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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GISLENE CABRAL DE SOUZA
EDUCAÇÃO INFANTIL E RELAÇÕES DE GÊNERO: O QUE SE INSCREVE NOS
CORPOS INFANTIS?
Rondonópolis – MT
2015
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GISLENE CABRAL DE SOUZA
EDUCAÇÃO INFANTIL E RELAÇÕES DE GÊNERO: O QUE SE INSCREVE NOS
CORPOS INFANTIS?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGEdu, da Universidade Federal de Mato Grosso,
Campus de Rondonópolis, na Linha de Pesquisa Linguagens, Cultura e Construção de Conhecimento – Perspectivas Histórica e
Contemporânea, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em
Educação. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Gonçalves
Salgado.
Rondonópolis – MT
2015
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis
Cep: 78735-901 -RONDONÓPOLIS/MT
Tel : (66) 3410-4035 - Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : "EDUCAÇÃO INFANTIL E RELAÇÕES DE GÊNERO: O QUE SE INSCREVE NOS
CORPOS INFANTIS?"
AUTOR : Mestranda Gislene Cabral de Souza
Dissertação defendida e aprovada em 11/09/2015.
Composição da Banca Examinadora:
___________________________________________________________________________
______________
Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Raquel Gonçalves Salgado Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Interno Doutor(a) Carmen Lúcia Sussel Mariano Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Externo Doutor(a) Bianca Salazar Guizzo Instituição : Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Examinador Suplente Doutor(a) Leonardo Lemos de Souza Instituição : UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
RONDONÓPOLIS, 11/09/2015.
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Em primeiro lugar, dedico esse trabalho a Deus, por Sua relevância
em minha existência; em seguida, à minha família, sempre presente
em toda a minha caminhada, e, por fim, a todos que me apoiaram
nesse projeto de grande importância para a minha vida profissional e
pessoal.
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AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos a todos que estiveram presentes em minha trajetória
acadêmica, em especial, aos meus pais, Alba e Geraldo, e aos meus filhos Érica Lauana e
João Pedro que sempre me apoiaram, principalmente nas horas mais difíceis.
Aos meus colegas, que me incentivaram com seus conselhos, ajuda e força.
À professora Profa. Dra. Raquel Gonçalves Salgado, sempre tão presente, me
orientando sobre a metodologia a ser seguida neste trabalho, e pela importante indicação do
material bibliográfico.
Aos professores, pelo profissionalismo e dedicação.
À professora MBO, pela gentil participação nesta pesquisa.
Às crianças, que comigo compartilharam seu cotidiano e seus saberes.
Agradeço, enfim, a Deus, aos meus amigos, e a todos que passaram em minha vida e
que, de alguma forma, contribuíram para a realização desse trabalho.
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RESUMO
Esta pesquisa é parte integrante do Grupo de Pesquisa “Infância, Juventude e Cultura
Contemporânea”, da Linha de Pesquisa “Linguagens, Cultura e Construção do Conhecimento: perspectivas histórica e contemporânea”. Seu objetivo principal é compreender as relações de
gênero nos modos como as crianças interagem no contexto da Educação Infantil, tendo como base as seguintes questões: que artefatos, objetos, imagens são significativos para as crianças e circulam entre elas nos diferentes espaços e tempos da escola? Que tempos e espaços são
usados e criados pelas crianças para compartilhar práticas que remetem às relações de gênero? Que relações as crianças estabelecem com o próprio corpo e o corpo do outro, que são marcadas por questões de gênero? Como as relações de amizade são atravessadas por essas
questões? Temos a escola como um espaço social de fortes tensões, que, se, por um lado, reproduz modelos, por outro, constitui-se como um terreno privilegiado de discussões e
rompimento de tabus, trazendo às crianças a oportunidade de problematizar os padrões dominantes de relacionar-se afetiva e socialmente. A pesquisa foi desenvolvida em uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) de Rondonópolis, Mato Grosso, em uma
turma do 2º Agrupamento do 2º Ciclo, tendo como sujeitos uma educadora efetiva da rede pública municipal, graduada em Pedagogia, e 20 crianças com idades entre 5 e 6 anos. Os
aportes teóricos utilizados foram: Ariès (1981), Felipe (1999; 2000; 2007), Foucault (1992; 1993), Guizzo (2005; 2007; 2014), Louro (1997; 1999), Sarmento (1997) e Xavier Filha (2011; 2012). Ancorada nos Estudos Culturais, tem-se como estratégia metodológica a
observação participante do cotidiano das crianças na escola, com vistas à análise das relações de gênero nos modos como elas se relacionam no contexto da Educação Infantil com seu
corpo e o corpo do outro durante as brincadeiras, os diálogos e nas escolhas dos artefatos escolares. Utilizando procedimentos metodológicos da pesquisa qualitativa etnográfica, esta investigação tem, também, se deparado com feminilidades e masculinidades que são
produzidas na escola. Nesse sentido, observa-se que, em suas relações de gênero, as crianças aprendem comportamentos padronizados socialmente, que repercutem em seus modos de ser
menino e menina. Constata-se que os discursos presentes em sala de aula são pautados em relações binárias, que demarcam os tempos, os espaços e os objetos que pertencem a meninos e meninas. Ainda assim, apesar de todas as estratégias para adequar as crianças a padrões
normativos de comportamento, foi observado que existem situações em que as crianças manifestam resistências ao que lhes é imposto, seja por meio de disputas, confrontos ou
escapes, demonstrando que há sempre possibilidades para construir outros modos de ser e de agir com relação aos gêneros.
Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Relações de Gênero. Corpo.
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ABSTRACT
This research takes part in the Childhood, Youth and Contemporary Culture Group Research,
that integrates the research line “Language, culture and knowledge construction: historical and contemporary perspectives”. Its principal aim is to understand gender relations in the
ways children interact in the context of early childhood education, based on the following questions: what artifacts, objects, images are significant for children and circulate among them in different spaces and times from school? That time and space are used and created by
children to share practices that lead to gender relations? Children establish relationships with one's own body and the body of the other, which are marked by gender issues? As the friendly relations are crossed by these issues? We have the school as a social space of tensions, which,
on the one hand, reproduces models, on the other, constitutes as a privileged terrain of discussions and breaking taboos, bringing children the opportunity to question the dominant
patterns of relate to emotional and social. The research was conducted in a Municipal School of Early Childhood Education (EMEI) Rondonópolis, Mato Grosso, in a class of 2nd 2nd Cycle grouping, with the subject an effective educator of municipal, graduated public in
Pedagogy, and 20 children aged between 5 and 6 years. It has been as a methodological strategy participant observation of children everyday in school, with a view to analysis of
gender relations in the ways they relate in the context of early childhood education with your body and the body of another during play, dialogues and the choices of school artifacts. Using methodological procedures of ethnographic qualitative research, this research has also met
with femininity and masculinity that are produced in school. In this sense, it is observed that, in their gender relations, children learn socially patterned behaviors that impact on their ways
to be boy and girl. It appears that the discourses present in the classroom are guided by binary relations, which mark the times, spaces and objects belonging to boys and girls. Still, despite all the strategies to suit children to normative patterns of behavior has been observed that
there are situations in which children express resistance to imposed on them, either through disputes, confrontations or leaks, demonstrating that there are always possibilities to build
other ways of being and to act with respect to gender.
Keywords: Childhood. Childhood Education. Gender Relations. Body.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Espaços da escola 36
Figura 2 O parque 37
Figura 3 O parque de plástico 37
Figura 4 A piscina 38
Figura 5 A quadra de esportes 38
Figura 6 O parque de madeira 39
Figura 7 A brinquedoteca 40
Figura 8 As crianças brincando 41
Figura 9 A sala de aula 42
Figura 10 Disposição dos materiais pedagógicos 42
Figura 11 O armário com artefatos para as crianças 43
Figura 12 Fila das meninas 44
Figura 13 Fila dos meninos 45
Figura 14 A segregação meninos e meninas 46
Figura 15 Os meninos e suas brincadeiras 47
Figura 16 Os meninos e suas brincadeiras (no parque) 48
Figura 17 As meninas e suas brincadeiras 48
Figura 18 A oficina (a) 49
Figura 19 A oficina (b) 50
Figura 20 Trabalhando a coordenação motora (a) 50
Figura 21 Trabalhando a coordenação motora (b) 51
Figura 22 As filas mistas 51
Figura 23
Figura 24
Binarismo nos artefatos (a)
Binarismo nos artefatos (b)
52
52
Figura 25 Binarismo nos artefatos (c) 53
Figura 26 O herói e a princesa 54
Figura 27 Os pertences e a demarcação de gênero 55
Figura 28 Os pertences dos meninos 55
Figura 29 Os pertences das meninas 56
Figura 30 “Bom dia, todas as cores!” 58
Figura 31 As mutações do camaleão 65
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EMEI Escola Municipal de Educação Infantil
GT Grupo de Trabalho
HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
ONU Organização das Nações Unidas
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PEE Plano Estadual de Educação
PME Plano Municipal de Educação
PNE Plano Nacional de Educação
PNEI Plano Nacional de Educação Infantil
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
1 INFÂNCIA, CORPO, SEXUALIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO ..................... 15
1.1 A inocência como marco da infância ............................................................................. 18
1.2 Infância, corpo e cultura ................................................................................................ 19
1.3 Infância e gênero nos documentos oficiais da Educação Infantil no Brasil .................. 20
2 CORPO E GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................. 25
2.1 Gênero como categoria sócio-histórica ........................................................................ 25
2.2 Identidades e gênero....................................................................................................... 29
2.3 Relações de gênero na Educação Infantil ...................................................................... 30
3 AS CRIANÇAS E AS RELAÇÕES DE GÊNERO ..................................................... 32
3.1 Estratégias metodológicas ............................................................................................. 33
3.2 O contexto de pesquisa: espaço e tempo na instituição de Educação Infantil ............... 35
3.3 As relações de gênero vividas nos tempos e espaços da turma .....................................
3.4 A professora e o modo como lida com o corpo e a sexualidade das crianças ...............
43
66
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ..................................................................................... 69
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 72
APÊNDICES ...................................................................................................................... 78
Apêndice A – Declaração .................................................................................................... 78
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .............................................. 79
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Pais das Crianças) .............. 81
Apêndice D – Roteiro de Observação ................................................................................. 83
Apêndice E – Roteiro para Entrevista ................................................................................. 84
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INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, observamos que questões de gênero vêm sendo intensamente
debatidas e discutidas no âmbito da educação. Muitas pesquisas sobre essa temática, no
cenário nacional, têm sido desenvolvidas nas áreas de Psicologia, Sociologia e educação, tais
como as de Louro (1997; 1999); Felipe (2003) e Guizzo (2005).
O trabalho como professora, atuando há dezesseis anos na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, motivou-me a pesquisar um pouco mais sobre o tema
apresentado nesta pesquisa, que tem como principal objetivo compreender as relações de
gênero nos modos como as crianças interagem no contexto da Educação Infantil. Em minha
atuação como professora de crianças, percebia que a relação das crianças com o próprio corpo
e o corpo do outro gerava certo desconforto por parte dos pais e professores. Com isso, surgiu
o interesse em aprofundar o debate acerca das questões de gênero existentes no espaço escolar
e como o/a professor/a lida com esses temas em suas práticas pedagógicas.
Dessa forma, o ambiente escolar faz-se fundamental nesta pesquisa, uma vez que é
nesse espaço, também, que as crianças estabelecem suas relações de gênero, onde as
diferenças entre elas são produzidas, ignorando ou excluindo alguns sujeitos em detrimento de
outros.
Na esteira dos estudos culturais, afirmo, conforme Steinberg (1997, p. 105), que essa
perspectiva apresenta “possibilidades para novas formas de estudar a educação e,
especificamente, a educação infantil”. Assim, esses estudos contribuem para a compreensão
de que a infância seja analisada como um grupo cultural que possui modos próprios de ver e
avaliar o mundo, mas que, infelizmente, ainda não são contemplados, por ser um grupo que
exerce pouco poder na sociedade, cujas visões são, muitas vezes, silenciadas no currículo
escolar. Por isso, é necessário observar novos campos de estudos, “trazendo vozes
anteriormente marginalizadas e introduzindo perspectivas diferentes na discussão acadêmica e
na prática educacional” (STEINBERG, 1997, p.106).
A presente pesquisa se propõe a contribuir com outras que
[...] defendem a necessidade de pensar sobre como práticas e mecanismos sociais estão, de alguma forma, presentes na educação de meninos e meninas, como são inscritos em seus corpos, como normalizam, disciplinam, regulam e controlam comportamentos, posturas, verdades e saberes (VIANNA; FINCO, 2001, p. 3).
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Nessa perspectiva, as questões que norteiam esta pesquisa são: que artefatos, objetos,
imagens que remetem às questões de gênero, são significativas para as crianças e circulam
entre elas nos diferentes espaços e tempos da escola? Que tempos e espaços são usados e
criados pelas crianças para compartilhar práticas que remetem às relações de gênero? Que
relações as crianças estabelecem com o próprio corpo e o corpo do outro, que são marcadas
por questões de gênero? Como as relações de amizade são atravessadas por essas questões?
Apesar dos grandes debates sobre o tema, as iniciativas para preparar os educadores a
lidarem com temáticas relacionadas ao gênero, principalmente no âmbito da Educação
Infantil, não têm sido suficientes. Ainda encontramos profissionais que carregam, em seus
discursos, um ranço de conservadorismo, oriundo de uma cultura que ainda insiste em ser
dominante, sem respeitar a história pessoal e cultural, a etnia e a identidade sexual de cada
criança. Como destaca Louro (1997, p. 28):
Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e estar no mundo. Essas construções e esses arranjos são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo, historicamente, como também transformando-se na articulação com as histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe.
