UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
IGREJA PENTECOSTAL “DEUS É AMOR”:
ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E EXPANSÃO
EMILIO ZAMBON DE MENDONÇA
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2009
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
IGREJA PENTECOSTAL “DEUS É AMOR”:
ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E EXPANSÃO
EMILIO ZAMBON DE MENDONÇA
Orientador:
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências
do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para
obtenção do grau de mestre
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2009
AGRADECIMENTOS
A Deus que me deu a saúde e a disposição para superar os desafios deste Mestrado.
Ao Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos pela sua amizade e dedicação durante todo o processo
de orientação que dele recebi para a preparação desta Dissertação de Mestrado.
Aos professores da UMESP pela transmissão do conhecimento durante todo o curso.
Às pessoas amigas que colaboraram comigo nas pesquisas realizadas no estado do Paraná,
especialmente as famílias Coraiola e Leite e o pessoal das Indústrias Klabin de Papel e
Celulose de Telêmaco Borba.
Ao amigo e pastor, Reverendo Abival Pires da Silveira e à Fundação Mary Harriet Speers
pela Bolsa de Estudos que me foi concedida, sem a qual eu não teria condições de custear este
Mestrado.
À Nilda Cruz de Mendonça, dedicada esposa que me apoiou em todos os momentos e me
incentivou a perseverar para a conclusão deste Mestrado.
À Sílvia, minha filha que me ajudou na computação, especialmente no preparo de fotos,
documentos escaneados e elaboração de Power Point para apresentação de trabalhos durante
todo o curso.
Finalmente aos filhos e netos pelo estímulo recebido para realização do curso, da pesquisa e
da Dissertação de Mestrado, especialmente pelas horas dedicadas aos estudos, muitas vezes
deixando de privar do aconchego do lar.
ABREVIATURAS AD Assembléia de Deus
ARC Bíblia Almeida, edição revista e corrigida
BJ Bíblia de Jerusalém
BO Boletim de ocorrência policial
BPC Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo”
CBDA Curso Bíblico Deus é Amor
CCB Congregação Cristã no Brasil
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPO Curso de Preparação de Obreiros
CTP Cantai Todos os Povos - Hinário da IPIB
DM David Martins de Miranda, Davi Miranda ou Missionário
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEVEC Igreja Evangélica Vida em Cristo
IPDA Igreja Pentecostal Deus é Amor
IPB Igreja Presbiteriana do Brasil
IPIB Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
IPISP Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo
OFSM Orquestra Filarmônica da Sede Mundial
PF Polícia Federal
REVIVER Fundação Reviver (controlada pela IPDA)
RI Regulamento Interno da IPDA
TEB Bíblia – Tradução Ecumênica - TEB
UMESP Universidade Metodista do Estado de São Paulo
MENDONÇA, Emilio Zambon de. Igreja Pentecostal “Deus é Amor”- Origens,
características e expansão. São Bernardo do Campo, 2009. Dissertação de Mestrado.
Universidade Metodista de São Paulo.
RESUMO
Procuramos demonstrar que a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” - IPDA é uma Igreja,
em expansão nas últimas cinco décadas. Nossa Dissertação de Mestrado indica que a IPDA
elegeu a mídia radiofônica, seu jornal e suas próprias revistas para divulgar suas atividades. O
estudo demonstra que a IPDA é alheia à política, não dá entrevistas às demais rádios, proíbe o
uso da televisão e não atende jornalistas nem pesquisadores. Com base em nossa experiência
de 11 anos de atuação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, incluindo cinco anos como
diácono, resgatamos detalhes que fornecerão subsídios aos meios acadêmicos e aos
pesquisadores dos fenômenos pentecostais da atualidade. Ao cobrir certo espaço ainda não
pesquisado pela academia, complementamos, por outro lado, dados que não constam da
autobiografia de David Martins de Miranda, fundador da IPDA. Por fim, procuramos
identificar características doutrinárias da IPDA e dos seus processos administrativos, que
denotam certa tendência de profissionalização de parte da equipe da diretoria no processo
sucessório. Abordamos, ainda, a questão da reprodução da instituição, mantida até aqui
debaixo do carisma de seu fundador que vem administrando sua Igreja com todas as
características de uma empresa familiar, dentro de um gradiente seita/igreja. Nossas
conclusões demonstram as estratégias que permitiram a expansão da IPDA alicerçada nas
suas rádios, nas suas grandes concentrações, no seu apelo proselitista e na arrecadação de
recursos, fatores que alimentam e suportam o crescimento da Igreja Pentecostal “Deus é
Amor”.
Palavras-chave: Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, David Miranda, pentecostalismo
brasileiro, mídia pentecostal.
MENDONÇA, Emilio Zambon de. Pentecostal Church “God is Love”- Beginnings,
characteristics and expansion. São Bernardo do Campo, 2009. Master Dissertation. Methodist
University of São Paulo.
ABSTRACT
We endeavored to demonstrate that the Pentecostal Church “God is Love” – PCGL –
has been a church in expansion for the last five decades. Our work indicates that PCGL chose
radio and its own newspaper and magazines to divulge its activities. The study demonstrates
that PCGL alienates itself from politics, does not give interviews to other radios, forbids the
use of TV sets in homes and neither answers reporters nor scholars. On the one hand, based
on our 11 years of experience in the PCGL, including five years as deacon, we reveal details
that will provide subsidies to academic studies in general of nowadays Pentecostal
phenomenon. On the other hand, by covering some areas not yet analyzed by the academy, we
complement information that does not appear in David Martins de Miranda’s autobiography,
him being the founder of PCGL. Finally, we tried to identify the doctrines that characterize
PCGL as well as its administrative processes. These denote a trend towards the
professionalization of part of the Board of Directors in relation to the succession process. In
terms of succession, we also analyzed the ‘institution’s reproduction’, a process that until now
is under the charisma of its founder who administers his church with all the characteristics of
a family business, within the gradient sect/church. Our conclusions demonstrate that the
strategies which fostered the expansion of PCGL are based on its radios stations, its big
rallies, its proselytism and its fund raising efforts that together feed and support the growth of
the Pentecostal Church “God is Love”.
Key words: Pentecostal Church “God is Love”, David Miranda, brazilian pentecostalism, pentecostal midia.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO 1 – Origens e expansão da Igreja Pentecostal
“Deus é Amor” (IPDA) 25 Introdução 26
1.1 – O fundador: aspectos biográficos 26
1.1.1 – Trajetória familiar do fundador: David Miranda (DM) 27
1.1.2 – Trajetória familiar da esposa do fundador: Ereni Oliveira 29
1.1.3 – O casamento de David Miranda 30
1.1.4. – A conversão de David Miranda ao pentecostalismo 30
1.1.5 – Conversão, trajetórias familiares e explicações sociológicas 34
1.2 – A Igreja fundada por David Martins de Miranda 36
1.2.1 – As dificuldades iniciais e a expansão da nova Igreja 38
1.2.2 – As marcas espaciais de expansão 39
1.3 – A estrutura da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” 43
1.3.1 – Os Estatutos da IPDA 45
1.3.2 – Os regulamentos da IPDA 47
1.3.3 – Estrutura de igreja ou de seita? 49
1.3.4 – O sistema de governo da IPDA 53
Conclusão 55
CAPÍTULO 2 - Identidade, padrões de crenças, ritos e
processos de comunicação na Igreja Pentecostal
“Deus é Amor” (IPDA) 57 Introdução 58
2.1 – Os padrões de crenças e doutrinas 58
2.1.1 – O Batismo com o Espírito Santo e a glossolalia 60
2.1.2 – A cura divina e a salvação 61
2.1.3 – O transe, a possessão demoníaca 66
2.1.4 – A busca da santidade na ética da Igreja
Pentecostal “Deus é Amor” 68
2.2 – Ritos e interpretação da Bíblia 69
2.2.1 – O batismo na IPDA 69
2.2.2 – O casamento na IPDA 72
2.2.3 – A unção com óleo e a barba 73
2.2.4 – A Santa Ceia na IPDA 74
2.3 – A maneira “mirandiana” de inculcação de regras 77
2.3.1 – A importância das regras em movimentos religiosos rigorosos 78
2.3.2 – A classificação das regras 79
2.3.3 – A seleção e formação de obreiros 82
2.3.4 – A música como auxiliar da doutrinação 86
2.3.4.1 – Banda e orquestra 89
2.3.4.2 – Discos da gravadora “A Voz da Libertação” 90
2.4 – O uso da mídia 95
2.4.1 – A IPDA e os programas de rádio 97
2.4.2 – A IPDA e suas publicações 102
2.4.3 – A IPDA e o uso da Internet 107
Conclusão 111
CAPÍTULO 3 – De galpão industrial ao
“Templo da Glória de Deus” 114 Introdução 115
3.1 – A busca por um espaço maior: A pressão da concorrência 115
3.2 – Organização de caravanas 115
3.3 – Estratégias para obtenção de recursos 117
3.4 – “Reviver”: o braço social da IPDA 133
3.5 – A política de abertura de filiais da IPDA 134
Conclusão 136
CAPÍTULO 4 – IPDA e o risco da dissolução de
fronteiras entre Igreja e família 138 Introdução 139
4.1 – A liderança carismática e a instituição baseada no carisma 140
4.2 – Profetas, sacerdotes, magos e feiticeiros 145
4.3 – A sucessão de DM: conflitos atuais e previsíveis 152
4.4 – Questão de gênero, racial e política 158
4.4.1 – Questão de gênero 158
4.4.2 – Homossexualidade 163
4.4.3 – Questão racial 163
4.4.4 – Questão política 165
Conclusão 170
CONSIDERAÇÕES FINAIS 172
BIBLIOGRAFIA 184
Livros 185
Artigos e revistas 191
Dissertações e Teses 197
Internet 199
ANEXOS 200
ILUSTRAÇÕES 206
DOSSIÊ “IPDA” 207
TABELAS
Tabela 1 – Cronologia da vida de David Martins de Miranda 22
Tabela 2 – Datas e endereços conforme autobiografia de DM 40
Tabela 3 – LP’s mais representativos 92
Tabela 4 – Principais temas dos hinos por quantidade de menções 93
Tabela 5 – Concentração dos principais temas nos hinos pesquisados 94
Tabela 6 – Anotações feitas no culto do dia 30/3/2008 na Sede Mundial
da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em São Paulo 129
Tabela 7 – Participação de negros e brancos nas principais denominações
pentecostais de acordo com dados do Censo IBGE 2000 163
Tabela 8 – Participação da IPDA no total de pentecostais e participação de
etnias na IPDA de acordo com o censo IBGE 2000 164
Tabela 9 – Porcentagem de pentecostais na população protestante 167
INTRODUÇÃO
14
INTRODUÇÃO O título desta Dissertação de Mestrado “Igreja Pentecostal ‘Deus é Amor’, origens,
características e expansão” já traz embutido seu próprio tema e os propósitos de sua escrita.
No entanto, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA) está intrinsecamente ligada à
trajetória de seu fundador David Martins de Miranda (DM). Daí a necessidade de se analisar
pari passu a sua biografia. Todavia, pouca coisa tem sido escrita na academia sobre a Igreja.
O que se constitui um tipo de dívida dos estudiosos que têm se concentrado em outros
movimentos pentecostais de maior ou menor expressão que a IPDA. A pesquisa aqui relatada
refere-se a uma igreja pentecostal fundada em 1962 por David Martins de Miranda, um ex-
católico, que se converteu ao pentecostalismo. Hoje, 46 anos depois, sua Igreja tem sua sede
oficial à Avenida do Estado, 4568, na Baixada do Glicério no centro da capital paulista, é
dirigida por uma diretoria, da qual DM é o seu presidente. Os Estatutos Sociais dessa Igreja
estão registrados no 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa
Jurídica, de São Paulo, sob no. 9565, Livro A, no. 5 (Diário Oficial 26/6/62) e ela tem por
CNPJ o no. 43.208.040/0001-36.
A pesquisa foi realizada nos anos 2007 e 2008. A IPDA está espalhada por todo o
Brasil, América Latina e, com menos intensidade em dezenas de outros países. O IBGE, no
Censo 2000, colocou-a em 5o. lugar no ranking das igrejas pentecostais, com 774.830
membros. Realizamos pesquisas de campo sobre as origens de David Martins de Miranda a
partir de duas cidades do estado do Paraná: Reserva e Telêmaco Borba. A pesquisa parte da
data e local e lugar de nascimento de David Miranda, em 1936 e passa pela sua mudança para
a capital de São Paulo, em 1957, sua conversão do catolicismo ao pentecostalismo, em 1958 e
a fundação de sua denominação, em 1962.
Esta Dissertação de Mestrado pretende resgatar parte da história da família de David
Miranda e da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” – IPDA – desde suas origens até 2008. Esta
Igreja atraiu a nossa atenção porque se trata de uma Igreja sobre a qual há poucas pesquisas
realizadas no Brasil, envolvendo origens, características e expansão. Entre os autores que
escreveram sobre essa denominação, podemos destacar somente textos isolados de Paul
Freston (1993: 92);1 de Reinaldo Olécio de Aguiar (2004);2 de Hélio de Lima (2008);3 de
1 Paul Freston, em sua Tese de Doutorado escreve sobre a conversão de David Miranda. 2 . Reinaldo Olécio de Aguiar, em sua Tese de Doutorado, comenta as restrições da IPDA, “confundindo esporte com jogo de azar.” 3 José Hélio de Lima, em sua Dissertação de Mestrado, faz referência a David Miranda e ao seu programa de rádio “A Voz da Libertação”.
15
Paulo Barrera (2001);4 de Proença (1999);5 de Leonildo Campos. Há um artigo que aborda a
estratégia de David Miranda de utilizar a mídia radiofônica como base de sua pregação e
expansão da Igreja. Isso ocorreu no seu texto O Milagre no Ar. Levantamento de técnicas
persuasivas num programa radiofônico em São Paulo;6 de R. Andrew Chesnut (1997: 38);7
de Allan Anderson (2004: 72-73)8 e, finalmente, do dicionarista Isael Araújo (2007: 462).9
Para evidenciar a falta de escritos sobre essa Igreja e seu fundador, procuramos no
Banco de Teses e Dissertações do Capes o material referente à IPDA. No Portal Capes, entre
214 teses e dissertações, destacamos a publicação de Luzmila Casilda Quezada Barreto
intitulado: Gênero e poder: o corpo no culto na Igreja Pentecostal Deus é Amor em Lima,
Peru, 01/02/2005. Também consta a publicação de Ricardo Mariano: Neopentecostalismo: os
pentecostais estão mudando, 1/6/2005. Joseane Cabral da Silva tem seu trabalho publicado: O
show da fé: carisma e mídia na Igreja Internacional da Graça de Deus, 1/10/2005. Nenhum
dos autores consultados abordou especificamente, e em detalhes, as origens, características e
expansão da IPDA. Também não há, modéstia à parte, alguém do meio acadêmico que tenha
tido um envolvimento com a IPDA como tivemos por 11 anos. Por essa razão, propusemo-nos
a pesquisar a IPDA, suas origens, características e expansão, tanto no Brasil como no exterior,
usando informações tanto internas como externas à Igreja.10
A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” foi fundada por um ex-católico e congregado
mariano, que se converteu aos 22 anos de idade ao pentecostalismo. Sua irmã, Araci Miranda,
juntamente com seu esposo, numa conversa informal, em dezembro de 2008, disseram-nos
que eles eram “católicos de primeira mão”, querendo, com isso, expressar que tratavam-se de
católicos fervorosos. Esse fervor DM transferiu para o pentecostalismo. A sua Igreja elaborou,
por exemplo, um regulamento rigoroso tal como uma Ordem católica medieval em que se
busca o aperfeiçoamento e a santidade. A IPDA tem se expandido, apesar da rigorosidade do
seu “Regulamento Interno” – RI - que prescreve inúmeras regras de usos e costumes. A IPDA
tem total aversão à política, à televisão, ao cinema e teatro, ao futebol e a outros esportes, 4 Paulo Barrera Rivera escreve sobre a IPDA do Peru em sua Tese de Doutorado que se transformou em livro. 5 Wander de Lara Proença, em sua Tese de Doutorado escreve sobre um tipo de pentecostalismo surgido no norte do Paraná com Miranda Leal, mencionando algumas citações referentes a David Miranda. 6 Revista Simpósio 26. São Paulo: ASTE, Dez. 1982. (pp. 92-114). 7 Chesnut se refere à conversão de David Miranda na Igreja Brasil para Cristo. (o que não é verdade, como se verá mais adiante no decorrer desta Dissertação de Mestrado). 8 Allan Anderson escreve que DM, cunhado de Manoel de Mello converteu-se na “Brasil para Cristo”. Estas duas informações não foram confirmadas e serão esclarecidas no decorrer desta Dissertação de Mestrado. 9 Isael Araújo refere-se a David Miranda, acrescentando que o mesmo converteu-se na Igreja Assembléia de Deus. Isso não condiz com informações de campo colhidas durante a pesquisa, como se verá mais adiante. 10 Nossa pesquisa gerou muitos documentos e relatórios de viagem que formam o Dossiê “IPDA” constante de 28 documentos e de um Caderno de Campo no qual citamos os arquivos eletrônicos, CD e DVD de gravações e fotos.
16
condenando, dessa maneira, quase todas as formas de lazer usuais do ser humano numa
sociedade moderna. Isso nos leva a considerar que a IPDA ainda reflete características de
seita, por sua tendência ao isolamento da sociedade.11 Essa tendência não se enfraqueceu
apesar de institucionalmente ter se esforçado para se impor como Igreja, cumprindo com a lei
nos registros formais dos seus atos legais, como registro de Atas das Assembléias e registro
de imóveis em cartórios e outras exigências legais. Nesse sentido, as contribuições de Antonio
Gouvêa de Mendonça (1984: 288-289; 2004: 72-77) e de Leonildo Campos (1996: 21-27)
foram da maior importância para o nosso entendimento do gradiente seita-igreja, aliado ao
referencial teórico de Ernst Troeltsch (1960: 333, 691, 723ss, 1014); Henri Desroche (1985:
13) e Júlio de Santana (1992: 15). No entanto, a práxis de David Miranda, baseada no seu
evangelismo, está profundamente ancorada na pregação de curas divinas, no exorcismo, no
proselitismo e na sua extensa rede de programação de rádio, bem como nas atividades de sua
gravadora, que levam o mesmo nome: “A Voz da Libertação”.
Apesar da existência de alguns escritos sobre a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”,
ficamos intrigados com dados contraditórios e com a falta de detalhes nas informações
existentes sobre ela. Isso nos desafiou a pesquisar o assunto com mais profundidade,
especialmente nas informações de campo. Para tanto, foram necessárias uma volta à
freqüência aos seus cultos e análise de sua literatura e discografia, às buscas cartoriais e
viagens ao interior do estado do Paraná, a fim de colher subsídios à nossa Dissertação de
Mestrado. No entanto, valendo-nos de conhecimentos adquiridos durante a longa militância
na IPDA, visitamos alguns cultos e conversamos com a irmã de David Miranda, nossa
conhecida da década de 90. Entre os muitos cultos pentecostais que assistimos, identificamos
o nome da primeira denominação que acolheu DM quando de sua conversão; tal fato deu-se
numa entrevista com o fundador daquela Igreja, o pastor Leonel Silva, hoje com 90 anos de
idade. Não bastava encontrar detalhes das origens, mas também conhecer as motivações que
levaram o então jovem congregado mariano a buscar iniciar um processo de conversão que o
levaria a estabelecer seu próprio ministério.
11 Os termos “seita” e “igreja” foram introduzidos na discussão sociológica e histórica principalmente por Ernst Troeltsch (1960, vol. 1: 333) para quem “a palavra seita contudo, dá uma impressão errônea. Originalmente a palavra foi usada num senso apologético e polêmico e era usada para descrever grupos que por si mesmos se separavam da Igreja oficial, enquanto eles retinham certos elementos fundamentais do pensamento cristão.” No vol. 2 Troeltsch (1960: 714) afirma que “de forma geral o pietismo simplesmente representa o tipo ideal de seita dentro das Igrejas restritas [...] isto reaparece continuamente através da História da Igreja”. Mais adiante, na p. 1012 escreve: “a seita tem uma austeridade fria, zelo proselitista, puritanismo oposto aos instintos da moderna civilização, com tendência ao legalismo e farisaísmo, muito distante das mais profundas idéias cristãs.”
17
Seria a influência de um modelo de catolicismo rural, combinado com o modelo
urbano que o desencantou, mesmo sendo congregado mariano? Ou seria a anomia pela “perda
de sua identidade, da raiz cultural, e a mudança para um sistema onde os códigos de valores
são diferentes...”, no dizer de Luís de Castro Campos Jr, (1995: 114)? Talvez fosse a busca de
nova identidade que o levou a essa nova ressignificação de experiências de vida de DM no
campo sócio-religioso? Os teóricos da sociologia consultados, especialmente Max Weber
(2006), Émile Durkheim (2001), Pierre Bourdieu (1982) ou Paul Tillich (1959)12 trouxeram-
nos luzes para explicar conceitos como “campo religioso”, “anomia”, “fato social”, “tomada
de decisão”, “trânsito religioso”, enfim, de fornecerem a nós toda a base necessária para o
referencial teórico.
Outras questões que despertaram o nosso interesse estão ligadas às origens histórico-
culturais-religiosas do fundador da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, como também da
própria instituição. Que papel tem desempenhado o seu fundador DM ao longo dos 46 anos de
história dessa Igreja? Quais são as suas doutrinas principais? Que causas sociais e culturais
podem ser atribuídas para o seu crescimento? Que estrutura a IPDA assumiu? Que dilemas
enfrentou ou enfrenta ao se tornar uma instituição/organização religiosa? Observamos ainda
que Atas da reunião da diretoria da década de 90, diferem bastante das atuais. Isso foi possível
conhecermos pela Ata da diretoria, pelas buscas a documentos pertinentes em cartórios da
Capital de São Paulo. A questão patrimonial também ensejou pesquisas documentais que
contribuíram para esclarecer alguns detalhes sobre as grandes aquisições da IPDA realizadas
nas últimas décadas, as quais foram comparadas com notícias veiculadas por jornais que
especularam sobre a “riqueza” de DM. As pesquisas de campo trouxeram explicações mais
detalhadas sobre algumas informações pouco precisas da autobiografia de próprio David
Miranda.
Quanto às conversões, não somente de David Miranda, como também de toda a sua
família, observamos que elas se deram em um contexto de curas divinas iniciadas com o
movimento de tendas da década de 50. É uma enorme massa de camponeses que se
converteram ao pentecostalismo nas grandes e médias cidades brasileiras nas décadas de
50/60. Emigram lideranças como Manoel de Mello (Brasil para Cristo); Leonel Silva
(Maravilhas de Jesus) ou David Miranda (Deus é Amor) e a Igreja do Evangelho
Quadrangular entre outras. Evidências colhidas durante a pesquisa caminham no sentido de 12 Veja também os referenciais teóricos que os seguintes autores fornecem para se compreender fenômenos como campo religioso, anomia, inclusão social, cultura e religião: Peter Berger (2004); Eunice R. Durhan 1973); Mircea Eliade (2001); Francisco Cartaxo Rolin (1985); Christian Lalive D’Epinay (1970); Beatriz Muniz de Souza, (2004); Thomas O’Dea (1969) e Júlio de Santa Ana (1992).
18
confirmar essa hipótese. Dessas denominações surgidas à margem do pentecostalismo
tradicional, apenas David Miranda conseguiu expansão em todo o território nacional e
também no exterior. Hoje, a IPDA está em mais de 140 países.13 Qual o grande segredo de
DM nesse processo? Esta Dissertação de Mestrado mostrará que seus pares da época ainda
estão por aí, mas desempenham um pequeno papel no cenário nacional.
A questão doutrinária é outro grande desafio para qualquer pesquisador da IPDA.
Valemo-nos da nossa experiência anterior naquela Igreja para esclarecer alguns pontos
importantes dos seus ensinamentos. Nos anos 90 tivemos a oportunidade de dirigir vários
templos da IPDA, até mesmo a Sede Nacional que então se localizava na rua Conde de
Sarzedas 185 no centro de São Paulo. Fizemos duas viagens evangelísticas a serviço da IPDA
em Londres. Além de visitarmos outros templos da IPDA na América do Sul, pregamos em
alguns países como Bolívia, Paraguai, Peru e Venezuela. Em São Paulo, participamos como
dirigentes de reuniões onde os preceitos baseados no “Regulamento Interno” – RI eram
apresentados aos fiéis. Na verdade, as normas internas da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”
estabelecem um culto semanal, quando o pregador é obrigado a tomar como base para o seu
sermão um dos itens do RI. Por sua vez, os membros são obrigados a carimbar a sua presença
nesse culto. Essa é uma das condições para participar da Santa Ceia.
O louvor e os cânticos na IPDA estão impregnados de apropriações dos hinos da
Harpa Cristã, hinário das Igrejas Assembléia de Deus. Há até uma Bíblia lançada pela IPDA
em cuja parte final estão impressos todos esses hinos. Em uma outra Bíblia, cuja tiragem foi
de 100 mil exemplares, traz o “Regulamento Interno” e o “Livreto de Corinhos”, como se
pretendesse conferir mais credibilidade ou autoridade aos ensinos e a doutrina da IPDA. 14
Uma parte importante das pesquisas foi analisar as letras dos hinos e dos corinhos cantados.
Por conhecermos a doutrina e um bom número de hinos e corinhos da IPDA, levantamos a
hipótese de que nem sempre a doutrina está refletida nas mensagens cantadas. Para confirmar
essa hipótese, ouvimos centenas de músicas da gravadora “A Voz da Libertação” e dezenas de
corinhos, tabulando esses temas. Uma outra hipótese seria tentar identificar se as mensagens
pregadas por DM estão refletidas nos corinhos cantados nos cultos e nos hinos divulgados
pela sua gravadora “A Voz da Libertação”. Há coerência ou uniformidade entre a pregação
13 David Miranda afirmou em entrevista ao seu jornal O Testemunho ano 3, no. 4 – Dez. 2006, p. 2: “Estamos com a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em mais de 140 países em todos os continentes da Terra.” 14 A IPDA usa tal como a Igreja Assembléia de Deus a palavra “doutrina” com duplo sentido. Às vezes ela se refere a ensinamentos ou ensinos da Igreja, outras a doutrinas no sentido teológico do termo, ou então, ao conjunto de princípios éticos e morais que devem orientar o fiel em sua vida cotidiana. Em certos casos a afirmação “eles não têm doutrina” é usada para desclassificar membros de outras igrejas evangélicas de um modo geral.
19
de David Miranda, o “Regulamento Interno”, as músicas da gravadora “A Voz da
Libertação”, o “Livreto de Corinhos” e alguns hinos da Harpa Cristã?
Qual a razão de DM adotar os hinos da Harpa Cristã? Quais características
doutrinárias seriam dominantes numa comparação desses hinos? Onde se concentram essas
mensagens? Na escatologia? Na cura imediata dos males do corpo ou no exorcismo? Ou na
manifestação do “dom de línguas”? Haverá nesses hinos ou nos “corinhos” uma mensagem
subliminar? Outro sub-tema discutido nesta Dissertação de Mestrado diz respeito à liturgia de
um culto pentecostal celebrado na IPDA. Notamos muita semelhança com o culto celebrado
na Igreja onde DM se converteu: a Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de
Jesus” (IMJ). No culto que assistimos com David Martins de Miranda, em março de 2008,
tivemos oportunidade de notar algumas semelhanças com o culto assistido em 3/12/08 na
IMJ. Não há boletim litúrgico ou uma ordem de culto anunciado antecipadamente. Alguns
corinhos são os mesmos; há uma parte para as pessoas darem seus testemunhos de cura; a
pregação é longa e, no final do culto, as pessoas desejarem se entram na fila para receber a
oração, ocasião em que ocorreram algumas sessões de possessão e exorcismo. As diferenças
ficam por conta de inumeráveis pedidos de ofertas na IPDA, enquanto que na IMJ há apenas o
pedido de uma oferta. Na IPDA há manifestações de “línguas estranhas”, o que não aconteceu
na “Maravilhas de Jesus”. Finalmente, há um longo apelo na IPDA para as pessoas “aceitarem
Jesus”, o que não observamos na outra Igreja, talvez por ter uma presença de somente 30 a 40
pessoas no culto (era uma quarta-feira), enquanto que na IPDA (um domingo), a presença era
de milhares de fiéis, principalmente durante a pregação de David Miranda.
No período dessas observações nos surgiram perguntas como estas: Por que os fiéis na
IPDA se agradam com uma rotina de culto que começa com uma longa oração; seguida de
outra oração para o batismo com o Espírito Santo, cuja manifestação principal é “dom de
línguas”? Qual o atrativo para o exorcismo, quando Satanás é exaustivamente expulso de um
irmão, de uma irmã ou de alguém do povo? Qual a motivação desse espetáculo? Qual a
importância das constantes menções sobre a escatologia, os acontecimentos dos últimos
tempos, e a iminência da segunda vinda de Cristo? Por que a pregação escatológica é tão
importante na pregação de DM e não nas de Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de
Deus, ou na de R.R.Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus? Qual a influência da
Teologia da Prosperidade na IPDA? Teria a IPDA características milenaristas? Por que dar
tão grande espaço nos cultos para votos, ofertas e dízimos? Qual é o centro do culto na IPDA:
a pregação da Palavra, a oração por revelação para cura das enfermidades ou o pedido de
20
ofertas? Será que os hinos divulgados pela IPDA refletem essas evidentes preocupações com
a escatologia, a cura e o exorcismo?
Além dessas perguntas outras estimulam a nossa pesquisa: Quais foram os motivos
que levaram DM, desde a fundação da IPDA a investir nos programas de rádio? O que o
levou a adotar o sistema de criação de uma rede capilar de templos tanto no Brasil como no
exterior? Por que a mega construção de um templo? Seria a forma de concentração de carisma
do fundador que precisaria de um local tão grande para divulgar seus “milagres”? Como
manter a lotação de um espaço tão amplo? Quais foram as ações sociais da IPDA para assistir
parte de seus fiéis ou de pessoas desabrigadas, incluindo crianças de risco, velhos e
necessitados? De que forma DM vem enfrentando os problemas e as tensões familiares para
resolver a questão da herança do seu capital simbólico? (rotinização do carisma). Como
administrar a questão da cantora Léia que fazia dupla com sua irmã Débora, ambas filhas de
DM, nos hinos da gravadora “A Voz da Libertação”? Por que razão o seu genro, Sérgio Sóra,
casado com a cantora Léia, decidiu fundar sua própria denominação no Rio de Janeiro, a
Igreja Evangélica Vida em Cristo (IEVEC), agregando a eles membros e fiéis da IPDA?
Como DM trata seu processo de institucionalização do carisma? Até que ponto esse processo
poderá trazer maiores dificuldades para o futuro da IPDA? O progresso do país, pela melhora
no atendimento das necessidades básicas das classes C, D e E não implicará no decréscimo
das atividades religiosas do tipo DM?
Trabalhamos em nossa hipótese principal com a idéia que o sucesso da IPDA se dá por
vários motivos. Primeiro, pela presença no imaginário dos fiéis, a tradição católica,
pentecostal e mágica da cura divina. Depois, porque os ensinamentos da IPDA trazem
reflexos da tradição judaica, bíblica e de uma forte presença das doutrinas da santidade
abundantes nos EUA quando do surgimento do pentecostalismo no início do século XX.
Sentimo-nos à vontade para abordar esse tema, sobretudo porque pudemos aliar a antiga
militância com o distanciamento provocado pelo abandono dessa Igreja dos instrumentos
oferecidos pelo estudo acadêmico do fenômeno religioso. Procuramos, no entanto, tomar
cuidado com o distanciamento exigido pelas Ciências da Religião e os resíduos da antiga
militância naquela Igreja. Temos em mente a recomendação de Pierre Bourdieu (1990: 109)
de que o pesquisador, para ser científico, precisa praticar o mais que puder a neutralidade
científica ou experimentar a “ruptura epistemológica. Porém, não se deve aproveitar disso
para fazer um “ajuste de contas” com o seu passado religioso.
