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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia e Conservação e Restauro
Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Móveis
Levantamento Histórico e Iconográfico do Monumento
Funerário “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho”
Fabiana Batista Alfonsin
Pelotas, 2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia e Conservação e Restauro
Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Móveis
Levantamento Histórico e Iconográfico do Monumento
Funerário “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho”
Fabiana Batista Alfonsin
Trabalho acadêmico apresentado ao
Curso Conservação e Restauro de
Bens Culturais Móveis da
Universidade Federal de Pelotas,
como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Conservação e
Restauro de Bens Culturais Móveis.
Professor Orientador: Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho
Pelotas, 2011
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Banca Examinadora:
_____________________________________________________
Profa. Ms. Andréa Lacerda Bachettini (UFPel)
______________________________________________________
Profa. Ms. Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho (UFPel/Orientador)
4
A paz do morro
molha a morte imóvel.
Nas úmidas lápides,
as letras se banham
e nadam em lúdicos versos.
O azul dos olhos
veste o céu de luto.
Nas dobras da roupa,
as lágrimas escorrem
e caem dos olhos azulados.
O discurso das estátuas
cala a voz da indiferença.
Nas bases de pedra
suas asas se quebram
e juntam a dor dos ausentes.
O cheiro das flores
invade a vida de silêncios.
Nas pétalas mágicas,
a memória adormece
e evapora a alma.
Fábio Augusto Steyer
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Agradecimentos
Agradeço verdadeiramente:
- a Universidade Federal de Pelotas e ao Curso de Conservação e Restauro de Bens
Móveis;
- a minha orientadora Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho, pela liberdade, incentivo,
entusiasmo e muito aprendizado;
- a Professora Andréa Bachettini, a Professora Mariana Wertheimer, ao Professor
Jaime Mujica, a Professora Francisca Michelon e a Restauradora Kelli Scolari por suas
consultorias, intervenções e materiais disponibilizados para a realização deste estudo;
- a todos os professores do curso que cederam uma parte de seus conhecimentos
para a construção de minha formação;
- aos colegas da primeira turma de Conservação e Restauro, onde juntos ajudamos a
construir este curso e em especial a colega Verônica, que quando o tempo me faltava
no início do curso, tanto me ajudou com estudos que invadiam a madrugada...
- a todos os funcionários do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro;
- a Senhora Elisabeth Amaral Lemos e sua mãe, Adalgisa Flora Zambrano de Oliveira
Amaral pelas valiosas informações em torno da história desta escultura, das pessoas
retratadas e o material cedido, sem tal auxílio não seria possível contar essa história;
- a colega e principalmente amiga, Nathália Kruger;
- a todos os amigos, pela força em momentos importantes;
- a Giuliano Lourenzo por seu apoio, compreensão e paciência durante todo o
processo de realização desta pesquisa;
- as minhas irmãs por estarem sempre ao meu lado ao longo de toda minha vida;
- aos meus pais, que me ensinaram a buscar e manter tudo isso, construindo minha
própria felicidade;
- a todos aqueles que me ajudaram, direta ou indiretamente, ao longo de minha vida;
- principalmente a Deus, que me permitiu chegar até aqui;
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Resumo
ALFONSIN, Fabiana Batista. Levantamento Histórico e Iconográfico do
Monumento Funerário “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho”. 2011. (54f.).
Monografia (Graduação) – Curso Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens
Culturais Moveis. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas/RS.
A monografia nomeada Levantamento Histórico e Iconográfico do Monumento
Funerário “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho” apresenta o estudo de um monumento
funerário localizado no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula da cidade de
Pelotas/RS. Dentro deste estudo, oferecemos informações sobre a história do
monumento funerário, a iconografia que compõe a escultura que adorna este e
também um estudo da degradação da obra de arte escultórica em bronze que está
sujeita as intempéries e a ação humana.
Palavras chaves: Arte Funerária. Cemitério. Escultura. Iconografia. José Otávio
Correia Lima. Monumento Funerário.
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Abstract
ALFONSIN, Fabiana Batista. Levantamento Histórico e Iconográfico do
Monumento Funerário “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho”. 2011. (54f.).
Monografia (Graduação) – Curso Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens
Culturais Moveis. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas/RS.
The monograph named "Iconographic and Historical Survey of the Funerary Monument
“Adalgisa, Amelinha and Octacianinho" presents the study of a monument located in
the Ecumenical Cemetery São Francisco de Paula in Pelotas / RS. Within this study,
we provide information about the history of the monument, the iconography that make
up the sculpture that adorns it and also a study about the degradation of the artwork in
bronze, which is exposed to weather and human action.
Keywords: Funerary Art. Bronze. Sculpture. Iconography. Funerary Monument.
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Lista de Figuras
Figura 1: Foto do monumento funerário. ..................................................................... 15
Figura 2: Marcas dos dedos e dos estecos na base da escultura. .............................. 16
Figura 3: Marca da fundição na base da escultura onde se lê: Fundição Cavina Rio. . 16
Figura 4: Amostra Granito Vermelho Brasília da Marmoraria Feliz. ............................. 17
Figura 5: Detalhe do Granito do monumento funerário. .............................................. 18
Figura 6: Foto da escultura onde é possível verificar as marcas de pátina verde. ....... 20
Figura 7: Mapa do Quadro Antigo do Cemitério. ......................................................... 22
Figura 8: Quadrantes do Cemitério. No detalhe localização do monumento funerário. 22
Figura 9: Detalhe de proximidades dos túmulos da família. ........................................ 23
Figura 10: Mausoléu sem as letras em bronze. ........................................................... 24
Figura 11: Alegoria da Saudade.................................................................................. 24
Figura 12: Tumulo de Plotino Duarte........................................................................... 25
Figura 13: Detalhe escultura movida do seu local de origem. ..................................... 25
Figura 14: Detalhe base onde ficavam os vasos. ........................................................ 26
Figura 15: Detalhe da assinatura do artista no bronze. ............................................... 26
Figura 16: Escultura em Gesso “Remorso”. ................................................................ 28
Figura 17: Monumento ao Almirante Barroso. ............................................................. 29
Figura 18: Menina e Moça. Bronze de Correa Lima. ................................................... 30
Figura 19: Projeto da escultura 2. ............................................................................... 34
Figura 20: Verso do Projeto de Escultura. ................................................................... 35
Figura 21: Detalhe do projeto. ..................................................................................... 35
Figura 24: Foto do monumento, detalhe da pedra móvel. ........................................... 36
Figura 22: Detalhe 1 da pedra. ................................................................................... 36
Figura 23: Detalhe 2 da pedra. ................................................................................... 36
. Figura 26: Detalhe foto Amelinha. ............................................................................. 41
Figura 25: Detalhe escultura Amelinha. ...................................................................... 41
Figura 28: Foto Adalgisa e Amelinha. ......................................................................... 42
Figura 29: Detalhe Octacianinho escultura. ................................................................ 42
Figura 27: Detalhe escultura Adalgisa e Amelinha. ..................................................... 42
Figura 30: Foto Octacianinho. ..................................................................................... 42
Figura 32: Detalhe do braço da menina no pescoço da figura feminina. ..................... 44
Figura 33: Detalhe de Octacianinho na escultura. ....................................................... 44
Figura 34: Alegoria da Caridade de Cesare Ripa. ....................................................... 46
Figura 35: La Charité de Pieter Braecke. .................................................................... 47
10
Figura 36: La charité de Eugène André Odiné. ........................................................... 47
Figura 37: Pranteadora Dexheimer. ............................................................................ 49
Figura 38: Monumento Assemburg. ............................................................................ 49
Figura 39: Pranteadora Gassen. ................................................................................. 49
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Sumário
Introdução ................................................................................................................... 12
1. Aspectos Técnicos do Monumento “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho” ............ 14
1.1. Granito .......................................................................................................... 17
1.2. Bronze .......................................................................................................... 19
1.2.1. Corrosão do Bronze ...................................................................................... 19
1.3. Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas ............................. 21
1.4. Vandalismo ................................................................................................... 23
1.5. Artista ........................................................................................................... 26
1.5.1. Outras obras de Correia Lima ....................................................................... 29
2. Levantamento Histórico e Iconográfico ................................................................ 31
2.1. História do Monumento e sua Criação .......................................................... 31
2.2. Leitura Iconográfica ...................................................................................... 37
2.2.1. Influência Positivista ..................................................................................... 38
2.2.2. Índices Iconográficos da Imagem.................................................................. 39
2.2.3. Alegoria da Caridade .................................................................................... 45
2.2.3.1. Outras obras denominadas caridade: ........................................................ 47
Conclusão ................................................................................................................... 48
Referências ................................................................................................................ 51
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Introdução
Segundo Bellomo (2000), a arte funerária é tão antiga quanto à própria arte,
desde os tempos pré-históricos os mortos eram enterrados com estátuas de pequeno
porte em cerâmica que representavam animais, pessoas ou divindades, para esses
povos, era uma forma de garantir a sobrevivência para o morto e suas atividades
terrenas.
