooperação nos três aspectos
do teorema, a criança desenvolverá, em sua opinião, padrões sadios e cooperativos
em suas relações interpessoais com diminuição de ansiedade e maior segurança.
Por outro lado, quando o teorema é prejudicado, gera a ansiedade, a qual afetará o
presente, e os futuros relacionamentos do indivíduo.
Para Sullivan, a interpessoalidade pode ser produtora de padrões positivos ou
negativos. Ele entendia que a influência interpessoal proporciona formações de
condutas assimiladas e estas, por sua vez, são desenvolvidas em forma de padrões.
Os padrões podem ser bons ou ruins, positivos ou negativos, eles irão depender,
como foi observado acima, da assimilação feita por meio do ambiente de convívio da
pessoa.
Mabel Blake Cohen comenta sua conclusão do trabalho de Sullivan, e resume
que as bases do entendimento deste autor sobre interpessoalidade estão
fundamentadas em dois aspectos: primeiro que a maior parte dos problemas
mentais de uma pessoa são resultados de comunicações inadequadas perpetuadas
em relacionamentos, e segundo, que cada pessoa em uma dinâmica relacional é
parte de uma única entidade relacional, ou seja, não são duas partes relacionais
separadas, porém, duas pessoas em uma única parte, em um processo onde cada
uma afeta e é afetada por esta entidade única.105
Para Sullivan, é no campo das emoções que surgem as ações e atitudes que
afetam diretamente pessoas em suas expectativas com relação ao outro. A conduta
interior sensitiva do indivíduo será, em sua totalidade, a responsável pela atitude 105 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. xii.
81
resultante em uma interação. Estas ações provocam transtornos ou melhoras em
relacionamentos e as necessidades das pessoas e seus padrões de reciprocidade
podem aumentar ou diminuir, ou seja, são desenvolvidos ou desintegrados, e as
previsões de satisfação ou rejeição podem ser facilitadas ou impedidas.
Em seu ponto de vista, parece ser conclusivo dizer que: sempre e de alguma
forma, uma pessoa está afetando outra por meio de sua emoção intencional ou não
intencional. O que uma pessoa faz, crendo ser correto ou não, tem dimensões e
efeitos que estarão de alguma forma influenciando o outro positiva ou negativamente
em seu contexto relacional direto, familiar ou social. Assim, os relacionamentos
passam a exercer uma influência por demais extensa na vida do outro.
Para Sullivan, esta dinâmica de comportamento interpessoal pode ser:
integrativa, a qual leva pessoas a interações em situações variadas, com a intenção
de resolução ou redução de tensões conflituais, ou não integrativas, que envolvem a
ansiedade e leva à desintegração de certa situação ou relação.
É por meio do que ele chama de integração, ou não integração que se reflete
o quadro interpessoal no relacionamento. Ele entende que a integração reduz a
ansiedade e minimiza o quadro conflitual, levando a uma maior harmonia, enquanto
que a não integração produz tensão e ansiedade, aumentando o quadro conflitual.
Neste sentido, ele faz uma especial elucidação à necessidade do exemplo e
do respeito nos relacionamentos interpessoais. Para ele, o respeito pelo outro é
elemento significativo no contexto social, porém este já era raro em seus dias. Ele
entendia que o respeito, observado junto com o exemplo podem trazer reflexos
significativos, capazes de acompanhar grandes mudanças na jornada de alguém.
Em seu artigo sobre pastoral do aconselhamento e interpessoalidade,
Ronaldo Sathler sintetiza as afirmações essenciais de Sullivan como: as pessoas
82
são o centro estrutural de relacionamentos interpessoais, elas refletem em seu ser e
em suas atitudes a qualidade de seus relacionamentos, as feridas emocionais que
surgiram no passado permanecem dentro dos indivíduos, os atuais sistemas
relacionais contribuem para um crescimento mínimo da personalidade, e por fim, o
processo de cura não pode ser eficaz a não ser que as pessoas sejam capazes de
estabelecer relacionamentos que contribuam para o crescimento, enquanto
caminham para o futuro.106
4.2. Sullivan e a ansiedade na interpessoalidade
Conforme a teoria de Beck e Emery “ansiedade é definida como um estado
emocional tenso e marcado por sintomas físicos como tensão, tremor, transpiração e
palpitação.”107 A palavra vem do latim e é definida como “condição de agitação e
estresse”. A raiz da palavra, vem de outra palavra latina, “angere”, que significa
estrangular, o que descreve a sensação experimentada pelo indivíduo ansioso.108 A
ansiedade passa a ser de certa forma um processo emocional que é caracterizada
por sentimentos subjetivos não prazerosos, e geralmente desencadeados quando o
medo é estimulado.
Para Sullivan a ansiedade é uma função biológica comum à existência
humana, e de demasiada influência emocional em uma pessoa. Sullivan entende
que as assimilações das tensões de ansiedade resultam de modelos de interação
interpessoal. Estes modelos, em sua maioria, são inapropriados e causados pela
106 Ronaldo SATHLER-ROSA, Pastoral de Aconselhamento e Interpersonalismo: Um Estudo Exploratório do Pensamento de Harry Stack Sullivan , p. 3. 107 Aaron T.BECK, Garry EMERY, Ruth L. GREENBERG, Anxiety disorders and phobias: a cognitive perspective. p. 8, 9. 108 Editores UNIVERSAL. Priberam dicionário. http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. Acesso em: 10 nov 2007.
83
influência inadequada que pessoas exercem na formação do indivíduo em
questão.109
Partindo dessa concepção já se identifica o diálogo de Erickson com Sullivan
sobre a importância do primeiro relacionamento da criança e sua influência em
futuros relacionamentos. Suas necessidades, à medida que não são supridas,
geram desconfiança, até certo ponto necessária, porém causadora de uma medida
de ansiedade, sentimento que, se exacerbado, provocará no indivíduo futuros
problemas em seus relacionamentos, aumentando as dificuldades nas suas relações
interpessoais.
A mente ansiosa tem uma relação com a infância, especialmente na formação
e relacionamento da criança com sua mãe. Sullivan defendia a idéia de que “as
experiências atuais podem ser explicadas pela relação anterior com a boa mãe ou a
má genitora”.110 Esse padrão adicionado às pressões da sociedade descrita no
capítulo anterior, desencadeia um estado de ansiedade constante.
Uma resultante comum de ansiedade dos dias modernos é o que tem sido
chamado de síndrome do pânico, uma sensação que acontece no começo da vida
adulta, e aparece em ocasiões de estresse, como pressões no trabalho, no
casamento ou na família, em que a pessoa se sente desamparada. O transtorno é
de duas a quatro vezes mais freqüente nas mulheres, mas também pode ocorrer
com sinais semelhantes nos homens. Um único episódio de crise de ansiedade não
caracteriza a síndrome do pânico, mas crises repetidas levam ao desenvolvimento
do transtorno.111
109 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. 42. 110 Harry S. SULLIVAN, The Fusion of Psychiatry and social science, p. 248. 111 Kevin Carden/Shutterstock, O que é síndrome do pânico? As crises, que envolvem taquicardia e a sensação de morte iminente, são conseqüências da ansiedade patológica. Revista, América científica, secção Brasil, a ciência como você nunca viu!. Disponível em: <http://www.2.uol.com.br/sciam/noticias/o_que_e_sindrome_do_panico_html> . Acesso em: 26 nov 2007.
84
Este tipo de problema fica caracterizado quando a ansiedade começa a
causar demasiado sofrimento em meio aos relacionamentos de uma pessoa. A
preocupação culmina nas crises, e a pessoa fica ainda mais ansiosa porque perde o
controle de quando esta crise irá acontecer novamente. Desta forma, também fica
claro a relação da ansiedade com a falta de segurança direcional que uma pessoa
possa ter, ou seja, a ausência de controle sobre aquilo que passou a ser objeto da
ansiedade.
A atitude pode ser uma ação reprodutora ou não reprodutora de tensão e esta
reprodução está diretamente ligada à integração interpessoal destes dois núcleos
em questão. A ansiedade, neste caso, é fator de influência na geração ou não de
conflitos na dinâmica relacional, levando uma relação ao alívio por sua inexistência
conflitual ou à intensa tensão, por sua presença acentuada.