Na elaboração desta Dissertação de Mestrado é importante relembrar também os
procedimentos metodológicos no decorrer da pesquisa. Além da pesquisa bibliográfica, do
21
levantamento do material publicado no site da IPDA, nas publicações impressas e também nas
capas de discos, dirigimo-nos ainda à cidade natal de David Miranda, visitamos a fábrica onde
o mesmo trabalhou como operário, conseguimos informações biográficas preciosas com o Sr.
Jamil Fonseca Leite, funcionário da Câmara Municipal de Telêmaco Borba no estado do
Paraná, e também visitamos e conversamos longamente com o pastor Leonel Silva da Igreja
Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”, onde DM se converteu. Também
fizemos buscas em oito Cartórios, sendo três no estado do Paraná, um no município de
Mairiporã e quatro na capital paulista, incluindo um cartório de registro de títulos e
documentos, com o objetivo de obtenção de cópia de Ata de nomeação da atual diretoria da
IPDA e para levantamento de imóveis em nome da IPDA e de David Martins de Miranda e
Ereni Oliveira de Miranda. Conversamos com familiares de DM em São Paulo e visitamos a
fábrica onde David Miranda trabalhou no estado do Paraná. Naquela fábrica fomos atendidos
pelo encarregado do pessoal que gentilmente nos ofereceu cópia da ficha de empregado de
David Miranda.
No período em que fomos seguidores de DM, tivemos contato pessoal com ele em
várias oportunidades. Todavia, para a elaboração desta Dissertação de Mestrado, não foi feita
nenhuma entrevista com o mesmo, nem com seus filhos, filhas ou mulher. Valemo-nos, no
entanto, de informações que nos foram prestadas por sua irmã Araci e por seu marido. Ainda
mantemos amizade com pessoas que ocupam papel de destaque dentro da IPDA. Para melhor
esclarecimento do tema debatido, elaboramos algumas tabelas, tal como a tabela 1. Para
elaborar essa tabela, utilizamo-nos de várias fontes de informações, a saber:
1 – Autobiografia de David Martins de Miranda;
2 – Pesquisas realizadas no município de Reserva, no estado do Paraná, envolvendo conversas
informais com pessoas da cidade, visita à Secretaria da Cultura de Reserva e busca no
Cartório de Registro de Imóveis;
3 – Pesquisas realizadas no município de Telêmaco Borba, no estado do Paraná, envolvendo
conversas informais com moradores, visita à fábrica de papel da Klabin, buscas cartoriais,
visita à Secretaria da Cultura e do museu do município de Telêmaco Borba;
4 – Leitura de revistas e do jornal publicados pela IPDA, com anotações de entrevistas dadas
por David Miranda aos seus órgãos internos de divulgação;
5 – Buscas no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e em alguns Cartórios de
Registro de Imóveis da capital paulista e no município de Mairiporã, em São Paulo.
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Tabela 1 – Cronologia da vida de David Martins de Miranda15 DATAS EVENTOS
4/7/1936 David Martins de Miranda nasceu num sítio no município de Reserva – PR
1949 Roberto Miranda Ribeiro, pai de David faleceu
1953 A família mudou-se para Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba. Os cartórios de Telêmaco Borba só se instalaram na cidade em 1962. Por essa razão, nas buscas feitas, não conseguimos localizar o endereço da casa que a família comprou em Monte Alegre.
11/5/1953 DM começou trabalhar na fábrica de papel da Klabin como aprendiz mecânico
2/2/1954 Anália Miranda, viúva de Roberto Miranda Ribeiro, formalizou a venda do sítio conforme Certidão do Registro de Imóveis do município de Reserva obtida em 2008.
1/1/1955 DM foi transferido para a secção de manutenção de instrumentos na fábrica da Klabin
15/3/1957 DM pediu demissão da fábrica da Klabin e logo a seguir mudou-se com a família para São Paulo, SP, empregando-se num escritório
7/1958 DM converteu-se ao pentecostalismo (Miranda, 1992: 28-36)
3/1962 DM foi despedido do escritório e com a indenização resolveu alugar um salão para realização de cultos à rua Setenta, hoje Afonso Pena, Vila Alegre, região de Vila Maria (Miranda: 62)
3/7/1962 DM fundou a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” – IPDA- (Miranda: 65) no endereço acima. Ainda no ano de 1962 começou com programas de rádio. Primeiro programa pela Radio Industrial, no bairro do Butantã, 15 minutos, três vezes por semana.
16/12/1962 A IPDA já mantinha um templo em São José dos Campos (Ide Ano 3, no. 6, p. 7). Veja também (Miranda: 69): pregava lá aos sábados e mantinha programa de rádio aos domingos, das oito às nove horas pela Rádio Piratininga de São José dos Campos.
1963 A IPDA mudou-se para a rua Afonso Pena. Surgindo reclamação de vizinhos, mudou-se para a R. Carmem Porto em Vila Medeiros.
12/6/1965 David Martins de Miranda casou-se com Ereni Oliveira de Miranda (Miranda, 1992: 93-94)
1/4/1966 Nasceram gêmeos David e Débora, os dois primeiros filhos de David e Ereni.(Miranda: 78)
8/9/1968 Nasceu Daniel (Miranda: 81). Na p. 96 aparece DM com os dois filhos e as duas filhas: David, Débora, Léia e Daniel (O nascimento de Léia, deve ter sido em 1967).
1970 A IPDA muda-se para um salão maior, à rua Fernão Sales, Parque D. Pedro II. O salão foi dividido para moradia de David Miranda e para cultos da IPDA (Miranda: 80)
7/9/1970 A IPDA adquire duas casas de madeira na rua Conde de Sarzedas, 185 no centro de São Paulo e transforma essas casas num salão de madeira onde funcionará sua Sede Nacional.
1/1/1976 A IPDA inaugura o templo definitivo no mesmo endereço acima, em concreto e alvenaria, com pavimento superior e inferior, como se encontra hoje. (O Testemunho, dezembro de 2006, p. 2)
7/9/1979 Novo templo no. 2 à Rua Prefeito Passos, 231, Parque D. Pedro II, para onde é transferida a sede nacional da IPDA (um quarteirão da Av. do Estado) Área de 4.000m2 (O Testemunho: 2) Matr 24743, Certidão de 30/12/08 do 1o. Cartório de registro de imóveis de São Paulo. (Dossiê “IPDA”, item 17).
1/1/1980 Novo templo, no terreno com 27.000m2 (mesmo quarteirão da rua Prefeito Passos). Com o endereço: Av. do Estado, 4568. Inaugurado salão no. 1, como sede mundial (O Testemunho: 2) São várias matrículas não reunidas num só imóvel. Vide Anexo 4
Dezembro de 1999 Lançamento da primeira revista da IPDA: Revista Ide, Ano 1, no. 1, impressão Abril S.A. dezembro de 1999 (50 p). Idem, primeira revista Expressão Jovem. Ano 1, no. 1, dezembro de 1999 (34 p.).
7/9/2000 Novo templo no.3 numa área de 20.772,076m2, na Av. do Estado 5000 (enquanto seriam demolidos os antigos dois salões da Av. do Estado 4568 para a construção do novo salão) (O Testemunho: 2) Certidão 121.750 do 6o. Cartório de registro de imóveis de São Paulo, de 19/12/08 (Dossiê “IPDA”, item 20)
15 Fonte: Elaboração própria.
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Quando do início da nossa pesquisa, procuramos localizar documentos que nos dessem
a fundamentação para falar sobre a IPDA como uma organização semelhante às outras no
aspecto da legitimidade jurídica. Assim, encontramos os Estatutos da Igreja. Desses Estatutos
pudemos extrair os seguintes dados:
Nome oficial: Igreja Pentecostal “Deus é Amor”
Data de fundação: 3 de junho de 1962
Fundador: David Martins de Miranda – Pastor presidente.
Local de fundação: Rua Setenta, 241, Vista Alegre, Alto de Vila Maria, São Paulo,
Capital.
Estatuto: Registrado no 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de
Pessoa Jurídica sob número 9565, Livro A, número 5, Diário Oficial do Estado
de São Paulo, 26/06/62.
Última Ata: Edital de convocação datado de 28 de dezembro de 2007, assinado pelo
Presidente do Conselho Deliberativo, David Martins de Miranda. Registrada no
3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica sob
número 560.285 em 21.01.2008, conforme Certidão de Inteiro Teor em 5
folhas. Esta Ata da Reunião Ordinária da IPDA aprovou as contas do exercício
anterior e elegeu a diretoria para o período de 1/1/08 a 31/12/09.
Pressupomos que o problema investigado tem uma grande relevância social, pois, ao
se procurar identificar qual a estratégia adotada pela IPDA junto às camadas mais carentes da
sociedade, especialmente as D e E, podemos ligar a questão da pobreza, miséria e exclusão
social à busca do milagre. Porém, as pessoas ao se converterem abandonam o jogo, a bebida,
as drogas e a marginalidade. Principalmente porque, ao ingressarem nessa nova denominação
de caráter puritano e pietista, elas encontram um sentido para a vida cotidiana. Mas essas
pesquisas poderão contribuir para a própria instituição IPDA, justamente quando abordamos a
questão da rotinização do carisma de seu líder fundador, David Martins de Miranda. Sendo
uma empresa familiar, mantida até aqui sob forte controle pessoal de um líder carismático,
certamente a reprodução dessa liderança encontrará obstáculos quando da indicação de
eventual sucessor ou sucessores.
Esta Dissertação de Mestrado é composta por quatro capítulos. No primeiro capítulo, o
leitor encontrará três sub-temas com os quais analisamos origens e trajetórias de familiares de
David Martins de Miranda e de Ereni Oliveira de Miranda, a partir da década de 30 até a
década de 50. Aproveitamos para estudar a conversão da família Miranda ao pentecostalismo
24
com as devidas explicações sociológicas. Ainda neste bloco descrevemos como se deu a
fundação da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA) e as marcas espaciais da sua expansão,
a partir da década de 60. Finalmente analisamos a estrutura da IPDA com seus estatutos,
regulamentos, suas características de igreja/seita e seu sistema de governo.
No segundo capítulo, procuramos mostrar a identidade, os padrões de crenças, ritos e
processos de comunicação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”. Este capítulo foi dividido em
vários sub-temas, tendo sido o mais extenso desta Dissertação de Mestrado. No primeiro sub-
tema, estudamos os padrões de crenças e doutrinas. No segundo, abordamos a questão dos
ritos e interpretação bíblica. No terceiro, analisamos a maneira de circulação de regras dentro
da IPDA. No quarto, abordamos a importância da mídia para David Martins de Miranda
(DM). Finalmente, dedicamos um espaço para fazer algumas observações sobre o Batismo,
Casamento, Louvores, Ministério de oração/jejum e como a IPDA lida com seus desviados
(os que deixam a Igreja e querem voltar). Também estudamos características das exigências
de santificação dentro da IPDA.
No terceiro capítulo, estudamos a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em sua política
expansionista, tendo dividido a nossa Dissertação de Mestrado em quatro sub-temas. Em
primeiro lugar, estudamos a preocupação com a necessidade de grandes templos por parte de
DM. Em segundo lugar, como resultado dessa preocupação, as estratégias da IPDA para
obtenção de recursos e suas implicações. Em terceiro lugar, levantamos os programas
assistenciais da IPDA. Finalmente, em quarto lugar, analisamos a política de abertura e a
liderança das filiais dessa Igreja.
No quarto capítulo, tratamos sobre a confusão de fronteiras entre instituição IPDA e
família Miranda, destacando para esse estudo quatro sub-temas. No primeiro, analisamos as
questões ligadas às relações entre liderança carismática de DM e a IPDA. No segundo,
fazemos uma abordagem das influências no imaginário dos fiéis advindas de sincretismos.
Nesse sentido, abordamos o papel de profetas, sacerdotes, magos e feiticeiros no catolicismo
rural e no pentecostalismo influenciado por figuras do candomblé e da macumba. No terceiro,
estudamos a questão da empresa familiar, processos sucessórios e os conflitos atuais e que
possam advir no futuro, quando da sucessão de DM. Finalmente, no quarto sub-tema,
estudamos a questão de gênero, homossexualidade, raça e política na IPDA como instituição e
como a IPDA tem lidado com essas questões polêmicas.
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CAPÍTULO 1
Origens e expansão
da
Igreja Pentecostal
“Deus é Amor” – IPDA
26
Capítulo 1 - Origens e expansão da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” –
IPDA
Introdução A história da IPDA se confunde com a biografia, família e trajetória de vida de seu
fundador, David Martins de Miranda (DM). Nascido e criado no estado do Paraná, DM ali
viveu até completar 21 anos de idade. Em 1957, a família emigrou para São Paulo, então em
fase de muitas opções de empregos. Por um ano DM permaneceu na religião católica. Em
1958 ele se converteu ao pentecostalismo. A sua inserção em igrejas pentecostais foi difícil,
até que em 1962 resolveu fundar sua própria Igreja. Hoje a IPDA é a quinta igreja pentecostal
mais numerosa no Brasil.16 Quase 50 anos se passaram. Já é tempo de se buscar a história
dessa Igreja e traçar a sua trajetória, ainda hoje identificada com a história de seu fundador,
hoje um “velho” missionário, mas cujo dinamismo lhe permite manter centralizado em suas
mãos o controle dessa grande Igreja pentecostal.
1.1 – O fundador: aspectos biográficos
A partir do estado do Paraná e do sul do estado de São Paulo surgem os dois
personagens que formarão a família Martins de Miranda. A vinda de ambas as famílias para a
capital do estado de São Paulo, está inserida no contexto do êxodo rural para grandes centros
urbanos os quais se desenvolviam pela industrialização posterior à Segunda Guerra Mundial.
Eunice R. Durhan (1973: 113) afirma que o processo de imigração campo-cidade
... não decorre, em geral, de uma situação anormal de fome ou miséria, desencadeada por calamidades naturais. Ao contrário, a emigração aparece como resposta a condições normais de existência. O trabalhador abandona a zona rural quando apercebe que “não pode melhorar de vida”, isto é, que a sua miséria é uma condição permanente. Isto não quer dizer que calamidades naturais ou acidentes não sejam fatores que precipitem a emigração. Há, evidentemente, inúmeros fatores que influem na tomada de decisão: a perda da propriedade, a morte de um membro da família e conseqüentemente desorganização do grupo doméstico, a insistência de um parente que “está bem” em outro lugar.
David Martins de Miranda, filho de Roberto Miranda Ribeiro e Anália Martins de
Miranda, nasceu no município de Reserva em 4/07/1936. A sua família, naquela época, era
16 IBGE – Censo Demográfico 2000: Igreja Assembléia de Deus 8.418.140; Congregação Cristã no Brasil 2.489.113; Igreja Universal do Reino de Deus 2.107.887; Igreja do Evangelho Quadrangular 1.318.805; Igreja Pentecostal “Deus é Amor” 774.830.
27
dona de uma pequena parcela de terras (20 alqueires),17 resultante da fragmentação de uma
gleba de 16 mil alqueires conhecida por “Fazenda Santa Elena”. Em 1953, a família mudou-se
para Telêmaco Borba, onde David Miranda, então com 17 anos, foi trabalhar na fábrica de
papel da Klabin, onde foi registrado em 11/05/53. Em 15/03/57 DM pediu demissão porque
sua família estava de mudança para São Paulo. A sua trajetória do campo para a cidade é
semelhante à da maioria de seus fiéis, que vêm do mundo rural, convertem-se a uma nova
religião ao chegarem à cidade e, geralmente, a uma igreja pentecostal. Para Francisco Cartaxo
Rolim (1985: 62) o catolicismo adotou uma estratégia equivocada, supondo que mantinha seu
domínio sobre “setores populares das classes dominadas”, privilegiando as classes médias, se
esquecendo dos migrantes rurais mais pobres.
Do seu lado, a Igreja Católica dava continuidade à sua aliança com o setor cafeicultor e com as classes médias, de cujo seio tirou sua elite de intelectuais leigos. Mas os setores populares das classes dominadas, que o catolicismo oficial supunha ter sob seu domínio, permaneciam à margem de um trabalho criativo que fosse ao encontro de sua espontaneidade e das raízes da sua fé. Ora, foi precisamente nesta extensa faixa dos econômica e culturalmente desprivilegiados que o pentecostalismo fincou as suas bases.
O pai de David Martins de Miranda (1992: 19-20) faleceu quando ele tinha 13 anos de
idade. Sua família praticava o catolicismo típico das regiões rurais brasileiras, recebendo uma
assistência periódica de padres católicos. É nesse período de formação que DM interioriza
aspectos da doutrina católica romana, que mais tarde iria influenciar a sua maneira estabelecer
os princípios que iriam reger a denominação pentecostal que fundou em 1962.
1.1.1 – Trajetória familiar do fundador: David Miranda
Saindo de um ambiente rural, como todo recém-chegado à cidade, DM começou a
ressignificação seus valores já em Telêmaco Borba, onde trabalhou na indústria de papel dos
Klabin por quase quatro anos. Isso significa que ele teve que ressignificar os seus valores,
adaptando-se a um ambiente fabril, interagindo com novos atores sociais. O período foi
relativamente curto, porque decorridos quatro anos seus familiares decidiram vender a
17 Vide Dossiê “IPDA” 8, Certidão do Ofício do Registro de Imóveis do município de Reserva no
Paraná. “Elena” está mesmo grafada com “E” de acordo com a Certidão em nosso poder. O documento não especifica a área em hectares. De acordo com Ricardo Yoshiyuki Hirata, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006, tab. 1, p.7): “1 alqueire paulista equivale a 24.200 metros quadrados. A medida alqueire é encontrada em diversas regiões do país, cada qual com uma dimensão diferente. Convencionou-se a utilização do hectare, unidade de medida nacional equivalente a 10.000 metros quadrados.”
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residência de Telêmaco Borba e mudar-se para São Paulo,18 capital de um estado pujante,
centro urbano em fase de industrialização, onde DM enfrentou novos desafios para seu
ajustamento social.
Ao chegar a São Paulo, David Miranda (1992: 62) empregou-se, aos 22 anos de idade,
num escritório. No espaço de uma década, DM experimentou quatro mudanças ou situações
críticas que abalaram sua estrutura psicossóciorreligiosa. A primeira foi a perda do pai no
sítio; a segunda: deixou suas funções de trabalhador rural em plena adolescência,
empregando-se numa grande indústria situada em uma pequena cidade; a terceira: mudou-se
para São Paulo, e empregou-se num escritório, numa metrópole de alguns milhões de
habitantes; a quarta: toda sua família se converteu ao pentecostalismo,19 ficando somente ele
na religião anterior da família. Percebe-se que o estado de anomia de DM se manifestava de
forma bem marcante, porque, no catolicismo, ele não encontrava apoio e nem se identificava
com o catolicismo urbano de São Paulo, apesar de pertencer à Congregação Mariana. Em sua
autobiografia, David Miranda (1992: 26) escreveu: “eu ia para a catedral católica na Praça da
Sé e ficava ali por muitas horas lendo o catecismo e rezando; pedia aos santos que trouxessem
de volta ao catolicismo toda a minha família e principalmente minha mãe.”
Porém, na maioria dos casos a conversão do catolicismo para o pentecostalismo é um
caminho sem volta. Notemos que DM ainda lutou para permanecer na religião de seus
antepassados. Mas, um ano e três meses após a chegada a São Paulo ele também se converte
ao pentecostalismo. A não desconversão da família Miranda, como ele sonhava, deve-se aos
fortes mecanismos que todo grupo religioso (assemelhado a uma seita) emprega para criar
laços profundos de coesão social e de ligação entre os seus membros. Beatriz Muniz de Souza
trata disso em seu texto pioneiro sobre o pentecostalismo no Brasil. Contudo, as exigências
requeridas para pertencer a uma nova religião são compensadas pela coesão interna do grupo.
Nesse contexto, cabe a afirmação de Beatriz Muniz de Souza (1969: 73, 81): “A disciplina 18 Durhan (1973: 113) analisou com precisão esse fenômeno: “Há, evidentemente, inúmeros fatores que influem na tomada de decisão: a perda da propriedade, a morte de um membro da família e conseqüentemente desorganização do grupo doméstico, a insistência de um parente que “está bem” em outro lugar.” Nesse caso, observamos que, alguns anos depois que DM perdeu o seu pai, sua irmã Araci mudou-se para São Paulo e se instalou na rua Conde de Sarzedas na década de 50 conforme entrevista de Araci Miranda ao jornal O Estado de S. Paulo. (Sorano, 2008: C8). 19 Em 30 de dezembro de 2008, visitamos Araci Miranda, irmã de DM em sua loja à Rua Conde de Sarzedas, 237 no centro de São Paulo, praticamente ao lado do número 185 onde funciona o templo da IPDA. Conversando com Araci e seu marido Deamiro, hoje com 80 anos de idade, ambos confirmaram sua conversão ao pentecostalismo, no início da década de 50, quando chegaram em São Paulo, nos cultos das tendas de pastores americanos, que mais tarde deram origem à Igreja do Evangelho Quadrangular. Araci menciona o nome de um americano: “William” com quem se converteu. Trata-se de Harold Williams. “Em 1953, Harold Williams iniciou no Brasil as atividades da Igreja do Evangelho Quadrangular com a ajuda do pregador de cura divina Raymond Boatright após intensa campanha em tendas de lona com o nome genérico de Cruzada Nacional de Evangelização.” (Antonio Gouvêa Mendonça, 2008: 136).
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interna da ‘seita’ manifesta-se, também, através de rigor disciplinar que desce até a
pormenores na aparência dos fiéis, que devem diferir das pessoas ‘do mundo’ por sua
vestimenta recatada”. Além do mais, leva à “coesão interna para apoiar o membro”. Essa
inclusão oferecida ao membro é explicada por Francisco Cartaxo Rolim (1985: 43): “Os
crentes falam nos cultos, ora pregando ora trazendo seus testemunhos. Prega o pastor, prega o
diácono ou o simples crente. Não denotam medo de falar em público, mas entusiasmo. Ser
letrado ou não ter instrução não é exigência”. Assim, em 1958, começa a relação de DM com
o pentecostalismo. Em 1962, iria fundar a própria igreja e, três anos depois, casaria-se com
Ereni Oliveira.
1.1.2 – A trajetória familiar da esposa do fundador: Ereni Oliveira
Na sociedade brasileira, o casamento é uma forma de aliança que se estabelece entre
um homem e uma mulher. Aparentemente, as escolhas são feitas ao acaso. Mas não é assim
que acontece. Há determinações sociais que agem sobre o casal, fazendo com que a escolha
recaia sobre pessoas de perfis semelhantes. Pois bem, qual era o perfil de Ereni que a
aproximava de David Miranda? As informações sobre essa mulher que se tornaria o braço
direito de DM nos foram fornecidas quase ao acaso, por um antigo amigo da família de seus
pais. Jamil Fonseca Leite foi o informante no levantamento de dados sobre as origens dos
Mirandas, quando de nosso contato (2008). Com 68 anos de idade, dos quais 63 anos em
Telêmaco Borba, Leite é contabilista aposentado e estava prestando serviço de vigia na
Câmara Municipal. Foi um encontro casual que tivemos com ele, na praça diante da Prefeitura
e da Câmara. Em conversa informal, Jamil nos disse que “conheceu David Miranda apenas de
vista, quando moço”, mas sabia que a família veio do município chamado Reserva.
Acrescentou que conheceu a família de Ereni, que ficou hospedada em sua casa por seis
meses, quando os pais de Ereni procuravam uma oportunidade para se estabelecer em
Telêmaco Borba. Ereni tinha então aproximadamente nove anos de idade, seus pais se
chamavam Otávio Lagüista e a mãe, Áurea. Depois disso, a família voltou para Caputera,
distrito de Itapeva, no estado de São Paulo. Posteriormente, em carta, Jamil20 escreveu:
“Minha mãe era sobrinha e afilhada de Da. Áurea, mãe da Ereni.” É provável que a parte
20 Carta em nosso poder datada de 30/7/08 (Dossiê “IPDA” 9). Nessa carta Jamil dá melhores informações sobre a estadia da família de Ereni em sua casa. Enviou uma foto de Ereni ainda criança (Anexo 1 – Registro fotográfico). Jamil escreveu num dos textos de sua carta: “Parece que pretendiam residir na Fazenda Monte Alegre, (atual Telêmaco Borba) mas depois resolveram retornar para Itapeva-SP, e não sabemos quanto tempo depois foram para a capital de São Paulo.”
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materna da família de Ereni venha a origem do sobrenome “Oliveira”, porque os filhos e as
filhas de David Miranda trazem esse sobrenome.
Nota-se na ficha de David Martins de Miranda que o sobrenome de seus pais são;
Miranda Ribeiro por parte de pai e Martins de Miranda por parte de mãe. O sobrenome
“Oliveira não aparece; mas está no nome da Ereni. Inclusive ela chega a usar em artigos
assinados em publicações da IPDA.21 Jamil nos contou ainda que os pais de Ereni cantavam
na rádio de Itapeva e formavam uma dupla sertaneja. A mãe cantava e tocava pandeiro e o
pai, além de cantar, tocava viola. Na expressão de Jamil, ele tinha um “vozeirão”; que,
recentemente, seus familiares, já idosos passaram por São Paulo, vindos de Aparecida do
Norte e resolveram procurar Ereni. Falou da dificuldade que encontraram com os seguranças
da IPDA para atingir seus objetivos, mas, depois de muita insistência, Ereni os recebeu e
perguntou quem eles eram realmente e o que desejavam. A mãe de Jamil tirou uma antiga foto
de sua bolsa e mostrou para a Ereni, perguntando se ela se reconhecia com nove anos de
idade, junto de seus familiares em Telêmaco Borba. Diz que Ereni abraçou-se com a mãe de
Jamil, já idosa, e chorou emocionada.
1.1.3 – O casamento de David Miranda
Jamil, o nosso informante em Telêmaco Borba, em 2008, disse não saber como David
se encontrou com Ereni, nem como se casaram, pois não mais acompanhou a vida deles.
Afirmou também que David Miranda está muito rico e que “não liga” para eles, que apoiaram
Ereni e seus pais nas dificuldades. Não conseguimos maiores detalhes sobre a mudança da
família de Ereni para São Paulo e nem como ela se converteu ao pentecostalismo. Mas é
possível que o mesmo modelo de imigração rural-urbana dos demais imigrantes tenha sido
experimentado por essa família. De acordo com sua autobiografia,22 (Miranda: 1992: 71-72)
David conheceu Ereni em São Paulo, numa vigília e casaram em 12 de junho de 1965, três
meses depois de conhecê-la.
1.1.4 – A conversão de David Miranda ao pentecostalismo
O pentecostalismo, ao qual se filiou Miranda, tinha características bem diferentes
daquele advindo com Francescon, que deu origem à Congregação Cristã no Brasil, em 1910.
21 Revista Ide ano 7 no. 13. Seu nome Ereni Oliveira de Miranda consta de Ata de constituição da Diretoria da IPDA, datada de 01 de janeiro de 2008, conforme Certidão: 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de 09/12/2008. 22 Embora uma autobiografia tenha sempre alguma característica tendenciosa, o texto de David Miranda serviu de base par início de nossas pesquisas.
31
Também mantinha distância com o pentecostalismo de Berg e Vingren que originou a
Assembléia de Deus (1911). As pesquisas realizadas por nós indicam que a conversão da
família Miranda deu-se no contexto do movimento de tendas, cuja pregação era centrada em
curas divinas. Daí saiu a Igreja do Evangelho Quadrangular, que remonta aos anos de 1906,
com o movimento denominado Apostolic Faith Mission (Missão Fé Apostólica) da qual veio,
em 1923, a International Church of the Foursquare Gospel, a Igreja do Evangelho
Quadrangular, que se estabeleceu no Brasil poucos anos antes da conversão de DM. Miranda
afirma em sua autobiografia que se converteu numa Igreja diferente daquela em que sua
família congregava. Araci e Deamiro, que se converteram na Quadrangular, confirmam essa
informação. Mas, certamente, não foi no movimento da Quadrangular que DM se converteu.
O anexo 2, no final desta Dissertação de Mestrado, reproduz um mapa histórico para maior
esclarecimento da filiação e formação desses movimentos.23 Sabemos, todavia, que as várias
denominações surgidas na década de 50 estavam sob forte impacto das pregações de curas
divinas influenciadas pelo movimento de tendas.
Paul Freston faz referência à conversão de DM aos primeiros anos em São Paulo,
informações parcialmente confirmadas na autobiografia do fundador da IPDA. Além de
Freston, outros autores pesquisaram esse tema sobre o qual não há consenso até este
momento. Entendemos que as entrevistas de David Miranda e sua autobiografia devam servir
como parâmetro, embora DM não mencione o nome da Igreja na qual se converteu.24
Eu era católico, nascido em berço católico, meus pais davam hospedagem para os padres, missionários, numa fazenda que nós tínhamos no interior do Paraná, porque lá não tinha Igreja Católica e os padres de três em três ou de seis em seis meses, iam e ficavam uma semana toda na casa da fazenda de meu pai. Era uma casa muito grande e ali o padre celebrava as missas, fazia os casamentos, celebrava os batismos de crianças, enfim, eu nasci num berço católico, aprendendo inteiramente com o padre sobre a doutrina católica
Nesse texto, David Miranda continua esclarecendo em que circunstâncias se converteu:
[...] no ano de 1958, dia 6 de julho, quando eu voltava de uma matinê dançante, eu passava em frente a uma Igreja e esta Igreja tinha poucos membros, era pequenina, todavia ali entrei [...] o pastor tinha sotaque baiano e chamava-se Pastor Jonas da Cruz, um senhor já bastante idoso [...] e ele então, lendo a Palavra de Deus, falava sobre o sacrifício de Abraão quando Deus pediu Isaque para ser oferecido em sacrifício a Deus.[...] No momento em que Abraão ia oferecer seu filho em holocausto, Deus providenciou o cordeiro para ali ser sacrificado em
23 Vide Anexo 2 – Mapa genealógico da IPDA (reprodução parcial do Mapa Histórico (Campos, 2005: 114) com acréscimos a partir dos anos 50). 24 DM. Entrevista em Ide, São Paulo, no. 1, Dez. de 1999 - p. 5.
32
lugar de seu filho[...] E ele passou a mencionar sobre nosso Jesus que depois de ser maltratado, esbofeteado, terem posto uma coroa de espinhos em sua cabeça e terem feito tantos males a Ele, ainda o crucificaram e mataram[...] Naquela hora, eu me senti envolvido pelo Espírito de Deus. Eu não contive as minhas lágrimas. Pela primeira vez eu me reconheci como pecador diante de Deus.
Porém, nessa autobiografia Miranda (1992: 31-39), omite o nome da igreja e do pastor
que pregava quando ele se converteu. Mas, o dia da conversão, 6 de julho de 1958, ele repete
na entrevista de dezembro de 1999. Nas décadas de 80 e 90 era voz corrente na IPDA que
David Miranda tinha se convertido na Igreja “Maravilhas de Jesus”.25 Numa visita feita a essa
Igreja, e na conversa informal que mantivemos com o presbítero Fiorindo Valoto (25 anos
congregando naquela Igreja) e que lá se encontrava em novembro de 2008, esse presbítero
confirmou que DM realmente se converteu na Igreja “Maravilhas de Jesus” – IMJ – fundada
pelo pastor Leonel Silva, um afrodescendente, advogado ainda atuante.
Na primeira conversa ele não dispunha de tempo e confirmou rapidamente que ficou
conhecendo David Miranda no primeiro dia em que ele entrou na Igreja “Maravilhas de
Jesus”, mas que chegou com um violão e alcoolizado “querendo aceitar Jesus”, expressão
comum entre evangélicos para a pessoa que se converte. Transcrevemos trecho extraído da
conversa que tivemos26 quando da segunda visita à IMJ, em 24 de dezembro de 2008:
Voltamos ao assunto anterior, pedindo uns minutos da atenção dele, após mostrar a identificação da Universidade Metodista e esclarecer o motivo da visita, ou seja, a elaboração da Dissertação de Mestrado sobre a IPDA. O pastor Leonel atendeu com boa vontade, disse que DM apresentou-se com um violão, mas que estava embriagado, prometendo voltar na noite seguinte. Quando voltou, estava sóbrio, e aceitou Jesus no culto com o pastor Jonas da Cruz. Este pastor faleceu em 2007. Leonel explicou que DM congregou em sua Igreja por seis meses e que não foi batizado porque não estava preparado. Que DM queria ser logo pastor, mas que isso não seria possível. Que havia um presbítero semialfabetizado em sua Igreja que não concordava em muitas coisas e que saiu, dividindo a Igreja “Maravilhas de Jesus” e fundando a Igreja Pentecostal de Jerusalém, para onde DM foi congregar. O pastor Leonel não sabe onde DM foi batizado, mas sabe que David Miranda passou pela “Brasil para Cristo”, não se dando bem em nenhuma igreja, até fundar sua própria denominação a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”.