Há dois feitios principais que permanecerão em toda arte funerária, “a relação
da produção artística com as crenças religiosas e a necessidade de manter a relação
do modo com o mundo material que ele abandonou, destacando principalmente seu
papel na sociedade em que viveu.” (BELLOMO, 2000, p.39).
Conforme Bellomo escreveu, a Arte Funerária, assim como os outros ramos da
arte, era utilizada como uma forma de representatividade das posses, da profissão,
titulações dentre outros atributos sociais que identificassem o papel do morto ou de
sua família perante a sociedade. Ainda como forma de sustentar isto, Bellomo
escreveu: “Voltaire descobriu, pela própria experiência, que uma sociedade de classe
não permite uma morte igualitária.” (BELLOMO, 2000, p.44).
No Rio Grande do Sul, há indícios de monumentos funerários a partir do século
XIX, esses monumentos normalmente são capelas funerárias onde as esculturas
estão em sua maioria ausentes, ou limita-se a um crucifixo. Já no século XX, os
monumentos funerários passam a receber estátuas alegóricas católicas, como: Cristo,
Santos ou Anjos.
Esta monografia expõe o estudo aprofundado de um monumento funerário
específico, sendo este o monumento que nomeamos de “Adalgisa, Amelinha e
Octacianinho”, o chamaremos deste modo por serem os nomes incrustados no granito
e que se referem aos restos mortais depositados neste espaço.
O monumento funerário em estudo é composto de uma base em granito
vermelho e de uma escultura em bronze datada de 1931 do artista José Otávio Correa
Lima e está localizado no Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas,
também conhecido como Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula.
Este monumento funerário merece um estudo específico em torno dele por
inúmeros motivos que serão expostos e defendidos ao longo do texto, dentre eles:
Peculiaridade da escultura diferentemente das ornamentações colocadas pelas
marmorarias que eram realizadas em série, importância do artista no ramo da
escultura de sua época, qualidade artística da mesma, exclusividade da escultura nos
13
cemitérios de Pelotas e Porto Alegre quanto a sua temática da mãe maternal
representada com os filhos ainda em vida, sem marcas de sofrimento.
O estudo que segue tem como objetivos: a) Apresentar uma história deste
monumento funerário, e para isso, terá de entrar na história desta família, no caso a
família Zambrano/Oliveira. b) Oferecer uma leitura iconográfica da escultura que
adorna este monumento, onde para uma melhor compreensão desta leitura, se faz
necessário um conhecimento maior da época e os costumes desta e que estarão
expostos neste. c) O estudo busca apresentar o estado de conservação desta obra,
bem como explanar sobre sua degradação e as causas, apontando assim medidas
preventivas para a devida preservação deste bem, e também abordar o vandalismo
que o cemitério vem sofrendo ao longo de vários anos.
Este estudo se faz necessário, uma vez que é uma importante ferramenta para
fomentar conhecimento em torno da arte funerária, pois este é um campo de grande
valor artístico e que não recebe a devida valorização e poucas são as pessoas que
conhecem essa arte. Acreditamos que somente através do conhecimento é que
poderemos conseguir ações de resgate e valorização desses bens.
Os procedimentos que foram adotados durante a elaboração deste estudo
foram os de levantamento bibliográfico em livros, teses e dissertações, pesquisas em
jornais locais da época como o “Diário Popular”, “O Libertador”, e “A Opinião Pública”,
consultas a especialistas, registros fotográficos e entrevistas a Família Zambrano
Amaral.
No Capítulo I, serão abordadas informações técnicas do monumento funerário,
como sua localização, seus materiais, informações sobre a história do artista que
produziu a escultura, além disso, apresentaremos informações sobre o vandalismo
que o cemitério vem sofrendo e sobre a corrosão da escultura em questão, assuntos
esses necessários para a preservação deste e de outros monumentos que compõem o
cemitério.
Já no Capitulo II, traremos informações sobre a história desta escultura, onde
teremos que levantar aspectos históricos da família Zambrano/Oliveira. Além disso,
faremos uma leitura da iconografia presente neste monumento funerário.
O objetivo geral desta pesquisa é, como falado anteriormente, fomentar
conhecimento em torno desta arte, e ressalto, que há diversos outros monumentos
funerários no próprio Cemitério da Santa Casa de Pelotas que merecem um estudo
aprofundado como este ou mais.
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1. Aspectos Técnicos do Monumento “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho”
Para a realização deste trabalho escolhemos o monumento funerário
denominado: “Adalgisa, Amelinha e Octacianinho” (Fig.1). Neste, realizaremos estudo
mais aprofundado em torno de sua história e iconografia, ainda, explanaremos sobre
ações de preservação deste bem e de outros contidos neste espaço. Este monumento
funerário encontra-se no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula, localizado na
cidade de Pelotas/RS.
Consideramos que essa escultura possui grande valor patrimonial, pois se trata
de uma obra em bronze, de grandes proporções (1,50m x 1,00m), do artista Correia
Lima que foi um grande escultor brasileiro, que teve em suas obras elogios inclusive
do crítico de arte da época Gonzaga Duque no livro: Contemporâneos: pintores e
escultores:
Como todos os artistas que amam verdadeiramente a sua arte, que
nela sentem o conforto, o consolo e o gozo supremo do supremo
instinto, que é o estético, o Sr. Corrêa Lima acaba pacientemente a
sua obra, procurando dar-lhe a emoção que o enlevou. Desse
processo resulta que a impressão da obra trabalhada por suas
brancas mãos compridas não acusa repentes, não zurze a
emotividade do contemplador com rútilos coriscos de ineditismo ou a
fere de súbito com veementes raspões e contornos exasperados de
modelagem. É equilibrada com seu conjunto, firma-se e impõe-se
pela correção geral de todos seus detalhes. E por isso percebe-se
uma tendência particular para os corpos normais, em que a
dificuldade da forma corresponde à ausência dos destaques bruscos
conseqüentes de depressões e protuberâncias violentas de
organismos torturados. [...] o Sr. Corrêa Lima obteve no bronze todo o
vigor que seus dedos e esboçadores imprimiram à matéria plástica;
(DUQUE, 1929, p. 71-72).
15
Figura 1: Foto do monumento funerário.
Fonte: Autora, 2011.
O monumento funerário apresenta sua base em formato quadrado com 310 cm
de largura em ambos os lados. A altura da base em granito é de 147 cm e a escultura
mede 150 cm de altura e sua base 100 cm de largura.
O túmulo traz inscrições nos quatro lados, aparentemente essas inscrições
foram feitas com a técnica de jateamento abrasivo, processo que consiste na projeção
de pequenas partículas de material abrasivo, de alta dureza como a areia. Essas
partículas são projetadas contra uma superfície por meio de ar comprimido, vapor ou
força centrífuga. As inscrições que constam no granito do monumento feitas a partir da
referida técnica são as seguintes:
- Frontal: 07/08/1894 ADALGISA 01/05/1926
- Lateral Direita: OCTACIANINHO
- Costas: SAUDADE
- Lateral Esquerda: AMELINHA
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O escultor deixou sinais aparentes na escultura do processo de modelagem, onde em
sua base aparecem marcas de dedos e de estecos conforme se pode visualizar na fig. 2.