É preciso que a escola seja vista não somente como um espaço de reprodução de
modelos, mas também como um terreno privilegiado de discussões e rompimento de tabus,
trazendo às crianças e aos/às professores/as1 a oportunidade de problematizar os modelos
dominantes de relacionarem-se afetiva e socialmente. Isto se coaduna com o que declara
Felipe (2007, p. 83): “[...] as instituições escolares podem ser consideradas um dos mais
importantes espaços de convivência social, desempenhando assim um papel de destaque no
que tange à produção e reprodução das expectativas em torno dos gêneros e das identidades
sexuais.”
A presente pesquisa foi desenvolvida em uma Escola Municipal de Educação Infantil
(EMEI) de Rondonópolis, Mato Grosso, em uma turma do 2º Agrupamento do 2º Ciclo, tendo
como participante uma educadora efetiva da rede, graduada em Pedagogia pela Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), com treze anos de experiência na Educação Infantil. A
1 A partir deste momento, será abandonado o uso da fórmula o(a) e será empregado o masculino genérico, como
preconizado na língua portuguesa, para referir a homens e mulheres, desde que não interfira na precisão de
sentidos.
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observação foi realizada uma vez por semana durante o segundo semestre do ano letivo de
2014, numa turma com 20 crianças, com idades entre 5 e 6 anos.
Tem-se como estratégia metodológica a observação participante do cotidiano das
crianças na escola, com vistas à análise das relações de gênero nos modos como elas se
relacionam no contexto da Educação Infantil com seu corpo e o corpo do outro durante as
brincadeiras, os diálogos e nas escolhas dos artefatos escolares.
Dessa forma, pretendemos, com esta pesquisa, contribuir para os conhecimentos
produzidos no âmbito dos estudos da infância, atravessados pelas relações de gênero no
contexto escolar, no sentido de proporcionar reflexões sobre a temática em âmbito nacional,
no que se refere à educação formal de crianças, pois essas experiências, na infância, ainda são
temas tabus que permeiam os discursos dos educadores em seus valores, práticas e relações
sociais. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que tais temas se opõem à imagem
cristalizada de infância e criança puras e inocentes, assumida como a ideal.
Com efeito, crianças existiram sempre, desde o primeiro ser humano, e a infância como construção social — a propósito da qual se construiu um conjunto de representações sociais e de crenças e para a qual se estruturaram dispositivos de socialização e controlo que a instituíram como categoria social própria – existe desde os séculos XVII e XVII. (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 213)
A opção metodológica inspirada na etnografia, baseada em Ferreira e Nunes (2014),
parte da intenção de conhecer a infância contemporânea e as interpretações das falas, gestos e
atitudes das crianças, conforme defendem os estudos da infância, rompendo com a visão
científica dominante, que costuma desconsiderar o olhar infantil. Tendo as crianças como
atores sociais, os dados são produzidos na interação das crianças com outras crianças e
também com a professora, onde elas reproduzem e produzem sentidos. Assim, temos, na
presente pesquisa, 21 sujeitos com a mesma importância: uma turma composta por 20
crianças, meninos e meninas, e uma professora de Educação Infantil.
De acordo com Ferreira e Nunes (2014, p. 107), os adultos têm acesso ao pensamento
das crianças quando se dispõem a ouvi-las e com elas aprender, o que é fundamental quando
se trata de reconhecer a infância baseada na alteridade que perpassa as identidades de
diferentes gerações, em seus “encontros intersubjetivos”.
Esta pesquisa volta-se para a desconstrução de postulados ainda fortemente presentes
nas concepções e práticas de professores de Educação Infantil, que são: a naturalização da
inocência infantil e os papéis fixos de masculinidade e feminilidade que normatizam visões e
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condutas das crianças, desde a mais tenra idade, e são muito vigentes no trabalho pedagógico
nessa modalidade da Educação Básica. Para que essas identidades sejam propagadas, são
utilizadas estratégias que garantam o controle da sexualidade das crianças e de seus corpos, de
forma a disciplinar suas condutas, seus modos de ser e relacionar-se com o outro.
O presente trabalho está dividido em três capítulos: o primeiro, que apresenta o
desenvolvimento histórico do conceito moderno de infância, ressaltando o atributo da
inocência como marca desse tempo de vida e como a sexualidade, no processo de educação e
moralização, passa a ser expurgada da vida das crianças. No segundo capítulo, são discutidas
as relações entre corpo e gênero na Educação Infantil. No último capítulo, apresentamos o que
dizem e fazem as crianças em suas relações de gênero no contexto escolar, e as práticas de
resistência e conflitos das crianças.
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1 INFÂNCIA, CORPO, SEXUALIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO
A preocupação com a infância data da Antiguidade. Aristóteles defendia que o Estado
não deveria interferir no cotidiano da família, sendo a criança propriedade e prolongamento
desta. O filósofo também entendia que a alma das crianças não diferia das almas dos animais
e, por isso, estas não possuíam racionalidade. Por ser uma extensão dos pais, a criança ainda
não existia enquanto sujeito.
A concepção de infância que temos hoje é bem distinta de como era há alguns séculos
atrás. A infância, portanto, é um conceito que diz respeito à demarcação de um tempo da vida
humana, histórica e socialmente construído. Dessa forma, e tomando como foco questões
como corpo e sexualidade, mediados pela cultura e pela educação, podemos trazer como
exemplos as práticas sexuais compartilhadas por crianças e adultos, existentes na Idade
Média, condutas tidas como absolutamente normais naquele contexto e que, na modernidade,
passam a ser vistas como aberrações. O fato é que a sociedade, por muito tempo, tratava as
crianças como adultos em miniatura, desconsiderando-as como sujeitos em suas
particularidades.
Ao apresentar o conceito de infância com base em Ariès (1981), é importante
considerar que este retrata o contexto europeu e temos apenas a visão ocidental, ou seja, esse
modo de ver a infância foi baseado na Europa e, por isso, não considera a diversidade de
cultura de outros espaços. Com a colonização do Brasil, os europeus trouxeram não só valores
e costumes, mas também concepções de infância, que influenciam a cultura brasileira até os
dias atuais.
Segundo Ariès (1981, p. 99), “o sentimento de infância não significa o mesmo que
afeição pelas crianças corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem”. O
sentimento de infância é, portanto, o que caracteriza a criança, a sua essência enquanto ser e,
principalmente, os modos de pensar e agir, que divergem do adulto e, por isso, necessita ter
uma visão mais específica.
A definição da palavra infância dada pelos dicionários de língua portuguesa engloba o
período que vai do nascimento ao ingresso da puberdade. A Organização das Nações Unidas
(ONU), na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, define
como criança todas as pessoas menores de dezoito anos de idade, enquanto, no Brasil, o
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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) considera que criança é a pessoa até os
doze anos incompletos.
A origem da palavra infância vem do latim infantia e se refere ao indivíduo que ainda
não á capaz de falar. Assim, temos essa fase atribuída à primeira infância, que vai até sete
anos, idade que representa a presença da razão. Ainda assim, a idade cronólógica não é
sufuciente para caracterizar a razão, como afirma Kuhlmann Jr. (1998, p. 16), a infância “tem
um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das
transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma
delas é associado um sistema de status e de papel.”
Se a idade cronológica não pode definir a infância, então, como deve se dar essa
definição? Nos séculos XVII e XVIII, a criança era considerada como uma projeção, em
escala reduzida, do adulto. As fases de evolução das crianças eram vinculadas às funções
sociais e ao estado físico: idade dos brinquedos, da escola, da corte, da cavalaria e a dos
homens do estudo. Dessa forma, “o movimento da vida coletiva ignorava as particularidades
de cada período da vida do homem” (ARIÈS, 1981, p. 27).
As crianças dificilmente eram representadas por pintores e escultores antes do século
XVII, o que demonstra a falta de interesse por esses sujeitos nesse período. Quando
retratados, eram esculpidos ou pintados como pequenos homens. Outro fator que comprova
que as crianças não eram consideradas em suas particularidades naquela época era o
infanticídio. Como consequência dessa abnegação, aconteceram situações, em que o bem-
estar das crianças não era prioridade, resultando na morte por falta de cuidados ou até mesmo
provocada pelos pais.
O conceito de infância que temos atualmente passou por um processo histórico e
social que, segundo Ariès (1981), resultou em infâncias distintas: as crianças de hoje não são
iguais às crianças do século passado, pois elas sofreram as influências do tempo e dos
diferentes contextos econômicos, sociais e geográficos.
No século XVIII, que começa a ocorrer um movimento de particularização da
infância, com grandes transformações na família, de forma a criar novas necessidades para
que as crianças sejam valorizadas.
De acordo com Salgado (2005, p. 41), “não há como refletir sobre a infância fora do
movimento da história, da cultura e das relações sociais entre crianças e adultos, que definem
e redefinem seus significados”. Ariès (1981) afirma que no século XII a criança era vista
como um adulto em miniatura, e, por não possuir, aos olhos dos adultos, características
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singulares, estas foram desconsideradas naquela época. No século seguinte, as crianças
começaram a ter visibilidade em imagens que demarcavam a inocência e a pureza infantil.
Suas representações como anjos e seres assexuados resultaram, entre os séculos XIII e XVII,
na necessidade de manter a pureza infantil, como forma de preparar a criança até mesmo para
a morte a fim de salvar sua alma inocente. No século XVI, as crianças passam a ser vistas
como partícipes de uma geração diferente da do adulto e, no século seguinte, as características
vislumbradas pelos adultos eram a fragilidade e a debilidade infantil.
Essa visão da inocência das crianças tinha o intuito de preservá-las dos malefícios do
mundo e evitar que mantivessem contato com a sexualidade, desenvolvendo o caráter e a
razão para que elas não se tornassem débeis. Ariès (1981), demonstra ainda que, no século
XVIII, as crianças eram paparicadas, no intuito de permanecerem inocentes, além de existir a
necessidade de moralizá-las para que a debilidade infantil desaparecesse.
A paparicação desapareceu dando lugar apenas à moral para a formação do caratér das
crianças. Dessa forma, na Idade Moderna, educar passa a ter o significado de moralizar a
criança, disciplinando-a para que ela identifique no adulto o ser a quem deve obediência. Essa
moralidade passa a atingir o corpo e a mente, pois, lidar com criança passa a ter como
obrigatoriedade a constituição de saberes sobre a infância.
De acordo com Foucault (1993), a partir do século XVIII, as instituições educacionais
multiplicaram-se, aperfeiçoaram-se e se tornaram um exemplo de poder, com a função de
disciplinar as crianças, principalmente o corpo e a sexualidade de meninos e meninas, o que
comprova que a sexualidade infantil era vista com grande preocupação. Além dos pedagogos,
os médicos compartilhavam dessa preocupação, passando a vigiar as crianças e instalaram
dispositivos de vigilância, criaram maneiras de forçar confissões, estabeleceram discursos
acerca dos riscos da sexualidade vivida ainda na infância e colocaram os pais e professores
em estado de alerta constante.
Com o passar dos anos, a postura velada em relação ao sexo permanecia,
principalmente quando envolvia crianças e adolescentes. Apesar dessa postura silenciosa,
ainda circulava um discurso sobre o sexo que incluía as crianças, pois, conforme Foucault
(1993), ao falar sobre o sexo das crianças, fazê-las falarem sobre, ou até mesmo ao impor
discursos purificantes, o discurso sobre a sexualidade existe e se multiplica.
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1.1 A inocência como marco da infância
Segundo Del Priore (2000), no final do século XIV, começaram a surgir indícios de
uma relação distinta entre os pais e a criança, diante de um novo imaginário social
relacionado ao corpo e à vida.
Esse cenário sofre mudanças ao longo dos anos, e as principais transformações
ocorreram no relacionamento familiar, dentro de casa. Ariès (1981) destaca que as pessoas
começavam a se organizar distantes da vida pública, ficando mais tempo em casa. Esse
processo foi chamado pelo autor de privatização da vida familiar, que aumentou a
convivência entre pais e filhos. “A família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre
cônjuges e entre pais e filhos, algo que não existia antes”. (ARIÈS, 1981, p.11).
A partir desse contexto, entendeu-se que a criança fazia parte de um mundo autônomo
e próprio. Essa compreensão permitiu que os pais investissem nas crianças, inclusive
emocionalmente, passando a se preocupar com a saúde e a educação de seus filhos. Nascia,
nesse período, o conceito de inocência infantil, com os sentimentos de pudor e vergonha
sendo incentivados na infância.
Nesse momento, a criança começou a ser vista como um ser diferente do adulto, pois
era considerada mais pura, inocente e frágil em relação ao adulto. Merecia, portanto, um
tratamento diferenciado.
A criança inocente começou a se formar através da literatura pedagógica, contribuindo para justificar a necessidade de uma educação formal e continuada que viesse a preparar a criança para o mundo adulto. Outro fator central teria sido a emergência do capitalismo comercial e a formação da classe média, que começava a preocupar-se com a formação daqueles que dariam continuidade aos seus negócios no futuro. (ARIÈS, 1981, p. 65).
Ainda de acordo com o autor essa nova concepção deu origem a dois tipos de
comportamentos vinculados à criança: primeiramente, justificar a atitude de proteção contra
os males presentes no mundo adulto, principalmente os ligados à sexualidade; em segundo
lugar, incentivar a ideia de educar a criança de forma a desenvolver a razão e o caráter. Como
afirma Ariès (1981), ambas as atitudes são contraditórias em relação à infância, pois se
pretende protegê-las do mundo adulto e também prepará-las para ele por meio da educação.