As pesquisas que realizamos até este momento indicam as seguintes versões sobre o
nome da Igreja na qual David Miranda se converteu.
25 A Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” foi fundada em 1957, por Leonel Silva, que completará 90 anos em 2009, tem a sua seda à Rua do Carmo 71-77, na Sé, no centro da capital paulista. Conversamos em duas ocasiões diferentes com esse pastor após o culto de sua Igreja em 3 e 24 de dezembro de 2008. 26 Dossiê “IPDA” 27 – Caderno de Campo. Visita de 24/12/08 à Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”.
33
Nome da Igreja Fonte
1) Igreja Jerusalém Paul Freston, Tese de doutorado, (2003: 92)
2) Brasil para Cristo R. Andrew Chesnut, Born Again in Brazil, (1997: 38)
3) Brasil para Cristo Allan Anderson An introduction to Pentecostalism,
(2004: 72-73)
Este autor informa que DM é cunhado de Manoel de
Mello o que é refutado por Freston. Cita texto
de Chesnut indicado acima.
4) Assembléia de Deus Isael Araújo: Dicionário do Movimento Pentecostal
(2007: 462).
5) Assembléia de Deus Gilberto Stéfano27
6) Igreja “Maravilhas de Jesus” Pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã
Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” e
Presbítero Fiorindo Valoto (informação obtida em
conversa informal), nas visitas à sede da Igreja na Rua do
Carmo 71/77, na Sé, no centro de São Paulo.)
Nas análises das informações acima, nota-se que Freston não dá sua fonte de
referência, mas contesta Anderson. Assim, parece que os quatro autores Freston, Chesnut,
Araújo e Anderson, com pequenas variações, bebem das mesmas fontes. Apesar de
convivermos com DM e com seus familiares, naquela época não nos preocupávamos com
essa questão. Por essa razão, não tínhamos a informação dada pessoalmente por DM ou por 27 Uma outra versão aparece em Gilberto Stéfano (2009) que segue desenhos de Araújo (2007: 462): “O missionário David Martins Miranda, que tem origem assembleiana, deixou-a e fundou a IGREJA DEUS É AMOR em 1962. Esta igreja ainda está em ascensão. Cresce muito entre a população mais carente do país. O fato de seu fundador e líder ainda estar vivo ajuda muito a sua propagação. Seus programas de rádio têm grande audiência na camada mais pobre, e principalmente, nos moradores da zona rural. Muito parelha a esta igreja em doutrinas e costumes a IGREJA SÓ O SENHOR É DEUS, que tem como fundador o missionário Miranda Leal (Que dizem ser primo de Davi Miranda).” ( http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo/PentecostaisNeoPCarismaticos-GilbertoStefano.htm) -(Acessado em 02 jan 2009).
34
seus familiares. No período em que congregamos na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”,
jamais ouvimos David Miranda referir-se à denominação onde se converteu. Apenas ouvimos
por terceiros que DM tinha se convertido na Igreja “Maravilhas de Jesus”. Entendemos, por
questão de Marketing, que DM jamais divulgaria o nome da denominação concorrente porque
considera as demais igrejas como “igrejas mundanas”. Na sua autobiografia consta
“denominação diferente da minha”. Apenas em 3 de dezembro de 2008 obtivemos uma
informação bastante confiável de que realmente DM se converteu na igreja do pastor Leonel
Silva, tendo depois transitado por várias igrejas. Em 24 de dezembro de 2008, num segundo
encontro, o próprio pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã Pentecostal Independente
“Maravilhas de Jesus” – a IMJ, confirmou que DM, ao deixar a IMJ, passou pela “Pentecostal
de Jerusalém”,28 depois pela “Brasil para Cristo”, saindo dessa peregrinação religiosa para
fundar sua própria denominação em 1962.
A respeito da situação em sua casa, quando de sua conversão ao pentecostalismo, em
sua autobiografia, Miranda (1992: 40) afirma que “a bem da verdade, nós já quase nem nos
falávamos mais, devido a tantas brigas dentro de casa por motivo de religião. Então, ninguém
sabia ainda do ocorrido que transformara a minha vida. Eles congregavam em outra igreja
cuja denominação era diferente da minha”. A igreja, “simples, humilde e pequena”, na
expressão de DM era a Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”, o pastor
que pregava era o pastor Jonas da Cruz que permaneceu na IMJ até 2007, quando faleceu
segundo informações do pastor Leonel Silva. Araci Miranda confirma a conversão de David
Miranda na IMJ. Deamiro, esposo de Araci diz que o cunhado não parava em igreja nenhuma
até fundar a própria igreja.
Para uma melhor compreensão da trajetória de vida familiar e religiosa de DM,
registramos os dados levantados em uma tabela cronológica. Como se pode observar, David
Miranda começa sua vida de proprietário de imóveis aos 34 anos de idade. Daí em diante suas
aquisições em nome da IPDA vão se desenvolvendo aceleradamente nas duas décadas de sua
vida.
1.1.5 – Conversão, trajetórias familiares e explicações sociológicas
As mudanças biográficas, que no meio religioso são chamadas de conversão,
receberam o de alternação por Peter Berger. Essa passagem de um círculo para outro 28 Ainda segundo informações de Leonel Silva, a “Igreja de Jerusalém foi fundada por um presbítero semi- alfabetizado, que saiu da IMJ levando alguns fiéis” e que David Miranda foi um deles. Mas, segundo sua irmã Araci Miranda e seu esposo Deamiro, DM não ficou lá por muito tempo porque transitou por várias igrejas antes de fundar a “Deus é Amor”.
35
acontece, ainda segundo Berger, (2004: 18) porque “o homem não possui uma relação
preestabelecida com o mundo. Precisa estabelecer continuamente uma relação com ele”. Ora,
em um curto espaço de tempo DM experimentou quatro fases, cada qual contendo desafios
para uma personalidade em fase de formação. Na última das crises vividas, DM passou a
experimentar uma metanoia, palavra usada no vocabulário teológico para designar uma
ressignificação dos valores sóciorreligiosos de um indivíduo. DM estava diante de diferentes
campos ou espaços sociais fisicamente objetivados, todos eles relevantes para um momento
de reorientação, conforme Bourdieu (1982: 160-161). Por sua vez, Mircea Eliade (2007: 132)
considera que “colocado entre a aceitação da condição histórica e seus riscos, de um lado, e
sua reidentificação com os modos da natureza, de outro, ele (DM – grifo nosso) escolheria
uma tal reidentificação.” Pressupomos que David Miranda experimentou esse processo ao
converter-se ao pentecostalismo. Para os que vivem experiências anômicas como essas, “a
participação em processos dessa índole significa importante afirmação pessoal. [...] As
pessoas nessas condições sentem-se valorizadas. Começam a experimentar a cota necessária
de auto-estima necessária para tornar suportável a existência de qualquer ser humano”,
escreveu Júlio de Santa Ana (1992: 13).
O mesmo processo se faz presente na maioria dos seguidores de David Miranda, pois
quase todos eles também vieram do mundo rural. Santa Ana (1992:12) afirma que “a perda de
raízes, a incapacidade de produzir sentido para a própria existência e a ausência de
reconhecimento social levam muitos a se sentir ‘perdidos’. Nestas condições, a religião
procura dar sentido em meio ao desespero”. A necessidade de conversão a uma nova religião
em situação de anomia também pode ser analisada à luz da teoria de Thomas O’Dea (1969:
13-14), ao explicar que a “teoria funcional supõe que essa necessidade seja o resultado de três
características fundamentais da existência humana. Em primeiro lugar a incerteza [...]
caracterizada pela contingência [...] em segundo lugar [...] impotência [...]. Além disso, as
sociedades existem em condições de escassez, a terceira característica fundamental da
existência humana”. Segundo linha de argumentação semelhante, Lalive D’Epinay (1970: 60)
escreve que a tese que pretendemos sustentar, cujo tema já é clássico na sociologia das seitas, será a seguinte: O pentecostalismo apresenta-se como resposta religiosa comunitária ao abandono de grandes camadas da população, abandono provocado pelo caráter anômico de uma sociedade em transição.
Beatriz Muniz de Souza (1969: 97, 101) retoma tais explicações ao escrever sobre a
motivação ou a “resposta religiosa” que na expressão de D’Epinay não se refere apenas ao
36
presente, mas também ao futuro. Pois o presente, representado pela “renúncia ao mundo” e o
futuro na salvação eterna, a saber: “a condenação dos pecadores; necessidade de
arrependimento; renúncia ao mundo; felicidade dos que alcançam a salvação.” (Souza: 97).
“[...] Outro ponto doutrinário referido com certa constância nos sermões é o fim do mundo,
quando ‘os ímpios serão condenados e os pecadores arrependidos alcançarão a salvação.”
(Souza: 101). André Drooger (1992: 66) sustenta que “[...] em sociedades suscetíveis de
mudanças rápidas e grandes contradições de interesses, a anomia mostra-se inevitável [...] A
partir de suas próprias necessidades básicas, as pessoas vão em busca de nova comunidade
[...] a anomia é irregularidade transitória, o consenso é a situação normal”. Mais adiante,
acrescenta que “[...] a impotência dos pobres se converte, com a ajuda da força dos dons do
Espírito (cura, profecia, dom de línguas) em força. Os desqualificados pelo mundo, em dado
momento, desqualificam esse mesmo mundo”, completa Drooger (1992: 67).
Acreditamos que fatores ligados à anomia influenciaram profundamente a experiência
de vida de DM, levando-o a se servir muito mais de novas ressignificações do que fora a sua
formação católica rural. Num primeiro momento, DM foi aceito pelo novo grupo cuja
liderança não admitia concorrência, razão de sua mudança para outra congregação, onde
também não conseguiu se impor. “[...] depois de ter passado essa fase de lutas e provações,
fiquei apenas freqüentando os cultos por uns 50 dias, mais ou menos, em diversas
denominações diferentes”, afirma Miranda, (1992: 49).29 Tendo sido dispensado de seu
emprego, enfrentando praticamente sua última fase de rompimento de raízes, Miranda decidiu
fundar sua própria denominação, como se pode observar na cronologia apresentada. Porém,
houve um certo mistério sobre a conversão de DM ao pentecostalismo. Essa falta de
informações, alimentada por ele mesmo, criou versões imprecisas sobre seu passado.
1.2 – A Igreja fundada por David Martins de Miranda
David Miranda, em sua autobiografia (Miranda, 1992: 62, 68, 69, 70 e 74) afirma que
em março de 1962 iniciou seu trabalho num salão que ele próprio teria alugado com recursos
da indenização recebida de seu emprego num escritório: “No final do mês de março,
inauguramos a igreja na antiga Rua Setenta, hoje, Avenida Afonso Pena em Vila Alegre,
região de Vila Maria.” O seu templo mais tarde mudou-se para a Rua Carmem Porto na Vila
29 Em 30 de dezembro de 2008 conversamos com Araci Miranda e Deamiro seu esposo os quais informaram que David Miranda não se firmou em nenhuma denominação. Saiu da Igreja “Maravilhas de Jesus” para sua dissidente “Igreja de Jerusalém”, depois de breve passagem pela “Brasil para Cristo”, tendo passado também por outras denominações. O pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” confirma que DM ficou apenas seis meses em sua Igreja e que lá não foi batizado.
37
Medeiros; inaugurando então um templo em São José dos Campos, onde mantinha um
programa na Rádio Piratininga daquela cidade. DM afirma que “o povo havia me ‘batizado’
com o título de maior pregador de curas divinas da época,” relatando algumas curas atribuídas
a Deus enquanto ele orava. A igreja por ele fundada é centrada em sua própria liderança
carismática, pois é tido como profeta ou o “homem de Deus”. Campos (1982: 96) faz
referência ao uso constante em seu programa “A Voz da Libertação” como “o consagrado
homem de Deus, Missionário David Miranda”. A IPDA sustenta uma visão do batismo com o
Espírito Santo30, usando como base textos bíblicos do livro do profeta Joel e de livro dos Atos
dos Apóstolos. Assim, DM dispensa quaisquer referências aos reformadores Lutero, Calvino
ou à tradição das igrejas protestantes, recurso típico do líder carismático, cujo tipo ideal foi
elaborado por Max Weber (1982: 285): “O carisma só conhece a determinação interna e a
contenção interna. 31 O seu portador toma a tarefa que lhe é adequada e exige obediência e um
séquito em virtude de sua missão.” Entretanto, a capacidade ou o “dom missionário” que DM
tem, inclusive para acumulação de patrimônio e riqueza, distancia-o do tipo de “carisma
apostólico” referido por Weber (2004: 124).
Único obstáculo é, outra vez, aquela glorificação – inspirada no exemplo da vida missionária dos apóstolos – do carisma da pobreza apostólica entre os “discípulos” eleitos por Deus pela “predestinação”, o que de fato significava uma repristinação parcial dos consilia evangélica. A criação de uma ética profissional racional à maneira dos calvinistas foi com isso, quando nada, retardada, se bem que – como mostra o exemplo da transformação do movimento anabatista – não totalmente excluída (sendo pelo contrário preparada espiritualmente por intermédio da idéia de trabalhar exclusivamente “por causa da vocação”).
Porém, DM encarna bem o tipo ideal do líder carismático que se fundamenta somente
no seu próprio capital adquirido, tal como nos apresenta Pierre Bourdieu (1982: 59):
A gestão do depósito do capital religioso (ou sagrado), produto do trabalho religioso acumulado e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação deste capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado simbólico em que o primeiro se desenvolve, somente podem ser assegurados por meio de um aparelho de tipo burocrático que seja capaz, como por exemplo a Igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua
30 BURGESS, Stanley M; McGEE, Gary B. (1996: 415) esclarecem, numa tradução livre que fizemos do texto: “Pentecostais usam o termo ‘batismo no Espírito’ para se referirem à efusão inicial dos crentes com o Espírito e consideram isso como a experiência de poder que foi acompanhada por falar em línguas no Dia de Pentecostes (At 2.4)”. 31 Atos 2.1-12 – Parte do texto do livro de Atos: V.1: “E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar [...] V.4: E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.” Transcrição dos dois versículos da passagem paralela do profeta Joel, (Joel 2.28-29): “E há de ser que depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito.”
38
(ordinária) necessária para assegurar sua própria reprodução ao reproduzir os produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a saber o corpo de sacerdotes e o mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos (em oposição aos infiéis e aos heréticos) como consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (hábitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica de seus produtos.
As primeiras dificuldades de todo novo líder carismático ou profeta constituem-se na
identificação de um caminho que lhe garanta o sucesso junto às massas. Ele precisa acumular
um capital só na sua atividade e sucesso. Inicialmente, as pessoas não estão interessadas no
investimento num pregador desconhecido. É somente com a realização de atos milagrosos
atribuídos a ele que a liderança carismática estabelece o próprio carisma.
1.2.1 – As dificuldades iniciais e a expansão da nova Igreja
David Miranda conseguiu captar certas características da cultura popular, o que
facilitou a sua penetração no meio (popular), especialmente entre os mais necessitados, com
seu conceito de religião que nasce na cultura (Durkheim: 1989: 38, 295, 509), ou numa
interação entre cultura e religião (Tillich: 1959: 42). É nesse ambiente que a IPDA transita
com grande desenvoltura, identificando as necessidades do povo e oferecendo a solução dos
seus problemas, exigindo, porém, o cumprimento de votos e a realização de campanhas,
copiando técnicas usadas pelo catolicismo, no cumprimento de promessas e as novenas dos
católicos romanos. Tillich (1959: 42, 47) mostra com bastante clareza como a religião e a
cultura se interagem:
Simplificando: religião é a substância da cultura, cultura é a forma de religião [...] Cada ato religioso, não apenas na religião organizada, mas também nos mais íntimos movimentos da alma é culturalmente formado. [...] “A forma da religião é a cultura. Isto é especialmente óbvio na linguagem da religião. Cada linguagem, incluindo a da Bíblia, é resultado de inumeráveis atos da criatividade cultural”.
A IPDA transitou por diversos endereços até que se fixasse numa sede própria, oito
anos depois de sua fundação. Podemos nos aproximar sociologicamente da forma assumida
pela IPDA por meio de afirmações feitas por Marcelo Ayres Camurça (2003: 258):
Quanto às novas expressões religiosas surgidas na alta modernidade, estas tomam a forma de comunidades carismáticas emocionais, e mantêm seus esquemas de sociabilidade sob um caráter eletivo (fraternité élective), dispensando a determinação de uma “linhagem de memória coletiva” que as identifique. Em suma, integram-se por meio de relações emocionais. Sua identidade, enquanto religião pós-tradicional, repousa prioritariamente em um espírito de comunidade que numa tradição. Todavia, há uma reapropriação dos eixos comunitário, emocional, ético e cultural desarticulados neste processo de subjetivação e desregulação da identidade religiosa. [...] A maneira como a religião se insere e se dissemina na sociedade contemporânea é marcada pelo crescente abandono de suas formas institucionalizadas
39
dominantes. A isto Hervieu-Léger chamou de desregulação institucional, que exprime o modo principal como se dá o mencionado processo de mudança da religião na atualidade: “as recomposições das identidades religiosas [...] se inscrevem sobre o duplo signo da proliferação e disseminação das crenças de uma parte e da desregulação institucional de outra parte.”
Uma das características do ser humano é procurar exemplos de pessoas bem sucedidas
para tentar imitá-las, objetivando o mesmo sucesso. Não raro, nas artes cênicas, deparamos
com artistas que procuram reproduzir fielmente os hábitos, trejeitos, feições, cabelos,
vestimentas, enfim, todo o padrão de comportamento de seus “ídolos”, em busca de sucesso.
David Miranda, segundo José Hélio Lima32, seguiu as mesmas trilhas de Manoel de Mello ao
decidir utilizar os espaços profanos para reunir grande massa humana. Lima esclarece que o
primeiro local utilizado por Mello para concentrações foi o Teatro de Alumínio. DM alega
que somente quando começou fazer suas concentrações em cinemas, teatros, clubes e praças é
que conseguiu recursos para pagar muitos programas de rádio, e com isso partiu para outras
aquisições, por exemplo, as duas casas de madeira da rua Conde de Sarzedas, onde se instalou
em 1970, num salão de madeira.
1.2.2 – As marcas espaciais da expansão
David Miranda conta, em sua autobiografia e em algumas entrevistas dadas
exclusivamente aos seus órgãos de informação (revistas e jornal), como se deu a trajetória de
sua igreja desde a ocasião em que decidiu alugar um salão para começar seus cultos, já com a
denominação escolhida: Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA). Diferente de algumas
denominações que alteram seu nome ao longo de sua história, a IPDA continua mantendo-o
por quase meio século. A expansão da IPDA tem sido contínua desde os anos 1970. O próprio
fundador DM tem afirmado, em diferentes ocasiões, que foram difíceis os primeiros oito anos
de sua Igreja, ou seja, entre 1962 e 1970. Embora David Miranda tenha declarado que
começou a crescer com programas de rádio e com concentrações em praças, cinemas e
teatros, alternando com declarações de que mudou drasticamente as características de sua
doutrina, entendemos que a falta de experiência inicial tenha sido o principal fator que
impediu um rápido crescimento de sua obra. A tabela a seguir mostra essa evolução e suas
declarações sobre suas justificativas para seu crescimento.
32 LIMA, José Hélio. Programa “A Voz do Brasil para Cristo”. A relação estabelecida entre o líder pentecostal Manoel de Mello e o Rádio. São Paulo, 2008. 150 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Instituto Presbiteriano Mackenzie.
40
Tabela 2 - Datas e endereços conforme autobiografia de DM33
DATAS EVENTOS OBSERVAÇÕES Março de 1962 Primeiro endereço da IPDA
(salão alugado) Rua Setenta, atual Av. Afonso Pena, Vila Alegre, região da Vila Maria (pp. 62-65)
3 de julho de 1962 Mesmo salão, onde é estabelecida a pessoa jurídica da IPDA
A IPDA continua no mesmo endereço
1962 Segundo endereço da IPDA - salão alugado
Rua Carmem Porto, Vila Medeiros (p. 68)
1970 Terceiro endereço da IPDA (salão alugado)
Rua Fernão Sales, Parque D. Pedro II. O salão foi dividido para moradia de David Miranda e para cultos da IPDA (p. 80)
7 de setembro de 1970 Quarto endereço da IPDA (sede própria – compra de duas casas de madeira)
Rua Conde de Sarzedas, 185, no centro da capital paulista (as casas são reformadas e transformadas num salão para cultos)
1 de janeiro de 1976 Mesmo endereço onde é construído em alvenaria o salão definitivo
A sede nacional da IPDA continua nesse endereço por alguns anos
7 de setembro de 1979 Quinto endereço da IPDA (sede própria – compra de prédio de uma indústria desativada)
Novo templo à Rua Prefeito Passos, 231, Parque D. Pedro II, para onde é transferida a sede nacional da IPDA (lateral, mesmo quarteirão da da IPDA na Av. do Estado)
7 de setembro de 1980 Sexto endereço da IPDA (inaugurado o Templo Um (sede própria)
Avenida do Estado, 4568, Parque D. Pedro II, onde passa a funcionar a sede mundial. A sede nacional volta para a Rua Conde de Sarzedas, 185
7 de setembro de 2000 Sétimo endereço da IPDA (sede própria, - Templo Três, com 37 mil metros quadrados)
Avenida do Estado 5000, (antiga Mesbla). Durante quatro anos a sede mundial funcionará nesse novo endereço até a conclusão do novo templo da Avenida do Estado, 4568
Junho de 2002 Início da demolição do Templo Um e Templo Dois, da Avenida do Estado, 4568 para dar lugar ao novo templo no mesmo endereço
David Miranda informa em sua entrevista que o novo templo terá “uma área aproximada de 70 mil metros quadrados, podendo receber em dias festivos, até 200 mil pessoas.” (p.49)
1 de janeiro de 2004 Inauguração do novo Templo na Avenida do Estado, 4568
Trecho extraído da mensagem de DM ao leitor: “...se usarmos todas as dependências, comportaria mais de 200 mil pessoas.” (Jornal O Testemunho, ano 3, no. 4, p.2)
33 Fontes: Da 1a. à 4a. linha: Autobiografia (Miranda: 1992: pp. 62-80); da 5a. linha em diante a fonte é a revista Ide (ano 3, no. 6, junho de 2002, pp. 48-51).
41
Em 2006 ele declarou que o Senhor “revelou-lhe, em oração”, que “não queria uma
igreja igual às outras [...] cortamos o mundanismo pela raiz [...] a doutrina foi severa para os
demais membros [...] a igreja que nunca havia enchido começou a se lotar”.34
Na entrevista de 199935 ele atribui que o seu crescimento deu-se a partir de
“...concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes...”
Sempre pessoas me falavam essas coisas, que havia já tantos anos e Deus não aprovava, a obra não crescia. Já fazia sete ou oito anos de Ministério da Igreja Deus é Amor e a obra continuava com aquele pouquinho de irmãos, aquele grupinho tão pequeno de crentes congregando conosco. Mas também eu não tinha experiência para um trabalho maior, não tinha condições financeiras, nem a Igreja, para fazer cobertura para um trabalho de evangelismo. Mas cerca de oito anos depois Deus preparou um meio de evangelizarmos através de concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes e aí começou a nossa experiência de evangelização, com as concentrações de milagres, de curas divinas. Aí Deus começou a mandar muita gente para estes locais e a Igreja começou a reagir. Porque então ela começou a ter possibilidades financeiras de ter mais horários de programas no rádio, de distribuirmos mais folhetos, enfim foi nesta época, oito anos depois, que a obra começou a crescer.
A expansão da IPDA teve início na América Latina, exatamente pelo Sul: Argentina,
Uruguai e Paraguai, por duas razões estratégicas: posição geográfica e facilidade com o
idioma. Em 1996 foi criado o Curso de Preparação de Obreiros (CPO), com o objetivo de
aprimorar o conhecimento da língua portuguesa dos pregadores e da língua espanhola para
aqueles que seriam enviados para os países de fala espanhola. A expansão para os países
vizinhos foi conseqüência natural e, em pouco tempo, a IPDA já estava presente em toda a
América do Sul. Devido ao grande esforço para evangelizar o mundo e, conseguindo carrear
grandes recursos, não demorou que se expandisse por muitos países. A estratégia de DM para
a evangelização mundial começa por nomear como responsável pela evangelização um
presbítero ou diácono de uma sede administrativa. Por exemplo, na ata da reunião de 26 de
julho de 1999 da qual participamos, ficou registrada a seguinte decisão: País: Inglaterra Cont. Europa Mudar ao país: Pb. José Vieira Sede adm.: Caldas Novas Novo resp.: Dc. José Fonseca
Naquela ocasião, foram relacionados 165 países, alguns dos quais impossíveis de
receber uma pessoa da IPDA. Nessas condições, a redação da deliberação é a seguinte:
34 Revista Ide, ano 6 no. 12, Dez. 2006, pp. 13-15 35 Ibid., Ano 1 no.1, Dez. 1999, p. 13.
42
País: Kuweit Cont. Ásia Mudar ao país: País fechado Sede adm.: Diretoria/Cons. Adm. Novo resp.: Diretoria/Cons. Adm.
Como as atividades no exterior geravam a necessidade de remessa de recursos,
começaram a surgir denúncias, uma delas de um ex-funcionário, naturalmente descontente
com questões pessoais que se desconhecem. O acontecimento envolveu a cúpula da IPDA, a
imprensa, uma CPI e políticos, conforme reprodução de parte da matéria publicada no jornal
O Estado de S. Paulo (9/6/2000):
1 – PF apreende documentos na casa de David Miranda; 2 - Material pode ajudar na abertura de inquérito para apurar evasão de divisas pela igreja Deus É Amor, fundada pelo pastor. 3 - O inquérito foi aberto depois de reportagem do Jornal da Band, da TV Bandeirantes, que trouxe o depoimento do ex-presbítero Guilhermino Filho do Prado. Segundo o denunciante, a igreja Deus é Amor sonega impostos e tem um esquema de envio irregular de dinheiro para o exterior. 4 - O advogado Rúben Cavalheiro disse anteriormente, em entrevista ao Jornal da Tarde, que a Igreja Deus é Amor tem tudo sob controle e que não há problema de as denúncias serem investigadas. 5 - Danilo Angrimani Publicado em 18/05/2000 no Estadão. Deus é Amor: pastores indiciados O dono e o tesoureiro da Igreja Deus é Amor foram indiciados ontem pela Polícia Federal (PF). O pastor David Miranda e seu empregado Luiz Andreu Rubio são acusados de evasão de divisas e sonegação fiscal. 6 - "Patrão e empregado serão investigados pela Divisão de Crime Organizado da PF, pelos mesmos inquéritos", disse o delegado Gilberto Tadeu Vieira Cezar. Denúncias contra igreja pentecostal serão enviadas ao MP Com as acusações que surgiram na CPI do Narcotráfico, a Igreja Deus é Amor volta ao noticiário policial. Ontem, o deputado Renato Simões confirmou que Daniel Oliveira Miranda tem duas passagens pela polícia por porte de entorpecentes. "De maneira alguma isso significa que ele seja traficante." 7 - Um documento da Igreja divulgado pelo Jornal da Band expõe as cotas de dinheiro que cada templo tem de enviar mensalmente à sede. 8 - O ex-funcionário, que não quis ser identificado, foi chefe da Divisão de Exterior da Igreja durante 18 anos e diz que chegou a mandar US$ 1 milhão para bancos de outros países em um mês. Nos últimos cinco anos, segundo ele, pelo menos US$ 40 milhões teriam sido enviados.
As informações sobre o crescimento no número de fiéis da IPDA são variadas. O
Censo do IBGE de 2000 informa que a IPDA estava com 774.830 membros. O jornal da
IPDA O Testemunho de (dezembro de 2006, ano 3, no. 4) informava “milhões de
convertidos”. O Censo do ano 2000 não informa a quantidade de templos.36
36 Ano 2000: 7500 templos (Reunião de obreiros da IPDA da qual participamos) Ano 2000: 12.000 templos (www.dantas.com.br) Ano 2002: 8.000 templos (http://asreligioes.globo.com (2002) Ano 2006: 19.000 templos Jornal O Testemunho, (ano 3 no. 4, Dez. 2006)
43
Em outubro de 1989, fomos batizados pela IPDA, na represa de Guarapiranga, ocasião
em que mais de 2.500 fiéis se batizaram. Porém, 19 anos depois o jornal O Estado de S.Paulo
(4/10/2008) informou que “A reportagem acompanhou, no domingo passado, o batismo
trimestral da Igreja Pentecostal Deus é Amor, no Bororé, Billings. Cerca de 500 fiéis adultos e
adolescentes – a maioria mulheres – foram batizados”.37
Vimos, até aqui, como se deu a fundação da IPDA, suas dificuldades iniciais e a
estratégia de DM para encontrar seu espaço entre as denominações pentecostais surgidas que
foram do movimento de tendas que pregava especialmente a “cura divina”. Dentre essas
novas denominações sobressaíram a “Brasil para Cristo”, a “Deus é Amor” e a “Maravilhas
de Jesus”, ainda atuantes no cenário da capital paulista. A seguir, vejamos como se estruturou
a IPDA para se destacar nesse cenário, suplantando suas demais concorrentes.
1.3 – A estrutura da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”
Algumas das Igrejas pentecostais são consideradas “empreendimentos” voltados à
“venda” de bens espirituais. Como resultado desse processo elas acabam por apresentar um
mesmo sistema de administração que coloca o titular como principal e único responsável por
tudo o que se passa na organização. Tal não se dá com as denominações históricas e
reformadas, cada uma com um sistema administrativo que envolve várias pessoas:
episcopado, congregacional e presbiteral, praticado pelos presbiterianos, metodistas, batistas e
luteranos. Naturalmente há uma pessoa jurídica em todas essas denominações, inclusive nas
neopentecostais, com suas diretorias constituídas, estatutos, normas e doutrinas. Porém, as
assembléias realizadas em certas igrejas pentecostais sempre cumprem as ordens emanadas da
“presidência”, continuamente ocupada pelo mesmo titular, enquanto viver. Nas eleições, a
diretoria apresenta uma chapa única diante da assembléia que a elege por aclamação. Quando
há uma liderança dissidente radical, podem ocorrer cisões que têm origem por discórdia na
diretoria ou numa região onde a arrecadação de valores é considerável. Nesse caso, o
presbítero ou pastor que dirige aquela região divide a igreja, criando uma nova denominação,
com um mesmo sistema centralizado de governo.
Segundo Max Weber (1982: 269) as burocracias cumprem sua função de manter
“secretos seu conhecimento e intenções. A administração burocrática tende sempre a ser uma 37 O Estado de S.Paulo (4/10/2008) (Mazzitelli/Catassini, p. A36) É do nosso conhecimento que o local de batismo em Bororé foi adquirido no final da década de 90. Antes, todos batismos da Grande São Paulo (Sede Mundial) eram realizados na represa do Guarapiranga, local distante alguns quilômetros do autódromo de Interlagos. Tais números nos deixam a impressão que o crescimento nos dias de hoje é menor ou teria aumentado o número de cerimônias de batismos durante o ano.
44
administração de ‘sessões secretas’: na medida em que pode, oculta seu conhecimento e ação
da crítica.” Nesse contexto, não só a IPDA, como também outras denominações pentecostais
adotam mesmos princípios administrativos.
