UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - ULBRA
EDUCAO A DISTNCIA
Coleo Educao a Distncia
Srie Livro-Texto
Dejalma Cremonese
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E CONTROLE SOCIAL
Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil
2009
SUMRIO
INTRODUO
......................................................................
....................................................... 4
UNIDADE 1 - PARTICIPAO COMO PRESSUPOSTO ESSENCIAL DA
DEMOCRACIA
......................................................................
...................................................... 6
1.1 Diferentes formas de participao
......................................................................
....................... 6
1.2 Origem e evoluo da democracia
......................................................................
.................... 10
UNIDADE 2 - DEMOCRACIA FORMAL: PARTICIPAO RESTRITA NA AMRICA
LATINA
......................................................................
................................................................ 13
2.1 Democracia formal e participao restrita
......................................................................
........ 13
UNIDADE 3 - O DEBATE SOBRE A PARTICIPAO NA TEORIA DEMOCRTICA
CONTEMPORNEA
......................................................................
........................................... 18
3.1 A teoria das elites
......................................................................
.............................................. 18
3.2 A teoria pluralista
......................................................................
.............................................. 21
3.3 A teoria neomarxista
......................................................................
......................................... 23
3.4 A teoria participacionista
......................................................................
.................................. 25
UNIDADE 4 - O ESTADO DO BEM-ESTAR E A POLTICA SOCIAL
............................. 28
4.1 As origens do Estado de Bem-Estar Social
......................................................................
....... 28
4.2 A crise do modelo keynesiano
......................................................................
.......................... 31
4.3 Poltica Social
......................................................................
.................................................... 32
UNIDADE 5 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO
BRASIL: DAS ORIGENS ERA VARGAS
......................................................................
..... 34
5.1 A herana colonial
......................................................................
............................................. 34
5.2 As primeiras constituies
......................................................................
................................ 35
5.3 A ampliao dos direitos sociais
......................................................................
....................... 37
UNIDADE 6 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO
BRASIL: DO DESENVOLVIMENTISMO AOS NOSSOS DIAS
......................................... 40
6.1 A Constituio de 1946
......................................................................
..................................... 40
6.2 Os Direitos Sociais no Perodo da Ditadura militar
................................................................ 41
6.3 A Constituio Cidad de 1988
......................................................................
......................... 42
6.4 A necessidade de consolidar os direitos sociais
......................................................................
43
UNIDADE 7 - O ESTADO NEOLIBERAL: EVOLUO E CRISE REPERCUSSES
NO BRASIL
......................................................................
.......................................................... 48
7.1 As origens do neoliberalismo
......................................................................
............................ 48
7.2 Consenso de Washington: reviso do neoliberalismo
............................................................. 51
7.3 A implementao do neoliberalismo no Brasil
......................................................................
. 52
7.4 Conseqncias das polticas neoliberais no Brasil
.................................................................. 54
UNIDADE 8 - A REFORMA POLTICA NO BRASIL: ENTRAVES E PERSPECTIVAS
......................................................................
......................................................................
.......... 60
8.1 O financiamento pblico das campanhas eleitorais
................................................................ 60
8.2 A questo da proporcionalidade e da representao
............................................................... 64
8.3 Sobre a obrigatoriedade do voto
......................................................................
........................ 65
8.4 A migrao de partido (troca-troca) e a fidelidade partidria
................................................. 67
8.5 Lista pr-ordenada (fechada) ou aberta
......................................................................
............. 69
8.6 Voto distrital ou voto misto
......................................................................
............................... 71
8.7 A clusula de barreira
......................................................................
........................................ 72
UNIDADE 9 - O CONTROLE SOCIAL E O ACCOUNTABILITY NO BRASIL
............... 76
9.1 O excesso das Medidas Provisrias no Brasil
......................................................................
... 76
9.2 O Accountability como instrumento de controle social
.......................................................... 80
UNIDADE 10 - SOCIEDADE CIVIL E CONSELHOS
.......................................................... 83
10.1 Conselhos, democracia e desenvolvimento
......................................................................
..... 88
10.2 Conselhos Distritais: um exemplo local
......................................................................
.......... 88
REFERNCIAS
......................................................................
.................................................... 92
INTRODUO
Este livro um subsdio terico disciplina Democracia
Participativa e Controle
Social do curso de Gesto Pblica da Universidade Luterana do Brasil
ULBRA (Modalidade -
Educao a Distncia).
O trabalho est dividido em dez unidades diferentes, cada uma delas
abordando um
tema especfico. A unidade inicial discute a questo da participao,
a partir da etimologia e dos
diferentes tipos de participao: convencional, no-convencional e
comunitrio. Ainda nesta
unidade, discute-se a questo da democracia, sua origem na Grcia
Clssica e sua evoluo
histrica at o debate na modernidade.
A segunda unidade trata da questo da democracia formal e da
democracia substancial
(participativa) e suas implicaes na Amrica Latina. Percebe-se o
predomnio da democracia
formal polirquica em boa parte dos pases da Amrica Latina. No
entanto, quando falamos em
democracia substancial (participativa), as experincias so
deficitrias. Alm da ausncia da
democracia participativa, o continente apresenta dficit de democracia
social e econmica: altos
ndices de pobreza e desigualdade social.
A terceira unidade trata da participao no debate da teoria
democrtica contempornea
(sculo XX). Discorre sobre a participao nas diferentes teorias: das
elites, pluralista,
neomarxista e participacionista e seus respectivos representantes.
Na quarta unidade discute-se o tema do Estado de Bem-Estar Social e a
sua relao com
o tema das polticas sociais. O Estado de Bem-Estar Social tinha como
funo bsica defender as
polticas sociais (educao, sade, lazer e previdncia). Este modelo
de Estado foi colocado em
prtica logo aps a II Guerra Mundial em boa parte dos pases
europeus.
A quinta e a sexta unidades tm como objetivo debater a questo do
Estado, das
Constituies e dos Direitos Sociais no Brasil. A emergncia tardia do
Estado brasileiro em
comparao com outros Estados centrais favoreceu, de certa forma, para
que os direitos sociais
fossem, da mesma forma, retardados. Por essa razo, somente a partir
dos anos 30 do sculo
passado que o Brasil passa a existir com um pensamento poltico, um
Estado estruturado e uma
sociedade organizada. A partir dessa dcada emergem os Direitos
Sociais. A unidade quinta tem
um recorte histrico das origens do Brasil (Colnia at a Era Vargas),
a sexta unidade discute o
Estado, as Constituies e os Direitos Sociais do Perodo
Desenvolvimentista at os nossos dias.
Na stima unidade discutem-se as transformaes do Estado brasileiro a
partir das
reformas neoliberais dos anos 90, suas implicaes e conseqncias.
A oitava unidade apresenta a discusso da Reforma Poltica no Brasil.
Por muitos anos
este debate recorrente no meio poltico e na opinio pblica. No
entanto, os avanos
propriamente ditos so bastante modestos. A unidade discorre sobre o
financiamento pblico de
campanha, a questo da proporcionalidade, a obrigatoriedade do voto, a
migrao partidria, a
lista pr-ordenada, o voto distrital e a clusula de barreira, entre
outros.
A nona unidade discorre sobre o tema do controle social e do
accountability no meio
poltico. Trata especificamente do caso do excesso das Medidas
Provisrias utilizadas de forma
indiscriminada pelos governos nos ltimos anos.
A ltima unidade apresenta uma teorizao sobre os diferentes
instrumentos de
participao da Democracia Direta (Referendo, Plebiscito e recall),
juntamente com outras
experincias da democracia participativa da sociedade civil:
movimentos sociais, organizaes
no-governamentais e Conselhos.
UNIDADE 1 - PARTICIPAO COMO PRESSUPOSTO ESSENCIAL DA
DEMOCRACIA
Entende-se que os diferentes canais de participao, tanto poltica
quanto social,
convergem para o surgimento do cidado que fomenta e consolida o
processo democrtico, pois
no h democracia sem seu ator principal, que o cidado (DEMO,
1988, p. 71). Neste
sentido, esta Unidade inicial discute aspectos gerais das diferentes
formas de participao
poltico-social (convencional, no convencional e comunitria) para,
na segunda seo, discutir a
questo da participao e da democracia na civilizao clssica dos
gregos (breve evoluo
histrica da democracia).
1.1 Diferentes formas de participao
A palavra participao, no plano conceitual, segundo Aurlio Buarque
de Holanda
(1988), origina-se do latim participatio e significa ato ou efeito de
participar. J o verbo
participar, dependendo do seu uso, pode ter vrios significados: a)
fazer saber, informar,
anunciar, comunicar; b) ter parte em; c) ter ou tomar parte; d)
associar-se pelo pensamento ou
pelo sentimento; e e) ter trao (s) em comum, ponto (s) de contato
(s).
Da mesma forma, para Avelar (2004, p. 225), participao provm de
uma palavra
latina cuja origem remonta ao sculo XV. Vem de participatio,
participacionis, participatum.
Significa tomar parte em, compartilhar, associar-se pelo sentimento
ou pensamento.
Na dimenso social, a participao entendida como um processo real,
na qual pode-
se v-la do ponto de vista das classes que operam na sociedade. A
participao vista a partir da
classe trabalhadora, das classes populares, como um processo de lutas
em que a populao tenta
assumir, buscar a sua parte. A palavra participar entendida como
partem capere, que significa
buscar, assumir, pegar a parte que deles, a parte que compete ao
trabalho, o que vai ocasionar,
muitas vezes, certos conflitos entre as classes, pois ningum vai
abrir mo do espao ou da parte
que ocupa. a participao vista no sentido das classes populares,
que significa buscar e assumir
o que delas: participao luta por direitos, luta por aquilo
que seu, que lhe est sendo
negado (PINTO, 1986, p. 28-31). Ou ainda como expressa Demo (1999, p.