Não é incomum dizer que pessoas obsessivas, que trabalham e se
preocupam muito, são notadas com ansiedade, as mesmas são também raramente
livres deste sentimento de tensão. As sensações de mau humor, raiva e irritação que
as pessoas sentem no dia a dia não advêm de perigos reais, mas de ameaças ao
prestígio, a convicção de que elas devem ser dignas e respeitadas.
O simples fato de uma pessoa não dar ao outro a atenção esperada, já pode
produzir uma tensão inicial, a qual pode vir a se tornar em raiva quando se tenta
justificar a ansiedade inicial. Somente quando uma pessoa reconhece que a causa
da sua ansiedade é relacionada à suas próprias expectativas e necessidades, é que
ele inicia o processo de mudança relacional benéfica.112
Quando consideramos os pré-supostos de Sullivan, estamos entendendo que
a ansiedade exerce demasiada influência emocional em uma pessoa, pois produz
uma tensão de efeito interpessoal, sendo influenciada e influenciadora nos 112 Harry S. SULLIVAN, The Fusion of Psychiatry and social science, p. 250, 251.
85
relacionamentos do seu cotidiano e no surgimento dos conflitos. Ao produzir
conflitos, ela leva consigo um risco imenso às pessoas e à sociedade em geral.
Entender a ansiedade e controlá-la, passa a ser algo imprescindível, sob pena do
aumento de crises e sofrimentos em um relacionamento interpessoal.
Em sua visão comportamental Sullivan argumenta que a conduta do outro,
acompanhada de uma ação terna, não influenciada pela tensão da ansiedade, pode
abrandar tensões e aliviar conflitos, levando ao relaxamento da mesma, trazendo
alívio e produzindo liberdade no relacionamento.113 Esta avaliação de Sullivan passa
a ser muito significativa no estudo deste tema, pois a mesma, expressa de uma
forma objetiva, possibilidades reais e práticas para o alívio de conflitos e superações
de crises relacionais.
A ação, no entendimento de Sullivan é a canalizadora ou não da tensão.
Desta forma se pergunta à ação, se ela leva ou não, consigo, a tensão. A tensão,
por sua vez, é um produto de uma ação anterior, desta forma, se pergunta à ação se
ela foi influenciada ou não pela tensão. Assim, ação e tensão atuam como inter-
relacionados, influenciadores e influenciados em uma dinâmica interpessoal.
Observa-se então que, a ansiedade não é somente o sujeito da ação,
produtora dos conflitos, como também ela atua como objeto desta mesma ação. Ao
se dirigir ao filho de forma ansiosa, expressando agressividade em sua ação, uma
mãe reflete a ansiedade influenciadora de sua ação, como também, transmite esta
mesma ansiedade à futura ação de seu filho em relação a uma outra pessoa.
Ao desenvolver maior compreensão da relação íntima que existe entre uma
pessoa socialmente produtiva e uma, emocionalmente perturbada e menos
produtiva, Sullivan veio a considerar a ansiedade como uma constante destrutiva na
vida humana. Como um gerador de muita tensão de grupo, e como uma força de tal 113 Harry S. SULLIVAN, The interpersonal theory of psychiatry, p. 99.
86
significado em seus efeitos, que deveria ser tratada com medidas de grupo e de
saúde pública.
A relação pessoa-sociedade desde seu início ou formação, passa a ser por
assim dizer, prioritária no desencadeamento ou não de distúrbios emocionais. Para
Sullivan é impossível tratar seres sociais, agentes de cidadania ou atuantes em prol
do grupo, sem considerar seus relacionamentos primários e a repercussão dos
mesmos, no contexto onde a pessoa esteve e se encontra.
Para ele, é através da educação que ocorre um claro índice de combinação,
de previsão e ambição cega, da parte dos pais. Neste sentido, as relações de
formação educacional são agentes inerentes de traumas, aspirações e vontades. E
estes aspectos podem ser previstos como conseqüência natural de assimilações
dentro do processo educacional.114
Sullivan afirma também que a história ocupacional, os grandes fatores da
situação econômica em geral e as oportunidades geográficas particulares, são
reveladores quanto à habilidade da pessoa de se relacionar com o outro ou chegar a
alguma situação na vida.115 Neste sentido comenta que pode ser chamado de
sistema do ego, a parte da personalidade que é gerada inteiramente a partir das
influências de pessoas significativas ao sentimento de alguém, e isto, tem relação
direta com a educação e seu vasto sistema de operações, precauções e alertas.
Desta forma o conhecimento a respeito de si próprio e do outro pode
proporcionar um maior alivio de tensão, ser fator influenciador na redução dos
conflitos e possibilitar estabilidade nas dinâmicas interpessoais. Considerando como
evidente também que na visão dos autores estudados e na justificativa de Sullivan,
todos consideram conflitos relacionais como conseqüência de relacionamentos
114 Harry S. SULLIVAN, The Psychiatric Interview, p.172. 115 Ibid., p.172, 173.
87
inapropriados. Sullivan mesmo cita como “fatores provocativos de tensões de
ansiedade, resultados de modelos de interação interpessoal inapropriados.”116
Nesta ótica, Sullivan defende que para eliminar a ansiedade, que também é
resultado da ação, uma pessoa deve quebrar o ciclo criado nesta dinâmica
relacional por meio de uma conduta diferenciada, que em sua opinião vem a
abrandar a ansiedade e produzir harmonia entre as partes. “A resposta branda
desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.”117 Segundo Mattheus Henry, as
palavras duras e agressivas a que se refere este texto não só suscitam a ira do
ouvinte, como aumentam a ira de quem as pronuncia.118
Assim o conhecimento da dinâmica interpessoal, seus fatores relacionais
vigentes, suas vantagens e desvantagens deveriam ser conhecidas, reconhecidas e
se necessário mudadas. Esta dinâmica que no entendimento de Sullivan é a
responsável por conflitos em relacionamentos, leva seu interlocutor a uma pergunta
simples, porém que pode ser complexa em sua resposta: como quebrar este ciclo
tenso em um relacionamento por meio de uma conduta branda, se a ansiedade é a
predominante reprodutora das ações presentes na maioria dos conflitos?
Este questionamento passa a ser a chave de um estudo compreensivo da
ação humana nos relacionamentos interpessoais. Nele, podem se encontrar
respostas que a própria pastoral em sua visão de “bem-aventurança” relacional, já
contemplava em seus ensinos. Onde se salienta o ato de dar e amar ao próximo,
como mais significativo à felicidade, que o ato de receber algo deste mesmo
116 Harry S. SULLIVAN, The Psychiatric Interview, p. 40. 117 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Provérbios 15: 1. p. 578. 118 Mattheus HENRY, Commentary on the whole Bible, v.3. http://www.ccel.org/ccel/henry/mhc3.xx.xvi. html. Acesso em 30 jan 2008.
88
próximo.119 Segundo Chaplin, “ a generosidade consiste no amor em ação, e o
amor é a comprovação mesma da espiritualidade”.120
Considerando a visão de interpessoalidade de Sullivan onde a integração ou
não integração relacional é produto da ação resultante da ansiedade em
relacionamentos. A forma mais lógica de entender o meio de quebra deste ciclo
passa pelo entendimento da ótica de como eliminar a ansiedade, pois neste contexto
ela atua como vilã e se torna em essência a principal influenciadora da ação e de
seus resultados.
Desta forma, se deve considerar algumas reflexões acerca da compreensão e
superação destes conflitos. Desenvolver uma visão pastoral do tema entendendo
que relacionamentos é um assunto de interesse predominante das religiões, das
famílias e da sociedade em geral. E fazer uma assimilação adequada que
contempla, não só a esperança de relacionamentos melhores, como também uma
sociedade mais compreensiva, menos ansiosa e menos conflituosa.
Estes fatores nos remetem a proposta de uma práxis pastoral onde se
entenda o conflito, sua origem e sua neutralização, objetivando mudanças
relacionais que exaltem a harmonia e o entendimento mútuo, como um valor
espiritual.
