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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
JULIANE ALVES DE OLIVEIRA COSTA
A LEI 10.639/03 E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA SOB A ÓTICA DAS
CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
CAICÓ
2016
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JULIANE ALVES DE OLIVEIRA COSTA
A LEI 10.639/03 E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA SOB A ÓTICA DAS
CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Artigo, apresentado ao Curso de
Especialização em História e Cultura Africana
e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ensino
Superior do Seridó, Campus de Caicó,
Departamento de História, como requisito
parcial para obtenção do grau de Especialista,
sob orientação da Profª Dra. Maria de Fátima
Garcia.
CAICÓ
2016
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 05
2 APRESENTAÇÃO DA LEI 10639/03 .............................................................................. 06
3 PENSAMENTO DAS CRIANÇAS SOBRE A CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA ...................................................................................................................... 08
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 13
FONTES .............................................................................................................................. 16
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 16
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A LEI 10.639/03 E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA SOB A ÓTICA DAS
CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Maria de Fátima Garcia/UFRN1*
Juliane Alves de Oliveira Costa/UFRN2†
RESUMO
O presente artigo averigua A Lei 10.639/03 e a Cultura Afro-Brasileira sob a ótica das
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tanto, este trabalho parte das
seguintes questões norteadoras: O que as crianças do terceiro e quinto dos anos iniciais
compreendem sobre a Cultura Afro-Brasileira e Africana? Como a Lei 10.639/03 está sendo
aplicada nas escolas sob a ótica das crianças? Por objetivo pretendemos validar se o que
assegura a Lei 10.639/03 sobre a Cultura Afro-Brasileira está em consonância com o
entendimento das crianças sobre o tema. O Referencial Teórico utilizado para balizar a
discussão, perpassa pelo entendimento do conceito de cultura defendido por WILLIAMS
(2011), bem como pela explanação do que HALL (2014) retrata sobre a identidade cultural na
pós-modernidade, externando a ideia de MUNANGA (2004) sobre a questão de se definir
negro no Brasil, por conseguinte dialogamos com MATTOS (2015) sobre a História e Cultura
Afro-Brasileira, também visitamos os autores VISENTINI, RIBEIRO, PEREIRA (2014)
sobre a História da África e dos africanos. A abordagem metodológica é de cunho qualitativo
e como procedimentos metodológicos foram utilizados entrevistas, levantamento do
conhecimento prévio, imagens de revistas, mapa, bonecas, obras da literatura infantil do
acervo da escola. Constata-se que a maioria dos entrevistados demonstra atitudes de respeito
às diferenças, mas ainda associa muito o continente a seus aspectos menos apreciados. Dessa
forma, conclui-se que há um incipiente envolvimento das crianças com questões relacionadas
à diversidade cultural e relações étnicos-raciais, revelando que a Lei 10.639/03 precisa ser
melhor operacionalizada bem como precisa-se aperfeiçoar o conhecimento sobre a História, a
Cultura Africana e Afro-Brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Lei 10.639/03. Cultura Afro-brasileira e Africana. Crianças.
1 Docente da UFRN, Departamento de Educação/CERES, campus de Caicó; Líder do Grupo de Pesquisa e
Laboratório de Educação, Novas tecnologias e Estudos Étnico-Raciais (LENTE). 2 Estudante do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro Brasileira, UFRN/Ceres, campus
de Caicó.
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1 INTRODUÇÃO
Durante séculos, a cultura dos povos que contribuíram para a formação do nosso país,
bem como da humanidade, nos foi transmitida na perspectiva de uma visão eurocêntrica. Os
europeus almejavam expandir suas conquistas territoriais e para tanto não tinham interesse em
difundir a cultura africana positivamente nas terras por ondem passavam, mas sim, seus
aspectos negativos. Essa visão deturpada da história do continente africano perdura em
tempos hodiernos. Em função da militância política do Movimento Negro e de demais
movimentos antirracistas em favor do reconhecimento da sua história, da sua hegemonia de
povo enquanto cidadão dotado de personificação cultural, foi assegurada a Lei 10.639/03 que
tem como foco a implementação da História da Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas
do Brasil.
O presente artigo aborda uma investigação sobre como esta Lei está sendo aplicada em
uma escola da rede municipal sob a ótica das crianças dos anos iniciais do ensino
fundamental.
