UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SOCIOHISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS
GILSON LOPES DA SILVA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE:
DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE
CORONEL JOSÉ CORREIA (1829-1929)
NATAL - RN
2017
GILSON LOPES DA SILVA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE:
DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE
CORONEL JOSÉ CORREIA (1829-1929)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Marlúcia Menezes de
Paiva.
NATAL - RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Silva, Gilson Lopes da.
História da educação primária na Atenas Norte-Rio-Grandense: das escolas de primeiras letras ao Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia (1829-1929)/ Gilson Lopes da Silva. - Natal, 2017.
166f.: il.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação.
Programa de Pós-graduação em Educação.
1. História da Educação Primária – Dissertação. 2. Escolas de Primeiras Letras - Dissertação. 3. Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia. - Dissertação. 4. Atenas Norte-Rio-grandense - Dissertação. I. Paiva, Marlúcia
Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título
RN/BS/CCSA CDU 373.3(091)
GILSON LOPES DA SILVA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: DAS
ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ
CORREIA (1829-1929)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação, sob
orientação da Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva.
Banca examinadora:
__________________________________________________
Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva (Orientadora)
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________
Profa Dra Olívia Morais de Medeiros Neta (Examinadora interna)
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________
Profº. Drº José Mateus do Nascimento (Examinador externo)
IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________
Prof°. Dr°. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes (Examinador suplente interno)
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________
Profa. Dra. Rita Diana de Freitas Gurgel (Examinadora suplente externa)
UFERSA – Universidade Federal Rural Do Semi-Árido
NATAL - RN
2017
À minha mãe, Maria de Lourdes do Nascimento (in
memorian). Sertaneja semianalfabeta, me ensinou valores
essenciais de solidariedade e dignidade que levarei por
toda a minha vida.
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação foi produzida com a colaboração de diversas pessoas com quem tive a
oportunidade de conviver desde 2014 quando surgiu a possibilidade de realizar uma pesquisa
de mestrado. Acredito que esse trabalho é fruto de parcerias, sugestões, diálogos, auxílio de
fontes, dicas de leitura e incentivos. Parafraseando Lenine num trecho da canção Castanho do
CD Carbono (2015), afirmo que “O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”.
As primeiras pessoas que me incentivaram à tentar uma oportunidade como aluno
especial do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) foram a professora Rita Diana de Freitas Gurgel e Cecília Pordeus, minhas
ex-colegas de trabalho na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Obrigado
pelo apoio e por acreditarem que era possível!
As primeiras pistas para construir um objeto de estudo sobre a história da Educação
Primária na cidade do Assú foram dadas pelas amigas Silvia Helena de Sá Leitão e Antônia
Milene Silva. Obrigado pelo carinho!
O acesso a algumas fontes foi possibilitado pelo desprendimento e a atenção do
professor e amigo Aldo Cardoso, do historiador Ivan Pinheiro, dos funcionários da Casa da
Cultura do Assú, do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, na pessoa de Iza Caldas, e da
equipe da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia, na pessoa de dona Chaguinha.
Obrigado pela atenção!
À amiga Simone Mendes que mais uma vez se dispôs a fazer a tradução do resumo de
um trabalho meu.
Nos encontros na Pós-Graduação mantive contato com grandes pesquisadores e amigos
que me incentivaram e contribuíram com palavras e partilhas de experiência. Destaco os nomes
de Flávio José, Francisco Carlos, Alysson Régis, Delcineide, professora Kilza Viveiros e
Janaína Morais. Fico feliz em saber que posso contar com vocês. Muito obrigado!
Durante as aulas na Pós-Graduação tive a possibilidade de manter contato com
professores doutores competentes que se dedicaram a despertar o melhor dos alunos do
Programa. Agradeço, em especial, a professora Marta Araújo, ao professor André Ferrer e a
professora Marta Pernambuco.
Aos professores doutores que aceitaram participar da banca examinadora, fazer a leitura
atenciosa e contribuir com sugestões importantes para a melhoria desse trabalho: Lenina Lopes
Soares Silva, José Mateus, Rita Diana de Freitas Gurgel (mais uma vez e sempre), Olívia Morais
de Medeiros Neta e Antonio Basílio Novaes Thomaz de Menezes. Esses dois últimos, em
especial, acompanharam e contribuíram com as transformações e o amadurecimento desse
trabalho durante os Seminários de Orientação de Dissertação.
Agradeço de forma muito especial as amigas Tainá Bandeira, Ana Zélia Maria Moreira
e Juliana Rocha. Nosso encontro na Pós-Graduação se formou a partir de momentos de
afetividade, partilha de experiências, dedicação, carinho e cuidado. Que nossas amizades
continuem sendo marcadas por esse fluxo crescente de coisas boas e positivas. E isso já se
tornou realidade no amor que sentimos por Miguel e Tomás.
Ser acolhido pela professora Marlúcia Menezes de Paiva como seu orientando foi como
receber uma benção. Serei eternamente agradecido pela oportunidade e o carinho com que
sempre me tratou e desejo que continue sempre sendo esse “mar de luz” para todas as pessoas
que estão ao seu redor. Gratidão!
Também agradeço à CAPES pela bolsa concedida para a realização deste trabalho.
O movimento da escola, a sua autoconstrução, desdobra-se e se
articula ao/no movimento da cidade e da nação, estabelecendo
vínculos e continuidades, mas constituindo singularidades e
rupturas. É uma e mesma escola que se desdobra em vários
momentos, em múltiplas direções, de acordo com o jogo de
forças, com os desejos, medos e anseios de profissionais e, porque
não, daqueles que a frequentam. Escola e cidade, ambas criadoras
e criaturas: é uma escola que se vai legitimando como uma forma
não apenas de educar as crianças e de transformá-las, mas
também de influir no destino da cidade. A escola, nesse sentido,
cria-se ao criar a cidade; é uma cidade que se produz nos
momentos da escola, e produz na escola como um de seus
momentos.
Luciano Mendes de Faria Filho
RESUMO
O objetivo desta dissertação é analisar a importância da História da Educação Primária para a
construção da identidade da cidade do Assú (RN) como Atenas Norte-rio-grandense. Dentro
dessa proposição de trabalho, consideramos o movimento de interação que se estabelece entre
as práticas culturais e literárias desenvolvidas na cidade e o processo de escolarização. No
período estudado (1829-1929) destacamos a implantação das Escolas de Primeiras Letras,
durante o regime imperial, e do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, no governo
republicano, espaços de escolarização que remetem ao objeto de nossa pesquisa: a Educação
Primária. Utilizamos como fontes jornais da época, documentos referentes às instituições
educativas e obras de memorialistas como Francisco Amorim e Pedro Amorim que retratam o
contexto socioeconômico, cultural, literário e educacional da cidade do Assú. Como
procedimento metodológico, recorremos à investigação documental e bibliográfica no sentido
de fundamentar a reconstituição do percurso histórico de nosso objeto de estudo. A orientação
teórico metodológica ancora-se nas reflexões de Frago (1993), Magalhães (2004) e Saviani
(2013). Esses teóricos desenvolveram respectivamente pesquisas sobre a história da
alfabetização, a história das instituições educativas e a história das ideias pedagógicas, temas
que apresentam uma relação direta com o nosso trabalho e que contribuíram com a própria
forma como direcionamos as investigações sobre o objeto. A cidade do Assú, inicialmente
chamada de Vila Nova da Princesa, está localizada no interior do Estado do Rio Grande do
Norte e se desenvolveu a partir da colonização portuguesa na região. Além dos hábitos
comportamentais, os colonizadores deixaram como herança as bases para um importante
desenvolvimento cultural e literário que se evidencia na cidade a partir da segunda metade do
século XIX com a circulação de jornais, a produção de poesias e textos diversos e o teatro,
atividades que fizeram com que a cidade recebesse a cognominação de Atenas Norte-Rio-
grandense. Aliado a isso, a economia local também se expande com a produção do algodão e a
extração da cera de carnaúba. No campo educacional, é implantada na cidade uma Escola de
Primeiras Letras masculina em 1829, por influência da Lei de 15 de outubro de 1827 durante
os primeiros anos do regime imperial. Contando apenas com esse modelo de Educação Primária
até as primeiras décadas do século XX, ele vai se mostrar significativo no processo de instrução
elementar dos filhos da elite local que participam da vida cultural e literária da cidade. Com a
instituição do governo republicano em 1889, desenvolvem-se novas ideias pedagógicas para a
instrução primária no país com a implantação dos Grupos Escolares. Esse novo modelo foi
instalado no Assú com a publicação em agosto de 1911 do Decreto n° 254 que autorizou a
criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado no dia 07 de setembro de
1911. Espaço que expressa uma forma moderna e inovadora de escolarização da Educação
Primária, essa instituição também participou ativamente da vida cultural e literária da cidade
do Assú por meio da atuação de alguns professores e dos próprios alunos com a produção de
práticas que circulam no espaço interno e externo da instituição.
Palavras-chave: História da Educação Primária. Escolas de Primeiras Letras. Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia. Assú. Atenas Norte-Rio-grandense.
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to analyze the importance of Primary Education in building
the identity of the city of Assú (RN) as Athens North-Rio-Grandense. Within this work
proposal, we considered the motion of interaction that is established between cultural and
literary practices developed in the city and its schooling process. In the studied period (1829-
1929) we highlight the implementation of the Schools of first letters during the imperial regime
and the Lieutenant Colonel José Correia School Group, on the republican government, places
of schooling which refer to the object of our research: Primary Education. Our sources used
were: newspapers from the time, related documents to educational institutions and works of
memorialists such as Francisco Amorim and Pedro Amorim who portray the socioeconomic,
cultural, literary and educational context of the city of Assú. As a methodological procedure,
we resorted to documentary and bibliographical research in order to base the reconstitution of
the historical course of our object of study. The theoretical methodological orientation is
anchored in the reflections of Frago (1993), Magalhães (2004) and Saviani (2013). These
theorists respectively developed research on the history of literacy, the history of educational
institutions and the history of pedagogical ideas, themes that have a direct relationship with our
work and which contributed to the way in which we conduct research on the object. The city of
Assú, originally called Vila Nova da Princesa, is located in the interior of the State of Rio
Grande do Norte and has developed since Portuguese colonization in the region. In addition to
the behavioral habits, these colonizers also left as an inheritance the bases for an important
cultural and literary development that was evident in the city from the second half of the
nineteenth century through the circulation of newspapers, the production of poetry and various
texts and theater, practices that make the city receive the cognomenation of Athens North-Rio-
Grandense. Allied to this, the local economy also expands with the production of cotton and the
extraction of carnauba wax. In the educational field, a school of male first letters was
implemented in the city in 1829, by influence of the October 15, 1827 Law during the first years
of the imperial regime. Counting only on this model of primary education until the first decades
of the twentieth century, it will prove significant in the process of elementary education of
children of the local elite who participated in the cultural and literary life of the city. With the
institution of the republican government in 1890, a new model of Primary Education appears
in the country with the implementation of the school groups. This new model will be installed
in Assú through Decree No. 254, authorizing the creation of the Lieutenant Colonel José Correia
School Group, inaugurated on September 7, 1911. A space that expresses a modern and
innovative form of primary education schooling, this institution will also actively participate in
the cultural and literary life of the city of Assú through the performance of a few teachers and
the students themselves with their production of practices that circulate inside and outside of
the Institution.
Keywords: Primary Education. Schools of first letters. School Group Lieutenant Colonel José
Correia. Assu. Athens North-Rio-grandense.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
1 LADRILHOS, PASSEIOS E PERCURSOS DAS CONSTRUÇÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS ............................................................................................................. 25
1.1 O ENCONTRO COM O OBJETO DE PESQUISA ...................................................... 25
1.2 REVISÃO DA LITERATURA ...................................................................................... 29
1.3 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 33
1.4 METODOLOGIA, FONTES E BIBLIOGRAFIA ......................................................... 41
2 DA BATALHA PELO TERRITÓRIO À ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: A
FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA, LITERÁRIA E CULTURAL DA CIDADE DO
ASSÚ ........................................................................................................................................ 49
2.1 A COLONIZAÇÃO EUROPEIA E A GUERRA DOS BÁRBAROS ........................... 50
2.2 ATIVIDADES ECONÔMICAS E TRANSFORMAÇÕES URBANAS ....................... 54
2.3 EXPANSÃO CULTURAL E LITERÁRIA: JORNALISMO, POESIA E TEATRO.... 60
2.4 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE E A
EDUCAÇÃO PRIMÁRIA .................................................................................................... 64
3 EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ASSÚ IMPERIAL: ESCOLAS DE PRIMEIRAS
LETRAS PARA OS FILHOS DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE ..................... 73
3.1 CONSOLIDAÇÃO DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NA CIDADE DO
ASSÚ .................................................................................................................................... 75
3.2 ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA CIDADE DO
ASSÚ .................................................................................................................................... 79
3.3 PERFIL EXCLUDENTE E ALUNOS DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA ........................ 86
3.4 CASA DE CARIDADE E EXTERNATO SÃO JOSÉ: ESPAÇOS DE
ESCOLARIZAÇÃO NÃO OFICIAL ................................................................................... 92
4 O GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA E A
MODERNIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA ......................................................... 101
4.1 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: UM ESPAÇO EM
SINTONIA COM OS IDEAIS DE ORDEM E PROGRESSO .......................................... 104
4.2 DIRETORES E PROFESSORES: NOVAS ATRIBUIÇÕES ...................................... 108
4.3 ARQUITETURA, MÉTODO INTUITIVO E PRÁTICAS DE HIGIENE NOS
GRUPOS ESCOLARES ..................................................................................................... 114
4.4 DISCIPLINAS BÁSICAS E INTEGRAIS NOS GRUPOS ESCOLARES ................. 119
5 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE
ATIVIDADES CULTURAIS E LITERÁRIAS PARA OS FILHOS DA ATENAS
NORTE-RIO-GRANDENSE ............................................................................................... 128
5.1 A LITERATURA NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA:
PROSA E POESIA ............................................................................................................. 130
5.2 O TEATRO NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA ....... 140
5.3 A CIRCULAÇÃO DE JORNAIS NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL
JOSÉ CORREIA ................................................................................................................. 142
5.4 O GRUPO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL ........................ 149
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 154
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 161
12
INTRODUÇÃO
Por meio desse trabalho analisamos as contribuições da Educação Primária para a
construção da identidade da cidade do Assú1 como Atenas Norte-rio-grandense e as
influências que a expansão cultural e literária desenvolvida na cidade exerceu sobre o processo
de escolarização no período estudado. Este vai de 1829, com a implantação de duas Escolas
de Primeiras Letras na cidade durante o período imperial, a 1929, primeiros anos de
funcionamento do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia implantado na cidade em 1911
durante o governo republicano.
O território do Vale do Açu, localizado no interior do Rio Grande do Norte, era
habitado inicialmente por diversas tribos indígenas. Com a chegada dos primeiros
colonizadores portugueses no século XVII e a tentativa de se estabelecerem no território, tem
início uma disputa pela terra. Assim, a região se torna o epicentro e palco de uma guerra
sangrenta que se estendeu por outras províncias próximas. O conflito ficou conhecido como
Guerra dos Bárbaros, ou Confederação dos Cariris. Os portugueses, por estarem mais
preparados belicamente e contarem com o apoio dos indígenas da etnia tupi-guarani,
habitantes da faixa litorânea, conquistaram o território. Com a derrota e a dizimação dos
principais troncos indígenas do interior, os colonizadores começaram a desenvolver atividades
extrativistas e a repovoar a região com hábitos e costumes do povo europeu. (FERREIRA,
1999).
Depois de receber várias denominações, como Arraial de Santa Margarida (1687),
Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres (1696) e Povoação de São João Batista da Ribeira do
Assú (1766), em 1788 o território passa a se chamar Vila Nova da Princesa e despontava
economicamente na Capitania do Rio Grande (atual estado do Rio Grande do Norte) como
uma das maiores produtoras de carne seca da região desenvolvendo atividades de charqueada
na comunidade de Oficinas. Em 1845, a Vila Nova da Princesa é elevada à categoria de
Cidade, passando a se chamar Assú. Outras atividades econômicas são implantadas na cidade
como a extração do algodão, inclusive para comércio exportador e a extração da cera de
1 A grafia da cidade sempre provocou algumas polêmicas por aparecer escrita com SS ou Ç. De acordo com a Lei
n° 124 de 16 de outubro de 1845 a antiga Vila Nova da Princesa foi elevada à categoria de cidade com a
denominação de cidade do Assú, com SS. A partir da reforma ortográfica da Língua Portuguesa nos anos quarenta,
o nome da cidade passou a ser grafado com Ç. Contudo, um requerimento do vereador Domício Soares datado de
16 de março de 1990 restaurava a grafia com SS que passou a ser utilizada nos timbres de papéis oficiais, em
chapas de veículos e onde figurar a representatividade da autoridade municipal, sendo também ensinado nas
escolas. Em nosso trabalho manteremos sempre a grafia estipulada nos documentos oficiais (SS), mas
respeitaremos a grafia referente aos pontos designados antes da elevação da categoria à cidade, como no caso do
Rio Açu e do Vale do Açu, e na transcrição de textos.
13
carnaúba, mais voltada para o comércio nacional. O desenvolvimento econômico vivido no
município também acelera uma série de transformações que denotam um certo progresso para
uma pequena cidade sertaneja. (BEZERRA, 2010).
A partir da segunda metade do século XIX identifica-se outro sinal importante com o
florescente destaque para a produção literária e cultural por meio da circulação de jornais,
apresentações teatrais em palcos locais e uma constante produção poética. O conjunto dessas
atividades, tanto no campo socioeconômico quanto cultural, deram visibilidade à cidade que
chegou a ser considerada a Atenas Norte-rio-grandense numa alusão à cidade de Atenas,
capital da Grécia, que prosperou na antiguidade por meio de uma cultura que se expandiu por
todo o mundo ocidental nas artes, filosofia e na democracia. Nas primeiras décadas do século
XX a cidade do Assú já havia se consolidado economicamente ganhando cada vez mais
visibilidade no campo literário e cultural e organizava lentamente sua estrutura urbanística.
De forma sintética, esse é o contexto sobre o qual nos debruçamos nesse trabalho para
compreender as influências e contribuições da Educação Primária para o desenvolvimento
cultural e literário da cidade do Assú. É importante considerar que dadas as proporções de uma
pequena cidade sertaneja, o fenômeno da história da educação no Assú segue um reflexo de
fatos mais amplos relacionados ao universo de consolidação do próprio estado brasileiro no
período estudado. Isso porque concordamos com Azevedo e Stamatto (2012, p. 25) quando
afirmam que é possível acompanhar a institucionalização da escola brasileira “a partir de
alguns momentos marcantes que definiram formas de sua existência” e acreditamos, assim
como Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 73) que pensar as transformações
educacionais no Brasil “significa compreender as relações existentes entre o macro e o micro,
isto é, entre o nacional e o local, fazendo emergir um processo de inovação no campo da
historiografia ligada à história da educação”.
A primeira legislação do Império brasileiro referente à Educação Primária é instituída
em 15 de outubro de 1827 e criava as Escolas de Primeiras Letras nas cidades, vilas e lugares
mais populosos. Por ser uma importante vila do interior da província do Rio Grande do Norte
nesse período, a então Vila Nova da Princesa recebeu oficialmente uma cadeira de primeiras
letras masculina em 1829. O responsável por transmitir os conteúdos estipulados para a época,
tornando-se o primeiro professor na Vila, foi o senhor José Félix do Espírito Santo. Ainda em
1829 foi criada uma cadeira feminina, contudo, só vai ser ocupada em 1834 sob a
responsabilidade da senhora Maria Joaquina Ezequiel da Trindade. A partir do pioneirismo
desses professores, diversos outros exerceram atividades no campo do ensino primário na
cidade do Assú em escolas que funcionavam inicialmente em suas próprias residências.
14
A lei de 1827 faz parte de um momento em que o Império tentava fortalecer o Estado
Nacional apropriando-se de mecanismos de atuação sobre a população. Sendo um desses
mecanismos, a instrução era vista como uma estratégia para civilizar o povo brasileiro e
permitiria indicar caminhos para um povo livre. De acordo com Faria Filho (2003, p. 137):
A instrução possibilitaria arregimentar o povo para um projeto de
país independente, criando também as condições para uma participação
controlada na definição dos destinos do país. Na verdade, buscava-se
constituir, entre nós, as condições de possibilidade da governabilidade, ou
seja, a criação das condições não apenas para a existência de um Estado
independente mas, também, dotar esse Estado de condições de governo.
Contudo, a implantação das Escolas de Primeiras Letras durante o século XIX não
ocorreu de forma imediata e organizada em todo o país, pois, em determinados momentos
apresentaram dificuldades de consolidação, principalmente, porque estavam associadas
diretamente aos interesses de grupos político-ideológicos. Havia dificuldades de recursos
presentes em algumas províncias que demonstravam uma atuação pulverizada no ramo da
instrução. Essa realidade esteve presente em vários momentos no Rio Grande do Norte e
frequentemente provocou um fenômeno de supressão de cadeiras criadas nas cidades, vilas e
povoados.
Outros fatores que dificultaram a consolidação da oferta da instrução primária no
Império podem ser apontados: as Escolas de Primeiras Letras apresentavam métodos
pedagógicos considerados ultrapassados e sem recursos didáticos, com professores que
recebiam remuneração insuficiente não possuindo formação adequada, gerando aulas com
baixo rendimento e excluíam grande parcela da população do acesso à educação; não existiam
normas rígidas para uma estrutura organizacional que regulamentasse e fiscalizasse o
funcionamento das escolas; a educação se desenvolvia geralmente em espaços improvisados,
como na casa do professor, ou em outros ambientes pouco adaptados ao funcionamento de
uma escola pública de qualidade. Segundo Azevedo e Stamatto (2012, p. 33) quando
funcionavam na casa do próprio professor:
o mestre- escola acolhia seus alunos para as aulas em uma dependência da
sua moradia, reservada ou não para sala de aula. Podia ser qualquer cômodo:
um quarto especialmente preparado; a sala de estar da casa, transformada em
escola na hora da aula e, nas demais horas, usada pelos moradores em outras
atividades; e até mesmo a cozinha podia passar a ser de um instante para
outro, um lugar de aula.
As falhas presentes na Educação Primária imperial passam a ser alvo de tentativas de
reorganização do ensino. Souza (1998, p, 159), assinala que desde a década de 1870 uma série
15
de críticas à instrução popular indicavam a necessidade de uma escola primária diferente da
“escola de primeiras letras existente. A escola popular, instrumento de reforma social, deveria
ser completamente renovada de acordo com os padrões educacionais considerados os mais
modernos da época”.
Com a instituição da República no Brasil em 1889, seus representantes defenderam um
projeto de reforma social moderna, repensando vários espaços sociais, entre eles, a educação
popular. Segundo Carvalho (1990), é sob a divisa Ordem e Progresso que a República
fortalece sua imagem junto à sociedade, com ideias, símbolos e representações capazes de atrair
a simpatia e a aceitação do povo. Entretanto, o quadro geral de problemas das cidades brasileiras
era caracterizado por um adensamento populacional num cenário de alto grau de insalubridade
e pequena oferta de serviços e equipamentos urbanos, além de um índice muito alto de
analfabetismo.
No setor educacional, são realizadas reformas como a reestruturação da direção
superior da instrução pública e a normatização do ensino primário com o estabelecimento dos
Grupos Escolares. Esse novo modelo de escola conta com métodos pedagógicos e recursos
modernos e inovadores e era visto como a base para a formação de uma nova identidade
nacional. Por meio dos Grupos Escolares, as propostas dos republicanos eram colocadas em
prática com a finalidade de formar um povo em sintonia com os valores de ordem e progresso,
propagando hábitos de civilidade, urbanidade e patriotismo, entre outros. Caberia à escola
difundir os valores e comportamentos que seriam a base da nova nacionalidade. República e
educação escolar estavam intrinsecamente ligadas à ideia de civilização e crença do progresso.
(FERREIRA, 2009).
Para Vidal e Faria Filho (2000), os Grupos Escolares permitiam aos republicanos
romper com o passado imperial em espaços que projetavam para um futuro, em que o povo,
reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria ordeira e progressista. Analisando a
implantação e os métodos pedagógicos presentes nas primeiras edificações escolares
construídas em São Paulo no início dos anos 1890, Souza (1998, p. 171) identificou que o
modelo educacional desse estado foi tomado como sinônimo de progresso e serviu de modelo-
base para outras instituições educativas que se desenvolveram pelo país, perpetuando uma
visão de que “a escola representa as luzes, a vitória da razão sobre a ignorância, um meio de
luta contra a monarquia e, consequentemente, um instrumento de consolidação do regime
republicano”.
Azevedo e Stamatto (2012), destacam que os Grupos Escolares apresentavam um
conjunto de inovações pedagógicas com projeto arquitetônico próprio, utilizavam
16
diversificados recursos didáticos, desempenhando as atividades escolares por meio de
métodos inovadores, prezavam pela exigência de profissionais com melhor formação e
punham em circulação o modelo definitivo da educação do século XX: as escolas seriadas.
Outro fator importante no ensino presente nos Grupos Escolares era a aplicação de uma série
de documentos fundamentando o funcionamento das instituições e regulamentando sua
organização.
A dinâmica presente nos Grupos Escolares tinha a finalidade de apagar a imagem das
Escolas de Primeiras Letras do Império e reconstruir as novas bases da Educação Primária
nacional. De acordo com Vidal (2006, p. 8), esse modelo de educação proposto pelo governo
republicano organizava a ação docente em torno de séries escolares que correspondiam:
ao ano civil e eram concluídas pela aprovação ou retenção em exame final. O
ensino seriado e sequencial substituía as classes de alunos em diferentes
níveis de aprendizagem, sob a autoridade única do professor, e era regulado
pela introdução da figura do diretor, oferecendo organicidade e
homogeneidade à escolarização e produzindo uma nova hierarquia funcional
pública.
Mas, a implantação desses novos espaços de Educação Primária, que prescindiam um
sistema educacional moderno e unificado em todo o país, não ocorreu de forma concomitante.
Novos conflitos provocados por interesses políticos e de manutenção do poder na constituição
do governo republicano, nacional e nos estados, provocam uma série de dificuldades e atrasos
na implantação do novo modelo escolar. A própria realidade educacional durante a passagem
do Império para a República em que a responsabilidade da organização escolar passava do
poder nacional para os estados, e desses para os municípios, torna-se um grande entrave e
provoca um atraso na implantação dos Grupos Escolares em relação ao período que surgiram
em São Paulo.
No Rio Grande do Norte, o governador Antônio José de Mello e Souza edita, no dia
22 de novembro de 1907, a Lei n° 249 autorizando a reforma da instrução pública no estado,
dando ao ensino primário moldes mais amplos e garantindo sua proficuidade. A partir do
Decreto n°174, de 5 de março de 1908 é criado na cidade de Natal, capital do estado, o Grupo
Escolar Augusto Severo, tornando-se a primeira instituição que seguia os preceitos
pedagógicos do ensino republicano instalada no Rio Grande do Norte e serve de Escola-
Modelo para outras instituições construídas no estado. (MOREIRA, 2005).
Na cidade do Assú, a implantação desse modelo de ensino ocorreu com o Decreto n°
254, de 11 de agosto de 1911, durante a administração do Governador Alberto Maranhão. A
partir desse decreto, no dia 07 de setembro de 1911 foi inaugurado na cidade o Grupo Escolar
17
Tenente Coronel José Correia. A implantação desse novo modelo educacional ocorreu
simultaneamente ao processo de expansão literária e cultural e o desenvolvimento econômico
da cidade, que já consolidava sua presença no Rio Grande do Norte. O próprio estabelecimento
de uma instituição desse porte denotava prestígio político e econômico nas cidades e vilas
onde foram implantados nas primeiras décadas da República.
Souza (1998), aponta que a construção dos Grupos Escolares também fazia parte dos
melhoramentos urbanos, tornando-se denotativo do progresso de uma localidade. Para a autora,
a escola tornava-se um símbolo de modernização cultural e a morada de um dos mais caros
valores urbanos: a cultura escrita. A escola e a cidade tinham, portanto, identidades interligadas,
uma significando e dando sentido a outra. Na escola, enquanto templo do saber, as dimensões
da vida urbana eram traçadas. Nesse sentido, o crescimento das cidades como resultado do
processo modernizador que atingiu o Brasil nas últimas décadas do século XIX e início do
século XX trouxe à vida republicana uma nova feição: era o prelúdio da vida urbana e a escola
passa a fazer parte integrante desse cenário. (FERREIRA, 2009).
Assim, no âmbito de desenvolvimento e construção da identidade das próprias cidades
brasileiras, parece-nos importante investigar e refletir sobre as formas como a educação
participa das particularidades específicas e as múltiplas atividades que se estabelecem no espaço
da cidade, considerando um movimento de interação entre ambas. Essas múltiplas atividades
podem ser políticas, econômicas, sociais, culturais, religiosas, literárias, entre outras. Como
afirmam Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 73) elas “compõem o espaço onde
homens e mulheres vivem situações sociais reais, com necessidades e interesses diferenciados”.
O processo de escolarização que se desenvolveu nas Escolas de Primeiras Letras e no
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, na cidade do Assú, mantém uma relação
intrínseca com as múltiplas atividades e dimensões da conjuntura histórica da cidade, seja
contribuindo, participando ou recebendo influências desse contexto, principalmente, no que diz
respeito ao panorama literário-cultural por meio do qual a cidade obteve a cognominação de
Atenas Norte-rio-grandense. Para reforçar essa constatação, nos apropriamos de uma reflexão
de Faria Filho (2014, p. 28) quando afirma que a percepção do diálogo da escola, dos sujeitos
que a constroem em determinado momento, com os diversos movimentos que compõem a
cidade, intrinsecamente ligados, mas ao mesmo tempo distintos, nos possibilitam “ver uma
instituição que tanto os produziu quanto foi produzida por eles”.
Consideramos que a tarefa na qual nos propomos nesse trabalho é uma proposta
importante e necessária, notadamente, porque encontramos apenas dois trabalhos acadêmicos
de pesquisadoras que se propuseram a fazer um levantamento e análise da história da Educação
18
Primária na cidade do Assú. O primeiro é a tese de Pinheiro (1997) que tem como título
Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do Assú em prosa e verso (1876-1954) e o segundo é o
trabalho de especialização de Silva (2010) intitulado O Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, Assú – RN: modernização do ensino primário (1911-1930). Também não
encontramos nenhuma publicação de livros que abordem diretamente essa temática na cidade
do Assú. Dessa forma, essa dissertação se justifica por expressar nosso interesse em ampliar as
pesquisas histórico-educacionais no Vale do Açu, região com escolas reconhecidas no Rio
Grande do Norte, porém, sem uma base de referências ampla que supra a necessidade de
informações nesse campo. Iniciar essa perspectiva de trabalho a partir das Escolas de Primeiras
Letras no Brasil-Império e dar continuidade com o Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, símbolo da educação na Primeira República, é algo simbólico e significativo para a
expansão das pesquisas no campo da história da educação local.
Dentro do recorte temporal que estipulamos, 1829 a 1929, observamos que os modelos
educativos em questão, Escolas de Primeiras Letras e Grupo Escolar, receberam vários
destaques em períodos diversos por serem espaços de formação de pessoas da elite local,
tornando-se profissionais que contribuíram para o progresso geral da cidade. Demonstra, assim,
que a pesquisa tem grande relevância social. Além disso, um trabalho de investigação sobre a
instrução primária no Assú pode contribuir para as pesquisas histórico-educacionais no Rio
Grande do Norte, dado que no passado a cidade exerceu o papel de importante empório cultural
e econômico com visibilidade em todo o estado.
Neste trabalho, definimos como objetivo geral analisar a importância da Educação
Primária para a construção da identidade da cidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense,
considerando as influências e contribuições que se estabelecem entre as atividades culturais e
literárias desenvolvidas na cidade e o processo de escolarização no período estudado.
A partir desse objetivo, constituímos os objetivos específicos no sentido de orientar o
trabalho de análise das fontes e efetivar uma relação de transversalidade desses objetivos com
a escrita desta dissertação:
1) Evidenciar as transformações ocorridas no território original da cidade do Assú e o
desenvolvimento do contexto socioeconômico, literário e cultural desde a chegada dos
primeiros colonizadores europeus;
2) Examinar o processo de implantação da Educação Primária na cidade do Assú durante
a instituição do regime imperial à Primeira República;
3) Identificar o público alvo atendido pelo processo de escolarização da Educação
Primária na cidade do Assú dentro do recorte temporal estabelecido.
19
Sendo assim, observamos que o objetivo geral deste trabalho estabelece uma relação
com o processo de Educação Primária presente nas Escolas de Primeiras Letras e no Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia e os aspectos culturais e literários, como o jornalismo, o
teatro e a poesia, que se manifestaram na sociedade assuense a partir da segunda metade do
século XIX e primeiras décadas do século XX. Essas atividades eram exercidas pelas famílias
oligárquicas herdeiras dos colonizadores europeus estabelecidas na região e nessa sociedade
em expansão, em determinados momentos, se mostravam excludentes reproduzindo o status
dessas mesmas famílias e sua manutenção no poder local.
Dessa forma, levantamos o seguinte questionamento: como a Educação Primária
presente nas Escolas de Primeiras Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,
espaços de escolarização que tem como base o acesso ao fenômeno de alfabetização como a
leitura, a escrita e os cálculos, interage com o universo cultural e literário da cidade do Assú?
Esse apontamento nos direciona para outras duas questões: como ocorreu a institucionalização
da Educação Primária na cidade do Assú entre o Império e à Primeira República? O processo
de Educação Primária das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia atendia a todas as pessoas em fase de escolarização ou favoreciam, essencialmente,
os filhos das elites locais?
A partir do acesso à leitura das fontes, de um cruzamento de informações bibliográficas
com práticas semelhantes às que se manifestaram na cidade do Assú e de uma análise
proporcionada pelo referencial teórico-metodológico presente neste trabalho, levantamos a
hipótese de que existia um movimento de interação entre as Escolas de Primeiras Letras e o
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia com o universo cultural e literário da cidade do
Assú. Nesse sentido, a proposição fundamental é a de que a Educação Primária contribuiu
significativamente para a construção da identidade da cidade como Atenas Norte-rio-grandense
na medida em que a alfabetização mostra-se como um processo cognitivo importante e
necessário para o registro de atividades culturais e literárias. E salientamos que, ao mesmo
tempo, esses modelos educacionais apresentam influências dessas atividades como a produção
de jornais, poesias e apresentações teatrais.
O marco inicial do recorte temporal, 1829, refere-se à implantação das Escolas de
Primeiras Letras na Vila Nova da Princesa. Apesar da lei do ensino primário ter sido
promulgada no dia 15 de outubro de 1827, a primeira Escola de Primeiras Letras do sexo
masculino é criada na Vila Nova da Princesa no dia 02 de setembro de 1829. E a segunda escola,
do sexo feminino, três dias depois. A partir da implantação da primeira escola masculina, tem
20
início o exercício oficial do magistério na Vila com a atuação do professor José Felix do Espírito
Santo.
E o marco final do recorte é 1929. Este, relaciona-se com as diversas transformações e
reformas que ocorreram no setor educacional brasileiro a partir de 1930 com a implementação
de políticas educacionais empreendendo períodos complexos de estudo para a historiografia da
educação brasileira. A década de 1930 é marcada por novas propostas educacionais presentes
na atuação dos pioneiros da Escola Nova, pela ampliação da oferta do ensino primário e por
campanhas de combate ao analfabetismo, entre outros temas relacionados aos discursos da elite
política, econômica e intelectual brasileira e que representam um segundo momento histórico
do governo republicano no país. Por expressarem um novo e complexo momento da história da
educação brasileira e demandarem um tempo maior para a pesquisa e análise, decidimos não
avançar com nosso objeto para esse recorte temporal
A partir dos pontos citados anteriormente, que estruturam o nosso trabalho e contribuem
para a análise das fontes e da construção da escrita, dividimos essa dissertação em cinco
capítulos.
No capítulo 1, intitulado Ladrilhos, passeios e percursos das construções teórico-
metodológicas dialogamos com pesquisas e reflexões de diversos autores que contribuíram
para o desenvolvimento deste trabalho, explanamos a forma como selecionamos o objeto e a
análise das fontes. Nesse percurso, destacamos os caminhos percorridos a partir das opções de
temas que tentamos trabalhar ainda na fase do projeto de pesquisa, a redefinição do objeto da
pesquisa e o acesso à trabalhos de revisão da literatura de pesquisadores que nos ajudaram a
contextualizar nosso objeto e iniciar nosso próprio trabalho, como Araújo (1979), Moreira
(2005), Pinheiro (1997) e Silva (2010). Apresentamos perspectivas teóricas das quais nos
apropriamos para lançar um olhar mais atento sob o nosso objeto e compreender as diversas
possibilidades de análises construídas a partir dessas teorizações. Aqui, destacamos as reflexões
de Frago (1993) sobre a história da alfabetização, Magalhães (2004) com a história das
instituições educativas e Saviani (2013) com a história das ideias pedagógicas. Por fim,
explicamos como se deu o nosso acesso às fontes relacionadas ao objeto de estudo e a
metodologia desenvolvida no trabalho com essas fontes para chegar aos objetivos traçados.
No capítulo 2, intitulado Da batalha pelo território à Atenas Norte-Rio-Grandense:
a formação socioeconômica, literária e cultural da cidade do Assú, fazemos uma breve
reconstrução histórica da chegada dos primeiros europeus nas terras do atual estado do Rio
Grande do Norte e o contato com os habitantes primitivos. Os portugueses, mantendo relações
mais pacíficas com os índios do litoral, tiveram grande dificuldade para conquistar as terras do
21
interior da Capitania do Rio Grande e por décadas travaram uma batalha com os índios
conhecida como Guerra dos Bárbaros. Assim, foi dizimado grande contingente de população
indígena e os europeus passam a colonizar a região do interior. A partir das entradas no território
da antiga Taba-Açu, a Vila Nova da Princesa desponta como um grande empório comercial.
Com a elevação à categoria de cidade do Assú em 1845, a região torna-se ainda mais forte e
passa a desenvolver atividades econômicas importantes no campo da extração do algodão e da
cera de carnaúba. Evidencia-se também um florescimento cultural e literário com a circulação
de jornais, a produção e apresentação de peças teatrais e poesias e textos variados. Identificamos
que a expansão do universo literário-cultural apresentado nesse capítulo tem suas bases na
herança cultural europeia que chegou a região junto com os colonizadores, mas também
sinalizamos para as contribuições do ensino primário local com as Escolas de Primeiras Letras
antes mesmo desse florescimento cultural despertar na cidade. Nesse capítulo, ainda atentamos
para o fato de que diversos pontos do progresso da cidade apresentam elementos marcados por
situações excludentes, segregando grupos mais populares da sociedade assuense.
No capítulo 3, intitulado Educação Primária na Assú Imperial: Escolas de Primeiras
Letras para os filhos da Atenas Norte-Rio-Grandense, iniciamos com um breve histórico da
escolarização trazida pelos europeus para o Brasil Colônia, destacamos as tentativas de
organização de um sistema nacional do ensino no Brasil-Império e nos debruçamos mais
detalhadamente sobre o processo de institucionalização da Educação Primária no Rio Grande
do Norte e mais especificamente na cidade do Assú a partir de 1829 com a implantação de uma
Escola de Primeiras Letras masculina regida pelo professor José Félix do Espírito Santo.
Elencamos algumas informações e datas sobre os principais professores das cadeiras de
primeiras letras na cidade, identificamos dificuldades de consolidação para o funcionamento da
cadeira feminina e observamos que o público alvo atendido pelo ensino primário em
determinados momentos compunha-se de uma classe mais elitizada, reproduzindo um sistema
de segregação vigente à época. Neste capítulo, também destacamos algumas produções como
frutos da atuação de professores e alunos no campo literário e cultural. Apresentamos
informações breves sobre a Casa de Caridade e o Externato São José como espaços de educação
de crianças pobres e encerramos esse capítulo destacando as transformações provocadas pelo
governo republicano, apontando para a implantação dos Grupos Escolares.
No capítulo 4, intitulado O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e a
modernização da Educação Primária, destacamos inicialmente as tentativas de organização
da instrução primária propostas pelo governo republicano com os Grupos Escolares e algumas
dificuldades, provocando o atraso da implantação desses novos espaços educacionais no Rio
22
Grande do Norte. Com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia em 1911,
a história do ensino primário na cidade do Assú ganha um novo panorama. O modelo de
educação presente nessas instituições educativas seguia a proposta de uma pedagogia moderna
com aspectos diferentes dos existentes nas Escolas de Primeiras Letras do período imperial,
contavam com uma arquitetura própria, professores mais preparados, ensinando orientados pelo
método intuitivo, com práticas de higienismo e civilidade. Outras inovações também se referem
ao programa de disciplinas ofertadas nos Grupo Escolares contando com escrita, leitura e
cálculo como nas Escolas de Primeiras Letras, mas são inseridas diversas outras ampliando o
processo de ensino-aprendizagem por parte dos alunos com temas voltados para uma formação
mais integral como história, geografia, lições de coisas, canto, língua pátria e educação moral
e civismo. Essas duas disciplinas, em especial, tinham a finalidade de despertar nos alunos o
amor à Pátria e perpetuar hábitos de civilidade e urbanidade formando um novo cidadão com
atitudes voltadas para as propostas presentes no ideário da República.
No capítulo 5, intitulado Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia: espaço de
atividades culturais e literárias para os filhos da Atenas Norte-Rio-Grandense destacamos
as diversas atividades literárias e culturais entronizadas no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia favorecidas pelas exigências estipuladas nos documentos orientadores do
funcionamento da instituição e pela atuação e o exemplo dos professores do Grupo Escolar que
participavam ativamente da vida literária e cultural da cidade do Assú. Diferentemente das
Escolas de Primeiras Letras onde essa atuação acontecia de forma isolada, no Grupo Escolar
essas atividades ganham uma nova conotação e sentido posto que a própria instituição escolar
também se mostrava como um espaço que congregava ideias e difundia hábitos literários e
culturais, a exemplo do Grêmio Complementarista criado em 1925 pelos alunos do curso
complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Esta agremiação tinha a
finalidade de desenvolver atividades artísticas e literárias, inclusive, com a produção de um
jornal que circulou no contexto local. Também evidenciamos a produção poética de alguns
alunos e as apresentações teatrais realizadas na instituição em diversas festividades. Por último,
apresentamos o perfil dos alunos favorecidos por esse novo espaço educacional na cidade do
Assú.
A síntese dessas informações possibilitam uma compreensão da forma como
estruturamos este trabalho e das informações presentes em cada um dos capítulos. Esses,
compõem uma teia de construções e inter-relações que enxergamos como uma bússola
orientando os percursos no intuito de alcançarmos os objetivos do trabalho. Assim, os capítulos
representam a tentativa das análises de fontes e cruzamento de informações referentes ao
23
processo histórico da Educação Primária na cidade do Assú com a finalidade de reconstruir essa
história tão cara e significativa, mas também de evidenciar aspectos, fatos, personagens e
momentos importantes da própria cidade. Infelizmente, a memória dos principais
acontecimentos do passado da cidade está se perdendo pela falta de interesse das novas
gerações, ou mesmo do poder público, que não atenta para a importância dos registros desses
fatos, acontecimentos e personagens que contribuíram significativamente para a construção e a
expansão de uma cultura tão rica criada em uma pequena cidade sertaneja.
Ainda considerando ser esse um trabalho de história da educação mantendo uma relação
intrínseca com a literatura e a cultura local, na abertura dos capítulos da dissertação
apresentamos poesias de escritores assuenses e optamos por inserir autores participantes tanto
do universo educacional quanto do literário-cultural da cidade.
24
ASSÚ2
(Francisco Amorim)
Minha terra natal, revendo o teu passado
De glórias, tradições e gestos imortais.
Sinto orgulho de ter do teu seio emanado
Ouvindo o farfalhar dos verdes carnaubais.
De Ulisses Caldas és berço idolatrado,
Ninho de aspirações, gleba dos ideais,
Teu solo se assemelha ao sonho do El-dourado
Onde brotam chovendo os lírios e algodoais.
Tudo é grande em ti. As várzeas, as lagoas,
O rio a se estender em messes aos lavradores,
Do poeta a melodia, os vilões, as loas.
A noite, quando o luar no céu pede um poema
E a terra a adormecer desperta os sonhadores,
Grita na serra ao longe a triste seriema.
2 Transcrito de Assú em Revista (1980, p. 19).
25
1 LADRILHOS, PASSEIOS E PERCURSOS DAS CONSTRUÇÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS
A relação com o objeto desse trabalho surge de uma necessidade de compreender uma
série de informações sobre a história da Educação Primária na cidade do Assú. O acesso à essas
informações foi facilitado por meio de fontes e referências bibliográficas sobre o contexto da
cidade que compõem este trabalho e apresentam registros diversos de como esse processo
histórico se desenvolveu. Contudo, grande parte das obras analisadas tem relação com temas
variados da cidade como política, religião, aspectos econômicos, sociais, culturais e literários.
Não encontramos nenhuma obra do contexto local destacando ou dando atenção apenas aos
aspectos educacionais dentro do recorte temporal pesquisado. Apesar disso, essas obras
abordam o contexto geral e fazem referências aos aspectos educacionais, possibilitando uma
análise da história das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia e a importância dessas instituições para a cidade. Destacam a atuação de professores e
alunos no contexto cultural e literário da cidade e a contribuição desses agentes e sujeitos para
a construção da identidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense.
As histórias da Terra dos Verdes Carnaubais e da Terra dos Poetas sempre
permaneceram vivas na memória, principalmente, dos mais velhos. Por isso, a tentativa de
literatos contemporâneos consegue manter viva algumas das tradições antigas, como é o caso
da Academia Assuense de Letras. Criada em 23 de janeiro de 2015 numa atitude digna de
louvor, esses literatos exercem uma tarefa significativa de dar continuidade à atividades
importantes que elevaram a cidade sertaneja a se destacar no contexto cultural do Rio Grande
do Norte em tempos passados.
1.1 O ENCONTRO COM O OBJETO DE PESQUISA
Como pesquisador da história da Educação Primária da cidade do Assú, acredito ser
importante explicar como cheguei a esse objeto de estudo. Nasci em 1980 na própria cidade e
no ano 2000 passei a residir em São Paulo, onde fui seminarista na Congregação dos Cônegos
Regulares Lateranenses. Nessa nova terra de dimensões totalmente diferentes da pequena
cidade sertaneja acabei descobrindo o prazer do mundo da filosofia me formando em 2003
nesse curso. Decidi sair do seminário em abril de 2004 e depois de um tempo trabalhando em
empresas privadas participei de um concurso para professor substituto na Secretaria de
26
Educação do Estado de São Paulo, sendo aprovado. Nessa mesma época retomei os estudos e
fiz uma Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.
Em maio de 2013 resolvi sair de São Paulo e retornar para o Nordeste, especificamente
para o Assú. Em setembro do mesmo ano consegui a aprovação num concurso para professor
substituto na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), na cidade de Angicos/RN.
Ingressei na instituição em 2013.2 para ministrar aulas de sociologia. Por uma necessidade da
própria instituição e pela insuficiência de professores da área de humanas, dado que o foco da
universidade são os cursos de ciências e tecnologias, passei a ministrar também aulas de história
da educação e ética. Com essa experiência na universidade veio novamente o desejo de
continuar os estudos, sentindo-me mais preparado como professor no campo acadêmico e a
vontade de enveredar pelo campo das pesquisas iniciadas durante a especialização.
O encantamento pela disciplina história da educação acabou fazendo com que optasse
por tentar uma oportunidade como aluno ouvinte na linha de pesquisa Educação, Estudos
Sociohistóricos e Filosóficos, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Dessa
forma, cheguei em 2014.1 ao grupo de estudos orientado pela Professora Doutora Marlúcia
Menezes de Paiva. Apesar de não ser historiador nem pedagogo, via os conteúdos discutidos
no grupo de estudos como um campo inovador, pois percebia uma abordagem interdisciplinar
dos conteúdos com aspectos marcantes da filosofia, história, pedagogia, antropologia e da
sociologia. Nessa experiência, também encontrava alternativas metodológicas e temas que
possibilitassem uma ampliação de meus próprios conhecimentos, visando melhorar as aulas
ministradas na universidade.
O desejo de me tornar pesquisador no campo da história da educação ficou mais evidente
e era necessário buscar um objeto para iniciar essa empreitada. Assim, voltando-me à cidade
do Assú e recordando das histórias do passado da cidade de grandes poetas no Rio Grande do
Norte, decidi buscar nesse locus marcas de seu passado educacional. Iniciando a busca de
alguns espaços me veio a lembrança do antigo Centro Vocacional que funcionou na cidade na
década de 1980. Também por ter sido seminarista em São Paulo, considerei importante optar
por esse espaço como objeto de estudo. Em diálogos com o padre Francisco Canindé dos
Santos, antigo pároco do Assú e responsável pelo Centro Vocacional, ficou evidente a
dificuldade de trabalharmos com esse objeto, pois, segundo o padre, não existia um registro do
cotidiano das práticas realizadas no Centro Vocacional e as pessoas envolvidas, como internos
e professores colaboradores, não residiam mais no Assú.