Entende-se então a necessidade de se estruturar um diálogo entre as
diferentes hipóteses quanto ao papel da ansiedade nos conflitos, e a formação das
relações sociais expostas pelos referenciais teóricos aqui trabalhados. Somente
fazendo esta reflexão é que se pode construir uma prática pastoral que vislumbre
esperança no entendimento interpessoal e a superação de conflitos produzidos pela
ansiedade.
119 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, Atos 20: 35. p. 151. 120 Russell N.CHAMPLIN, O novo testamento interpretado: versículo por versículo, v. 3, p. 451.
89
5. CONTRIBUIÇÃO À PRÁXIS PASTORAL
Este capítulo tem como objetivo sugerir elementos que contribuam para a
práxis pastoral com vistas à libertação de ciclos relacionais tensos. À medida que a
dinâmica relacional é marcada pela ansiedade, a qual acontece como resposta da
insegurança relacional. O ser humano se envolve na realidade da subsistência social
existente: individualista, simbolista e competitiva. Em oposição a este contexto surge
a práxis pastoral, baseada na fé cristã e em uma consciência interpessoal prática.
Para o alcance desse propósito, serão considerados três temas
subseqüentes: o conhecimento da dinâmica relacional; a consciência de resposta
produzida pela ansiedade, sua mudança no processo relacional; e a nova ação,
atitude consciente, livre da tensão.
Desde que a ansiedade parece ser desencadeadora de tensão, é
imprescindível que a pessoa abandone a reação comum e caminhe em direção a
uma ação branda, ou seja, não influenciada pela tensão. Desde que ações
autônomas de responsabilidade pessoal e esperança são entendidas como
condutas cristãs que objetivam relacionamentos livres, menos tensos e de
expectativa harmoniosa.
Em suas posições e na maneira de lidar com as pessoas, Jesus parecia
caracterizar-se pela prudência no falar e pela ausência de coerção. Ele tinha
interesse de ajudar o outro e não parecia esperar retribuição prática por isso. Sua
perspectiva moral era coerente com seu discurso. E sua conduta, quanto as
mudanças no comportamento de alguém, mostra que mesmo querendo
transformações de atitudes, oferecia liberdade de expressão e respeito à liberdade
de escolha.
90
Alguém que se diz seguidor de um movimento religioso que tenha uma
proposta de comunhão, não deveria se submeter a um formato social comum que
estimule a desunião. Não pode deixar seu julgamento de ação basear-se em
culturas, costumes e ou tradições. Suas relações interpessoais, em nenhum
momento, podem ignorar a escala de reverência e respeito propostos pelos ensinos
cristãos. Ninguém agirá com coerência, dizendo obedecer a Deus e ignorando o
amor, o respeito e a solidariedade.
Para que uma pastoral não seja equivocada, ela deve considerar o tema
cristão da graça como fundamental. À medida que se vive à cristandade, com focos
baseados no individualismo, competição ou na premissa da maioria, esta
religiosidade ignora a liberdade, dá lugar à escravidão, e o respeito passa a ser
substituído pela tensão. Em uma comunidade eclesiástica, qualquer razão que tente
justificar a opressão, deve ser questionada. Nenhum julgamento de seus dirigentes
justifica atos coercivos e intimidadores objetivando obter obediência. A obediência
forçada é questionada, podendo deixar de ser obediência se não for voluntária e
espontânea.
Nas palavras de Bertrand: muito do que se costuma associar à religião deverá
ser posto de lado. “A primeira e maior mudança que se faz necessária é estabelecer
uma moralidade de iniciativa e não uma moralidade de submissão, de esperança e
não de temor, de coisas que se devem fazer e não de coisas que não devem ser
feitas.”121
5.1. Ação conscientizadora dos fatores intrapessoais e sociais.
121 Russel BERTRAND, Princípios da reconstrução social, p.149.
91
Conforme Morin “a ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda,
em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado. É compreender porque e
como se odeia ou se despreza. A ética da compreensão pede que se compreenda a
incompreensão”.122
Em contextos diversos da vida social, o ser humano se depara com situações
onde seu interesse, e o interesse de seus pares, se opõem. Na concepção humana
comum, um ganha e o outro perde. Assim, tem se observado, uma forte tendência
exclusivista na busca das soluções ou mediações de tais situações, o que leva a
pessoa a ações centradas no seu próprio ego.
Passa a ser comum, então, uma direção egocêntrica na conduta humana em
relação ao outro. As práticas diárias, na maioria das vezes, demonstram intenções
particulares em benefício próprio, passam a proceder em detrimento do interesse e
da necessidade do outro. A tensão produzida pela ação não moral e heterônoma,
usando a definição de Kant, ela desvia a harmonia e o entendimento interpessoal.
A autonomia, seja cognitiva ou sócio-moral de uma pessoa, leva o homem a
primar por conhecer o outro, tanto em termos cognitivos e psicológicos quanto
contextuais, com o objetivo de contribuir para a construção dos valores morais que
permeiam o relacionamento. O exercício da autonomia, cooperação e confiança é
que levará o outro a aceitar normas em função de um ideal e do respeito mútuo. Ao
compreender esta realidade na construção das relações interpessoais e nas
diversas fases de um conflito, se abre espaço para a resolução, entendendo que por
meio deste entendimento, as pessoas possam evoluir frente às situações impostas
pelas crises no dia a dia em que estão inseridas.
122 Edgard MORIN, Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 99.
92
5.1.1. Consciência dos fatores intrapessoais
Conforme Bauman, “as fontes da insegurança estão ocultas e não aparecem
nos mapas, de modo que não podemos situá-las com precisão. Mas as ameaças,
essas substâncias estranhas, são bem visíveis.”123 A ansiedade está seguramente
no cerne dos conflitos entre suas diversas orientações. O relacionamento
interpessoal, isento de ansiedade, estaria na contramão do sistema contemporâneo.
A proposta do mercado não parece atender a necessidade real, pois cria e recria
necessidades ilusórias.
Em sua definição de práxis pastoral Cassiano Floristan faz uso de termos que
em seu sentido literal poderiam deixar de contemplar os relacionamentos
interpessoais. Ele diz que “a ação pastoral é uma prática que atualiza a práxis de
Jesus Cristo através da ação da igreja e dos cristãos.”124 Afirma também que a
teoria crítica é a autoconsciência de uma práxis.125 Ela deve ser então, reflexiva,
teórica e crítica. O julgamento para ser correto teria que perguntar: “reflexiva em que
sentido”? Social, emocional, teológico?
De certa forma o sentido do termo reflexiva, que define a práxis pastoral,
remete a um sentido maior que sua área de concentração, se social, emocional ou
teológica. O termo “reflexiva” teria relação com coerência, consistência e
integralidade. Considerando este particular, poderia se aplicar a definição de
Florestan na direção de uma práxis religiosa que não aceite interpessoalidade
incoerente, inconsistente e não integrativa.
Uma práxis pastoral efetiva deveria também considerar a reflexão
interpessoal. E para se obter êxito, deveria ponderar dois fatores fundamentais. 123 Zygmunt BAUMAN, Comunidade à busca por segurança no mundo atual, p. 130. 124 Cassiano FLORISTAN, Teologia prática : teoria y práxis de la acción pastoral, p.187. 125 Ibid., p. 177.
93
Primeiro, o discernimento de relações interpessoais, a influência pessoal que leva o
outro a tomar decisões saudáveis ou nocivas a uma relação, o espaço e valor da
harmonia como base para uma interpessoalidade produtiva e instrumentos para a
superação de conflitos. E segundo, a pastoral ensinada deve ser experienciada por
seus interlocutores. Qualquer ajuda que uma pastoral considere, deve ser vivida por
quem a ensina. Isto valida a ajuda e reflete que o objetivo a ser alcançado na vida
do outro é real e possível.
Se uma pessoa deseja estabelecer um ambiente moral e social saudável, a
mesma deve iniciar por refletir sobre seus próprios relacionamentos com os outros.
Refletir sobre sua história de vida e a maneira que suas decisões são tomadas no
cotidiano. Entender o que é benéfico a ela e ao outro, assim como o que é
prejudicial a ela e ao outro, bem como ao grupo a que pertence. Neste sentido o alvo
desta construção interpessoal passa pelo viés da consciência interpessoal e pelo
entendimento da dinâmica da intrapessoal.