Sabendo da importância de apresentar para os aprendizes a diversidade cultural que
nos envolve, almeja-se analisar como a Cultura Afro-Brasileira está sendo difundida na sala
de aula. “Será que perante a mesma, o processo de ensino aprendizagem sobre a temática dos
africanos tomou um novo rumo nas escolas?” Nossa pesquisa tem como objetivo investigar se
o que as crianças relatam está em consonância com o que assegura a Lei 10.639/03. Também
iremos observar como as crianças compreendem a questão das diferenças, da discriminação
racial, da escravidão, da corporeidade, relacionar o assegurado na Lei com o efetivado na
prática e como a compreensão desses aspectos influencia na construção da identidade.
Para tanto, parte-se das seguintes questões norteadoras: “O que as crianças do terceiro
e do quinto dos anos iniciais do ensino fundamental compreendem sobre a Cultura Afro-
brasileira e africana?” “Como a Lei 10.639/03 está sendo aplicada na escola sob a ótica das
crianças? Será que tem contribuído para o fortalecimento da identidade negra?”
O estudo tem como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa, pois esta
possibilita a aproximação com os sujeitos em campo, bem como a interpretação dos
fenômenos nos contextos investigados. Os procedimentos metodológicos envolveram
entrevistas abertas, levantamento do conhecimento prévio das crianças em momentos
distintos, inicialmente foi realizada uma interlocução com as crianças do terceiro ano do
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ensino fundamental e a posteriori fizemos o mesmo com as crianças do quinto ano. Foram
utilizados recursos pedagógicos tais como mapa da África, bonecas (branca e preta), livros de
literatura do acervo da escola, imagens de revistas contendo a diversidade, bem como de
pessoas de cor negra em situações inferiorizadas.
O Referencial Teórico utilizado para balizar a discussão, perpassa pelo entendimento
do conceito de cultura defendido por WILLIAMS (2011), bem como pela explanação do que
HALL (2014) retrata sobre a identidade cultural na pós-modernidade; As ideias de
MUNANGA (2004) sobre a questão de se definir negro no Brasil, por conseguinte dialoga-se
com MATTOS (2015) sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e, também, os autores
VISENTINI, RIBEIRO E PEREIRA (2014) sobre a História da África e dos africanos.
A estrutura do trabalho envolve uma introdução, seguida da apresentação da Lei
10.639/03, interligada pelo pensamento das crianças sobre a Cultura Africana e Afro-
Brasileira, sendo finalizado com as considerações finais.
2 APRESENTAÇÃO DA LEI 10.639/03
Com a Lei 10.639/03 torna-se obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana na educação, dessa forma está se reconhecendo a necessidade de mudar
a maneira de se tratar as pessoas negras, fazendo necessário destituir o mito da democracia
racial que considera a não ascensão dos negros por falta de competência e não pelas
desigualdades seculares pré-estabelecidas pela organização social hierárquica que cria
prejuízos para os mesmos.
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e
o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 2013, p.75).
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana nos esclarece que ser negro no Brasil não se limita às características físicas, envolve-
se, também, uma decisão política, sendo assim quem se definir negro o será. A construção da
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identidade negra no Brasil é algo complexo e este processo está imbuído da desvalorização
tanto da cultura africana como das aparências físicas originárias dos descendentes africanos,
efeitos da colonização vivenciada por longos 300 anos.
O antropólogo Munanga considera doloroso a questão da identidade do negro no
Brasil. Segundo ele, “os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico,
político e ideológico, mas não um conteúdo biológico” (MUNANGA, 2004, p.52). Dessa
forma, compreende-se que nos dias atuais as pessoas procuram assumir as mais diversas
identidades, e por vezes, as que forem mais convenientes para a situação vigente,
distanciando-se do conceito de identidade do sujeito do Iluminismo,
Baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado,
unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’
consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com
ele se desenvolvia, ainda que permanecesse o mesmo (HALL, 2014, p.10).
Este conceito de identidade não serve mais para o sujeito pós-moderno, o negro como
todo cidadão, busca a melhor forma de pertencer à sociedade em que atua. Nesta perspectiva
Munanga ressalta que a definição de negro no Brasil perpassa por vários fundamentos, mas
não se leva em consideração a genética. Esse tipo de conduta se enquadra com o que HALL
(2014), descreve sobre a identidade do sujeito Pós-Moderno.
Conceitualizado como não tendo identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade
torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados dos sistemas culturais que nos
rodeiam (HALL, 2014, p.11).