Figura 2: Marcas dos dedos e dos estecos na base da escultura.
Fonte: Autora, 2011.
A escultura apresenta também a assinatura do artista, C. Lima 1, além da
assinatura da Fundição, onde se lê: Fundição Cavina Rio, conforme fig.3.
Figura 3: Marca da fundição na base da escultura onde se lê: Fundição Cavina Rio.
Fonte: Autora, 2011.
1 Ver capítulo I, página 26.
17
A Fundição Cavina Rio é citada no site do Museu de Arte do Rio Grande do Sul
Ado Malagoli como uma das primeiras empresas de fundição envolvidas com processo
artístico do Brasil, segundo o trecho que segue:
Com a reurbanização da cidade do Rio de Janeiro, no início do século
vinte, surgem as primeiras fundições envolvidas com o processo
artístico. São elas: Fundição Indígena, Fundição Cavina e Fundição
Zani, responsáveis pela maioria das estátuas e bustos que hoje
enfeitam nossas praças e que enalteceram o desenvolvimento da
fundição brasileira. (MARGS, Breve História da Fundição Artística).
1.1. Granito
A base do monumento funerário foi construída em Granito, o qual foi
identificado por sua granulometria visivelmente grossa. Segundo pesquisa realizada
através das marmorarias do estado e do Brasil, identificamos maiores semelhanças,
como a granulometria, com o granito do tipo Vermelho Brasília encontrado em uma
marmoraria da cidade de Feliz/RS, a Marmoraria Feliz (fig.4), porém o granito da base
tem um aspecto um pouco mais rosado, conforme é possível visualizar na fig. 5.
Figura 4: Amostra Granito Vermelho Brasília da Marmoraria Feliz.
Fonte: http://www.marmorariafeliz.com.br/?action=granitos.
18
Figura 5: Detalhe do Granito do monumento funerário.
Fonte: Autora, 2011.
O Granito é derivado de uma rocha do tipo ígnea ou magmática, intrusiva ou
plutônica. Essas rochas são formadas pela consolidação resultante do resfriamento do
magma2, derretido ou parcialmente derretido. A rocha compõe-se de minerais félsicos,
tais como o quartzo e feldspatos. Os granitos apresentam grande dificuldade física na
exploração, contudo têm alto brilho no polimento e alta durabilidade mecânica o que
os torna rochas ornamentais de qualidade máxima.
O granito presente no monumento provavelmente é derivado do Brasil, pois
segundo Vargas, Motoki e Neves (s/ano), os granitos ornamentais do Brasil são em
sua maioria granitos de cor vermelha e de cor rosa. Esses granitos ocorrem nas zonas
de colisão continental e essas zonas foram formadas no final do período Pré-
cambriano durante o evento do "collage" continental, ou seja, agregação de pequenos
continentes. Muitas dessas rochas ocorrem formando pequenos corpos intrusivos e
pertencem quimicamente ao tipo A, classificadas como androgênicas e estas se
originam da fusão da crosta continental em pequena proporção.
Quanto a coloração, os granitos classificam-se em vermelho, marrom, amarelo,
azul, verde, preto e cinza. Sua coloração se dá principalmente pela cor dos minerais
constituintes e pela alteração intempérica, sendo o feldspato alcalino o responsável
pela coloração dos granitos vermelhos.
2 Magma: Rocha fundida abaixo da superfícia da terra que, quando expelida por um vulcão dá origem a
lava. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Magma
19
1.2. Bronze
O Bronze é uma liga metálica pertencente ao grupo dos materiais cuprosos3
que apresenta normalmente em sua composição cerca de 90% de cobre, 6% de
estanho, que é responsável pela dureza e pelas propriedades que se relacionam com
a resistência mecânica do bronze. Possui 4% de zinco que atua como desoxidante em
peças fundidas e também melhora a resistência mecânica da liga. O Bronze é muito
utilizado na escultura, pois apresenta grande resistência estrutural, baixa corrosão
atmosférica, facilidade de fundição, além de ótima capacidade para acabamento,
permitindo excelente polimento.
Há relatos de que foram os gregos os primeiros a fundirem esculturas de
grande porte em Bronze, entretanto, os egípcios já produziam pequenas estatuas em
larga escala desta mesma liga.
A cor do Bronze depende da liga, ou melhor, da percentagem de estanho na
liga, sendo (em % de estanho):
5% - Conserva cor vermelha do cobre;
10% - Amarelo escuro;
10 a 25% - Amarelo claro;
25% ou mais – Branco prata.
Porém, atualmente não é possível verificar qual a porcentagem utilizada na liga
da escultura, pois sua cor original foi coberta por uma pátina corrosiva ao longo destas
oito décadas.
1.2.1. Corrosão do Bronze
Os metais e suas ligas, exceto o ouro, começam a reagir com o ambiente e
iniciam o processo de corrosão desde o momento da manufatura e essa corrosão os
converte em compostos mais estáveis.
Segundo Costa (s/ano) a corrosão é um processo pelo qual o metal procura se
estabilizar com o meio e com as condições em que se encontra. Este processo pode
ser de uma forma passiva, onde o metal já se encontra estabilizado. Exemplo disso é
a pátina verde no cobre, ou ainda de forma ativa, onde o metal se encontra em
processo de mineralização e como exemplo disso tem a cor vermelha do ferro.
Para que a corrosão ocorra é necessária a formação de uma película de água
sobre o metal. Essa água pode ser a que resulta da condensação da umidade ou da
3 Cuprosos: Ligas em Cobre.
20
ocorrência de chuva. Podemos observar na escultura que as áreas onde aparece a
pátina verde são justamente as mais expostas, além disso, há marcas de pontos onde
a água escorre como podemos verificar imagem abaixo (fig.6).
Figura 6: Foto da escultura onde é possível verificar as marcas de pátina verde.
Fonte: Luiza Carvalho.
Segundo Fontinha e Salta (2008) a pátina verde consiste em uma película
superficial e atua como proteção contra o avanço da corrosão e é originada da
exposição à umidade do ar.
A escultura já está totalmente coberta pela pátina de cor preta, que se forma
devido à acumulação dos óxidos e à deposição de sujidade e poeiras em suspensão
na atmosfera.
Fontinha e Salta (2008) ressaltam:
No complexo processo de formação das patinas está, em geral,
envolvida a perda global de apenas algumas dezenas de micro
metros de metal em cada 100 anos de exposição. Embora estes
valores pareçam pouco significativos para a perda de resistência do
metal, podem significar uma elevada perda dos traços artísticos numa
escultura. [...] Na mesma escultura, é possível a ocorrência das
21
diferentes fases em superfícies com diferentes tipos de exposição.
[...] O maior perigo de perda de metal ocorre com o aparecimento das
patinas verdes. [...] Se a formação das patinas pretas ocorre
naturalmente e de forma generalizada nas ligas de cobre expostas à
atmosfera, já a formação das patinas verdes iniciar-se-á nas zonas
onde a água, nomeadamente da chuva, contendo os agentes
agressivos (ex: aniões sulfato) dissolvidos, condensa, goteja ou
escorre. É comum observar-se nas superfícies verticais cobertas com
patina preta, a formação de patina verde ao longo das linhas de
escorrimento de água. (FONTINHA; SALTA, 2008, p.90).
Através destas informações podemos observar que a escultura do estudo em
questão já está em estado de degradação, apesar deste não ser avançado. Contudo já
apresenta diversas áreas de pátina verde nas zonas mais expostas a água da chuva,
o que requer medidas de conservação, pois com o tempo, a pátina verde tende a
aumentar, assim perdendo os pormenores da escultura. Pode ainda, a pátina verde
tornar-se maior em quantidade à pátina preta, e assim ocorrer desagregações da
escultura.