O atual sistema de governo da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” compreende duas
diretorias: a Diretoria Deliberativa, presidida por David Martins de Miranda e a Diretoria
Executiva, pelo pastor Antônio Ribeiro de Souza. Vale observar que na década de 90 a
diretoria era uma só, composta por nove membros, entre os quais figurava David Oliveira de
Miranda um dos filhos de DM como Diretor Fiscal. Na atual diretoria, com 12 membros,
além de Ereni Oliveira de Miranda (esposa de DM na função de Conselheira), aparece o
nome de Débora Oliveira de Miranda Almeida (filha de DM) casada com o pastor Lourival de
Almeida. Assim, além de Léia, filha dissidente, casada com Sérgio Sóra, que dividiu a IPDA
do Rio de Janeiro, ficam fora da atual diretoria: David Oliveira de Miranda (filho mais velho);
Daniel Oliveira de Miranda (filho mais novo) e Lourival de Almeida (genro, casado com
Débora, a filha de DM).
Pelo que se pode observar, há uma tendência de profissionalização parcial na diretoria
da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, não obstante a presidência continue com David Martins
de Miranda. Por sua vez, a esposa é a Diretora Presidente da Fundação Reviver, responsável
pelas atividades assistenciais da IPDA. Assim, ambos continuam no comando da IPDA; ele,
na atividade burocrática/espiritual e ela na social/educacional. David Miranda comanda ainda
toda a atividade da gravadora “A Voz da Libertação”, por meio de um controle financeiro
pessoal.
ORGANOGRAMA DA SEDE MUNDIAL
(DÉCADA DE 90)
1 - Diretoria
2 - Sedes nacionais no exterior - sedes estaduais no Brasil38
3 - Sedes regionais conforme divisões no país (estado ou departamento)
4 - Sedes de micro-regiões
5 - Congregações
6 - Pontos de pregação
38 Na década de 90 a sede nacional da IPDA em São Paulo (para diferenciar da Sede Mundial) funcionava na rua Conde de Sarzedas 185, no centro da capital paulista, com um dirigente específico: nós dirigimos por 13 meses. Porém, o dirigente para o estado de São Paulo ficava na Sede Mundial e era escolhido na reunião da diretoria.
45
Títulos na hierarquia da IPDA
1 - Missionário39
2 – pastores
3 – presbíteros
4 – diáconos
5 – obreiros (as)
6 – Daniéis e Anas
7 – membros
Função (posição de mando)
1 – Diretoria
2 – dirigente nacional (no exterior)
3 – dirigente estadual40
4 – dirigente regional
5 – dirigente de congregação local
6 – responsável por ponto de pregação.
Observação:
A IPDA aceita evangelistas de ambos os sexos (exemplo: irmã Lorena que viaja por todo os
países a serviço da Igreja). Evangelista não tem função na hierarquia ou na posição de mando
da IPDA.
1.3.1 – Os Estatutos da IPDA
Uma análise do Estatuto da IPDA mesmo que rápida chama a atenção do analista para
o rigor com que se exige do fiel certas coisas. Por exemplo, no Capítulo II – Artigo 4 a IPDA
estabelece que os membros devem comunicar ao seu dirigente local, sempre que tiver que se
ausentar por mais do que 24 horas, seja por motivo de viagem, ou de mudança de residência.
Em resumo, o responsável pela Igreja está em constante contato com seu membro. Sua
mudança de endereço também precisa ser comunicada à Igreja. No entanto, entre 1989 e
2000, não nos lembramos de qualquer punição baseada nesse item do regulamento. A pessoa
que é membro da IPDA é muito assídua e sua ausência, numa pequena congregação é notada
imediatamente. Nesse caso, alguém vai visitá-la. Dificilmente tal aconteceria na Sede
39 Apenas Davi Miranda adotou o título de “Missionário” para si desde a fundação da IPDA. 40 No Brasil: dirigente estadual; no exterior: dirigente do estado ou departamento, conforme a divisão administrativa de cada país.
46
Mundial, com milhares de membros nos cultos porque sua ausência não seria notada no curto
prazo. De qualquer forma, o controle da freqüência é feito pelos carimbos semanais nos cultos
de doutrina, nos cultos de Confraternização. O próprio membro está interessado em manter
sua documentação em ordem, especialmente no culto de doutrina, sem o que não será
admitido no salão para o culto da Santa Ceia.
No capítulo III, Artigo 6, sobre Contribuições, chama-nos a atenção que “a Igreja não
determina o valor que seus membros deverão contribuir, nem estabelece o sistema de
contribuição, sugerindo, portanto, a qualquer um que contribua da forma que se propõe,
conforme consta da Bíblia”. Ora, este Artigo 6 é frontalmente desobedecido, porque, na
prática, o membro tem o controle do dízimo em sua credencial, além de outros controles como
será demonstrado a seguir, sem o que lhe é vedado participar da Santa Ceia, a menos que
obtenha de seu dirigente uma justificativa como desemprego, doença ou viagem para fora de
sua região.
No capítulo VI – Artigo 16 que dispõe sobre os ministros lemos que, dependendo das
necessidades da obra, a Igreja pode consagrar ministros, conforme os princípios bíblicos.
Parágrafo único – A Igreja será responsável pela manutenção dos ministros consagrados ao
serviço da Igreja. Porém, a IPDA mantém dois tipos de obreiros, incluindo diáconos ou
presbíteros. Uns são remunerados e outros não o são, mas cumprem com as mesmas tarefas
dos remunerados. Durante os 11 anos em que servimos como obreiro e como diácono, jamais
recebemos sustento da IPDA, a não ser quando em viagens evangelísticas a Londres. O
critério para remunerar um oficial para trabalhar na Igreja Pentecostal “Deus é Amor” é muito
complexo: em primeiro, depende do dirigente da região que vai comprovar ao dirigente
estadual a necessidade de manter aquele obreiro assalariado. Em segundo lugar, a Sede
Mundial vai controlar essa necessidade pelo volume de valores arrecadados em cada Igreja,
cada sede regional ou estadual para decidir o número de pessoas assalariadas.
Acreditamos que essa dificuldade em se criar um clero assalariado se deve às origens
carismáticas da Igreja. Aliás, a esse respeito, recordamos de Weber (1982: 284) ao afirmar
que
Em contraste com qualquer tipo de organização burocrática, a estrutura carismática desconhece uma forma ou um processo ordenado de nomeação ou demissão. Ignora qualquer “carreira”, “progresso”, “salário” regulares, ou treinamento especializado e regulamentar do portador do carisma ou de seus auxiliares. Não conhece qualquer agência de controle ou recurso, bailios locais ou jurisdição funcionais exclusivas; nem abarca as instituições permanentes como nossos “departamentos” burocráticos independentes das pessoas e do carisma exclusivamente pessoal.
47
Como foi possível observar, há um conflito de interesses entre boas normas
administrativas e as práticas de uma organização submetida a uma estrutura carismática. Uma
é a exigência estatutária legal, sem a qual a organização não pode funcionar na sociedade.
Outra, é a prática do líder que administra seu “negócio” segundo sua intuição e seu modo de
agir; como diz o ditado popular: “há uma diferença entre a gramática e a prática”. É o que
veremos no caso do “Regulamento Interno” da IPDA.
1.3.2 - Os regulamentos da IPDA
Sabemos que, quando um governo baixa uma lei, esta só entra em vigor quando da
publicação e sua regulamentação. Isto nos faz lembrar dos tempos remotos do judaísmo
quando conseguiram transformar o Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) em 613
preceitos. Rabbin A. Cohen (1983: 17) na Introdução de sua obra Le Talmud (O Talmude),
explica que em 587 a.C. os textos bíblicos que tratavam daquela época não forneciam
ensinamentos detalhados. Com isso, ele procura justificar as centenas de preceitos oriundos da
tradição aplicados na leitura do Antigo Testamento. O Talmude tornou-se então uma espécie
de “regulamentação da lei judaica”. De semelhante modo, o “Regulamento Interno”,
conhecido como RI, é a regulamentação de parte das exigências estatutárias da Igreja “Deus é
Amor” e da totalidade de suas exigências doutrinárias.
O “Regulamento Interno” da IPDA funciona como espécie de regulamentação das
regras que vão da letra “A” até a letra “T”, envolvendo 100 páginas. Resumindo, chegamos à
contagem de 20 capítulos, os quais englobam 285 diferentes recomendações, baseadas em
incontáveis citações bíblicas, algumas bem adequadas, outras, porém, fora do contexto, além
de mais sete instruções no verso da capa do “Regulamento Interno”.41 Porém, a “Credencial
de Membro”, com validade até 2001 registrada no 3o. Ofício sob no. 9565, Livro A no. 5
(Diário Oficial 26/6/62), não inclui todas as recomendações ou regulamentos do RI. Quando
se aproximava o 40o. aniversário da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, essa Igreja mandou
imprimir na SBB 100 mil exemplares comemorativos da Bíblia42 A impressão é de 1999 e traz
um encarte com 31 páginas, reproduzindo o “Regulamento Interno” da IPDA, que é a
reprodução fiel do regulamento que aparece na “Credencial de Membro”. Traz, ainda, um
encarte do “Livreto de Corinhos”, com 64 páginas que estão conforme a última versão do
41 Por outro lado, a “Credencial de Membro”, com validade até 2001, registrada no 3o. Ofício sob o no. 5 (Diário Oficial 26/6/62) não inclui todas as recomendações ou regulamentos do RI. 42 BIBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. (ARC). Série DO 53/57 – 100.000. São Paulo: SBB, 1999.
48
“Livreto de Corinhos” em nosso poder. Essa credencial está redigida em suas 40 páginas e
traz os seguintes sistemas de controle:
p.1-3: compromisso de jejuar e controle dos jejuns por mês;
p. 4-5: controle das horas em que permaneceu orando ou ouvindo o rádio no programa da
“A Voz da Libertação”;
p. 6-7: freqüência nos cultos de doutrina na Sede Mundial ou administrativa ou nas cinco
semanas da Sede Estadual;
p. 8-9: freqüência na Santa Ceia na sede e na Igreja43;
p. 10-11: freqüência nas confraternizações na Sede Mundial, na Sede Administrativa, na Sede
Estadual e na Sede Regional;
p. 12-17: Credencial da Prosperidade – Cartão do Dízimo o qual contém 66 campos para
lançamentos dos dízimos: cada campo indica a data, o valor e o visto de quem recebeu o
valor. Atualmente, para concentrar os recebimentos na Sede Mundial, o dízimo dos obreiros é
depositado no Banco e o comprovante enviado à Sede Mundial com o relatório mensal das
entradas de cada Igreja.
p.18-38, apresentam 14 capítulos, que vão da letra B a P, englobando 107 recomendações
diferentes sobre os seguintes temas: batismo, casamento, desviados, louvores, ministério
oração/jejum, pecados e santificação.
Uma Igreja que surge a partir do esforço pessoal de um líder carismático tem a
tendência de permanecer sob seu forte domínio, especialmente quando esse líder sente
dificuldades para delegar funções, seja por uma questão de desconhecimento de técnicas de
delegação de poder ou simplesmente por uma opção pessoal de sistema de governo. Por essa
razão, a IPDA continua sendo, por mais de 46 anos, uma organização pessoal, vertical e
familiar, centrada nas decisões pessoais de seu fundador o Missionário David Miranda. Mas
teria a IPDA, fundada por DM, deixado de ser “seita” para se tornar “igreja”? Abordaremos
essa questão no capítulo seguinte, sob o referencial teórico de Ernst Troeltsch, Max Weber,
Lalive D’Epinay, Henri Desroche e Antonio Gouvêa Mendonça.
43 Segue a reprodução dos dizeres de uma Autorização para a Santa Ceia num papel simples, de 11 por 8 cm. em nosso poder “Igreja Pentecostal ‘Deus é Amor’ – Sede Mundial. Autorização para Ceia. Autorizado a participar da Santa Ceia dia: (carimbo: 15 ago 1993), assinatura: Sérgio Sóra. Motivo de não ter a Carteirinha: 19 set 1993,” Neste caso, a pessoa havia esquecido a carteirinha em casa ou a havia perdido. O dirigente da Congregação ou da Igreja que conhece o membro é quem providencia ante a autoridade maior, a competente autorização. Durante a entrega dos elementos da Ceia, o membro exibe esses documentos ao diácono ou o presbítero. Aliás, esses comprovantes são exibidos já na entrada do culto de Ceia que é restrito aos membros.
49
1.3.3 – Estrutura de igreja ou de seita?
É difícil classificar uma denominação religiosa como sendo uma seita. Especialmente
a IPDA, que provavelmente se encontra num gradiente entre os dois termos: Igreja e seita.
Quando DM afirma que a sua igreja retoma a tradição da Igreja primitiva e Júlio de Santa Ana
(1992: 15) fala,porém, de tradição em sua definição de igreja, ficando essa questão numa
posição mais confusa ainda.
A igreja, portanto, manifesta-se por meio do respeito à tradição. A ‘seita’ (pelo menos segundo a opinião dos responsáveis pelas ‘igrejas’) rompe com a tradição.” “Por sua vez, os novos movimentos religiosos criticam as ‘instituições eclesiásticas tradicionais’ apelando igualmente para desqualificá-las.” “Apela-se, em outras palavras, à doutrina. Tanto num como no outro caso, os dogmas são decisivos para o exercício da desqualificação mútua [...] A diferença é que as novas expressões da fé consideram que as mais antigas perderam o conteúdo das crenças.
Lalive D’Epinay (1970: 14, 60, 162- 163) sustenta que
[...] o que garante este êxito do pentecostalismo é o fato de ter sabido reinterpretar e restaurar os esquemas culturais e sociais da tradição latino-americana, num período de desestruturação radical [...] se tivermos que qualificar a sociedade pentecostal, deveríamos falar de associação voluntária fortemente hierarquizada mas sem classes, na qual o poder se exerce de cima para baixo. [...] a tese que pretendemos sustentar, cujo tema já é clássico na sociologia das seitas, será a seguinte: O pentecostalismo apresenta-se como resposta religiosa comunitária ao abandono de grandes camadas da população, abandono provocado pelo caráter anômico de uma sociedade em transição.
Pelas muitas exigências e punições as mais diversas para cada tipo de transgressão,
fica uma dúvida sobre a classificação da IPDA como uma religião (igreja) pentecostal ou uma
seita pentecostal. Antonio Gouvêa Mendonça (1984: 288-289) trabalha essa questão com
grande propriedade ao escrever que a
a atitude do movimento pentecostal no que se refere à Bíblia é tão difícil de analisar quanto o é o próprio pentecostalismo. O dinamismo do movimento pentecostal é tão grande que a extensão do gradiente seita/igreja se torna de difícil compreensão. Na base inferior do gradiente encontram-se seitas tão diferenciadas quanto às suas origens institucionais eclesiais que só residualmente poderemos considerá-las cristãs. Tais são as seitas de cura divina, grandes e pequenas, em que o sincretismo com formas diversificadas de religião é muito sensível. Mas como a Bíblia está presente, não só fisicamente mas também na linguagem ritual, temos de introduzir esses grupos em nossa análise.
Mendonça (1992: 52) volta a analisar a questão em seu artigo “Sindicato de Mágicos”, onde
apresenta as seguintes características dos movimentos de cura divina:
50
1. Características empresariais de prestação de serviços ou de oferta de bens, de religião mediante recompensa pecuniária, com modernos sistemas de administração e “marketing”. Algumas já são multinacionais;
2. Distanciamento da Bíblia, usada esporadicamente sem nenhum rigor hermenêutico ou exegético, não estando afastado o uso mágico;
3. Inexistência de comunidade. Seus freqüentadores são clientes e a relação entre a “empresa” e o “cliente” é na base do do ut des;
4. Como não há comunidade de adoração e louvor, o “culto” tem características de ajuntamento de interessados na obtenção imediata dos favores do sagrado.
Intenso ambiente de magia. Os mágicos de plantão estão a serviço da “empresa mágica” que traça normas gerais de prática, mas outorga certa margem de liberdade às características de cada uma.
A respeito dessa questão podemos registrar ainda as palavras de Leonildo Campos (1997:
114) que ao resenhar o livro de Lewis Coser escreveu que:
A “seita”, do ponto de vista sociológico, é uma instituição composta de pessoas que procuram se separar do corpo social, formando um grupo limitado, exclusivo, que recusa as normas da sociedade e exige a adesão a um conjunto especial de valores e regras de condutas. Diferente de outras organizações, como igrejas e partidos políticos, as seitas exigem lealdade absoluta e recrutam uma minoria de agentes qualificados. Essas características podem ser encontradas tanto em grupos religiosos como em políticos e intelectuais. A seita sustenta uma moral de extremos e recusa a tolerância, a vacilação e até mesmo a dúvida para os seus membros.
Campos (1996: 21) aborda o conceito de “seita” e “igreja”, afirmando que esses
conceitos, “a despeito de terem sido inicialmente empregados conforme procedimentos
acadêmicos, logo se tornaram conceitos-armas, ou melhor, instrumentos de luta, usados para
desmascarar os fenômenos religiosos não assimiláveis dentro das fronteiras estabelecidas pela
ortodoxia das instituições religiosas.” Para esse autor é bom “reconhecer que a linguagem
atual se encontra eivada de usos ideológicos e políticos do gradiente ‘seita-igreja’, quase
sempre empregados para expressar preconceitos e posicionamentos políticos incompatíveis
com a análise científica” (Ibidem). Estamos diante de um conceito descartável? Há outros que
o mantém muito mais por falta de opções conceituais do seu uso.
O emprego desses termos vem desde as obras de Ernst Troeltsch (1960:723) e Max
Weber (2006: 36, 138; 1982: 347ss). Para Troeltsch, além dos tipos de “seita” e “igreja” há
também o tipo “misticismo” e, eles têm as seguintes características:
As duas formas sociológicas dos tipos de seitas, a ordem religiosa e a associação voluntária, estão aqui combinadas; ao mesmo tempo são elásticas para recepção e aumento de membros, sem, contudo, permitir que desapareça a oposição ao pietismo popular característico de igreja. Batismo infantil é, na realidade, substituído pela experiência do Novo Nascimento, que está ligado à conversão e seu reconhecimento para admissão na Sociedade. Nada foi alterado no dogma da Igreja, seu caráter sobrenatural foi somente intensificado, e seu significado geral foi acrescentado na conversão e na sua pressuposição, e em santificação com seus resultados celestiais. A continuidade da Igreja foi levada em conta, apesar de que seu espírito foi deixado de lado. Isso necessariamente levou a uma separação externa, e na própria Inglaterra em geral.
51
Quando essa separação e independência foi conseguida, o Metodismo passou pela mesma experiência que atingiu batistas, moravianos e quakers.44
Para Troeltsch, o Metodismo em suas diferentes divisões abrangia cerca de 30 milhões
de fiéis. No entanto, o Metodismo estava cada vez mais abandonando o caráter de oposição ao
mundo e à cultura, deixando de ser seita para se tornar igreja. H. Richard Niebuhr (1992: 19)
propõe outra forma de classificação ao escrever sobre as origens sociais das denominações
cristãs: Nas origens da diferenciação teológica observamos a presença de importante elemento. Max Weber e Ernst Troeltsch demonstraram quão importantes são as diferenças na estrutura sociológica dos grupos religiosos para a determinação de suas doutrinas. A distinção entre Igreja e seita é a principal. A primeira constitui um grupo social natural semelhante à família ou nação; a outra é uma associação voluntária. A diferença é clara. Os membros da Igreja nascem nela; os membros da seita devem aderir a ela. As igrejas são instituições inclusivas, freqüentemente de âmbito nacional e acentuam o universalismo do Evangelho; as seitas são de caráter exclusivo, apelam para elementos individualistas do cristianismo e ressaltam as exigências éticas. Numa Igreja, a condição de membro é socialmente obrigatória em conseqüência natural do nascimento numa família ou nação, e não privilegia condições e exigências especiais; a seita, por outro lado, provavelmente exija algum tipo de experiência religiosa como pré-requisito para filiação.
Segundo Troeltsch, (1960: 714) a raiz do pensamento de uma seita está no pietismo
porque “falando de forma geral, pietismo simplesmente representa o ideal sectário dentro das
igrejas, restrito e controlado pelo pensamento fundamental da igreja. Isso aparece
continuamente através da História da Igreja”. Nesse contexto, precisamos rever o que
Troeltsch entende e quer afirmar com a expressão “pensamento fundamental da igreja”. Como
sabemos, as igrejas têm suas doutrinas e seus dogmas como seus fundamentos; mas ser
fundamentalista parece termo pejorativo por remeter a um extremado rigor na observância dos
preceitos doutrinários. Não se trata aqui, da expressão fundamentals cunhada pelos norte-
americanos quando da eclosão dos fundamentalistas que originaram, a partir dos batistas.
Procurando aplicar esses conceitos de Troeltsch à forma de ser da IPDA, notamos que
há muitas semelhanças entre o denominacionalismo da IPDA com a Igreja Católica Romana,
bem como com o pietismo, que em suas variadas formas permeia toda a religião cristã. Apesar
disso, Niebuhr (1992: 21) sustenta que
os males do denominacionalismo não estão, no entanto, nas diferenças entre igrejas e seitas. Ao contrário, o surgimento de novas seitas empenhadas em advogar a ética sem concessões de Jesus e em ‘pregar o Evangelho aos pobres’ tem servido para levar o cristianismo a se lembrar de sua missão. Esta fase da história denominacional deve ser considerada salutar a despeito da quebra de unidade que representa.
44 Tradução que fizemos livremente do inglês.
52
Uma das características da IPDA que parece identificá-la como seita é a que impede
seus fiéis de pegarem em armas, em quaisquer que sejam suas atividades: segurança
particular, polícia militar ou soldado do exército. Para tanto, só batizam o homem quando está
quite com o serviço militar para que não haja conflito de autoridade; ou seja, a IPDA não
aceita o membro armado, e o Exército Brasileiro não aceita o cidadão insubmisso. Esse
comportamento parece confirmar o que Troeltsch (1960:331) escreve sobre seitas: “O
ascetismo das seitas é uma forma de se separar do mundo, recusando leis, juramento na
justiça, participar de guerra”.
Henri Desroche (1985:13) comenta sobre a teologia dos protestantes dissidentes que
originaram várias seitas quando escreve que “a esperança de Lutero e a teologia que a
acompanha não é a de Thomas Münzer...” Conforme Troeltsch, as idéias de Münzer estavam
ligadas ao fanatismo de Zwickau. Mais adiante escreve Troeltsch (1960: 754): “Münzer
representa um reavivamento das idéias místicas combinadas com as idéias revolucionárias
fanáticas Hussita e Taborita [...] Os assim chamados “Fanáticos de Zwickau estão também
ligados com Münzer através de sua residência em Zwickau”. Não é sem razão que Weber vai
escrever: “...a prova de milagres era exigida de todos os profetas como os habitantes de
Zwickau ainda a exigiram de Lutero (Weber, 1978: 25).
Troeltsch (1960: 694; 719; 725; 691-805), classifica uma infinidade de movimentos
sectários dentro do protestantismo em seu capítulo 4 intitulado “O tipo de seita e misticismo
dentro do protestantismo”. Como exemplo, o autor relaciona: batistas e reformadores;
morávios; Exército da Salvação e Adventistas; seguindo-se muitas outras referências a seitas.
Em sua crítica ao sectarismo e, na mesma linha de pensamento e de abordagem dos demais
estudiosos do assunto, (Troeltsch: 1012) expõe as características do tipo seita.
Por outro lado, pela sua fria austeridade, sua visão restrita e concreta, seu zelo proselitista e suas características puritanas sem arte (sem sentido nosso grifo) ela é oposta a todos os instintos da moderna civilização; do ponto de vista puramente religioso, também sua tendência ao legalismo e farisaísmo, para uma febril atividade de visão mecânica, ela está muito longe de uma completa conformidade com as mais profundas idéias cristãs.” 45
A questão da troca com a divindade, na expectativa de se obter sucesso explica por
que a IPDA acaba usando algumas fórmulas mágicas de prosperidade, quando escreve nos
envelopes de dízimo: “O dízimo do Senhor Deus -PROSPERIDADE”. Santa Ana (1992:20),
no sentido de desdramatizar o debate faz a seguinte pergunta: “pode-se entender ainda o
45 Tradução do inglês feita livremente por nós.
53
termo ‘seita’ em sentido neutro? Ainda que nos esforcemos para alcançar esse fim, acredito
que é preciso reconhecer nele forte carga ideológica negativa”.
Acabamos de examinar as características de Seita e Igreja no conceito de estudiosos
do assunto. Apesar de todo nosso esforço, não temos condições de concluir com razoável
certeza como classificar a IPDA. Preferimos, na expressão de Mendonça, deixar essa
denominação entre os dois pólos ou seja, no gradiente “seita/igreja”. Por outros termos,
arriscamos a afirmação: A Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, é uma igreja com características
sectárias. A seguir, examinaremos seu sistema de governo, o qual também reflete essas
características estudadas.
1.3.4 – O sistema de governo da IPDA
Todo grupo religioso ao se iniciar como movimento tende, conforme Weber (1982:
338-339; 2006: 138, 243), a se tornar uma instituição regulamentada por estatutos. O mesmo
ocorreu com a IPDA que tem seus Estatutos e suas Atas registrados regularmente conforme as
leis vigentes. Seu sistema de governo, até antes da atual Lei, era de tipo “vertical-autoritário”,
“episcopal”, apesar de que a eleição da diretoria se dava com a indicação de uma chapa
“oficial” constando a nova diretoria por indicação do Diretor Presidente, Missionário David
Martins de Miranda. Vez por outra, trocava-se um diretor por outro. A aprovação era por
aclamação e, claro, quem concordava, ficava sentado e os que discordassem se punham de pé.
Durante os 11 anos em que nós participamos dessas assembléias, jamais vimos um voto
discordante. Há uma reunião mensal de obreiros e obreiras com a presença da diretoria da
IPDA. A mesa da diretoria era composta pelo Presidente David Martins de Miranda,
acompanhado pelo Vice-Presidente, Diretor Secretário, Diretor Tesoureiro e o Diretor
Jurídico.46
46 Ata do dia 26 de julho de 1999 foi assinada pelas seguintes pessoas nos respectivos cargos: (grafia conforme a ata): Miss. Davi Miranda – Pres.; Pr. Antônio Ribeiro – Vice-Pres.; Pb. José Marques – Tes.; Pb. Marivaldo Viana – Sec.; Pb Gerson – 2. Tesour.; Pb. Darci Alves; Pb. José Machado – 2 Secret.; Pb. Rosalvo Santana – Fiscal; Pb. José Ferreira – Fiscal No mês seguinte, na ata de 13 de agosto de 1999, assinam os seguintes diretores: Miss. Davi Miranda – Pres; Pr. Antônio Ribeiro – Vice-Pres.; Pb. José Marques – Tes.; Pb. Marivaldo Viana – Sec.; Pb. Gerson – 2 Tesour.; Pb. Darci Messias 2 Secret.; Pb. David O. Miranda – Fiscal; Pb. Rosaldo Santana – Fiscal; Pb. José Ferreira – Fiscal. Notas:
a) Nessa ocasião o filho de DM, David O. Miranda assina junto com o corpo de diretores, na função de fiscal;
b) Exercemos a função de fiscal nos últimos anos nossas atividades na IPDA (final da década de 90). c) Cópias das Atas da IPDA estão anexas em 13 páginas no final desta Dissertação de Mestrado, no
Dossiê “IPDA” 2.
54
Nesse tipo de reunião comparecem, os presbíteros e diáconos, os obreiros e obreiras e
os chamados “Daniéis” e “Anas” (nomes dados a pessoas que oram constantemente). Não há
diaconisas nem presbíteras e muito menos pastoras. A IPDA reconhece, porém, a função de
“evangelistas” tanto para homens como para mulheres. Normalmente as pessoas escolhidas
para essas funções são aquelas carismáticas, cuja conversão foi muito impactante. Entre essas
aparece o “Irmão Valdir, o homem sem língua”, que “consegue falar”. Segundo seu
testemunho, usava drogas e num desses espasmos teve sua língua dobrada e estava sufocado
quando alguém que o socorreu, arrancou sua língua e assim ele não morreu e depois “aceitou
Jesus”, isto é, converteu-se e tornou um evangelista. Também citam com grande freqüência a
“irmã Lorena”, que viaja o mundo todo evangelizando. Essa irmã tem grande carisma e ora
por “divina revelação” em todos os cultos no Brasil e no exterior. Sua principal característica
é que está constantemente naquele estado de tremor dos quakers, isto é, quando ora treme;
fala tremendo, comunica as divinas revelações de doenças e curas, porém, sempre tremendo.
Durante essa reunião mensal da diretoria com os oficiais da igreja são discutidos os
problemas de cada Igreja ou Congregação. Geralmente, são reuniões demoradas, nunca menos
de seis horas de duração. Nelas são comunicadas as decisões da diretoria, apresentadas
eventuais acusações ou é dada a oportunidade à pessoa acusada de se defender diante de toda
a assembléia, normalmente com cerca de 2.500 pessoas. Também são informadas as
suspensões e punições, as ações da justiça contra a IPDA quando o departamento jurídico faz
seu relatório. São informadas as transferências de dirigentes de uma região para outra ou de
uma congregação para outra. São revisados os valores que cada Igreja deve remeter
mensalmente à Sede Mundial, são informados os países e seus responsáveis pela sua
evangelização e outras providências.47
47 A IPDA reconhecia, na década de 80/90 apenas três pastores, cujo número foi aumentando sempre que presbíteros eram enviados ao exterior e depois de um certo tempo voltavam com o título de pastor, que só era mantido no exterior. No Brasil, eram presbíteros ou diáconos ou obreiros; mas, no exterior eram pastores. A nossa função, naquela época era de diácono, porém, nas duas viagens a Londres, a serviço da IPDA, viajamos com uma carteirinha de “pastor” que era devolvida à secretaria da Igreja tão logo do regresso. A partir de 2003 ou 2004, as funções do diácono passaram a ser iguais às do presbítero, notadamente nas periferias ou locais distantes por falta de presbíteros. Alguns membros recentemente entrevistados não souberam definir a diferença atual entre diáconos e presbíteros. Ocorre que na unção de ambos, presbíteros ou diáconos, há imposição de mãos de outros presbíteros já ordenados nessa função, de forma que todos passam a ter autoridade para ministrar atos formais da Igreja.
55
Conclusão
Na busca das origens da Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA) e de David Martins
de Miranda (DM) foi possível apresentar um mapa das raízes do pentecostalismo até sua
chegada ao Brasil, e os desdobramentos posteriores, particularmente os ocorridos nos anos 50
e 60. No estudo das origens de David Miranda foram utilizadas informações extraídas de sua
autobiografia e das pesquisas realizadas nas duas cidades do estado do Paraná, onde DM
viveu até os 21 anos de idade. Foi levantada a certidão comprovando a posse e venda do sítio
da família Miranda no município de Reserva. Também comprovou-se que DM trabalhou na
fábrica de papel da Klabin entre 1953 e 1957, por meio de levantamento de sua ficha de
empregado naquela indústria. Sua atividade num escritório na capital paulista baseia-se
apenas em sua autobiografia e em suas entrevistas registradas nos órgãos de divulgação da
Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (revista Ide e jornal O Testemunho).
A conversão de David Miranda é parte de um processo de adaptação e de reconstrução
de identidade explicado à luz dos conceitos de anomia e de ressignificação com base nos
referenciais teóricos de Pierre Bourdieu, Peter Berger, Lalive D’Epinay, Júlio de Santa Ana,
de Danièle Hervieu-Léger e André Droogers. Conseguimos resgatar informações que
complementaram o que já é conhecido sobre as origens da família Miranda e da Igreja
Pentecostal “Deus é Amor”. Isso foi feito graças às certidões obtidas junto a órgãos oficiais e
através de informações colhidas de pessoas diretamente envolvidas no processo de conversão
dessa família católica ao pentecostalismo.
As características doutrinárias da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” podem indicar sua
origem no pentecostalismo, porém apropriando-se de doutrinas católicas, judaicas e
protestantes. Mas, com seu “Regulamento Interno” a IPDA, de certa forma, isola-se da
sociedade em que está inserida. Por isso, essa denominação acaba se colocando num gradiente
seita-igreja difícil de se definir para qual pólo se inclina; em alguns detalhes, a IPDA tem
características de seita por ser refratária à política, quando abomina os lazeres da sociedade e
inculca regulamentos internos que isolam seus fiéis do ecumenismo e da comunidade cristã.