2): participao
que d certo, traz problemas. Pois este seu sentido. No se ocupa
espao de poder, sem tir-lo
de algum.
Entende-se a participao no apenas como uma questo meramente
social, mas,
tambm, de ordem poltica. J o filsofo Aristteles afirmava que o
homem , por natureza, um
animal poltico (zoon) um ser vivente que, por sua natureza (physei),
feito para a vida da
cidade (bios politiks, derivado de polis, a comunidade poltica),1 ou
seja, o fim ltimo do
homem viver na polis, onde o homem se realiza como cidado
(politai), manifestando o termo
de um processo de constituio de sua essncia, a sua natureza. Ou
seja, no apenas viver em
sociedade, mas viver na politicidade. A verdadeira vida humana deve
almejar a organizao
poltica, que uma forma superior e at oposta simples vida do
convvio social da casa (oikia)
ou de comunidades mais complexas. A partir da compreenso da natureza
do homem,
determinados aspectos da vida social adquirem um estatuto
eminentemente poltico, tais como as
noes de governo, de dominao, de liberdade, de igualdade, do que
comum, do que
prprio.2 Aristteles defendia tambm a polis como uma koinonia de
alguma espcie.
Koinonia compreendida como comunho, integrao dos membros da polis
com o propsito
de se aperfeioarem e atingirem a autarkeia (FRIEDRICH, 1970).
1 A polis, para Aristteles, , segundo a descrio de Kitto (1970, p.
129), o nico ambiente, dentro do qual o
homem pode concretizar as suas capacidades morais, espirituais e
intelectuais; Barker (1978) afirma que a polis
era uma sociedade tica (p. 16).
2 Esta percepo mais poltica da convivncia humana foi percebida por
Marx nos Grundrisse (Grundrisse der Kritik
der politischen konomie 1857/58). Conferir Ramos (2001).
3 O grego, por sua situao geogrfica e sua cultura (paidia),
considera-se como privilegiado quanto
possibilidade de realizar a virtude do homem: a Cidade - como
comunidade consciente - precisamente a forma
poltica que permite a explicitao da virtude (CHTELET, 1985, p.
15).
4 O fim da cidade, conforme a descrio de Prlot (1974, p. 135) no
s assegurar aos cidados a vida e a sua
conservao (zein), mas o viver bem (euzein). A vida poltica destina-
se a garantir a qualidade e a perfeio da vida.
A reflexo de Aristteles sobre a poltica que ela no se separa da
tica, pois a vida
individual est imbricada na vida comunitria. A razo pela qual os
indivduos renem-se nas
cidades3 (e formam comunidades polticas) no apenas a de viver em
comum, mas a de viver
bem ou a boa vida.4 Para que isso acontea, necessrio que os
cidados vivam o bem
comum, ou em conjunto ou por intermdio dos seus governantes; se
acontecer o contrrio (a
busca do interesse prprio), est formada a degenerao do Estado.5
5 Aristteles define a cidade grega como aquela que condiz em viver
como convm que um homem viva. A
Poltica, LIVRO I, 2: 1252 a 24 - 1253 a 37, (CHTELET, 1985, p. 14).
6 Aristteles justificou a existncia da escravido por considerar que
h homens escravos pela sua prpria natureza e
somente um poder desptico (legtimo) capaz de governar. A viso que
Aristteles tem sobre a mulher, os
escravos e os estrangeiros (brbaros) a de seres excludos da
cidadania (MINOGUE, 1998, p. 22).
7 O trabalho intitulado A participao da sociedade na gesto pblica,
de Srgio Allebrandt, 2002 (Dissertao de
Mestrado) procura evidenciar, igualmente, a questo da participao
nos diferentes momentos da vida poltica e
social de Iju, mais especificamente na atuao dos conselhos
municipais no processo de formulao,
implementao e avaliao das polticas pblicas em Iju, no perodo
de 1989 a 2000.
Seguindo a idia de Aristteles, Ccero, no sculo I d.C., expressa o
carter inato da
sociabilidade entre os homens:
a primeira causa da agregao de uns homens a outros menos a sua
debilidade do que
um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espcie humana
no nasceu para o
isolamento e para a vida errante, mas com uma disposio que, mesmo na
abundncia
de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum (CCERO, apud
DALLARI, 2005,
p. 10).
No entanto, como j do nosso conhecimento, os filsofos Aristteles
e Plato no
deixaram de fazer severas crticas democracia (governo de muitos) na
Grcia Antiga,
principalmente ao exagero da participao nos processos polticos da
poca. Plato, no Livro
VIII de A Repblica, chega a classificar a democracia como uma forma
degenerada de governo.
Da mesma forma, para Aristteles, a democracia tenderia a defender os
interesses dos pobres, e
acabaria se deteriorando na sua capacidade de promover o bem comum.
Expressivos defensores
dos interesses da elite, Plato e Aristteles no viam com bons olhos
o excesso da participao
do governo de muitos que, em outras palavras, podemos generalizar
para governo dos
pobres.6
A participao integra o cotidiano da coletividade humana. Ao longo da
vida e em
diversas ocasies somos levados, por desejo prprio ou no, a
participar de grupos e atividades.
O ato de participar, tomar parte, revela a necessidade que os
indivduos tm em associar-se na
busca de alcanar objetivos que lhes seriam de difcil consecuo ou
at mesmo inatingveis caso
fossem perseguidos individualmente, de maneira isolada (ALLEBRANDT,
2002, p. 47).7
A participao entendida, assim, como uma necessidade em decorrncia
de o
homem viver e conviver com os outros, na tentativa de superar as
dificuldades que possam advir
do dia-a-dia. Participar significa tornar-se parte, sentir-se
includo, exercer o direito cidadania
(ter vez e voz). Como argumenta Demo (1999, p. 18), a participao
conquista, um processo
infindvel, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo [...]
autopromoo e existe enquanto
conquista processual. No existe participao suficiente, nem acabada
[...]. A participao no
pode ser entendida como ddiva, concesso ou como algo preexistente.
Das diferentes formas de participao, pode-se definir a participao
poltica como o
nmero e intensidade de indivduos e grupos envolvidos na tomada de
decises. Desde o tempo
dos antigos gregos, a participao constituiu-se idealmente no
encontro de cidados livres
debatendo publicamente e votando sobre decises de governo. A teoria
mais simples sempre foi
que o bom governo depende de altos nveis de participao (OUTHWAITE;
BOTTOMORE,
1996, p. 559).
A participao poltica pode ser entendida a partir de uma simples
conversa com
amigos e familiares at a aes mais complexas governos, eleies,
partidos, movimentos
sociais, referendos, abaixo-assinados. A emergncia da participao
poltica surge juntamente
com o Estado de soberania popular dos sculos XVIII e XIX, a partir da
Revoluo Industrial, da
emancipao poltica dos Estados Unidos da Amrica e da Revoluo
Francesa. H, no
entendimento de Avelar (2004), trs canais de participao poltica. O
primeiro: canal eleitoral -
diz respeito a formas de participao poltica em atividades como os
atos de votar, freqentar
reunies de partidos, convencer as pessoas a optar por certos
candidatos e partidos, contribuir
financeiramente para campanhas eleitorais, arrecadar fundos, ser
membro de cpula partidria,
candidatar-se. O segundo: canais corporativos - tm a ver com a
representao de interesses
privados no sistema estatal, organizaes profissionais e
empresariais, as instncias do Judicirio
e do Legislativo. O terceiro: a participao pelo canal
organizacional, que abrange as atividades
que se do no espao no-institucionalizado da poltica, como os
movimentos sociais (tnicos, de
gnero, opo sexual...). Avelar (2004) conclui dizendo que o cidado
interessado pela poltica
se envolve ou atua tanto nos modos de participao convencional e no-
convencional, pelos
canais eleitorais ou organizacionais (p. 227).
Da mesma forma, para Alves e Viscarra (2005, p. 170), a participao
poltica pode
ocorrer, igualmente, de trs formas distintas: a) a participao
convencional, utilizada atravs de
meios institucionais, autorizada ou regulada por leis ou normas, como
votar em eleies,
militncia partidria, entre outras; b) a participao no-
convencional, referente s aes que
utilizam meios extra-institucionais que contrariam as regras
estabelecidas, incluindo ocupaes
de prdios ou terrenos, obstruo de vias pblicas, etc; e a
participao comunitria, que possui o
maior apoio de comunidades locais. Como, por exemplo, organizaes
no-governamentais,
movimentos de bairros, voluntariado e associaes comunitrias, que,
desde a dcada de 80,
esto aumentando significativamente no Brasil.
O conceito participao tornou-se, assim, parte do vocabulrio
poltico popular no
final dos anos 60 do sculo passado e, tambm, esteve ligado a uma
onda de reivindicaes
provindas de estudantes universitrios por maiores espaos na esfera
da educao superior e
ainda por parte de vrios grupos que queriam, na prtica, a
implementao dos direitos
teoricamente j institudos (PATEMAN, 1992, p. 9).
