UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
ALICE EMANUELE DA SILVA ALVES
Música, identidades culturais e categorias estéticas: a Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco, 1984-87.
RECIFE
2018
ALICE EMANUELE DA SILVA ALVES
Música, identidades culturais e categorias estéticas: a Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco, 1984-87.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em Música.
Área de concentração: Música e Sociedade.
Orientador: Professor Doutor Carlos
Sandroni
RECIFE
2018
Catalogação na fonte Bibliotecária Andréa Carla Melo Marinho, CRB-4/1667
A474m Alves, Alice Emanuele da Silva Música, identidades culturais e categorias estéticas: a Orquestra de
Cordas Dedilhadas de Pernambuco, 1984-87 / Alice Emanuele da Silva Alves. – Recife, 2018.
168f.: il.
Orientador: Carlos Sandroni. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. Centro
de Artes e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Música, 2018. Inclui referências e anexos.
1. Música. 2. Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco. 3.
Identidades Culturais. 4. Categorias Estéticas. I. Sandroni, Carlos (Orientador). II. Título.
780 CDD (22. ed.) UFPE (CAC 2020-142)
ALICE EMANUELE DA SILVA ALVES
Música, identidades culturais e categorias estéticas: a Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco, 1984-87.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em Música.
Aprovada em: 20/08/2018
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Professor Doutor Carlos Sandroni (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________
Professor Doutor Eduardo de Lima Visconti (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________
Professor Doutor Pedro Aragão (Examinador Externo)
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Para a minha Ana Elizabete, minha mãe. Pelo tempo em que fomos quatro pois agora somos
três, mas continuamos por um dia termos sido quatro.
AGRADECIMENTOS
Para a mamãe, Ana Elizabete, que já se encantou, como diria Guimarães Rosa, mas deixou em mim a
percepção de que conhecimento é doação de si, semente germinada para a construção de um mundo
melhor, na coletividade. Deixou também o amor pela leitura. E eu acho que essas duas coisas são
fundamentais para quem quer ser pesquisadora. E ela também era professora, como eu. Sem ela eu não
poderia ser, em vários sentidos, e para sempre.
Aos meus pais, à nossa família, ao meu irmão Adson, por todo o apoio e a liberdade para existir de todas
as formas possíveis. Por eles, nossos pais, nos ensinarem a ser pelos exemplos que sempre foram, com
defeitos e qualidades. Por terem focado sempre e sempre na nossa educação, formal e sociocultural. Por
terem entrado na universidade pública, UFMS/UFRJ, com mais de 30 anos (ambos) e dois filhos
pequenos. Mais uma vez, exemplos práticos são muito importantes. No meu núcleo pai, mãe e irmão,
somos todos formados em universidades públicas. Somos o primeiro e único núcleo da minha família
em que todos nós temos Ensino Superior. E eu sou a primeira da família toda a ter um mestrado. E eu
sou porque nós somos.
Aos professores e exemplos maiores da minha trajetória musical, Marco César de Oliveira Brito, meu
professor de instrumento e pessoa que me apresentou à Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco, e Carlos Sandroni, professor que abriu os caminhos para a Etnomusicologia e para a
pesquisa.
Ao professor Sérgio Barza, por todos os arquivos cedidos para a construção documental desta
dissertação, contribuição que enriqueceu demais o meu trabalho. Aos professores Pedro Aragão (meu
primeiro professor de bandolim, quando eu nem sonhava em ser uma profissional da Música) e Eduardo
Visconti.
A Maurício Carrilho e Hermínio Bello de Carvalho, duas entrevistas das mais importantes para a
pesquisa, para seguir e entender melhor os rumos que essa tomou.
A Henrique Cazes, Marquinhos FM, Bráulio Araújo e Sammy Barros por me ajudarem a tecer melhor
a rede de memórias sobre e com os músicos da Dedilhadas.
Wheldson Marques, meu amigo Ed, e Tainá Façanha, apoios fundamentais, de várias formas, neste meu
processo acadêmico.
Hayanna Saldanha, Laís Almeida, Rafael Andrade, Juliana Sobel, Cecília Cabral, Carmen
Pontes, Gleiciane Paula pela torcida e pelas várias trocas de amizade.
Francisca Marques, Laila Rosa, Paulo Murilo Guerreiro do Amaral, Líliam Barros Cohen, Andrey
Faro, Jorgete Lago e Deise Lucy Montardo pelos exemplos que são para mim como pesquisadores,
professores e por me impulsionarem muito neste caminho acadêmico.
A Tammy Arraes e Débora Guimarães, secretárias do PPGM-UFPE.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPE por todos os ensinamentos.
A todos os colegas da primeira turma do PPGM-UFPE.
E para fechar a lista de agradecimentos, aos músicos da extinta Orquestra de Cordas Dedilhadas. Pelo
lindo trabalho musical deixado como legado e por terem tornado esta pesquisa possível – Marco César
de Oliveira Brito, Ivanildo Maciel (in memorian), Nilton Rangel, Marcos Silva Araújo (in memorian),
Henrique Annes, Inaldo Gomes (Passarinho), Geraldo Leite (in memorian), Rossini
Ferreira (in memorian), Mário Moraes Rego (in memorian), Antônio Dias
(Tony Fuscão) (in memorian), Adelmo Arcoverde, João Lyra, Ledjane Sara e Ewerton Brandão
(Bozó).
RESUMO
A Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco (OCDP) foi um grupo que surgiu no
início dos anos de 1980 e que existiu até meados dos anos 1990. Unindo um naipe de três
bandolins, um cavaquinho, um naipe de três violas nordestinas, contrabaixo acústico, violão de
seis cordas e percussão, a Dedilhadas trazia na sua sonoridade a intenção de unir representações
do urbano e do rural na música popular instrumental pernambucana. A proposta desta
dissertação é, a partir da trajetória, das possíveis influências, desdobramentos musicais e
também da rede de memórias dos integrantes do grupo e/ou pessoas que dialogaram, foram e
são a história da OCDP, desenvolver um trabalho que contribua para as pesquisas sobre Música
e Sociedade. Sobretudo para as duas frentes que irão servir ao debate: música e identidade
cultural e música e categorias estéticas. Este trabalho também busca dar protagonismo às
memórias e vivências dos músicos da Dedilhadas na construção do que acreditamos ter sido a
sonoridade do grupo. E, a partir disso, busca compreender como se cruzam e se somam
experiências individuais, sociais, culturais e afetivas na concepção artística e musical da
Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco. O grupo lançou seu primeiro long play (LP)
em 1984, pelo Projeto Nelson Ferreira, da Fundação de Cultura da Cidade do Recife. Esse foi
relançado pela Fundação Nacional das Artes (FUNARTE), pelo Projeto Ary Barroso, o único
também voltado para publicação no exterior, no mesmo ano. A FUNARTE também promoveu
a publicação de um livro com partituras de músicas apresentadas no disco. Posteriormente, o
grupo lançou seu segundo e último disco intitulado Cordas Dedilhadas, em 1987, vindo a
acabar na primeira metade da década de 1990.
Palavras-chave: Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco. Identidades Culturais. Categorias Estéticas.
ABSTRACT
The Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco (OCDP) – literally, Orchestra of
Plucked Strings of Pernambuco – was a group that emerged in the beginning of the 1980s and
that remained active until the early 1990s. Bringing together a suit of three mandolins, a
cavaquinho, a suit of three Northeastern violas, an acoustic bass, a six-string guitar, and
percussion, the Orchestra sought to unite representations of the urban and the rural within
popular Northeastern instrumental music in its musical identity. The proposal of this
dissertation is, based on the trajectory, the possible influences, musical developments and also
of the network of memories of the members of the group and / or people who dialogued, were
and are the history of the OCDP,, to develop a work that contributes to the research on Music
and Society. Especially for the two fronts that will serve the debate: music and cultural identity
and music and aesthetic categories. This work also seeks to give prominence to the memories
and experiences of the musicians of the Dedilhadas in the construction of what we believe to
have been the sonority of the group. From this, it seeks to understand how individual, social,
cultural and affective experiences are intersected in the artistic and musical conception of the
Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco. The group released their first long play (LP)
in 1984, by the Nelson Ferreira Project, of the Fundação de Cultura da Cidade do Recife
(literally, Cultural Foundation of the City of Recife). This was re-launched by
the Fundação Nacional das Artes – FUNARTE (literally, National Foundation of Arts), by Ary
Barroso Project, the only one that was also published abroad in the same year. FUNARTE also
promoted the publication of a book with scores of songs presented on the disc. Subsequently,
the group released their second and last disc titled Cordas Dedilhadas, in 1987, ending in the
first half of the decade of 1990.
Keywords: Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco.