Estudiosos do tema seita-igreja como Antonio Gouvêa Mendonça, Christian Lalive D’Epinay,
Ernst Troeltsch e Júlio de Santa Ana Henri Desroche e H. Richard Niebuhr, forneceram
subsídios para embasar a conclusão sobre o gradiente seita-igreja em que se coloca a Igreja
Pentecostal “Deus é Amor”.
Dois quadros demonstram os diferentes endereços da IPDA com base na autobiografia
de DM e nas entrevistas que ele tem dado. Porém, está razoavelmente demonstrado por quase
duas dezenas de anexos que o processo de expansão da IPDA está intrinsecamente
56
relacionado com o crescimento patrimonial de DM, daí a afirmação inicial de que a história
da IPDA se confunde com a biografia e trajetória de vida de seu fundador. David Miranda
conseguiu estabelecer um sistema de institucionalização da sua Igreja, com diretoria
constituída, atas de assembléias e circulares. Assim, a estruturação da IPDA parece garantir a
perpetuação de DM no poder como diretor presidente. Não há sinais perceptíveis de que DM
esteja disposto a delegar poder. Talvez venha enfrentando dificuldades para identificar o
provável sucessor, uma vez que carisma, no conceito weberiano, não se transmite e a Igreja
Pentecostal “Deus é Amor” nasceu e cresceu sob a liderança carismática de David Martins de
Miranda. A seguir, estudaremos como DM faz uso de sua liderança para introduzir em sua
denominação os padrões que permitem diferenciar a IPDA de outras igrejas pentecostais.
57
CAPÍTULO 2
Identidade, padrões de crenças, ritos
e processos de comunicação
na Igreja Pentecostal
“Deus é Amor” - IPDA
58
Capítulo 2 – Identidade, padrões de crenças, ritos, e processos de
comunicação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor” - IPDA
Introdução Analisamos no capítulo anterior as origens e a expansão da IPDA, ocasião em que
identificamos suas raízes e as origens de David Martins de Miranda – DM, o fundador dessa
denominação. Vimos que essa Igreja nasceu dos movimentos de curas divinas e mais
diretamente das pregações de missionários americanos em suas tendas. Observamos que as
origens de DM estão impregnadas das doutrinas de um catolicismo rural que ele absorveu em
sua infância e adolescência no sítio da família, no interior do estado do Paraná. Por fim,
notamos que ele soube se apropriar do clima que envolvia a população urbana, especialmente
as levas de trabalhadores rurais que, nas décadas de 50 e 60, começavam a chegar à capital
paulista, resultado do êxodo rural em busca de melhorias de vida. Apontamos sua estratégia
para se valer de seu carisma e dos exemplos de outros grupos pentecostais que se
desenvolveram no mesmo período. A seguir, estudaremos a identidade, os padrões de crenças,
ritos e processos de comunicação da IPDA que dão continuidade a essa base sobre a qual se
estabeleceu a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”.
2.1 – Os padrões de crenças e doutrinas
Os movimentos religiosos, tal como nos aponta Thomas O’Dea (1969: 55), após um
certo tempo entra em um processo de institucionalização. Nesse estágio começam a aparecer
os rituais litúrgicos, os padrões de crenças e doutrinas, bem como regras de comportamento.
Fink e Stark48 escrevem que “numa economia religiosa, onde funcionam vários tipos de fé,
ocorre um alto grau de especialização”. Com isso, os autores querem dizer que a exigência da
especialização força o aparecimento de uma grande diversidade de denominações, cada qual
enfatizando características de seu próprio interesse ou dom. Por exemplo, Casa da Bênção:
local para ser abençoado; Igreja Apostólica Renascer em Cristo: local onde há apóstolos e a
pessoa renasce em Cristo, e assim por diante.
Assim, cada denominação, procurando impor a sua identidade passa, então, a
uniformizar os ensinamentos que serão definidos por regras e normas. Por exemplo: em que
crê a IPDA? Quais são as doutrinas específicas do pentecostalismo clássico com as quais ela
48 Os autores Fink e Stark (1988: 42) tratam sobre “Economias religiosas e dossel sagrado: mobilização religiosa em cidades americanas”, numa tradução livre que fazemos do texto em inglês.
59
compartilha? A IPDA crê que suas características são similares à da Igreja primitiva, porque
prega o Batismo com o Espírito Santo o dom de línguas e as curas divinas, enfatizando os
dons do Espírito Santo. Sua liturgia, porém, dá ênfase no exorcismo e nas “revelações” do
Espírito Santo para indicar e eventualmente curar pessoas enfermas ou possessas entre as que
se acham presentes no culto. Allan Anderson (2004: 13,14) dá seu ponto de vista: “Eu penso
que o termo ‘Pentecostal’ é apropriado para descrever globalmente todos os movimentos e
igrejas que enfatizam as obras dos dons do Espírito [...] porque o pentecostalismo tem sua
ênfase na experiência e espiritualidade mais do que na teologia formal ou doutrina...” Por seu
lado, Donald Dayton sustenta que o pentecostalismo está alicerçado em dois princípios: “1.
Valor pessoal e individual acima do estrutural ou denominacional; 2. Valor da experiência
espiritual acima da articulação teológica. Por aí percebe-se que ambos têm o mesmo ponto de
vista. Mais adiante, Dayton (1991: 12, 13, 24) afirma que:
Os pentecostais falam da recuperação da fé apostólica. Há relação de Wesley com o pentecostalismo na opinião dos que consideram Wesley como o “teólogo do Espírito.” Wesley era Cristocêntrico o que o diferenciava dos desenvolvimentos posteriores que culminaram nos pentecostais. Os “quakers” são contemporâneos de Wesley.
David Miranda enfatiza que a IPDA resgata valores dos tempos apostólicos. Até aqui
Dayton já havia chegado bem antes de DM como vimos acima. As novidades ficam por conta
de DM quando introduz regras e exigências que restringem ou alteram usos e costumes da
própria sociedade em que sua Igreja está inserida. Com referência às regras para se obter a
santidade, o “Regulamento Interno” chega a especificar o número mínimo de jejuns que um
membro deve praticar, ou um mínimo de horas que a pessoa deve cumprir orando no
“Ministério orai sem cessar”, ou o número de dias em que deve cumprir uma campanha na
Igreja, sem faltar um dia sequer. Max Weber, (1982:368) referindo-se às exigências sectárias
do puritanismo, escreveu:
Para o puritanismo, tal conduta era um certo modo de vida, metódico, racional que – dentro de determinadas condições – preparou o caminho para o “espírito” do capitalismo moderno. As recompensas eram atribuídas a quem se “provava” perante Deus, no sentido de alcançar a salvação – que se encontra em todas as seitas puritanas – e “provar-se” frente aos homens no sentido de manter a posição social dentro das seitas puritanas.
60
Na IPDA, a pessoa deve se esforçar para alcançar a salvação.49 Nesse sentido, DM
conserva suas crenças para “alcançar uma graça” trazida do catolicismo.
2.1.1 – O Batismo com o Espírito Santo e a glossolalia
Na história das religiões não é desconhecido o hábito de se usar sons de gonzos e sinos
para criar estados alterados de consciência. Parece-nos que tais técnicas são semelhantes às
praticadas pela IPDA. Pois, quando esta começa a sua liturgia com um hino apropriado e uma
oração exaltada do celebrante, a pessoa é orientada a dizer “glória, glória, glória, glória,
glória”, mantendo, assim, a sua mente livre de qualquer outro pensamento, repetindo “glória,
glória, glória” até que sua língua pareça engrossar e, então, a pessoa comece a falar em
línguas, pronunciando sons inarticulados, principalmente labiais. O que não se entende é que
essa língua “estranha” repita palavras que, via de regra, são ditas pelo orador principal ou pelo
Missionário David Miranda, por exemplo: Surianda, orikanda, alabaia, alabakata,
alabachéia. Essas expressões mudam conforme a congregação e de acordo com o costume
daquele orador habitual que diariamente celebra cultos naquele local. Assim, percebe-se uma
“imitação” da língua que não é mais “estranha”, porém, conhecida, embora sem tradução
inteligível.50 Aqui, invoca-se o mantra Umm...Umm... (Leila Amaral, 2000: 115), que, de certa
forma, leva a coletividade ao êxtase ou ao estado Zen: “...se você estiver inteiro, como um
arqueiro Zen, imbatível em sua plena atenção...você se transforma em Deus...” (Ibidem, p.
50). Nesse ponto, diverge frontalmente da doutrina da IPDA, a qual deixa, ao Espírito Santo,
a tarefa de revelar ao celebrante, aquilo que Deus quer revelar à Igreja.
Saulo de Tarso Cerqueira Baptista, (2007: 85), escrevendo sobre a glossolalia, registra
que ela “é encontrável tanto no pentecostalismo como nos movimentos carismáticos das
igrejas protestantes históricas e na Renovação Carismática Católica. Nesses contextos, os
cânticos são usados para criar o clima emocional intenso que leva os participantes das
reuniões ao êxtase.” Certas pessoas, nesse transe, manifestam-se aos pulos e gritos e tremores
49 O ministério “Buscai ao Senhor” baseado em Is 55.6: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar” considera desviado o membro que se dedica menos de 30 horas mensais a buscar ao Senhor em: “Horários de cultos, vigílias, orações, louvor, visitas, ler a Bíblia, programa, trabalho na obra sem ganhar (reforma da Igreja, construção, cantina, escritório, livraria, procurar programa, salão e qualquer trabalho nba obra de Deus sem ganhar. – sic.” Ainda segundo esse cartão de controle, o membro que se dedica 31 a 45 horas mensais nessas atividades é considerado espiritualmente fraco; 46 a 75 horas: regular; 76 a 120 horas: bom; 121 a 150 horas: excelente. (Dossiê “IPDA”, item 28). 50 No “Regulamento Interno” da IPDA, item F21 consta: “Haverá um culto por semana em todas IPDA’s para buscar o batismo e os dons do Espírito Santo...” Nesses cultos, formam-se filas e membros que têm o dom de línguas se postam na frente do púlpito e vão impondo as mãos nas pessoas que se aproximam. Quando impõem as mãos, vão dizendo: “Batiza, Senhor; batiza, Senhor...” Por seu lado, o membro vai repetindo “glória, glória, glória...” Quando o dom se manifesta, a pessoa é separada num grupo que continua ali orando em línguas por alguns minutos. Quem não recebeu o Espírito Santo retorna aos bancos. Essa parte do culto toma cerca de 15 a 30 minutos.
61
tão acentuados como aqueles que deram origem aos “quacres”, forma aportuguesada de
quakers, termo inglês que significa “os que tremem” ou “tremedores”, usados também pelos
pentecostais que falam em língua estranhas. Participamos de inúmeros cultos quando essas
manifestações ocorrem e certa ocasião, dirigindo um desses cultos, fomos constrangidos a
repreender um jovem que corria em círculos diante do púlpito, com os braços abertos como
avião ou pássaro. Quando os obreiros o seguraram, foi esclarecido a ele o que Paulo escreveu:
“que tudo fosse feito com ordem e decência.”
2.1.2 – A cura divina e a salvação
A cura divina foi característica marcante do movimento de tendas que chegou na
capital paulista no início da década de 50. Com a eclosão desse movimento em São Paulo,
muitas pessoas se converteram, inclusive a família de David Miranda. Ele, porém, converteu-
se um pouco depois, numa das diversas religiões que pregavam a cura divina, tanto que se
celebrizou, em seus próprios dizeres como “o maior pregador de curas divinas da época”. DM
tem afirmado que a maior parte das enfermidades é de origem maligna. Quando o demônio é
expulso, com ele sai a doença. Apenas 5% das doenças têm origem fisiológica. Nesse ponto,
sua teologia se aproxima dos judeus do tempo de Jesus e da visão mais holística de
religiosidades indígenas e orientais, isto é, corpo e espírito estão unidos. A salvação de um
implica na cura do outro. Segundo o evangelho de João, perguntaram a Jesus: “Rabi, quem
pecou, ele ou seus pais para que nascesse cego?” (Jo 9). Para David Miranda, é o demônio
que faz a pessoa pecar e com o pecado vem a enfermidade. A base bíblica para esse
posicionamento de DM vem de Jo 5.14: “Eis que estás curado; não peques mais, para que não
te suceda algo ainda pior” (BJ).51 Leonildo Campos (1982: 102), em seu artigo “O Milagre no
Ar”, aborda a técnica persuasiva utilizada por DM no trato com as questões de doenças e
aflições.
A exploração da idéia de que há um inimigo comum a todos é uma antiga técnica persuasiva, empregada especialmente na propaganda política. DM também emprega o conceito de inimigo através da apresentação do Diabo, inimigo forte, persistente, onipresente e astuto. Sua maior finalidade é desviar o homem da vontade de Deus. Ele se torna para DM o responsável por todas as doenças e aflições. Daí o fato de sua mensagem libertadora ser apenas uma linguagem exorcista. O uso desse símbolo já está presente na religião desde os tempos mais antigos. Ele é o encarregado da oposição à divindade.
51 Bíblia de Jerusalém (2002: 1718): Em nota de rodapé consta: Ref. Mt 9.2 “...as enfermidades eram consideradas conseqüência do pecado cometido pelo doente ou pelos seus pais...”
62
Ora, no conceito pentecostal, coisas ruins, infortúnios, doenças, praticamente tudo isso
está ligado ao pecado cujo resultado é a doença. Esse posicionamento não deixa de ser uma
influência do judaísmo no cristianismo, que se alojou profundamente na teologia pentecostal.
Então, como se dá a cura? Nas igrejas pentecostais, partindo-se de uma interpretação
discutível dos profetas do Antigo Testamento (Is 53) afirmam que Jesus, (o Messias) morreu e
levou sobre si a doença. Logo, ao aceitá-lo afastam-se a doença e o pecado. Mas, na teologia
de DM, o pecado vem com o diabo e ao expulsá-lo, expulsa-se também a doença, o infortúnio
e tudo o mais que atribula o ser humano. Por essa razão é que a IPDA reserva boa parte do seu
culto para a cura divina que se dá de várias formas:
Revelação divina: A pessoa que ora por “revelação divina” por exemplo, diz: “O Espírito de
Deus que não se engana está me revelando que alguém nesta fila de bancos está com câncer.
Levante sua mão!” Entre algumas mãos levantadas, o pastor ou quem quer que esteja orando
por revelação indica aquela mão que Deus mostrou. Então a pessoa vai até ao púlpito e fica
aguardando o final das “chamadas por revelação”. A essa se juntam outras que vão sendo
reveladas.
Exorcismo: Da mesma forma, a pessoa que está orando diz: Alguém aqui entre nós, na fila de
bancos da esquerda está sofrendo muitas lutas. É o “Exu Caveira” (pode dizer, também, que é
o “Tranca Rua”, outra divindade do mal) que está na sua vida. Vamos orar, Igreja para que
esse demônio caia por terra. Em seguida começa toda a Igreja a clamar em alta voz: “Queima
ele, Jesus”. O clamor se sucede até que alguma pessoa caia endemoninhada, é segura por
obreiros, se for homem, e por obreiras, se for mulher. Em seguida, é levada à frente para ser
exorcizada. É interessante notar a participação da Igreja. Sob a voz de comando do celebrante
a Igreja toda levanta as mãos em direção à pessoa endemoninhada, gritando: “Sai diabo”, “Sai
capeta”, e assim por diante. Quando o pastor decide entrevistar o demônio, pessoas curiosas
correm à frente (até mesmo crianças) para ver de perto as feições da pessoa endemoninhada
até que seja liberta: a pessoa solta grunhidos, retorce mãos ou pés, fica transtornada. Com a
provável libertação, vem a provável cura, a solução do problema. Quando a pessoa fica curada
ou liberta (Gerstenberger, 2007: 89)52 e quer contar a bênção, no final do culto, o seu
testemunho será gravado e, posteriormente, divulgado pela extensa rede de rádio da IPDA.
Copo de água sobre o rádio: Quando David Miranda está orando por cura divina, a pessoa
coloca um copo de água sobre o rádio e após a oração, a pessoa toma a água para se curar.
52 “Mas é possível que, no caso de terceiros serem responsáveis pela desgraça, o atingido tenha outro distanciamento em relação ao sofrimento. As más influências exteriores que lhe amarguraram a vida são, de fato, ‘obras do diabo’, da qual é preciso desvencilhar-se e que precisa ser expulsa.”
63
Disco de oração de DM: O disco de oração é colocado sobre o local enfermo ou é tocado em
casa e a pessoa se cura ouvindo a oração ou coloca o copo com água ao lado do toca-disco
para beber depois de ouvir a oração do disco.
Garrafa ou frascos com água sobre o púlpito: No final do culto, as vasilhas com água são
levadas para casas para passar sobre as enfermidades das pessoas que não puderam ir ao culto,
as quais podem também tomar daquela água.
Unção com óleo: A pessoa pede que o pastor faça a unção com óleo sobre peças de roupa para
a pessoa vestir e se curar, ou faça unção com óleo sobre a carteira de trabalho para que Deus
abra a porta do emprego à pessoa desempregada.
Envelope de voto de ofertas que foi ungido no culto: Tem havido casos de testemunho de
pessoas que colocaram o envelope ungido debaixo da cabeça de defunto na mesa do
necrotério e a pessoa reviveu! (Havia uma pessoa vinda do estado do Pará que contava esse
testemunho). Há também outros exemplos de crentes da IPDA que ousaram colocar o
envelope ungido sobre o defunto no caixão para a pessoa ressuscitar, mas nada aconteceu.
Durante os anos que freqüentamos a IPDA tomamos conhecimento de todas essas
formas de cura, além daquela cura normal que acontece quando uma enorme fila se forma
após o culto e os obreiros e obreiras, inclusive o pastor ora por imposição de mãos, ocasião
em que acontece de tudo: pessoas caem endemoninhadas, pessoas se curam e para muitas
nada acontece, a não ser a certeza de sua fé que saem da Igreja protegidas contra tantas coisas
que podem acontecer em suas vidas.
Mistério da cura. Finalmente, vem uma instrução sobre o mistério da cura. Essa orientação foi
dada numa certa ocasião por DM numa reunião de obreiros: “sabemos que muitas pessoas
doentes acabam se curando; assim, se você ora por um grupo de pessoas enfermas, a maior
parte ficará curada a você começa a ficar conhecido como um “pregador de curas divinas”. As
exceções ficam por conta dos verdadeiros milagres que podem acontecer quando uma pessoa
com doença terminal acaba por se curar: na opinião de DM, a pessoa se cura pela fé de quem
está orando, pela fé da pessoa que recebe a oração ou pela misericórdia de Deus.
A doença pode ser estudada sob um outro enfoque, na visão de Erhard S.
Gerstenberger e Wolfgand Schrage53 (2007: 125) para quem há que se considerar a questão
psíquica, não apenas os planos individual, social e espiritual. “Evidencia-se aqui, uma vez
mais, o aspecto integral do sofrimento, em especial sua relação com fatos psíquicos e
religiosos (cf. Mc 2.1ss com v.5), sem que se defina a natureza da doença, o que, aliás, até
53 Os autores abordam a questão do sofrimento na perspectiva bíblica.
64
hoje não foi possível.” Contudo, os autores estão considerando outros fatores: “A doença, no
entanto, não tem apenas a faceta biológica e somática, mas também efeitos sociais e
religiosos” (ibidem, p. 126). Sua origem, na concepção judaica, segundo esses autores (p. 33)
está no mal e no pecado, que não passa de uma transgressão de mandamentos:
Ao contrário de muitos teóricos de nossos dias, porém, o indivíduo do AT não estava disposto a localizar o mal de forma inequívoca e definitiva. Ele pode estar aninhado no próprio indivíduo. Este talvez tenha melindrado, de modo consciente ou não, por medo ou petulância, um poder na imensa ‘economia’ universal ou transgredido uma norma de comportamento.
Mais adiante Gerstenberger e Schrage (p.85) vão explicar esse conceito quando
escrevem sobre a desgraça ou o sofrimento: “Ele vive numa estrutura legal não fixada por
escrito cujas regras não transgredirá impunemente. A desgraça pode muito bem ser um
lembrete de alguma falta ou descuido.” Saindo das raízes do pensamento cristão sobre o
pecado, profundamente arraigadas na sua matriz, o judaísmo, e chegando aos nossos tempos,
podemos apreciar as considerações feitas por José Comblin (1996: 38) quando analisa a
atuação do atual pregador de curas divinas e de libertação.
Sabe manipular os sentimentos de angústia, de desamparo ou de pecado dos ouvintes. Ou persegue-os nos lugares em que a angústia é maior: hospitais, prisões... Penetra nas pessoas pelo lado de sua maior fraqueza. Mostra-lhes que não há salvação fora da adesão ao seu grupo. Em tal situação não há diálogo possível. A pessoa perde as suas faculdades críticas e se entrega a quem sabe manipular melhor as suas falhas de personalidade. [...] Outros oferecem bens materiais ou espirituais, sobretudo a saúde, a cura das doenças, ou então a paz interior, a tranqüilidade, uma experiência de reconciliação com a vida.
Ainda de acordo com José Comblin, essas pessoas que manipulam os sentimentos dos
oprimidos operam sob denominações carismáticas que atuam essencialmente nas cidades,
uma vez que no campo as pessoas preferem continuar na sua religião de origem e “morrer
nela”. Para Comblin (1996: 40)
As Igrejas carismáticas dirigem-se à sensibilidade, despertam emoções, permitem a todos que se expressem e manifestem suas necessidades psicológicas pessoais, suas angústias, seus temores e suas aspirações. Oferecem uma resposta a uma população que vive diariamente o fato da doença. Oferecem uma resposta a um povo que vive assustado pela violência, angustiado pelas brigas, pelos gritos, pela falta de comunicação. Oferecem a saúde.
David Miranda é recorrente em seu discurso quando diz que a IPDA resgata
características da Igreja primitiva. Por seu lado, DM parece encontrar dificuldade na divisão
65
dos bens amealhados na comunidade de seus fiéis. Ananias e Safira,54 apesar de entregarem a
metade de seus bens para dividir, mesmo assim pagaram com a vida pela tentativa de burlar
os fiéis da Igreja primitiva. Na verdade, na IPDA “nada é comum a todos”, conforme o livro
de Atos dos Apóstolos. A razão dessa afirmativa é a existência do enorme patrimônio que esta
Igreja amealhou nas últimas décadas de sua de existência. Seu patrimônio hoje é dividido
entre a IPDA como instituição e a família Miranda, conforme demonstraremos mais adiante
num levantamento parcial feito em cartórios de registros de imóveis da capital paulista. Nesse
caso, parece que o objetivo principal da IPDA foi desvirtuado ao longo de sua trajetória ou
está se alternando entre amealhar almas para o Reino de Deus e amealhar imóveis e outros
bens para a família Miranda.
Voltando à questão da Igreja primitiva, Donald Dayton (1977: 115-116) afirma que
Não podemos resolver aqui muitas questões complicadas sobre como entender a validade permanente da motivação da cura na tradição cristã. No pentecostalismo, porém, essas questões podem ser respondidas, entendidas em si mesma como a restauração da identidade perdida da Igreja primitiva. [...] Há alguma sugestão de que Lutero mudou de opinião no fim de sua vida, quando houve o incidente da cura de Philip Melanchton depois das orações do próprio Lutero. [...] também Wesley, foi profundamente influenciado pelo puritanismo, mas também estava em tensão com ele. Por outro lado, através de seus pais Wesley era um produto da alta tradição da escola anglicana com tendência a preservar a doutrina de milagres.
Dayton também afirma que “o realismo bíblico do pietismo e a orientação pastoral
combinada com a crença na continuação dos milagres, produziram a doutrina da cura através
da oração e da fé”. (Ibidem, p. 119). O ser humano está sujeito a muitos tipos de manipulação,
especialmente a pessoa das classes D e E, as quais vivem desassistidas e carentes de todo o
tipo de apoio, a começar por educação, saúde, segurança, emprego, lazer e, acima de tudo,
inclusão social. Como vimos até aqui, a doença e a salvação estão implícitas no mesmo
contexto de libertação. Salvar, na teologia pentecostal moderna, quer dizer tirar a pessoa do
anonimato, providenciar sua inclusão num grupo, animar essa pessoa fiel a continuar na
esperança da prosperidade, dar solução a todos os seus problemas. Nesse processo estão
envolvidas muitas questões que merecem profundo estudo; inclusive a problemática que trata
da questão do transe e da possessão demoníaca, tema do próximo item deste capítulo.
54 Personagens da Igreja dos primórdios que sonegaram ofertas e foram reprimidos por Deus (At 5.1-25).
66
2.1.3 – O transe, a possessão demoníaca
Paula Montero e Ronaldo de Almeida55 em Trânsito Religioso no Brasil. (p. 14)
apresentam o sincretismo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), (embora
neopentecostal), num contexto bastante similar ao da IPDA, por envolver a glossolalia, o
exorcismo, o diabo e o transe.
No cenário atual, pode-se entender a neopentecostal Igreja Universal, fundada em 1977, como resultante da interação, tanto simbólica quanto numericamente, dos universos evangélico e umbandista. A Igreja Universal construiu uma religiosidade que condenou – e ao mesmo tempo validou - os conteúdos de outras religiões, contudo, paradoxalmente, incorporou as formas de apresentação e certos mecanismos de funcionamento de um prática encontrada particularmente na umbanda. Ela ficou mais parecida com a religiosidade inimiga ao elaborar um sincretismo às avessas que associou as entidades da umbanda e orixás do candomblé ao pólo negativo do cristianismo: o diabo. Se originalmente os universos foram formados em contextos diferentes, a interação (produto do trânsito de pessoas e idéias) gerou uma religiosidade que mistura exus com glossolalia, exorcismo com transe; de tal maneira que se estabeleceu uma continuidade pela qual as entidades puderam transitar e esses universos puderam, pelo transe, se comunicar.
O transe nas cerimônias religiosas é um tema estudado há séculos. Os psicólogos se
preocupam com esse assunto, mas é impossível desvincular da religião esse fenômeno que
leva a pessoa a um estado crítico. Para alguns se trata de um fenômeno transcendental,
enquanto para outros é possessão demoníaca. Paula Montero,56 em Religião, pluralismo e
esfera pública no Brasil resume com bastante propriedade o que acontece quando se confunde
o espiritismo, o transe e a possessão demoníaca.
O modo de conceber o transe operou portanto a partir de duas matrizes: a científica e a religiosa. Na chave da ciência, se o transe espírita podia ser concebido como fenômeno universal da mente humana — o hipnotismo — operado por mãos incompetentes, incorrendo no crime de exercício ilegal da medicina (charlatanismo), a “possessão” era da ordem das patologias raciais, podendo levar à degeneração e ao crime. Na chave da religião, se o espiritismo pôde ser aceito como crença foi porque ao atender pobres e doentes não evidenciava intenção de dolo. Já as práticas de negros, uma vez centradas em possessão, batuques e danças “diabólicos”, não podiam ser percebidas como ritos religiosos, derivando, pois, para a categoria inversa, a magia, voltada para o mal e francamente ameaçadora.
Há um outro enfoque sobre o êxtase (transe). Algumas denominações consideram o
êxtase apenas como manifestação divina. Mas, a IPDA entende que uma pessoa em transe
está endemoninhada e precisa ser exorcizada para que o “diabo saia do corpo”. Cheryl J.
Sanders, ( 1996: 59) afirma que “o que separa as igrejas de santidade é que a possessão na
Santidade é apenas do Espírito Santo no êxtase. Nas demais, são possessões de divindades da 55http://64.233.169.132/search?q=cache:E6DdbcaittkJ:www.centrodametropole.org.br/pdf/ronaldo_almeida2.pdf+paula+montero&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br Acessado em 17/11/2008. 56 http://www.scielo.br/pdf/nec/n74/29639.pdf - Acessado em 17/11/2008.
67
macumba cubana, do vudu africano e do candomblé brasileiro.” Durkheim (2001: 498) assim
explica a função do diabo no cristianismo: “o próprio cristianismo, por mais alta que seja a
idéia de divindade que tem, foi obrigado a conceder lugar, na sua mitologia, ao espírito do
mal. Satã é uma peça essencial do sistema cristão.” Na maioria das Igrejas e congregações da
IPDA, os cultos de sexta-feira são cultos de libertação. O exorcismo é um procedimento ritual
para expulsar “o diabo do corpo” da pessoa possessa; é o centro das atenções. Muitas
congregações e igrejas locais da IPDA colocam faixas para chamar atenção do público para o
culto de libertação. O que se oferece é a libertação da pessoa dos seus problemas familiares,
com bebidas, desemprego, brigas, drogas, cigarro, etc. Há, também, a “divina revelação” que
mostra a pessoa endemoninhada ou a ser curada. Campos (1996: 283) estudou a possessão e a
cura divina na IURD, uma denominação que pratica o exorcismo numa linha similar à da
IPDA.57
Todavia, apesar de tudo o que foi afirmado, o próprio Edir Macedo (1995:53ss) recomenda cuidado ao se lidar com casos “aparentes” de possessão, segundo ele, perfeitamente estudados com muito sucesso pela psicologia e psicanálise. Antes de iniciar o exorcismo, o mesmo texto recomenda indagar de conhecidos ou familiares se a pessoa “freqüenta ou freqüentou centros espíritas, se é epiléptica ou se tem problemas mentais, etc. Isso nos ajuda a fazer a abordagem.” A seguir, o texto enumera os sinais característicos de uma possessão, entre elas: “falar na terceira pessoa”, “assumir outra personalidade” e “apresentar posturas próprias de endemoninhado”. Para evitar problemas posteriores tem havido, ultimamente, um maior cuidado em não se dispensar ajuda médica para casos mais graves. Macedo então concluiu: “Em situações nas quais o estado da pessoa é grave (crises agudas, transes longos, debilitação, etc.) o recomendável é procurar imediatamente o atendimento médico.”
Esse tema foi estudado por Antonio Gouvêa de Mendonça (2008: 128-129), ligando-o
também à glossolalia. Este autor escreve que “nas religiões ou práticas religiosas em que o
êxtase é valorizado, a passagem do estado de consciência para o estado extático pode ser
conseguida por meio de técnicas ou drogas”. Mais adiante, Mendonça afirma:
O êxtase é um estado de consciência considerado ideal para romper as barreiras que impedem ou dificultam a comunhão com o sagrado. Caracteriza-se pela ruptura maior ou menor dos laços que ligam os indivíduos à realidade. Ele pode ir de um intenso estado emocional, às vezes assinalado por tremores, voz embargada ou inarticulada, choro, desbloqueio das censuras naturais, até estados de total inconsciência. Nas religiões em que se buscam o êxtase é freqüente o surgimento da glossolalia que, em muitos casos, é instrumento de profecias (revelações).
57 A IPDA, na década de 90, inaugurou um salão na Av. São João, no centro da capital paulista, com o nome de “Pronto socorro de Jesus”.
68
De acordo com tudo o que vimos sobre a alteração do estado de consciência e as
diversas opiniões de autores sempre comparadas com os ensinos da IPDA, parece-nos que o
pentecostalismo ao qual se alinha essa Igreja, está mais conforme com a possessão maligna, a
incorporação de um espírito mau, para não dizer do diabo ou do demônio no corpo para
caracterizar a expressão “a pessoa caiu endemoninhada”. Veremos, a seguir, o antídoto para
qualquer pessoa que na IPDA queira se proteger desse inimigo invisível, sem o qual muitos
pregadores do pentecostalismo perderiam o centro de sua pregação. Na verdade, num desses
cultos, ouve-se muito mais sobre demônios do que sobre Jesus.