Aps a elaborao da Constituio Federal de 1988, percebeu-se alguns
avanos na
democracia brasileira. notria a crescente participao da sociedade
civil que busca, em
sinergia com o Estado, a gesto e implementao de polticas pblicas,
principalmente nas reas
de seguridade social e de sade. A experincia de participao nos
Conselhos Regionais de
Desenvolvimento, Organizaes No-Governamentais (ONGs), Associaes
Comunitrias,
Oramento Participativo (OP), so exemplos de formas no-convencionais
de participao
poltica.8
8
Este trabalho ir desenvolver mais argumentos sobre outros meios de
participao da sociedade civil Conselhos
Gestores, Organizaes No-Governamentais (ONGs), Associaes
Comunitrias, Oramento Participativo (OP) na
Unidade final.
9 A proposio desse ponto no aprofundar o debate sobre a origem da
democracia clssica dos gregos e romanos
(democracia antiga). No entanto, sugerimos alguns autores que tratam o
tema: Anderson (1999), Arendt (1995),
Hegel (1975), Minogue (1998), Kitto (1970), Jaeger (s.d), Chau
(1994), Aranha e Martins (1993), Barker (1978),
Aquino (1988), Pinsky (1984) e Coulanges (s/d). O desdobramento dos
debates sobre o desenvolvimento do
conceito de democracia, bem como os limites de seus pressupostos desde
a democracia clssica ateniense at as
vertentes contemporneas, j foram muito bem expostos nos trabalho de
Held (1987) e Dahl (2001), entre outros.
Concluindo esta seo, entende-se que est explcita a tomada de
decises de
indivduos e grupos na participao poltica. Da mesma forma, pode-se
entender a democracia
como sendo um sistema poltico no qual o povo tem o direito de tomar
decises, em especial as
decises bsicas determinantes a respeito de questes importantes de
polticas pblicas
(OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179).
1.2 Origem e evoluo da democracia
A palavra democracia, de origem grega, significa, pela etimologia,
demos - povo e
kratein - governar. Foi o historiador Herdoto quem utilizou o termo
democracia pela primeira
vez no sculo V antes de Cristo (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179).9
H um entendimento unnime sobre as vrias e possveis invenes da
democracia
em perodos e espaos determinados da histria e da geografia do
Ocidente: como o fogo, a
pintura ou a escrita, a democracia parece ser inventada mais de uma
vez, em mais de um local
[...] depende das condies favorveis (DAHL, 2001, p. 19). Grcia e
Roma consolidaram por
sculos seus sistemas de governos, possibilitando e permitindo a
participao de um significativo
nmero de cidados. Com o desaparecimento das civilizaes clssicas,
a democracia desaparece
juntamente e, por um bom tempo, ficar fora de cena no Ocidente.
A democracia grega era uma democracia direta em que os prprios
cidados
tomavam as decises polticas na polis. O modelo de democracia dos
antigos foi denominado de
democracia pura, pois consistia em uma sociedade, com um nmero
pequeno de cidados, que se
reunia e administrava o governo de forma direta. J as democracias
modernas nascem com a
formao dos Estados nacionais e tendem a configurarem-se de maneira
um tanto diferenciada.
A complexidade da sociedade moderna exige uma outra forma de
organizao poltica, a da
democracia indireta (tambm chamada de democracia representativa):
essa combinao de
instituies polticas originou-se na Inglaterra, na Escandinvia, nos
Pases Baixos, na Sua e
em qualquer outro canto ao norte do mediterrneo (DAHL, 2001, p. 29).
J do ano 600 ao ano
1000 d.C., os Vikings, na Noruega, faziam experincias com Assemblias
Locais, mas s os
homens livres participavam: abaixo dos homens livres estariam os
escravos (p. 29). Tambm
na Inglaterra, ainda no Perodo Medieval, emerge o Parlamento
Representativo das Assemblias,
convocadas esporadicamente, sob a presso de necessidades, durante o
reinado de Eduardo I, de
1272 a 1307.
Bem mais tarde, nos sculos XV e XVI, a democracia reaparece
gradativamente nas
cidades do Norte da Itlia no perodo renascentista:
Durante mais de dois sculos, essas repblicas floresceram em uma
srie de cidades
italianas. Uma boa parte dessas repblicas, como Florena e Veneza,
eram centros de
extraordinria prosperidade, refinado artesanato, arte e arquitetura
soberba, desenho
urbano incomparvel, msica e poesia magnfica, e a entusistica
redescoberta do
mundo antigo da Grcia e de Roma (DAHL, 2001, p. 25).
assim que, lenta e gradativamente, a democracia vai consolidando-se
nas
sociedades avanadas da modernidade. Impulsionado pelas Revolues
liberais, como a
Revoluo Gloriosa na Inglaterra (1688/89), a Revoluo Americana
(1776) e a Revoluo
Francesa (1789), o homem moderno passa a ver garantida, nas suas
respectivas Constituies, a
defesa dos direitos individuais (vida, liberdade e propriedade). Tem-
se a a consolidao da
democracia liberal, defendida, principalmente, por John Locke.
certo, porm, que tais direitos
foram restritos a uma pequena parcela da populao, e a desigualdade
perdurou por muito tempo:
na Inglaterra, em 1832, o direito de voto era para apenas 5% da
populao acima dos vinte anos
de idade. O que est em jogo nas constituies liberais e nos sistemas
polticos modernos so
nica e exclusivamente os interesses da classe burguesa e o freamento
da ampliao da
participao para o restante da populao.
Finalizando esta Unidade, nota-se que, mesmo que a democracia
inventada pelos
gregos nos sculos V e IV a.C. fosse elitista e escravista
(participao restrita), ela no deixou de
significar um avano em relao s tiranias teocrticas das
civilizaes orientais que a
antecederam. Logo aps este perodo, a democracia desapareceu por
sculos e, depois disso, foi
s no final do sculo XVIII e no sculo XIX que a idia voltou a se
tornar importante; e s no
sculo XX que ela se viu devidamente firmada na prtica. E somente
depois da Primeira
Guerra Mundial que a desaprovao geral da democracia foi
substituda pela aprovao
generalizada (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 180). Entende-se, assim,
que a
participao seja um dos elementos essenciais da democracia, ou, como
afirma Demo (1999, p.
120), participao e democracia so sinnimos.
UNIDADE 2 - DEMOCRACIA FORMAL: PARTICIPAO RESTRITA NA AMRICA
LATINA
Passada mais de uma dcada em que as polticas neoliberais, formuladas
pelo
Consenso de Washington, foram aplicadas, percebe-se a deteriorao dos
valores cvicos em
todos os nveis da sociedade latino-americana.1
1 Sobre a discusso das reformas neoliberais na Amrica Latina nos
anos 90, conferir Anderson (1995), Sader e
Gentili (1995).
Valores como solidariedade, participao, confiana recproca nas
pessoas e nas
instituies polticas, nunca estiveram to fragilizados. Alm do
mais, o modelo neoliberal tem-
se mostrado perverso ao acentuar a excluso social mediante o
recrudescimento dos problemas
estruturais, que se refletem no desemprego crnico, no desencanto com
a poltica e na situao
de incerteza dos cidados com o futuro.
Dessa forma, apesar dos procedimentos polirquicos (DAHL, 1997),
percebe-se que a
insatisfao com a democracia tem aumentado, alm de persistirem
problemas graves de ordem
material (sade, educao, desemprego, excluso social e pobreza) que
obrigam busca por
solues alternativas ao paradigma estabelecido, para resolver esses
problemas, possibilitando
que os cidados no sejam meros espectadores da poltica e passem a
participar ativa e
protagonicamente (BAQUERO, 2006).
Esta Unidade, assim, tem como objetivo tratar na seo inicial dos
dficits
democrticos na Amrica Latina, ou seja, a necessidade dos avanos de
uma democracia formal
(polirquica) para uma democracia social (cidad).
2.1 Democracia formal e participao restrita
Dados do Latinobarmetro (2002) tm evidenciado tal insatisfao com a
democracia
na Amrica Latina. O grfico 1 demonstra que apenas 28% das pessoas
esto satisfeitas com a
democracia. O Paraguai o pas que apresenta o menor percentual,
apenas 9% das pessoas esto
satisfeitas. A Costa Rica aparece com o maior percentual de
satisfeitos (47%); o Brasil apresenta
um percentual intermedirio entre os pases latino-americanos, ou
seja, com a mdia dos pases
da Amrica Latina, 28% de satisfao com a democracia.
Grfico 1 Satisfao com a democracia (% de pessoas)
28474338343328252423221811901020304050Amrica LatinaCosta
RicaUruguaiVenezuelaArgentinaChileBrasilBolviaPanamEquadorColmbiaM
xicoPeruParaguai
Fonte: Latinobarmetro 2002 N=18.638.
Numa anlise retrospectiva percebe-se que, em seus duzentos anos de
vida
independente, a Amrica Latina viu a democracia nascer e morrer
diversas vezes. Em muitas
ocasies, a democracia se consagrava teoricamente nas Constituies,
mas era destruda na
prtica. Em nome da democracia, muitos morreram na luta contra as
tiranias. Sofrimentos e
conflitos mesclaram-se aos raros momentos de estabilidade democrtica.
Em nome da
democracia, por vezes foram violados os direitos fundamentais do
homem.