Neste caso sugerimos medidas de preservação para reduzir estes fenômenos
de corrosão na escultura. Essas medidas podem ser realizadas com a aplicação de
revestimentos transparentes como ceras naturais e sintéticas, lacas de resinas
sintéticas, dentre outros.
Lembramos que tais medidas devem ser aplicadas por um
conservador/restaurador.
1.3. Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas
O Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, conhecido como
Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula, localiza-se na cidade de Pelotas/RS, no
endereço Av. Duque de Caxias, n° 454.
Segundo Carvalho (2005) no Brasil os mortos eram enterrados nas igrejas,
capelas e ermidas no principio do século XIX, após, com o aumento do número de
mortos os sepultamentos tiveram de deixar de serem realizados no chão das igrejas.
Os Cemitérios surgiram pois os corpos sepultados em áreas fechadas ou no
pátio das igrejas proliferavam doenças. Foi determinado, como medida de higiene, que
os mortos fossem sepultados em locais abertos e afastados das cidades.
O monumento funerário tratado neste trabalho localiza-se no local conhecido
como “Parte Antiga do Cemitério” ou ainda, “Cemitério dos Ricos”, onde Carvalho
22
(2005) denomina “Quadro Antigo” e também o usaremos, ele localiza-se mais
especificamente no quadrante 2, onde podemos melhor visualizar nas fig. 7 e 8.
Figura 7: Mapa do Quadro Antigo do Cemitério.
Fonte: Luiza Carvalho.
Figura 8: Quadrantes do Cemitério. No detalhe localização do monumento funerário.
Fonte: Luiza Carvalho.
23
Há ainda a necessidade de ressaltar, que juntamente no quadrante 2 com este
túmulo, estão outros da família conforme podemos visualizar na imagem abaixo (fig.
9), o monumento funerário marcado com o número 1: Monumento do Sr. Rosauro
Zambrano; o jazigo numerado com o 2 é pertencente ao falecido esposo da Sra.
Adalgisa Flora Zambrano de Oliveira Amaral, Sr. Joaquim Kramer do Amaral; o de
número 3 é referente a Família Joaquim Kramer, onde em sua lápide consta a
inscrição “Túmulo da Família Joaquim Kramer”.
As Senhoras Adalgisa Flora e Elisabeth Lemos expressaram em seus
depoimentos: “Chamamos ali de nosso cantinho”, informação esta que caracteriza
claramente aquele espaço como um espaço da família.
Figura 9: Detalhe de proximidades dos túmulos da família.
Fonte: Autora, 2011.
1.4. Vandalismo
Podemos considerar que o grande problema da arte funerária na cidade de
Pelotas e no cemitério Ecumênico São Francisco de Paula é a incidência de
vandalismos.
Realizando um pequeno passeio pelo cemitério é possível verificar facilmente
os roubos realizados pelos vândalos, roubos esses principalmente de peças em
bronze que é a matéria da obra escultórica em questão.
Os roubos, em sua maioria são de letras dos nomes identificando os túmulos
conforme podemos verificar na imagem a seguir:
24
Figura 10: Mausoléu sem as letras em bronze.
Fonte: Autora, 2011.
Há também relatos de roubos inclusive de esculturas de tamanhos
semelhantes à escultura estudada, conforme Carvalho (2005):
Figura 11: Alegoria da Saudade.
Foto: Daniela Simões Lopes, agosto de 2003: in Carvalho (2005).
Esta alegoria feminina da saudade ornamentava o túmulo de Plotino
e Zica Duarte. A estátua de mais de 1.50 de altura foi arrancada do
túmulo. Provavelmente foi roubada para fundimento de seu material,
o bronze. [...]
O túmulo ficou totalmente descaracterizado após o furto, restando
apenas a base que sustentava a estátua. (Fig. 10) Foto de maio de
2004. (CARVALHO, 2005, p.53).
25
Figura 12: Tumulo de Plotino Duarte.
Foto: Luiza Carvalho.
Lemos (2011) em seu depoimento levantou o fato da escultura que adorna o
monumento estar fora de lugar (conforme fig. 13), indicando que já houve a tentativa
de roubo também da escultura em questão.
.
Figura 13: Detalhe escultura movida do seu local de origem.
Foto: Autora, 2011.
Segundo Lemos (2011) o monumento funerário contava com vasos em
mármore branco nos quatro lados, onde hoje ficaram somente suas bases, conforme a
fig. 14.
26
Figura 14: Detalhe base onde ficavam os vasos.
Fonte: Autora, 2011.
1.5. Artista
A escultura, datada de 1931, traz a assinatura “C. Lima”, conforme detalhe na
Fig.15.
Figura 15: Detalhe da assinatura do artista no bronze.
Fonte: Autora, 2011.
27
A partir das inicias “C. Lima” chegamos ao escultor José Otávio Correia Lima,
pois essa identificação foi feita por Saballa e Silva (1998):
No Cemitério de Pelotas, são poucas as obras que não foram
importadas, entre elas encontramos uma que identificamos o autor
apenas pela assinatura C. Lima.
Com esta assinatura, não poderíamos chegar com exatidão ao nome
do escultor; por isso, passamos a procurar pelo Rio Grande do Sul
obras que possuíssem uma assinatura idêntica à da escultura do
Cemitério de Pelotas.
Durante três anos, pesquisamos; porém, não obtivemos sucesso, até
que recentemente, em Santa Catarina, encontramos um Monumento
a Fernando Machado, todo em bronze, em pedestal de granito, com
3m80cm de altura, localizada no Jardim José Bor, centro de
Florianópolis.
Tanto no relevo como no monumento, identificamos a mesma
assinatura – C. Lima -, obra esta inaugurada em 15 de janeiro de
1917.
Geralmente, as cidades têm sempre um catálogo com as principais
obras públicas realizadas, e, em Florianópolis, não foi diferente,
encontramos uma obra rara que descrevia vários monumentos e,
entre eles, o de Fernando Machado. Na ficha técnica da obra,
encontramos o nome do escultor José Otávio Correia Lima.
(SABALLA; SILVA, 1998).
Segundo Acquarone (1980), Correia Lima foi um dos mais conhecidos mestres
desta técnica entre nós. Acquarone cita ainda: “Sua vida e sua obra não tiveram
grandes arroubos de gênio, mas seguiram a mesma escala ascendente da perfeição e
da harmonia.”
De acordo com Pontual (1969) e Zanini (1983), José Otávio Correia Lima, mais
conhecido por Correia Lima, nasceu no ano de 1878 na cidade de São João Marcos,
localizada no estado do Rio de Janeiro. Sua formação como escultor iniciou-se como
aluno livre na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) no ano de 1892. O escultor
recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro4 no ano de 1899 com a obra Remorso (fig.
16) e em razão deste permaneceu na Europa por três anos. Correia Lima substituiu
Rodolfo Bernardelli, que também foi seu mestre, ministrando aulas de escultura na
4O prêmio de Viagem ao estrangeiro foi instituído no Brasil em 1845 e servia para o
aperfeiçoamento da técnica e ampliação dos horizontes culturais gerais dos alunos mais destacados.
28
antiga ENBA de 1910 até sua aposentadoria, no ano de 1946. Também foi diretor da
mesma Escola entre os anos de 1927 e 1930, período este que supostamente foi o da
encomenda da escultura que adorna o monumento funerário “Adalgisa, Amelinha e
Octacianinho”.
Correia Lima é autor de diversos monumentos públicos no Rio de Janeiro,
muitos deles bustos como os de: Rodolfo Bernardelli, Rodolfo Amoêdo, Almirante
Barroso, Osvaldo Cruz, dentre outros.
Figura 16: Escultura em Gesso “Remorso”.
Fonte: Dicionário das artes plásticas no Brasil. Roberto Pontual. Apres. Antônio Houaiss.
Textos de Mário Barata et al. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
29
1.5.1. Outras obras de Correia Lima
Há um monumento erguido em homenagem ao Almirante Barroso na cidade do
Rio de Janeiro, Praia do Flamengo. O monumento foi inaugurado no ano de 1909 e
em sua base encontram-se os restos mortais do almirante.
Figura 17: Monumento ao Almirante Barroso.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_bio
grafia&cd_verbete=1463&cd_idioma=28555&cd_item=3>. Acesso em: 18 out. 2011.
30
Bronze de Correia Lima intitulado “Menina e Moça” exposto no Salão do
Centenário em 1923.
Figura 18: Menina e Moça. Bronze de Correa Lima.
Fonte: CREMONA, Ercole. O Salão do Centenário. Illustração Brasileira, ano IV, n. 29, jan.
1923, n/p. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/egba/index.php?title=Imagem:Cl2_ib_1923_01.jpg>. Acesso
em: 23 Out. 2011.
31
2. Levantamento Histórico e Iconográfico
2.1. História do Monumento e sua Criação
Inicialmente, acreditávamos que naquele monumento funerário estariam
enterrados a mãe (Adalgisa) e dois filhos (Amelinha e Octacianinho). Essa idéia
ocorreu, pois no túmulo referiam-se os nomes dos três, juntamente com a palavra
saudade, e apresentava apenas uma data de nascimento e de morte. Além disso, a
escultura representava uma mulher com duas crianças. Contudo, não mostrava datas
de nascimentos das crianças, o que gerou muita curiosidade e indicou à necessidade
de uma pesquisa mais detalhada em torno da história deste monumento. Porém, neste
não estavam inscritos os nomes da família, ou seja, seu sobrenome o que apresentou
grande dificuldade, pois era uma informação importante para poder levantar a história
do túmulo e de como ocorreram às mortes, bem como das pessoas que possivelmente
estariam enterradas ali. Pela grandiosidade do monumento, deduzimos que seria de
família abastada e conhecida da região, por isso, com a data de morte em mãos
realizamos pesquisa na Biblioteca Pública Pelotense nos jornais da época, onde no
jornal Diário Popular encontramos a seguinte matéria:
D. ADALGISA ZAMBRANO DE OLIVEIRA. Encheu de magoa e de
tristeza a sociedade pelotense o fallecimento inesperado a 1° do
corrente, à noite, da distincta conterrânea, exma. sra. d. Adalgisa
Zambrano de Oliveira, em virtude de accidente de parto.
A mallograda pelotense, que era casada com o estimável Sr. dr.
Octaciano de Oliveira, contava 31 annos, e muito se fazia apreciar
pelos seus primorosos dotes de coração, desfrutando de muitas
sympathias.
Era filha do Sr. Rosauro Zambrano.
Depois de missa de corpo presente realizada domingo, pela manhã,
pelo cônego Mello Lula, effectuou-se à tarde, o sepultamento,
grandemente concorrido.
Extensa fila de automóveis e carros compunha cortejo fúnebre o qual
iam 8 “victorias5” destoldadas com coroas e bouquets.
5Vitória: [Do antr. Vitória, de Vitória, Rainha da Inglaterra (1819-1901), que pela primeira vez
usou este veículo.] S. F. Carruagem de quatro rodas, para dois passageiros, com cobertura dobrável e um assento alto, na frente, para o cocheiro: “Era uma vitória, bem posta e correta, avançando com lentidão e estilo, ao trote... de duas éguas inglesas.”(Eça de Queirós, Os Maias, II, p.548). (FERREIRA, 2001, p.1784).
32
O corpo, em rico esquife6, foi sepultado na catacumba n. 10, do
quadro novo.
Os funerais estiveram a cargo da Casa Moreira Lopes.
Deixa a prantear-lhe a morte 2 mimosas creanças.
A exma. família amargurada apresentamos sentidas condolências.
(Diário Popular, 5 Maio 1926).
Essa pesquisa se fez importantíssima e esclarecedora, pois se descobriu que a
pessoa enterrada ali era da família Zambrano, família muito importante na época e até
hoje, responsável por estimular a cultura com a construção do Theatro Guarany no
ano de 1921 e até hoje sendo a administradora e mantenedora desta principal
“ferramenta” de cultura de Pelotas. Adalgisa era filha de Rosauro Zambrano, o homem
que idealizou a construção do Theatro Guarany. Uma curiosidade sobre a construção
do Theatro e sobre o Sr. Rosauro é a história de sua construção, segundo consta no
blog do Theatro:
Como a maioria dos europeus, o coronel era um apaixonado por
companhias de óperas. Naquela época, o único teatro existente em
Pelotas era o Sete de Abril, onde Rosauro Zambrano mantinha
convênio com a gerência da casa, garantindo a reserva de
determinado camarote para as apresentações. Se por algum motivo
deixasse de comparecer pagava da mesma forma. Porém, certo dia
na hora do espetáculo, ao dirigir-se par a efetuar o pagamento do
camarote, constatou que por uma confusão do gerente ou da
bilheteira o local havia sido vendido a outro, estando a locação do
teatro esgotada. Não conformado em não poder entrar, o coronel teria
dito? “Já que vocês não guardaram o meu camarote, eu não piso
mais no Teatro Sete de Abril e vou construir um outro para assistir
óperas e operetas”. (Blog Theatro Guarany: 90 anos).
Outra informação muito importante obtida através da matéria disponível no
jornal Diário Popular foi a de como se deu a morte de Adalgisa, no parto da filha
Adalgisa Flora, nome esse que se teve conhecimento através do jornal O Libertador,
em matéria na sessão intitulada “Os Mortos”:
D. Adalgisa Zambrano de Oliveira
Bruscamente, às 21 horas dia 1° do corrente falleceu a Exma. Snra.
D. Adalgisa Zambrano de Oliveira, natural da Capital Federal e
6 Esquife: 1. Caixão. (FERREIRA, 2001, p. 711).
33
digníssima esposa do nosso amigo Snr. Dr. Octaciano Tavares de
Oliveira.
Tão inesperado e doloroso acontecimento abalou profundamente a
sociedade pelotense, que contava, na pessoa da extincta, um de
seus mais distinctos membros.
Baldados7 fora, infelizmente, todos os esforços da sociedade para
arrancar da morte a jovem e desditosa senhora que desappareceu
com apenas 31 annos de edade, deixando na orphandade duas
filhinhas, Amelinha de 19 meses e Adalgisa Flora, recém nascida.
O trespasse8 da digna senhora consternou immensamente a
sociedade da nossa terra que se habituara a admirar lhe as virtudes
do coração caridoso, da esposa dedicada e da mãe amantíssima.
As cerimônias, do sepultamento, a cargo da Casa Moreira Lopes no
dia 2 às 17 horas, revestiram-se de grande pompa fúnebre, sendo
enorme o numero dos que acompanharam a inditosa9 senhora à sua
derradeira morada.
Foi o corpo da extincta, filha do acatado cavalheiro Snr. Rosauro
Zambrano inhumado10
no sepulcro n 10 no quadro da Santa Casa. Ao
desolado esposo e à enlutada família << O Libertador >> apresenta
as expressões mais sinceras do seu profundo pesar. (O Libertador, 4
Mai. 1926. p.4).
Como citado anteriormente acreditávamos que os filhos seriam Amelinha e
Octacianinho, pois correspondia aos nomes gravados no túmulo, juntamente ao nome
da mãe Adalgisa. Assim a escultura seria a representação da mãe (Adalgisa),
Amelinha (Menina em pé abraçada à mãe), e Octacianinho (Bebê no colo da mulher).
Aprofundando mais as pesquisas, localizamos a Sra. Elisabeth Amaral Lemos,
neta de Adalgisa, que após entrarmos em contato e explicarmos o estudo que estava
sendo realizado, se disponibilizou juntamente com sua mãe, Adalgisa Flora Zambrano
de Oliveira Amaral, a nos prestarem as informações que sabiam.