2.1.4 – A busca da santidade na ética da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”
A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” constantemente prega que sua doutrina de
santificação é total, envolvendo espírito, alma e corpo, baseada principalmente na carta
paulina aos tessalonissenses.58 Dentro dessa tricotomia que supera o platonismo na máxima de
sua dualidade: “o corpo é a prisão da alma”, David Miranda instituiu, juntamente com sua
equipe de membros que o apóia teologicamente, nada menos do que 29 itens que procuram
disciplinar a vida da Igreja, desde assistir televisão item P1 até o item P29 que tem 6 sub-
itens: uso de camisetas, saias, tênis, assobiar, fotos e brincadeiras de amigos secretos. Nota-se
que na teologia de DM, a santificação começa por preceitos que regulam o comportamento da
pessoa. Assim, parte-se do princípio de Juvenal “mente sã num corpo são”.59 Até ai, entende-
se que o corpo sadio sustentará a mente (alma) sadia. O maior problema na teologia
“mirandiana” é a explicação entre alma e espírito. A alma é a vida da pessoa, sua atuação na
vida social. A pessoa deve ser correta, honesta, trabalhadora, prudente, pacífica e, assim por
diante, durante toda a sua vida, enquanto a alma está nele. Nesse sentido, a alma é a vida.
A questão espiritual é enfocada na vivência da pessoa com sua religiosidade.
Constância nas orações, nas vigílias, nos jejuns, nos cultos, na evangelização, na leitura
bíblica, enfim, na sua relação com o sagrado. Nesse sentido, a IPDA institui regras de controle
na “Credencial de Membro”, que vão desde carimbos de freqüência nos cultos de Santa Ceia,
Doutrina e Confraternizações nas sedes, até marcações de quantidades de jejuns que a pessoa
pratica por mês. Mas, a “Credencial de Membro” não reproduz a totalidade dos itens do
“Regulamento Interno” RI. DM dá mais ênfase ao seu método de instituir regras para cada
58 O texto básico é 1a. Ts 5.23, na versão ARC (Almeida Revista e Corrigida): “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Exemplo: itens P16, P17, P28 e P29 do “Regulamento Interno”). 59 Mens sana in corpore sano (mente sadia em corpo sadio). Décimo Júnio Juvenal, poeta satírico latino nascido entre 50 e 60 da era cristã e morto por volta do ano 127.
69
coisa que considera importante para sua doutrina, partindo do pressuposto de que a partir das
vestimentas, do cabelo, da barba, dos sapatos, da gravata, dos cintos e de tantas outras
exigências, a pessoa está caminhando para a sua própria santificação, “Sem a qual ninguém
verá a Deus” (Hb 12.14).60 Em seu comentário sobre os metodistas, Mendonça (1984: 50)
explica que “a certeza da conversão se dava pela capacidade de renúncia aos prazeres sociais:
jogo de cartas, jogos de azar, dança, freqüência a teatros e assim por diante. A moralidade
metodista irá exercer grande influência nas concepções protestantes na América e nas suas
áreas de missão”.
Não são apenas as regras de santificação que regem a IPDA, mas uma série de outros
preceitos que complementam o que está escrito nas páginas da “Credencial de Membro” e no
RI. As Atas de Assembléias e circulares da IPDA, vez por outra, acrescentam mais exigências
como veremos a seguir quando trataremos dos ritos e interpretação da Bíblia.
2.2 – Ritos e interpretação da Bíblia
Seitas ou religiões, por mais primitivas ou modernas que sejam necessitam de seus
ritos para se apresentar diante do sagrado. Francisco Cartaxo Rolim (1985: 232) comenta que
“No plano religioso: tanto mais socialmente baixas são as camadas sociais presentes às
orações coletivas, mais estas se revestem de comportamentos um tanto selvagens e
desordenados que transparecem nas vozes, que mais parecem gritos, e nos gestos, livremente
descomedidos.” É nesse contexto que cada organização religiosa tipo “igreja” procura colocar
ordem especialmente no culto público ou liturgia. Essa ordem cúltica se manifesta nos ritos
que serão descritos a seguir.
2.2.1 – O batismo na IPDA
A exemplo de quase todas denominações evangélicas, a Igreja Pentecostal “Deus é
Amor” não aceita o batismo da Igreja Católica. Seus novos convertidos, depois de um período
de ensinamento na nova doutrina são batizados por imersão em águas correntes em nome da
Trindade.61 Como a IPDA não se comunica com outras denominações, tampouco aceita cartas
de transferência de membros. Aceita, porém, fiéis de outras denominações que trazem uma
60 David Miranda elabora seus conceitos sob influências de duas vertentes: a) pregação da Cruzada Nacional de Evangelização (Igreja do Evangelho Quadrangular); b) Assembléia de Deus. Vide anexo 2: Mapa genealógico da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” no final desta Dissertação de Mestrado. 61 Na p.18, item A6 da “Credencial de Membro” consta: “Pessoas que foram batizadas em tanques ou em mar, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e totalmente libertas, ficará na consciência de cada uma se aceitarão ou não esse batismo. Se foram batizadas somente em nome de Jesus, terão que se batizar novamente. Rm 5.1; 14.22; Ef 4.4-6; Hb 6.1-3; 11.1; Mt 28.19.”
70
doutrina parecida e que já foram batizados por imersão e que acham que seu batismo foi
válido. Na década de 90, um senhor se converteu na Igreja da IPDA que dirigíamos em
Biritiba Mirim, SP. Ele dizia que tinha sido batizado por imersão, mas não aceitava seu
batismo porque foi batizado por um pastor que era “amancebado” segundo sua expressão.
Pela sua insistência, nós o batizamos novamente. Mas, se foram batizados ainda fumando,
bebendo, jogando ou assistindo televisão ou outro vício qualquer condenado pelo RI,
precisam ser batizados novamente. A pessoa que foi batizada por imersão quando já estava
liberta e que não praticou nada que o RI condene, poderá ser aceita, todavia, se fizer questão
de ser batizada, batiza-se novamente. Dessa forma, o rebatismo é freqüente na IPDA.
A forma da IPDA celebrar o batismo não segue os hábitos das igrejas evangélicas que
batizam em tanques batismais ou em piscinas. A IPDA só batiza em águas correntes e por
imersão. Para ser batizado na IPDA, o membro precisa estar “liberto”. O conceito de
“liberto”, quer dizer que a pessoa não cai endemoninhada nos cultos de exorcismo62 ou em
outros cultos, não fuma, não bebe, não joga, não contraria nenhum dos preceitos do RI. O
homem, mesmo liberto de todo impedimento acima descrito, só pode ser batizado após
completar 18 anos de idade, se estiver quite com o Exército brasileiro. Isto para que não haja
conflito de autoridade, porque a IPDA proíbe que a pessoa use armas em quaisquer funções: a
serviço do exército, polícia ou na guarda armada. Se for batizado antes do serviço militar e,
sendo membro da IPDA, terá conflito com as ordens militares de portar e utilizar armas. A
Igreja Pentecostal “Deus é Amor” costuma realizar quatro batismos por ano.
Nas congregações locais ou na própria Sede Mundial há uma listagem das pessoas que
se convertem e que querem se batizar. Essa lista fica constantemente sobre o púlpito e em
todo culto o dirigente deve pedir que a Igreja se ponha de pé e ore em favor dos que vão se
batizar. Os responsáveis por essa lista devem acompanhar as pessoas e chamá-las à frente em
todos os cultos para que se sintam acolhidas e animadas para o dia do batismo. Nessa ocasião,
as pessoas confirmam que já deixaram de fumar, de beber, de jogar e de fazer “tudo aquilo
que não agrada a Deus”. Devem, ainda, desfazer-se do aparelho de televisão e confirmar que
estão assistindo os cultos de doutrina para conhecer o “Regulamento Interno” da Igreja.
Os responsáveis também pedem aos casados que tragam a certidão de casamento para
ser conferida. O casal que vive junto e não se casou, é convidado a regularizar sua situação
62 As pessoas que sofrem ataque epiléptico, para que não se confundam com endemoninhadas, devem providenciar um atestado médico comprovando a doença: “Regulamento Interno”, item B12, p. 13: “Pessoas endemoninhadas, somente poderão ser batizadas, quando estiverem libertas completamente, e pessoas que sofrem ataques epilépticos, poderão ser batizadas se comprovarem a doença com atestados médicos.” (Mt 17.14-15; Jo 8.32-36; Mc 9.17-18; II Co 12.7-10)
71
perante a Lei. Nós chegamos em certas ocasiões a pagar as custas de Cartório a fim de
regularizar a situação dessas pessoas para poderem se batizar. O RI contém 17 exigências
diferentes para a questão do batismo. Nem todas pessoas que dão seus nomes se batizam,
porque muitas não se libertam de seus vícios e de outros impedimentos de ordem particular.
No ano de 1989, quando nos batizamos por imersão na represa do Guarapiranga, a lista
beirava quatro mil pessoas. Todavia, no dia do batismo, apresentaram-se pouco mais de 2.500
pessoas.
No dia do batismo, as pessoas devem estar em jejum, levar um avental branco ou usar
o avental que a Igreja fornece no local. Devem separar uma toalha, uma muda de roupa
adicional, incluindo um par de sapatos ou de sandálias. A Igreja disponibiliza local adequado
para as pessoas se trocarem e se colocarem em filas, as mulheres separadas dos homens. Os
presbíteros entram na água até a altura da cintura e dão-se as mãos em oração após a pregação
do responsável pelo culto do batismo. Em seguida, as pessoas começam a se movimentar. No
dia do nosso batismo, havia cerca de 50 presbíteros na água, cada qual recebia o candidato,
perguntava se estava liberto de vícios, como jogo, bebida, cigarro, se não tinha televisão em
casa e outras perguntas do gênero. Em seguida, pedia para a pessoa fechar bem as narinas,
mergulhava-a proclamando a conhecida frase do batismo em nome da Trindade. A pessoa,
uma vez saída da água, trocava-se e estava terminada a cerimônia.
No período em que freqüentamos a IPDA (11 anos), não tomamos conhecimento de
acidentes que tivessem ocorrido na cerimônia de batismo nas águas correntes. Na década de
90, fizemos o batismo de uma jovem menor de 18 anos que ia casar naquela semana, no
cartório civil e na IPDA. O local escolhido foi uma curva do Rio Tietê, entre Mogi das Cruzes
e Biritiba Mirim. Como a correnteza era forte, escolhemos um lugar menos perigoso. O
presbítero, após ler um texto bíblico e pregar por alguns minutos, desceu o barranco, firmou-
se bem com água pela cintura, após o que descemos a jovem com cuidado. O presbítero
segurou-a pelas mãos, perguntou se estava liberta completamente, pronunciou que a batizava
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e a seguir mergulhou-a completamente no rio.
Com isso, os perigos foram afastados.
David Oliveira de Miranda, filho de David Miranda, contou que, quando jovem, ainda
desviado, fazia questão de passar com uma lancha veloz próximo do local onde seu pai estava
batizando, só para provocar a ira do pai e dos presbíteros. Esse rapaz, depois de casado,
tornou-se pastor e prega nos cultos da IPDA. Devido à sua inconstância na doutrina e a alguns
desvios de comportamento, seu nome não consta da Ata que elegeu a atual diretoria para 2008
72
e 2009. Porém, seu nome e o nome de Daniel, seu irmão mais novo, continuam na agenda do
site da IPDA no quadro de pregadores.
Finalmente vale dizer que cada dirigente costumava ter uma agenda na qual anotava as
pessoas que aceitavam Jesus em seus cultos e das pessoas que seriam levadas a batismo, num
controle pessoal da evolução dos membros do templo sob sua responsabilidade. Aliás, no
relatório que o fiscal fazia habitualmente e, como fiscal, algumas vezes preenchemos esses
relatórios, que traziam um campo no qual se anotava o número de membros do ano anterior e
do ano atual. O dirigente cujo rebanho diminuía corria o risco de ser trocado sem maior aviso.
2.2.2 – O casamento na IPDA
Quando dirigíamos a Sede Nacional da Rua Conde de Sarzedas 185, no centro da
capital paulista, todos os casamentos de membros da Sede Mundial da Avenida do Estado
4568 eram realizados na Rua Conde de Sarzedas. A Igreja era ornamentada nas formas
tradicionais. Se o casal tinha posses, o templo era ricamente embelezado. Quando se tratava
de pessoas humildes, mesmo assim havia ornamentação. O “Regulamento Interno” da Igreja
impedia muitas liberdades que aconteciam nas igrejas do protestantismo histórico e na Igreja
Católica. Não só a noiva, mas também as testemunhas mulheres, tinham de vir vestidas
recatadamente. No casamento religioso, só se aceitam testemunhas que sejam membros da
IPDA. O RI contém uma extensa lista de preceitos, totalizando 27 recomendações. Dentre
essas, destacamos: O menor de 18 anos pode casar desde que permitido pela justiça e pelos
pais. Nessas condições, primeiro se faz o batismo (na semana do casamento) e depois se
realiza o casamento.
Em 2007 assistimos uma cerimônia de casamento durante a qual o celebrante disse
que aquele documento (Certidão de Casamento) “é documento humano que não tem valor,
porque o divórcio é aprovado pelo governo. O que vale mesmo é o casamento diante de Deus,
que é indissolúvel”. Todavia, só se pode celebrar o casamento quando o casal exibe a
competente Certidão do Cartório. O seja, o documento legal não tem valor, mas sem ele não
tem casamento religioso. O RI estabelece regras específicas desde o namoro na letra C-1 até a
letra C-27. Por exemplo: uma pessoa com 18 anos de idade só pode casar com outra que tenha
no máximo até 36 anos de idade (letra C3); é proibido ir a casamento na Igreja Católica (letra
C27).
Na década de 90, dirigindo a Igreja de Biritiba Mirim, SP, um membro da IPDA
queria casar com uma mulher de outra denominação. Conversamos com ambos e explicamos
que a IPDA não aprovava aquele casamento e que a mulher deveria vir para a IPDA onde seu
73
futuro marido estava congregando. Passadas algumas semanas, a mulher veio dizer que
aceitava as nossas condições e passou a congregar junto com seu noivo cujo casamento foi
celebrado alguns meses depois. A IPDA não permite namoro prolongado, nem namoro
escandaloso. O item C4, intitulado “aparência do mal”, diz que o jovem não pode dormir na
casa da namorada. Se for forçado a dormir naquela região, deve dormir na Igreja mais
próxima da casa da namorada. O namoro não pode ultrapassar das 22 horas. Os namorados ou
noivos que desobedecem essas e outras recomendações ficarão suspensos da comunhão da
Igreja até casarem no Cartório e a Igreja não fará a invocação de bênçãos.
Há uma exceção curiosa no item C15 que trata de casamento de desquitados ou
divorciados da comunhão na Igreja “em outros países onde a lei é diferente: consultar a
Diretoria.” O uso de aliança é obrigatório, com exceção para quem tem doenças nos dedos.
Tivemos um caso de obreiro que não usava aliança, porque tinha perdido a sua. Nesse caso,
foi-lhe recomendado que comprasse uma bijuteria em forma de aliança até que tivesse
condição de ter outra de ouro. Na questão do namoro, noivado e casamento, nota-se uma
grande preocupação da IPDA em manter essas etapas sob rigoroso controle, punindo todo e
qualquer tipo de desvio que tolhe a liberdade das pessoas. O objetivo é manter coesa a família
e os membros da Igreja, impedindo o contato com outras denominações, especialmente no
casamento. Há outras práticas na IPDA que assumem uma função quase sacramental. Entre
elas, estão a unção com óleo e o cuidado com a barba e bigodes.
2.2.3 – A unção com óleo e a barba
A IPDA costuma ungir os fiéis de forma generalizada, não apenas os enfermos.
Porém, só presbíteros e pastores podem ungir as pessoas. Ungem também objetos como
carteira profissional e votos para que Deus dê a vitória à pessoa, na forma de um emprego ou
resolvendo o problema pelo qual fez aquele voto e pediu a unção da Igreja. A passagem
bíblica mencionada no “Regulamento Interno”, item F27 estabelece que “presbíteros poderão
ungir quantas vezes quizerem (sic)”; depende da fé do obreiro. A unção deve ser feita na testa,
e não na enfermidade, todas as IPDAS (sic) poderão fazer campanhas de unção, Sl 23.5 – Mc
6.12-13; Tg 5.14-16”.
Cabem algumas observações: A primeira observação: O “Regulamento Interno” em
seu item P15 proíbe o uso da barba: “Irmãos usarem cabelos crescidos, ou seja começando a
cobrir as orelhas, e também usar costeletas, perucas, barbas e bigodes. É proibido...”. A
segunda observação: A unção com óleo, tão freqüente nos cultos da IPDA, deixa de lado o
Salmo 133.2: “É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de
74
Aarão, e que desce à orla dos seus vestidos.” (ARC). Segue o texto em outra versão: “É como
óleo fino sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre a gola de
suas vestes.” (BJ). Resta a pergunta: Por que o RI deixa de mencionar o Sl 133.2? Será pelo
interdito da barba na IPDA? E como fica a unção sobre a barba de Aarão? Por que Aarão
podia ter barba e um membro da IPDA não pode igualmente ter barba? IPDA em sua defesa
poderia citar o livro de Êxodo, no capítulo 30, versículos 25 a 30 que prescrevem a unção de
forma geral: tenda, arca, mesa, candelabro e outros acessórios.
Mas a Bíblia esclarece que aquela unção especial seria para as coisas do templo e para
Aarão e seus filhos, porque o versículo 32 diz: “Não será derramado sobre o corpo de nenhum
homem...”. Percebe-se que a unção seria para santificação conforme versículo 29:
“Consagrará essas coisas e serão muito santas; quem as tocar ficará santificado” (BJ). Porém,
não se pode afirmar que toda doutrina da IPDA esteja enquadrada biblicamente quando aceita
a unção e a aplica em objetos como no Antigo Testamento, no livro de Êxodo, capítulo 30. A
Bíblia contém várias passagens nas quais reis são ungidos, como a unção de Saul e de Davi
por Samuel e todos eles usavam barbas longas! Mais tarde, com o passar dos séculos, a unção
com óleo passou a ter outras conotações: a partir da era dos apóstolos, a unção com óleo
significava não somente a cura, mas o perdão de pecados, conforme Tiago capítulo 5,
versículos 14-15 “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja e orem sobre
ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor e a oração da fé salvará o doente e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”.(Bíblia, ARC). Conclui-se,
dessas passagens, que a IPDA faz uma leitura seletiva da Bíblia e, escolhe determinados
textos bíblicos (unção), rejeitando outros (a barba). Já a Igreja Católica adota a unção dos
enfermos. DM transita entre o Antigo Testamento (unção , mas rejeita a barba) e a Igreja
Católica quando adota um de seus sacramentos. Já comentamos sobre a unção com óleo.
Vejamos como a IPDA realiza a Santa Ceia.
2.2.4 - A Santa Ceia na IPDA
A Santa Ceia é parte importante do culto da IPDA. Dela participamos, inclusive como
celebrante ao longo de 11 anos. Contudo, pelo que afirma Paulo Barrera Rivera (1999: 283) a
IPDA do Peru parece não dar muita importância a esse rito, diferentemente do que ocorre no
Brasil. Com isto queremos frisar que a eucaristia não constitui um rito importante no sistema de transmissão da IPDA. A freqüência de sua realização é muito irregular, pois nem sempre se realiza uma vez por mês.[...] O culto de Santa Ceia na IPDA de Lima, se realiza em meio a um caos generalizado por causa da quantidade de pessoas participando. Os colaboradores que
75
distribuem os elementos, pão e vinho, dificilmente conseguem passar entre as pessoas. Quando suspeitam do participante, exigem mostrar a “carteirinha”.
A liturgia da Santa Ceia, segundo o mesmo autor, em Lima também é diferente. Ali, a
consagração do vinho deve ser feita depois de colocado no cálice.” (Rivera, 1999: 284). Na
Sede Mundial, em São Paulo, e nos demais templos que conhecemos e de cujas Ceias
participamos, os presbíteros e diáconos levantam os elementos para consagração (os pães
inteiros e o suco em jarras) e, só depois, acontece do pão ser repartido em pedaços e do suco
ser colocado nos cálices.63 Quanto à distribuição desses elementos entre as fileiras de bancos
ou assentos, apenas em Lima isso acontece. Estivemos visitando a IPDA que funcionava em
um antigo cinema, com o carpete bastante danificado, em Lima, nos anos 1990. Realmente é
difícil passar entre as poltronas de um cinema para distribuir os elementos da Santa Ceia
porque as fileiras são enormes. Na maioria dos salões da IPDA nunca há mais do que fileiras
de 10 a 12 assentos e assim, um diácono ou presbítero distribui os elementos de um lado pelo
seu corredor; seu colega distribui do outro lado, não acontecendo o “caos” referido por
Rivera. O problema é mais complexo quando há milhares de pessoas para receber os
elementos. Em certos casos, há pessoas que aguardam mais de meia hora com o elemento
(pão ou cálice) na mão, esperando o momento em que todos irão participar ao mesmo
tempo.64
Se a Igreja possui dois salões, um fica vedado só para os participantes da Santa Ceia.
Quando há um só salão, os obreiros devem providenciar uma faixa separando o salão: de um
lado os convidados e impedidos de participar da Ceia. Do outro lado, as demais pessoas que
estão autorizadas e que passaram pelo crivo da comissão de inspeção, que está na porta
conferindo credenciais de membros, cartões de freqüência, conferindo o corte de cabelo dos
homens que não pode cobrir a orelha, conferindo a largura e o desenho da gravata, a altura do
salto do sapato das mulheres, o comprimento das saias e muitos outros itens especificados no
“Regulamento Interno” ou na “Credencial de Membro”.
O controle sobre os diáconos e presbíteros quanto às formas de celebrar a Santa Ceia é
contínuo. Nós mesmos, em uma certa ocasião, participando de uma reunião de obreiros na
Sede Mundial, fomos acusados por ter servido a Santa Ceia a uma irmã idosa, que não tinha
comparecido ao “culto de doutrina” no meio da semana, quando se lê um item do RI e se
comenta esse texto bíblico, que serve de base àquele regulamento. A acusação foi feita por 63 A luta contra o alcoolismo levou os evangélicos brasileiros de um modo geral e a IPDA não é exceção, a substituir o vinho pelo suco de uva. 64 Com a inauguração de uma sede própria em 2007 em Lima no Peru, a IPDA deve ter resolvido o problema da distribuição dos elementos no culto de Santa Ceia.
76
uma carta anônima de membro da congregação então sob nossa responsabilidade, na cidade
de Biritiba Mirim. Essa irmã residia numa chácara afastada cerca de cinco quilômetros do
templo, numa área separada por um trecho de mata. O culto era à noite e a irmã, com cerca de
60 anos tinha medo de passar por aquele trecho. Além dos caminhões que transportavam
verduras por aquelas estradas intransitáveis, somente carros com tração nas quatro rodas
conseguiriam chegar até a casa dela. David Miranda obrigou-nos a prometer que jamais
daríamos a Santa Ceia àquela irmã ou a quem quer que faltasse aos cultos de doutrina. A
desobediência implicaria no afastamento da frente daquele trabalho. A rigorosidade de David
Miranda na aplicação dos preceitos de seu “Regulamento Interno” também foi notada por R.
Andrew Chesnut (1997: 38), que classificou tais exigências como “leis eclesiásticas
draconianas”. 65
A Igreja Pentecostal Deus é Amor (DEA), diferente de seus modernos “concorrentes” (ou seja, das religiões modernas), adotou formas de comportamento, ascéticas da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã. O Manual de Regulamento para Membros (“Regulamento Interno” - RI) é um compêndio de leis eclesiásticas draconianas, ditando conduta pessoal, vestimenta, e relações entre os sexos. (nossa tradução livre do texto)
Boa parte da base doutrinária da IPDA baseia-se em trecho de 1a. Ts 5.23, uma carta
paulina destinada aos cristãos de Tessalônica, que se refere à santificação do espírito, da alma
e do corpo. Para tanto, o RI destina extensas recomendações sobre regras de comportamento.
Esse comportamento ascético faz parte do que Weber considera ser o cerne da “ética
protestante” pois, com a sua conversão, o fiel deixa de gastar o seu dinheiro em vícios como
bebida, cigarro ou deixa de participar em jogos, bailes ou outras diversões.
Conseqüentemente, ocorrerá sobra de dinheiro no seu orçamento, o que passa a gerar mais
dinheiro.
Para nos aproximarmos da problemática da interpretação “mirandiana”, vamos
comparar a sua maneira de interpretar a Bíblia com algumas versões usadas no meio
evangélico. O que difere nesses textos não são os dizeres dos versículos, mas os títulos da
perícope e as observações em notas de rodapé, quando se tratam de Bíblias com comentários.
A versão usada pela IPDA é a Almeida Revista e Corrigida (ARC), ou melhor, a tradução de
65 Segue o texto original em inglês: “The God Is Love Pentecostal Church (Igreja Pentecostal Deus é Amor (DEA), unlike its modern counterparts, adopted the ascetic ethos of the AD (Assembléia de Deus) and CC (Congregação Cristã). The DEA Regulation Handbook for Members is a compendium of draconian ecclesiastical laws dictating personal conduct, dress, and relation between the sexes.” A seguir Chesnut dá o exemplo do item U6 que regula a altura dos saltos dos sapatos e das botas femininas. Esse item está revisado na atual “Credencial de Membro” de 2008, na letra G1 da página 36: “Os saltos dos sapatos e das botas das irmãs não deverão ultrapassar 4cm...” Vide Dossiê “IPDA” 25.
77
João Ferreira de Almeida, edição Revista e Corrigida, onde se lê: “Lança o teu pão sobre as
águas, porque depois de muitos dias o acharás.” Já a versão Almeida, Revista e Atualizada
(ARA), comentada por Russel P. Shedd traduziu o texto da mesma forma. Enquanto a Bíblia
de Jerusalém (BJ) afirma: “Joga teu pão sobre a água porque após muitos dias o encontrarás”.
Na versão Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB) encontramos: “Atira o teu pão à superfície
das águas, que com o tempo o reencontrarás”.
O texto acima foi retirado do livro de Eclesiastes (EC 11.1). A IPDA interpreta
literalmente essa passagem, adotando a versão ARC), recomendando lançar sobre as águas as
sobras da Santa Ceia. Conforme o RI, item 02, “a sobra da Ceia deve ser lançada em rios de
águas correntes”. Os comentaristas da ARC, da ARA, da BJ e da TEB interpretam essa
passagem num bloco de seis versículos, ou seja: Ec 11.1-6 sob títulos diferentes: A ARC
escreve: “Façamos o que é bom no tempo oportuno”; seguir, menciona o Pv 19.17: “Ao
Senhor empresta o que se compadece do pobre e ele lhe pagará o benefício.” Por sua vez,
consta na versão ARA o título da perícope: “O procedimento prudente do sábio”; em seguida,
informa uma passagem paralela no livro dos Salmos (126.5): “Os que com lágrimas semeiam,
com júbilo ceifarão”. A TEB (p.1323) usa como título: “Prudência demais prejudica” e a BJ
(p.1083): “Saber assumir riscos” (p.1083).
Outro detalhe importante sobre a Santa Ceia refere-se à doutrina da transubstanciação,
dogma da Igreja Católica adotado por David Miranda. Nessas condições, a coerência não
chega a ser completa, especialmente porque interpreta literalmente uma passagem bíblica,
(lançar as sobras da Santa Ceia em águas correntes), desprezando seu contexto referido na
própria Bíblia. Dessa forma, a IPDA parece querer apropriar-se de algumas características do
judaísmo, do catolicismo, do protestantismo e de outras denominações pentecostais, porém,
na sua melhor conveniência e com exigências “eclesiásticas draconianas”, nos dizeres de
Chesnut. Para a consecução de seus objetivos, David Miranda precisou não apenas dessas
apropriações, como também teve de inovar, criando regras as mais diversas, tendo a
preocupação de colocar no final dessas regras algumas passagens bíblicas como seu
referencial ou para melhor embasamento, algumas vezes completamente fora do contexto
como já analisamos. No próximo item, estudaremos essas regras com mais detalhamento.
2.3 – A maneira “mirandiana” de inculcação de regras
Durante muitos anos, o “Regulamento Interno” – RI - da Igreja Pentecostal “Deus é
Amor” foi a base de sua doutrina. Ainda o é atualmente, apesar de não haver nova edição; a
original não foi datada. Tomamos conhecimento desse livreto de regulamentos em 1989 e até
78
2001 estava vigente. Surgiram algumas alterações ao longo dos anos, as quais constam das
Atas das reuniões periódicas dos obreiros com a Diretoria. Porém, as chamadas “carteirinhas”,
ou seja, a “Credencial de Membro” passou a reproduzir parte dos preceitos do RI. Esses
regulamentos acham-se encartados numa edição especial da Bíblia ARC mandada editar pela
IPDA em 1999, quando se aproximava o aniversário do 40o. ano da fundação da Igreja que
seria em 2002. Referidos preceitos também fazem parte do corpo da “Credencial de
Membro”. Por seu lado, o dirigente local (da Igreja ou da Congregação) tem a obrigação de
destinar um dia da semana para fazer um culto específico sobre a doutrina. Ele lê o
regulamento, cita as passagens, a Igreja acompanha e, em seguida, ele passa a explicar.
Segundo a orientação recebida na reunião de obreiros, éramos instruídos a revisar, de capa a
capa, todas as instruções: explica-se e prega sobre um regulamento em cada culto. Chegando-
se à última página, começa de novo na primeira página, e assim continuamente. Nesse culto,
exceto quando milhares se reúnem na Sede Mundial, é permitido ao membro fazer perguntas e
tirar dúvidas sobre as exigências do “Regulamento Interno” da IPDA.
Considerando as 100 páginas desse RI, a passagem de todas recomendações para os
membros tomava mais de um ano. A importância da presença do membro nesses cultos é a
confirmação em sua “carteirinha”, mediante um carimbo “Fiel”, cuja verificação na porta do
salão no dia da Santa Ceia decide se a pessoa entra ou não. Cada detalhe desses regulamentos
pode ser visto nas páginas da “Credencial de Membro” reproduzidas nos anexos,
especialmente ilustrações 2 e 5 e Dossiê “IPDA” itens 24 e 25. Destacaremos, alguns desses
preceitos a seguir.
2.3.1 – A importância das regras em movimentos religiosos rigorosos
As características de seita atribuídas à IPDA foram objeto de análise no capítulo
anterior, especialmente por sua tendência isolacionista. De fato, os membros de uma seita
consideram-se separados. David Miranda costuma chamar de “Igrejas mundanas” todas as
demais denominações. Para atrair católicos, seara de onde ele costuma arrebanhar almas para
seu “aprisco”, DM gosta de chamá-los de “irmãos católicos”. Com isso, procura se identificar
com seus prováveis futuros fiéis. Muitas são as exigências do “Regulamento Interno” da
IPDA que demonstram características sectárias: por exemplo, um membro da Igreja não pode
participar de movimentos políticos ou sociais como MST e outros. Também não pode possuir
TV nem assistir qualquer programa na televisão. Todo o tipo de lazer é vedado, por exemplo,
futebol, esportes, praia, piscina e tantos mais relacionados no item P que trata da santificação,
envolvendo 29 itens diferentes que serão examinados mais adiante. O membro não pode ter
79
emprego de segurança armada, nem ser policial. A questão de servir o exército fica eliminada
de início, porque só batiza a pessoa que está quite com o serviço militar.66
Um membro não pode ter imóvel alugado para bar onde se vende bebida alcoólica.
Tampouco pode ter um salão alugado para bailes. Quando assumimos a tesouraria de 22
Igrejas na região de Mogi das Cruzes, Guararema, Salesópolis e Biritiba Mirim, conhecemos
um presbítero da IPDA que tinha um restaurante. Ele reclamava que muitos clientes pediam
cerveja, vinho e aperitivos e que seu movimento diário era prejudicado por não vender
bebidas alcoólicas em seu restaurante. Durante a pregação, não se pode citar outros livros
além da Bíblia; só se usam as referências que constam dos demais livros bíblicos. Os sete
livros da Bíblia Católica e os apócrifos, nem de longe! No próximo item daremos destaque
dessas regras.