As contradies da democracia latino-americana ficaram ainda mais
evidentes a partir
do resultado do Relatrio do PNUD sob o ttulo O desenvolvimento da
democracia na Amrica
Latina.2 O resultado final do estudo aponta para a descrena e a
decepo da maioria dos
entrevistados em relao democracia latino-americana. 54,7% dos
cidados estariam dispostos
a aceitar um regime autoritrio se este resolvesse a situao
econmica de seus pases e
respondessem s suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o
desenvolvimento mais
2 Esse Relatrio publicado em abril de 2004 sob o patrocnio do
Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), teve como objetivo avaliar a democracia, suas
caractersticas principais e a aceitao da
mesma pelos latino-americanos. A pesquisa foi feita em 18 pases da
Amrica Latina, onde foram entrevistadas 19
mil pessoas, juntamente com mais 231 lderes regionais.
importante que a democracia e 58,1% concordam, tambm, que o
presidente possa ignorar as leis
para governar.
Ainda segundo o Relatrio do PNUD, nos ltimos anos, os pases latino-
americanos
vm consolidando apenas a democracia eleitoral (eleies livres,
competitivas e
institucionalizadas). No momento, a populao est livre das ditaduras
militares. No entanto,
parece surgir outro perigo: o da perda da vitalidade democrtica. Por
ora, prefere-se a
democracia ainda que se desconfie da sua capacidade para melhorar as
condies de vida. Os
partidos polticos alcanam ndices baixssimos na confiana do
eleitorado (Grfico 2), somente
14% dos latino-americanos confiam nos partidos polticos
(LATINOBARMETRO, 2002). O
Estado visto com receio e, s vezes, como opressor.
Grfico 2 Confiana nas Instituies na Amrica Latina
020406080IgrejaTelevisoForasArmadasPolciaGovernoSistemaJudicialCong
ressoPartidosPolticos200320022001
Fonte: Latinobarmetro 2002, N= 18.135; 18522; 18.638.
O Relatrio afirma que a Amrica Latina tem alcanado a democracia
eleitoral e suas
liberdades bsicas; trata-se, agora, de avanar para a consolidao da
democracia cidad (
preciso passar da condio de meros eleitores para cidados
participantes). A democracia
muito mais que um regime governamental, mais do que um mtodo para
eleger e ser eleito. O
sujeito, mais do que eleitor, cidado.3
3 No Brasil, a credibilidade dos partidos polticos bastante
limitada: Por exemplo, ao medir a confiana popular
nas instituies, a pesquisa Cultura Poltica e Cidadania, da Fundao
Perseu Abramo, realizada em 1997 apurou
que apenas 7% dos entrevistados declararam confiar totalmente nos
partidos polticos; 35% disseram confiar at
certo ponto; ao passo que 49% no confiavam. Os partidos polticos
aparecem nos ltimos lugares das instituies
avaliadas: Com esse resultado, os partidos ficaram em penltimo lugar
numa hierarquia de 20 instituies
avaliadas, ligeiramente acima de deputados e senadores, que foram os
lanterninhas do ranking (DULCI, 2003, p.
301).
4 Para mais informaes, pesquisar no Relatrio do Programa das Naes
Unidas El desarrollo de la democracia en
Amrica Latina, a parte inicial intitula-se El desafo: de una
democracia de electores a una democracia de
ciudadanos. Disponvel em http://www.undp.
org/spanish/proddal/idal_1a.pdf. Acesso em junho de 2004.
Se, por um lado, a democracia eleitoral dos pases pesquisados est
consolidada, por
outro, no mbito social, a Amrica Latina considerada um das regies
que apresentam os mais
elevados ndices de pobreza e desigualdade do mundo, onde os direitos
sociais ainda no esto
assegurados. Dados do Relatrio apontam que mais de 225 milhes de
pessoas (43,9%) vivem
abaixo da linha de pobreza na Amrica Latina.
Tabela 1 Democracia, Pobreza e Desigualdade
Regio
Participao
Eleitoral
Desigualdade
Pobreza
PIB per
capita
Amrica Latina
62,7
0,552
42,8
3792
Europa
73,6
0,29
15
22600
EUA
43,3
0,334
11,7
36100
Fonte: PNUD 2004.
Conforme demonstra a Tabela 1, a Amrica Latina, mesmo tendo um
percentual
maior de participao eleitoral se comparada com os Estados Unidos,
a regio que apresenta os
piores indicadores de desigualdade, pobreza e PIB per capita.
Confirmando a idia desenvolvida anteriormente, a Amrica Latina
passou, nos anos
90, por profundas reformas estruturais, chamadas de neoliberais
(reforma do Estado, ajustes
econmicos, privatizaes, desregulamentao, polticas impositivas);
porm, mesmo assim, os
resultados desejados no se concretizaram. O crescimento do PIB foi
insignificante. Em 1980, o
PIB per capita era de 3.739 dlares; em 2002, passou para apenas
3.952. Os nveis de pobreza
tiveram uma leve diminuio em termos relativos; mas um acrscimo em
termos absolutos: em
1990, 190 milhes de latino-americanos eram considerados pobres; em
2001, o nmero de
pobres aumentou para 209 milhes. A desigualdade social, o desemprego
e a informalidade
aumentaram substancialmente. Da mesma forma, a situao do trabalhador
piorou, alm da
diminuio de sua proteo social.4
Neste sentido, a democracia representativa existente nos pases
latino-americanos tem
um desafio a conquistar: passar da mera formalidade para uma
democracia ampliada para uma
democracia participativa.5 Esta democracia pressupe que a
participao pblica e o esprito
cvico dos cidados (associativismo, confiana e cooperativismo) sejam
aprimorados em busca
de justia social e da emancipao humana. E mais, a construo da
democracia participativa
supe uma combinao entre cidadania democrtica e representao
poltica plena
(TRINDADE, 2003, p. 65).
5 Segundo Amaral, a democracia participativa a subverso do
terceiro milnio. Disponvel em
http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_151/r151-02.pdf.
Acesso em 23 de janeiro de 2004. Conferir,
igualmente, o trabalho de Bonavides (2001), que um dos defensores da
democracia participativa.
6 ODonnell (1991) chama de democracia delegativa ou uma democracia
domesticada (MIGUEL, 2002).
A democracia latino-americana no pode ser apenas uma democracia que
facilita os
procedimentos, porm fracassa em proporcionar liberdades cvicas e em
garantir os direitos
humanos, o que Diamond (2001) denomina democracia iliberais
(illiberal democracies); ou
ainda a que Baquero (2006A) chama de democracia inercial: inexistncia
de instituies slidas,
comportamento poltico emocional e subjetivo, falta de fiscalizao e
predomnio de traos
clientelsticos, personalistas e patrimonialistas entre os
representantes eleitos (p. 67).6
necessrio que se estruture na Amrica Latina uma democracia dos de
baixo, em que os pobres
vejam garantidas a segurana social e econmica (CASANOVA, 1995).
UNIDADE 3 - O DEBATE SOBRE A PARTICIPAO NA TEORIA DEMOCRTICA
CONTEMPORNEA
Nesta unidade a participao ser o objeto central das anlises de
diferentes tericos
da Teoria Democrtica Contempornea, principalmente no debate da
teoria das elites, da teoria
pluralista, da teoria neomarxista e da teoria participacionista.
3.1 A teoria das elites
Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels integram o grupo de
autores
considerados elitistas clssicos. So, na verdade, os fundadores da
teoria das elites.1 So autores
liberais que entendem a poltica como uma prtica de lideranas que,
por sua origem e formao,
atribuem-se o direito de dirigir e comandar as massas populares, as
quais, por sua condio
social e histrica, no esto aptas a governar. Neste contexto,
natural que os inferiores sejam
dirigidos pelos superiores, que possuem o conhecimento da arte de
comandar. Para os
referidos autores, sempre vai haver desigualdade na sociedade, em
especial a desigualdade
poltica. Isto , sempre existir uma minoria dirigente e uma maioria
condenada a ser dirigida, o
que significa dizer que a democracia, enquanto governo do povo,
uma fantasia inatingvel.
Ou seja, os elitistas rejeitam a teoria clssica da democracia, bem
como o ideal democrtico
rousseauniano de autogoverno das massas , pois, descartado como
utpico (apud: PIO;
PORTO, 1998, p. 298).
1 A teoria das elites encontra sua fundamentao terica nas idias de
Max Weber. Para Weber, a democracia um
antdoto contra o avano totalitrio da burocracia. O autor entende
que a poltica deve ser exercida por profissionais
e no por um sujeito que no tenha vocao.
Para os elitistas, a igualdade impossvel. As massas so
necessariamente governadas
por uma minoria, que se impe at mesmo no seio dos partidos que
qualificam a si mesmos de
democrticos. Os autores da teoria das elites defendem que, na vida
poltica, haveria pouco
espao para a participao democrtica e o desenvolvimento coletivo.
Quanto democracia, a
entendem como meio de escolher pessoas encarregadas de tomar decises
e de impor alguns
limites a seus excessos.2
2 Conferir o trabalho de Oliveira (2003).
Pareto (1848-1923)
Fervoroso partidrio do liberalismo econmico, adversrio do
socialismo, recusou a
concepo marxista da luta de classes. Em sua substituio, prope a
teoria da circulao das
elites, que explica a histria como a contnua substituio de um
escol por outro (apud
SCHWARTZENBERG, 1979, p. 226).
Pareto afirma que elite o nome dado ao grupo de indivduos que
demonstram possuir
o grau mximo de capacidade, cada qual em seu ramo de atividade. Cada
um desses ramos
possui algumas pessoas que so as mais bem-sucedidas, e a reunio
delas forma a elite. Ainda
para Pareto, toda a sociedade humana estar sempre dividida em uma
elite e uma no-elite.
Mosca (1858-1941)
Diferentemente de Pareto, que tem uma abordagem psicolgica, Mosca tem
uma
abordagem organizacional. Foi professor, deputado e senador italiano.