A Sra. Adalgisa Flora Zambrano de Oliveira Amaral em depoimento, nos
informou que o nome dela seria somente Flora, em homenagem à sua avó, Flora
Zambrano, no entanto com o triste ocorrido em seu nascimento, acabou herdando
também o nome de sua mãe, Adalgisa.
7 Baldados: Adj. Frustrado, malogrado, inútil, vão, baldo. [...]. (FERREIRA, 2001, p. 223).
8 Trespasse: Ato ou efeito de trespassar. 2. Falecimento, passamento, óbito [...]. (FERREIRA,
2001, p. 1711). 9 Inditosa: Adj. e s. m. V. desditoso. Desditoso: Infeliz, desgraçado, desventurado, mal-
aventurado, inditoso, desditado, desdito. (FERREIRA, 2001, p. 555) 10
O mesmo que inumado.
34
Neste encontro, foi possível conhecer os detalhes que faltavam da história para
que assim pudéssemos entender e interpretar o monumento funerário estudado em
questão.
No depoimento, a Sra. Elisabeth Lemos e sua mãe, Adalgisa Flora, nos
brindaram com a informação de que o monumento funerário era uma homenagem do
“vovô Rosauro” (Sr. Rosauro Zambrano) à “mamãe” (Adalgisa) e aos irmãos Amelinha
e Octacianinho, ambos falecidos ainda bebês. Amelinha, que faleceu aos dois anos de
idade, no mesmo ano da mãe e Octacianinho que viveu somente até os seis meses,
falecendo no dia 14 de novembro de 1923.
Há ainda, registro de outro projeto da escultura, encomendado à outro artista,
que segundo a Sra. Elisabeth Amaral Lemos seria um artista argentino. O projeto (fig.
19) data de 1927 segundo consta no seu verso (fig. 20).
Figura 19: Projeto da escultura 2.
Fonte: Arquivo da família Zambrano/Amaral.
35
Figura 20: Verso do Projeto de Escultura.
Fonte: Arquivo da família Zambrano/Amaral.
Figura 21: Detalhe do projeto.
Fonte: Arquivo da Família Zambrano/Amaral.
36
Segundo elas, inicialmente Adalgisa foi enterrada em um espaço alugado, e
após a chegada da escultura, em 1932, foi que os restos mortais, tanto dela, quanto
das crianças, foram colocados no local atual. A data que consta da instalação do
túmulo foi a de 13 de junho de 1932.
Há ainda em poder da família uma chave que supostamente é do local onde
estão os restos mortais. Segundo a Sra. Elisabeth contou, “dizem que há uma
pedrinha que é móvel (fig.21, 22 e 23) e ao se remover essa pedrinha existe o local
onde se abre com a chave”, mas ela não tem certeza desta informação, pois nunca
tentou abrir.
Figura 24: Foto do monumento, detalhe da pedra móvel.
Fonte: Autora, 2011.
Continuando as pesquisas realizadas na Biblioteca Pública Pelotense nos
jornais da época, localizou-se ainda uma terceira matéria da morte de Adalgisa, no
jornal “A Opinião Pública”, pudemos constatar que a morte desta foi coberta por todos
os jornais disponíveis na cidade de Pelotas. A matéria publicada ocorreu na sessão –
Necrologia – e foi a que segue:
Figura 22: Detalhe 1 da pedra.
Fonte: Autora, Set. 2011.
Figura 23: Detalhe 2 da pedra.
Fonte: Autora, Nov. 2011.
37
A’s 22 horas do dia 1° do corrente, deixou de existir, nesta cidade, a
exma. sra. d. Adalgisa Zambrano de Oliveira, esposa do sr. dr.
Octaciano Tavares de Oliveira e filha do Sr. Coronel Rosauro
Zambrano.
A mallograda extincta, que era natural do Rio de Janeiro e contava 31
annos de idade, desfructava de muitas sympathias no seio da nossa
sociedade, tendo o seu prematuro desapparecimento causado
profunda magua.
A missa de corpo presente foi celebrada pelo cônego Mello Lula,
effectuando-se o enterro ás 17 horas do dia seguinte. O corpo foi
encerrado em fino ataúde11
e conduzido ao Cemitério em coche12
fúnebre especial, ao qual se seguiam oito victorias destoldadas
repletas de coroas e flores, quatro caleças13
com pessoas da família
e extenso cortejo de autos e carros.
O corpo foi inhumado na catacumba n.10 da Santa Casa,
encarregando-se das ceremonias a Casa Moreira Lopes.
A Opinião apresenta sinceras condolências á exma. família enlutada.
(A Opinião, 5 Mai. 1926).
2.2. Leitura Iconográfica
Iconografia é o ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das
obras de arte em contraposição à sua forma. (PANOFSKY, 2002).
Segundo Erwin Panofsky (2002) a iconografia é simplesmente a descrição e
classificação de uma imagem, onde essa descrição divide-se em três subgrupos:
Tema primário ou natural (fatual ou expressional): Também conhecida
como descrição pré-iconográfica. Representa a interpretação das formas legítimas,
como linha, cor, composições de material e identificação de representações naturais.
Panofsky afirma ainda que “Uma enumeração desses motivos constituiria uma
descrição pré-iconográfica de uma obra de arte.”
Tema secundário ou convencional (análise formal ou análise
iconográfica): Trata de unir as causas artísticas a assuntos e conceitos, sendo uma
análise de motivos também das combinações destes motivos.
Significado intrínseco ou conteúdo (iconologia ou interpretação
iconológica): Responsável pela iconologia entende-se pela definição de princípios
11
Ataúde: 1. V. Caixão (2) [...] 2. Sepulcro, sepultura. [...]. (FERREIRA, 2001, p. 191). 12
Coche: 1. Carruagem antiga e suntuosa. 2. Carruagem fechada. (FERREIRA, 2001, p. 423). 13
Caleças: Carruagem de quatro rodas e dois assentos, puxada por uma parelha de cavalos. (FERREIRA, 2001, p. 320).
38
subjacentes que demonstram atitudes básicas de povos, períodos, classes sociais,
etc. Em Significados nas Artes Visuais, Panofsky (2002) escreveu:
Ao concebermos assim as formas puras, os motivos, imagens,
estórias e alegorias, como manifestações de princípios básicos e
gerais, interpretamos todos esses elementos como sendo o que Ernst
Cassirer chamou de valores “simbólicos” [...]. A descoberta e
interpretação desses valores “simbólicos” [...] é o objeto do que se
poderia designar por “iconologia” em oposição à “iconografia”.
(PANOFSKY, 2002, p.53).
2.2.1. Influência Positivista
A escultura apresenta o ano de 1931 junto à assinatura da obra. Nesta época,
o Rio Grande do Sul vivia o fim do período positivista, idealizado e incentivado no
estado primeiramente pelo governador Julio de Castilhos e após, por seu sucessor
Borges de Medeiros, que juntamente com o regime positivista se manteve no governo
até 1928.
O positivismo no Rio Grande do Sul se deu no período da República Velha, de
1889 a 1931.
Segundo Ismério (1995), Auguste Comte elegeu a mulher como guardiã da
moral e dos costumes e defendia que ela deveria seguir os exemplos de rainha do lar
e anjo tutelar, para dirigir com dignidade sua família.
Ismério (1995) escreveu também que os positivistas utilizavam-se do teatro e
da escultura para transpor suas opiniões e manejar o imaginário através de símbolos e
signos, desta forma alcançando todas as classes da população.
Segundo Bellomo (2000), fazia parte da idéia oficial à comemoração cívica dos
chefes políticos ligados a aliança dominante. Assim, o Governo patrocinou a edificação
de monumentos públicos, como o de Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, e também de
uma série de jazigos monumentais no Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre como
forma de reafirmar seus valores políticos e atender aos princípios positivistas do culto
cívico no líder e a conservação de sua memória. Deste modo, os jazigos possuíam
duas funções: servir de sepultura e celebrar a memória de vultos destacados do
mundo político, econômico, social e cultural. Bellomo (2000) ressalta ainda que devido
essa duplicidade de funções, os mausoléus costumavam ter a figura do morto e
39
alegorias representativas das atividades desempenhadas ao longo da vida ou da sua
ideologia.