Cultural Identities. Aesthetic Categories.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Publicação no Diário Oficial de 21 de julho de 1968 ............................................. 29
Figura 2 - Nota de divulgação da oferta dos cursos livres em música popular, 18 de março de
1968, jornal Diário da Manhã, Recife ..................................................................................... 30
Figura 3 - Programa da primeira apresentação do Conjunto de Cordas Dedilhadas ............. 33
Figura 4a (frente dos programas) - Programas de apresentação, de 1983, em que aparecem os
dois nomes: Conjunto de Cordas Dedilhadas e Orquestra de Cordas Dedilhadas ................... 34
Figura 4b (frente do programa) - Primeiro programa da página, de março de 1983, da Faculdade
de Ciências Humanas de Olinda (FACHO). Segundo programa, da Fundação de Ensino
Superior de Olinda (FUNESO) ................................................................................................ 35
Figura 5a (verso do programa) - Programa da apresentação do quinto disco da Orquestra
Armorial, em 22 de junho de 1981 ............................................................................................38
Figura 5b (verso do programa) - Programa da apresentação do quinto disco da Orquestra
Armorial, em 22 de junho de 1981 ........................................................................................... 39
Figura 6 - Publicação da página do Diário Oficial pela Companhia Editora de Pernambuco
(CEPE) referente ao concurso público em que Lêdjane Sara e Heraldo do Monte foram
aprovados, em 1988 ................................................................................................................. 41
Figura 7a (frente do programa) - Programa da apresentação de lançamento do disco Capiba 80
anos .......................................................................................................................................... 43
Figura 7b (verso do programa) - Programa da apresentação de lançamento do disco Capiba 80
anos .......................................................................................................................................... 44
Figura 8a - E-mail recebido pela autora de Hermínio Bello de Carvalho .............................. 54
Figura 8b - Continuação do e-mail recebido de Hermínio Bello de Carvalho ....................... 55
Figura 9a - Primeira página do catálogo de partituras da OCDP no Conservatório
Pernambucano de Música ........................................................................................................ 72
Figura 9b - Segunda página do catálogo de partituras da OCDP no Conservatório
Pernambucano de Música ........................................................................................................ 73
Figura 9c - Terceira página do catálogo de partituras da OCDP no Conservatório
Pernambucano de Música ........................................................................................................ 73
Figura 10 - Livro de partituras lançado pela FUNARTE com cinco músicas do primeiro disco
da Dedilhadas ........................................................................................................................... 78
Figura 11 - Capa do disco Capiba 80 anos .............................................................................. 82
Figura 12 - Primeiro disco da OCDP, lançado pela Fundação de Cultura do Recife ............. 82
Figura 13 - Primeiro disco da OCDP, edição Acervo FUNARTE ..................................... 83
Figura 14 - Foto do disco da Elizeth Cardoso constando a participação da Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco ................................................................................ 83
Figura 15 - Segundo e último disco da OCDP ...................................................................... 84
Figura 16 - Matéria do Jornal do Brasil, de 23 de novembro de 1984, sobre o disco de
lançamento da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco ......................................... 85
Figura 17 - Matéria do jornal O Globo, de 16de maio de 1986, sobre show de Turíbio Santos
com a OCDP na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro .................................. 86
Fotografia 1 - Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco .......................................... 90
Fotografia 2 - Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco ........................................... 91
Figura 18 - Contrato de Marco César de Oliveira Brito como músico da OCDP pelo
Conservatório Pernambucano de Música ..................................................... 93
Fotografia 3 - Marco César ................................................................................................... 96
Fotografia 4 - Encontro da OCDP com Radamés Gnattali na casa de Hermínio Belllo de
Carvalho, em 1986. Da esquerda para a direita, em pé: Maurício Carrilho, João Lyra, Hermínio
Bello de Carvalho, Antônio Dias (Tony Fuscão), Rossini Ferreira, Geraldo Leite, Passarinho,
Marcos Araújo, Ivanildo Maciel, Marco César, João Carlos Carino, Adelmo Arcoverde (metade
do rosto), Raphael Rabello, Pedro Amorim e João de Aquino. Sentados: Henrique Annes,
Radamés Gnattali, Nelly Gnattali e Henrique Cazes ............................................................ 101
Fotografia 5 - Encontro da OCDP com Radamés Gnattali na casa de Hermínio Bello de
Carvalho, em 1986 ..................................................................................... 102
Figura 19 - Contracapa do disco Capiba 80 anos lançado em 1984, pela FUNARTE ........ 106
Figura 20 - Reportagem sobre o Free Jazz Festival com a OCDP para o Jornal do Brasil .. 109
Figura 21 - Reportagem com a Programação do Free Jazz Festival de 1987, no Jornal do Brasil
.............................................................................................................................................. 110
Fotografia 6 - Adelmo Arcoverde ........................................................................................ 111
Figura 22 - Matéria do jornal Diário de Pernambuco, de 26 de setembro de 198, sobre os
ganhadores do Festival Prêmio Pernambuco Música Hoje ............................ 118
Fotografia 7 - Ivanildo Maciel Da Silveira .......................................................................... 119
Fotografia 8 - João Lyra ....................................................................................................... 121
Fotografia 9 - Nilton Rangel ................................................................................................ 125
Fotografia 10 - Henrique Annes ........................................................................................... 127
Fotografia 11 - Rossini Ferreira ........................................................................................... 133
Figura 23 – Comunicado que determinou que Marco César passa a dividir com Geraldo Leite a
função de organizar os arquivos da Dedilhadas, em 05 de dezembro de 1985 ..................... 141
Fotografia 12 - Inaldo Gomes Da Silva (Passarinho) ......................................................... 142
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CFC - Conselho Federal de Cultura
CNC - Conselho Nacional de Cultura
COM - Conservatório Pernambucano de Música
DMP - Divisão de Música Popular
FUNARTE - Fundação Nacional de Artes
HBC - Hermínio Bello de Carvalho
IFPE - Instituto Federal de Pernambuco
LP - Long Play
MEC - Ministério da Educação e Cultura
OCDP - Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco
PAC - Programa de Ação Cultural
Sombrás - Sociedade de Música Brasileira
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UNESCO - Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14
2 O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA ORQUESTRA DE CORDAS
DEDILHADASDE PERNAMBUCO .................................................................... 18
2.1 A DEDILHADAS E O CONSERVATÓRIO PERNAMBUCANO DE MÚSICA ... 18
2.2 A DEDILHADAS E A FUNARTE ......................................................................... 43
3 A ATUAÇÃO DA DEDILHADAS ......................................................................... 58
3.1 ETNOGRAFIA DA MÚSICA, PERFORMANCE E IDENTIDADE CULTURAL . 59
3.2 O REPERTÓRIO E A PRÁTICA DA DEDILHADAS ........................................... 70
3.3 A DEDILHADAS E O MOVIMENTO ARMORIAL ............................................. 86
3.3.1 A concepção musical de Cussy de Almeida para o Movimento Armorial .......... 86
4 CONTA DE LÁ QU’EU CONTO DE CÁ: AS VIVÊNCIAS DOS MÚSICOS DA
ORQUESTRA DE CORDAS DEDILHADAS DE PERNAMBUCO .................. 91
4.1 MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO ............................................................... 97
4.2 ADELMO DE OLIVEIRA ARCOVERDE ............................................................ 113
4.3 IVANILDO MACIEL DA SILVEIRA ................................................................... 122
4.4 JOÃO PINHEIRO DE ANDRADE LYRA FILHO ................................................ 125
4.5 NILTON MACHADO RANGEL ......................................................................... 129
4.6 HENRIQUE JOSÉ PEDROSA ANNES ................................................................ 131
4.7 MARCOS SILVA ARAÚJO .................................................................................. 136
4.8 ROSSINI FERREIRA ........................................................................................... 137
4.9 MÁRIO MORAES RÊGO .................................................................................... 141
5.10 GERALDO FERNANDES LEITE ......................................................................... 142
5.11 INALDO GOMES PASSARINHO ........................................................................ 145
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 147
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 149
ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS MÚSICOS ................. 152
ANEXO B – MAIS REGISTROS DA DEDILHADAS ...................................... 153
14
1 INTRODUÇÃO
Por ter esta pesquisa uma perspectiva cultural de estudos, por ter como um dos focos
principais tratar da relação música e identidades culturais, acredito que cabe aqui mostrar como
foi o meu processo de aproximação enquanto pesquisadora com a Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco (também chamada aqui de OCDP ou Dedilhadas). Afinal, e antes de
tudo, a primeira abordagem identitária que irá conduzir toda a dissertação pretendida é minha,
individual e coletiva. Sou musicista, bandolinista, com uma formação musical de instrumentista
baseada no choro, e aluna do bandolinista Marco César, ex-integrante da OCDP, no
Conservatório Pernambucano de Música e na primeira graduação, em Produção Fonográfica.
São mais de 10 anos de convivência na relação aluna e professor. Como roadie e posteriormente
produtora cultural e executiva, de 2010 a 2014, trabalhei com a Orquestra Retratos do Nordeste,
criada em 1998 por Marco César com declarada influência na experiência da Dedilhadas. Nesse
período, conheci a maioria dos ex-integrantes da Dedilhadas e ajudei na catalogação de todo o
acervo bibliográfico que o professor Marco César conserva sobre a Dedilhadas.
Há oito anos quero escrever um trabalho sobre a Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco, tentar compreender como a música do grupo teve e tem força entre as músicas
instrumentais brasileiras de cordas dedilhadas. Desde o princípio, quando ainda esboçava os
primeiros caminhos para a construção do projeto de pesquisa, acreditava que essa força vinha
do virtuosismo e das diferentes formações, influências, vivências, memórias culturais, sociais
e musicais de cada um de seus integrantes.
Achei que explorar este objeto de pesquisa na minha primeira graduação, em Produção
Fonográfica, não casaria tão bem com os caminhos teóricos para aquele curso. Quando eu entrei
para a graduação em Licenciatura em Música, agora sim, acreditei que seria possível conduzir
minha ideia por lugares de pesquisa mais alinhados com o curso. No último ano dessa
graduação, fui aprovada no mestrado em Música e Sociedade da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e a pesquisa sobre a OCDP foi promovida para outra “patente
acadêmica”.