Apesar disso, nas visitas à Secretaria Paroquial me deparei com um livro de Auricéia
Antunes de Lima (2002). Jornalista da Fundação Getúlio Vargas, ela catalogou os principais
27
registros do Livro de Tombo da Paróquia do Assú. Numa leitura sobre o histórico do
Educandário Nossa Senhora das Vitórias3 acabei descobrindo que essa instituição, voltada
inicialmente para o atendimento de meninas da elite da região, também acolheu uma escola
noturna denominada Escola dos Pobres São José (esse modelo de instituição funcionou em
vários outros espaços do estado). Essa escola alfabetizava trabalhadores e donas de casa que
não tiveram a oportunidade de estudar na época regular. Diante dessa informação procurei a
supervisão do Educandário e fui informado que todos os documentos referentes a Escola dos
Pobres haviam sido encaminhados para a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do
Norte (SEEC/RN). Numa visita ao órgão fui informado que não seria possível acessar o acervo
da instituição pois os documentos estavam passando por um processo de digitalização sem
prazo de conclusão.
Diante da impossibilidade de levar adiante pesquisas sobre os dois objetos citados,
comecei a procurar outros espaços. Nesse percurso de buscas e informações, transitando na
avenida Senador João Câmara (avenida central da cidade do Assú) sempre me deparava com a
presença da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia, um prédio com escadarias que
apesar de apresentar arquitetura antiga e estar com as paredes gastas ainda se mostrava
imponente numa das esquinas da avenida central. Com a possibilidade de definir esse novo
objeto como foco da pesquisa iniciei a busca por fontes e informações. Numa primeira visita à
escola expliquei a diretora o interesse em desenvolver uma pesquisa sobre o histórico da
instituição. Nesse primeiro momento, fui informado que muitos documentos foram perdidos,
mas existia uma parte do acervo no almoxarifado. Porém, levaria um tempo para encontrar esse
material pois, nesse espaço também era guardado o material de limpeza e outros objetos em
desuso. Nesse momento de levantamento de fontes na escola e em outros acervos particulares
para a elaboração do projeto de pesquisa, o material encontrado possibilitou a elaboração do
projeto de pesquisa para submeter ao processo de seleção do Programa de Pós-Graduação em
Educação/UFRN, em 2014.2.
Em paralelo, continuei participando do grupo de estudos na condição de aluno especial
e entendendo melhor o universo das pesquisas no campo da história da educação. Destaco a
importância dos momentos de apresentação das pesquisas em andamento dos colegas regulares
do curso e a oportunidade de apresentar nosso pré-projeto para que os colegas opinassem e
3 O Educandário Nossa Senhora das Vitórias foi objeto de estudo de Silvia Helena de Sá Leitão Morais Freire na
dissertação de mestrado intitulada O Colégio Nossa Senhora das Vitórias em Assú/RN: reconstruindo suas
práticas educativas (1927-1937). O trabalho foi defendido em 2013 no programa de Pós Graduação em Educação
da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
28
apontassem sugestões para os melhoramentos. Destaco, por exemplo, a compreensão do próprio
contexto da história da educação, definir categorias de análise, aprofundar os aspectos da
cultura escolar e da história das instituições educativas, os conceitos apropriados para cada
objeto e pesquisa, as finalidades do recorte espacial e temporal, a definição de um referencial
teórico possibilitando uma leitura mais clara do objeto e um instrumental metodológico para a
análise das fontes. A partir da assimilação desses aportes, construí o projeto intitulado Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia - história e memória de normas e práticas
educativas (1911-1949).
O processo de seleção contou com três fases: a prova escrita, a submissão do projeto de
pesquisa e a entrevista com professores do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN.
O projeto foi aceito com algumas sugestões de alterações e a orientação de que deveria buscar
mais fontes para desenvolver a pesquisa. Matriculado no Programa como orientando da
Professora Doutora Marlúcia Menezes de Paiva, iniciei em 2015.1 com o desejo de ampliar a
compreensão das pesquisas no campo da história, e, principalmente, nos estudos referentes à
história da educação da cidade do Assú, mas, também com a meta de encontrar mais fontes para
ampliar a construção de nosso trabalho.
À medida que conseguia mais fontes para desenvolver o trabalho, foi se desvelando um
outro ponto importante da história da educação da cidade referente ao processo educacional
anterior à implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, as Escolas de Primeiras
Letras surgidas na cidade em 1829. Durante as orientações com a professora Marlúcia,
entendemos que esse período não poderia ser descartado da pesquisa, pois acreditávamos que
o surgimento das Escolas de Primeiras Letras na cidade teria uma relação de contribuições com
o contexto literário e cultural iniciado no Assú na segunda metade do século XIX e primeiras
décadas do século XX. Confrontando dados históricos e analisando a passagem das Escolas de
Primeiras Letras para o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, percebemos que por mais
de um século a instrução primária foi a única ofertada em Assú. A primeira escola secundária
foi criada na cidade na década de 1940.
Dessa forma, do objeto de estudo inicial, restrito ao Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia, decidimos destacar também a presença das Escolas de Primeiras Letras no
contexto da cidade e evidenciar como objeto desse estudo a história da Educação Primária.
Levantamos, principalmente, a perspectiva de como esse processo de escolarização elementar
contribuiu com o desenvolvimento cultural e literário da cidade, mas procuramos evitar uma
neutralidade dos aspectos da pesquisa ou uma restrição apenas ao recorte espacial da cidade do
Assú. Relacionamos esse processo de escolarização com os principais dispositivos orientadores
29
da instituição do ensino primário no país tanto no regime imperial quanto no governo
republicano, além de associarmos esse objeto com a realidade do próprio Rio Grande do Norte,
que em determinados momentos apresentou dificuldades para consolidar um sistema de
educação.
1.2 REVISÃO DA LITERATURA
Com o objeto de estudo de nosso trabalho definido, buscamos conteúdos sobre a história
da Educação Primária no Rio Grande do Norte que mantivessem uma relação com as
instituições de ensino na cidade do Assú e orientassem a construção de nosso trabalho. Dessa
forma, partimos para uma revisão da literatura do objeto de pesquisa a partir dos trabalhos de
Araújo (1979), Moreira (2005), Pinheiro (1997) e Silva (2010).
A tese de Pinheiro (1997) intitulada Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do Assú em
prosa e verso (1876-1954), foi a única fonte encontrada no banco de teses e dissertações do
Departamento de Educação da UFRN com referências do contexto da cidade do Assú no recorte
de nosso trabalho. Apesar de não ser uma pesquisa voltada diretamente à Educação Primária,
consideramos um trabalho significativo para nossa pesquisa por abordar como objetivo geral a
reconstituição das práticas da professora Maria Carolina Wanderley Caldas – D. Sinhazinha
Wanderley, musicista, poeta, escritora e professora no município de Assú. Por quase quarenta
anos, a referida professora ministrou aulas no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
Nesse processo de reconstrução biográfica, Pinheiro (1997) cita tanto as práticas
culturais urbanas desenvolvidas pela professora, quanto as práticas pedagógicas. Antes da
implantação da instrução pública republicana na cidade do Assú, Sinhazinha manteve por livre
iniciativa em sua casa uma escola de alfabetização chamada Externato São José onde acolhia
crianças de todas as classes sociais num período em que a cidade do Assú apresentava diversos
aspectos excludentes. Logo depois da experiência no Externato São José, Sinhazinha fez parte
do primeiro corpo de docentes do Grupo Escolar da cidade e contribuiu para a formação de
várias gerações de intelectuais.
A partir da leitura da tese de Pinheiro (1997), observamos que as práticas culturais da
professora Sinhazinha Wanderley, referentes ao campo da literatura, do jornalismo, da poesia
e da música, influenciaram alguns dos seus alunos tanto no Externato São José, quanto no
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Podemos citar, como exemplo, Francisco
Amorim, seu aluno no Externato que passou a tocar instrumentos musicais a partir do contato
30
com essas aulas; ou Rômulo Chaves Wanderley, aluno da professora no Grupo Escolar que se
tornou poeta, escritor e jornalista.
Outros pontos da pesquisa da autora nos subsidiou com informações importantes sobre
o desenvolvimento histórico e o contexto sociocultural, literário e econômico da cidade do
Assú; as referências a alguns professores das Escolas de Primeiras Letras durante o período
imperial, suas práticas educacionais e a relação dos mesmos com o contexto cultural e literário
da cidade; a trajetória da formação profissional de Sinhazinha Wanderley e Clara Carlota de Sá
Leitão, primeiras professoras do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e a presença de
outros agentes e sujeitos importantes para o Grupo Escolar, como Luiz Correia Soares de
Araújo e Alfredo Simonetti, professores e diretores da instituição.
O trabalho de especialização de Silva (2010) intitulado O Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia, Assú – RN: modernização do ensino primário (1911-1930) teve
como objetivo compreender o processo de renovação da Educação Primária na cidade do Assú.
A partir da leitura desse trabalho compreendemos o processo de implantação do Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia na cidade, os personagens e figuras influentes que contribuíram
para a realização desse acontecimento, seus primeiros educadores, os métodos pedagógicos
aplicados e como se desenvolviam algumas práticas. A pesquisadora destaca a importância da
instituição educativa no contexto da cidade, além da identificação de similitudes entre o Grupo
Escolar do Assú e outros desenvolvidos no país. Em suas conclusões, Silva (2010, p. 49)
considera:
identificamos no Grupo Escolar de Assú, do mesmo modo dos grupos
escolares do Estado e de uma maneira geral, a representação das inquietações
da época, a reinvenção da cultura escolar segundo as aspirações republicanas
de uma possível homogeneização das práticas culturais formadoras e
conformadoras ao homem novo da modernidade.
Cientes da perspectiva presente no ideário republicano de formar e homogeneizar um
novo perfil de cidadão por meio da educação, consideramos essa conclusão importante e
necessária. Contudo, pretendemos aprofundar essa reflexão e entender as manifestações da
educação proposta pelo governo republicano de forma mais direta no contexto da cidade do
Assú no intuito de investigar as nuanças e características desse processo, dentro das
peculiaridades do contexto local.
Ainda destacando o trabalho de Silva (2010, p. 49-50):
podemos dizer que a escrita da história do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, enquanto instituição escolar primária foi uma das primeiras no Estado
do Rio Grande do Norte, e serviu de referência, através da organização de
31
ensino mantendo uma estrutura invejável, apresentava através do trabalho
docente, práticas educativas que iam muito além do seu tempo, sendo signo da
modernidade no início do século XX no Estado do Rio Grande do Norte.
Consideramos o trabalho de Silva (2010) um aporte para quem busca pesquisar a história
do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, no entanto, essa leitura nos fez compreender
que havia outros pontos a serem abordados em relação a instituição, como as informações sobre
o contexto histórico da cidade e a forma como o Grupo Escolar estava inserido nesse contexto;
ampliar a investigação sobre a interação entre as práticas pedagógicas e a cultura urbana;
conhecer a atuação dos agentes e sujeitos envolvidos no cotidiano da instituição, como
professores e alunos, além de apresentar aspectos do processo de Educação Primária existente
antes da chegada do Grupo Escolar e as relações estabelecidas entre esses modelos educacionais
e o desenvolvimento da cidade.
Na tentativa de obtermos mais informações sobre a educação pré-republicana, nos
deparamos com a dissertação de mestrado de Araújo (1979), Origens e tentativas de
organização da rede escolar do Rio Grande do Norte da Colônia à Primeira República.
Esse trabalho pioneiro de investigação da organização da escolarização no Rio Grande do Norte
apresenta aspectos históricos importantes de como esse processo se desenvolveu. A autora
aponta o marco da escolarização na então Capitania do Rio Grande no Brasil Colônia com a
criação de uma cadeira de Latim no dia 21 de julho de 1731, na cidade de Natal, e dá
continuidade perpassando a Independência do Brasil, em 1822, e a Proclamação da República,
em 1889.
Assim, relacionando a história da educação potiguar com esses importantes períodos
histórico-políticos do país, durante o Brasil-Império são instituídas na então Província do Rio
Grande do Norte as Escolas de Primeiras Letras, em 1827, fato que estava em sintonia com a
implantação dessas escolas na nova monarquia. Durante o governo republicano, foram
instituídos os Grupos Escolares a partir da criação dessas instituições em São Paulo, por volta
de 1890, apresentando aspectos inovadores em relação às escolas do período anterior. Esse novo
modelo foi implantado no Rio Grande do Norte com a criação do Grupo Escolar Augusto
Severo. Construído em 1908 na cidade de Natal, tornou-se a Escola-Modelo para os outros
grupos criados no estado.
Araújo (1979) se apropria de um rico acervo de fontes e documentos que especificam o
processo de organização da educação no estado e a partir de análises minuciosas evidencia os
entraves nas tentativas de organização de um sistema educacional no Rio Grande do Norte,
provocados por conflitos ideológicos e econômicos. Todavia, fica evidente que as dificuldades
32
de organização desse sistema educacional seguiam o fluxo de uma realidade presente em todo
o país, pois o governo em diversos momentos históricos demorou para considerar a educação
como uma verdadeira prioridade e destinava recursos insuficientes para a consolidação desse
sistema, ou passava essa responsabilidade para os estados, que, por sua vez, direcionavam-na
para os municípios.
Os documentos analisados pela autora apresentam informações importantes sobre os
diversos modelos de educação formados no Rio Grande do Norte, como as Escolas de Primeiras
Letras e o Ateneu Norte-rio-grandense, no regime imperial, e as escolas normais e os Grupos
Escolares, durante o governo republicano. Também existem referências sobre as realidades
vividas pelo corpo docente do estado e as dificuldades relacionadas aos salários, formação
profissional, ambiente de trabalho e metodologia, número de alunos por turma e valorização
pelo poder público e a sociedade, entre outras informações.
Araújo (1979) apresenta o número de escolas masculinas e femininas, matrículas de
alunos nas escolas criadas no Rio Grande do Norte durante o regime imperial e estatísticas sobre
os Grupos Escolares. Nesse sentido, além das informações relacionadas às dificuldades
provocadas pelo contexto político e econômico no estado e no país, a dissertação se tornou uma
referência para o nosso trabalho principalmente por nos subsidiar com dados estatísticos tanto
das Escolas de Primeiras Letras quanto do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia que
não tivemos acesso nas produções sobre o contexto da cidade do Assú.
O trabalho de Moreira (2005), Um espaço pioneiro de modernidade educacional:
Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN – 1908-1913, também possibilitou
informações para a compreensão de nosso objeto de estudo. A autora desenvolveu uma pesquisa
importante sobre o Grupo Escolar Augusto Severo se apropriando de estudos historiográficos
sobre o processo de modernização de algumas cidades brasileiras e as inovações da instrução
primária no país no final do século XIX e início do século XX. A dissertação apresenta
contribuições significativas para os estudos de arquitetura, história e pedagogia e tem o objetivo
de entender a representação da instituição como equipamento urbano no processo de
modernização da cidade de Natal, também evidenciando a importância do Grupo Escolar
Augusto Severo como modelo educacional a ser seguido em todo o estado do Rio Grande do
Norte. A autora destaca a reconstrução da conjuntura econômica, social e política determinante
das intervenções públicas empreendidas em Natal pelo governo republicano, visando a
construção de uma cidade embelezada, higienizada e civilizada.
Tomando como referência o trabalho de Moreia (2005), nos apropriamos de algumas
reflexões no sentido de entendermos o mapeamento dos Grupos Escolares criados no Rio
33
Grande do Norte nas primeiras décadas do século XX e o cenário socioeconômico e político
nesse período. Na ordem de criação dos Grupos Escolares a partir dos núcleos populacionais
mais representativos do estado, ou mais fortes politicamente, a autora aponta que o Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia foi a 14ª instituição criada no Rio Grande do Norte, numa
relação de vinte e quatro grupos inaugurados entre 1908 e 1913.
Os trabalhos citados anteriormente apresentaram contribuições significativas para o
desenvolvimento de nossa pesquisa. Alguns deram mais destaque para a organização das
Escolas de Primeiras Letras e outros para os Grupos Escolares, mas tentamos aproveitar as
análises presentes nos mesmos no sentido de associar esses elementos com a própria
reconstrução da história da Educação Primária na cidade do Assú.
1.3 REFERENCIAL TEÓRICO
Para avançarmos nas reflexões e apontamentos levantados em nossa dissertação a partir
de uma relação com as obras da revisão da literatura e tentarmos responder as questões e
objetivos estipulados, fazia-se necessário situarmo-nos num aporte teórico e, posteriormente,
metodológico. A partir das teorizações e métodos selecionados para a construção da pesquisa
encontraríamos auxílios para a análise das fontes e o amadurecimento das reflexões e
apontamentos.
De acordo com Barros (2013), a construção de um referencial, ou quadro teórico,
relaciona-se com uma maneira de ver o mundo ou da compreensão dos fenômenos examinados
e torna-se importante para o pesquisador definir o campo ou a subárea do conhecimento em que
sua pesquisa está inserida. Dentro da história, por exemplo, podem ser entrevistos vários
campos ou domínios, como a história econômica, história cultural, história das mentalidades,
história política, entre outras. Também pode ocorrer uma combinação dos temas destacando
enfoques e contribuições entre os campos e a relação dos tipos de história com tipos de
abordagens variadas, como fontes utilizadas e escala de observações.
Nossa pesquisa insere-se no campo da história cultural e mais especificamente, na
história da educação que vem se desdobrando em novos objetos, superando limitações
metodológicas resultantes de análises estruturais estreitas e lineares. Também vem abrindo-se
ao diálogo com a filosofia, a sociologia, a psicologia, a antropologia e a linguística, alcançando
revalorização conceitual e centralidade nos discursos, nas práticas educativas e representações
simbólicas.
34
Delimitamos as investigações referentes ao nosso trabalho em três perspectivas da
história da educação: história da alfabetização (FRAGO, 1993), história das instituições
educativas (MAGALHÃES, 2004) e história das ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013). A partir
delas, tentamos abarcar uma diversidade de elementos presentes no universo da história da
educação que colaboram com a compreensão de uma visão mais estrita presente no nosso objeto
de estudo: a Educação Primária.
A análise desse objeto encontra ensejo nos elementos delimitados em nosso referencial
teórico, dado que a história da alfabetização está ligada à institucionalização da Educação
Primária; a história das instituições educativas colabora com a noção da necessidade de
implantação do processo de escolarização do ponto de vista normativo, sociocultural,
ideológico-político e espacial; e a história das ideias pedagógicas apresenta um olhar mais
concreto e real sobre a forma como esse processo de escolarização se materializa dentro do
recorte temporal delimitado.
As ideias pedagógicas podem ser compreendidas na forma como as ideias educacionais
encarnam-se no movimento real e concreto da educação orientando e constituindo a própria
substância da prática educacional. As ideias pedagógicas expressam um processo diferente das
ideias educacionais, pois esse segundo elemento decorre da análise do fenômeno educativo,
buscando explicações em diferentes disciplinas científicas tendo a educação como objeto, ou
derivadas de determinada concepção de homem presente na constituição clássica do campo da
filosofia da educação.
No universo das ideias pedagógicas, respaldamo-nos em Saviani (2013, p. 7, grifos do
autor) quando aponta que “com efeito a palavra ‘pedagogia’ e, mais particularmente, o adjetivo
‘pedagógico’ tem marcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, de
realizar o ato educativo”. Essa manifestação mais peculiar e concreta da educação presente na
visão de ideias pedagógicas se caracteriza nas diferenças geográficas, nos conflitos políticos,
nos interesses socioeconômicos, entre outros elementos que necessitam ser analisados com
atenção para compreender exatamente o porquê do processo educacional ter se realizado de
forma diferente do proposto em determinado projeto.
A história da alfabetização pode ser entendida como um fenômeno importante e de
transformação da própria relação da humanidade com o mundo. Nas culturas primitivas e
mesmo para o analfabeto, que desconhece ou guarda escassas relações com a escrita, adquire-
se uma relação mais direta com a linguagem oral, expressão do próprio pensamento de quem
35
não tem acesso ao mundo do letramento4, diferentemente de uma pessoa alfabetizada que tem
a possibilidade de expressar seu pensamento utilizando a escrita. Dessa forma, a escrita,
juntamente com outras grandes invenções, como a roda e o fogo, modificou profundamente a
mente e a vida humana, possibilitou novas estratégias cognitivas, modos de pensamento e
expressão, sentidos ou percepção do tempo e do espaço e novos modos de enxergar a realidade
e o próprio ser humano.
A escrita transformou-se numa tecnologia da comunicação e, como diz Frago (1993, p.
23):
sua existência tornou possível, juntamente com outros fatores, o nascimento da
filosofia e da ciência, assim como do registro e do arquivo, isto é, da história.
Propiciou, ao mesmo tempo, o saber contextualizado, a exegese ou
interpretação adaptativa do texto canonizado e a subjetividade e introspecção
- o diário ou a carta pessoal.
Dessa forma, associamos esse fenômeno de criação da escrita como estruturante da
própria ideia de alfabetização, com as diversas finalidades dos processos de construção da
Educação Primária que possibilitam aos alfabetizados uma nova visão de mundo e a inserção
em um universo criativo, inovador e plural como as práticas culturais e literárias desenvolvidas
na cidade do Assú.
A criação da escrita como importante elemento de comunicação na antiguidade
possibilita uma série de inovações na forma de transmissão de conhecimentos que dão origem
ao processo de escolarização e, consequentemente, de alfabetização com métodos e práticas
que buscam se adequar as diversas realidades espaciais e temporais. Essas transformações
também mantem uma sintonia com interesses e influências de grupos diversos.
Segundo Magalhães (2004), durante o século XIX nasce uma série de movimentos
cruzados de educação e escolarização e a construção de políticas, cumplicidades, identidades e
territorialidades gerando uma cultura escolar interpretada como meio e fator de tecnologização
e institucionalização de uma nova realidade e um novo movimento de emergência que
implicava uma oposição à tradição marcada pela ruralidade e por práticas ancestrais.
Influenciados pela perspectiva inovadora que o processo de alfabetização possibilita ao
desenvolvimento da civilização e pela diversidade de elementos históricos que constroem uma
4 Frago (1993) chama a atenção em seu trabalho para a dificuldade de acesso aos conhecimentos variados da
cultura e da produção humana e que caracterizam diversos analfabetismos, como o analfabetismo digital, o
analfabetismo científico, o analfabetismo idiomático, entre outros. De forma oposta, o acesso a esses diversos
elementos também configuram uma relação de alfabetização com determinado conhecimento. Delimitamos o
nosso trabalho no campo da alfabetização relacionada ao universo do letramento e da escrita possibilitados pelo
sistema escolar.
36
nova visão do processo de escolarização das instituições educativas a partir do século XIX,
entendemos que a implantação de um sistema de instrução primária por meio das Escolas de
Primeiras Letras no Brasil-Império, podem ser vistas como uma iniciativa de projeto de
consolidação de uma nova identidade para a monarquia nascente.
Apesar dos sucessivos entraves que impossibilitaram a concretização desse projeto
durante o período imperial, ele teve seus méritos por ser o embrião de um projeto que vai
encontrando possibilidades de concretização no governo republicano com a instituição dos
Grupos Escolares, modelo que traduz uma nova perspectiva de modernização pedagógica no
contexto da história das instituições educativas no Brasil e de relação com os métodos de
alfabetização.
Criados para substituir as Escolas de Primeiras Letras vigentes no período imperial, os
Grupos Escolares apresentavam uma perspectiva ampla de novos elementos pedagógicos com
o uso do método intuitivo, o fim dos castigos físicos, instalações arquitetônicas próprias e
traduziam uma linguagem de códigos e símbolos, com profissionais mais bem preparados e a
aplicação de um processo de seriação das turmas, entre outros elementos. Porém, à luz das
ideias pedagógicas, compreendemos que essas inovações não se manifestaram por meio de uma
ruptura brusca. Mesmo no período imperial, ocorreram tentativas de se consolidar métodos
pedagógicos que foram considerados inovadores no cotidiano dos Grupos Escolares. Por outro
lado, a instituição desses espaços escolares não significou que as Escolas de Primeiras Letras
desapareceram do universo educacional brasileiro. Mesmo com outras denominações, esse
modelo continuou vigente por muitos anos do governo republicano.
No processo das teorizações sobre a história das instituições educativas, Magalhães
(2004) procura esclarecer a multiplicidade de matizes que permeiam as relações entre educação,
instituição e história.
Para o autor, educação seria um processo multiportador e continuado de (in)formação
e desenvolvimento da pessoa que se realiza pela interação consciente das questões humanas e
sociais centradas no sujeito como modalidade de projeto. Apresenta uma representação de
futuro mediada entre a idealização e a realidade educativa, constituindo, ainda, uma atualização
epistemológica estruturada nas relações sociais e de poder, coincidindo nos agentes e sujeitos,
tempos, objetivos e resultados. Essa visão de educação presente nas teorizações de Magalhães
de certa forma se aproxima das ideias pedagógicas de Saviani, dado que nas segundas existe a
proposta de uma modalidade de projeto educacional que pode realizar-se de forma diferente da
idealizada e que também sofre interferências de relações sociais e de poder.
37
Da mesma forma, Frago (1993) afirma que as habilidades da alfabetização, como a
leitura e a escrita, vistas como instrumentos possibilitados pela aprendizagem nos espaços de
escolarização que implicam concepções e percepções de formação e desenvolvimento da pessoa
humana a partir de elementos fundamentais como a consciência e a mente, também são
determinadas por estruturas espaciais e temporais, mas, principalmente, por modalidades de
projeto centradas comumente por relações sociais e de poder.
Instituição é vista por Magalhães (2004) como a conversão de uma instância
organizacional em espaço existencial. A própria relação dos agentes e sujeitos torna-se
educativa nesse movimento dialético de evolução e complexidade do estar para o ser. O
momento educativo institui-se quando origina um espaço que compreende processos e
mecanismos e o estabelecimento de relações entre a instituição educativa e o contexto social
em que se desenvolve.
Assim, independente das críticas posteriores às Escolas de Primeiras Letras que
funcionavam nas residências dos professores, esses espaços podem ser apontados como uma
instituição educativa, dado que existia uma materialidade do processo ensino aprendizagem,
com procedimentos e métodos. Contudo, isso vai ficar mais evidente com o surgimento dos
Grupos Escolares, pois eram vistos como um espaço propício e adequado para o
desenvolvimento dessa relação.
E o terceiro elemento apontado por Magalhães (2004) é a história. Segundo o autor, ela
está permeada por uma série de dimensões referenciadas pela noção de verdade, construção de
informação, hermenêutica, comunicação, validação e relevância do conhecimento, que
implicam em fontes (informação, arquivos, tratamento de dados), método (articulação entre
interpretação, conceitualização, instrumentalização), um objeto e uma narrativa.
A análise e a interação entre os referidos termos apontam para a ideia da construção das
instituições educativas como resultante de uma totalidade em desenvolvimento. O sentido
histórico dessa totalidade deve ser investigado a partir dos quadros de um paradigma relacional
que se manifesta numa ideia de mesoabordagem, estruturada na relação entre as instituições
educativas e a comunidade envolvente com uma abordagem cruzada entre os planos macro,
meso ou micro-histórico.
O plano macro configura-se pela compreensão socioinstitucional, ou sistêmica; o micro
refere-se ao universo intrínseco ao âmbito escolar e à sala de aula; e o meso implica uma visão
de conjunto que oscila entre os dois planos anteriores. De acordo com Magalhães (2014, p.
169), é exatamente dessa relação da mesoabordagem, resultante do entrelaçamento das
38
instâncias educação, história e instituição, que ocorre a possibilidade de tecer nexos entre essas
mesmas instâncias e “torna-las inteligíveis, racionais, significativas, projetivas”.
O autor também estabelece uma série de conceitos essenciais na construção da tessitura
dos nexos relativos à história das instituições educativas. Em nosso trabalho nos apropriamos
das noções de comunidade envolvente, agentes e sujeitos e práticas educativas, no intento
de alcançarmos os objetivos estabelecidos.
A noção de comunidade envolvente mostra-se significativa numa abordagem
relacional com a instituição educativa, dado que seu percurso histórico seria inviável analisando
apenas os aspectos internos. A instituição educativa afeta o contexto geográfico e sociocultural
em que está inserida, todavia, ela também é influenciada pelas culturas, expectativas e aspectos
do meio local.
Podemos aproximar essa noção de comunidade envolvente de Magalhães das ideias
pedagógicas de Saviani, principalmente no sentido de que a normatização do processo
educacional, ou o que se esperava da concretização de um suposto projeto educacional, sofre
influências no contato com fatores externos do contexto geográfico e social onde a instituição
está inserida e a própria instituição apresenta contribuições nas transformações do contexto
externo. Da mesma forma, a alfabetização é vista por Frago (1993) como um fenômeno
complexo que mantem inter-relações com uma ampla diversidade de causas e efeitos, segundo
um determinado país, uma região ou um momento histórico.
Comungando da junção dessas perspectivas, acreditamos existir uma inter-relação no
processo de alfabetização ainda na Vila Nova da Princesa com as Escolas de Primeiras Letras
e, posteriormente, na cidade do Assú com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia. Entendemos que esses processos seguem uma legislação que normatiza suas
atividades em períodos distintos, mas visamos compreender as contribuições da Educação
Primária possibilitando o acesso ao mundo da alfabetização e da escrita e as influências desses
elementos formativos para o surgimento do contexto literário e cultural que se expandiu na
cidade. Da mesma forma, investigamos as influências que o universo cultural e literário
existente na cidade do Assú desperta nos habitantes que participam do processo de
escolarização primária, como o desejo de apropriarem-se dos códigos da leitura.
Entretanto, analisamos esse intercâmbio do universo das atividades educativas e urbanas
a partir da concretização das ideias pedagógicas relacionadas com o plano político local,
estadual e nacional presente no regime imperial e no governo republicano que buscam formar,
por meio da educação, um novo homem que participe mais efetivamente dos interesses da
nação.
39
Nesse sentido, tentamos compreender a presença desses espaços de Educação Primária
num limite geográfico determinado que está se desenvolvendo, marcado por uma economia em
desenvolvimento com a extração da carnaúba e do algodão; por uma série de serviços públicos
e privados e a construção de espaços que contribuem com o desenvolvimento social. Atentamos
para uma cultura urbana que se expande gradativamente com a produção da literatura, do
jornalismo, da poesia e do teatro, convergindo para a construção da identidade da cidade do
Assú como a Atenas Norte-rio-grandense.
Para Magalhães (2004), os agentes e sujeitos são identificados como gestores, docentes,
demais funcionários e alunos, personagens envolvidos com as instituições educativas e que
agem de formas variadas no sentido de atingir seus intentos, demonstrando ser necessário inferir
propósitos, perspectivas, formas de realização e participação e itinerários escolares e
extraescolares.
A partir dessas orientações, procuramos compreender a origem e a finalidade dos
agentes e sujeitos envolvidos nas tramas institucionais. Com base nas fontes disponíveis,
investigamos inicialmente a presença dos professores das Escolas de Primeiras Letras e suas
práticas consideradas rudimentares em um período em que o sistema de instrução primária
estava tentando se consolidar. Posteriormente, analisamos a presença dos diretores, professores
e outros funcionários que atuam no contexto dos Grupos Escolares fortalecendo a ideia de uma
estrutura organizacional hierárquica, além da necessidade de uma formação mais ampla e
apropriada para o ensino ministrado nesses novos espaços educacionais.
Esse movimento também nos possibilita a oportunidade de analisar as práticas desses
agentes e sujeitos a partir dos projetos normativos e confrontar essas ideias com as realidades
vividas por esses profissionais em períodos distintos. Pode apontar rupturas ou continuidades
na forma como exerciam suas atividades pedagógicas, como eram tratados pelo poder público,
como eram vistos pela própria sociedade e ainda, como participaram do universo cultural e
literário da cidade do Assú. Além disso, buscamos inferir como esses profissionais lidaram com
as transformações no campo educacional que possivelmente ocorreram em nosso recorte
temporal, principalmente por entendermos que a alfabetização é uma tecnologia da
comunicação que sofre influências de novos métodos e práticas pedagógicas.
Em relação aos alunos, Magalhães (2004) propõe uma variedade de indicadores que
caracterizam o fluxo dos discentes como representativo da problemática relacional entre a
instituição e a comunidade envolvente. Em nossa pesquisa, demos prioridade aos tópicos de
origem geográfica, econômica, sociocultural, percursos escolares e formas de relacionamento.
40
A partir desses indicadores, foram realizadas algumas reflexões necessárias para
orientar pontos de nosso trabalho enfatizando o protagonismo e a participação dos alunos no
contexto cultural e literário da cidade do Assú a partir de contribuições da Educação Primária.
Isso nos permitiu entender quais sujeitos eram atendidos por esses espaços educacionais na
cidade e se o processo de escolarização era ofertado para os diversos setores sociais ou estavam
voltados apenas para a elite local.
Esses indicadores se mostram importantes também porque, muitas vezes, uma pessoa
alfabetizada tem possibilidades, opções e vantagens em relação a quem não é alfabetizado.
Mesmo caracterizando ou fortalecendo um possível sistema excludente, a posse da habilidade
de ler, escrever, da linguagem imagética, numérica e de formulações algébricas presentes em
conteúdos da instrução primária mostra-se mais funcional e vantajosa para um indivíduo no
universo econômico, profissional, ideológico ou mesmo de status, dado que a alfabetização
mantem relação intrínseca com uma estrutura sócio-ocupacional. (FRAGO, 1993).
Isso ficou evidente dentro do recorte temporal que estipulamos em nosso trabalho, haja
visto que os modelos educacionais implantados no Império e nas primeiras décadas da
República favoreciam, em diversos pontos do país, uma camada populacional com maior poder
aquisitivo.
Delimitamos esses indicadores porque relacionam-se com dimensões das práticas
educativas propostas por Magalhães (2004), por meio das quais se veiculam crenças, normas,
condutas, valores e capacidades apropriadas pelos estudantes e que mantém uma estrita relação
com o contexto sociocultural e político. Assim, o processo histórico de institucionalização da
escola compreende uma complexidade de planos material e organizacional que atentam para
uma cultura escolar em bases normativas, culturais, hierárquicas, metodológicas e relacionais.
Essa série de elementos constituem uma gramática consolidada na internalidade e na
especificidade da estrutura escolar e em sua relação mais direta com os aspectos sociocultural
e político.
Associamos o processo de institucionalização das práticas educativas com os diversos
elementos normativos utilizados pelos dirigentes públicos no processo de funcionamento das
Escolas de Primeiras Letras e dos Grupos Escolares. Mesmo em períodos diferentes, existiam
legislações nacionais ou estaduais que orientavam o funcionamento das instituições e sua
estrutura organizacional. Por meio de códigos e condutas, principalmente nos Grupos
Escolares, buscava-se inculcar finalidades expressas por mecanismos de divulgação dos valores
e objetivos do ideário republicano. A apropriação desses códigos e condutas se manifestava na
transmissão de um conjunto de práticas que visavam definir e moldar os comportamentos das
41
futuras gerações criando o perfil de cidadão civilizado e ordeiro, preocupado e engajado na
construção da ordem e do progresso da nação.
Todavia, as crenças, normas, condutas e valores veiculados no campo educacional como
práticas, podem estar relacionadas diretamente com interesses mais particulares de pessoas ou
grupos com tendências político-ideológicas, socioculturais ou ético-morais, entre outras, que
desvirtuam a finalidade inicial da educação. Essa realidade de interesses particulares que
manifesta aspectos concretos de transformação educacional expressam um conteúdo mais
direcionado para as ideias pedagógicas de Saviani (2013), dado que a proposta educacional
ocorre de forma divergente da que se esperava.
No caso das Escolas de Primeiras Letras, essa inversão na institucionalização do que se
propunha na legislação de 1827 foi comum em diversos momentos do Brasil-Império em que
os interesses de diversos representantes ou grupos políticos sempre se fizeram valer e foram
motivo de alterações na lei original. No caso do Rio Grande do Norte, isso fica evidente num
movimento de criação e supressão de escolas influenciado pelos momentos instáveis de
economia que o estado enfrentava, limitando o acesso à educação para grande parcela da
população. Durante a instituição do governo republicano, marcado por diversos conflitos
políticos no estado e uma administração nacional que direcionava poucos recursos à educação,
a materialidade do processo educacional também ocorre de forma bem distante do que estava
proposto na legislação.
O fato de a responsabilidade da implantação da instrução primária passar do governo
nacional para os estados, e desses para os municípios, tornou ainda mais complexa a realidade
do sistema educacional dentro dos parâmetros desejados. Esse movimento também relaciona-
se com o fenômeno da alfabetização que está marcado, segundo Frago (1993, p. 31) pela
“identificação dos interesses e bases ideológicas que o motivavam e o legitimavam, dos agentes
que o impulsionavam ou freavam, de seus modos e procedimentos, e a análise de sua difusão
temporal, espacial e social”.
Diante das reflexões referentes ao nosso referencial teórico e apresentadas as
contribuições dos autores, partimos para o trabalho da noção de métodos, fontes e referências
bibliográficas centrais utilizados na construção de nossa dissertação.
1.4 METODOLOGIA, FONTES E BIBLIOGRAFIA
De acordo com Barros (2013), na elaboração de pesquisas científicas a metodologia
remete a uma maneira de trabalhar um objeto, eleger, constituir e extrair algo de materiais e se
42
movimentar sistematicamente em torno do tema definido, vinculando-se a ações concretas,
dirigidas à resolução de problemas, remetendo à ação ou um modo de fazer. Nas pesquisas
históricas, os procedimentos técnicos e metodológicos especiais podem contar com análise de
discursos de obras relacionadas ao objeto de pesquisa e dependendo do tipo de fontes históricas
utilizadas, realizam-se análises quantitativas e seriais.
Em nosso trabalho, optamos pela investigação documental e bibliográfica no sentido de
fundamentar, por meio da leitura e análise do referencial teórico, fontes e referências
bibliográficas, a reconstituição do percurso histórico do objeto. Consideramos a investigação
de pontos essências, como a gênese e o desenvolvimento das supostas instituições educativas,
a natureza e interação do processo de escolarização e alfabetização na comunidade envolvente
e suas influências no contexto sociocultural do recorte espacial que delimitamos. Também
atentamos para a forma como esse processo se materializa considerando o idealizado nos
projetos e a prática real e concreta.
No estudo da história das instituições educativas, Magalhães (2004) cita como fontes
essenciais os artefatos, os registros verbais e escritos, documentações discursivas, arquivísticas
e museológicas e as memórias e histórias de vida. O acesso às fontes mostra-se como um recurso
preponderante e fundamental no desenvolvimento das pesquisas em história.
Todavia, Julia (2001) afirma que o descrédito atribuído a este gênero de produção e a
obrigação em que periodicamente se encontram os estabelecimentos escolares de ganhar
espaço, levam-nos a jogar no lixo 99% das produções escolares sem se preocupar em acomodar
esses registros em depósitos de arquivos que deveriam recebe-los legalmente. Nos deparamos
com essa realidade quando estávamos buscando fontes para reconstruir o histórico do Grupo
Escolar Tenente Coronel Jose Correia.
Como a reconstituição das práticas dessa instituição era nosso objetivo inicial, o
primeiro espaço de buscas foi exatamente a atual Escola Estadual Tenente Coronel José Correia,
onde fomos informados que o acervo histórico da escola estava no almoxarifado e dividia
espaço com produtos, materiais de limpeza e entulhos da escola. Recebemos a comunicação de
que seria feito um levantamento das fontes sobre o Grupo Escolar e disponibilizados para nosso
trabalho. Retornamos várias vezes à instituição na busca dessas fontes, pois, segundo o próprio
Julia (2001, p. 19) “as fontes podem ser encontradas se temos a tenacidade de procurá-las”.
Informados que grande parte do acervo referente ao Grupo Escolar perdeu-se por falta
de manuseio adequado, pelo empréstimo sem devolução, pelas intempéries naturais ou pela
ação do cupim e outros detratores, ainda tivemos acesso a documentos como o programa de
reinauguração do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, de 02 de fevereiro de 1949, Ata
43
da caixa escolar com três registros do ano de 1940, o livro de matrícula do ano de 1948 e livros
de ponto de 1940, 1941 e 1945. Contudo, esse material encontrado acabou não sendo utilizado
nesse trabalho sobretudo porque faz referências a um período que está fora do recorte temporal
estipulado em nosso trabalho.
Ana Zélia Maria Moreira, arquiteta e pesquisadora da área de história da educação, nos
forneceu de seu acervo particular o decreto de criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, de 11 de agosto de 1911, uma imagem do Jornal A República, do dia 09 de setembro
de 1911 com uma matéria que destacou a festa de inauguração do Grupo Escolar, e um material
encadernado contendo leis e decretos referentes a instrução primária no Brasil e no Rio Grande
do Norte.
Na falta de fontes mais direcionadas às práticas educativas, como os cadernos de
preparação dos professores, os exercícios escolares, cadernos de notas tomados pelos alunos e
exames contendo os conhecimentos disciplinares ministrados na instituição ou outros registros
que colaborariam com a reconstrução das práticas desenvolvidas nos espaços de escolarização
que pesquisamos, recorremos aos atos legislativos e decretos nacionais. De acordo com Julia
(2001, p. 17), “o historiador sabe fazer flecha com qualquer madeira” e na falta das fontes dos
arquivos escolares internos “pode-se tentar reconstituir, indiretamente, as práticas escolares a
partir de normas ditadas nos programas oficiais”.
Tivemos acesso à Lei de 15 de outubro de 1827, que estabelece as Escolas de Primeiras
Letras no Império. Sobre o estado do Rio Grande do Norte, encontramos a Lei n. 284, de 30 de
novembro de 1909, referente a reforma da Instrução Pública estadual e outros dispositivos que
regulamentam essa lei e utilizamos o Regimento Interno e o Programa de Ensino dos Grupos
Escolares, de 15 de maio de 1925.
Na tentativa de encontrarmos outras fontes que favorecessem uma visão mais plena do
nosso objeto de estudo, fomos em busca de acervos particulares e encontramos com Aldo
Cardoso, professor e teatrólogo assuense, um exemplar do Jornal Tribuna do Vale do Açu, do
dia 02 de setembro de 2006. Essa edição destaca como matéria de capa os 95 anos de pura
glória da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia. Escrita por Ivan Pinheiro Bezerra,
historiador assuense, o acesso a essa fonte possibilitou uma compreensão mais estrita do
processo de implantação dessa instituição, mas, também nos forneceu informações sobre o
contexto educacional local antes da instituição do Grupo Escolar, como as Escolas de Primeiras
Letras e seus principais professores.
Munidos das primeiras fontes referentes aos espaços de Educação Primária na cidade,
iniciamos a busca por livros e textos do contexto local que nos amparassem na empreitada de
44
construção da dissertação e elucidassem algumas questões. Concordamos com a afirmação de
Barros (2013, p. 54) de que “ninguém inicia uma reflexão científica ou acadêmica a partir do
ponto zero”, pois, depois que o pesquisador definiu o tema de sua investigação “deve procurar
realizar um levantamento exploratório da bibliografia já existente”. E a cada encontro com
novos textos e obras, nos deparávamos com informações pertinentes e significativas que aos
poucos nos apresentavam respostas e colaboravam com a construção da escrita de nosso
trabalho.
Em visitas ao Educandário Nossa Senhora das Vitórias, instituição particular de
responsabilidade das Filhas do Amor Divino, nos deparamos com um amplo acervo de livros e
revistas históricas que evidenciam o cotidiano da cidade do Assú, material que se encontra bem
conservado e catalogado. Na Casa de Cultura também encontramos algumas obras, porém, a
falta de cuidado e atenção na conservação do material tem feito com que as obras fiquem
desgastadas e inutilizáveis. Outras obras foram fornecidas por Ivan Pinheiro Bezerra, que
mantem um acervo particular com diversos livros sobre o contexto histórico da cidade.
Conseguimos reunir mais de 30 (trinta) obras sobre o Assú, destacando textos variados
como poesias, causos e peças teatrais, autobiografias e biografias, costumes e hábitos locais,
palestras, coletâneas literárias, aspectos demográficos, políticos, históricos, geográficos e
religiosos, entre outros. Das obras encontradas, algumas nos chamaram a atenção pelas
informações sobre o contexto educacional da cidade do Assú e acabaram se tornando fontes
importantes para o nosso trabalho por serem aproveitadas em diversos momentos da escrita do
texto.
Destacamos as contribuições de Francisco Augusto Caldas de Amorim, mas conhecido
na cidade como Chisquito. O memorialista nasceu no Assú em 10 de julho de 1899 e faleceu
em Natal, no dia 23 de abril de 1994. Francisco Amorim é irmão de Palmério Filho, um dos
pilares do jornalismo na cidade do Assú e iniciou muito cedo sua vida literária publicando um
jornalzinho intitulado O Trabalho. Atuou como auxiliar de farmácia, vereador, inspetor de
ensino, juiz de paz, auditor fiscal federal, prefeito do Assú entre 1953 e 1958 e presidente da
Cooperativa Agropecuária do Vale do Assú Ltda. No campo literário, Chisquito foi escritor,
redator e repórter em diversos jornais da cidade, escreveu poesias e historiou vários aspectos
da cidade do Assú em diversos livros que enriqueceram as letras da Atenas Norte-rio-grandense.
Para a construção da escrita do nosso trabalho utilizamos as seguintes obras: Assú da
minha meninice (1982), Assú em revista (1980), História da imprensa do Assu (1965),
História do teatro no Assú (1972) e Titulados do Assú (1982). As obras destacadas
apresentam aspectos do desenvolvimento histórico da cidade, seus personagens e a relação que
45
se estabeleceu entre a própria história da educação local dentro desse desenvolvimento e com
esses personagens. Por meio dos registos de Francisco Amorim tivemos acesso as informações
sobre o envolvimento de professores e alunos com o mundo do jornalismo, do teatro, da poesia
e de algumas experiências educacionais vivenciadas pelo memorialista em seu período de
escolarização primária ou atuando profissionalmente na cidade.
Encontramos fontes significativas no livro O município de Assú, do doutor Pedro
Soares de Araújo Amorim. O trabalho é um relatório apresentado no Congresso Econômico do
estado do Rio Grande do Norte realizado em 1928 durante as comemorações do segundo
aniversário do governo de Juvenal Lamartine de Faria. O memorialista, que foi o primeiro
prefeito do Assú nomeado pela Junta Governativa e exerceu o cargo entre 1929 e 1930,
apresenta aspectos sucintos registrados até 1928 sobre a história do município, a situação
geográfica, dados populacionais, agricultura e indústria, instrução pública, prédios públicos,
entre outros. Tivemos acesso à uma reedição do relatório lançada em 2008.
Outro trabalho importante foi o livro Alfredo Simonetti (1995) escrito por Américo
Vespúcio Simonetti, filho de Alfredo Simonetti, ex-professor e diretor do Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia na década de 1920. Usando fontes documentais e notícias de
jornais do início do século XX, Américo Simonetti apresenta uma série de informações sobre a
atuação de seu pai no Grupo Escolar do Assú antes de assumir atividades educativas em
Mossoró/RN. Tendo colaborado com alguns jornais no Assú e escrevendo textos e poesias, essa
obra nos fornece discursos do professor relacionados com o universo de circulação de ideias
republicanas na época e possibilita a compreensão das relações que Alfredo Simonetti mantinha
com seus alunos no Grupo Escolar do Assú. Também são apresentadas informações referentes
ao jornal O Paládio, produzido na década de 1920 pelos alunos do Grêmio Complementarista
do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
Utilizamos outras obras encontradas nos acervos particulares e públicos da cidade do
Assú, contudo, consideramos que estão mais relacionadas às referências bibliográficas, pois as
contribuições desses autores aparecem em momentos mais localizados do trabalho. Destacamos
as contribuições de Celso da Silveira (1995), Ezequiel Fonseca Filho (1984), Gilvan Lopes
(2011), Ivan Pinheiro Bezerra (2010), João Carlos de Vasconcelos (1966, 1977), João Celso
Filho (1986), Lauro de Oliveira (1966), Renato Caldas (1980) e Rômulo Chaves Wanderley
(1965).
No levantamento de referências bibliográficas também utilizamos diversas obras que
destacam a instrução primária no contexto nacional. Apesar de terem títulos voltados aos
Grupos Escolares, perpassam a implantação das Escolas de Primeiras Letras e a viabilização
46
desses modelos educacionais pesquisados em nossa dissertação com os processos ideológicos
e políticos durante o Império e a República. Nesse sentido, destacamos os seguintes trabalhos:
Templos de Civilização: A Implantação da Escola Primária Graduada no Estado
de São Paulo (1890-1910), de autoria de Rosa Fátima de Souza (1998). O trabalho busca dar
conta da produção histórica dessa modalidade institucional de reorganização da Educação
Primária republicana e sua implantação no estado de São Paulo, símbolo cosmopolita na virada
dos séculos XIX e XX e modelo de funcionamento dos Grupos Escolares espalhados
posteriormente em todo o Brasil.
Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba, de autoria de
Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2002). Apropriando-se de um rico acervo de fontes e
documentos, analisa o processo de expansão e consolidação da educação pública na Paraíba
entre os anos de 1849 a 1949 e coloca em evidencia as diversas transformações educacionais
que ocorreram no estado na passagem do Império para a República. O autor apresenta as
implicações que o processo de escolarização, nesses períodos, sofreu dos interesses dos grupos
políticos e econômicos paraibanos que muitas vezes entravavam ou dificultavam a expansão da
rede de ensino elementar.
Escola da ordem e do progresso: grupos escolares em Sergipe e no Rio Grande do
Norte. O livro de autoria de Crislane Barbosa Azevedo e Maria Inês Sucupira Stamatto (2012)
apresenta o processo de implantação dos Grupos Escolares nos dois estados. Entre as diversas
contribuições, são levantados aspectos que demarcam os novos métodos e recursos pedagógicos
presentes nos Grupos Escolares e estabelecidas diferenças em relação aos métodos aplicados
nas escolas do período imperial.
Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura escolar em Belo Horizonte
(1906/1918), de autoria de Luciano Mendes de Faria Filho (2014). Em suas perspectivas de
investigação da história dos Grupos Escolares em Minas Gerais, o autor pensa a escola como
produto histórico da interação de dispositivos de normatização escolar. Focaliza as práticas
constitutivas de uma sociabilidade escolar e transmissão cultural, pondo em cena os agentes e
sujeitos dessas práticas e a inserção do processo de escolarização nos espaços urbanos,
destacando também as contribuições da cultura urbana para o universo escolar. Busca, ainda,
compreender a implantação desses modelos educacionais tanto nos espaços periféricos quanto
nos grandes centros urbanos, evidenciando as similitudes e diferenças do funcionamento dos
Grupos Escolares nesses dois espaços.
Outros trabalhos, que apesar de não terem relação direta com a instrução primária, são
citados, pois estão em sintonia com o processo de investigação histórica, com o
47
desenvolvimento dos espaços urbanos e outros elementos que podem ser utilizados no sentido
de dar suporte ao alcance dos objetivos delimitados em nosso trabalho. Enfim, as fontes e as
obras apresentadas no referencial bibliográfico expressam o cerne do processo de investigação
e construção da nossa dissertação e estabelecem um diálogo significativo com os trabalhos de
revisão da literatura relacionados ao nosso objeto de estudo e o referencial teórico-
metodológico que nos apropriamos.
48
HINO OFICIAL DO ASSÚ5
(Sinhazinha Wanderley)6
Qual um canto harmonioso
Das aves, pelo ramado
A minha’alma te festeja
Meu Assú, idolatrado.
ESTRIBILHO
Torrão bendito hei de amar-te
Dentro do meu coração.
Salve, Assú estremecido,
Salve, salve ó meu sertão.
Palmeiral da minha terra
As várzeas cobrindo estás
Tu qu’és útil pelo inverno
E pela seca ainda mais
Valoroso, florescente,
Em face dos mais sertões
Hão de erguer-te o nosso esforço
Nossos bravos corações.
5 Transcrito de Silveira (1995, p. 141). 6 O Hino oficial da cidade do Assú foi instituído no dia 10 de outubro de 1969 sob a Lei Municipal N° 06/69.
Segundo o artigo 3° dessa Lei: “Fica oficializado, como Hino do Município do Açu, o composto do poema e
música da saudosa poetisa e musicista açuense, Sinhazinha Wanderley”.
49
2 DA BATALHA PELO TERRITÓRIO À ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: A
FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA, LITERÁRIA E CULTURAL DA CIDADE DO
ASSÚ
Assú7 é uma cidade do interior do Rio Grande do Norte localizada a 210 quilômetros
de Natal, capital do estado. É banhada pelo rio Piranhas- Açu, cuja nascente fica no vizinho
estado da Paraíba e desagua na cidade de Macau/RN. O município de Assú tem área territorial
correspondente a 1.303,442 KM² e uma média populacional estimada em 57.743 habitantes.
(IBGE, 2016).
A cidade é a sede da microrregião do Vale do Açu, composta ainda pelos municípios
de Carnaubais, São Rafael, Ipanguaçu, Itajá, Pendências, Alto do Rodrigues e Porto do
Mangue e atua como polo econômico e de serviços para os municípios vizinhos auxiliando na
rede bancária e nos sistemas de ensino público e privado. Conta com uma universidade
pública, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e uma universidade
privada, a Faculdade Católica Nossa Senhora das Vitórias (FCNSV). O município também
presta atendimento à população por meio de instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro Empresas (SEBRAE), o Serviço Social da Indústria (SESI), o Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (SILVA,
2011).
O território onde hoje está localizada a cidade passou a ser povoado por colonizadores
europeus por volta do século XVII, quando também se inicia o desenvolvimento econômico
da região com a pecuária e, posteriormente, a produção de algodão e extração da cera de
carnaúba. Além da economia, outro aspecto importante que alavancou e expandiu a imagem
da pequena vila sertaneja depois de elevada à categoria de cidade no século XIX foi a expansão
literária e cultural com a produção de jornais, poesias e dramatizações teatrais.
Essa conjuntura do desenvolvimento econômico, cultural e literário fez com que a
cidade recebesse pseudônimos importantes que expressavam o seu destaque no estado: Terra
dos verdes carnaubais, Terra dos poetas e Atenas Norte-rio-grandense. No sentido de
entender como a cidade passou a receber esses títulos é importante reconstruirmos alguns fatos
históricos contextualizando e relacionando-os com a história da Educação Primária local nos
7 O significado da palavra Assú tem mais de uma interpretação. Inicialmente, pode estar relacionado a uma origem
no tupi guarani, língua dos povos primitivos da região, relacionando-se com a expressão taba-Açu (Aldeia Grande),
numa referência a dimensão do território habitado pelos índios Janduís. Alguns pesquisadores também afirmam
que uma segunda interpretação da palavra Assú estaria relacionada com a posição do território na margem esquerda
ou Mão esquerda, do curso do rio Açu na direção sul-norte.
50
capítulos seguintes, principalmente porque concordamos com Fenelon (1999, p. 7) que
compreende a cidade “como o lugar onde as transformações instituem-se ao longo do tempo
histórico com características marcantes” lidando com “constantes diálogos entre os vários
segmentos sociais para fazer surgir das múltiplas contradições estabelecidas no urbano, tanto
o cotidiano, a experiência social, como a luta cultural para configurar valores, hábitos, atitudes,
comportamentos e crenças”.
2.1 A COLONIZAÇÃO EUROPEIA E A GUERRA DOS BÁRBAROS
Quando os europeus aportaram nas terras do atual estado do Rio Grande do Norte e
começaram a travar contato com os habitantes primitivos perceberam que existiam dois grupos
indígenas distintos: os que viviam no litoral e autodenominavam-se Potiguaras, pertencentes
ao tronco Tupi, e os do interior, denominados de Tarairiús, habitantes da zona semiárida, com
línguas e costumes diferentes dos grupos do litoral. O segundo grupo se dividia em pequenos
subgrupos com denominações distintas. Os contatos iniciais e tentativas de colonização pelos
europeus no território ocorreram por meio do litoral com a chegada dos portugueses. Uma
expedição marítima conseguiu desembarcar na foz do Rio Grande (atual Rio Potengi) e iniciar
a construção de um forte, inicialmente com madeiras e logo depois com pedras. No dia 6 de
janeiro de 1598 os portugueses inauguravam no litoral o Forte dos Reis, porém, enfrentaram
uma reação cerrada dos índios potiguaras.
Esses primeiros contatos foram marcados por conflitos entre o homem branco e os
habitantes locais. Por contarem com o trunfo das armas de fogo, os portugueses conseguiram
vencer a resistência indígena e conquistaram um ponto da capitania do Rio Grande onde
fundaram uma pequena povoação no dia 25 de dezembro de 1599. Chamada de Povoação dos
Reis, posteriormente daria origem a cidade de Natal, capital do estado. A partir desse ponto
conquistado, a área da colonização portuguesa se alargaria crescentemente pelo litoral e logo
depois, investindo pelo interior. Contudo, disputas entre as potências europeias por posses de
terras do continente americano levaram a batalhas entre portugueses e holandeses na Capitania
do Rio Grande. A primeira tentativa de conquista do Forte dos Reis Magos pelos holandeses
ocorreu no final do ano de 1631, mas a conquista só ocorreu em 1633 quando o Forte foi
tomado e a Capitânia foi incorporada ao domínio holandês. (MONTEIRO, 2015).
Os povos primitivos da região do Vale do Açu, os Tarairiús, viviam das terras ribeiras
do Rio Açu-RN para o Jaguaribe-PB, até a parte central de Pernambuco. Alguns subgrupos do
interior travaram contato com o Conselho de Guerra dos Holandeses em Pernambuco. Com a
51
tomada do Forte dos Reis Magos e o domínio na antiga Capitania do Rio Grande, os
holandeses começaram a enfrentar problemas com os índios do litoral, os Potiguaras, mas
tornaram-se aliados de diversos grupos do sertão, os Tarairiús. A coroa portuguesa retomou o
território em 1640 e os holandeses foram expulsos. Seus aliados indígenas receberam um
perdão concedido por Francisco Barreto de Menezes, então governador da Capitania de
Pernambuco, e firmaram um tratado de paz onde o índio Janduí foi nomeado governador dos
índios do interior do Rio Grande. Essa nação recebeu a denominação de Janduís em função
exatamente do seu líder, cuja aldeia principal localizava-se no lugar denominado de Taba-
Açu, distante meia légua ao norte do território da atual cidade do Assú, num vale medindo
vinte milhas de extensão, por duas de largura. (BEZERRA, 2010) (FERREIRA, 1999).
Com o tratado firmado, João Fernandes Vieira estabeleceu na região a primeira fazenda
de gado, em 1660. O capitão-mor Antônio da Silva Barbosa nomeou Estevam Velho de Moura
Capitão de Infantaria das Ordenanças da Ribeira do Rio Açu ao Rio Jaguaribe com o objetivo
de estabelecer as bases de núcleos de povoamento europeu no interior da Capitania. Estevam
conseguiu civilizar alguns índios, mas com avultados dispêndios e dificuldades. Em 02 de
janeiro de 1682, Estevam faz o requerimento de uma sesmaria, sendo-lhe concedida na ribeira
do Rio Açu onde estabelece currais de gado. Com a morte do capitão a sesmaria fica sob os
cuidados de sua esposa, dona Maria César. (BEZERRA, 2010). A partir da chegada desses
primeiros habitantes brancos, tem início o processo de povoamento, a implantação de algumas
missões e a expansão da colonização na região que recebe em 20 de julho de 1687 a
denominação de Arraial de Santa Margarida.
Os Janduís viviam num solo de boa qualidade e isso despertou a cobiça dos
colonizadores que passaram a perseguir os indígenas empreendendo uma luta pelo território.
Contudo, a tomada do espaço pelos colonizadores brancos não ocorreu de forma pacífica, uma
vez que os índios com seus costumes guerreiros e também por defesa do território onde
habitavam, revidaram à investida dos colonizadores com ataques que se estendiam até a capital
da Capitania, “dificultando o objetivo dos portugueses de escravizá-los e aqui se instalarem.
Isto acabou resultando num conflito sangrento entre índios e colonizadores, denominado de
Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris”. (FERREIRA, 1999, p. 53, grifos
nossos).
De acordo com Monteiro (2015, p. 47, grifos da autora):
Essa resistência indígena, que implicou alianças entre tribos com o
fim de mover guerras aos conquistadores, constituiu o mais importante e
longo conflito entre nativos e colonizadores de toda a história da Colônia.
Tendo durado da década de 1680 até por volta de 1720, portanto por quarenta
52
anos, ela se alastrou, segundo alguns historiadores, do atual estado da Bahia
ao atual estado do Maranhão. Seu principal palco de lutas foi, sem dúvida, a
capitania do Rio Grande. Tem sido denominada em muitos livros de História
como ‘Guerra dos Bárbaros’, denominação essa que tem origem nos relatos
dos colonizadores e expressa, portanto, a visão desses sobre a resistência
indígena, pois ‘bárbaros’ seriam aqueles que se recusavam a aceitar o poder
e a cultura dos homens brancos.
Enfrentando diversas dificuldades, muitos indígenas resistiram. Entretanto, longe de
suas terras e perseguidos pelos brancos, foram obrigados a abandonar sua cultura, passando a
vagar pelo sertão sem destino certo fugindo da Capitania do Rio Grande para territórios da
Paraíba e do Ceará. Alguns grupos étnicos também foram integrados na fundação de novas
povoações e vilas, como é o caso do Arraial de Santa Margarida que em 24 de abril de 1696
passa a se chamar Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres, posteriormente denominado de
Povoação de São João Batista da Ribeira do Assú, em1766.
Com grande parte das tribos indígenas dizimadas e submetidas como escravas, ou
integradas ao processo de miscigenação com os colonizadores europeus e os primeiros negros
escravos trazidos para a região, o território passou a ser habitado livremente pelos portugueses
e outros povos europeus que se instalaram e começaram a desenvolver a produção de
alimentos, ou lavouras de subsistência, cultivadas às margens do rio Açu aproveitando a várzea
e o tabuleiro.
Nesse novo espaço de geografia adversa e condições climáticas que, muitas vezes,
apresentavam grandes dificuldades para os europeus, a sabedoria e domínio dos indígenas,
derivado do contato desses povos com a região, foi fundamental para o processo de adaptação
dos próprios europeus no território e da transformação dos espaços com a implantação de
novas técnicas de exploração. Segundo Magaldi (1999, p. 18), a miscigenação “apresenta
aportes importantes para a conformação cultural da cidade colonial, como a vida
administrativa e comercial intensa que é o principal fator gerador de costumes, hábitos e de
notáveis fatos arquitetônicos”.
As primeiras vilas da Capitania do Rio Grande durante o período colonial foram criadas
onde o povoamento era mais denso e concentrado, caso das áreas em que localizavam-se as
missões religiosas de aldeamento indígena no litoral e dos primeiros povoados de grande
importância no sertão que estavam nas rotas das primeiras frentes de conquista do interior.
Dessa forma, em 1788 a Povoação de São João Batista da Ribeira do Assú foi transformada
em vila, sendo chamada de Vila Nova da Princesa, em homenagem à D. Carlota Joaquina.
Esses novos espaços se tornariam o centro da vida política e social no interior da Capitania,
“pois constituíam a sede do poder administrativo dos municípios onde se situavam o lugar de
53
reunião dos moradores das fazendas nos dias de missas e festas, principalmente as religiosas”.
(MONTEIRO, 2015, p. 71).
Com a declaração da Independência do Brasil do domínio português em 1822 e a
passagem de Colônia para Império, ocorreu uma série de transformações por todo o país com
reflexos também no interior do Rio Grande do Norte. A Lei n° 13, de 18 de março de 1835
havia aprovado a criação da comarca do Assú, sendo a segunda do estado do Rio Grande do
Norte, depois de Natal. Compreendia uma zona abrangendo os atuais territórios do Seridó,
Martins, Pau dos Ferros, Mossoró, Campo Grande, Macau, Angicos e outros lugares que foram
se desmembrando da comarca, como Apodi, em 1835, Maioridade (Martins), em 1841,
Mossoró e Triunfo, em 1861 e Augusto Severo (Campo Grande), em 1922.
Em 30 de setembro de 1845, João Carlos Wanderley, Deputado Provincial, deu entrada
no projeto para elevar a Vila Nova da Princesa à categoria de cidade. O projeto foi aprovado
e no dia 16 de outubro de 1845 foi sancionada a Lei n° 124, passando a se chamar cidade do
Assú. (SILVEIRA, 1995).
A cidade constituiu-se inicialmente a partir de um grande largo situado na Praça da
Proclamação8, formado de quatro ruas principais denominadas pela Câmara Municipal em
1822 de Comércio, São João, Casa Grande e Coronel Souto. As casas foram construídas
solidamente e a maioria formava um conjunto de casarões com belo aspecto arquitetônico. A
praça recebeu esse nome numa alusão à proclamação da independência do município pelo
Tenente Coronel José Correia de Araújo Furtado num ponto específico com alicerces antigos
chamado de Alto do Império9.
Nesse mesmo lugar foi inaugurada no dia 1° de janeiro de 1900 uma Coluna
Comemorativa da passagem do século XIX para o Século XX. A partir do quadrante central,
foram surgindo as ruas São Paulo, Tenente Coronel José Carlos, 7 de setembro, Pedro Velho,
Caridade, Hortas, Dr. Amorim, Augusto Severo e Rosário, expandindo o espaço urbano. Os
8 A Praça da Proclamação foi denominada posteriormente de Praça do Centenário, Praça Getúlio Vargas e
atualmente se chama Praça São João. 9 O ato público da Proclamação da Independência do Município e da posse do Coronel Manoel Lins Caldas como
Presidente da Câmara Municipal do Assú ocorreu no Alto do Império logo após a elevação da Vila Nova da
Princesa à categoria de cidade. Segundo alguns registros (LIMA, 1990) (SILVEIRA, 1995), o Tenente Coronel
José Correia teria dirigido a cerimônia. Nascido em 1788 e falecido em 1870, o Tenente Coronel foi um político
influente e atuante, eleito e empossado à Junta do Governo Provisório no dia 11 de novembro de 1822, função que
assumiu até 24 de janeiro de 1824. Um ano antes, em 1821, fez parte do Conselho da Província. Apesar das
semelhanças dos nomes com o Juiz de Direito José Correia de Araújo Furtado, nascido em 1865, que também se
tornou um político influente na cidade e organizou campanhas para a construção do Grupo Escolar da cidade, o
Tenente Coronel é considerado por alguns pesquisadores o patrono do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia.
54
bairros além do quadrante se chamavam incialmente de Macapá e Fazenda São João. (LIMA,
1990).
A freguesia do Assú foi criada por volta de 1725 tendo como padroeiro São João
Batista. É uma das mais antigas do Rio Grande do Norte, compreendendo inicialmente toda a
zona sertaneja. O primeiro vigário foi o padre Manoel de Mesquita e Silva. A igreja matriz
localizava-se ao norte do largo central. O templo inicial, construído de madeira e barro,
apresentava grandes dimensões. Entre os anos de 1850 e 1857 a igreja matriz foi totalmente
reconstruída a partir de um contrato entre o Dr. Luiz Gonzaga de Britto Guerra, juiz municipal
e da provedoria, que posteriormente assumiu as funções de conselheiro e Barão da cidade, e o
Coronel Manoel Lins Wanderley. Toda a obra foi revestida e edificadas as duas torres. Em
1904 aconteceu a reconstrução do altar-mor e reparos na estrutura. Outras obras de
revitalização foram realizadas no belo e majestoso templo durante o século XX. Considerada
uma joia arquitetônica e histórica no centro da cidade, a igreja consta de uma vasta nave com
20 metros por dez, dois corredores largos em toda sua extensão e uma sacristia10.
2.2 ATIVIDADES ECONÔMICAS E TRANSFORMAÇÕES URBANAS
Com as entradas no interior da Capitania do Rio Grande, os colonizadores
estabeleceram as primeiras fazendas de criação de gado e investiram em atividades
econômicas voltadas para a pecuária, dadas as condições climáticas e a vasta extensão de terra
no sertão. No contexto do desenvolvimento do interior da região, Monteiro (2015, p. 60)
esclarece:
O gado bovino era essencial para os engenhos açucareiros da Zona
da Mata nordestina: além de fornecer alimento para a população que se
concentrava na faixa litorânea, era a força motriz dos primitivos engenhos.
Como as terras dessa faixa eram ocupadas preferencialmente com a lavoura
da cana-de-açúcar, fonte da riqueza de então, a criação de gado foi se
interiorizando cada vez mais e acabou se tornando a principal atividade
econômica das terras situadas sertão adentro.
O solo do Vale do Açu, localizado no sertão, favorecia a pastagem do gado e um
emergente comércio de carne seca, proporcionando na época uma economia crescente. A
indústria da carne seca, também chamada de charqueada, atingiu o ápice por volta de 1740 na
10 As obras mais recentes foram realizadas a partir do ano de 2009, depois que o teto da matriz ruiu. Além da
reconstrução do teto, a área externa e o altar-mor também foram revitalizados.
55
antiga comunidade de Oficinas11. Localizada entre as atuais cidades de Carnaubais e Porto do
Mangue, essa região era favorecida pela proximidade com as salinas e o porto e foi montada
uma estrutura para salgar e estender carnes de boi que eram exportadas para outras capitanias.
De acordo com Bezerra (2010, p. 48), nesse período, o Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres
“possuía o maior rebanho do território Potiguar. Das 308 fazendas existentes na Capitania, 90
localizavam-se na Ribeira do Assú. Atividade comercial que abastecia de charque o Nordeste
brasileiro”.
A expansão da atividade das charqueadas na região foi impossibilitada por questões de
ordem regional, impostas pelo governo de Pernambuco. Inicialmente, essa Capitania era
abastecida pela produção bovina do Rio Grande, mas sentiu-se prejudicada pelas charqueadas
potiguares que resultavam em diminuição no volume de exportação de gado para aquela
capitania. Ainda segundo Bezerra (2010, p. 49), no ano de 1784:
o Governador de Pernambuco, em carta a Portugal, ressaltava que as
charqueadas de Assú e Mossoró estavam prejudicando o consumo de carne
verde em Recife e nos engenhos. Na verdade, estava em jogo o reflexo dessa
mudança no volume de tributos recolhido. A venda do boi em pé rendia para
Pernambuco um volume oito vezes maior de recolhimento de tributos à carne
seca.
Desde 1701, a Capitania do Rio Grande era administrativamente dependente da
Capitania de Pernambuco e o governador proibiu o funcionamento das oficinas de carne seca
no Assú e Mossoró, podendo os rebanhos potiguares serem comercializados apenas vivos12.
Apesar da proibição, as oficinas continuaram funcionando até por volta de 1792 quando uma
seca ocorrida na região nesse período dizimou grande parte do rebanho, matéria-prima para o
funcionamento das oficinas.
Esses fatores fizeram com que os rebanhos bovinos na ribeira do Rio Açu fossem
minguando e outros projetos econômicos surgiram na região. Com a elevação de categoria da
Vila Nova da Princesa à cidade do Assú a pecuária passou a ser substituída pela produção do
algodão e da cera de carnaúba, destaques da economia do município nas primeiras décadas do
século XX. Monteiro (2015, p. 75), relata que o fator fundamental que acelerou a produção do
algodão em grande escala e impulsionou o desenvolvimento econômico do Rio Grande do
11 Oficinas foi considerada a primeira comunidade rural do município de Assú após a emancipação política e
chegou a reunir um considerável aglomerado populacional. Em 1850 ocorreu uma grande enchente no Rio Açu
deixando toda a Várzea submersa. Pela proximidade com o rio, a comunidade foi inundada e parcialmente
destruída. Tentando se reerguer depois do trágico acontecimento, ainda chegou a ser Distrito de Paz em 1864. De
acordo com Bezerra (2010, p. 64), essa comunidade “contava com poucas casas fora de alinhamento, capela
dedicada a São José, escola primária e cemitério”. 12 Em 1808 o Senado da Câmara de Natal emitiu um manifesto pela independência da Capitania do Rio Grande.
56
Norte e outros estados do Brasil foi a iminência da Revolução Industrial, possibilitando um
aumento na produção de mercadorias, “que passaram a ser produzidas em maior quantidade,
diversidade e rapidez. Para isso, eram necessários mercados que, por um lado, fornecessem
matérias-primas e, por outro, consumissem os produtos fabricados”.
As mudanças provocadas pelas inovações da Revolução Industrial inglesa na economia
do Rio Grande do Norte notabilizaram-se com a expansão do cultivo e da produção do algodão
que passou a ser exportado para a Europa como matéria prima necessária para as fábricas de
tecido. A cultura do algodão presente em várias capitanias da atual região Nordeste tornou-se
uma agricultura voltada para o abastecimento de mercados externos. O cultivo da cotonicultura
em solo potiguar era realizado tanto no litoral quanto nas terras do sertão.
Apesar de enfrentar grandes períodos de seca13, a produção do algodão, também
conhecido como ouro branco, constituiu-se como grande fator de desenvolvimento econômico
da cidade do Assú, que entre os anos de 1920 e 1922 exportou 12.291 fardos com 4.339.688kg.
(LIMA, 1990, p. 167) fazendo com que a cidade se tornasse uma das maiores produtoras de
algodão no Rio Grande do Norte. Uma expectativa da dimensão da produção e do
descaroçamento do ouro branco no município pode ser observada no quadro 1, com números
dos anos de 1921 a 1928:
QUADRO 1: PRODUÇÃO E DESCAROÇAMENTO DE ALGODÃO NO MUNICÍPIO DO ASSÚ (1921-
1928).
ANO PLUMA/KG CAROÇO/KG
1921 900.000 2.700.000
1922 750.000 1.250.000
1923 600.000 1.800.000
1924 1.125.000 3.375.000
1925 900.000 2.700.000
1926 750.000 2.250.000
1927 600.000 1.800.000
1928 412.5000 1.237.5000
FONTE: Amorim (2008, p. 11)
As exportações do algodão produzido em praticamente todo o Rio Grande do Norte
com destino aos Portos do Rio de Janeiro e Santos “cresceriam tendencialmente em quantidade
e em valor até 1930, tornando a cotonicultura a mais importante atividade agrícola do estado
e fonte fundamental de receita, através de impostos de exportação”. (MONTEIRO, 2015, p.
129). As firmas de produção de algodão estabelecidas no município do Assú localizavam-se
na zona urbana e nas localidades de Santo Antônio, Curralinho e Santa Luzia. Os principais
13 Entre o século XVIII e início do século XX foram registrados treze grandes períodos de seca no território do
Rio Grande do Norte: 1723-1728, 1744-1746, 1790-1793, 1808-1810, 1816-1817, 1824-1825, 1845-1846, 1877-
1879, 1888-1889, 1904, 1909, 1915, 1932 (MONTEIRO, 2015).
57
comerciários da fibra e suas respectivas produções diárias no ano de 1928 foram Francisco
Martins Fernandes (2800kg), Francisco Azevedo Cunha (2100kg), Wanderley & Comp.
(1400kg), José Soares F. Sobrinho (1400kg), Olyntho Pinto (1400kg), José Martins Ramos
(1400kg), Fonseca & Cabral (1260kg), Theodoro Câmara (1050kg) e Abel Fonseca (1050kg).
(AMORIM, 2008).
Além do algodão produzido em terras potiguares, outro produto importante na
economia do estado, e particularmente da região do Vale do Açu, foi a carnaúba. Porém,
diferentemente do ouro branco produzido por longo período com finalidades de
comercialização externa, principalmente para o mercado inglês, os produtos derivados da
carnaúba eram comercializados com outras províncias brasileiras.
A carnaúba é uma palmeira típica das várzeas ou terras baixas e pode ser encontrada
em diversos lugares do Brasil. No Rio Grande do Norte ela é comum nos municípios de
Macaíba, Ceará-Mirim, Mossoró, Campo Grande, Upanema e destaca-se o carnaubal do Vale
do Açu que começa nas proximidades da cidade do Assú e estende-se até Macau. Ocupando
uma grande extensão de terra nas ribeiras do Rio Açu, a carnaúba era utilizada tanto na
indústria de extração de cera quanto em construções, fazendo com que o Vale se tornasse uma
das maiores indústrias extrativas do estado nas primeiras décadas do século XX.
Nativa do sertão, a carnaúba é uma planta da qual praticamente tudo se aproveita. A
madeira grossa possibilita a produção de linhas, caibros, ripas, bancos e diversos outros
utensílios, proporcionando a construção de casas. As palhas podem servir para a confecção de
esteiras, chapéus, bolsas, cestas e vários outros objetos. O talo pode ser aproveitado para portas
e cercas e o caroço tem aplicação industrial e também pode servir para a alimentação do gado.
O que mais se aproveita da palmeira é a produção da sua cera, bastante utilizada a partir das
primeiras décadas do século XX na confecção de discos e velas, na composição de pomadas
que lustram calçados e arreios, na preparação de vernizes para assoalhos e móveis, na
fabricação de produtos de beleza, papel carbono e na indústria de conservação de material
eletrônico, entre outras aplicações. De acordo com Ferreira (1999, p. 62):
A cera recebe três qualidades conforme vai-se procedendo o
processo de sua apuração, que em princípio dava-se em prensas rústicas. A
primeira qualidade é amarela, clara e limpa. A segunda, é amarelo fechado.
E a terceira é escura, dura e de pouco valor. O primeiro passo para a apuração
da cera contava com a sua secagem. Com esse processo, o Rio Grande do
Norte, o Ceará e o Piauí foram os maiores produtores da cera de carnaúba,
pois levavam a vantagem de o escaldante sol do Nordeste fazer essa secagem
rapidamente. Essa vantagem em relação a outros Estados se dava porque
mesmo tendo a carnaubeira um potencial invejável, eram desconhecidas as
suas técnicas de exploração, bem como os seus empregos científicos, somente
58
mais tarde a máquina de bater palha substituiu a secagem natural por um
processo artificial.
Silveira (1995, p. 85), informa que em 1908, “a produção de cera de carnaúba do Rio
Grande do Norte era de 324.500 quilos. O Assú sozinho produziu 160 mil quilos”. Em 1915,
a produção no município aumentou para 375 mil quilos. A extração acelerada e a produção da
cera de carnaúba no Vale do Açu durou do início do século XX até os meados de 1940 e fez
com que a cidade do Assú fosse cognominada de Terra dos Verdes Carnaubais.
(PINHEIRO, 1997). O quadro 2 apresenta a produção da cera de carnaúba no município entre
os anos de 1921 a 1928:
QUADRO 2: PRODUÇÃO DA CERA DE CARNAÚBA NO MUNICÍPIO DO ASSÚ (1921-1928)
ANO PRODUÇÃO/KG
1921 210.000
1922 180.000
1923 225.000
1924 150.000
1925 225.000
1926 135.000
1927 180.000
1928 175.000
FONTE: Amorim (2008, p. 14).
O avanço da economia possibilitou uma série de transformações na cidade e os sinais
do progresso começaram a chegar a partir da segunda metade do século XIX com a construção
do Cemitério Público e do primeiro Mercado Público, a fundação de uma farmácia de
manipulação – a Farmácia Amorim, a instalação da estação telefônica, a criação da Padaria
Santa Cruz, a criação da primeira tipografia, o prédio da Intendência Municipal onde também
funcionava a cadeia pública no térreo, uma Biblioteca Pública e a criação de algumas praças.
Sob os reflexos da Proclamação da República, ocorrida no ano de 1889, o poder
público assuense continuou desenvolvendo sinais de inovações que denotavam um certo
progresso para uma pequena cidade do interior. Segundo Bezerra (2006, p. 4):
quando o Tenente Coronel Antonio Sabóia de Sá Leitão assumiu a
Presidência da Intendência Municipal, no ano de 1908, as finanças públicas
lhe permitiram promover uma série de melhoramentos materiais, dando um
segundo aspecto às praças e dotando o município de benefícios relevantes.
Outras inovações importantes podem ser percebidas com a inauguração do Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia, do Colégio Nossa Senhora das Vitórias da Congregação
das Filhas do Amor Divino, da implantação da energia elétrica e de uma fonte, da instalação
de uma agência do Banco do Brasil e dos Correios e Telégrafos, da construção da ponte
59
Felipe Guerra – edificada sobre o Rio Açu, e da instalação de um serviço de alto-falante
denominado A Voz do Município, empreendimentos realizados até meados dos anos de 1950.
Até o início do século XX, o abastecimento de água ocorria na cidade com um sistema
de armazenamento proveniente da água das chuvas em cisternas, retiradas de cacimbões
perfurados nas próprias residências ou de cacimbas abertas no leito dos rios. Em 1918, foi
construída uma fonte pública para o atendimento da população, provida de poço, bomba e
moinho onde eram captadas grandes quantidades de água do subsolo. Todavia, de acordo com
Ferreira (1999, p. 64, grifo da autora) o abastecimento se configurava a partir de moldes
discriminatórios, dado que:
as famílias pobres pegavam a água diretamente na fonte, carregando-a para
casa em latas. As mulheres carregavam as latas d’água equilibrando-as sobre
a cabeça. Os homens, ao invés de conduzirem as latas sobre a cabeça, a
prendiam por cordas ou correntes a cada uma das extremidades de um pedaço
de madeira que era colocado sobre os ombros, ficando as latas d’água
penduradas nas cordas. Eram os chamados galões. As famílias abastadas, ao
contrário das pobres, não iam diretamente à fonte, pois contavam com um
abastecimento feito em carroças que transportavam a água em várias latas,
enchendo rapidamente os seus tanques e demais depósitos d’água.
O sistema de iluminação também expressava um fator discriminatório na cidade. A
iluminação pública deu-se inicialmente de forma particular consistindo em dois postes com
lampiões a querosene situados na frente das casas de duas famílias mais ricas. Posteriormente
processando-se com outros métodos, um número maior de habitantes eram favorecidos. No
novo sistema, as famílias mais abastadas utilizavam velas de cera de carnaúba e as mais pobres
azeite de peixe, reforçando a distinção socioeconômica da época. A partir de 1925, a cidade
recebe o fornecimento de energia elétrica num método em que eram exigidas lâmpadas de
filamento metálico de 32 velas. As praças, ruas e travessas eram servidas de iluminação nos
horários de 17:30hs às 4:00hs da manhã, ressalvando-se que em noites de luar a cidade não
contava com o sistema de iluminação.
Até mesmo as comemorações festivas, como as festas dançantes, os bailes de gala e de
carnaval, reforçavam as distinções sociais presentes na cidade. Nos bailes dançantes, por
exemplo, permitia-se apenas a participação de membros da elite. Uma comissão era nomeada
para ficar na porta de entrada anunciando a chegada das famílias e de impedir o acesso de
pessoas que não pertenciam a esse ciclo social. Por ser uma sociedade ainda marcada pelos
resquícios do escravismo, primava-se por não misturar os membros da elite com as pessoas de
classes mais populares e negros. Pinheiro (1997, p. 77) relata que por ocasião de um grande
baile de gala ocorrido na cidade no início do século XX, as moças da elite trajaram vestidos
60
de cetim branco. Apesar de ser uma festa de todos, existiu uma preocupação de não se
misturarem as classes. A medida encontrada foi organizar um outro baile para os membros das
classes consideradas inferiores com a determinação de que as moças comparecessem vestidas
de linho todo sombreado forrado de cor rósea para não confundir com os vestidos brancos
utilizados pelas moças da elite.
Até 1925, a Intendência Municipal havia revestido as principais ruas da cidade e criado
calçadas de pedras contínuas e uniformes, com dez palmos de largura. Pinheiro (1997, p. 63)
explica que esse processo de urbanização primária das ruas favorecia os passeios das pessoas,
principalmente moças e rapazes, nas tardes de domingo, dado que:
o passeio dominical expressa que o surgimento da calçada nas ruas do Assú,
contribuiu para mudanças nas formas de vida daquela cidade. As moças,
particularmente, saem do seu enclausuramento doméstico, para verem e
serem vistas, e para comunicarem-se num encontro face a face, expressando,
ainda, que a calçada tem uma finalidade que garante a sociabilidade, o
encontro e o desencontro, prestando-se igualmente a um espaço de lazer,
conversa, namoro. Essas ruas, em 1925, receberam placas de identificação
com suas denominações e as casas com numeração, evidenciando a
organização urbana.
A partir de algumas informações extraídas de Amorim (2008, p. 10) e Lima (1990, p.
142), apresentamos alguns picos demográficos na cidade do Assú no intuito de ter uma noção
do aumento do índice populacional no município no seguintes anos: 1872 – 7941 habitantes;
1900 – 8597 habitantes; 1905 – 12511 habitantes; 1920 – 24779; e 1928 – 2800014.
Pela impossibilidade de fontes mais detalhadas, não conseguimos informar os dados
populacionais da Vila Nova da Princesa. Pelos dados apresentados, percebemos um
crescimento populacional pequeno no Assú entre os anos de 1872 e 1900. Porém, a partir da
virada do século, esse número aumenta consideravelmente, principalmente entre os anos de
1920 e 1928. Esse crescimento pode estar relacionado ao aumento da demanda de serviços
públicos e privados no município intensificados a partir do final do século XIX e primeiras
décadas do século XX.
2.3 EXPANSÃO CULTURAL E LITERÁRIA: JORNALISMO, POESIA E TEATRO
Os registros históricos apontam que o passado da cidade do Assú é marcado por uma
efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a literatura, com a poesia e a prosa, e
14 O primeiro censo registrado no Rio Grande do Norte data do ano de 1872 e foi realizado por religiosos. Outros
dados censitários passaram a ser registrados por órgãos oficiais apenas no final do século XIX.
61
às artes, com o teatro e a música. Amorim (1977, p. 2), expressa que em meados de 1920 a
cidade do Assú “já era de há muito conhecida, através dos seus poetas, dos seus jornalistas e
dos seus escritores”. Essas manifestações começaram a ganhar ênfase na segunda metade do
século XIX, justamente com o início da publicação de diversos jornais que abriram o cenário
da vida literária na cidade. Entre os principais expoentes e incentivadores da literatura e das
artes no Assú podemos citar o médico Luís Carlos Lins Wanderley, que atuou na cidade como
jornalista, literato, romancista e dramaturgo.
A imprensa despontou na cidade no ano de 1867 com a circulação do Jornal O
Assuense, da responsabilidade de João Carlos Wanderley, criador da primeira tipografia15 da
cidade. A partir daí vieram outros jornais considerados de grande, médio e pequeno porte,
alguns com vida efêmera e outros com um período de existência mais demorado. Um dos
jornais que circulou com maior duração, durante quase 30 anos, foi o periódico A Cidade, sob
a responsabilidade de Palmério Filho, militante das letras que tratava a imprensa como uma
preocupação constante e uma missão em sua vida. Fundado em 08 de dezembro de 1901, o
Jornal A Cidade tinha uma linha de pensamento mais informativa, fugindo aos ataques
pessoais e políticos da época. Esse noticiário circulou no Assú até o dia 05 de outubro de 1930.
Amorim (1965), fez um levantamento dos impressos que circularam na cidade entre os
anos de 1867 e 1965. Começando pelo Jornal O Assuense, de 1867, até O Bisu, de 1965, o
memorialista catalogou 117 periódicos publicados diariamente, semanalmente ou
mensalmente e que destacavam em suas páginas temas e assuntos variados como política,
moral, notícias, críticas, humor, educação, literatura, poesia, comércio e religião, entre outros.
O autor também apresenta um perfil dos principais militantes da imprensa na cidade do Assú
e no Rio Grande do Norte e cita entre os principais nomes João Carlos Wanderley, Pedro
Soares de Araújo, Elias Antonio Ferreira Souto, Palmério Filho, Antonio Saboya de Sá Leitão,
Teógenes Amorim, Nestor dos Santos Lima, Otavio Amorim, João Celso Filho, Sinhazinha
Wanderley, João Marcolino de Vasconcelos e Renato Caldas.
Vasconcelos (1966, p. 17), aponta que no passado da lendária cidade sertaneja a
predisposição para o jornalismo foi uma prática constante, ímpeto que arrefeceu “depois da
morte de Palmério Filho”, que faleceu em abril de 1958 e era considerado “a mola espiritual
que impulsionava a mocidade para as lides da imprensa”16.
15 No Rio Grande do Norte o primeiro jornal começou a circular na capital em 1832, chamava-se O Natalense. 16 Com o advento da internet, os periódicos impressos foram substituídos na região pela circulação de blogs e sites
de notícias. O último jornal impresso a ser publicado no Assú foi a Tribuna do Vale do Açu, que circulou entre os
anos de 1988 e 2012.
62
Dentro do contexto literário da cidade, sobressaiu-se principalmente a produção
poética, desenvolvendo-se a partir do final do século XIX. Ferreira (1999), pesquisando
elementos pedagógicos nas obras de Renato Caldas, enfatiza que a cidade do Assú teve realce
no panorama da cultura e literatura potiguar como uma das detentoras de maior número de
poetas, recebendo, assim, o epíteto de Cidade dos Poetas. As produções locais apresentavam
estilos diversificados, com temas satíricos, românticos, modernos, cívicos, populares e
regionais, evidenciando ainda as paisagens do Vale do Açu e registrando aspectos históricos
e o amor à terra, como podemos perceber no soneto Assú de João Natanael Soares de Macedo,
transcrito a seguir:
ASSÚ
Terra natal é bela quando esplende
O azul da tua abóbada infinita,
Torrão, no qual tanta nobreza habita,
Onde o Piranhas plácido se estende.
Sertaneja cidade, em ti palpita
Um seio amigo e bom que a todos prende;
Teu campo é um ninho alegre que recende
Aos raios tropicais que o sol vomita.
Nordestino rincão, valor genérico
De um povo, a resistir a intensidade
Do terrível flagelo climatérico.
Ao vir do inverno, em vez do mal profundo,
Pode-se comparar tua bondade
A um pedaço do céu dentro do mundo. (VASCONCELOS, 1977, p. 58).
A família do médico Luiz Carlos Lins Wanderley apresentou contribuições
significativas para a poesia assuense com as produções do próprio médico e de seus filhos
Segundo Wanderley, Ezequiel Wanderley, Celestino Wanderley e Maria Carolina Wanderley
Caldas (Sinhazinha Wanderley). Outros nomes que colaboraram com a expansão da poesia
assuense no contexto potiguar foram Angelina Macedo, Antônio Soares, Nestor dos Santos
Lima, Américo Macedo, Palmério Filho, Francisco Amorim, Pedro José, Moisés Soares,
Moisés Sesyon, Renato Caldas, Júlio Soares, Oliveira Júnior, João Celso Filho, Celso da
Silveira, João Celso neto (pai, filho e neto) e Moacir de Medeiros, entre outros17.
Porém, a atuação desses poetas não se limitava apenas a essa produção, dado que
escreviam prosas, artigos para jornais, peças teatrais, hinos religiosos e cívicos e crônicas com
17 No livro Poetas do Rio Grande do Norte, lançado em 1922 e reeditado em 1993, Ezequiel Wanderley reúne
produções e biografias de 107 poetas potiguares. Entre esses, 39 são de Natal, 27 do Assú, 10 de Ceará-Mirim, 6
de Macaíba, 4 de São José de Mipibú e de Macau, 2 de Angicos e Nísia Floresta e 1 representante das cidades de
Arês, Mossoró, Caicó, Apodi, Touros, Jardim do Seridó, Canguaretama e Lajes.
63
temáticas variadas, evidenciando o cotidiano da cidade. O registro dos elementos históricos,
dos tipos e da geografia do contexto local presentes nas linhas dos escritores assuenses
colaboram com a construção da própria identidade da cidade, dado que “as histórias da cidade
passam pelas ruas porque os passantes tecem os lugares, dando qualidades a essa trajetória de
cerzir a cidade”. (BARBOSA, 1999, p. 159).
Paralelo ao desenvolvimento da literatura na cidade do Assú, destacamos também o
teatro. Em 16 de março de 1884 foi inaugurada a Sociedade Recreio Familiar, primeira
sociedade dramática que deu origem ao Teatro São José. Nesse espaço eram encenadas várias
comédias e dramas. Com o desaparecimento da Sociedade Recreio Familiar e do Teatro São
José, foi fundada em 1891 a Sociedade Recreio Dramático Juvenil Assuense que passou a
encenar suas peças no Teatro São João. Esse novo espaço foi inaugurado em 24 de fevereiro
de 1892 e funcionou até 1897.
No dia 24 de junho de 1902, iniciava atividades na cidade a Fênix Dramática Assuense.
Estreando num armazém comercial localizado na Rua São Paulo que servia de sede própria
para a companhia improvisaram um pequeno palco. De acordo com Amorim (1972, p. 11) a
primeira apresentação teve de ser realizada de portas abertas, porque o prédio tinha dimensões
precárias e “tamanho foi o comparecimento de espectadores, que não regatearam louvores aos
jovens amadoristas”. Essa sociedade desenvolvia diversos dramas, comédias e algumas cenas
cantadas.
Desaparecida a Fênix Dramática e com algumas tentativas de grupos idealistas de
manterem a arte teatral na cidade, em 1912 era lançado o Clube Dramático Arthur Azevedo
que adquiriu um prédio na Rua de Hortas. Depois de empreender alguns reparos no
estabelecimento e montar um palco, o espaço tomou o nome de Teatro Alhambra. Inaugurado
no dia 1° de dezembro de 1912, contou com um grande público “o que deveras concorreu para
os seus organizadores continuarem a prodigalizar aos seus ‘habitués’ esplêndidas noitadas”.
(AMORIM, 1972, p. 15, grifo do autor). Não conseguimos precisar a data de encerramento
das atividades do Teatro Alhambra, porém, no livro História do Teatro no Assú (1972),
Francisco Amorim apresenta registros de encenações realizadas nesse espaço até o ano de
1945.
Entre 1925 e 193018 o industrial Francisco Fernandes Martins idealizou e construiu um
novo teatro na cidade com espaço amplo e grandes dimensões para a época onde eram
realizados espetáculos musicais e projeção de filmes mudos. Esse novo espaço foi chamado
18 Não especificamos a data correta de inauguração do Cine Teatro Pedro Amorim porque alguns registros
divergem. Contudo, apontam sempre esse recorte temporal.
64
posteriormente de Cine Teatro Pedro Amorim numa homenagem póstuma ao médico e
primeiro prefeito da cidade, doutor Pedro Soares de Araújo Amorim, que administrou-a entre
os anos de 1929 e 1930. As expressões artísticas apresentadas nesse novo espaço eram
realizadas por companhias vindas de fora, por grupos e sociedades dramáticas locais, com
dramas e comédias representadas e escritas pelos filhos da terra. (FERREIRA, 1999). Na
década de 1940, Francisco Martins importou equipamentos para a adaptação do cinema falado.
Esse espaço, considerado uma verdadeira casa de cultura da cidade por décadas, funcionou até
meados de 1980 quando foi abandonado pelo poder público e literalmente ficou em ruínas19.
Amorim (1972, p. 2), chama a atenção para o arrefecimento e o ressurgimento da vida
teatral na cidade, marcando um colapso provocado pelo “aparecimento do cinema, da
televisão, dos movimentos esportivos, em geral”. Entre os principais representantes que
tentaram manter viva a arte teatral na cidade o autor enfatiza as atuações de Luiz Carlos Lins
Wanderley, Enéas da Silva Caldas, João Celso da Silveira Borges, Joaquim de Sá Monteiro,
Manoel Lins Wanderley Segundo, as irmãs Jesuína, Luzia e Maria Amélia, José Correia de
Araújo Furtado, Ezequiel Epaminondas da Fonseca, João Luiz de Araújo Picado, Palmério
Filho, Teógenes Augusto Caldas de Amorim, Izabel Pio Dantas, João Celso Filho, Otávio
Amorim, Francisca Sales, Francisca Adélia, Pedro de Medeiros, entre outros nomes que se
revezavam nas diretorias e atuações das sociedades dramáticas amadoras sempre com o
objetivo de manter viva a tradição da cultura local.
2.4 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE E A
EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
Ferreira (1999), atenta para o fato de que os principais nomes das famílias que
contribuíram com o desenvolvimento da vida literária e cultural da cidade do Assú são
descendentes dos europeus que dominaram e colonizaram a região, notadamente, portugueses
e holandeses, como as famílias Wanderley, Lins, Amorim e Caldas. Para a autora, esse fato
denota que o processo de colonização deixou resquícios e efeitos substanciosos de influências
da cultura europeia e possibilitou o desenvolvimento da cultura assuense por meio das letras
e das artes, incorporada também, “mediante o desenvolvimento econômico começado na
19 Numa parceria entre a Prefeitura Municipal do Assú, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio
da Fundação José Augusto, e da Petrobras, o Cine Teatro Pedro Amorim foi reerguido, revitalizado e reinaugurado
em julho de 2013.
65
ribeira do Assú que proporcionou a fixação de famílias brancas introduzindo novos costumes
na região, já que até então aquele território pertencia aos índios”. (FERREIRA, 1999, p. 56).
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento econômico, cultural e literário do
Assú foi a elevação da antiga Vila Nova da Princesa à categoria de cidade, incorporando um
projeto de inovações e transformações que ecoavam pelo país, trazendo mudanças no aspecto
das vilas e cidades nos meados do século XIX. Nesse sentido, concordamos com a afirmação
de Sodré (1978, p. 29) de que “nas cidades é que a cultura tem a possibilidade de crescer; nelas
passam a sediar-se os ofícios artesanais, nelas as atividades religiosas ganham brilho e
solenidade, nelas as letras ganham pares”.