2.3.2 – A classificação das regras
Não é nosso objetivo estudar aqui todas as 100 páginas do “Regulamento Interno” nas
suas várias implicações. São 283 regras sem contar as adicionais, sendo que na “Credencial de
Membro” constam 112 regras que estudaremos nos seis grupos abaixo. O total geral de regras
é muito maior. Por exemplo, nos itens que tratam da santificação, encontramos 21 adendos
entre os itens P27 e P29. Uma exigência curiosa: uso de tênis para homem só é permitido em
casa ou no trabalho; por aí, entende-se que um membro não pode ir ao culto usando tênis. No
sentido que mais interessa ao membro, faremos uma breve apresentação das regras constantes
da “Credencial de Membro” de 2008, apesar de que já analisamos, em secção à parte, a
questão do batismo e do casamento:
• Batismo 17 regras
• Casamento 27 regras
• Desviados 5 regras
• Louvores 8 regras
• Ministério oração/jejum 8 regras
• Pecados 18 regras
• Santificação 29 regras
66 Antonio Gouvêa Mendonça (1992: 52) mostra algumas características da seita: “Oferta de bens de religião mediante recompensa pecuniária; usa a Bíblia sem nenhum rigor hermenêutico; a relação entre a ‘empresa’ e o ‘cliente’ é na base do do ut des; o ‘culto’ tem características de ajuntamento de interessado na obtenção imediata dos favores do sagrado.”
80
As regras do RI que não aparecem na “Credencial de Membro” são as seguintes:
Letra A 14 regras: Programa “A Voz da Libertação”
Letra D 2 regras: Cerimônias (apresentação de crianças e fúnebre)
Letra E 7 regras: Documentos (do membro)
Lestra F 33 regras: Cultos
Letra H 15 regras: Livraria
Letra K 22 regras: Obreiros
Letra M 15 regras: Reuniões
Letra N 2 regras: Sangue
Letra O 13 regras: Santa Ceia
Letra Q 9 regras: Sustento pastoral
Letra R 11 regras: Templos
Letra S 23 regras: Tesouraria
Letra T 5 regras: Trabalho
Achamos desnecessário comentar os itens do “Regulamento Interno” que não constam
da “Credencial de Membro”. Como já foram comentadas à parte as questões do batismo, do
casamento, da Santa Ceia e da unção com óleo, abordaremos, a seguir, os itens que tratam de:
Desviados – Louvores – Ministério oração/jejum – Pecados – Santificação. A expressão
“desviados” é muito utilizada na IPDA. Desviado é um membro que vai congregar em outro
ministério, volta a assistir televisão ou a praticar qualquer transgressão do RI. Sua volta
implica num período chamado de “prova”. Há uma carteirinha especial na qual a pessoa
carimba sua regularidade nos cultos até que cumpra aquele prazo imposto. Para se pertencer
ao grupo de louvores, um membro precisa estar em comunhão, ou seja, participando da Santa
Ceia. O grupo de louvor não aceita pessoas de outro ministério.
Um membro que queira participar do ministério oração/jejum tem uma credencial
especial na qual ele anota a quantidade de jejum que pratica no mês e as horas de oração. O
item J8 chega a considerar uma pessoa como desviada se ela dedica menos de 30 horas no
mês para suas orações, para ouvir o programa da “A Voz da Libertação”, para leitura bíblica
ou outra atividade edificante na IPDA. Mas essa característica de “desviado”, nesse caso
específico, não tira a pessoa da comunhão com a Igreja, podendo participar da Santa Ceia. Na
questão de Pecados, são inúmeras as regras para definir o que é pecado. Trata da questão do
adultério, sexo, homossexualidade, masturbação, aborto, controle de natalidade, laqueadura e
81
vasectomia, enfim, são 18 regras, mais 10 adendos. Quanto à santificação, 29 regras e mais de
20 adendos. Por exemplo, o item P15 prescreve:
Irmãos usarem cabelos crescidos, ou seja começando a cobrir as orelhas. E também usar costeletas, perucas, barbas e bigodes, é proibido, pois no dicionário da língua portuguesa encontra-se a definição que o bigode faz parte da barba. I Cor 11.14 e 16; Ez 44.20; Gn 41.14. Punição: chamar a atenção dentro da palavra; se persistir no erro, noventa dias. Obs. É permitido usar bigodes apenas por defeito físico nos lábios.
Até início da atual década, a IPDA não tinha uma comissão de acompanhamento que
aconselhasse membros em situação de “prova”. Atualmente essa comissão acompanha a
pessoa em seu esforço para voltar à comunhão. Não temos tido experiência para avaliar esse
trabalho, que julgamos importante na continuidade da ligação do membro com a Igreja. Em
nossa experiência anterior, tivemos casos de pessoas punidas e que se afastam da Igreja, indo
para outras denominações, por não concordarem com o sistema de carimbar carteirinhas de
freqüência no período de prova. Há muitas transgressões de regras que acontecem
simplesmente porque o membro desconhece o regulamento. Para que tal não aconteça, a
IPDA realiza toda semana um culto específico de doutrina, quando a pessoa toma
conhecimento de todo o complexo sistema de ensino dessa Igreja. É o que veremos a seguir.
Fica claro então que DM instituiu um mecanismo próprio de inculcação de regras que
é realizado nos cultos de doutrina, conhecidos também como cultos do RI. Notamos que os
novos convertidos assistem o culto juntamente com toda a Igreja, não havendo uma aula na
Escola Dominical que seja específica para a sua orientação. Considerando que os cultos da
IPDA são muito demorados, sempre há um momento em que se fala da doutrina,
especialmente da santidade. Dois versículos muito usados são: “sem santificação ninguém
verá a Deus” (Hb 12.14); ou “sede santos como sou santo, diz o Senhor.” (I Pe 1.16). Já
vimos, também, que o “Regulamento Interno” destina praticamente 40 explicações sobre a
questão da santificação e das punições para quem desobedece. Não consideramos que apenas
o culto de doutrina esteja cumprindo seu papel de doutrinação, mas entendemos que em todos
os cultos há uma constante preocupação de DM em doutrinar ou passar para a IPDA suas
regras morais e religiosas que fazem parte da “Credencial de Membro”.
Porém, a instituição de uma escola dominical, tanto para adultos como para crianças,
nunca teve grande apoio, apesar de algumas publicações específicas sobre o assunto. Temos
algumas publicações da IPDA nesse sentido. Por exemplo, Manual Bíblico para a escola
dominical: abril a junho 1984 – 65p; Idem, outubro a dezembro de 1985 – 65p; idem, outubro
82
a dezembro 1991 – 26p. (este último, para jovens e adultos). Temos, ainda, um exemplar da
IPDA para escola dominical datado de 2005 com o título: Fundamentos da fé cristã, 53p.
Ruth de Albuquerque Tavares (1997: 130-143) em sua tese de doutorado, no capítulo
V, sob o título: “Igreja Deus é Amor – um estudo de caso”, informa que “ficamos sabendo
que não há escola dominical nem para crianças e nem para adultos. As crianças se reúnem
para o ensaio do conjunto num dia da semana. Os adultos têm um dia na semana de estudo
bíblico, nas quintas-feiras”. Ainda nesse capítulo Tavares (p. 137) escreve: “observamos que
as crianças que ali estavam não se interessavam muito, pois algumas brincavam, outras saíam
e voltavam enquanto o culto se realizava. Não havia nada endereçado às crianças”.
Quanto aos adultos, podemos afirmar que, quando a pessoa deseja ser obreiro ou
obreira, então passará por um treinamento especializado. A IPDA ao longo de sua história
acabou por construir uma estrutura que contém traços de contínuo processo de
burocratização. Como em todo movimento que se institucionaliza, a IPDA também idealizou
formas pelas quais são treinados os seus obreiros, suas obreiras, os diáconos, presbíteros e
pastores, tema do próximo sub-item.
2.3.3 - Seleção e formação de obreiros
A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” rejeita toda publicação “estranha” ou que
contrarie o ensinamento emanado do órgão controlador do “sistema”. A IPDA proíbe que seus
membros tomem contato com outras “doutrinas”. Há, até a proibição do membro freqüentar
qualquer outra denominação evangélica. De fato, o “Regulamento Interno” (IPDA, s/d, p. 55).
prescreve: Item K20 – OBREIROS – CURSOS. Obreiros ou membros não poderão fazer cursos de teologia e outros cursos bíblicos, ou aprenderem a tocar instrumentos em outros ministérios, por motivo de vários problemas já surgidos anteriormente. I Cor 15.33, I Cor 14.40.67
Um dos colaboradores68 da revista Ide, (junho de 2008: 13), editada pela Igreja
Pentecostal “Deus é Amor”, escreveu que:
“A graça e o conhecimento”, explicando sobre a Teologia, da IPDA: O único lugar onde se pode aprender alguma coisa sobre Deus é a Bíblia Sagrada. Alguns podem dizer: ‘Mas e os
67 O “Regulamento Interno” (R.I.) foi originalmente redigido com as abreviaturas dos textos bíblicos de forma inadequada. Atualmente, a “Credencial de Membro” reproduz as prescrições doutrinárias mais importantes, com as abreviações corrigidas. No texto de 1 Co 15.33 lemos: “Não vos deixeis iludir: “As más companhias corrompem os bons costumes.” Em nota de rodapé a Bíblia de Jerusalém esclarece que se trata de “Verso do poeta Meandro, talvez transformado em máxima popular” (BJ, 2002: 2014). 68 Revista Ide, ano 8 no. 14 – junho de 2008. (João Paulo Oliveira, p. 12-17).
83
outros livros de autores evangélicos?’ Com certeza, para escrevê-los eles leram a Bíblia, concorda? Portanto, para se aprender alguma coisa sobre Deus é necessário estudar a Bíblia.
Até o ano 2000, quando deixamos a IPDA, o “Regulamento Interno” ainda não tinha
sido revisado. Relembramos, no entanto, que o interdito colocado pelo item K20 prejudica a
formação acadêmica e cultural de uma pessoa que é membro da IPDA. Na expressão “más
companhias”, incluiu-se a associação com os que procuram o conhecimento, isso porque a
teologia pode ameaçar a doutrina ou contrariar o pensamento da IPDA. Esse pensamento foi
oficializado por David Miranda, o qual, dessa forma, desqualifica os seus concorrentes,
considerando-os como “más companhias” que possam de uma forma ou de outra “corromper
os bons costumes” do seu rebanho.69 A IPDA, nos últimos anos, mostrou-se mais aberta à
questão da formação de seus obreiros, principalmente dos diáconos e dos presbíteros que são
os que celebram os seus ritos. Por exemplo, no mês de março de 2008, visitamos o Curso
Bíblico Deus é Amor (CBDA), que funciona à Avenida do Estado, 5000, bem próximo à Sede
Mundial. Naquela ocasião, seus alunos já atingiam a casa de 400, assistidos por 14
professores. O salão é amplo e não se assemelha a uma sala de aula, porque só tem cadeiras
plásticas. A coordenadora do CBDA chama-se Eunice Guimarães (cf. Ide ano 6 no. 12). “No
dia 15 de dezembro de 2007 foi realizada a cerimônia de formatura dos alunos do CBDA que
concluíram o último nível (Liderança) e dos que cursaram os cursos específicos (Oratória e
Escatologia)”.70
No início dos anos 1990, devido aos erros gritantes de português na fala de seus
pregadores, a IPDA montou o chamado Curso de Preparação de Obreiros (CPO). As aulas
visavam o ensino do vernáculo e da Bíblia. A IPDA não incentivava o encaminhamento de
seus membros aos Seminários Teológicos devido à restrição do comentado item K20. Já na
nova década a IPDA decidiu investir na formação teológica de seus obreiros. A revista Ide
(ano 1, no.1, Dez. 1999) não traz nenhuma referência a essa preocupação. Todavia, sete anos
após, em dezembro de 2006, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” informou que o CBDA –
oferece vários níveis de cursos.71
Desde sua fundação até a década de 80, ou seja, por cerca de 20 anos, a IPDA não
percebeu a necessidade de aprimorar os conhecimentos de seus obreiros. A característica para
69 Os grifos são expressões retiradas do texto bíblico 1 Co 15.33. 70 Revista Ide, ano 8 no. 14, junho de 2008: 10) 71 Ide, ano 8 no. 14, Jun. de 2008: 71. Os cursos oferecidos são os seguintes: Básico (Bibliologia I; Doutrinas Bíblicas I) - Intermediário (Bibliologia II; Doutrinas Bíblicas II) - Avançado (História de Israel; História do Cristianismo) - Missões (Evangelismo; História do Cristianismo) - Educação Cristã (Ética Cristã; Discipulado) - Liderança Cristã (Ética Pastoral; Liderança Cristã).
84
a sua escolha era, em primeiro lugar, que tivessem o “dom de línguas”. Parece que esse
procedimento abriria caminho para simulação já que as expressões “orianda, surianda” são
repetidas em várias ocasiões por pessoas diferentes, entre membros da IPDA. No período em
que congregamos na IPDA não presenciamos alguém que interpretasse o que o Espírito queria
dizer com “orianda, surianda”. Em segundo lugar, a escolha de diáconos e de presbíteros se
dava por meio de testes aplicados aos que eram indicados para essa função: a regulamentação
consta dos itens K8 e K 11 do “Regulamento Interno” da Igreja. Além dessas prescrições, os
candidatos deveriam responder questões da Bíblia e do referido Regulamento. Os quesitos a
serem preenchidos são:
1) Diáconos: 22 anos de idade e oito anos após o batismo; ser submetido a uma prova e
acertar 70% de 10 perguntas.
2) Presbíteros: 25 anos de idade e de batismo; na prova, deve acertar 70% de 20
perguntas.
3) Pastores: só após 12 anos de batismo.
Os candidatos eram reunidos num salão e aqueles que tinham “dom de língua” iam
impondo as mãos sobre todos os candidatos que estavam ajoelhados em oração e a pessoa que
declaradamente não se manifestasse em “línguas estranhas” não participaria dos testes.
Questões que faziam parte dos testes: nome dos primeiros diáconos, e a passagem bíblica (At
6); quais foram as sete igrejas da Ásia e em que passagem bíblica se encontra o texto (Ap
1,2,3); como deve ser feita a contagem do dinheiro do cofre? Com quem fica o segredo e com
quem fica a chave?72
As bases teológicas ou bíblicas das exigências quanto aos membros comuns e aos
obreiros aparecem indiretamente entre o RI, o Manual de Obreiro e a “Credencial de
Membro”. Há o “Regulamento Interno”, hoje divulgado só para dirigentes de Igrejas. Antes
da década de 80, quando a “carteirinha” de membro era simples, o RI servia como seu
manual. No Manual do Obreiro, que serve como identidade eclesiástica na IPDA, há espaço
para anotação dos dízimos que o obreiro dá e outras instruções consideradas úteis ao seu
portador. Esse “Regulamento Interno” expressa todas as exigências que envolvem preceitos,
usos e costumes. Antigamente, utilizava-se o RI com 100 páginas que foi substituído pela
72 De acordo com as normas da IPDA, todo templo tem cofre tipo boca de lobo fixado sobre base de concreto. A chave fica com um membro e o segredo com outro membro. Nunca pode ficar com o dirigente nem com o tesoureiro. Mas o cofre só pode ser aberto na contagem do dinheiro e isso é feito na presença mínima de seis pessoas (RI, item S1, letra B-C, p. 89)
85
“Credencial de Membro”. As livrarias dentro da IPDA não disponibilizam mais o RI aos
interessados e informa que prevalece o regulamento constante da “Credencial de Membro”.73
Nas últimas três décadas a IPDA revisou, pelo menos três vezes, o seu RI. As
alterações aparecem na “Credencial de Membro” que foi comparada com o antigo RI da
década de 80 e com o “Manual do Obreiro”. Os três documentos aqui comparados são os
seguintes: RI, sem data da década de 80; “Credencial de Membro”, de 2001 e a credencial de
2008. A atual “Credencial de Membro” (2008) traz prescrições a partir da letra A (batismo) p.
18 até a letra G20, p. 40 (várias recomendações) e está reproduzida em sua íntegra no final
desta Dissertação de Mestrado.74 A capa mostra a foto da atual Sede Mundial inaugurada em
2004 e que se localiza à Av. do Estado, 4568, na Baixada do Glicério, no centro da capital
paulista.
Como a maioria dos pentecostais, a IPDA não leva em conta os “Pais da Igreja” dos
primeiros séculos, nem a Reforma de Lutero e Calvino, muito menos os teólogos que os
sucederam. Nesse sentido, na falta de um embasamento teológico sobram as razões de ordem
prática. Inclusive os fariseus do Novo Testamento (Mc 7.3-4) podem ser lembrados, assim
como os dizeres de Flávio Josefo, um historiador judeu do primeiro século da nossa Era.75
Mc 7.3-4: os fariseus, com efeito, e todos os judeus, conforme a tradição dos antigos, não comem sem lavar os braços até o cotovelo, e ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se aspergir, e muitos outros costumes que observam por tradição: lavação de copos, de jarros, de vasos de metal. (BJ).
Pelo que podemos observar, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” tem regras bem
definidas para controlar não apenas seus membros, mas também toda a sua liderança. Sem 73 O regulamento anterior era mais completo, envolvendo desde a letra A (programa “A Voz da Libertação” da p. 1) até a letra T (trabalho – locação pecaminosa) da p. 98. A “Credencial de Membro” válida até 2001 começava com a letra B, p. 18 (batismo) e ia até a letra P, p. 33 (santificação), terminando com algumas recomendações até à p. 38, cuja última nota estabelece: “Brincadeira de amigo secreto que normalmente se faz no final de ano ou Natal, ou em festas, não é permitido pois se trata de um costume mundano. Hb 12.14 e 1 Ts 5.23” 74 Esse documento foi impresso e encadernado com a Bíblia comemorativa aos 40 anos da IPDA. Essa inserção busca dar legitimidade aos artigos do RI considerados equivalentes à Bíblia. (Dossiê “IPDA” item 24). 75 Flávio Josefo: Contra Apião II. 173-178, com referência ao apego à Lei e ao Templo diz o seguinte: “Nosso legislador teve todo cuidado em conciliar esses dois ensinamentos. Não deixou absolutamente sem explicação a prática dos costumes, nem aceitou que o texto da Lei ficasse sem efeito; a começar pela primeira educação e pela vida doméstica de cada um, não deixou nada, nem o mínimo pormenor, à iniciativa e à imaginação dos súditos; até os alimentos de que é preciso abster-se ou que se podem comer [...] Porque ele não deixou lugar à desculpa de ignorância; ele proclamou a Lei como o ensinamento mais belo e mais necessário; não é uma vez, nem duas, nem várias, que é preciso entender isso; mas ele ordenou que toda semana, abandonando todos os outros trabalhos, as pessoas se reunissem para escutar a Lei e aprendê-la exatamente de cor.[...] Assim, desde o despertar da inteligência, o estudo aprofundado das leis grava-as por assim dizer em nossas almas, raramente alguém as transgride, e nenhuma desculpa conseguiria afastar o castigo.” (Flávio Josefo. (VV.AA.) - Uma testemunha do tempo dos Apóstolos Em: Documentos do Mundo da Bíblia – 3 São Paulo, Paulus, 1986: 38).
86
prejuízo dos rigores de seus preceitos e da inflexibilidade de suas punições; nota-se que há
absoluta obediência às normas impostas de cima para baixo, sem participação democrática na
elaboração deles. Nesse sentido, a IPDA tem pouco a dever às suas raízes judaicas,
especialmente se compararmos os 613 preceitos do Talmude com as mais de 300 normas da
IPDA. O segredo da salvação para os judeus está na obediência; na Igreja Católica a salvação
precisa ser alcançada pelas promessas, pelas missas e pelo esforço pessoal de cada um na
Igreja: “fora da Igreja não há salvação”. Essa máxima também está presente na IPDA. Assim,
parece que a doutrina arminiana, ou das Igrejas Holiness, permeia todo o ensinamento de
David Martins de Miranda que combina essas duas teologias. Todavia, é bom que
examinemos a distinção que Donald Dayton (2006: 1) faz entre os pentecostais e as Igrejas de
Santidade, numa tradução livre que fazemos:
Algumas das diferenças podem ser vistas na caricatura em que as Igrejas de Santidade enfatizam a “graça” ou os “frutos” do Espírito, enquanto que as Igrejas Pentecostais colocam mais forte peso nos ‘dons’ do Espírito, especialmente “cura divina” e glossolalia.
A seguir, examinaremos como esses preceitos são divulgados pela música, pelo
hinário e pela gravadora “A Voz da Libertação”.
2.3.4 – A música como auxiliar da doutrinação
O ser humano inseriu a música em sua cultura desde os primórdios. É provável que
tenha surgido logo após as danças cujo acompanhamento era ritmado por tambores
rudimentares e chocalhos; ou que os pássaros tenham inspirado o ser humano a reproduzir
seus sons a partir de flautas e instrumentos de cordas rudimentares adaptadas em corpos ocos
como cabaças, cocos (exemplo: berimbau), além de outros. A música acompanha o ser
humano em todas suas manifestações. Por essa razão, há música sacra, música fúnebre,
música clássica e música popular. Conforme as circunstâncias, toca-se ou canta-se
determinada música. Cada nação tem seu hino nacional que é tocado ou cantado em todas as
cerimônias oficiais e importantes. Toda cultura ou sociedade tem sua música folclórica que
reflete usos, costumes e principalmente crendices do povo. A música é parte introdutória nos
cultos mágicos, precedida de toques de tambores e outros instrumentos. Toda religião utiliza-
se dos recursos musicais em suas liturgias. Quase todas adotam seus hinários próprios que
refletem boa parte de sua tradição, de sua doutrina ou de seus usos e costumes. Jacqueline
Ziroldo Dolghie (2007: 13) estuda a questão da origem dos corinhos, ligando-os às
87
instituições paraeclesiásticas.76: “no fim dos anos 50, o campo protestante foi penetrado por
outros grupos musicais intimamente relacionados com a chegada das instituições
paraeclesiásticas, que introduziram, no protestantismo os chamados “corinhos”. Por uma
questão de estilo rural, tanto por parte de David como de Ereni Miranda, o casal deu o tom
para os tipos de músicas que deveriam ser divulgadas na IPDA. Seus corinhos simples, alguns
adaptados dos hinários tradicionais como Harpa Cristã, Salmos e Hinos, Cantor Cristão, e
outros mais, servem para animar os cultos, sempre acompanhados de palmas ritmadas.
Tampouco DM adota a música gospel nos seus cultos, apesar de que sua banda toca e canta
alguns números, sempre de autoria interna da IPDA.
A IPDA, nas duas primeiras décadas de existência de sua gravadora explorou bastante
a música de estilo rural, mas na atual década seus CD’s seguem o modernismo da música
eletrônica. Segundo Dolghie (2007: 216): “A música gospel firmou-se como tal, nos anos 90
quando a Igreja Renascer em Cristo patenteou a marca ‘gospel’ e começou um amplo trabalho
de divulgação na mídia.” A IPDA tem sua própria gravadora na manutenção dos seus ensinos
por meio das mensagens veiculadas pelas músicas. Cabe ainda ressaltar que os ensinamentos
de DM incidem com muita força sobre usos e costumes. Daí suas exigências sobre o
vestuário, o corte de cabelo, barba e bigode, enfeites, sapatos, cintos, gravatas, e tantas outras
coisas que para a sociedade faz pouca diferença, mas que para DM têm a maior importância
por se tratarem de elementos distintivos de que possui ou não a santificação. As primeiras
gravações da IPDA foram feitas com a esposa de DM, Ereni Miranda e suas filhas ainda
crianças Débora e Léia, que faziam dueto. Muitas músicas foram gravadas pelas duas irmãs
até 2005. Com a cisão da IPDA por parte do genro de DM, Sérgio Sóra, que é casado com
Léia, cessaram as gravações e os duetos “Débora e Leia”.
Com o crescimento da IPDA, surgiram alguns cantores e cantoras que, antes de
gravarem suas composições, cediam todos os direitos à gravadora de DM. Essa gravadora é,
atualmente, de propriedade particular de DM e encaminha toda sua produção às diversas
congregações e igrejas sedes de regiões, as quais revendem aos fiéis. O controle da venda é
feito por um relatório à parte da Igreja (Livraria) e mensalmente cada responsável presta conta
do que foi vendido e envia relatório do “estoque” remanescente. Por esse relatório, a Sede
Mundial da IPDA onde se localiza o “Almoxarifado Central”, envia novo lote de discos, fitas,
CD`s, etc. Dessa forma, DM tem uma receita adicional advinda da venda desses artigos.
Dificilmente se encontram discos, fitas ou CD’s em lojas. Foi encontrado apenas um disco da
76 Tese de doutorado: Por uma sociologia da produção e reprodução musical do presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto.
88
cantora Débora Miranda numa pesquisa que fizemos em várias lojas de artigos religiosos na
Rua Conde de Sarzedas, a rua onde se concentram lojas que vendem Bíblias, livros, discos,
fitas, CD’s e todos os demais artigos religiosos, especialmente de pentecostais. Mas parece
que, na origem, a gravadora não pertencia a David Miranda. Pelo menos é o que indica a
gravação mais antiga que chegou às nossas mãos.
Ao ouvir a quinta faixa do lado A do LPAM 084 de 1981, o cantor André de Paula
agradece à proprietária da “Gravadora Deus é Amor”, Araci Miranda, responsável pela
produção e direção daquele LP. De fato, trata-se do LP mais antigo que foi localizado por esta
pesquisa até este momento. É provável que a gravadora tenha mudado de nome e de
proprietário entre a década de 80 e 90 ou que o cantor estivesse equivocado em sua
homenagem. Em recente reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, Araci Miranda (irmã de
DM) informa que está estabelecida vendendo discos e artigos religiosos na Rua Conde de
Sarzedas desde a década de 50; portanto, bem antes da fundação da IPDA. O folheto
distribuído na loja menciona 118 títulos de músicas evangélicas, porém, nada da IPDA existe
para venda nessa loja; apenas o título “Deus é Amor”, sem o tradicional arco-íris da IPDA.
Quando estivemos em dezembro de 2008 visitando Araci e seu esposo Deamiro, soubemos
que realmente eles viviam em atritos e só fizeram as pazes agora em 2007, quando David
Miranda os visitou e, segundo eles, pediu desculpas por alguma coisa passada. Pode ser que a
gravadora seja um dos motivos do estranhamento. Hoje, Araci congrega na Sede Mundial da
IPDA e está de bem com seu irmão. Mas continua divulgando o nome de sua “Gravadora
Deus é Amor”, enquanto que DM trabalha com a gravadora “A Voz da Libertação”.
Muitas são as afirmações dando conta de que os hinários das Igrejas são expressão de
suas doutrinas. Esta pesquisa caminhou nessa direção com o estudo de 236 faixas dos hinos
da IPDA, não sendo possível comprovar completamente essas afirmações. Porém, esta
Dissertação de Mestrado conseguiu resgatar gravações feitas pela IPDA a partir de 1981, as
quais representam um pouco da doutrina e dos usos e costumes que são refletidos nas músicas
gravadas em discos, fitas cassetes, CD´s e também nas músicas escritas nos hinários da IPDA.
A música e os hinos na IPDA estão mais centrados nas atividades da gravadora “A Voz da
Libertação”. São raras as apresentações de grupos de louvor nos cultos das tardes de domingo
quando DM prega. Por exemplo, no culto do dia 24 de junho de 2007 não se apresentou
nenhum grupo de louvor. A antiga banda, da década de 80 e 90, dirigida pelo maestro “Zé da
Banda”, agora foi substituída por uma orquestra filarmônica que se apresenta em ocasiões
especiais. (Coelho, 2006: 12-16).
89
2.3.4.1 – Banda e orquestra
Os jovens também se apresentam com sua banda, porém, sem a bateria que é proibida.
Seus instrumentos básicos são: teclado, baixo guitarra. Até a bateria eletrônica é proibida.
Quem apóia o movimento dos jovens com sua banda é o pastor Lourival de Almeida, genro de
DM - Lourival é casado com Débora Miranda. A banda costuma se apresentar nas igrejas da
IPDA e em concentrações com o pastor Lourival de Almeida. Como essa banda vem atuando
desde a década de 80, seu desempenho é bom, levando-se em conta que o pastor Lourival de
Almeida é bastante rigoroso com seus músicos, inclusive nas mensagens transmitidas pelas
letras das suas músicas. Lourival de Almeida também não permite aquelas pregações paralelas
que se notam nas demais bandas pentecostais que se apresentam em outras denominações e
que prejudicam a mensagem central do pregador do dia, mas que animam os fiéis. Muitas
denominações contratam o seu ministro do louvor que, segundo Dolghie (2007: 319, 321),
tem 70% de preferência contra 15% dos que querem ouvir a mensagem. Parece que a IPDA,
pela estratégia de Lourival de Almeida, consegue lidar bem com esse problema:
Mais do que nunca a autonomia do momento de louvor é visível. A condução no ministro de adoração é altamente carismática, mas o que se acentua, neste modelo, é sua atuação performática, porque a apresentação das bandas também o é. [...] Com essa estratégia, evita-se o conflito entre os tipos de dominação religiosa e elimina-se a concorrência com o sacerdote, porque tanto a música quanto a prédica são dirigidas por ele. Por tal motivo, mesmo a exorbitante diferença entre a preferência do louvor de 70% em relação à prédica em 15% não representa uma ameaça ao sacerdócio.
A orquestra filarmônica da IPDA, denominada Orquestra Filarmônica da Sede
Mundial (OFSM) é regida pelo maestro Paulo de Tarso Coelho. No culto de 30 de março de
2008, a orquestra estava composta por 11 violinos, um baixo, um violão, um teclado, 11
instrumentos de sopro e quatro instrumentos de percussão. Segundo o maestro, os músicos
devem ser necessariamente membros da IPDA ou filhos de membros. Apenas um músico
aparentava 30 anos. Os demais eram jovens, inclusive uma menina de aproximadamente 10
anos. Gênero: 14 mulheres e 17 homens, incluindo o regente da orquestra. As aulas
acontecem todas segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras. Deixamos de apreciar o
desempenho da orquestra porque foi criada recentemente e seus músicos ainda estão em fase
de aprendizagem. Mas, como me disse um maestro amigo, é muito difícil reger uma orquestra
quando a assistência acompanha por palmas, como é costume na IPDA. Nesse detalhe,
notamos a dificuldade do regente durante o culto que assistimos, pelo desencontro do ritmo
das palmas e do compasso que ele procurava imprimir na sua regência. Essa interferência do
90
externo na produção musical da orquestra desaparece nas gravações da gravadora “A Voz da
Libertação”.
2.3.4.2 – Discos da gravadora “A Voz da Libertação”
Para dar conta do item sobre a importância das músicas produzidas e vendidas na
IPDA, para a doutrinação e expansão da Igreja, pesquisamos também os discos lançados pela
IPDA desde 1981 até 2006. Identificamos algumas novidades nessa pesquisa. A primeira fala
sobre a proprietária da gravadora que era Araci Miranda, irmã de David Miranda. Nossa
pesquisa não conseguiu localizar um disco da gravadora “A Voz da Libertação” com data
anterior a 1981; tampouco pesquisamos quando esta gravadora começou a operar. Araci
Miranda divulga em sua loja que é proprietária da gravadora “Deus é Amor”, enquanto que
David Miranda é proprietário da gravadora “A Voz da Libertação”. A segunda novidade é que
naquela época o endereço da Sede Mundial era na Rua Prefeito Passos, onde DM adquiriu a
primeira propriedade de quatro mil metros quadrados que mais tarde se juntaria a pouco mais
de 22 mil metros quadrados, que hoje representam a totalidade de quase 27 mil metros
quadrados no atual endereço oficial da IPDA: Avenida do Estado 4568.
Na questão do louvor, notamos quando da nossa visita em 2008 que a liturgia do culto
na Sede Mundial não mudou ao longo das últimas décadas. O louvor é pouco valorizado nos
cultos da IPDA, exceto quando a banda se apresenta nas concentrações. A pregação é baseada
em curas divinas, exorcismo e batismo com o Espírito Santo (dom de línguas). Em paralelo,
pregam diferentes campanhas para as quais são requeridos votos de ofertas. A pregação sobre
o dízimo, e a entrega desses envelopes dentro dos quais a pessoa deve trazer os 10% do seu
ganho acontece em todos os cultos. Porém, há raras citações sobre dízimos, ofertas, curas,
exorcismo e dom de língua nos hinos e nas gravações que pesquisamos.