Publica os Elementos da
cincia poltica em 1896 e imps a idia de classe dirigente de que
todas as sociedades
assentam-se na distino entre dirigentes e dirigidos. O poder, para
ele, no pode ser exercido
nem por um s indivduo nem pelo conjunto dos cidados, mas somente
por uma minoria
organizada: a classe dirigente (classe poltica). A classe
dirigente esta minoria de pessoas
que detm o poder (verdadeira classe social), a classe dirigente ou
dominante (apud
SCHWARTZENBERG, 1979, p. 228-229).
Para Mosca, a elite poltica deriva do fato de que seus membros so
aqueles que
possuem um atributo altamente valorizado e de muita influncia na
sociedade em que vivem. Isto
, possuem qualidades que conferem certa superioridade material,
intelectual e mesmo moral; ou
so herdeiros de indivduos que possuem tais qualidades. Em sntese, o
conceito de elite, para
Mosca, uma minoria com interesses homogneos e, devido a essa
homogeneidade, de fcil
organizao. justamente essa organizao que explica sua capacidade
de domnio sobre as
massas (apud PIO; PORTO, 1998, p. 294-295).
Michels (1876-1936)
Contrariando Mosca, que se recusou a aprovar as leis fascistas sobre
as prerrogativas do
chefe do governo, Michels tornar-se- um defensor das idias
fascistas, fazendo, inclusive, uma
amizade com o prprio Mussolini.
Segundo Michels, as massas no podem atuar, dirigir, governar por si
prprias. O
governo direto das massas esbarra numa impossibilidade mecnica e
tcnica. Defende a lei de
ferro da oligarquia. Isto quer dizer: Quem diz organizao, diz
tendncia para a oligarquia.
Em cada organizao (principalmente nos partidos polticos) o pendor
aristocrtico ser
preponderante. Diz Michels que em todas as organizaes os dirigentes
tendem a opor-se aos
aderentes, a formar um crculo interno mais ou menos fechado e a se
perpetuar no poder (apud
SCHWARTZENBERG, 1979, p. 230-231).
Assim, a lei de ferro da oligarquia, de Michels, significa a
dependncia poltica das
massas em relao s lideranas dos partidos. Os lderes resolvem os
problemas de ao coletiva
do partido, ou seja, pagam a maior parte dos custos para a obteno
dos bens coletivos que o
partido prov e, por essa razo, so valorizados e mesmo considerados
como imprescindveis
pelas massas (apud PIO; PORTO, 1998, p. 294-295). Para o elitismo, a
desigualdade um fato
natural entre os seres humanos. Pode-se dizer que a teoria das elites
antidemocrtica na medida
em que condena como impossvel qualquer forma de governo do povo.
exatamente esta viso (teoria das elites) que, sobretudo a partir da
teoria de
Schumpeter, publicada nos anos 40, se torna a base da tendncia
dominante da teoria
democrtica (teoria pluralista) e penetra profundamente na concepo
corrente sobre a
democracia.
Para Schumpeter (1984), a democracia direta no possvel porque nem
todos na
sociedade esto no mesmo estgio de desenvolvimento cultural. O autor
criticou as teorias
clssica e liberal da democracia pelo seu idealismo e utopismo. Para
ele, a democracia to-
somente um mtodo de escolha de dirigentes e sua qualidade tem a ver
com a quantidade de
alternativas disponveis. Para o autor, o mtodo democrtico aquele
acordo institucional para se
chegar a decises polticas em que os indivduos adquirem o poder de
deciso por meio de uma
luta competitiva pelos votos da populao. A democracia apenas um
processo eleitoral.
Importa saber como as democracias funcionam e no como elas devem ser.
Neste sentido, a democracia no est ligada a ideal ou fim; ela um
mtodo poltico
um tipo de arranjo institucional para se chegar a decises polticas.
Sua definio processual.
Quanto participao, ela fica restrita, e o sufrgio no precisa ser
universal, ele deve ser
suficiente para manter a mquina eleitoral.
Assim, existem os lderes e os seguidores, os que no esto
interessados e os que so
mal-informados. Segundo ele, os objetivos da sociedade devem ser
formulados por lderes, por
uma elite que seja politicamente atuante, que possa devotar-se ao
estudo dos problemas sociais
relevantes e seja capaz de compreend-los. Em outras palavras, o
cidado comum mal-
informado e facilmente influenciado pela propaganda poltica:
vulnervel, portanto. Aos
eleitores cabe apenas decidir qual grupo de lderes (polticos) ele
deseja para levar a cabo no
processo de tomadas de deciso. Ou seja, os eleitores no decidem
nada, apenas escolhem. As
decises devem ser tomadas por especialistas, pois a maior parte dos
cidados so desinformados
e desinteressados e at mesmo mal-informados e irracionais, com pouca
tolerncia pelas opinies
polticas rivais.
A democracia entendida como concorrencial (eleies dos lderes
apenas). O autor foi
contrrio doutrina clssica da democracia (a democracia o mtodo
para promover o bem
comum mediante as tomadas de deciso pelo prprio povo, com a
intermediao de seus
representantes). Diz Schumpeter (1984, p. 336) que "o mtodo
democrtico aquele acordo
institucional para se chegar a decises polticas em que os indivduos
adquirem o poder de
deciso atravs de uma luta competitiva pelos votos da populao".
Anthony Downs, seguidor de Schumpeter, prope o uso de regras da
economia como
referncia para um governo que se almeja racional e democrtico.
Downs, defensor da teoria da
escolha racional, v o indivduo como ator poltico racional, pois
esto em jogo as preferncias
de cada indivduo, o seu agir estratgico e o custo e benefcio de uma
ao (maximizar a
satisfao e minimizar os danos). Em sntese, a ao eficientemente
planejada para alcanar os
fins econmicos ou polticos conscientemente selecionados do ator,
seja ele o governo ou os
cidados de uma democracia.3
3 Olson (1999) comunga com as idias de Schumpeter ao afirmar que o
povo no sabe tomar decises polticas.
3.2 A teoria pluralista
A teoria pluralista da democracia poltica norte-americana tem em
Tocqueville o seu
precursor. Ganhou evidncia a partir de 1940 com Parson e Trumam. O
maior expoente, porm,
Robert Dahl, com a obra Um prefcio teoria democrtica de 1989)
Segundo Outhwaite e
Bottomore (1996, p. 575) nas mos de Dahl o pluralismo torna-se uma
teoria da competio
poltica estvel e relativamente aberta e das condies institucionais
e normativas que a
sustentam.4
4 Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 575). Da mesma forma. para
Held, (1987, p.169), Robert Dahl um dos
primeiros e mais proeminentes expoentes do pluralismo democrtico.
5 Dahl apresenta um diferenciao substancial entre democracia e
poliarquia. Democracia um ideal no alcanado.
Poliarquia o governo de muitos, capaz de garantir e proteger a
liberdade de expresso; liberdade de formar e
participar de organizaes; acesso informao; eleies livres;
competio de lderes pelo apoio do eleitorado e,
ainda, instituies destinadas a formular a poltica governamental
(OLIVEIRA, 2003).
O pluralismo considerado o elitismo democrtico na teoria poltica
contempornea.
Para os pluralistas clssicos, a democracia no parece requerer um
alto grau de envolvimento
ativo de todos os cidados; ela pode funcionar muito bem sem ele. Pelo
contrrio, a apatia
poltica pode refletir falta de sade da democracia (HELD, 1987). Nas
palavras de Carnoy
(1986): a teoria poltica pluralista a ideologia oficial das
democracias capitalistas. Para a tese
pluralista, no existe uma classe dirigente, mas numerosas categorias
dirigentes, que umas vezes
cooperam, outras se combatem, mas de certo modo se equilibram e
representam as presses da
base (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 673).
A teoria pluralista ope-se concentrao de poder por parte do
Estado. Ou seja,
contra o estatismo (o poder descentralizado e administrado por
outras instituies). Em outras
palavras, a sociedade com diversos centros de poder, mas nenhum
deles totalmente soberano.
Para Dahl, o Estado considerado um elemento neutro, cuja funo
promover a conciliao
dos interesses que interagem na sociedade segundo a lgica do mercado.
Assim, a multiplicidade
de centros de poder complementa a existncia das minorias
concorrentes.
Dahl chamou de poliarquias o funcionamento da democracia
contempornea.5
O estudo clssico de Robert Dahl, Polyarchy: participation and
opposition, publicado
pela primeira vez em 1972, apresenta as oito garantias institucionais
da poliarquia: a) liberdade
de formar e se integrar a organizaes; b) liberdade de expresso; c)
direito de voto; d)
elegibilidade para cargos polticos; e) direito de lderes polticos
competirem por meio da
votao; f) fontes alternativas de informao; g) eleies livres e
idneas, e h) existncia de
instituies que garantam que as polticas governamentais dependam de
eleies e de outras
manifestaes de preferncia da populao.
Da mesma forma, Giovanni Sartori utiliza a noo de poliarquia,
ressaltando o governo
das elites em competio. A desiluso para com a democracia surge de
sua idealizao nunca
alcanada. O problema real das democracias manter a verticalidade
numa estrutura de
autoridade e liderana. O cidado mdio no se interessa pela poltica
porque no a sente como
uma experincia pessoal e, portanto, real.
O pluralismo tambm foi chamado de poltica competitiva das elites.
Dahl define elite
como um grupo minoritrio que exerce uma dominao poltica sobre a
maioria dentro de um
sistema de poder democrtico. No pluralismo, poucos tomam as decises
polticas ( o governo
das minorias).