Ao longo dos séculos, a criança passa a obter maior destaque, conforme a sociedade
vai se transformando.
19
1.2 Infância, corpo e cultura
Atualmente, os estudiosos da infância não a concebem por meio de conceitos
universais. Ela é observada historicamente e localizada culturalmente por meio de crianças
vistas como sujeitos que vivem em tempos e lugares específicos. Assim, como a infância não
foi sempre entendida da mesma maneira, ao observar o corpo e seus gestos, é possível
apresentar a história de mulheres e homens em uma determinada sociedade. É preciso avaliar
o processo de inscrição dessas marcas, ou seja, quando começam a aparecer e como são
inscritas nos corpos, desde a infância, para que sejam construídas algumas verdades sobre os
corpos.
Existem alguns discursos que reforçam as características físicas e os comportamentos
esperados para meninas e meninos. Pequenos gestos e práticas de professores quando, por
exemplo, elogiam a delicadeza de uma menina e a força de um menino; ou quando é pedido
para um menino ajudar a carregar os materiais para as atividades e para a menina ajudar a
limpar a sala de aula. Essas situações ocorrem diariamente nas escolas, e comprovam que as
expectativas são diferentes para meninos e meninas. Assim, meninas e meninos vão
desenvolvendo suas potencialidades para corresponder às expectivas determinadas pelos
adultos, ou seja, de acordo com as características mais aceitáveis para o feminino e para o
masculino.
O fato é que a escola reforça as diferentes habilidades entre meninas e meninos,
mesmo que de maneira sutil. Isso orienta as expectativas com relação ao desempenho
intelectual considerado mais correto para cada sexo. Dessa forma, meninas e meninos têm
educação muito distinta, mesmo que estejam na mesma sala de aula e fazendo as mesmas
atividades, lendo os mesmos livros e ouvindo o mesmo professor. Segundo Nunes e Silva
(2000), as justificativas para desempenhos escolares diferentes entre meninos e meninas na
Educação Infantil estão vinculadas às representações dos professores em relação aos
comportamentos. Espera-se que as meninas sejam dedicadas, comunicativas e sensíveis, pois
essas são características feminincas. Enquanto os meninos devem seguir características tidas
como masculinas: dispersivos, agitados, desatentos e, ainda assim, inteligentes. Assim, as
marcas de gênero vão sendo inscritas nos corpos de meninas e de meninos de acordo com o
que o adulto define como o que é ser menino e o que é ser menina em nossa sociedade
20
Desde muito cedo, esse processo de feminilização e masculinização é imposto às
crianças, moldando as meninas para manterem atitudes dóceis e os meninos a serem corajosos
e agressivos, sofrendo, desde muito pequenos, preconceitos de gênero.
No Brasil, temos o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI,
1998), e este defende que, na infância, o desenvolvimento da sexualidade é amplamente
determinado pela história e cultura de cada sociedade, as quais norteiam o comportamento
sexual das pessoas.
As discussões sobre o corpo como material biológico ou cultural têm gerado
divergências de opiniões, principalmente entre as Ciências Humanas e Sociais e as Ciências
Naturais e Biológicas. Buss-Simão et al (2010, p. 153) afirmam que esses estudos “...
destacam que o ser humano deve ser considerado em sua inteireza biocultural, pois se
constitui, ao mesmo tempo, como totalmente biológico e totalmente cultural; dito de outra
forma, no ser humano, o biológico encontra-se constituído pela cultura.”
Considerando o processo de construção social e histórica que perpassa o conceito de
infância, temos, na presente pesquisa, os modos como os seus corpos se relacionam, se
manifestam e são adornados. A própria forma de organização escolar prevê um padrão de
comportamento e ensina às crianças o autocontrole para manter o corpo imóvel durante horas,
esquadrinhado, calmo e dócil, visando a postura, poucos gestos e a construção de bons
hábitos.
Conforme veremos a seguir, os documentos oficiais, que dispõem sobre a Educação
Infantil, preveem a interação, atividades lúdicas e a organização do espaço escolar de maneira
apropriada para o desenvolvimento de práticas educativas que proporcionem a construção de
saberes.
1.3 Infância e gênero nos documentos oficiais da Educação Infantil no Brasil
A criação do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), em
1998, foi muito importante para a Educação Infantil, pois trata-se de um documento que
procura pautar as orientações para o direito à educação de crianças na faixa etária de zero a
seis anos, direito este reconhecido pelo texto constitucional de 1988, pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), de 1990, e também pela Lei de Diretrizes e Baseada Educação
Nacional, Lei 9.394/96 (LDB), de dezembro de 1996, em seus artigos 29 a 31. Segundo o
documento do RCNEI (BRASIL, 1998), nas últimas décadas, a sociedade está bem mais
21
consciente da importância das experiências que se processam na primeira infância. Essa
conscientização ocorreu por causa das transformações sofridas pela sociedade, motivadas pela
intensificação da urbanização, pela participação da mulher no mercado de trabalho e pelas
alterações na estrutura e na organização da família. Por isso, para prestar um atendimento
adequado para as crianças de zero a seis anos, o referido documento declara que a Educação
Infantil seja vista como a primeira etapa da Educação Básica, a fim de proporcionar o
desenvolvimento de forma integral da criança que nela ingressa.
Partindo dos pressupostos presentes na LDB sobre a Educação Infantil, ainda mais
verificando sua responsabilidade e seu papel no incentivo, avaliação e proposição das
políticas públicas sobre a educação, o então Ministério da Educação e do Desporto propôs um
documento com o objetivo de ser um referencial curricular nacional para a Educação Infantil.
Esse documento é constituído por um conjunto de referências e orientações psicopedagógicas,
para “contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade
que possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das
crianças brasileiras.” (BRASIL, 1998, p. 13).
Considerando as especificidades cognitivas, afetivo-emocionais e sociais das crianças
de zero a seis anos, os princípios que norteiam o RCNEI são os seguintes:
o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
o direito a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil; o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;
o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade. (BRASIL, 1998, p.13).
O RCNEI ainda destaca que as crianças têm o direito de viver experiências prazerosas
nas escolas. Propõe transformar a concepção assistencialista que, até então, norteava o
trabalho das creches, no sentido de rever o papel que a criança desempenha na sociedade
atualmente, e, sobretudo, conferir a responsabilidade e o papel do Estado para com as crianças
pequenas. De acordo com o texto do documento, ainda que exista um consenso de que a
educação para as crianças tenha que promover a integração entre os aspectos sociais,
cognitivos, emocionais e físicos, existem divergências em relação à maneira como esses
22
trabalhos são realizados nas escolas, já que, muitas vezes, prioriza-se um aspecto em
detrimento do outro. Na prática algumas instituições privilegiam mais os cuidados físicos; já
outras dão mais atenção às necessidades emocionais; ainda há aquelas que se direcionam
apenas para os aspectos relacionais, incentivando as relações pessoais entre crianças e adultos.
Para o documento, todos esses aspectos são importantes e, por isso, devem ser trabalhados nas
escolas.
É necessário destacar que, no discurso do RCNEI (BRASIL, 1998), a concepção de
criança está vinculada a uma noção historicamente construída e que vem mudando ao longo
dos anos, sem se apresentar com uma forma homogênea, nem no interior de uma sociedade,
tampouco em uma época. (BRASIL, 1998). Assim, a criança é assumida como um sujeito de
direitos, como uma pessoa que precisa ser respeitada em sua diversidade social, cultural,
econômica, de gênero, étnica e religiosa.
A pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das crianças,
como estabelece o Referencial, devem ser consideradas no planejamento, desenvolvimento e
nas práticas pedagógicas. O documento cita que as brincadeiras e outras atividades presentes
no cotidiano da Educação Infantil devem “[...] evitar enquadrar as crianças em modelos de
comportamento estereotipados, associados ao gênero masculino e feminino, como, por
exemplo, não deixar que as meninas joguem futebol ou que os meninos rodem bambolê”
(BRASIL, 1998, p. 37).
Outro documento que orienta o trabalho na Educação Infantil, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (2010), em sua proposta
pedagógica, defende que aconteçam novas formas de sociabilidade comprometidas com “[...]
o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero,
regional, linguística e religiosa” (BRASIL, 2010, p. 17). Nesse sentido, Guizzo e Carvalho
(2015) salientam a importância de analisar o papel da educação na socialização de crianças
com base nos processos de diferenciação entre meninos e meninas, objetivando práticas
educativas não discriminatórias.
De acordo com as DCNEI (2010), é necessário assegurar que crianças de 4 e 5 anos de
idade tenham continuidade no processo de aprendizagem, que se inicia no meio familiar e no
convívio com a comunidade e deve passar pela Educação Infantil, de modo a respeitar as
especificidades dessa faixa etária, a fim de que estas ingressem de modo seguro no Ensino
Fundamental. Para isso, sustenta o seguinte conceito de criança:
23
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2010, p. 12).
Dentre as propostas apresentadas para a organização da Educação Infantil, nos
ateremos apenas àquela que propõe a construção de novas formas de sociabilidade e
subjetividade, visando “[...] o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica,
étnico-racial,de gênero, regional, linguística e religiosa” (BRASIL, 2010, p. 17). A presença
da ruptura de relações de várias formas de dominação já está assegurada às crianças desde o
momento em que são inseridas no espaço escolar, mas a efetivação dessa prática sofre várias
outras influências que prejudicam esse processo.
Apesar de haver outros documentos que deveriam nortear práticas escolares que digam
respeito às questões de gênero e de sexualidade, o trabalho com elas ainda é difícil, por uma
série de fatores, tais como: a carência dessas temáticas nos cursos de formação, a resistência
por parte das famílias (em função de atravessamentos políticos, religiosos, etc).
Recentemente, no cenário nacional, circulam discursos em defesa da manutenção da
família nuclear como a única configuração familiar possível. Nessa perspectiva, considera-se
como um atentado à família e à ordem social o gênero como uma construção social, na
medida em que as identidades de gênero são construídas ao longo da vida. Tais discursos
denominam essa compreensão das relações de gênero e suas implicações nas constituições
subjetivas e formações culturais como “ideologia de gênero”.
O Plano Nacional de Educação (PNE), para o decênio 2014-2024, foi aprovado em
2014 pelo Ministério da Educação (MEC), abrangendo as etapas da Educação Infantil ao
Ensino Superior. A proposta diferencia-se dos planos anteriores por prever metas nacionais a
serem alcançadas num período de dez anos de responsabilidade conjunta da União, estados,
Distrito Federal e municípios. A partir do PNE e partindo do pressuposto do trabalho conjunto
para alcançar os objetivos, foi organizado um Caderno de Orientações para a elaboração dos
Planos Municipais de Educação (PME) e disponibilizado pelo site do MEC constando, dentre
outras diretrizes, promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual.
Na esteira desse avanço, surge, então, o movimento que se declara contra o que se
denomina “ideologia de gênero”, divulgando cartilhas nas redes sociais que contestam os
conceitos de identidade de gênero e orientação sexual, em defesa da exclusão dessas questões
dos planos municipais e estaduais de educação.
24
Neste período atual de aprovação dos PMEs, alguns estados e municípios aderiram ao
movimento contra a denominada “ideologia de gênero” e retiraram qualquer menção ao termo
gênero dos documentos, tornando ainda mais polêmico e grave este entrave. Por outro lado,
universidades e associações manifestam-se por meio de notas de repúdio contra essa
intervenção nos PMEs que estão em trâmite, alegando o retrocesso do resultado das lutas dos
movimentos sociais. Retirar o termo “gênero” dos planos de educação fortalece o preconceito
e promulga a desinformação. O Grupo de Trabalho “Gênero, Sexualidade e Educação”, da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), divulgou, no dia
22 de junho de 2015, uma Carta Pública acerca do movimento que pretende vetar as
discussões sobre gênero nos debates científicos de âmbito educacional, salientando que as
discussões em torno do que se passou a denominar como “ideologia de gênero” não possuem
fundamentação científica e negam o direito às discussões desta temática em instituições e
políticas educacionais.
Nesse viés de defesa dos direitos humanos, os estudos de gênero, juntamente com os
estudos culturais, vêm trazendo importantes contribuições sobre o corpo como artefato
cultural, em especial na constituição de gênero, levando em consideração que tais elementos
simbólicos são instâncias importantes no processo de aprendizagem, uma vez que, com eles,
são produzidas identidades e subjetividades.
25
2 CORPO E GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Até bem pouco tempo, havia, em torno das questões relacionadas à sexualidade, uma
intensa valorização, de forma a considerá-la como um grande segredo, dificilmente discutido
em família, quanto mais no ambiente escolar. Mesmo com a possibilidade de trabalhar esse
tema em sala de aula, ainda há uma grande resistência por parte dos educadores em levar esse
assunto para as discussões com as crianças.
A ideia de que a sexualidade seja algo que o ser humano naturalmente possui, sendo
inerente a todas as pessoas, ainda é muito difundida pela sociedade. Levando em consideração
essa ideia, acredita-se que a relação que homens e mulheres têm com o corpo seja a mesma.
No entanto, essa concepção desconsidera que as pessoas possuem singularidades, sejam
culturais, históricas ou sociais e que, portanto, não são iguais. Sob esse contexto, os corpos
também ganham sentidos distintos.