A importância da divulgação de ideias literárias pode ser notada na instalação de uma
biblioteca popular no Assú, ocorrida em 03 de maio de 1874. Contava com um acervo de dez
volumes de obras doadas pelo Tenente Coronel João Maria Júlio Chaves. O Coronel Manoel
Lins Wanderley doou exemplares do periódico Novo Mundo e o Dr. Luiz Carlos Lins
Wanderley doou seis volumes de obras de literatura. Funcionou inicialmente num dos
cômodos da casa do Dr. João Carlos Wanderley “enquanto não houvesse uma casa em
melhores condições para fundação da Biblioteca”. (ASSU EM REVISTA, 1980, p. 16).
Pinheiro (1997, p. 70) observa que as marcas dos sinais de urbanidade que se
desenvolveram na cidade do Assú entre os séculos XIX e XX atendiam aos interesses e valores
“das grandes famílias proprietárias de terras e do comércio local: Wanderley, Amorim, Soares,
Cabral, Pimentel, Macêdo, Fonseca, Souto, Oliveira, Melo, Montenegro”.
Como veremos nos próximos capítulos, muitos dos nomes de militantes da literatura,
da imprensa e da cultura na cidade do Assú preocuparam-se com a questão da educação no
município ou desenvolveram atividades no campo educacional, seja como professores de
primeiras letras, atuando em suas residências, ou assumindo turmas e a direção do Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia. Entre esses nomes podemos citar o professor Elias
Antônio Ferreira Souto, a professora Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha
Wanderley), os diretores João Celso Filho e Alfredo Simonetti, e José Correia de Araújo
Furtado e Antônio Saboya de Sá Leitão, representantes do poder público local.
Um dos fatos marcantes do país no século XIX que ecoaram significativamente na
cidade do Assú foi a campanha abolicionista, com a fundação no dia 13 de maio de 1883 de
uma associação denominada Libertadora Assuense, entrando na luta contra o sistema de
escravidão. A associação foi presidida pelo vigário Antônio Germano Barbalho Bezerra e
contava com um grupo seleto de personalidades locais. De acordo com Lima (1990, p. 148),
a campanha foi feita de forma legal, sem empreender “violências ao direito do dono de
66
escravo; mas, conquistava-se a liberdade pelo resgate pecuniário, pelo conselho persuasivo,
pelos meios regulares”. Até que no dia 24 de junho de 1885 os escravos da cidade do Assú
foram considerados livres20.
Os pontos apresentados anteriormente expressam o desenvolvimento socioeconômico
e a expansão cultural da pequena cidade sertaneja do interior do Rio Grande do Norte, e por
meio deles fica mais fácil compreender e assimilar os diversos epítetos que ela recebeu, como
Terra dos verdes carnaubais, Terra dos Poetas e Atenas Norte-rio-grandense.
Encontramos esse último em registros de pesquisadores locais e regionais e destacamos as
reflexões de Vasconcelos (1966, p. 17). O autor observa que os assuenses apresentaram uma
atuação notável no campo vasto da cultura e da literatura potiguar, especialmente no
jornalismo e na poesia e acrescenta que se o estado do Maranhão é considerado a Atenas
Brasileira, a cidade do Assú pode ser considerada a Atenas Norte-rio-grandense, porque
“basta nascer nessa terra prodigiosa, beber água da lagoa do Piató e ouvir o farfalhar
acariciante das flabelas do carnaubal esguio e numeroso, para possuir, inato, o dom poético,
elevado à mais alta potência criadora21”.
No campo educacional, a Educação Primária surgiu ainda na Vila Nova da Princesa
em 1829. Nesse ano foram instituídas duas cadeiras de primeiras letras, uma masculina e uma
feminina. O senhor José Felix do Espírito Santo começa a exercer o magistério na cidade,
dando início a primeira escola masculina e sendo considerado o primeiro professor primário
da história do Assú. A primeira cadeira feminina só começa a funcionar em 1834. Durante
todo o período imperial foram se desenvolvendo outras escolas públicas e particulares na
cidade sob a responsabilidade de diversos regentes, como veremos no próximo capítulo.
20 É importante salientar que o Rio Grande do Norte nunca contou com um grande contingente de escravos como
ocorreu em outras regiões do pais, principalmente na região Sudeste. A exploração dessa mão-de-obra em terras
potiguares alternou momentos demográficos diferentes em função de diversos fatores como a seca de 1845 onde
a população era de uma média de 18.000 escravos mas caiu drasticamente para 13.000 por volta de 1870. Esse
número também diminuiu porque milhares de escravos da região Nordeste foram vendidos para as províncias do
Sudeste na primeira fase de expansão do café. Por esses e outros motivos, no Rio Grande do Norte a abolição do
trabalho escravo ocorreu em vários lugares antes mesmo da promulgação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888,
como em Mossoró (1883), Assú (1885), Caraúbas e Campo Grande (1887). Quando a lei instituída pela Princesa
Isabel entrou em vigor, na província do Rio Grande do Norte existiam apenas 482 escravos. (MONTEIRO, 2015). 21 Piató é a maior lagoa do município do Assú que mede 18km de extensão por 3km de largura. Em períodos de
cheia tem capacidade para 18 milhões de m³ de água, possibilitando aos moradores do entorno da lagoa, conhecido
como Anel da Lagoa do Piató, o consumo de peixes e projetos de irrigação de plantações variadas. Habitada
inicialmente pelos indígenas da região, durante o processo de colonização a lagoa também passa a ser palco da
Guerra dos Bárbaros. No idioma dos habitantes primitivos, Piató viria da palavra ipia-a-tá, que significa lagoa
da casa, ou lagoa da morada, numa referência a uma tradicional fazenda de gado instalada pelos primeiros
colonizadores às margens da lagoa (SILVEIRA, 1995) (ALMEIDA; PEREIRA, 2006). Em função da seca que
atinge a região nos últimos anos, o nível de água da lagoa do Piató vem diminuindo drasticamente.
67
A implantação da instrução primária na cidade foi fruto da legislação de 15 de outubro
de 1827 que instituía o ensino de primeiras letras em alguns pontos do país a partir do advento
da Proclamação da Independência do Brasil da Coroa Portuguesa, em 1822. E por mais de um
século o ensino elementar foi o modelo de educação vigente no Assú, dado que as escolas
secundárias foram criadas na cidade na década de 1940. Mas, nos parece que mesmo o contato
apenas com a Educação Primária foi essencial para a formação da identidade cultural e literária
que se desenvolveu na cidade e também se torna significativo, inclusive, para a construção da
cognominação da Atenas Norte-rio-grandense.
Alguns pesquisadores do contexto cultural e literário do Assú afirmam que os filhos
da cidade sempre foram pródigos no campo da poesia e essa seria uma herança, ou um pendor,
trazido do berço até mesmo sem a necessidade desses poetas cursarem bancos escolares para
desenvolverem a camaradagem com as musas ou seus dotes artísticos, que são espontâneos na
arte de versejar e isso caracterizaria o verdadeiro poeta. Francisco Amorim, por exemplo,
acredita que os versos dos assuenses:
não tem a tortura da arte o que demonstra a falta de cultura em compensação
a fertilidade da imaginação. Às vezes, na própria escassez de conhecimentos
ressalta os fulgores da inteligência. Já se tornou tão proverbial esse atributo
que, nem sempre, podemos distinguir o assuense do poeta ou o poeta do
assuense. (ASSU EM REVISTA, 1980, p. 38).
O memorialista destaca o pendor dos assuenses para a imprensa citando a participação
efetiva de José Marcolino de Vasconcelos, que teve sua existência presa à uma tipografia. Sem
ter cursado o primário, Vasconcelos dedicou-se às artes gráficas com devotamento e afeição e
confeccionou por quase uma vida diversos jornais editados no Assú. Convivendo com
intelectuais, chegou a rabiscar algumas coisas que publicou sob pseudônimos e exerceu o
cargo de diretor do Centro Operário Assuense, porém, nunca esteve em bancos escolares.
Segundo Amorim (1965, p. 71), José Marcolino de Vasconcelos foi um leal servidor do Jornal
A Cidade “na qualidade de tipógrafo, até o seu último número, demonstrando sempre boa
vontade e melhor disposição na feitura desse periódico, incontestavelmente, o intimorato
pugnador dos anseios maiores da coletividade assuense”.
Todavia, o próprio Francisco Amorim cursou apenas as primeiras letras com as
professoras Luísa de França das Chagas Cavalcante e Sinhazinha Wanderley, mas notamos que
essa formação primária foi essencial para a sua contribuição vasta no campo da literatura, do
teatro e da imprensa e em outros trabalhos onde o memorialista retratou com muita propriedade
as paisagens, os personagens e os fatos locais. Isso fica evidente na própria linguagem utilizada
pelo memorialista, que se apropria muitas vezes de termos complexos e articulados. Da mesma
68
forma, Palmério Filho, irmão de Francisco Amorim, “apenas cursando o primário manejava
com correção e pureza o idioma pátrio”. (ASSÚ EM REVISTA, 1980, p. 40). O jornalista
recebeu as primeiras letras do professor Manoel Maria da Apresentação, contudo, fica evidente
que essa educação foi bastante significativa, dado que se tornou um dos principais militantes
da imprensa na cidade do Assú.
Oliveira (1966, p. 11), destaca que no processo de expansão da cultura do Assú “homens
que nunca tinham frequentado os bancos de escolas secundárias e superiores e possuíam a
inclinação natural para os livros, existiam na antiga Nova Vila de Princesa e do maior quilate.
O seu número não era limitado: era grande”. (Grifo nosso). Essa visão do protagonismo e da
disposição dos assuenses para o mundo das letras, contando apenas com a instrução primária,
é compartilhada por Wanderley (1965, p. 39):
Desde os primeiros tempos que a nossa gente se destaca pela sua
natural vocação para as letras, principalmente a poesia e o jornalismo. Até às
primeiras décadas do século atual [século XX], os assuenses não dispunham
de outro estabelecimento de ensino além de cursos primários, inclusive o
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado em 1911.
Mesmo assim, tornam-se autodidatas e brilham pela inteligência e pelo
espírito. Que estudos tiveram João Celso Filho, João Carlos Wanderley e
Angelina Macêdo, Palmério Filho, Francisco Amorim, Oliveira Junior e
Renato Caldas? Nunca viram, nem ouviram as aulas de um colégio
secundário, nem tampouco tiveram professores de humanidades. No entanto,
fizeram e fazem milagres nos setores intelectuais.
Como havíamos afirmado antes, as análises de Oliveira e Wanderley demonstram que
a cidade contou apenas com escolas de Educação Primária por um longo período, apesar do
desenvolvimento econômico com a produção acelerada do algodão e da cêra de carnaúba, das
transformações no espaço urbano e do reconhecimento no campo da literatura.
Oliveira viveu sua infância em Assú entre os anos de 1913 e 1925. Depois, migrou
para o Recife, formando-se em Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de
Pernambuco e assumindo funções no magistério em universidades e colégios pernambucanos.
Ele apresenta em sua palestra uma memória significativa da presença marcante de sua
professora de primeiras letras, D. Maria de Sá Leitão, “mãe de sacerdotes e de freiras”.
(OLIVEIRA, 1966, p. 12). Wanderley (1965, p. 39), também recorda em seu texto o Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia, instituição onde cursou as primeiras letras.
Os espaços de difusão da Educação Primária mostram-se significativos principalmente
porque as cidades são o meio por excelência da escrita. Nelas nasce, se produz e oferece toda
uma panóplia de elementos visuais de signos, de usos, funções e possibilidades diversas. Além
disso, de acordo com Frago (1993, p. 92):
69
É no espaço urbano onde mais visíveis são as normas, os limites e o
recurso subjetivo e pessoal à expressividade gráfica exercida com liberdade,
direito e transgressão; onde a luta por ocupar espaços – sociais e materiais –
de escrita e leitura é mais evidente; onde toda escrita torna-se, em última
instância, signo e imagem dessa ocupação e, portanto, de poder, junto a outros
signos, grafias e imagens; mais objeto visual – publicidade, ostentação – que
legível. Daí que seja neste contexto, o da constrição e o da expressividade
gráfica, o da diversidade funcional e o da legibilidade, no qual se deve
considerar – tanto histórica quanto atualmente – a confrontação entre a
aprendizagem ou usos escolares da leitura e escrita e o domínio e uso de
ambas as habilidades em âmbitos e dimensões tão diferentes quanto o
cotidiano, o intelectual e o estético.
A cidade do Assú também recebeu o pseudônimo de Atenas Norte-rio-grandense numa
alusão ao desenvolvimento de Atenas, capital da Grécia e uma das principais cidades do
mundo grego antigo. Considerada o berço da civilização ocidental, que deu origem a filosofia,
a literatura, a dramaturgia e a ideia de democracia moderna, na Antiguidade a cidade estava
aberta ao comércio, tornando-se rica, próspera e dinâmica, influenciando diretamente a
formação cultural e política do Ocidente. No processo de construção da identidade do povo
grego na Antiguidade, exerce importância fundamental o desenvolvimento da filosofia, com
um destaque acentuado para à educação e à formação dos cidadãos em sua sociedade,
construindo a ideia de democracia e participação popular.
Contudo, a democracia proposta à época de expansão da cultura grega no mundo antigo
era marcadamente elitista e machista, onde apenas os cidadãos livres, homens, poderiam
participar dos desdobramentos e do direcionamento da vida social, deixando de lado a
participação dos escravos, das mulheres e das crianças. A educação também seguia essa
segregação e os filhos da elite é quem recebiam formação para participar da vida pública tendo
a possibilidade de discursar na ágora22, dando continuidade a um governo que se dizia
democrático, mas que na verdade expressava a permanência dos ideais oligárquicos.
Dessa forma, surge um questionamento sobre a construção da identidade do próprio
povo assuense a partir do processo de colonização do território no século XVII e da expansão
econômica e cultural da cidade no final do século XIX e início do século XX: que personagens
contribuíram para a construção da identidade do povo assuense e quem participava ativamente
e era beneficiado diretamente por esse processo? Como citado anteriormente por Ferreira
(1999) e Pinheiro (1997) as famílias mais beneficiadas pelo desenvolvimento socioeconômico
e cultural, como no caso da iluminação, da fonte pública e das festas e momentos de lazer,
eram descendentes diretas de famílias europeias que compunham a elite local. Fica evidente
22 As ágoras eram os espaços públicos onde os gregos se reuniam para discutir os destinos da cidade.
Concentravam-se, geralmente, nas praças públicas.
70
também na expansão literária e cultural do município que as produções desenvolvidas
contavam com a participação efetiva dessas famílias, que viviam principalmente do comércio
e do trabalho agrário nas fazendas e dominaram a região marcadamente por três períodos da
história do Brasil: a Colônia, o Império e a Primeira República.
Ao mesmo tempo, nos perguntamos sobre os que constituíam o oposto da vida social
nessa pequena cidade sertaneja; os que formavam grande parcela da população mas que não
tinham acesso direto à terra e ficavam à margem dos avanços econômicos, sociais e do
desenvolvimento cultural e literário, mesmo que tenham contribuído significativamente com
o progresso econômico da região por meio de sua força de trabalho, desde o início do processo
de colonização. Essa camada populacional era formada principalmente pelos mestiços
nascidos na própria capitania, descendentes dos poucos indígenas sobreviventes da Guerra
dos Bárbaros; dos homens que se incorporaram nas tropas militares de conquista da região
na condição de soldados, como os negros, caboclos, pobres e sem terras que viviam mediante
relações de trabalho não assalariado. (MONTEIRO, 2015).
As investigações do processo de construção, transformações e possíveis conflitos
ocorridos nas relações sociais desenvolvidas na pequena cidade sertaneja em diferentes
temporalidades são necessárias pois manifestam significados que definem e delineiam a
paisagem urbana e as próprias imagens da cidade do Assú. Reconstruir essas diversas imagens
repletas de memórias e sentidos, modificadas por processos políticos e culturais externos e
internos, experiências e vivências sociais instituídas na cidade, nos aproximam do
entendimento dos modos de viver, de moradia, de lutas, de trabalhos e de diversão e lazer dos
moradores que, com suas ações, impregnam e constituem a cultura urbana. Para Fenelon
(1999, p. 6), agindo dessa forma, “esses moradores deixam registradas ou vão imprimindo
suas marcas no decorrer do tempo histórico, marcas que traduzem a maneira como se
relacionaram ou construíram seus modos de vida neste cotidiano urbano”.
Essa abordagem da diversidade de elementos presentes na investigação das
temporalidades pode ser utilizada para criarmos a ponte entre os apontamentos elitistas e
excludentes presentes na Grécia antiga e na cidade do Assú, a Atenas Norte-rio-grandense,
e nos fazem refletir sobre os aspectos educacionais da cidade que vinham se desenvolvendo
desde o início do século XIX.
Na conjuntura de construção e expansão da cidade do Assú apresentada nesse capítulo,
percebemos uma relação de interação com fatores mais globalizantes. É importante considerar
que a instituição do processo de escolarização é marcado por uma série de elementos voltados
para momentos históricos, políticos, ideológicos, culturais, sociais, estéticos, entre outros.
71
Nos capítulos seguintes, apresentamos aspectos educacionais da cidade e atentamos
para as influências de ideias relacionadas com contextos mais amplos como as mudanças no
cenário político do país e com a diversidade de práticas voltadas para o universo urbano. Essas
relações nos ajudam a compreender o próprio sentido histórico da implantação da Educação
Primária na cidade. Embasamos nosso pensamento principalmente em Magalhães (2004, p.
46). Para o teórico:
com efeito, se se buscam um significado e um sentido histórico para o
processo de institucionalização da educação escolar, eles surgem
sumariamente na resposta à complexificação estrutural e organizativa, na
atualização curricular e didática, no reforço do estar – um processo dialético
marcado por frequentes tensões, quer pela integração e inclusão de novos
públicos, quer por desafios de modernização, quer ainda pela conflitualidade
com outras instâncias de (in)formação.
Nos próximos capítulos, apresentamos a compreensão de como os militantes da
literatura e das artes participaram das atividades no campo educacional, apontando as
interações observadas entre escolarização e cidade. Também evidenciamos a forma como a
Educação Primária foi implantada na cidade e que parcela da população foi beneficiada.
72
Assú23
(Antônio Soares de Araújo)
Do Cabuji além, na sertaneja plaga
Que a estiagem flagela e a chuva enche de vida,
O nde, à tarde, o nordeste acaricia, afaga,
Do ve rde carnaubal a copa ao alto erguida.
Está florente e bela, a cidade querida
Que é meu berço natal, por mais singela e vaga,
A memória conserva, em saudade envolvida,
A impressão infantil, que o tempo não apaga.
Recordo a várzea, o rio...aspectos que vi,
A lagoa do Piató, na enchente e na vazante,
O parque e o laranjal da casa em que nasci.
Recordo a voz do sino em vibração feliz
E o cordeirinho branco esguio e vigilante,
Solitário, a girar, na torre da matriz.
23 Transcrito de Vasconcelos (1977, p. 25)
73
3 EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ASSÚ IMPERIAL: ESCOLAS DE PRIMEIRAS
LETRAS PARA OS FILHOS DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE
O processo de escolarização passa a existir no Brasil com a chegada dos primeiros
padres jesuítas, em 1549, atendendo ao pedido de Dom João III, então rei de Portugal. Os
primeiros religiosos vieram com a missão de converter os gentios e criaram nas novas terras
escolas e seminários que espalharam-se por diversos pontos do território. A formação escolar
dos primeiros missionários jesuítas para os indígenas embasava-se nos aspectos da
colonização, da educação e da catequese, com a finalidade de converter, ensinar e doutrinar
os gentios nas coisas da fé. De acordo com Saviani (2013, p. 29):
O processo de colonização abarca, de forma articulada mas não
homogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses três momentos
representados pela colonização propriamente dita, ou seja, a posse e
exploração da terra subjugando os seus habitantes (os íncolas); a educação
enquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas,
técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; e a catequese
entendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião dos
colonizadores.
Exercendo o monopólio da educação no Brasil nos dois primeiros séculos da
colonização, a pedagogia ofertada pelos jesuítas não se restringiu apenas à formação dos
indígenas. Os filhos dos colonizadores que se estabeleceram no Brasil e os que nasceram nas
novas terras necessitavam de formação e essa se tornou uma prioridade para os jesuítas. O
plano educacional inicial contava com elementos simples como o aprendizado do português,
a escola de ler e escrever, a doutrina cristã e a gramática latina. Mas, esse plano inicial foi
suprimido e a nova estrutura educacional seguia o Ratio Studiorum, que mostrou-se um plano
de caráter universalista, adotado pelos jesuítas em qualquer lugar onde estivessem. Era
também elitista porque destinou-se aos filhos dos colonos e excluiu os indígenas, convertendo-
se no instrumento de formação da elite colonial. (SAVIANI, 2013)24.
Com a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios, a Coroa passa a criar
estatutos para regulamentar a instrução pública sob a orientação do Marques de Pombal. No
24 De acordo com Saviani (2013), O Ratio Studiorum iniciava-se com o curso de humanidades com um currículo
que abrangia classes ou disciplinas de retórica, humanidades, gramática superior, gramática média e gramática
inferior e a formação prosseguia com cursos de filosofia e teologia. Os jesuítas foram expulsos de Portugal e de
suas colônias por ato do Marques de Pombal em 1759, mas o plano educacional que criaram com o Ratio Studiorum
é considerado por muitos especialistas extremamente importante à compreensão da educação moderna. A
consolidação desse novo plano deixou marcas excludentes no ensino ofertado no Brasil que inclusive podem ser
sentidas até os dias atuais.
74
âmbito dos estudos menores referentes às primeiras letras foi lançada a Lei de 6 de novembro
de 1772, instituindo as aulas régias.
Apesar dos padres jesuítas estarem presentes em diversos pontos da Colônia, o
processo educacional na Capitania do Rio Grande ocorreu de forma atrasada e lenta. Os
conflitos provocados pela dominação holandesa e a Guerra dos Bárbaros fizeram a situação
econômica retroceder e relegaram a existência e a necessidade do ensino, provocando um
quadro de analfabetismo e ignorância como regra para a maioria da população. Porém, Araújo
(1979, p. 18) informa que com uma consequente normalização na vida da Capitania nas
primeiras décadas do século XVIII:
a necessidade de escolas começou a ser sentida. Uma primeira manifestação
é registrada quando os Oficiais do Senado da Câmara, em carta de 26 de
janeiro de 1728, dirigida a D. João V, solicitam a construção de um hospício,
em que residiriam jesuítas ou franciscanos, a fim de que estes ensinassem
gramática àqueles que desejassem seguir a carreira religiosa.
Por ser a Capitania do Rio Grande dependente de Pernambuco, esse pedido inicial foi
negado, mas a ideia continuou sendo acalentada e em 21 de julho de 1731 foi criada, em Natal,
a primeira cadeira de Latim.
O ensino de primeiras letras vinha sendo ministrado na Capitania em alguns
remanescentes de aldeias de índios por vigários e capelães e aos filhos de moradores ricos nas
fazendas que se difundiam na região. Dessa forma, a educação desenvolvida inicialmente na
antiga Taba-Açu depois do processo de colonização seguia o mesmo padrão dos modelos
tradicionais religiosos.
Encontramos alguns exemplos de instrução primária no período colonial na formação
dos padres Francisco Brito de Guerra e Antônio Freire de Carvalho, que receberam as
primeiras letras ainda na então Vila Nova da Princesa, mas depois seguiram para Olinda, onde
deram continuidade aos estudos no Seminário daquela cidade.
Padre Francisco Brito de Guerra, mais conhecido como Senador Guerra, ordenou-se
em Olinda no ano de 1801 e destacou-se no cenário político do Rio Grande do Norte como
deputado da Primeira Assembleia Legislativa Provincial (1835-1837). Em 1837 foi escolhido
para representar a província no Senado do Império. Ainda atuou como Visitador-Geral,
professor de latim, Comendador da Ordem de Cristo e foi um dos fundadores do O Natalense,
primeiro jornal a ser publicado no Rio Grande do Norte.
Padre Antônio Freire também iniciou as primeiras letras na Vila Nova da Princesa e se
formou no Seminário de Olinda. Depois de ordenado retornou para o Assú e atuou como
coadjutor do padre Manoel Januário Bezerra Cavalcante. Posteriormente, seguiu para Mossoró
75
tornando-se vigário da freguesia e logo depois, com a elevação de Mossoró à Vila em 15 de
março de 1852, elegeu-se presidente da Câmara Municipal. Em 1856 passou a residir em
Caruaru/PE onde exerceu a função de capelão e foi designado para vigário. (AMORIM, 1982).
3.1 CONSOLIDAÇÃO DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NA CIDADE
DO ASSÚ
Após a Proclamação da Independência do Brasil dos domínios portugueses, em 1822,
inicia-se a tarefa de estruturar o novo país de forma jurídico-administrativa surgindo assim a
elaboração e a promulgação de uma Constituição. Com a convocação da Assembleia Geral
Constituinte por Dom Pedro I, em 3 de junho de 1822 e a inauguração e instalação dessa
Assembleia, em 3 de maio de 1823, o Imperador levantou a necessidade de uma legislação
especial que tratasse da instrução pública. Foi criada uma Comissão de Instrução Pública da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa apresentando um projeto que estimulava o
surgimento de um Tratado Completo de Educação da Mocidade Brasileira.
A ideia era receber propostas que apresentassem soluções urgentes e prioritárias para
o tema da educação destacando a organização de um sistema de escolas públicas com um plano
comum implantado em todo o território do novo império. Entre as propostas apresentadas,
destacaram-se os projetos de Martim Francisco Ribeiro d’Andrada Machado e Januário da
Cunha Barbosa. Contudo, essa preocupação inicial com a organização educacional nacional
foi deixada temporariamente de lado e retomada entre os anos de 1826 e 1827. A Câmara dos
Deputados aprovou um projeto modesto limitado à Educação Primária. Resultando na Lei de
15 de outubro de 1827, determinou a criação das Escolas de Primeiras Letras. (SAVIANI,
2013).
Contendo 17 artigos, essa lei trata de temas diversos que deveriam consolidar o projeto
de unificação da educação nacional. Entre esses artigos, destacamos os seguintes: O artigo 1°
instituía que “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de
primeiras letras que forem necessárias”. O artigo 3° afirmava que “Os Presidentes em
Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos professores, regulando-os de 200$000 a
500$000 annuaes: com atenção às circumstancias da população e carestia dos logares”. O
artigo 4° instituía que “As escolas serão de ensino mútuo nas capitães das províncias; e o serão
também nas cidades, villas e logares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se”.
O artigo 6° afirmava que “Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
arithmetica, prática de quebrados, decimaes e proporções, as noções mais geraes de geometria
76
prática, a grammatica da língua nacional”, incluindo “os princípios de moral christã e da
doutrina da religião catholica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos
meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brazil”. O artigo
11 afirma que “Haverão escolas de meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os
Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento”. O artigo 12 orienta que
“As Mestras, além do declarado no art. 6°, com exclusão das noções de geometria e limitando
a instrucção da arithmética só às suas quatro operações, ensinarão também as prendas que
servem à economia doméstica”. E o artigo 13 instituiu que “As Mestras vencerão os mesmos
ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.” (IMPÉRIO DO BRAZIL, 1827). Para
Saviani (2013, p. 126):
Essa primeira lei de educação do Brasil independente não deixava
de estar em sintonia com o espírito da época. Tratava ela de difundir as luzes
garantindo, em todos os povoados, o acesso aos rudimentos do saber que a
modernidade considerava indispensáveis para afastar a ignorância. O
modesto documento legal aprovado pelo Parlamento brasileiro contemplava
os elementos que vieram a ser consagrados como o conteúdo curricular
fundamental da escola primária: leitura, escrita, gramática da língua nacional,
as quatro operações de aritmética, noções de geometria, ainda que tenham
ficado de fora as noções elementares de ciências naturais e das ciências da
sociedade (história e geografia). Dada a peculiaridade da nova nação, que
ainda admitia a Igreja Católica como religião oficial e estava empenhada em
conciliar as novas ideias com a tradição, entende-se o acréscimo dos
princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica no currículo
proposto.
Além desses pontos apontados por Saviani sobre a construção do conteúdo curricular
nacional e da inclusão de disciplinas com temas religiosos, nos chama a atenção os conteúdos
comuns propostos para os meninos e as meninas e logo depois uma diferenciação para meninas,
voltados principalmente para as prendas domésticas. Todavia, essa mesma distinção não é
observada na imposição dos salários de professores e professoras que deveriam ser igualados,
inclusive sendo-lhes concedidas as mesmas gratificações.
Essa lei orientou e serviu como base para a organização do ensino primário vigente
durante todo o percurso do Brasil-Império, mesmo que em períodos determinados sejam
propostas alterações ou novos projetos de legislação. Ela é contemporânea de um momento
mais paulatino, em que se buscava o fortalecimento de uma perspectiva político-cultural na
tentativa de construir-se uma nação independente e um Estado Nacional.
De acordo com Faria Filho (2003, p. 137, grifo do autor), nesse momento de
consolidação do novo Império, a instrução:
era vista como uma das principais estratégias civilizatórias do povo brasileiro,
tal qual frações importantes da elite concebiam e propunham-se organizar.
77
Instruir as ‘classes inferiores’ era tarefa fundamental do Estado brasileiro e, ao
mesmo tempo, condição mesma de existência desse Estado e nação.
Segundo Magalhães (2004, p. 21), a ideia de relacionar civilidade e educação foi tratada
mais atentamente por Erasmo de Roterdã:
A inclusão da civilidade na educação, nomeadamente na educação
escolar, mereceu de Erasmo de Roterdã uma atenção muito particular, ficando
a dever-se-lhe a organização de um catecismo para a infância, contendo as
normas básicas de civilidade. Conciliando educação cívica com educação
escolar, mediante uma argumentação e uma textualização das normas de
civilidade como (in)formação curricular, Erasmo largou o projeto educacional
humanista, laicizando e legitimando a ação escolar como mediatizadora entre
o público e o privado.
Na província do Rio Grande do Norte, a política para o funcionamento das Escolas de
Primeiras Letras ocorreu de forma lenta. Na então Vila Nova da Princesa, a história oficial da
Educação Primária começa com a criação de uma cadeira masculina de primeiras letras no dia
2 de setembro de 1829. No dia 5 do mesmo mês é criada outra cadeira feminina. Apenas em
1873 foi criada uma segunda cadeira primária do sexo masculino na cidade. (LIMA, 1990, p.
143). O exercício efetivo do magistério pós legislação de 1827 ocorreu na Vila Nova da
Princesa em 1829 com o senhor José Felix do Espírito Santo. Bezerra (2006, p. 4) observa que
essa iniciativa origina “a primeira escola, consequentemente o primeiro professor primário da
história do Assú. A aludida unidade educacional funcionou até o ano de 1843”.
O exemplo do professor José Felix foi seguido por dona Maria Joaquina Ezequiel da
Trindade que assumiu em 1834 a 2ª cadeira de Escola de Primeiras Letras da Vila Nova da
Princesa, criada para o público feminino e que funcionou em sua residência. Dessa forma, ela
se tornava a 1ª professora a lecionar na Vila. A partir do pioneirismo dos professores citados,
outros letrados adotaram procedimento semelhante durante o século XIX e início do século XX
e tornaram-se importantes educadores contribuindo com a formação primária dos futuros
jornalistas e literários da Atenas Norte-rio-grandense. (BEZERRA, 2006).
Em 1834, poucos anos depois da promulgação da Lei de 1827, foi lançado um Ato
Adicional desobrigando o governo central de cuidar da instrução primária e secundária e
transferia a responsabilidade para os governos provinciais. Araújo (1979), informa que o
primeiro Regulamento Provincial estabelecendo as normas para as aulas de primeiras letras no
Rio Grande do Norte saiu no dia 5 de novembro de 1836. Para a autora, as atribuições do
governo local no campo do ensino foram caracterizadas durante os anos de 1835 e 1888 por um
crescimento instável e um número elevado de escolas vagas explicados, principalmente, por um
movimento constante chamado por ela de cria e extingue, fenômeno derivado da “oscilante
78
receita arrecada, mas também do caráter aleatório que acompanhou o surgimento de muitas
delas”. (ARAÚJO, 1979, p. 33).
No Quadro 3 apresentamos uma relação dos principais professores de Escolas de
Primeiras Letras que desenvolveram atividades na cidade do Assú entre os anos de 1829 e 1908.
QUADRO 3: PROFESSORES DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA CIDADE DO ASSÚ (1829-
1908).
Professor (a) Ano
José Felix de Espírito Santo 1829-1843
Maria Joaquina Ezequiel da Trindade 1834-1843
Manoel da Silva Ribeiro 1835
Francisca Germina das Chagas Cavalcante 1855-1866
Raymundo Candido Ribeiro 1858
Manoel Maria da Apresentação 1858-1874
Matheus da Rocha Bezerra 1862-1876
Maria Hermenegilda F. Pinto 1870
Elias Antônio Ferreira Souto 1873-1885
Antônio Corsino Lopes de Macedo 1873-1890
Manoel Ferreira de Macedo Jalles 1875-1908
Idalino Alípio Carneiro Monteiro 1878-1881
Josefa Bezerra Cavalcante Lopo 1881
Luiza de França das Chagas Cavalcante 1881-1893
Maria Bezerra da Rocha Varella Coelho 1893-1908
FONTE: Silveira (1995, p. 132) Lima (1990, p. 175)
Percebemos no Quadro 3 que a cadeira masculina passou por um desfalque de
professores apenas entre os anos de 1843 e 1858. Contudo, a cadeira feminina conta com
grandes espaços de tempo sem a presença de professoras durante o período apresentado. Dessa
forma, acreditamos que a cadeira masculina de primeiras letras se manteve estável, mas a
cadeira feminina passou pelo fenômeno do cria e extingue. No ano de 1830, a escola do
Professor José Felix do Espírito Santo contava com a matrícula de 54 alunos. Nessa época, a
cadeira feminina ainda não tinha uma regente (ARAÚJO, 1979).
Em seu trabalho, Araújo (1979) expõe um relatório apresentado pelo Presidente da
Província do Rio Grande do Norte, Pedro Leão Veloso, na sessão ordinária do ano de 1862 que
aponta uma matrícula de 58 alunos na escola masculina do Assú, mas desconsidera a existência
de uma escola feminina na cidade. Pelo Quadro 3, notamos que Dona Francisca Germina das
Chagas Cavalcante era professora durante esse período, mas não conseguimos afirmar se essa
escola funcionava. Provavelmente, ela poderia assumir aulas como professora particular.
As primeiras medidas legisladoras para o funcionamento de escolas particulares no Rio
Grande do Norte surgiram no início dos anos de 1850 com a exigência de requisitos como a
licença de um inspetor, mediante informações do delegado da região em que o professor
pretendia estabelecer a sua escola. Um regulamento de 1858 estipulou normas mais severas e
79
outro de 1869 apresentou uma política mais branda como uma comunicação feita pelos
professores aos inspetores de comarca que definia os programas, a localização e início de
funcionamento, possibilitando a condição de subvenção para essas escolas. (ARAÚJO, 1979).
Outros dados presentes no trabalho de Araújo (1979) fazem menção a um relatório do
dia 15 de maio de 1873 apresentado por Francisco Gomes da Silva, Diretor da Instrução
Pública, ao vice-presidente Bonifácio Francisco Pinheiro. O relatório aponta nesse mesmo ano
uma matrícula de 48 alunos na cadeira masculina da cidade do Assú, mas não apresenta dados
de matrículas na cadeira feminina. No Quadro 3, observamos que não existiam professoras
regendo aulas na cidade nesse período. A consolidação das Escolas de Primeiras Letras no Rio
Grande do Norte e a realidade das cadeiras femininas começa a melhorar no final do período
imperial. No ano de 1889, o estado conta “com 152 escolas oficiais, sendo oitenta e oito
masculinas, sessenta femininas e quatro mistas, para uma matrícula masculina de 3175 e uma
feminina de 1905, totalizando 5080 alunos, ou seja, uma média de trinta e três alunos por
escola”. (ARAÚJO, 1979, p. 40).
No momento em que as Escolas de Primeiras Letras estavam se consolidando no Rio
Grande do Norte, o país passava por um processo de reformulação política com a instituição do
governo republicano. Esse novo perfil político-administrativo instituí novas ideias pedagógicas
na instrução primária nacional originando os Grupos Escolares, projeto educacional implantado
lentamente no estado, como veremos no capítulo 4.
3.2 ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA CIDADE
DO ASSÚ
Pinheiro (2002, p. 9), chama a atenção para as distinções existentes entre as formas de
organização da instrução primária no período imperial e no governo republicano e esclarece
que as Escolas de Primeiras Letras “funcionavam sob o precário controle do Estado, além de
ter seu funcionamento pedagógico quase sempre subordinado única e exclusivamente ao
arbítrio do próprio professor, detentor da cadeira”. O autor prefere trabalhar com a
nomenclatura de escolas isoladas, mas aponta outras denominações que as instituições
primárias assumiram no período imperial, principalmente na Paraíba, como:
aula régia; aula pública; cadeiras régias; cadeira de instrução primária; cadeira
de ensino primário; cadeira de (...) (nome da localidade, da cidade, da vila etc.)
– por exemplo: cadeira da Cidade Alta, de Mamanguape, de Campina Grande
etc.-; cadeira de (...) (nome da disciplina) – por exemplo, cadeira de latim, de
português, de aritmética, de história do Brasil etc. -; cadeira municipal; cadeira
80
mista; 1ª cadeira, 2ª cadeira, 3ª cadeira etc.; escola menor; escola elementar;
escola rudimentar; escola primária masculina/feminina/para ambos os sexos;
e, naturalmente, cadeira isolada. (PINHEIRO, 2002, p. 7)25.
Entre os professores que se destacaram durante o período imperial na cidade do Assú
podemos citar Elias Souto. Paralítico e circulando sempre de cadeira de rodas sendo empurrado
pelo menino Luis Rosa, isso não se tornou um empecilho para o exercício do magistério e nem
para as militâncias do professor, que participou de causas abolicionistas como membro orador
da Associação Libertadora Assuense. Durante a campanha abolicionista na cidade Elias Souto
produziu, juntamente com o Dr. Luíz Carlos Lins Wanderley, o Hino à Liberdade, da
associação. Transcrevemos um trecho a seguir:
Surge a aurora resplandecente
Nas orlas dos horizontes
Derrama-se, luz fulgente,
Pelas colinas e montes.
É que surge a liberdade
Neste solo tão gentil
Ergue-se livre a cidade,
Parabéns glória ao Brasil (PINHEIRO, 1997, p. 80).
Além do exercício do magistério, Elias Souto realizou atividades no campo do
jornalismo, fundando periódicos em Assú, Macau, São José de Mipibu e em Natal. Entre os
jornais publicados pelo professor no Assú, destaca-se O Sertanejo que circulou na cidade entre
os anos de 1873 e 1876 e tinha um perfil mais voltado para a política. Amorim (1965, p. 51),
considera que o professor Souto se mostrava “ardoroso, vibrante, impetuoso e incontrolável,
causticava impiedosamente, o antagonista em linguagem rebarbativa e insolente, traçando
artigos de combate em que não sabíamos o que admirar; se a veemência do vocabulário ou se a
segurança da argumentação”.
Em 1876, O Sertanejo passa a se chamar Jornal do Assú sendo publicado com esse nome
até 1885 quando passou a se chamar O Assuense, mantendo sempre “atitudes corajosas, rasgos
de rebeldia e destemor, atacando de frente o adversário em editoriais bem traçados e em artigos
contundentes pela sátira e pelo desassombro”. (AMORIM, 1965, p. 51). Mudando-se de Assú
para outros lugares como Macau e Natal, Elias Souto continuou atuando no campo do
jornalismo potiguar. Em Macau assumiu o cargo de administrador da Mesa de Rendas
Provinciais e criou o jornal O Macauense. E em Natal, fundou em 1894 o jornal O Nortista que
25 O autor esclarece que os termos aula régia e cadeira régia eram mais utilizadas durante o período colonial. Em
nosso trabalho, optamos pela denominação Escolas de Primeiras Letras por estar em consonância com a
nomenclatura proposta na Lei de 15 de outubro de 1827 e ser o termo mais utilizado no Rio Grande do Norte.
81
em 1895 passou a se chamar O Diário de Natal, sendo considerado o primeiro periódico com
circulação diária no estado.
Dona Luíza de França das Chagas Cavalcante iniciou no magistério como professora
pública e exerceu atividades entre os anos de 1881 a 1893 no Assú. Depois continuou dando
aulas particulares em sua casa e era responsável pela inclusão de homens e mulheres de uma
condição social mais abastada no mundo das letras. Francisco Amorim foi aluno da professora
e apresenta relatos das aulas:
Aos oito anos já frequentava a escola particular da professora França
(Tia França). Levava um tinteiro com tinta preparada em casa com anilina, um
pedaço de pau tendo uma pena na ponta, amarrada com linha e a Carta do ABC.
Estes apetrechos eu os conduzia em uma caixa de charutos.
A escola era mista. Como colegas tinha Jorge, meu irmão; Luiz Sócrates Filho
(hoje residente no Recife); Júlio Soares, poeta e musicista já falecido e
Nozinho, filho de um fogueteiro cujo destino ignoro. Do lado feminino: Anísia
Cabral, Maria Galvão de Oliveira, Maria Luiza, Elita de Oliveira e outras que
não me acodem à memória. (AMORIM, 1982, p. 9).
Tendo nascido em 1899 e contando com 8 anos na época das aulas com a Professora
França, depreendemos que essa recordação de Francisco Amorim refere-se ao ano de 1907,
quando o Brasil estava vivendo o processo de implantação dos Grupos Escolares. Pela descrição
conhecemos detalhes do material utilizado nas aulas e os companheiros de sala, que não
apresentava distinção entre os sexos, além de fortalecer a ideia de que as aulas eram particulares.
Em outro trecho de seu livro Assú da minha meninice, onde faz relatos importantes sobre os
tipos e acontecimentos da cidade do Assú, Amorim (1982, p. 13) apresenta outra reminiscência
importante sobre as aulas com a professora Luiza de França numa crônica intitulada O primeiro
e único bolo:
A minha Mestra França tinha ido à Igreja assistir a uma cerimônia
religiosa. A escola ficou sob o controle dos alunos. Balbúrdia e confusão a
valer. Em dado momento estabelece-se entre a minha pessoa e uma aluna cujo
nome não me vem à memória, uma divergência a propósito de um tinteiro com
anilina verde. Cada qual julgava-se o dono. Irritado, joguei a tinta na calçada.
Ao chegar a Mestra França ficou inteirada da ocorrência, chamou-me e
aplicou-me, com a palmatória, um bolo dado com suavidade, dizendo:
- Não foi a questão do tinteiro. Foi você ter derramado a tinta na calçada,
emporcalhando a rua.
O relato demonstra alguns elementos característicos da educação no período imperial,
como o fato de por serem aulas ministradas na residência do próprio professor, existia uma
liberdade na condução das mesmas chegando ao ponto de permitir que os alunos ficassem
sozinhos em sala sem uma condução ou orientação e a própria indisciplina produzida por esse
fato. Para Pinheiro (2002, p. 73), o funcionamento das escolas nas casas dos professores
82
“acarretava problemas tanto de ordem administrativa quanto de ordem pedagógica” e a
convivência de alunos e familiares dos professores no mesmo espaço físico “trazia uma série
de constrangimentos”.
Outro elemento importante é a permissão dos castigos físicos aplicados pelo mestre nos
casos da indisciplina citada anteriormente. Mesmo tendo sido um “bolo dado com suavidade”,
configurou-se o exercício da autoridade do professor recorrendo, inclusive, aos castigos físicos
para exercer essa autoridade.26 Sabendo do amor da professora pelo magistério e a preocupação
com seus alunos nas aulas, Chisquito27 preparou uma vingança, como podemos perceber na
continuação do relato:
Planejei uma represália. Planejei e cumpri. No dia seguinte não fui à aula, isto
é, escondi-me em um matagal que ficava em frente à uma tosca casinha onde
morava o mestre pedreiro Agostinho, lugar que hoje é um prédio residencial
pertencente a Edmilson Caldas. O ponto escolhido foi para verificar a volta à
casa do colega Luiz Sócrates que residia onde atualmente é o Hotel Nordeste.
Com a sua volta devia ter terminado a aula. A velha mãe do pedreiro ao ver-
me naquelas imediações indagou:
- Menino, o que é que você anda fazendo?
Respondi que tinha vindo comprar uns ovos. Na verdade eu estava somente a
cumprir o horário de aula para punir minha mestra de sua repreensão. Eu sabia
que ela sofria quando um aluno se magoava com ela.
No dia seguinte compareci normalmente à aula. Não como um frustrado, mas
como um vitorioso. Mestra França estava mesmo muito preocupada com a
minha ausência da véspera.
A articulação da punição realizada por Chisquito teve por base a preocupação que
provocaria na professora França pelo fato de ter faltado à aula um dia após o desgastante caso
do bolo e foi assertiva. Conhecendo a professora e sabendo a forma como ela se sentia diante
de alguma mágoa provocada aos seus alunos, o menino planejou a punição com detalhes e ela
surtiu o efeito desejado de tal forma que retornou a aula no dia seguinte “como um vitorioso”.
Fica evidente na história relatada que apesar de ter o direito de exercer sua autoridade em sala
aplicando o castigo físico, a professora se mostrava dedicada e preocupada com o aprendizado
e a participação de seus alunos nas aulas.
26 A abolição dos castigos físicos, e também dos prêmios, no campo educacional foram tema de um longo discurso
proferido pelo Barão de Macahubas (Abílio César Borges) no Congresso Pedagógico Internacional ocorrido em
Buenos Aires no dia 2 de maio de 1882. Em sua tese, o Barão posicionava-se contra os castigos físicos e aboliu os
prêmios por achá-los inúteis e exercerem uma influência danosa no espírito das crianças. Segundo Saviani (2013,
p. 147), o Barão observou “que tanto os premiados como os que nenhum prêmio recebiam continuavam com o
mesmo comportamento e a mesma aplicação nos estudos”, mas com a diferença de que os premiados ficavam cada
vez mais orgulhosos e vaidosos e os outros desanimavam ou se tornavam piores e enfezados pela humilhação que
sofriam. 27 Apelido de Francisco Amorim na infância.
83
Esse momento da história da educação brasileira, marcado por características
tradicionais, é representado por ideias onde o mestre era o centro do processo educativo por ser
o portador do conhecimento escolar. De acordo com Magalhães (2004, p. 28) a pedagogia
tradicional estava centrada “no professor, no agente, de cuja ação esperava uma normatização
da ação, no plano da instrução, mas também no plano normalizador das práticas,
comportamentos, saberes e atitudes”.
Em carta enviada à Francisco Amorim em 20 de dezembro de 1963 para ser publicada
no livro História da Imprensa do Assú (1965), Manoel Assis, que se tornou professor
exercendo o magistério no Assú e em outras cidades do Rio Grande do Norte, apresenta
aspectos importantes da educação local, além de citar na missiva informações sobre os
professores Manoel Ferreira de Macedo Jalles, Antonio Soares de Macedo Filho e seu próprio
exercício. Nascido em 1883 nas Pedrinhas, antigo povoado anexado ao município de Santana
do Matos e hoje pertencente a Ipanguassú, Manoel Assis recorda que aprendeu:
a Carta do ABC na velha e gloriosa cidade do Assú, na Escola do professor
Manoel Ferreira de Macedo Jalles. Éramos 43, dos quais restamos cinco:
Antonio Saboia de Sá Leitão, Manoel Lindolfo de Siqueira Cortez, Teógenes
Amorim e Luiz Correia de Sá Leitão. Eu, o benjamim, já ultrapassei os 80 anos.
No verão de 1901, aprendi noções de Geografia, História, Gramática,
Aritmética, etc. na Escola Particular de Antonio Soares de Macedo Filho. No
ano seguinte tornei-me Mestre-escola, abrindo a minha primeira aula no dia 3
de fevereiro de 1902, no lugar Sombra das Pinturas, município de Caicó, hoje
pertencente a Jucurutu. Depois peregrinei por diversas fazendas dos
municípios de Santana, Assú e Angicos durante mais de sete anos. Nessas
andanças, consegui alfabetizar cerca de mil jovens potiguares. (AMORIM,
1965, p. 73).
O relato inicial do professor Manoel de Assis é significativo porque demonstra aspectos
importantes das turmas onde estudou as primeiras letras e impressiona pela quantidade de
alunos que iniciaram as aulas com o professor Manoel Macedo. É importante destacar que
alguns colegas de Manoel de Assis tornaram-se figuras importantes na cidade do Assú, como
Antônio Saboia de Sá Leitão, que assumiu a Intendência Municipal nas primeiras décadas do
século XX e empreendeu transformações importantes no espaço urbano como mostramos no
capítulo 2, e Luiz Correia de Sá Leitão, influente político da cidade.