Para mim, sempre foi a soma no fazer musical, tão bem misturada e fluida, que se
sobrepunha a qualquer coisa que pudesse impedir a comunhão virtuosística que existia entre os
músicos da Dedilhadas. Entretanto, isso estava no plano das minhas ideias. Eu precisava buscar
mecanismos de pesquisa para reforçar ou mesmo desvalidar essa minha percepção. Era
necessário ouvir aqueles que fizeram parte da história da Dedilhadas mais diretamente possível,
seus músicos. As entrevistas foram feitas com todos ainda vivos e com o filho de Marcos Silva
15
Araújo, Bráulio Araújo, também músico, também baixista. Além das entrevistas com Maurício
Carrilho, Hermínio Bello de Carvalho, pessoas diretamente envolvidas na história da OCDP. E
outras entrevistas, como com Sérgio Nilsen Barza e Marcos Ferreira Mendes, que fizeram
contribuições importantes.
Para início metodológico da pesquisa, fiz uma revisão literária sobre o que poderia
existir no meio acadêmico e não acadêmico sobre a Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco. No meio acadêmico ainda não encontrei nada, o que foi bom e ruim, deu-me
liberdade e noção de responsabilidade ainda maior. No meio não acadêmico, o site da Fundação
Nacional de Artes (FUNARTE) disponibiliza informações importantes e no YouTube os dois
discos completos estão disponibilizados. A postagem sobre o primeiro disco só foi
disponibilizada em 25 de abril deste ano. Ponto seguinte foi mapear o contexto das políticas
culturais públicas daquele momento histórico e político em que surgiu a OCDP e que agora
percebo, após as decisivas contribuições da banca de qualificação, que foram muito
significativas na história artística do grupo. A segunda seção é praticamente toda destinado a
entender esses processos.
Enquanto musicista e pesquisadora, eu quis pensar a música da OCDP por um viés
etnomusicológico, etnográfico, para entender e refletir música, som e performance a partir de
contextos sociais, culturais e históricos, individuais e coletivos. Esta dissertação tem como foco
de pesquisa a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, sobretudo em relação aos dois
discos lançados, em 1984 e em 1987, tendo como principal arcabouço teórico discursos sobre
música, identidade cultural e categorias estéticas. O objetivo é entender como a experiência e a
música do grupo podem contribuir para a construção de possíveis discussões sobre identidades
musicais pernambucanas e nordestinas.
A Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco foi um grupo surgido no início da
década de 1980, no Recife, no meio musical do Conservatório Pernambucano de Música
(CPM). Teve seu primeiro concerto oficial em 1982 e existiu até a primeira metade dos anos
1990. Foi criada oficialmente pelo violinista e maestro Cussy de Almeida, que foi um dos
nomes importantes na produção musical do Movimento Armorial, conforme será detalhado
mais adiante. Seus músicos, arranjadores e compositores, na formação por mais tempo
consolidada e com maior circulação artística, foram: Henrique Annes (violão), João Lyra
(viola), Adelmo Arcoverde (viola), Nilton Rangel (viola), Marco César (bandolim), Rossini
Ferreira (bandolim), Ivanildo Maciel (bandolim), Mário Moraes Rêgo (cavaquinho), Marcos
Silva Araújo (contrabaixo acústico), Geraldo Fernandes Leite (percussão) e Inaldo Gomes da
Silva (conhecido pelo apelido Passarinho, também na percussão).
16
O grupo surge em uma época momento onde a música instrumental popular em
Pernambuco já havia começado a ter suas primeiras inserções nos locais de ensino formal, como
é o caso do CPM. E esse primeiro ponto de ligação com a história do grupo dá-se porque Cussy
de Almeida foi, enquanto diretor dessa instituição a partir de 1967, o nome decisivo para a
entrada do ensino de música popular na instituição.
Havia também políticas públicas culturais no país com estruturações e estratégias de
ações que buscavam ampliar, demarcar e inovar o entendimento sobre os bens culturais e sobre
as identidades culturais brasileiras, e que estavam entrelaçadas com um plano de ação cultural
do governo ditatorial daquela época – final dos anos 1970, início dos anos 1980.
Além disso, a música e a sonoridade da OCDP são elementos vindos da esteira musical
que veio do Movimento Armorial. A Dedilhadas reconhecia e preservava em si este elo.
Entretanto, como Cussy de Almeida gostava de ressaltar, a Orquestra trazia ideias contrastantes
com as ideias que alicerçavam o Movimento, como a escolha de seus instrumentos e a ligação
com a música popular urbana. Com a sua proposta musical, a OCDP ia “experimentando
fórmulas orquestrais, para que essas identidades brasileiras – urbana e rural – fossem mantidas
enriquecidas”, executando um “som barroco e de câmara tão característicos dos nossos brasis”
(Almeida, 1984).
A concepção artística da ideia do que viria a ser a Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco foi de Cussy de Almeida. A possibilidade de fazer essa ideia tomar uma dimensão
prática de sua existência só foi possível pela união das vivências e das formações musicais de
cada músico que integrou a Dedilhadas. Ao defender esse entendimento, buscar compreender
como se cruzam e se somam experiências individuais, sociais, culturais e afetivas na concepção
artística e musical desses músicos é uma das frentes de pesquisa mais importantes desta
dissertação.
A linha de pesquisa seguida por esse estudo pode ser enquadrada no modelo
qualitativo. Como fonte principal para o desenvolvimento da dissertação, teremos os
depoimentos e/ou entrevistas semiestruturadas – captadas por áudio e por escrita – de todos os
músicos da Orquestra Dedilhadas de Pernambuco que ainda estão vivos. Abordagens
bibliográfica e documental também serão utilizadas.
Para a primeira seção, intitulada O Contexto institucional da Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco, procuro situar os dois contextos de relações institucionais do
grupo: o CPM e a FUNARTE. No primeiro tópico trato da relação entre o CPM e a Dedilhadas,
abordo o contexto histórico da inserção do ensino formal de música no Brasil e quais valores
musicais e culturais foram priorizados nesse processo; o surgimento do modelo conservatorial
17
e como foram as primeiras e mais destacadas experiências de implantação dele no caso
brasileiro, em meados do século XIX. A partir desta base apresento como foi a criação do
Conservatório Pernambucano de Música, a atuação de Cussy de Almeida enquanto diretor da
instituição, a partir de 1967, e a sua ligação fundamental com a criação dos primeiros cursos de
música popular do CPM e com a criação da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco.
Para abordar o que significa em termos culturais, simbólicos e de poder priorizar e ter
como modelos a seguir práticas europeias elitistas, eu construo diálogos com os autores
Bourdieu (2007), Elias (2001), Gay (1999) e Rownland (2003). Para embasar teoricamente a
discussão sobre história, ensino e aprendizagem formais de música no Brasil e implantação do
modelo conservatorial, utilizo textos dos autores Almeida (1942), Freire (1996), Binder e
Castagna (1998), Arroyo (2001), Vieira (2004), Augusto (2010) e Barza (2015). Para uma
abordagem específica sobre o Conservatório Pernambucano de Música utilizo o livro
Conservatório Pernambucano de Música: 85 anos: uma apreciação, de Sérgio Nilsen Barza,
publicado em 2015. Toda a construção de análise é embasada pelas entrevistas, matérias de
jornais e outros documentos. Todo esse acervo documental foi gentilmente cedido pelos
professores Sérgio Nilsen Barza e Marco César de Oliveira Brito. Para o segundo tópico da
primeira seção, descrevo o ambiente cultural, as políticas culturais públicas do período
histórico, as relações e a atuação de Hermínio Bello de Carvalho na FUNARTE e como tudo
isso influi na história do grupo. Abordo o contexto de políticas culturais adotado pela ditadura
militar, que vai embasar a criação da FUNARTE. O objetivo é abordar o panorama das ideias
e ações que foi guia para aquele momento histórico ao se tratar de políticas culturais públicas.
Assim, trago uma abordagem mais específica sobre a criação da FUNARTE, as relações e
propostas de Hermínio Bello de Carvalho enquanto funcionário da instituição na área de
música. Para isso utilizo textos da autora Botelho (2000; 2007), referência importante para os
estudos de políticas culturais no Brasil, além das autoras Calabre (2007), Garcia (2015; 2017)
e Fernandes (2013).
Com a segunda seção, A atuação da Dedilhadas, aponto conceitos teóricos que
embasam a metodologia desta dissertação. O primeiro tópico é organizado para discutir a
relação música e identidade na concepção estética e sonora da Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco. Para questões acerca da relação música, identidade cultural e identidades
regionais nordestinas, trago os autores Frith (1996), Albuquerque Júnior (2012) e Trotta (2010).
Para embasar uma visão etnomusicológica e etnográfica da performance em música, lido com
dois dos autores mais importantes da Etnomusicologia, Seeger (2008) e Blacking (2007).
Contribuições consideradas importantes também são encontradas em Pinto (2001). Outros
18
referenciais teóricos também abordados: para a definição de sonoridade e gêneros musicais,
Trotta (2008); para a definição de história oral, Portelli (2001); para a relação entre música e a
prática da memória, Reily (2014). No segundo tópico faço o levantamento e a análise geral da
obra da OCDP através do que está documentado, seja por fonogramas, partituras e matérias em
jornais e revistas. Quantas faixas o grupo gravou enquanto artista principal e como
acompanhante; a proporção entre os diferentes gêneros musicais dentro das faixas gravadas; a
análise dos arranjos e a distribuição das vozes entre os naipes, de algumas faixas. Também são
apresentadas as principais matérias sobre a Dedilhadas em revistas e jornais de circulação
nacional e local. No terceiro tópico, aponto como as influências da música do Movimento
Armorial, primeira influência sonora para a criação da OCDP, dialogam com a trajetória
musical do grupo.
Para a terceira e última seção, intitulada Conta de lá qu’eu conto de cá: as vivências
dos músicos da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, apresento as memórias e
perspectivas dos músicos sobre a história e a sonoridade do grupo. Para alcançar estes objetivos,
foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os integrantes da OCDP ainda vivos. Para
que aqueles já falecidos não deixassem de ser referenciados, pedimos a cada membro da
Orquestra e colega de naipe entrevistado que falasse sobre eles, aliando essas informações a
outras adquiridas através de documentos, internet e pessoas próximas. A primeira intenção que
norteou a realização dessas entrevistas com os músicos foi abrir diálogo para que essa pesquisa
fosse desenvolvida dando voz também para aqueles que foram os maiores responsáveis pela
concepção da sonoridade da Dedilhadas.
Colocar as falas dos músicos em citações, por vezes longas, é uma escolha feita para
mostrar e compartilhar protagonismo na construção da dissertação, com afetividade e sotaque
de uma proposta de pesquisa, para a memória do que foi a Orquestra de Cordas Dedilhadas de
Pernambuco.
A defesa de que a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco atravessa e
representa identidades culturais nordestinas - ao cruzar e somar algumas categorias estéticas e
musicais - foi a base principal da construção teórica da dissertação. E essas relações são
reforçadas, reinventadas, postas em xeque e expandidas através dos músicos da Dedilhadas, por
suas memórias, vivências e sotaques na música. Por tudo isso, minha preocupação e condução
deste trabalho sempre procurou trazer uma perspectiva dialógica e afetiva entre “informantes”
e “analistas” (Blacking, 2007). É a análise do significado de como as pessoas pensam a relação
entre o conjunto de símbolos musicais e não-musicais transparecendo e tomando vida nos seus
fazeres musicais que importa mais do que qualquer análise documental. É aquela memória
19
construída pelos indivíduos – que mistura realidades, perspectivas e aceitações sobre os fatos
históricos. Para a minha proposta enquanto pesquisadora e para trazer um relato sobre a
Orquestra de Cordas dedilhadas de Pernambuco, com as pessoas de sua história, buscar esse
diálogo analítico sempre foi uma guia importante.
20
2 O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA ORQUESTRA DE CORDAS DEDILHADAS
DE PERNAMBUCO
Nesta seção são discutidas as duas relações institucionais mais importantes na
trajetória da Dedilhadas: o Conservatório Pernambucano de Música e a FUNARTE. Para o
primeiro tópico, procuro situar o contexto histórico da inserção do ensino formal de música no
Brasil. E, também, como a prioridade pela manutenção e pela disseminação do conhecimento
musical europeu e de seus valores culturais influiu e influi nessa construção de
ensino. Apresento assim um pouco do processo de surgimento do modelo conservatorial e
como foram as primeiras e mais destacadas experiências de implantação desse modelo, no caso
brasileiro, em meados do século XIX. A partir disso, no primeiro tópico, explico como foi a
criação do Conservatório Pernambucano de Música, situando o contexto histórico de
surgimento da instituição. E para concluir aponto como foi a gestão de Cussy de Almeida
enquanto diretor do CPM, a partir de 1967, e como ela está relacionada com a criação dos
primeiros cursos de música popular da instituição e com a criação da Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco. Para o segundo tópico, trago o contexto de políticas culturais
adotado pela ditadura militar, que embasou a criação da FUNARTE. O objetivo é trabalhar o
panorama das ideias e ações que foi guia para aquele momento histórico ao se tratar de políticas
culturais públicas. Sendo assim, abordo o contexto específico de criação da FUNARTE, as
relações e propostas de Hermínio Bello de Carvalho enquanto funcionário da instituição na área
da música, e como todas essas ligações interferiram na história da Dedilhadas.
1. A DEDILHADAS E O CPM
O modelo conservatorial tem sua origem no século XVI na Itália, no período
renascentista. Os conservatórios eram instituições de caridade que acolhiam jovens moças órfãs
e pobres. Nesses locais, era oferecido aos jovens um treinamento especializado em música
como um dos destaques entre as atividades, e que mais tarde acabou sendo a atividade
exclusiva. O Conservatório Superior de Música de Paris, criado no fim do século XVIII, foi o
modelo de instituição de ensino formal da música que se estabeleceu no século XIX (Barza,
2015; Vieira, 2004).
Um dos principais centros da Itália era Nápoles, que tinha quatro
conservatórios: I poveri di Gesù Cristo (1599), Santa Maria di Loreto, onde
estudou Pergolesi, La pietà dei turchini (1583), Sant’Onofrio a porta Capuana, onde
21
estudou e ensinou Giovanni Paisiello, e o dell’Annunziata, este só para mulheres. [...]
Os conservatórios de Nápoles serviram de modelo para instituições em toda a Europa
e ao redor do mundo. A partir de fins do século XVIII e início do século XIX, temos
conservatórios criados em Paris (1795), Bolonha (1804), Milão (1807), Florença e
Praga (1811), Varsóvia e Viena (1821), Londres (1822), Haia (1826), Liége (1827),
Rio de Janeiro (1847), Boston (1853), Baltimore e Chicago (1868), Havana (1885) e
Buenos Aires (1893) (Barza, 2015, p. 13).
No Brasil e na Europa, o modelo conservatorial de ensino de música que se firmou no
século XIX serviu, sobretudo, para a disseminação do conhecimento musical europeu, para a
manutenção de seus valores da cultura musical erudita, no mundo ocidental. Por esses moldes,
a performance é a condutora maior para se entender o processo de criação musical. E isso tem
base ideológica na Idade Média, onde existia muito marcadamente a divisão entre prática e
teoria na formação do músico1 (Vieira, 2004).
A origem da estrutura de ensino conservatorial surge, como é possível perceber, ligada
ao ensino e propagação da música erudita europeia. Havia desde o início o entendimento e o
culto pela superioridade dessa vertente musical. A base formadora do conservatório, enquanto
escola de música, está muito entrelaçada a um processo de legitimação dos valores em voga na
cultura ocidental daqueles séculos XVIII e XIX, o que delimitou a sua criação e reforçou a
tendência ao eurocentrismo como modelo supremo de civilidade e de cultura. Arroyo (2001,
p. 63) aponta:
Tradicionalmente, instituições tais quais os Conservatórios de Música mantiveram-se
como espaço prioritariamente voltado para o ensino da música erudita europeia. Eram
também reprodutoras de representações acadêmico-musicais atreladas àquela música,
como: “concepção de ‘música absoluta’, existente por si só, independente da vida
social mundana” (Kingsbury, 1988, p. 6 apud Arroyo, 2001, p. 63); presença
imprescindível de “talento” para produzi-la (Kingsbury, 1988, p. 59 apud Arroyo,
2001, p. 63) e “superioridade” justificada por sua “complexidade estrutural e
sofisticação” (Nettl, 1995, p. 40 apud Arroyo, 2001, p. 63).
Existia uma proposta cultural, de valores e aspirações morais e civilizatórias, que
estava embutida ao se propor e validar uma estética artística aprovada e consumida pelas elites
socioeconômicas da época. Essa proposta pode ser descrita na ótica dos mecanismos de
1 Há na consolidação do ensino musical europeu, desde o fim da Idade Média, duas formas de categorização diferentes que só foram unidas através da criação dos conservatórios no século XIX. A primeira categoria incluía
a música como uma das disciplinas do quadrivium, com a alcunha de música especulativa, exclusivamente teórica,
baseada na análise de tratados antigos ou contemporâneos para a investigação dos elementos estruturais da música.
Esta forma de estudo da música estava presente nas universidades, seminários e catedrais. Em contrapartida, a
segunda categoria era a música prática, que se destinava ao canto e à prática de outras execuções
musicais (Binder; Castagna, 1998).
22
reprodução cultural e reprodução social discutidos por Pierre Bourdieu (2007), que são
associados e manipulados em suas transmissões para perpetuar as estruturas de poder e de
privilégios vigentes:
Na verdade, dentre as soluções historicamente conhecidas quanto ao problema da
transmissão do poder e dos privilégios, sem dúvida a mais dissimulada e por isto
mesmo a mais adequada a sociedades tendentes a recusar formas mais patentes da
transmissão hereditária do poder e dos privilégios, é aquela veiculada pelo sistema de
ensino ao contribuir para a reprodução da estrutura das relações de classe
dissimulando, sob as aparências da neutralidade, o cumprimento desta função. [...] os
bens culturais enquanto bens simbólicos só podem ser apreendidos e possuídos como
tais (ao lado das satisfações que acompanham tal posse) por aqueles que detêm o
código que permite decifrá-los. Em outros termos, a apropriação destes bens supõe a
posse prévia dos instrumentos de apropriação. Em suma, o livre jogo das leis da
transmissão cultural faz com que o capital cultural retorne às mãos do capital cultural
e, com isso, encontra-se reproduzida a estrutura de distribuição do capital cultural
entre as classes sociais, isto é, a estrutura de distribuição dos instrumentos de
apropriação dos bens simbólicos que uma formação social selecionam como dignos
de serem desejados e possuídos (Bourdieu, 2007, p. 296-297).
A corte começava a ser suplantada pela sociedade burguesa, urbana, industrial. As
ideias de vida particular e profissional, pública e privada passavam por reconfigurações de
significados. “Mas o cunho civilizatório e cultural desenvolvido por aquela sociedade foi
preservado, em parte como herança, em parte como antítese, pela sociedade profissional-
burguesa, na qual esse cunho característico continuou a ser desenvolvido2” (Elias, 2001, p.71).
Havia um processo de reconfiguração de valores, uma espécie de higienização de
tendências vulgares, mundanas, passionais. Com o fim do Renascimento, “as classes
respeitáveis”, o mais alto extrato da burguesia, buscavam “refinamento das maneiras”, o que
aconteceu com gradativo crescimento durante todo o século XVIII. A intenção era controlar e
administrar cada vez mais a tendência de dar vazão aos arroubos emocionais. Os “seminários
moralizantes” cuidavam de instruir aqueles que queriam ser “bons burgueses” a tratar com
2 “A diferença que se manifesta desse modo entre a estrutura da sociedade burguesa e a da sociedade aristocrática
de corte é instrutiva. [...] Cronologicamente, essa situação durou até os anos 60 e 70 do século XVIII. Nesse
período, a ascensão social e econômica dos grupos de profissionais burgueses tornou-se gradativamente mais
visível, enquanto grande parte dos nobres ficava cada vez mais pobre. Todavia, tanto legalmente quanto para a
consciência dos diversos grupos em contato social, as barreiras ainda permaneciam firmes” (Elias, 2001, p.79).
Para a nova sociedade burguesa que ia se configurando - cada vez mais independente, menos ligada à
hierarquização e estruturação da corte - manter certos costumes sociais, estar inserida em certos círculos sociais
ainda marcadamente pertencentes à aristocracia, mesmo que em permanência transitória era fundamental para
afirmar o seu lugar no mundo. “É nos hotéis [residências da aristocracia] não nas casas burguesas que eles se
reúnem, locais em que encontram condições para satisfazer suas exigências sociais, onde são gerados aqueles
requintes que amalgamam os diversos elementos do ‘monde’ distinguindo-o de quem os observa de baixo: o
‘savoir-vivre’ compartilhado por todos, a unidade da cultura espirituosa, o refinamento das maneiras e a formação
do bom gosto” (Elias, 2001, p. 82).
23
bondade e tolerância “os seres inferiores como as mulheres, as crianças e os pobres” (Gay,
1999, p. 22).
E nessa esteira de reconfiguração de valores, de controle e refinamento de instintos e
hábitos considerados mundanos e vulgares, o ensino da música em instituições formais de
ensino no Brasil surge de forma indireta como uma das consequências dessa necessidade
de reorganização estrutural na educação. Processo iniciado com a vinda
da corte portuguesa, em 1808, início do século XIX, e que teve um foco maior na estruturação
da educação superior na colônia.
No Brasil colonial não existiram mais de cinco possibilidades de aprendizado musical:
1. Com missionários religiosos, sobretudo jesuítas, nas Escolas de Ler, Escrever e
Cantar, nas Casas da Companhia e nos Seminários; 2. Com um mestre de solfa, em
Seminários; 3. Com um mestre de capela, nas matrizes e catedrais; 4. Com um mestre
de música independente, tornando-se seu discípulo e para ele exercendo atividade
musical em contrapartida pela formação. 5. Com um mestre mais influente em uma
cidade, nas raras classes coletivas, do tipo da que foi criada por José Maurício Nunes
Garcia na década de 1790 (Binder; Castagna, 1998, p. 17).
A instalação da família real portuguesa em terras brasileiras fez com que uma nova
configuração social, cultural e econômica tivesse que começar a ser pensada para a colônia.
Uma nova perspectiva de civilidade tornou-se imprescindível para a acolhida da realeza naquele
Brasil3 (Carvalho, 2008). Uma nova ordem começou a surgir e era importante nascer uma nação
de letrados. Até o ano de 1808, com a abertura dos portos, toda informação musical, oriunda de
qualquer parte do mundo, que chegava ao Brasil vinha através de Portugal (Carvalho, 2008).
Os processos de consolidação da independência e da nova configuração imperial das
colônias no continente americano foram muito guiados pela necessidade de criação de
identidades próprias para as novas nações que nasciam. Uma reconfiguração que fosse
condizente com a diversidade étnica e com todas as implicações que isso significou política e
culturalmente.
A língua, a cultura, a religião e as próprias características étnicas das elites remetiam
necessariamente às antigas metrópoles europeias, e a procura de raízes nacionais
passava pela invenção, ou re-criação, de uma tradição que de uma maneira ou outra
3 3 “Robert Pechman (2002, p. 31) pondera que essas instituições teriam a “missão” de colocar o país no fluxo civilizatório europeu, buscando um “padrão civilizatório” que pudesse se tornar uma referência para todos os
brasileiros, mesmo para os excluídos do pacto do poder. Nesta referência, afirma o autor, uma nova dinâmica é
definida pela fusão entre o nacional e o civilizatório, na aproximação entre o particular e o universal” (Augusto,
2010, p. 68).
24
estabelecesse uma relação entre a antiga metrópole, a cultura dos indígenas e o novo
Estado Independente4 (Rowland, 2003, p. 366).
A partir da nova onda civilizatória para a nação do Império do Brasil, a primeira
manifestação do governo com a intenção de oficializar o ensino da música foi no relatório do
Ministério dos Negócios do Império sobre o ano de 1833, pelo ministro Antonio Pinto
Chichorro da Gama (1800-1887). Através deste documento se indicava a criação dentro da
Academia de Belas-Artes5 a disciplina de música (Augusto, 2010).
Ainda no ano de 1833, o músico Francisco Manuel da Silva (Rio de Janeiro, 1795 -
1865), compositor do hino nacional brasileiro, organizou a criação da Sociedade de
Beneficência Musical. Era uma associação que tinha o intuito proteger seus membros, promover
e solidificar a cultural da música no Brasil. A partir disso, a necessidade da criação de um
conservatório, uma escola com base pedagógica bem estruturada para o ensino da música, foi
vindo como uma consequência natural de toda esta movimentação (Almeida, 1942; Augusto,
2010).
Com a articulação através de algumas manobras políticas, foi baixado o Decreto n°
238, 27 de novembro de 1841, pela Assembleia Geral Legislativa. Através dele, a Sociedade de
Música arcava com a obrigação de:
Art. 1. ° - A criação de um conservatório de música com o fim de atrair pessoas de
um e outro sexo nas quais se conheçam disposição e talento, a fim de as instruir e
formar artistas que possam satisfazer às exigências do culto, às necessidades do teatro
e aos encantos da cena italiana.
Art. 2. ° - O conservatório em seu começo será composto de seis mestres ou lentes, a
saber: um de princípios de música, um de canto, um de instrumento de corda, um de
instrumento de sopro, um de contraponto, além destes terá um outro para lecionar em
qualquer lugar ou estabelecimento público àquelas jovens que se quiserem dedicar à
música, uma vez que possam preencher o fim do conservatório.
Art. 3. ° - Os mestres ou lentes serão escolhidos entre os mais hábeis artistas, quer
nacionais ou estrangeiros, mandando-se contratar na Europa aqueles que no país se
não puderem obter.
4 “Nas novas nações latino-americanas esta procura traduziu-se em três atitudes em relação à civilização europeia:
a primeira, exemplificada por Simón Bolívar, consistia na valorização, mesmo com hesitações e críticas, da cultura
e das particularidades da população indígena; a segunda, cujo o expoente mais notório foi Domingo Sarmiento,
exprimia uma adesão radical à civilização europeia e consequente rejeição das culturas indígena e mestiça; e a
terceira, que correspondeu à posição que viria a ser adotada pela elite imperial brasileira, procurou cultivar a
imagem de uma civilização europeia transplantada para a América tropical” (Salles, 1995, p. 95-96 apud Rowland,
2003, p.366). 5 Com este intuito civilizatório de forte influencia europeia para construir de fato uma nação brasileira várias
instituições foram criadas: Instituto Histórico Geográfico (1838), Museu Nacional (1842) e a Imperial Academia
de Belas-Artes (1842). “[...] Ao mesmo tempo em que inaugura e reformula estabelecimentos formadores de sua
elite nacional, como o Colégio D. Pedro II (1837). Da mesma forma demarca seus lugares de atuação no que diz
respeito à música, reorganizando a orquestra da Capela Imperial (1843), retomando as temporadas de óperas (1844)
e inaugurando o Conservatório de Música (1848) ” (Augusto, 2010, p. 142).
25
Art. 4. ° - A sociedade obriga-se a expensas do conservatório coadjuvar as pessoas de
reconhecido talento que se queiram se dedicar às artes, concorrendo com o quanto for
necessário para a sua instrução, e bem assim fazer viajar aqueles de seus alunos que
mais se distinguirem e derem esperança de satisfazer os fins do estabelecimento. Art. 5. ° - A sociedade dará conta ao governo do estado progressivo e financeiro do
conservatório.
Art. 6. ° - Um estatuto adequado às circunstâncias de um tal estabelecimento será
imediatamente organizado. (a) Francisco Manuel da Silva (Almeida, 1942, p. 343).
É oficializada a obrigatoriedade da criação do Imperial Conservatório de Música do
Rio de Janeiro, em funcionamento somente em 1848. A primeira escola de música do país,
hoje denominada Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro; a segunda foi
o Instituto de Música da Bahia de 1895, atualmente Escola de Música da Universidade Federal
da Bahia; a terceira o Instituto Estadual Carlos Gomes de 1895, em Belém, Pará. Além destas
instituições exclusivamente voltadas à música, existiram também os chamados colégios de
instrução geral, como o Colégio Pedro II (Vieira, 2004; Freire, 1996).
Por toda a trajetória brasileira de fundamentação do modelo institucional que é o
conservatório, é possível perceber que esse foi criado para servir, propagar, enaltecer e
conformar a produção musical brasileira aos moldes da música erudita europeia. Essa era o
ápice da elegância, sofisticação e bom gosto que aquela sociedade brasileira do século XIX
acreditava ser o máximo da civilidade alcançada para a música.
O discurso da moralidade como base da arte, ou da arte como possuidora de uma
essência moral, refletia diretamente os anseios de uma sociedade que buscava
sobremaneira distinguir-se como culta e, portanto, detentora dos quesitos básicos a
ser recebida no âmbito das nações civilizadas. A arte não só “amaciaria os gostos”,
como formaria cidadãos que, dentro de um projeto civilizatório voltado para a
estetização do cotidiano, pudessem integrar a ordem que se estabelecia: a ordem
cortesã, estimuladora da boa moral e da doçura dos costumes (PECHMAN, 2002, p.
15 apud Augusto, 2010, p. 71).
E a busca por esta onda civilizatória pautada num ideal eurocêntrico de moralidade e
de costumes, de certa forma, ainda vaga pelo imaginário cultural de muitos no país, algo como
um complexo de inferioridade de colonizados. Sendo assim, é compreensível que a música
popular urbana e muitas outras construções identitárias musicais no Brasil – muito criadas a
partir de misturas étnicas e culturais – demorassem (e ainda esteja neste processo) a ser
absorvida e de fato equiparada em importância dentro dos conservatórios à música de padrão
europeu. Assim, consideramos importante trazer a perspectiva da inserção da música popular
no meio de ensino conservatorial para entender um pouco dos vários significados que isso pode
ter.
26
Ao trazer a questão do ensino conservatorial de música para as terras pernambucanas,
a grande luta em prol da criação de um conservatório em Recife começou ainda no século XIX,
através de um dos grandes músicos pernambucanos, Euclides Fonseca6 (1853-1929), fundador
do Centro Musical Pernambucano e do Orfeão da Escola Normal Oficial. Em 1903, Euclides
Fonseca criou o Curso Completo de Música, iniciativa que não vingou por muito tempo. Em
1918, ele criou o Centro Musical Pernambucano, a ideia era oferecer aulas teóricas e práticas
de música, sobretudo àqueles estudantes que não teriam condições de bancar este tipo de aula.
Havia a intenção de promover “a realização de concertos sinfônicos, privilegiando
compositores locais; a assistência aos músicos que passassem por problemas; e a fundação de
uma revista para defesa e propaganda da música” (Barza, 2015, p. 14). O Centro Musical
Pernambucano esteve ativo até 1922.
A mudança do pianista e compositor carioca Ernani Braga (1888 - 1948), para o Recife,
por volta de 1927, e sua atuação como crítico musical no periódico A Província animou a
discussão sobre a necessidade de uma escola especializada em música na cidade. O músico
conseguiu notoriedade para a sua pauta levantada, o debate foi ampliado pelo jornal Diário da
Manhã com a entrevista de músicos profissionais atuantes na cidade como Vicente Fittipaldi
(1904 - 1985).
Em 1930, foi criado o Conservatório Pernambucano de Música, através da doação de
dez contos de réis por parte do conde Ernesto Pereira Carneiro, que era dono da Companhia de
Comércio e Navegação e do Jornal do Brasil. O Conservatório só passou a atuar plenamente
em 1931, com cerca de cem alunos no primeiro ano e seguindo o programa de ensino do
Instituto Nacional de Música. Ernani Braga foi o primeiro diretor da instituição.
Até o ano de 1967, o Conservatório nunca havia tido uma sede própria. Também por
isso nunca tinha tido de fato autonomia administrativa, e financeira, mesmo sendo uma
autarquia administrativa incorporada ao Estado desde 1941. Em 1966, a autarquia foi desalojada
do prédio alugado de número 94, na Rua do Riachuelo, no bairro da Boa Vista, onde funcionara
desde a sua criação. Os móveis e instrumentos chegaram a ser postos na rua, despejados na
calçada. Diante de situação tão alarmante, Vicente Fittipaldi conseguiu uma audiência junto ao
então governador Paulo Pessoa Guerra. O governador disponibilizou o casarão da Avenida João
6 De Recife, foi compositor, pianista, regente, professor e crítico musical. Euclides Fonseca foi regente das
orquestras do Clube Carlos Gomes e do Círculo Católico. Compôs a ópera Leonor e outras obra de caráter
dramático como II Madeleto, A princesa do Catete e As damas d’honor, músicas para orquestra, música vocal e
obras populares como valsas, polcas e quadrilhas.
27
de Barros, número 594 (que pertencia ao Colégio da Polícia Militar) e que até hoje é a sede
oficial do Conservatório Pernambucano de Música.
Em 1967, assumiu o governo do Estado de Pernambuco o industrial e médico Nilo de
Sousa Coelho. Acompanhando o “surto desenvolvimentista” do país, na busca por “mudança e
renovação”, o Governo indicou o nome de Cussy de Almeida para assumir a direção do
Conservatório (Barza, 2015, p.26).
Cussy de Almeida (1936 - 2010) era violinista de formação. Iniciou seus estudos
musicais ainda na infância através de seu pai, Waldemar de Almeida (Macau, 1904 - São Paulo,
1975), que também era músico. Em 1950, se mudou para Recife, onde passoua ser aluno de
Vicente Fittipaldi e primeiro violino da Orquestra Sinfônica de Recife, aos 14 anos de idade,
além de também atuar em orquestras de rádio. Em 1958, seguiu para Paris para continuar os
estudos no Conservatório Nacional de Música. No ano seguinte, ingressou no Conservatório de
Música de Genebra. Formou-se em violino em 1962, recebeu o prêmio Albert Lulin como aluno
de maior destaque pelos dotes artísticos e trabalho. Ainda em sua estadia pela Europa, foi
spalla e solista da Orquestra da Juventude Musical Suíça por quatro anos e violinista
da Orquestra da Suisse Romande.
O violinista, mesmo sendo relativamente novo, tinha uma vivência musical bastante
considerável, tendo vivido e atuado nos maiores centros musicais da Europa. Em sua volta ao
Brasil, quis trazer esta experiência adquirida para a cena musical de Pernambuco. A intenção
de Cussy era ampliar o protagonismo da música e da educação musical no estado. Em 1967, ao
assumir a direção do Conservatório Pernambucano de Música, a principal escola de música em
Pernambuco, a ideia de reestruturar os processos de ensino na instituição não tardou a surgir.
Segundo Barza (2015), o período de 1967 a 1990, com idas e vindas de Cussy de Almeida para
a sua direção, foram anos de consolidação do que é o Conservatório enquanto escola de ensino
da música.
Numa entrevista dada ao Diário de Pernambuco em novembro de 1970, Cussy de
Almeida fala que o plano de recuperação para o Conservatório foi elaborado por ele
e por Jarbas Maciel, compositor, violinista e professor da UFPE. Tomando como
modelo os conservatórios e política cultural da Europa e dos Estados Unidos [...]
(Barza, 2015, p. 26).
Além de reformas estruturais para a sede definitiva da Avenida João Barros, Cussy de
Almeida buscou a organização de um novo regimento jurídico para a autarquia. E conseguiu
inserir os professores do Conservatório no quadro de funcionários regularizados da Secretaria
de Educação. Até então o corpo docente recebia remuneração no esquema de serviços
https://pt.wikipedia.org/wiki/Solista
28
prestados, sem estabilidade ou direitos à aposentadoria. Também todos os cursos oferecidos
pela instituição foram redefinidos.
E, entre as muitas atividades educacionais já propostas, Cussy de Almeida
regulamentou a realização de festivais (Figura 1) e concursos de música erudita e popular.
Também surge, pela primeira vez, na grade oficial de ensino do Conservatório Pernambucano
de Música a música popular, com a oferta dos chamados cursos livres, no turno da noite. Os
instrumentos ofertados na época foram violão, piano e bateria. A oferta oficial desses cursos
começou em março de 1968 (Figura 2).
29
Figura 1 – Publicação no Diário Oficial de 21 de julho de 1968.
Fonte: acervo de Ségio Nilsen Barza.
30
Figura 2 - Nota de divulgação da oferta dos cursos livres em música popular, 18 de março de 1968, jornal
Diário da Manhã, Recife.
Fonte: acervo de Sérgio Nilsen Barza.
31
Cussy de Almeida, para além das atividades no CPM, era um músico atuante em várias
das orquestras de rádio de Recife, convivendo com músicos autodidatas atuantes em música
popular. Com a criação dos cursos livres do Conservatório, ele viu para uma forma de interligar
duas das suas vertentes de atuação na vida musical. Os músicos autodidatas, colegas seus da
rádio, tiveram mais uma possibilidade profissional de organização, de aprendizado e
compartilhamento para seus conhecimentos musicais. Muitos músicos de destaque na cidade
foram chamados para suprir o quadro docente da instituição, dentre eles o violonista Henrique
Annes, que viria a ser um dos integrantes da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco.
Segundo Barza, em entrevista concedida à autora7, o primeiro curso livre de música
popular a ser ministrado foi o de bateria. E é o único instrumento dentro do Conservatório que
sempre seguiu uma metodologia de ensino desenvolvida exclusivamente a partir de material
didático voltado à música popular. É uma prática ainda recorrente na instituição fazer uso de
métodos de música erudita para o ensino, sobretudo nos sopros. Fazendo o recorte a partir da
experiência do CPM, é possível perceber que o ensino de música popular é muito construído a
partir da experiência dos alunos e dos professores, com as suas trocas de saberes, das vivências
enquanto profissionais atuantes no mercado. Os naipes de cordas dedilhadas e parte do naipe
de percussão popular são os que mais se consolidam através dessas práticas.
Para exemplo, a experiência do músico, pesquisador, ex-aluno do Conservatório nos
anos 1990 e atualmente professor efetivo da instituição, Marcos Ferreira Mendes, conhecido na
cena musical como Marcos FM. Ele foi aluno de baixo e contrabaixo acústico dos falecidos
professores da casa e ex-integrantes da Dedilhadas, Marcos Silva Araújo e Antônio Dias,
conhecido como Tony Fuscão. Em entrevista concedida a esta pesquisa8, Marcos FM contou
que nas aulas que teve, na década de 1990, eram muito trabalhadas a improvisação e a
rearmonização para as músicas. Para ele, pensar sobre os processos de construção destas
dinâmicas de ensino e aprendizagem na música sempre foi condução muito presente nas trocas
de saberes com esses dois professores.
O músico recorda de passar aulas inteiras com Marcos Silva Araújo tocando e
improvisando sobre os acordes de Mi menor (Em), Lá menor (Am) e Ré maior com a sétima
menor (D7). Além disso, Marcos Silva Araújo tinha uma base musical que vinha do jazz, mas
também era muito ligado à música popular brasileira, a improvisação e a reamonização. Tony
Fuscão vinha de uma formação baseada nas linguagens do blues e do jazz, mas já fazendo um
diálogo com a cultura nordestina pernambucana de sua origem. Essas bases de formação e de
7 Em 06 de novembro de 2017. 8 Também no dia 06 de novembro de 2017.
32
profissionalização dos professores, o empenho e os interesses musicais dele, Marcos FM,
enquanto aluno, foram as conduções principais para a metodologia e para concepção de material
didático para as suas aulas.
Como será mostrado nas páginas e seções mais adiante, essa perspectiva de ensino e
de aprendizagem foi força motriz para a atuação e criação sonora do que foi o som da
Dedilhadas, na atuação de seus músicos tanto enquanto professores ou músicos de performance
do quadro da instituição CPM. Conforme entrevista, em 19 de outubro de 2017, com o músico
Marco César e também em consulta aos documentos de seu arquivo, no ano de sua criação,
1982, a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco surgiu usando o nome Conjunto de
Cordas Dedilhadas. Neste primeiro momento só havia nove integrantes no grupo, por isso
Conjunto e não Orquestra. Os nove integrantes eram: Marco César, Dazio Sales, Adelmo
Arcoverde, João Lyra, Nilton Rangel, Henrique Annes, Thales Silveira (que logo foi substituído
por Marcos Silva Araújo), Geraldo Leite e Inaldo Gomes da Silva, como consta no programa
de sua primeira apresentação oficial, em fevereiro de 1982 (Figura 3).
A partir de fevereiro de 1983, pelos programas de apresentações do grupo consultados
e digitalizados para esta dissertação, ainda se tem o registro dos dois outros nomes sendo
usados, tanto Orquestra de Cordas Dedilhadas como Conjunto de Cordas Dedilhadas (Figura
4). Por essa razão, em referências feitas que sejam anteriores ao ano de 1984, ano em que o
nome Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco é oficializado, faremos menção ao
Conjunto de Cordas Dedilhadas.
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Figura 3 - Programa da primeira apresentação do Conjunto de Cordas Dedilhadas.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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Figura 4a (frente dos programas) - Programas de apresentação de 1983 em que aparecem os dois nomes:
Conjunto de Cordas Dedilhadas e Orquestra de Cordas Dedilhadas.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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Figura 4b (verso dos programas) - Primeiro programa da página, de março de 1983, da Faculdade de Ciências
Humanas de Olinda (FACHO). Segundo programa, da Fundação de Ensino Superior de Olinda (FUNESO)
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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A criação dos cursos populares no Conservatório influiu muito sobre a existência e a
atuação do Conjunto. Segundo Marco César em entrevista concedida a nós, com exceção de
Henrique Annes, o único que sabia ler partitura no grupo era Ivanildo Maciel. Por isso, alguns
dos integrantes do grupo fizeram esses cursos por indicação de Cussy de Almeida, Marco César
e Adelmo Arcoverde. Henrique Annes foi o primeiro do grupo a se tornar funcionário do
Conservatório, antes mesmo do Conjunto ser criado. O que também aconteceu com a
contratação de outros integrantes do grupo: Ivanildo Maciel, Nilton Rangel e Marco César.
O Conjunto foi criado oficialmente por Cussy de Almeida, ao reassumir o cargo de
professor no Conservatório em 1982, em seu retorno ao Recife, depois de uma temporada como
diretor do Instituto Nacional de Música da FUNARTE (Fundação Nacional de Artes). Sua
criação foi possível através de uma linha de ação da Secretaria de Cultura9 do Ministério da
Educação e Cultura para “a preservação dos valores culturais e produção, circulação e consumo
de bens culturais” (Barza, 2015, p.40). A supervisão ficaria a cargo da Secretaria de Educação
e Cultura do Estado por meio do Departamento de Cultura e do Conservatório Pernambucano
de Música.
A respeito disso, Marco César conta que Cussy de Almeida em reunião com o então
secretário de Fazenda, Everardo Maciel, teria conseguido convencê-lo a ouvir o Conjunto. O
grupo fez um concerto em seu gabinete, após a apresentação o secretário perguntou o que
faltava, Cussy respondeu que era a verba. O secretário Everardo Maciel pediu que ele
apresentasse oficialmente um projeto à Secretaria pois a verba era algo fácil de ser resolvido.
Para os músicos integrantes do Conjunto de Cordas Dedilhadas foi criado um cargo
dentro do quadro de funcionários do Conservatório Pernambucano de Música. Segundo Marco
César ainda, eles foram efetivados em 1982 com contratação específica como músicos
instrumentistas, com o cargo denominado de professor sem habilidade específica.
9 O professor e pesquisador Sérgio Nilsen Barza, autor do livro Conservatório Pernambucano de Música – 85 anos: uma apreciação no trecho em que faz referência à Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambucano, nome
assumido pelo Conjunto de Cordas Dedilhadas a partir de 1984, afirma que a linha de ação do Ministério da
Educação e Cultura era da Secretaria de Educação em vez de ser da Secretaria de Cultura do mesmo (2015, p.40).
Porém, ao analisarmos o programa da primeira apresentação do Conjunto de Cordas Dedilhadas (Figura 3) consta
que “a linha de ação a ser desenvolvida pelo Conjunto de Cordas Dedilhadas enquadra-se nas diretrizes da
Secretaria de Cultura do MEC na lúcida administração de Aloísio Magalhães. A preservação dos valores culturais
e produção, circulação e consumo de bens culturais”, texto de apresentação do grupo escrito pelo próprio Cussy
de Almeida em 1982. A partir dessa divergência de informações, foi necessário buscar fontes bibliográficas para
esclarecer o fato. No portal eletrônico oficial do Instituto do Patrimônio Histório e Artístico Nacional (IPHAN) e
no portal eletrônico em homenagem ao Aloísio Magalhães é possível constatar que era mesmo a Secretaria de
Cultura, sob comando desse e não a Secretaria de Educação. Disponíveis em:
e . Acesso em: 15 mar. 2018.
http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/59/secretaria-de-cultura-do-ministerio-da-educacao-e-cultura-1981-1985http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/59/secretaria-de-cultura-do-ministerio-da-educacao-e-cultura-1981-1985
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O Conjunto Regional do CPM foi fundamental para a criação da Dedilhadas, pois esse
já contava com alguns integrantes do futuro grupo: Marco César de Oliveira Brito, Henrique
Annes e Nilton Rangel, Ivanildo Maciel, Geraldo Leite, Mário Moraes Rego (Barza, 2015, p.
39). Segundo Marco César, o Conjunto Regional foi criado em 1978 exclusivamente para a
realização de apresentações com outro grupo também do Conservatório: a Orquestra Armorial
de Câmara de Pernambuco. Como consequência destas apresentações, o Regional participou da
gravação e do lançamento do quinto LP da Orquestra Armorial, interpretando a Suíte Retratos10,
de Radamés Gnattali, em 22 de junho de 1981 (Figura 5). Marco César fez o bandolim solo na
gravação, e conta ainda que foi o primeiro bandolinista a realizar este feito após Jacob do
Bandolim.
10 A obra é uma homenagem aos quatro mais importantes músicos do gênero choro: Pixinguinha, Ernesto Nazareth,
Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.
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Figura 5a (verso do programa) - Programa da apresentação do quinto disco da Orquestra Armorial, em 22 de junho
de 1981.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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Figura 5b (frente do programa) - Programa da apresentação do quinto disco da Orquestra Armorial, em 22 de junho
de 1981.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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A primeira formação do grupo foi composta com Henrique Annes no violão, Marco
César no bandolim, Dazio Sales no cavaquinho, Adelmo Arcoverde na viola, João Lyra na viola
e no violão, Nilton Rangel na viola, Thales Silveira no contrabaixo, Geraldo Fernandes e
Passarinho na percussão. Thales logo foi substituído por Marcos Silva Araújo, por ter ido para
os EUA estudar na Berklee School of Music. Seus músicos, arranjadores e compositores foram,
na formação por mais tempo consolidada (já com o nome de Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco) e com maior circulação artística: Henrique Annes (violão), João Lyra (viola),
Adelmo Arcoverde (viola), Nilton Rangel (viola), Marco César (bandolim), Rossini Ferreira
(bandolim), Ivanildo Maciel (bandolim), Mário Moraes Rêgo (cavaquinho), Marcos Silva
Araújo (contrabaixo acústico), Geraldo Fernandes Leite (percussão) e Inaldo Gomes da Silva
(conhecido pelo apelido Passarinho, também na percussão).
Duas passagens importantes entre os integrantes da Dedilhadas: Heraldo do Monte e
Lêdjane Sara. Em 1988, houve concurso público no governo estadual de Miguel Arraes para os
cargos de professores instrumentista e arranjador da Orquestra de Cordas Dedilhadas do
Conservatório Pernambuco de Música. Lêdjane Sara foi contratada como professora
instrumentista de cavaquinho e violão de sete cordas. Heraldo do Monte11 foi contratado como
professor arranjador da Orquestra (Figura 6). Os dois não permaneceram muito tempo na
Dedilhadas, Lêdjane pouco tempo depois foi aprovada como professora de música no Colégio
de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco; Heraldo do Monte resolveu continuar a
seguir exclusivamente em sua carreira como solista.
11 “[...] A trajetória de Heraldo do Monte deve ser compreendida nessa longa duração e também na condição de
compositor e destacado instrumentista. Além disso, ela transita por diversos universos da música. Suas referências
e experiências iniciais ocorrem no domínio da música regional nordestina que permanecem durante toda sua
carreira e estão presentes em suas composições na forma de baião, frevo e outros gêneros. Elas podem ser muito
bem identificadas nas performances e arranjos do Trio Novo e, sobretudo, do Quarteto Novo, que inaugura uma
forma sofisticada de diálogos musicais com base no universo sonoro sertanejo. Ele carrega toda essa experiência
para sua prática instrumental de violão, viola e guitarra. Suas composições revelam também vínculos regionais
como no frevo Chuva Morna ou em Forrozin (1980), Caboclo Elétrico e Lágrima Nordestina (1983). Projetos
mais amplos mostram esses vínculos de modo mais evidente, como em ConSertão (1982), cujo nome é uma
lembrança explícita, gravado com Elomar, Paulo Moura e Arthur Moreira Lima, reunindo canções de Luiz
Gonzaga, Elomar, Heitor Villa-Lobos e Severino Araújo. Segue proposta semelhante o disco Viola Nordestina, de
2001, que contém músicas suas e de outros compositores (como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Pedro Sertanejo e
Elomar) com esse perfil. Já em Moda de Viola, de 2004, inclui clássicos da música sertaneja (Luar do
Sertão, Maringá, Chico Mineiro, Menino da Porteira e Tristeza do Jeca) em solo de viola. Além da música
regional, Monte é influenciado pelo choro, gênero que conhece desde jovem, quando toca em rodas no Recife. Ele
é importante para o desenvolvimento de sua prática instrumental do violão e bandolim e também do improviso”.
Disponível em: . Acesso em: 22 maio
2018.
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Figura 6 - Publicação da página do Diário Oficial pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE) referente ao concurso
público em que Lêdjane Sara e Heraldo do Monte foram aprovados, em 1988.
Fonte: acervo de Sérgio Nilsen Barza
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Em 1983, o grupo fez participação em uma apresentação com Elizeth Cardoso,
juntamente com uma orquestra de câmara sob regência e arranjos do maestro Clóvis Pereira.
O evento foi realizado para a comemoração dos 133 anos do Teatro de Santa Isabel, o mais
importante teatro da cidade de Recife (Barza, 2015, p.40). Ainda neste ano, Cussy de Almeida
assumiu a presidência da Fundação de Cultura da Cidade do Recife. É a partir de 1984 que o
nome Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco passa a ser o único usado, até o fim da
atuação do grupo. O nome aparece pela primeira vez, no encarte e no programa de
apresentação do lançamento do disco em homenagem a Lourenço da Fonseca Barbosa (1904
– 1997), o Capiba, um dos mais importantes compositores de frevo. O disco foi intitulado
Capiba 80 anos e foi lançado pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife (Figura 7). Às
referências dessa data em diante, o nome usado nesta dissertaação será Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco.
No mesmo ano de 1984, através de financiamento dessa Fundação, o grupo lançou seu
primeiro long play (LP), pelo Projeto Nelson Ferreira, da Fundação de Cultura da Cidade do
Recife. Maurício Carrilho - violonista, produtor musical, arranjador, compositor, importante
referência do choro - foi o produtor artístico desse disco.
Hermínio Bello de Carvalho, estando à frente da Fundação Nacional das Artes
(FUNARTE), na área de produção artística para a Música nos anos 1970/1980, aprovou o
relançamento do primeiro disco, também em 1984, através do Projeto Ary Barroso, o único
projeto, dentro da FUNARTE, também voltado para publicação no exterior. A FUNARTE
também promoveu a publicação de um livro com partituras de músicas apresentadas no disco12.
12 “[...] logo após emplacar o projeto Pixinguinha, ainda em 1977, Carvalho [Hermínio Bello de Carvalho] foi convidado pelo diretor executivo da Fundação [FUNARTE] para ocupar o cargo de consultor de projetos especiais
na área de música, terminando, nos anos seguintes, incorporado ao Instituto Nacional de Música como diretor-adjunto do Departamento de Música Popular Brasileira. [...] Trabalhando oficialmente para a Fundação, HBC
passou a alçar voos mais altos, defendendo, na medida do possível, convicções pessoais que, para felicidade geral,
estavam em relativa sintonia com os propósitos da Fundação, cujas diretrizes eram pautadas pela Política Nacional
de Cultura. Logo de início propõe 4 projetos que são aceitos e implementados. Um dos primeiros, denominado Ary Barroso, visava a divulgação da música popular brasileira no exterior a partir do material discográfico
distribuído via Fundação” (Garcia, 2015, p. 4).
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Figura 7a (frente do programa) - Programa da apresentação de lançamento do disco Capiba 80 anos.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
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Figura 7b (verso do programa) - Programa da apresentação de lançamento do disco Capiba 80 anos.
Fonte: acervo de Marco César de Oliveira Brito.
Posteriormente, o grupo lançou um segundo e último disco intitulado Cordas
Dedilhadas, em 1987, antes de acabar, em meados dos anos 1990, com Nilton Rangel fazendo
o segundo violão e o acréscimo de Ewerton Brandão (Bozó) no cavaquinho, substituindo Mário
Moraes Rêgo, e Antônio Dias na terceira viola. Desde o início da sua criação, há na produção
artística da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, uma proposta de música de
concerto, em formatação camerística, numa intenção de unir tendências estéticas e identidades
culturais brasileiras distintas através da música. A possibilidade de começar a vislumbrar o
diálogo entre a música erudita e a música popular dentro do Conservatório foi fundamental para
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a existência da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, para consolidar a sua
sonoridade.
2.2 A DEDILHADAS E A FUNARTE
O primeiro disco, lançado também pela FUNARTE, é descrito como o pontapé
fundamental para a projeção nacional da Orquestra, para seus músicos. Ainda segundo esses,
sobre a trajetória do grupo, a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco foi criada
também a partir de um apelo pessoal de Cussy de Almeida, através de uma apresentação no
gabinete do secretário da Fazenda à época, Everardo Maciel. O grupo passou a existir vinculado
à Secretaria estadual de Educação e Cultura e subordinado ao Conservatório Pernambucano de
Música.
Por todas as relações políticas apontadas, até mesmo nos depoimentos dos músicos,
por ter sua maior projeção artística impulsionada por um órgão criado dentro de ambiente e
políticas culturais surgidas à época da ditadura militar, apresentar como tais vínculos foram
traçados é a finalidade desta parte do trabalho.
A primeira subdivisão da seção traz o contexto de políticas culturais adotado pela
ditadura militar que vão embasar a criação da FUNARTE. O objetivo é trabalhar um panorama
mais geral das ideias e ações que foram guias para melhor compreender aquele momento
histórico, através do recorte da discussão. Assim, trazemos uma abordagem mais detalhada
sobre a criação da FUNARTE, a relação e as propostas de Hermínio Bello de Carvalho,
enquanto funcionário da instituição, na área de música.
Para a segunda subdivisão, os seguintes pontos são apresentados: o levantamento geral
de quantas faixas a OCDP gravou enquanto intérprete principal e como acompanhante; a
proporção entre os diferentes gêneros musicais dentro das faixas gravadas; a análise dos
arranjos e a distribuição das vozes entre os naipes. Para amostragem um pouco mais esmiuçada,
são feitas análises das cincos músicas que compuseram o livreto da Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco lançado pelo projeto Airton Barbosa.
Em seu texto “A política cultural & o plano das ideias”, Botelho
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