De acordo com as Diretrizes Curriculares, o ensino de História da África deve ser
trabalhada sob uma ótica afirmativa, isto é, não se deve reforçar os aspectos negativos como
a miséria e discriminação que assolam o continente africano, mas deverá envolver os mais
diversos temas, tais como:
Papel dos anciãos e dos griots como guardiães da memória história; à história da
ancestralidade e religiosidade africana; aos núbios e os egípcios, como civilizações que
contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; às civilizações e
organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; ao
tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; ao papel de europeus, de asiáticos
e também de africanos; às ações em prol da união africana, para tanto; às relações entre as
culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; à formação
compulsória da diáspora, vida e existência cultural e história dos africanos e seus
descendentes fora da África; à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa,
Ásia; aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e
outros países da diáspora (BRASIL, 2013, p.95).
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Ainda de acordo com o documento o ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará “o
jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações
como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras” (Idem).
3 PENSAMENTO DAS CRIANÇAS SOBRE A CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA
O conhecimento que as crianças entrevistadas demonstraram ter a respeito da Cultura
Africana e Afro-Brasileira serviu para refletirmos com relação ao andamento do que assegura
a Lei 10.639/03 sobre esta temática. A seguir iremos fazer uma análise sobre as interlocuções
realizadas com as crianças da escola em estudo fazendo alusão à Lei.
Para isso, metodologicamente, trabalhamos com entrevistas abertas, sob a forma de
conversas, de forma que as crianças não se sentissem pressionadas. Mapa foi o recurso
pedagógico para se entender a representação que as crianças têm do continente africano.
Depreendeu-se das entrevistas, que as crianças do 3º Ano têm uma visão cartográfica sobre o
continente africano, haja vista que quando foi apresentado o mapa da África a grande maioria
fez o reconhecimento, todavia isso não aconteceu com as crianças do 5° Ano, a maioria,
diante do mapa do continente africano, fez analogia ao Brasil. E, após realizarem a leitura do
nome África foi que conseguiram identificar, esse fato chamou nossa atenção. Por que os
menores conseguiram e os maiores não? Como isso iria demandar outra pesquisa não tivemos
como validar esta questão. Vejamos:
Figura 1 – Mapa
Figura 1 – Mapa da África
Fonte: BOOKS. Yoyo. Meu primeiro atlas dobra e
desdobra. 1.ed. Bélgica: Yoyo, 2013.
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Quando as crianças foram questionadas sobre o que sabiam a respeito do continente
africano, apresentaram respostas similares, tais como: “Lá tem muitos animais diferentes”,
“muitas árvores”, “muitas doenças”, “muita gente morrendo de fome, sem alimentação
saudável”. Tentando compreender a origem desse pensamento foram feitas algumas
indagações, como por exemplo: Por que vocês acham que o povo africano é muito sofredor?
“Porque eles são pobres e levam muitas chicotadas”. Por que eles levam muitas chicotadas?
“Por causa de Han Messías”. Foi quando descobrimos que eles faziam analogia à novela Os
Dez Mandamentos. Então não temos certeza se estas questões foram abordadas na escola ou
simplesmente foram elencadas pela experiência televisiva, sabemos que as crianças vivenciam
identidade de fronteiras entrelaçadas pela família e os diversos espaços públicos. Mas, a
representação que as crianças evidenciaram denota um processo de construção do racismo de
ordem social e geográfico. Todavia torna-se mais evidente que:
Os laços históricos, o elevado número de descendentes africanos no país e o debate interno
em relação à igualdade racial estão presentes na perspectiva brasileira em relação à
necessidade de um relacionamento mais próximo e cooperativo para com os parceiros
africanos. Entretanto, os pilares estratégicos e econômicos dessa recente aproximação são
mais importantes: ainda que o continente africano apresente níveis alarmantes de pobreza,
não há estagnação na região, fato que propicia um papel importante para a projeção
mundial brasileira (VISENTINI, RIBEIRO, PEREIRA, 2014, p.206).
O fato de este continente ser envolvido por níveis elevados de pobreza, não minimiza
sua importância para a formação brasileira, de acordo Visentini, Ribeiro, Pereira é muito
pertinente a postura dos nossos governantes com relação a parceria existente entre os dois
países.
Com o intuito de observar como está o entendimento das crianças a respeito da cultura
africana e da herança advinda deste lugar, fizemos os seguintes questionamentos: O que vocês
sabem sobre a cultura africana? Nós herdamos algo dos africanos? As crianças responderam:
“Eles comem coisa que a gente teria nojo”, “ herdamos a comida, alguns animais, gente”.