Como afirma Morin, dissertando sobre o processo necessário para que haja
compreensão: “A prática mental do auto-exame permanente é necessária, já que a
compreensão de nossas fraquezas ou faltas é a via para a compreensão das do
outro. Se descobrirmos que somos todos seres falíveis, então podemos descobrir
que todos necessitamos de mútua compreensão.”126
Morin ainda fala de duas compreensões, uma intelectual objetiva, e a outra
humana. A compreensão intelectual requer explicação e inteligibilidade, a humana
requer conhecimento de sujeito a sujeito. Compreender inclui necessariamente um
processo de empatia, de identificação e de projeção. É o colocar-se no lugar do
outro e adquirir sua perspectiva.127
126 Edgard MORIN, Os sete saberes necessários à educação do futuro, p.100. 127 Ibid., p. 94.
94
De fato, a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do
outro, esta, mascara nossas próprias incompreensões e fraquezas que nos tornam
implacáveis com as carências e fraquezas do outro.128 É necessário conhecer a si
mesmo para entender o que motiva as ações e reações, porém, é necessário
também conhecer a respeito do ser humano em geral.
O entendimento dos níveis de compreensão interpessoal de Selman, pode
levar alguém rapidamente a reconhecer estratégias de negociação e experiências
compartilhadas quando um indivíduo está sendo impulsivo, unilateral ou cooperativo.
Pode-se identificar em que nível a pessoa estacionou e identificar as causas da não
utilização do nível em que está. Pode perceber os caminhos do seu raciocínio, o que
passa pela compreensão do outro, o que o desequilibra, o que gera conflitos e o que
propicia artifícios adequados para agir na busca do equilíbrio.129 Em todas essas
situações geralmente serão encontrados fatores associados a experiências
passadas e produtores de ansiedade.
Esta valorização do conhecimento no processo da interpessoalidade
considera o discernimento advindo dele, como princípio pastoral importante no
contexto cristão. Ou seja, se faz necessário entender esta dinâmica relacional para
discerni-la e julgá-la adequadamente. Desta forma, se expressa à importância do
conhecimento interpessoal, sem o qual o discernimento será errado ou não
acontecerá.
Este conhecimento passa a ser algo importante e necessário em qualquer
área da vida, especialmente na vida cristã. O apóstolo João, em seu livro cita que é
por meio do conhecimento que se obtém a libertação, “e conhecereis a verdade e a
128 Edgard MORIN, Os sete saberes necessários à educação do futuro, p.97. 129 Telma VINHA, O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista, p.117.
95
verdade vos libertará”...130 O primeiro passo para qualquer mudança interpessoal
deve passar pela linha do conhecimento, ele antecede a conscientização e a prática
de qualquer ação.
O conhecimento em si, ou em seu sentido literal é essencialmente teórico,
acessa ao cognitivo e pode não afetar em nada na direção a mudanças de condutas
ou atitudes. Por esta razão também o diferenciamos da sabedoria, ou seja, conhecer
algo não significa que de fato isto foi aprendido, é o exercício do que foi ensinado
que define a assimilação, e, se de fato o conhecimento faz diferença.
Podemos chamar de sabedoria, o exercício do conhecimento de forma
madura, ou seja, o ensino que exerce influência e transformação efetiva. Também
podemos considerar como mero conhecimento, aquilo que não é exercido na prática.
Tendo este conhecimento em mãos, um indivíduo estará capacitado a mediar os
conflitos em seu cotidiano de forma pedagógica. Aproveitando a situação para
intervir, quando necessário, no sentido de desafiar o outro através de sua conduta
reflexiva e galgar em direção a níveis mais elevados de relacionamentos
interpessoais, nos quais, o equilíbrio e a harmonia possam substituir o lugar da
tensão e da ansiedade. Desta forma se estará promovendo um ambiente de
cooperação o qual estimula a interação entre as partes.
Porém, o conhecimento e a ciência acerca da dinâmica interpessoal são
apenas um passo na direção de se adquirir ferramentas para atuar numa pastoral
que facilite a resolução de conflitos e a diminuição da ansiedade.
130 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, João 8:32, p. 110.
96
5.1.2. Consciência dos fatores sociais
Sigmund Freud em o “Futuro de uma ilusão,” tenta desenvolver um
argumento sobre a inevitabilidade dos limites sociais à liberdade humana.131 É
impossível o homem ter segurança e liberdade ao mesmo tempo, na quantidade que
quiser, mesmo que isso não represente desistência na busca por tentar alcançar
ambos.132 Assim “a liberdade é para muitos um objetivo cobiçado e para outros uma
ameaça.”133
Essa ameaça, entretanto, pode ser minimizada se houver uma
conscientização e um sentimento de cooperação. Em relacionamentos interpessoais
se deve promover um ambiente de cooperação e que estimule a interação entre as
partes. “Cooperar significa lutar para alcançar um objetivo comum, enquanto
coordenam-se os sentimentos e perspectivas próprias com a consciência dos
sentimentos e perspectivas dos outros.”134
O fator de maior extensão dentro do horizonte dos conflitos interpessoais é a
abertura que as pessoas dão ao símbolo. Ao imergir na vida social, ou mesmo ao se
entender como ser sobrevivente no mundo, a pessoa inicia sua jornada de
valorização e assimilação dos valores atribuídos e já existentes em cada aspecto da
vida humana. E isto sempre considerando seu contexto e realidade vivida.
Para um menino brasileiro, o significado de uma bola, será diferente, que para
um americano. Para uma criança nordestina, a água terá um sentido diferente que
para uma criança sulista. E assim, este mesmo horizonte simbólico ou de valor
existe também na vida emocional e social de uma pessoa. Esse significado afeta
131 Zygmund BAUMAN, Comunidade, a busca por segurança no mundo atua, p. 18. 132 Ibid., p.11. 133 Ibid., p.16. 134 Rheta DEVRIES, Bettz ZAN, A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola, p.57
97
seus relacionamentos, podendo aumentar ou minimizar sua tensão, dependendo do
que ela valoriza mais ou menos, e se o que ela valoriza é de fato em uma dimensão
saudável ou não para seu relacionamento.
Em certo sentido, nenhuma pessoa se adapta a ordens ou padrões sem ser
influenciada, portanto a adequação tem uma relação real direta ao desejo de ser
parte, o que em outras palavras reflete o medo de exclusão. E em outra situação, o
interesse de ser aceito pelo grupo, valorizando o que simbolicamente é importante
para eles e não valorizando o que para eles também não tem nenhum valor.
A autonomia, seja cognitiva, ou sócio-moral, pode construir relacionamentos
baseados em valores morais que irão permear o entendimento interpessoal. A
influência do outro, por meio de condutas impostas e heterônomas, podem levar a
uma demasiada tensão por ela provocada e se distanciará da conscientização de
uma atitude autônoma e confiante, permeada pela esperança.
Baseado nesta tentativa de pertencer e ter seu senso de representatividade
alcançado, a pessoa faz o possível para pertencer e possuir como os outros. É nesta
tentativa que surge o sentimento da disputa e conseqüentemente da individualidade.
A relação perde a cooperação e dá lugar à disputa. Passa a existir uma limitação de
entendimento relacional, o outro ao invés de ser um parceiro comum, passa a ser
um adversário e o conflito é assim inevitável, levando o indivíduo a uma necessidade
clara de mudança, sem a qual não poderá harmonizar seus relacionamentos ou
minimizar seus conflitos.
O princípio de condutas passa a ter lugar de real importância neste processo
de transformação relacional. Os ensinos bíblicos já salientavam esta realidade, antes
mesmo dos estudiosos do comportamento humano defenderem as agravantes ou
conseqüências dos conflitos interpessoais. “Andarão dois juntos se não existir entre
98
eles acordo?”135 Nesta ocasião as Escrituras se referem à impossibilidade de
convívio comum entre pessoas que não têm harmonia relacional. Segundo Tim
Bulkeley, acordo é uma ação passiva de entendimento mútuo.136 Esta ausência de
acordo, decorrente da condição da pessoa e de sua conduta heterônoma traz como
resultante a tensão relacional ou ansiedade. Produzindo conflitos maiores e
impedindo uma caminhada harmônica das partes.