O pluralismo ope-se concepo participacionista da teoria
democrtica, que v a
soluo na participao mais ampla possvel dos cidados nas decises
polticas. Em sntese, os
pluralistas nunca sentiram-se muito confortveis com o sufrgio
universal e com o governo da
maioria.
Para os pluralistas, o poder est disperso em toda a sociedade, no-
hierrquico e
estruturado de forma competitiva. Havendo pluralidade de pontos de
presso, surgem vrias
formulaes concorrentes de linhas polticas e vrios centros de
tomadas de deciso (HELD,
1987).
As idias da teoria pluralista so compatveis com a doutrina
constitucionalista. Esta
teoria tambm conhecida como teoria democrtica elitista,
institucionalista, procedimental,
descritiva/normativa ou concorrencial. O pluralismo, na viso norte-
americana, uma doutrina
da competio poltica. A tese central de Dahl (1989) que uma
multiplicidade de "centros de
poder" complementa a existncia das minorias concorrentes.
Para Dahl, a poliarquia o sistema poltico das sociedades
industriais modernas,
caracterizado por uma forte descentralizao dos recursos do poder e
no seio do qual as decises
essenciais so tomadas a partir de uma livre negociao entre
pluralidades de grupos autnomos
e concorrentes, mas ligados mutuamente por um acordo mnimo sobre as
regras do jogo social e
poltico.
3.3 A teoria neomarxista
Os tericos neomarxistas, Nikos Poulantzas, Ralph Miliband e Claus
Offe,
principalmente, rejeitam tanto a tese elitista de Mills como a tese
pluralista de Dahl. A
primeira porque no assenta o poder na deteno dos meios de produo.
A segunda sobretudo
porque seria uma tentativa de camuflagem, dando crdito iluso
liberal da ordem poltica
autnoma (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 683).
A filosofia de Poulantzas centra-se na reflexo sobre o papel do
Estado nas sociedades
modernas. Com a obra Poder poltico e classes sociais, publicada pela
primeira vez em 1968,
Poulantzas contesta a teoria elitista e a teoria pluralista.
Para Poulantzas, a tese da pluralidade das elites apenas uma reao
ideolgica tpica
teoria marxista do poltico: a da corrente funcionalista. Esta tese
visa a esconder a luta das
classes e a verdadeira natureza do poder do Estado. Considerando o
poder como que disperso
entre diversos grupos, os elitistas-pluralistas querem fazer
esquecer a realidade do poder da
classe dominante, para fazer crer, pelo contrrio, na autonomia do
poltico e na neutralidade do
Estado. Da mesma forma, Poulantzas rejeita a tese pluralista das
elites. Para o autor, parece que a
tese elitista de Mosca, Pareto, Michels e Mills procura ter sempre por
objeto sustentar o esquema
geral do domnio poltico. Para um pensador marxista, no entanto,
evidente que a classe
politicamente dirigente identifica-se necessariamente com a classe
economicamente dominante
(aqueles que possuem os meios de produo) (SCHWARTZENBERG, 1979, p.
683).
Em sntese, os neomarxistas, principalmente Poulantzas, travaram
discusses com os
pluralistas, especialmente no que se refere s relaes entre
economia, classes sociais e Estado.
Para os neomarxistas, as relaes de classe so relaes de poder e as
polticas estatais, reflexos
dos interesses do capital.
Os neomarxistas concebem o Estado como configurado pela luta de
classes, de forma
direta ou indireta. J para Poulantzas, o Estado se baseia na luta de
classe. Poulantzas
argumenta que democracia socialismo e no h socialismo verdadeiro
que no seja democracia.
Por outro lado, Poulantzas defende, assim como Bobbio e Ingrao, que se
deva manter a
democracia representativa, no entanto somente uma transio ao
socialismo pode expandir e
aprofundar mais a democracia sob essas condies. Para os mesmos
autores, o Estado no mais
simplesmente um aparelho repressivo ou os aparelhos ideolgicos e
repressivos da burguesia,
mas produto da luta de classe (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 683).
Diferentemente de Poulantzas, que rejeita a prpria noo de elite,
Miliband acha que
possvel admitir o conceito de elite e at reconhecer a pluralidade
das elites. No se pode nunca,
contudo, omitir que as elites, ainda que diversificadas, pertencem
sempre classe dominante.
Elites distintas existem na sociedade capitalista (elites econmicas,
polticas, etc.), mas todas
estas fazem parte da classe dominante (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 684).
Na viso de Claus Offe, a burocracia de Estado representa os
interesses dos capitalistas,
pois ele depende da acumulao de capital para continuar existindo
como Estado. O autor v o
Estado como um mediador das crises capitalistas um administrador de
crises.
3.4 A teoria participacionista
Contrariando a teoria pluralista, surge a escola da teoria
participativa, que entende que
a democracia no se limita seleo de lderes polticos, mas supe,
igualmente, a participao
dos cidados. Os autores desta corrente fazem tambm uma crtica
abordagem elitista.
Macpherson e Pateman so os principais representantes.
Carole Pateman uma das principais autoras que defendem a teoria
participativa. As
suas idias centrais esto expostas na sua obra clssica Participation
and Democratic Theory,
escrita em 1970.6 Pateman apresenta, no primeiro captulo, as teorias
recentes da democracia e o
mito clssico.7 A autora evidencia a crtica dos tericos
institucionalistas teoria clssica de
democracia, dominante at ento. Os institucionalistas refutam com
veemncia a teoria poltica
clssica de democracia porque a consideram perigosa na medida em que
abre espao para a
participao popular na poltica (a Repblica de Weimar, baseada na
participao das massas
com tendncias fascistas citada como exemplo).8 Os tericos da
teoria clssica da democracia
vm da tradio madisoniana e encontram em Locke, Rousseau,
Tocqueville, Mill e Bentham
seus principais representantes. Por outro lado, Mosca, Michels,
Schumpeter, Berelson, Dahl e
Sartori integram o grupo dos tericos que refutam o idealismo dos
tericos clssicos. Para estes
tericos, a participao no tem um papel especial ou central. Tudo o
que se pode dizer que um
nmero suficiente de cidados participa para manter a mquina
eleitoral os arranjos
institucionais , funcionando de modo satisfatrio.9
6 Traduzido para o portugus como Participao e teoria democrtica
(1992).
7 O livro Participao e teoria democrtica, de Carole Pateman (1992),
divide-se em duas partes: na primeira, trata
do impulso gerado pelas obras de Rousseau, John Stuart Mill e G. H.
Cole para substanciar a relao entre
democracia e participao. Na segunda parte, Pateman apia-se nas
idias de Sidney Webb e Beatrice Webb para
falar sobre a perspectiva de democratizar as relaes no interior das
fbricas.
8 O medo de que a participao ativa da populao no processo poltico
levasse direto ao totalitarismo permeia todo
o discurso de Sartori. Da mesma forma, para Dahl, um aumento da taxa
de participao poderia apresentar um
perigo para a estabilidade do sistema democrtico.
9 Na teoria de Schumpeter, os nicos meios de participao abertos ao
cidado so os votos para lder e a discusso.
O autor (1984) nos prope uma definio de democracia que rompe com o
ideal clssico ligado etimologia da
palavra. A democracia deixa de ser entendida como o governo do povo,
e passa a ser entendida como um mtodo
ou procedimento de escolha de lideranas que devem conduzir os
complexos assuntos pblicos das sociedades
modernas.
Como vimos, o pressuposto da teoria institucionalista da democracia
(teoria elitista)
resume-se, portanto, a considerar que o povo deve seguir as diretrizes
da elite e no question-
las. Ento, para Huntington (1975) e outros autores que defendem esta
teoria, muita democracia
poderia ameaar o governo democrtico.
Oposta viso dos institucionalistas, a corrente da teoria
participativista v o maior
grau de participao da sociedade civil diretamente, na funo de
governo, como condio
fundamental para a construo de um Estado democrtico, desenvolvido
politicamente.
Ao avaliar a origem da corrente da democracia participativa, percebe-
se que ela nos
remete para os anos 60 do sculo passado, quando as idias que
configuram esta proposta vem-
se envolvidas no clima de transformaes vividas nos campi
universitrios, nas escolas, nas
fbricas, nos lares, nas ruas das grandes urbes. Os
participacionistas, segundo Vitullo,
buscavam sustento e consistncia terica s propostas alternativas dos
novos atores que
apareciam em cena, e dar algum grau de sistematicidade a suas demandas
e
reivindicaes. Procuravam construir um modelo de democracia que,
resgatando a
participao como um valor fundamental, pudesse se opor ao modelo
centrado da
teoria das elites, j ento predominante. Em suma, para os tericos
que defendem esta
corrente, sem participao no seria possvel pensar em uma sociedade
mais humana e
eqitativa (1999, p. 9).
Ainda segundo a descrio de Vitullo (1999, p. 3-4), a corrente
participativista nega-
se a aceitar que a democracia seja to-s um mtodo de seleo de
lderes por parte de um
conjunto de cidados desinformados, desinteressados, alienados e
apticos. No concorda com o
modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a
perspectiva atemorizada do
mundo poltico. Para os tericos que defendem esta corrente, a
democracia deveria ir alm do
simples voto individual e da escolha no-refletida. Os
participacionistas propem, ainda, o
alargamento do entendimento de poltica. Os autores que defendem esta
linha entendem que
preciso democratizar todos os espaos em que interagem os indivduos.