O jornal “O Libertador” do dia 4 de maio de 1926 publicou nota de falecimento
na sessão “Os mortos”, onde escreveu: “O trespasse da digna senhora consternou
immensamente a sociedade da nossa terra que se habituara a admirar lhe as virtudes
do coração caridoso, da esposa dedicada e da mãe amantíssima.” Esses indícios de
comportamento, de esposa dedicada e mãe amantíssima são muito condizentes aos
valores empregados por Comte na Religião da Humanidade positivista, além disso, a
representação da mãe amante com os filhos e da alegoria da caridade.
2.2.2. Índices Iconográficos da Imagem
Identificação: Monumento Funerário com base em Granito Vermelho onde
constam os nomes “Adalgisa”, “Amelinha” e “Octacianinho” e apresenta a
palavra “saudade”, e ornamentação escultórica em Bronze.
Localização: Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula. Pelotas/RS.
Datas de Falecimento: 01/05/1926.
Origem: Não Informada.
A escultura mede aproximadamente 150 cm de altura, e 100 cm de largura, sua
base é quadrada. A técnica provavelmente foi a de modelagem em argila que consiste
no seguinte procedimento conforme o site do “Atelier Artístico Sarasá”:
O primeiro passo na manufatura de uma escultura em metal fundido é
a confecção de um modelo em argila da peça desejada. Como na
técnica de moldagem, a partir da escultura em argila, será retirado um
molde de gesso em tasselos. Este molde de gesso será, então,
preenchido com cera, obtendo-se outra peça idêntica neste material,
que poderá ser retocada, para corrigir algumas imperfeições
derivadas do molde. A partir do modelo de cera, a escultura em metal
será confeccionada através do método da cera perdida. Este método
é o mais empregado, pois produz peças com desenhos complexos e
melhor acabamento.
Depois de modelada em cera, a escultura será colocada num
recipiente preenchido com gesso misturado a materiais refratários,
que serão endurecidos e levados ao forno em alta temperatura. A
cera derrete, e escorre para fora do gesso. Com isso, se ganha um
molde interno da peça.
40
Em seguida, o metal líquido é vazado dentro deste molde, ocupando
o lugar deixado pela cera. O gesso é dissolvido em uma lavagem a
jato de água, revelando a peça com seus contornos. A escultura de
metal passa, então, por um processo final de recorte e de
acabamento. (Fundição - Esculturas em Metal. Disponível em:
<http://www.sarasa.com.br/article.php?recid=57> Acesso em: 08 nov.
2011.)
Esse monumento funerário caracteriza-se como uma peça exclusiva,
confeccionada especificamente para esse local, diferentemente dos monumentos de
catálogos das marmorarias que eram confeccionados em série.
Segundo informações prestadas pela família e como falamos anteriormente, o
monumento foi uma encomenda do Sr. Rosauro Zambrano em homenagem a sua filha
(Adalgisa) e seus netos (Amelinha e Octacianinho).
A escultura retrata a mãe e as duas crianças, ambos já falecidos. Ela foi
inspirada em fotografias, representando os mortos como em vida. É de suma
importância ressaltar que não se tem conhecimento de nenhuma outra escultura nos
cemitérios de Pelotas e Porto Alegre que retrate a mãe com os filhos de forma
maternal, serena e em vida, o que se tem são pranteadoras14 ou mães retratadas com
alusão ao sofrimento e a dor.
Não consta uma fotografia tal qual a escultura, com os três reunidos, até
porque a morte do bebê de colo, no caso Octacianinho, que faleceu com seis meses
de idade, ocorreu no ano de 1923. Já o nascimento de Amelinha, a menina ao lado
retratada em sua idade de morte aos dois anos de idade, ocorreu em 1924, portanto
não ocorreu o convivido de um com o outro. É provável que o Sr. Rosauro tenha
enviado fotos dos mesmos (figuras 26, 28 e 30) quando realizou a encomenda da
escultura.
A partir de comparações das fotos dos retratados com a escultura, é possível
verificar a riqueza de detalhes e a delicadeza desta obra em contraste a um material
tão rígido, a seguir comparações da escultura com fotos fornecidas pela família.
14
Pranteadora: “A palavra pranteadora remete à mulher que chora[...]”. (CARVALHO, 2009, p.41).
41
. Figura 26: Detalhe foto Amelinha.
Fonte: Arquivo da Família Zambrano/Amaral.
Como podemos visualizar nas imagens acima (Fig.25 e 26), há diversos
indícios de que essa tenha sido uma das fotos enviadas ao escultor pelo Sr. Rosauro
Zambrano ao encomendar a escultura. Percebem-se semelhanças inclusive da roupa
de Amelinha, como a gola e o laço. O cabelo da menina, com o cacho caído sobre a
testa também se repete em ambas as imagens, bem como a posição do braço.
Figura 25: Detalhe escultura Amelinha.
Fonte: Autora, 2011.
42
Figura 28: Foto Adalgisa e Amelinha.
Fonte: Arquivo da Família Zambrano/Amaral.
Nestas imagens (Fig. 27 e 28) em comparação a Adalgisa, podemos perceber
sinais como a forma com que o cabelo está preso, traços da face como o nariz, a boca
e o formato do rosto. A vestimenta de Adalgisa também se assemelha no formato da
gola. A posição dos corpos também são indícios da utilização dessas fotos para a
criação da escultura.
Figura 30: Detalhe Octacianinho escultura.
Fonte: Autora, 2011.
Nas figuras de número 29 e 30 podemos observar a comparação entre a
escultura e uma foto de Octacianinho onde a semelhança com relação à posição do
corpo do menino é aparente, bem como os traços do mesmo. E repetindo o ocorrido
Figura 27: Detalhe escultura Adalgisa e Amelinha.
Fonte: Autora, 2011.
Figura 29: Foto Octacianinho.
Fonte: Arquivo da Família Zambrano/Amaral.
43
com as outras comparações, novamente a roupa e o manto, ou cobertor, assemelham-
se.
Devemos lembrar que na época era recorrente utilizar-se da representação das
pessoas como divindades ou alegorias, e neste caso, mãe e filhos que são a
representação dos próprios a partir da imagem de quando vivos aparecem também
como uma representação da alegoria da Caridade.
A escultura representa uma família, toda envolta em um abraço, onde a mãe
abraça os dois filhos, e a filha (Amelinha) retribui o abraço à mãe.
Nela podemos visualizar uma figura feminina sentada com um bebê no colo e
outra criança, uma menina um pouco maior, abraçada ao seu lado. A menina está com
um dos joelhos amparado ao local onde a figura feminina está sentada, e a outra
perna apoiada ao chão. Seu braço está sobre o pescoço da mulher (Fig. 32) que
segundo Cascudo15 significa demonstração de intimidade familiar. Sua outra mão toca
uma rosa sem espinhos que está na roupa da mulher, que pode tanto fazer menção a
efemeridade da vida quanto à pureza das crianças, ou ambas, conforme escreveu
Carr-Gomm:
[...] a presença de rosas pode ser uma indicação de que a beleza e a
vida são ambas efêmeras. [...] Uma rosa branca refletia a pureza
imaculada da Virgem. No Jardim do Éden a Rosa florescia sem
espinhos e seu perfume e beleza eram lembranças da glória do
Paraíso. Santos e anjos freqüentemente seguram rosas como
indicação do êxtase celestial em que entraram. (CARR-GOMM, 2004,
p.194).
15
CASCUDO, Luís da Câmara. História dos nossos gestos: uma pesquisa na mímica do Brasil.