“A palavra dura suscita a ira, mas a resposta branda desvia o furor,”137 isto
parece esclarecer que a ação contrária à atitude tensa é a forma de resposta que
minimiza e atenua um problema de comunicação em um relacionamento
interpessoal. A palavra tenra comunicada em uma inter-relação tem o poder de
abrandar o problema e, conseqüentemente relaxar o relacionamento, como também
a palavra dura pode produzir maior tensão e trazer mais conflito.
Um forte exemplo disto são os relacionamentos interpessoais de Cristo. Ele
foi um profeta brando e cauteloso, suas palavras conduziam mais à reflexão e a uma
introspecção da conduta, do que à ofensa e recriminação da atitude do seu
interlocutor. Na maioria de seus relacionamentos, Cristo tinha intenção de produzir
ações morais e éticas generosas que beneficiassem o outro, demonstrando que não
comungava de necessidades individualistas, representativas ou mesmo competitivas
diante das pessoas.
Em um outro momento, as Escrituras também promovem o valor da coerência
entre o falar e o agir. Para ela, a palavra verbalizada nunca deve ser diferente da
conduta vivenciada. Desta forma, ela expressa que as atitudes individualistas e
135 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Amós 3: 3, p. 786. 136 Tim BULKELEY, Bible study biblical commentaries. Amos: Postmodern Bible. http://bible.gen.nz/. Acesso em: 30 jan 2008. 137 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, Provérbios 15: 1. p. 578.
99
influenciadas por valores capitalistas, comuns em relacionamentos, deveriam ser
identificadas e tratadas, pois são contrárias ao ensino de amor ao próximo.138
Segundo Champlin, isso significa que “cada pessoa deve ser respeitada por aquilo
que é, devido ao valor de sua própria individualidade e pessoa, e não por causa do
proveito e benefício que se pode extrair de nossa associação com ela”.139
Pelo que se pode observar, a partir do momento que a indução, produto do
contexto simbólico, o individualismo e a competitividade fortalecem a ação
heterônoma, encontram também a reprovação das Escrituras e dos ensinos e
exemplo de Cristo. E por sua vez passam a ser objetos de crises e afastamento de
uma relação interpessoal mais harmônica, sob pena da mesma ser mais prejudicada
à medida que o tempo passa.
“Condutas de assimilação ou adaptação são reflexos da necessidade
impulsiva que o homem tem, pelo medo do isolamento, e para satisfazer seu impulso
por uma companhia pode sacrificar-se por toda sua vida.”140
5.2. Ruptura com a heteronomia, produto dos fatores intrapessoais e sociais
Será difícil encontrar alguém que se satisfaça ou goste de relacionamentos
tensos e conflituosos. Mesmo porque, além de trazerem sofrimento, podem produzir
enfermidades para o corpo. As pessoas convivem com relacionamentos ansiosos
mais por necessidade do que por opção. A ruptura dos fatores de tensão no
relacionamento, não só é necessária, como anelada. A busca pelo equilíbrio e
138 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, Mateus 22:39, p. 29. 139 Russell N. CHAMPLIN, O novo testamento interpretado: versículo por versículo, v. 1, p. 538. 140 Honorée BALZAC, O sofrimento do inventor, p. 17.
100
harmonia é o clamor natural de qualquer indivíduo em uma relação interpessoal
conflitante.
A mensagem desta ruptura sinaliza a possibilidade de bem estar social e
relacional, a esperança de que o anelo pelo alívio da ansiedade seja alcançado.
Mesmo que uma pessoa não saiba como atingir seu interesse maior de segurança e
harmonia relacional, ela irá ter a intenção de sentir este estado em seus
relacionamentos pessoais.
Alguém consciente dos fatores intrapessoais causadores de ansiedade,
formados durante a história de seus relacionamentos e entendendo também da
influência que os fatores sociais exercem quanto à geração de mais ansiedade, deve
procurar romper com o pensamento heterônomo de auto-satisfação e ignorância do
outro e do coletivo, a fim de desfazer o ciclo gerador de ansiedade e
conseqüentemente de conflitos.
Tal ruptura, com certeza, não é fácil desde que significa, como já foi dito, uma
auto reflexão e uma negação das necessidades criadas e hábitos relacionais já
enraizados. Mesmo que o meio apresente o exercício da heteronomia como mais
confortável ou até necessário para a adaptação do homem à sociedade, e nossas
experiências relacionais nos apresentem o individualismo como principal proteção
para nossas emoções, este estudo já demonstrou que isto somente coopera para
uma sociedade mais submissa às premissas do mercado e mais individualista.
Produtora de conflitos e ansiosa, que conseqüentemente retornam ao indivíduo
aumentando suas crises.
O pensar que busca a autonomia, ou seja, o pensar que leva em
consideração o bem do outro e do coletivo, acima do individual, age como
transformador do indivíduo, e conseqüentemente da coletividade onde está inserido,
101
reduzindo conflitos, ansiedade e aumentando a capacidade de resolução dos
mesmos de maneira construtiva e integrativa. Em qualquer situação de
relacionamento onde alguém esteja convivendo com tensão interpessoal e
ansiedade o clamor por ruptura e suspensão desta dor emocional é real, mesmo que
seja inconsciente.
Quanto mais longa e viciosa for a dinâmica relacional, mais difícil se tornará
sua eliminação. O tempo passa a ser um agente fortalecedor do estado emocional,
seja ele qual for. Seja para a restauração ou para a deterioração de um
relacionamento interpessoal. Sua função é solidificar a situação existente e
minimizar as possibilidades de ruptura da condição vivida no momento. Entendendo
esta realidade, cada pessoa pode dimensionar o custo emocional e o preço que
poderá se pagar pela continuidade ou prolongamento de uma relação interpessoal
conflituosa e insegura.
Desde que a intenção primeira em qualquer relação interpessoal é a
satisfação do ser, esta busca de forma ego centrada o leva a adquirir como resultado
algo contrário à sua intenção. O resultado acaba sendo contrário à sua intenção
primeira, a harmonia esperada pelo alcance de seu objetivo é frustrada a partir do
momento que o outro se defender da ameaça produzida pela ação que procura seus
próprios interesses.
A ansiedade vem a ser o produto final da tensão relacional e sua consistência
aumenta, crescendo também seus fatores de riscos e crises interpessoais. Nesta
dinâmica, observa-se também que em muitos momentos, ela deixa de ser produto
para ser agente do conflito. A partir do momento em que a tensão existe, suas
resultantes passam a ser agentes produtores de mais ansiedade em outros
102
relacionamentos. Por isso, é comum vermos pessoas estressadas estressando a
outras, ou tensas, deixando as outras também tensas.
A ruptura dos fatores conflituosos produtos de ações heterônomas, é além de
um desafio relacional, um risco para quem pretende realizá-la. Ações que não
seguem uma prática de sobrevivência relacional comum parecem no primeiro
momento por demais inseguras. O medo da possibilidade de piorar a relação e
arrefecer o conflito é imediato. A chance de perca, e o risco, produto do resultado
ainda desconhecido, também passam muitas vezes a impedir uma ação autônoma e
independente.
O processo dessas rupturas requer uma pastoral diferenciada que não
compactue com o sistema, negociando a esperança de dias melhores, que não
ignore o sofrimento humano ao redor de si, nem aborde tão somente o
comportamento visível, sublimando o problema, na esperança de produzir alguma
mágica. Pelo contrário, a proposta é de uma pastoral compromissada com as
misérias do homem e da sociedade, e que se aprofunde no conhecimento das
verdades aqui citadas que promovem conscientização e libertação de um problema
que assola os relacionamentos.
O principal alvo dessa pastoral, não esquecendo da pregação coletiva da
esperança e da ação solidária, é o homem. É necessário, portanto, que se tenha à
mão encaminhamentos do quê, este homem pode fazer por ele próprio, no sentido
de libertar-se de uma emoção escravizadora e promotora de conflitos, melhorando
assim seus relacionamentos interpessoais, influenciando o coletivo a fazer o mesmo
e promovendo a compreensão do outro, a paz e a solidariedade.