Entre essas gravações, a de maior procura é o pequeno compacto de David Miranda
sobre cura. Ela assemelha-se a um amuleto, devido ao seu emprego por parte dos membros da
IPDA. São muitas as edições desse compacto, que nunca traz data. A ilustração seguinte
reproduz uma versão dos anos 1980, com o Missionário ainda jovem. Esse disco era usado
como um desencadeador da fé que curaria o enfermo. Ao enfermo era recomendado colocar o
compacto no toca-disco para rodar na face A e, ao mesmo tempo, colocar a mão sobre a
enfermidade ou a capa do disco sobre o local doente. Se possível, quando esta gravação
estivesse sendo transmitida pelo rádio, dever-se-ia colocar um copo com água sobre o rádio,
orando junto com DM. Se a cura viesse acontecer a pessoa deveria ir à Sede Mundial da
IPDA ou a uma das Igrejas “Deus é Amor” para contar a bênção e gravar seu testemunho.
91
Ilustração no. 1 – Capa do disco com pregação e oração de DM
Para melhor explicação sobre os discos apresentados, eles foram enumerados como
seguem:
92
[15] VLLP 116. A mesma mensagem do compacto aparece no VLLP 116 – “Sacrifício
Vivo”, lançado em 1988. A oração é a mesma do pequeno compacto da década de 80, além da
pregação em Romanos, capítulo 12, mais coral e alguns corinhos.
Uma vez feito o destaque do disco mais procurado e mais utilizado pelos membros da
IPDA, passamos a expor o resultado da pesquisa realizada nos demais discos. Conseguimos
pesquisar 236 faixas de discos lançados pela gravadora “A Voz da Libertação”. De um total
de 1535 ocorrências, tabulamos 1307, ou seja, 85%, cujo resultado aparece logo abaixo. As
outras novidades sobre a pesquisa das gravações e dos hinos ficam por conta das
características dessas mensagens, que mostram a IPDA com um enfoque cristocêntrico e
escatológico. É o que indica a tabela apresentada a seguir:
Tabela 3 - LP’s mais representativos
[1] – LPAM77 de 1981, “Espada de dois gumes”, o mais antigo, época em que a proprietária
da gravadora era Araci Miranda, irmã de DM, conforme faixa 5 “Minha homenagem”.
[2] – Um dos mais recentes, é um CD lançado em setembro de 2006, “Lágrima escondida”.
[3] 11,2% (Jesus) Exemplo: VLLP 16778 El Sembrador
[4] 10,8% (Escatologia) Exemplo: VLLP 140 – Canção do Exílio
[5] 6,3% (Deus) Exemplo: VLLP 202 – Filadélfia
[6] 6,1% (Fé) Exemplo: VLLP 194 - Cristãos
[7] 5,5% (Oração) Exemplo: VLLP 122 – Oitenta portas
[8] 5,1% (Pecado) Exemplo: VLLP 125 – Luz do mundo
[9] 4,1% (Amor) Exemplo: VLLP 137 – Bendizei ao Senhor
[10] 3,8% (Evangelização) Exemplo: VLLP 175 – Eu creio
[11] 3,8% (Alegria) Exemplo: VLLP 129 – Armadura de Deus
[12] 3,5% (Coração) Exemplo: VLLP 169 – Coração quebrado
[13] Corinhos da IPDA79
Há uma interessante contribuição de Dolghie (2007: 205) sobre a origem dos corinhos
cantados nas igrejas brasileiras que ela denomina paraeclesiásticas como segue:
77 LPAM são as siglas de Long Play Araci Miranda 78 VLLP são as siglas de Voz da Libertação Long Play 79 IPDA publicou o “Livreto de Corinhos” (Nova Edição) contendo 177 corinhos, repetindo alguns cânticos da Harpa Cristã.
93
No entanto, os primeiros corinhos, seguindo o que aconteceu com os hinos, eram traduções e adaptações de canções americanas, que aos poucos foram servindo de modelo para composições brasileiras. A teologia desses novos cânticos, acompanhava a teologia das paraeclesiásticas, que, por sua vez, não era muito diferente da teologia missionária do período da inserção protestante no Brasil. Assim, características como pietismo, individualismo, salvação pessoal e apelo emocional continuaram a constituir o conteúdo dos novos cânticos.
Tabela 4 - Principais temas dos hinos por quantidade de menções
TEMAS
NÙMERO DE
MENÇÕES
PERCENTUAL
SOBRE O TOTAL
Alegria + alegre + feliz 58 3,8
Alma oprimida + pecado + desviado 78 5,1
Amor 63 4,1
Bênção + Graça 35 2,3
Bíblia + evangelho + pregação 41 2,7
Clamor + oração + súplica + intercessão 83 5,5
Coração 60 3,5
Cura 29 1,9
Deus 98 6,3
Diabo + inimigo 32 2,1
Confiança + esperança + perseverança + fé + fiel 95 6,1
Escatologia + salvação + ressurreição + N.Jerusalém 165 10,8
Espírito Santo + batismo c/ fogo + novas línguas 26 1,7
Evangelização 57 3,8
Igreja 30 2
Jesus, Cristo, Salvador 173 11,2
Lágrimas + prantos 27 1,7
Louvor 36 2,3
Paz 33 2,2
Perdão 23 1,5
Santa Ceia 44 2,9
Vaidade (saia curta, pintura) + vÍcios (jogo, etc.) 21 1,4
Sub total pesquisado 1307 85
Outros 228 15
TOTAL GERAL 1535 100
Os dados acima demonstram que a IPDA tem mensagem essencialmente
cristocêntrica, porque a maior incidência encontrada nesse item representa 11,2%. É também
uma Igreja com pregação fortemente escatológica, porque 10,8% das ocorrências referem-se à
94
salvação, ressurreição e Nova Jerusalém. Ao contrário do que se ouve falar, o exorcismo ou a
expulsão do diabo tem pouca freqüência na pesquisa acima, porque representou apenas 2,1%.
Da mesma forma, não identificamos, nos hinos pesquisados, grande incidência de menções
sobre a cura divina, tão explorada nos cultos e em todos os templos da IPDA. Esse item
representou apenas 1,9%.
Tabela 5 - Concentração dos principais temas nos hinos pesquisados
TEMAS PERCENTUAL
Intercessão e confiança 15,4
Jesus 11,2
Evangelho e salvação 7,5
Deus 6,3
Oração e súplica 5,5
Igreja 2
Afirmação de fé 1,9
Espírito Santo 1,7
Na tabela acima fica evidenciado que a intercessão e a confiança foi o objetivo
principal dos cantores, autores e divulgadores das mensagens da IPDA por meio da gravadora
“A Voz da Libertação”. Nesse item procuramos enquadrar a oração, a exortação, o clamor, a
súplica e outras menções correlatas, que somam juntos algo como 21% das mensagens.
Do ponto de vista doutrinário e exortativo, o LP mais rico é o VLLP 122 – “Oitenta
portas”, uma homenagem ao templo antigo (fábrica) que possuía 80 portas. Esse LP
contempla 69 ocorrências do total de itens pesquisados e está presente no bloco das 60,2%.
Pode-se deduzir que esse autor, senão o único, identificou os principais pontos doutrinários da
IPDA. Contudo, a IPDA dá grande valor à ação do Espírito Santo na revelação e também na
cura e no exorcismo. Todavia, esses três quesitos não estão entre os dez mais importantes
porque representam respectivamente 1,7%, 1,9% e 2,1%. Deve-se levar em conta que os
preceitos doutrinários que aparecem no “Regulamento Interno” da IPDA não foram
contemplados nas mensagens da gravadora “A Voz da Libertação” como se esperava. Apenas
identificamos 228 menções, de um total de 1535 pesquisadas, o que representa 15,2% das
ocorrências.
95
Apesar da relevância do tema “música e louvor” e da forte atuação de DM por meio da
vendagem de discos no seu “mercado interno” por meio de suas livrarias instaladas no interior
dos templos da IPDA, entendemos que a maior concentração de esforços de David Martins de
Miranda esteja baseada na mídia radiofônica, que apresentaremos no próximo item.
2.4 – O uso da mídia
Podemos afirmar que foi a partir de 1450 que os cristãos tiveram seu grande momento
quando Gutenberg (Johann Gensfleisch zur Laden ou zum Gutenberg 1390-1468) imprimiu a
primeira Bíblia. Todavia, só em 1517, com Lutero, e com a Reforma, começou a divulgação
da Bíblia em alemão, posteriormente em vários idiomas. A imprensa veio permitir, então, que
os reformadores começassem a publicar folhetos, livros e hinários para dar suporte ao
incipiente protestantismo que enfrentava o catolicismo cujas fontes de divulgação ficavam
concentradas no clero, e somente em latim. Todavia, podemos considerar que o processo de
divulgação, a partir da Idade Média, exceção feita à oralidade e à escrita manual, deu-se em
três etapas, entrando agora na quarta etapa.
A primeira etapa foi a escrita pela imprensa com tipos móveis de Gutenberg. A
segunda etapa viria com a eletricidade e o invento do rádio. A terceira etapa, com a televisão.
Hoje, com a Internet, entramos na era da informática com divulgações online, que atuam com
todo o dinamismo que a sociedade requer nesses tempos de modernidade. A religião não
poderia deixar passar ao lado essas grandes descobertas sem se aproveitar dos seus benefícios.
A humanidade experimentou, com o rádio, uma das maiores revoluções na área da
comunicação. O início do século XX foi sacudido com a grande novidade da comunicação em
tempo real. Se de um lado a escrita permitiu que os povos antigos deixassem suas memórias
gravadas em pedras, placas de barro, em papiros e pergaminhos e, mais tarde, no papel, por
outro lado, o rádio colocou, independentemente da distância, pessoas, povos e nações em
contato constante e imediato. Dele se valeram as nações para as mais diversas formas de
comunicação.
O uso do rádio na evangelização também teve seu momento de glória com um
pregador carismático chamado J. Charles Jessup nascido em 1916. O texto de J. Peter Boyer
(1999: 64-83)80 esclarece que esse pregador era bastante excêntrico, tornou-se milionário e
caiu em desgraça. Começou por tentar transportar dinheiro dentro do estofamento de seu
80 Homem milagre. Memórias americanas. – Tradução livre que fazemos do texto em inglês.
96
automóvel. Esse pregador tornou-se modelo para um filme, O Apóstolo,81 apresentado em
TV’s e também em cinemas. Jessup, em 1933, após prolongado jejum, sentiu a presença de
Deus que lhe conferiu o dom de cura. Pessoas curadas jogavam o remédio fora. Sua desgraça
começou quando ele pediu insistentemente dinheiro, por meio de cartas aos ouvintes para
pagar programas de rádio, mas descobriram que ele já havia quitado adiantado o pagamento
de alguns meses. Ao contrário de David Miranda, que ora pelo rádio, Jessup pedia cartas e
envelopes com contribuições, prometendo orar em favor de cada remetente.
Os críticos diziam: “como orar por 30.000 remetentes?” David Miranda inova quando
ora pelo rádio, mas o sistema de ofertas para a IPDA se dá por dízimos e envelopes de votos
das inúmeras campanhas incentivadas por todos os pregadores e pelos locutores do programa
de rádio “A Voz da Libertação”.82 A estratégia de Jessup era diferente: explorava o
departamento de Correios, dizendo-se “um homem de Deus”, remetia milhares de cartas a
preço subvencionado. Uma pessoa curada deu-lhe de presente um automóvel Lincoln
Continental de 12 cilindros. Mas Jessup acabou sendo incriminado por explorar as pessoas
pelas cartas e não por fraude de impostos, porque diziam os fiscais do imposto de rendas: “é
impossível saber quanto dinheiro entra numa igreja.”
O autor comenta sobre o lucrativo “ministério do rádio”, que enriqueceu o Reverendo
Jessup. Quando de sua condenação em 1969 a um ano de prisão, o juiz mencionou seus
cadillacs, aviões e barcos, adquiridos com dinheiro vindo de pessoas a quem ele escrevia. Em
seguida, o juiz, em tom de zombaria, leu uma das cartas retidas pelo Departamento de
Correios que estava monitorando correspondências de Jessup: “Lágrimas estão correndo de
minha face enquanto eu escrevo”. Noutra carta, o juiz leu: “Oh, pense! Deus envia uma
profecia para você”. Cumprida sua pena, Jessup, tendo perdido tudo, conseguiu o emprego de
zelador numa propriedade. Morreu em 1993. Esse texto conclui afirmando que os
aproveitadores da fé do povo conseguem o seu intento, em proveito próprio, sendo o rádio
uma grande arma nessa batalha para a obtenção de riqueza. David Miranda tem tido sucesso
81 Trata-se do filme: The Apostle (O Apóstolo), (1997), que descreve a história de um pastor, cuja esposa o traiu. Agrediu o amante da esposa, deixando-o em coma, fugiu para outra cidade. Incógnito fundou uma igreja que cresceu na base de programação de rádio. Por se tornar muito conhecido, acabou sendo descoberto pela polícia que o prendeu. A apropriação do exemplo de um homem cheio de defeitos (Jessup tinha uma vida bastante desregrada) com esse pastor criminoso, e a falta de cuidados com a própria família, parece ser a mensagem do filme. 82 Campos (1982: 107) esclarece que “O esquema de negociação se dá ainda na chamada ‘campanha dos sete dias’, que funciona assim: o problemático assina um compromisso de freqüência à Igreja e de contribuição durante 7 dias. Assinar uma campanha e cumprir o voto é encarado como uma excelente preparação para receber o milagre.”
97
em seus empreendimentos que se englobam sob as operações da sua atividade radiofônica,
assunto que analisaremos a seguir.
2.4.1 – A IPDA e os programas de rádio.
O uso do rádio, desde sua descoberta, foi bastante útil na tarefa de evangelização. Sua
influência se fez sentir também no Brasil, embora um pouco mais tarde do que nos Estados
Unidos da América do Norte e na Europa. De acordo com Muriel Valência (2008: 15):
As primeiras demonstrações de rádio foram feitas em 1922 na então capital do País, o Rio de Janeiro. No dia 7 de Setembro daquele ano o presidente Epitácio Pessoa fez a primeira transmissão brasileira, em que seu discurso chegou às poucas pessoas dos primeiros rádios de galena. Mas foi em 20 de abril de 1923 que os pioneiros Edgard Roquete Pinto e Henrique Moritze fundaram a primeira rádio brasileira: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com o prefixo PRA-A.
Esse extraordinário meio de comunicação foi utilizado por DM desde que começou
suas atividades como líder religioso de sua denominação pentecostal. Campos (1982: 112)
havia identificado essa estratégia que proporcionou o rápido crescimento da IPDA, ancorada
em seus programas de rádio divulgados pela “A Voz da Libertação”:
O sucesso do programa se deve à existência de uma situação econômico-social que favorece, criando continuamente novos enfermos e impulsionando-os à procura de um milagre qualquer. Por outro lado usando técnicas já assimiladas pela sociedade, seu trabalho se torna facilitado, agindo à sombra de formas tradicionais (religiões mágicas e catolicismo popular) de solução de aflições. As técnicas persuasivas presentes no programa lhe dão a característica de ser porta-voz de uma empresa especializada na produção e comercialização de bens religiosos, dentro dos mecanismos da sociedade capitalista de consumo.
David Miranda confessa que foram as concentrações em cinemas, teatros e praças que
lhe proporcionaram meios para investir em programas de rádio. Em sua entrevista, por
ocasião do lançamento da primeira revista Ide83, DM afirmava:
Deus preparou um meio de evangelizarmos através de concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes e aí começou a nossa experiência de evangelização, com as concentrações de milagres, de curas divinas. Aí Deus começou a mandar muita gente para estes locais e a Igreja começou a reagir. Porque então ela começou a ter possibilidades financeiras de ter mais horários de programas de rádio, de distribuirmos mais folhetos, enfim foi nessa época, oito anos depois, que a obra começou a crescer.
A IPDA pode se orgulhar do seu eficiente trabalho realizado em seus inúmeros
programas de rádio, não só em suas emissoras próprias como em programas contratados e
83 Ide ano 1 no.1, Dez. 1999. p. 13
98
outras emissoras. Desde os primeiros momentos de funcionamento de sua Igreja, DM
percebeu que o rádio seria a alavanca para as curas ou o ponto de apoio para levantar sua
denominação. Talvez seguindo o exemplo de Manoel de Mello, que desde janeiro de 1956
tem seu programa de rádio A voz do Brasil para Cristo, tema estudado por José Hélio de Lima
(2008: 73), David Miranda (1992: 67ss) informou que seu primeiro programa de rádio foi um
programa de 15 minutos, três vezes por semana na Rádio Industrial que ficava no bairro do
Butantã. “Alguns dias depois, conseguimos mais 12 minutos na Rádio Cacique de São
Caetano do Sul, também três vezes por semana” (Ibidem, p. 68). O terceiro programa foi em
sua filial de São José dos Campos, na Rádio Piratininga, todos os domingos das oito às nove
horas (Ibidem, p. 69).
Campos (1996: 217) ao escrever sobre o pentecostalismo, que nos anos 50 começou a
utilizar-se dos recursos do rádio para difundir suas mensagens, cita a liderança de Manoel de
Mello, seguida depois por David Miranda, sendo que este último criticava seu “concorrente”,
pelo menos por duas razões: Mello tinha um vasto bigode e vivia se envolvendo com
políticos. Já a doutrina da IPDA impedia que seus membros usassem barba e bigode e que se
envolvessem com a política. Quanto ao uso do rádio, Campos informava que no Brasil, a ligação sólida com o rádio se deu nos anos 50, com a fusão de características do “pentecostalismo clássico” com o movimento “de cura divina”, cuja expansão gerou imediata resistência do protestantismo histórico. Impossibilitados de continuarem usando templos pertencentes às denominações já estabelecidas e aproveitando-se da experiência do movimento de “cura divina” dos Estados Unidos, os missionários Harold Williams, Raymond Boatright e outros pregadores estimularam o emprego com intensidade das emissoras de rádio como estratégia de apoio às concentrações então realizadas em tendas de lonas, divulgação das curas divinas e contato com um rebanho disperso por inúmeras cidades do interior do País. Naqueles primeiros dias do movimento de cura divina no Brasil, no ABC paulista, um pregador alemão, Ernesto Grimm divulgava pelo rádio as principais idéias do movimento.
Duncan Alexander Reily (2003: 366 e 435) identificou a estratégia dos pentecostais
por meio do rádio, comentando seu crescimento:
O movimento continua em franco crescimento, facilmente constatável pelo uso maciço do rádio. Por exemplo, “A Voz da Libertação” diariamente das 4 às 9 h. E do meio-dia às 17 h., do missionário David Miranda, e o programa diário de Manoel de Mello na Rádio Tupi, São Paulo.
O site da IPDA acessado em agosto de 2008 indica que ela mantém programação de
rádio no Exterior em 14 países e no Brasil, nos 24 estados, incluindo o Distrito Federal. Essa
relação acha-se incorporada aos anexos no final desta Dissertação de Mestrado, conforme
Dossiê “IPDA” no. 6.
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Campos (2004: 156) escreveu um texto para a Revista USP, ocasião em que teceu
comentários sobre o sucesso de David Miranda com o rádio:
Os seus estúdios estão localizados em sua Sede Mundial, um amplo e luxuoso templo construído no local de uma antiga fábrica desativada, próximo da praça da Sé, no centro de São Paulo, inaugurado em 1o./1/2004, após um investimento da ordem de R$ 25 milhões de reais. Deles saem as vozes do “consagrado homem de Deus” David Miranda, de seus presbíteros, evangelistas, filhas, filho, genros e obreiros, ecoando por toda a América Latina através de centenas de horas diárias de programação radiofônica, transmitidas por cerca de 20 emissoras de propriedade do próprio grupo e por centenas de outras com horários comprados em todo o Brasil e América Latina.[...] Mas a que atribuir o sucesso da programação radiofônica dos pentecostais? Temos trabalhado com a hipótese de que houve um casamento ideal entre pentecostais e rádio no Brasil por causa da cultura da oralidade que aqui se desenvolveu. Ora o rádio cria a possibilidade de o ouvinte gerar as suas próprias imagens mentais, tornando-se assim cúmplices ou um agente ativo no processo de comunicação, enquanto preenche com as suas fantasias e desejos os claros do discurso da linguagem falada.
Misticismo e magia também são transmitidos pelas ondas do rádio quando se pede ao
ouvinte que coloque um copo com água sobre o rádio para receber a oração do locutor: o
poder mágico da oração alcançará a água que, ao ser tomada, curará o enfermo. Na década de
90, pertencendo ao quadro de diáconos da IPDA, durante vários meses fizemos o programa de
rádio da “A Voz da Libertação” que era transmitido diretamente do estúdio C da Sede da
IPDA na Av. do Estado, no bairro do Glicério, no centro da capital paulista. Nesses
programas, era norma pedir à pessoa ouvinte que fosse colocado sobre o rádio um copo com
água para receber a unção do Espírito Santo na hora da oração do locutor ou quando o
Missionário David Miranda orava. Quando acontecia a cura, a pessoa curada era convidada a
vir ao estúdio da IPDA para contar a bênção. Nossa locução ia das 18h à meia noite dos dias
da semana. Na locução, havia constantemente dois locutores e um técnico que colocava as
músicas no ar ou as mensagens de DM no ar. Sempre que possível o técnico colocava
testemunhos que começavam com a expressão: “conta a bênção, irmão” no ar ou a agenda da
semana de David Miranda. Era comum receber ligações telefônicas fora do ar para
aconselhamento e oração em favor de quem telefonava. Um locutor estava sempre alerta,
avisando àquele que estava usando o microfone para citar as campanhas da semana e a agenda
de pregação do Missionário David Miranda, que era como ele gostava de ser chamado. DM
também apreciava quando alguém o anunciava como o “consagrado homem de Deus
Missionário David Miranda.” Campos (2002: 104) abordando essa mesma questão observa
que: Uma nova forma de manifestar a conversão entre os novos pentecostais é a gravação dos “testemunhos de fé” (como se fossem ex-votos apresentados nos santuários pertencentes ao catolicismo popular) para programas de emissoras de rádio e televisão ou então para o jornal da Igreja. Por exemplo, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” que somente usa o rádio como meio
100
de propagação de sua mensagem, tem um quadro em seus programas radiofônicos em que um pastor-locutor desencadeia o discurso do convertido com um refrão: “conte a bênção irmão”.
Hugo Assmann (1986: 163) ao comentar sobre as curas e os milagres assim se
manifesta: Não se trata, evidentemente, de apoiar o curandeirismo, o milagreirismo. Mas é necessário sair dos simplismos racionalistas. Abandonar a pseudociência. Agüentar perguntas. Não querer explicar tudo como trapaça e engano, apesar de existirem muitos trapaceiros. O terrível é que a religião fornece os substitutivos mágicos – que funcionam, repetimos – lá onde se exigem soluções de caráter humano, individual e social. Milagres há. O que falta são as soluções. E os milagres, no sentido abrangente que aqui conferimos ao termo, são uma razão a mais para buscar soluções.
A IPDA tem investido pesadamente em programação radiofônica. Atualmente é
considerada a rádio que mais investe nessa forma de comunicação, pois a “A Voz da
Libertação” tem sido o carro chefe na expansão da IPDA84. Outras denominações utilizam-se
da rede de televisão, mas DM considera a TV como a “caixa do diabo” e membros da Igreja
Pentecostal “Deus é Amor” estão proibidos de possuir aparelhos de TV em suas casas e de
ouvir “músicas mundanas” pelo rádio, conforme os itens G3 e G4, pp. 36-37 da atual
“Credencial de Membro”, reproduzidos a seguir:
Ilustração no. 2 – Parte da “Credencial de Membro”
84 Jornal da IPDA O Testemunho ano 3 no. 4 Dez. 2006 p. 2: DM informa que a IPDA está “em mais de 140 países em todos os continentes da Terra, 19 mil Igrejas, (leia-se templos) mais de 180 mil obreiros, milhões de convertidos, 18 mil programas de rádio diários...” Todavia, os adversários dos movimentos pentecostais freqüentemente acusam os líderes de exagerarem nos números. Nós aqui damos apenas a versão oferecida por DM e sua Igreja.
101
Quanto ao rádio, o item G4 especifica: “Rádio, Internet, CD’s, MP3, etc.: Não é
permitido ouvir músicas e programas mundanos.”
É nesse espaço que DM, por intermédio do rádio, se inseriu na comunidade de fiéis
(Campos 1982: 92-93), aproveitando uma situação de crise que “envolveu todo o antigo grupo
das Associadas”.
DM escolheu a Rádio Tupi de São Paulo quando grande crise financeira envolveu todo o antigo grupo das Associadas. [...] Com o agravamento da crise, ela passou a viver dos “milagres e profecias.” Quase todo o seu horário foi vendido a religiosos [...] Há pelo menos duas razões que, acreditamos, levaram DM a escolher esse meio para ser o órgão oficial de sua seita [...] ele se dirige para uma audiência onde há milhões de pentecostais de outras seitas. Eles acreditam que a televisão é “do diabo” [...] Ele jamais poderá usar um meio condenado pela sua audiência. Uma outra razão seria que, atuando entre migrantes pobres, doentes, e aflitos, pessoas quase sempre vindas do meio rural, marcadas por um sistema oral de comunicação, ele encontra no rádio um ponto de equilíbrio entre um sistema oral e outro de média. [...] Surgem as “madrugadas com Deus”. Numa delas surgiu o programa de David Miranda, “A Voz da Libertação” [...] um fenômeno de massa que encontrou no rádio o seu veículo ideal.
Para Miranda, o uso do rádio é um atendimento à ordem de Jesus de pregar a qualquer
custo, a tempo e fora de tempo, a mensagem do Evangelho. Nesse contexto, até mesmo certas
irregularidades seriam toleradas, como as rádios clandestinas. Na reunião da diretoria da
IPDA, realizada em 26 de julho de 1999, foi tratado e aprovado o Item 15: “Foi autorizado a
pegar programa ‘A Voz da Libertação’ em rádio FM/Comunitárias, conhecidas como Rádios
Piratas”. Essas autorizações visavam, como ainda visam, divulgar as programações da “A Voz
da Libertação” a partir de qualquer comunidade onde um templo da IPDA esteja instalado.
Quando não havia recurso para uma Congregação da IPDA pagar os programas locais,
a própria sede estadual ou mundial se comprometia a pagar essas despesas. Muitas cidades
pequenas que mantinham suas rádios divulgavam a programação da IPDA local. Nas
concentrações com David Miranda, de qualquer lugar onde ele estivesse, a rede nacional e
mundial da “A Voz da Libertação” entrava no ar e aquela pequena localidade também fazia
parte da extensa rede. Cada dirigente de Igreja era cobrado dessa necessidade de se integrar à
rede da “A Voz da Libertação”. Essa exigência era obrigatória para todo dirigente das
chamadas “sedes estaduais”. O “Regulamento Interno”, na letra A12 especifica:
É obrigatório todas as sedes estaduais terem, no mínimo, um programa de rádio, pode ser até de 5 minutos por dia; e nestes programas, é obrigatório anunciar para os ouvintes virem na IPDA retirar as credenciais dos ministérios do jejum e da oração, incentivando-os que somente teremos vitórias pela oração e jejum. 1 Tm 4.10; Mc 9.29.
102
Há, também, punição para aqueles que não dão a devida assistência ao programa. O item A6
especifica:
Os obreiros que deixarem o programa somente rodando hinos, e não apresentarem, ou gravarem ou escalarem alguém que tenha condições de apresentar o programa, serão punidos. Pv. 18.9; Mt 25.26. Punição: pagar com o seu dinheiro o valor dos horários que ficou rodando somente hinos.
Todavia, essas rádios se escondem sob o título de comunitárias; porém, a grande parte
presta poucos serviços à comunidade; servindo mais a interesses particulares de seus
proprietários. O governo não tem conseguido inibir a ação desses aproveitadores. Prende
alguns, derruba as antenas de outros, mas essas rádios proliferam por todos os cantos. O
conceito de “emissora pirata” tem sido usado pela imprensa brasileira para designar estações
transmissoras operadas por particulares sem autorização do Ministério das Comunicações ou
da Anatel. A acusação permanente se baseia em possíveis interferências dessas emissões na
comunicação da polícia, dos bombeiros e ambulâncias e até na navegação aérea. O mesmo se
afirma das dificuldades de comunicação nos aeroportos.
Nos anos 90, David Miranda decidiu desenvolver um projeto para instalar suas rádios
filiais em todo o território nacional. Seu plano ruiu por falta de apoio político em Brasília,
tema que será abordado no capítulo 4 desta Dissertação de Mestrado, quando tratarmos da
política na IPDA.
2.4.2 – A IPDA e suas publicações
Em 1982, portanto 20 anos após a sua fundação, Campos (1982: 111) já havia notado
que a IPDA não mantinha outro meio de divulgação a não ser o rádio. Revistas só
apareceriam no final da década seguinte.
Devido às características técnicas do rádio como veículo de comunicação de massa, aliado ao potencial econômico da seita, esse tem sido o único meio de comunicação empregado por DM, além das concentrações públicas. Não observamos a existência de jornal, revista ou qualquer forma de atingir o público, além do rádio.
Causa bastante estranheza uma entidade religiosa ficar praticamente três décadas sem
um órgão oficial de divulgação por escrito Na verdade, em seu depoimento anterior, David
Miranda disse que após começar suas pregações em praças e salões “[...] começou a ter
possibilidades financeiras de ter mais horários de programas de rádio, de distribuirmos mais
folhetos...” Apesar do seu jornal ter publicação muito esporádica, sua primeira edição deve ter
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ocorrido na década de 90, ou seja, 28 anos após a fundação da IPDA. Em 1999, DM falava de
folhetos e de rádio, mas não de revista. Sua primeira revista surge em dezembro de 1999. Em
2006, a IPDA editava três órgãos informativos, sendo duas revistas e um jornal. As revistas
começaram a ser editadas em 1999 e o jornal deve ter iniciado antes de 1991, já que Paul
Freston faz a seguinte citação à p. 92 de sua Tese de Doutorado: “Sobre a vida de Miranda,
ver O Testemunho, julho de 1991, p. 5”. Esse jornal não foi localizado, porém, a autobiografia
de DM é datada de 1992, portanto devendo ser mais completa, já que mais recente do que o
jornal de 1991.
No entanto, esta Dissertação de Mestrado já reproduziu partes da entrevista que David
Miranda deu em duas ocasiões aos seus órgãos de informação: a revista Ide de 1999 e o jornal
O Testemunho de dezembro de 2006. Não se localizou na pesquisa, até o momento, o
primeiro número do Jornal O Testemunho nem o de 1991 referido por Freston. Na avaliação
feita sobre os órgãos de informação da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, nota-se que o
número de páginas vem aumentando paulatinamente, comprovando que as informações sobre
essa Igreja são dinâmicas. David Miranda e sua esposa têm transmitido seus princípios
doutrinários por meio de suas revistas e de seu jornal. Seguem alguns exemplos:
“A luta do crente” (DM) Ide – ano 1 no. 2 – junho de 2000
“O Espírito Santo” (DM) Ide - ano 2 no. 4 – junho de 2001
“Deus cumpre a promessa” (DM) O Testemunho - ano 3, no. 4 – dezembro de 2006
“Crença ou divertimento?” (Ereni) Ide - ano 6 no. 12 – dezembro de 2006
O calendário mostrado na página seguinte é distribuído gratuitamente nos cultos, por
ocasião do fim do ano. Esse calendário foi reproduzido, em parte, num folheto apresentado
com frente e verso, apesar de que o calendário foi impresso em cartolina bem resistente,
apresentando a figura de DM diante das cadeiras de rodas, muletas e outros aparelhos
ortopédicos deixados na IPDA pelas pessoas supostamente curadas nas concentrações com
David Miranda. Nesse calendário constam as datas dos principais eventos da IPDA. Por
exemplo:
Todos segundos sábados e domingos de cada mês – Santa Ceia na Sede Mundial; 1o. de janeiro de 2008: Reunião e confraternização mundial com Miss. David Miranda 7 e 8 de junho de 2008: Santa Ceia, Reunião e 46o aniversário da IPDA com David Miranda; Dia 31 de dezembro: Vigília da virada do ano com o Miss. David Miranda.
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Ilustração no. 3: Calendário da IPDA para o ano de 2008
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