2.ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP, 1987. “NA ESCALA DOS ABRAÇOS
É O MAIS SIGNIFICATIVO, denunciador de espontaneidade afetuosa. Abraçar pelo pescoço é
demonstração de intimidade familiar, arrebatada e profunda. [...] Há mais de quarenta e dois
séculos constitui carinhosa e afirmativa manifestação de confiança e júbilo pela pessoa
merecedora da oferenda mímica. É a forma irreprimível da expansão infantil para os adultos de
sua convivência. Com essa respeitável antiguidade, o gesto não mudou a mensagem
devocional nem a técnica da aplicação. Puro símbolo do Bem-Querer.”
44
Figura 31: Detalhe do braço da menina no pescoço da figura feminina.
Fonte: Autora, 2011.
A criança no colo (Octacianinho) tem o olhar fixo na flor e faz um gesto de
tentar tocá-la (Fig. 33), a flor significa pureza, neste caso, eterna. A figura feminina
(Adalgisa) veste um manto que cobre até parte dos pés, cabelos presos em um coque,
olhos fechados e cabeça inclinada para baixo e para a esquerda na direção do menino
em seu colo.
Figura 32: Detalhe de Octacianinho na escultura.
Fonte: Autora, 2011.
45
2.2.3. Alegoria da Caridade
A representação da escultura, em muito se assemelha a alegoria da caridade,
que é uma das três virtudes teologais santificadas pela Igreja medieval, que são: fé,
caridade e esperança.
Segundo Carr-Gomm (2004), a Caridade era a “mãe das virtudes” e pode ser
representada como uma mulher distribuindo esmolas, ela cita ainda:
“Em muitos quadros do Renascimento a Caridade é pintada como
uma mãe amorosa com dois ou mais filhos, talvez amamentando um
deles, como na Caridade, de Cranach, ou no quadro do mesmo
nome, de Van Dyck.
Santo Agostinho via a caridade como o amor de Deus e o vínculo
entre Deus e a humanidade. Era também um exemplo a ser seguido
por cidadãos ideais, que viviam sua vida de acordo com os sete atos
de misericórdia: “Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e
me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes, estive nu e me
vestistes, enfermo e me visitastes, estava preso e viestes ver-me”.
(CARR-GOMM, 2004, p. 45).
Segundo Ripa (1992), a cor vermelha denota caridade, ele representa a
alegoria da caridade (fig.34) com uma chama na cabeça e diz significar que a caridade
nunca deve esmorecer. Também na representação de Cesare Ripa a Caridade
aparece com três crianças, onde as quais significam fé, esperança e caridade, ele cita
ainda que fé e esperança, sem caridade nada significam.
46
Figura 33: Alegoria da Caridade de Cesare Ripa.
Fonte: Charity image. Disponível em: <http://kjc-fs2.kjc.uni-
heidelberg.de/evaluation/PL02/PeTAL/dummys/V28546.html>. Acesso em: 8 nov. 2011.
47
2.2.3.1. Outras obras denominadas caridade:
Figura 34: La Charité de Pieter Braecke.
Disponível em: <www.artvalue.com/auctionresult--braecke-pieter-jan-1859-1938-b-la-charit-
2398646.htm>. Acesso em: 07 nov. 2011.
Figura 35: La charité de Eugène André Odiné.
Fonte: La Charité. Disponível em: <www.linternaute.com/musee/diaporama/1/7176/musee-
crozatier/5/33298/la-charite/>. Acesso em 07 nov. 2011.
48
Conclusão
O estudo da Arte Funerária no Brasil ainda é muito escasso, pouco valorizado
e reconhecido. Porém aos poucos, procuramos tornar essa arte tão bela conhecida
através da população em geral. Este trabalho buscou justamente isto, apresentar uma
verdadeira obra de arte, em detalhe, beleza, perfeição, mas que está esquecida.
Através deste estudo, foi possível verificar o valor não só artístico, mas também
patrimonial desta obra, pois se trata de uma obra de um artista de renome de sua
época, além disso, é uma obra que apresenta perfeição nos menores detalhes, além
da sua exatidão na representação de Adalgisa, Amelinha e Octacianinho, com isso
podemos fazer jus ao que Acquarone (1980) citou ao falar de Correia Lima e que
transmitimos no início desse texto e ouso aqui repeti-lo: “Sua vida e sua obra não
tiveram grandes arroubos de gênio, mas seguiram a mesma escala ascendente da
perfeição e da harmonia.” Este é justamente o sentimento que temos ao analisarmos
esta escultura, harmônica e perfeita em cada detalhe.
Além disso, é uma obra exclusiva, única, diferentemente das obras seriadas
das marmorarias, como a maioria nos cemitérios brasileiros, segundo Borges:
No período focalizado (1890-1930), a arte funerária foi exuberante,
com grande variedade temática, envolvendo a produção de inúmeros
grupos de artistas-artesãos e firmas especializadas, em regra
anônimos, eles e elas, principalmente no Brasil e na Itália. Só
casualmente a arte funerária teve a contribuição do artista
propriamente dito, como exemplificam as obras realizadas pelos
escultores Antônio Canova, Lorenzo Bartolini, Rodolpho Bernardelli e
Victor Brecheret, entre outro. (BORGES, 2002).
Como exemplo de obras seriadas, a seguir pranteadoras extraídas da
dissertação de Carvalho (2009) e apresentam características semelhantes. As
pranteadoras Gassen (fig. 31) e Dexheimer (fig. 33) estão localizadas no Cemitério
Evangélico de Porto Alegre, já o Monumento Assemburg (fig. 32) está localizado em
Itajaí/SC.
49
Com isso, reafirmo a enorme importância da valorização em torno desta arte e
que com isso consigamos reprimir os vandalismos sofridos no Cemitério. É de extrema
necessidade que se aumente a segurança nestes espaços. Segurança essa que se
caracteriza não somente as obras de arte, mas também as pessoas que circulam
nesses espaços, pois correm o risco de serem surpreendidas por ladrões e vândalos,
muitos usuários de drogas que roubam para trocar por drogas.
A pesquisa em torno da história da família foi muito importante para que
pudéssemos compreender e interpretar da forma mais correta possível o significado
desta escultura, que segundo abordamos ao longo do texto, é uma representação da
alegoria da Caridade, onde pudemos defender essa representação através inclusive
de notas no jornal noticiando o falecimento de Adalgisa, notas essas que citavam ela
como uma mãe amantíssima, uma mulher que desfrutava de simpatias na sociedade,
há ainda notícias que a relatavam com uma mulher de coração caridoso.
Além disso, elementos como a rosa sem espinhos na roupa de Adalgisa onde
as crianças buscam tocá-la caracterizam-se tanto pela efemeridade da vida, pois
essas crianças faleceram jovens, quanto pela pureza das mesmas, no caso, eterna.
Outro fato importante a se ressaltar, foi a época em que essa escultura foi
encomendada, sendo o fim do período Positivista em nosso estado. A obra apresenta
claramente detalhes de uma mãe amante, Rainha do Lar e Anjo Tutelar da Família,
sendo este um dos indícios de comportamento defendidos por Comte.
Figura 38: Pranteadora Gassen.
Fonte: Carvalho (2009).
Figura 37: Monumento
Assemburg.
Fonte: Friederichs,
1949 in Carvalho
(2009).
Figura 36: Pranteadora
Dexheimer.
Fonte: Carvalho (2009).
50
Essa escultura, também se caracteriza por ser a única escultura nos Cemitérios
de Porto Alegre e Pelotas, que se têm relatos, que representa uma mãe maternal e de
forma serena, sem traços de dor e sofrimento, sendo eles representados em vida. As
outras obras que se têm relatos são de mães pranteadoras.
Salientamos que este monumento funerário em questão, é somente uma das
muitas obras contidas no espaço do Cemitério da Santa Casa de Pelotas, há diversas
outras que merecem tal estudo aprofundado, não só nos cemitérios de Pelotas, mas
também em outras cidades tanto do Rio Grande do Sul, quanto do Brasil.
51
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