103
5.3. Uma pastoral de intervenção
5.3.1. Contrição, mudança sensitiva de reações
A religião propõe mudanças e esperanças que para muitos parecem
irrealizáveis, daí a descrença em relações interpessoais que são isentas de
ansiedade. Em meio a tanto descrédito, pode-se ver a atitude de poucas pessoas,
que são exemplos para a humanidade que mostram que o fazer religioso sincero é
possível. E baseado nisto, muitos tentam trilhar nesta direção e crêem que a
espiritualidade seria então, uma das poucas esperanças do homem no caminho de
relacionamentos interpessoais que proporcionem uma sociedade mais coerente.
Entendendo ansiedade como produtora de conflitos e atitudes individualistas,
a mesma deveria ser tratada por meio de reconciliação e perdão mútuo. A ofensa ao
outro, deve ser questionada e considerada com cuidado pela pastoral e por aqueles
que a estudam. Atitudes e reações tensas, quase sempre magoam pessoas e por
isso devem ser tratadas por meio de mudanças sinceras e perdoadas mediante
contrição.141 Seja qual for o erro de uma pessoa neste sistema, existe uma
possibilidade de mudança e retorno à outra forma de ação.
Em um contexto pastoral, é relevante pensar que Deus tem uma expectativa
de reverência, temor e respeito às coisas criadas e a Ele mesmo. Esta atitude divina
pressupõe a eliminação da pressão, e abertura de espaço para o perdão. Em Deus
há uma perspectiva moral que é consistente com o diálogo genuíno, porque ele
oferecia liberdade de expressão e apoiava liberdade de escolha.
141 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Novo Testamento, Romanos 3: 23; 6: 23; 12: 5, 1 João 1:9, p. 164, 166, 172, 255.
104
Considerando também o fato de que qualquer mudança só pode acontecer
através de uma disposição incondicional da pessoa em questão, sem que primeiro
aja este querer, nada pode ser feito. A pessoa deve realmente querer a mudança e
se mostrar disposta a superar as dificuldades provenientes desta decisão.
O momento de contrição seria onde a consciência e a aceitação de uma
atitude inter-relacional falha é reconhecida por alguém. É quando, com ou sem ajuda
de outro o individuo entende que suas reações têm sido prejudiciais ao longo do
tempo, e as mesmas necessitam ser mudadas. É o momento de pedir ajuda e agir
com amor para com os responsáveis por suas marcas, reconhecendo que ele é o
principal responsável pelas respostas equivocadas, respostas que, na tentativa de
proteger, armaram armadilhas e muros, que ao invés de livrá-lo dos inimigos,
afastaram-no do próximo, deixando-o só e ansioso.
À medida que a contrição ocorre, as atitudes da pessoa, antes baseadas na
individualidade e causadoras de tensão diminuem, as futuras ações são
acompanhadas de um senso de superação individual que ao invés de observar
somente suas necessidades, contemplam também às limitações e dificuldades do
outro, passando agora a agir em prol do benefício comum.
Este momento é um período fundamental na mudança intrapessoal de
alguém. Ele é acessado interiormente. Nele esta contrição intrapessoal acontece, e
leva a ações interpessoais harmônicas. É também um momento de superação de
tensão relacional e passa a ser um tempo de extremo valor. De forma completa ou
parcial o homem se coloca diante do inevitável para mudar, e assim somente por
meio deste reconhecimento e contrição pode trabalhar seu coração com o propósito
de torná-lo mais coerente nos relacionamentos que desenvolve.
105
5.3.2. Confiança, alívio nas relações interpessoais
Para muitas pessoas a confiança é considerada algo ilusório, e assim não
deveria ser relevante para os relacionamentos. É importante, porém, lembrar que a
confiança é a base da esperança, e se a esperança fosse algo certo de realização,
ela não existiria. Assim, parece conveniente crer que em relacionamentos onde
existem tensão e ansiedade, a esperança proveniente da confiança tem grande valor
no alívio da tensão e na substituição desta pela harmonia. Essa confiança, por sua
vez pode restaurar a esperança nos relacionamentos.
A atitude isenta de uma visão do outro e independente da ajuda de alguém
interessado em participar na superação de crises, não parece ser algo sensato. Ela
vem a ser o reflexo de independência, orgulho e individualidade. Neste sentido
torna-se importante a reflexão de que, a ação oposta à individualidade, ou seja, a
participação do outro e a ajuda de Deus é algo importante na superação de conflitos.
É comum ao pensamento humano, o sentimento de controle e domínio do que
deve ser feito em relação a seus relacionamentos interpessoais conflitantes. As
ações dos ofendidos são previsíveis e a atitude subseqüente a qualquer ofensa
emocional já é esperada como uma reação semelhante ou pior. Isso porque a
resposta de uma pessoa a uma ofensa, só considera o alívio, quando vê o agente
desta ofensa sofrendo uma dor similar ou maior. Resgatando Selman, esse seria o
primeiro estágio na resolução de conflitos interpessoais provocado pela ignorância
dos desejos, aspirações e sentimentos.142 Porém, o indivíduo adulto tem um
potencial bem maior, só é necessário que se disponha a usar essa potencialidade,
142 Robert L. SELMAN, The growth of interpersonal understanding: developmental and clinical analyses, p.38.
106
parando um pouco para ver o outro e percebê-lo como igual, com necessidades,
problemas e desejos.
Estas respostas aos conflitos, são independentes de qualquer visão do outro,
do coletivo ou do divino. E isto produz a perpetuação do conflito, impossibilita sua
quebra, e ignora a confiança ou esperança, como algo que traz resultados. No
horizonte de quem está sofrendo com o conflito, não existe perspectivas de
superação ou esperanças de mudanças, justamente porque o outro está agindo
igual a ele, em seu cotidiano. A realidade, é tomada pelo senso de individualidade,
influências e competitividade. Pouco espaço é deixado para a confiança e esperança
na harmonia.
Por outro lado, somente a própria pessoa pode permitir mudanças interiores
ou conceituais em uma pessoa. Mesmo que seu contexto seja influenciador, a
decisão de fazer é pessoal e de livre escolha. Assim, uma pessoa não deveria
esperar mudanças na ação do outro, para que ela possa mudar sua ação, sob pena
de sua relação interpessoal jamais melhorar. Pois o outro, possivelmente, estará
vivendo esta mesma espera. A iniciativa pessoal parte de uma ação própria e
confiante, esperançosa e cooperativa. Ela é um passo urgente e imprescindível,
mesmo que a resposta do outro não seja imediatamente similar ou a esperada. A
esperança e expectativa da ajuda de Deus à sua relação deve permanecer,
considerando que, quando uma atitude não é ego centrada, ela abre espaço para a
atuação de Deus como influenciador no relacionamento.
É interessante observar que Deus não assume domínio sobre as decisões de
alguém, sem o interesse ou desejo do mesmo. É como um pai que por sua
maturidade e experiência teria condição de tomar as decisões certas por seu filho,
porém para o bem e crescimento do mesmo, ele não o controla, mas permite que ele
107
próprio as tome, na expectativa de que o filho tenha discernimento e sabedoria para
acertar e tenha êxito naquilo que decide e faz.
O controle, neste sentido é pessoal e proporciona um equilíbrio mínimo
necessário para uma ação coerente e não ego centrada em relação ao outro. E a
crença de um poder maior, através do qual a esperança renasce, pode ajudar nesta
tarefa. Quando alguém depende de Deus, o próprio Deus deseja controlar a
situação.
A dependência em um ser superior é benéfica. O indivíduo pode descansar
de sua ansiedade, baixar a guarda e abraçar o outro com cooperação e
solidariedade. Os conflitos que outrora produziam a ansiedade podem se
transformar em oportunidades de crescimento, de conhecer novas perspectivas e
crescer com o outro.
O valor do conflito parece ser importante para o desenvolvimento, seja ele
intrapessoal, após se experenciar novos dados ou diferentes resultados, ou
interpessoal, em promover a descentração e o desenvolvimento moral e
intelectual.143 Eles são fatores significantes no desenvolvimento interpessoal, porém,
estes só se tornam integrativos, se o fator ansiedade não controlar as emoções.
Quando o medo e receio que coisas não se concretizem trazem pressão
sobre alguém, esta pessoa perde o controle sobre a situação e age por impulso do
medo. Ao agir nessa direção o indivíduo abandona o domínio pessoal, a segurança
dá lugar ao senso natural de sobrevivência. E essa forma de conseguir as coisas
eventualmente se caracteriza pela discordância e insegurança relacional.
Agir de conformidade com a ansiedade, além de ser o oposto do que se
precisa para ter relacionamentos interpessoais equilibrados, cria na pessoa um
sentimento de independência e conseqüentemente insegurança. É por esta razão 143 Susan C. CLONINGER, Teorias da personalidade, p. 34.
108
que o principal adversário com quem as pessoas são confrontadas no cotidiano, são
elas mesmas. A visão errada de superação que tem não entendendo as dinâmicas
relacionais, as levam para mais longe do equilíbrio e consenso relacional.
O que traz preocupações e tensões em uma relação é justamente aquilo que
foge do controle de seu interlocutor, ou seja, da pessoa envolvida na relação. A
frustração em não ver as coisas como ela quer e não conseguir mudar as
circunstâncias relacionais em relação ao outro a incomodam e trazem ansiedade. O
alívio em uma situação como esta, pode ser alcançado mediante: primeiro uma ação
contrária à individualidade, que contemple o outro como beneficiado e segundo, uma
expectativa confiante na obra divina, de agraciar a disposição da ação cooperativa.
Esta atitude pode ser claramente entendida como ação autônoma, sempre
que ocorre leva consigo senso de responsabilidade e segurança, desde que a
mesma não seja influenciada pela coação ou pressão do outro, não influenciada
pelo ciclo ou pela ação da maioria. Neste sentido, uma pessoa que considera esta
ação, fica livre da preocupação ou tensão, descansa na confiança e dependência da
ação de Deus. É um chamado ao alívio e descanso inter-relacional. “Entrega o teu
caminho ao Senhor, confia nEle, e o mais Ele fará. Descansa no Senhor e espera
nEle.”144 Neste caso uma sujeição a Deus parece ser o segredo para uma vida de
moderação e harmonia, fora da qual seria difícil para o homem encontrar paz
relacional.
5.4. Liberdade: autocontrole intrapessoal e resposta interpessoal menos ansiosa
144 Bíblia SAGRADA, versão revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Velho Testamento, Salmos 37:5a-7, p. 511.
109
Por fim, um dos aspectos de nosso tema entra na área da liberdade, já que o
fazer religioso tem uma relação íntima com a relação social e sua subseqüente
espera por realização e felicidade. A ação heterônoma pode ser de alguma forma
uma sujeição inconsciente a que o homem submete-se como única maneira de
evitar o isolamento e a ansiedade, o que para ele é parte da ambigüidade da
liberdade.
Muitas vezes se entende de forma errada, as dinâmicas em relação aos
relacionamentos interpessoais. Não se compreende o nível, nem mesmo a dimensão
de uma vida livre de tensões na interpessoalidade. A liberdade relacional, que é: um
agir de forma não tensa, ou pela influência direta do outro, é ignorada na maioria das
relações sociais. E isto não é algo subjetivo, depende em parte, da resposta do
indivíduo à proposta destes ensinos.
Não estar debaixo do controle ou poder de outro, ter a condição de escolha e
independência relacional, representa o sentido da liberdade intra e interpessoal.
Neste caso o elemento em questão, passa a ser mais responsável por suas ações. E
isto trará mais segurança à relação em questão. Além de ter também, uma atitude
em sintonia com os princípios considerados harmônicos para o relacionamento.
Uma pessoa que desfruta de liberdade relacional, sabe conscientemente que
isto representa uma harmonia relacional muito valiosa. Para esta pessoa, a reação
da maioria em busca de coisas tão pequenas para satisfações, é comparada à falha
de uma criança imatura, de alguém que não sabe ou que não vê o melhor, e busca
em coisas inferiores pequenas satisfações.
Infelizmente, o número de pessoas que ainda vivem correndo de um lado
para o outro em busca de suprir suas necessidades de forma incompleta é muito
grande. Elas perdem por não entender a dinâmica relacional e sua chance de
110
harmonia. Se satisfizerem com pouco, ou mesmo não se satisfazem, se queixam de
coisas e circunstâncias com muita freqüência e são mais propícios a ver Deus fora
dos negócios de sua vida do que dentro.
A simplicidade desta dinâmica não combina com a maneira de ver as coisas.
O contexto individualista e competitivo é enganoso. Mesmo que o entendimento dos
fatores relacionais sejam fáceis de assimilar, não são aplicados de forma prática. Por
outro lado, em existindo esta prática relacional na vida de alguém, não só ela é
beneficiada, como também traz maior satisfação e nova dimensão interpessoal a
aqueles com quem ela convive.
5.4.1. Autocontrole intrapessoal
“Existem três resultados funestos do controle demasiado: rebeldia,
conformismo irrefletido ou dissimulação.”145 Alguém conscientemente escolheria ter
participação na formação de um adulto com tais características? Certamente que
não! Para evitar esta possibilidade, se faz necessário que existam condutas
autônomas e que haja apropriação dos diversos conhecimentos e competências que
envolvem a psicologia e a pastoral de relacionamento coerente.
À medida que alguém busca ajuda, um dos fatores principais que esta pessoa
carrega é sua falta de autonomia nas mudanças, e esta, é, em parte, a característica
do fracasso interpessoal. A pastoral deve ajudar a ver e superar no relacionamento
desta pessoa seu medo de tomar as decisões de mudança em sua intra e
interpessoalidade.
145 Rheta DEVRIES, Bettz ZAN, A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola, p. 34.
111
Ter o controle sobre suas próprias emoções, desejos, ações e descanso nas
coisas que têm acesso ou mesmo competência para mudar, proporcionará maior
segurança em meio a medos e ansiedades. Esses são os anseios de cada ser.
Porém, cada pessoa é seu principal inimigo na luta contra todas as coisas que as
afastam da oportunidade de autocontrole.
O autocontrole é para cada um, como uma consciência interior de missão
cumprida, a qual não é somente um senso de realização por ter feito algo, mas
basicamente por ser algo. É um estar seguro de seu caminho. O não desfrutar de
boa comunhão relacional é como estar em oposição direta a princípios harmônicos.
Seria como optar por fazer valer o sistema e ignorar o que é essencial para a
superação de conflitos.
Talvez a melhor forma de se ver mudanças em situações de conflitos
existentes em um ambiente, deve ser por mudança pessoal, sem se esperar a ação
do outro para que a sua aconteça. O sentimento de viver ao lado de alguém que
convive livremente, é refletido no outro como aceitação e amor. Isto é de grande
influência porque revela a possibilidade de um sentimento incondicional, que não
espera mudanças para amar e não oferece pressões para que as coisas aconteçam.
5.4.2. Resposta interpessoal menos ansiosa
Deve-se entender que o propósito de uma pastoral é de abençoar famílias e
pessoas por meio de relacionamentos transformados e promissores. Não se deve
crer que o evangelho seja um pacote de transformação de costumes e atitudes
exteriores, e sim um instrumento de mudanças interiores que se refletem
exteriormente.
112
Pessoas obedecem às regras de acordo com seu contexto histórico, cultural e
social. Se elas foram tratadas com respeito e estimuladas à cooperação, elas
deverão gradualmente procurar a cooperação e bem estar do outro, como resposta.
Ainda que depois sejam inseridas em um meio agressivo, o equilíbrio,
provavelmente as seguirá.
Agir com calma e confiança no potencial do outro; evitar danos físicos; usar
linguagem afetiva; validar os sentimentos; incentivar as verbalizações; identificar o
real problema; ouvir sugestões; promover responsabilidade e objetivar restaurações
dos relacionamentos, são algumas atitudes coerentes com o equilíbrio e autonomia
relacional.146 Quando uma pessoa entra em contato com diferentes perspectivas, ela
desenvolve suas habilidades sócio-morais e conseqüentemente sua capacidade de
estratégias de resoluções de conflitos, diminuindo o estado de ansiedade.
146 Rheta DEVRIES, Bettz ZAN, A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola, p. 93-110.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As implicações dos conflitos relacionais abrangem varias áreas da vida
humana. Envolvem a vida pessoal afetiva de qualquer indivíduo. Elas interferem em
seus mais variados contextos, seja na família, na igreja, no trabalho, escola e em
outros lugares.
As contribuições dos autores estudados nos ajudaram a entender em parte
algumas relações entre a ansiedade e o conflito. Tanto os produzidos em
relacionamentos autônomas, mais independestes, quanto aqueles produzidos por
dinâmicas relacionais heterônomas e impostas. Também forneceram subsídios para
identificar aspectos da qualidade relacional na interpessoalidade quanto à relação
ansiedade-conflitos.
Quando considerarmos o que Kant expõe em sua visão de moral e relações
sociais, podemos compreender um pouco sobre fracassos interpessoais, onde
nenhuma conduta que ignora o raciocínio que soma racionalidade e emoção pode
ser valorizada como harmônica. A idéia de governo do outro esgota imediatamente a
condição de liberdade e convida à ansiedade e ao conflito.
Piaget, não se distanciou disto quando fez sua contribuição para a
compreensão dos relacionamentos sociais concebendo que a coação da autoridade,
resulta em uma prática de regras não conscientes. Neste sentido, parece plausível
também concluir que tal coação é responsável por muitas feridas desenvolvidas por
meio de ações desta origem.
Kohlberg menciona que o cumprimento de regras dirigido apenas pela
punição/ recompensa é uma prática de conformidade à ordem constituída, e neste
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sentido, a consciência da ação é ignorada e a relação punitiva é a produtora da
ação.
Da mesma forma Vygotsky, ratifica estas posições quando declara que a
conduta psicológica e a cultura de uma pessoa são resultantes de seu convívio e
história social, ou seja, as pessoas exercem influência interpessoal.. Aliado a este
autor, comparamos também as conclusões de Selmam, quanto a aquisição de
perspectiva e formação sócio-moral. Mesmo não considerando esta influência
diretamente ligada a idade cronológica, como outros autores, ele também entende
que a influência interpessoal é predominante na formação do significado social de
alguém.
Por fim Erickson, quando defende que cada pessoa inserida na sociedade se
desenvolve dentro de determinados padrões específicos de educação, os quais são
assimilados na infância e exercem forte influência sobre a maneira como a pessoa
resolve os seus conflitos.
O contexto de formação das relações pessoais, por si, já faz notório o ciclo
vicioso e causador de ansiedade. Neste contexto, fica claro porquê a sociedade
contemporânea tem se transformado em uma arena de batalha interpessoal. O lar,
que deveria ser o berço do amparo e acolhimento afetivo e espiritual de uma criança,
passou a ser marcado pela desarmonia relacional. O desentendimento entre partes
da família deu espaço até à formação de grupos de oposição envolvendo membros
da mesma família, que ao se dividirem buscam seus próprios interesses na casa.
A escola, o ambiente da educação, tem sido para muitos adolescentes e
jovens de nossos dias, o local de maior desafio interpessoal. A mídia, a influência
negativa do grupo e os valores dos tempos atuais, estão sufocando a liberdade de
expressão, a criatividade e a afetividade dos moços e moças freqüentadores destas
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instituições educacionais. Nunca se presenciou um ambiente tão pulverizado de
hostilidade como tem sido as escolas de ensino médio de nossos dias. Qualquer um
que não se adequar ao sistema dos grupos é excluído e marginalizado.
O ambiente de trabalho tem sido permeado pelo sentimento de tensão como
produto de disputas e tentativas de progresso pessoal. Até mesmo comunidades
eclesiásticas, os ambientes sacros para onde os oprimidos poderiam correr para
encontrar abrigo, tem deixado a desejar em sua real função espiritual,
decepcionando imensamente a sociedade e produzindo mais ansiedade.
A proposta central do cristianismo e da pessoa de Jesus, que deveria priorizar
o próximo como importante e objeto alvo do serviço cristão, não é na prática vista
assim, e esta ação tem sido negligenciada, ou tem dado lugar à dissimulação. Ela
aparece, muitas vezes, somente no discurso da conveniência e na maioria das
vezes não senta na cadeira principal do ambiente religioso.
A luta pela sobrevivência e a valorização do dinheiro, do poder ou do status,
como projeção social, entrou pelas portas de cada casa de nossa sociedade.
Considerado como símbolo de espiritualidade, para muitos seguidores o poder
financeiro significa benção e comunhão com Deus. O desejo religioso de renunciar
em prol do outro parece não mais existir.
A questão que surge nesta análise é: até que ponto a pastoral contemporânea
tem lugar no seio desta dinâmica interpessoal desarmônica? Mesmo que alguém
não aceite uma pastoral de compreensão do outro, o que implicaria em
responsabilidade de ação e harmonia, será impossível encontrar realização
interpessoal de outra forma.
Sendo que o homem foi feito à imagem de Deus, ele precisa deste
relacionamento para sua vida. Esta necessidade é parte da essência da natureza
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humana. Desta forma, a causa por trás da ansiedade e conflitos relacionais é, ainda,
a persistente determinação humana que busca independência de Deus e tenta fazer
a vida funcionar longe dele. Buscar realização interpessoal satisfazendo os desejos
e valores do meio onde está inserido, ou ter experiência, ou posse de coisas, ou
controle sobre situações, nada parece suprir a essência da necessidade humana.
Um encaminhamento baseado na pastoral proposta, segue o viés da
mudança comportamental ansiosa, por meio da contrição, mudança sensitiva destas
reações e da confiança, instrumento que proporcionará o alívio nas relações
interpessoais. Somente desta forma a liberdade de ação pode existir dentro do
relacionamento, o autocontrole relacional e respostas não influenciadas pela
ansiedade passam a ser presentes.
Cada pessoa deveria entender seus conflitos e buscar soluções que lhe
tragam não só alívio, como também segurança relacional. Esta segurança seria a
estabilidade e harmonia interpessoal, coisas que para ela, a faria sentir-se mais feliz.
A maior intenção de alguém, em seu âmago, se resume em sentir-se feliz, e esta
realização passa pela harmonia relacional com o outro e com a pessoa de Deus.
Sendo assim, somente por meio de ações conscientes dos fatores
maximizadores da ansiedade e atitudes menos influenciadas pela ansiedade, o
indivíduo alcançará relacionamentos mais harmônicos e com menor presença de
tensão. Portanto, se deve considerar a importância da interpessoalidade baseada
em uma pastoral reflexiva fundamentada na visão comum e não na unilateral, em
uma conduta autônoma e não na heteronomia. E manter conectada a esperança
espiritual com vistas a relacionamentos realmente harmoniosos, não utópicos, mas
produtos de conhecimento, discernimento e compreensão da realidade intra e
interpessoal de cada indivíduo.
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Cabe, inclusive, manter aberta a investigação científica sobre o tópico
ansiedade e conflito, desta feita, por meio de estudo de casos, onde a observação
apurada traga, de forma mais objetiva, o valor do conhecimento sobre a dinâmica
interpessoal produtora de ansiedade.
Ficam então, dois abjetos de pesquisa, para uma futura investigação: o
relacionamento entre progenitora e progênito, onde possa existir controle por parte
da mãe, com relação às ações do filho, retirando do mesmo, seu senso de
autonomia e liberdade interpessoal; e o relacionamento conjugal, onde a ação do
esposo controlando as ações da esposa (atitude comum em nossa cultura), retiram
desta, seu senso de autonomia e segurança, produzindo ansiedade, dificultando a
resolução dos conflitos.
Esta pesquisa somente esboçou brevemente esta possibilidade, valendo-se
da contribuição de autores que podiam ajudar no estudo do comportamento
humano, porem, muito ainda pode ser feito no estudo de um tema tão significativo
para a sociedade. Mantendo aberta a reflexão científica acerca destas condutas
comportamentais que consideram a autonomia e a confiança espiritual no objetivo
de alcançar relacionamentos mais harmônicos.
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