O espaço escolar ainda apresenta o corpo assexuado, sem história e reduzido à sua
anatomia e fisiologia. O corpo visto como um sistema é analisado de forma fragmentada,
impossibilitando o trabalho com o sujeito como um todo, dentro de sua complexidade.
2.1 Gênero como categoria sócio-histórica
A palavra “gênero” pode ser usada com os mais variados significados e acepções,
sendo utilizada em diversos campos do conhecimento e atribuída para definir características e
valores tanto nos reinos animal, vegetal e humano. Nas ciências naturais, gênero significa
“espécie”; já para as ciências sociais e humanas, campo no qual se situa esta pesquisa, gênero
também está relacionado à construção cultural das noções de feminilidade e masculinidade, a
partir das diferenças sexuais.
Para continuar a tratar de gênero, é preciso, primeiramente, inserir esse conceito em
um caráter histórico para, em seguida, identificá-lo na temática e no contexto específico de
um determinado momento histórico.
Os estudos de gênero tiveram sua origem com os movimentos feministas, sem nenhum
destaque acadêmico. Com o tempo, foram ganhando mais prestígio até adquirir consistência
no campo da pesquisa acadêmica. Ao discutir as questões de gênero, Louro (1997) enfatiza a
história do movimento feminista, por se tratar de um processo de luta de direitos em busca de
tornar as mulheres visíveis, pois a segregação social e política teve como consequência a
26
invisibilidade da mulher como sujeito. A autora ressalta que, para compreender o lugar e as
relações estabelecidas entre homens e mulheres, é importante observar não os sexos, mas o
que foi construído a respeito dos sexos.
Scott (1990) entende gênero como um elemento que constitui as relações sociais
fundamentadas sobre as diferenças observadas entre os sexos, portanto, uma construção
histórica e social dos sexos. Desse modo, o conceito de gênero tem a ver com a construção
social do sexo anatômico ou por meio das diferenças que se percebe entre os sexos. Assim, os
estudos de gênero auxiliam no entendimento das relações sociais, em especial porque se
detêm sobre conceitos, práticas e representações desenvolvidas entre os seres humanos,
principalmente sobre aqueles que se constroem a partir das relações entre as pessoas do
mesmo sexo ou de sexos diferentes, de idade, cor, raça e classe social distintas. Sob esta
perspectiva, Scott (1995 apud LOURO, 1997, p. 21, grifo da autora) entende que
[...] é através das feministas anglo-saxãs que gender passa a ser usado como distinto de sexo. O grande objetivo seria, então, através da linguagem, isolar compreensões fechadas acerca das distinções biológicas entre homem e mulher enquanto visão completa e acabada do masculino e do feminino e acentuar como o termo gênero, “o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”.
É preciso ressaltar que, ao longo da história, as discussões sobre o tema foram
realizadas por causa da aproximação entre o movimento feminista e o surgimento das
pesquisas sobre gênero. Ainda de acordo com a autora,
[...] ao dirigir o foco para o caráter “fundamentalmente social”, não há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas. [...] O conceito pretende se referir ao modo como as características sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas para a prática social e tornadas parte do processo histórico. [...] As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação. (LOURO, 1997, p.21-22, grifo da autora).
Em Foucault (1993), temos a sexualidade como um dispositivo histórico e social,
constituindo-se a partir de vários olhares e práticas sobre o sexo, que regulam os saberes, de
forma a normatizá- los para produzir verdades. Para Weeks (2001),
27
[...] estamos sugerindo que a sexualidade é modelada na junção de duas preocupações principais: com a nossa subjetividade (quem e o que somos); e com a sociedade (com a saúde, a prosperidade, o crescimento e o bem-estar da população como um todo). As duas estão intimamente conectadas porque no centro de ambas está o corpo e suas potencialidades. Na medida em que a sociedade se tornou mais e mais preocupada com as vidas de seus membros – pelo bem da uniformidade moral, da prosperidade econômica; da segurança nacional ou da higiene e da saúde – ela se tornou cada vez mais preocupada com o disciplinamento dos corpos e com as vidas sexuais dos indivíduos. Isso deu lugar a métodos intricados de administração e de gerenciamento; (...) e a intervenções voltadas ao bem-estar ou ao escrutínio científico, todas planejadas para compreender o eu através da compreensão e da regulação do comportamento sexual. (WEEKS, 2001, p.51).
A apropriação cultural que se faz relacionada ao gênero é influenciada por um modelo
de sociedade que segue a autoridade paterna, valorizando em demasia a figura masculina e
colocando as mulheres em uma postura de submissão. Esse modelo de sociedade é baseado no
androcentrismo, em que o homem é colocado como o centro de tudo, detentor do poder
econômico, sexual e cultural. De acordo com Carvalho et al (2003), esse modelo faz parte da
cultura dominante da valorização das normas masculinas.
Butler (2003) considera gênero como a estilização repetida do corpo, ou seja,
[...] um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser. O termo estilizações permite suspender o problema das “coisas” que estão representadas nas expressões lingüísticas (por exemplo o sexo), e passar aos atos que são realizados pelo corpo que fala no estabelecimento, criação, recriação e eventual subversão das relações de poder. Gênero compreendido então como efeito discursivo, como efeito de atos de fala. A linguagem como o poder de criar o “socialmente real” por meio dos atos de locução dos sujeitos falantes (BUTLER, 2003, p.23, grifos da autora).
A concepção de gêneros – masculino ou feminino – é realizada de acordo com os
conceitos histórico-culturais, sendo as possibilidades da sexualidade determinada por esses
conceitos.
É, então, no âmbito da cultura e da história que se definem as identidades sociais (todas elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também, as identidades de raça, de nacionalidade, de classe etc). Essas múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais. (LOURO, 2000, p, 70)
Em nosso mundo contemporâneo, as pessoas são representadas a partir das identidades
de gênero e sexual. Como explica Weeks (1995, p. 89),“tememos a incerteza, o desconhecido,
28
a ameaça de dissolução que implica em não ter um identidade fixa”. O comum é que essa
identidade seja adequada pelo que é imposto pela maior parte da sociedade. O ideal é que, na
busca por essa identidade, haja o respeito pelos desejos e histórias de cada pessoa, e, como
defende Weeks (1995), é nesse momento que o corpo é essencial.
Num mundo de fluxo aparentemene constante, onde os pontos fixos estão se movendo ou se dissolvendo, seguramos o que nos parece tangível, a verdade de nossas necessidades e desejos corporais [...] O corpo é visto como a corte de julgamento final sobre o que somos ou o que podemos nos tornar. Por que outra razão estamos tão preocupados em saber se os desejos sexuais, sejam hetero ou homossexuais, são inatos ou adquiridos? Por que outra razão estamos tão preocupados em saber se o comportamento generificado corresponde aos atributos físicos? Apenas porque tudo o mais é tão incerto que precisamos do julgamento que, aparentemente, nossos corpos pronunciam (WEEKS, 1995, p. 90-91).
Por ser o corpo a referência em que se apoia a identidade, consequentemente espera-se
que ele indique a identidade dos sujeitos, sem inconstâncias e ambiguidades. Entretanto, como
avalia Weeks (1995), é preciso ressaltar que o corpo é inconstante, e que possui desejos e
necessidades que estão sempre mudando.
Os discursos sobre os corpos produzem modos de ser, com cada cultura funcionando
como um corpo social que produz corpos individuais. A família, a igreja, a mídia e a escola,
dentre outros, por meio de suas práticas e de seus discursos, produzem os seres humanos, bem
como os modos como estes são reconhecidos como pessoas. Nesse sentido, Rosa (2004)
argumenta que o corpo é definido como “um hipertexto, cenário, mapa, sinalizador, território
de protesto e de criação. Subterfúgios e dribles... acessórios, adornos, decorações”. (ROSA,
2004, p. 7).
As análises oriundas dos estudos feitos por Michel Foucault (1993) sobre a utilização
do corpo, as relações de poder sobre ele são bem pertinentes ao serem relacionadas aos
estudos da sexualidade, principalmente em se tratando de seus vínculos com os diferentes
discursos: médico, jurídico, psicológico, educacional e religioso. A sexualidade tem sido
destacada como um dos temas centrais, sendo apresentada em discursos como universal e de
modo essencialista. Porém, como destaca Weeks (1999), apesar de a sexualidade ter como
suporte o corpo biológico, ela deve ser vislumbrada como uma construção social, idealizada
historicamente. De acordo com o autor, por esse motivo, a sexualidade é relacionada a
crenças, comportamentos, relações e identidades historicamente construídas, e os corpos,
observados como mensageiros nessa relação e produzidos nas diversas culturas e práticas
educativas.
29
As concepções de gênero não divergem de uma sociedade para outra ou num período
histórico específico, as diferenças ocorrem no interior de uma sociedade ao considerar os
grupos que a constituem: étnicos, religiosos, raciais e de classe. Louro (1997) afirma que a
sexualidade e o gênero fazem parte da construção de identidade e por isso, não são fixos e
nem acabados, posto que se constroem e se transformam constantemente.
Felipe (2005) afirma que, mesmo com todo o destaque que vêm recebendo nas últimas
décadas, os corpos continuam sendo minuciosamente controlados e vigiados, principalmente
no que se refere à sexualidade. É importante ressaltar como alguns temas diretamente ligados
ao uso do corpo e seus prazeres, ainda são quase inquestionáveis. Um desses temas, a
heterossexualidade, continua sendo visto como o comportamento mais natural. Os discursos
que idealizam a mulher-mãe, por exemplo, são um entrave para o incentivo de discussões
sobre como compreendemos a maternidade, vista, também, como um aprisionamento da
mulher, o que reforça as expectativas presentes em torno do exercício das feminilidades e das
masculinidades.
2.2 Identidades e gênero
O conceito de relações de gênero se refere às relações sociais de poder e dominação
entre homens e mulheres, nas quais cada um tem seu papel social determinado pelas
diferenças sexuais. Essas relações reforçam os preconceitos que existem sobre a forma de
viver a sexualidade, influenciando na construção da identidade sexual de meninos e meninas.
As diferentes sociedades, quando começam a traçar o que deve constituir o feminino e o
masculino, passam, também, a delimitar estereótipos que são incorporados e propagados em
vários setores, especialmente no contexto escolar.
As contribuições de Scott (1995) mostram que, ao se observar os papéis masculinos e
femininos na sociedade, é preciso incentivar a desconstrução da superioridade do gênero
masculino em detrimento do feminino, buscando uma igualdade social e política, não apenas
em relação ao sexo, mas também no tocante à raça e à classe.
Vários autores procuram definir o conceito de gênero. Para Louro (1997, p. 77),
gênero se refere “ao modo como as diferenças sexuais são compreendidas numa dada
sociedade, num determinado grupo, em determinado contexto”. Nota-se, com essa definição,
que gênero não está relacionado propriamente à diferença sexual, mas à maneira como ela é
30
apresentada na cultura, por meio do modo de pensar, agir ou falar sobre essa experiência
subjetiva.
Essas diferenças são aprendidas e interpretadas pelas crianças por meio de
mecanismos diversos que englobam as interações com as outras crianças e com os adultos. É
fato que a imposição do que meninos e meninas devem fazer e como devem agir é feita cada
vez mais cedo, ocorrendo não só pela materialidade, mas pela subjetividade. Esse cenário
influencia as imagens que as crianças fazem de si mesmas, dos outros e da cultura,
contribuindo para a composição de suas identidades de gênero.
Essas identidades de gênero estão vinculadas às experiências subjetivas da criança em
ser menina ou menino. Para Stoller (1993), durante toda a vida, o ser humano desenvolve a
percepção de quem é, ou seja, definir-se como homem ou mulher faz parte de um processo
cultural.
[...] a identidade de gênero está relacionada à mescla de masculinidade e feminilidade em um indivíduo, significando que tanto a masculinidade como a feminilidade são encontradas em todas as pessoas, mas em formas e graus diferentes. [...] A masculinidade ou a feminilidade não são naturalmente apresentadas ao sujeito por determinações biológicas, mas são características conquistadas culturalmente por ele. (STOLLER, 1993, p.28).
Ao tratar de identidade, sob o enfoque dos estudos culturais, passamos de uma
concepção moderna de sujeito, marcada por uma identidade estável e unificada, a um
processo histórico de transição que deu origem ao sujeito pós-moderno, não mais com uma
identidade fixa, permanente ou essencial. Segundo Hall (1987), a partir dessa concepção, a
identidade passa a ser considerada como uma “celebração móvel”, formada continuamente em
relação às formas pelas quais os sujeitos são representados nos sistemas culturais que os
rodeiam. A concepção do sujeito pós-moderno não remete a uma essência psicológica ou
biológica, mas é marcada pela história, de modo que este assume diferentes identidades, em
diferentes momentos, e essas identidades não são unificadas em torno de um “eu” coerente.
Existem várias identidades contraditórias, que empurram esse sujeito para direções diversas,
fazendo com que as identificações sejam continuamente deslocadas, instáveis e mutantes.
2.3 Relações de gênero na Educação Infantil
Os papéis de gênero, diferentemente das identidades de gênero, são as representações
ou manifestações sociais previamente estabelecidas nos modos de ser masculino ou feminino.
31
Esses papéis variam de cultura para cultura, e até mesmo dentro de uma mesma cultura. Na
sociedade atual, há uma grande diversidade cultural, fazendo com que existam diferentes
formas de ser homem e de ser mulher, demonstradas na música, na dança, no trabalho, nos
gestos, e, no caso das crianças, nas brincadeiras.