Procuram levar a
democracia vida cotidiana das pessoas nos mais diferentes mbitos,
tornando estas
politicamente mais responsveis, ativas e comprometidas, estimulando-
as a construir um maior
grau de conscincia em relao aos interesses dos grupos.
Os participacionistas criticam a democracia com seus instrumentos
procedimentais.
No se contentam com o simples fato do comparecimento s urnas a cada
dois, trs ou quatro
anos, como a nica e quase exclusiva atividade que cabe ao cidado
comum em uma democracia.
Os participacionistas ambicionam atividades mais comprometidas,
aspiram a estabelecer a
democracia direta em diversas esferas e atividades. Procuram maximizar
as oportunidades de
todos os cidados intervirem, eles mesmos, na adoo das decises que
afetam suas vidas, em
todas as discusses e deliberaes que levem formulao e
instituio de tais decises
(VITULLO, 1999, p. 11).
Os participacionistas buscam multiplicar as prticas democrticas,
institucionalizando-as dentro de maior diversidade de relaes
sociais, dentro de novos mbitos e
contextos: instituies educativas e culturais, servios de sade,
agncias de bem-estar e servios
sociais, centros de pesquisa cientfica, meios de comunicao,
entidades desportivas,
organizaes religiosas, instituies de caridade, em sntese, na
ampla gama de associaes
voluntrias existentes nas sociedades atuais (VITULLO, 1999, p. 17).
No entendimento de Pateman, para que exista uma forma de governo
democrtico
imprescindvel a existncia de uma sociedade participativa, isto ,
uma sociedade na qual todos
os sistemas polticos tenham sido democratizados e em que a
socializao possa ocorrer em
todas as reas. Para a autora (1992, p. 61),
a rea mais importante de participao o seu prprio lugar de
trabalho, ou seja, a
indstria, pois exatamente ali que a maioria dos indivduos despende
grande parte de
suas vidas e pode propiciar uma educao na administrao dos assuntos
coletivos,
praticamente sem paralelo em outros lugares.
Como foi descrito anteriormente, a teoria participativista ganhou
relevncia na Cincia
Poltica a partir do final da dcada de 60; no entanto, a origem da
referida teoria pode ser
encontrada em Rousseau na defesa terica da democracia direta do
Contrato Social.10
10 Rousseau pode ser considerado o terico por excelncia da
participao (PATEMAN, 1992, p.35).
UNIDADE 4 - O ESTADO DO BEM-ESTAR E A POLTICA SOCIAL
Esta Unidade tem como objetivo tratar das origens do Estado de Bem-
Estar Social
(primeira seo) e a sua base terica a partir de John Maynard Keynes.
Este modelo de Estado
alcana seu apogeu aps a II Guerra Mundial e estende-se at os anos
70, quando comea a
entrar em crise (conferir a segunda seo). Por fim (terceira seo),
traz uma definio de
poltica social.
4.1 As origens do Estado de Bem-Estar Social
O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Gr-Bretanha e foi
difundido aps
a Segunda Guerra Mundial. O Estado de Bem-Estar Social se ops ao
modelo liberal de Estado
(laissez-faire), que foi dominante durante todo o sculo XIX e incio
do sculo XX. O modelo
liberal prescindia da existncia do Estado. Isto , a funo do Estado
era apenas proteger o
indivduo em seus direitos naturais (direito vida, liberdade e
propriedade), deixando que a
economia se regulasse pela mo invisvel do prprio mercado.1
1 Sobre a questo dos direitos naturais e da mo invisvel do mercado,
conferir a obra de Locke (2001) e Smith
(1981), respectivamente.
Em outras palavras, o Estado no deveria intervir na economia. No
entanto, com a crise
do modelo liberal, com o crash da Bolsa de Valores de New York de 1929
(Grande Depresso),
o Estado foi convocado para salvar a falida economia capitalista. A
partir dos anos 30 e 40 do
sculo passado, o Estado passou ento a implementar e financiar
programas e planos de ao
destinados a promover interesses sociais coletivos de seus membros,
alm de subsidiar, estatizar
e socorrer empresas falidas.
O Estado de Bem-Estar Social teve a sua fundamentao terica em John
Maynard
Keynes. Keynes nasceu em 1883 em Cambridge na Inglaterra e morreu em
1946 em Tilton. Foi
economista, estudou em Eton e no Kings College, em Cambridge, e
permaneceu nesta cidade
depois de formado, a fim de estudar cincia econmica com Alfred
Marshall. Depois de breve
perodo no servio pblico, voltou a Cambridge para lecionar cincia
econmica e se tornou
editor do Economic Journal em 1911. Durante a Primeira Guerra Mundial
trabalhou no Tesouro
e foi o seu principal representante em Versalhes. Na Segunda Guerra
Mundial, Keynes foi
responsvel pela negociao com os Estados Unidos do acordo do
Emprstimo e Arrendamento
e participou do Acordo de Bretton Woods, que estabeleceu o Fundo
Monetrio Internacional.
especialmente conhecido por seus escritos sobre economia, com destaque
para The General
Theory of Employment, Interest and Money (1936).2
2 Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 813).
3 Argumentos elaborados a partir de Marks (2008).
Para Keynes, o Estado deve assumir um papel de liderana na promoo
do crescimento
econmico e do bem-estar material e na regulao da sociedade civil.
Em outras palavras, os
mercados livres no regulados, por si ss no conseguem gerar
crescimento estvel, nem
eliminar as crises econmicas, o desemprego e a inflao. Keynes prega
que o Estado tenha um
papel central no crescimento econmico e no bem-estar material. Em sua
teoria, o pleno
emprego ganhava prioridade como um direito do cidado.
Falando-se no Estado Social, pode-se afirmar que foi com as
constituies mexicana de
1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare
State, ou o Estado de Bem-
Estar Social, principiou sua construo. O Welfare State seria o
Estado no qual o cidado,
independentemente de sua situao social, tem direito a ser protegido,
por intermdio de
mecanismos e prestaes pblicas estatais, emergindo assim a questo
da igualdade como o
fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p.
38).3
Como j mencionado anteriormente, a formao deste Estado algo que
perpassa muitos
anos. possvel dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento
do projeto liberal
transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira
metade do sculo 20,
ganhando contornos definitivos aps a Segunda Guerra Mundial. Para
Morais (2002, p. 38), a
histria desta passagem tem vnculo especial com a luta dos movimentos
operrios pela
conquista de uma regulao/garantia/promoo da chamada questo
social. Caracterstica do
Welfare State, a idia de interveno no novidade surgida no sculo
20. Assim o Estado, com
sua ordem jurdica, implica interveno.
Cabe lembrar e reconhecer, conforme Morais (2002, p. 35), que o
processo de
crescimento/aprofundamento/transformao do papel, do contedo e das
formas de atuao do
Estado no beneficiou unicamente as classes trabalhadoras. O papel do
Estado, em vrios
setores, possibilitou investimentos em estruturas bsicas que
alavancaram o processo produtivo
industrial, as quais mostraram-se viveis para o investimento
privado.4 Essa dupla face fez parte
da peculiar trajetria do Estado Social em que a interveno pblica
refletia as reivindicaes
dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, a ao intervencionista do
Estado tornava possvel a
flexibilizao do sistema, o que garantia a sua prpria manuteno e
continuidade, bem como
dava condies de infra-estrutura para o seu desenvolvimento.
4 Construo de usinas hidreltricas, estradas, financiamentos, etc.
Constatado o progresso por parte do Estado nas atividades econmicas,
sociais,
previdencirias, educacionais, entre outras, o Estado visto como
liberal v-se a um passo de um
Estado social. Cabe destacar que a presena do Estado se fazia
absolutamente necessria para a
correo de desequilbrios muito grandes a que foram submetidas as
sociedades ocidentais que,
por sua vez, no tinham um comportamento disciplinar com relao sua
economia, ou seja, no
possuam um planejamento centralizado.
Nesse nterim, o Estado passou a assumir um papel de controlador,
regulador da
economia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Por
assim dizer, o Estado
tornou-se um gigante, um grande empregador, dando complexidade vida
social. Fala-se, nesse
momento, da burocracia estatal (BASTOS, 1999, p. 142).
Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido
ao denominado
compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista.
Segundo vrios autores,
at o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial
do que chamavam de
compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em
conflito nos limites do
sistema capitalista e democrtico. Por esse motivo, a crise do
keynesianismo entendida como
uma crise do capitalismo democrtico.
O keynesianismo, desde o ps-guerra, defendeu a tese de que o Estado
poderia
harmonizar a propriedade privada dos meios de produo com a gesto
democrtica da
economia. Foram fornecidas as bases para que ocorresse o compromisso
de classe, oferecendo
aos partidos polticos representantes dos trabalhadores uma
justificativa para que exercessem o
governo em sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de
emprego e na redistribuio
de renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado era
visto como provedor de
servios sociais e tambm um regulador de mercado, sendo dessa forma o
mediador das relaes
e dos conflitos sociais.
4.2 A crise do modelo keynesiano
A crise do keynesianismo, portanto, nada mais do que a crise das
polticas de
administrao de demanda, isto , quando aparecem sinais de
insuficincia de capital, as
polticas que so voltadas eliminao da juno entre a produo
corrente e a produo
potencial no mais apontam solues (BRESSER PEREIRA; WILHELM; SOLA,
1999, p. 225).
Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, apesar de sustentado o
contedo prprio do
Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua
reviso frente prpria disfuno
ou desenvolvimento do modelo clssico do liberalismo. Sendo assim, o
Estado conserva
aqueles valores jurdico-polticos clssicos, entretanto, em
consonncia com o sentido que vem
tomando no curso histrico, como tambm com as necessidades e as
condies da sociedade do
momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e
direitos com relao s
prestaes do Estado.
Na Europa Ocidental, esse modelo poltico-econmico foi chamado de
Estado de Bem-
Estar Social (Welfare State). Na Amrica Latina foi chamado de
desenvolvimentismo e, nos
Estados Unidos da Amrica, esse modelo de Estado foi chamado de New
Deal e colocado em
prtica por Franklin Delano Roosevel entre os anos de 1933 e 1940.
Este modelo tinha como
finalidade produzir a recuperao da Grande Depresso e corrigir os
defeitos no sistema que se
acreditava terem sido por ela revelados. Entre as medidas tomadas pelo
New Deal nos EUA,
estavam: a) substancial libertao da poltica monetria das
restries do padro-ouro e maior
aceitao da responsabilidade da poltica monetria para a
estabilizao da economia; b)
crescente confiana na poltica oramentria governamental para levar
a cabo e manter altos
nveis de emprego; c) implantao do Estado de Bem-Estar Social (o
fortalecimento do sistema
de seguridade social, fornecendo benefcios de aposentadoria para
trabalhadores; sistema de
seguro desemprego; o fornecimento de auxlio financeiro a famlias
pobres com filhos
dependentes); d) interveno do governo para controlar preos e
produo agrcola; e) promoo
governamental da organizao sindical; f) novo ou ampliado controle
governamental de preos,
tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia, comunicao e
indstria financeira; e g)
movimento no sentido de uma poltica mais liberal de comrcio
internacional.5
5 Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social,
conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p.
522).
O Estado de Bem-Estar Social alcanou seu pice entre os anos 40 at
os anos 70
(considerados os anos de ouro do capitalismo). A partir dos anos 70, o
Estado de Bem-Estar
comea a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas
questes sociais (sade,
emprego, moradia, previdncia e educao). Os gastos sociais
aumentaram, o que desencadeou
uma crise fiscal do Estado, alm de estancamento econmico, elevadas
taxas de desemprego e
inflao. Ressurge a defesa das idias liberais do livre mercado,
agora sob um novo rtulo
chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal
interlocutor. Para Hayek, a
vida social sob a gide do Estado o caminho indefectvel da
servido. A crtica dos neoliberais
incide sobre o dirigismo e a planificao do Estado sobre a economia,
ou seja, defendem o
mercado desregulamentado e menores presses tributrias.6
6 Mais frente, na Unidade 5, voltaremos a tratar das relaes entre
o Estado de Bem-Estar Social e o
neoliberalismo.
Em sntese, o Estado de Bem-Estar Social foi implementado basicamente
por partidos
sociais democratas, delimitando uma terceira via entre o socialismo de
esquerda e o liberalismo
de direita. Os sociais-democratas prevem uma passagem gradual do
capitalismo ao socialismo
exclusivamente pelas vias eleitorais e parlamentares.
4.3 Poltica Social
Segundo Outhwaite e Botomore (1996, p. 586), no existe uma definio
universalmente aceita de poltica social. H, no entanto, abordagens
que podem ser agrupadas de
diferentes modos:
a) abordagem pragmtica: nesta abordagem a poltica social pode ser
concebida como
um campo de ao que consiste em instituies e atividades que afetam
positivamente o bem-
estar dos indivduos. Em outras palavras, quando o Estado intervm
minimamente com
polticas no domnio da distribuio ou redistribuio de renda. Nas
palavras de Marshall (1967):
a poltica social a poltica de governos relativa ao que tem um
impacto direto no bem-estar
dos cidados ao dot-los de servios ou renda, ou ainda, nas palavras
de Walker (1984), a
poltica social inclui, em geral, o fornecimento pelo Estado de
seguridade social, moradia,
sade, servios sociais pessoais e educao (apud, OUTHWAITE E
BOTOMORE, 1996, p.
586); outros autores incluem ainda os servios de empregos. Esta
abordagem sofre crticas por se
concentrar no bem-estar individual, deixando de fora todas as
atividades centrais ou locais do
Estado, que afetam a qualidade de vida das comunidades, como todos os
servios comunitrios,
desde a construo de estradas e fornecimento de gua, at a poltica
ambiental.
b) A abordagem funcionalista: os tericos que defendem esta abordagem
concentram-se
nos problemas que, em qualquer momento dado, tm perturbado a
reproduo regular de
sistemas sociais, sobretudo depois do advento do capitalismo (mudanas
no sistema industrial),
quando surge a necessidade de promover polticas sociais para
restabelecer a estabilidade e o
equilbrio.
c) Abordagens estruturais: apresentadas porque, segundo os autores,
Outhwaite e
Botomore (1996) as abordagens pragmtica e funcionalista no
consideraram os processos
sociais que deflagram as mudanas na poltica social. Houve lutas
sociais pela conquista dos
direitos: a existncia dos direitos civis e polticos ajudou a
formular e consolidar os direitos
sociais (renda, habitao, sade e cultura decentes), segundo a
teorizao de Marshall (1965). A
poltica social descrita em termos estruturais significa que as
polticas sociais so as que
determinam a distribuio de recursos, status e poder entre diferentes
grupos (WALKER, apud,
OUTHWAITE E BOTOMORE, 1996, p. 589).
UNIDADE 5 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO
BRASIL: DAS ORIGENS ERA VARGAS
A partir da anlise de diferentes tericos, buscou-se apresentar a
discusso do Estado, das
constituies e a relao com a conquista dos direitos sociais no
Brasil. Nesta Unidade, vamos
tratar das origens do Brasil Era Vargas. Esta seo tem a
colaborao terica de Zambra
(2008).
5.1 A herana colonial
Pode-se dizer que no Brasil, desde o perodo colonial, imperial e
primeira repblica, nada
mudou em termos de elite poltica e econmica. Os donos do poder eram
os latifundirios, os
traficantes de escravos (nacionais), aliados ao poder emanado da
Metrpole (Portugal). O
exagero com gastos pblicos em relao nobreza e os altos impostos
em relao ao ouro
desencadearam interesses divididos entre os brasileiros e portugueses,
acentuados com a vinda
da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808, bem como a Proclamao da
Independncia pelo
Prncipe Regente, em 1822. No entanto, esta funo de manter o
territrio nacional provocou um
marco histrico no pas, isto , do paternalismo poltico, no qual os
mritos das conquistas no
so do povo, e sim dos poderosos para se manter no poder (BRUM, 1988,
p. 42-45).1
1 Autores que tratam da formao do Estado Brasileiro: Brum (1988);
Faoro (1985); Santos (1998); Soares (1973);
Weffort (1980); Ianni (1986).
Diferentemente da emancipao poltica norte-americana, que teve uma
elevada
participao da sociedade civil organizada, a proclamao da
independncia do Brasil no teve
um significado de revoluo, mas de arranjo poltico, expressando o
interesse da aristocracia
rural dominante, que o povo, que era maioria, apoiava, no sentido de
se sentir livre econmica e
socialmente (BRUM, 1988, p. 46).
5.2 As primeiras constituies
Diante da idia de emancipao poltico-administrativa, foi promulgada
a Carta
Outorgada de 1824. J que a classe social no conseguia se organizar,
foi oferecida pelo
Imperador uma organizao jurdica poltica, partindo do Poder Central
ao povo, ou seja, de
cima para baixo (BRUM, 1988, p. 46-47).
A Carta Outorgada, em 1824, foi imposta por Dom Pedro I, Imperador da
poca, um
diploma monarquista-parlamentarista, que atribua a guarda da
Constituio ao Poder
Legislativo, a qual, em seu art. 15, n. 8, delegava ao Legislativo
fazer leis, interpret-las,
suspend-las e revog-las e no n. 9 do mesmo artigo, velar na guarda
da constituio. No
entanto, com o Poder Moderador, o imperador controlava e coordenava
tudo (BASTOS, 1999, p.
399).2
2 Autores citados no estudo das Constituies Federais: Barroso
(1996); Bastos (1999); Moraes (2001); Faoro
(1985), Santos (1998), entre outros.
Nesse sentido, a Carta Outorgada oferecida em prol do povo, para que
se organizassem
poltica e juridicamente, era norteada pelos grandes proprietrios, os
mais prximos do
Imperador, mas predominava o Poder Moderador, sendo que o Monarca
tinha todo e absoluto
poder para fazer ou deixar de fazer o que quisesse, comandando a tudo
e a todos. Nesse perodo,
havia pouca materialidade a respeito de direitos sociais, pois a
preocupao era mais calcada na
distribuio de benefcios, ou seja, na utopia de organizar a
sociedade de acordo com os
indicadores do mercado, estimulada pelo incio da produo mercantil
generalizada no sculo
XVIII (SANTOS, 1998, p. 69), que se tornou vivel com a Revoluo
Industrial, mas no
determinava uma sociedade igual para todos, onde todos dispusessem, em
condies iguais, de
bens e servios, mas que cada um recebesse de acordo com sua
capacidade. Essa forma
desequilibrada e diferenciada traduz bem o que a Constituio de 1824,
em seu art. 179, Inciso
XIII, prescrevia: A lei ser igual para todos, quer proteja, quer
castigue, e recompensar em
proporo dos merecimentos de cada um (BARROSO, 1996, p. 9).
Assim, a organizao administrativa estabelecida nesse perodo era
suficiente para conter
os insubordinados, pois o estmulo era aos latifundirios, ou seja,
contentava os interesses
comuns, haja vista que o Estado ne
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