Na segunda parte do relato, atentamos para as disciplinas cursadas nas aulas do professor
Antônio Soares de Macedo Filho, necessárias para as noções iniciais de leitura, cálculos e
aspectos geográficos e históricos. Porém, deixa entrever que não existia um sistema mais amplo
de disciplinas nesse período. E na terceira parte, mostram-se importantes as peregrinações de
Manoel Assis exercendo o ofício do magistério em diversos lugares e contribuindo de forma
significativa para a formação de milhares de jovens no Rio Grande do Norte.
84
O professor Manoel Assis casou na própria cidade do Assú em 1904 e trabalhou nas
salinas da cidade de Macau entre 1908 e 1909. Ele continua o relato autobiográfico contando
que nesse último ano foi convidado para trabalhar como guarda-livros na firma José Antônio
de Moura, mas abandonou a função um ano depois por ter sido nomeado para professor
municipal no Assú, no começo de 1910. “Em julho de 1912, passei a exercer as mesmas funções
no povoado de Sacramento, hoje cidade de Ipanguassú, onde permaneci até agosto de 1915,
quando passei a botar o papel de advogado, sob a batuta do saudoso Dr. Luiz de Oliveira”.
(AMORIM, 1965, p. 73).
Mudando para Mossoró em 1919, Manoel Assis serviu na Comissão Werneck que
construiu a estrada de ferro da cidade, foi caixeiro viajante e assumiu funções como substituto
de Delegado Secional do Recenseamento e titular do 1° Cartório da cidade. Com a fundação da
Escola Normal da cidade em 1922, foi nomeado secretário pelo Governador Antônio de Souza,
cargo em que permaneceu até 1953, quando se aposentou.
Existem outros nomes de senhores e senhoras que atuaram na instrução primária na
cidade do Assú, mas, não conseguimos localizar as datas específicas do exercício do magistério.
No entanto, notamos por alguns registros que os mesmos colaboraram com o processo de
educação na cidade no período de transição entre o Império e a República. É o caso do professor
Américo Macedo que nasceu em 29 de dezembro de 1877 e faleceu em 02 de janeiro de 1948.
Além de professor, foi poeta e glosador, autodidata e publicou o livro de versos Sombras, com
prefácio de Luiz da Câmara Cascudo. (SILVEIRA, 1995, p. 19).
O professor Olegário Olindino de Oliveira nasceu em 1895 na cidade de Campo Grande,
mudando-se para o Assú ainda criança. Um tipo inteligente, revelou desde cedo pendor para o
magistério ao lecionar as primeiras letras à juventude assuense. Um caso interessante registrado
por Fonseca Filho sobre o professor Olegário é que ele mantinha amizade com Pedro Jacob, o
guarda-fios do telégrafo. Na época, Jacob contava com quarenta anos de idade e era analfabeto.
Com paciência e abnegação o professor Olegário conseguiu alfabetizá-lo e graças ao mestre
“Pedro Jacob chegou a ocupar o lugar de Inspetor de linhas telegráficas e dizia a todos com
ufania o que sou na vida, devo a Olegário”. (FONSECA FILHO, 1984, p. 35, grifo do autor)
Além de exercer funções no magistério, Olegário foi comerciante, escrivão da polícia,
advogado, entre outras funções em que revelava os dotes de sua inteligência, dedicação e amor
ao trabalho. Escrevendo poesias, sempre enalteceu a cidade do Assú, como podemos perceber
nos versos a seguir:
Salve, terra Natal! Açu, berço de Heróis!
Princesa do sertão, terra da liberdade.
85
Solo fecundo e bom, pátria de tantos sóis
Sempre farta de luz, cheia de amenidade
Teus verdes carnaubais trescalam suavidade
A doce orquestração dos ledos rouxinóis
Sinto o olor da tristeza e amargo da saudade
Assim longe de ti, gleba dos meus avós
Tens glórias no passado e luzes no presente
Nas páginas da história, esplendorosamente
Teu nome já fulgura em letra multicor
Salve glorioso Açu! Majestoso luzeiro!
Berço róseo e gentil do meu sonho primeiro
Terra que viu nascer meu primeiro amor. (FONSECA FILHO, 1984, p. 35).
Em relação aos salários dos professores estipulado na Lei de 1827, Araújo (1979)
assinala que variavam em função das circunstâncias da população e do custo de vida dos lugares
onde funcionavam as escolas. Segundo Silveira (1995, p. 72), o ordenado de um professor
primário na Vila Nova da Princesa em 1832 era de 250$000 anuais, valor que estava dentro do
padrão estipulado na época da promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827. Já na comunidade
de Oficinas durante o mesmo período, o ordenado era de 150$000 por ano. O Regulamento
Provincial de 1836 concedeu uma gratificação, mas que não excedesse um terço dos respectivos
vencimentos para os professores que contassem 12 anos de bons serviços prestados no
magistério.
Durante todo o Império existiram poucas alterações no salário dos professores e “nos
breves períodos em que passaram a receber remuneração mais digna, os professores públicos
geralmente sofriam duras críticas em relação à qualidade do seu trabalho, sendo taxados de
incompetentes e inábeis, dentre outras qualificações”. (PINHEIRO, 2002, p. 24). Além disso,
os salários seguiam uma política organizacional discriminatória. Em 1887, os salários dos
professores do Rio Grande do Norte eram estipulados entre 350$000 e 550$000 e as
gratificações variavam entre 150$000 e 3000$000.
Na Lei de 1827, o que diferenciava as escolas da capital e do interior era apenas os
títulos dos professores. Com o Regulamento n° 21, de 9 de dezembro de 1865, lançado na
Província do Rio Grande do Norte, efetiva-se uma divisão pedagógica em três classes: nas
cidades seriam de primeira classe; em vilas, com foro civil, seriam de segunda classe; e nas
demais vilas e povoados seriam de terceira classe. Essa divisão durou até 1872, quando as
escolas passaram a ser organizadas em entrâncias: as escolas mais importantes que abrangiam
a capital e as cidades correspondiam a terceira entrância; nas segundas entrâncias ficavam as
vilas; e nos povoados existiam as de primeira entrância. As divisões e classificações estipuladas
durante o Império obedeciam a um perfil de importância dos lugares onde as aulas haviam sido
instaladas. Essa política organizacional condicionava discrepâncias nos salários e nomeações
86
dos professores e estabelecia explicitamente um caráter discriminatório. (ARAÚJO, 1979, p.
47).
Como vimos no capítulo 2, ainda na antiga Vila Nova da Princesa vinham se
desenvolvendo importantes atividades no contexto econômico do Rio Grande do Norte com as
charqueadas na comunidade de Oficinas. Com a elevação à categoria de cidade e o fim das
charqueadas, outras atividades econômicas importantes foram implantadas na região com as
plantações de algodão e a carnaúba, fatores que deram visibilidade e aceleraram cada vez mais
o progresso sociocultural da cidade. Dessa forma, a cidade contou inicialmente com escolas de
primeira classe e posteriormente, de terceira entrância.
3.3 PERFIL EXCLUDENTE E ALUNOS DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
Entre os séculos XIX e primeiras décadas do século XX, Bezerra (2006, p. 4) aponta
que a Educação Primária na cidade do Assú era um “privilégio de poucos afortunados” e que
grande parte da população era de analfabetos. A parcela ‘afortunada’ denunciada na fala do
historiador assuense era formada pelos filhos da elite local, compreendendo principalmente
fazendeiros, políticos, comerciantes e industriais das firmas de algodão e cera de carnaúba.
Essa realidade seguia um padrão vigente que se formou no Brasil-Colônia e persistiu durante
o Império onde a escola pública apresentava um caráter elitista e excludente e reforçava o
perfil de representatividade social das camadas mais abastadas.
Retomando os dados demográficos do município do Assú apresentados no capítulo 2
(p. 60) e os números de matriculados apresentados anteriormente na cadeira primária
masculina, podemos ter uma noção mais evidente dessa realidade. Os dados demográficos
apontam uma população estimada em 8000 pessoas por volta de 1872. Considerando esse total
e o número de matriculados em 1873, 48 alunos, o percentual chega a menos de 1% de
alfabetizados na cidade nesse período. Por meio desse percentual, e relembrando os hábitos
excludentes e elitistas existentes na cidade nesse mesmo período, podemos prever que a Escola
de Primeiras Letras atendia prioritariamente os filhos da elite local. De acordo com Ferreira
(1999, p. 55):
a nossa elite intelectual brasileira foi formada por diferenciações econômicas,
uma vez que os donos de engenhos, os fidalgos portugueses e os mineradores
preocupavam-se em dar uma educação letrada aos seus filhos, muito
distanciada da prática do trabalho manual, posto que era executada por
escravos. Assim, a formação acadêmica procurada por essa elite era muito
mais voltada para o status do que para uma prática profissional. Nesse
sentido, a educação recebida era uma educação marcadamente literária com
87
influencias europeizantes, adquirida nos colégios dos padres ou em suas
próprias casas. (Grifo nosso).
Essa cultura também predominava na cidade do Assú, dado que acontecia de forma
concomitante em diversos lugares do Império. Como nosso país foi formado a partir da
miscigenação de diversos povos, mas sofrendo influências do domínio europeu,
principalmente dos portugueses, não nos surpreende o fato de a formação da educação do povo
brasileiro se consolidar a partir de práticas e leituras vindas de além-mar permeadas por uma
cultura universalista, predominantemente voltada para as letras, que denotava diferenciações
sociais.
Os relatos de Pinheiro (1997) evidenciam essa realidade. A autora investigou a
biografia e a produção literária e pedagógica da professora Maria Carolina Wanderley Caldas
(Sinhazinha Wanderley) e apresenta aspectos importantes de sua formação educacional. Como
membro de uma das famílias mais importantes na cidade do Assú durante o século XIX e
início do século XX, Sinhazinha recebeu em sua própria casa, por parte dos familiares ou de
professores particulares, aulas de música, literatura, catecismo, francês, inglês e latim. Além
das cadeiras avulsas, essas aulas de línguas estrangeiras eram oferecidas em determinados
momentos às pessoas de destaque social na cidade por padres e freiras que desenvolviam
trabalhos religiosos na localidade.
Sinhazinha recebeu uma formação elaborada e completa num período em que as
mulheres, mesmo as do seu nível social, recebiam aulas fundadas basicamente na trilogia ler,
escrever e contar. O fato de ter recebido aulas diretamente em sua casa, com professores
particulares, ratifica a realidade apresentada anteriormente no trabalho de Araújo (1979)
quando a autora evidencia a dificuldade do funcionamento da Escola de Primeiras Letras para
o público feminino criada na cidade do Assú. Por outro lado, pode expressar uma opção das
próprias famílias da elite local de ofertarem o ensino para as mulheres em suas próprias casas,
com professores particulares.
A dificuldade para compreendermos melhor esse fenômeno do atendimento da
educação feminina na cidade do Assú, mesmo das mulheres da elite, esbarra principalmente
no fato de termos encontrado informações mais detalhadas apenas da formação de Sinhazinha
Wanderley. De acordo com Frago (1993, p. 33), o processo de alfabetização esteve relacionado
por muito tempo com a relevância de aspectos ideológico-culturais e destacou-se “como um
instrumento de dominação ou liberação, quanto sua influência no atraso da alfabetização
feminina em determinadas regiões ou países”. Entretanto, a convivência de Sinhazinha com
atividades culturais ligadas à literatura, à música, ao teatro e ao magistério despertou nela uma
88
vocação para se dedicar às artes explorando sempre em suas produções os aspectos locais e
demonstrando grande amor por sua terra. Mesmo sendo de uma família abastada e tendo a
possibilidade de migrar para lugares mais desenvolvidos ampliando seus conhecimentos ou
difundindo suas produções como fizeram alguns de seus parentes, Sinhazinha preferiu morar
permanentemente no Assú.
Ao contrário dela, e apesar de também demonstrarem amor à terra natal e às tradições
locais por meio dos versos poéticos ou da produção jornalística, muitos assuenses de posses
sentiram a necessidade de enviar seus filhos para dar continuidade aos estudos, depois de
concluído o ensino primário, em lugares distantes que ofereciam cursos secundários durante o
período imperial. E algumas famílias migraram para lugares maiores e mais desenvolvidos
com o intuito de ampliar a atuação política, jornalística, no comércio ou em serviços públicos.
Essa realidade é apresentada por Wanderley (1965, p. 40) que também se estabeleceu em Natal
em busca de novas oportunidades:
O exemplo vem do século passado [século XIX], quando João Carlos
Wanderley e seu genro Luiz Carlos vieram para Natal, destacando-se nas
letras, e na política. Além de intelectuais foram deputados provinciais e
estiveram no governo da Província na qualidade de vice-presidentes. O
mesmo aconteceu a Elias Souto, ao cel. Pedro Soares, e ao comandante
Caldas, que também vieram para a capital, seguidos pelos seus filhos todos
ilustres. Os Lima, Ana, Deolindo, Nestor, Luiz Antônio e Galdino, para aqui
vieram e aqui se educaram e brilharam, em diversos setores. No Recife, fixou-
se, depois de ordenado em Roma, o padre Manuel Gonçalves de Amorim,
historiador renomado, que defendeu a naturalidade potiguar de D. Antônio
Felipe Camarão, o índio Poti, e em Natal, os Soares – Moisés, João, Antônio
e Luiz Soares.
Muitos dos representantes das famílias de elite davam continuidade aos estudos
secundários em Mossoró ou Natal e recebiam títulos de cursos superiores em cidades como
João Pessoa, Fortaleza, Maceió, Pará, Salvador e até no Rio de Janeiro28. De acordo com
28 Na cidade do Assú, funcionaram cadeiras de Latim e Francês, comumente chamadas cadeiras avulsas e
consideradas de cursos secundários. Apesar de não priorizarmos esse conteúdo em nosso trabalho, consideramos
importante registrar a existência dessas cadeiras na cidade. De acordo com Silveira (1995, p. 65), em 1827 foi
criada uma cadeira de Latim na Vila Nova da Princesa (Assú). Wanderley (1965, p.47) reforça essa informação
sobre a criação da cadeira de Latim no Assú e acrescenta que a cidade contou com uma cadeira de Francês criada
em 1858. Sobre essa cadeira de francês, Lima (1990, p. 143) informa que foi criada sob a Lei 417 de 4 de setembro
de 1858. O primeiro professor que assumiu a cadeira de latim em 1827 foi Francisco Emiliano Pereira. Padre
Francisco Theodósio de Seixas Bailon nasceu em Assú e tornou-se lente da disciplina de latim no Ateneu Norte-
Rio-grandense, posteriormente removido para a terra natal, ficou responsável pelas aulas nos anos de 1843 à 1866.
Entre 1866 e 1869 a cadeira foi assumida por Francisco Justiniano Lins Caldas. Logo depois, o professor João
Tiburcio da Cunha Pinheiro Junior, “na intenção de não deixar a cidade desvalida deste ensinamento, fez funcionar
no ano de 1869 uma outra cadeira de latim”. (BEZERRA, 2006, p. 4). Em 1875 as aulas de latim ficaram sob a
responsabilidade do professor Pedro Soares de Araújo. Vereador na Câmara Municipal, Pedro Soares de Araújo
também foi responsável no mesmo período pelas aulas de francês no município. Entre 1876 e 1892 as aulas de
latim ficaram sob a responsabilidade do professor Antonio Cabral de Oliveira Barros Filho. Essas cadeiras de latim
e francês foram suprimidas nos primeiros anos do governo republicano.
89
Alves (2012, p. 101), era uma prática comum em cidades do interior e entre grupos
privilegiados a escolha das famílias de encaminharem os filhos para escolas distantes, o que
“poderiam lhes garantir um capital cultural e simbólico de maior rentabilidade na disputa por
postos de influência no aparato governamental ou na direção do mundo econômico”.
Entre os assuenses que iniciaram a Educação Primária na cidade e deram continuidade
aos estudos secundários em outros lugares destacamos Luiz Carlos Lins Wanderley. O mesmo
doutorou-se em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em dezembro de 1857 e é
considerado um dos primeiros médicos norte-rio-grandenses. Doutor Luiz Carlos Wanderley
atuou no Assú como político, poeta, jornalista e teatrólogo e sua família foi uma das que mais
participaram do movimento cultural e literário da cidade.
Luiz Antônio Ferreira Souto Junior fez as primeiras letras com o professor José Félix
do Espírito Santo e com seu avô materno, o coronel Antônio Barbalho Bezerra. Estudou latim
com o padre Francisco Theodosio de Seixas Bailon e depois dos estudos preparatórios
matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, recebendo o diploma de Bacharel em 1865.
Antônio Soares de Araújo fez parte do curso primário em Assú e deu continuidade em
Natal, concluindo em 1886. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife e recebeu o título de
bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no dia 13 de dezembro de 1902. Participou de
entidades culturais e foi membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, perpetuando a
tradição literária assuense como podemos notar no soneto Assú, na abertura desse capítulo.
Teógenes Augusto Caldas de Amorim concluiu o curso primário com o professor Antonio
Rodrigues Pereira da Silva, depois seguiu para Natal onde deu continuidade aos estudos
ginasiais. Irmão de Francisco Amorim e Palmério Filho, retornando ao Assú Teógenes
colaborou com o jornalismo local tomando parte ativa em 1898 na produção do periódico O
Vigia e gerenciou em 1923 o jornal A Cidade.
Nestor dos Santos Lima recebeu os estudos primários pela própria mãe, dona Ana
Souto Lima. Matriculando-se na Faculdade de Direito do Recife, formou-se bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1909. Afonso de Ligori Soares de Macedo fez as
primeiras letras com o próprio pai, Coronel Antônio Soares de Macêdo, na cidade do Assú.
Formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife em
1910. Ainda no Assú, muito cedo demonstrou vocação para o jornalismo dirigindo em 1899,
com seu irmão, Américo Macedo, o periódico A Crença e colaborou nos jornais A Semana e
A Cidade. Viajando por vários lugares, Afonso Macedo prestou serviços em jornais do Rio
Grande do Sul, Pernambuco e na Bahia, onde faleceu em 1923.
90
Mariano Coelho recebeu as primeiras letras pela própria mãe, a professora primária
Maria Bezerra da Rocha Varella Coelho. Cursou a Faculdade de Medicina da Bahia entre 1919
e 1924. Escreveu versos e poesias. Ezequiel Epaminondas da Fonseca Filho recebeu as
primeiras letras de seu pai, Ezequiel Epaminondas da Fonseca, e concluiu o curso primário em
Natal. Em Recife, iniciou o Curso de Farmácia, mas depois matriculou-se na Faculdade de
Medicina da Universidade do Rio de Janeiro onde recebeu o diploma de médico em dezembro
de 1925.
Como podemos perceber na narrativa dos personagens das famílias de elite citadas
anteriormente, depois de realizada a instrução primária no Assú, formaram-se em espaços mais
desenvolvidos do ponto de vista educacional. Também fica evidente que alguns deles deram
os primeiros passos no mundo das primeiras letras em suas casas e com os próprios
progenitores ou membros da família. De acordo com Ferreira (1999, p. 56), era recorrente nas
práticas educacionais e formativas das famílias dos intelectuais do Assú, “descendentes de
fidalgos portugueses e holandeses, que mesmo quando não recebiam uma educação em
instituições de ensino, a recebiam em suas próprias casas através de professores particulares”.
Outro fator importante que precisamos destacar é que enquanto estavam no Assú ou
depois de terem se formado em outros lugares e retornado para a cidade, esses intelectuais
participaram do desenvolvimento literário e cultural que ocorria na cidade. Os que retornaram
atuaram ativamente nesse contexto e os que se foram levaram para suas experiências em outros
lugares o que aprenderam no Assú sobre o jornalismo, a poesia e o gosto pelas artes como
verdadeiros valores estéticos, literários e intelectuais. Vasconcelos (1977, p. 63) constata que
os descendentes dessas famílias, “como aves de arribação, emigraram do seu natural habitat
para Natal e outras plagas, onde se fixaram, não perdendo, todavia, o amor pela poesia e nem
a inspiração nascida na adolescência, acalentada pela paisagem das palmeiras nativas”.
A continuidade das atividades literárias e culturais desses representantes em outros
territórios, que tiveram início em solo assuense, também contribuiu para a construção da
imagem da cidade como a Atenas Norte-rio-grandense. Expandir e levar a cultura local,
inclusive para fora do estado, foi significativo e essencial nesse processo de afirmação da
produção cultural e literária desenvolvida na pequena cidade sertaneja.
Entre os assuenses que se destacaram pelo contato com as primeiras letras e a
continuidade dos estudos secundários, podemos citar Luis Rosa, o menino que na década de
1870 empurrava a cadeira de rodas do professor Elias Souto. Nascido ao pé da Serra do Cuó,
no Assú, e filho de prestadores de serviços da família do professor, Luis Rosa recebeu a
incumbência de empurrar a cadeira de Elias Souto ainda muito criança e conduzia-o por todos
91
os pontos da cidade. Ezequiel Fonseca Filho em texto Do folhetim Assú em Revista (1980, p.
20, grifo do autor) afirma que o menino Luiz Rosa tornou-se:
companheiro inseparável do mestre escola, do agente dos Correios, do
jornalista, do coletor da mesa de rendas, profissões que o professor Elias
Souto exerceu na vida. Nunca se afastava das traseiras da cadeira que
empurrava com brandura e extrema dedicação, parando onde lhe era
ordenado. Assim, o menino Luis Rosa, assistia as aulas do mestre, ajudava-o
na abertura das malas postais, ouvia a leitura dos artigos inflamados que
redigia contra João Carlos Wanderley que, por sua vez, não lhe poupava a
pele pelas colunas do “CORREIO DO AÇU”. Lia-os em voz alta e grande
entusiasmo.
Luis Rosa conviveu e foi educado no ambiente literário e militante de Elias Souto sem
se afastar da tarefa de empurrar o mestre para os seus afazeres. Com a mudança do professor
para Macau, onde fundou os jornais A Imprensa e O Macauense, o menino acompanhou-o. Até
mesmo depois que o professor se mudou para Natal e deu continuidade aos trabalhos no campo
da imprensa fundando na capital do estado o Jornal O Nortista, Luis Rosa não abandonou o
mestre. Ainda segundo Ezequiel Fonseca Filho, bebendo das fontes proporcionadas pelo
contato com Elias Souto e recebendo do próprio professor a formação das primeiras letras, o
ajudante:
matriculou-se no Atheneu quando Elias Souto já havia falecido. Continuou
seus estudos, aplicado e perseverante, qualidade que conquistara no convívio
de seu protetor e amigo.
Anos depois mudou-se para o Pará lá conseguindo-se bacharelar-se em
ciências jurídicas e sociais. Exerceu a função de promotor e mais tarde a de
Juiz de Direito de uma comarca do interior do Estado.
Luis Rosa da Silva, da família dos Rosas, ainda existente à margem direita do
Rio Açu, família humilde, pobre e analfabeta, sem representação social,
vivendo da agricultura e da vaqueirice, teve em Luis Rosa o seu elemento
destacado.
E não se diga que o homem não é o produto do meio. Se Luis Rosa, naquele
tempo, não tivesse sido o menino que empurrava a cadeira de rodas do
Professor Elias Souto, não há dúvida, seria um trabalhador de enxada. (ASSÚ
EM REVISTA, 1980, p. 20).
O texto de Ezequiel Fonseca Filho expressa a importância do contato com o processo
de escolarização para a formação e o sucesso do ser humano, mas, ao mesmo tempo, apresenta
uma visão excludente por parte de quem não participa do universo das letras, reforçando o perfil
da elite assuense que apresentamos no capítulo 2. Isso fica evidente quando o autor
marcadamente afirma a ideia de que a família do jovem Luis Rosa, composta por gente
“humilde, pobre e analfabeta” não teria nenhuma “representação social” e a possibilidade de
conviver num meio totalmente diferente do da família teria favorecido ao jovem o sucesso e
92
ascensão profissional. Da mesma forma, se tivesse continuado no seio da família, com certeza
“seria um trabalhador de enxada”.
Anteriormente, havíamos citado a afirmação de Bezerra (2006, p. 4) em nosso trabalho
de que a Educação Primária desenvolvida entre os séculos XIX e início do século XX no Assú
seria um privilégio de poucos. No mesmo trabalho o pesquisador afirma que “saber ler naquela
época em Assú não tinha muita importância. Afinal, aprender a ler para quê? Para trabalhar na
roça, cuidar de gado, caçar e pescar? Em qual dessas profissões era necessário ser
alfabetizado?”. Porém, a partir das informações presentes no texto de Ezequiel Fonseca Filho
fica evidente que a pouca importância da educação presente na fala de Bezerra destinava-se
para os filhos das famílias pobres, dado que para esse grupo social o elemento formativo ou o
mundo das primeiras letras não teria muita finalidade ou serventia. De acordo com Frago (1993,
p. 38), “ainda que a alfabetização e a escola sejam instrumentos de controle, moralização e
disciplina, abrem opções e criam possibilidades que não existem em uma sociedade ou
indivíduos analfabetos”.
3.4 CASA DE CARIDADE E EXTERNATO SÃO JOSÉ: ESPAÇOS DE
ESCOLARIZAÇÃO NÃO OFICIAL
Diante da evidência excludente da Educação Primária na cidade do Assú, fica a dúvida
se os filhos de famílias humildes e pobres realmente não recebiam nenhum tipo de formação na
cidade e se estavam presentes no contexto local apenas para prestar serviços à elite. No intuito
de levantar possíveis investigações sobre esse contexto apresentamos a seguir dois modelos de
educação voltados diretamente, e indiretamente, para as classes mais pobres na cidade do Assú.
Apesar de existir uma formação elementar nesses espaços, é importante frisar que não foram
implantados a partir de uma legislação, caso das outras instituições primárias que nos propomos
a investigar. Começaremos apresentando a educação oferecida na Casa de Caridade e, logo
depois, no Externato São José.
A Casa de Caridade do Assú foi criada em 1862 pelo Padre Ibiapina, missionário
nascido em Sobral/CE, que atuava nos sertões do Nordeste colaborando com diversas obras de
evangelização e promoção social29. Essa instituição acolhia e dava instrução às moças pobres e
29 José Antônio de Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral (CE), foi deputado, advogado
e juiz de direito. Aos 47 anos abandona a vida civil e se torna padre peregrinando pelos sertões do Nordeste,
evangelizando, e promovendo obras socioeducativas. Padre Ibiapina esteve no Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Piauí e Pernambuco construindo açudes, cemitérios, capelas, cacimbas, igrejas, Casas de Caridade e
colaborando na fundação de municípios. Suas missões mobilizavam as populações por meio dos rituais religiosos
93
órfãs. No período em que estavam na Casa de Caridade, as jovens recebiam ensinamentos de
primeiras letras, flores, labirintos, bordados e trabalhos domésticos, restringindo-se a uma
educação que visava prepará-las para adquirir habilidades características ao modelo de mulher,
esposa e mãe. Quando as acolhidas atingiam a idade de casar, o Procurador escolhia um rapaz
honesto, bom, cristão e trabalhador. Feita a escolha, os jovens eram apresentados na presença
do Procurador e da Superiora da instituição e se os dois se agradassem, o casamento era
realizado por conta da Casa de Caridade. A instituição era dirigida pelas Irmãs da Caridade e
mantida às custas do Patrimônio da Paróquia de São João Batista do Assú.
Apesar de se mostrar uma instituição importante para a formação de moças pobres e
órfãs, diversos registros do Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista demonstram um
processo de decadência na manutenção e funcionamento da Casa de Caridade do Assú. D.
Antônio dos Santos Cabral e uma comitiva de sacerdotes realizaram uma visita pastoral a cidade
entre os dias 15 e 23 de julho de 1920. O registro feito pelo Padre Joaquim Honório da Silveira
apresenta o itinerário da visita, que contou com missas e pregações, assembleias, crismas,
comunhões, batizados e casamentos. Há também a citação de uma visita realizada na antiga
Casa de Caridade, fundada pelo Padre Ibiapina. O registro informa que a casa foi encontrada
em lamentável estado de desasseio e desorganização. Outro registro datado do dia 18 de
dezembro de 1923 notifica a presença de D. José Pereira Alves e mais uma visita à Casa de
Caridade destacando que a instituição estava à mercê do apoio do povo católico. (LIMA, 2002).
Amorim (1972), informa que no dia 14 de novembro de 1927 foi realizada uma
representação dramática muito aplaudida no Teatro Alhambra em benefício da Casa de
Caridade. A iniciativa dos jovens amadoristas promovedores da apresentação demonstrava seus
generosos propósitos de levar conforto e assistência às velhas Irmãs da Caridade, Teresa,
Dionísia e Isabel, que viviam há longos anos asiladas, entregues aos favores públicos. Amorim
registra que a Irmã Teresa Maria de Jesus Ibiapina ocupou o cargo de Regente da Confraria,
e mutirões de trabalho organizados para a execução das construções, desenvolvendo ideais de civismo e
produtividade. As Casas de Caridade figuram como as principais obras do Padre Ibiapina e congregavam todo um
ideal de vida que deveria ser seguido pelas irmãs e acolhidas. O modelo de formação empregado nas instituições
orientava-se por documentos elaborados pelo próprio Padre, pautado na orientação, regulação e moralização das
acolhidas com atividades como trabalho, fé e educação de primeiras letras, ancorado em noções de civilidade,
disciplina e utilidade social. Durante o itinerário de peregrinação do missionário foram construídas vinte e duas
Casas de Caridade distribuídas entre os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
94
exercendo seu magistério de amor ao próximo durante 67 anos, destacando de maneira
edificante seus pendores humanitários.
Mesmo que precariamente, essa instituição de atendimento as crianças pobres e
desvalidas continuou funcionando na cidade do Assú até 1948. Nesse ano foi fundado no dia
10 de outubro, no mesmo espaço, o Instituto Padre Ibiapina, com a finalidade de amparar os
menores pobres e abandonados. Recebeu essa denominação com o propósito de dar
continuidade aos ideias de promoção social empreendidas pelo Padre Ibiapina.
Por volta de 1908 ou 1909, contando quase duas décadas da implantação do governo
republicano, Sinhazinha Wanderley manteve com recursos próprios o Externato São José. Essa
escola funcionava na sala principal de sua casa, numa mesa grande com cadeiras ao redor que
serviam de assento aos alunos. A escola funcionava sem subvenção e atendia inclusive crianças
pobres dos sexos feminino e masculino. A proposta de ensino era elaborada pela própria
Sinhazinha. A professora enviava correspondências para livrarias de São Paulo solicitando
livros e material de ensino como cubos coloridos, alfabeto com animais e globo terrestre.
Segundo Pinheiro (1997, p. 131), nessas aulas ela distribuía lápis e caderno para as crianças e
“realizava passeios às margens do Rio Assu, ou do córrego existente naquela cidade, onde dava
aulas de Ciências e de Geografia. O percurso, durante o qual a professora e crianças entoavam
canções infantis, era feito a pé”.
Depois de suspensas as aulas da professora Luiza de França, Francisco Amorim passou
a frequentar a escola da professora Sinhazinha Wanderley e apresenta outros aspectos das
práticas pedagógicas da professora. De acordo com o memorialista (1982, p. 9), a poetisa e
musicóloga que já lecionava cheirando à pedagogia moderna “ensinou-me música e fez-me
aprendiz de flautim, chegando ao ponto de, sob sua batuta, tocar a muribeca, por ocasião de
uma missa consagrada à Nossa Senhora da Conceição”.
Mesmo sendo uma escola que funcionava com os próprios recursos da mestra e
independente de fazer parte de um grupo que tinha uma melhor condição social, Sinhazinha
recebia em sua escola crianças pobres e ricas, como é o caso de Francisco Amorim, filho do
único farmacêutico da cidade na época e irmão de Palmério Filho, proprietário de jornais.
Pinheiro (1997) chama a atenção para o fato de Sinhazinha ter sido uma pessoa muito
religiosa, inclusive, compondo hinos para serem cantados na igreja do Assú e sempre praticar
hábitos altruístas e solidários como doar leite para pessoas de comunidades carentes na cidade
ou abrigar em sua casa ex-funcionários da fazenda de sua família que estavam na velhice. Essa
formação humanitária da professora pode ser observada na atenção dedicada por ela à
necessidade de as crianças das classes mais populares também as primeiras letras.
95
O fato de os registros e fontes da história do Assú sempre exaltarem os grandes
personagens da cidade e suas famílias abastadas dificultam a reconstrução da educação que
possivelmente teria sido ofertada para as crianças mais pobres. Nesse sentido, o registro da
história de Luiz Rosa, a presença da Casa de Caridade, a criação do Externato São José por
Sinhazinha Wanderley e a ausência de registros mais aprofundados sobre as camadas populares
evidenciam que as crianças mais pobres realmente ficavam à margem da educação oferecida
pelo poder público ou das escolas particulares, reforçando o caráter excludente tão perceptível
na cidade, como no caso da fonte de água, da iluminação e dos eventos festivos apresentados
no capítulo 2.
Também fica explícito que essas pessoas apresentaram pouca ou nenhuma contribuição
para a construção da identidade da cidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense que foi se
construindo desde a segunda metade do século XIX. As Escolas de Primeiras Letras existentes
na cidade durante o período imperial foram importantes pois colaboraram com a expansão
cultural e literária da cidade dado que alguns professores e diversos alunos estavam envolvidos
com o universo da imprensa, da poesia e da literatura, mas o público da classe social mais
simples não teve participação efetiva nessa expansão, ao menos durante o regime imperial. De
acordo com Pinheiro A. (2002, p. 29):
pode-se considerar que, no período imperial, a organização da sociedade civil
era ainda embrionária, e poucos eram os grupos sociais que dispunham de
capacidade organizativa para pressionar o Estado, visando à obtenção de
maiores investimentos para a educação, em geral, e, mais particularmente, para
a instrução pública escolar. Vale lembrar que, à época, o Brasil – cuja
economia era sustentada pela atividade agrária – tinha em seu imenso território,
que apresentava baixíssima densidade demográfica, um contingente
populacional rural elevado, boa parte do qual formado por escravos, sem
direito à escola. Diante dessas condições materiais, a instrução escolar não se
constituía em necessidade tão premente que suscitasse, nos grupos sociais
subalternos, movimentos reivindicatórios de acesso à escola.
No caso da cidade do Assú, que apresentava um contingente populacional rural elevado,
essa excludência se fazia evidente em apontamentos já levantados antes de que o processo de
alfabetização não teria utilidade para as pessoas trabalhadoras em atividades da roça, pecuária,
caça ou pesca. Dessa forma, a escolarização local seguia uma realidade presente em diversos
outros pontos do país onde o poder público não via necessidade em oferecer instrução para a
parcela mais carente da população, reproduzindo e mantendo, dessa forma “uma estrutura social
extremamente estratificada. A ‘multiplicidade’ de escolas deveria, portanto, restringir-se ao
mundo urbano e destinar-se àqueles cujas profissões exigissem, pelo menos, a habilitação
preliminar de saber ler e escrever”. (PINHEIRO, 2002, p. 30, grifo do autor).
96
Frago (1993, p. 39), afirma que a posse da habilidade de ler e escrever é funcional para
um indivíduo quando ele faz uso dela:
seja por razões econômicas (comércio), profissionais (escrivãos, clérigos,
funcionários), ideológicas (proselitismo religioso ou político) ou de status (a
posse de livros e o conhecimento da escrita como símbolo de distinção social
entre aqueles que não necessitam dela econômica ou profissionalmente).
Parece-nos que esses apontamentos de Frago mantém uma relação com o recorte
temporal e espacial delimitado em nosso trabalho, pois, numa sociedade excludente como a
cidade do Assú ser alfabetizado pressupõe uma relação com um caráter econômico-profissional,
com a busca de status ou um perfil ideológico.
Essa realidade do Império ainda vigente na cidade mesmo durante a instituição da
Primeira República deixa entrever que as ideias e medidas educacionais tomadas na sede do
poder público nacional não eram de imediato adotadas nos lugares mais recônditos,
principalmente por estarem condicionadas aos interesses de grupos políticos e oligarquias
locais. As dificuldades presentes na consolidação da instrução pública caracterizam e reforçam
a perspectiva da história das ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013), dado que a forma como a
instrução primária foi se estabelecendo no Rio Grande do Norte apresentou grandes processos
de lentidão, enfrentou dificuldades geradas pelo movimento do cria e extingue apontado por
Araújo (1979), se mostrou excludente até mesmo para pessoas livres e estava aquém das
propostas presentes nos documentos legislativos.
Frago (1993) considera que o fenômeno da história da alfabetização apresenta
complexidades e inter-relaciona-se com uma diversidade ampla de causas e efeitos que
expressam ligações com interesses e bases ideológicas de lugares, momentos históricos, grupos
sociopolíticos e sujeitos que motivam, legitimam, impulsionam ou freiam os modos e
procedimentos do processo de alfabetização em sua difusão temporal, espacial e social.
Para Souza (1998, p. 27), nas últimas décadas do século XIX intelectuais, políticos,
homens de letras e grandes proprietários rurais brasileiros manifestaram uma série de interesses
e para levá-los adiante “enfrentaram e debateram intensamente os problemas do crescimento
econômico do país, a transição para o trabalho livre, a construção de uma identidade nacional,
a modernização da sociedade e o progresso da nação”. Observamos que o novo momento de
consolidação da história da educação no país fez parte desse debate.
De acordo com Frago (1993, p. 32), um exemplo claro das ligações e interesses de
grupos dominantes ocorrem:
97
já na segunda metade do século XIX, quando as exigências tecnológico-
produtivas, comerciais e de controle sócio-político (extensão do direito ao
voto), propiciaram uma maior atenção dos poderes públicos à educação
elementar e tornaram evidentes as vantagens de uma determinada
alfabetização”.
No contexto do final do regime imperial no Brasil, Saviani (2013, p. 164, grifo do autor),
aponta que a questão da escolarização e do voto do analfabeto foi amplamente discutida e estava
atrelada a interesses políticos, consubstanciando-se:
no projeto de reforma eleitoral apresentado pelo conselheiro José Antonio
Saraiva em 1880. Além das eleições diretas, o projeto preconizava a exclusão
do voto do analfabeto. Rui Barbosa pronunciou-se favoravelmente ao projeto
acreditando que esse dispositivo iria estimular o interesse pela difusão da
instrução; e, em consequência, os governos iriam agir de forma mais decisiva
investindo na abertura de escolas. Os que eram contrários ao projeto, cujo
principal porta-voz foi José Bonifácio, ‘o moço’, entendiam que o projeto
aristocratizava o voto e distorcia o processo eleitoral, pois reduzia o eleitorado
a uma pequena minoria da população do país. Mas a posição de Rui Barbosa
saiu vitoriosa e o projeto converteu-se na Lei Saraiva, aprovada em 9 de janeiro
de 1881. Como resultado da aplicação do novo critério, que condicionava o
exercício do voto ao domínio da leitura e da escrita, o corpo eleitoral foi
reduzido de 13% da população livre, em 1872, para 0,8% em 1886.
Retomando a atuação de Sinhazinha Wanderley no Externato São José apresentada por
Pinheiro (1997), chama-nos a atenção os métodos pedagógicos utilizados pela professora que
expressam as inovações pedagógicas difundidas por todo o Brasil com a reforma educacional
proposta pelo governo republicano presentes nos Grupos Escolares.
Nota-se a relação das práticas e do material utilizado nas aulas com o método intuitivo
que orienta a metodologia preconizada no funcionamento dos Grupos Escolares e tinha como
objetivo, como veremos mais adiante, desenvolver as habilidades e ampliar as dimensões de
ensino-aprendizagem dos alunos por meio da observação e dos sentidos. Inclusive, a própria
Sinhazinha Wanderley compôs o primeiro corpo docente do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia, instalado na cidade do Assú em 1911. Dessa forma, o Externato São José pode ter
servido como um laboratório para a nova empreitada que a professora passaria a viver no campo
educacional na cidade do Assú.
Os Grupos Escolares já vinham estabelecendo em todo o Brasil um modelo emergente
de modernização da Educação Primária com novas propostas e características pedagógicas,
arquitetônicas, metodológicas e profissionais totalmente diferentes das vigentes durante o
período imperial. Tinham a finalidade de substituir as Escolas de Primeiras Letras que
funcionavam nas residências dos professores ou em outros ambientes insalubres, com métodos
e material pedagógico considerados ultrapassados e contando, muitas vezes, com professores
com pouca formação.
98
Para Saviani (2013, p. 166), um grande entrave que dificultou a consolidação da
organização das Escolas de Primeiras Letras como uma ideia de sistema nacional de ensino
com normas e objetivos comuns no Brasil do século XIX encontra-se nas “condições materiais
precárias decorrentes do insuficiente financiamento do ensino”. Ainda segundo o autor, entre
os anos de 1840 e 1888 a média anual de recursos financeiros investidos na educação foi uma
cifra irrisória de 1,8% do orçamento governamental. Desse valor, uma média de 0,47% foi
destinada para a instrução primária e secundária.
Ficava como herança para o governo republicano, portanto, a responsabilidade de
direcionar mais investimentos para a instrução pública com destaque para a Educação Primária.
No âmbito de inovações urbanas, o governo republicano atenta para uma série de mudanças no
próprio espaço das cidades, cenário determinado para o intento da visibilidade de um novo
momento da história política do país.
De acordo com Moreira (2005, p. 24) uma das metas principais era trabalhar nas cidades:
com o imaginário social para fazê-la símbolo dos novos tempos do país, tirando
partido dos elementos que alimentavam esse imaginário coletivo – os serviços,
os transportes, o incremento do consumo e do lazer citadino -, na perspectiva
de favorecer a assimilação da cidade, como centro irradiador da novidade, da
civilização.
Como vimos no capítulo 2, dadas as suas proporções de pequena cidade sertaneja, no
Assú vinham sendo sedimentadas algumas transformações que apontavam para esse novo
momento vivido em todo país por meio da implantação da iluminação elétrica, do
abastecimento de água, do calçamento de ruas, dos teatros, das reformas em logradouros
públicos como o mercado, o cemitério, a sede da intendência municipal, entre outros. Silva
(2010, 47), assinala que essas mudanças:
denotam ao mesmo tempo a intenção de modernização e o desejo da elite local,
que se encontrava a frente da estrutura administrativa da cidade de Assú, em
garantir sobre seu espaço (a cidade) a inserção de novidades consideradas para
a época como elementos integrantes de uma cultura moderna.
Além das transformações urbanísticas, a própria mudança de mentalidade do povo
brasileiro era uma exigência nesse momento. Sentir-se parte da pátria e contribuir com o
desenvolvimento da nação são premissas essenciais para formar um cidadão praticante de
hábitos voltados para a ordem e o progresso do país. Os Grupos Escolares surgem como espaço
ideal para a concretização desse projeto.
Esse novo modelo é instalado na cidade do Assú e abre uma nova página da história da
Educação Primária na cidade. Consideramos os questionamentos de como esse espaço de
99
escolarização contribuiu ou participou da vida literária e cultural da Atenas Norte-rio-
grandense, como foi implantado e o público alvo atendido, reflexões que levantaremos nos
próximos capítulos.
100
HINO OFICIAL DO GRUPO ESCOLAR
TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA30
(Ezequiel Wanderley)
Por entre o calor de palmas
Que alguma coisa traduz
Vamos abrir nossas almas
Para o batismo da luz
Estribilho
Quanta luz, quanta grandeza,
Na terra de nossos pais
Orlado pela beleza
Dos verdes carnaubais
É bem preciso estudarmos
Em nossa quadra infantil
Para assim glorificarmos
Pelo amor nosso Brasil
Há dentro de nossas história
Radiante de um povo herói
Feitos cobertos de glória
Que o tempo jamais destrói.
30 Transcrito de Fonseca Filho, (1984, p. 122).
101
4 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE
MODERNIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
Com a Proclamação da República, em 1889, a educação popular continuava sob a
responsabilidade das antigas províncias, que passavam a ser denominadas de estados. O Decreto
n° 981, de 8 de novembro de 1890 assinado por Benjamin Constant instituía a reforma dos
ensinos primário e secundário. Apesar de estar restrito ao Distrito Federal, o documento poderia
apresentar-se como uma referência para a organização do ensino nacional. Porém, Saviani
(2013, p. 165) afirma que essa reforma, que pretendia conciliar estudos literários e científicos,
recebeu diversas críticas e “a tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de
educação foi aquela que se desenvolveu no estado de São Paulo”, lançando em 8 de setembro
de 1892 a Lei n° 88.
Embora a reforma promulgada por esse documento abrangesse todos os setores da
instrução pública, o foco do documento era a Educação Primária e a grande novidade veio com
a instituição dos Grupos Escolares representando um momento de modernização do ensino no
Brasil dado que a estrutura das escolas de primeiras letras:
eram classes isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma
classe regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo
de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. E essas escolas
isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substituídas pelos
grupos escolares. (SAVIANI, 2013, p. 172).
Esse modelo educacional tomou forma no Estado de São Paulo a partir de 1894 com a
criação do Grupo Escolar Escola-Modelo da Luz (MOREIRA, 2005, p. 93) e era constituído
pela reunião ou agrupamento de três ou mais escolas regidas cada uma por um professor,
compreendendo cursos infantil, elementar e complementar, sob a direção de um diretor e se
consolidou em todo o Brasil.
De acordo com Araújo (1979, p. 98, grifo da autora), no Rio Grande do Norte a Diretoria
da Instrução Pública passava por reformulações nos últimos anos do regime imperial com uma
organização que trazia algo de novo e legava à República:
uma incipiente complexidade de órgãos que já começavam a exigir
especialização e treinamento. O ‘cria e extingue’ habitual de nossa política
escolar ou a falta desta, com os costumeiros movimentos de centralização e
pseudodescentralização, como se vê, inquinou não só a vida das escolas, mas
também a vida dos organismos de administração.
102
Nos primeiros anos da República ocorre no estado uma proposta de municipalização do
ensino que inicialmente tirava do poder público estadual a competência pelo ensino e
apresentava um projeto de organização com os municípios. Porém, o estado ia transferindo
lentamente para os municípios a maior parte dos encargos relativos à educação. Por sua vez, os
municípios não tinham condições financeiras de manter o aparato escolar, mas sentiam a
necessidade de conservar essa situação para fins eleitoreiros, dependendo, dessa forma, das
dádivas do governo estadual.
A medida de competência mista citada anteriormente foi substituída pela Lei n° 131, de
13 de setembro de 1899 passando para os munícipios a responsabilidade pelo provimento da
instrução primária e o pagamento dos vencimentos dos professores. Ao governo do Rio Grande
do Norte caberia a concessão de uma subvenção de 600$000 anuais por cadeiras existentes nos
municípios e continuaria pagando aos professores pertencentes ao quadro do magistério antes
da instituição da Lei. (ARAÚJO, 1979).
A situação da educação potiguar se mostrava drástica nos primeiros anos da República
e a desorientação administrativa tornava-se evidente exigindo tomadas de posição eficientes.
Em 22 de novembro de 1907 foi instituída a Lei n° 249 autorizando uma reforma na Instrução
Pública do Estado. Em abril de 1908 o Decreto n° 178 trouxe novas oportunidades para a escola
potiguar. Segundo Araújo (1979, p. 118):
As mudanças que se prenunciavam pela Lei n° 249, de 22 de
novembro de 1907, serão concretizadas pelo Decreto N° 178, de 29 de abril
de 1908 – a chamada Reforma Pinto de Abreu31, que imprimiu novos rumos
à instrução estadual. Na sua execução, suprimiram-se todas as cadeiras
primárias mantidas pelo Estado, sendo postos em disponibilidade os
serventuários inadaptáveis aos novos métodos, e, em seu lugar, foram
criados, com novos professores escolhidos para sua manutenção, os
chamados Grupos Escolares.
O primeiro Grupo Escolar do Rio Grande do Norte foi instalado na cidade de Natal. O
Grupo Escolar Augusto Severo foi criado pelo Decreto n°174, de 5 de março de 1908, no
exercício do governo de Antônio José de Souza e Melo (1907- 1908). No ano seguinte foi
instalada a Reforma da Instrução Pública (Lei n. 284, de 30 de novembro de 1909) na
perspectiva de estabelecer diretrizes para o sistema de ensino público, no âmbito do ensino
primário, secundário e normal, sob a responsabilidade do governo estadual. De acordo com o
31 Pinto de Abreu foi o autor intelectual dessa reforma e deu uma nova orientação ao ensino potiguar. Por ser um
grande entusiasta e ter introduzido os princípios do método intuitivo na Educação Primária do estado ficou
conhecido como o Pestalozzi potiguar.
103
Decreto n° 198, de 10 de maio de 1909, o Grupo Escolar Augusto Severo passa a servir de
Escola-Modelo para outros grupos construídos no estado. (MOREIRA, 2005).
Em 15 de dezembro de 1910 foi lançado o Decreto n° 239 organizando o ensino público
oficial do Rio Grande do Norte que seria dividido em curso primário, com escola infantil e
elementar, curso normal, curso geral e ensino profissional de agronomia, zootecnia, comércio,
indústria, agrimensura e belas-artes. Posteriormente, são lançados outros documentos
apresentando algumas alterações no Código de Ensino estadual, como o Decreto n° 261, de
28 de dezembro de 1911, a Lei n° 359 de 22 de dezembro de 1913 e a Lei n° 405, de 29 de
novembro de 1916, todos assinados pelos governadores. Todavia, Araújo (1979, p. 123)
esclarece que esses documentos “não apresentarão inovações especiais: serão meras
arrumações administrativas tendentes a estabelecer precedências e vantagens”.
Apenas em 15 de maio de 1925, com a criação do Departamento de Educação sob a
direção geral de Nestor dos Santos Lima, é lançado o Regimento Interno dos Grupos
Escolares. Esse documento orienta o funcionamento desses estabelecimentos em todo o
estado, o comportamento dos funcionários administrativos, professores e alunos, os programas
de ensino e horários, entre outras informações.
A partir da criação do Grupo Escolar Augusto Severo, outros grupos serão construídos
em terras potiguares. No entanto, assim como aconteceu nas Escolas de Primeiras Letras do
regime imperial, a instituição do novo modelo de Educação Primária passa por uma série de
reveses para ser implantado no Rio Grande do Norte, inclusive, enfrentando o movimento do
cria e extingue que era tão característico no governo anterior. De acordo com Araújo (1979,
p. 126):
no ato da criação, os grupos quase sempre foram constituídos de escolas
masculinas, femininas e mistas. Muitas, depois, ficavam somente com uma
escola. O Grupo Escolar Quintino Bocaiuva32, por exemplo, criado em 1914,
foi paulatinamente extinguindo cadeiras, até necessitar de novo decreto de
criação, em 1924. As estatísticas apresentadas em 1920 atestavam a
existência de trinta e dois grupos, para, mais tarde, José Augusto, em sua
mensagem de 1° de novembro de 1924, citar apenas quinze grupos: Natal
(Augusto Severo e Frei Miguelinho), Mossoró, Macaíba, Ceará Mirim, Nova
Cruz, Açu, Caicó, Penha, Macau, Caraúbas, Martins, São José, Santa Cruz e
Goianinha. O Governador Juvenal Lamartine, em sua mensagem de 1930,
apontava vinte e um grupos, com uma matrícula de 4881 alunos.
Apesar das visíveis dificuldades nos primeiros anos de implantação dos Grupos
Escolares eles se consolidaram porque também faziam parte do projeto de modernização do
32 O Grupo Escolar Quintino Bocaiuva foi implantado na cidade de Santa Cruz a partir do Decreto n° 26, de
07/12/1914.
104
estado, juntamente com outros aspectos de melhoramento como “a abertura de estradas, a
construção de linhas férreas, o aformoseamento de praças e ruas, a iluminação elétrica e as
práticas de higienização e civilidade da população”. (SILVA, 2011, p. 56).
Moreira (2005, p. 110), ainda considera que a consolidação desses novos espaços de
escolarização estavam “intrinsecamente relacionadas às demandas políticas e às diferentes
práticas econômicas” desenvolvidas nas regiões de implantação, visivelmente correlacionadas
“às localidades inscritas nas áreas da produção do açúcar e do algodão”, núcleos mais
representativos do Rio Grande do Norte e mais fortes politicamente33.
4.1 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: UM ESPAÇO EM
SINTONIA COM OS IDEAIS DE ORDEM E PROGRESSO
Como havíamos destacado no capítulo 2, nas primeiras décadas do século XX a cidade
do Assú apresentava importantes aspectos de transformações e a implantação do novo modelo
de funcionamento da Educação Primária proposta pelo governo republicano acontece
exatamente dentro do progresso econômico e desenvolvimento cultural e literário da cidade,
que passava a ser conhecida como Atenas Norte-rio-grandense.
Fazendo parte das mudanças e inovações aplicadas no contexto urbano e nos serviços
públicos, os Grupos Escolares simbolizavam uma educação pública de qualidade para a
população e expressava um modelo de pedagogia moderna do ideário republicano, em sintonia
com as propostas de transformação que circulavam por todo o país. De acordo com Bezerra
(2010, p. 84):
A euforia da sociedade assuense na busca para desenvolver o
município e ter condições de acompanhar o ritmo do Estado e do País era
surpreendente. A alta estima do povo era algo louvável, digno de
reconhecimento pela história.
A cidade já contava com Blocos Carnavalescos de Rua (1902); Bandas de
Música; Grupos de Teatro; Grupos Folclóricos os quais se apresentavam
quando das festas juninas e natalinas; diversos jornalistas, poetas, músicos e
artesãos os quais tinham a palha de carnaúba como matéria prima.
Economicamente, o algodão e a cera de carnaúba já despontavam com suas
primeiras grandes produções para exportações. O jornal A República, no ano
de 1908, informou que o Rio Grande do Norte tinha participado da Exposição
Nacional de Produtos e que a produção de cera de carnaúba do Estado,
naquele ano, tinha sido de 324.500 quilos destacando que o Assú sozinho
produziu 160 mil quilos.
33 Nos trabalhos de Araújo (1979) e Azevedo e Stamatto (2012) encontramos a informação de que o Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia foi o 15° grupo implantado no Rio Grande do Norte. No trabalho de Moreira (2005)
a informação é de que seria o 14°. Entendemos que a divergência de posições apresentadas nos trabalhos não
diminui a importância que a cidade do Assú vinha conquistando no contexto econômico, político e cultural do
estado.
105
Mas toda esta empolgação carecia de algo capaz de assegurar a elevação não
só cultural, mas, acima de tudo a formação educacional da juventude
assuense.
A ideia de implantação de um Grupo Escolar na cidade do Assú se deu a partir de 1910
sob a iniciativa do juiz de Direito José Correia de Araújo Furtado. Diante dos sinais de
progresso pelos quais a cidade passava, José Correia percebeu o quanto era necessário um local
apropriado que pudesse oferecer instrução primária de qualidade para a população e realizou
campanhas comunitárias para levar adiante o empreendimento. Bezerra (2006, p. 4) apresenta
as seguintes informações:
O então Juiz de Direito da Comarca do Assú, Tenente Coronel José
Correia, vendo a necessidade de a cidade dispor de um espaço físico para
implantar uma instituição educacional para o ensino primário de crianças e
jovens, encampou uma campanha para levantar recursos em prol das
instalações de uma escola. Decorridos poucos meses de luta adquiriu, com o
apoio de fazendeiros, amigos e a participação de influentes senhoras da
comunidade, um prédio para funcionamento da primeira escola pública.
O intendente municipal à época era o coronel Antônio Saboya de Sá Leitão (1908-1913),
e vinha desenvolvendo importantes obras no espaço urbanístico da cidade, como a construção
da fonte pública, a reforma do edifício da Intendência Municipal e do mercado público,
ampliação do calçamento das ruas da cidade, instalação da iluminação pública movida a
querosene, organização da charanga musical e abraçou a ideia da implantação de um Grupo
Escolar no Assú, “sendo esse um acontecimento de alto relevo para a cidade, que já necessitava
de um estabelecimento de ensino à altura do seu desenvolvimento e da sua elevação
demográfica”. (AMORIM, 1982, p. 44). A administração da construção do Grupo Escolar ficou
sob a responsabilidade do capitão Sebastião Cabral de Macedo.
De acordo com Silva (2004, p. 53), “os municípios que apresentavam interesse em
instalar uma escola desse porte precisavam assumir o compromisso com as despesas da
construção do prédio”. Além disso, a criação de um Grupo Escolar poderia ser solicitada pelo
intendente do município, associações ou particulares, que se responsabilizavam pelo pagamento
do porteiro-zelador, das despesas materiais e de expediente, como a conservação do prédio e o
mobiliário. O governo estadual se responsabilizava pela nomeação e remuneração do
professorado.
Durante a administração do Governador Alberto Maranhão foi lançado no dia 11 de
agosto de 1911 o Decreto n° 254 criando “na cidade do Assú um Grupo Escolar denominado
106
Tenente Coronel José Correia34, comprehendendo duas escolas elementares, uma para cada
sexo e uma mista infantil”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1911). Demonstrando o envolvimento
do povo assuense com os ideais patrióticos que tomavam conta do país à época “suas portas
foram abertas na data em que se comemorava a Independência do Brasil” (BEZERRA, 2006,
p. 5), no dia 07 de setembro de 1911.
Os Grupos Escolares representam um novo momento das ideias pedagógicas no
contexto da história da educação brasileira. Todo o processo de escolarização presente nesse
espaço é pensado com a finalidade de romper com a imagem arcaica e tradicional dos modelos
e métodos das Escolas de Primeiras Letras do período imperial. Os Grupos Escolares se
mostravam como uma instituição escolar com traços marcantes, dispondo de grande aparato de
inovações pedagógicas e tinham a finalidade de construir uma nova identidade nacional e um
perfil de povo civilizado e letrado formando cidadãos amantes da ordem e do progresso35.
Pinheiro (2002, p. 140) esclarece que esses espaços de funcionamento da Educação
Primária apresentavam como principais características físicas:
prédios escolares, projetados com base na racionalização do espaço interno,
com várias salas de aula, sala de direção, sala dos professores, secretaria,
laboratórios didáticos, museu, biblioteca, áreas de recreação de cuja
configuração constavam pátios internos, jardins, largos, refeitório e/ou cantina,
quadra para jogos e, posteriormente, campo de futebol.
O programa de ensino empregado nos Grupos Escolares seguia o modelo da escola
graduada, por meio do qual se esperava alterar padrões antes existentes e atingir a
homogeneidade no ensino brasileiro. A graduação do ensino levava a uma eficiente divisão do
trabalho e da uniformidade escolar ao formar classes com alunos do mesmo nível de
aprendizagem, possibilitando um melhor rendimento. Segundo o artigo 8° do Regimento
Interno dos Grupos Escolares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 7), o curso graduado
constava de seis anos, “sendo dois infantis, ou de iniciação, dois elementares, ou de
desenvolvimento e dois complementares, ou de integração, por sua vez divididos em duas
classes correspondentes a cada um anno do curso”.
De acordo com Saviani (2013, p. 172), essa nova organização do ensino “implicava uma
progressividade da aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da primeira à
34 Aos grupos escolares eram atribuídos nomes de homens que ocuparam cargos públicos, senadores, deputados,
políticos, barões e coronéis, perpetuando a memória dessas autoridades ilustres. 35 De acordo com Pinheiro (2002, p. 162, grifos do autor) “A partir da implantação do regime republicano [...], a
questão educacional ganhou progressiva centralidade política nos discursos da elite brasileira, chegando, inclusive,
a dar o ‘tom’ nas campanhas eleitorais. ‘Educar o povo’ passou a constituir uma das metas mais importantes a ser
alcançada por gestores públicos”.
107
segunda série e desta à terceira até concluir a última série [...] com o que concluíam o ensino
primário”. O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia iniciou suas atividades com a
matrícula de 90 alunos: 30 na classe infantil, 30 na classe elementar feminina e 30 na classe
elementar masculina. O curso complementar foi criado na instituição em 1924.
Os elementos presentes nesse espaço institucional nos remetem a Magalhães (2004, p.
58). Segundo esse teórico:
A ideia de instituição consagra uma combinatória de finalidades, regras e
normas, estruturas sociais organizadas, realidade sociológica envolvente e
fundadora, relação intra e extra-sistémica; é, por consequência, uma ideia mais
ampla e mais flexível do que a de sistema. Consagra ainda a ideia de
relação/comunicação e de categoria social, como condições instituintes que, no
plano educativo, compreendem alteridade, autonomização, participação e
implica materialidade, representação, apropriação, normatividade.
Amorim (1982, p, 44), contando com 12 anos na época da implantação do Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia, recorda que a solenidade de inauguração “foi por demais festiva
e teve seleto comparecimento”. A festa foi destaque na matéria intitulada A Reforma da
Instrução Pública, do Jornal A República, importante veículo de comunicação de Natal com
circulação em todo o Rio Grande do Norte. A sessão inaugural contou com a participação de
algumas autoridades como o coronel Antônio Sabóya de Sá Leitão, presidente da Intendência
e representante do Governador do Estado; Dr. José Correia de Araújo Furtado, juiz de direito;
coronel Antônio Soares de Macedo; capitão Ezequiel Epaminondas da Fonseca, delegado
escolar; Palmério Filho e Otávio Amorim, representantes da cidade; além de distintas famílias
e cavalheiros. (A REFORMA DA INTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).
Segundo a matéria, a festa de inauguração contou com uma série de discursos
exaltando o modelo de educação proposto pelo ideário republicano. Em seu discurso, por
exemplo, o professor Amphilóquio Câmara abriu a sessão de inauguração enaltecendo a
reforma da instrução pública realizada na época pelo governador Alberto Maranhão e
mostrava “os erros e prejuízos existentes no sistema de ensino de outrora e os meios de evita-
los”, referindo-se ao modelo educacional aplicado no período imperial, “passando em seguida
a dissertar sobre as três espécies de educação, física, moral e intelectual e explicando como
deveria ser ministrado o ensino moderno nos Grupos Escolares”. No encerramento da sessão,
o professor Amphilóquio Câmara “congratulou-se com o povo assuense pela inauguração do
Grupo Escolar, que vinha a ser um atestado bem eloquente do amor e dedicação dados aquela
terra pelos espíritos esclarecidos e progressistas do Dr. José Correia e Cel. Antônio Saboya”.
(A REFORMA DA INTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).
108
O discurso do professor Amphilóquio destaca a importância dada em todo o país aos
Grupos Escolares como espaços pedagógicos modernos e expressa a dedicação e visão dos
ideais progressistas que tomavam conta dos representantes políticos no início do século XX,
principalmente em relação aos documentos que reestruturavam a instrução primária e
orientavam o funcionamento dos Grupos Escolares.
A exposição do professor sobre as três espécies de educação ofertadas nos Grupos
Escolares, por exemplo, está embasada no Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910.
Segundo o artigo 9° do documento (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 120) “a instrução
infantil e elementar, será proporcionada às condições physio-psychologicas do educando, com
o tríplice fim intelectual, moral e physico, consoante á pedagogia experimental e processos da
pedagogia”.
4.2 DIRETORES E PROFESSORES: NOVAS ATRIBUIÇÕES
As inovações do ensino presentes nos Grupos Escolares diferenciavam-se das Escolas
de Primeiras Letras por contar com um corpo de funcionários comprometidos com a qualidade
da educação, que deveriam trabalhar respeitando as orientações estipuladas nos documentos
reguladores. Souza (1998, p. 62), enfatiza que os Grupos Escolares foram “responsáveis por
uma nova organização do trabalho e pela distribuição interna do poder dentro da escola”.
Magalhães (2004, p. 144), chama a atenção para as relações e hierarquias estabelecidas
entre os sujeitos e agentes das instituições educativas. Segundo ele:
na área pedagógica e didática, a relação entre professores, alunos e
funcionários é fundamental (sendo contudo central a relação entre o corpo
docente e o discente). Na área de direção e gestão, quer os alunos quer os
professores, enquanto docentes, são secundados ante os órgãos de
administração, chefia e poder.
Como veremos mais adiante, os Grupos Escolares favorecem uma nova maneira do
fazer pedagógico e as relações entre professores e alunos. Mas, do ponto de vista hierárquico é
entronizada a figura do diretor, “desconhecida nas escolas primárias durante os anos do Rio
Grande do Norte imperial” (ARAÚJO, 1979, p. 136), que assumiu a organização central dos
processos desenvolvidos na escola.
Segundo o artigo 123° do Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910 (RIO GRANDE
DO NORTE, 1910, p. 135) competia ao diretor dos estabelecimentos de ensino uma série de
funções: representação oficial nas relações externas; direção geral das cadeiras para regular o
funcionamento; representar contra funcionários faltosos e aplicar penas regulamentares; velar
109
pela conservação e utensílios do prédio; requisitar fornecimento de material e expediente ao
poder competente; encerrar diariamente o livro de ponto marcando as faltas; organizar no
último dia de cada mês a folha de pagamento do pessoal, mencionando as faltas e seus motivos;
apresentar relatório anual do movimento da repartição e fazer cumprir as leis do ensino e as
instruções da Diretoria Geral.
Os documentos posteriores apresentam outras atribuições para o diretor dos Grupos
Escolares. Além das funções administrativas, o artigo 26° do Decreto n° 239, de 15 de dezembro
de 1910 (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 122) orientava que “a direção dos grupos
escolares, até o máximo de cinco escolas, pertence a um dos professores, indicado ao Governo
pelo Diretor Geral, com Direito á gratificação adicional constante da tabela”. Apenas os grupos
com mais de seis escolas seriam administrados por um professor diplomado que não era
obrigado a assumir uma classe.
Luiz Correia Soares de Araújo assumiu a cadeira masculina elementar e esteve à frente
da direção do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia até 1913. Em seu discurso durante
a sessão de inauguração do Grupo Escolar, o professor Amphilóquio Câmara parabenizava a
“família assuense pela aquisição de Luiz Soares para professor do grupo, no qual folgava de
ver um verdadeiro amante da instrução e que na escola, ele seria um verdadeiro continuador da
obra do lar”. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911). O destaque dado ao
professor Luiz Soares como diretor e professor do Grupo Escolar expressa a relação existente
entre escola e família para que o ensino fosse eficiente e obtivesse resultados satisfatórios36.
Nascido em Assú, Luiz Soares formou-se pela Escola Normal de Natal e foi o orador da
primeira turma de diplomados da instituição tornando-se “uma notável vocação de educador,
que se projetou pela vida toda”. (NONATO, 1988, p. 150). Iniciou suas atividades no magistério
em 1911 no Grupo Escolar Almino Afonso, em Martins, e foi removido no mesmo ano para o
Assú. Luiz Soares era bisneto do patrono do Grupo Escolar da cidade, Tenente Coronel José
Correia de Araújo Furtado, participante da junta do Governo Provisório da Província na
primeira metade do século XIX, como mostramos no capítulo 2, e primo do juiz de direito, José
Correia de Araújo Furtado, idealizador da construção do Grupo Escolar no Assú37. Depois de
sua atuação no Assú, foi designado em 1913 para Natal onde dirigiu por diversos anos o Grupo
36 Alguns anos depois, o professor Alfredo Simonetti expressa que “a missão do professor primário cada vez mais
se evidencia, não só porque o seu fito é espalhar por toda a parte a luz intensa do abecedário como também porque
é seu mister amoldar os caracteres infantis, lapidar estes diamantes ainda não lapidados, contribuindo para a
fortaleza da família e consequentemente a grandeza da pátria”. (PINHEIRO, 1997, p. 143). 37 A prática de repetir os nomes nos familiares descendentes era comum no Assú. Pesquisando esse período
encontramos essa realidade em várias famílias.
110
Escolar Frei Miguelinho, a Escola Profissional e colaborou com a fundação e a expansão do
escotismo no Rio Grande do Norte recebendo a comenda Tapir de Prata, a mais alta insígnia
mundial do escotismo38.
Outros diretores do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia dentro do nosso recorte
temporal e que obtemos informações de suas atuações foram João Celso Filho (1913-1918) e
Alfredo Simonetti (1923-1930).
João Celso Filho cursou o ensino primário na cidade do Assú. Em 1906, partiu para a
cidade de Maracanã, no Pará, onde submete-se a concurso para Fiscal do Consumo, sendo
aprovado. Participou da vida intelectual do estado fundando o jornal Hebdomadário de
Maracanã, com uma brilhante atuação no jornalismo e na poesia a ponto de vencer um concurso
patrocinado pelo governo estadual com a poesia Terra Bendita, publicada em 1911 no livro
de mesmo nome. Em 1912, abandona o cargo e retorna ao Assú para assumir funções no Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia, onde, segundo Amorim (1965, p. 67) deixou “traços
inapagáveis da sua atuação em proveito da mocidade”. Vasconcelos (1977, p. 41) recorda que
o professor João Celso Filho dedicou-se à advocacia com “marcante atuação no foro desta e das
comarcas circunvizinhas, ganhando renome e conceito durante a sua longa militância nos meios
forenses do Rio Grande do Norte”.
Alfredo Simonetti nasceu em Natal no dia 24 de outubro de 1900 e formou-se em 1920
pela Escola Normal de Natal. O professor iniciou no ensino primário no mesmo ano quando foi
nomeado para o Grupo Escolar Moreira Brandão, na vila de Goianinha, e em 1923 foi
promovido como professor do curso complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia. Como diretor, criou uma biblioteca infantil39. Chegando ao Assú ainda moço, casou-
se com Maria Augusta de Sá Leitão, irmã da professora Clara Carlota de Sá Leitão. Ainda atuou
como poeta, jornalista, animador cultural e escreveu algumas peças de teatro.
Mudou-se para Mossoró em 1930, passando a atuar como professor e diretor da Escola
Normal da cidade. Somente em 1935, foi nomeado por concurso efetivo para reger as cadeiras
de pedagogia e pedologia desse estabelecimento. Ainda em 1933, assumiu o cargo de inspetor
das escolas públicas do Assú, Macau, Areia Branca, Mossoró, Augusto Severo (Campo
38 Luiz Correia Soares de Araújo administrou a Federação Norte-rio-grandense de Desportos, onde inaugurou o
Estádio Juvenal Lamartine, em 1929, e contribui decisivamente para “a criação da Policlínica do Alecrim, que
hoje tem seu nome, e para a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia e a de Direito de Natal. Foi vereador
em Natal e presidente da Câmara. Sócio da Associação dos Professores e do Instituto Histórico, do Conselho de
Educação e Cultura, da Academia Potiguar de Letras”. (SILVEIRA, 1995, p. 31). 39 O Regimento Interno dos Grupos Escolares (1925) orienta a criação de uma biblioteca nos Grupos Escolares
com o objetivo de incentivar a cultura dos alunos ou de pessoas estranhas que possam acessá-la com a permissão
do diretor.
111
Grande), Santana do Matos e Flores (Florânia). Raimundo Nonato, memorialista mossoroense,
descreve que o desempenho do professor Alfredo Simonetti e sua ação na escola “foi assim,
como uma espécie de aticismo de claridade fixadora e espontânea, de sensação do respeito à
disciplina, de atos enérgicos, de força moral e persuasão pessoal que revestiam todas as suas
manifestações e atitudes humanas”. (SIMONETTI, 1995, p. 31).
Além do professor Luiz Correia Soares de Araújo, na primeira turma de docentes do
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foram empossadas as professoras Clara Carlota
de Sá Leitão e Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha Wanderley) e o porteiro-zelador
Manoel Marcolino Filho40.
Clara Carlota de Sá Leitão e Sinhazinha Wanderley faziam parte de famílias tradicionais
da cidade do Assú. No Grupo Escolar, foram nomeadas provisoriamente para assumir as
cadeiras feminina elementar e infantil mista, respectivamente. As professoras não tinham
titulação formal na época da criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Para
assumirem o cargo efetivo era exigida a formação profissional do ensino primário que deveria
ser realizada num curso oferecido pela Escola Normal com prática de estágio no Grupo Escolar
Augusto Severo, em Natal. De acordo com Pinheiro (1997, p. 133) o curso normal contava com
quatro anos de duração, sendo que:
ao concluir o último ano, o aluno aprovado requeria a prova de capacitação
profissional, a qual lhe dava o diploma de professor primário em regime
efetivo, em qualquer Grupo Escolar do Estado do Rio Grande do Norte. Os
professores atuantes em grupos escolares que funcionavam no interior do
Estado, e em regime de contrato provisório, poderiam solicitar ao Diretor Geral
de Instrução, cargo hoje correspondente ao de Secretário de Educação, a
inscrição nos exames de habilitação.
Dessa forma, no ano de 1918 as professoras fazem o pedido de requerimento de
inscrição nos referidos exames de admissão e enfrentaram uma longa viagem que durou três
dias, a cavalo, de Assú para Taipu, onde pegariam o trem para Natal e prestariam os exames de
capacitação. As provas foram realizadas entre os dias 10 e 14 de janeiro de 1918 por uma
comissão composta pelos professores Ivo Cavalcante, Cônego Estevam Dantas, Theódulo
Câmara, Tavares Guerreiro e Luiz Correia Soares de Araújo, antigo colega de trabalho das
professoras. Maria Carolina Wanderley Caldas e Clara Carlota de Sá Leitão receberam seus
títulos de professoras primárias e permaneceram no Grupo Escolar do Assú até meados da
década de 1950.
40 Manoel Marcolino Filho atuou como oficial de justiça e tornou-se uma figura muito conceituada e estimada na
cidade do Assú gozando “da amizade de juízes, tabeliães, promotores e advogados junto a quem servia, sempre
fiel ao seu mandato judicial”. (SILVEIRA, 1995, p. 32).
112
Mesmo não tendo participado diretamente do universo cultural e literário da Atenas
Norte-rio-grandense, Clara sempre dedicou sua vida à educação e teve diversas promoções por
merecimento, chegando a exercer o cargo de diretora do Grupo Escolar na década de 1930.
Chamamos a atenção para esse fato, apesar dele estar fora de nosso recorte temporal, porque o
cargo de direção nos Grupos Escolares permaneceu por bastante tempo destinado aos homens.
Apesar das mulheres terem se inserido de forma definitiva no magistério, espaço que se
constituiu “num dos primeiros campos profissionais ‘respeitáveis’, para os padrões da época,
abertos à atividade feminina” (SOUZA, 1998, p. 62, grifo da autora), as salas de aula ficavam
sob sua responsabilidade principalmente porque elas “evidenciavam em sua maioria,
características de bondade, pureza, delicadeza, fragilidade, doçura, solicitude e doação como
próprios da condição feminina”. (SILVA, 2010, p. 33).
No Quadro 4, destacamos os nomes de outros professores que desenvolveram atividades
no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia dentro do recorte temporal de nosso trabalho.
QUADRO 4: PROFESSORES DO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA (1911-1928).
PROFESSOR ANO
Luiz Corrêa Soares de Araújo 1911 - 1913
Maria Carolina Wanderley Caldas 1911 - 1950
Clara Carlota de Sá Leitão 1911 - 1953
João Celso Filho 1914 - 1915
Antonio Gomes da Rocha Fagundes Netto 1916 - 1923
Alfredo Simonetti 1924 - 1930
Stella Araújo 1924
Maria Laura Fontoura 1925 - 1927
Margarida Saboya de Lima 1927 - 1928
FONTE: Silveira (1995), Lima (1990)
As mudanças presentes nos Grupos Escolares apontavam novos comportamentos no
cotidiano da sala de aula e na ação dos professores, que se afastavam do direito de autonomia
didática e do sentimento de propriedade da escola como era tão comum nas Escolas de
Primeiras Letras. Os processos pedagógicos e didáticos estabelecidos nos grupos baseavam-se
numa forma relacional inovadora entre professores, alunos e conhecimento.
Pinheiro (1997, p. 141) identifica que com a aplicação desses novos processos
inaugurava-se:
uma forma diferente de ensinar que implicava diretamente na relação entre
alunos e o conhecimento que antes, na maioria das vezes, caracterizava-se pelo
tédio, pavor ou monotonia. Para aprender era preciso, quase sempre,
experimentar a dor, o terror, o pavor, o medo ou a humilhação. Não aprender
significava vivenciar o sentimento de fracasso diante das expectativas dos
colegas, do professor, da família, e, consequentemente, a humilhação.
Significava, também, a possibilidade de ser punido, na maior parte das vezes,
fisicamente.
113
Essa descrição do universo educacional vigente no período imperial pôde ser notada no
capítulo 3 quando apresentamos as reminiscências de Francisco Amorim nas aulas da
professora Luiza de França, que utilizava, inclusive, os castigos físicos para manifestar
autoridade em sala. Com os métodos utilizados nos Grupos Escolares, os castigos físicos foram
abolidos e as novas orientações afirmavam como base da disciplina a afeição recíproca entre os
mestres e discípulos, instituindo como meios acessórios para os professores o emprego
moderado de prêmios e penas. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910). Na matéria intitulada Pelo
ensino do jornal A Cidade, de 1925, o professor e diretor do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia, Alfredo Simonetti, indicava um pensamento que converge para essa orientação:
Hoje a escola evoluiu extraordinariamente, não há mais o silencio
gélido e sepulcral, e obediência passiva que eterniza a seriedade que se
transforma em tristeza, matando a claridade sã e natural da infância; essa
disciplina rígida foi suplanta pela harmonia das punições morais, falando-se ao
aluno como a um amigo, apelando-se para a sua alma sensível e a nobreza do
seu coração, já que ele se acha habitado no ter à prática do dever sem o temor
do castigo. (PINHEIRO, 1997, p. 143).
Assim, a palmatória, principal instrumento de punição adotado no cotidiano das Escolas
de Primeiras Letras e representação do poder e autoridade do professor, além de uma provável
segurança que o processo de escolarização seria eficaz, perde seu lugar central e sua função
disciplinadora. Ao menos legalmente, os castigos físicos dão lugar a uma prática mais branda
e respeitável entre professores e alunos apresentando uma cumplicidade, respeito e afeto nas
relações mútuas. De acordo com Faria Filho (2014, p. 166, grifo do autor), nesse novo momento
da Educação Primária “elogiava-se a professora que não mais empregando o ‘bolo’ conseguia
conduzir sua turma com energia, carinho e sensibilidade”.
Como veremos mais adiante, a própria imagem do professor, mesmo no âmbito social,
era importante para favorecer um ensino eficiente e perpetuar hábitos ordeiros e de civilidade
para os seus alunos. Segundo Souza (1998, p. 61), na constituição da profissão docente ele passa
“a ser responsabilizado pela formação do povo, o elemento reformador da sociedade, o portador
de uma nobre missão cívica e patriótica”. Nesse novo universo de profissão docente, era
exigida uma sólida formação geral por parte dos professores que deveriam demonstrar
sabedoria no entendimento do mundo, do homem e da sociedade, ser experientes na arte de
ensinar e no domínio metodológico.
Além das inovações apontadas, perceberemos mais adiante outras interações entre
professores e alunos, agentes e sujeitos do processo de escolarização nos Grupos Escolares que
114
nos remetem as reflexões de Magalhães (2004, p. 34). Para esse teórico “responsabilidade e
reflexividade marcam a relação entre educador e educando, como entre mestre e discípulo,
como marcam ainda a relação do sujeito com o contexto e a apropriação da realidade objetual”.
O levantamento dessas questões é importante porque deixa entrever o conflito existente
na circulação de novas práticas pedagógicas em detrimento da antiga forma de ensinar do
mestre-escola. Põe em evidência as mudanças ou os rompimentos com os diversos aspectos
orientadores da ação dos professores nos dois momentos da história da Educação Primária
brasileira destacados em nosso estudo, Império e República, e as ideias pedagógicas
(SAVIANI, 2013) que circulavam à época.
Enquanto os professores das Escolas de Primeiras Letras tinham a possibilidade de
exercer sua autoridade em sala empregando os castigos físicos, ensinavam em espaços pouco
adaptados e com recursos considerados ultrapassados para as dimensões de ensino-
aprendizagem, os professores dos Grupos Escolares interagiam mais afetivamente com os
alunos, contavam com um espaço servido de amplas instalações, com material e recursos
didáticos considerados inovadores e seguiam métodos mais atrativos para despertar a atenção
dos alunos.
Apesar dos parâmetros inovadores presentes na atuação docente no período republicano,
os salários eram pagos de acordo com o tipo de escola onde lecionavam. Como nas Escolas de
Primeiras Letras, existiam três divisões ou classes e cada uma correspondia a um salário, dando
continuidade ao perfil excludente do período imperial: os professores de primeira classe
lecionavam na capital e recebiam 1600$000; os professores de segunda classe lecionavam nas
cidades do interior e recebiam 1200$000; e os professores de terceira classe lecionavam nas
vilas e recebiam 960$000. Araújo (1979, p. 136), assinala que essa realidade deixa entrever que
a República, “apesar de suas veleidades de inovar, vai, nos seus concursos e nomeações,
repetindo os velhos métodos do Império”.
4.3 ARQUITETURA, MÉTODO INTUITIVO E PRÁTICAS DE HIGIENE NOS
GRUPOS ESCOLARES
A Diretória Geral do Departamento de Educação concebia nos documentos e planos de
ensino discussões sobre a arquitetura dos prédios escolares destacando a localização, tamanhos,
distribuição de salas, iluminação, aeração dos espaços e equipamentos com o intuito de
substituir a imagem das Escolas de Primeiras Letras que funcionavam nas residências dos
professores, em galpões ou casebres e existiam em função do mestre-escola, pois, se ele fosse
115
transferido, a escola também seria transferida. Da mesma forma, se ele fosse destituído do cargo
ou morresse, a escola fechava.
Azevedo e Stamatto (2012, p. 54), observam que a partir do estabelecimento de um
prédio para o funcionamento da escola, em caso de qualquer eventualidade com o professor “a
instituição escolar continuava presente na comunidade, não pela ação do mestre, mas pela
presença suntuosa do edifício onde funcionava a aula”. Moreira (2005, p. 40), afirma que o
funcionamento da escola em um prédio apropriado e dotado de amplas instalações elevava “os
edifícios escolares à altura da importância atribuída à educação nas primeiras décadas do
período correspondente à República Velha”.
Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a matéria do Jornal A República
(A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911), publica que “o belo e elegante edifício
do grupo está situado na Rua São Paulo, em lugar seco e elevado, afastado do centro e de grande
atividade comercial e quase no meio de uma área de 52 metros de largura, por 65 metros de
comprimento” com “orientação para o norte e mede 14m.50 de largura por um comprimento de
17m.50 e 14m.30 de altura”. A nota destaca ainda as divisões internas do Grupo Escolar:
O edifício grupal tem todos os compartimentos exigidos por lei e em
muito boas condições. São eles: três salas de aula, 1 no centro (a infantil) com
4m.25 de largura, 7m.10 de comprimento e 4m de altura; uma esquerda, lado
oeste (classe elementar masculina) medida 8 metros de comprimento por
4m.45 de largura, e uma outra a direita, do lado nascente, que é a sala da classe
elementar feminina tendo as mesmas dimensões da elementar masculina; dois
vestiários, lado do norte, continuação das salas d’aula elementar, medindo cada
um 4m.45 de largura por 5m.25 de comprimento; um gabinete para a diretoria
e arquivo, com 2m.70 de comprimento e 4m.25 de largura, e mais um salão
colocado no lado ao sul, que se presta perfeitamente ao funcionamento de uma
aula com bancos individuais, tendo 2m.70 de largura por 13m.60 de
comprimento correspondendo está extensão a largura do prédio. Em todos
esses compartimentos há luz e ar suficientes, as duas questões capitais a se
resolver no estabelecimento de ensino, pois crescido é o número de aberturas,
portas e janelas, que o edifício oferece. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1911).
O lado do ocidente do grupo apresentava cinco janelas e uma porta no centro “que dá
passagem para o recreio dos meninos; para o nascente o mesmo número de janelas e porta, que
facultam a fiscalização de ambos os recreios, e para o norte, a classe infantil tem uma porta e
cada vestiário duas janelas”. Ainda sobre as áreas destinadas ao recreio “são muito espaçosas e
divididas por um muro ao meio, com divisão para ambos os sexos, sendo alpendradas”. (A
REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).
Magalhães (2004, p. 23) observa que desde finais do século XIX as políticas e
organizações educacionais passavam por transformações baseadas em visões pluridimensionais
116
e multifatoriais, sendo representadas por organismos sistêmicos, internos e de relação. Nesse
processo de transformações no campo educacional, o autor chama a atenção para a focalização
da renovação da pedagogia escolar antes centrada na figura do professor e nesse novo momento
baseia-se no eixo escola-aluno. No âmbito dos Grupos Escolares, são aplicados novos métodos
e recursos didáticos no sentido de envolver e transformar as relações de ensino-aprendizagem
por parte dos alunos.
Os processos didáticos e metodológicos adotados nos Grupos Escolares expressavam
uma orientação pedagógica dada ao ensino apresentando novos rumos para a Educação
Primária. Segundo o artigo 42 da Lei 405, de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO
NORTE, 1916, p. 53), as lições aplicadas nos Grupos Escolares seriam práticas e concretas; e
“os professores as encaminharão de modo que as faculdades do alumno sejam incitadas a um
desenvolvimento gradual e harmônico, cumprindo ter em vista o desenvolvimento da faculdade
de observação, empregando-se para isto processos intuitivos”.
Saviani (2013) constata que o Decreto n° 7247, de 19 de abril de 1879, documento
conhecido como Reforma Leôncio de Carvalho, sinalizava para o uso dos princípios do método
intuitivo no município da Corte41. O documento explicita algumas disciplinas que apontam para
o uso do método, como Prática do ensino intuitivo ou lições de coisas e Noções de coisas.
Todavia, Caetano de Campos tomou o método como base para a organização das escolas-
modelos e dos Grupos Escolares na reforma da instrução pública paulista no final do século
XIX e o método intuitivo tornou-se referência na educação durante a Primeira República.
Para a instituição do método intuitivo nos Grupos Escolares, era necessário uma série
de aparatos que despertassem o desejo do aprendizado pelos alunos e contextualizassem de
forma mais dinâmica a observação e a assimilação dos conteúdos, colocando em circulação as
ideias pedagógicas despertadas pelo método. A iminência da Revolução Industrial na Europa
viabilizou a produção de materiais didáticos como suporte físico do método de ensino. Saviani
(2013, p. 138), assinala que esses materiais:
difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século
XIX com a participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam
peças do mobiliário escolar; quadros-negros parietais; caixas para ensino de
cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas
de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas.
41 De acordo com Saviani (2013, p. 173, grifos do autor), o método intuitivo surgiu na Alemanha no final do século
XVIII e foi “divulgado pelos discípulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX na Europa e nos Estados Unidos,
esteve na pauta das propostas de reforma da instrução pública formuladas no final do império. Rui Barbosa foi um
grande defensor desse método, cujos princípios e fundamentos foram por ele sistematicamente apresentados em
seus célebres ‘pareceres’, culminado com a tradução do livro de Calkins sobre a Lição de coisas, que é a essência
do método intuitivo”.
117
O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, seguindo os novos preceitos
pedagógicos, contava com a utilização de recursos que ajudavam no auxílio da aprendizagem
do aluno, como figuras, mapas geográficos e outros recursos deixando as salas coloridas,
alegres, propícias para o aprendizado.
O material pedagógico utilizado inicialmente no Grupo contava com 2 contadores
mecânicos, 1 coleção de sólidos e formas geométricas de madeira, 1 mapa do Brasil, 1 globo
terrestre, 3 quadros negros de 1m. por 2m., 1 frasco de tinta preta, 2 dúzias de lápis Faber, 1
caixa de giz, 1 resma de papel almaço, 1 caixa de penas e 2 folhas de mata-borrão. O material
escolar consistia em 3 mesas para professores sobre estrados e respectivos tinteiros, 6 cadeiras
de junco austríacos, 45 bancos carteiras, sendo 15 para meninos de pequenas estaturas e os
restantes de bitola mais alta para dois alunos cada um, sistema americano, 4 escarradeiras, 1
lavatório completo, 6 toalhas felpudas, 3 tímpanos, 1 sineta grande e 1 relógio de parede. (A
REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).
Os princípios do método intuitivo rejeitavam as aulas apenas expositivas com o intuito
de despertar a atenção dos alunos com perguntas e explicações, provocando a participação.
Azevedo e Stamatto (2012, p. 57), consideram que “para o benefício dos processos intuitivos,
a experiência baseada nos sentidos deveria ser associada à recreação e ao prazer, estratégia para
o desenvolvimento da criatividade dos alunos com o fito de levar à educação intelectual”.
Clarice de Sá Leitão Soares iniciou o curso primário no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia e apresenta o seguinte depoimento:
O primeiro ano infantil era a classe da alegria. Ali cantava-se, declamava-se.
Fazia-se calistênica42, marchas e evoluções na própria classe. Ninguém sentia-
se cansado. Relembrando tudo isso ainda sinto saudades, até a emoção. Ao
início da aula cantávamos:
Deixemos os brinquedos vamos estudar
O mestre é nosso amigo, a escola outro lar
Atentos pois ouçamos dos mestres as lições
Que ilustram nossa mente
Que nos tornam bons.
O término era com canto também:
42 A calistênica sueca fazia parte das práticas de ginástica desenvolvidas nos Grupos Escolares. Era realizada
geralmente na própria sala de aula, entre as carteiras, e consistia em movimentos regulares de cabeça, tronco e
membros e evoluções entre as carteiras. Essa prática era proposta pelo Departamento de Educação com a finalidade
de auxiliar e regular o desenvolvimento do corpo e repousar o espírito dos educandos. Estava em consonância com
o ensino proposto pelo governo republicano, com o objetivo de desenvolver as condições físico-psicológicas e
despertar os aspectos intelectuais, morais e físicos dos alunos. Até mesmo o uso dos cantos, que ocorriam no início
e fim das aulas e no percurso dos passeios escolares, fazia parte das práticas recomendadas pelo Departamento de
Educação, além dos intervalos para recreio estipulados em meia hora, interrompendo as quatro horas de aulas
diárias. (PINHEIRO, 1997).
118
Até amanhã escola
Com saudades te deixamos
Na certeza que consola
Que bem cedo voltaremos
Depois de estudarmos tanto
Como é grato repousar
No amparo amigo e santo
Da sombra amável do lar. (PINHEIRO, 1997, p. 150).
Aluna de Sinhazinha Wanderley no Grupo Escolar do Assú, Clarice de Sá Leitão Soares
relembra que a professora “era o protótipo da educadora”, pois dava sempre “aulas
maravilhosas! Era a escola da vida e a pedagogia do amor”. Sobre o material didático utilizado
em sala, Clarice recorda Páginas Infantis, de Mariano de Oliveira, como o livro estudado e
que “havia na classe mapas de linguagem, de matemática, representado por bolinhas, para
ensinar a contar”. (PINHEIRO, 1997, p. 150). Em sua prática didática, Sinhazinha Wanderley
sempre procurou desenvolver atividades prazerosas, lúdicas, trabalhando a leitura, a escrita, a
literatura, o teatro e o canto. Nessas aulas o aluno tinha a possibilidade de observar, vivenciar,
experimentar o conteúdo conforme sugere o método intuitivo. (SILVA, 2010).
O cotidiano escolar da escola primária republicana também traz a preocupação com a
higiene e a formação de um povo ordeiro, educado, organizado, limpo física e mentalmente.
Segundo o Regimento Interno dos Grupos Escolares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p.
18), em seu artigo 39, “antes do início dos trabalhos de cada dia, haverá revistas de asseio não
só do corpo, como das roupas” e expressa como uma das funções do professor “providenciar
para que seja sanada qualquer falta que encontrar” sem expor o aluno ao ridículo.
As orientações existentes nos documentos relacionadas aos cuidados com o corpo, a
saúde e a higiene física e mental exerciam diversas funções e contribuíam para acabar com os
vícios, cultivar e promover atitudes saudáveis de higiene e prevenir doenças desde a infância.
Além disso, existia o objetivo premente de desenvolver hábitos de civilidade e urbanidade
necessários para a vida em uma sociedade moderna que o governo republicano buscava formar.
Até mesmo o planejamento arquitetônico dos Grupos Escolares deveria possibilitar a
formação de hábitos de higiene, moralização e controle. Para Azevedo e Stamatto (2012, p. 29)
a arquitetura dos prédios escolares pode ser considerada um elemento curricular, “visto que
seus efeitos se voltavam para a organização disciplinar e a espacialização de sujeitos e práticas,
condicionando mentes e comportamentos”. Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, a matéria do Jornal A República destaca que:
o grupo está erguido do nível do solo um metro e 90 tendo uma escadaria de
sete degraus, que dá subida em frente para a aula mixta nos lados para os
119
vestuários o porão sobre que está posto o pavimento assoalhado do edifício,
possui muitos ventiladores, de sorte que, na parte inferior do prédio, o ar
renova-se bem, não causando prejuízo a saúde dos que diariamente vem ao
grupo. No salão do gabinete do Diretor há uma escadaria em forma de espiral,
dando acesso a um sótão de um dos salões que tem 10m.10 de comprimento
por 4m.25 de largura, com cinco janelas para o oeste, outras 4 para leste e duas
portas com varandas para sul e mais duas para norte.
As latrinas estão construídas de conformidade com o que recomenda o art. 50
do Cód. de Ensino, tendo uma, a dos meninos 5,50 metros de comprimento e
2,50 metros de largura e outra, a das meninas, 3 metros de largura e 5,50 metros
de comprimento. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).
Percebemos na nota que o prédio do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia seguia
as orientações do Regimento Interno dos Grupos Escolares e demonstrava ser um ambiente
favorável por contar com grande quantidade de janelas, favorecendo a circulação do ar no
ambiente e contando com ventiladores. Essa orientação para a circulação do ar era necessária
inclusive para evitar a proliferação de possíveis doenças no espaço escolar. Os cuidados com
as concepções de higiene e saúde também ficam evidentes na descrição das latrinas, construídas
em conformidade com as recomendações do código de ensino.
A percepção desses elementos que preconizavam hábitos saudáveis e higiênicos
exerciam sobre os alunos um papel pedagógico e disciplinar sendo levados inclusive para a
convivência fora do espaço escolar. De acordo com Azevedo e Stamatto (2012, p. 31), os
diversos princípios higienistas presentes tanto na arquitetura quanto nas práticas escolares
“possibilitariam às crianças o contato com um ambiente confortável e permeado de influências
positivas para o seu processo de formação, aspectos nem sempre presentes em suas próprias
residências”.
4.4 DISCIPLINAS BÁSICAS E INTEGRAIS NOS GRUPOS ESCOLARES
Outra inovação presente nos Grupos Escolares se refere ao uso do tempo. Se as Escolas
de Primeiras Letras eram marcadas por um ensino individual, com um tempo aleatório marcado
pelo ritmo da aprendizagem do aluno ou da livre decisão do professor, no cotidiano dos Grupos
Escolares o emprego do tempo mostrou-se extremamente relevante para a racionalização das
atividades pedagógicas. Era necessário criar um calendário escolar determinando início e
término do ano letivo e fixando uma jornada escolar marcada por cadencias, ritmos, intervalos
e descansos num horário de aulas estabelecido. Souza (1998, p. 37) chama a atenção para o fato
de que esse novo formato de aplicação e controle da Educação Primária implicava em períodos
de “ocupação e descanso de professores e alunos nos diversos momentos da aula e a
120
fragmentação do saber em matérias, unidades, lições e exercícios, reforçando mais os aspectos
que distinguiam uma matéria da outra do que daqueles que as aproximavam”.
Disciplinas como leitura, escrita e cálculo, existentes nas Escolas de Primeiras Letras,
consistiam no fundamento básico do ensino primário proposto no Programa de Ensino dos
Grupos Escolares e continuavam mostrando-se como habilidades fundamentais para a inserção
dos alunos na sociedade da escrita, além de constituir oportunidades imprescindíveis para a
formação do caráter. De acordo com Frago (1993, p. 40):
A aprendizagem da leitura é um exercício visual e auditivo, no qual
primeiro identificam-se as letras por seu som, e depois, progressivamente, com
soletrações sucessivas e repetidas, as sílabas, palavras e frases. O da escrita,
por sua vez, constitui um exercício visual e manual, que não se inicia até que
não se domine perfeitamente o da leitura e que requer o uso de um material e
instrumentos onerosos e ao alcance habitual de um público mais reduzido. A
primeira disciplina a memória; a segunda, a mão. A primeira prepara
passivamente para a recepção da mensagem; a segunda, mediante a caligrafia,
para o desenho e o adorno, antes que para a criação e transmissão.
Além dessas disciplinas base, nos Grupos Escolares são acrescidas língua materna,
desenho e disciplinas acessórias seguindo um cuidadoso processo de desenvolvimento dos
conteúdos nos cursos infantil misto, elementar e complementar de acordo com a dinâmica da
seriação presente nas instituições escolares. Eram aplicadas aulas de canto com destaque para
os hinos patrióticos e canções cívicas; leitura e escrita; aritmética; lições de coisas que constava
de exercícios para cultivar os sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), valorizando a
intuição como fundamento do conhecimento, palestras sobre objetos, animais e a espacialidade
em torno do cotidiano dos alunos; geografia, com destaque para a observação dos acidentes
geográficos no entorno do Grupo Escolar ou durante os passeios e excursões a lugares
próximos43; história pátria onde se destacavam os fatos e os heróis da nossa história; moral e
civismo, destacando regras de comportamento e valores; desenho natural; trabalhos manuais e
exercícios físicos.
Na classe feminina elementar era inserida a disciplina economia doméstica abordando
uma conotação explícita do modo de ser da mulher. Permeada por conteúdos que despertassem
nas meninas habilidades domésticas e formando-as para serem anfitriãs perfeitas, boas esposas
43 A orientação do Departamento de Educação era que os passeios escolares ocorressem de preferência nos campos
de cultura, fábricas, estabelecimentos industriais e fazendas. Esses momentos tinham a finalidade de aproximar os
alunos de realidades apresentadas durante as aulas de lições de coisas e contextualizar o aprendizado por meio da
observação e da prática dos sentidos. Sobre os passeios escolares, o Jornal A Cidade noticiou no dia 30 de agosto
de 1925: “O nosso Grupo Escolar realizou mais um proveitoso passeio escolar para o sítio Lagoa do Ferreiro, onde
os alunos ouviram excelentes preleções sobre geografia, coisas e história local e fizeram vários exercícios
educativos”. (PINHEIRO, 1997, p. 158).
121
e mães dedicadas, a implantação dessa disciplina destinava-se a um “modelo de mulher
idealizado pelo discurso republicano, que era o de educadora dos filhos e futuros cidadãos, além
de se pretender um traquejo social e a boa representatividade na mulher junto ao esposo”.
(SILVA, 2010, p. 41).
O curso complementar, também chamado de escola primária superior, foi criado pelo
artigo 3° da Lei n° 405, de 29 de novembro de 1916. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p.
39). Entretanto, o ato n° 51, de 15 de maio de 1925, que criou o Regimento Interno dos Grupos
Escolares no Rio Grande do Norte, especifica de forma mais detalhada os objetivos principais
dessa nova etapa dentro dos Grupos Escolares. Para se matricularem no curso complementar,
os alunos deveriam ter de 12 a 18 anos, estarem vacinados e com boa saúde e apresentar
certificado do curso elementar completo realizado em escola oficial. A implantação do curso
complementar no Grupo Escolar do Assú ocorreu por meio do Decreto n° 220, de 4 de
dezembro de 1923. (PINHEIRO, 1997, p. 19).
Graduado em dois anos e contando com turmas mistas, o curso complementar
funcionava com uma nomeação simples ou desdobrada e disciplinas distintas para cada
seriação: na série simples eram oferecidos estudos da língua materna, aritmética, geometria
prática, geografia e história do Brasil, instrução cívica, educação física e prendas manuais para
as classes femininas. No curso desdobrado eram ofertados estudos especiais de línguas
estrangeiras, datilografia, escrituração mercantil, noções de agricultura, zootecnia, veterinária,
mecânica, eletricidade, artes manuais, industriais ou economia doméstica.
A segunda parte do curso apresentava um perfil voltado exclusivamente para a
profissionalização dos estudantes ao término dos estudos. Exatamente por isso, o curso
complementar era chamado de integração e possibilitava o ingresso direto nas escolas normais
sem a necessidade de fazer exames de admissão. Para Souza (1998, p. 247), assim a escola
primária deixava de ser apenas a aprendizagem das primeiras letras, conferindo “ao aluno status
e poderia facultar-lhe uma inserção melhor no mercado de trabalho, atestando ao indivíduo a
posse de um determinado saber”.
No final do ano letivo, geralmente na segunda dezena de novembro, o Departamento de
Educação orientava a realização das provas de promoção e os exames finais dos cursos
graduados. Os alunos eram cobrados por provas de caligrafia, ditado ou redação, desenho,
cálculo e outras matérias e poderiam ser considerados habilitados com distinção, plenamente,
ou simplesmente. Era comum a realização de exames orais em que os alunos seriam
questionados sobre determinados temas por uma comissão examinadora presidida pelo diretor
122
da instituição e composta pelo professor da classe e outro professor do Grupo Escolar ou um
estranho.
As sessões constituíam acontecimentos e momentos de visibilidade social do universo
escolar e eram acompanhadas pelos pais e a população, tornando-se verdadeiros espetáculos
nas cidades, inclusive com cobertura da imprensa. Francisco Amorim participou de um desses
momentos no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia:
Quando eu já pertencia ao corpo redacional de ‘A Cidade’, tive que
ir, como repórter, assistir à realização dos exames finais de um ano letivo.
Acontece, porém, que lá para as tantas um dos examinadores precisou
ausentar-se e convidou-me para substituí-lo. Aceitei. O que aconteceu, porém,
não esperava. O ponto sorteado foi ‘acidentes geográficos’. Confesso que não
sabia patavina da matéria. Como arguir o aluno? Não hesitei. Mandei que o
examinando falasse. Ele, sem pestanejar, disse que um dos acidentes
geográficos era um córrego que passava ali ao lado do Grupo – um braço do
rio Assú. Aliviei. Por intuição ia ficando a par do assunto. Nesse ínterim chega
o titular da disciplina que, ao reassumir o lugar, agradeceu a minha
colaboração. Mal sabia ele que eu, no íntimo, é que agradecia a sua volta,
receioso de futuros constrangimentos na minha missão de examinador.
(AMORIM, 1982, p. 44, grifos do autor).
Os Grupos Escolares diferenciam-se das Escolas de Primeiras Letras por explorarem
disciplinas relacionadas com uma formação mais integral, voltadas para temas que ampliavam
as dimensões de ensino-aprendizagem por parte dos alunos, atentando para uma noção de
aspectos diversos e a assimilação de conteúdos mais abrangentes. Nesse sentido, a própria
realidade social se insere no universo escolar e os modelos formativos conformam novas ideias
pedagógicas e práticas de alfabetização. De acordo com Frago (1993, p. 107):
alfabetizar-se não é aprender e dominar algumas determinadas habilidades
técnicas de decodificação, produção e compreensão de certos signos gráficos,
mas adquirir e integrar novos modos de compreensão da realidade, do mundo,
de si mesmo e dos outros. Ler e escrever são práticas culturais que reestruturam
a consciência e a mente e, como consequência disto, o comportamento. A
questão da alfabetização afeta de cheio o núcleo da educação e das relações
interculturais: embora as habilidades ou destrezas derivadas da mesma sejam
individuais, de fato são adquiridas e exercitadas no curso de atividades
participativas, social e culturalmente organizadas. Por outro lado, tais práticas
e atividades variam no espaço e no tempo e com elas os critérios pelos quais
uma pessoa é qualificada ou não de alfabetizada. A alfabetização é uma noção
estática. Carece de essência universal.
Magalhães (2004, p. 16), salienta que o conceito de educação mostra-se complexo e está
sustentado numa base polissêmica. Para o teórico o processo educativo “funciona de forma
integrada e integrativa por parte dos sujeitos, no que se refere à sua construção como pessoa
123
humana, correlacionando designadamente os quadros da pedagogia escolar e da instrução
educativa, na sua internalidade e no contexto da sociedade”.
Como exemplo desse novo aspecto do processo de alfabetização nos Grupos Escolares
e de uma educação que apresenta uma relação de internalidade e interação com a sociedade,
podemos citar as disciplinas moral e civismo, ou instrução cívica no curso complementar, e
história pátria, que tinham a finalidade de disseminar e divulgar os ideais republicanos
transformando a própria realidade social. Por meio delas, a educação era concebida como
responsável pela organização da nação, repassando valores de urbanidade e civilidade aos
indivíduos crianças. Segundo Pinheiro (2002, p. 165), verifica-se dessa forma, “que a
preocupação em formar o indivíduo, humanizando-o, viria a consubstanciar, de forma mais
consequente, o fortalecimento da nação, da pátria”.
As lições de moral deveriam acontecer em lugar próprio, no horário das classes,
aproveitando-se os estímulos derivados da vida escolar, social e familiar e a oportunidade das
boas ou más ações dos alunos, estimulando e corrigindo com conselhos e exemplos. A formação
do sentimento cívico deveria ser feita por meio de explicações sobre a organização política do
Brasil, do estado e seus municípios, do exercício dos direitos e deveres do cidadão e referências
aos principais fatos da história pátria.
Outros momentos poderiam ser aproveitados para fortalecer o espírito nacionalista e
propagar os ideais de amor à pátria. Pinheiro (1997), relata que no Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia, durante as aulas-passeio realizadas para o Rio Açu ou nos sítios locais,
além das aulas do programa aplicadas nesses momentos, como geografia e lições de coisas, os
professores, juntamente com os alunos, cantavam o Hino dos Voluntários do Norte,
homenageando os irmãos Ulisses e Olegário Caldas e outros soldados assuenses participantes
da Guerra do Paraguai44.
Esses momentos de alusão aos heróis nacionais visavam despertar nos alunos o amor e
pertencimento à pátria e a formação moral e cívica, pois os valores presentes nas biografias dos
soldados e heróis e a narração de fatos notáveis da história do país serviam como exemplo a ser
seguido pelos alunos.
44 De acordo com Lima (1990, p. 145), “Na Guerra com o Paraguay, foi grande e valioso o concurso do povo do
Assú, mandando em 1865, para os campos de batalha, a fina flor da sua mocidade: Ulysses Caldas, Ponciano
Souto, João Perceval, Manoel Barbalho e tantos outros que se salientaram na rude peleja, em que o Brasil contou
victoria, cobrindo-se de glórias militares”. O Tenente Ulisses Olegário Lins Caldas morreu no dia 7 de novembro
de 1866 em plena campanha da Guerra do Paraguai e tornou-se um dos participantes mais aclamados na cidade do
Assú. Seu irmão, João Perceval Caldas, foi porta-bandeira e depois alferes. Lutou contra a resistência do Forte de
Humaitá, morrendo em 19 de fevereiro de 1868. Na disciplina história da pátria, o Programa de Ensino dos Grupos
Escolares indicava o estudo da Guerra do Paraguai e de Ulisses Caldas e Baraúna Mossoró para o curso elementar.
124
Dentro dos preceitos e ideais de educação voltados para o civismo e o patriotismo, o
professor Alfredo Simonetti, em matéria do Jornal A Cidade intitulada Educar e publicada em
agosto de 1923, refletia sobre a concepção da educação como um grande fator de transformação
social predominante na época e concebia a figura do professor primário como um importante
missionário:
Um professor primário é o sacerdote da educação, celebrando a missa
augusta do dever: a Escola é o templo sagrado onde se dá a transubstanciação
ditosa, a comunhão excelsa do civismo.
Fora da Escola há a treva, luta insana das vaidades, da suprema escalada do
mundo, do império, ao passo que dentro dela a luz se expande em todo o seu
esplendor, as cores matizam os seus firmamentos.
Todos quanto dela se acercam recebem nos pulmões o ar puro que fortifica,
que fortalece, contribuindo para a saúde do espírito e saúde da alma.
Instruir educando é o lema da Escola.
A instrução tornando apto o espírito para a longa viagem da vida, tão
escabrosa, tão difícil.
A educação preparando a alma, formando-a por assim, para reagir contra os
males que a querem empolgar, contra os bacilos virulentos do pessimismo
destruidor e da inatividade.
A juventude de hoje – diz uma ilustre escritora ao enumerar os males da
civilização – está completamente contaminada de maus exemplos e ideias
extravagantes.
Uma menina de agora – acrescenta ela – sabe mais em qualquer terreno da vida
sentimental que uma senhora de 80 anos. Em sua maioria, as rodas de moços
revelam uma decrepitude espiritual pasmosa, um alheio amanto desolador dos
nobres ideais e uma amoralidade, quase cinismo de critérios que assusta. São
tão sábios! ... O rubor dos lábios já é quase um simples “fenômeno phisico” e
a vergonha está neles agora, infelizmente, quase esgotada.
Como reagir contra esses males, contra o vírus da degenerência social”?
Só uma palavra nos vem inesperadamente aos lábios, palavra que é uma chave
mágica abrindo novos horizontes da vida.
Educar ... Educar!. (PINHEIRO, 1997, p. 143-144).
A fala do Professor Simonetti relacionando o ensino com os ideais de civismo e amor à
pátria reforçam o projeto pedagógico modernizador do ideário republicano e relacionam-se
com a importância dada por Magalhães (2004) para as ações dos agentes e sujeitos que
participam efetivamente das instituições educativas e agem no sentido de atingir seus intentos,
demonstrando ser necessário inferir os propósitos, as perspectivas, as formas de realização e
participação e os itinerários escolares e extraescolares.
Esse processo de consolidação dos intentos educativos citados por Magalhães (2004)
encontram expressão na ideia das práticas educativas citadas pelo próprio autor, por meio das
quais se veiculam crenças, normas, condutas, valores e capacidades apropriadas pelos
estudantes e mantem uma estrita relação com o contexto sociocultural e político.
A educação tinha a finalidade de orientar e organizar diversos setores da nação por meio
da formação moral, incutindo valores capazes de destruir vícios, perversões e outros malefícios
125
que ameaçavam a moralidade social. Simonetti (1995, p. 16) acredita que para os educadores
dos Grupos Escolares, espaços de transformação da própria realidade social, “inserir-se no
contexto do ensino público [...] significou não só, um feito de caráter pessoal e individual, mas,
um compromisso de cunho social com a educação de quantos foram seus alunos, e, de seu saber,
aprendizes”.
Nesse sentido, o artigo 50 da Lei 405/16 (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 54)
expressa que:
a formação do carácter do educando deve ser uma das maiores preocupações
do professor. Para isso, elle procurará investigar a feição moral dos seus
alumnos, não só indagando dos paes e responsáveis quaes seus hábitos e
tendências, como também observando-os durante a classe, recreios, entradas e
sahidas, e nas suas relações mutuas.
Para Faria Filho (2014, p. 38), nesse momento da história da Educação Primária
brasileira “reinventar a escola significava, dentre outras coisas, organizar o ensino, suas
metodologias e conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e tempos
ao ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e com a própria cidade”.
Dessa forma, a educação cumpre uma série de papéis e finalidades determinadas pela
sociedade materializados no cotidiano escolar a partir de projetos, discursos e teorias
pedagógicas. De acordo com Magalhães (2004, p. 31):
a analogia e idiossincracia entre formação/participação escolar e
ação/participação cívica constituíram e constituem questões fundamentais na
pedagogia contemporânea, podendo estabelecer-se, uma vez mais, um
continuum desde a vivência e a participação escolar, como embrião da
renovação das práticas sociais, até uma adaptação e submissão estreitas das
práticas escolares às normas e às regras sociais vigentes.
Como veremos no próximo capítulo, além de seguir as orientações estipuladas em
diversos documentos para a aplicação do programa e do funcionamento, existiam outras
atividades que demonstravam eficiência pedagógica no universo dos Grupos Escolares, como
o teatro, a literatura e o jornalismo que circulavam corriqueiramente no universo da cidade do
Assú e encontravam um ponto de convergência, um espaço de continuidade e afirmação no
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
Segundo Pessanha e Silva (2012, p. 262), analisar a interação entre a escola e as práticas
produzidas na cidade é necessária porque “essas relações são de grande importância na medida
em que podem influenciar na forma como a escola se organiza internamente”.
Também concordamos com Herschmann, Kropf e Nunes (1996, p. 157) quando
afirmam que o movimento de “decifrar a escola na cidade é cifrá-la novamente a partir de
126
fragmentos num jogo interminável entre o pertencimento e o distanciamento, a indeterminação
e a precisão, a domesticação e a liberdade, o rigor e a imaginação”.
127
AS NOITES DA MINHA TERRA45
João Celso Filho
As noites da minha terra
Eflúvios, têm, langarosos,
Quando o luar de prata erra
Por sobre os montes fragosos...
Imensa, se desenrola
Como um manto o céu de opala...
A terra é uma corola
Que mil perfumes exala...
Há singulares conversas
No matagal reluzente...
As sebes em luz imersas
Segredam tranquilamente...
Por toda parte estridulam
Vozes que não se conhecem...
As cousas como que osculam
E logo depois fenecem...
Estrelas louras quais virgens
Têm sonhos na alcova astrosa...
Às vezes grandes vertigens
Queda lhes dão, luminosa...
Nas madrugadas d’Abril
Há vaporosas doçuras...
O son o brando, sutil,
E feito só de brancuras...
Como um rolar de cascata
Por sobre um bando de areia,
Ao longe, na serenata,
Um violão salmodeia.
E pelo espaço sem fim
Como uma nau que flutua,
Da mesma cor que o jasmim,
Vai boiando a casta lua...
45 Poesia escrita em 1910 pelo professor João Celso Filho na cidade de Maracanã, no Pará, e dedicada aos amigos
do Assú. Transcrito de Celso Filho (1986, p. 25).
128
5 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE
ATIVIDADES CULTURAIS E LITERÁRIAS PARA OS FILHOS DA ATENAS
NORTE-RIO-GRANDENSE
No capítulo 4, ficou evidente que os Grupos Escolares expressavam uma finalidade
iminente de produzir um novo perfil de homem e mulher num espaço urbano moderno que
exigia hábitos de civilidade e urbanidade. Para alcançar esse intuito, o governo republicano, por
meio de um projeto de fortalecimento da pátria e o ideário de ordem e progresso, colocou em
circulação uma nova forma de conviver em sociedade associada ao processo de escolarização,
em detrimento dos métodos educativos presentes no Império. Sobre a implantação da Educação
Primária republicana, Faria Filho (2014, p. 20, grifos do autor) destaca:
não se nos apresentava uma escola que ‘apenas’ reproduzia as relações sociais
e, ao mesmo tempo, permitia aos sujeitos apropriarem-se de conhecimentos
para produzir o social segundo suas intencionalidades e seus interesses,
subsumindo assim, enquanto instituição, no movimento maior de produção e
reprodução da sociedade. Era isso sim, mas não apenas. Era, também, uma
instituição – a escola – que cada vez mais singularizava sua contribuição à
produção/reprodução do social, que fortalecia e legitimava as práticas culturais
urbanas em detrimento àquelas do mundo rural que, enfim, propunha-se a
contribuir na construção da Nação, no processo civilizador do povo brasileiro,
na formação do cidadão-trabalhador, na reorganização do mundo do trabalho
e da produção. Essa complexificação das funções escolares trazia também,
como seu elemento constitutivo, a busca por determinar de maneira cada vez
mais detalhada as ‘formas autorizadas’ do fazer, do pensar e do sentir
escolarizado.
No contexto do governo republicano, a necessidade do despertar para a civilidade do
povo brasileiro e do fazer, pensar e sentir escolarizado, se manifestaria com a criação dos
Grupos Escolares, mas fazia-se necessária uma educação estética para alcançar a população e
facilitar a assimilação das propostas do projeto de reinvenção da nação. A ideia de uma
educação estética pode ser notada no envolvimento das habilidades manuais, na educação das
mulheres para o lar, no cuidado com os hábitos de higiene e com o corpo, no contato com a
literatura brasileira, na declamação de poesias e versos, nos cantos, nas danças e apresentações
teatrais, nas festas escolares e das cidades e na própria arquitetura dos grupos. Enfim, esses e
outros elementos formavam um conjunto essencial para que os intentos e objetivos fossem
alcançados.
Para Veiga (2003, p. 406-407, grifo da autora):
a educação estética pressupõe sujeitos plásticos, flexíveis que, por meio da
educação dos sentidos e do aprimoramento da capacidade de ver, ouvir, falar,
olhar, tocar, aprendam a ‘valorizar’ e usufruir do chamado acervo cultural da
129
humanidade, o patrimônio das obras de arte e literatura, consagrado por
instâncias socioculturais complexas.
Apesar da autora não expressar explicitamente, chama-nos a atenção a relação que o
despertar e a importância dos sentidos presentes na educação estética mantem com as lições de
coisas, base da aplicação do método intuitivo nos Grupos Escolares. As lições de coisas mantém
uma relação direta com o despertar dos sentidos e com a observação de todo o universo em
torno dos alunos, desde o próprio corpo, passando pelo material escolar, a espacialidade dos
grupos, das ruas, da própria cidade, dos objetos e da natureza. Poderíamos afirmar que a
educação estética seria uma alternativa pedagógica de despertar os alunos para uma nova forma
de vivenciar as lições de coisas. Na educação estética “destaca-se também toda uma concepção
estética presente na elaboração dos ambientes escolares e na produção de outros espaços
urbanos”. (VEIGA, 2003, p. 409).
Além das práticas voltadas estritamente para o campo pedagógico e metodológico, as
dramatizações teatrais, momentos literários e produção de jornais eram atividades recorrentes
no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia que ampliavam as dimensões de ensino-
aprendizagem por parte dos alunos e envolviam temas cívicos, patrióticos, regionalistas,
educativos, ético-morais, religiosos, entre outros. Assim, consideramos essas outras formas de
despertar as dimensões de ensino-aprendizagem por parte dos alunos como parte da concepção
de educação estética apresentada por Veiga.
Magalhães (2004, p. 130) afirma que os estudos sobre o currículo escolar “revelam que
os graus de liberdade e autonomia das instituições não se configuram à interpretação dos
normativos curriculares, mas revestem-se de dimensões criativas tendo em vista a divergência
e a aplicação às necessidades e às culturas locais”.
A conjuntura cultural e literária que elevou a cidade do Assú à categoria de Atenas
Norte-rio-grandense, como vimos no capítulo 2, aponta para dimensões de intercâmbio de
experiências e identidades com o contexto social em que a instituição Grupo Escolar está
inserida, desperta e amplia os próprios sentidos dos alunos e coloca em circulação produções e
modelos culturais. De acordo com Alves (2012, p. 105) as práticas voltadas para as dimensões
de intercâmbio possibilitam a percepção de uma “formação política embutida nos rituais, nas
organizações estudantis, na imprensa escolar, mas, sobretudo, na relação que a escola mantem
com a cidade e a visibilidade que adquirem seus estudantes na cena urbana”.
Essa noção de contextos também é chamada por Magalhães (2004) de comunidade
envolvente e por meio dela manifesta-se um processo de interação entre a instituição educativa
130
e o quadro sociocultural do qual ela faz parte. Para esse teórico (2004, p. 68), trata-se de um
processo que origina a própria identidade histórica da instituição:
O imaginário, a cultura e a gesta escolares estruturam-se e definem-
se no quadro sociocultural, cumprindo objetivos políticos, sociais,
antropológicos. A instituição educativa apresenta uma identidade que não varia
significativamente com as circunstâncias geográficas ou com as circunstâncias
históricas. É, porém, na relação que estabelece com o público e com a realidade
envolvente, na forma como a cultura escolar interpreta, representa e se
relaciona com o contexto na sua multidimensionalidade, como na medida em
que o público se apropria e se relaciona com as estruturas e órgãos de uma
mesma instituição, que as instituições educativas desenvolvem a sua própria
identidade histórica. Deste modo, ainda que segmentadas e especializadas,
articuladas ou não de forma sistêmica, as instituições educativas desenvolvem
uma identidade com base na relação com o contexto.
5.1 A LITERATURA NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ
CORREIA: PROSA E POESIA
No Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, o desenvolvimento cultural e literário
era incentivado por diretores como Alfredo Simonetti, João Celso Filho e a professora
Sinhazinha Wanderley. Esses dois últimos, em especial, descendentes de famílias oligárquicas
locais, se profissionalizaram no campo educacional, ou outros campos, e faziam parte de uma
geração de intelectuais que participaram ativamente do contexto cultural e literário da cidade
do Assú. Nesse sentido, entendemos que a atuação desses professores, agentes e sujeitos, é
essencial para as interações estabelecidas entre a instituição educativa e a comunidade
envolvente.
Outro fator importante a ser destacado em relação a esses agentes e sujeitos é que eles
receberem a instrução primária no momento em que a identidade da cidade do Assú como
Atenas Norte-rio-grandense estava se formando e foram influenciados pelo movimento cultural
e literário da cidade. Essa realidade se torna importante porque, segundo Faria Filho (2014, p.
17) “a cidade, descoberta nos itinerários da escola, impõe-se, mais tarde, como objeto de
pesquisa, quando o percurso se transforma e a tarefa significa reconstruir a trajetória da escola
nas trilhas da cidade”.
De acordo com Pinheiro (1997, p. 134), como profissionais do universo das letras, esses
educadores viveram e atuaram num momento histórico:
em que o Estado brasileiro gestava um projeto de modernidade que assentava
suas bases na exigência da escrita e da leitura e, consequentemente, na
necessidade de ampliação de um público leitor. Em meio a esse projeto, que
ganhou forma nítida nos anos 30, a literatura desempenha um importante papel
131
na expansão do nacionalismo, que, de um lado, combatia a presença dos usos
e costumes estrangeiros, e de outro, tentava atacar o analfabetismo e expandir
a escola primária.
As ideias de combate ao analfabetismo presentes no projeto reformador e de construção
de um país moderno, ampliando as possibilidades de transformar o povo brasileiro em um
público leitor se coadunam com algumas reflexões de Frago. Para esse autor (1993, p. 28), o
processo de alfabetização “pressupõe uma pedagogia da escuta, da voz e do ouvido. Da
comunicação com seus diversos códigos e formas, da linguagem e da fala. Uma pedagogia
rítmica e corporal, imaginativa e poética, isto é, oral e retórica”.
Levantamos esses pontos destacados por Frago (1993) porque o ato de alfabetizar não
pressupõe apenas a leitura e a escrita, mas é necessário uma série de outros elementos que
colaboram na consolidação e eficiência do processo de escolarização. Chamamos a atenção
para esse fato porque os diversos elementos literários e culturais que circularam na cidade do
Assú compõem e colaboram na construção do processo de alfabetização e encontramos esses
elementos na atuação de alguns professores do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
João Celso Filho, como citamos no capítulo 4, projetou-se como jornalista inclusive fora
do Rio Grande do Norte. O diretor e professor do Grupo Escolar do Assú dirigiu a Revista
Paládio publicada na cidade em 1915. Amorim (1965, p. 26) indica que a revista tinha “feição
tipográfica atraente, com uma colaboração esmerada e escolhida”. O professor colaborou ainda
com os jornais locais O Quiproquó, O Bric-à-Brac, A Cidade e O Jornal do Sertão.
João Celso Filho mostrou-se um orador de grandes méritos e um poeta brilhante,
inclusive, lançando o livro Terra Bendita em 1911. Com uma atuação em diversos setores da
atividade cultural e comercial assuense ele foi o único poeta da cidade “que teve suas produções
traduzidas para o castelhano46”. (FONSECA FILHO, 1984, p. 186). Em seus textos, João Celso
Filho expressa reflexões filosóficas, existenciais, temas relacionados a terra onde nasceu e uma
vertente romântica como na poesia Ditosos, reproduzida a seguir:
Na várzea, entre joazeiros escondida,
Será nossa vivenda confortante ...
Eu cantarei de amor por toda a vida,
Tu de amor cantarás a todo instante.
Branca, nossa casinha estremecida
Será um ninho sem igual, cantante,
Onde eu terei e tu terás, querida,
Gozo, harmonia, paz e amor constante ...
Quão ditoso será o nosso ninho!
46 A poesia Terra Bendita, que dá título ao livro de João Celso Filho, ganhou o 1° lugar num concurso realizado
no Pará e foi traduzida para o espanhol por Rafael Guttieri. (CELSO FILHO, 1986, p. 18).
132
Eu serei o teu doce canarinho,
Tu serás minha terna companheira.
Eu ao teu lado viverei sonhando,
Tu ao meu lado viverás cantando ...
Passaremos assim a vida inteira!. (CELSO FILHO, 1986, p. 38).
O professor Alfredo Simonetti era sócio do Centro Artístico Operário Assuense, da
Associação de Professores do Rio Grande do Norte e da Cooperativa dos Funcionários Públicos.
Na cidade do Assú incentivou a participação dos jovens no escotismo, promoveu várias festas
escolares, até mesmo em benefício da construção do Colégio Nossa Senhora das Vitórias, e
escreveu algumas peças literárias para serem encenadas por seus alunos.
Américo Simonetti (1995, p. 40, grifo do autor), informa que a herança cultural do
professor Alfredo Simonetti foi ampliada:
com a criação de textos didáticos e obras literárias [...] como Lições de
Pedologia, Análises por Diagrama e Composições, Lições de Pedologia e
Apontamentos de Geografia. Todos estes textos foram organizados e
trabalhados pelo professor Simonetti em forma de ‘pontos’, ou lições para seus
alunos.
Um dos grandes méritos do professor durante sua passagem pelo Grupo Escolar do Assú
foi ter incentivado os alunos do Curso Complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia a criarem o Grêmio Complementarista, associação estudantil que atuou por muitos anos
no contexto literário e cultural da cidade, como veremos mais adiante. Sendo considerado por
Rômulo Chaves Wanderley (1965, p. 111) “antes de tudo um professor, com breves incursões
pela poesia”, dado que por toda a sua vida preocupou-se com atividades de ensino, da literatura
e da cultura, Alfredo Simonetti escreveu versos líricos revelando sentimentos íntimos e alma
romântica e sonhadora.
Destacamos do professor Simonetti o texto Velas (Imitação de Correia), executado
por Clara Amorim e Silva, aluna do Curso Complementar, num festival realizado no dia 12 de
abril de 1925:
Vão se as primeiras Velas mar em fora
Tentar fortuna, brancas, desfraldadas;
Vão outras ... mais ... e outras enfunadas
Mal no horizonte já desponta a aurora.
E à tarde quando o Séo rubro descóra,
Dando lugar à noutes enluaradas,
Ellas vêm qual doudas namoradas,
Beijar a Terra que saudosa chora! ...
Também do nosso Amor onde esboroam
As Esperanças ... uma a uma aproam
133
Como as Velas em busca dos coraes ...
No azul da Phantazia, elas se chocam ...
Morrem ... Mas se a um porto as Velas tocam,
Ellas ao nosso Amor não voltam mais ... (AMORIM, 1972, p. 66).
Assíduo colaborador e mantendo um bom relacionamento com a imprensa local, entre
1923 e 1925 o professor Simonetti atuou como colunista do jornal A Cidade, escrevendo
sistematicamente artigos e poesias. Estava sempre atencioso no envio de notícias sobre eventos
e para agradecer as divulgações ou homenagens que recebia, como a da passagem de seu
aniversário publicada em outubro de 1925 pela direção do jornal A Cidade:
Não podemos olvidar a data feliz do seu natal, pois que o Professor Simonetti
tem-se revelado um decidido e esforçado amigo desta terra. [...] Geralmente
acatado e estimado dos seus discípulos, o Professor Simonetti, tem sido
incansável nessa benemérita cruzada em prol do ensino, ora fundando
sociedade e criando um jornal para pugnar pelo interesse e desenvolvimento
da instrução, ora promovendo representações teatrais da mais salutar e benéfica
moralização, entre os seus educandos. (SIMONETTI, 1995, p. 30).
Mesmo tendo ido residir em Mossoró, o professor Simonetti continuou mantendo
contato com os literatos e educadores da cidade do Assú e à distância colaborava com o
jornalismo e a educação da cidade. Logo depois de seu falecimento, ocorrido no dia 23 de
janeiro de 1939, alguns dos seus ex-alunos e alunas do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia fizeram-lhe uma saudosa homenagem manifestando carinho e gratidão pela dedicação
e o trabalho do professor no contexto educacional e cultural da cidade do Assú.
No dia 23 de fevereiro de 1939 seus alunos distribuíram uma polianteia47 de pequeno
formato que trazia na capa o retrato do professor Simonetti e as colaborações de alguns dos
seus amigos assuenses. Entre os textos desse livreto-homenagem, Amorim (1965, p. 37) destaca
“honra ao Mérito – de uma amiga - Descansa em Paz, de um assuense – Preces, de M.L. – Uma
Lágrima e uma Prece, de Palmerio Filho – Calvário, de Antônio Guerra – Duas Lágrimas, de
C.S.L. – Descansa em Paz, (versos) de Sinhazinha Wanderley”. A homenagem trazia ainda
notas biográficas e foi impressa na tipografia do jornal A Cidade.
Sobre Sinhazinha Wanderley, Montenegro (1978, p. 71) destaca que “com a pujança de
sua inspiração e amor telúrico ao seu Açu querido”, tornou-se uma musicóloga, escritora e
poetisa de grandes méritos “que conseguiu perpetuar-se nas músicas que compôs, nos versos
que fez. Centenas de meninos e de fieis cantam nas escolas e nas igrejas, a sua alma poética e
mística, através de hinos religiosos e patrióticos, os mais expressivos”.
47 Antologia de obras de uma pessoa ilustre, organizada em sua homenagem, ou referente a algum evento
notável.
134
A professora colaborou em jornais no Assú escrevendo textos com temas diversos e
poesias, como na Revista Paládio (1915) em que publicou os versos Recreio e A nova Escola,
ou na Revista Atualidades de 1950 onde escrevia textos variados48. Seus manuscritos abordam
temas sentimentalistas, filosóficos, sociológicos existências. Muitas vezes, a professora
decantou as belezas naturais da terra e os tipos humanos e acontecimentos do Assú, como na
poesia reproduzida a seguir publicada na Revista Atualidades, em 26 de fevereiro de 1950 (p.
5, grifo da autora):
Assú, Às 11 do dia
São horas de almoçar, há movimento,
Badala no Mercado, uma sinêta,
Há gente pelas ruas, na Valeta
Um pequeno tropeça e, no momento...
Um carro a buzinar, corre violento
Um preto a pedinchar uma gorgêta,
Não guarda um só centavo na gaveta,
Compra aguardente em vez de um alimento!
Há silêncio nos lares. Nos hotéis,
Engenheiros, Bancários, Coronéis,
Vão fazer sua farta refeição.
Enquanto um pobre ser, acocorado,
Tira do “caco” um sebo mal torrado
E o põe a misturar-se no feijão...
Segundo Fonseca Filho (1984, p. 57), a professora era uma amante dos versos, que ora
se mostravam tristes, “ora jocosos. Escrevia versos para si e para os outros. Não havia um
batizado, festa de aniversário, bodas de casamento ou outro acontecimento social em que não
estivessem presentes as quadrinhas de Sinhazinha Wanderley”.
O uso da poesia e da literatura durante as aulas era uma prática constante da professora
no Grupo Escolar Tenente Coronel Jose Correia e estava em consonância com o Departamento
de Educação que orientava o uso e a declamação de poesias e prosas durante as aulas de língua
materna. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925). De acordo com Clarice de Sá Leitão
(PINHEIRO, 1997, p. 151), a professora dava poesias e versos aos alunos, “muitos dos quais
ela própria fazia para aprendermos. Na hora da declamação ela chamava cada aluno que tinha
que vir a mesa da professora ao lado, e declamar em frente aos colegas”.
48 Apesar de não ter publicado nenhum livro, a produção intelectual da professora Sinhazinha Wanderley pode ser
encontrada em diversas obras de memorialistas e escritores assuenses como Wanderley (1965), Vasconcelos
(1977), Montenegro (1978), Fonseca Filho (1984), Lopes (2011) e na coluna Paisagens da Minha Terra que a
professora escrevia semanalmente no Jornal Atualidades, periódico que circulou na cidade do Assú durante o ano
de 1950.
135
Esse recurso do uso das poesias em sala e a importância do ato de declamar,
relacionando ao mesmo tempo a escrita e a oralidade, nos remete a Frago (1993, p. 21). Para
esse teórico, “justamente porque a linguagem é um fenômeno oral, porque o homem é um ser
que fala – que pensa com a fala e que fala quando e como pensa -, [...] a alfabetização e a
oralidade não devem ser dissociadas”, pois, opor esses dois elementos fundamentais que
participam tanto do processo de escolarização quanto social, supõe “um empobrecimento de
ambas”.
Souza (1998, p. 202) afirma que no universo dos Grupos Escolares prezava-se por
poesias voltadas para as propostas de civilidade do ideário republicano e o professor “deveria
ter escrupuloso cuidado na escolha dos trechos de poesias, a fim de que não se caísse em certos
preceitos pouco próprios à elevação de bons sentimentos”. Aqui, é possível estabelecer relações
com as funções escolares e sociais apontadas por Frago (1993, p. 27), pois no processo de
alfabetização os textos, ou questões, não devem ser objetos “de ensino de um modo isolado,
separado ou sem relação com a vida e cultura” do alfabetizando. O ato de “alfabetizar não é só
ler, escrever e falar sem uma prática cultural e comunicativa, uma política cultural
determinada”.
Assim, entendemos que elementos como a poesia não exercem funções neutras no
contexto da educação presente nos Grupos Escolares. São atividades produzidas mutuamente
entre as normas da escola e as necessidades da sociedade. Dessa interação também surge uma
forma diferente de aprendizagem no cotidiano escolar. Segundo Magalhães (2004, p. 32):
A ação educativa, em síntese, integra um sujeito, um agente, um
argumento, os meios adequados e desenvolve-se num determinado contexto,
com vista a um fim. A educação é constructo que resulta da interação destes
elementos e destes fatores por apropriação do sujeito; é relação e
relacionamento.
Em termos educacionais, não há uma transmissão e uma assimilação lineares,
mas da interação entre os intervenientes e da (re)construção do argumento
cultural que serve de texto e de prática à ação educativa resulta um (novo)
produto e todos os intervenientes são afetados, quer pela ação, quer pelo seu
resultado e reflexão, como revela a evolução semântica do vocábulo
aprendizagem.
Retomando a concepção de educação estética, é importante salientar que a educação e
o despertar do gosto para o belo exige uma atmosfera iluminada e o próprio exemplo do
envolvimento dos professores com esse universo. De acordo com Veiga (2003, p. 411),
“somente num espaço que combine razão e sensibilidade é possível a consolidação das práticas
pedagógicas destinadas à educação do gosto e formação do novo cidadão”.
136
Dessa forma, os mestres deveriam apresentar gosto artístico e literário, sentimento,
expressão e o envolvimento com o canto. E Sinhazinha Wanderley e outros professores citados,
por circularem por esses elementos na cidade do Assú, apresentavam condições indispensáveis
para influenciar hábitos dessa natureza em seus alunos.
Alguns dos alunos de Sinhazinha Wanderley no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia tornaram-se poetas pela convivência com a professora, como é o caso de Rômulo
Chaves Wanderley. Ele nasceu no Assú em 1910 e recebeu as primeiras letras com uma senhora
chamada Mãe Aninha. Amorim (1965, p. 82) relata que Rômulo foi aluno do Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia “onde fez, com notas distintas, todo o curso primário e o
complementar, já publicava sonetos e poemas n’A Cidade e no Jornal do Sertão, para o qual
escreveu as primeiras crônicas, revelando sempre acentuado amor as letras”. Mudando-se para
Natal, Rômulo atuou nos jornais A República, Diário de Natal, A Notícia e Tribuna do Norte.
Como jornalista nato foi um dos fundadores da Associação Norte-Rio-grandense de Imprensa
e publicou alguns trabalhos49.
Sua obra mais famosa é o poema Canção da Terra dos Carnaubais, registrado em
livro com o mesmo nome no ano de 1965. Rômulo dedicou-o à professora Sinhazinha
Wanderley, que, segundo ele, “ao lado do Prof. Antônio Fagundes, no Grupo Escolar Tte. Cel.
José Correia, muito procurou ensinar-me, tendo, como recompensa, modestamente, a minha
gratidão e o que consegui aprender”. (WANDERLEY, 1965, p. 4). O texto contém oito estrofes
onde o poeta apresenta aspectos históricos do Assú, destacando o desenvolvimento econômico,
cultural e literário e exalta algumas figuras da cidade:
I
Minha terra tem poetas
De inspirações magistrais,
Nascidos ao farfalhar
De verdes carnaubais.
Minha terra floresceu
Às margens do rio Assú,
E deu filhos que lutaram
Nos campos de Curuzu.
II
A minha gente provém
De indígenas e portugueses,
E traz, no sangue, também,
O sangue dos holandeses.
Se os seus filhos, quando nascem,
Talento não denunciam,
49 Rômulo Chaves Wanderley publicou os seguintes livros: Uma tempestade num copo d’água (1951), Arca de
Noé (1952), Panorama da poesia norte-rio-grandense (1965), Canção da Terra dos Carnaubais (1965) e A geografia
potiguar na sensibilidade dos poetas (1984).
137
Morrem na infância primeira,
Porque asnos lá não se criam.
III
Muitos deles, quando querem
Dar asas à inspiração,
Emigram para outras plagas,
Como aves de arribação.
E, mesmo sentindo nalma
Fundas saudades dalí,
Vêm cantar amôres
Às margens do potengí.
IV
E olhar de perto a praieira,
Da canção de Otoniel,
De olhos ternos, cismadores,
Lábios doces como mel,
Que ama escutar trovadores,
Que tenham vindo de lá,
Para dizer-lhe ao ouvido
Estrofes de Itajubá.
V
Minha terra tem história,
Poesia e tradição!
E em tempos idos, já foi
A Atenas do meu sertão.
Antigamente, a escola
Lá era risonha e franca,
E o negro, banqueteado,
Nos salões do amplo sobrado
Do barão de Serra Branca.
VI
Teve seu berço no Assú,
Luiz Carlos Lins Wanderley,
Que, médicin, malgré tout,
Era poeta de lei.
E os Soares e Amorins,
Macêdos, Caldas e Lins,
E outros mais, que ainda há,
Os quais, logo que nasceram,
Inspiração receberam
Nas águas do Poassá.
VII
Na poesia popular,
Houve Moisés Sesiom,
Que, semelhante a Bocage,
Glosava no melhor tom.
E não se deve esquecer
João Celso e Palmério Filho,
Que, na tribuna e na imprensa,
Pontificaram com brilho
VIII
Deus te salve, terra amada,
Berço dos meus ancestrais!
Eu morreria de mágua
138
Se não te revisse mais.
Se não pudesse beijar-te,
Nos meus dias outonais,
Escutando o farfalhar
Dos verdes carnaubais. (WANDERLEY, 1965).
João de Oliveira Fonseca iniciou os estudos no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia a partir de 1924, onde teve contato com o mundo das letras. Sua primeira mestra foi a
professora Sinhazinha Wanderley. Em coletânea sobre poetas do Assú, Lopes (2011) informa
que João de Oliveira Fonseca “deve sua tendência para poesia (além de ter nascido na Terra
dos Poetas), à sua primeira professora, poetisa Sinhazinha Wanderley”. Em seus escritos, João
Oliveira dá preferência para a quadra e a trova, como a que reproduzimos:
Cheio de tédio e cansaço,
Alma descrente, vencida:
Horas e horas eu passo,
Olhando o drama da vida.
Em toda trova que faço,
A razão não sei por que,
Há sempre um toque, um traço,
Que me faz lembrar você.
Com razão o povo diz,
(E nisto não se atrapalha)
Quem quiser viver feliz,
More num rancho de palha ...
Embora de mim te escondas,
E meu olhar não te atraia
Tenho o destino das ondas,
Que morrem beijando a praia. (LOPES, 2011).
Renato Caldas, poeta assuense que mais se destacou no campo literário na cidade do
Assú, também fez a Educação Primária no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. O
poeta iniciou as primeiras letras na escola de dona Luiza de França em 1908 e em 1911 entrou
para o Grupo Escolar participando das primeiras turmas de alunos da instituição. Foi tipógrafo
e colaborou em jornais no Assú. Saindo da cidade, continuou trabalhando com imprensa nos
estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Atuando com literatura e arte, excursionou
por cidades do interior de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia recitando seus poemas e
tocando violão. Retornando ao Assú, se empregou como avaliador e partidor da Comarca do
Assú.
139
Dos livros escritos e publicados pelo poeta, Fulô do Mato é o mais famoso50. De acordo
com Fonseca Filho (1984, p. 21, grifo do autor), mesmo sendo o Assú uma cidade que contou
com a atuação de grandes poetas “ninguém até hoje sobrepujou a poesia de Renato Caldas. Seus
versos são espontâneos e de uma graça excepcional. Lendo-se ‘Fulô do Mato’, não se tem
vontade de parar. Tudo nesse livro é bom” e é uma obra onde o poeta assuense expressa em
diversos momentos “os dramas angustiosos dos anos secos, das calamidades climáticas que
assolam a terra de seu berço”.
Do livro de Renato Caldas, destacamos o poema Açu (1980, p. 54):
Açu, de chapéu de palha!
Que luta ... vive e trabalha
Somente para comer.
Açu, que vive sofrendo
Na própria dor escondendo
A angústia do seu viver!
Heróis, poetas, escritores,
Boêmios e trovadores
Ilustram tradições!
Que não serão sepultadas
Para serem proclamadas
Pelas novas Gerações.
Meu Açu das vaquejadas!
Das noites enluaradas ...
Que gratas recordações!
Cantigas feitas de sonhos
Dos seresteiros risonhos,
Conquistando corações.
Dança dos Congos, Lapinha,
Folguedos da argolinha,
Bumba meu boi! Pastoril
Eram brincos engraçados,
Hoje porém, divulgados
De Norte a Sul do Brasil.
E, como o tempo é cruel!
Jogos de prenda ... e anel
Ninguém sabe onde ficou?! ...
Sei eu, onde está guardado
O meu Açu do passado,
Minha saudade guardou.
50 A 1ª edição desse livro saiu em 1940, pelo Diário da Manhã, de Recife; a 2ª edição circulou em 1953 pela
Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro; a 3ª edição, em 1954, pela empresa Hoje, de São Paulo; a 4ª edição em
1970 pela Editora da UFRN, Natal; e a 5ª edição pela Fundação José Augusto, também em Natal. (CALDAS,
1980).
140
5.2 O TEATRO NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA
Amorim (1972, p. 20), registrando aspectos históricos do teatro no Assú e evidenciando
essa atividade cultural e artística tão aclamada no passado da Atenas Norte-rio-grandense,
destaca que o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia “no louvável propósito de estimular
os seus frequentadores nos domínios da literatura e da arte, desde seu início, sempre promoveu
festividades cívicas, cuja programação não era indiferente à arte de representar”, demonstrando
que a atividade teatral contribuía “para o aprimoramento intelectual, moral e cívico, espiritual
e educacional dos moços do Assú, de vez que o treinamento da ribalta equivale, não apenas a
um recreamento do espírito, mas, sobretudo, ao desenvolvimento educativo”.
As apresentações teatrais eram recorrentes nos festivais realizados nas datas
comemorativas e patrióticas seguindo as orientações do Departamento de Educação, que
instituía as festas escolares nos dias 3 de maio, festa da natureza, 7 de setembro, festa da Pátria,
e 19 de novembro, festa da Bandeira, entre outras. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925). Souza
(1998, p. 254) esclarece que por meio das apresentações realizadas nessas datas comemorativas
e em outros momentos “a escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes caprichosamente
ornamentado, onde alunos-atores encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das
letras, da ordem, das lições morais e cívicas”.
Veiga (2003, p. 413) recorda que educar os sentidos e torná-los ativos por meio de
atividades como o desenho, a música, o teatro, a dança, entre outras, é:
o objetivo fundamental da educação estética na formação integral da criança.
É necessário, para isso, o exercício efetivo das práticas artísticas na escola, seja
na decoração da sala de aula, na execução de programas didáticos, na
realização de exposições, nas apresentações em festas, na comemoração das
datas nacionais.
A data cívica mais comemorada pelos alunos era o dia 7 de setembro, data de celebração
da Independência do Brasil e do aniversário da inauguração do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia. Amorim (1972), registra que em 7 de setembro de 1923, os alunos realizaram um
festival lítero-dramático encenando a peça As três datas, do poeta Segundo Wanderley. Na noite
de 7 de setembro de 1926, o Grêmio Complementarista organizou uma hora artística no teatro
Alhambra contando com representações cênicas executadas em três partes. Na primeira parte
foi exibida a comédia A dona de casa. A segunda parte constou de números de variedades,
destacando-se a apresentação Alho e Pimenta, e na terceira parte foi encenada a comédia Quem
manda sou eu, escrita pelo professor Alfredo Simonetti.
141
Ainda no teatro Alhambra, no dia 7 de setembro de 1927, o Grêmio Complementarista
realizou um festival lítero-dramático com um programa constando de variedades e as
encenações do drama em um ato O anjo dos pobres e a comédia A escola Pândega, escrita por
Francisca Clotilde. No dia 7 de setembro de 1929, foram exibidas diversas peças na ribalta do
próprio Grupo Escolar: Merenda das garotas, escrita por Irene de Drumont, As vogais e
Variedades. A última peça encenada nesse dia foi a comédia A dona da casa, escrita pelo
professor Carlos Goés e interpretada por alunas do Curso Complementar. (AMORIM, 1972).
No final do ano, durante o encerramento das aulas, eram recorrentes algumas
apresentações. No dia 8 de dezembro de 1924 foi exibida no próprio Grupo Escolar a cena
dramática Fé, Esperança e Caridade. Em 19 de novembro de 1927, dia de encerramento das
aulas e dedicado à Bandeira, efetuou-se na própria instituição escolar números de variedades e
a encenação de uma representação dramática que deixou boa impressão. No encerramento das
aulas do ano de 1928, ocorrido no dia 19 de novembro, foi promovido mais um festival
dramático. (AMORIM, 1972).
De acordo com Souza (1998, p. 274), nos diversos momentos de celebração nas
instituições escolares, enquanto “as datas cívicas objetivavam reforçar os símbolos de unidade
e solidariedade social e legitimar o regime político”, outras festividades diversas, como as
religiosas e profanas, “mostram a inserção na escola de costumes enraizados na prática social”.
Azevedo e Stamatto (2012, p. 14) assinalam que os Grupos Escolares se constituíam em
“centros de reunião social, pois centralizavam em sua sede eventos comemorativos entre as
escolas da região e, assim, tanto reuniam o seu público interno quanto recebiam a população
externa a ele, que, diante da expressão das comemorações, se encaminhavam a tais cerimônias”.
As festas escolares, cívicas ou não, também foram pensadas dentro da relação estabelecida entre
a cultura nacional e a educação estética, “como um momento de manifestação máxima de
emoções”. (VEIGA, 2003, p. 414).
Algumas festividades ocorriam em função do aniversário do corpo docente e diretores
do Grupo Escolar, como a comemoração do natalício do professor Alfredo Simonetti, em 1925:
Homenageando a transcorrência da data natalícia do seu esforçado
Diretor, o provecto Professor Alfredo Simonetti, a 24 de outubro de 1925, os
corpos docente e discente do Grupo Escolar Ten. Cel. José Correia
promoveram um festival que obedeceu ao seguinte programa: ‘Jeca Tatu na
cidade’, comédia pelos alunos do Curso Complementarista José Martins,
Demóstenes Amorim, Ezequias Fonseca. ‘O Lobisomem’ pelos alunos da
elementar masculina, João Martins, José Vieira, Francisco Oliveira, José
Quirino, Jônatas de Albuquerque, Sebastião Vieira e Plácido de Amorim e
Silva. Um ato de variedades pelos alunos de todos os cursos, para terminar com
a comédia ‘Visita a casa de tia Chica’ pelos alunos do Curso
142
Complementarista, Ezequias Fonseca, Demóstenes Amorim e José Martins.
(AMORIM, 1972, p. 22, grifos do autor).
Como grande entusiasta do teatro a serviço da pedagogia no Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia, Sinhazinha Wanderley escreveu peças didáticas, incentivando a criação
de elencos formados por seus alunos. Entre essas encenações, destaca-se o texto A professora
de aldeia. Segundo Pinheiro (1997, p. 154), este drama escolar disposto em três atos foi
ensaiado e apresentado pelos alunos do Grupo Escolar e:
mostra a dinâmica de uma escola da zona rural, daquela época, onde uma
professora recém-formada, descendente de uma família abastada, que passou
a ser arrimo de família, expressa seus receios e ansiedades, ante a profissão do
magistério, no momento em que assume, como professora, uma classe.
O talento da professora Sinhazinha Wanderley para os textos teatrais é exaltado por
Amorim (1972, p. 23-24, grifos do autor). Segundo o memorialista, no dia 1° de dezembro de
1912, quando estava encerrando as atividades escolares:
os alunos levaram à cena, em palco adrede preparado, duas composições da
talentosa professora Sinhazinha Wanderley, denominada ‘A Taba Assú’ e ‘A
Reforma da Instrução’, que conquistaram francos aplausos, não só pelo bom
desempenho dado, como pela inteligente elaboração das peças.
De acordo com Pinheiro (1997, p. 158), a peça Taba Assú abordava questões da história
da cidade do Assú e “retratava de forma heroica a atitude do índio frente aos perigos da
dominação dos colonizadores”.
Os temas dos textos escritos pela professora expressam situações cotidianas e históricas
mostrando que a arte é uma ferramenta importante para refletir sobre temas mais amplos até
mesmo nos espaços de escolarização. Nesse sentido, Veiga (2003, p. 415) afirma que “o belo e
o sublime perfilam como novas emoções estéticas apresentadas à população e para o seu
desenvolvimento a escola é chamada”.
5.3 A CIRCULAÇÃO DE JORNAIS NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL
JOSÉ CORREIA
O jornalismo era outra atividade literária recorrente no Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia. De acordo com Amorim (1965, p. 48), o incentivo para esse tipo de atividade
tinha a finalidade de trazer às novas gerações “traços da vida e das atividades jornalísticas dos
homens que no passado e, também no presente, muito fizeram e fazem para dar nome e renome
ao Assú, através de exemplos edificantes de desprendimentos pessoais e nobreza de atitudes”.
143
De acordo com Frago (1993, p. 96), atividades como a imprensa, que leva em conta uma
pluralidade de códigos, sistemas ou tecnologias de armazenamento, transmissão e recepção de
informação com diferentes funções, usos e valorização social, são importantes no processo de
construção de “uma tipologia das alfabetizações nas sociedades de escolarização e alfabetização
generalizadas”.
Complementando as perspectivas de Amorim e Frago, entendemos que a imprensa e sua
relação com a educação constitui-se num corpus documental permeado de inúmeras dimensões,
consolidando-se como testemunho de métodos e concepções pedagógicas de um determinado
período histórico e dos sujeitos que a produz. Para Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002,
p. 72), a imprensa ligada à educação pode ser fruto:
da própria ideologia moral, política e social, possibilitando aos historiadores
da educação análises mais ricas a respeito dos discursos educacionais,
revelando-nos ainda, em que medida eles eram recebidos e debatidos na esfera
pública, ou seja, qual era a sua ressonância no contexto social.
Segundo Amorim (1965, p. 27), o primeiro órgão de incentivo às artes e à literatura a
funcionar no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foi a Associação Literária Palmério
Filho, que organizava o jornal O Alfabeto. Esse periódico tinha publicação mensal e foram
lançados apenas dez números pelo custo de 1$000, por trimestre. O primeiro saiu no dia 19 de
novembro de 1917 e o último no dia 21 de abril de 1919. O jornal contava com a colaboração
das alunas Maria Antônia de Morais, Cecília Cândida da Silva, Maria Augusta de Sá Leitão,
América de Queiroz e Maria Deborah da Fonseca.
As atividades culturais e literárias comuns no universo da Atenas Norte-rio-grandense
encontraram um campo fértil de germinação na atuação dos alunos do Curso Complementar.
Esses, fundaram no dia 8 de fevereiro de 1925 o Grêmio Complementarista, órgão escolar com
importante participação na vida cultural assuense apresentando dramatizações e realizando
atividades no campo do jornalismo, visando um maior envolvimento cultural por parte dos
próprios alunos do Grupo Escolar.
A posse da diretoria da agremiação ocorreu em 24 de fevereiro de 1925. Foi formada
por Clara de Amorim e Silva, presidente; Dalila Fagundes Caldas, vice-presidente; Rosália
Fonseca, secretária geral; Ofélia Wanderley, substituta da secretária; Marta Wanderley,
oradora; Lívia Cysneiro, substituta da Oradora e Demóstenes Amorim, tesoureiro. (AMORIM,
1965).
144
Para difundir ainda mais as atividades desenvolvidas pela agremiação, os alunos
resolveram produzir um jornal de circulação local e organizaram algumas ações no sentido de
angariar recursos para levar adiante esse objetivo:
Em benefício de um órgão de publicidade que viesse a servir de
aprendizagem aos seus associados, o que aliás se concretizou com a publicação
do “O Paládio”, a 7 de setembro de 1925, o Grêmio levou a efeito no teatro
“Alhambra” mais um festival lítero-dramático na noite de 12 de abril de 1925,
dividido em quatro partes: A primeira foi “Paládio por Dentro” – Jornal falado
assim distribuído: O nosso Destino – Editorial do Professor Alfredo Simonetti,
Sursum Corda – Redação – Dalila Fagundes, o Luar do Sertão – Fantasia –
Rosália Fonseca, Saudade – Fantasia – Marta Wanderley, Palmério Filho –
redação – Ezequias Fonseca, O Grupo Escolar – Clara de Amorim e Silva,
Crônica Social – Redação – Deborah Fonseca. A segunda constou da
representação do entreato “Ave Maria” produção do apreciado intelectual
norte-riograndense, já desaparecido, Jorge Fernandes, tomando parte nele
Clara de Amorim e Silva, Marta Wanderley e Maria Eufrosina. A terceira parte
do programa que pelo seu bem acabado desempenho despertou vibrantes
aplausos, constou dos seguintes números: “Velas” barcarola por Clara de
Amorim e Silva, Marta Wanderley e Maria Iná.
Com a encenação da comédia “O Progresso Feminino”, da autoria da
inteligente escritora brasileira D. Maria Amélia Rodrigues, a quarta parte do
programa, terminou o festival. Na sua representação que alcançou rasgados
elogios da seleta assistência, pela absoluta correição dos papéis exercidos,
figuraram as complementaristas, Rosália Fonseca, Maria Lima, Maria
Eufrosina, Clara de Amorim e Silva, Ezequias Fonseca e Deborah Fonseca.
(AMORIM, 1972, p. 21, grifos do autor).
O primeiro número do Jornal O Paládio, órgão oficial de publicidade das atividades do
Grêmio Complementarista do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, circulou na cidade
do Assú no dia 07 de setembro de 1925. O periódico de circulação mensal era dedicado ao
ensino, literário, “veiculava as notícias da época, [...] oferecia artigos de conhecimentos gerais,
lições de geografia, contos e etc.”. (SIMONETTI, 1995, p. 38).
Em seu artigo de apresentação dizia ter nascido fadado para um futuro promissor e belo
e trazia o retrato do emérito assuense Dr. Nestor dos Santos Lima. Era impresso no Atelier
Otavio, em Mossoró, quase sempre em tinta de cor e media 35x25. Em 16 de março de 1927 o
periódico entrou em sua segunda fase, com o mesmo tamanho e o mesmo preço das assinaturas
e permaneceu com a circulação mensal. Mas na nova fase a impressão era feita nas oficinas do
jornal A Cidade, em Assú, e quase sempre em tinta azul. As principais dirigentes do Jornal O
Paládio foram Maria Maristela Amorim Souto, Marta Wanderley e Maria Deborah da Fonseca.
(AMORIM, 1965, p. 31).
As descrições de Américo Simonetti e Francisco Amorim expressam as principais
informações que o periódico procurava destacar, como a relação direta com o ensino, o universo
literário, propagando notícias que circulavam na época, oferecendo para seus leitores artigos de
conhecimentos gerais, além de concentrar lições educacionais como geografia e versos. Essas
145
informações fornecem um panorama do corpo do jornal, mas podemos supor que existia uma
preocupação em ampliar conhecimentos e conteúdos fazendo do próprio periódico um veículo
pedagógico. Outro ponto significativo é a preocupação na circulação das notícias da época e
conhecimentos gerais, demonstrando uma sintonia com os fatos e a realidade contemporânea.
O desejo das responsáveis do jornal em fazê-lo continuar circulando é digno de nota,
pois, numa cidade como o Assú onde existia uma grande quantidade de periódicos mesmo
circulando de forma efêmera, não deveria ser fácil para um grêmio estudantil consolidar esse
projeto por tanto tempo. E chama a atenção a homenagem feita pelos alunos ao Dr. Nestor dos
Santos Lima, Diretor Geral do Departamento de Educação à época de circulação do jornal,
deixando entrever o orgulho do povo assuense por ter um filho da terra ocupando um cargo tão
importante num órgão da administração do estado.
Dessa forma, entendemos que a produção desse tipo de jornal permite compreender a
forma de circulação de ideias sobre os conteúdos transmitidos e ensinados na escola e, ao
mesmo tempo, evidenciam as concepções educativas que permeavam a proposta de formação
dos estudantes. Segundo Passos e Pavan (2012, p. 238), esses impressos podem ser vistos como
documentos preciosos e “fontes indicadoras do projeto de formação social desencadeado pela
escola, ainda mais ao mostrarem que os conhecimentos escolares não eram socialmente neutros.
Tinham uma função social e política e contribuíam para manter as hierarquias sociais”.
Além de transmitirem os saberes escolares, os impressos escolares como o Jornal O
Paládio, ensinam aos alunos esquemas ligados à organização da própria sociedade. Assim,
concordamos com Faria Filho (2014, p. 87, grifos do autor), quando o autor salienta que “apesar
do ‘domínio’ ser o escolar, este já não pode se auto-organizar ou definir suas próprias regras e
formalidades: é preciso o concurso de outros conhecimentos e tecnologias de ‘tratamento’ do
humano”.
Nesse sentido, percebemos que o jornalismo, associado ao campo da história da
educação, transforma-se em objeto de referência para apreendermos e assimilarmos o processo
histórico-educacional. Essa interação faz emergir novas interpretações edificando outras
concepções de educação e possibilitam-nos visualizar horizontes diversificados e múltiplas
aproximações envolvendo questões relacionadas ao campo educacional. Maria Helena Câmara
Bastos e Denice Bárbara Catani, citadas por Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 74),
assinalam que:
A imprensa pedagógica – instrumento privilegiado para construção do
conhecimento, constitui-se em um guia prático do cotidiano educacional
escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um
determinado setor ou grupo social, a partir da análise do discurso veiculado e
146
a ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar.
Prescrevendo determinadas práticas, valores e normas de conduta, construindo
e elaborando representação do social, a imprensa pedagógica afigura-se como
fonte por professores para professores, feita para alunos por seus pares ou
professores, feita pelo Estado ou outra instituição como sindicatos, partido,
Associação e igrejas. Sua análise possibilita avaliar a política das organizações,
as preocupações sociais, os antagonismos e as filiações ideológicas, as práticas
educativas e escolares.
Como vimos anteriormente, o professor Alfredo Simonetti foi o principal incentivador
da criação do Grêmio Complementarista no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e
atuava com os alunos no jornal da agremiação. De forma elogiosa e simpática, os alunos sempre
expressavam muito carinho e respeito pelo professor, inclusive com publicações no próprio
jornal O Paládio. Em nota de 1925 afirmavam ser o professor Alfredo Simonetti um:
espírito esclarecido pelo fanal da inteligência burilado no cadinho da instrução
haurida na Escola Normal de Natal, caráter de rija têmpera, paladino
intemerato pela causa do bem nos campos da instrução, o professor Simonetti
não se tem poupado a nenhum esforço na incessante faina de instruir e educar.
(SIMONETTI, 1995, p. 30).
O Grêmio Complementarista tornou-se um órgão de reconhecida utilidade pública e
prestou relevantes serviços aos estudantes e a sociedade assuense. A agremiação fundou
gratuitamente, para crianças e adultos de ambos os sexos, uma aula noturna no Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia regida pelos próprios alunos do Curso Complementarista. Alguns
anos depois, essa aula foi oficializada pelo Departamento de Educação passando a ser
ministrada por professores diplomados. (SIMONETTI, 1995, p. 38).
Antes da inauguração do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, ocorrida no dia 09
de março de 1927, diversos setores da sociedade assuense mobilizaram campanhas para a
arrecadação de recursos e empreender a construção do prédio que abrigaria as Filhas do Amor
Divino e as futuras alunas da instituição. No dia 24 de junho de 1925, o Grêmio
Complementarista do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia realizou um festival infantil
no Teatro Alhambra em benefício das obras para a construção do Educandário. De acordo com
Amorim (1972, p. 22), o festival contou com comédias e variedades e teve “a melhor acolhida
pelo crescido número de famílias que ao festival compareceu”.
Por iniciativa do então diretor do Grupo Escolar, professor Alfredo Simonetti, o Grêmio
Complementarista novamente promoveu, na noite de 13 de maio de 1926, “um festival,
encenando, entre outras representações, as cenas dramáticas ‘As Sete Notas’ e a brilhante
opereta ‘Tereza ou Judith’, de Rodrigo Otávio. O festival rendeu pouco mais de 300$000”.
(AMORIM, 1977, p. 12-13, grifos do autor).
147
Um fator importante desses eventos organizados pelo Grêmio Complementarista é que
além de se mostrarem beneficentes, tornam-se opções de lazer e “o elemento cultural de uma
sociedade, pois essa se agrega, se socializa e interage por meio dessas manifestações”. (GATTI;
GATTI JÚNIOR; INÁCIO FILHO, p, 219). A atuação do grêmio também evidencia uma ampla
possibilidade de ações no contexto do Assú e uma participação ativa da população escolar no
desenvolvimento cultural da cidade.
Ainda que atuações como as do Grêmio Complementarista tenham ocorrido de forma
localizada, concordamos com Gonçalves Neto (2002, p. 222) quando o autor afirma que esse
tipo de iniciativa “significava a tentativa de incorporação de valores cultivados nos distantes
grandes centros, que serviam de espelho para os emergentes do interior”.
Como vimos anteriormente, a introdução e a apropriação de novas atividades nos
programas escolares, como o canto, a dança, o teatro e a difusão da literatura envolvendo a
poesia e jornalismo, temas explorados nesse capítulo, visaram ao aperfeiçoamento dos sentidos,
mas, atentavam para a formação do sujeito autônomo. Para Veiga (2003, p. 419), as gerações
formadas nas vivencias dessas práticas, recitando poesias, apresentando peças teatrais, cantando
o hino nacional em festas públicas, participando de atividades cívicas, entre outras, “guardaram
na memória o que diziam ser o melhor da escola, as trocas de emoções, as formas de
sociabilidade e a ansiedade que antecedia o início do espetáculo”.
Observamos que a introdução das atividades culturais e literárias no Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia foi significativa inclusive para a inserção das mulheres nesse
universo. Tanto na Associação Literária Palmério Filho como no Grêmio Complementarista,
percebemos uma atuação importante das alunas que estavam sempre à frente assumindo a
direção, a redação ou o secretariado dos jornais publicados pelas associações, O Alfabeto e O
Paládio, respectivamente.
Em sua importante pesquisa sobre a história da imprensa na cidade do Assú, Amorim
(1965) faz menção a essas colaboradoras que participaram de forma efetiva e atuante da
imprensa no Grupo Escolar, como Maria Antonia de Morais, Cecília Cândida da Silva, Maria
Augusta de Sá Leitão, América de Queiroz, Marta Wanderley, Maria Deborah da Fonseca e
Maria Maristela Amorim Souto. Até mesmo nas dramatizações e festivais literários organizados
na instituição educativa eram frequentes as participações das alunas encenando ou recitando
poesias e textos51.
51 Infelizmente, não conseguimos encontrar fontes ou informações de possíveis produções poéticas das alunas do
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Aparentemente, ao menos nesse campo o acesso continuava sendo
predominantemente masculino
148
Essa constatação denota um crescimento elevado do número de mulheres recebendo a
escolaridade elementar nas primeiras décadas do governo republicano. Como apontamos no
capítulo 3, existiu uma dificuldade para identificarmos os momentos de funcionamento das
Escolas de Primeiras Letras femininas na cidade do Assú e a quantidade de meninas que
recebiam a Educação Primária na cidade. No Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,
mesmo com salas por diferenciação sexual, constatamos um atendimento igualitário com a
presença de classes para meninos e meninas. Nesse sentido, Souza (1998, p. 114) afirma que a
instituição dos Grupos Escolares “facilitou o acesso da mulher à escola primária”.
Também fica evidente que os hábitos culturais e literários presentes nesse espaço de
escolarização são portadores de práticas simbólicas e significados socioculturais. Expressam
uma cultura que se manifesta no universo escolar e no imaginário sociopolítico, disseminando-
se por toda a sociedade. Apesar de ser um espaço aparentemente encerrado em seus muros,
grades e paredes, e outras fronteiras não materiais, nesse movimento de circulação de ideias e
hábitos o Grupo Escolar abria-se para as manifestações presentes na cidade, na rua, na
sociedade.
É importante retomar até mesmo os projetos nacionais e a ideia de formação da nação
com sua perspectiva civilizada de recriação do povo. Segundo Gonçalves Neto (2002, p. 223),
essa mesma ideia “é gestada nos grandes centros mas alcança o interior, onde os representantes
da intelectualidade ilustrada se encarregam de divulgar para a população letrada os princípios
básicos por que se pugna”.
Frago apresenta uma série de elementos de valorização da alfabetização que mantêm
relação com alguns dos pontos levantados em nosso trabalho, como a poesia, a imprensa e o
teatro, e se aproximam da ideia de educação pedagógica apontada por Veiga (2003). Segundo
ele, os modos de expressão e pensamento da escrita, da leitura e da oralidade devem ser
recuperados culturalmente pois são:
aqueles que, através da voz e do som, incorporam – fundindo utilidade e
estética – o ritmo, a rima, a música, a canção, o canto, a fórmula, a expressão
poética e o corpo – movimento, dança, gestos. Aqueles que implicam, em
uníssono, o corpo e a mente, que frente à perspectiva única e ao ponto de vista
fixo, linear, analítico e distante, recorrem ao ‘olho móvel’, ao empático, à
receptividade envolvente e à confrontação/identificação com ele ou com os
ouvintes. Aqueles, enfim, que privilegiam os valores estéticos, emocionais,
poéticos e imaginativos, a fantasia, o humor e a ironia, o absurdo, os jogos de
palavras, o paradoxo, o contraditório e o ambíguo, a metáfora, o mito e a
retórica como relato ou arte de contar histórias. Não a fragmentação e o
isolamento, mas o global e o comunicativo. Só a partir do desenvolvimento da
oralidade como cultura e da revalorização na escola e em outros contextos
sociais de intercâmbio de informação dos modos de expressão e pensamento
característicos dessa oralidade, é possível assentar o alfabetismo e a
149
‘literalidade’. Não a partir da oposição e do esquecimento, menos ainda a partir
do quixotiano desprezo, mas a partir do pleno desenvolvimento de ambos os
âmbitos – o da oralidade e o da escrita; ou seja, a partir daquela interação que
corresponde a uma cultura não já apenas oral, mas tampouco apenas escrita,
mas mista. Nada ilustra melhor esta necessidade que a análise das mudanças
ocorridas nos usos e práticas da leitura e da escrita. (FRAGO, 1993, p. 87-88,
grifos do autor).
As atividades culturais e literárias vigentes no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia colocavam em circulação a produção desenvolvida na cidade. Fruto da atuação dos
antepassados de seus alunos, encontraram seu primeiro ponto de convergência nas Escolas de
Primeiras Letras do período imperial, ao mesmo tempo que colaboravam com o processo de
Educação Primária.
Para Faria Filho (2014, p. 75-76, grifo do autor):
a relação entre escola e cidade não é tipo ‘criador e criatura’, mas que
observamos muito mais um processo de produção mútua, onde o lugar da
escola é definido no espaço da cidade – enquanto prática de apropriação
específica do/no urbano e, em contrapartida, a cidade vai definindo seu lugar
específico no espaço da escola – no sentido que vai impondo à escola uma
maneira específica de conceber e ordenar as relações sociais.
Atentando às relações interacionais entre a escola e a comunidade envolvente,
Magalhães (2004, p. 163) destaca:
Privilegiar a relação entre a instituição educativa e o espaço
geográfico e sociocultural envolvente é tomar como pressuposto que toda a
instituição, na sua dinâmica histórica, erige um espaço de envolvimento e de
influência – o território educativo. Esse território, sociocultural e geográfico,
pode ser descontíguo à instituição, como pode, de igual modo, sofrer alterações
de localização e de configuração ao longo do tempo.
5.4 O GRUPO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL
Apesar de ter se tornado um importante espaço de convergência e circulação de hábitos
e atividades culturais e literárias no Assú, a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia não anulou a presença de outros modelos de instrução primária na cidade. O
Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910 orienta em seu artigo 2° que “o ensino primário
será dado nos grupos escolares, cadeiras isoladas e escolas nocturnas estabelecidas em cada
município”.
Em seu artigo 5°, a Lei n. 405 de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO NORTE,
p. 9) registra que as escolas isoladas eram estabelecimentos de “ensino primário creado pelo
governo do Estado, da mesma forma que os grupos escolares, porém sem dependência de outras
150
escolas”, podendo “ser mixtas, masculinas e femininas, diurnas e nocturnas” e ministrando “o
ensino por meio de cursos graduados, infantil e elementar, com o mesmo material escolar e
pedagógico que os grupos escolares”.
Além do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, que por volta de 1929 contava
com uma matrícula de 161 alunos52, existiam mais três escolas subvencionadas pelo governo
estadual ou municipal funcionando no centro do Assú: a Escola Santa Ignes, mista, dirigida
pela professora particular Maria Eufrosina Fernandes com a matrícula de 116 alunos; a Escola
Santa Therezinha, mista, dirigida pela professora particular Josefa Soares de Macedo com 24
alunos, e o Colégio Nossa Senhora das Vitórias, da Congregação das Filhas do Amor Divino,
com uma matrícula de 78 alunas. (PINHEIRO, 1997). O Colégio Nossa Senhora das Vitórias
funcionava em um prédio próprio e atendia prioritariamente meninas de elite, inclusive de
outras cidades da região, que ficavam na escola em regime de externato, semi-internato ou
internato.
Outras escolas funcionavam nesse mesmo período na zona rural da cidade: Escola
Rudimentar53 do Piató de Baixo, mista, dirigida pela professora Luiza de França Siqueira de
Faria, com a matrícula de 57 alunos; Escola Rudimentar de Comboeiro, mista, dirigida pelo
professor João Ignácio Pereira Netto, com uma matrícula de 40 alunos; Escola Rudimentar de
Rosário, mista, dirigida pelo professor José de Calazans de Oliveira, com uma matrícula de 30
alunos e a Escola Rudimentar de Canto do Mangue, mista, dirigida pelo professor Virgílio
Bráulio dos Santos, com uma matrícula de 37 alunos. Os professores dessas escolas
rudimentares eram particulares, contratados pelo Departamento de Educação do Estado. O
munícipio dava a casa, o mobiliário e o expediente. (AMORIM, 2008).
Observamos nos dados apresentados que existiam 379 alunos matriculados no centro da
cidade e 164 na zona rural, contabilizando um total de 543 alunos matriculados no município
em 1929.
Pinheiro (1997, p. 147) apresenta alguns dados referentes ao ano de 1920:
Tanto as escolas particulares subvencionadas quanto a pública atendiam a um
número reduzido da população, pois segundo a estatística registrada no
recenseamento de 1920, o município do Assú contava com 24.779 habitantes,
dos quais 11.992 pertenciam ao sexo feminino e 12.787 ao sexo masculino,
52 Percebemos que o atendimento no Grupo Escolar aumentou consideravelmente nesse ano em relação a matrícula
no ano de inauguração, 1911, que era de 90 alunos. A implantação do Curso Complementar misto pode ter
favorecido esse aumento. 53 As escolas isoladas e rudimentares contavam com um sistema misto e eram “disseminadas por vilas, povoações
ou fazendas, atendendo a uma clientela infantil, adolescente ou adulta, formada, em sua maioria, por pessoas
pobres ou que, mesmo abastadas, encontravam-se distanciadas dos centros mais evoluídos”. (ARAÚJO, 1979, p.
128).
151
sendo 13.124 adultos e 11.655 crianças. Das crianças, 4.870 encontravam-se
com idade igual ou maior que oito anos, portanto em idade escolar, e 6.785
menores de oito anos. Quanto aos adultos, 3.383 sabiam ler e escrever,
enquanto que 9.741 eram analfabetos.
O Colégio Nossa Senhora das Vitórias ainda não havia sido construído em 1920 e não
encontramos informações sobre outras escolas funcionando na cidade do Assú nesse ano além
do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
No ano de 1929, quando existem registros de outras escolas em todo o município como
mostramos anteriormente, o número total de alunos matriculados era de 543. Por volta dessa
época, a estimativa populacional era de 28000 habitantes. Concluímos que as escolas presentes
no município atendiam um percentual de aproximadamente 2% da população. Esses dados
evidenciam que a educação escolar precisava ser bastante difundida para que o índice de
analfabetismo diminuísse de forma mais consolidada no município.
Em relatório de 1928, Amorim (2008, p. 16) afirmava à época que “o município de Assú
é um dos que mais se preocupa com a instrução pública. Não obstante a média de frequência
escolar é muito baixa em relação à sua população infantil”, explicando-se a dificuldade de
combate ao analfabetismo na cidade “pela grande disseminação das habitações e falta de meios
fáceis de comunicação”. De acordo com Pinheiro (1997, p. 147), considerando a quantidade de
pessoas em idade escolar na cidade, o grande número de analfabetos decorria “da reduzida
oferta de escolas, uma vez que as escolas subvencionadas particulares atendiam [...]
praticamente aos filhos de proprietários rurais, comerciantes e alguns filhos de moradores das
fazendas”.
Agregue-se a isso o fato de os prédios construídos para o funcionamento de um Grupo
Escolar não possuírem “um número grande de salas de aula, e que cada municipalidade
construía apenas um edifício para o funcionamento de um grupo escolar”. (AZEVEDO;
STAMATTO, 2012, p. 119).
As escolas mais importantes que funcionavam no centro do Assú em 1929 eram o
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e o Colégio Nossa Senhora das Vitórias. Por
contarem com um espaço arquitetônico próprio, mais estruturado para a aplicação das aulas,
uma organização bem elaborada em termos de hierarquia e métodos didáticos e pedagógicos,
poderiam ser os espaços preferidos para o atendimento dos filhos da elite local. Dessa forma,
apesar de parecer colaborar com a diminuição do analfabetismo, dado que concentrava a maior
quantidade de alunos, o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia não favorecia o acesso à
maioria da população. De acordo com Pinheiro (1997, p. 148), o perfil excludente era notado
em elementos simples:
152
A seletividade e excludência estavam presentes em decisões de aparente
irrelevância, como por exemplo, o fardamento escolar. A primeira farda
(1911), segundo se observa em fotografias e descrições feitas através de
depoimentos orais, expressam um tipo de indumentária própria a uma camada
social mais favorecida. O referido fardamento é assim apresentado: para as
meninas, vestido branco, com faixa na cintura de cor azul natiê, saia com
pregas, blusa com gola e punhos contornados com bico; para os meninos, calça
curta e camisa de cor branca. Todas as crianças usavam chapéu da mesma cor
e tecido da farda, sapato e meia.
Segundo Saviani (2013, p. 175), durante a Primeira República os Grupos Escolares
funcionavam como “uma escola mais eficiente para o objetivo de seleção e formação das elites.
A questão da educação de massas populares ainda não se colocava”. Apesar de ter se mostrado
um modelo escolar desenvolvido e organizado em relação as antigas Escolas de Primeiras
Letras do período imperial e ofertarem uma educação de qualidade, os Grupos Escolares se
tornaram uma instituição educativa que não atingia a grande parcela da população.
Como citado anteriormente, as escolas existentes em Assú atendiam principalmente os
filhos da elite local formada em geral por proprietários rurais, comerciantes e fazendeiros. Essas
famílias poderiam estar preocupadas com um projeto social mais amplo voltado à formação
escolar de seus filhos para o atendimento dos serviços públicos e privados da cidade. Dessa
forma, as novas gerações continuariam exercendo os melhores serviços e direcionando para as
classes mais pobres e, talvez, mais desinformadas, os serviços braçais. É importante lembrar
que para Frago (1993, p. 41), o processo de alfabetização escolar historicamente mantém uma
correspondência direta com a estrutura sócio-ocupacional e:
mostra sua distribuição desigual entre os diferentes estamentos, classes,
categorias ou grupos sociais. O modelo ou processo de alfabetização seguido
pode modificar essa distribuição, atenuar ou acentuar diferenças, afetar ou não
determinados grupos, mas, em qualquer tempo e lugar, não se pode fazer sua
história sem fazer, ao mesmo tempo, a história da sua distribuição social
desigual. Sua evolução não é, em todo caso, linear. Uns grupos avançam e
outros estancam ou retrocedem comparativamente, mas a generalização do
processo sempre ocorre, em suas linhas gerais, das camadas sociais superiores
para as inferiores.
O paradigma excludente dos Grupos Escolares em suas primeiras décadas de
funcionamento é identificado em diversos lugares do Brasil. Na Paraíba, Pinheiro (2002, p. 125)
observa que a “implantação e expansão desse novo tipo de instituição escolar ocorreu de forma
desigual e atendeu necessidades sociais e culturais condicionadas a particularidades políticas e
econômicas e no nível de organização escolar existente em cada estado”. Em São Paulo, Souza
(1998, p. 113) aponta que em suas primeiras décadas de funcionamento os Grupos Escolares
apresentavam um perfil seletivo “voltado para alguns setores, isto é, aqueles mais bem
153
integrados na sociedade urbana e mantendo excluídos os trabalhadores subalternos, os negros,
os pobres, os miseráveis”.
Nesse sentido, percebemos que em seus primeiros anos de funcionamento os Grupos
Escolares mantém uma relação intrínseca com interesses particulares associando a imagem
dessas instituições a espaços que reforçam hábitos excludentes, fazendo desse perfil uma
identidade inerente à essas instituições educativas. De acordo com Magalhães (2004, p. 69):
na sua ação concreta e do quotidiano, como na dimensão temporal, as
instituições educativas, sendo instâncias complexas e multifacetadas,
engendram e desenvolvem culturas, representações, formas de organização,
relacionamento e ação que se constituem em fatores de diferenciação e de
identidade. Inseridas em contextos geográficos e em tempos históricos
marcados por fatores de natureza sociocultural, conjunturas e circunstâncias
históricas específicas, estas instituições, se bem que estruturadas por uma
matriz de base e perseguindo objetivos comuns, existem de forma própria e
este quadro existencial fomenta representações e apropriações, elas mesmas,
diferenciadas.
Como observamos nos capítulos anteriores, a cidade do Assú no final do século XIX e
primeiras décadas do século XX, era marcada por diversos elementos excludentes. Até mesmo
a expansão cultural e literária desenvolvida de forma tão importante na cidade apresentava
marcas da contribuição e participação ativa prioritariamente da elite local. Assim, acreditamos
que ao menos em suas primeiras décadas de funcionamento o Grupo Escolar Tenente Correia
José Correia, e, consequentemente, as atividades culturais e literárias presentes na instituição
educativa, continuaram reproduzindo o mesmo perfil excludente identificado nas Escolas de
Primeiras Letras do Império, perpetuando essa realidade tão enraizada na cidade.
154
CONCLUSÃO
Por meio deste trabalho tentamos reconstruir a história da Educação Primária na cidade
do Assú em dois períodos importantes da formação de nosso país: Império e Primeira
República.
O objetivo geral que estipulamos tinha como meta uma análise da importância da
Educação Primária para a construção da identidade dessa pequena cidade do interior do Rio
Grande do Norte, conhecida como Atenas Norte-rio-grandense, considerando as influências e
contribuições que se estabeleceram entre as atividades culturais e literárias desenvolvidas na
cidade e o processo de escolarização nos períodos estudados.
A cidade recebeu essa cognominação exatamente em função da expansão cultural e
literária com destaque para o jornalismo, o teatro e a produção poética. E os espaços de
escolarização aos quais nos referimos são as Escolas de Primeiras Letras, implantadas na
cidade em 1829, e o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado em 1911,
modelos de escolarização de instrução primária, remetendo exatamente ao nosso objeto de
estudo.
Observamos que a Educação Primária ofertada nas Escolas de Primeiras Letras foi
importante no processo de interação com a cultura local, por se tratar de espaços de
alfabetização, com práticas de leitura e escrita, atividades essenciais para o desenvolvimento
cognitivo e formativo dos educandos e necessárias para a inserção em um mundo letrado.
Entretanto, a participação de professores e alunos das Escolas de Primeiras Letras no universo
cultural e literário da cidade do Assú ocorria de forma isolada, não estabelecendo uma relação
mais próxima do espaço escolar.
Por parte dos professores, identificamos a participação de Elias Souto, jornalista,
orador e escritor, e do professor Olegário Oliveira, que desenvolveu atividades no campo da
poesia. Em relação aos alunos de Escolas de Primeiras Letras no Assú, destacamos a atuação
de Luiz Carlos Wanderley, jornalista, teatrólogo e poeta e membro de uma das famílias que
mais contribuiu com o movimento cultural e literário na cidade. Podemos citar os nomes dos
irmãos Francisco Amorim, Palmério Filho e Teógenes Amorim, que colaboraram
significativamente com o desenvolvimento das letras na cidade, atuando no jornalismo, na
produção poética e textos diversos. E identificamos ainda os nomes do jornalista Afonso de
Ligori Soares de Macêdo e dos poetas Mariano Coelho e Antônio Soares de Araújo. Todos
receberam as primeiras letras na cidade do Assú e faziam parte da elite local.
155
Com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, em 1911, a
interação entre o processo de escolarização e as atividades culturais e literárias da cidade
ficaram mais evidentes. Além de ofertar a leitura, a escrita e diversas outras disciplinas
voltadas para uma formação mais integral dos alunos, a presença da instituição educativa na
cidade favorecia a circulação e a convergência de um conjunto de práticas do universo urbano
nesse espaço de instrução primária.
Dois fatores foram essenciais para a circulação das atividades que faziam do Grupo
Escolar um espaço de intercâmbio sociocultural: a primeira era a orientação presente nos
documentos que regulamentavam o funcionamento dos Grupos Escolares para a aplicação do
uso de poesias durante as aulas e o teatro nas festividades ocorridas na instituição, e a segunda
era a atuação de alguns professores no universo cultural e literário da cidade do Assú.
Esse segundo ponto ficou evidente nas figuras da professora Sinhazinha Wanderley e
do diretor e professor Alfredo Simonetti. A professora participava do universo cultural e
literário da cidade do Assú escrevendo textos para jornais, poesias e compondo músicas. No
Grupo Escolar da cidade, ela preparava versos e poesias para seus alunos declamarem
despertando neles o interesse por essa produção literária. Entre os alunos que se tornaram
poetas e escritores por influência da professora podemos citar Rômulo Chaves Wanderley e
João de Oliveira Fonseca. O professor Alfredo Simonetti atuou junto à imprensa assuense
colaborando com jornais locais e escreveu poesias e versos. Recebendo apoio incondicional
do professor, alguns de seus alunos criaram um jornal de circulação local, O Paládio, e
organizaram no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia o Grêmio Complementarista
com o objetivo de desenvolver atividades culturais e literárias na cidade.
Essas constatações reforçam a hipótese levantada em nosso trabalho de que existia um
movimento de interação entre as instituições de Educação Primária e as atividades culturais e
literárias desenvolvidas na cidade do Assú. Mesmo que essa percepção tenha ficado mais
evidente no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a instrução primária contribuiu
significativamente para a construção da identidade da cidade como Atenas Norte-rio-grandense
na medida em que a alfabetização mostra-se como um processo cognitivo importante e
necessário para o registro de atividades culturais e literárias e, ao mesmo tempo, esses modelos
educacionais apresentam influências dessas atividades por meio da produção de jornais, poesias
e apresentações teatrais.
para alcançarmos esse objetivo foi essencial a análise do objeto de estudo a partir das
reflexões de Frago (1993), sobre a história da alfabetização e de Magalhães (2004), sobre os
conceitos de comunidade envolvente e agentes e sujeitos.
156
No processo de alfabetização, atentamos para a forma como essa atividade contribui
com o próprio desenvolvimento cultural do ser humano e a inserção do alfabetizado no mundo
da escrita, da leitura e da imaginação, ações totalmente relacionadas com o universo cultural e
literário que se expandiu na cidade do Assú dentro do recorte temporal investigado.
O conceito de comunidade envolvente (MAGALHÃES, 2004) se refere as relações
estabelecidas entre a instituição educativa e o contexto sociocultural e geográfico em que está
inserida. Dessa forma, esse conceito contribuiu com a análise das interações efetivadas entre os
espaços de instrução primária e o contexto sociocultural da cidade do Assú, considerando as
contribuições e influências que se manifestam entre instituição educativa e sociedade.
E a noção de agentes e sujeitos mantem uma relação com a participação dos envolvidos
no processo educacional para alcançar os intentos e as metas estipuladas para as instituições.
Percebemos essa relação na atuação de alguns professores de Escolas de Primeiras Letras, mas,
ela ficou mais evidente na atuação do corpo docente e discente do Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia.
Atingir o objetivo geral proposto possibilitou o levantamento de outras observações
relacionadas aos objetivos específicos de nosso trabalho.
O primeiro refere-se as transformações no território original da cidade do Assú. Este,
passou por modificações importantes a partir do século XVII com a colonização portuguesa.
Apesar do conflito conhecido como Guerra dos Bárbaros, as mudanças ocorridas na região
favoreceram o desenvolvimento econômico da cidade com as charqueadas, o algodão e a
carnaúba e beneficiaram melhoramentos no espaço urbano e social, além de influenciar o
movimento literário e cultural da cidade. Todavia, ficou evidente que o processo de expansão
econômica e cultural apresentou hábitos excludentes, favorecendo principalmente a elite e
deixando as pessoas de outras classes mais simples à margem dos progressos iniciados pela
colonização.
O segundo objetivo específico diz respeito a implantação da Educação Primária na
cidade do Assú por meio das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia.
As Escolas de Primeiras Letras foram criadas na cidade em 1829 e os primeiros a
exercerem o magistério foram o senhor José Félix do Espírito Santo, numa cadeira masculina
ainda em 1829, e a senhora Maria Joaquina Ezequiel da Trindade assumindo a cadeira feminina
em 1834. Depois desses professores pioneiros, diversos outros letrados exerceram o magistério
no Assú. Porém, observamos que a cadeira feminina passava por um fenômeno de supressão
em diversos momentos e dificultava o atendimento escolar para esse público.
157
Sobre os métodos pedagógicos nas Escolas de Primeiras Letras, estes seguiam padrões
pautados na figura do professor, que lecionava geralmente em sua própria residência e poderia
exercer sua autoridade aplicando castigos físicos. E as disciplinas abarcavam um número
restrito de temas, mais voltados para a inserção dos alunos no mundo letrado com a escrita, a
leitura e os cálculos.
O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foi implantado na cidade em 1911 e
apresentava uma série de inovações em relação as Escolas de Primeiras Letras, com um sentido
totalmente diferente no processo de escolarização. Esse novo modelo institucional contava com
um prédio próprio para o funcionamento das aulas, exigia profissionais mais preparados para o
exercício do magistério, estava pautado no método intuitivo, colocando o aluno no centro da
experiência pedagógica e despertando suas habilidades por meio dos sentidos e da observação.
A instituição educativa contava também com uma quantidade maior de disciplinas voltadas para
uma formação mais integral e universal.
Outro fator destacado nos Grupos Escolares é que esses espaços visavam despertar
relações entre as finalidades patrióticas e cívicas propostas no ideário republicano, fazendo
desse modelo muito mais que uma escola de ensinar a ler, escrever e contar. Existia uma
emergência iminente de moldar, disciplinar e controlar professores e alunos, formando cidadãos
preocupados com hábitos de higiene, civilidade e urbanidade, participando e contribuindo com
os valores de ordem e progresso da nação.
Reforçamos novamente as contribuições de Frago (1993) nesse objetivo, pois, na
passagem dos espaços de Educação Primária, a própria alfabetização ganha conotações
diferentes. A noção de instituição educativa de Magalhães (2004) também se faz presente, dado
que a materialização do espaço educacional ocorre a partir de um conjunto de normas, interesses
políticos, espacialidade e recursos.
Ainda sobre Magalhães, retomamos o conceito de agentes e sujeitos. Nas Escolas de
Primeiras Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia evidenciam-se normas
orientando o comportamento desses agentes e sujeitos e na passagem de um modelo para o
outro são estabelecidas novas propostas para a orientação dos comportamentos. Ainda
utilizamos o conceito de práticas educativas de Magalhães (2004), que mantem uma relação
muito próxima da atuação dos agentes e sujeitos e são orientadas pelas normas e crenças
presentes no espaço escolar.
Essas alterações, ou inovações entre um modelo e outro, apontam para a história das
ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013). Não só a atuação dos agentes e sujeitos e as práticas
educativas, mas todas as inovações aplicadas na passagem dos modelos de Educação Primária
158
apontam para uma transformação nas ideias vigentes no espaço escolar, relacionadas com o fato
concreto e real da educação. Essas transformações, influenciadas pelo momento político e o
contexto sociocultural, apresentam reflexos no cotidiano escolar, na arquitetura, nos métodos
pedagógicos, nos recursos didáticos e na própria relação dos agentes e sujeitos do processo
escolar.
O último objetivo específico proposto neste trabalho visava identificar o público alvo
atendido pelo processo de escolarização da Educação Primária na cidade do Assú. Para
alcançarmos esse objetivo, voltamo-nos para uma constatação apresentada no primeiro objetivo
específico: o progresso socioeconômico e a expansão cultural da cidade do Assú manifestaram-
se a partir de práticas excludentes. Essa realidade esteve presente nas Escolas de Primeiras
Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. O processo de escolarização da
instrução primária na cidade, dentro do recorte temporal estudado, reforçou um perfil
excludente à época, favorecendo os membros da elite local e apresentou-se como um elemento
de manutenção das famílias da elite nos melhores postos da sociedade.
Nesse último objetivo, recorremos principalmente as reflexões de Frago (1993). O
teórico destaca que o processo de alfabetização por muito tempo foi caracterizado exatamente
pela manutenção das elites no poder e estava voltado principalmente para uma finalidade sócio-
ocupacional, direcionando para essa mesma elite os melhores postos na sociedade.
Para alcançarmos esses objetivos, além de nos apropriarmos das reflexões dos teóricos
citados que colaboraram com a forma como lemos nossas fontes, foi essencial o acesso às
referências bibliográficas sobre o contexto da cidade do Assú e referências relacionadas com a
Educação Primária em outros pontos do país. Relacionar as fontes sobre o nosso objeto de
estudo com a bibliografia levantada colaborou no sentido de entendermos o contexto no qual
as Escolas de Primeiras Letras e os Grupos Escolares inseriam-se e como ocorreu a implantação
desses espaços de instrução primária em outros lugares, identificando similitudes e diferenças.
No início deste trabalho apresentamos como justificava a necessidade da ampliação de
pesquisas voltadas para o campo da história da educação na cidade do Assú/RN. E a medida
que liamos os textos referentes ao contexto da cidade ficava evidente a emergência dos
pesquisadores locais se debruçarem sobre esse locus de pesquisa, pois foram se apresentando
alguns possíveis objetos de estudo, elencados a seguir.
Durante as leituras sobre o Império, identificamos a presença da Casa de Caridade,
fundada na cidade em 1862 pelo Padre Antônio de Maria Ibiapina. Além do Rio Grande do
Norte, esse modelo de instituição foi implantado pelo padre nos estados do Ceará, Paraíba e
Pernambuco. No Rio Grande do Norte, essas instituições funcionaram em Mossoró, Assú e
159
Acari. A Casa de Caridade do Assú foi uma das que funcionou por mais tempo, até o ano de
1948. Esse espaço formativo atendia principalmente meninas pobres e órfãs e tinha a finalidade
de educá-las para adquirirem habilidades voltadas para as atividades domésticas, além de
ensinamentos de primeiras letras, trabalhos manuais e um cotidiano marcado pela religiosidade.
Encontramos alguns trabalhos acadêmicos voltados para as Casas de Caridade construídas nos
outros estados, porém, ainda não foi realizado nenhum trabalho destacando essas instituições
no Rio Grande do Norte.
Nas informações referentes ao Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, chamou-
nos a atenção a figura de Alfredo Simonetti. A forma como o professor dedicou sua vida ao
magistério deixa entrever que para ele essa não era apenas uma função profissional, mas um
verdadeiro exercício vocacional. Além da relação muito próxima com o universo escolar, o
professor atuava no espaço cultural e literário da cidade do Assú estabelecendo relações
amistosas de colaboração e companheirismo com os literatos locais. Mesmo depois de ser
designado para Mossoró, onde deu continuidade ao exercício do magistério, o professor
Simonetti manteve relações amistosas com a sociedade assuense. A própria mudança de
espaços de escolarização podem servir de pontuação para uma pesquisa dessa natureza. No
Assú o professor atuava no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, e em Mossoró,
assumiu cadeiras na Escola Normal.
Ainda sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, nosso recorte temporal foi
estipulado até 1929 e essa instituição escolar ainda existe na cidade do Assú. Nos anos de 1970
passou a ser chamada de escola estadual e ampliou sua oferta de ensino para alunos do ensino
fundamental II. Analisar as mudanças existentes nessa instituição em seus mais de 100 anos de
funcionamento pode possibilitar diversos objetos de estudo.
Conhecemos outras instituições e realidades educativas da cidade do Assú nesse
percurso de leituras, mas não fizemos referencias em nosso trabalho.
A história da educação secundária tem início na cidade com a implantação de uma
Escola Técnica de Comércio nas instalações do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, a
partir de 1940. Apesar de não termos citado essa instituição em nosso trabalho, compreender a
importância de uma escola voltada estritamente para objetivos profissionais na cidade pode ser
um importante objeto de estudo.
A partir de 1949, a Casa de Caridade citada anteriormente transformou-se numa
instituição de atendimento à crianças carentes, meninos e meninas, e passa a se chamar Instituto
Padre Ibiapina numa homenagem ao sacerdote que atentou para as necessidades dos órfãos no
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Nordeste do século XIX. Por volta de 1960, essa instituição passou a ser conveniada com o
estado e mudou alguns dos seus aspectos internos.
Por último, durante todo o ano de 1950 circulou na cidade do Assú um periódico
chamado Atualidades. Essa revista conta com a colaboração de diversos professores escrevendo
artigos, textos e poesias. Além da participação de educadores locais, o periódico apresenta
informações sobre as instituições educacionais presentes na cidade à época e as atividades
dessas instituições no contexto sociocultural assuense.
Enfim, esses são alguns possíveis objetos com os quais os historiadores da educação
podem se debruçar no sentido de evidenciar e trazer à luz outras importantes histórias referentes
à educação na Atenas Norte-Rio-grandense.
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