A partir disso, foi construído o delineamento do objeto de estudo desta pesquisa,
observando questões levantadas durante experiências vivenciadas enquanto docente da
Educação Infantil, que me permitiram verificar as relações de gênero que meninas e meninos
constroem em seu cotidiano escolar.
É importante incentivar políticas públicas que incidam nas questões de gênero, avalia
Felipe (2007), uma vez que esses esforços são fundamentais para que sejam ampliados
estudos e pesquisas, pois são eles que fomentam as discussões em torno da sexualidade e dos
aspectos sociais, culturais e sociais envolvidos na temática.
O ser humano, enquanto vive, está em constante processo de transformação; e esse
incessante desenvolvimento é oriundo de um processo cultural e histórico não linear. Logo, o
entendimento e a reflexão são necessários para que os professores tenham conhecimento
sobre a construção das relações de gênero na infância, no contexto da escola, de forma a
estarem preparados para lidar com essas questões, uma vez que os profissionais envolvidos no
processo educativo trazem para o ambiente escolar suas visões de mundo, o que reflete nas
suas relações com as crianças.
32
3 AS CRIANÇAS E AS RELAÇÕES DE GÊNERO
O locus da pesquisa foi uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI),
localizada em uma região periférica da cidade de Rondonópolis, Mato Grosso, escolhida
devido à localização e também pela estrutura física, pois contém elementos que propiciam o
desenvolvimento de atividades lúdicas que favorecem um trabalho bem diversificado, como,
por exemplo, parques de madeira e de plástico, quadra coberta e piscina. O primeiro contato
foi feito com a direção da escola, quando foi apresentado o projeto de pesquisa. Diante disso,
houve, por parte do diretor da unidade, a indicação da professora MBO2, em virtude de sua
larga experiência, tanto como professora de Educação Infantil quanto como formadora de
professores. Outro fator que julguei importante foi a aproximação da pesquisadora com a
escola, já que meu filho havia nela estudado. Como professora da rede municipal de ensino,
avaliei que esse fator facilitaria a pesquisa. Nesse sentido, um ponto positivo foi ser vista
como parte integrante daquela comunidade e ser convidada pelos professores para auxiliar na
organização dos projetos da escola, no sentido de programar atividades lúdicas e realizar
formações na Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). No entanto, essa demanda
repercutiu no processo de pesquisa, pois a todo o momento eu era chamada pela equipe
pedagógica da escola para observar ou emitir opinião sobre algum fato. Isto, em alguns
momentos, desviou o foco de minha atenção para a pesquisa.
Dentre as dificuldades da pesquisa, destaco as diversas solicitações de auxílio
advindas de outros professores, que, muitas vezes, prejudicaram a concentração no foco de
minha pesquisa, pois me afastaram, em alguns momentos, da turma em que estava inserida.
Nessas circunstâncias, minha relação com as crianças, também, ficou comprometida.
Em 2014, oferecendo o primeiro e segundo agrupamentos3 nos períodos matutino e
vespertino e tendo 360 crianças matriculadas, a escola possuía, em seu quadro de
funcionários, a equipe gestora, composta por um gestor e dois coordenadores; 19 professores,
estando um em readaptação e atuando como auxiliar da equipe gestora; dois secretários
escolares; a equipe de auxiliares de serviços diversos, composta por dez funcionários,
responsáveis pela limpeza; quatro merendeiras; uma pessoa responsável pela portaria da
escola; quatro vigias e quatro estagiárias.
2 Estão sendo usadas as iniciais do nome da professora.
3Os agrupamentos são forma de organização do espaço escolar em consonância com o Projeto Político
Pedagógico das instituições de Educação Infantil. Os grupos de crianças são organizados de acordo com a faixa
etária e compostos de maneira equilibrada por uma quantidade de meninos e meninas. De acordo com o RCNEI,
na faixa etária de 3 a 6 anos, está previsto um professor sem a necessidade de professor auxiliar.
33
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da EMEI (2014), a escola trabalha com
base em projetos pedagógicos, com participação de todos os membros da escola, relacionados
às datas comemorativas, como Páscoa, Carnaval, Dia das Mães e, durante a realização desta
pesquisa, também à Copa do Mundo, que foi realizada no Brasil no ano de 2014. Nos
registros dos projetos ocorridos na escola, não havia qualquer menção a questões de gênero e
sexualidade das crianças ou algo que permeasse essa temática, mesmo que de forma sutil.
A seguir, será exposta a estratégia metodológica utilizada e, em seguida, realizada uma
contextualização mais densa sobre a sala de aula, o espaço e o tempo dedicado a esta pesquisa
e a caracterização dos sujeitos partícipes.
3.1 Estratégias metodológicas
Para a condução desta pesquisa, optei pela observação participante da rotina das
crianças, inspirada na etnografia, que se apresenta como possibilidade para compreender o
coletivo de crianças, sujeitos deste estudo. A opção teórico-metodológica se deve à
importância de observá-las coletivamente, em seu cotidiano. Neste caso, o coletivo
investigado é composto pela turma de Educação Infantil.
De acordo com Angrosino (2009), a observação participante inicia-se a partir do
momento em que o pesquisador entra no cenário de campo e passa a vivenciar tudo o que
ocorre em sua volta com riqueza de detalhes. É importante ver as particularidades recorrentes,
as novas situações e também fatos habituais percebidos pelas pessoas que estão inseridas em
uma determinada ocasião. Para ele, a “observação é o ato de perceber um fenômeno, muitas
vezes com instrumentos, e registrá-lo com propósitos científicos” (ANGROSINO, 2009, p.
74). A observação foi efetuada regularmente, a fim de responder a questão teórica proposta:
como se inscrevem nos corpos infantis no cotidiano escolar as relações de gênero?
Flick (2009) destaca o uso frequente de traços da pesquisa etnográfica como a
combinação de observação, participação, entrevistas mais ou menos formais e uso de
documentos como elementos a serem analisados. O que caracteriza a pesquisa qualitativa,
afirma o autor, é a busca pela compreensão dos diversos fenômenos sociais dentro de um
contexto específico. Assim, uma das alternativas possíveis, adotada nesta pesquisa, é atentar-
se para as interações e comunicações que estão em processo. “Isso pode ser baseado na
observação e no registro de práticas de interação e comunicação, bem como na análise desse
material.” (FLICK, 2009, p. 08). Essa configuração busca entender como as crianças
34
constroem relações de gênero na interação com o outro, apresentam o que faz sentido a elas e
situações conflituosas, resultando numa gama de significações e possibilidades.
Para atender aos preceitos éticos, o diretor da escola assinou uma declaração
autorizando a realização da pesquisa naquela unidade escolar, conforme apêndice A; a
professora e os pais das crianças da turma pesquisada assentiram a participação delas
mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo
com os apêndices B e C.
As crianças também foram consultadas sobre o interesse de contribuir com a pesquisa.
Para tanto, primeiramente, houve a apresentação da pesquisadora, e, depois, foi exposto o
projeto de pesquisa, cujo maior objetivo seria conhecê-las, seus modos de conviver uns com
os outros, sobretudo meninos e meninas, suas preferências por brinquedos e brincadeiras.
Assim, tivemos o assentimento da participação das crianças da turma, que, muito curiosas,
queriam saber onde a pesquisadora estudava e como seria a pesquisa. Após a aceitação dos
sujeitos, expliquei que seriam utilizadas somente as iniciais de seus nomes, para preservar a
identidade de todos os sujeitos presentes na pesquisa.
As crianças foram observadas na relação com a professora e entre elas. Os eventos
ocorridos nessas interações foram registrados por meio de caderno de campo, gravador de
voz, fotografias e vídeos. Porém, como fui convidada a colaborar com a professora e com as
crianças em vários momentos, não tive condições de fazer todas as anotações in loco e
inúmeras vezes tive que fazer os registros no caderno de campo após os acontecimentos, ao
sair da escola.
Conforme Pereira (2012), a pesquisa com crianças discute o lugar social ocupado por
pesquisadores e crianças, reflete sobre a alteridade entre os adultos e crianças durante a
pesquisa. O pesquisador necessita, portanto,
“[...] se debruçar subjetivamente sobre a produção subjetiva de um outro – um outro que, necessariamente, identifica-se com o pesquisador em sua condição de humanidade, ao mesmo tempo que se diferencia dele pelo lugar social que ocupa na pesquisa. (PEREIRA, 2012, p. 64).
No transcorrer desta pesquisa, foram analisadas as falas das crianças, recolhidas nos
momentos em que com elas estive, particularmente, no horário da saída, quando a professora
se afastava por 15 minutos, para acompanhar o fluxo de familiares. Tais ocasiões se
constituíram em rápidos, porém ricos encontros em que as crianças se sentiam livres para
conversar, pois a aula havia acabado. Assim, elas poderiam falar sem se preocupar com seus
35
modos, sua postura, seu tom de voz. Além disso, acompanhei as aulas, as idas aos diferentes
ambientes da EMEI e durante o lanche, servido em sala de aula, sempre sob a tutela da
professora, de modo a observar as relações cotidianas que estabelecem entre si e com a
professora. Em suas interações, as crianças vão apresentando valores culturais e sociais que
estão presentes no contexto de suas vidas, e que elas vão reproduzindo nas suas formas de
sentir, de se expressar, de viver, de olhar, de brincar.
Com relação à professora MBO, foi realizada, também, uma entrevista preliminar
(Apêndice E), com o propósito de obter dados sobre sua formação e atuação na Educação
Infantil e, ainda, quais suas experiências acerca do tema desta pesquisa.
A pesquisa com crianças ainda tem sido um grande desafio para estudiosos sobre o
tema, isso porque, muitas vezes, elas não são reconhecidas como sujeitos com participação
social. Nesse contexto, é importante destacar que um bom estudo sobre o tema deve ser
trabalhado com bases teóricas, para que a criança seja vista como um ator social, com a
possibilidade de produzir cultura. Segundo Kramer (2005, p.45),
[...] no caso da pesquisa com crianças se coloca como fundamental, ouvir, os ditos e os não ditos; escutar os silêncios; a criança com a sua alteridade, na sua condição social de ser histórico, criativo que interage com a história do seu tempo que vai experienciando, modificando e é modificado por ela (KRAMER, 2005, p. 45).
Fundamental, também, para esta pesquisa, é o contexto avaliado no que concerne às
construções de gênero desenhadas pela cultura, de modo a torná-las naturais quando estão
presentes nos discursos da escola e da família e de todas as outras instituições que lhes
conferem símbolos e significados. Para compreender melhor esse contexto, analisamos como
são organizados o tempo e o espaço da instituição de Educação Infantil que é locus desta
pesquisa.
3.2 O contexto de pesquisa: espaço e tempo na instituição de Educação Infantil
A turma pesquisada pertence ao 2º agrupamento do período matutino, é composta por
20 crianças, sendo 11 meninos e 9 meninas, com idades entre 5 e 6 anos, classe social de
baixa renda e variados pertencimentos étnicos. A pesquisa foi realizada no segundo semestre
do ano letivo de 2014. As observações ocorreram semanalmente, de agosto a outubro do
referido ano, perfazendo um total aproximado de120 horas.
36
No ano letivo de 2014, as crianças permaneciam na escola por 4 horas diárias,
totalizando 20 horas por semana. A unidade possui uma estrutura física adequada, com: nove
salas de aula; uma sala dos professores, que também funciona como sala de TV; uma
brinquedoteca; uma sala da direção; uma sala da coordenação; uma sala da secretaria; dois
depósitos; quatro banheiros para as crianças; um banheiro para os funcionários; três parques
infantis: um de plástico, com escorregador, balanços, cesta de basquete; um de madeira, em
estilo rústico, com balanços, ponte, gangorra; e outro de madeira colorida, multifuncional,
recebido, recentemente, por meio do ProInfância4; e uma quadra poliesportiva coberta. Há
muitas árvores, com bancos de madeira ao redor, que favorecem a convivência sob suas
sombras. Há, também, uma cozinha experimental, que pode ser usada para experimentos
culinários, no entanto, ao longo desta pesquisa, não observamos seu uso em momento algum,
por nenhuma turma.
A rotina semanal dessa turma, de acordo com o cronograma estipulado, não inclui o
uso da sala de televisão, mas cita todos os outros espaços, embora o acesso à piscina e à
cozinha experimental tenha sido vetado, uma vez que, durante o período observado, as
crianças não os visitaram. Já os parques de madeira e de plástico são ocupados pelas crianças
duas vezes por semana. Também o parque de brinquedos de plástico e a brinquedoteca têm
um horário semanal reservado para receber essa turma de crianças.
O não uso da piscina nos leva a crer que o espaço/tempo dos corpos desnudos ou de
pouca roupa das crianças, o contato com o corpo do outro, são questões que desafiam e
ameaçam a escola, sobretudo a visão de infância compartilhada entre as professoras, marcada
pela inocência. Percebe-se que a exposição do corpo é considerada um risco, devido à
presença dos corpos despidos, o que também, provavelmente, pode ocorrer no banho coletivo,
espaço/tempo de corpos desnudos, em que meninos e meninas, segundo uma lógica
normativa, devem estar separados para se manterem intocáveis, ao invés de poderem
compartilhar essa situação social.
As figuras 1a 6, a seguir, ilustram os diferentes ambientes da EMEI.
4 O ProInfância é um programa de assistência financeira ao Distrito Federal e aos municípios para a construção,
reforma e aquisição de equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas da educação infantil.
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Figura 1 – Espaços da escola
Fonte: acervo da pesquisadora.
Figura 2 – O parque
Fonte: acervo da pesquisadora.
38
Figura 3 – O parque de plástico
Fonte: acervo da pesquisadora.
Figura 4 – A piscina
Fonte: acervo da pesquisadora.
39
Figura 5 – A quadra de esportes
Fonte: acervo da pesquisadora.
Figura 6 – O parque de madeira
Fonte: acervo da pesquisadora.
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Como é possível observar nas imagens, os ambientes são coloridos e acolhedores, e
oferecem inúmeras possibilidades de brincadeira e convivência. Além disso, a unidade segue
um cronograma de rodízio para que os diferentes espaços sejam ocupados e explorados por
todas as turmas da escola.
No que tange especificamente à brinquedoteca, espaço lúdico de construção do
conhecimento, cabem algumas observações, no que se refere às questões de gênero que
permeiam sua organização. Existem muitos brinquedos e jogos, no entanto, chama a atenção,
primeiramente, o binarismo masculino/feminino que caracteriza a sua distribuição nas
bancadas: coisas de menino e coisas de menina. Também a quantidade de cada tipo de
brinquedos disponibilizada para uso das crianças apresenta essa característica, uma vez que,
embora a brinquedoteca possa receber até 25 crianças por vez, observa-se que existem, por
exemplo, cerca de 10 a 12 carrinhos e 10 a 12 bonecas, o que nos permite supor que, ao ser
pensado este acervo, o binarismo determinou o número de brinquedos, pois, se,
tradicionalmente uma turma de Educação Infantil é formada metade por meninos e metade
por meninas, seriam necessários somente metade de cada tipo de brinquedo. Isso mostra que o
esperado pelos adultos é que as crianças brinquem apenas com aquilo que lhes é
culturalmente destinado – carrinhos, motos e robôs, coloridos e potentes, para os meninos; e
bonecas, panelinhas e utensílios domésticos cor de rosa e delicados, para as meninas. Dessa
forma, se reproduzem e perpetuam os modos de ser menino e ser menina.
Figura 7 – A brinquedoteca
Fonte: acervo da pesquisadora.
41
Apesar de oferecer subsídios para que as crianças brinquem, não houve, no período
observado, um momento específico para o recreio, pois este era destinado ao lanche.
A rotina das atividades das crianças inicia-se com a acolhida dos alunos. Nesse
momento, já é possível notar o binarismo masculino-feminino, pois, quando chega um
menino, ele é recepcionado e abraçado apenas pelos outros meninos da turma, e o mesmo
acontece com as meninas, posto que somente elas se levantam para abraçar a menina que
chega. Houve momentos em que, após o início das aulas, as crianças foram brincar em um dos
parques existentes na escola e, depois da merenda, a professora disponibilizou artefatos para
que elas brincassem livremente na parte externa da sala de aula. Nessa EMEI, não há recreio,
apenas o horário do lanche e, de acordo com o cronograma da escola, a socialização acontece
toda sexta-feira, porém, a professora MBO prefere ocupar o espaço do parque, onde podem
ficar as crianças de sua turma. Vemos, na figura 8, a seguir, um momento de brincadeira das
crianças, da qual a professora também participa.
Figura 8 – As crianças brincando
Fonte: acervo da pesquisadora.
O espaço da sala de aula (figura 9) é organizado com as carteiras posicionadas
formando um círculo, o que permite que a professora consiga promover um ambiente mais
interativo, em que todos ocupam o mesmo lugar, sem haver alguém na frente, ocupando uma
posição de destaque. A sala de aula é um ambiente amplo, que dispõe de armários e
42
prateleiras para organizar os materiais pedagógicos, jogos e brinquedos utilizados pelas
crianças. As paredes são decoradas com painéis e atividades, destinados, quase
exclusivamente, para a alfabetização. Não há, nessas paredes, a exposição de qualquer
produção ou registro das crianças. Conforme é possível vislumbrar na figura 10, alguns
brinquedos são de fácil acesso às crianças.
Figura 9 – A sala de aula
Fonte: acervo da pesquisadora.
Figura 10 – Disposição dos materiais pedagógicos na sala de aula
Fonte: acervo da pesquisadora.
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De acordo com a figura 11 é possível observar materiais que estão organizados em
caixas empilhadas ou guardados no armário, sem etiquetas ou outra forma que facilite o
acesso e o manuseio, tornando difícil, até mesmo para a professora, manipulá- los.
Figura 11 – O armário com artefatos para as crianças
Fonte: acervo da pesquisadora.
A descrição da rotina das crianças e dos lugares da escola por elas ocupados permite a
familiarização com o contexto espacial da pesquisa, a fim de compreender as atividades
realizadas, como e onde elas brincam e interagem na construção das relações de gênero.
A seguir, apresentamos um delineamento das estratégias metodológicas abordadas
para alcançar os objetivos propostos por esta pesquisa, bem como a análise de algumas
situações de interação entre as crianças, na relação com a professora e com as outras crianças,
em situações de sala de aula, que trazem discursos sociais dos corpos de meninos e meninas e
das relações de gênero.
3.3 As relações de gênero vividas nos tempos e espaços da turma
Como vimos anteriormente, as crianças transitam por vários espaços da escola.
Geralmente, quando a educadora as convidava para se direcionarem a outro ambiente, seja o
44
pátio ou algum parque, elas, automaticamente, se organizavam em duas filas: uma de meninos
e outra de meninas. Um dia, um menino ficou na fila das meninas e, ao ser surpreendido por
um colega, foi chamado de “boiola”. Nesse momento, todas as crianças riram e a professora
solicitou que o menino voltasse para a fila correta sem fazer qualquer tipo de menção ao
comentário efetuado pelo colega. Situações como esta, em que a postura adotada pela
professora foi omitir-se, evidenciam que os silenciamentos também ensinam. Quando o
docente se omite diante de uma situação como a descrita acima, sustenta práticas binárias nas
relações de gênero e legitima preconceitos, pautados em modos rígidos de ser menino e
menina e na discriminação de outras sexualidades, distintas da heterossexual, à medida que a
palavra “boiola” denota um termo pejorativo e ofensivo dirigido ao menino cuja conduta,
supostamente, é destoante dessa norma.
A segregação entre meninos e meninas aconteceu em vários momentos durante a
observação. Em uma atividade para trabalhar o equilíbrio, eles se posicionaram nas muretas
do parque e caminharam conforme a solicitação da professora. O menino HFSF sugeriu que
as filas fossem de meninos e de meninas e a professora concordou, conforme nota-se nas
figuras 12 e 13 em que os meninos ficam de um lado e as meninas do outro.
Figura 12 – Fila das meninas
Fonte: acervo da pesquisadora.
45
As crianças já estavam habituadas a se posicionarem separadamente e, nesse
momento, não existia, por parte da professora, nenhum estímulo ou intervenção para que as
crianças se organizassem de outra maneira.
Figura 13 – Fila dos meninos
Fonte: acervo da pesquisadora.
Outro fato em destaque era o caso de uma única menina que se sentava com os
meninos, porque chegava atrasada na escola. As crianças, ao chegarem, escolhiam seus
lugares, e, como KSR chegava às 7h15 diariamente, ela só encontrava cadeira vazia perto dos
meninos e ficava triste a aula toda, aguardando o horário da saída. Quando alguma criança iria
embora, ela imediatamente se posicionava próxima das meninas, o que lhe dava prazer, como
se fosse uma reintegração ao único grupo ao qual poderia pertencer. Porém, nas atividades
externas, ela não tinha o aval das meninas para delas se aproximar, já que, na aula, estava
sempre junto com os meninos. É interessante observar que a posição espacial e, ao mesmo
tempo, social ocupada por KSR na sala de aula funcionava como uma espécie de passaporte
vetado que ela possuía para pertencer ao grupo de meninas.
Observa-se, portanto, que, em virtude de KSR permanecer próxima aos meninos na
sala de aula, desencadeia-se, no grupo de meninas, um movimento de exclusão em relação a
ela, posto que, quando as crianças se encontram em outros espaços, ela não se sente aceita
46
pelo grupo, voltando a ficar junto com os meninos. Isto pode ser observado na figura 14. De
acordo com Brougère (1998 apud Salgado, 2015), a cultura lúdica é o conjunto de costumes e
regras lúdicas composta por práticas sociais e significados vivos. Por não se apresentar da
mesma maneira em diferentes contextos, os modos de brincar são distintos e, nesse caso, a
questão de gênero é um importante fator a ser considerado. É o que ocorre na situação de
KSK, a qual, ao ficar próxima dos meninos na sala de aula, deve, segundo as outras meninas,
continuar com eles em outros momentos. Desse modo, são estabelecidas regras de exclusão e
segregação que regulam o grupo de pares, posto que as crianças que não compartilham das
mesmas regras são discriminadas no interior de uma determinada cultura lúdica.
Figura 14 – A segregação meninos e meninas
Fonte: acervo da pesquisadora
Novamente, a professora da turma se omite e permite que as implicações relacionadas
ao binarismo menino/menina se perpetuem. Não houve discussões para romper ou questionar
os entraves ali existentes. Segundo Guizzo (2007), um dos fatores do silenciamento da
educadora pode ser atribuído ainda a uma grande carência no tocante à “discussão de temas
relacionados a gênero e sexualidade nos cursos de formação de profissionais da educação, o
que, muitas vezes, dificulta a problematização de situações e temáticas emergidas no
cotidiano escolar” (GUIZZO, 2007, p. 41).
A segregação por gêneros está fortemente presente nas brincadeiras e nas interações
das crianças, que estão condicionadas a essa forma de organização e, sozinhas, não
47
conseguem romper com esse modo de se relacionar, como nos mostram as figuras 15 e 16,
nas quais os grupos aparecem brincando separadamente: meninas de um lado, meninos de
outro. Na maioria das vezes, não existem brincadeiras entre meninos e meninas.
Figura 15 – Os meninos e suas brincadeiras
Fonte: acervo da pesquisadora
Não é só na sala de aula que o binarismo predomina. Em outros espaços de
convivência, a separação/segregação como prática cotidiana vigente nas relações entre as
próprias crianças e entre a professora e as crianças também está presente.
As brincadeiras das crianças remetem à questão social e culturalmente construída das
relações entre gêneros, em especial na infância, pois se aprende, desde muito cedo, que essas
relações necessitam de vigilância, de maior controle por parte dos adultos. Os próprios pais
das crianças sugerem que as meninas se relacionem com as meninas e os meninos com os
meninos, e, dessa forma, as marcas identitárias reforçam os modos de ser menino e menina.
A forma como as crianças se relacionam, com base na demarcação de gênero, durante
grande parte do tempo, é visível. A professora, por sua vez, está de tal modo habituada a ver
os grupos de meninos de um lado e das meninas de outro, que essa separação se encontra
naturalizada para ela. Em todos os momentos, eles se organizam como de costume e a
professora não se manifesta, perpetuando o binarismo menino/menina em todas as atividades
por ela propostas. Não são proporcionadas às crianças da turma outras formas de se
48
relacionarem e elas perdem a oportunidade de criarem outras relações, construírem outras
brincadeiras em que ocorra a interação entre meninos e meninas, o que, consequentemente,
fortalece e legitima a separação em grupos.
Figura 16 – Os meninos e suas brincadeiras (no parque)
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 17 – As meninas e suas brincadeiras
Fonte: acervo da pesquisadora
49
As brincadeiras das meninas, conforme demonstrado na figura 17, revelam o grupo e
suas brincadeiras relacionadas à leitura e a interação entre elas. Dessa forma, temos, nas
práticas diárias, a restrição, o controle, a rejeição às singularidades e a tendência ao desejo de
ser aceito pelo grupo. Essas crianças estão organizadas em grupos de meninos e grupos de
meninas, restando poucas possibilidades a cada uma delas de ser aceita nas brincadeiras e no
grupo do outro.
Conforme explica Walkerdine (1995, p. 216), espera-se que as meninas permaneçam
submetidas ao controle do comportamento doce e submisso, e, “quando elas exibem
características associadas com independência e autonomia, considera-se que nem tudo vai
bem na sala de aula. Seu comportamento é frequentemente castigado como ameaçador e não-
feminino”.
Tendo em vista minha atuação na rede municipal de ensino, como educadora infantil,
fui convidada pela equipe diretiva a organizar uma oficina de atividades lúdicas com as
crianças, na tentativa de romper com essa relação segregada entre meninos e meninas. Para
tanto, elaborei uma oficina de brincadeiras pelo viés das relações de gênero, tendo como
objetivo mostrar que é possível realizar atividades conjuntas com ambos os grupos, com fila
composta por meninos e meninas. Houve a participação de todas as crianças da turma do
período matutino, não só as da turma investigada, conforme apresentado na figuras 18 e 19.
Figura 18 – A oficina (a)
Fonte: acervo da pesquisadora
50
Figura 19 – A oficina (b)
Fonte: acervo da pesquisadora
Nas figuras 20 e 21, a seguir, é possível observar como foi organizada a oficina. As
atividades trabalharam coordenação motora, agilidade, velocidade e equilíbrio das crianças de
diferentes idades. Porém, o foco principal era propor brincadeiras entre os meninos e as
meninas, demonstrando, também, que eles poderiam se organizar de outro modo.
Figura 20 – Trabalhando a coordenação motora (a)
Fonte: acervo da pesquisadora
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Figura 21 – Trabalhando a coordenação motora (b)
Fonte: acervo da pesquisadora
A utilização da fila única, mista (figura 22), para que eles aguardassem o momento de
realizarem os desafios ali presentes, tinha o objetivo de desmistificar e desnaturalizar a
organização de filas separadas de meninos e meninos. A linha demarcada no chão, com fita
crepe, demonstrava o local onde elas deveriam aguardar a sua vez e como deveriam se
organizar. Todas as crianças tinham a visão do ambiente como um todo.
Figura 22 – As filas mistas
Fonte: acervo da pesquisadora
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Nessa atividade, foi possível observar que as crianças só não brincam juntas porque as
atividades que são realizadas no contexto educativo infantil, de modo geral, não oportunizam
que as vivências lúdicas sejam propiciadas. Durante a atividade, percebia-se, em suas ações,
prazer, felicidade e entusiasmo pelo fato de estarem todas as crianças juntas em um mesmo
espaço, sobretudo outras de turmas distintas do período matutino.
Nas figuras 23, 24 e 25, observamos, mais uma vez, a demarcação binária de gênero
estampada nos artefatos disponibilizados pela professora e como isto ganha força no espaço
da escola e nas relações das crianças.
Figura 23 – Binarismo nos artefatos (a)
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 24 – Binarismo nos artefatos (b)
Fonte: acervo da pesquisadora
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Figura 25 – Binarismo nos artefatos (c)
Fonte: acervo da pesquisadora
O cavalo com tons de marrom, sem enfeites, e a égua rosa e lilás demonstram o
binarismo arraigado nas práticas da professora. Os meninos só brincavam com o cavalo, e a
égua rosa só poderia ser manipulada pelas meninas. Outro artefato que também confirma essa
mesma legitimação é o brinquedo do vai-e-vem. Trata-se de objetos feitos de garrafa PET,
confeccionados pela professora, que são utilizados no cotidiano da sala de aula, ocasião em
que se reforça, mais uma vez, a naturalização do binarismo de gênero na educação infantil.
Assim, analisamos a forma como as cores validam o modo de ser menino ou menina,
conforme Felipe (2012) argumenta:
A afirmação de que a menina tem de usar o rosa e o menino o azul extrapola a questão ligada ao gosto pessoal por cores. Essa questão é eminentemente social, pois se aprende, desde muito cedo e no decorrer da vida, que essas cores identificam os meninos e as meninas. Essas cores produzem marcas identitárias, não permitindo pensar em outras formas de se fazer homem e de se fazer mulher. Ao contrário, demarcam a única forma legítima de ser masculino e de ser feminino. (FELIPE, 2012, p. 635).
A relação das cores e da composição dos elementos dos artefatos, sobretudo os que
estão disponíveis para o consumo e consistem em acessórios destinados às crianças, remete a
outra demarcação existente: os meninos são super-heróis e as meninas, princesas. Essas
representações carregam modos de ser menino ou menina.
54
Figura 26 – O herói e a princesa
Fonte: acervo da pesquisadora
Os meninos são representados como fortes, poderosos e como aqueles que conseguem
lidar com qualquer adversidade. São os heróis, enquanto as meninas simbolizam amabilidade,
meiguice, bons modos e doçura: são as princesas. Conforme argumenta Xavier Filha (2011),
[...] o que se observa é que as representações de gênero estão fortemente carregadas com o que se espera convencional e historicamente das meninas: delicadeza, submissão, doçura, além de sensualidade e ousadia. Dos meninos espera-se: valentia, coragem, fortaleza, paixão. São eles que desbravam o espaço público, em detrimento das meninas, às quais ainda se reservam os espaços privados e domésticos. (XAVIER FILHA, 2011, p. 601)
Assim, as relações estabelecidas na Educação Infantil têm o objetivo de inserir as
crianças na vida social. Dessa forma, meninos e meninas começam a conhecer e aprender os
sistemas que regem a sociedade, de forma a interagir e participar desse contexto. No entanto,
esse processo de apropriação ainda tem como base os comportamentos pré-estabelecidos
pelos adultos. Afinal, é a visão do adulto que considera que meninos ajam de um jeito e as
meninas de outro. Como afirma Foucault (1993, p. 12):
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado.
55
As figuras 27 a 28 mostram que os pertences das crianças trazem as referências
simbólicas que vão compor as significações dos universos de super-heróis e princesas,
demarcados, respectivamente, como masculino e feminino.
Figura 27 – Os pertences e a demarcação de gênero
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 28 – Os pertences dos meninos
Fonte: acervo da pesquisadora
56
Figura 29 – Os pertences das meninas
Fonte: acervo da pesquisadora
Interessante que, ainda nessa situação, nos deparamos com discursos das crianças
sobre ser menina e ser menino. Vejamos:
IFR: Oh, pode brincar que eu vou escrever para você bem bonitinho assim! Eu sou muito boa de pintar. Segura... segura assim, ó! É só pintar com essa mão aqui, com essa mão aqui que é fácil. ESC: Eu sou muito boa em pintar, pinta bem devagarzinho, para ficar prontinho, viu como saiu no risco, ó!
Percebe-se, na transcrição acima, todo o esforço que a aluna tem em realizar com
primor uma atividade por conta de todo o cuidado com a beleza e com os detalhes do
desenho. No final, a aluna se orgulha de ser “muito boa em pintar”.
Em seguida, falas que trazem a rejeição à cor rosa por ser menino se fazem presentes:
PRPB: Você adora pintar casa, então pinta de qualquer cor, mas não pode pintar rabiscado, viu? Como eu estou pintando muito bonito, agora vou pegar o rosa, rosa. CENS: Não, não quero, não! PRPB: E roxo? CENS: Não! PRPB: Então, eu não vou te dar minha balinha... CENS: Eu quero de verde.
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Verifica-se, nesse momento, que o aluno foi enfático ao falar que não queria usar a cor
rosa, tão pouco a cor roxa, cores definidas como próprias do universo feminino. Ele, como
menino, prefere pintar a sua casa de verde.
A indisciplina está presente o tempo inteiro, e é uma maneira das crianças
demonstrarem resistência a algo que lhes é imposto. Os trechos a seguir corroboram esta
análise:
Professora MBO: O PRPB, o JGAL, é difícil, né? Então, nós vamos escrever somente, vamos deixar a folha em cima da mesa, vamos guardar as frutas, coloca na bolsa, amarra atrás da cadeira, para deixar a cadeirinha livre para fazer essa tarefa. Nós vamos escrever a data de hoje, depois nós vamos registrar quantos somos hoje, quantos meninos, quantas meninas. ESC: Ah! Não, tia. Professora MBO: Quantos somos juntos, quantos faltaram. Eu quero isso aqui registrado ali, com muito capricho, uma letra bonita, bem caprichadinho, nós vamos registrar o que colocamos ali no quadro. PRPB: RFSL, entrega para mim, já falei, se pedir eu não vou deixar porque daí todo mundo vai ficar pedindo, e não dá para atender todo mundo.
No excerto acima, vemos a forma como as crianças chamam a professora de “tia”,
apesar de estarem com 5 e 6 anos de idade. Esse termo também desvela o modo que as
crianças aprendem sobre as relações de gênero no espaço escolar como extensão do espaço
doméstico, fortalecendo discursos que marcam a docência na Educação Infantil como uma
prática vinculada à maternagem.
No excerto abaixo, uma das meninas explicita porque não gosta de meninos:
Professora MBO: Hum, por que você não gosta de menino? EBBR: Porque menino fica fazendo arma, passando arma, e também eles só ficam só fazendo besteira. Professora MBO: Quem te contou isso? EBBR: Eu sei por que eu já vi. Professora MBO: Já viu? Que besteira que era? EBBR: Que besteira? Professora MBO: É. EBBR: Faz besteira com armas. Professora MBO: Com o quê? EBBR: Besteira com armas.
Em sua fala, EBBR estabelece uma associação do masculino à violência, representada
pelo porte de armas. Ainda que isto não seja um discurso reiterado pela professora, pode-se
conjecturar o quanto ele se coaduna e, de certa forma, pode ser reforçado pelas práticas
segregacionistas de gênero naturalizadas na escola.
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Dentre as atividades analisadas no decorrer das observações, houve um momento,
desencadeado pela leitura da obra de literatura infantil “Bom dia, todas as cores!”, de Ruth
Rocha, escolhida em função da diversidade e possibilidade de mutação apresentadas no
decorrer da história. Como resultado, as crianças se manifestaram acerca do tema central desta
pesquisa – as questões de gênero – e, também, de outros temas, conforme pode ser analisado
posteriormente.
Figura 30 – “Bom dia, todas as cores!”
Fonte: http://www.salamandra.com.br
A história trata de um camaleão que mudava de cor de acordo com a sugestão dos
animais que encontrava pelo caminho. Ele mudou de cor tantas vezes para agradar aos outros
que ficou cansado. Porém, ele percebeu que é impossível agradar a todos o tempo todo e, no
dia seguinte, ele optou pela cor rosa e, ao receber a sugestão de usar uma cor num tom mais
forte, ele sorriu agradecendo o conselho, mas preferiu fazer o que lhe convinha e agradar a si
mesmo.
Tal como acontece na história de Ruth Rocha, somos sugestionados o tempo todo em
vários aspectos, consequentemente, na escola, há certa imposição de como as crianças devem
agir com relação às questões de gênero. Afinal, meninos são meninos e devem gostar de
coisas de meninos, assim como acontece com as meninas. Como reflexo disso, temos as
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crianças tão condicionadas a esse tipo de comportamento que, quando a professora começou a
leitura, um dos alunos se espantou ao ver um camaleão cor de rosa.
Desde a sua constituição, a escola moderna é marcada por diferenças e está implicada, também, com a produção dessas diferenças. Embora não seja possível atribuir a ela toda a responsabilidade pela construção das identidades sociais, ela continua sendo, para crianças e jovens, um local importante de vivências cotidianas específicas e, ao mesmo tempo, plurais. (MEYER; SOARES, 2004, p. 8).
Na encenação da história do Camaleão, a professora escolheu algumas crianças para
serem os personagens da narrativa. A atividade ficou confusa e desorganizada. Isso porque as
crianças não compreenderam bem o que estava sendo proposto pela professora. No decorrer
da atividade, eles apenas repetiam o que a professora falava, enquanto o restante da sala, que
não participava diretamente da encenação, se ocupava com outras coisas, sem prestar total
atenção na atividade.
Professora MBO: Olha o entusiasmo da família do camaleão, né! Todo feliz da vida, de bom humor, significa que ele está...? Feliz, né. Lavou o rosto em uma folha cheia de orvalho, mudou sua cor para cor de rosa que ele achava a cor mais bonita de todas e saiu para o sol contente da vida . MVS: A tia tá falando, IFR! Professora MBO: Meu amigo camaleão estava tão feliz porque tinha chegado a Primavera e o sol. Finalmente, depois de um inverno longo e frio, brilhava alegre no céu. “Eu hoje estou de bem com a vida!”, ele disse. “Quero ser bonzinho para todo mundo”. Obrigada, SJFS, pela atenção, tá? É assim que a gente comporta, né? HFSF: Ô tia, ele tá rosa! Professora MBO: Que cor ele está? Alunos: Tá rosa!!! Professora MBO: Olha a cor, para ele a cor mais bonita do mundo, né, para ele. Agora, vamos ver, logo, HGP., Logo que saiu de casa, o camaleão encontrou o professor pernilongo [RSS, por favor!] o professor pernilongo. O professor pernilongo toca violino na orquestra, no teatro florestal. Bom dia, professor, como vai o senhor? Bom dia, Camaleão! Mas o que é isso, meu irmão, por que é que mudou de cor? Essa cor não lhe cai bem, olha para o azul do céu, por que não fica azul também? O Camaleão, amável como ele era, resolveu ficar azul como o céu de Primavera, até que em uma clareira o Camaleão encontrou um sabiá laranjeira. JGAL: Sabiá... Professora MBO: Meu amigo camaleão, muito bom dia a você. Mas que cor é essa, e agora? O amigo está azul por quê? E o sabiá explicou que a cor mais linda do mundo era a cor alaranjada, cor de laranja, dourado. Nosso amigo, [Psiu, GMDV!]. Nosso amigo, bem depressa, resolveu mudar de cor, ficou logo alaranjado, louro, laranja, dourado. IGFR: Dourado... Professora MBO: E cantando alegremente, lá se foi ainda contente. Na pracinha da floresta, saindo para capelinha, vinha um senhor mais a família
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inteirinha, ele é um senhor muito sério, não gosta de gracinha. [Eu vou parar um pouco, porque preciso de atenção, agora é minha vez, quando eu estou falando, quero atenção, né, GMDV? Agora você vai ouvir]. Bom dia, camaleão! Que cor mais escandalosa, parece até fantasia para baile de carnaval, você devia usar uma cor mais natural, veja o verde da folhagem, veja o verde da campina, você deveria fazer o que a natureza ensina. CENS: Grilo. Professora MBO: O grilo é o louva-deus. Lembra que um dia nós vimos um grilo lá na quadra e eu pedi para vocês não matarem, lá na árvore, na natureza, que é verde, né? É claro que o nosso amigo resolveu mudar de cor, ficou logo bem verdinho e foi pelo seu caminho. Alunos: Verde! Verde! Eba! Professora MBO: SJFS, FGAA, EVSF, EBBR, vocês agora já sabem como era o camaleão, bastava que alguém falasse, mudava de opinião, ficava roxo, amarelo, ficava cor de pavão, ficava de toda cor, não sabia dizer não, por isso, naquele dia, cada vez que se encontrava com alguns de seus amigos e que o amigo estranhava a cor que ele estava, adivinha o que ele fazia? O nosso camaleão, porque ele logo mudava, mudava para outro tom. PRPB: Olha... Professora MBO: Mudou, qual foi a primeira cor? HGP: Rosa. Professora MBO: Mudou de...? IFR: Cor! Professora MBO: A primeira cor que ele tinha? GMDV: Rosa. Professora MBO: Ele ficou alegre, tinha? ESC: Rosa. Professora MBO: Depois de rosa ele mudou para...? JGAL: Azul. Professora MBO: Azul, mudou de rosa para azul e de azul para...? Alunos: Laranja. Professora MBO: Laranja. JRM: Depois da laranja, verde. Professora MBO: Mudou de rosa para azul e de azul para laranja. JRM: Laranja para azul. Professora MBO: De laranja...? CENS: Verde. Professora MBO: E de verde para...? JGAL: Vermelho. IFR: Verde, professora! Professora MBO: De laranja para verde, de verde para encarnado, encarnado. Mudou de preto para branco, de branco virou roxinho. [IGFR, vira para frente]. De roxo para amarelo e até para cor de vinho. Quando o sol começou a se por, quando o sol começou a se por no horizonte, o Camaleão resolveu voltar para casa, estava cansado do longo passeio, do longo passeio e mais cansado ainda de tanto mudar de cor. Entrou na sua casinha, deitou para descansar e lá ficou a pensar. Por mais que a gente se esforce não pode agradar a todos, alguns gostam de farofa, outros preferem farelo, uns querem comer maçã, outros preferem marmelo, tem quem goste de sapato, tem quem goste de chinelo, o que seria do amarelo? Alunos: Eu, eu...! Professora MBO: Isso. [Senta para frente, MVS! Quero sua atenção também, o DAS, IGFR...] Por isso, no outro dia o Camaleão levantou-se bem cedinho. Bom dia, sol! Bom dia, flores! Bom dia, todas as cores! Lavou
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o rosto em uma folha cheia de orvalho, mudou sua cor para cor de rosa, e ele achava a cor mais bonita de todas, e saía para o sol, contente. Logo que saiu, o camaleão encontrou o sapo, encontrou o sapo cururu, um cantor de sucesso da rádio Jardim Floresta. Bom dia, meu caro sapo! Que dia lindo, não? Muito bom dia, meu caro camaleão! Mas que cor mais engraçada, antiga, desbotada, por que você não usa uma cor mais avançada?Camaleão sorriu e disse para o seu amigo, eu uso as cores que eu mais gosto e com isso passo bem. Eu gosto de cor com seres mais fáceis, que me convém e agrade a si mesmo, quem não agrada a si mesmo não pode agradar a ninguém. Assim aconteceu, o que acabei de contar, se gostaram, muito bem, se não gostaram azar. Oh! Está escrito aqui vou repetir, o que aconteceu... JGAL: Tia...? Professora MBO: O que acabei de contar, se gostaram, muito bem, e se não gostaram... DAS: Azar... Professora MBO: Azar. Olha o que a Ruth Rocha está dizendo, hein! JRM O que tá dizendo? Professora MBO: Então, vamos ver: aqui está o camaleão, o camaleão mudava de cor, por que que o camaleão mudava de cor? KSR: Porque ele gosta de tantas cores. Professora MBO: Ele gosta mesmo de tantas cores? Quem tem mais outra resposta? Por que o camaleão mudava de cor? DAS: Porque ele gostava de muitas cores. Professora MBO: Gostava de muitas cores. DAS, por que o camaleão mudava de cor? DAS: Porque toda hora pedia para ele mudar. Professora MBO: Ah! Porque toda hora pedia para ele mudar. IFR, você disse que toda hora pedia para mudar. Então, se pedia para mudar, cê acha que ele mudava porque gostava? Alunos: Não. Professora MBO: Não. Agora, imagina, fecha os olhos e imagina que vocês são um camaleão, mas um camaleão em silêncio, imagina vocês em uma floresta. Pode entrar o JGAL, vocês vão a floresta, o dia amanheceu, o dia amanheceu, IFR, vem aqui, a IFR vai ser o meu camaleão de hoje, ela vai deitar bem aqui, a IFR é meu camaleão, ela vai, deixa eu ver, o GMDV vai ser meu sol, sobe em cima dessa cadeira para você ficar mais alto, é , em cima da cadeira, aqui, ó! Senta em cima, esse é o meu sol, meu camaleão tá dormindo. Qual o outro personagem depois do sol? GMDV: Eu! Professora MBO: Não, fala o nome do outro personagem que o camaleão encontrou. CENS: O sapo. Professora MBO: Se não sentar lá, eu não chamo. Depois do sol, ele encontrou quem? Alunos: O sapo!!! Professora MBO: O nome que está lá no livro? O camaleão, depois do camaleão encontrou o sol? KSR: As flores. Professora MBO: E depois encontrou quem? DAS: Abelha, abelha! KSR: Pernilongo. Professora MBO: Isso! Você acertou! Agora você vai ser o pernilonguinho, meu pernilonguinho, senta aqui, abaixa, um em cima, outro sentado. Depois do pernilongo, quem o nosso camaleão encontrou?
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Alunos: O sapo. Professora MBO: O sapo? HFSF: O sapo. IGFR: O passarinho. Professora MBO: Isso! Muito bem! O meu passarinho vai ficar aqui nessa árvore, depois que ele encontrou o passarinho, ele continuou... DAS: Sapo Professora MBO: E continuou, encontrou quem? Alunos: Sapo. GMDV: Grilo. Professora MBO: Vem aqui, meu grilo, meu grilo vai sentar aqui nesse cantinho. Depois do grilo quem foi que o... Alunos: O sapo! O sapo! Professora MBO: Quem? Fica onde coloquei você, por favor, meu sapinho, vai ficar na lagoa, encontrou o sapo. Depois do sapo, encontrou quem? Alunos: Grilo, grilo...! Professora MBO: De novo! HGP: O grilo! Professora MBO: De novo! ESC: Ô, tia! Professora MBO: Agora, senta para lá, depois vocês vão (A professora propõe que prestem atenção, pois será realizada uma encenação, interagindo com as crianças da turma) entrar na brincadeira, tá? Tá bom, vamos ver se a gente consegue lembrar aqui a história, fazendo uma dramatização da nossa história. Bom dia, todas as flores!!! O JGAL tem que ficar parado aqui, olha, só vamos lembrar aqui, quem é esse aqui? Alunos: Camaleão. Professora MBO: Camaleão. Que cor ele era no começo? Alunos: Rosa. Professora MBO: Rosa, depois ele encontrou quem? DAS: Sol. Professora MBO: Que cor é o sol? JRM: Amarelo. Professora MBO: Amarelo, depois ele encontrou quem? DAS: Azul. Professora MBO: Encontrou quem? Quem é você na história? GMDV: Pernilongo. Professora MBO: Pernilongo, qual é a sua cor? IMTS: Azul. Professora MBO: Azul, depois encontrou quem? Alunos: Sapo... Professora MBO: Quem ele é? DAS: O passarinho. Professora MBO: Qual é a cor do passarinho? GMDV: Amarelo. Professora MBO: Alaranjado, amarelo é o sol. Depois encontrou quem? Alunos: O grilo, o grilo...! Professora MBO: O grilo, que cor é o grilo? ESC: Verde. Professora MBO: É o louva-deus, né? Vocês chamaram de grilo. Louva-deus, ele é verde, da cor da folhagem. Depois, por último, encontrou o sapo. Alunos: Sapo. Professora MBO: O sapo, que cor é o sapo? Alunos: Verde.
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Professora MBO: O sapo é verde na história? IFR: Não. Professora MBO: Mas verde não é o grilo, o louva-deus? CENS: O sapo também é verde. Professora MBO: O sapo também é verde? Vamos ver aqui na história. Encontrou o sapo... D.A.S.: Ô, tia...? Professora MBO: Crianças, deixa eu terminar aqui ó, rapidão, rapidão, nós vamos agora assistir a história contada pelo nosso camaleão, nós somos a natureza, vocês são árvores, vocês são rosas do deserto, flores lindas maravilhosas, vocês também são passarinhos, nós somos a natureza, igual o livro conta, o verde, as plantas, a árvore. Eu vou sentar aqui também, qualquer coisa eu ajudo, vamos lá, senhorita camaleão, dorme, acorda, o que o camaleão fez assim que acordou? Olha para mim... DAS: Bom dia, sol! GMDV: Bom dia! Professora MBO: O que o sol disse para ela? O que o sol disse para ele? IFR: Para ela? Professora MBO: Conversa, o sol conversou com o camaleão. O que ele falou? Escuta! KSR: Amarelo Professora MBO: Não, você está cor de rosa. Sugere uma cor para ela... DAS: Amarelo. Professora MBO: Agora você transforma ó, hum, em amarelo. Pronto, e camaleão ficou na cor amarelo. E quem ele encontrou? GMDV: Professor Pernilongo. Professora MBO: Encontrou o pernilongo, tá, você é o pernilongo, que cor é o pernilongo? Fala, pernilongo, aí, nós queremos ouvir. Alunos: Azul. Professora MBO: Fala IFR, vamos parar a gramática. IFR: Bom dia, Professor Pernilongo! Professora MBO: Responde, pernilongo! Bom dia, bom dia, você, com essa cor amarela, por que você não fica azul? Fala para ela! DAS: Bom dia! Professora MBO: Você, com essa cor amarela, fala para ela... IMTS: Você, com essa cor amarela Professora MBO: DAS, plim transformou agora em azul. Continua a viagem camaleão, agora encontrou... DAS: Bom dia, passarinho! IMTS: Bom dia, camaleão! Professora MBO: Alaranjado, por que você não fica? DAS, ai, não dá né? O colega tá contando uma história para você também, e você também, nós vamos conversar, e vamos conversando. Por que você não fica alaranjado? GMDV: Por que você não fica alaranjado? Professora MBO: Transformou em laranja, continua sabiá. E o camaleão continuou a viagem dele na cor laranja e, de repente, encontrou o louva-deus: Bom dia! - fala com ele. IFR: Bom dia! Professora MBO: Que cor é a sua, cor verde, agora você senta para continuar ouvindo a história. Por que você não fica verde também, fala para ela, olha para ela, olho dela. DAS: Por que você não fica verde? Professora MBO: Ham, transformou em verde. Continuou sua viagem, agora está perdido, e foi andando, andando, e encontrou quem?
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Alunos: Sapo... Professora MBO: Conversa com ele. GMD: Bom dia, sapo! Professora MBO: Tudo bem? Você, com essa cor verde. GMDV: Você, com essa cor verde. Pesquisadora: É verde também, só que é verde mais moderno, verde limão. Professora MBO: O sapo falou para ela de novo, mudava para outro tipo de verde, porque não agradou o verde do louva-deus; o camaleão já estava cansado, triste, deitou, dormiu cansado, cansado de tanto mudar de cor, de tanta opinião de todos, a noite passou, sonhou, o dia amanheceu, o passarinho começou a cantar, o cachorro latia, o sol brilhou e o camaleão acordou, e fez o que depois que acordou? Lavou o rosto na folha de orvalho, levantou, colocou sua cor, qual a cor que ele colocou de novo? Alunos e Pesquisadora: Rosa Professora MBO: Levantou e saiu a cumprimentar, levanta, cumprimenta o sol bom dia sol, fala para ela de novo. IFR: Bom dia! Professora MBO: E agora, o que o pessoal disse? Isso! Parabéns! Aprendeu a história.
No trecho do diálogo em que o menino estranha a cor rosa para o personagem
principal da história, a professora, embora volte a afirmar que esta é a cor mais bonita do
mundo para o camaleão, não percebe o espanto do menino e, portanto, não o interpela. Seria
este um momento ímpar, no diálogo que se processa ao longo da leitura da história, para o
trabalho pedagógico voltado para a desnaturalização de modos de ser tão arraigados, que têm
se consolidado como estereótipos. A história, portanto, lança a diversidade de cores como
pretexto para essa problematização que a professora parece não identificar como importante
em seu trabalho, dando prioridade à memorização da sequência linear dos eventos que a
compõem. Novamente, observa-se, nesse excerto, que as relações de gênero são tratadas
como um assunto pouco importante ou quase inexistente nas práticas pedagógicas na
Educação Infantil.
Embora, no início da leitura, as crianças tenham se envolvido com a atividade, eles
deixaram de se interessar quando essa mesma atividade perdeu o sentido. Provavelmente, isso
aconteceu porque a professora se apropriou da repetição da história, na íntegra, junto às
crianças, ao invés de trabalhar as questões relativas às diferenças, sobretudo os estereótipos
atribuídos às cores. Outra questão foi o recurso utilizado nessa atividade, no caso, a repetição
oral da história, momento em que MBO deixa de utilizar materiais pedagógicos muito ricos,
disponíveis na escola, como giz de cera, lápis de cor, canetas coloridas, massinhas de
modelar, lego, papel color set, cola colorida, entre outros, que poderiam ser utilizados para
provocar e instigar reflexões e construir significados com as crianças. Outra possibilidade de
atividade pedagógica seria a teatralização, proposta pela professora após a sua leitura. Ao
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preocupar-se com a linearidade da história original, não houve abertura de espaço para que as
crianças criassem outras histórias a partir da oficial.
Nesse sentido, a proposta de atividade dada para os alunos, utilizando a história
descrita anteriormente, foi a preparação de um presente de aniversário para o diretor da
escola, como na descrição a seguir:
Professora MBO: É, olha aqui para mim, senta RSS. Olha aqui para mim, psiu!! Não é dois, não! