UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:
UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL
GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS
NITERÓI
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:
UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL
GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS
Dissertação elaborada sob orientação da Profa. Dra. Del Carmen
Daher, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos
da Linguagem como pré-requisito para obtenção do título de
Mestre.
NITERÓI
2019
PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:
UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL
GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS
Dissertação elaborada sob orientação da Profa. Dra. Del Carmen
Daher, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos
da Linguagem como pré-requisito para obtenção do título de
Mestre.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
PROFA. DRA. DEL CARMEN DAHER (ORIENTADORA) – UFF
______________________________________________________________________
PROFA. DRA ISABEL CRISTINA RODRIGUES – CAP/UERJ
______________________________________________________________________
PROFA. DRA TELMA CRISTINA DE ALMEIDA SILVA PEREIRA - UFF
SUPLENTES:
______________________________________________________________________
PROFA. DRA BEATRIZ ADRIANA KOMAVLI DE SÁNCHEZ - UERJ
_____________________________________________________________________
PROFA. DRA DAYALA PAIVA DE MEDEIROS VARGENS - UFF
Dedico este trabalho a todos os
professores e aos quase professores de
Língua Espanhola e deixo-lhes uma
mensagem: RESISTIR É PRECISO.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me sustentado, principalmente, nos dias em que minhas forças
pareciam sucumbir.
À minha amada mãe, Eliete, e à minha querida irmã, Gisele, pelo apoio, pelo suporte
emocional, pelas orações e pelas palavras de conforto que me faziam acreditar que eu
era capaz.
A meu amado pai, Laerte (in memoriam), que tão precocemente nos deixou e que não
estará aqui para comemorar comigo mais essa conquista, mas de onde estiver, eu sei que
está torcendo por mim. Guardarei para sempre em meu coração teu sorriso e tua leveza
para encarar as adversidades da vida.
Ao meu amado marido, Ricardo, que, mesmo com sua escala de trabalho extenuante,
sempre se colocou à disposição para cuidar e passear com nosso filho, Henrique, para
que eu tivesse mais tempo para estudar.
Ao meu espoleta e divertido filho, Henrique, que, ainda em tenra idade, soube
“compreender” minhas ausências e torcer pela conclusão desta pesquisa.
À minha cunhada, Rosângela, por me socorrer, quando surgiam os problemas técnicos e
tecnológicos.
Às minhas queridas amigas, Gabrielle e Giselle, que por diferentes caminhos chegaram
até mim e que, a cada encontro, me ensinam a enxergar outras possibilidades, a entender
a vida por outros espectros.
Aos meus amigos da UERJ, por simplesmente estarem na minha vida e por termos a
oportunidade de participarmos uns da vida dos outros.
À companheira de trabalho e de mestrado, Sthéfani, com quem pude compartilhar a
experiência de ser pesquisadora, mesmo nos momentos de surtos e de angústias.
Aos companheiros da Escola Municipal João Brazil, escola que aprendi amar e que me
permitiu (re) encantar-me pela educação.
Aos companheiros do grupo de pesquisa da UFF, por me ajudarem a encontrar o meu
caminho, quando tudo parecia perdido.
À doce Alice, por ter sido minha interlocutora, pelas infindáveis trocas de áudios e
chamadas de vídeo, quando precisava de um papo cabeça.
Às professoras Vera e Isabel, por terem aceitado participar da minha banca de
qualificação e pelas ricas contribuições.
Às professoras Isabel Rodrigues, Telma Pereira, Beatriz Sánchez e Dayala Vargens por
aceitarem o nosso convite para participar da banca examinadora.
À minha paciente e inteligente orientadora, Del Carmen, quem eu já admirava desde os
tempos de UERJ e que admiro ainda mais pelo seu engajamento na formação de
professores de Língua Espanhola e na defesa por uma educação pública de qualidade.
(...)
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
Y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar
Caminante, no hay camino
sino estelas en la mar…
Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espiones
se oyó la voz de un poeta gritar
“Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar…”
(…)
(Caminante no hay camino – Antonio Machado)
RESUMO
PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:
UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL
Em 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) cria o
Programa Rio Criança Global (PRCG), por meio do Decreto Municipal nº 31187/2009
(RIO DE JANEIRO, 2009), cujo objetivo declarado é a ampliação da oferta do ensino
da Língua Inglesa para todo o Ensino Fundamental, tida como a “língua das
oportunidades” pela secretária de educação, à época, Cláudia Costin. A Rede Municipal
de Ensino carioca possibilitava aos alunos o contato com a Língua Espanhola, a Língua
Francesa e a Língua Inglesa. Desta forma, esta pesquisa buscou responder a seguinte
pergunta: como se fez possível a criação do Programa Rio Criança Global, que institui
uma política de línguas monolíngue nas escolas da SME/RJ, reconhecida por ser
plurilíngue? Conduzida pelo seguinte objetivo: dar visibilidade aos posicionamentos
discursivos que atravessam essa política de línguas e inaugura uma ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras na mencionada rede de ensino. Recorremos ao
conceito de rizoma de Deleuze e Guattari (1995) e discurso de Foucault (2008) para a
constituição do corpus, composto pelas materialidades linguísticas: Decreto Municipal
nº 31187/2009, Circular E/SUBE/nº 13/2012, Circular E/SUBE/nº 08/2015, Entrevista
de Cláudia Costin para a Revista PontoCom, Peça Publicitária da Prefeitura do Rio,
divulgada no jornal “O Globo”, Carta do Prefeito do Plano Estratégico da Prefeitura do
Rio de Janeiro 2009 – 2012 (PEPRJ 2009) e Carta do Prefeito do Plano Estratégico da
Prefeitura do Rio de Janeiro 2013 – 2016 (PEPRJ 2013). Nosso arcabouço teórico está
fundamentado nos preceitos da Análise do Discurso de linha francesa, em especial,
aquela filiada aos domínios do conhecimento desenvolvidos por Maingueneau (1997,
2002, 2008a, 2008b) e nas contribuições de Foucault (2008, 2012, 2013a, 2013b). Para
analisar nosso corpus recorremos às categorias de ethos, cenas da enunciação
(MAINGUENEAU, 2002, 2008a), gênero do discurso (MAINGUENEAU, 2002, 2008a
2008b) e modalidade assertiva e deôntica (CERVONI, 1989). A partir dos movimentos
analíticos empreendidos, observamos que a perspectiva monolíngue adotada com a
implantação do PRCG é sustentada por um discurso neoliberal – educação submetida
aos interesses do mercado - que atravessou as práticas discursivas da SME/RJ ao longo
das gestões de Eduardo Paes e Cláudia Costin.
Palavras-chave: Programa Rio Criança Global; política de línguas monolíngue; discurso
neoliberal; análise do discurso; rizoma.
RESUMEN
PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:
UNA POLÍTICA DE LENGUAS NEOLIBERAL
En 2009, la Secretaría Municipal de Educación del Rio de Janeiro (SME/RJ) crea el
Programa Rio Criança Global (PRCG), por medio del Decreto Municipal nº 31187/2009
(RIO DE JANEIRO, 2009), cuyo objetivo declarado es la ampliación de la oferta de la
enseñanza de la Lengua Inglesa para toda la Enseñanza Fundamental, comprendida
como la “lengua de oportunidades” por la secretaria de educación, a la época, Cláudia
Costin. La Red Municipal de Enseñanza carioca posibilitaba a los estudiantes el
contacto con la Lengua Española, la Lengua Francesa y la Lengua Inglesa. Por ello, esta
investigación ha buscado contestar la siguiente cuestión: ¿cómo se hizo posible la
creación del Programa Rio Criança Global, que instituye una política de lenguas
monolingüe en las escuelas de SME/RJ, reconocida por ser plurilingüe? El
cuestionamiento ha sido conducido por el objetivo: dar visibilidad a los posicionamientos discursivos que atraviesan esa política de lenguas e inaugura una
ruptura discursiva en la enseñanza de las Lenguas Extranjeras en la mencionada red de
enseñanza. Recurrimos al concepto de rizoma de Deleuze y Guattari (1995) y de
discurso de Foucault (2008) para la constitución del corpus, compuesto por las
materialidades lingüísticas: Decreto Municipal nº 31187/2009, Circular E/SUBE/nº
13/2012, Circular E/SUBE/nº 08/2015, Encuesta de Cláudia Costin para la Revista
PontoCom, Propaganda del Ayuntamiento del Rio, divulgada en el periódico “O
Globo”, Carta del Alcalde del Programa Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro
2009 - 2012 (PEPRJ 2009) y Carta del Alcalde del Programa Estratégico da Prefeitura
do Rio de Janeiro 2013 - 2016 (PEPRJ 2013). Nuestra base teórica se fundamenta en
los conceptos del Análisis del Discurso de línea francesa, en especial, la que se inscribe
en los dominios del conocimiento desarrollados por Maingueneau (1997, 2002, 2008a,
2008b) y en las contribuciones de Foucault (2008, 2012, 2013a, 2013b). Para analizar
nuestro corpus recurrimos a las categorías de ethos, escenas de enunciación
(MAINGUENEAU, 2002, 2008a), géneros del discurso (MAINGUENEAU, 2002,
2008a, 2008b) y modalidad asertiva y deóntica (CERVONI, 1989). A partir de los
movimientos de análisis emprendidos, observamos que la perspectiva monolíngue
adoptada con la implantación del PRCG se sostiene en un discurso neoliberal –
educación sometida a los intereses del mercado – que atravesó las prácticas discursivas
de SME/RJ a lo largo de las gestiones de Eduardo Paes y Cláudia Costin.
Palabras-clave: Programa Rio Criança Global; política de lenguas monolingüe; discurso
neoliberal; análisis del discurso; rizoma.
SUMÁRIO
CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
CAPÍTULO 01: INTERVENÇÕES URBANAS E EDUCACIONAIS NA
CIDADE OLÍMPICA
1.1 O Rio de Janeiro de cara nova
1.2 Uma educação carioca de “qualidade”
CAPÍTULO 02: LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
E CARIOCA
CAPÍTULO 03: ENTRE CAMINHOS: FUNDAMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
3.1 Os passos metodológicos
3.2 O discurso, saber e poder
3.3 Os gêneros do discurso
CAPÍTULO 04: ENUNCIADOS EM DISPERSÃO: POR QUE SÓ O INGLÊS?
4.1 As Cartas do Prefeito: cidadão-gestor ou gestor-cidadão?
4.2 O Decreto Municipal: a vontade do povo?
4.3 A Peça Publicitária: é uma fábrica ou uma escola?
4.4 As Circulares: para informar ou disciplinar?
4.5 A Entrevista de Cláudia Costin: a economia ou a educação?
4.6 Considerações de análise
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
14
20
20
27
34
49
49
55
60
64
64
70
84
90
100
122
126
129
138
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
AD - Análise do Discurso
APEERJ - Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro
CEE - Conselho Estadual de Educação
CEB - Câmara de Educação Básica
CF - Constituição Federal
CNE - Conselho Nacional de Educação
CRE - Coordenadoria Regional de Ensino
DCNEF - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
E/SUBE - Educação/ Subsecretaria
FAETEC - Fundação de Apoio à Escola Técnica
GEC - Ginásio Experimental Carioca
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação e da Cultura
PCN-LE - Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira
PEPRJ 2009 - Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2009 - 2012
PEPRJ 2013 - Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2013 - 2016
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PRCG - Programa Rio Criança Global
SEEDUC - Secretaria Estadual de Educação
SEPE - Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação
SINPRO - Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro e Região
SME - Secretaria Municipal de Educação
UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
USAID - United States Agency for International Development
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 01 – Fragmento da Peça Publicitária da Prefeitura do Rio de Janeiro
ÍNDICE DE QUADROS
QUADRO 01 – Composição do corpus
QUADRO 02 - Perguntas da entrevista à Cláudia Costin selecionadas para análise
14
CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
Dentre os tantos caminhos possíveis para apresentar esta pesquisa, parece-me
relevante trazer à memória o (não) tão distante ano de 2001, ano de ingresso no curso de
Letras, habilitação Português-Espanhol, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ); na expectativa de deixar claro o porquê de voltar meu olhar inicial para a
Língua Espanhola e para os professores que a lecionam.
Ao ingressar no curso de Letras, tinha como pretensão profissional tornar-me
professora de Língua Portuguesa, por influência de uma querida professora do Ensino
Médio. Tal escolha, no entanto, começou a tomar outros rumos após participar de uma
aula inaugural, ministrada pela então coordenadora do Setor de Língua Espanhola da
faculdade. Com brilho nos olhos, a professora relatara à turma a importância da Língua
Espanhola na formação dos alunos da Educação Básica e os esforços empreendidos, ao
longo da década de 80 e 90, para que o espanhol regressasse ao currículo das escolas
públicas fluminenses. Nos primeiros dias de aula, sua fala doce e contundente ainda
ressoava, fazendo-me pensar em outros percursos.
Saí do encontro, confiante de que até a formatura a Língua Espanhola já haveria
(re) conquistado seu espaço e poderia proporcionar-me mais campos de atuação. A
partir dessa reunião, comecei a desconfiar da minha (in) certeza de que atuaria como
professora de Língua Portuguesa e Literaturas. Naquela aula, pude compreender o lugar
de resistência que ocupa a Língua Espanhola e o professor de Língua Espanhola. Nada
tão diferente do que vivenciamos nos tempos atuais.
Em 2006, ano da conclusão do curso, comecei a participar de processos seletivos
para a Língua Espanhola, para as redes públicas de ensino, tanto para a rede estadual
quanto para as redes municipais. Com exceção da Rede Municipal de Ensino do Rio de
Janeiro, que já realizara seleções para professores de espanhol em 1998 e 20011, outros
municípios abriram concursos para essa disciplina, a partir de 2005, motivados pela
sanção da Lei Federal nº 11.161/ 20052 (BRASIL, 2005), que decretava a
obrigatoriedade da oferta da Língua Espanhola no Ensino Médio e a facultatividade no
Ensino Fundamental das escolas brasileiras. Ao longo de minha trajetória profissional,
atuei como professora de Língua Espanhola tanto em escolas estaduais como em escolas
1 Em 1985, retomou-se a prática de concursos para professores de Língua Espanhola para a Rede Estadual
(DAHER, 2006, 2011, 2012). 2 Revogada pela Lei Federal nº 13.415 de 2017.
15
municipais. Atualmente, faço parte do quadro de servidores da Fundação Municipal de
Educação de Niterói e da Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu.
Em 2012, o tão esperado concurso para o cargo de professor de Língua
Espanhola da Rede Municipal do Rio de Janeiro fora divulgado. Tão esperado pelo fato
de o último concurso ter sido realizado há onze anos, ou seja, em 2001 e pelo
reconhecido caráter plurilíngue da rede, em relação à presença das Línguas Estrangeiras
no currículo, o que proporcionava mais um campo de atuação para os professores de
Língua Espanhola. Logo, o anúncio desse concurso gerou grandes expectativas tanto
para os recém-formados quanto para os já atuantes professores de Língua Espanhola.
Diferentemente de outros processos seletivos, esse certame exigiu dos
candidatos além dos conhecimentos específicos da disciplina, de língua portuguesa e de
fundamentos teórico-metodológicos e político-filosóficos da Educação, a comprovação
de saberes acadêmicos articulados à experiência específica de sala de aula por meio de
prova oral. Aspecto este que agregou mais exigência ao concurso.
Participei dessa seleção e obtive a aprovação para a instituição para a qual há
muito tempo ansiava. Entretanto, a empolgação cedeu espaço para o descontentamento
ao deparar-me, no ato da escolha de escola, com orientações, advindas da Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), que não me garantiam lecionar o
componente curricular - Língua Estrangeira, especificamente, a Língua Espanhola.
Assim, a escola “indicada” para minha atuação foi um Ginásio Experimental Carioca
(GEC) 3 e chegando lá, foram-me apresentadas as seguintes possibilidades: lecionar a
Língua Espanhola no formato de cursos livres aos alunos da rede, fora do horário das
aulas regulares; atuar, de forma polivalente, na área das Humanidades - Geografia,
História e Língua Portuguesa - e em outras atividades da parte diversificada -
Protagonismo Juvenil, Projeto de Vida e Estudo Dirigido – e, por fim, ministrar uma
disciplina eletiva voltada para a Língua Espanhola, em horário estabelecido pela direção
da unidade escolar. Dentre essas alternativas, fui encaminhada para lecionar Língua
Portuguesa sob a supervisão de outro professor da disciplina. Assegurar a formação em
serviço foi a justificativa alegada pela gestora dos GECs para a relação de tutoria
estabelecida entre os professores antigos e os recém-convocados.
3 “Novo modelo de ensino para as escolas de segundo segmento (7º ao 9º Anos) da Prefeitura do Rio, o
Ginásio Carioca, implantado pela Secretaria Municipal de Educação em 2011, foi concebido levando-se
em consideração as experiências educacionais e o modelo pedagógico e de gestão desenvolvidos nas
escolas-pilotos – Ginásios Experimentais Cariocas – e os resultados que demonstraram sua eficácia”.
http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=2285016. Acesso em 26/08/17.
16
Sem entender muito bem os motivos dessa orientação, dei-me conta de dois
movimentos que até então não haviam sido postos em relação de exclusão; de um lado,
a sanção do Decreto Municipal nº 31187, em 06 de outubro de 2009 (RIO DE
JANEIRO, 2009), que criava o Programa Rio Criança Global (PRCG) e expandia o
oferecimento da Língua Inglesa para todo o Ensino Fundamental e, do outro lado, uma
paulatina retirada da Língua Francesa e da Língua Espanhola da matriz curricular,
apesar da recente realização e convocação de mais de 100 professores de Língua
Espanhola aprovados no último concurso público.
Com a expansão na oferta da Língua Inglesa, outras atividades foram elencadas
como possíveis atribuições para os professores de Língua Espanhola e de Língua
Francesa que, embora estivesse em menor número, também fora afetado pelas
orientações. Essas orientações se materializaram na forma de circulares e de correios
eletrônicos institucionais, encaminhadas pela SME/RJ às Coordenadorias Regionais de
Ensino (CREs) entre os anos de 2012 e 2016, período em que Eduardo Paes governou a
cidade e que Cláudia Costin comandou a Secretaria Municipal de Educação; decurso em
que se situa esta pesquisa.
Esse foi o cenário encontrado, quando assumi o cargo de professora de Língua
Espanhola na prefeitura carioca, e que me causou indignação e aflição por, pelo menos,
dois motivos. Primeiramente, por não entender a real necessidade de realização de um
concurso público para preenchimento de 100 vagas para professores de Língua
Espanhola, num momento em que se destinavam outras funções para esses profissionais
no interior das escolas.
E em segundo lugar, por não entender qual seria o lugar da Língua Espanhola e
da Língua Francesa, bem como dos docentes que as lecionam, frente a uma política de
línguas que passava a priorizar o ensino de um idioma específico, nesse caso, a Língua
Inglesa, por meio da criação e implantação do PRCG. Política esta que contrastava com
a perspectiva plurilíngue da rede. No fragmento “nossa intenção é retomar e clarificar a
proposta para o ensino de Espanhol, Francês e Inglês, assinalando a concepção de
leitura e expandindo o conceito de texto: textos escritos, orais e visuais” (RIO DE
JANEIRO, 2008a, p. 17), extraído do documento “Multieducação: o ensino de Línguas
Estrangeiras”, faz-se referência aos idiomas oferecidos nas escolas municipais cariocas,
corroborando assim o que afirmamos sobre a pluralidade linguística presente nas
escolas municipais.
17
A partir dessas angústias e da expectativa de encontrar explicações, surgiu o
interesse por desenvolver esta pesquisa de mestrado. Para Rocha e Daher (2015) há
quatro perfis de pesquisa em Linguística Aplicada, dentre esses, dois estão relacionados
à curiosidade do pesquisador: a primeira, quando a demanda é formulada em função dos
objetivos próprios da pesquisa e a segunda, quando a demanda é formulada em função
dos objetivos atribuídos a um dado coletivo. Os autores (2015, p. 122) corroboram que
aquelas “são desenvolvidas em função exclusiva dos interesses e das escolhas do
próprio pesquisador, sem que haja qualquer tipo de interlocução com o universo
envolvido” e estas (2015, p. 122) “formulam uma demanda que atribui a um coletivo
maior, baseando-se em seu conhecimento da situação”. É comum observar esse perfil
em pesquisas direcionadas ao ensino/aprendizagem de línguas ou matéria educacional
afim, sendo o pesquisador partícipe de uma dada organização de trabalho.
Este trabalho se encaixa no perfil de pesquisa em que o interesse é formulado
pela própria pesquisadora em função de uma demanda que pode ser atribuída às
discussões empreendidas no grupo de pesquisa, Práticas de linguagem, trabalho e
formação docente4, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e certificado pelo
Centro Nacional de Pesquisa (CNPq). Esse grupo reúne professores, alunos e ex-alunos
dos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação da referida
instituição e inscreve-se na linha de pesquisa Teoria do texto, do discurso e da interação
e fundamenta-se nos aportes teóricos da Análise do Discurso (AD) de base enunciativa.
Essa corrente teórica concebe a linguagem enquanto atividade essencialmente
interativa, produto da ação de sujeitos inscritos em conjunturas históricas e sociais. A
própria denominação da disciplina aponta para seu objeto: o discurso que remete a um
modo de apreensão da palavra sócio-historicamente constituído, isto é, o texto na
relação constitutiva com as condições de produção que o legitima (MAINGUENEAU,
1997). Não sendo possível, portanto, compreender um discurso desvinculado de sua
inscrição histórica.
A noção de discurso é polivalente, podendo funcionar, “ao mesmo tempo, como
referindo objetos empíricos (‘há discursos’) e como algo que transcende todo ato de
comunicação particular (‘o homem é submetido ao discurso’)” (MAINGUENEAU,
2015, p. 23), assim, o discurso pode ser categorizado com base (a) nos posicionamentos
em um campo discursivo, (b) nos tipos de discurso, (c) nas produções verbais
específicas de uma categoria de locutores e (d) nas funções da linguagem. Pensar o
4 Este grupo de pesquisa é liderado pela Profa Dra Del Carmen Daher.
18
discurso a partir dos posicionamentos, ou seja, sob uma ótica de luta ideológica,
permite-nos falar em “discurso comunista”, “discurso feminista”, entre outros e a partir
das produções verbais, em “discurso das enfermeiras” ou “discurso das mães de
família”, por exemplo. Por ora, limitamo-nos a essas concepções de discurso, pois,
serviram como referência para constituir as problematizações desta pesquisa.
Inicialmente, nosso interesse recaía em compreender o discurso dos professores
de Língua Espanhola sobre sua atividade de trabalho em um contexto de expansão da
oferta da Língua Inglesa. Conquanto, com base nas discussões empreendidas no grupo
de pesquisa, pareceu-nos mais relevante, nesse momento, antes de falar sobre o trabalho
do professor, refletir sobre essa reconfiguração do ensino de Línguas Estrangeiras com a
implantação do Programa Rio Criança Global, que cerceou o espaço de atuação dos
professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa.
Conforme pontuado anteriormente, em AD, os discursos não podem ser
desvinculados das condições de produção que o constituem. Dessa forma, importa levar
em consideração a equipe gestora que estava à frente da Prefeitura e da SME, enquanto
instância enunciativa portadora de discursos que sustentam determinados sentidos de
educação; ademais do momento histórico vivido pela cidade, a preparação e a realização
dos eventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos de 2016.
Dito isso, o problema que esta pesquisa procura abordar é: como se fez possível
a criação do Programa Rio Criança Global, que institui uma política de línguas
monolíngue nas escolas da SME/RJ, reconhecida por ser plurilíngue? A busca por
responder essa questão é conduzida pelo seguinte objetivo geral: dar visibilidade aos
posicionamentos discursivos que atravessam essa política de línguas e inaugura uma
ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras na rede municipal.
Para dar conta de nosso questionamento de pesquisa, constituímos o objeto de
investigação, fundamentado no conceito de rizoma de Deleuze e Guattari (1995), sendo
composto pela Carta do Prefeito, capítulo de abertura do Plano Estratégico da Prefeitura
do Rio de Janeiro 2009-2012 (PEPRJ 2009) e do Plano Estratégico da Prefeitura do Rio
de Janeiro 2013-2016 (PEPRJ 2016), pelo Decreto Municipal nº 31187/2009, pela Peça
Publicitária da Prefeitura do Rio, divulgada no jornal O Globo, pelas circulares
E/SUBE/nº13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 e pela entrevista de Cláudia Costin concedida
à Revista PontoCom.
19
Recorremos às reflexões de Foucault (2008, 2009, 2012, 2013) no que concerne
à noção de discurso, à formação discursiva e à relação saber-poder. Além disso,
buscamos em Maingueneau (1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015) contribuições referentes
à prática discursiva, à cenografia discursiva, ao ethos e aos gêneros do discurso.
Finalizamos essas considerações iniciais, apresentando a organização dessa
dissertação. No primeiro capítulo, “apresentamos” a equipe gestora que esteve à frente
da prefeitura, no período de 2012 a 2016, e seu modo de governar a cidade que, nas
palavras de Foucault (2013), se remete à maneira de gerir os homens na relação com os
bens físicos e materiais de um território. Pontuamos alguns aspectos relevantes do
“Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos” na
gestão da cidade. No que concerne às questões educacionais, dissertamos sobre o
Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, que engloba o Programa Rio
Criança Global, tendo como referência a “qualidade” na educação.
No segundo capítulo, recuperamos o histórico da implantação das Línguas
Estrangeiras no currículo das escolares brasileiras e discorremos sobre a entrada da
Língua Espanhola nas escolas municipais cariocas que se deu em um momento
posterior em relação à Língua Francesa e à Língua Inglesa, mobilizando outras
intervenções. Falar da presença de uma Língua Estrangeira na escola é falar da relação
entre língua e sociedade, logo, revisitamos o conceito de políticas linguísticas.
No capítulo terceiro, explanamos sobre os encaminhamentos teórico-
metodológicos que fundamentam a pesquisa. No quarto capítulo, dedicado às análises,
devido à quantidade e à especificidade de textos que compõem nosso material de
análise, optamos por conceituar as categorias de análise demandadas em cada texto
antes dos procedimentos analíticos. E, por fim, tecemos os comentários finais e
sinalizamos possíveis desdobramentos a partir do que fora discutido nesta dissertação.
20
CAPÍTULO 01: INTERVENÇÕES URBANAS E EDUCACIONAIS NA CIDADE
OLÍMPICA
Neste capítulo, com apoio de documentos elaborados na gestão de Eduardo Paes,
como “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2009-2012) – Pós 2016: o Rio
mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2009), “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio
de Janeiro (2013-2016) – Pós 2016: o Rio mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2013)
e “Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”,
pretendemos compreender as práticas de governo da equipe gestora que administrou a
cidade de 2009 a 2016 e foi a responsável pela implantação do Projeto “Salto de
Qualidade na Educação Carioca” e do Programa Rio Criança Global.
1.1 O Rio de Janeiro de cara nova
Após uma acirrada disputa entre Eduardo Paes5, do Partido Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), e Fernando Gabeira, do Partido Verde (PV), nas
eleições para prefeito da cidade do Rio de Janeiro em outubro de 2008, o candidato do
PMDB, atual MDB, é eleito o mandatário da cidade carioca, ficando à frente da
prefeitura por dois mandatos de 2009 a 2012 e de 2013 a 2016.
A eleição de Eduardo Paes para prefeito da capital fluminense marca o fim de 16
anos de domínio de César Maia, do Democratas (DEM)6. O ex-prefeito governou a
cidade por três mandatos de 1993-1996, de 2001-2004 e de 2005-2008. Entre os anos de
1997 a 2000, a cidade esteve sob o comando de Luiz Paulo Conde, seu aliado político.
Em todas as gestões de Maia, Paes atuou de alguma forma no governo, como
subprefeito, vereador, deputado federal e secretário municipal do Meio Ambiente.
Apesar disso, essa parceria não evitou que o candidato à prefeitura, durante a campanha
eleitoral de 2008, fizesse severas críticas ao prefeito em exercício. Ao tomar posse,
Eduardo Paes aprovou um pacote de decretos para apagar as marcas deixadas por seu
antecessor, César Maia, ex-padrinho político e atual desafeto7, entre elas, o sistema de
aprovação automática no ensino municipal8.
5 O político já foi filiado aos seguintes partidos políticos: PV, PFL, PTB, PSDB, PMDB e DEM.
6 Informações acessadas em 05/03/19 e extraídas de https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-
2008/prefeitura-do-rio-o-primeiro-grande-desafio-na-carreira-politica-de-eduardo-paes-4998713. 7 Informações acessadas em 05/03/19 e extraídas de https://politica.estadao.com.br/noticias/geral.paes-
suspende-pagamento-de-obra-de-cesar-maia.301494. 8 Para Eduardo Paes, um dos grandes entraves para uma educação de “qualidade” era a forma de
avaliação, chamada de aprovação automática. No entanto, a forma de avaliação estava condizente com o
21
Ao início de cada mandato, o governo de Eduardo Paes divulgava os
documentos norteadores de sua gestão: o “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de
Janeiro (2009-2012) – Pós 2016: o Rio mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2009) e o
“Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2013-2016) – Pós 2016: o Rio mais
integrado e competitivo” (PEPRJ 2013), sendo o segundo uma ampliação das metas e
das iniciativas presentes no primeiro plano (RIO DE JANEIRO, 2013).
Brigeiro e Sangenis (2014), quando em referência ao PEPRJ 2009, afirmam que
o plano estratégico apresenta um diagnóstico e define as diretrizes, as metas e as
iniciativas estratégicas de cada uma das 10 áreas de resultado, a saber, saúde, educação,
ordem pública, emprego e renda, infraestrutura urbana, meio ambiente, transportes,
cultura, esporte e lazer, assistência social, e gestão e finanças públicas. Segundo os
referidos autores, a partir da realização do diagnóstico, que permitiu identificar os
principais desafios e oportunidades das áreas de resultado, o governo delineou os
objetivos centrais e as diretrizes para cada setor mencionado. Estas, por sua vez, foram
desdobradas em metas específicas e mensuráveis a serem alcançadas durante os
mandatos do então prefeito. Sendo as iniciativas estratégicas o caminho pelo qual o
governo pretendia cumprir efetivamente os compromissos firmados com a população
carioca.
Assim, os planos estratégicos são documentos que expunham o
comprometimento da gestão com cada uma das referidas áreas de resultado. Dentre elas,
interessa-nos aqui tecer considerações acerca das intervenções no setor educacional,
mediadas pelo Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, gerido pela SME/RJ,
a partir do que fora estabelecido no PEPRJ 2009; dedicar-nos-emos a esse tema no
subcapítulo seguinte.
Em consonância com esses planos estratégicos, a prefeitura elaborou o “Plano
do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, no qual
constavam as principais iniciativas para viabilizar a realização dos jogos, que deixariam
um suposto legado social para os cariocas. Falamos em um suposto legado porque, de
acordo com Santos e Lins (2018), quase dois anos após a Rio 2016, os equipamentos
esportivos e culturais construídos ou reformados não estão tendo manutenção/ uso
sistema de ciclos implementando na Rede Municipal de Ensino Carioca, que não segue os mesmos
padrões da seriação. Talvez o grande problema não era apenas a forma de avaliação dos estudantes, que,
porventura, tenha se tornando uma aprovação automática, tendo em vista dificuldades para implantar o
sistema de ciclo como fora idealizado. A chamada aprovação automática foi revogada pelo Decreto
municipal nº 30340, em 01 de janeiro de 2009.
22
esperado ou estão parados; haja vista a subutilização do estádio do Maracanã, do Parque
Olímpico e do Parque Radical, por exemplo. Ademais de obras previstas, à época, não
realizadas ou não concluídas, como a de despoluição da Baía da Guanabara e a de
construção da Transbrasil.
Dito isto, apresentamos o “Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos” o qual contemplava intervenções em quatro áreas
específicas, a saber, transporte, infraestrutura urbana, meio ambiente e desenvolvimento
social. Considerando nossos objetivos, limitamo-nos a comentar sobre as ingerências na
infraestrutura urbana e no desenvolvimento social. Na área de infraestrutura urbana, os
projetos incluíam a revitalização de alguns pontos da cidade, como os entornos do
Maracanã, do Engenhão, do Sambódromo, do Parque Olímpico e da Região Portuária e
a construção da Vila dos Atletas, situada na Barra da Tijuca, entre outros. E na área de
desenvolvimento social, as ações preconizavam a urbanização e instalação de
infraestrutura nas comunidades cariocas, por meio do programa Morar Carioca; a
universalização da Língua Inglesa nas escolas da Rede Municipal, através do programa
Rio Criança Global e o fomento à prática esportiva e a atividade física em áreas
públicas, motivada pelo programa Rio em forma olímpico.
A princípio, uma leitura superficial desse documento nos leva a vislumbrar uma
imagem de Rio de Janeiro como uma cidade global, moderna e integrada, capaz de
atrair investidores e olhares do mundo. Sem embargo, nessa disputa pelos sentidos, ao
darmos voz a outros interlocutores, como pesquisadores e cariocas afetados diretamente
por essas intervenções, que também reivindicam um lugar de fala sobre o plano de
legado da cidade olímpica, é possível notar controvérsias, polêmicas, resistências
silenciadas no discurso institucional e, principalmente, os discursos que sustentam a
forma de governar a cidade.
Conceituamos governo, não no sentido comumente empregado, mas, a partir do
entendimento de Foucault sobre o tema. Para o filósofo francês, governar significa gerir
os homens na relação com as coisas, ou seja, na relação com “as riquezas, os recursos,
os modos de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas qualidades, clima,
seca, fertilidade etc” (FOUCAULT, 2013, p. 415). Desse modo, pensar a reestruturação
espacial da cidade é pensar a sua relação com o social.
Durante a execução desse plano, Castro et al (2015) enfatizam que os
investimentos na cidade não se deram de forma democrática, ou seja, apenas uma
parcela da população seria beneficiada. O processo de reestruturação urbana se
23
concentrou, prioritariamente, na Zona Sul, área habitada pela elite econômica do
município; na Região Portuária, área antes desprezada pelo setor imobiliário e
negligenciada pelo poder público e na Barra da Tijuca, área de expansão do capital
imobiliário. Ficando evidente que as regiões “privilegiadas” foram aquelas que
interessavam principalmente às conveniências privadas, como as do setor imobiliário,
dos conglomerados financeiros e do setor turístico.
No entanto, para a realização da construção dessa cidade global, segundo os
mencionados pesquisadores, intensificaram-se os processos de segregação
socioespacial, tão presentes na cidade, por meio de remoções da população mais
vulnerável das áreas, que passariam pelas intervenções urbanísticas ou próximas de
equipamentos esportivos e culturais, destinadas à realização desses eventos. Depois da
remoção, essas populações eram realocadas em outros pontos da cidade, às vezes, mais
periféricos e distantes de seus locais de trabalho e de estudo.
Matos (2016, p.12) reforça que a reconfiguração do espaço urbano carioca,
tendo em vista a organização da agenda internacional, “é pautada na expulsão daqueles
considerados indesejáveis das áreas recém-renovadas”. É o exemplo da comunidade
Vila Autódromo9, vizinha ao Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. Essa comunidade
virou alvo da especulação imobiliária, pois, estava situada em um ponto privilegiado da
Barra da Tijuca, entre os novos estádios construídos para os jogos olímpicos, hotéis e a
Lagoa de Jacarepaguá.
Dessa forma, o processo de remoções e desapropriações promovido pela
Prefeitura do Rio de Janeiro assegurou e privilegiou os interesses de capital privado em
detrimento de uma gestão democrática que garantisse a participação ampla da
população nas decisões relacionadas aos impactos econômicos, urbanísticos e
ambientais na vida coletiva. Ainda sobre a comunidade Vila Autódromo, é relevante
destacar que esta estava inserida em uma Área Especial de Interesse Social, destinada
exclusivamente à moradia de interesse social, validada pela Lei Complementar nº
47/2005 e pela Lei Complementar nº 79/2006. Logo, argumentos como o de duplicação
das Avenidas Salvador Allende e Embaixador Abelardo Bueno, com vistas a facilitar o
acesso ao Parque Olímpico, não deveriam servir de motivação para mudança do uso e
ocupação do solo (MATOS, 2016). Apesar disso, as remoções foram efetivadas por
meio de decretos, assinados por Eduardo Paes. O decreto, embora seja um ato
9 Situada próxima ao antigo Autódromo de Jacarepaguá, organizada enquanto comunidade formal a partir
da criação da Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo, em 1987.
24
normativo, não está submetido ao mesmo processo de criação de textos legais,
expressando assim a vontade particular da autoridade executiva em exercício.
Como assevera Castro et al (2015), o Poder Público, balizado pela dinâmica do
mercado, passa a determinar quem pode ou não permanecer, principalmente, nas áreas
consideradas valorizadas para atração de investimento e de turismo. O que reforça a
incapacidade da administração pública municipal pensar a cidade a partir de critérios
universalistas que promovam efetivamente a inclusão dos diversos grupos sociais na
apropriação do espaço urbano carioca. Ao contrário disso, ainda nas palavras dos
estudiosos, a cidade passou por um processo de elitização no qual se transferiu
forçosamente para os setores do capital imobiliário espaços antes sob a posse das
classes populares, criaram-se serviços e equipamentos urbanos geridos pela iniciativa
privada e transformou-se o Rio de Janeiro em um lócus de negócios considerado seguro
pela elite. Ao construir essa imagem, a capital fluminense passa a constar no
competitivo mercado mundial de cidades e ocupar esse espaço promove-a e valoriza seu
potencial para realização de investimentos e de turismo, consequentemente, atraindo
mais investidores e mais turistas (CASTRO et al, 2015).
Ao se proporem a realizar esses megaeventos, as cidades-sede “precisam” se
projetar internacionalmente, ou seja, mostrar ao mundo que têm condições de fazer
parte do rol dos “países modernos”, por isso, Carlos Vainer (2000 apud Matos, 2016)
afirma não ser difícil entender a semelhança existente entre as propostas de
reestruturação urbana, seja qual for a cidade, visto que todas devem vender “o mesmo
produto” aos mesmos compradores que têm, constantemente, as mesmas necessidades.
É preciso atender aos interesses e necessidades de um grupo seleto.
Podemos compreender que essa forma de pensar o tecido urbano e de
reestruturá-lo não segue padrões aleatórios, antes está sustentada pelas possibilidades de
transformações impostas pelo neoliberalismo que, por vez, não se aplicam apenas às
mudanças globais na economia e no Estado, mas também ao modo de organização
social e espacial de uma urbe.
Maricato (2014 apud Matos, 2016) reforça que os planejamentos estratégicos
das cidades, independente da realização de megaeventos ou não, passou a considerar a
reestruturação produtiva no mundo, isto é, a relação de subordinação às novas
exigências do processo de acumulação capitalista. À vista disso, não é difícil perceber
que uma lógica neoliberal delineou as intervenções urbanas praticadas no Rio de
Janeiro, durante as gestões de Eduardo Paes. Apesar das discursividades em prol do
25
legado para a cidade, essas intervenções não tiveram como ponto de partida melhorar as
condições de vida da população em geral e a efetivação de direitos ao espaço urbano
com maior justiça social, mas maximizar os lucros para determinados setores da
sociedade carioca, como as camadas de renda média e alta, mas, especificamente, os
detentores da propriedade fundiária e pelos capitais da promoção imobiliária.
Matos (2016) defende que as cidades-sede de megaeventos, com a Copa do
Mundo e com os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, ademais de se transformarem em
cidades equipadas com novos equipamentos esportivos, culturais e melhorias10
no
sistema de mobilidade e acessibilidade, subordinam-se aos interesses do capital global.
Assim, ao invés das intervenções urbanas colaborarem para a cidade se tornar um lugar
melhor para os cariocas, foi a cidade e os cariocas que se adequaram para acomodar os
eventos esportivos. Santos e Lins (2018, p. 128) concordam que sediar eventos dessa
magnitude pode ser positivo e favorável para uma cidade desde que se leve em conta o
desenvolvimento econômico sustentável e “que há articulações mais complexas, em que
mais que a operação urbana, por exemplo, como legado tangível, deve-se ter
planejamento e gestão pública continuada”.
Como já dito, as ações do plano do legado olímpico contemplavam quatro
setores: transporte, infraestrutura urbana, meio ambiente e desenvolvimento social.
Contudo, limitamo-nos a problematizar a atuação da administração municipal a partir
das intervenções referentes à infraestrutura urbana porque priorizamos falar da
reestruturação espacial e social que deu ao Rio uma nova cara. Ao trazermos a voz de
críticos à preparação da cidade em nome dos referidos eventos esportivos, observa-se
que as práticas discursivas da gestão municipal se alinham a uma dinâmica do mercado
capitalista, ou seja, uma submissão das políticas públicas aos interesses dos setores
hegemônicos da economia e da política. Dessa maneira, compreendemos que as
iniciativas empreendidas ao longo das gestões de Eduardo Paes foram sustentadas por
um discurso neoliberal, quando a lógica mercantil se sobrepõe a lógica do Estado.
10
Pensando no caso do Rio de Janeiro, especialistas ouvidos pelo jornal O Globo em 04/09/2017 afirmam
ter havido um impacto positivo no sistema de transporte, ainda que tenha falhas e deficiências, se
pensamos a mobilidade urbana no interior da cidade carioca, contudo, para os outros municípios da
Região Metropolitana as melhorias foram imperceptíveis. Reportagem disponível em
https://oglobo.globo.com/rio/olimpiada-rio-2016-deixou-legado-na-mobilidade-mas-da-para-fazer-
melhor-21777655, acesso em 10/03/2019.
26
A partir do que discutimos ao longo do capítulo, foi-nos possível refletir sobre o
modo de governo da cidade do Rio de Janeiro, empreendido entre 2009 e 2016.
Acreditamos que o governo da cidade, ou seja, a relação estabelecida entre os cariocas,
o contexto socioespacial e os elementos que o compõem, tenha se pautado na lógica de
funcionamento do mercado. Lógica esta que atravessou as iniciativas estratégicas
adotadas nos outros setores do plano do legado olímpico - transporte, meio ambiente e
desenvolvimento social -, bem como nas 10 áreas de resultados dos planos estratégicos
de 2009 e de 2013.
Como dissemos ao início dessa discussão, nosso interesse recai sobre as
intervenções no setor educacional, especialmente, no Programa Rio Criança Global, que
apreendemos como um acontecimento que eclode e provoca rupturas no ensino das
Línguas Estrangeiras da Rede Municipal carioca. Antecipamos que a referida rede é
reconhecida por seu caráter plurilíngue, tendo em vista que os alunos podiam estudar a
Língua Francesa, a Língua Inglesa ou a Língua Espanhola no segundo segmento do
Ensino Fundamental; no capítulo 02 detalharemos a inclusão desses idiomas no
currículo das escolas municipais.
Consideramos relevante apreender o PRCG no âmbito das políticas educacionais
da SME/RJ desenvolvidas nos anos de 2009 a 2016, recorte temporal em que se situa
esta pesquisa, pois, nenhuma intervenção pedagógica, por mais simples que seja, está
desvinculada da concepção de educação, de escola que fundamenta as práticas
discursivas de uma secretaria de educação ou de uma unidade de ensino.
Na próxima seção, dedicamo-nos a refletir sobre alguns aspectos do Projeto
“Salto de Qualidade na Educação Carioca”, o qual engloba o PRCG.
27
1.2 Uma educação carioca de “qualidade”
No PEPRJ 2009, o diagnóstico da educação apontou como problemas
enfrentados pela Rede Municipal de Ensino, rendimento insatisfatório dos alunos,
promovido pelo o que se convencionou chamar de “aprovação automática”, falta de
investimentos na educação infantil, professores desmotivados e sem orientações
pedagógicas, falta de professores e de profissionais de apoio, baixo envolvimento dos
pais no processo educacional, problemas frequentes de segurança em algumas escolas e
desequilíbrio geográfico na oferta de vagas (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 45).
Construiu-se um cenário de fracasso na educação carioca. Embora parâmetros e
critérios empregados na geração desses dados não tenham sido divulgados, o discurso
institucional é assumido como verdade, legitimado pela e na relação saber-poder. Para
Foucault (2009, p. 54), “a ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a
produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem”. Portanto,
fazer essa “verdade” circular é relevante para que as ingerências pedagógicas e
administrativas propostas sejam naturalizadas como necessárias e urgentes.
De acordo com Brigeiro e Sangenis (2014), é nesse contexto que a Prefeitura do
Rio elabora o Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, um projeto integrado
de intervenção no sistema público e que envolve um conjunto de políticas públicas
educacionais formuladas e orientadas pela SME/RJ. Quanto à conceituação de políticas
educacionais, apoiamo-nos em Vieira (2007) que, em um primeiro momento, as define
como as ações governamentais voltadas para resolver as questões referentes à educação.
Entretanto, afastando-se das simplificações, a pesquisadora assevera que as
políticas educacionais não se constituem única e exclusivamente como uma iniciativa
do aparelho estatal, na qual existiriam os formuladores e os executores. Pelo contrário, é
um processo social, ancorado em um tempo e um espaço, marcado por negociações,
contestações, contradições, enfim, por uma correlação de forças sociais em disputa que
agem diretamente na elaboração de uma política educacional.
Nas palavras de Vieira (2007, p. 57), “são objeto de interesse e de análise da
política educacional as iniciativas do Poder Público, em suas diferentes instâncias (...) e
espaços (órgãos centrais e intermediários do sistema e unidades escolares)”. A escola,
de acordo com essa concepção de política educacional, não é apenas a executora, mas
configura-se como espaço de reconstrução, de ressignificação e de inovação, ou seja,
um espaço que contribui para a formulação e reformulação de outras políticas.
28
Dessa forma, escola e professores desempenham um papel fundamental, pois
cabe a esses agentes sociais questionar as políticas educacionais que, porventura, apesar
de sustentadas por um aparente discurso de defesa da educação de qualidade, muitas
vezes, não se comprometem com a transformação social nem com a formação de
cidadãos críticos para enfrentar o mundo excludente e competitivo no qual estamos
inseridos. Considerando que toda e qualquer política pública educacional é atravessada
por discursos sobre a qualidade do ensino público, contudo, não há garantias de que os
sentidos atribuídos à qualidade do ensino público sejam convergentes, uma vez que as
políticas educacionais são enunciadas de posições enunciativas distintas, ou seja, fala-se
a partir das regras das formações discursivas nas quais os sujeitos discursivos se
inscrevem (MAINGUENEAU, 2008b).
No que tange às políticas implantadas pela SME/RJ, de modo geral, professores
e secretária de educação não compartilhavam da mesma compreensão do que seria a
qualidade de educação nas escolas municipais cariocas. O que fez com que professores
da rede11
e demais educadores criticassem com veemência as intervenções pedagógicas
propostas.
A responsável por pôr em prática o Projeto “Salto de Qualidade na Educação
Carioca” foi a economista Cláudia Costin12
, que permaneceu no cargo de secretária
municipal de educação de 2009 a julho de 2014, estando à frente da SME/RJ durante
todo o primeiro e parte do segundo mandato de Paes, tendo deixado o governo para
compor o Departamento de Educação do Banco Mundial, na sede da instituição em
Washington, nos Estados Unidos.
É pertinente pontuar os contextos de atuação de Cláudia Costin, porque, de certa
forma, sinalizam de onde enuncia, proporcionando-nos assim apreender seus
posicionamentos, enquanto instância enunciativa. Desde uma perspectiva discursiva, o
posicionamento se remete a uma identidade enunciativa, isto é, um lugar de produção
discursiva bem específico (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016).
Ao longo de sua trajetória, a então gestora da SME/RJ teve intensa participação
na administração pública federal. Entre os anos de 1991 a 1999, atuou nos governos de
11
Pauta da Greve dos Professores - 2013: http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim262.pdf.
Acesso em 30 de junho de 2019. E abaixo-assinado “Cláudia Costin, Não” contra indicação para ocupar
secretaria do MEC, disponível em https://peticaopublica.com.br/?pi=P2012N32256. Acesso em 08 de
abril de 2019. 12
Informações acessadas em 09 de setembro de 2018 e extraídas de: https://ceipe.fgv.br/quem-somos;
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/claudia-maria-costin e
http://www.worldbank.org/pt/about/people/c/claudia-costin.
29
Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, especificamente, nas
áreas de Economia, Administração e Planejamento. Entre os anos de 1999 a 2003,
comandou o Instituto Hélio Beltrão e, em paralelo, prestava consultorias a governos
estaduais.
Entretanto, antes de assumir a pasta da Educação da cidade do Rio de Janeiro,
atuava como vice-presidente na Fundação Victor Civita (2005 – 2007), instituição que
afirmava voltar-se para a melhoria da educação pública. À frente dessa fundação,
juntamente com outras organizações, criou o movimento da sociedade civil “Todos pela
Educação”13
do qual é membro da Comissão Técnica. Depois de se desligar do cargo de
Secretária Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro, assumiu o cargo de
Diretora Sênior para Educação no Banco Mundial de julho de 2014 a junho de 2016.
Desde então, atua no Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais
(CEIPE).
Como se pode observar, com exceção da Secretaria Municipal de Educação
carioca e a Fundação Victor Civita, instituições centradas na educação, cada uma a seu
modo, as demais atividades de Cláudia Costin concentraram-se nas áreas de gestão e de
economia, em governos orientados por uma perspectiva neoliberal. Inscrevendo-se,
portanto, em práticas discursivas cujo posicionamento concebe a educação não mais
como um direito social e subjetivo, entretanto, como um serviço mercantil
(FRIGOTTO, 2011).
Dito isso, atemo-nos ao referido projeto. Por não estar mais disponível na página
eletrônica da SME, as discussões que tecemos aqui são provenientes de leituras de
autores que se debruçaram sobre esse projeto e das informações compiladas no
“Caderno de Políticas Públicas – Rio de Janeiro” (RIO DE JANEIRO, 2014).
Conforme exposto nesse documento, entre as intervenções pedagógicas para
“requalificação do ensino público no município” (RIO DE JANEIRO, 2014, p. 05)
constam o fim da aprovação automática; a reorganização da rede em Espaço de
Desenvolvimento Infantil (EDIs), Primário Carioca (1º ao 6º) e o Ginásio Carioca (7º ao
9º); a elaboração de um currículo básico para todas as escolas; as avaliações internas de
13
Indicamos o artigo “Relações do movimento empresarial na política educacional brasileira: a discussão
da Base Nacional Comum”, de Liane Maria Bernardi et al. Para os autores (2018, p. 30), o “Todos pela
Educação”, “nascido em 2006, tornou-se uma Organização Social sem fins lucrativos em 2014.
Convocado pela financeira Banco Itaú Unibanco Participações S.A., em parceria com empresários do
país, apresentou-se como uma iniciativa da sociedade”, mas que se constitui em uma rede política
congregando diversos agentes sociais, recorrendo a um discurso comum: o da democratização da
educação.
30
Português, Matemática, Ciências e Redação; a elaboração de materiais próprios, os
chamados Cadernos Pedagógicos, com a consultoria de especialistas; a correção do
fluxo escolar, através do Programa de Reforço Escolar; a valorização dos profissionais
da educação; a implantação do Programa Rio Criança Global; o desenvolvimento da
plataforma digital, Educopédia e a implantação de escolas de turno único.
Não esmiuçaremos todas as políticas educacionais propostas pela SME,
problematizaremos a que se refere ao sistema de avaliação interno. Pois, de modo
simultâneo, essa intervenção pedagógica envolve as peças centrais do processo ensino-
aprendizagem, professor e aluno. Instâncias estas que serão retomadas ao longo do
processo analítico, visto que a imagem que se constrói discursivamente sobre elas nos
ajudam a apreender os discursos que balizaram a reconfiguração do ensino das Línguas
Estrangeiras nas escolas municipais.
Brigeiro e Sangenis (2014) destacam que o período da gestão Eduardo Paes e
Cláudia Costin foi marcado por um recorrente discurso sobre a qualidade na Educação,
acompanhado por uma necessidade de urgência na melhoria da educação carioca;
melhoria esta mensurável por meio do desempenho dos discentes no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do governo federal. Logo, o sistema de
ensino deveria priorizar ações educativas que gerassem resultados positivos nas
avaliações externas. Para promover esses “saltos de qualidade”, a SME, nas palavras
dos pesquisadores, induziu reconfigurações na autonomia do docente, na rotina escolar
e nas prioridades da/na educação pública. Ademais de impor à rede a proposição de
novos dispositivos de gestão e de regulação do sistema que, de certo modo, ferem a
autonomia escolar e do docente e o deslocamento autoritário de atribuições do Estado
para o setor privado, a partir de parcerias e convênios.
O modelo de gestão e de regulação imposto pela SME/RJ às unidades escolares
pauta-se em um modelo transnacional de governo da educação que se faz hegemônico
entre as forças que operam na educação. Para serem condizentes a esse modelo, os
sistemas de ensino precisam articular metas quantificáveis em educação e
responsabilização dos atores escolares pelos resultados alcançados. Por isso, ao longo
dessa gestão, observou-se uma ênfase no estabelecimento de um sistema avaliativo e
uma padronização curricular. Dentro dessa lógica, segundo Brigeiro e Sangenis (2014,
p.140) “a qualidade do processo educativo é a excelência atribuída aos seus produtos”,
tal afirmação ajuda-nos a entender a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação
do Município do Rio de Janeiro (IDERIO), sistema de avaliações interno da rede.
31
Em 2010, foi elaborado o IDERIO que, por meio da Prova Rio, avalia o
desempenho dos estudantes do 3º e 7º anos, em Língua Portuguesa, Matemática e
Ciências. O IDERIO não avalia só os estudantes antes também serve como marco
regulatório da atividade de trabalho e do desempenho dos profissionais da escola, tendo
em vista que esses são premiados com o 14º salário – o Prêmio de Desempenho –
quando a escola alcança o índice pretendido. Estabelece-se uma forma de disciplinar e
controlar as práticas desse professor que está sob vigilância constante, ademais de
instituir processos meritocráticos.
Desse modo, consideramos que o IDERIO tem um funcionamento semelhante a
um dispositivo panóptico que, ao mesmo tempo, exerce poder e produz saber sobre as
escolas e professores. O Panopticon, para Foucault (2012, p. 88), produz uma
“vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder
(...) e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de
constituir, sobre aquele que vigia, a respeito deles, um saber”. Esse saber objetiva não
mais determinar se aconteceu alguma coisa ou não, consiste em determinar se um
indivíduo se comporta ou não de acordo com as regras estabelecidas.
No que tange ao sistema de avaliação interno da rede, o poder se exerce quando
todos os professores, independemente de suas realidades, são obrigados a cumprir o
currículo proposto e a submeter-se a esse processo avaliativo e o saber que se constitui
sobre cada escola se refere à observância da meta estabelecida ou não. Caso a escola
não alcance o IDERIO, esta é penalizada, ou seja, é submetida a uma sanção
normalizadora que consiste no não recebimento do 14º. A sanção normalizadora é um
instrumento de penalizar as frações mais leves de uma conduta. O princípio geral do
panoptismo repousa não na relação de soberania, mas nas relações de disciplina
(FOUCAULT, 2009). Assim a disciplina, de acordo com a perspectiva foucaultiana,
fabrica indivíduos, cria corpos docilizados. À SME/RJ, importa “fabricar” professores
acordes com uma perspectiva de educação de resultados que se impõe à rede. Contudo,
é preciso ressaltar que, embora a instituição exerça esse controle sobre o corpo docente,
essas estratégias não inibem uma atuação crítica e criativa dos professores.
Pontuamos que as críticas dirigidas às avaliações não recaem sobre a
legitimidade dos governos de aplicá-las ou não para avaliar seus sistemas de ensino,
mas ao fato de uma hipervalorização, ou seja, de serem vistas como motor indutor de
evolução contínua das performances escolares (BRIGEIRO, SANGENIS, 2014). Ao
invés de a avaliação funcionar como um dispositivo social para correção de rumos e
32
suporte ao projeto pedagógico da escola, ela funciona como um dispositivo moral para
premiar e punir os segmentos escolares, sem que se encarem os problemas da
precarização dos serviços públicos como um todo.
Como vimos, nesse período, o modelo de gestão adotado pela SME/RJ está
focado em uma educação de resultados, nos processos de avaliação produtivistas, nos
quais os processos pedagógicos se desenvolvem mediante cumprimento de metas e
competências, além do incremento de programas que fomentam a parceria público-
privada. Nas palavras de Cunha (2015, p.05) “não é, portanto, sem motivos o interesse
crescente que as empresas privadas vêm demonstrando em relação à educação como um
negócio”, comumente, essas empresas replicam discursos de urgência de um ensino
eficiente na escola pública. Assim, passo a passo, vai se dando a privatização indireta da
educação pública.
Ainda segundo essa pesquisadora, a gestão de Eduardo Paes e Cláudia Costin
pautou muitas de suas ações governistas na gestão de políticas públicas assumidas pela
iniciativa privada, sob a etiqueta de organizações sociais ou chamado de terceiro setor.
Dessa forma, além dos programas já executados com o financiamento do governo
federal, a Prefeitura carioca juntamente com a SME implementou um conjunto de
“programas e projetos vinculados à parceria de grandes empresas privadas, como a
Fundação Ayrton Senna, Fundação Roberto Marinho, Sangari Brasil, Instituto Natura,
entre outros” (CUNHA, 2015, p. 05).
Dentre essas parcerias firmadas, citamos o caso do Instituto Ayrton Senna, da
Fundação Roberto Marinho e da Cultura Inglesa. Ficou a cargo da primeira instituição
os projetos Realfabetização 1 (para o 3º, 4º e 5º anos), Realfabetização 2 (para os alunos
do 6º ano) e Projeto Aceleração, cujo objetivo declarado é atender aos alunos oriundos
da Realfabetização 1 e demais alunos já alfabetizados, porém com distorção série-idade.
Já a Fundação Roberto Marinho realizou os seguintes projetos: Aceleração 2A, voltada
para alunos do 6º ano e a Aceleração 3, para os alunos dos 7º e 8º anos, atividade foram
elaboradas a partir do uso da metodologia de telessala. À Cultura Inglesa, coube a
seleção e capacitação dos professores e a elaboração do material didático para ensino da
Língua Inglesa, pautado na conversação (OLIVEIRA, 2017).
Considerando o que foi exposto até aqui, as intervenções pedagógicas praticadas
pela SME/RJ, em especial, o sistema de avaliação interno aponta para um entendimento
de educação, no qual escolas e professores são remunerados de acordo com sua
produtividade em termos do quantitativo de alunos aprovados, apontando para uma
33
perspectiva meritocrática. E os institutos ou organizações sociais passam a desempenhar
as funções do Estado, ou seja, avaliam professores e alunos de acordo com conteúdos,
métodos e processos não condizentes com o previsto nos documentos oficiais.
Submetem-se à escola os métodos e a competitividade exigidos pelo mercado
(FRIGOTTO, 2011). Deixando assim a escola de ser um espaço que represente os
interesses de todos e que proponha alternativas inovadoras para formar alunos críticos e
conscientes para interagir em uma sociedade excludente e competitiva.
Brigeiro e Sangenis (2014) advertem que essas alterações no modus operandi do
sistema de ensino municipal não é exclusivo da SME/RJ trata-se de um processo que já
está em curso em diversas partes do mundo, há pelo menos três décadas, inclusive, aqui
no Brasil. Durante os anos 1990, foram disseminadas pela Organização das Nações
Unidas (ONU), as pautas geradas a partir das demandas oriundas do processo de
mundialização do capital, incorporadas por diversos organismos internacionais, entre
eles, o Grupo Banco Mundial. No Brasil, essas demandas penetraram no governo
Fernando Henrique, acompanhadas de discursos que legitimavam necessidade de
“modernização” e de “reforma do Estado”, operando processos de reconfiguração do
papel do Estado, de sua relação com a sociedade civil e de seus modos de intervenção
governativa.
Por isso, os referidos autores (2014) afirmam não ser incomum observar um
protagonismo de grandes empresas privadas e de organismos internacionais em
detrimento dos pais e dos professores como agentes fundamentais em educação,
estabelecendo as diretrizes educacionais a serem seguidas, no geral, “diretrizes difíceis”
de não serem contempladas no mundo globalizado, principalmente, quando são essas
instituições que oferecem os investimentos às iniciativas de reforma que os favoreçam.
É no conjunto dessas políticas educacionais que se inclui o Programa Rio
Criança Global que, ao mesmo tempo, categorizamos como uma política educacional e
uma política de línguas, cujo objetivo declarado é a ampliação da oferta da Língua
Inglesa nas escolas municipais cariocas.
No capítulo seguinte, dedicamo-nos a comentar a entrada das Línguas
Estrangeiras no cenário educacional brasileiro e, principalmente, na cidade do Rio de
Janeiro.
34
CAPÍTULO 02: LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E
CARIOCA
Neste capítulo, trazemos algumas considerações acerca da oferta das Línguas
Estrangeiras no contexto educacional brasileiro com ênfase nas intervenções normativas
ou não que garantiram sua presença nos currículos oficiais das escolas municipais
cariocas.
Antes de figurar em reformas educacionais, o primeiro movimento de
institucionalização do ensino da Língua Francesa e da Língua Inglesa no Brasil coincide
com a instalação da família real portuguesa e de sua corte, no Rio de Janeiro, e com a
inserção dessas duas línguas no Plano de Estudos do Colégio Pedro II, inaugurado em
1837 (VIDOTTI, 2012).
De acordo com a referida pesquisadora, a criação das primeiras cadeiras de
inglês e francês institui-se por meio da Decisão nº 29, de 14 de julho de 1809, assinada
pelo príncipe regente D. João. Essa medida foi, entre tantas outras, uma das ingerências
no cenário político-educacional para atender às demandas de uma sociedade em
transformação, ou melhor, da parcela pertencente à incipiente elite carioca. Tal ato
normativo configura-se como uma política linguística; conceito a ser explicado nas
linhas seguintes.
Quando se fala em políticas linguísticas, podemos abordá-las de várias
perspectivas teóricas, como da Sociolinguística, da Etnolinguística e da Linguística
Aplicada, ou das “pesquisas que abordam o fenômeno da linguagem pelo viés
discursivo, dado que estes trabalhos observam o modo como a história e a ideologia se
inscrevem nos enunciados que circulam na sociedade” (SAAVEDRA, LAGARES,
2012, p. 16).
A Política Linguística, quando comparada a outras áreas dos Estudos da
Linguagem, uma vez que as políticas linguísticas existem desde muito tempo, é um
campo científico relativamente recente e tem seu início em meados do século XX. Sua
constituição coincide com a emergência da Sociolinguística e, nessa fase inicial,
configurava-se, nas palavras de Severo (2013, p. 452), como um campo disciplinar que
foi atravessado “por esforços de sistematização e racionalização de um modelo
aplicável aos estudos de descrição da relação entre as línguas e de seu funcionamento
(político) nos limites do Estado”.
Do ponto de vista da Sociolinguística, a política linguística refere-se às
determinações de grandes decisões em relação às línguas e às sociedades (CALVET,
35
2007). O pesquisador assevera que o homem sempre interveio nas questões relacionadas
à língua. Há as intervenções gerenciadas pelos próprios sujeitos falantes e referem-se ao
modo como resolvem seus problemas de comunicação, e há aquelas interferências que
não partem necessariamente da relação língua-falante, mas do que se estabelece por
terceiros como apropriado para uma determinada comunidade linguística e que
dependem da presença do Estado. Dito de outra forma, os esforços empreendidos para
influenciar o comportamento linguístico dos outros podem dar-se na relação entre os
falantes - em ambiente familiar, escolar ou laboral - ou por intermédio de leis e
portarias. Considerando estes esforços, a política linguística pode ser concebida, então,
como uma estratégia afetada por questões estatais que dispõem de alguns mecanismos
jurídicos e legais para a intervenção sobre o linguístico.
Garcez e Schulz (2016) asseveram que, provavelmente, é o Estado o agente de
políticas linguísticas mais expoente, entretanto, este não é uma entidade abstrata antes é
movido pelos atos de pessoa de carne e osso, inscrita em um determinado contexto
histórico e social. Logo, as políticas linguísticas não estão isentas de embates
ideológicos, sociais e econômicos, uma vez que “são resultados das ações de gente que
usa a linguagem e que disputa recursos com outros indivíduos e grupos. Políticas
linguísticas implícitas, portanto, andam juntas com as políticas explícitas” (GARCEZ e
SCHULZ, 2016, p. 04).
A distinção entre política explícita e implícita é proposta por Schiffman, em
1996, no livro Linguistic Culture and Language Policy, àquela refere-se à legislação
oficial e esta, às regras linguísticas não formalizadas, mas que se manifestam em
práticas sociais (SILVA, 2013). Dessa forma, a compreensão de uma política linguística
explícita perpassa pelo confronto com a política implícita, isto é, nas palavras de Silva
(2013, p. 310), “implica estabelecer uma relação entre as práticas e representações
linguísticas e a conjuntura histórica, social, cultural, educacional e mesmo religiosa da
comunidade cuja política se deseja compreender”. Ainda, de acordo com o pesquisador,
essa proposta de Schiffman traz contribuições significativas para o debate sobre a
política linguística, visto que desloca o ponto central da análise das decisões de um
indivíduo consciente para a cultura linguística que a compreende como um
acontecimento inscrito na história.
Assim como Schiffman, Spolsky apresenta uma concepção ampliada de política
linguística, conforme assegura Silva (2013). Em seu modelo teórico de políticas
linguísticas, Spolsky (2016) argumenta que, embora o objetivo seja o de dar conta das
36
escolhas individuais, as políticas linguísticas são fenômenos essencialmente sociais,
inseparáveis de comportamentos consensuais e das crenças de indivíduos pertencentes a
uma comunidade de fala. Posto isso, pensa a política linguística como a interação de
três componentes inter-relacionados e, ao mesmo tempo, independentes: práticas,
crenças e gestão. O primeiro componente refere-se às práticas linguísticas definidas pelo
teórico como as escolhas e comportamentos observáveis, isto é, o que as pessoas
realmente fazem; as crenças remetem-se aos valores atribuídos às variedades
linguísticas e aos traços e, a gestão tem a ver com os esforços de alguns membros que
afirmam ter autoridade para modificar as práticas e as crenças existentes em uma
comunidade de fala. Embora, nas palavras do autor, “a forma mais óbvia de gestão
linguística é uma constituição ou lei estabelecida por um estado-nação que determina
alguns aspectos do uso oficial da linguagem” (SPOLSKY, 2016, p. 36), não é
exclusividade das forças estatais; no domínio familiar, por exemplo, essa gestão
linguística poder ser exercida pelos pais imigrantes quando incentivam a manutenção da
língua de herança ou persuadem seus filhos a aprenderem a nova língua. Para esse
teórico, as representações sobre a língua e a linguagem de uma determinada
comunidade de fala derivam das práticas e, de modo simultâneo, são influenciados por
elas que, por sua vez, não desconsideram a conjuntura histórica mais ampla em que se
inscrevem. Silva (2013, p. 315) acrescenta que nesse modelo ampliado de política
linguística concebido por Spolsky, as línguas não são neutras e estão envolvidas em
agendas políticas, ideológicas, sociais e econômicas e, consequentemente, os
mecanismos de política linguística “também não são neutros e atuam como veículos de
promoção e perpetuação dessa agenda”. Com base na discussão empreendida, observa-
se que a Política Linguística, enquanto campo de pesquisa, nas concepções de
Schiffman e Spolsky, não se desvincula do social e do político.
Como dissemos anteriormente, Saavedra e Lagares (2012) salientam que a
relação entre a língua e a política não tem sido objeto de estudo apenas dos
pesquisadores da Sociolinguística, outros estudiosos advindos de outros campos do
saber têm se interessado por essa relação. Entre esses pesquisadores, citamos Orlandi
(2007, p.08) que sugere pensar a política linguística enquanto política de línguas, a qual
“concede a língua um sentido político necessário”. Dessa forma, a língua é um objeto
simbólico atravessado pelo político e pelo social intrinsecamente. Não sendo possível
pensar as relações que se estabelecem entre línguas e sentidos como se fossem inerentes
a elas, ou seja, como se não estivessem inscritas em um contexto social e histórico.
37
Consoante com essa proposição, Guimarães (2013) corrobora que as línguas são
afetadas, no seu funcionamento, por condições históricas específicas. Em razão de não
serem objetos abstratos escolhidos aleatoriamente por um determinado grupo, antes, são
objetos históricos e sociais inseparáveis daqueles que as usam.
Jantuta (2010, p. 20), retomando Guimarães (2003), afirma que a concepção de
“política de línguas desloca-se da política linguística tomada a partir das noções de
poder legitimado para as questões próprias do político, ou seja, do conflito linguístico,
que não opera apenas por uma intervenção do Estado”, mas leva em consideração a
relação dos sujeitos com as línguas e com seu entorno político, social e histórico.
Nesse sentido, a Decisão nº 29, que institucionaliza o ensino da Língua Francesa
e da Língua Inglesa, não é resultado de uma ação meramente estatal, mas vincula-se à
historicidade em que se inscreve e aos valores sociais que foram concedidos a essas
Línguas Estrangeiras. Nas palavras de Vidotti (2012), essa institucionalização está
sustentada por discursos que atribuem a línguas sentidos de utilidade como acesso ao
conhecimento científico e como instrumento de comunicação. Em relação ao
conhecimento científico, a pesquisadora assevera que esses idiomas, além de ocuparem
lugar de prestígio nos cursos de medicina e matemática, também eram uma ponte para o
conhecimento, pois, livros didáticos estavam escritos, em sua maioria, em francês ou
inglês. Não podemos deixar de mencionar que a Língua Francesa era considerada a
língua da elite o que conferia ao sujeito um status socialmente aceito.
No que tange à compreensão das línguas como instrumento de comunicação, é
preciso pontuar que essa lei linguística se inscreve em uma temporalidade atravessada
por reafirmações de relações comerciais entre Portugal e Inglaterra e por conflitos
políticos entre Portugal e França, que, apesar dessas divergências, não anularam por
completo o comércio existente entre ambos os países. Assim, tanto a Língua Francesa
quanta a Língua Inglesa foram preservadas nas relações comerciais, embora Vidotti
(2012, p. 56, grifo no original) ressalte que a Decisão nº 29 tenha apresentado “o inglês
no discurso da língua inglesa como língua útil, silenciando ser esta a língua do aliado
político no momento”.
Ademais dessa intervenção, outra ação político-educacional que fomentou o
ensino da Língua Francesa e da Língua Inglesa foi a criação do Colégio Pedro II, em 02
de dezembro de 1837, estabelecimento que serviria de modelo para a instrução pública
secundária na Corte. De acordo com Picanço (2003), com a fundação do Pedro II, dá-se
38
início a uma noção de educação nacional até então inexistente devido à falta de escolas
no Brasil colonial, o que levava a instrução escolar ser ministrada em espaços privados.
Durante todo o período imperial, os demais liceus e colégios, públicos ou
particulares da então província tiveram de adequar seus planos de estudos e programas
aos do Colégio Pedro II, nas palavras de Neves (2015, p. 69), “essa foi a maneira
encontrada para padronizar o ensino secundário em todo o país no Império”. Ressalta
ainda que o status do Colégio Pedro II vigorou até meados do século XX. Essa
informação é relevante, pois, de certa forma, ajuda-nos a compreender a presença da
Língua Francesa e da Língua Inglesa na matriz curricular das escolas municipais
cariocas.
Em relação ao programa curricular oficial do Colégio Pedro II, fundamentava-se
no modelo de educação francesa e sua ênfase no ensino clássico e humanista o que dava
às Línguas Estrangeiras um lugar de destaque. Desse jeito, ademais das línguas
clássicas14
, os alunos estudavam o francês, o inglês, e o alemão. Porém, “o italiano e o
espanhol não faziam parte do currículo do Pedro II” (PICANÇO, 2003, p. 28).
Freitas (2010) assevera que, apesar de não constar entre as disciplinas
obrigatórias do colégio, entre os anos de 1919 e 1925, o espanhol figurou como
disciplina de caráter optativo, ministrada por Antenor Nascentes, mediante aprovação
em seleção para ocupar a cadeira de Língua Espanhola na instituição. Vargens (2012),
em sua tese de doutorado, afirma ter havido um processo seletivo, anterior ao de 1919,
para o provimento da cadeira de espanhol do colégio. De acordo com informações
coletadas pela pesquisadora nos arquivos do Núcleo de Documentação e Memória do
Colégio Pedro II (NUDOM), em 1885, foi apresentada a tese “Litteratura Hespanhola
do XVII século. Escriptores Hespanholes do XVII século: suas produções principaes”,
por Alfredo Augusto Gomes como requisito para concorrer à vaga ofertada. Apesar de
não haver dados substanciais sobre os desdobramentos do concurso, como esclarece a
pesquisadora.
Tal como acontecera com a Língua Francesa e a Língua Inglesa, o ensino da
Língua Espanhola institucionalizou-se por intermédio de um ato normativo, o Decreto
nº 4244, de 09 de abril de 1942 (BRASIL, 1942), a Lei Orgânica do Ensino Secundário,
inserida na chamada Reforma Capanema15
, de autoria do ministro Gustavo Capanema.
14
Grego e latim eram as línguas clássicas ensinadas no Colégio Pedro II, conforme assevera Rodrigues,
2010. 15
Os níveis de ensino foram organizados em primário e secundário. O primário correspondia aos
primeiros anos de escolaridade, dos 07 aos 11 anos, o secundário subdividia-se em ginásio, com duração
39
Para Rodrigues (2010), essa foi a primeira legislação educacional que incluiu a Língua
Espanhola como disciplina obrigatória nos currículos do ensino secundário.
Ao longo da vigência desse decreto, todos os alunos desde o ginásio até o
científico ou clássico, em algum momento, estudavam latim, francês, inglês e espanhol.
Leffa (1999) diz ter sido essa reforma a que mais deu importância ao ensino das
Línguas Estrangeiras.
Dessarte, no ginasial, além da Língua Portuguesa, presente em todos os anos de
escolaridade, os alunos estudavam latim e francês no primeiro ano; do segundo ao
quarto ano, além das línguas citadas, também aprendiam o inglês. No clássico, durante o
primeiro e o segundo ano, os alunos estudavam latim, grego, francês ou inglês e
espanhol e no terceiro, latim e grego. Já no científico, no primeiro ano, eram oferecidos
francês, inglês e espanhol; no segundo, francês e inglês e, no terceiro, nenhuma língua
estrangeira era estudada.
Quanto às outras Línguas Estrangeiras modernas, o espanhol não tem um lugar
de destaque na matriz curricular. Enquanto o francês e o inglês eram obrigatórios em
todo o ginasial e nos dois primeiros anos do científico; o espanhol aparecia como
obrigatório nas séries iniciais do clássico e apenas na primeira série do científico. Para
Rodrigues (2010, p.78), tal carga horária “pode ser compreendida como meramente
simbólica”; uma vez que essa língua não se vinculava a nenhuma das áreas do
conhecimento relacionadas aos cursos da etapa final do ensino secundário.
Picanço (2003) compreende que a inclusão da Língua Espanhola tanto como
área do conhecimento acadêmico quanto disciplina escolar atende aos anseios da década
de 40: por parte das classes dirigentes, a valorização da erudição, pois era a língua de
autores consagrados e, por parte do governo, o enaltecimento de modelos de patriotismo
e respeito às tradições e histórias nacionais. O espanhol substituiu o alemão, presente no
currículo da escola secundária havia quase uma década, por naquele momento estar
representando a língua do inimigo de guerra, da II Guerra Mundial. Muitas escolas de
colônias alemãs foram fechadas ou tiveram de ensinar o português como primeira língua
e não mais o idioma de seus antepassados, em razão de, no ideal de pátria para o Estado
de quatro anos, e científico ou clássico, de três anos. Concluído o ginásio, os estudantes eram
direcionados ao clássico ou ao científico, segundo suas preferências acadêmicas.
40
Novo, não haver mais espaço para a pluralidade cultural e linguística que se havia
constituído no Brasil no início do século.
A mencionada pesquisadora cita aspectos relevantes que justificam o ensino da
Língua Espanhola nas escolas brasileiras. Entretanto, considerando sua tardia
institucionalização, em comparação à Língua Francesa e à Língua Inglesa, e sua
desigual distribuição de carga horária na matriz curricular proposta na Reforma
Capanema, observa-se que a constituição da Língua Espanhola, enquanto, Língua
Estrangeira é atravessada por conflitos e articulações políticos que não conferem a esse
idioma o mesmo lugar social que é dada ao francês e ao inglês. Logo, não sustentam o
ensino da Língua Espanhola discursos que reivindicam a Língua Francesa e Língua
Inglesa sentidos de utilidade como acesso ao conhecimento científico e como
instrumento de comunicação, que, segundo Vidotti (2012), atravessaram a Decisão nº
29. Em contrapartida, discursos nacionalistas fundamentam a institucionalização da
Língua Espanhola frente à impossibilidade de a Língua Alemã continuar sendo
oferecida nas escolas brasileiras.
Motivar um ensino patriótico por excelência era um dos objetivos da reforma do
ensino secundário de 1942, tendo em vista que se defendia que era necessário promover
“entre os adolescentes a compreensão da continuidade histórica da pátria, os
reformuladores dos programas de ensino tentaram vincular todos os conteúdos à questão
do nacionalismo” (PICANÇO, 2003, p. 32). A autora também assevera que, naquele
momento, a Língua Espanhola fora privilegiada por ser a língua de autores de grande
relevância, como Cervantes, Bécker e Lope de Vega.
Por isso, a Reforma Capanema foi criticada por alguns educadores como
documento fascista por sua exaltação ao nacionalismo. Apesar disso, as décadas de 40 e
50 formaram os anos dourados das Línguas Estrangeiras no Brasil (LEFFA, 1999).
O pesquisador afirma que a primeira alteração radical ocorre, em 1961, com a
novata Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 4024, de 20 de dezembro do
mesmo ano (BRASIL, 1961). Em tal documento, não há referências ao ensino de
Línguas Estrangeiras – clássicas ou modernas - que eram disciplinas obrigatórias no
currículo proposto pela Reforma Capanema. Na LDB de 1961, não apareciam nem
como obrigatórias, nem como optativas.
As Línguas Estrangeiras só não foram excluídas de vez do currículo oficial das
escolas brasileiras porque poderiam ser incluídas como disciplinas obrigatórias ou
optativas pelos Conselhos Estaduais de Educação (CEE’s). Esses órgãos foram criados
41
em 1961 pela legislação vigente e tinham autonomia para completar o quadro das
disciplinas obrigatórias, assim como para determinar as optativas, por serem
corresponsáveis pela organização da estrutura curricular (RODRIGUES, 2010).
Apesar do desestímulo à oferta das Línguas Estrangeiras promovido por essa
legislação, a Língua Francesa e, em especial, a Língua Inglesa conservaram-se
preponderantes, segundo Catta Preta (2018, p. 03), enquanto a Língua Espanhola
praticamente desaparecera das escolas brasileiras. Entretanto, no Colégio Pedro II a
Língua Espanhola juntamente com o francês e o inglês continuou sendo ofertada no
curso Clássico, ao longo da década de 60 (FREITAS, 2010) e em algumas escolas da
rede pública do Estado da Guanabara, que realizou concurso para professor de espanhol
em 1967 (DAHER, 2009).
Seguida à LDB de 1961, está a LDB nº 5692, sancionada em 11 de agosto de
1971 (BRASIL, 1971), que mantém a mesma organização do currículo escolar, dando
autonomia aos CEE’s para inclusão de disciplinas obrigatórias e optativas.
Diferentemente do que acontecia na normativa anterior, a LDB de 1971(BRASIL,
1971), em sua textualidade, faz referências às Línguas Estrangeiras como disciplinas a
serem inseridas no programa oficial. No entanto, apesar desse aparente avanço, algumas
incongruências se destacam: quais e quantas línguas ensinar. Tais considerações não são
especificadas, como ocorria no Decreto nº 4244/1942, de 1942 (BRASIL, 1942).
Por meio da Resolução nº 58, do Conselho Federal de Educação (CFE), de 22 de
dezembro de 1976 (BRASIL, 1976), o apagamento das Línguas Estrangeiras das escolas
brasileiras, originado na LDB de 1961 (BRASIL, 1961), foi interrompido. De acordo
com a Resolução de 1976 (BRASIL, 1976), a Língua Estrangeira moderna retorna como
disciplina obrigatória ao currículo escolar do que hoje é o Ensino Médio e teve sua
inclusão recomendada para o Ensino Fundamental. Os artigos dessa Resolução que
determinam essa obrigatoriedade funcionam como substitutivos aos da LDB de 1971
(BRASIL, 1971), que listavam as Línguas Estrangeiras como disciplinas a serem
escolhidas pelos CEE’s para compor a matriz curricular das unidades de ensino
(RODRIGUES, 2010).
A referência à “Língua Estrangeira Moderna” na superfície textual da normativa
ignora a Línguas Estrangeiras clássicas, conforme defende Rodrigues (2010, p. 99), essa
resolução é considerada como “a responsável pela exclusão definitiva das línguas
clássicas do currículo escolar, já que, nas legislações anteriores, o sintagma ‘língua
estrangeira’ não era acompanhado do adjetivo restritivo ‘moderna’”.
42
A Resolução de 1976 (BRASIL, 1976) mantinha a não especificação sobre quais
e quantas línguas ensinar. Segundo a pesquisadora, é fato que havia uma valorização
das línguas veiculares, em particular, o inglês, por ser apreciado como uma língua de
prestígio internacional e dotada de tecnologias que as metodologias de ensino de
Línguas Estrangeiras da época sugeriam como base para êxito no processo de ensino
aprendizagem.
A década de 60 foi marcada por uma série de acordos firmados entre o
Ministério da Educação e da Cultura (MEC) e o “United States Agency for International
Development” (USAID), acordos estes que propuseram reformas em todos os níveis de
ensino da educação brasileira, especialmente no ensino superior, onde se desejava
implantar o modelo norte-americano de ensino. Franzon (2015, p. 49621) esclarece que
“pelo papel estratégico deste nível, a reforma visava uma formação técnica mais
ajustada ao plano desenvolvimentista e econômico brasileiro em consonância com a
política norte-americana para o país”. Assim, como forma de garantir os recursos
concedidos, através de empréstimos e doações, para a execução de programas e
projetos, o Governo Brasileiro se submetia e adequava-se às imposições do organismo
internacional (BRASIL, 1967). A atuação da USAID não se restringia apenas ao Brasil,
mas a todos os países periféricos, nos quais os Estados Unidos pretendiam cristalizar a
vigência do sistema capitalista, impondo a estes as concepções e a organização social,
política e econômica que já prevalecia no país ianque (PINA, 2011).
Ao longo da década de 70, como consequência dos acordos firmados
anteriormente, o Brasil passou a comprometer-se mais ainda com as determinações dos
órgãos financeiros internacionais para os países em desenvolvimento. Nesse cenário, há
uma reconfiguração do sistema educacional, que cria o 2º grau profissionalizante,
objetivando atender às necessidades do mercado de trabalho que carecia de mão-de-obra
qualificada. Consoante com essa visão, como dito anteriormente, consolida-se o
favoritismo pelo ensino da Língua Inglesa como exigência do mercado de trabalho, para
acesso a novas tecnologias, para acesso ao mundo globalizado e participação nele. Nas
palavras de Picanço (2003, p.47, grifo no original), “o papel do ensino de línguas
passou a ser fundamentalmente instrumental (...) no sentido de ferramenta para certos
fins”. Reforçando a manutenção apenas do ensino da Língua Inglesa nas escolas, não
por uma adequação a um ato normativo ou por princípios pedagógicos, mas por filiar-se
a discursos que a associam à modernidade, ao desenvolvimento e à prosperidade
econômica.
43
Vinte e cinco anos depois da primeira legislação educacional, é sancionada a
LDB nº 9394 em 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), após um conturbado
processo de tramitação entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Em relação à
oferta das Línguas Estrangeiras, essa lei traz algumas modificações já sinalizadas na
Resolução nº 58/1976.
No Ensino Fundamental, o artigo 2616
, parágrafo 5º, prevê a inclusão de, pelo
menos, uma Língua Estrangeira moderna a partir da 5ª série, atual 6º ano, cuja escolha
fica a cargo da comunidade escolar e consoante com as possibilidades da instituição. E
no Ensino Médio, reitera-se o ensino de uma Língua Estrangeira, presente na resolução,
em caráter obrigatório e acrescenta-se a possibilidade da oferta de outro idioma, em
caráter facultativo, a serem definidos pela comunidade e de acordo com as
possibilidades dos sistemas de ensino.
Entretanto, é relevante destacar ainda a aprovação da Lei federal nº
11161/200517
(BRASIL, 2005), conhecida como a Lei do Espanhol, marcada por
polêmicas, polêmicas estas relacionadas ao fato de essa legalidade determinar a oferta
obrigatória, no Ensino Médio, de uma Língua Estrangeira, nesse caso, a Língua
Espanhola, contrastando assim com a legislação nacional em vigor. Como visto, a LDB
de 1996 registra em sua textualidade a obrigatoriedade do ensino das Línguas
Estrangeiras no currículo das escolas brasileiras, contudo, diferentemente do Decreto nº
4244/1942 (BRASIL, 1942) e da Lei do Espanhol, não define quais línguas deveriam
ser ensinadas, sendo de responsabilidade dos sistemas de ensino juntamente com a
comunidade escolar a definição sobre qual(is) Língua(s) Estrangeira(s) constaria(m) em
suas matrizes curriculares.
Até aqui nos dedicamos a abordar as legislações educacionais que normatizaram
a presença das Línguas Estrangeiras nas escolas brasileiras, sem perder de vista que a
“escolha” por um ou por outro idioma não é uma decisão neutra e consensual, é uma
decisão atravessada por conflitos políticos e discursivos. Embora o nosso lócus de
pesquisa seja a Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, é pertinente observar
como a macroestrutura, o sistema federal, organiza a política nacional de educação para
entender como os sistemas de ensino a ressignificam, uma vez que estes não podem
contradizê-la. 16 § 5
o No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a Língua
Inglesa. (Redação dada pela Lei federal nº 13.415, de 2017) 17
Antes da promulgação da Lei do Espanhol, de acordo com Rodrigues (2010), tramitaram na Câmara
dos Deputados, entre os anos de 1958 a 2007, 19 projetos de lei que tematizavam a implantação do ensino
da Língua Espanhola e, no Senado Federal, de 1987 a 2003, 7 projetos foram apresentados.
44
Ao longo do capítulo, pontuamos que não foram todas as legislações que
priorizaram o ensino das Línguas Estrangeiras, apesar disso, a disciplina fez-se presente
nas matrizes curriculares das escolas brasileiras e os idiomas mais requisitados foram a
Língua Francesa e a Língua Inglesa. Nas escolas municipais cariocas não foi diferente,
ou seja, essas línguas também compuseram sua matriz curricular. Atribuímos essa
inclusão ao fato de que todas as escolas, pelo menos, até meados do século XX, terem
como instituição modelar o Colégio Pedro II.
Em relação à Língua Francesa, de acordo com informações do Diário Oficial do
Município do Rio de Janeiro18
, foram realizadas quatro seleções para professores de
francês em 1976, 1985, 1988 e 199219
. Em contrapartida, no que concerne à Língua
Inglesa, segundo Picanço (2003) e Rodrigues (2010), a partir da década de 70, houve
uma “predileção” por esse idioma – o que chamamos de imposição -, o que fez com que
as seleções para professores de inglês não ficassem restritas a um marco temporal.
Conforme já discutido, a inclusão da Língua Francesa e da Língua Inglesa nas
escolas municipais cariocas não é aleatória, pelo contrário, é situada em um contexto
histórico-social e atravessada pelo político, ou seja, pela relação que se estabelece entre
as línguas e a sociedade, o que lhes concede um status de Língua Estrangeira a ser ou
não ensinada nas escolas. Dessa forma, quando se deu a implantação, sob aquela recaía
sentidos de prestígio social e intelectual, e sob esta se atribuía sentidos de força política
e prosperidade econômica.
Na década de 90, mais especificamente em 199620
, a SME/RJ encaminha às
escolas municipais o “Multieducação – Núcleo Curricular Básico”, documento que
continha os princípios educativos e os núcleos conceituais que fundamentavam a
concepção de educação, de ensino e de organização curricular da rede. Dentre os
capítulos que o compõem, interessa-nos o intitulado “As disciplinas do Núcleo
18
Explicitamos que esses diários oficiais não estão disponíveis na internet, por isso, recorremos à
pesquisa presencial na Biblioteca da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro. 19
De acordo com as informações obtidas, nas seleções de 76, 85 e 92, foram oferecidas 171 vagas para
professores de Língua Francesa. No que tange ao concurso de 88, não tivemos acesso ao edital do
concurso somente ao edital de convocação, o que não nos permitiu saber o quantitativo de vagas
oferecidas, em contrapartida, foi-nos possível saber que, nessa primeira chamada, 50 professores foram
convocados. 20
As decisões em torno das línguas são atravessadas pelo político e pelo social, como já afirmamos
anteriores, ou seja, não estão descoladas do contexto histórico-social em que se inscrevem. Posto isto,
consideramos relevante pontuar que em 1996, quando a Multieducação foi entregue à comunidade
escolar, ideias neoliberais circundavam desde a administração municipal à federal, haja vista as lideranças
políticas à frente dos governos. No município do Rio, César Maia; no governo do Estado do Rio,
Marcello Alencar e, no governo federal, Fernando Henrique Cardoso, os dois últimos filiados ao Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB). O que, de certa forma, influenciou as discussões sobre o ensino
de Línguas Estrangeiras na Rede Municipal de Ensino da cidade carioca.
45
Curricular Básico”, em especial a seção “Línguas Estrangeiras”. Nessa seção, observa-
se a menção à pluralidade linguística, por conta do sintagma nominal “línguas
estrangeiras”, que reitera o que já vinha sendo praticado na rede, isto é, a oferta da
Língua Francesa e da Língua Inglesa.
Ademais disso, o enunciador institucional destaca a relevância da aprendizagem
das Línguas Estrangeiras em ambiente escolar, atribuindo-lhes outros sentidos que, de
certa maneira, afastam-se dos sentidos mencionados anteriormente. De acordo com o
documento, o mundo contemporâneo é pluri e intercultural, o que ocasiona a
aproximação entre as línguas, as culturas e os povos, facilitando assim a comunicação e
a disseminação de saberes (RIO DE JANEIRO, 1996).
Desse modo, o enunciador institucional sugere que o ensino,
independentemente, da Língua Estrangeira deva proporcionar uma apropriação crítica e
criativa de formas de expressão e de linguagens contemporâneas e também favorecer
aos alunos:
um diálogo permanente entre a nossa cultura, nossa identidade como
cidadãos cariocas e brasileiros e as múltiplas influências dos demais povos e
culturas, de modo a construir conhecimentos, conceitos, valores valiosos para
a vida nos dias de hoje e para a sociedade do futuro (RIO DE JANEIRO,
1996, p. 165).
Observa-se a concepção de ensino de Língua Estrangeira volta-se para a
formação cidadã e crítica desses estudantes que, por sua vez, são compreendidos como
sujeitos sociais e discursivos, inscritos em uma historicidade. A partir dessa perspectiva,
a língua não pode ser mais considerada apenas uma estrutura desvinculada de sua
história e do povo que a constitui. E, além disso, a Língua Estrangeira passa a ser vista
como um contributo para a formação integral do estudante extrapolando a visão de
língua como mera ferramenta para acessar conhecimentos e para comunicar-se.
Ainda sobre esse documento, é preciso pontuar que o enunciador cita as
“influências marcantes da língua e da cultura inglesa, francesa e italiana na nossa
cultura” (RIO DE JANEIRO, 1996, p. 163), contudo, não faz referências às marcas
deixadas pela cultura e Língua Espanhola na constituição da identidade do povo
brasileiro. Esse apagamento causou certo estranhamento em alguns setores da
comunidade acadêmica, tendo em vista que desde meados da década de 80 reacendeu
uma demanda pela oferta do ensino do espanhol no estado fluminense. Catta Preta
(2018, p. 04) destaca que “começava-se a vislumbrar o retorno da língua espanhola aos
bancos escolares e os protagonistas desse movimento eram os docentes da área”. A
partir daí, várias conquistas aconteceram: a fundação da Associação dos Professores de
46
Espanhol do Estado do Rio de Janeiro, em 1981 (DAHER, 2006); o concurso público
para professores de Língua Espanhola da Rede Estadual, em 1985 (DAHER, 2006,
2011); a inclusão da Língua Espanhola como opção de Língua Estrangeira nos
vestibulares nas universidades fluminenses, em 1986; a promulgação da Lei estadual nº
2447/ 1995 (RIO DE JANEIRO, 1995), dentre outras.
Na esfera municipal, algumas intervenções político-pedagógicas promoveram a
inserção da Língua Espanhola nas escolas municipais cariocas. Em 1998, foi firmado
um convênio entre a UERJ e a SME/RJ, a partir do contato estabelecido entre a equipe
de professores de espanhol, do Instituto de Letras, atuantes no curso de Especialização
de Língua Espanhola – Instrumental para a Leitura e a equipe responsável pela
coordenação de grupo de Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras da SME/RJ. A
parceria possibilitou a implementação de oficinas em Língua Espanhola para os alunos
da rede, participantes do projeto “Trabalho e Cidadania”, que integrava o projeto
“Educação pelo Trabalho”, coordenado pela Diretoria de Educação Fundamental. O
projeto “Trabalho e Cidadania” objetivava oferecer o ensino de Línguas Estrangeiras
como fator de desenvolvimento do potencial do aluno para o trabalho.
Os docentes da UERJ envolvidos formalizaram o convênio por meio do projeto
de oficina “O Ensino Fundamental e o Espanhol como Língua Estrangeira:
instrumentalizando pelo trabalho”21
. Como, à época, não havia professores de Língua
Espanhola na rede, as aulas eram ministradas por licenciandos/ bolsistas da UERJ sob a
supervisão dos docentes responsáveis pelo projeto. A atuação dos estudantes de
Licenciatura em Português-Espanhol não se restringia à elaboração e desenvolvimento
das oficinas, cabia-lhes participar do planejamento conjunto proposto pela unidade de
ensino e pela supervisão do projeto “Educação pelo Trabalho”, e dos Conselhos de
Classe, como docentes responsáveis pelas oficinas.
De acordo com os objetivos do projeto, a cooperação entre a UERJ e a SME/RJ
proporcionou benefícios tanto aos alunos da rede municipal quanto aos estudantes da
graduação. Aos alunos da rede, permitiu-lhes aproximar-se da cultura dos países
hispano-falantes, desenvolver a alteridade e o respeito pelo outro, conhecer e aprender
outra língua; aos alunos da graduação, deu-lhes a possibilidade de vivenciar de forma
mais intensa a docência, de refletir e discutir questões de ordem teórico-prática e de
atuar de diferentes formas no espaço escolar, seja ministrando aulas ou participando das
21
As oficinas foram desenvolvidas, inicialmente, em 02 das 21 escolas-pólos, participantes do projeto
“Educação pelo Trabalho”, com 03 turmas iniciantes por pólo, com um número de 20 alunos por turma,
02 vezes por semana e com duração de 100 min dia/aula.
47
reuniões pedagógicas, dos conselhos de classe, entre outros. Ademais, podemos dizer
que esse projeto impulsionou a inserção da Língua Espanhola na matriz curricular das
escolas municipais cariocas22
.
Com vistas à implantação desse idioma na Rede Municipal, a Prefeitura, ao
longo dos anos, realizou três concursos públicos para professores de Língua Espanhola,
nos anos de 1998, 200123
e 2012. O primeiro concurso foi regido pelo Edital Fundação
João Goulart (FJG) nº 14/ 1998; o segundo, pelo Edital Conjunto Secretaria Municipal
de Educação e Fundação João Goulart (SME/FJG) nº 01/2001 e o terceiro, pelo Edital
Secretaria Municipal de Administração (SMA) nº 54/ 2012. O quantitativo de vagas
oferecidas foram, respectivamente, 100, 80 e 100.
Um ano após, a realização do primeiro concurso, a câmara dos vereadores da
cidade do Rio de Janeiro aprova a Lei Municipal nº 2939, de 24 de novembro de 1999
(RIO DE JANEIRO, 1999) que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da Língua
Espanhola nas escolas municipais cariocas, conforme disposto no artigo primeiro.
Essas intervenções político-pedagógicas alavancaram a implantação, ao lado da
Língua Francesa e da Língua Inglesa, da Língua Espanhola na Rede Municipal carioca,
reforçando assim o viés plurilíngue da mencionada rede. É preciso ressaltar que entre as
três Línguas Estrangeiras presentes na matriz curricular estabeleceu-se uma relação de
coexistência e não de exclusão.
Passados 10 anos da promulgação da Lei Municipal nº 2939/1999, outro ato
normativo é expedido, o Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009),
o qual promulga a criação do Programa Rio Criança Global, cuja finalidade é a
ampliação da oferta da Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino
Fundamental.
Embora não esteja explícito na textualidade do decreto, para viabilizar a
expansão na oferta da Língua Inglesa, concomitantemente, inicia-se um processo
declarado de redução na oferta da Língua Francesa e da Língua Espanhola. Para tanto,
essa política de línguas, conceito que concede à língua um sentido político e não
sentidos “inerentes”, mobilizou também outros aparatos jurídico-institucionais, como a
produção de circulares, em específico a E/SUBE/nº 13/2012 e a E/SUBE/nº 08/2015,
22
Essas informações foram extraídas do Projeto de extensão: “O Ensino Fundamental e o Espanhol como
Língua Estrangeira: instrumentalizando pelo trabalho” e do Projeto SR-3 (P367): “O ensino fundamental
e o espanhol como língua estrangeira (E/LE): alternativas à formação docente”, coordenados pelas
professoras Del Carmen Daher e Vera Sant’Anna. 23 A capacitação dos professores de Língua Espanhola aprovados nos concursos de 1998 e 2001foi
realizada pelos docentes da UERJ.
48
com vistas a orientar diretores e coordenadores das CREs sobre o lugar dos professores
de Língua Espanhola e Língua Francesa no atual cenário de ensino de Línguas
Estrangeiras. E assim poder, de fato, implantar a Língua Inglesa em todos os anos do
Ensino Fundamental.
Concebemos esse enunciado, a saber, o Decreto Municipal nº 31187/2009, sob a
ótica de Foucault (2008), como um acontecimento discursivo que irrompe em um
determinado tempo e espaço, implicando uma ruptura e/ou regularidade histórica. A
apreensão de acontecimento requer, por um lado, levar em consideração as condições de
existência que determinam a materialidade própria do enunciado e, por outro lado,
interrogar como ele, o enunciado, pôde se formar historicamente e em quais realidades
se articula.
Portanto, a partir desse entendimento de acontecimento discursivo, interessa-nos
compreender os processos históricos e discursivos que constituíram esse enunciado,
possibilitando assim sua emergência e inaugurando uma ruptura discursiva que
provocou uma reconfiguração no ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas
municipais cariocas, deslocando-o de uma perspectiva plurilíngue para uma perspectiva
monolíngue. Dito isso, no próximo capítulo, apresentamos os encaminhamentos teórico-
metodológicos recorridos para a constituição do material de análise.
49
CAPÍTULO 03: ENTRE CAMINHOS: FUNDAMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Neste capítulo, apresentamos os passos metodológicos e os conceitos teóricos
adotados na pesquisa. Recorremos aos aportes teóricos da Análise do Discurso, de base
enunciativa, cujo interesse recai em apreender os enunciados como imbricação de um
texto e de um lugar social. Segundo Maingueneau (2008, p. 137), “o objeto dessa
análise do discurso não é, portanto, nem a organização textual nem a situação de
comunicação, mas sim aquilo que as une mediante modo de enunciação”. Dito de outra
forma, para essa corrente teórica, é imprescindível considerar o que se fala – o
linguístico – e de onde se fala – o social.
A AD pertence ao campo da linguística, no entanto, tal pertencimento não a
torna uma disciplina exclusiva, desse campo, com limites intransponíveis, ao contrário,
é uma disciplina que, desde sua gênese, se aproxima de outros campos das ciências
humanas como a psicologia, sociologia, história, entre outras. O que nos leva,
considerando os objetivos desta investigação, a buscar interlocuções com teóricos de
outras áreas do saber, em especial, Foucault (2008, 2009, 2012, 2013) e Deleuze e
Guattari (1995); ademais de Cervoni (1989), que se dedica aos estudos da Semântica e
da Pragmática.
3.1 Os passos metodológicos
Compreender a reconfiguração do ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas
municipais cariocas, inaugurada com a criação do Programa Rio Criança Global,
compreendido como um acontecimento discursivo, em 2009, é o centro da nossa
investigação.
Isto é, considerando nossa filiação teórica, interessa-nos compreender o
funcionamento discursivo do Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO,
2009) e das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 que legitimam essa
reestruturação do ensino das Línguas Estrangeiras “proposta” pela SME/RJ, a qual
altera práticas já instituídas e impõe às unidades escolares, aos docentes e aos estudantes
uma nova racionalidade. Racionalidade, um dos conceitos foucaultianos, nas palavras
de Castro (2009), é entendida como os modos de organizar os meios para alcançar um
fim.
50
Com base nessa conceituação, parece-nos que a ampliação da oferta da Língua
Inglesa e, consequentemente, a restrição no oferecimento da Língua Espanhola e da
Língua Francesa são ações que visam a um determinado fim bem específico,
estabelecido para a educação carioca, ao longo das gestões de Eduardo Paes à frente da
Prefeitura e de Cláudia Costin, da Secretaria Municipal de Educação. Dessa forma, essa
política de línguas assim como as demais políticas educacionais não estaria
desvinculada de uma concepção de educação, de ensino de Línguas Estrangeiras, de
professor e de aluno sustentada pela equipe gestora da SME/RJ. É preciso dizer que,
embora os professores também sejam integrantes da SME, na maioria das vezes, há
divergências quanto às concepções defendidas.
Dito isso, observamos que limitar nossa análise apenas ao funcionamento
discursivo da norma jurídica, a saber, o decreto municipal e das circulares poderiam não
dar conta de responder ao nosso questionamento de pesquisa. Ademais de não dar
visibilidade a uma rede discursiva que atravessou e sustentou as políticas educacionais
da SME/RJ, e que, inclusive, possibilitou a enunciação desse decreto.
Como veremos na próxima seção deste capítulo, os enunciados estão em
dispersão e cabe ao analista recuperar as regras, ou melhor, as regularidades que
permitem a emergência ou não de determinados discursos, nas diferentes épocas. Os
discursos são acontecimentos dispersos em sua historicidade. Nas palavras de Foucault,
é preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua
irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece nessa
dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido,
transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos
os olhares, na poeira dos livros. (FOUCAULT, 2008, p. 33).
Considerando que na AD o que importa não é somente o que se diz, mas
também o como se diz e as condições que possibilitam um dizer; começamos a buscar
outros textos que pudessem nos ajudar a entender e problematizar o que estamos
chamando aqui de uma reconfiguração no ensino das Línguas Estrangeiras na rede
municipal de ensino carioca. Não estamos em busca de uma verdade, até porque o
trabalho do analista do discurso não consiste em encontrar verdades – cabe, inclusive,
questionar o que é a verdade - mas desnaturalizar o que é dado como óbvio, como o
único caminho a ser seguido. Em nossa pesquisa, referimo-nos à ampliação da oferta da
Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino Fundamental, tida como a
língua das oportunidades, reiterada nas falas de Cláudia Costin e de Eduardo Paes.
51
Tomamos como ponto de partida a procura de textos em que a então secretária,
Cláudia Costin, em interlocução com a população carioca por intermédio dos meios de
comunicação, falasse sobre o ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais.
Para tanto, recorremos à ferramenta de pesquisa da empresa Google e utilizamos
construções linguísticas como “Cláudia Costin e ensino de línguas”, “Cláudia Costin e
ensino de línguas estrangeiras”, “Cláudia Costin e ensino de inglês”, e “Cláudia Costin
e língua espanhola” como palavras-chave para o encaminhamento das buscas.
Fundamentada nesse direcionamento, tivemos acesso a um grande número de
textos dos mais variados gêneros, como entrevistas, notícias publicadas em jornais e no
site oficial da prefeitura, cartas abertas à secretária, cartas de apoio, entre outros. Entre
os textos acessados, a princípio, selecionamos duas entrevistas de Cláudia Costin
concedidas à Revista Época, em 11/07/2010, e à Revista Ponto Com, em 21/09/2012.
Justificamos essa escolha, primeiramente, porque em ambas as entrevistas
abordaram-se, de alguma forma, o ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas
municipais cariocas, ou melhor, da Língua Inglesa, embora esperássemos uma discussão
mais aprofundada. Aproveitamos para salientar que a referência apenas ao idioma
anglo-saxão já diz muito sobre essa política de línguas.
E, em segundo lugar, devido às especificidades do gênero entrevista, é
concedido ao entrevistado um espaço de fala mais ampliado do que, por exemplo, no
gênero notícia, para que este possa responder aos questionamentos do entrevistador.
Assim, nessas entrevistas, Cláudia Costin teve mais tempo para discorrer sobre sua
atuação à frente da educação carioca e sobre as propostas planejadas já desenvolvidas
ou em desenvolvimento; tendo como eixo organizador de sua fala o roteiro elaborado
pelo entrevistador.
Apesar disso, como já dito, pouco se falou da Língua Inglesa e nada se
mencionou sobre as demais Línguas Estrangeiras – Língua Espanhola e Língua
Francesa - ofertadas na rede municipal aos alunos. O não dizer muito já diz. Em
contrapartida, observamos que os outros temas foram bastante explorados, como o
sistema de avaliação implantado e o ciclo da alfabetização, por exemplo. Tais
percepções corroboraram que não poderíamos compreender a ampliação da oferta da
Língua Inglesa, sem considerar que essa política de línguas estava insertada no conjunto
mais amplo das políticas educacionais praticadas pela SME/RJ, e que, por sua vez,
parecia-nos filiar-se a um determinado projeto de educação que, aparentemente, se
afastava de uma concepção de educação libertadora (FREIRE, 1996).
52
Demo-nos conta de que precisaríamos entender também que concepção de
educação dava sustentação às práticas pedagógicas da SME/RJ. Para isso, fez-se
necessário buscar outros textos que proporcionassem essa reflexão. Sem uma pesquisa
virtual tão refinada quanta a que nos possibilitou encontrar às entrevistas de Cláudia
Costin, ou seja, com palavras-chave bem definidas. Empregamos à expressão
“imposição da Língua Inglesa” e, como num ambiente virtual, um texto vai levando a
outros, chegamos a um documento do Grupo Banco Mundial (GBM), intitulado
“Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para todos”. De acordo com Pronko
(2014), trata-se de uma nova estratégia lançada pelo GBM24
para o setor educacional,
para o decênio 2010-2020, que objetiva investir nos conhecimentos e nas competências
das pessoas para promover o desenvolvimento.
Em um primeiro momento, durante a leitura do texto, chamou-nos atenção a
presença de vocábulos lado a lado, como “melhoria da educação”, “aprendizagem”,
“crescimento econômico”, “mercado de trabalho”, “competitividade”, e a semântica que
se pode atribuir a eles dentro de uma formação discursiva – conceito a ser esmiuçado na
seção seguinte - que advoga uma concepção de educação alinhada aos interesses do
mercado, em outros termos, a uma concepção de educação pautada numa perspectiva
neoliberal. Em um segundo momento, nota-se que é possível estabelecer relações entre
os pontos abordados nas entrevistas, em especial, na concedida à Revista PontoCom e
as estratégias que são “sugeridas”, no documento, a fim de garantir essa aprendizagem
para todos. O que nos leva a pensar que as políticas educacionais adotadas pela SME/RJ
estejam pautadas numa concepção de educação afinada com as questões neoliberais.
Em Análise do Discurso, consideramos que os sentidos não são dados a priori,
são produzidos discursivamente; sendo, portanto, necessário proceder a uma análise
mais refinada dessa entrevista e do documento do GBM para compreender os efeitos de
sentidos, as relações interdiscursivas e assim apontar a vinculação da educação carioca a
uma perspectiva neoliberal. Entretanto, não podemos deixar de pontuar que essa
possibilidade (re) orientou, de certa forma, nosso processo de busca por mais textos para
composição do material de análise.
24
Vale destacar que o GBM é uma agência especializada independente do Sistema das Nações Unidas,
maior fonte global de assistência para o desenvolvimento, responsável por bilhões anuais em empréstimos
e doações aos países-membros.
53
Assim, chegamos a uma peça publicitária25
sobre a educação carioca produzida
pela Prefeitura do Rio e veiculada no jornal “O Globo”, em 08 de dezembro de 2014. E
também aos Planos Estratégicos da Prefeitura do Rio de Janeiro, produzidos ao início de
cada gestão de Eduardo Paes que condensava os objetivos centrais e diretrizes traçadas
pelo governo para cada secretaria. Em ambos os planos, ou seja, o PEPRJ 2009 e
PEPRJ 2013, chamou-nos atenção o capítulo de abertura intitulado “Carta do Prefeito”,
no qual o mandatário se dirige aos cidadãos cariocas e apresenta como pretende
governar a cidade, o que, de certa forma, aponta seu modo de governar que, por sua vez,
refletirá nas práticas de governo da Educação, da Saúde e das outras secretarias, já que
esses setores se subordinam a um projeto maior, ou seja, estão vinculados ao projeto de
governança da Prefeitura carioca.
Ao longo do nosso percurso metodológico, foi-nos ficando claro que, para dar
conta de nossas demandas da pesquisa, não seria possível seguir uma única direção, ou
seja, recorrer a um único texto. Dessa forma, nossa busca por textos para constituição
do material de análise aparentemente difusa e dispersa aproximou-se do conceito de
rizoma de Deleuze e Guattari (1995), termo emprestado da Botânica.
Inicialmente, empregado para referir-se a raízes que apresentam um crescimento
diferenciado, polimorfo, que crescem horizontalmente e não têm uma direção clara e
definida. Na teoria filosófica dos mencionados autores, o rizoma é um modelo
epistemológico que não se fecha sobre si, é aberto para experimentações, é sempre
ultrapassado por outras linhas de intensidade que o atravessam. Nas palavras de Deleuze
e Guattari (1995, p. 15), o rizoma é mapa e não um decalque e como um mapa “é
aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de
receber modificações constantemente”. O rizoma têm múltiplas entradas, não sendo
possível determinar um caminho certo, um acesso válido. Entra-se num rizoma a partir
de qualquer um dos pontos.
Os filósofos acrescentam, em relação à análise da linguagem, que o método do
tipo rizoma obriga-se a efetuar um descentramento sobre outras dimensões e outros
registros. Ao estabelecer essa relação com o estudo da linguagem, essa noção filosófica
dialoga com o entendimento de Foucault (2008) de que os enunciados que, por sua vez,
garantem a existência dos discursos, estão em dispersão e recuperar as regularidades
25 A publicidade na íntegra está reproduzida nos anexos do trabalho. Disponível em
https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-escola-a-fabrica-e-gera-
criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.
54
que os possibilitam permite ao analista perceber os discursos que estão em circulação.
No tocante à investigação em desenvolvimento, viabiliza-nos compreender os discursos
sobre educação, sobre ensino de línguas que atravessaram as práticas discursivas da
SME/RJ e que legitimaram o processo de reconfiguração do ensino das Línguas
Estrangeiras nas escolas municipais cariocas.
Finalizamos esta seção, sintetizando em um quadro os textos que comporão
nosso material de análise. Maingueneau (2015) adverte que em AD não se estudam
textos, desde que sejam convertidos em corpus, que “pode ser constituído por um
conjunto mais ou menos vastos de textos ou de trechos de textos, até mesmo por um
único texto” (MAINGUENEAU, 2015, p. 39). Assim, nosso corpus está constituído
pelos seguintes textos:
Texto Data
Decreto Municipal nº 31187 06 de outubro de 2009
Circular E/SUBE/nº 13 07 de março de 2012
Circular E/SUBE/nº 08 24 de fevereiro de 2015
Entrevista de Cláudia Costin à Revista
PontoCom
21 de setembro de 2012
Peça Publicitária da Prefeitura do Rio 08 de dezembro de 2014
Carta do Prefeito do PEPRJ 2009 2009
Carta do Prefeito do PEPRJ 2013 2012 Quadro 01: Composição do corpus
Em tempo, aproveitamos para esclarecer que optamos por não incluir o
documento do GBM, “Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para todos”
(BANCO MUNDIAL, 2011), entre os textos que serão analisados, optamos pelos textos
produzidos pela voz institucional, como o decreto, as circulares, as cartas do prefeito, e
por meio dela, como a entrevista e a peça publicitária. Em contrapartida, o documento
do GBM foi-nos útil para selecionar qual das duas entrevistas de Cláudia Costin
analisar, uma vez que, como dito anteriormente, entre a entrevista publicada na Revista
PontoCom e esse documento havia mais pontos de encontro do que com a entrevista
publicada na Revista Época. As questões abordadas na “Estratégia 2020 para a
Educação” e reiteradas, de alguma forma, na entrevista selecionada referem-se à
aceleração da aprendizagem, à ênfase na aprendizagem desde cedo, à ênfase na
alfabetização e na aritmética na fase primária, à avaliação do sistema de ensino e à
participação do setor privado na educação.
A seguir, apresentamos os conceitos macro que explicitam nossa filiação teórica
e fundamentam nosso trabalho, uma vez que, devido à grande quantidade de material de
55
análise e a especificidade de cada texto, priorizamos por conceituar as categorias
analíticas ao longo do capítulo de análise.
3.2 O discurso, saber e poder
Os conceitos que orientam este trabalho são advindos da Análise do Discurso
Francesa de base enunciativa (MAINGUENEAU 1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015).
Como já enfatizamos também nos apropriamos de algumas conceituações de Foucault
(2008, 2009, 2012, 2013) para encaminhar a discussão que empreendemos; embora seus
estudos não se vinculem especificamente à AD. Entretanto, Joanilho e Joanilho (2011,
p. 28) asseveram que “muitos pesquisadores em AD filiam seus trabalhos, pelo menos
em parte, às questões levantadas por Michael Foucault, principalmente, às relativas ao
discurso, à autoria e ao enunciado”. Mesclando assim os conceitos próprios de sua área
do saber com as proposições foucaultianas para analisar seu objeto de investigação, isto
é, o discurso.
A AD compreende a linguagem como um modo de produção social, logo, é um
lugar de confrontos ideológicos e que, por isso, não pode ser analisada fora da sociedade
que a produziu, visto que os processos que a constituem são histórico-sociais
(BRANDÃO, 2004). Volta-se para a exterioridade linguística, procurando apreender
como se inscrevem no linguístico as condições de produção, estas entendidas como os
aspectos históricos e sociais que envolvem o discurso e que viabilizem sua produção.
Maingueneau (2008b, p. 17) corrobora que a AD se situa “no lugar em que vêm se
articular um funcionamento discursivo e sua inscrição histórica, procurando pensar as
condições de uma ‘enunciabilidade’ passível de ser historicamente circunscrita”.
A noção de discurso é um dos conceitos basilares para essa corrente teórica e
sua formulação foi influenciada pelas contribuições de Michel Foucault. Maingueneau
(2008a) destaca que, considerando as influências de Pêcheux e de Dubois, as de
Foucault foram um tanto quanto indiretas para a Análise do Discurso, contudo, bastante
expressivas. O filósofo dedicou-se a reflexões e questionamentos sobre a sociedade,
bem como os saberes e os discursos produzidos, os quais constituem os sujeitos e suas
práticas.
Nesta pesquisa, atemo-nos a compreender os discursos e as condições de
existência que contribuíram para que a política de ensino de Línguas Estrangeiras da
56
SME/RJ, antes pautada em uma perspectiva plurilíngue, assumira um caráter
monolíngue, privilegiando, em especial, o ensino da Língua Inglesa.
De acordo com Foucault (2008), apesar de lê-los sob a forma de texto, uma vez
que dependem da materialidade linguística, os discursos não são um entrecruzamento de
coisas e palavras, uma superfície entre uma realidade e uma língua, antes são práticas,
sustentadas por um conjunto de regras, que formam sistematicamente os objetos de que
falam. Regras essas, chamadas de regras de formação, as quais são as condições de
existência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento de um discurso. Por
sua vez, essas regras determinam as formações discursivas, definidas como:
princípio de dispersão e de repartição, não das formulações, das frases, ou
das proposições, mas dos enunciados (no sentido que dei à palavra) o termo
discurso poderá ser fixado: conjunto de enunciados que se apoia em um
mesmo sistema de formação; é assim que poderei falar do discurso clínico,
do discurso econômico, do discurso da história natural, do discurso
psiquiátrico (FOUCAULT, 2008, p. 127).
Observa-se que não é possível definir o que é discurso sem remeter-nos à prática
discursiva, à formação discursiva e ao enunciado. São inseparáveis. Mesmo diante dessa
indivisibilidade, tentaremos esmiuçar um pouco mais cada um desses conceitos.
Diremos, pois, que o enunciado é a unidade elementar, básica que forma o
discurso, ou seja, é o enunciado que garante a existência dos discursos. O enunciado é
entendido não como uma estrutura, antes é um acontecimento que irrompe num certo
tempo e lugar, sempre marcado pela relação que estabelece com outros enunciados.
Segundo as palavras do filósofo, “ele [enunciado] não é em si mesmo uma unidade, mas
sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz
com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (FOUCAULT,
2008, p. 98).
Entretanto, como já visto, para que possamos falar em determinado discurso, é
preciso que os enunciados que o constituem estejam pautados em um princípio de
regularidade. Regularidade esta delimitada pela individualidade singular da formação
discursiva, um feixe complexo de relações que funcionam como regra, prescrevendo o
que deve ser correlacionado em uma prática discursiva. As formações discursivas
legitimam os enunciados uma vez que regulam o que pode ou não pode ser dito, dentro
de determinado campo e de acordo com a posição ocupada pelo sujeito nesse campo de
saber.
Por isso, conforme Maingueneau sugere (2008b), as formações discursivas
devem ser vistas sempre dentro de um espaço discursivo, isto é, sempre em relação, em
57
concorrência, delimitando-se em uma região determinada do universo discursivo, diante
do propósito do analista.
Fischer (2001, p. 203) assevera que a formação discursiva “funcionaria como
‘matriz de sentido’, e os falantes nela se reconheceriam, porque as significações ali lhes
pareceriam óbvias, ‘naturais’”. E essa é justamente a tarefa do analista do discurso
desnaturalizar o que é dado como óbvio, mostrar que os sentidos não são dados a priori
são produzidos discursivamente. Em nossa pesquisa, por exemplo, desnaturalizamos a
compreensão de que a Língua Inglesa, reverberada em discursos institucionais,
discursos midiáticos, inclusive, nas declarações de Paes26
e de Costin, é o idioma das
oportunidades, que abre as portas para o mercado de trabalho.
Com base no exposto, afirmamos que é a partir das formações discursivas que as
palavras produzem sentidos no interior de um discurso, apesar de que não há garantias
de que esses serão os “previstos” por seus produtores, dado que cada sujeito está
inscrito na história e é fundado nessa historicidade que constituirá os sentidos. Ademais,
ressaltamos que à AD de base enunciativa não lhe interessa as intenções do enunciador,
mas sim os sentidos que se produzem dadas as condições de produção.
Em relação à definição de discurso, Maingueneau concorda com o filósofo
francês quando este defende a opacidade do discurso, a saber, que não é algo redutível à
língua, nem a instâncias sociais ou psicológicas. Ou ainda que o discurso não é um
dado, mas algo “sustentado por um ruído de práticas obscuras que o configuram e o
fazem circular segundo trajetórias que se confundem com seus múltiplos modos de
existência” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 32).
A partir dessas ideias e de outras advindas de correntes teóricas que permeiam
o coletivo das ciências humanas e sociais, o analista do discurso concebe seu
entendimento de discurso como uma dispersão de textos, no qual o modo de inscrever-
se na histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas. Assim, o
discurso é marcado por um sistema de regras que define a especificidade de uma
enunciação.
Maingueneau (2008b) acrescenta que o discurso não deve ser compreendido
exclusivamente como um conjunto de textos, uma vez que o funcionamento de uma
sociedade é intrínseco à produção de discursos que circulem em seu interior. O autor
26 Disponível em http://www.prefeitura.rio/web/guest/exibeconteudo?id=1100326. Acesso em 26 de
setembro de 2018.
58
define, com base nas proposições foucaultianas, seu conceito de prática discursiva e
afirma que uma atividade discursiva possui duas faces: a social e a textual.
Para o filósofo francês (2008, p. 130), a prática discursiva é definida como um
“conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço,
que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa”. Exercer
uma prática discursiva, desde a concepção de Foucault, é falar segundo determinadas
regras, e expor as relações que se dão dentro de um discurso.
Já Maingueneau (1997, p. 56), entende-a como “reversibilidade essencial entre
as duas faces, social e textual, do discurso”, integrando assim dois elementos: a
formação discursiva e a comunidade discursiva, a saber, “grupo ou a organização de
grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem da
formação discursiva”.
Desse modo, a prática discursiva envolve, concomitantemente, a produção de
textos e a produção de uma comunidade discursiva que sustenta esses textos. Posto isso,
pontuamos que a partir dessa perspectiva analisamos os textos que compõem o corpus
deste trabalho, visto que compreendemos que a prática discursiva se estabelece na
relação entre os textos produzidos e a comunidade que os produz e faz circular.
Conforme já dissemos a presença de Foucault sempre foi bastante relevante para
AD, Fischer (2013) corrobora dizendo que essa influência consiste na forma como o
filósofo compreendia os discursos e os saberes produzidos, sem ater-se às polarizações
entre verdade e ideologia, certo e errado, bom e mau. Em contrapartida, apreendia os
discursos a partir de suas relações históricas e da articulação entre enunciados e práticas.
Propunha-se a refletir a circulação dos discursos, como e porque lhe é atribuído um
determinado valor de verdade e como os grupos sociais deles se apropriam e como se
dão as rupturas nas “coisas ditas”. Dito de outra forma, o que importa não é “revelar” a
verdade veiculada em um discurso, mas compreender como um discurso surge como
verdadeiro, nas palavras do filósofo:
Creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o que num discurso
releva da cientificidade e da verdade e o que relevaria de outra coisa; mas de
ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no interior de
discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos (FOUCAULT,
2013, p. 44).
Podemos perceber, então, que uma determinada verdade se constrói
discursivamente e na coletividade, uma vez que cada sociedade, nas diferentes épocas,
59
elabora seu regime de verdade, ou seja, elabora critérios para “estabelecer” quais
discursos serão considerados verdadeiros ou não. Por sua vez, esse regime de verdade
está submetido a sistemas de poder que produzem e fazem circular “as verdades”.
Assim, a verdade não existe fora das relações de poder, inclusive, porque é o discurso
um espaço onde saber e poder se articulam, segundo Brandão (2004, p. 37), “esse
discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador
de poder”.
O discurso não é somente lugar de expressão de um saber, através dele se exerce
poder. Saber e poder estão implicados mutuamente, não se pode conceber uma relação
de poder sem constituir-se um campo do saber e, ao mesmo tempo, todo saber constitui
novas relações de poder. Para Foucault (2013, p. 230), não se pode contentar em dizer
que “o poder tem necessidade de tal ou tal descoberta, desta ou daquela forma de saber,
mas que exercer o poder cria objetos de saber, os faz emergir, acumula informações e as
utiliza”.
É preciso destacar que o poder que o saber exerce não é do tipo violento ou
repressor, pelo contrário, age como agregador, uma vez que convence àqueles que
compartilham um mesmo saber (VANDRESEN, 2010). O saber aparece e é aceito
como verdadeiro porque obedece a regras, a condições políticas que possibilitam sua
emergência em saberes de determinada época. Foucault (2013) afirma ainda que a
investigação do saber não deve remeter a um sujeito do conhecimento, este não deve ser
concebido como ponto de origem, e sim às relações de poder, considerando que estas
estão em sua gênese. Dessa forma, não há saber neutro e que não seja político.
Ainda que os conceitos - saber e poder - não sejam tematizados pelo AD como
os já apresentados – discurso, formação e prática discursivas -, fez-se pertinente
conceituá-los, visto que compõem o nosso cenário de fundamentação teórica.
Brandão (2004, p.36) afirma que “as ideias de Foucault são fecundas na medida
em que colocam diretrizes para uma análise do discurso”, entretanto, observar como
essas diretrizes se concretizam na superfície linguística não era sua preocupação, essa
tarefa deixava para os linguistas, até porque ele era filósofo. Apesar de o discurso ser
seu objeto de investigação, não o era enquanto problema linguístico.
Dito isto, para proceder à análise do corpus recorreremos a algumas categorias
analíticas propostas por Maingueneau. Devido à diversidade e à especificidade de cada
texto que compõe nosso material, uma vez que cada um irá mobilizar categorias
distintas, pareceu-nos mais apropriado conceituá-las ao longo do capítulo de análise.
60
Acreditamos que essa organização não se opõe ao que Maingueneau (1997, p. 21)
sugere “qualquer apresentação de questões referentes à AD supõe duas etapas:
inicialmente, a exposição dos conceitos linguísticos; a seguir, a explicação da forma
como a AD pode explorá-los”.
Ressaltamos que as categorias de análise mobilizadas são: ethos e cenografia
discursiva (MAINGUENEAU, 2002, 2008a) na Carta do Prefeito, do PEPRJ-2009 e
PEPRJ-2013; cenas da enunciação (MAINGUENEAU, 2002, 2008a, 2015) na Peça
Publicitária; modalidade assertiva (CERVONI, 1989) na Entrevista de Cláudia Costin;
modalidade deôntica (CERVONI, 1989) nas circulares E/SUBE/nº 13/2012 e
E/SUBE/nº 08/2015 e gênero do discurso (MAINGUENEAU, 2002, 2008a 2008b), no
Decreto Municipal.
É preciso esclarecer que, como o conceito de gênero do discurso, é relevante
para essa linha teórica e será retomada, de algum modo, em todas as análises, optamos
por apresentá-lo em um subcapítulo à parte, seguinte ao que concluímos e não no
capítulo dedicado às análises.
3.3 Os gêneros do discurso
Ao início deste capítulo, pontuamos que o interesse da AD consiste na
imbricação de um texto e de um lugar social, por sua vez, lugar social pode ser
compreendido como, por exemplo, um posicionamento27
em um campo discursivo.
Dessa forma, nas palavras de Maingueneau (2015, p. 47), “pensar os lugares
independentemente das falas ou pensar as falas independentemente dos lugares dos
quais são parte pregnante, é permanecer aquém das exigências que fundam a análise do
discurso”.
Essa corrente teórica atribui um papel central ao gênero do discurso, que opera a
articulação entre texto e situação de comunicação. Compreende-se o gênero discursivo
como um dispositivo de comunicação, ao mesmo tempo social e verbal, historicamente
situado. É preciso salientar que a AD definiu e expandiu a conceituação de gêneros do
27 Charaudeau e Maingueneau (2016, p. 392-393), no “Dicionário de Análise do Discurso”, apresentam a
seguinte definição: num campo* discursivo, “posicionamento” define mais precisamente uma identidade
enunciativa forte (“o discurso do partido comunista de tal período”, por exemplo), um lugar de produção
discursiva bem específico (...) Mas “posicionamento” se emprega também para identidades de fraca
consistência doutrinal (um programa de televisão, uma campanha publicitária etc.). Assim sendo, (...) o
posicionamento corresponde à posição que um locutor ocupa em um campo de discussão, aos valores que
ele defende (consciente ou inconscientemente) e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e
ideológica.
61
discurso, a partir dos postulados de Bakhtin (2011). Para esse autor, a língua se
concretiza em forma de enunciados que são únicos e concretos, resultado de uma ou
outra esfera da atividade humana. E cada uma delas elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, isto é, os chamados gêneros do discurso.
Não se pode falar em gêneros do discurso sem associá-lo ao tipo de discurso.
Entre esses dois conceitos, estabelece-se uma relação de interdependência, ou seja, a
existência de um depende da presença do outro. Maingueneau (2015) sustenta que os
gêneros do discurso só adquirem sentidos quando integrados aos tipos de discurso.
Assim, todo tipo é uma rede de gêneros e todo gênero se reporta a um tipo.
Os tipos de discurso designam práticas discursivas relacionadas a determinadas
esferas das atividades da sociedade, isto é, agrupam os gêneros estabilizados por uma
mesma finalidade social, entendidos também como instituições de palavras socialmente
reconhecidas (MAINGUENEAU, 2015).
Considerando nosso material de análise, podemos situar os gêneros discursivos
em dois tipos, a saber, o discurso institucional e o discurso midiático. Naquele,
englobamos o decreto, as circulares e as cartas do prefeito, e, neste, incluímos a
entrevista de Cláudia Costin e a peça publicitária da Prefeitura. Esse agrupamento de
gêneros corresponde à lógica do copertencimento a um mesmo aparelho institucional.
Maingueneau (2008a) sugere que o agrupamento de gêneros no conjunto dos tipos de
discursos pode seguir duas lógicas distintas: a do copertencimento a um mesmo
aparelho institucional e a de dependência de um mesmo posicionamento. O primeiro
refere-se a uma lógica de funcionamento do aparelho e a segunda, a uma ótica de luta
ideológica, na qual se delimita um território simbólico contra outros posicionamentos.
Como visto, para a AD, importa apreender um dizer no entrelaçamento do
linguístico com o extralinguístico, ou seja, o dito não é apenas fragmento de uma língua
natural desta ou daquela formação discursiva, é uma amostra de certo gênero do
discurso cujo funcionamento é regulado por um contrato específico que define seu
ritual. Compreender um gênero e os sentidos que se produzem engloba articular o
linguístico com o “como dizer” ao conjunto de fatores do ritual enunciativo. “Não
existe, de um lado, uma forma, e, do outro, as condições de enunciação”
(MAINGUENEAU, 1997, p. 36).
Um gênero do discurso encontra-se submetido a um conjunto de condições de
êxito. Essas condições abarcam elementos de diversas ordens: uma finalidade
62
reconhecida, o estatuto dos parceiros legítimos, o lugar e o momento legítimos, um
suporte material e uma organização textual.
A finalidade reconhecida refere-se ao propósito, isto é, à função social de dado
gênero; o estatuto dos parceiros legítimos remete-nos aos coenunciadores envolvidos na
situação comunicativa; o lugar e o momento legítimos dizem respeito ao lugar e ao
momento constitutivos de um gênero; um suporte material tem a ver com sua existência
material, ou seja, com seu modo de existência semiótico e, por fim, a organização
textual relaciona-se com os elementos linguísticos requisitados por cada gênero
(MAINGUENEAU, 2002). Como se pode observar esse olhar sob o gênero do discurso
contempla os aspectos comunicacionais, situacionais e linguísticos.
Portanto, o analista do discurso, durante um processo analítico, para não ficar
aquém das exigências que fundam essa corrente teórica, precisa considerar esses
elementos. Inclusive, porque nos interessa observar como se inscrevem na exterioridade
linguística as condições de produção. Posto isto, nas palavras de Maingueneau sobre o
analista do discurso assevera que ele:
levará em conta as propriedades do próprio gênero do discurso, os papéis
sociodiscursivos que ele põe em relação (animador, convidado), as diferentes
estratégias de legitimação dos locutores, a maneira de cada um ajustar seu
posicionamento etc (MAINGUENEAU, 2015, p. 48).
Considerando o exposto, ao analisar um corpus, tomando como referencial
teórico-metodológico a AD, não se pode deixar de refletir sobre o gênero do discurso,
porque discurso e gênero estão intrinsecamente relacionados, pois, o segundo define as
condições para que o primeiro possa ser reconhecido como legítimo. Maingueneau
(2008a) advoga que a AD se tornou um domínio de pesquisa extremamente ativo no
mundo e é marcada pela heterogeneidade de seus conceitos e de seus procedimentos,
bem como pela heterogeneidade dos trabalhos desenvolvidos.
Retomando o que dissemos no subcapítulo 3.1, a constituição do material de
análise deu-se de forma rizomática, ou seja, de forma dispersa, quando se recorre a mais
de um caminho, a mais de uma possibilidade, o que justifica a multiplicidade e
diversidade dos gêneros discursivos a serem analisados.
Finalizadas as considerações sobre o nosso percurso teórico-metodológico e a
exposição dos conceitos principais que embasam a análise concluímos este capítulo. No
capítulo seguinte retomaremos os conceitos apresentados aqui e exploraremos as
categorias analíticas ao longo do processo de análise do Decreto Municipal nº
31187/2009, das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 2015, da Entrevista de
63
Cláudia Costin, da Peça Publicitária e das Cartas do Prefeito do PEPRJ 2009 e PEPRJ
2013.
64
CAPÍTULO 04: ENUNCIADOS EM DISPERSÃO: POR QUE SÓ O INGLÊS?
Neste capítulo, buscamos aprofundar as considerações teóricas que nos
permitam compreender o processo de reconfiguração do ensino de Línguas Estrangeiras
nas escolas municipais cariocas, assim como os discursos que o sustentam. Para tanto,
organizamos o processo analítico em quatro momentos. O subcapítulo 4.1 compreende a
análise da Carta do Prefeito do PEPRJ 2009 e do PEPRJ 2013. À continuação, no
subcapítulo 4.2, analisamos o Decreto Municipal nº 31187/2009 e no 4.3, a Peça
Publicitária da Prefeitura do Rio, divulgada no jornal O Globo; no subcapítulo 4.4,
dedicamo-nos a análise do funcionamento discursivo das circulares E/SUBE/nº13/2012
e E/SUBE/nº 08/2015 e no subcapítulo 4.5, analisa-se a entrevista de Cláudia Costin
concedida à Revista PontoCom, em 21 de setembro de 2012. E, por fim, no subcapítulo
4.6, tecemos as considerações de processo analítico.
4.1 As Cartas do Prefeito: cidadão-gestor ou gestor-cidadão?
Conforme apresentamos no subcapítulo 1.1, o PEPRJ 2009 e o PEPRJ 2013 são
documentos institucionais, nos quais a Prefeitura do Rio de Janeiro, ou melhor, a equipe
gestora, sinaliza os problemas encontrados na cidade e aponta as medidas estratégicas a
serem adotadas para solucioná-los. Esses planos são documentos públicos e ficam
disponíveis, na página eletrônica da Prefeitura, para a consulta de qualquer cidadão
carioca.
Esses planos estratégicos, organizados em oito capítulos, apresentam a seguinte
estrutura: Carta do Prefeito, Visão de futuro para o Rio, Introdução, Objetivos e
princípios de atuação do governo, Áreas de resultado, Uma meta olímpica para todos,
Institucionalização do Plano Estratégico e o Rio mais integrado e competitivo. Dentre
estes, interessa-nos o capítulo de abertura, “Carta do Prefeito” de ambos os planos. Para
analisá-las, recorremos aos conceitos de cenografia discursiva e de ethos propostos por
Maingueneau (1997, 2002, 2008a) e retomados por Daher (2007).
Maingueneau (2002) afirma que um enunciado não se estabelece no absoluto,
toma como ponto de referência o próprio ato enunciativo do qual é produto e carrega
marcas que definem sua situação de enunciação, a saber, enunciador, coenunciador,
lugar e momento da enunciação.
65
Consoante com o analista do discurso, Daher (2007, p. 60), a partir de
Maingueneau, entende por cenografia discursiva a situação de enunciação que “legitima
cada discurso a partir da reunião de uma determinada locução discursiva, uma
cronografia e uma topografia”.
Assim, todo enunciado pressupõe um EU que se dirige a um TU (locução
discursiva) situado em um espaço (topografia) e em um tempo (cronografia)
determinados. Destacamos que essas marcas não são dadas a priori, ou seja, a partir de
um sujeito, de uma conjuntura histórica e de um espaço objetivamente determináveis do
exterior, constroem-se discursivamente na cena que sua enunciação produz e pressupõe
legitimar. O sujeito constrói a cenografia de sua autoridade, definindo “para si e para
seus destinatários os lugares que este tipo de enunciação requer para ser legítima”
(MAINGUENEAU, 1997, p. 44).
O analista do discurso ainda afirma que “não basta falar de ‘lugares’ ou de
‘dêixis’; a descrição dos aparelhos não deve levar a esquecer que o discurso é
inseparável daquilo que poderíamos designar muito grosseiramente de uma ‘voz’”
(MAINGUENEAU, 1997, p. 45). Essa voz trata-se do conceito de ethos, definido como
uma determinada representação do enunciador construída discursivamente.
A noção de ethos advém da Retórica de Aristóteles, no entanto, Maingueneau
assevera que há pontos de encontro entre o que postula a AD em que se inscreve e a
perspectiva aristotélica, a saber
- o ethos é uma noção discursiva; ele se constitui por meio do discurso, não é
uma ‘imagem’ do interlocutor exterior à fala;
- o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o
outro;
- o ethos é uma noção fundamentalmente híbrida (sociodiscursiva), um
comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de
uma situação de comunicação precisa, ela própria integrada a uma conjuntura
sócio-histórica determinada (MAINGUENEAU, 2008a, p. 63).
Como visto o ethos é uma instância subjetiva que se manifesta por meio do
discurso como uma “voz” a qual se pode atribuir um “corpo enunciante” historicamente
especificado e situado (MAINGUENEAU, 2008a). Isto é, “por meio da cenografia
discursiva cria-se uma dimensão interativa que dá ‘vocalidade’, ‘caráter’ e
‘corporalidade’ ao enunciador” (DAHER, 2007, p. 60). É o ethos que possibilita a
adesão dos sujeitos a determinados posicionamentos, uma vez que se convoca o
destinatário a ocupar um lugar, inscrito na cena de enunciação que o texto implica.
66
Maingueneau (2008a) destaca que a noção de ethos não pode ser entendida
apenas como um meio de persuasão, é parte integrante da cena de enunciação; não
podendo assim dissociar a organização de seus conteúdos e do modo de legitimação de
sua cena de fala. Definidas as categorias analíticas das cartas, passemos à análise.
Na “Carta do Prefeito” do PEPRJ 2009, a locução discursiva, ou seja, o “eu” e o
“tu”, é retomada pela presença de embreantes, como “nossa”, “nosso” e “nós”. Dessa
forma, o enunciador estabelece uma relação de proximidade com seus coenunciadores,
os cidadãos cariocas, mostrando que ambos compartilham as mesmas impressões e
percepções sobre a cidade:
o Rio de Janeiro tem demonstrado através de sua história uma incrível
capacidade de se reinventar. Foi assim com a chegada da família real, com a
ida da capital para Brasília, e com inúmeras reformas urbanas que
modificaram a topografia da nossa cidade (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 05.
Grifo nosso).
Toda cenografia discursiva engendra os coenunciadores em uma coordenada
espacial e temporal. No mencionado fragmento, observa-se que se constrói uma
topografia de um Rio de Janeiro moldável, isto é, uma cidade não engessada que (re)
atualiza seu espaço urbano de acordo com as necessidades que se lhes impõe; uma
cidade com potencial urbanístico para reinventar-se e redesenhar-se.
Em relação à cronografia, o enunciador recorre ao uso dos embreantes
temporais, em sua maioria, formas verbais conjugadas no presente, destacadas no
excerto, para referir-se ao atual momento vivido pela capital fluminense:
Ninguém discute a relevância cultural, econômica e histórica do Rio de
Janeiro. Mas nós, que vivemos e fazemos esta cidade, precisamos
questionar o presente e a realidade que nos cerca para novamente alimentar
os sonhos de um futuro promissor. A expectativa de ser a capital da Copa
2014 e a conquista dos Jogos Olímpicos de 2016 estabelecem um momento
oportuno para transformar esses sonhos em ideias, projetos, realizações. (RIO
DE JANEIRO, 2009, p. 05. Grifo nosso)
O enunciador cria discursivamente uma realidade que não está favorável para os
cariocas, uma vez que, em um tom de conciliação, convida-os a questionarem esse
presente e a refletirem sobre o futuro da cidade, futuro este que inclui os megaeventos
esportivos de 2014 e 2016. Institui como verdade a necessidade de mudanças e toma
como marco regulatório a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos.
Como já pontuamos, quando se dirige ao coenunciador, o enunciador recorre a
formas verbais e ao pronome de primeira pessoa no plural, o que o inclui no grupo de
seus coenunciadores, apesar de ocupar o cargo mais alto da administração municipal.
67
Retomando o dito sobre ethos (MAINGUENEAU, 1997, 2002, 2008a), todo
enunciado evidencia uma imagem do enunciador que corresponde à sua personalidade,
manifestada através da enunciação, sem estar necessariamente explícito no enunciado.
Embora saibamos que o locutor extradiscursivo da carta é o prefeito Eduardo Paes, o
ethos que vai se constituindo não é a de um gestor e sim a de um cidadão comum que
comparte com seus conterrâneos projetos e aspirações para transformar o Rio de Janeiro
em um lugar melhor para os cariocas. Constrói-se, discursivamente, um espaço de
pertencimento comum.
A partir da imagem produzida, o enunciador, em um movimento de aproximação
de seus coenunciadores, recorrendo aos dêiticos de pessoas - “somos”, “podemos”,
“nosso”-, conclama-os a aderirem às propostas elaboradas para a administração do
município e a participarem ativamente dessa gestão, mostra-se, desse modo, “aberto ao
diálogo” com a população:
A prefeitura, através de seu Plano Estratégico, propõe um caminho para
alcançarmos esse objetivo. E convida a refletir o que somos, o que
pretendemos e – mais importante – como podemos juntos, poder público e
cidadãos, redesenhar nosso futuro (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 05. Grifo
nosso).
O enunciador apresenta-se, então, como aquele gestor próximo da população,
quem “atenderá aos desejos dos cidadãos”, visto que esses desejos são os seus também.
Intervir no presente para que no futuro a cidade seja aquilo que os cariocas anseiam.
Brigeiro e Sangenis (2014) afirmam que o governo de Eduardo Paes, confiando
na possibilidade de alcançar o segundo mandato, ainda durante o processo eleitoral de
2012, lança o plano estratégico para o quadriênio seguinte, de 2013 a 2016.
Na “Carta do Prefeito” de PEPRJ 2013, essa afirmação encontra ecos no
fragmento “o sucesso do atual Plano, que se encerra agora em 2012, encheu a Prefeitura
de satisfação” (RIO DE JANEIRO, 2012, p.09), o enunciador recorre ao dêitico
“agora”, acompanhado da expressão “em 2012”, que situa temporalmente o enunciado,
de modo simultâneo, no final do primeiro mandato e durante o período da campanha
eleitoral.
Esse presente enunciativo permite traçar um quadro temporal que instala
discursivamente um passado recente, reiterado pelo dêitico temporal “de lá pra cá” e
pelas formas verbais “mudou” e “acumulou”, o qual destaca as ações planejadas e em
desenvolvimento, principalmente, em prol dos eventos que a cidade sediaria entre os
anos de 2013 e 2016 e de um “futuro melhor” para a capital fluminense.
68
De lá pra cá, o Rio mudou e acumulou muitas conquistas: a consagração da
cidade como palco de grandes eventos, como a Jornada Mundial da
Juventude, em 2013, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos
de 2016; o processo de recuperação de áreas degradadas, como o da Região
Portuária através do projeto Porto Maravilha; o início de obras de mobilidade
urbana que vão permitir a integração com toda a cidade (...) (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 09. Grifo nosso).
Com relação ao marco espacial, no fragmento referido, pode-se observar que a
cidade falada não é toda a capital fluminense, apenas a que se transformou em canteiro
de obras, visando adequar-se às exigências impostas pelos eventos internacionais
realizados no Rio de Janeiro.
Diferentemente do que percebemos na “Carta do Prefeito” do PEPRJ 2009, o
ethos que se configura na carta do PEPRJ 2013 não é mais de um enunciador-cidadão
comum e sim o de um enunciador-gestor que alega ter promovido mudanças na cidade
carioca, inclusive, na forma de administrá-la, “o lançamento do primeiro Plano
Estratégico da Prefeitura do Rio, em 2009, representou um grande avanço na forma de
administrar a cidade” (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 09). Reforçando assim aos
coenunciadores, os cidadãos cariocas, eleitores seus ou não, suas conquistas à frente da
prefeitura, justamente no momento em que ainda acontecia a campanha eleitoral de
2012, conforme sinalizamos anteriormente, e apontando como certa sua reeleição, como
se observa nos fragmentos destacados em:
Depois de três anos, estamos desenvolvendo a primeira revisão do Plano
Estratégico, que vai ampliar a visão da cidade para 2030 e, assim, definir
novas diretrizes, metas e iniciativas para o período de 2013 a 2016 (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 09. Grifo nosso).
Ao longo da carta, reforça-se a cenografia de uma prestação de contas e a
imagem do enunciador como gestor público, não mais inserido na categoria de cidadão
comum conforme ocorrera no PEPRJ 2009, que apresenta à população o que fez e o que
ainda vai fazer na/pela cidade. No excerto “a transparência na divulgação das metas e
iniciativas, assim como dos resultados obtidos, tem nos aproximado cada vez mais do
cidadão carioca, seja para reconhecimento ou para cobrança” (RIO DE JANEIRO,
2012, p.09), ao empregar o elemento dêitico “nos” o enunciador não faz menção à
locução discursiva, isto é, ao eu e ao tu. Em contrapartida, esse emprego do “nos”
remete-se a um sujeito coletivo (MAINGUENEAU, 2002), entendido como o
enunciador-gestor e sua equipe de governo. Posto isso, o enunciador não se coloca mais
lado a lado de seus coenunciadores, estes ficam subentendidos por meio da alusão a não
pessoa, o cidadão carioca.
69
Sem embargo, ao falar de seu lugar de prefeito, o enunciador-gestor não se
distancia totalmente de seus coenunciadores, ao contrário, mantém a relação de
proximidade e de confiança estabelecida na carta de 2009. Inclusive, no excerto final da
carta, “é com muito orgulho que encaminhamos esta revisão do Plano aos cariocas, para
que possamos juntos, ajudar a construir nosso ideal de cidade maravilhosa” (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 09), o dêitico de pessoa “nosso” e o presente dêitico “possamos”,
reforça o compromisso do trabalho coletivo, entre o enunciador, o prefeito, e os
coenunciadores, os cariocas, para o bem da cidade, postura que se inaugurou outrora, na
carta do PEPRJ 2009. Ainda sobre o fragmento destacado, é relevante destacar que esse
ideal de cidade maravilhosa é a ideia de cidade almejada/planejada por esse enunciador,
não a cidade maravilhosa que efetivamente os coenunciadores, os cariocas, desejam.
Segundo Maingueneau (2002, p.97), “toda fala procede de um enunciador
encarnado; mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz – a de um sujeito
situado para além texto”, assim sendo, a voz que sustenta as cartas introdutórias dos
planos estratégicos fala do lugar de prefeito do Rio de Janeiro, entretanto, em cada um
dos enunciados se constrói uma imagem diferente de enunciador, produzindo
determinados efeitos de sentido, ora de proximidade total ora de proximidade
relativizada com os coenunciadores.
Na “Carta do Prefeito” de 2009, atribuímos ao enunciador o ethos de um cidadão
carioca comum e, na “Carta do Prefeito” de 2013, o ethos de gestor da cidade. A
despeito do ethos em cada uma das situações de enunciação, há um aspecto que as
conciliam, a saber, a produção de imagens positivas das práticas de governo adotadas
pela gestão de Eduardo Paes e seu secretariado e de como essa forma de administração
beneficiaria a cidade do Rio de Janeiro.
Conforme já dissemos, a “Carta do Prefeito” é um dos capítulos que compõe os
planos estratégicos de 2009 e 2013, cujo título de ambas as versões é “Pós 2016 um Rio
mais competitivo e integrado”. Nesse título, chama-nos a atenção a expressão “pós
2016”. A partir das análises das cartas, observa-se que o título antecipa o que o
enunciador, por meio do discurso, destaca no enunciado, ou seja, o modus operandi de
governar a cidade que tomou como marco regulatório os megaeventos sediados na
cidade carioca entre os anos de 2013 e de 2016. O “pós 2016” situa o Rio de Janeiro no
futuro, no momento em que a população carioca se beneficiaria do suposto legado
deixado pelas transformações pelas quais a cidade passara. Logo, funciona como
70
argumento para justificar as controversas intervenções urbanas, sociais, econômicas,
pedagógicas e políticas impostas à cidade.
4.2 O Decreto Municipal: a vontade do povo?
No capítulo teórico-metodológico, acentuamos que Maingueneau (2008a) atribui
papel central ao gênero do discurso, pois, defende que entre gênero e discurso há uma
relação intrínseca, dado que aquele define as condições deste.
A partir dessa perspectiva, analisamos o Decreto Municipal nº 31187/200928
(RIO DE JANEIRO), considerando os aspectos definidores de um gênero discursivo, a
saber: um estatuto legítimo entre os parceiros da comunicação; uma finalidade
reconhecida; coordenadas de tempo e espaço definidas; formas de circulação e
organização textual (MAINGUENEAU, 2002). De acordo com o referido pesquisador
(2002, p. 87) “todo discurso, por sua manifestação mesma, pretende convencer
instituindo a cena de enunciação que o legitima” (MAINGUENEAU, 2002, p. 87),
entretanto, a cena instituída não impede ao leitor ou ouvinte de identificar o tipo e o
gênero do discurso.
A cena de enunciação envolve três níveis, a saber: cena englobante, cena
genérica e cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo de discurso, como, por
exemplo, religioso, político ou publicitário, atribui ao discurso um estatuto pragmático.
O autor fala sobre os folhetos que recebemos na rua e que reconhecemos de qual
discurso se trata. É a cena englobante que permite ao coenunciador situar-se para em
seguida interpretá-lo, “em nome de quê o referido folheto interpela o leitor, em função
de qual finalidade ele foi organizado” (MAINGUENEAU, 2002, p.86).
A cena genérica corresponde ao gênero ou ao subgênero do discurso que implica
um contexto específico, como, “papéis, circunstâncias [em particular, um modo de
inscrição no espaço e no tempo], um suporte material, uma finalidade, etc.”
(MAINGUENEAU, 2008a, p. 116). Segundo o estudioso, essas duas cenas já são
suficientes para determinar o espaço estável no qual o enunciado ganha sentido, visto
que estabelecem o tipo e o gênero do discurso.
28
Os efeitos do decreto ainda ecoam na gestão de Marcelo Crivella, ou seja, a Língua Inglesa ainda é a
prioridade, entretanto, acreditamos não haver mais a parceria com a Cultura Inglesa, uma vez que, de
acordo com o Portal da Transparência, em 2018 não houve mais o repasse de verbas para a Learning
Factory LTDA, o último repasse, no valor de R$ 4.588.221,30, fora feito em 2017. Informações retiradas
do site: http://riotransparente.rio.rj.gov.br/ Acesso em 12 de abril de 2019.
71
A terceira cena é a cenografia com a qual o leitor ou o ouvinte se depara. A
cenografia é a cena de fala que se institui e autoriza a enunciação de um discurso. Não
é imposta pelo tipo ou gênero de discurso, ela se institui pelo próprio discurso. Posto
isso, “a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela
legitima um enunciado que [...] deve legitimá-la, estabelecendo que essa cenografia
onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém”
(MAINGUENEAU, 2002, p. 87-88). Nem todos os gêneros constituem uma cenografia,
limitam-se a sua cena genérica, o que não impede a produção dos efeitos de sentido e a
compreensão da imagem que se constrói do enunciador. O decreto e a circular são
exemplos de gêneros que não instituem uma cenografia, expressam-se por meio da cena
englobante e da cena genérica.
O decreto situa-se no campo das práticas jurídicas, sendo prerrogativa do chefe
do executivo – prefeitos, governadores, presidentes – enunciá-lo. É relevante destacar
que o decreto não é submetido a um processo legislativo29
assim como as leis. O
processo legislativo consiste na sucessão de atos realizados para produção de normas
jurídicas, entre esses atos, estão a apresentação e a discussão do projeto de lei na casa
legislativa, seguida da sanção do Poder Executivo que transforma em lei o projeto de lei
aprovado pelo Poder Legislativo.
Posto isto, podemos dizer que o decreto exprime a vontade singular de um
governo, não considerando, de certa forma, a vontade do povo e sujeitando-lhe a suas
deliberações. Ao optar por decretos, podemos estabelecer uma relação comparativa
entre os atuais soberanos e Édipo que, de acordo com Foucault (2012, p.45), “é aquele
que não dá importância às leis e que as substitui por suas vontades e suas ordens”.
Segundo Deusdará e Rocha (2013, p. 128), “a organização textual de um
documento, seu modo de se apropriar do código linguageiro, os rituais ativados em sua
própria enunciação nos remetem ao exercício da soberania”, nesse caso, quem tem
legitimidade para exercer a soberania e enunciar o Decreto Municipal 31187/2009 (RIO
DE JANEIRO, 2009) é o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, à época, Eduardo Paes.
Esse gênero destaca-se pela rigidez de sua organização textual, consoante com
os ritos e as prescrições da ordem constitucional vigente, apesar disso, não nos impede
de observar os enunciados que o atravessam e assim dar visibilidade aos discursos que
29 Definição de acordo com Glossário do Portal da Câmara dos Deputados, disponível em
https://www2.camara.leg.br/glossario/arquivos/glossario-em-formato-pdf. Acesso em 03 de janeiro de
2019.
72
fundamentam e sustentam o que se institui por meio dessa enunciação. O decreto está
constituído pelas seguintes partes: preliminar, normativa e final, por sua vez, estas
apresentam suas subdivisões (BRASIL, 2012).
A parte preliminar é composta pela epígrafe, pela ementa e pelo preâmbulo. A
parte normativa engloba o conteúdo normativo propriamente dito. E a parte final é
composta pela cláusula de vigência e o fecho. Apresentamos o decreto, seus elos
constituintes e tecemos nossa análise.
Com vistas a facilitar a condução do processo analítico, dividiremos a parte
preliminar em dois momentos, um no qual constará a epígrafe e a ementa e o outro, o
preâmbulo.
Parte preliminar
Epígrafe Decreto nº 31187, de 06 de outubro de 2009.
Ementa Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal
de Educação
A ementa do decreto antecipa seu conteúdo, a saber, a criação do Programa Rio
Criança Global. Na sequência, o enunciador do texto assume a terceira pessoa,
apresentado através do sintagma “o prefeito da cidade do Rio de Janeiro”. Reforça sua
autoridade legal para expedir esse decreto com referências ao sintagma “legislações em
vigor”. A ausência das marcas de subjetividade não nos impede de compreender o ethos
que se constrói desse enunciador, nas palavras de Maingueneau (2008a, p.69), “o que
pode ser um ethos de um enunciado [...] que não mostra a presença do enunciador?”.
Um gênero põe em evidência coenunciadores em relação. No decreto, observa-
se um enunciador autorizado: o prefeito da cidade carioca, no entanto, não há marcas
explícitas do coenunciador, o que institui um sentido de que o decreto deva ser de
conhecimento de todos, de toda a população carioca, isto é, espera-se que todos tenham
a possibilidade de acesso.
À continuação, antes do sintagma verbal “Decreta” que ressalta a posição do
enunciador em relação a esse ato, há uma série de considerandos. Para Lopes (2016) o
considerando é uma espécie de causa justificativa que se emprega quando a legalidade é
de grande importância para o setor que regula ou quando traduz grandes reformas ou
provoca um grande impacto na opinião pública. A pesquisadora acrescenta que os
“‘considerandos’ são argumentos que manifestam fatos, acontecimentos sociais,
políticos, econômicos e culturais, isto é, acontecimentos exteriores, cuja relevância
73
social embasa a implementação do decreto” (LOPES, 2016, p.72). Os considerandos
sucedem a ementa e localizam-se na seção intitulada Preâmbulo, como veremos a
seguir.
Preâmbulo O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das
atribuições que lhe são conferidas pela legislação em vigor e
CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos no ano de 2016;
CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das
Olimpíadas, a Cidade do Rio de Janeiro receberá turistas de todo o
mundo, o que propiciará a convivência com diversas culturas;
CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo
é o estreitamento de culturas, por intermédio da disseminação do saber, da
arte, da tecnologia, da comunicação e dos esportes;
CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se
resume, apenas, no domínio de habilidades a partir de um inventário de
estruturas linguísticas, mas envolve, também, a apropriação de novos
olhares sobre o mundo que nos cerca, envolvendo diferentes culturas e
dizeres;
CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de
Educação, compreende a linguagem como uma forma de apropriar-se de
práticas discursivas na Língua Estrangeira, especialmente, o idioma
inglês;
DECRETA:
Como se observa nos considerandos iniciais, o primeiro argumento que se utiliza
para justificar a instituição do PRCG é a realização dos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos de 2016, o que ressalta a importância dada a esses eventos. Essa
referência ao futuro da cidade não está presente apenas no decreto, conforme
apresentamos no subcapítulo 4.1 desta dissertação, é retomado também em outros
documentos institucionais, como na “Carta do Prefeito”, capítulo de abertura dos Planos
Estratégicos de 2009 e de 2013. Constrói-se uma cenografia futurista que situa o Rio de
Janeiro no ano de 2016, funcionando assim como uma prerrogativa que fundamenta as
práticas de governo da gestão que esteve à frente da Prefeitura, entre os anos de 2009 a
2016.
Dessa forma, o enunciador vai deixando marcas em seu dizer que salientam o
entrelaçamento entre esses eventos esportivos e as intervenções pedagógicas, políticas,
urbanas, sociais, econômicas praticadas na cidade.
Nos considerandos seguintes, as justificativas pautam a relevância do ensino de
Línguas Estrangeiras desde a perspectiva dos objetivos educacionais desse componente
curricular, referendados em documentos oficiais tanto os que circulam na esfera
74
municipal quanto os que circulam na esfera federal. No âmbito federal, citamos os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (2006) e no âmbito municipal, a Multieducação – Núcleo Curricular Básico
(1996, 2008a), as Orientações Curriculares de Língua Estrangeira (2010) e as
Orientações Curriculares Revisitadas de Língua Inglesa (2012).
Ecoa uma concepção de ensino de Língua Estrangeira que aponta para uma
formação cidadã, crítica, consciente dessa “criança global”, situada historicamente em
um mundo e em um tempo marcados pela aproximação com outras culturas. Tal
compreensão não se inaugura com a promulgação do decreto já estava presente na
proposta educacional da Rede Municipal, materializada no documento intitulado
“Multieducação: Núcleo Curricular Básico”, de 1996, na seção dedicada às Línguas
Estrangeiras, como podemos perceber no seguinte fragmento “uma das características
do mundo contemporâneo é o estreitamento de culturas, através da disseminação do
saber, da arte e da tecnologia, através da comunicação, cada vez mais facilitada e
ampliada entre os povos” (RIO DE JANEIRO, 1996, p. 163).
Ao enfatizar que a aprendizagem de uma Língua Estrangeira não se deve limitar
à aquisição de estruturas linguísticas, ao contrário, deve proporcionar aos educandos
apropriar-se de práticas discursivas no idioma estudado, o enunciador corrobora sua
anuência à perspectiva de ensino de Língua Estrangeira que vinha sendo praticada nas
escolas municipais cariocas. Na versão atualizada do “Multieducação: O Ensino de
Línguas Estrangeiras – Série Temas em Debate”, de 2008, e contemporâneo à
promulgação do decreto, nota-se que a linguagem é compreendida como um fenômeno
social e histórico, afastando-se de visões estruturalistas que concebem a língua como
um sistema regular, estável e desvinculado de contextos e sujeitos.
No último considerando, reforça-se essa concepção de linguagem que respalda o
ensino de Língua Estrangeira nessa rede e acrescenta que esta deva ser em particular a
Língua Inglesa. No entanto, ao empregar o sintagma adverbial “especialmente”, o
enunciador não exclui a continuação da oferta dos outros idiomas presentes nas escolas
municipais, como o Espanhol e o Francês, a princípio, não se contrapondo às
legislações em vigor, como a LDB 9394/1996 (BRASIL, 1996) e a Lei municipal
2939/1999 (RIO DE JANEIRO, 1999). Aquela, à época da promulgação do decreto
municipal, em seu artigo 26, previa a inclusão de pelo menos uma Língua Estrangeira a
partir do atual 6º ano, condicionada à escolha da comunidade escolar e de acordo com
as possibilidades da instituição. E esta determinara a oferta da Língua Espanhola em
75
todos os anos do segundo segmento do Ensino Fundamental nas escolas municipais
cariocas. É relevante destacar que esta lei não fora regulamentada, ou seja, não há um
ato normativo30
que defina como deveria ser posta em prática no interior das escolas
municipais.
Com base nas justificativas apresentadas, podemos dizer que o PRCG se
sustenta por discursos que defendem um ensino de Língua Estrangeira pautado na
pluralidade linguística e cultural, dialogando assim com a política linguística que
caracteriza a Rede Municipal de Ensino carioca. Inclusive, a referência ao termo
“global” no sintagma nominal “criança global” corrobora esse sentido de multiplicidade
que se atribui ao programa.
Seguida a sequência de considerandos, está o sintagma verbal “Decreta” que
marca a posição do enunciador em relação a esse ato enunciativo, ou seja, é quem tem a
legitimidade para agir sobre seu coenunciador e sobre o mundo circundante
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2016). É um exemplo de um enunciado
performativo cuja característica é realizar o ato que ele denota, nesse caso, promulgar
uma norma. A norma esta disposta na seção subsequente do decreto, intitulada parte
normativa.
Parte normativa
Art. 1º Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa Rio
Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino
Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública
Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.
Art. 2º O Programa a que se reporta o artigo 1º será implementado gradualmente, a
partir do ano de 2010, da seguinte forma:
I – em 2010: 1º ao 3º ano;
II – 2011: inclui-se o 4º ano;
III – 2012: inclui-se o 5º ano;
V – 2013: inclui-se o 6º ano;
VI – 2014: inclui-se o 7º ano;
VII – 2015: inclui-se o 8º ano;
VIII – 2016: inclui-se o 9º ano.
Art. 3º Nas unidades escolares do Programa Escolas do Amanhã, além das atividades
desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua Inglesa,
no contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade (Básico,
Intermediário e Avançado).
Como se observa no conteúdo normativo, o decreto é composto por três artigos.
E nesses artigos, encontram-se verbos conjugados no futuro do presente do indicativo –
30
De acordo com Carvalho Filho (2015), o ato normativo é uma das cinco modalidades de ato
administrativo, de caráter geral e abstrato, viabiliza o cumprimento das leis.
76
“será implementado” e “deverá haver” - que denotam atividades cujo desenvolvimento
se considera certo a partir da publicação do ato normativo. Posto isto, as coordenadas
temporais constituídas fazem ver um presente, no qual o decreto é anunciado, e um
futuro, no qual as ações prenunciadas pelo decreto começam a entrar em vigor.
As ações em questão remetem-se, principalmente, ao objetivo do programa, isto
é, à ampliação da oferta da Língua Inglesa em todos os anos de escolaridade do Ensino
Fundamental, do 1º ao 9º ano e o seu processo de implantação nos referidos anos de
escolaridade que findaria no ano em que ocorreria o último megaevento esportivo
sediado no Rio de Janeiro.
É relevante pontuar que o sintagma nominal “Língua Estrangeira” mencionado
algumas vezes na sequência de considerandos presente na seção preliminar do decreto;
na parte normativa, é reformulado e passa a designar “Língua Inglesa”, o que promove
um distanciamento da pluralidade linguística e cultural sinalizadas anteriormente.
Desse modo, o conteúdo normativo rompe com a pluralidade e singulariza o
termo “global” que passa a significar única e exclusivamente a Língua Inglesa.
Instituindo na Rede Municipal de Ensino carioca uma reconfiguração na política
linguística de ensino de Línguas Estrangeiras, na qual o prefixo “pluri” de
plurilinguismo desliza para o prefixo “mono” de monolinguismo.
Percebe-se também um deslocamento na concepção de ensino de Língua
Estrangeira em relação ao que se observa na primeira parte do decreto, visto que a
norma “sugere” um ensino da Língua Inglesa com ênfase na conversação. A alusão ao
termo “conversação” causa um estranhamento, dado que em documentos oficiais –
municipais e federais - sobre o ensino de Línguas Estrangeiras, para referir-se à
oralidade, é comum a menção à competência oral ou, até mesmo, habilidade oral,
conforme se verifica nas Orientações Curriculares de Língua Estrangeira, de 2010, da
SME/RJ:
As orientações se baseiam em um tripé: o eixo socioeducacional, com ênfase
nos aspectos culturais e sociolinguísticos relacionados à língua estrangeira; o
eixo sociocognitivo, que enfoca o desenvolvimento de estratégias
relacionadas às habilidades – leitura, principalmente, oralidade (produção e
compreensão) e aspectos básicos da escrita – e o eixo linguístico, que trata
dos elementos da língua em si – léxico e gramática – que emergem das
práticas discursivas promovidas (RIO DE JANEIRO, 2010, p.06. Grifo
nosso).
A referência ao termo “conversação” situa o ensino de Línguas Estrangeiras em
outro espaço educacional que não é o das escolas regulares que compõem a Educação
Básica, mas, em específico, os cursos de idiomas. Nesses estabelecimentos de ensino, os
77
objetivos da aprendizagem de uma Língua Estrangeira não são semelhantes aos
objetivos estabelecidos para as escolas regulares, onde o valor educacional da
aprendizagem de uma Língua Estrangeira vai além de meramente capacitar o aprendiz a
usar um idioma para fins comunicativos. Há outros compromissos a serem cumpridos,
como contribuir com a formação integral dos educandos. Quando se estabelece uma
correlação entre Língua Inglesa e conversação, observa-se que o enunciador fala sobre o
ensino desse idioma a partir de outra perspectiva, perspectiva esta que compreende a
língua como uma ferramenta para a comunicação; como já salientado, marcando um
posicionamento distinto do apresentado nas causas justificativas do decreto.
Assim, pode-se destacar que o ato normativo é atravessado por discursos de
formações discursivas distintas, sinalizando uma disputa por sentidos sobre o ensino de
Línguas Estrangeiras. Retomando o apresentado no capítulo teórico-metodológico,
entende-se por formação discursiva o princípio de dispersão e de repartição dos
enunciados (FOUCAULT, 2008) segundo o qual se “sabe” o que pode e o deve ser dito,
considerando determinado campo e de acordo com certa posição que se ocupa nesse
campo. Por sua vez, o filósofo define discurso como “conjunto de enunciados, na
medida em que se apoiem na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2008, p.
132). Os discursos não se justificam por si mesmos, manifestam-se dentro de um campo
enunciativo no qual se constroem.
Dito isso, na primeira parte do decreto, notamos que há enunciados que nos
remetem a discursos sobre ensino de Línguas Estrangeiras pautados na plurilinguismo e
na concepção de língua como um fenômeno social e historicamente situado, isto é,
consoante com uma formação discursiva que contempla uma educação emancipadora,
voltada para a formação de cidadãos engajados social e discursivamente, ponderada nos
documentos oficiais.
Em contrapartida na parte normativa, onde se concentra a ordem jurídica,
destacam-se enunciados que se reportam a discursos que defendem o monolinguismo e
a concepção de língua como um instrumento que propiciaria a comunicação em outro
idioma. Esse discurso assume um valor de verdade, estabelece-se e sustenta o modo
como deveria ser abordado o ensino da Língua Inglesa a partir desse momento, nas
escolas municipais cariocas, onde os espaços para a coexistência na matriz curricular
das outras línguas, como a Língua Espanhola e a Língua Francesa, foram sendo
limitados.
78
O ensino da Língua Inglesa nas escolas municipais “passa a contar” com a
parceria da Cultura Inglesa, um curso de idiomas privado que fica responsável por
selecionar e “capacitar” os docentes e elaborar o material didático para os alunos e
outros materiais pedagógicos para os professores. Oliveira (2017, p. 34) pondera que a
parceria com essa escola de idiomas, “renomada e tradicional”, “faz com que os seus
interlocutores acreditem que isso é algo positivo e que agora os alunos terão a chance de
aprender inglês ‘de verdade’”. O que reforça discursos do senso comum de que não se
aprende inglês, ou qualquer outro idioma, nas escolas regulares.
A mencionada pesquisadora (2017) afirma que, de acordo com a apresentação
institucional da editora Leaning Factory, no que tange à capacitação do aluno, concebe-
se a comunicação oral em inglês com vistas à preparação para o mundo globalizado e
para a inserção do mercado de trabalho. Ressaltamos mais uma vez que os objetivos
pedagógicos, em relação à Língua Estrangeira, em uma escola regular e uma escola de
idiomas são totalmente distintos. Conforme podemos observar no seguinte fragmento
dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN-LE), (BRASIL,
1998), documento contemporâneo à promulgação do decreto:
A aprendizagem de Língua Estrangeira é uma possibilidade de aumentar a
autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Por esse motivo,
ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em sua
capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir
no mundo social (BRASIL, 1998, p.15).
Oliveira (2017) destaca também que as alterações promovidas nas Orientações
Curriculares da SME/RJ, em 2012, inclusive, pelo fato de ter sido voltada só para a
Língua Inglesa, foram modificadas em função da entrada do curso de idiomas no ensino
de inglês e que houve uma assimilação das práticas tradicionais comuns ao contexto de
cursos livres nos espaços das escolas municipais cariocas. Nessas Orientações
Curriculares, “a maneira como o ensino do inglês é dignificado, nos remete a um
discurso que circula de forma naturalizada que afirma ser o inglês uma língua franca”
(OLIVEIRA, 2017, p. 38).
Como se observa a imagem de “criança global” que se constrói na parte
preliminar do decreto não é a mesma construída em seu conteúdo normativo; enquanto
aquela circulava por diversas culturas, línguas e povos, a esta se lhe impõe a Língua
Inglesa, a dita língua franca, considerada como o idioma que atende a expectativas da
globalização.
79
Assis-Peterson e Cox (2007) afirmam que junto com a expansão da Língua
Inglesa também se expande um conjunto de discursos que promovem
concomitantemente ideais do Ocidente e da modernidade, como progresso, liberalismo,
capitalismo, democracia, dentre outros. Corroborando assim essa “verdade” que se
constitui discursivamente, isto é, que a Língua Inglesa é a língua global. “Verdade” esta
que só pôde ser afirmada e veiculada porque está amarrada às dinâmicas de poder e de
saber da época em que se constitui e às condições históricas e sociais que possibilitam a
emergência desse discurso. Não é incomum observar a reverberação desse enunciado,
do inglês como a língua franca no discurso midiático, no próprio discurso educacional
(em alguns setores da educação), no discurso do senso comum, em outros espaços
discursivos.
Para Foucault (2013, p. 231), há uma relação intrínseca entre saber-poder, “não é
possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber engendre não
poder”. Assim, em relação ao decreto municipal analisado, ao mesmo tempo em que o
discurso jurídico veicula um saber institucional sobre o ensino Língua Inglesa, exerce
poder sobre as escolas municipais cariocas, ou melhor, exerce uma ação sobre ações
que, por sua vez, acaba por estabelecer uma reconfiguração no ensino das Línguas
Estrangeiras nas escolas da SME/RJ, impondo a oferta desse idioma.
Siqueira (2011), retomando a Phillipson (1992), advoga sobre a necessidade de
romper com essa tendência de atribuir à Língua Inglesa o status de única capaz de servir
aos propósitos da modernidade, pois, só reforça uma ideologia dominante e uma
aceitação da ordem global, política e econômica a que o idioma serve, definida por
Santos (2002), como globalização hegemônica.
O pesquisador adverte que atualmente há um debate em torno de uma questão:
há uma globalização ou várias. Advoga haver a globalização hegemônica, sustentada
pelo consenso econômico neoliberal, e a globalização contra-hegemônica. Defende que
a globalização dominante ou hegemônica não melhora o nível de vida da grande maioria
da população mundial, ao contrário, aumenta as desigualdades entre os países ricos e
pobres; pauta o desenvolvimento de uma nação atrelado ao crescimento econômico e à
competitividade a nível global; impõe a agenda neoliberal aos países periféricos e
semiperiféricos como condições para renegociação de dívidas; liberaliza o mercado de
trabalho, reduzindo os direitos liberais, enfim, medidas que beneficiam a um grupo bem
específico, como às empresas multinacionais e aos grandes conglomerados econômicos.
80
Em compensação, a globalização contra-hegemônica surge como resistência.
Suas ações residem “na promoção das economias locais e comunitárias, economias de
pequena-escala, diversificadas, autossustentáveis, ligadas a forças exteriores, mas não
dependentes delas” (SANTOS, 2002, p. 72). Desse modo, em uma economia e em uma
cultura desterritorializada, reterritorializar é a resposta contra os malefícios impostos
por uma globalização hegemônica, o que significa redescobrir e inventar atividades
produtivas de aproximação. Esse entendimento promove identificação, criação e
promoção de inúmeras iniciativas locais em todo o mundo, que o pesquisador chama de
localização, ou seja:
conjunto de iniciativas que visam a criar ou manter espaços de sociabilidade
de pequena escala, comunitários, assentes em relações face-a-face, orientados
para a autossustentabilidade e regidos por lógicas cooperativas e
participativas (SANTOS, 2002, p.72).
Essas propostas de localização não denotam um fechamento isolacionista,
apenas, referem-se a medidas de proteção contra as investidas predadoras da
globalização neoliberal. Com esse paradigma, o estudioso não defende ou propõe recusa
de resistências globais ou translocais, mas põe em relevo a promoção das sociabilidades
locais. Da mesma forma que o global acontece localmente, sugere que o local contra-
hegemônica aconteça globalmente. Logo, compreendemos que a globalização contra-
hegemônica proposta por Santos (2002) luta pela transformação de trocas desiguais,
promovidas pela globalização neoliberal, em trocas de autoridade partilhada. Nas
palavras de Santos:
no campo das práticas capitalistas globais, a transformação contra-
hegemônica consiste na globalização das lutas que tornem possível a
distribuição democrática da riqueza, ou seja, uma distribuição assente em
direitos de cidadania, individuais e coletivas, aplicados transnacionalmente
(SANTOS, 2002, p. 75).
Pensar a globalização a partir da perspectiva contra-hegemônica, parece-nos que
sugere uma reterritorialização da Língua Inglesa, ou seja, nesse contexto, não há espaço
para a predileção por uma única língua e cultura estrangeiras, todas teriam seu grau de
importância e de relevância no cenário mundial. Considerando que a transformação
contra-hegemônica propõe a construção de multiculturalismo emancipatório, ou seja,
“na construção democrática das regras de reconhecimento recíproco ente identidades e
entre culturas distintas” (SANTOS, 2002, p. 75).
No decreto em análise, como temos visto, o que ocorre é justamente o contrário,
isto é, a Língua Inglesa se sobrepõe as outras Línguas Estrangeiras ofertadas nas escolas
81
municipais cariocas. Desnaturalizar os discursos que autorizam essa sobreposição é
justamente o objetivo de nossa investigação.
É preciso enfatizar que com essa imposição legislações, como a LDB 9394/1996
(BRASIL, 1996) e a Lei municipal 2939/1999 (RIO DE JANEIRO, 1999),
aparentemente respeitadas no preâmbulo do decreto, acabaram sendo invisibilizadas e
ignoradas em seu conteúdo normativo. Percebe-se, então, no interior do ato normativo
um conflito discursivo, com posicionamentos bastante divergentes, entretanto, um
discurso se impõe, alterando as práticas pedagógicas instituídas até a enunciação do ato
normativo. Para mais de que o decreto “sugere” uma configuração no ensino das
Línguas Estrangeiras, em âmbito municipal, não prevista na LDB, na legislação
nacional, que, a posteriori, passa a definir a Língua Estrangeira a ser ensinada nas
escolas regulares, por intermédio das alterações suscitadas pela Lei nº 13415/2017
(BRASIL, 2017).
Conforme já ponderamos, o decreto não possibilita a instituição de uma
cenografia discursiva, é definido pela cena englobante – discurso jurídico - e pela cena
genérica que legitimam o enunciado e estabelecem que é a cena requerida para enunciar
nessa circunstância. A partir da cena instituída, é possível especificar e validar o ethos
que, nesse caso, remete-nos a imagem de um soberano que impõe sua vontade, mas que,
por meio da enunciação, deixa antever que sua decisão não é homogênea, uniforme, é
marcada por polêmicas e atravessada por enfrentamentos discursivos. Tendo em vista
que, como busca “adesão” ao programa, não apaga completamente os sentidos de
Língua Estrangeira instituídos nos documentos oficiais.
Em relação à etapa final do decreto, o fechamento dá-se da seguinte forma:
Parte final
Cláusula
de
vigência
Art. 4.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Fecho Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009.
EDUARDO PAES
D.O.RIO de 07.10.2009
Reparam-se menções às coordenadas temporal e espacial. A expressão de local e
data da assinatura do decreto – “Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009” – juntamente
com a forma verbal “Decreta”, no presente do indicativo, localizada na seção inicial do
ato normativo, indicam o momento da enunciação, situada a partir de um encadeamento
histórico que abrange uma sucessão de pontos cronológicos. Deusdará e Rocha (2013,
82
p.129) afirmam que “o presente da enunciação é um desses pontos em certa linearidade
histórica oficial”. A coordenada espacial é apontada pela referência à cidade do Rio de
Janeiro, que aparece antes da data de assinatura do decreto, reforçando assim que o
coenunciador desse ato enunciativo é a população carioca.
E para finalizar, aparece a data 07 de outubro de 2009, antecedida pela sigla D.O
RIO, que significa Diário Oficial do Rio de Janeiro. Segundo os referidos
pesquisadores, o decreto após ser assinado pelo prefeito, deve ser encaminhado para a
publicação no Diário Oficial do município, procedimento que se constitui como parte do
ritual de expedição de um ato ordinatório como esse e que o delimita a um contexto
específico de circulação.
Dito isto, retomamos aqui a performatividade atribuída ao sintagma verbal
“Decreta”. De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2016), apoiando-se na Teoria
dos “Speech Acts” de Austin, o próprio ato de falar é uma forma e um meio de ação, ou
seja, ações se efetivam por meio da linguagem. Os enunciados31
que têm a propriedade
de, em condições propícias, realizar o ato que eles salientam, “isto é, ‘fazer’ qualquer
coisa pelo simples fato do ‘dizer’: enunciar”, são chamados de enunciados
performativos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2016, p.72).
Desse modo, o enunciador ao dizer “Decreta”, realiza um ato, pratica uma ação;
no caso do texto legal analisado, a promulgação da criação do Programa Rio Criança
Global. Embora “Decreta” seja um mesmo ato de linguagem, pode receber distintas
realizações, uma vez que, de acordo com os autores (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2016, p. 74), a abordagem interacionista agregou contribuições à
noção de ato de linguagem, uma delas refere-se ao fato que como “um enunciado se
destina a vários destinatários, ele pode muito bem estar carregado de diferentes valores
para esses destinatários”. Considerando que no conjunto da população carioca –
coenunciador do decreto – podemos incluir os pais de alunos das escolas municipais
cariocas, os estudantes, os professores de outras disciplinas, os professores da Língua
Inglesa e das demais Línguas Estrangeiras, a Cultura Inglesa entre outros, de fato, há
distintas realizações.
Ademais, ao ponderar os enunciados como atos, admite-se que são realizados
para não apenas agir sobre o outro, mas também para levá-los a reagir, nesse caso, a
31
Esclarecemos que nesses fragmentos que nos remetendo aos atos de linguagem, entendemos
enunciados como frases. Logo, não há nenhuma relação com a definição de enunciado da perspectiva
foucaultiana.
83
reação esperada é que se acate a ordem jurídica, a saber, a criação do PRCG que amplia
a oferta da Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino Fundamental.
Como já vimos debatendo, a promulgação do Decreto Municipal nº 31187/2009
(RIO DE JANEIRO) instaurou o Programa Rio Criança Global que altera práticas já
instituídas. Contudo, faz-se relevante refletir um pouco mais sobre esse acontecimento
discursivo que inaugura essa reformulação no oferecimento das Línguas Estrangeiras
nas escolas municipais cariocas, deslocando o ensino de línguas de uma perspectiva
plurilíngue para uma perspectiva monolíngue.
Posto isto, retomamos algumas considerações do pensamento foucaultiano para
conduzir nossa reflexão. Ao filósofo interessava-lhe o discurso, apreendido como um
acontecimento num dado momento. Logo, sua preocupação consistia em compreender
por que determinados enunciados, entendidos como a unidade elementar do discurso,
foram produzidos e qual o contexto em que esses mesmos enunciados apareciam.
O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase, da proposição ou do
ato de linguagem, ele é e está dentro de um campo de relações de vários outros
enunciados e dentro de um jogo de regras que o determinam, propiciando sua
emergência (FOUCAULT, 2008).
A partir do exposto, a produção dos enunciados, que sustentaram a
predominância do ensino da Língua Inglesa no âmbito da SME/RJ, não se deu de forma
isolada, antes estava ancorada nas condições de existência de outros sistemas de
enunciados que atravessaram o conjunto das políticas educacionais implantadas nessa
rede, entre os anos de 2009 a 2016.
Buscando compreender essas condições de existência, estabelecemos relações de
sentido entre o PRCG e a Peça publicitária32
da Prefeitura do Rio, veiculada no jornal
“O Globo”, em 08 de dezembro de 2014, esse enunciado será analisado no próximo
subcapítulo.
32 A publicidade na íntegra está reproduzida nos anexos do trabalho. Disponível em
https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-escola-a-fabrica-e-gera-
criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.
84
4.3 A Peça Publicitária: é uma fábrica ou uma escola?
Analisamos a Peça Publicitária da Prefeitura do Rio, recorrendo ao conceito de
cena englobante, cena genérica e cenografia. Como dissemos ao início da seção, na
instituição de cenas enunciativas, alguns gêneros discursivos recorrem apenas às cenas
englobante e genérica. Em contrapartida, segundo Maingueneau (2008a, p. 70), outros
gêneros exigem escolhas de uma cenografia, como “é o caso dos gêneros literários,
filosóficos, publicitários (há propagandas que apresentam cenografias de conversação,
outras, de discurso científico etc)”.
O pesquisador salienta que a cenografia não deve ser compreendida como algo
semelhante a um elemento decorativo, dado a priori, independente do discurso que o
constitui. A cenografia é origem e produto do discurso, legitima um enunciado e,
concomitantemente, estabelece que essa é a cenografia requerida para contar uma
história, para denunciar uma injustiça, dentre outros. Assim, longe de uma relação
hierarquizante, as três cenas dialogam entre si e articulam-se, desencadeando um
processo de legitimação mútua entre cenografia e enunciação, denominado
entrelaçamento paradoxal. Nas palavras de Maingueneau, “quanto mais o coenunciador
avança no texto, mais ele deve se persuadir de que é aquela cenografia, e nenhuma
outra, que corresponde ao mundo configurado pelo discurso” (MAINGUENEAU,
2008a, p. 118). À continuação, passemos à análise da peça publicitária.
Figura 01: Fragmento da Peça Publicitária da Prefeitura do Rio de Janeiro
85
No que tange à cena englobante, temos o discurso governamental no qual o
governo municipal carioca seria o enunciador institucional e busca promover o
programa Fábrica de Escolas do Amanhã, responsável pela fabricação de estruturas pré-
moldadas para a construção de novas escolas, pelo armazenamento e pela distribuição
de material para as unidades da rede de ensino. O discurso governamental se apresenta
sob a forma do gênero publicidade impressa que, por sua vez, fora publicada somente
no jornal “O Globo”, esta é, pois, a cena genérica que funciona como normas e suscita
expectativas. Por intermédio da cena genérica, o enunciador promove a ideia de que
quanto mais escolas construídas mais educação haverá na cidade, ao mesmo tempo,
busca a adesão de seu coenunciador uma vez que, embora não haja marcas de uma
interpelação direta, recorre a um gênero discursivo cuja função social é persuadir,
convencer o outro acerca de um determinado ponto de vista. Pontuamos que construir
escolas é fundamental para permitir o acesso democrático à educação escolar, no
entanto, ressaltamos que esta não se reduz nem se limita apenas a ampliação da
estrutura física; é preciso muito mais para se garantir mais educação à população, é
preciso que seja uma educação de qualidade que liberta e não aprisiona.
Em relação à estrutura composicional, nota-se a imbricação característica do
gênero publicidade entre a linguagem verbal e a não-verbal. Há um slogan “Nossa linha
de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros.
Fábrica de escolas do amanhã. Mais educação para o Rio de Janeiro” e uma imagem
central com a qual se relaciona. A imagem, ao mesmo tempo, em que se assemelha a
uma fábrica ou indústria por conta da presença da esteira mecânica, se distancia, uma
vez que, ao invés de produtos tipicamente fabris ou industriais, há crianças
aparentemente uniformizadas sentadas, ordenadamente, em carteiras tipicamente
escolares e com canetas e papéis sobre elas. Ainda que estejam faltando elementos que
integram uma sala de aula real, como o professor, o quadro negro ou quadro branco, os
armários, os murais; há mais componentes que remetem a um ambiente escolar que um
espaço fabril.
Compondo a publicidade, abaixo da esteira de linha de produção, há um texto
acompanhando uma foto, devido à qualidade da resolução da imagem não é possível lê-
lo, isto posto, não nos ateremos a ele, o que de certa forma não prejudica nossa análise,
haja vista que a imagem central e o slogan já são suficientes para a reflexão que aqui
nos propomos.
86
Como já dissemos as três cenas enunciativas complementam-se e interpenetram-
se, dessa forma, temos um discurso governamental que se materializou na forma de uma
peça publicitária cuja cenografia instituída equipara a escola a um setor de produção
fabril, um departamento que costuma ser socialmente desvalorizado. A escola, nesse
caso, fabrica pessoas como se objetos fossem, todos em um mesmo padrão.
Maingueneau (2015, p. 123) ressalta que “a cenografia se apoia na ideia de que o
enunciador, por meio da enunciação, organiza a situação a partir da qual pretende
enunciar”. O enunciador, ao estabelecer essa relação, salienta, portanto, certo discurso
sobre uma concepção de educação focada na formação do educando para o desempenho
de destrezas, inversamente oposta ao que propunha Paulo Freire, isto é, “uma prática
educativo-progressiva em favor da autonomia dos educandos” (FREIRE, 1996, p. 14).
É preciso retomar que a representação da esteira mecânica exibida no enunciado
remete-nos aos modelos de produção capitalista surgidos no século XX, conhecidos
como modelo taylorista/fordista que previa a produção em massa e em série, a fim de
elevar a capacidade de produtividade e gerar mais lucratividade para os detentores dos
meios de produção. Embora Castro (2011) advirta que, no final dos anos de 1960 e o
início dos anos de1970, esse modelo de produção já não tenha conseguido atender tanto
aos interesses do capital e tenha se recorrido a outras formas de concepção de produção,
consideramos relevante para a compreensão dos efeitos de sentido produzidos na
publicidade analisada apresentar o conceito de taylorismo e de fordismo.
Castro (2011) define o taylorismo como um sistema de gestão produtiva
fundamentado na especialização do operário a partir da fragmentação de tarefas para
elevar os níveis de produção industrial. No entanto, essa forma de produzir faz com que
o trabalhador perca a intimidade com o seu trabalho, limitando-se assim sua autonomia
e criatividade. Freitas (2010, p. 59) corrobora que “o ideal Taylorista é o trabalho
uniforme, no qual as singularidades do trabalhador, suas preferências e opiniões são
ignoradas”.
Paralelamente à consolidação do taylorismo, surge o fordismo que “pregava a
verticalização das estruturas produtivas e sustentava-se em dois pilares principais: o uso
da tecnologia e a adoção dos princípios tayloristas” (CASTRO, 2011, p. 03). O
fordismo não expressou somente um determinado tipo de gestão industrial ou a opção
pela a produção em larga escala, Ponte (2014), retomando Tremblay (1996), adverte que
esse modelo de produção implica também certa regulação social e política dos
consumidores. Como visto o fordismo não ficou restrito à esfera empresarial, expandiu-
87
se na organização social, assim, nas palavras de Ponte (2015, p. 113-114), a produção
de massa significava também “a) consumo de massa; b) novo sistema de reprodução da
força de trabalho; c) nova política de controle e gerência do trabalho; d) nova estética;
e) nova psicologia”. O que levou a constituir um novo tipo de sociedade, “democrática,
racionalizada, modernista e populista” (PONTE, 2015, p. 114).
Retomando a publicidade, o enunciador iguala o processo educativo dos
estudantes à produção de objetos em série e em larga escala, fundamentada no modelo
taylorista/fordista que surgiu com o propósito de atender às demandas da época, do
capitalismo e do liberalismo econômico. Representar os alunos, apesar de socialmente
diversos, deslocando-se sob uma esteira mecânica, aponta para uma formação
padronizada que os molda às ditas necessidades do mercado, pautado na atual
perspectiva neoliberal, e não consoante com os anseios dos próprios sujeitos em
desenvolvimento, nem com o previsto na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), no artigo 2º,
que defende o pleno desenvolvimento do educando. Uma formação que não lhes
favorece pensar de forma crítica e autônoma sua realidade e já pré-estabelece um futuro
a ser seguido. Como critica Freire:
do ponto de vista de tal ideologia [neoliberal], só há uma saída para a prática
educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O
de que precisa, por isso mesmo, é treino técnico indispensável à adaptação do
educando, à sua sobrevivência (FREIRE, 1996, p. 22).
Por meio da enunciação, enunciador e coenunciador concordam que não há outra
possibilidade de educar os alunos das escolas municipais cariocas que não seja uma
formação submetida à lógica do mercado. Legitimam assim uma constituição de escola
que é dada como verdadeira, necessária e, inclusive, responsável por docilizar os corpos
(FOUCAULT, 2009), ou seja, torná-los obedientes e úteis. Ademais, parece-nos que a
relação entre escola e uma linha de montagem sugere também que a esses alunos, da
escola pública, caberá ocupar os postos de trabalho menos concorridos e menos
valorizados socialmente.
Como já dissemos toda cenografia discursiva é sustentada por um EU que se
dirige a um TU (locução discursiva) situados em um espaço (topografia) e em um
tempo (cronografia) determinados. Assim, na publicidade analisada, o embreante
“nossa” e as formas verbais conjugadas na primeira pessoa do plural destacadas no
slogan “Nossa linha de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e
criamos futuros” (grifo nosso) remetem-se a um nós, ou seja, ao enunciador
institucional que corresponde ao governo municipal. Em contrapartida, não se observa
88
marcas textuais explícitas ao coenunciador, entretanto, é possível identificá-lo, quando
observamos o lugar de circulação dessa publicidade; deter-nos-emos ao TU nas
próximas linhas.
Em relação ao espaço discursivo, o enunciador que se constitui na enunciação
fala desde uma sala de aula comparada a um setor operacional nos moldes da produção
capitalista do século XX, dessa forma, educar se transforma numa ação repetitiva e não
reflexiva e de formação de objetos de repetição, esses objetos seriam os próprios alunos.
No que tange a relação temporal, o presente dêitico – construímos, formamos e criamos
– situa o enunciador e o coenunciador em um momento no qual o complexo processo
educativo é simplificado e reduzido ao cumprimento de etapas. Posto isto, na cenografia
instituída, que desloca a escola para um ambiente fabril, o enunciador se apresenta
como aquele responsável por gerenciar a linha de produção – a educação, composta por
procedimentos consecutivos, aparentemente independentes e revestidos por uma
pretensa objetividade: construir escolas, formar cidadãos e criar futuros. Estabelece-se
uma relação de causa-consequência, isto é, cumpridas essas etapas, mais educação se
oferece no município carioca. Ademais, o enunciador se torna o responsável por não só
controlar o processo educativo, mas também por controlar a atividade dos trabalhadores
– os professores, que nem são mencionados, nem representados na cena, e a produção
final – o aluno “pronto” e padronizado para se entregue à sociedade.
A concepção de educação e de escola instituída na cenografia fundamenta-se em
práticas tayloristas e fordistas, nas quais não há espaços para a produção de
individualidade e de subjetividade, portanto, pouco importa quem é o professor, seus
métodos de trabalho e suas singularidades serão ignoradas, visto que precisa haver uma
padronização, que culmina na domesticação do fazer pedagógico que passa
necessariamente pela domesticação dos professores. Pois, ao enunciador importa a
formação cidadã uniforme e homogênea desses alunos, moldados para atender e se
adaptar a uma racionalidade neoliberal que se impõe.
Essa compreensão é compartilhada pelo coenunciador que concebemos como o
leitor do jornal “O Globo”, uma vez que o lugar de circulação da publicidade salienta
certa projeção de público-alvo com o qual o enunciador estabelece proximidade. Esse
leitor, em sua maioria, é ocupante das classes sociais A e B33
, pessoas que geralmente
são os donos dos meios de produção, não usuários dos serviços públicos, cujos filhos, 33
Pesquisa na qual o jornal “O Globo” divulga o perfil de seus eleitores. Disponível em
https://www.infoglobo.com.br/anuncie/perfilLeitores.aspx. Acesso em 02/06/2019.
89
provavelmente, não estão matriculados em uma escola municipal e são dependentes da
mão-de-obra que, por sua vez, é oriunda das classes médias e baixas que usufruem das
atividades prestadas pelo poder público. Esse coenunciador não se identifica com essa
formação padronizada, no entanto, concorda que esta deva sustentar as práticas
discursivas da SME/RJ. Caso não estivesse de acordo com o enunciador, ou essa
publicidade seria publicada em outro jornal ou outra cenografia se instituiria. Fica
claro, então, que tanto para enunciador quanto o coenunciador a concepção de educação
oferecida a esses estudantes, é preciso enfatizar, estudantes de escolas públicas deva
convencê-los de que a realidade social, que, a princípio, é histórica e cultural, passa a
ser ou virar “quase natural” (FREIRE, 1996), quase um determinismo social.
Para divulgar o programa Fábrica de Escolas do Amanhã e convencer a
população carioca, ou pelo menos parte dela, que a quantidade de escolas construídas
representa mais educação, o discurso governamental recorreu ao gênero publicidade que
cumpre essa função social de convencimento e persuasão. Por sua vez, para dar corpo
ao discurso governamental, ou seja, para falar sobre a construção de escolas institui-se
no interior da cena genérica uma cenografia discursiva que equipara o processo
educativo ao processo de produção capitalista.
Conforme advoga Maingueneau (2002) a cenografia autoriza a enunciação de
um discurso, nesse caso, reconhecemos na publicidade a presença do discurso
econômico neoliberal que subordina a educação aos princípios e práticas da economia
capitalista. Dessa forma, o enunciador institucional, ou seja, o governo municipal
ademais de promover seu programa Fábrica de Escolas do Amanhã, permite-nos
compreender em qual formação discursiva se inscreve e o discurso neoliberal como
sustentação das práticas discursivas da SME/RJ.
É nesse contexto de atravessamento do discurso neoliberal na educação carioca
que se faz possível a produção de enunciados que assumem valor de verdade e
legitimam a predominância da oferta da Língua Inglesa e de uma proposta de ensino
acorde com as supostas demandas do mercado de trabalho, ou seja, para fins
comunicativos.
Podemos, inclusive, retomar uma declaração, entre várias, da ex-secretária34
de
educação do Rio na qual se dirige a alunos do 9º do Ensino Fundamental de uma escola
situada na Gávea, e observa-se essa verdade já naturalizada atravessando seu dizer. Ou
34 Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=1073828. Acesso em 26 de
setembro de 2018.
90
seja, a relação direta entre o saber a Língua Inglesa e a atuação profissional. O que
contribui para a constituição da imagem de um sujeito-aluno que, provavelmente, não
frequentará um curso superior, cujo destino final, após, o Ensino Médio é o mercado de
trabalho.
Daqui a quatro anos, muitos de vocês já estarão no mercado de trabalho.
Essa aula de inglês com o embaixador é mais uma oportunidade para
despertar o interesse pela língua e reconhecer a importância do idioma em
todas as carreiras. – destacou a secretária Cláudia Costin (SME, 2010. Grifo
nosso).
Assim, para dar conta desse projeto de educação neoliberal da SME/RJ, e
implantar a Língua Inglesa foram necessárias intervenções bem arquitetadas e
coordenadas, como a produção de um dispositivo legal, o Decreto Municipal, para
determinar a presença desse idioma em todas as escolas e a produção de dispositivos
institucionais – as circulares – para reposicionar os professores das outras Línguas
Estrangeiras em outras atividades.
Na próxima seção deste capítulo, dedicamo-nos a observar o funcionamento
discursivo das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015, documentos que
orientaram os professores da Língua Espanhola e da Língua Francesa quanto suas
atividades de trabalho nas escolas, de modo a garantir, de certa forma, a implantação
efetiva do PRCG.
4.4 As Circulares: para informar ou disciplinar?
No âmbito da Administração Pública, a circular se situa entre os gêneros
discursivos que compõem o conjunto de atos ordinatórios35
. Esses atos visam a
estruturar o funcionamento dos órgãos e a conduta de agentes públicos; são
modalidades de correspondência interna que ajudam a definir a organização dos órgãos
e setores do serviço público. De acordo com o Manual de Redação Oficial da Prefeitura
do Rio (RIO DE JANEIRO, 2008b, p.51), a circular uniformiza “procedimentos em
vários órgãos municipais, transmite informações, ordens e recomendações, assim como
esclarece o conteúdo de leis, normas e regulamentos”.
35
Os atos ordinatórios assim como os atos normativos são exemplos de atos administrativos e circulam na
esfera da Administração Pública que, por sua vez, são definidos por Carvalho Filho (2015, p. 95) como a
exteriorização da vontade dos agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição,
que, sob o regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao
interesse público. Dessa forma, ao ato administrativo cabe o importante papel de controle sobre as
atividades da Administração Pública.
91
Sob pena de ilegalidade, os atos ordinatórios precisam estar acordes com os atos
normativos existentes. Tal concordância é inerente ao funcionamento da Administração
Pública, regulada por um ordenamento jurídico e pelos princípios constitucionais da
Carta Magna – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Observando os objetivos desta pesquisa, limitando-nos a conceituar o princípio da
legalidade que condiciona a vontade da Administração Pública à vontade popular, uma
vez que no exercício de suas funções os agentes do Poder Público só podem praticar as
condutas autorizadas em lei. Dito isto, consideramos que a produção das circulares
E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/201536
foi possibilitada pela existência do Decreto
Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009).
Conforme já discorremos nas linhas anteriores, respaldada na conceituação
proposta por Maingueneau (2002), todo gênero discursivo prevê um estatuto de
parceiros legítimos. No caso dessas circulares de 2012 e de 2015, situadas
historicamente no primeiro e no segundo mandato de Eduardo Paes, são as
subsecretárias de Ensino da SME/RJ, respectivamente, Regina Helena Bomeny e
Jurema Helena Holperin, responsáveis pelo dito, e os gestores das CREs e das unidades
escolares cariocas, a quem cabe pôr em prática o previsto nesses documentos
institucionais. Tem-se estabelecido o estatuto de parceiros legítimos.
Como veremos, os professores, os principais interessados, são o objeto de fala, a
não pessoa, o enunciado não os tem como parceiro, até porque como expusemos as
circulares encenam uma enunciação da subsecretaria de ensino aos gestores das CREs e
das escolas. Isto é, constitui-se uma relação intrainstitucional. No que concerne ao lugar
e ao momento legítimos, a enunciação define como espaço a SME/RJ e como tempo o
início de cada ano letivo, período em que professores e alunos retomam as escolas para
suas atividades acadêmicas. Essa enunciação tem como finalidade transmitir orientações
quanto à lotação dos professores de Língua Estrangeira nas escolas, tendo em vista a
implantação do PRCG e visando à uniformização das práticas e à homogeneização da
conduta dos servidores envolvidos nesse processo.
Ademais da função social, as circulares assim como o decreto apresentam uma
organização textual bastante rígida que define seu estilo composicional e singulariza-as
na interação com outros gêneros pertencentes ao mesmo aparelho institucional
(MAINGUENEAU, 2008a). Compõem a estrutura do gênero: o timbre da instituição, o
título e sua numeração, o local e a data, a ementa, o vocativo, o assunto e a assinatura
36
Reforçamos que as circulares estão reproduzidas na íntegra no conjunto de anexos do trabalho.
92
acompanhada da identificação do signatário (RIO DE JANEIRO, 2008b) que
corroboram a legitimação e validade do enunciado.
A circular E/SUBE/nº 13/2012 começa assim:
Sr. (a). Coordenadora de E/SUBE/CRE
Sr. (a). Gerente da E/SUBE/CRE/GED
Sr. (a). Gerente de E/SUBG/CRE/GRH
A implantação do Programa Rio Criança Global, desde seu início, vem ampliando
gradativamente as aulas de inglês para os alunos da Rede.
2. Contratamos novos professores e priorizamos a lotação, inicialmente em turmas
do 1º segmento.
3. A partir de 2011, os professores novos deveriam ser lotados de forma a atender
também aos alunos do 6º ano e agora em 2012, a prioridade é de atendimento aos
alunos de 1º ao 7º anos.
4. O objetivo final é implantar o ensino de inglês para todos os alunos até o 9º ano em
2014.
5. Gradativamente, teremos o ensino de inglês na grade curricular e o espanhol e o
francês como segunda língua estrangeira a ser oferecida como ampliação de horário
escolar, nas escolas de turno único, ou no contraturno, nas escolas de horário parcial.
Como se observa, nos cinco parágrafos iniciais da circular retoma-se o conteúdo
do decreto do PRCG, reforçando que seu objetivo é a implantação da Língua Inglesa em
todas as turmas do Ensino Fundamental, para tanto, embora não se diga, seria
necessário alterar, de alguma forma, a atividade de trabalho dos professores de Língua
Espanhola e de Língua Francesa.
De acordo com a circular, a prioridade inicial tinha sido alocar os professores de
Língua Inglesa nas turmas do primeiro segmento, espaço até então não ocupado por
nenhuma Língua Estrangeira. Com isso, a entrada da Língua Inglesa, aparentemente,
tenha se dado sem tantos embates, pelo menos, em relação aos outros idiomas; por outro
lado, é relevante pontuar que no concurso realizado em 2010 para professores de Língua
Inglesa, essa informação sobre a atuação no primeiro segmento não constava no edital.
Sendo assim, muitos professores, no ato da escolha de escola, foram surpreendidos com
essa especificidade desse concurso, ou seja, que a Língua Inglesa também estaria
presente nesse segmento (OLIVEIRA, 2017). Atuação esta não contemplada nos cursos
de licenciatura, uma vez que, segundo a LDB, a Língua Estrangeira é oferecida para as
turmas do segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. E, à época, nem pelos
documentos oficiais – da esfera municipal ou federal - que norteavam o ensino desse
componente curricular na Educação Básica.
93
Até aqui se observa que o enunciador institucional, ou seja, a subsecretaria de
ensino, reiterado pelo dêitico “nós” em “contratamos” e “priorizamos”, em um tom de
conciliação, faz um percurso narrativo no qual relata as etapas já atendidas, visando ao
cumprimento do prescrito no PRCG. Dessa forma, a atenção recai sob o enunciador e as
medidas adotadas para que a Língua Inglesa nas escolas municipais cariocas fosse
implantada conforme o calendário proposto.
Em contrapartida, no sexto parágrafo, reproduzido nas linhas seguintes, o
enunciador institucional começa a anunciar como se organizará a oferta das Línguas
Estrangeiras na rede. Em relação aos parágrafos iniciais, percebe-se que não há marcas
textuais que destacam a presença do enunciador e de suas ações. O foco da atenção
desloca-se do enunciador e recai sob o coenunciador, embora não haja outras marcas
linguísticas explícitas, ademais dos vocativos “sr. (a) coordenadora de E/SUBE/CRE”,
“sr. (a) gerente da E/SUBE/CRE/GED” e “sr. (a) gerente de E/SUBG/CRE/GRH”, que
o referenciam. Entretanto, a relação que se estabelece entre enunciador e enunciado nos
permite ponderar que o dito no sexto parágrafo da circular visa implicar fortemente o
coenunciador.
Maingueneau (2002, p. 107) advoga que “todo enunciado possui marcas de
modalidade”. A modalidade indica a atitude do enunciador frente ao seu dizer ou a
relação que este estabelece com seu coenunciador intermediado pelo ato enunciativo.
Em outras palavras, é possível distinguir na materialidade linguística o conteúdo
proposicional e o ponto de vista do enunciador sobre este conteúdo (CERVONI, 1989).
Cervoni (1989) defende que o conceito de modalidade pertence tanto aos
linguistas quanto aos lógicos, estes a categorizaram em três grupos: aléticas, epistêmicas
e deônticas. As aléticas referem-se à verdade do conteúdo das proposições; as
epistêmicas remetem-nos ao eixo da crença e as deônticas estão no campo da ordem, da
volição. Observemos os fragmentos que se seguem:
6. Para melhor atender a essa nova organização, seguem orientações gerais para
lotação dos professores de Língua Estrangeira:
§ Os professores de espanhol e francês devem ser lotados, preferencialmente, em
turmas de 8º e 9º anos e projeto de Aceleração 3, em 2012;
§ A lotação de professores de inglês nas turmas de 8º e 9º anos não está proibida, mas
a CRE só poderá fazê-la após ter professores atendendo a todas as turmas de 1º ao 7º
anos.
§ Caso haja necessidade de cessão ou de complementação de carga horária em outra
escola, deve ser observada a distância entre as escolas para minimizar as mudanças
no cotidiano do professor.
94
§ A CRE deve analisar com cada direção de escola a situação de seus professores,
para então tomar as providências quanto à cessão e complementação de carga horária.
§ As diretoras das escolas para onde os professores forem cedidos devem ser
informadas da lotação de professores dessas disciplinas e a que turmas eles
atenderão, para evitar confusões e devoluções por desconhecimento da realidade da
CRE como um todo (SME, 2012. Grifo nosso).
Em todo o sexto item da circular, nota-se a presença da modalidade deôntica
que, como visto, se refere “ao eixo da conduta e da linguagem das normas e
compreende a esfera da obrigação, proibição, necessidade e permissão” (BORIM, 2006,
p. 35). O enunciador indica que admite como obrigatório o conteúdo proposicional
anunciado em seu dizer, dessa forma, considerando a funcionalidade da circular, cabe
ao seu coenunciador, os gestores das CREs e das unidades escolares, garantir a
efetivação do que fora prescrito.
O espectro de significação da modalidade deôntica vai do obrigatório até o
permitido. Nos fragmentos mencionados, há locuções verbais, como “devem ser
lotados”, “deve ser observada”, “deve analisar”, “devem ser informadas”, que denotam
a obrigatoriedade do que se propõe, ou seja, o enunciador espera que suas normas sejam
cumpridas. Assim, para garantir a ampliação da Língua Inglesa, consoante com o
discurso neoliberal que atravessou as práticas da SME/RJ, restringe-se o campo de
atuação dos professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa, levando-os a
lecionar apenas nos 8º e 9º anos e no projeto de Aceleração 337
, em 2012.
Para mais, observa-se que se atribui às CREs e às escolas uma posição de
controle e de vigilância, a essas instituições cabe exercer um poder sobre seus liderados,
nesse caso, os professores de Língua Estrangeira. Sendo as responsáveis por fazer
cumprir essas determinações, de modo que cada professor de Língua Estrangeira atue
nos espaços que lhe são concedidos, ou melhor, permitidos. Isto é, os professores de
Língua Inglesa atuando do 1º ao 7º ano e os professores de Língua Espanhola e de
Língua Francesa, nos 8º e 9º anos e no projeto de Aceleração 3, até que o cronograma
de implantação seja cumprido.
Ainda sobre esse item, ademais da modalidade deôntica, o que reforça o caráter
injuntivo observado nessa segunda parte da circular, é o uso desse símbolo (§) que
representa o parágrafo e é comumente encontrado em textos normativos, o que nos leva
a comparar o funcionamento dessa circular a um texto de lei, cuja função é normatizar.
37
Projeto para alunos oriundos do 8º ano com defasagem idade/ano e com duração de um ano para
terminalidade do Ensino Fundamental
95
Desse modo, o funcionamento discursivo da circular não cumpre apenas a
função de compartilhar a informação com os envolvidos nesse processo pedagógico,
mas principalmente de regulamentar o decreto, ou seja, apresentar as estratégias de
como a Língua Inglesa será implantada em todas as turmas do Ensino Fundamental, em
um contexto que predominava a coexistência das Línguas Estrangeiras, um cenário
reconhecido pela perspectiva plurilíngue e não monolíngue.
À continuação, comentamos a circular E/SUBE/nº 08/201538
, como já dito, de
autoria de Jurema Helena Holperin, subsecretária de Ensino, e situada temporalmente
no segundo mandato de Eduardo de Paes.
Diferentemente da circular anterior, na ementa já consta que sua função é a
regulamentação do ensino da Língua Inglesa, logo, já assume um caráter prescritivo-
normativo. No início da circular, o enunciador pontua que desde 2009, momento
anterior à enunciação, esse idioma é obrigatório na rede e que a implantação fora
concluída em 2014, dois anos antes do previsto no PRCG; apesar disso, aponta a
existência de inconsistências e o objetivo é ajustá-las.
Observemos o terceiro parágrafo da circular onde se concentram as interpelações
ao coenunciador:
3. Com o objetivo de ratificar as deliberações anteriores e eliminar dúvidas e
equívocos relacionados a esse assunto, reafirmam-se abaixo algumas das principais
determinações:
a. a. Todas as turmas regulares de 1º ao 9º ano, incluindo as turmas de 6º ano
experimental, devem ter oferta de ensino de Inglês;
b. b. Não será permitida a oferta de ensino de Espanhol ou Francês, em detrimento da
oferta de ensino de Inglês, para as turmas de 1º ao 9º ano ou de 6º ano experimental.
c. c. Caso a escola tenha, também, professores de Espanhol ou Francês, estes devem
assumir as turmas de Projeto ou, em casos de escolas de Turno Único, trabalhar em
disciplinas eletivas.
d. d. Será admitida a oferta de Espanhol ou Francês em turmas do 8º e 9º anos apenas no
caso de a escola não possuir professores de inglês em seu quadro de profissionais para
suprir todas as suas turmas. As Coordenadorias Regionais de Educação devem estar
atentas a esses casos e buscar alternativas de solução para garantir o atendimento em
Inglês para todas as turmas da escola.
e. e. A carga horária de Inglês segue o estabelecido na matriz curricular vigente.
f. f. As turmas de 6º e 7º ano farão prova de inglês no período do 4º bimestre, nos moldes
das provas bimestrais elaboradas pela Secretaria Municipal de Educação para as
demais disciplinas curriculares. (SME, 2015. Grifo nosso)
38 No início da gestão de Marcelo Crivella, quando César Benjamin era o Secretário Municipal de
Educação, essa circular fora republicada com a seguinte numeração: E/SUBE nº02, de 09 de fevereiro de
2017.
96
Repara-se que o enunciador institucional, em relação à circular E/SUBE/nº
13/2012, mantém seu ethos de regulador do comportamento dos outros, recorrendo,
portanto, à modalidade deôntica, principalmente, para reiterar sentidos de obrigação e
de proibição. Em “devem ter oferta de ensino de inglês”, corrobora a obrigatoriedade
desse idioma em todos os anos de escolaridade, e a interdição da oferta da Língua
Espanhola e da Língua Francesa, em detrimento da Língua Inglesa, por intermédio da
construção “não será permitida”. Por conseguinte, o lugar a ser ocupado por essas
línguas são as turmas dos projetos de Aceleração ou as eletivas nas turmas das escolas
de turno de único. Sobre essas atuações, é pertinente fazer algumas ponderações.
Primeiramente, em relação aos projetos de Aceleração, é preciso dizer que
abrangem os alunos com distorção série-idade, esta pode ter sido motivada por uma
infinidade de fatores, inclusive por dificuldades de aprendizagem. Dificuldades estas
que não os tornam incapacitados para aprender, mas que sugerem a necessidade de se
buscar outras formas para aproximá-los do conhecimento.
Apesar disso, o enunciador, ao indicar o ensino de espanhol e de francês a esses
grupos, reforça discursos do senso comum sobre uma suposta facilidade da
aprendizagem de uma língua neolatina frente à Língua Inglesa e sobre uma provável
incapacidade desses alunos se apropriarem do idioma anglo-saxão. Pois, de acordo com
o previsto no Programa Reforço Escolar39
, que engloba os projetos de Aceleração, assim
como os demais alunos da rede estes também deveriam estudar a Língua Inglesa. Mas,
ao invés do inglês, a circular determina que estudem espanhol ou francês.
Em segundo lugar, as eletivas são atividades cujo programa é livre, ficando a
cargo de o professor definir se desenvolverá temáticas relacionadas à Língua Espanhola
ou à Língua Francesa ou não. É relevante destacar também que a carga horária semanal
das Eletivas é de 02 tempos, conforme disposto na matriz curricular vigente à época,
sendo que os professores precisam cumprir um total de 12 tempos semanais, ou seja,
para dar conta de sua carga horária, teriam de desempenhar outras atividades, não,
necessariamente, relacionadas aos idiomas em questão.
39
No intuito de resolver o analfabetismo funcional, defasagem idade/ ano escolar, déficit de
conhecimentos e de garantir a aprendizagem foi criado o Programa Reforço Escolar, que tem por objetivo
o aprimoramento da qualidade do ensino das escolas públicas da Rede Municipal, desenvolvendo projetos
e ações que favoreçam o sucesso escolar de todos os alunos matriculados na Rede. Nesse sentido,
colabora para o salto na qualidade de ensino da educação carioca: todo aluno aprendendo cada vez mais e
melhor e na idade adequada ao ano em que estuda.
97
Ao propor aos professores atividades que não contemplam a formação e sua
disciplina de ingresso, via concurso público, o enunciador institucional mostra-se filiado
a discursos que, de certa forma, não valorizam a formação e a prática que constituem o
professor de Língua Espanhola e de Língua Francesa. Nota-se que o importante para o
enunciador institucional é garantir o espaço para a entrada e permanência da Língua
Inglesa, não importando muito quais seriam as atividades atribuídas aos professores das
demais Línguas Estrangeiras.
A fim de garantir que o Decreto Municipal seja cumprido, ademais dessas
determinações, estabelece-se formas para controlar a implantação do PRCG e também a
atividade de trabalho dos professores de Língua Inglesa.
No item d, a modalidade deôntica “devem estar atentas”, expressa em “as
Coordenadorias Regionais de Educação devem estar atentas a esses casos e buscar
alternativas de solução para garantir o atendimento em inglês para todas as turmas”,
sugere aos coenunciadores manter-se em constante vigilância, uma vez que precisam, de
qualquer forma, assegurar a presença da Língua Inglesa em todo o Ensino Fundamental.
Já no item f, observa-se outra forma de controle quando o enunciador comunica a
aplicação de uma avaliação de Língua Inglesa para os alunos dos 6º e 7º anos, elaborada
pela SME/RJ.
De acordo com Oliveira (2017), a equipe constituída para formular a prova é
composta por professores da rede e supervisionada pelos profissionais da equipe do
curso de idiomas, a Cultura Inglesa. É preciso ressaltar que essa escola de idiomas não
está submetida às normativas educacionais do país, ou seja, não está sob a jurisdição do
MEC e, sim, da área comercial. O que faz com que sejam adotados outros princípios e
parâmetros para o ensino da Língua Inglesa e para a avaliação da aprendizagem. Apesar
da participação de alguns professores, à maioria cabe acatar o que foi definido por uma
pequena parcela de professores e dos supervisores da entidade privada como as
prioridades no processo avaliativo, a qual não leva em consideração as singularidades
de cada professor nem as particularidades cada turma. Assim, os demais professores
não incluídos na elaboração das provas têm acesso apenas aos descritores, isto é, às
habilidades e competências exigidas, por sua vez, esses descritores, segundo
informações da SME (2013), se pautam nas Orientações Curriculares e no material
didático adquirido da Learning Factory, grupo editorial da Cultura Inglesa.
Entretanto, salientamos que a avaliação se fundamenta exclusivamente na
proposta de ensino de Língua Estrangeira apresentada pelo material didático, haja vista
98
que o exposto no Caderno de descritores – Inglês, para a prova de 2013, não contempla
a concepção de língua e de ensino de Língua Estrangeira presente Orientações
Curriculares da SME/RJ. Neste documento, a língua é compreendida como um
fenômeno histórico e social diferentemente da visão apresentada no Caderno de
descritores:
As questões serão elaboradas a partir de situações comunicativas,
verificando, prioritariamente, o conhecimento do léxico e das estruturas
linguísticas, assim como o efetivo uso da língua em situações cotidianas
(SME, 2013).
Também nos respaldamos em Oliveira (2017, p.91) que afirma que o material
didático não se aproxima dos princípios previstos na legislação educacional brasileira,
pois aponta “para um ensino de Língua Inglesa voltado à repetição e reprodução de
frases e estruturas gramaticais descontextualizadas de uma efetiva situação de uso
social”.
Conforme enfatizado na circular, os professores de Língua Inglesa, em sua
maioria, não produzem a prova a ser aplicada, pela SME, às turmas. A ínfima
participação dos professores concursados nesse processo de elaboração da avaliação
corrobora a conclusão a qual a mencionada pesquisadora chegou que o PRCG constrói
uma imagem de um profissional passivo e incapaz de gerir sua própria sala de aula.
Observa-se, portanto, um exercício de poder que “retira” desse professor da SME/RJ
seu saber e submete-o aos “saberes” dos profissionais da Cultura Inglesa, por sua vez,
não subordinados às exigências da legislação educacional brasileira e que balizam o
ensino da Língua Inglesa na lógica do mercado.
De mais a mais, acrescentamos que a imposição dessa avaliação única, a ser
seguida por todos, leva a uma padronização. Padroniza-se o trabalho docente, o
processo de ensino e a avaliação da aprendizagem, inclusive, padronizam-se os
conhecimentos da Língua Inglesa a serem apreendidos pelos alunos, ou seja,
independente de sua realidade, necessidades e interesses. Ao mesmo tempo, controla-se
e avalia-se o professor e suas práticas. Como vimos durante o processo analítico da
publicidade, na seção anterior, tal padronização é condizente com a concepção de
educação neoliberal vinculada às práticas discursivas da SME/RJ, durante a gestão de
Paes e Costin.
Em concordância com o que expusemos até aqui, as circulares E/SUBE/nº
13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 assumem uma função que vai além de uniformizar
procedimentos adotados por um setor ou órgão, normatizam o Decreto Municipal, ou
99
seja, estabelecem as regras que visam a possibilitar a ampliação da oferta da Língua
Inglesa.
Dessa forma, as circulares funcionam como um poder disciplinar cuja função é
enquadrar a vida e os corpos dos indivíduos (FOUCAULT, 2012), nesse caso,
enquadrar os professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa na reconfiguração
do ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais, motivada pela criação do
PRCG, que não estimula a pluralidade linguística. Ao contrário, impõe a presença de
um único idioma e este é a Língua Inglesa que é naturalizada como o idioma condizente
com o mundo global em que estamos inseridos. Nas palavras de Santos (2002),
condizente com seu conceito de globalização hegemônica que submete aos interesses
transnacionais os interesses nacionais.
As determinações propostas nas circulares sugerem uma vigilância permanente
sobre os professores de Línguas Estrangeiras por parte daqueles que exercem sobre eles
um poder, isto é, os coordenadores das CREs e diretores das escolas, a quem cabe a
responsabilidade de verificar se estão atuando nos espaços que lhes são autorizados.
Para Foucault o exercício de poder diz respeito a um modo de ação de uns sobre os
outros (DREYFUS; RABINOW, 2013).
O filósofo francês defende que a sociedade atual é uma sociedade panóptica, isto
é, uma sociedade disciplinar. Retomando o apresentado anteriormente, esse modelo de
sociedade foi desenvolvido com base no conceito de panóptico de Jeremy Bentham. O
panóptico era uma forma de estrutura arquitetônica projetada para cárceres e prisões que
permitia o constante olhar do vigilante sobre o indivíduo.
Para Bentham esta pequena e maravilhosa astúcia arquitetônica podia ser
utilizada por uma série de instituições. O Panopticon é a utopia de uma
sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que atualmente
conhecemos – utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode
perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade
onde reina o panoptismo (FOUCAULT, 2012, p.87).
Destarte, o panoptismo é uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos
por intermédio de uma vigilância contínua, de um controle e recompensa, e de uma
correção, que conduzirão à transformação dos indivíduos em função de certas normas
(FOUCAULT, 2012). A partir dessa compreensão, pode-se dizer que a circular funciona
como um dispositivo panóptico, uma vez que seu poder é exercido sob o outro, apoiado
na vigilância e no controle das práticas dos professores de Línguas Estrangeiras e,
consequentemente, na correção, caso não estejam de acordo com o estabelecido.
100
De outra maneira, a vigilância dá-se quando as CREs e os gestores das unidades
escolares precisam assegurar a presença da Língua Inglesa em todas as turmas do
Ensino Fundamental. O controle ocorre quando a SME/RJ institui um sistema de
avaliação para “acompanhar” o processo de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa dos
alunos dos 6º e 7º anos. E a correção quando verificado o não cumprimento das
determinações, solicita-se o pronto ajuste. Este ajuste consistia em deslocar os
professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa de turmas ou até mesmo de
escolas para garantir a entrada e a permanência da Língua Inglesa40
.
Assim, a circular normatiza o que se promulga no decreto que, por sua vez,
legitima como verdade discursos naturalizados e retomados em diversos espaços
sociais, que a Língua Inglesa, entendida como um instrumento de comunicação, é
fundamental para se alcançar oportunidades, principalmente, as que se referem ao
mercado de trabalho. Dessa forma, prioriza-se a formação do “cidadão” para o mercado
de trabalho e não a formação do cidadão para a sociedade, para a vida. Como vimos
enfatizando, ao longo do capítulo, tais discursos neoliberais, que acompanham a
globalização hegemônica em que as sociedades ocidentais estão imersas, emergem
porque há condições de possibilidade de existência que os autorizam.
À continuação, analisamos a entrevista de Cláudia Costin concedida à Revista
Ponto Com.
4.5 A Entrevista de Cláudia Costin: a economia ou a educação?
Nesta seção, dedicamo-nos a analisar a entrevista da ex-secretária municipal de
educação, Cláudia Costin41
, concedida à Revista PontoCom, em 21 de setembro de
40
Em um momento anterior, quando o nosso interesse de pesquisa recaía sob atividade de trabalho dos
docentes de Língua Espanhola, em 2017, solicitamos aos professores que respondessem a um
questionário, no qual uma das perguntas consistia em saber, se por conta das determinações da SME/RJ
veiculadas nessas circulares, houve a necessidade de alterar as atividades desenvolvidas ou de mudar de
escolas. Dos 15 questionários recebidos, 08 professores não mudaram de escola, mas, em compensação,
tiveram suas atividades alteradas. Alguns foram deslocados para as turmas de 8º e 9º anos, que não
tinham aulas da Língua Inglesa, para a sala de leitura e para outras atividades pedagógicas que não foram
especificadas. Os demais professores mudaram de escola, 01 ou até 04 vezes, nas novas escolas,
lecionaram a Língua Espanhola para as turmas de 8º e 9º anos, que não tinham professores de Língua
Inglesa e para as turmas de projeto de Aceleração; ademais dessas atividades, ministraram reforço escolar
de redação, oficina de raciocínio lógico, desenvolveram projetos pedagógicos em parceria com outras
disciplinas e outras funções de apoio que não foram especificadas. 41
Como apresentamos no subcapítulo 1.2, com exceção da SME/RJ, da Fundação Victor Civita e do
CEIPE, setores voltados para a Educação, Cláudia Costin atuou, principalmente, nas áreas de gestão e de
economia, dos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
101
2012. Portanto, antes de proceder à análise, discutimos os critérios aos quais recorremos
para selecionar os fragmentos analisados, uma vez que não são todos os pontos
abordados na entrevista que atendem aos questionamentos e objetivos de pesquisa.
Como sinalizado anteriormente, devido à multiplicidade e à diversidade de nosso objeto
de estudo, optamos por condensar alguns apontamentos teórico-metodológicos no
próprio capítulo dedicado à análise. No decorrer do processo analítico, temos
problematizado que essa política de línguas não está desvinculada da política
educacional municipal implantada durante as gestões de Eduardo Paes e Cláudia Costin.
A partir dessa perspectiva, pareceu-nos pertinente selecionar, na entrevista, as respostas
nas quais a ex-secretária abarque uma parte do conjunto de intervenções praticadas no
sistema educacional carioca e, entre elas, o ensino das Línguas Estrangeiras. Das 15
perguntas que compõem o roteiro de entrevista, observamos que apenas a 02 perguntas
foram dadas respostas que contemplam o critério elencado. No quadro abaixo,
sinalizamos em negrito as perguntas cujas declarações de Cláudia Costin foram
selecionadas para a análise.
Roteiro da entrevista de Cláudia Costin à Revista PontoCom
1. Qual era radiografia da rede de ensino do Rio quando a senhora assumiu?
2. Que tipo de estatísticas?
3. O que as diretoras das escolas disseram?
4. A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?
5. O resultado destas provas serviu apenas como diagnóstico?
6. A senhora falou sobre o contexto do primeiro e segundo segmentos. E com
relação à alfabetização? Qual era o cenário?
7. Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?
8. Há um investimento em diferentes tipos de projetos experimentais, envolvendo
poucas escolas. Por quê?
9. Quais são os desafios hoje da rede municipal?
10. Como ‘anda’ a relação das secretarias de Educação do país com as
universidades, com as faculdades de Educação?
11. Como a senhora avalia o Plano de Carreira da categoria e o salário base?
12. Em entrevista à revistapontocom, diretores de faculdades de educação do Rio
destacaram que sua gestão aposta bastante na avaliação da rede – o que é
importante segundo eles – mas que deixa de lado a política pedagógica. A
senhora concorda?
13. Outra crítica vem do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe).
O Sepe destaca que atual gestão fez uma série de parcerias retirando recursos
públicos da Educação, da escola, repassando para a iniciativa privada, tirando
a autonomia do professor.
14. Sua gestão vem ‘ganhando’ a simpatia e adesão dos professores?
15. O prefeito Eduardo Paes sendo reeleito, a senhora continua no cargo? Quadro 02: Perguntas da entrevista à Cláudia Costin selecionadas para análise
102
Apresentado o critério de seleção do corpus, tecemos breves considerações
acerca da Revista PontoCom, suporte de circulação da entrevista de Cláudia Costin. De
acordo com informações veiculadas no website, essa revista é um dos produtos do
Planeta PontoCom – Inovação em Educação que, por sua vez, é uma Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)42
que reúne iniciativas de mídia-educação
– uma abordagem pedagógica inovadora, nas palavras de seus idealizadores, e tem
como objetivo promover o estudo da mídia e da comunicação dentro da grade
curricular. Consoante com essa perspectiva, a Revista PontoCom assume como sua
função informar e debater questões relacionadas à área de mídia e educação, além disso,
afirma ser seu público-alvo pais, professores, responsáveis pela indústria da mídia,
pesquisadores e acadêmicos. Intitula-se como um ambiente que se propõe a
proporcionar trocas de informações e experiências com crianças, jovens e adultos, no
que diz respeito à educação, em seu sentido mais amplo e não apenas a dita educação
formal, oferecidas pelas escolas públicas e privadas. É uma revista dedicada a assuntos
relacionados à educação, no entanto, não é uma revista que possa ser inscrita no
universo de revistas acadêmicas.
Ainda de acordo com a apresentação institucional, a revista fora lançada em
2008 e, desde então, divulga matérias, entrevistas, artigos, pesquisas, entre outros, via
newsletter43
semanal e pelas redes sociais. Mensalmente, é acessada, em média, por
cerca de 20 mil visitantes únicos e tem um quantitativo de 30 mil visualizações. Devido
a uma das formas de divulgação do conteúdo digital ser através de newsletter, conforme
dados do website, a revista mantém uma lista de endereços eletrônicos, formada por
profissionais da mídia, formadores de opinião, estudantes, pesquisadores e professores
42
Esse tipo de organização é regulamentado pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre
a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências.
Um dos requisitos para ser uma OSCIP é ter como vocação a promoção da assistência social, cultura,
educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, meio ambiente, trabalho voluntário, combate à
pobreza, ética, paz, cidadania estudo e pesquisa. O Ministério da Justiça é o órgão que avalia, reconhece e
expede o certificado de uma OSCIP. Informações disponíveis em https://www.justica.gov.br/seus-
direitos/politicas-de-justica/entidades/oscip-1 e www.filantropia.org/conteudo.php?id=2428. Acesso em
02 de maio de 2019. 43 É um boletim informativo que pode ser distribuído em formato de jornal impresso, no entanto, o mais
comum é o formato digital que permite o envio por meio eletrônico, em especial, por e-mail para as
pessoas que demonstraram interesse em receber o conteúdo de uma determinada organização.
Informações disponíveis https://www.profissionaldeecommerce.com.br/como-uma-newsletter-pode-
ajudar-no-marketing-de-conteudo/, acesso em 01 de junho de 2019.
103
da Educação Básica à Pós-graduação, reunindo cerca de 8 mil contatos brasileiros e
estrangeiros44
.
No subcapítulo 3.3 do trabalho, destacamos que, além de considerarmos as
condições de êxito aos quais estão submetidas os gêneros do discurso, observar o lugar
e o modo de circulação também é relevante para que se compreenda o como e o porquê
se pode dizer e se diz, bem como os efeitos de sentido que se produzem. O que nos
permite afirmar que conhecer o perfil da revista onde foi publicada a entrevista, seu
público-alvo, seu modo de circulação é bastante pertinente para o encaminhamento do
processo analítico.
Complementando o dito, Maingueneau (2015) assevera que o gênero discursivo
é um dispositivo de comunicação social, verbal e historicamente situado. Logo, ademais
de pontuar o modo de circulação, importa também sinalizar que essa entrevista se insere
na campanha “Educação: o que quero para minha cidade?”, promovida pela Revista
PontoCom, no período da disputa eleitoral para prefeitos e vereadores de 2012. De
acordo com a revista, o primeiro objetivo da campanha consistia em proporcionar um
espaço de interlocução com os seus leitores para debaterem os desafios e os rumos da
educação brasileira. O segundo consistia em promover entrevistas com os candidatos à
Prefeitura do Rio de Janeiro45
, com ex-secretárias da educação carioca, com diretores
das Faculdades de Educação das universidades públicas e com diretores do Sindicato
Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE) e do Sindicato dos Professores do
Município do Rio de Janeiro e Região (SINPRO) para discutir a realidade específica da
educação do município do Rio. Pontuamos que as entrevistas restringiram-se a
educação46
da cidade carioca, município que abriga a sede da revista, conforme
declarações do editor47
.
Nas palavras de Hoffnagel (2005), a entrevista é um gênero discursivo
eminentemente oral, haja vista a entrevista de emprego, a entrevista com médico, a
44
As páginas acessadas para obter essas informações são http://planetapontocom.org.br/institucional/ e
http://planetapontocom.org.br/produtos/revistapontocom, em 02 de maio de 2019. 45 Entre os entrevistados estavam os candidatos à Prefeitura: Aspásia Camargo, Otávio Leite, Marcelo
Freixo, Rodrigo Maia e Eduardo Paes; as ex-secretárias de educação: Carmen Moura, Mariléa da Cruz,
Regina de Assis, Terezinha Saraiva e Cláudia Costin; os diretores das Faculdades de Educação: Jorge
Najar (UFF), Rosana Glat (UERJ), Janaína Specht (UNIRIO) e Ana Maria Monteiro (UNIRIO); o
presidente do SINPRO, Wanderley Quêdo e a diretora do SEPE, Susana Gutiérrez. 46 Maior Rede Pública da América Latina, conta com um total de 1540 unidades escolares e de 641.118
alunos. Informações disponíveis em http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/assista/tv/14784-
institucional-sme-2019 e http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/educacao-em-numeros, em 17 de agosto de
2019. 47
Informações extraídas da página http://revistapontocom.org.br/materias/fique-por-dentro, em 02 de
maio de 2019.
104
entrevista jornalística, inclusive, as publicadas em jornais e revistas. De acordo com
autora, as entrevistas que circulam na esfera jornalística impressa antes de serem
transcritas para publicação, na maioria das vezes, são realizadas oralmente. A entrevista
pressupõe a existência de coenunciadores, ou seja, entrevistador e entrevistado que vão
revezando as posições de enunciador e coenunciador, embora seus papéis sejam bem
delimitados e bem demarcados. Assim, ao entrevistador cabe o papel de orientar e
reorientar a interação, e ao entrevistado, participar respondendo as perguntas que lhe são
feitas. No que tange à entrevista jornalística impressa, também há o coenunciador em
ausência, em alusão ao leitor. Em relação à Revista PontoCom, o público leitor é
composto por dois grupos distintos: o fidelizado, formado por pais, estudantes e
professores, que semanalmente recebe o newsletter, e o não fidelizado que
esporadicamente acessa os conteúdos produzidos.
Ao entrevistar a então secretária, Cláudia Costin, a Revista PontoCom concede
ao governo da época mais um espaço de interlocução com a sociedade para falar sobre
os planos e as medidas implantadas na educação carioca e promover o debate sobre as
políticas públicas educacionais, considerando o momento político em curso. Nesse
contexto, cabe à secretária de educação, que já estava na função antes das eleições, falar
sobre a educação carioca; importa-nos observar na situação enunciativa como se
constrói a interação enunciador-entrevistado e coenunciadores, os efeitos de sentidos
que se produzem, de modo que contribua com as reflexões empreendidas até aqui sobre
o processo de reconfiguração do ensino das Línguas Estrangeiras.
Embora nosso interesse não recaia sob as perguntas, acreditamos ser pertinente
fazermos alguns esclarecimentos. Na primeira pergunta “A avaliação das estatísticas e
das diretoras foi o ponto de partida?”, a referência à “avaliação das estatísticas e das
diretoras” dialoga com os questionamentos feitos anteriormente; um sobre os tipos de
estatísticas consultados pela secretária para preparar o diagnóstico da educação carioca
e o outro sobre as colocações e reclamações das diretoras sobre a rede, ouvidas em
reuniões realizadas entre elas e a gestora municipal. Já a segunda questão “Houve
mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?” também é um
desdobramento da pergunta anterior cujo foco era o panorama encontrado na
alfabetização, quando da assunção da pasta, em 2009.
Em resposta à primeira pergunta, a secretária fala das intervenções pedagógicas
adotadas, como a prova de nivelamento, as modalidades de reforço, a elaboração de um
currículo e a avaliação unificada da rede. Refletiremos acerca dessas questões e dos
105
objetos que se constroem discursivamente um pouco mais adiante, a partir das
sequências selecionadas. A princípio, deter-nos-emos na locução discursiva, o EU e o
TU, que estabelece a interação entre enunciador e coenunciador, tomando como ponto
de partida os elementos linguísticos sublinhados no texto.
Revista PontoCom: A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?
Cláudia Costin: Não isoladamente, visto que já contávamos com dados sobre o
desempenho das escolas. Mas ajudou muito. Em seguida, aplicamos uma prova de
nivelamento para ver, de fato, como estavam os nossos alunos. Afinal, de onde
partiríamos? Tínhamos poucos dados concretos sobre o ensino, sobre a aprendizagem
das crianças. Decidimos fazer duas grandes provas: uma para o 4º, 5º e 6º anos
para saber se havia analfabetos funcionais. E uma entre os estudantes do 2º ano
para saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e
Matemática. Descobrimos que havia na rede cerca de 28 mil analfabetos funcionais,
do 4º ao 6º ano. Isso significava que tínhamos 14% de analfabetos funcionais, do 4º
ao 6º ano. Era um dado que não era condizente com o Brasil, com a 6ª economia do
mundo. Não podíamos aceitar isso. Tínhamos uma taxa de reprovação em torno de
30%, do 6º ao 9º ano. Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de
reforço, além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos
professores. A rede contava com o Núcleo Curricular Base, a MultiEducação, que
trazia uma linguagem parecida com os Parâmetros Curriculares Nacionais, mas que
era bastante genérica e não definia com clareza quais deveriam ser as competências
dos professores em cada etapa de ensino. Para alguns professores, recém-saídos da
universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e tem
pouca vivencia prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma
orientação estruturada, era bem pequena. Decidimos montar um currículo muito
claro, organizado por bimestres, determinando precisamente o que cada criança
deveria aprender. Produzimos, então, o chamado material estruturado, feito pela
própria rede, que auxiliava o trabalho do professor com base no currículo. E por
fim resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que permitissem que
cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo positivamente ou
negativamente, e que a rede soubesse, inclusive, como cada escola estava
evoluindo comparativamente com as outras, com a média da rede. Desde então,
ao final do exame, cada diretor recebe um mapa onde é possível enxergar todos esses
dados por disciplina. A princípio pode parecer que estávamos tirando a autonomia do
professor. Não é o caso. Costumo me fazer valer de uma fala de Cláudio Moura
Castro. Ele afirma que a Educação é como se fosse uma orquestra. Nesta orquestra, é
fundamental que cada um tenha a sua partitura, caso contrário não promovemos o
sequenciamento da aprendizagem e a interdisciplinaridade. Isso não impede, de forma
alguma, que cada músico coloque toda a sua magia no desenvolvimento da música.
Nesta perspectiva que implantamos, um professor maravilhoso vai produzir uma aula
encantadora. Aquele não tanto maravilhoso vai, pelo menos, cumprir os conteúdos
necessários. (Grifos nossos)
Maingueneau (2002, p. 105) afirma que “o enunciado não se assenta no
absoluto; ele deve ser situado em relação a alguma coisa”, o ponto de referência é o
próprio ato enunciativo do qual é produto. No enunciado em análise, o embreante “nós”,
106
retomado por meio das formas verbais na primeira pessoal do plural, grifadas no texto,
remete-se ao enunciador-entrevistado, à secretária e também à SME/RJ, instituição que
representa. Fala em nome de uma coletividade institucional o que não inclui o
coenunciador seja o que está em presença, o coenunciador-entrevistador, ou em
ausência, o coenunciador-leitor. Não há referências explícitas ao coenunciador no
enunciado, discursivamente, estabelece-se um distanciamento entre enunciador-
entrevistado e coenunciador-leitor, apesar de uma pretensa proximidade por parte da
instituição SME/RJ com o público interessado em discutir questões referentes à
educação brasileira, principalmente, a educação carioca, intermediada por essa
entrevista.
Em relação à cronografia discursiva, as mesmas formas verbais, as sublinhadas
no enunciado, que permitem reconhecer o embreante de pessoa também funcionam
como o embreante temporal e fazem referência a um momento anterior à enunciação,
isto é, anterior a 2012, quando as ações e medidas elaboradas na e pela sua gestão foram
sendo colocadas em prática. Ainda que nas palavras do enunciador-entrevistado, o
cenário não fosse caótico, a educação carioca poderia ser aperfeiçoada. Para definir o
lugar que se constitui nessa enunciação, é necessário observar a entrevista como um
todo e não apenas parte dela, posto isso, a enunciação define como espaço o Rio de
Janeiro marcado pelas atuais transformações no sistema educacional. É a partir dessas
coordenadas que o enunciador-entrevistado situa seu enunciado.
Considerando as sequências destacadas no texto, observa-se uma determinada
postura do enunciador em relação ao seu dizer, fala sobre as intervenções político-
pedagógicas sem recorrer a valorações ou ponderações, dando destaque aos fatos
mencionados. A atitude que o enunciador expressa frente ao enunciado, como já
discutimos, refere-se à modalidade (MAINGUENEAU, 2002; CERVONI, 1989).
O enunciado possui marcas de modalidade, por sua vez, “essas marcas podem
restringir ao modo verbal (o indicativo, o subjuntivo especialmente)”
(MAINGUENEAU, 2002, p.107). No caso das referidas sequências, a marca linguística
são as formas verbais “aplicamos”, “decidimos”, “descobrimos”, “resolvemos”,
“promovemos” e “implantamos”, destacadas no excerto em análise, e exprimem uma
atitude de certeza do enunciador no tocante às proposições de seu enunciado. O fato de
um enunciado ser modalizado ressalta as conexões estabelecidas pelo enunciador,
demonstrando um maior ou menor engajamento ou distanciamento do que afirma.
107
Destaca-se, portanto, na entrevista como um todo a modalidade assertiva.
Cervoni (1989) advoga que essa modalidade juntamente com a interrogativa,
exclamativa e imperativa são as modalidades fundamentais da frase e aproxima-se das
modalidades aléticas que, concebidas pelos lógicos, se referem à verdade da matéria das
proposições. Na modalidade assertiva, o enunciador põe em relevo o conteúdo de seu
enunciado, evita emitir suas opiniões, sua subjetividade, o que provoca um efeito de
objetividade e de autoridade.
A entrevista de Cláudia Costin é toda apoiada em asserções o que, de acordo
com o apresentado, atribui-lhe um valor de verdade irrefutável associado também ao
saber do enunciador. Nas palavras de Foucault (2008, p. 204), “um saber é também, o
espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em
seu discurso”, com base nessa definição de saber, acreditamos que o enunciador-
entrevistado, apesar de gerir a pasta de educação, sustenta seu discurso sobre a educação
carioca, posicionado em outros campos do saber, em especial, no campo da gestão e no
campo da economia, como discutimos no subcapítulo 1.2. Ter participado de governos
com orientação neoliberal, situa a então secretária, enquanto instância enunciativa, em
comunidades discursivas que concebem um determinado modo de compreender e
constituir a educação.
Entretanto, o lugar institucional que o enunciador-entrevistado ocupa autoriza e
legitima esse seu saber sobre educação. E como poder e saber estão implicados
mutuamente, exercer poder cria objetos de saber. Essa relação saber-poder valida a
concepção de educação, que disciplina e padroniza os corpos e as práticas docentes, e
que, por sua vez, atravessa a política educacional da SME/RJ, como problematizamos
na análise da peça publicitária, na seção 4.3 e que vamos retomar na análise em curso.
Destacamos que, de acordo com Foucault (2009, p. 30), “não é atividade do sujeito do
conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao poder, mas o poder-saber, os
processos e as lutas que o atravessam e que o constituem”. Assim, o saber sobre
educação da então secretária vincula-se às práticas discursivas em que se inscreve.
Nas linhas a seguir, ater-nos-emos a refletir alguns pontos do conjunto das
políticas educacionais implantadas pela SME/RJ, priorizados pela secretária nesta
entrevista e que, de certa forma, contribuem para o entendimento da alteração na
perspectiva plurilíngue para monolíngue no ensino das Línguas Estrangeiras. Os
fragmentos reproduzidos a seguir são os mesmos que foram grifados no quadro anterior
e compõem a resposta concernente à pergunta “A avaliação das estatísticas e das
108
diretoras foi o ponto de partida?”. Para facilitar a retomada desses enunciados na
discussão empreendida, vamos nomeá-los de “Fragmento” seguido de uma numeração
que, por sua vez, faz referência à ordem de aparecimento no texto.
Fragmento 01: “Em seguida, aplicamos uma prova de nivelamento para ver, de fato,
como estavam os nossos alunos”.
Fragmento 02: “Decidimos fazer duas grandes provas: uma para o 4º, 5º e 6º anos
para saber se havia analfabetos funcionais e uma entre os estudantes do 2º ano para
saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e Matemática”.
O enunciador–entrevistado destaca que para compor o diagnóstico sobre a rede
recorreu a dados estatísticos e aplicou uma prova de nivelamento em Língua Portuguesa
e Matemática para obter dados concretos sobre a aprendizagem dos alunos e, assim,
comprovar a existência ou não de analfabetos funcionais, dado apresentado, pelas
diretoras de escola, como incontestável.
Conforme já problematizamos, o enunciador sustenta seu dizer com base em
asserções que são assumidas como verdades absolutas, dispensando assim explicações e
discussões mais consistentes sobre os temas abordados. O que leva a um não
esclarecimento do que se entende por prova de nivelamento (fragmento 01) e por
analfabetismo funcional (fragmento 02), da mesma forma não se explicam os critérios
que balizaram a elaboração da prova e os motivos que justificaram a aplicação dessa
prova para alunos do 2º ano e do 4º ao 6º anos. O enunciador parte de uma compreensão
de que todos que teriam acesso à entrevista compartilham da mesma concepção que se
atribui à prova de nivelamento e ao analfabetismo funcional. Há, portanto, um
silenciamento na disputa pelos sentidos e impõe-se aos coenunciadores o sentido
instituído como verdade pelo enunciador-entrevistado.
No que concerne ao entendimento de prova de nivelamento e suas implicações,
são necessárias algumas considerações sobre a avaliação, uma das dimensões do
processo de ensino aprendizagem. Luckesi (2011), uma das referências em avaliação da
aprendizagem, defende que a avaliação é um meio e não um fim em si mesma,
delimitada por uma teoria e por uma prática que a sustentam. Dito de outra forma, a
avaliação está vinculada a uma concepção de educação, de escola e de formação cidadã.
Com base nessa perspectiva, a avaliação é um meio para se alcançar um determinado
objetivo que, de modo geral, consiste em compreender e promover o desenvolvimento
pleno de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos submetido a um processo de
aprendizagem.
109
A avaliação excede, pois, as práticas quantificadoras, nas palavras de Datrino et
al (2010, p. 37), é “ressarcida de valores construídos pelos homens, buscando um
projeto maior de sociedade que atenda os interesses de toda população”, logo, as
práticas avaliativas precisam estar condizentes com os pressupostos de uma educação
emancipatória, crítica e reflexiva.
À luz dos preceitos de Luckesi (2000), a avaliação não implica aprovar ou
reprovar o educando, ao contrário, implica observar seu processo de aprendizagem,
identificar os motivos de suas dificuldades e propor outras estratégias, intervenções
pedagógicas, visando às especificidades e à melhoria de sua aprendizagem e de seu
desenvolvimento. É uma avaliação contínua e formativa centrada no acompanhamento
do processo e não no resultado. Ademais de focar nas capacidades dos alunos,
respeitando as individualidades e demandas, e não apenas nos “conteúdos” trabalhados.
Desse modo, a prova de nivelamento, apesar de o enunciador-entrevistado
apontar como justificativa a observação da defasagem em Língua Portuguesa e em
Matemática, não se aproxima dos preceitos de uma avaliação formativa, tendo em vista
que não consiste em investigar as causas da alegada defasagem, nem o processo de
aprendizagem, de outro modo, está centrada no resultado e há um interesse em constatar
dados, levando em consideração o desempenho cognitivo do aluno em um momento
estanque do processo.
Essa forma de avaliar mediada pela prova de nivelamento sugere que todos os
educandos precisam aprender os mesmos “conteúdos” da mesma forma e ao mesmo
tempo, desconsiderando assim as especificidades e as necessidades educacionais dos
estudantes e o contexto social no qual as escolas estão inseridas. Uma avaliação da
aprendizagem que pretende equalizar, homogeneizar, como essa prova de nivelamento,
mostra-se consoante com uma concepção de ensino uniformizadora, fundamentada na
estrita transmissão de “conhecimentos”, não havendo uma preocupação com ideais
emancipatórios. Esse ensino, por sua vez, compromete-se com a formação de cidadãos
“obedientes” e “moldados” para manter o status quo e não para questioná-lo e
transgredi-lo.
A partir da prova de nivelamento, o enunciador-entrevistado afirma, com base
nos dados quantitativos e estatísticos gerados, haver um percentual de 14% de
analfabetos funcionais do 4º ao 6º anos. Esse dado numérico gera um efeito de
objetividade a mais e funciona como uma estratégia de convencimento dos
coenunciadores para compartilharem e concordarem com a política educacional
110
implantada na educação carioca. Entretanto, o que parece estar isento de valorações
subjetivas, fundamenta-se no modo, como uma comunidade discursiva e inscrita em
formações discursivas bem específicas, compreende e concebe a educação e o ensino.
Nos fragmentos seguintes, o enunciador elenca as estratégias propostas para
intervir no cenário educacional encontrado. Estão balizadas por uma visão de educação
e de ensino que padroniza e uniformiza as práticas docentes e a formação dos discentes,
consentâneo com uma perspectiva de educação neoliberal.
Fragmento 03: Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de reforço,
além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos professores.
Fragmento 04: Decidimos montar um currículo muito claro, organizado por
bimestres, determinando precisamente o que cada criança deveria aprender.
Como se vê o resultado da prova de nivelamento suscitou uma série de ações
(fragmento 03) para reverter a “realidade constatada” que, nas palavras da ex-secretária,
“era um dado não condizente com o Brasil, com a 6ª economia do mundo”. Não
podemos deixar de salientar que se estabelece uma relação entre a educação e a
economia, não se fala da educação como ferramenta para a transformação social, para a
formação de sujeitos comprometidos com o social, para a prática da liberdade e para o
exercício da cidadania. Fala-se da educação como possibilidade de crescimento
econômico para o país, consoante com o que apregoa os organismos internacionais,
como, por exemplo, o Banco Mundial, “quando as crianças aprendem, a vida melhora e
os países prosperam” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 09).
Dentre as ingerências, a maior parte delas está relacionada diretamente às
práticas docentes, como a elaboração de um currículo claro e de um material
estruturado, e o oferecimento de estratégias e instrumentos para que o professor
“aplique” em sua sala de aula. As práticas docentes estão no centro das intervenções e à
medida que o enunciador-entrevistado disserta sobre elas vai se constituindo uma
determinada imagem do professor que atua nas escolas municipais cariocas. Essa
imagem dialoga com o que discutimos sobre a domesticação do fazer pedagógico,
quando analisamos a peça publicitária. Todas estas instâncias se correlacionem –
currículo, professor, educação, ensino -, não sendo possível falar de um sem remissão
ao outro, contudo, dedicar-nos-emos a refletir sobre a concepção de currículo que
atravessa o discurso da ex-secretária sobre a educação carioca.
111
No fragmento 04, observa-se a necessidade do enunciador enfatizar que o
currículo que propôs definia com bastante clareza os “conteúdos” a serem ensinados e
os prazos a serem cumpridos pelo professor, diferentemente, do que propunha o
documento existente na rede, o Núcleo Curricular Base. A partir do que o enunciador
diz, nota-se que o currículo é compreendido como um documento, marcado por uma
pretensa cientificidade e neutralidade, onde o que é relevante é a especificação dos
conteúdos, dos objetivos, dos procedimentos e dos métodos para que se alcancem os
resultados que, por sua vez, podem ser verificados por intermédio de registros
quantificadores (SILVA, 2010).
Essa visão de currículo distancia-se das teorias críticas e pós-críticas de
currículo, Campos e Silva (2009) respaldando-se em Moreira e Silva (1995), afirmam
que o currículo é um artefato social e cultural, não é:
um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social, ao contrário, o currículo está implicado em relações de
poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o
currículo produz identidades, estabelece culturas individuais e coletivas
(CAMPOS; SILVA, 2009, p.36).
Nesse entendimento, o currículo não se reduz a uma estrutura organizacional
que concentra informações referentes aos conteúdos e às estratégias de ensino, antes é
um espaço de lutas e confrontos discursivos, de contestações e de transgressões,
inserido em um contexto histórico-social específico e que envolve diversos agentes
sociais, entre eles, o sistema de ensino, os professores e a comunidade escolar como um
todo.
Como já visto, a concepção de currículo defendida pelo enunciador aproxima-se
das teorias de currículo tradicionais que pretendem ser mais neutras e científicas,
deslocando-se assim de embates ideológicos, embora também estejam atravessadas por
relação de poder, nas palavras de Silva (2010, p. 16), “privilegiar um tipo de
conhecimento é uma operação de poder”. Essa compreensão de currículo explica a
proposta de implantação de um currículo único a toda rede, o que, de certa forma,
aponta um silenciamento e invisibilização das especificidades e das subjetividades de
cada escola, ademais de imprimir a professores e a alunos formas de controle; àqueles
controla-se a atividade de trabalho e a estes, o que devem ou não aprender,
independente, da historicidade em que estão inscritos.
Essa “imposição” se faz possível, uma vez que o enunciador-entrevistado
desconsidera que o currículo é, sobretudo, uma construção coletiva e situada a partir de
112
coordenadas socioespaciais, e que cabe à comunidade escolar ressignificar o currículo
proposto pela SME/RJ, a fim de atender as demandas e as necessidades dos alunos e da
própria escola. Não questionamos a legitimidade do referido sistema de ensino para
elaborar sua proposta curricular, inclusive, entendemos que é uma de suas
incumbências, o que buscamos problematizar é o fato de se objetivar que um currículo
único seja “aplicado” a todas as escolas da rede e da mesma forma. Para garantir a
observância do proposto no currículo, o enunciador-entrevistado submete a rede a um
olhar disciplinar, como podemos ver nos fragmentos 05 e 06.
Fragmento 05: Produzimos, então, o chamado material estruturado, feito pela própria
rede, que auxiliava o trabalho do professor com base no currículo.
Fragmento 06: E, por fim, resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que
permitissem que cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo
positivamente ou negativamente, e que a rede soubesse, inclusive, como cada escola
estava evoluindo comparativamente com as outras, com a média da rede.
Para Foucault (2009), a vigilância hierárquica, juntamente com a sanção
normalizadora e o exame, visa, ademais de buscar produzir saber a respeito dos
vigiados, exercer sobre eles um poder disciplinar, o que promove o adestramento de
seus comportamentos e o condicionamento de suas práticas.
Objetivando o “cumprimento do currículo único”, independente da realidade
escolar, o enunciador-entrevistado desenvolve o que estamos chamamos de técnicas de
vigilância, isto é, a elaboração do material estruturado, os chamados cadernos
pedagógicos, e a implantação de um sistema de avaliação bimestral unificado, no qual
todos os alunos da rede faziam as mesmas provas de Ciências, Língua Portuguesa e
Matemática48
. É preciso destacar que embora os cadernos pedagógicos não fossem de
uso obrigatório (CAMPOS et al, 2015), o desempenho da escola assim como dos alunos
baseavam-se no conteúdo apresentado nesse material que, por sua vez, estava ajustado
ao proposto no currículo único. O que impulsionava o professor e a escola a optarem
pelo uso dos cadernos pedagógicos, cumprindo assim o currículo único. São exercidas
formas de controle e homogeneização das práticas docentes.
A vigilância hierárquica, ao mesmo tempo, que disciplina, produz saber a
respeito do objeto vigiado. Em relação às provas bimestrais, o objeto em questão é a
48
Foram contemplados esses componentes curriculares, pois, de acordo com justificativa apresentada por
Cláudia Costin essas são as disciplinas que compõem a avaliação do Programme for International
Student Assessment (PISA) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes -, desenvolvido e
coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
113
escola como um todo, incluindo, alunos, professores e gestores das escolas municipais
que são submetidos ao sistema de avaliação unificado (fragmento 06).
O saber que se constitui sobre o objeto vigiado se refere ao desempenho na
avaliação proposta que, por sua vez, é aferido a partir de referenciais numéricos, haja
vista que o enunciador faz alusão a termos como “média da rede” e
“comparativamente”, o que nos remete, mais uma vez, a uma concepção de avaliação
classificatória, cujo interesse recai sob os resultados e não sob o processo de
aprendizagem. Corrobora-se, então, o que já havíamos discutido anteriormente que a
concepção de avaliação que classifica, seleciona, premia é a que atravessa o discurso
sobre educação da ex-secretária e, por conseguinte, as intervenções pedagógicas
propostas.
Nas linhas anteriores, sublinhamos que o professor ocupa o centro das políticas
elaboradas pela SME/RJ para influir na educação carioca. Assim, nas palavras do
enunciador, ofereceram-se ao professor estratégias, instrumentos, currículo e material
pedagógico. O professor é a não-pessoa e, no ato da enunciação, encontra-se em uma
esfera bem diferente da que é ocupada pelos coenunciadores, o EU e o TU, portanto, o
professor é falado (MAINGUENEAU, 2002). Importa-nos também discutir como o
professor é falado, isto é, a imagem que o enunciador constrói sobre ele.
Ao longo do enunciado, discursivamente, vai se constituindo uma imagem de
professor dependente de ingerências externas para gerir o processo de ensino-
aprendizagem de seus alunos e suas atividades docentes, como se o professor não fosse
capaz de refletir sua prática e a partir daí tomar decisões de cunho metodológico ou
teórico. Sendo necessária, do ponto de vista do enunciador, a condução das práticas
desse professor.
Dessa forma, o professor é colocado em um lugar de passividade, ou seja, não o
incluindo, primeiro, como agente produtor de saberes sobre sua própria atividade de
trabalho e, em segundo lugar, como agente produtor das políticas educacionais. No
subcapítulo 1.2, discutimos que a produção das políticas públicas não é uma ação
exclusiva do Poder Público e que a escola, isto é, professores e comunidade escolar, não
é uma instância meramente executora, mas a quem compete também debatê-las e
ressignificá-las.
Zeichner (2003) advoga ser recorrente o não reconhecimento, por parte do que
nomeia como planejadores educacionais, que os professores são agentes importantes na
produção das políticas educacionais. Há uma tendência, em tempos de avanço do
114
discurso neoliberal na educação, de investir “em professores-funcionários irreflexivos e
obedientes, que implementem fielmente o currículo prescrito pelo Estado, empregando
os métodos de ensino prescritos” (ZEICHNER, 2003, p. 37). Essa reflexão possibilita-
nos compreender a “instrumentalização” do professor promovida por essa política
educacional da SME/RJ.
Ademais disso, observa-se que atravessa essa “instrumentalização” discursos
naturalizados que atribuem ao professor uma formação inicial deficitária que não os
prepare para prática da sala de aula, sendo necessária, portanto, a condução das
atividades de trabalho desse profissional. Como estratégia de convencimento do
coenunciador sobre a necessidade de oferecer “suporte ao professor”, o enunciador-
entrevistado inclui em seu dizer a voz do outro a fim de corroborar que as medidas
adotadas são fundamentadas em argumentos de autoridade. Recorre ao discurso relatado
definido por Maingueneau (2002, p. 139) como “uma enunciação sobre outra
enunciação, põem-se em relação dois acontecimentos enunciativos, sendo a enunciação
citada objeto da enunciação citante”. O enunciador opera especificamente com a
modalização em discurso segundo, quando se manifesta explicitamente na materialidade
linguística que não é o responsável pelo enunciado. Entretanto, utiliza-se a enunciação
citada para corroborar o que se defende na enunciação citante.
Ainda na primeira resposta, em análise, de Cláudia Costin à Revista PontoCom,
nota-se a presença do discurso relatado em “para alguns professores, recém saídos da
universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e tem
pouca vivência prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma
orientação estruturada, era bem pequena”, quando o enunciador-entrevistado incorpora
em seu enunciado o que postula Bernadeth Gatti, professora aposentada da
Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora na Fundação Carlos Chagas, sobre a
formação de professores nas universidades brasileiras que investe pouco nas atividades
de prática de ensino.
Ao trazer para seu enunciado esse argumento de autoridade, o enunciador-
entrevistado mostra-se filiado a discursos que atestam a ineficiência dos cursos de
pedagogia e das licenciaturas, responsáveis pela formação dos professores.
Fundamentado nesse discurso, o enunciador encontra respaldos que justificam essa
“instrumentalização” dos professores das escolas municipais cariocas, reforçando assim
a imagem que se constitui desse profissional, que carece de orientações para
desenvolver um trabalho sólido e coerente.
115
Frigotto (2011, p. 247) assevera que a primeira década do século XXI fora
marcada “pelas concepções e práticas educacionais mercantis típicas da década de 1990,
seja no controle do conteúdo do conhecimento seja nos métodos de sua produção ou na
socialização, autonomia e organização docente”. Com base no que discutimos até aqui,
podemos afirmar que essa concepção mercantil de educação atravessou a política
educacional implantada na SME/RJ, durante os anos de 2009 a 2016.
De acordo com o pesquisador, três mecanismos articulados estão em ampla
expansão nas secretarias estaduais e municipais de educação. Dentre eles, há um
mecanismo que se remete à formação docente realizada, principalmente, nas
universidades públicas. Na esfera midiática, circulam discursos que atacam a formação
de professores tanto nos cursos de pedagogia quanto nas licenciaturas alegando que
muito se investe em teorizações e análises econômicas e pouco se dedica a ensinar ao
professor as técnicas do “bem ensinar” (FRIGOTTO, 2011).
É preciso fazer com que esses discursos circulem e sejam aceitos como
verdadeiros, para que se corroborem as formas de controle que se exercem sobre a
atividade docente, concordantes com a perspectiva neoliberal que tem atravessado as
práticas educacionais. Essa concepção de formação docente confere aos “aspectos
técnicos” uma centralidade na atividade de trabalho dos professores, quando na
realidade a atividade pedagógica vai além, estabelecendo diálogos com os saberes
teóricos e metodológicos e com saberes oriundos da esfera política, social e econômica
em que se inscreve. Propor tais relações é relevante, pois, proporciona aos professores
refletir sobre sua prática, sobre o processo de ensino-aprendizagem de seus alunos e
fundamentar suas decisões em aspectos teórico-metodológicos apropriados a sua
realidade.
Entretanto, parece que ao sistema e a uma parcela comprometida com os ideais
neoliberais, não interessa um professor reflexivo, criativo, crítico e que exerça sua
autonomia pedagógica, ao contrário, interessa um professor passivo que se conforme
com a padronização estipulada pelos sistemas de ensino, referimo-nos aqui à SME/RJ,
em nome de uma pretensa melhoria na qualidade de ensino oferecida.
No decorrer da análise, observamos que o enunciador-entrevistado assim como a
instituição que representa, a SME/RJ, está vinculado a práticas discursivas neoliberais
que justificam a concepção de educação que homogeniza e padroniza as práticas
docentes e a formação do aluno, impondo a toda rede municipal um currículo único e
aplicação de avaliações unificadas. A avaliação que se pratica tem um caráter
116
classificatório e não diagnóstico, dessa forma, destaca-se o interesse pelos resultados e
não pelo processo de aprendizagem dos estudantes. E, por fim, constrói-se a imagem de
um professor dependente de orientações para o desenvolvimento das atividades em sua
sala de aula.
À continuação, dedicamo-nos a analisar a última resposta da ex-secretária que
selecionamos para compor nosso corpus.
Revista PontoCom: Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização,
não foi?
Cláudia Costin: Sim. Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de
História, Geografia e Ciências. Qual era a intenção? Focar na alfabetização bem
feita. Não inventamos isso. Cingapura fez a mesma coisa. Depois que o aluno está
alfabetizado, fica mais fácil entrar com as outras disciplinas. Mas ao mesmo tempo
em que tiramos estes conteúdos, resolvemos introduzir as áreas de arte e inglês.
Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura Inglesa para
nos orientar uma metodologia que investe muito na oralidade. Para tanto,
passamos a exigir no concurso público para professores de idiomas uma prova
oral. Já a arte tem um papel importantíssimo na formação dos estudantes, para a
ampliação de repertório do aluno. O ensino de artes só acontecia do 6º ao 9º ano. Na
2ª Coordenadoria Regional de Educação resolvemos ir além. De forma experimental,
o ensino de arte, com o professor especialista, já faz parte do dia a dia da educação
infantil.
Nesse enunciado, como vimos no primeiro bloco, mantém-se a presença das
asserções, vide as sequências em destaque, introduzidas pelas formas verbais – tiramos,
inventamos, resolvemos, passamos -, que lhe confere um efeito de objetividade e de
autoridade, apresentando-se como o discurso da ciência, da verdade.
Da mesma forma, como procedemos no primeiro bloco de análises, exibiremos
em separado, os excertos a serem comentados.
Fragmento 07: Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de História,
Geografia e Ciências.
Fragmento 08: Não inventamos isso. Cingapura fez a mesma coisa.
Ao responder sobre as mudanças no ciclo da alfabetização, o enunciador
comenta sobre a retirada de História, Geografia e Ciências da matriz curricular
(fragmento 07), contudo, não apresenta os argumentos teórico-metodológicos que
justifiquem essa alteração na estrutura organizacional desse ciclo, apenas defende que é
uma forma de fazer “uma alfabetização bem feita”, assim como acontece em Cingapura
(fragmento 08).
117
O ensino desses componentes curriculares está previsto na Resolução nº 7, 14 de
dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental, de agora em diante DCNEF. No artigo 30, inciso II dessa
resolução, afirma-se que os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar:
o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o
aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais Artes, a
Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, da Ciência, da
História e da Geografia (BRASIL, 2010, art.30).
Bem anterior às DCNEF, nos PCN (1997), já constava a relevância dessas
disciplinas no primeiro segmento, que atualmente engloba também o ciclo da
alfabetização. De acordo com o documento, o ensino da História poderia contribuir para
a constituição da noção de identidade, na relação que se estabelece entre as identidades
individuais, sociais e coletivas. A Geografia possibilitaria ao aluno compreender o lugar
que o homem ocupa na relação da sociedade com a natureza e que suas ações
individuais e coletivas trazem consequências para toda a coletividade. Moreira et al
(2014) asseveram que um ensino crítico e reflexivo desses componentes contribui para a
autonomia crítica do educando.
Em referência ao ensino de Ciências, os PCN afirmam que esse conhecimento
proporcionaria ao educando entender o mundo, suas transformações e que o homem é
parte integrante desse universo. Ademais de promover a compreensão acerca dos
fenômenos da natureza e dos modos de intervenção e utilização de seus recursos. Em
toda a extensão dos parâmetros, observa-se que atravessa esse enunciado uma
compreensão de que o ensino dessas disciplinas, cada uma dentro de suas
especificidades e de seu referencial teórico-metodológico, tem muito a colaborar com a
formação emancipadora e consciente desses educandos.
Apesar disso, na visão de alfabetização concebida pelo enunciador-entrevistado,
esses componentes não são relevantes nessa fase da escolarização. Para convencer o
coenunciador de que essa decisão não é infundada, embora tenhamos reparado a
ausência de uma argumentação teórica, o enunciador faz referência ao modelo de
alfabetização de Cingapura, que, como veremos nas próximas linhas, funciona como um
argumento de autoridade.
Para Charaudeau e Maingueneau (2016), da perspectiva argumentativa, a
autoridade consiste na aceitação de um ponto de vista ou de uma informação, pautada
não na conformidade do enunciado, mas levando em consideração a fonte e o canal
pelos quais a informação foi recebida. Está inscrita em uma legitimidade que “faz-se
118
acreditar”. O argumento de autoridade “corresponde à substituição por uma prova
periférica da prova ou do exame diretos” (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016,
p. 86-87), isto é, não se submete a contestações, determina a obediência em função de
sua origem.
Segundo os pesquisadores, considerando o modo como a fonte da mensagem é
explicitada, distingue-se a autoridade mostrada e a autoridade citada. No enunciado em
análise, faz-se presente a autoridade citada, por esse motivo, não faremos referências à
autoridade mostrada. A autoridade citada, por ser considerada uma fonte legitimadora,
ratifica um dizer ou uma maneira de fazer proferido por um L1 em presença de um L2.
Dessa forma, o locutor se contenta com uma simples menção que conota um discurso
dominante, prestigioso ou especializado (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016).
Para compreender a alusão a Cingapura como um argumento de autoridade, é
preciso pontuar que esse país, juntamente com Taiwan, Coreia do Sul e Hong Kong,
compõe figurativamente os “Tigres Asiáticos”. Esses países, ao longo do século XX,
experimentaram um processo de industrialização acelerado baseado no progresso
tecnológico, o que fez com que passassem de “economias agrárias e com baixo padrão
de desenvolvimento tecnológico em referência de crescimento e prosperidade em
aproximadamente em três décadas” (SILVA, 2014, p. 48).
Barbosa e Filho (2014) acrescentam que esse avanço econômico e tecnológico é
resultado da acumulação de capital físico e de capital humano. Dito de outra forma, no
discurso econômico capitalista, o crescimento econômico fundamenta-se no aumento da
produtividade do capital humano49
– da população - e do nível de produtividade do
capital físico (VIANA, LIMA, 2010). Entende-se por capital físico a infraestrutura de
um país - sistemas de transporte, de comunicação e de energia - as instalações
industriais, o capital financeiro e comercial. E por capital humano o nível de educação e
conhecimento da população. Nas palavras dos pesquisadores, a acumulação de capital
humano “supõe a existência de um sistema educacional que além de universal seja
capaz de reter os alunos na escola e preparar os mesmos para o mercado de trabalho”
(BARBOSA, FILHO, 2014, p. 34). Assim sendo, observa-se que o discurso econômico
capitalista apregoa uma relação de dependência entre educação e crescimento
econômico, na qual os investimentos em educação não objetivam, exclusivamente, o
desenvolvimento e formação dos educandos enquanto sujeitos sociais, mas a sua
49 Indicamos a leitura do artigo: VIANA, G.; LIMA, J. Capital humano e crescimento econômico.
Interações, v. 11, n. 2, p. 137-148, jul./dez. 2010.
119
formação e sua qualificação para o trabalho, com vistas ao desenvolvimento econômico
do país.
Essa alusão a Cingapura não é aleatória nem neutra, ao contrário, está
atravessada por um discurso econômico que, como discutimos, vincula a prosperidade
econômica desse país e dos demais “Tigres Asiáticos” à melhoria no nível de educação
ou de habilidades dos trabalhadores, visando elevar seu nível de produtividade. Desse
modo, discursivamente, Cingapura constitui-se como um referencial positivo em
questões relacionadas à educação e à economia, é, pois, um modelo a ser seguido.
A referência ao modelo de alfabetização de Cingapura funciona como um
argumento de autoridade, uma vez que se alinha a formação discursiva em que se
inscreve o enunciador-entrevistado e que concebe a educação não mais como um direito
social e subjetivo, afastando-se do campo social e político para ingressar-se no mercado
e atender às suas necessidades. Por conta disso, o enunciador busca experiência de
práticas e atividades educativas que se sustentem nesse modo de compreender a
educação.
Ao mesmo tempo em que se retiram os componentes curriculares de História,
Geografia e Ciências da matriz curricular do ciclo da alfabetização, o enunciador fala
sobre a inclusão de outras disciplinas, como Arte e Língua Inglesa, conforme se
apresenta nos excertos seguintes.
Fragmento 09: Mas ao mesmo tempo em que tiramos estes conteúdos, resolvemos
introduzir as áreas de arte e inglês.
Fragmento 10: Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura
Inglesa para nos orientar uma metodologia que investe muito na oralidade.
O enunciador-entrevistado encena uma argumentação ao afirmar que a Arte
possibilitaria a ampliação do repertório do aluno apesar de não esclarecer o que se
entende por repertório ou a qual repertório se refere, nem as manifestações artísticas que
seriam abordadas em sala de aula e a forma de intervenção pedagógica. Apresenta-se
como uma justificativa imprecisa, vaga e pouco consistente. Em contrapartida, no que
concerne à Língua Inglesa, não há vestígios de uma fundamentação teórico-
metodológica que explique a relevância da aprendizagem de uma Língua Estrangeira na
alfabetização e, muito menos, o porquê desta ser a Língua Inglesa.
Ainda que já tenhamos dito, é preciso retomar que o modo como o enunciador-
entrevistado constrói seu dizer, isto é, apoiado na modalidade assertiva, concede ao
enunciado um efeito de cientificidade que sugere um silenciamento na disputa pelos
120
sentidos de alfabetização e impõe aos coenunciadores a concepção de alfabetização
defendida pelo enunciador, um modelo de alfabetização que retira História, Geografia e
Ciências e insere Arte e Língua Inglesa na matriz curricular (fragmento 09).
Essa não argumentação em prol da Língua Inglesa permite-nos problematizar
que esse enunciado está atravessado por discursos que circulam de forma naturalizada e
atribuem ao inglês o status de língua global, por ser considerado o “idioma apropriado”
para promover a interação e a comunicação com todas as partes do mundo e por atender
aos imperativos da globalização que, por sua vez, é sustentado pelo discurso econômico
neoliberal (SANTOS, 2002). Por conseguinte, a Língua Inglesa é constituída
discursivamente como o idioma relevante para uma sociedade que se organiza segundo
essa racionalidade neoliberal.
Durante o processo analítico desse corpus, temos observado que o
posicionamento discursivo do enunciador-entrevistado e a política educacional da
SME/RJ estão alinhados a um discurso neoliberal para a educação, sendo este um
desdobramento do discurso econômico neoliberal. Logo, a inclusão da Língua Inglesa
na alfabetização torna-se uma verdade indiscutível e silencia qualquer possibilidade de
se questionar o oferecimento de outras Línguas Estrangeiras, como o espanhol ou o
francês, idiomas também presentes na Rede Municipal de Ensino. Portanto, o não falar
da Língua Espanhola e da Língua Francesa aponta para um (não) lugar dessas
disciplinas nas escolas municipais, visto que esses idiomas não são vistos
discursivamente como a língua da globalização, das informações e das “oportunidades”.
Para o enunciador, mais importante que justificar a relevância da Língua Inglesa
na alfabetização ou em outro ano de escolaridade, é salientar a parceria público-privada
com a Cultura Inglesa50
, empresa que ficou responsável pelo ensino do inglês, voltado
para o desenvolvimento da oralidade, haja vista o que fora apresentado no subcapítulo
4.2. De modo igual à referência a Cingapura, a menção à Cultura Inglesa funciona como
um argumento de autoridade (fragmento 10).
À medida que se reforçam discursos do senso comum que dizem que na escola
não se aprende Língua Estrangeira, evocam discursos de “promessa” de que, com essa
parceria, os alunos das escolas municipais cariocas iriam efetivamente “aprender a
50 É preciso enfatizar que a SME/RJ repassou valores altíssimos à Cultura Inglesa e proibiu os professores
de Língua Inglesa de usarem os livros gratuitamente enviados pelo MEC. No artigo “Dialogue entre les
études du langage et les présupposés de la démarche ergologique: le travail de sélection d’enseignants
pour e’en-seignement public brésilien”, publicado em Revue Phronesis (no prelo, v. 8, n. 4, 2019/2),
Daher apresenta esses valores e discute sobre o processo de seleção de professores no sistema de ensino
brasileiro.
121
falar” a Língua Inglesa, uma vez que há crenças que defendem que só se aprende
Línguas Estrangeiras em escolas de idiomas. Portanto, faz-se necessário ressaltar uma
vez mais que os objetivos pedagógicos e linguísticos de um curso de idiomas e de uma
escola regular em relação ao ensino de uma Língua Estrangeira são completamente
distintos. Há outros aspectos a serem considerados também, amplamente discutidos e
documentados, como a quantidade de alunos por turma e a carga horária semanal
dedicada à aprendizagem das Línguas Estrangeiras na escola.
A referência à Cultura Inglesa, como fonte legitimadora, para promover um
ensino com foco na oralidade, remete-se a instituição da Língua Inglesa como a língua
da comunicação e, muitas vezes, os sentidos que se atribuem à comunicação restringem-
se a habilidade oral, o que faz com que seja a habilidade mais privilegiada socialmente,
pelo menos o é para o enunciador-entrevistado e para a instituição que representa.
Ademais, nas palavras de Oliveira (2017, p. 34), aludir a Cultura Inglesa como a
responsável pelo ensino de inglês nas escolas municipais cariocas, para alguns
coenunciadores, “constitui-se discursivamente como possibilidade de “inclusão” dos
que não tem poder aquisitivo de frequentar o curso, de vir a fazê-lo, levando a crer que
se equalizam oportunidades”.
Entendemos também que a menção a essa autoridade citada para o enunciador e
a comunidade discursiva em se inscrevem reforça sua identidade enunciativa, isto é, sua
filiação ao discurso neoliberal na educação, considerando que, segundo Frigotto (2011),
o estabelecimento de parcerias entre o público e o privado é um dos mecanismos das
práticas educacionais mercantis. Intervenções estas que são incentivadas, por exemplo,
pelo Banco Mundial (2011, p. 02), organização que tem interesse em reforçar vínculos
entre a economia e a educação, “governos, organizações da sociedade civil (CSO),
comunidades e empresas privadas têm contribuído para este progresso, construindo
mais escolas e salas de aula e recrutando professores a níveis sem precedentes”.
Proliferam-se os discursos sobre a ineficiência da esfera pública para justificar a entrada
das empresas privadas “mediante disfarce, quando o privado permanece encoberto pelo
eufemismo que engloba organizações sociais ou o chamado terceiro setor”
(FRIGOTTO, 2011, p. 248). E assim, o público delega ao privado responsabilidades que
compõem seu quadro de atribuições.
Embora a entrevista não tenha sido analisada na íntegra, as respostas
selecionadas nos possibilitam compreender o funcionamento linguístico-discursivo
desse enunciado. No que tange à interação enunciador-coenunciador, observamos um
122
efeito de distanciamento, apesar da pretendida proximidade com o público-leitor,
mediada pela entrevista, para discussões e reflexões sobre as questões relativas à
educação carioca, quando o enunciador não faz referências explícitas ao coenunciador.
Discursivamente, esse efeito de distanciamento e o efeito de cientificidade,
produzido pela presença das asserções, confere ao enunciador-entrevistado, autoridade e
legitimidade para falar das intervenções político-pedagógicas e apresentá-las como
verdades irrefutáveis e positivas. Ademais de institui-lo como um enunciador que
pressupõe o acordo de todos em relação aos temas abordados, uma vez que recorre a
uma estratégia de ocultar qualquer possibilidade de questionamento, fortalecendo assim
seu posicionamento discursivo, situado nas práticas discursivas neoliberais. Desse
modo, cabe ao coenunciador, ou seja, ao público-leitor da Revista PontoCom
“concordar” com o discurso sobre educação da ex-secretária sem questionar e aventar
outras alternativas para a educação carioca.
4.6 As Considerações de análise
Retomamos as análises empreendidas, colocando-as em relação e observando
como as reflexões produzidas respondem ao nosso questionamento de pesquisa.
Partimos de um entendimento de que a promulgação desse Decreto Municipal nº
31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009) é um acontecimento discursivo e como tal
implica uma ruptura e/ou regularidade histórica. Apreender a emergência de um
acontecimento discursivo exige estabelecer relações entre processos históricos e
discursivos (FOUCAULT, 2008).
Com vistas a dar visibilidades a essas relações, recorremos ao conceito de
rizoma de Deleuze e Guattari (1995) para a construção de nosso objeto de pesquisa. Na
perspectiva rizomática, nega-se a existência de um ponto de origem fixado em
estruturas hierarquizadas, em contrapartida, defende-se que as relações são lineares e
estão em múltiplas dimensões nas quais todos os pontos podem conectar-se. O conceito
de rizoma é bastante produtivo no campo dos estudos da linguagem, e, referimo-nos
aqui, especificamente, às correntes teóricas que se debruçam sob o discurso.
Tendo em vista que a concepção de discurso também mobiliza essa ideia de
descentramento, haja vista as definições propostas por Foucault e Maingueneau. De
acordo com o filósofo francês (2008), os enunciados estão em dispersão e recuperar as
regularidades que os formam possibilita ao analista compreender os discursos em
123
circulação. Segundo Maingueneau (2008a), o discurso é uma dispersão de textos e seu
modo de inscrição na história define um espaço de regularidades enunciativas.
Apesar de o rizoma ter múltiplas entradas e qualquer uma delas ser válida,
optamos por seguir uma ordem de entrada que nos pareceu mais apropriada para o
encaminhamento do processo analítico, desvinculada, portanto, de qualquer princípio de
hierarquização. Entretanto, neste subcapítulo, seguimos uma ordem diferente da
estabelecida no decorrer do processo analítico, para organizarmos melhor, na escrita,
nossas articulações.
Na Carta do Prefeito do PERJ 2009 e do PERJ 2013, por intermédio dos ethos
constituídos - de um cidadão carioca comum e de gestor da cidade - discursivamente, é
construída uma necessidade de transformar o Rio de Janeiro, sobretudo, em nome da
agenda dos eventos esportivos, ademais de imagens positivas das práticas de governo
elaboradas e implantadas, ao longo das gestões de Eduardo Paes, justificando assim,
num movimento de convencimento do coenunciador, as intervenções pelas quais a
cidade passaria. Tais transformações levariam o Rio de Janeiro a se tornar a cidade
maravilhosa, ou melhor, na ideia de cidade maravilhosa vislumbrada pelo enunciador.
Uma dessas intervenções foi a promulgação do Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO
DE JANEIRO, 2009), responsável pela criação do PRCG, ação integrante do “Plano do
Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, que fora
conduzido pela Secretaria Municipal de Educação.
Apesar de uma aparente harmonia discursiva, uma vez que o decreto é um ato
normativo que exprime a vontade singular de um governo, não submetida aos mesmos
trâmites ritualísticos que envolvem a discussão e a promulgação de uma lei, o Decreto
Municipal é atravessado por embates e posicionamentos discursivos. De um lado,
observam-se referências a discursos que concebem a língua como um fenômeno social e
historicamente situado e que defende um ensino de Línguas Estrangeiras plurilíngue.
Por outro lado, há menções a discursos que se remetem a um ensino monolíngue de
Línguas Estrangeiras e a uma concepção de língua concebida como uma ferramenta de
comunicação. Essas discursividades produzem sentidos distintos para “global” presente
no sintagma nominal “criança global”; no primeiro caso, relacionam-se a diversidade e
a pluralidade e, no segundo, faz-se alusão à unicidade cultural e linguística, sendo esse
sentido aquele que se estabiliza, posto que o decreto aborda o ensino de uma Língua
Estrangeira e esta é a Língua Inglesa, constituída discursivamente como a língua franca
por “atender” aos interesses e às necessidades da globalização econômica.
124
Esse sentido de língua global que se atribui ao inglês não é um dado imanente,
desvinculado do contexto histórico social em que se inscreve. É fruto de articulações
político-sociais que a valorizam como sendo o “idioma apropriado” para colocar o
Brasil no cenário internacional econômico. Contudo, aceitar esse status reforça os
princípios de uma ideologia dominante e de uma ordem global a que esse idioma serve.
Ideologia dominante essa que precisa ser rompida visto que, nas palavras de Santos
(2002), essa globalização hegemônica não melhora os níveis de qualidade de vida de
grande parte da população mundial, em contrapartida, faz aumentar a diferença entre os
índices sociais dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento e
subdesenvolvidos.
No âmbito das escolas municipais, a Língua Inglesa “ganha destaque”, tendo em
vista o projeto neoliberal para a educação carioca que estava em curso. Por intermédio
da entrevista de Cláudia Costin, concedida à Revista PontoCom, observa-se que a
política educacional elaborada e implantada na rede municipal é atravessada por um
discurso neoliberal, quando os objetivos do mercado se sobrepõem aos objetivos da
educação. Logo, a predileção pelo ensino da Língua Inglesa também está fundamentado
nessa perspectiva discursiva, dado que essa política de línguas está inserida na política
educacional da SME/RJ.
Dentro dessa lógica mercantil, dois movimentos são relevantes e atravessaram-
nas. A primeira é a constituição de uma imagem de professor dependente de orientações
para exercer suas atividades docentes e a outra é a produção de uma imagem ineficiente
do serviço público para justificar a entrada das empresas privadas em nome de uma
melhoria na qualidade da educação. Posto isso, para coordenar o ensino da Língua
Inglesa, foi estabelecida uma parceria entre a SME/RJ e a Cultura Inglesa que, dentre
outras atribuições, ficou responsável pela elaboração do material didático e a
“capacitação” dos professores de Língua Inglesa, os quais tiveram suas práticas
controladas por essa empresa privada (OLIVEIRA, 2017), gerando assim uma
uniformização do fazer pedagógico.
Na peça publicitária analisada, a cenografia discursiva constituída remete-nos a
uma equiparação de uma sala de aula ao setor de produção fabril, o que salienta um
modo bem específico de se constituir a educação e a formação cidadã. Nesse contexto, a
concepção de uma educação como ferramenta para a transformação social cede lugar
para uma concepção de educação que disciplina e padroniza os corpos e as práticas
docentes, uma vez que se objetiva a formação de cidadãos obedientes e moldados aos
125
interesses e às necessidades do mercado. Objetivos educacionais estão intrinsecamente
vinculados ao desenvolvimento econômico, o que leva a um não interesse em investir
em uma educação que priorize uma formação cidadão emancipadora que os liberte e
leve-os a questionar o status quo, ao invés de aceitá-lo passivamente.
Dito isso, Oliveira (2017) assevera que o ensino da Língua Inglesa, intermediado
pelo uso do material didático da Learning Factory, não contribuiu com a formação
crítica do aluno para que pudesse atuar nessa sociedade marcada pelas diferenças
sociais, por outro lado, contribuiu para que fossem apenas reprodutores de estruturas
gramaticais sem saber utilizá-las de forma efetiva, em diferentes situações com
diferentes sentidos.
Para que o PRCG fosse implantado efetivamente, de modo a garantir a entrada e
a permanência da Língua Inglesa nas escolas, considerando que esse espaço também era
compartilhado pela Língua Espanhola e pela Língua Francesa, foram produzidas as
circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015, situadas entre as práticas
ordinatórias da Administração Pública, cuja função é uniformizar os procedimentos em
uma repartição e fazer com que a informação chegue a todos da mesma forma.
Entretanto, seu funcionamento discursivo assume um caráter prescritivo-
normativo, desempenhando o papel de normatizar o Decreto Municipal. Essa
regulamentação acaba por instituir um (não) lugar da Língua Espanhola e da Língua
Francesa na matriz curricular e, principalmente, nas salas de aula cariocas. O que
demonstra certo desajuste administrativo por parte da SME/RJ, visto que os professores
dessas Línguas Estrangeiras passaram a ter possibilidades limitadas para lecionar suas
disciplinas de ingresso, na Rede Municipal, via concurso público.
A partir do processo analítico dessa rede de enunciados, pudemos problematizar
que a ampliação na oferta da Língua Inglesa não está alinhada necessariamente a
objetivos educacionais, à contribuição que o estudo dessa Língua Estrangeira pode
proporcionar a uma formação cidadã crítica e consciente dos estudantes. Inclusive
pouco se falou sobre a relevância dessa aprendizagem. Em contrapartida, esse
“incentivo” à Língua Inglesa está comprometido com o mercado, com o
desenvolvimento econômico e com a formação de mão de obra.
Após essas reflexões, finalizamos o nosso trabalho com algumas considerações
sobre o nosso percurso.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre idas e vindas, continuidades e descontinuidades, concluímos esta pesquisa,
apesar de saber que muito ainda poderia ser dito, mas colocar o ponto final é necessário.
Inicialmente, nosso interesse recaia em investigar a atividade de trabalho do
professor de Língua Espanhola, em uma dessas descontinuidades, movida por outras
leituras e reflexões, redirecionamos nosso olhar e questionamos: como se fez possível a
criação do Programa Rio Criança Global, que institui uma política de línguas
monolíngue nas escolas da SME/RJ, uma rede reconhecida por ser plurilíngue? E, assim
dar visibilidade aos posicionamentos discursivos que atravessam o PRCG e inauguram
uma ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais
cariocas.
A Análise do Discurso tem como proposta considerar a relação entre a
linguagem e a exterioridade. Importa apreender como se inscrevem no linguístico as
condições de produção, em especial, os coenunciadores e o contexto histórico-social.
Fez-se relevante, portanto, observar os aspectos históricos e sociais que circundaram o
PRCG, como o modo de governo da cidade, por sua vez, pautado na lógica do
funcionamento do mercado, ao longo das gestões de Eduardo Paes, marcadas por
intervenções econômicas, arquitetônicas, educacionais e políticas, em nome dos eventos
esportivos que a cidade sediou entre os anos de 2013 a 2016.
Retomamos também os processos históricos de inclusão das Línguas
Estrangeiras no currículo oficial das escolas brasileiras, marcada por continuidades e
descontinuidades no discurso normativo, e, principalmente, como se deu a entrada da
Língua Espanhola, Francesa e Inglesa nas escolas municipais cariocas, fazendo com que
a Rede Municipal fosse reconhecida por essa perspectiva plurilíngue.
Estabelecer uma política de línguas que caminhe em sentido oposto a essa
orientação desconsidera toda essa historicidade, ademais de negar ao aluno a
possibilidade do contato com a diversidade cultural e linguística, apregoada nas
orientações curriculares da própria SME/RJ. Por isso, é importante que, nós, os
professores de Línguas Estrangeiras, estejamos atentos a esses movimentos que tendem
a silenciar a pluralidade linguística e cultural e que nos posicionemos seja através de
resistências in loco ou através de pesquisas acadêmicas, sendo uma forma, inclusive, de
aproximar a escola da academia ou a academia da escola, diminuindo assim a distância
entre essas instituições.
127
Considerando nosso questionamento de pesquisa, recorremos a uma rede de
enunciados produzidos na esfera midiática e na esfera institucional sobre a educação
carioca e sobre as Línguas Estrangeiras, pela voz governamental, como decreto,
circular, carta do prefeito, ou por meio dela, como a entrevista e a peça publicitária, de
modo a recuperar sua regularidade e compreender os discursos em circulação.
Mobilizamos, para tanto, as seguintes categorias ethos, cenografia discursiva,
gêneros do discurso (MAINGUENEAU, 1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015) e modalidade
assertiva e deôntica (CERVONI, 1989) para analisar o corpus. Assim, observamos que
esses enunciados são atravessados pelo discurso neoliberal, o qual atrela à educação
escolar à preparação para o trabalho, para às necessidades da livre iniciativa. Esta é a
discursividade que sustentou a política educacional da SME/RJ e, por conseguinte, o
PRCG, produzindo sentidos outros sobre educação, professor e formação cidadã não
condizentes com a compreensão de educação como um direito social e subjetivo, e uma
ferramenta para a transformação social.
Acreditamos que a função de uma pesquisa acadêmica é a de instigar
problematizações e reflexões sobre uma demanda. Esta pesquisa consistiu em dar
visibilidades a esses movimentos discursivos que sustentaram a criação do PRCG e
contestar a “predileção” pela Língua Inglesa como se fosse um dado natural e não fruto
de articulações político-sociais, de um determinado modo de constituição desse idioma.
Ademais de mostrar que cabe à comunidade escolar questionar sempre as intervenções
político-pedagógicas propostas pelos sistemas de ensino, em nosso caso, pela SME/RJ
quando estas não colocam em primeiro lugar uma educação emancipatória. Como
pesquisadora, mas, principalmente, como professora, acreditamos que o papel da
educação é transformar a realidade e para isso as políticas públicas educacionais
precisam ter como parâmetro de ação o ser humano e não o mercado.
Entendemos que as reflexões feitas neste trabalho não se encerram aqui. A partir
de 2016, a imposição da Língua Inglesa restrita ao município carioca, o que poderia ser
revogado, com a Medida Provisória nº 746 (BRASIL, 2016) e futuramente a Lei nº
13415/2017 (BRASIL, 2017), amplia-se para toda a educação nacional, sendo
obrigatório, do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, o ensino da
Língua Estrangeira. O que corrobora o (não) lugar dos professores de Língua Espanhola
e de Língua Francesa da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, falamos da
cidade carioca porque é o nosso locus de pesquisa, contudo, a alteração na LDB
128
9394/1996 (BRASIL, 1996) afetará aos professores dessas e de outras Línguas
Estrangeiras em todos os sistemas de ensino brasileiro.
Em 2018, na gestão de Marcelo Crivella e do ex-secretário de educação, César
Benjamin, expandiu-se o número das escolas bilíngues em Língua Espanhola de uma
para onze unidades e criou-se uma em Língua Francesa, como uma possibilidade de
atuação dos professores desses idiomas, tendo em vista que nas escolas não bilíngues
não há espaço na matriz curricular para outro idioma a não ser para a língua obrigatória,
a Língua Inglesa.
Entretanto, em relação às incertezas futuras sobre os professores de Língua
Espanhola e de Língua Francesa, em um cenário no qual a legislação nacional agora
impõe a Língua Inglesa, cabem alguns questionamentos, como, por exemplo: Essas
escolas bilíngues absorverão todos os professores de espanhol e de francês? Como é
atividade de trabalho dos docentes em uma escola bilíngue? Caso o professor não queira
atuar em uma escola bilíngue, qual será sua atividade de trabalho?
Voltar o nosso olhar para a atividade de trabalho dos professores de Língua
Espanhola e de Língua Francesa pós-promulgação do Programa Rio Criança Global e
Lei federal nº 13415/2017 (BRASIL, 2017) é um possível desdobramento desta
pesquisa que, por hora, colocamos um ponto final.
129
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138
ANEXO 01
PLANO ESTRATÉGICO DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 2009 - 2012
A CARTA DO PREFEITO
O Rio de Janeiro tem demonstrado através de sua história uma incrível capacidade de se
reinventar. Foi assim com a chegada da família real, com a ida da capital pra Brasília, e
com as inúmeras reformas urbanas que modificaram a topografia da nossa cidade.
O Aterro do Flamengo, a duplicação da Avenida Atlântica, o Túnel Rebouças, as Linhas
Amarela e Vermelha são demonstrações exemplares da capacidade de autocrítica e de
reengenharia da cidade.
O Rio é responsável pela criação das marcas brasileiras mais conhecidas no mundo:
Maracanã, Copacabana, Ipanema, Corcovado, Pão de Açúcar, Samba, Bossa Nova. Sem
mencionar a marca Rio, abrigada no imaginário de pessoas no mundo inteiro, e que fala
por si só.
Ninguém discute a relevância cultural, econômica e histórica do Rio de Janeiro. Mas
nós, que vivemos e fazemos esta cidade, precisamos questionar o presente e a realidade
que nos cerca para novamente alimentar os sonhos de um futuro promissor. A
expectativa de ser a capital da Copa 2014 e a conquista dos Jogos Olímpicos de 2016
estabelecem um momento oportuno para transformar esses sonhos em ideias, projetos,
realizações.
A Prefeitura, através do seu Plano Estratégico, propõe um caminho para alcançarmos
esse objetivo. E convida a refletir o que somos, o que pretendemos e – mais importante
– como podemos juntos, poder público e cidadãos, redesenhar nosso futuro.
Não se trata de apresentar à sociedade apenas um documento. Queremos construir
juntos os fundamentos de uma nova realidade no Rio de Janeiro. A Prefeitura não
pretende apenas orientar e tomar decisões sobre políticas públicas, quer também
recuperar seu papel de pensar a cidade, influenciando investimentos e inspirando
empresas e pessoas a pensar como agente de mudança.
O Rio tem muitas qualidades e enormes desafios. Neste momento, temos diante de nós
o dever de enfrentá-los de forma planejada. E a convicção de que podemos vencê-los. É
hora de recuperar a maravilhosa ideia de cidade que queremos e podemos ser: o Rio
mais integrado e competitivo.
Eduardo Paes
Prefeito do Rio de Janeiro
139
ANEXO 02
PLANO ESTRATÉGICO DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 2013 - 2016
A CARTA DO PREFEITO
O lançamento do primeiro Plano Estratégico da Prefeitura do Rio, em 2009, representou
um grande avanço na forma de administrar a cidade. Pela primeira vez, foram fixadas
metas anuais e objetivas para cada área de gestão, divulgadas de forma transparente para
a sociedade e acompanhadas por todos os cariocas. De lá para cá, o Rio mudou e
acumulou muitas conquistas: a consagração da cidade como palco de grandes eventos,
como a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos e
Paralímpicos de 2016; o processo de recuperação de áreas degradadas, como o da
Região Portuária através do projeto Porto Maravilha; o início de obras de mobilidade
urbana que vão permitir a integração de toda a cidade; e a retomada da capacidade de
investimento da Prefeitura, inclusive com o reconhecimento das grandes agências
internacionais de classificação de risco, o que nos permitiu praticamente dobrar os
recursos para Saúde e Educação.
Depois de três anos, estamos desenvolvendo a primeira revisão do Plano Estratégico,
que vai ampliar a visão da cidade para 2030 e, assim, definir novas diretrizes, metas e
iniciativas para o período de 2013 a 2016. O sucesso do atual Plano, que se encerra
agora em 2012, encheu a Prefeitura de satisfação. A maior parte das metas traçadas foi
atingida e um volume expressivo de informações gerenciais foi coletado e analisado
como parte do acompanhamento do próprio Plano. O que só foi possível com o
envolvimento e comprometimento total dos servidores municipais, que hoje trabalham
por um Rio melhor e com melhores serviços. A transparência na divulgação das metas e
iniciativas, assim como dos resultados obtidos, tem nos aproximado cada vez mais do
cidadão carioca, seja para o reconhecimento ou para a cobrança.
Temos plena consciência de que os sucessos obtidos não representam a linha de
chegada. Ao contrário, funcionam como uma plataforma para outras ações e inovações,
cujo objetivo é transformar o Rio de Janeiro na melhor cidade do Hemisfério Sul para se
viver e trabalhar. É com muito orgulho que encaminhamos esta revisão do Plano aos
cariocas, para que possamos, juntos, ajudar a construir nosso ideal de Cidade
Maravilhosa.
Eduardo Paes
Prefeito do Rio de Janeiro
140
ANEXO 03
DECRETO Nº 31187 DE 6 DE OUTUBRO DE 2009.
Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições que lhe são
conferidas pela legislação em vigor e
CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos no ano de 2016;
CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das Olimpíadas, a Cidade do
Rio de Janeiro receberá turistas de todo o mundo, o que propiciará a convivência com
diversas culturas;
CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo é o
estreitamento de culturas, por intermédio da disseminação do saber, da arte, da
tecnologia, da comunicação e dos esportes;
CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se resume, apenas,
no domínio de habilidades a partir de um inventário de estruturas linguísticas, mas
envolve, também, a apropriação de novos olhares sobre o mundo que nos cerca,
envolvendo diferentes culturas e dizeres;
CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de Educação,
compreende a linguagem como uma forma de apropriar-se de práticas discursivas na
Língua Estrangeira, especialmente, o idioma inglês;
DECRETA:
Art. 1.º Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa Rio
Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino
Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública
Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.
Art. 2.º O Programa a que se reporta o artigo 1º será implementado gradualmente, a
partir do ano de 2010, da seguinte forma:
I – em 2010: 1º ao 3º ano;
II – 2011: inclui-se o 4º ano;
III – 2012: inclui-se o 5º ano;
V – 2013: inclui-se o 6º ano;
VI – 2014: inclui-se o 7º ano;
VII – 2015: inclui-se o 8º ano;
141
VIII – 2016: inclui-se o 9º ano.
Art. 3.º Nas unidades escolares do Programa Escolas do Amanhã, além das atividades
desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua Inglesa, no
contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade (Básico,
Intermediário e Avançado).
Art. 4.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2009
Disponível em: http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf.php?edi_id=649&page=1.
Acesso em 26/08/2017
142
Circular E/SUBE/ nº 13/2012. Rio de Janeiro, 07 de março de 2012.
Assunto: Orientações gerais para lotação de professores de Língua Estrangeira.
Sr.(a). Coordenadora de E/SUBE/CRE
Sr.(a) Gerente da E/SUBE/CRE/GED
Sr.(a) Gerente de E/SUBG/CRE/GRH
A implantação do Programa Rio Criança Global, desde seu início, vem
ampliando gradativamente as aulas de Inglês para alunos da Rede.
2 Contratamos novos professores e priorizamos a lotação, inicialmente em
turmas do 1º segmento.
3. A partir de 2011, os professores novos deveriam ser lotados de forma a
atender também aos alunos do 6º ano e agora em 2012, a prioridade é de atendimento
aos alunos de 1º ao 7º anos.
4. O objetivo final é implantar o ensino de Inglês para todos os alunos até o 9º
ano em 2014.
5. Gradativamente, teremos o ensino de Inglês na grade curricular e o Espanhol
e Francês como segunda língua estrangeira a ser oferecida como ampliação de horário
escolar, nas escolas de turno único, ou no contraturno, nas escolas de horário parcial.
6. Para melhor atender a essa nova organização, seguem orientações gerais para
lotação dos professores de Língua Estrangeira:
§ Os professores de Espanhol e Francês devem ser lotados,
preferencialmente, em turmas de 8º e 9º anos e projeto de Aceleração 3, em 2012;
§ A lotação de professores de Inglês nas turmas de 8º a 9º anos
não está proibida, mas a CRE só poderá fazê-la após ter professores atendendo a todas
as turmas de 1º ao 7º anos.
§ Caso haja necessidade de cessão ou de complementação de
carga horária em outra escola, deve ser observada a distância entre as escolas para
minimizar as mudanças no cotidiano do professor;
§ A CRE deve analisar com cada direção de escola a situação de
seus professores, para então tomar providências quanto à cessão e complementação de
carga horária;
§ As diretoras das escolas para onde os professores forem
cedidos devem ser informadas da lotação de professores dessas disciplinas e a que
turmas eles atenderão, para evitar confusões e devoluções por desconhecimento da
realidade da CRE como um todo;
ANEXO 04
PREFEITURA
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Secretaria Municipal de Educação
Rua Afonso Cavalcanti, nº 455 - 3º andar – sala 301 – Bl. I - CASS
Cidade Nova - Rio de Janeiro – RJ – CEP 20211-901
Telefone: (21) 2976-2478/2479
Correio eletrônico: [email protected]
143
7. Lembramos que o objetivo dessas orientações é minimizar a insatisfação
dos professores, informando que em breve teremos lotação de professores de Espanhol,
oriundos do concurso em andamento.
Atenciosamente,
Regina Helena Diniz Bomeny
Subsecretária de Ensino
70/19875
144
ANEXO 05
145
146
ANEXO 06
PEÇA PUBLICITÁRIA DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-
escola-a-fabrica-e-gera-criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.
147
ANEXO 07
ENTREVISTA DE CLÁUDIA COSTIN À REVISTA PONTOCOM
“NO RIO, PROFESSORES E SECRETARIA TRABALHAM JUNTOS”
Publicado em Entrevistas
Tags:claudia costin, educomunicacao, mídia e educação, sme
21SET
Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha
darevistapontocom.Conheça a proposta e participe. Abaixo, você confere a entrevista concedida
pela secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin
As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece
ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase
no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os
interessados em se manifestar.
Por Marcus Tavares
“Não podemos considerar, por exemplo, que oferecemos um ensino de excelência se não tivermos,
no mínimo, sete horas de aula por dia. Os 15 melhores países no Pisa têm sete horas. Vamos
implementar isso aos poucos. Não poderíamos fazer de uma vez, pois estaríamos sendo
irresponsáveis. Cada mudança mínima em nossa rede tem um impacto tamanho. São cerca de 41 mil
professores”, afirma Claudia Costin, secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Em entrevista à revistapontocom, Claudia faz um balanço de sua gestão. Conta qual foi a sua
estratégia de ação assim que assumiu a pasta. Traz dados estatísticos que mostram que a rede
municipal de escolas do Rio vem apresentando bons resultados no Ideb e na Prova Brasil. Rebate
críticas de professores e sindicatos de que sua gestão só se preocupa com avaliações e de que a
política de sua administração tira a autonomia do professor. E adianta que, caso o prefeito Eduardo
Paes seja reeleito, deseja continuar à frente da secretaria. Projetos futuros: plano de cargos e salários
dos professores e ampliar o horário escolar.
Acompanhe:
148
revistapontocom – Qual era a radiografia da rede de ensino do Rio quando a senhora
assumiu?
Claudia Costin – Resisti muito até aceitar o convite do prefeito Eduardo Paes. Trabalhava em São
Paulo, na Fundação Victor Civita, voltada para a melhoria da educação pública, e assumir a
secretaria significava uma mudança de vida muito complicada. Inicialmente, em vez de assumir,
propus a elaboração de um plano de melhoria do sistema educacional da cidade, que poderia ser
tocado por outra pessoa. Eu disse não algumas vezes, mas, o prefeito insistiu e resolvi então aceitar,
porque acreditei – e acredito – que poderíamos transformar o Rio. Tínhamos uma rede bastante
organizada de professores. Com professores de qualidade, dado a competitividade dos concursos
públicos que conseguiam atrair, na média, bons mestres. Havia também sistemas informatizados
bastante razoáveis. Não começaríamos do zero e havia, portanto, pontos que permitiriam dar um
salto na qualidade da educação. A cidade já tinha tido boas secretárias. A Regina de Assis foi uma
ótima secretária. A Sônia Mograbi que me antecedeu foi uma secretária séria e muito dedicada.
Vínhamos de um cenário que não era um desastre. Mas poderíamos, com certeza, melhorar a rede.
Comecei então a preparar um diagnóstico mais preciso, observando algumas estatísticas.
revistapontocom – Que tipo de estatísticas?
Claudia Costin – Por exemplo: as notas da Prova Brasil e do Ideb. O Ideb da cidade do Rio não era
ruim para padrões nacionais, porém a nota da Prova Brasil estava em queda tanto no primeiro quanto
no segundo segmento. O que nos colocava numa posição perigosa, ainda mais quando o prefeito
Eduardo Paes havia me informado que o seu programa de governo previa o fim da aprovação
automática. Fiquei preocupada: se você colocasse as notas da Prova Brasil num mapa, perceberia
que as notas de 2007 eram muito desiguais pela rede. Havia escolas com desempenho europeu e
outras com resultado ruim, muitas localizadas em áreas conflagradas, o que reforçava a importância
de trabalharmos mais pesado, por meio de ações positivas, nestas regiões. Antes de tomar qualquer
medida, fiz reuniões com todas as diretoras de escolas, divididas pelas Coordenadorias Regionais de
Educação (CRE). Ouvi, ouvi muito.
revistapontocom – O que as diretoras das escolas disseram?
Claudia Costin – Que havia muito analfabeto funcional, que não se aplicavam mais provas na rede
e que a cultura do dever de casa não existia. Afirmaram também que as escolas careciam de
infraestrutura de apoio. As instituições não tinham secretárias, porteiros, inspetores…
revistapontocom – A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?
Claudia Costin – Não isoladamente, visto que já contávamos com dados sobre o desempenho das
escolas. Mas ajudou muito. Em seguida, aplicamos uma prova de nivelamento para ver, de fato,
como estavam os nossos alunos. Afinal, de onde partiríamos? Tínhamos poucos dados concretos
sobre o ensino, sobre a aprendizagem das crianças. Decidimos fazer duas grandes provas: uma para
o 4º, 5º e 6º anos para saber se havia analfabetos funcionais. E uma entre os estudantes do 2º ano
para saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e Matemática. Descobrimos que
havia na rede cerca de 28 mil analfabetos funcionais, do 4º ao 6º ano. Isso significava que tínhamos
14% de analfabetos funcionais, do 4º ao 6º ano. Era um dado que não era condizente com o Brasil,
com a 6ª economia do mundo. Não podíamos aceitar isso. Tínhamos uma taxa de reprovação em
torno de 30%, do 6º ao 9º ano. Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de reforço,
além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos professores. A rede contava
com o Núcleo Curricular Base, a MultiEducação, que trazia uma linguagem parecida com os
149
Parâmetros Curriculares Nacionais, mas que era bastante genérica e não definia com clareza quais
deveriam ser as competências dos professores em cada etapa de ensino. Para alguns professores,
recém-saídos da universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e
tem pouca vivencia prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma orientação
estruturada, era bem pequena. Decidimos montar um currículo muito claro, organizado por
bimestres, determinando precisamente o que cada criança deveria aprender. Produzimos, então, o
chamado material estruturado, feito pela própria rede, que auxiliava o trabalho do professor com
base no currículo. E por fim resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que permitissem que
cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo positivamente ou negativamente, e que a
rede soubesse, inclusive, como cada escola estava evoluindo comparativamente com as outras, com a
média da rede. Desde então, ao final do exame, cada diretor recebe um mapa onde é possível
enxergar todos esses dados por disciplina. A princípio pode parecer que estávamos tirando a
autonomia do professor. Não é o caso. Costumo me fazer valer de uma fala de Claudio Moura
Castro. Ele afirma que a Educação é como se fosse uma orquestra. Nesta orquestra, é fundamental
que cada um tenha a sua partitura, caso contrário não promovemos o sequenciamento da
aprendizagem e a interdisciplinaridade. Isso não impede, de forma alguma, que cada músico coloque
toda a sua magia no desenvolvimento da música. Nesta perspectiva que implantamos, um professor
maravilhoso vai produzir uma aula encantadora. Aquele não tanto maravilhoso vai, pelo menos,
cumprir os conteúdos necessários.
revistapontocom – O resultado destas provas serviu apenas como diagnóstico?
Claudia Costin – Serviu e ainda serve para dar um retorno à escola sobre sua evolução e para a
definição e redefinição das ações de reforço escolar. O primeiro reforço que decorre do resultado
destas provas é o mais simples. Ele pode ser dado pelo professor, com a ajuda de voluntários e ou
estagiários. Produzimos um material específico para isso. O segundo tipo de reforço é mais
complexo. Trata-se da realfabetização dos analfabetos funcionais. Procuramos o MEC para saber
quem tinha, de fato, uma tecnologia educacional adequada. Era uma área não dominada pela rede. A
rede do Rio sabia alfabetizar, mas não realfabetizar. O MEC nos recomendou o Instituto Ayrton
Senna, que deu um show. Eles capacitaram cerca de 1500 professores da nossa rede. Isso sem contar
com o trabalho da MultiRio, que capacitou outros três mil profissionais para melhorar a
alfabetização inicial. Nossa gestão colocou a Multirio e a secretaria municipal de Educação do Rio
num caminho sintonizado. A MultiRio foi e é uma peça chave na capacitação dos professores e na
produção de material que dialoga com o professor e com o nosso currículo. Essas avaliações também
nos ajudaram a definir o Programa Acelera, que tem o objetivo de corrigir a defasagem idade/série.
Decidimos fazer isso de uma forma concreta e que resolvesse razoavelmente o problema de uma vez
por todas. Diante de um sistema de progressão continuada, que havia nas gestões anteriores,
tínhamos uma reprovação acentuada no 6º ano. Tínhamos 22% dos alunos, no 6º ano, com
defasagem idade/série. Chamamos a Fundação Roberto Marinho para capacitar nossos professores
num programa de aceleração do ensino. Foi incrível o resultado. Os alunos que participaram deste
programa tiraram notas, nas provas bimestrais, levemente superiores à média da rede. Quanto à
reprovação em si, resolvemos lidar com a questão por meio de um processo de diálogo com a escola,
no sentido de sensibilizar os diretores para conversar com seus professores para evitar que a
aprovação automática virasse uma reprovação automática. Ao perceber que o aluno não aprende, o
sistema de reforço escolar deve ser ativado, antes de se pensar em reprovar.
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revistapontocom – A senhora falou sobre o contexto do primeiro e segundo segmentos. E com
relação ao ciclo da alfabetização? Qual era o cenário?
Claudia Costin – Naquelas reuniões com as diretoras, no início de nossa gestão, elas me disseram
que alguns professores estavam deixando a alfabetização para o último ano do ciclo. A atitude estava
vinculada a uma visão um pouco populista da educação, de que o público é pobre, não possui
ambiente letrado em casa. Era a mesma visão que levava alguns professores a não passarem dever de
casa, não dar redação aos alunos. Não acabamos com o ciclo, pois se trata de uma determinação do
MEC, mas investimos, sim, numa metodologia de alfabetização, muito inspirada nas ideias da
professora Magda Soares, que critica a desmetodologização do processo de alfabetização.
Produzimos o nosso próprio material, o nosso livro de alfabetização, que organiza o ensino e a
aprendizagem no primeiro, segundo e terceiro ano do ciclo. Aproveitando o mote do MEC que
queria fazer um pacto nacional pela alfabetização aos oito anos, lançamos o nosso pacto de fazer o
mesmo, só que aos seis anos de idade. Ao lançar o pacto, já tínhamos investido na capacitação dos
professores, na escrita do livro e na construção de uma avaliação diagnóstica no primeiro ano, onde
foi possível identificar em que nível do processo de letramento se encontrava cada aluno. Instituímos
também uma avaliação interna, no meio do ano, e outra externa, ao final do ano. Com base nestas
avaliações externas, identificamos os alunos com mais dificuldades, que são, então, encaminhados
para o Nenhuma Criança a Menos, que conta com aulas em tempo integral três vezes por semana,
uma lista de livros de leitura obrigatória e monitoramento gerencial do desempenho pela direção.
Neste contexto, os estudantes tinham aulas integrais três vezes por semana. Os professores, cujos
alunos tinham tido êxito na prova, eram entrevistados pela MultiRio, no sentido de socializar seus
conhecimentos e práticas. Voltando ao pacto: hoje já estamos com 83% de nossas crianças
alfabetizadas já no primeiro ano – os dados são de 2011. Nosso desafio é chegar a 95%.
revistapontocom – Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?
Claudia Costin – Sim. Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de História, Geografia
e Ciências. Qual era a intenção? Focar na alfabetização bem feita. Não inventamos isso. Cingapura
fez a mesma coisa. Depois que o aluno está alfabetizado, fica mais fácil entrar com as outras
disciplinas. Mas ao mesmo tempo em que tiramos estes conteúdos, resolvemos introduzir as áreas de
arte e inglês. Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura Inglesa para nos
orientar numa metodologia que investe muito na oralidade. Para tanto, passamos a exigir no
concurso público para professores de idiomas uma prova oral. Já a arte tem um papel
importantíssimo na formação dos estudantes, para a ampliação de repertório do aluno. O ensino de
artes só acontecia do 6º ao 9º ano. Na 2ª Coordenadoria Regional de Educação resolvemos ir além.
De forma experimental, o ensino de arte, com professor especialista, já faz parte do dia a dia da
educação infantil.
revistapontocom – Há um investimento em diferentes tipos de projetos experimentais,
envolvendo poucas escolas. Por quê?
Claudia Costin – Porque nossa rede é muito extensa. São cerca de 41 mil professores. Qualquer
mudança impacta o dia a dia de milhares de pessoas. Por exemplo: criamos o projeto Ginásio
Carioca, envolvendo uma escola de cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Nestes
espaços, os alunos têm oito horas de aula, com estudo dirigido, disciplinas eletivas e ações de
protagonismo juvenil. Se ampliássemos as oito horas para todas as escolas criaríamos um caos no
sistema. Vamos devagar, analisando os resultados, positivos e negativos, reformulando as práticas e
ampliando a nossa base. As escolas que sediam o projeto Ginásio Carioca estão agora entre as 50
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melhores da rede e quatro delas, entre as dez. Resultados positivos que também verificamos com o
projeto Escolas do Amanhã, localizadas em áreas conflagradas do Rio, onde as crianças têm acesso a
uma diversidade de atividades. De 2009 a 2011, essas escolas registraram um aumento médio de
33% contra 22% da rede no 2º segmento. Com o experimento realizado é possível verificar se vale a
pena expandir para outras escolas. As escolas do projeto que estão em áreas pacificadas tiveram
resultados ainda mais impressionantes: 42,9%. Outro projeto experimental que também vem dando
boas notícias é a adoção de um professor para todas as disciplinas no 6º ano. Fizemos um teste com
50 turmas do 6º ano. Não é nenhuma novidade. Na Finlândia, só há professor especialista a partir do
8º ano. Em Cuba, somente no Ensino Médio. Em Cingapura, nos anos do 6º ao 9º, não há professor
especialista. A média da rede em Matemática foi de 5,4. Nestas turmas, de 7,5.
revistapontocom – Quais são os desafios hoje da rede municipal?
Claudia Costin – Uso muito a metáfora da construção da muralha da China. Ela levou mais de 300
anos para ser construída. Cada geração construiu um pedaço. Cabe a cada nova geração não destruir
o que já foi construído e avançar mais. Quando você está na metade da caminhada, corre o risco de
apenas valorizar o que já fez, se esquecendo de olhar para frente. Há de se fazer o exercício de olhar
para o passado e para o futuro. E quando olho para frente vejo que falta muita coisa. Não podemos
considerar, por exemplo, que oferecemos um ensino de excelência se não tivermos, no mínimo, sete
horas de aula por dia. Os 15 melhores países no Pisa têm sete horas. Vamos implementar isso aos
poucos. Não poderíamos fazer de uma vez, pois estaríamos sendo irresponsáveis. Cada mudança
mínima em nossa rede tem um impacto tamanho. São cerca de 41 mil professores. Além disso, o
número de filhos por mulher em idade fértil vem diminuindo. O numero de crianças de seis anos
vem caindo. Há ainda uma tendência de a nova classe média, que vem aumentando, tirar seus filhos
da rede pública e colocá-los na rede privada, como símbolo de status ou de diferenciação social. Se
construíssemos mais escolas para o período de sete horas, dentro de três anos, teríamos prédios
ociosos, desperdiçaríamos recursos públicos. Nossa meta até 2016 é que 35% das crianças tenham
sete horas de aula. Estamos preparando o terreno. Todos os concursos públicos para professores são,
agora, para 40 horas. Ao lado deste desafio, temos o da infraestrutura, da manutenção predial, que
envolve muito trabalho. E por último destacaria o problema do bem: as creches. Dobramos o número
de vagas. O que aconteceu: a demanda cresceu mais ainda e temos que atendê-la com qualidade.
revistapontocom – Como ‘anda’ a relação das secretarias municipais de Educação do país com
as universidades, com as faculdades de Educação?
Claudia Costin – A universidade no Brasil está muito distante das redes. Nós produzimos muitos
dados, mas poucos são trabalhados, pesquisados e investigados pelas universidades. Precisa haver
uma relação menos desconfiada. Podemos e devemos ampliar o diálogo.
revistapontocom – Como a senhora avalia o Plano de Carreira da categoria e o salário base?
Claudia Costin – Acho que é necessário construir um novo Plano de Carreira. Na média, é superior
ao de várias partes do Brasil. Mas, sim, precisa de um novo Plano. Este seria outro desafio
importante que vamos enfrentar, caso o governo seja reeleito. Todo administrador tem que olhar com
muito cuidado, pois se trata de uma rede gigantesca. Inclusive para aperfeiçoar elementos da
proposta atual. O salário do professor do município do Rio parece muito baixo, mas a carga horária é
baixa, são 16 horas. Se você considerar um professor de 40 horas, na metade da carreira, com todos
os direitos incluídos, ele ganha em média R$ 5.200,00. É ideal? Não. Mas é muito superior a média
nacional. É importante que o salário inicial seja atraente. É importante organizar isso tudo.
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revistapontocom – Em entrevista à revistapontocom, diretores de faculdades de educação do
Rio destacaram que sua gestão aposta bastante na avaliação da rede – o que é importante
segundo eles – mas que deixa de lado a política pedagógica. A senhora concorda?
Claudia Costin – Eu não concordo. Estava [a avaliação] tão em desuso que choca quando a gente
organiza. França, Finlândia, Coreia e tantos outros países têm avaliação. E não é bimestral não, é
mensal. A questão é que a nossa avaliação é unificada. Os bons professores da rede davam provas
mensais, alguns até quinzenais, antes da minha chegada. O que nós fizemos foi estabelecer provas
bimestrais. É um pouco, acredito eu, de espanto de uma retomada de uma prática que fazia parte, por
exemplo, da dita boa escola do passado. Achamos importante, sim, esta avaliação e uma avaliação
unificada para que cada diretor perceba a sua escola frente à média da rede. Mas não focamos apenas
nas avaliações. Introduzimos a disciplina de arte e inglês desde o 1º ano e não há prova alguma.
Colocamos ênfase no projeto de vida do aluno, há o trabalho do projeto Educopédia, colocamos
salas de música nas escolas, enfatizamos a Educação Física, trabalhamos os valores olímpicos etc.
Há uma série de projetos que não aparece na mídia, mas que, no entanto, são fundamentais para o
processo formativo do aluno. Mas esse espanto é natural. É o espanto do novo, bem de algo que não
é tão novo, mas que é essencial para que se tenham instrumentos para agir. Talvez, algumas escolas
olharam para isso e mobilizaram muitas energias contra, pois não tinham o hábito de avaliar. Hoje a
vida cultural das crianças, por exemplo, é muito mais intensa do que antes. Mas agora há ensino com
base no currículo, uma verificação se a criança está aprendendo e um reforço escolar.
revistapontocom – Outra crítica vem do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação
(Sepe). O Sepe destaca que a atual gestão fez uma série de parcerias retirando recursos
públicos da Educação, da escola, repassando para a iniciativa privada, tirando a autonomia do
professor.
Claudia Costin – Não concordo. Usamos o cadastro de tecnologias educacionais, certificado pelo
MEC, para a escolha das parcerias. Seria hoje vergonhoso se o Sepe informasse que a cidade tem 28
mil analfabetos funcionais. Reivindicação que não estava na agenda do sindicato. Nós não tínhamos
determinados saberes organizados de como realfabetizar e corrigir a defasagem idade/série. Faria
tudo de novo. Nenhum professor de fora veio dar aula. Nossas parcerias foram feitas com ONGs,
fundações e instituições reconhecidas. Não foram Organizações Sociais. Parcerias foram firmadas
como aconteceram em gestões anteriores, como acontece em vários municípios e estados brasileiros.
Chamaria de novo o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Roberto Marinho. Fizeram um ótimo
trabalho e foram muito elogiados pelos professores da rede. Capacitar nossos professores, por meio
de universidades e fundações, é muito bom. Internaliza e socializa conhecimento. As boas
organizações fazem isso.
revistapontocom – Sua gestão vem ‘ganhando’ a simpatia e a adesão dos professores?
Claudia Costin – A nossa meta não é conquistar, é trabalhar junto. Sinto que há um diálogo muito
mais forte. Temos um conselho de professores. Eu fico no twitter três horas por dia, dialogando com
os professores, tirando dúvidas, ouvindo críticas, compartilhando experiências boas. Tenho cerca de
40 mil seguidores. Meu e-mail é aberto a todos os professores. Visito pessoalmente as escolas. Acho
que hoje os professores e a secretaria trabalham juntos. Basta ver como as escolas mobilizam. Todos
os professores devem ter uma crítica aqui um elogio ali. Mas é um trabalho em conjunto.
revistapontocom – O prefeito Eduardo Paes sendo reeleito, a senhora continua no cargo?
Claudia Costin – Isso é uma decisão que cabe ao prefeito. Mas ele já me fez o convite. Disse que
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numa eventual reeleição, eu aceito. Ainda gostaria de construir mais um pedaço deste processo. E
mais do que isso: estou vivendo uma intensa paixão. Viver este processo é o maior presente que
ganhei na minha vida. Ele é perfeito? Não. É um processo de avanços, acertos e recuos. Mas é um
processo de intensa paixão. Meu sonho é que toda criança aprenda, se desenvolva bem e esteja
habilitada para construir o seu futuro.
Disponível em: http://revistapontocom.org.br/entrevistas/%E2%80%9Cprofessores-devem-ter-uma-critica-aqui-um-
elogio-ali-mas-e-um-trabalho-conjunto%E2%80%9D. Acesso em 05/10/2018
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