Fazendo uma análise das falas das crianças sobre o que conhecem do continente
africano, fica evidente que ainda prepondera no relato das mesmas um desconhecimento do
que está sendo assegurado no Plano de Diretrizes Curriculares sobre a História dos Africanos
e a Cultura Afro-Brasileira. Muito embora, percebe-se o reconhecimento de algumas heranças
advindas da África.
Os africanos, quando chegaram ao Brasil, passaram a conviver com diversos grupos sociais
– portugueses, crioulos, indígenas e africanos originários de diferentes partes da África.
Nesse caldeirão social tentaram garantir a sobrevivência, estabelecendo relações com seus
companheiros de cor e de origem, construindo espaços para a prática de solidariedade e
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recriando sua cultura e suas visões de mundo. Dessa maneira, integraram as irmandades
católicas, praticaram o islamismo e o candomblé e reuniram-se em batuques e capoeiras.
Com isso, os africanos influenciaram profundamente a sociedade brasileira e deixaram
contribuições importantes para o que chamamos hoje de cultura afro-brasileira (MATTOS,
2015, p.155).
O fato de ainda preponderar somente o pensamento pejorativo sobre a África, sem
levar em consideração o estilo de vida dos negros, bem como dos seus costumes, valores e
histórias, nos faz refletir que a cultura desse povo não está sendo repassada como deveria, não
está em consonância com o entendimento de cultura “como sendo todo um modo de vida,
material, intelectual e espiritual” (WILLIAMS, 2011, p. 18 ).
Isso também foi intensificado à medida em que apresentamos o acervo de literatura da
escola, para ambos os anos, e infelizmente nenhuma criança conseguiu externar o que
continha no mesmo, esse fato também nos inquietou, pois consideramos os livros que contém
as histórias africanas como ferramentas de grande relevância para se trabalhar esta temática
nos anos iniciais, pois estes livros abordam o modo de vida, costumes, crenças dos africanos,
ou seja, se os mesmos estivessem sendo utilizados pelas crianças, de uma forma lúdica, elas
estavam tendo acesso a cultura africana.
A fim de verificarmos como os aprendizes estão sendo trabalhados com relação ao
preconceito racial, a discriminação, a identidade, a corporeidade e a escravidão foram
disponibilizadas bonecas (branca e negra), como também imagens de revistas contendo
diversas situações em que o negro estava inserido.
Figura 2 – Bonecas e imagens envolvendo os negros
Fonte: Retirado de diversos meios impressos; fotografia
tirada pela pesquisadora (*Fonte das imagens da figura 2).
ria
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Quando questionamos sobre o que achavam das bonecas, todas as crianças
demonstraram muita aceitação. Questionadas sobre qual comprariam, as crianças negras
relataram que comprariam a boneca negra, uma justificou: “Pois parece mais com minha cor”.
Ao passo que as crianças brancas optaram por escolher a boneca branca. Diante do exposto,
observamos que houve certo avanço com relação ao fato da criança negra se reconhecer como
tal, ou seja, a identidade negra vem se configurando numa perspectiva diferente, a criança já
consegue escolher uma boneca que se assemelhe a sua cor, em estudos anteriores isso era
praticamente impossível.
Todavia, a construção da identidade negra precisa ser melhor fundamentada e
respeitada. De acordo com HALL (2014), percebemos que o conceito de identidade obteve
uma nova construção ao longo dos tempos, o sujeito pós-moderno está envolvido por uma
identidade móvel e isso nos dá mobilidade para reconstruirmos a história do povo africano.
A imagem de um rosto de criança contendo uma face branca e outra negra teve o
seguinte entendimento: “É normal ser diferente”, “ter união é importante para diminuir os
homicídios, diminuir o preconceito, para não ter briga e todo mundo se gostar um do outro”.
Analisando as respostas das crianças, pressupomos que há um incipiente envolvimento das
mesmas com relação as questões relacionadas à diversidade cultural e relações étnicos-raciais.
Por outro lado, infelizmente, ainda existem atitudes preconceituosas por parte de
algumas crianças. Isso foi observando no relato de uma criança que analisou a imagem de
uma menina brincando com vários tipos de bonecos, o mesmo dizia: “A neguinha do cabelo
de fuá”; “A neguinha da Bahia”. O que você acha do cabelo dela? “Horrível”. Você tem
alguma colega com o cabelo assim? “ Tenho”. E você brinca com ela? “A gente brinca só de
luta”. Acredita-se que muita gente ainda vivencia situações como essa no ambiente escolar,
todavia esperamos que esta situação seja erradicada de maneira plena, pois é inadmissível nos
dias atuais alguém ainda sofrer preconceito pelo seu jeito de ser.
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De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997), a escola tem o compromisso de abordar questões relacionadas
à corporeidade, pluralidade cultural, explicitando noções de corpo, possibilitando reflexões
sobre a corporeidade humana de forma abrangente, bem como oferecendo momentos de
discussões sobre a maneira como o corpo vem sendo utilizado, visto e pensado socialmente.
A fotografia de mulheres negras sendo oferecidas por homens para duas senhoras teve
o seguinte entendimento por parte das crianças: “Esses homens capturaram essas negrinhas, é
porque elas eram escravas deles.” E o que é ser escravo para você? “É aquele povo que manda
eles limparem o chão, ser humilhados, aí quando sujam alguma coisa no chão vão ter que
alimpar (sic)”; “Eles são humilhados pelos homens brancos porque são negros”. Você
conhece alguém que realizava o trabalho que eles realizam? “O povo do lixo”. Nos dias de
hoje ainda existem escravos? “Só existem aquelas mulheres empregadas que trabalham nas
casas, que ficam limpando o chão”. Na época dos escravos o trabalho que eles realizavam era
reconhecido, eles ganhavam por isso? “Não, só um prato de comer”. E hoje como é esse
trabalho? “Ganham uma ruma de dinheiro”.
Nesta interlocução podemos perceber que o processo de escravidão está interligado,
não como uma questão de dominação de poder, mas sim pelo aspecto físico, os educandos
acreditam que os negros só são escravos por causa da sua cor, ou seja, isso tem relação com a
forma como nos foi repassado à ideia de escravidão. Durante muito tempo se pensou que só
Figura 3 – Livros infantis sobre a Á frica
Fonte: Acervo bibliográfico da escola municipal;
fotografia tirada pela pesquisadora.
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existia esse processo no continente americano e, no entanto, a escravidão advém da
sobreposição de poderes existente no mundo inteiro.
Nos séculos XV e XVI ela tinha grande significado nas sociedades da África
Subsaariana. As funções que os escravos exerciam eram de criados, soldados, concubinas,
como também eram vendidos no comércio. Os escravos eram adquiridos através da guerra,
sequestros, pela dominação de poder, para pagar dívida ou financiar empréstimo e para saciar
a fome, ou seja, a escravidão já existia entre os próprios africanos e também em outros povos,
mas, veio para nosso país,
Com o objetivo de produzir bens pela exploração do meio natural nas colônias - destinados
a serem comercializados nos mercados europeus, gerando lucros para a metrópole - que se
organizaram as estruturas do sistema colonial, inclusive o tipo de mão de obra trabalhadora
utilizada. De início, o habitante nativo, ou seja, o índio, foi escolhido para tal fim, mas logo
foi substituído pelo escravo africano, tornando-se um dos braços dessa empresa colonial. É
com base na utilização da sua força de trabalho que se alcançaria o objetivo da colonização,
isto é, gerar lucro para a metrópole (MATTOS, 2015, p.64)
Esse processo teve sua expansão no século XVII, uma vez que os europeus almejavam
a mão de obra escrava, pois a mesma era de vital importância para a expansão das
propriedades agrícolas na América, sendo assim, eles investiram em tecnologia e mudaram o
foco da economia africana, haja vista que a escravidão anteriormente era envolvida por uma
questão de dependência pessoal e diante da necessidade dos europeus ela passou a ser a
principal fonte de mercadoria desse comércio.
Os dados nos mostram que estamos conseguindo alguns avanços com relação ao
processo de ensino aprendizagem das crianças sobre a questão do preconceito racial, da
discriminação, do respeito às diferenças, porém ainda há o domínio de uma representação
negativa em relação à história, à geografia e à cultura do continente africano, o que, por sua
vez conduz a formação identitária das crianças brancas e negras e na sociedade brasileira. As
primeiras se fortalecem sobre as últimas a partir da didática de sala de aula.
A seguir, passamos às nossas considerações finais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em tempos modernos espera-se que a educação contemple uma visão ampla sobre a
diversidade cultural, social, econômica que envolve o planeta em que vivemos. Percebe-se os
esforços do governo brasileiro em valorizar as heranças africanas para a formação da nossa
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nação. A implementação da Lei 10.639/03, o Plano de Diretrizes Curriculares sobre a História
dos Africanos e a Cultura Afro-Brasileira, bem como os cursos de especializações com o
objetivo de qualificar os profissionais sobre o assunto, são bons exemplos destas conquistas.
No presente trabalho temos como objetivo averiguar se o que assegura a Lei 10.639/03
está em consonância com o entendimento das crianças sobre o tema. Nossa pesquisa teve
como ponto de partida as seguintes questões norteadoras: “O que as crianças do terceiro e
quinto dos anos iniciais compreendem sobre a Cultura Afro-Brasileira e Africana? Como a
Lei 10.639/03 está sendo aplicada nas escolas sob a ótica das crianças? Será que tem
contribuído para o fortalecimento da identidade negra?”
Observamos que as crianças entrevistadas demonstraram conhecer os mesmos
assuntos que já eram trabalhados antes da Lei ser implementada, como: a fauna africana,
algumas comidas e as pessoas, ou seja, estamos diante das permanências que ainda se
predominam sobre o continente, como a origem de várias doenças, a miséria, a escravidão na
perspectiva do europeu.
Diante do que está sendo analisado, a Lei 10.639/03 ainda não está sendo contemplada
pelas crianças como deveria, percebemos frágeis avanços com relação à diversidade cultural e
as relações étnicos-raciais, mas infelizmente não estamos visualizando, através das falas das
crianças, a cultura destes povos, seus costumes, suas religiões, a história do seu continente,
como também a escravidão na perspectiva do escravizado. E assim, evidencia-se que o
processo de construção de uma identidade negra mais fortalecida, encontra-se muito
incipiente.
Imbuídos do reconhecimento da importância da História da África e da cultura Afro-
Brasileira ser disseminada nas escolas do nosso país, estamos convictos da relevância em
intensificar essas questões nos nossos currículos escolares, já se passaram mais de dez anos da
implementação da Lei 10.639/03 para tentar assegurar veementemente estes assuntos e, no
entanto, ainda nos deparamos com a ausência dos mesmos na aprendizagem das crianças.
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THE LAW 10.639 / 03 AND CULTURE AFRO - BRAZILIAN FROM THE PERSPECTIVE OF
CHILDREN OF YEARS TEACHING INITIAL MANDATORY
ABSTRACT
This article scrutinizes Law 10.639 / 03 and the Afro-Brazilian culture from the perspective of
children in the early years of elementary school. The legacy of African culture is significant
for understanding the formation of humanity, so we need to ensure that change the way to
know the African continent. Therefore, this work of the following guiding questions: The
children of the third and fifth years of the initial understand about the Afro-Brazilian Culture
and African? As the Law 10.639 / 03 is being applied in schools from the perspective of
children? Its general objective: to validate that which ensures the Law 10.639 / 03 on the
Afro-Brazilian Culture is in line with the understanding of children on the subject. Regarding
the methodology used as sources: interviews, magazine pictures, map, dolls, works
ofchildren's literature from the school collection, through participant observation. The
research involves an analysis of interviews with ten children, five of the third and the fifth of
the five years of elementary school I. It appears that most respondents shows attitudes of
respect for differences, but still very associates the continent aspects less appreciated, such
as: poverty, poverty, disease, slavery in European perspective. Through the words of
children analyzed it is concluded that there is an incipient involvement of teaching staff on
issues related to cultural diversity and ethnic-racial relations, but need to improve the
process of teaching and learning about the history of Africa, the African and African Culture -
Brasileira.
KEYWORDS: Law 10.639 / 03. Afro-Brazilian culture and African. Children.
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FONTES
FIGURA 1. Mapa da África
BOOKS. Yoyo. Meu primeiro atlas dobra e desdobra. 1.ed. Bélgica: Yoyo, 2013.
FIGURA 2. Bonecas e imagens envolvendo os negros
MENEZES, Débora. Visões do Passado. Revista Nova Escola. Rio de Janeiro, ed. 205,
Setembro de 2007.
FIGURA 3. Livros infantis sobre a África
Foto tirada pela pesquisadora sobre o acervo literário da escola municipal pesquisada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Parecer N°: CNE/CP 003/2004. Instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
In: PLANO NACIONAL DE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES
NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA. Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
Brasília : MEC, SECADI, 2013.
LEI N° 10.639 de 9 de Janeiro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 02 de Janeiro de
2016.
HALL, Stuart, 1932-2014. A identidade cultural na pós-modernidade; tradução de Tomaz
Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.
MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. 2.ed. São Paulo:
Contexto, 2015.
MUNANGA, Kabengele. A Difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil. Revista Estudos
Avançados. p.52, 2004.
VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analúcia Danilevicz.
História da África e dos Africanos. 3. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade: tradução de Vera Joscelyne. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2011.
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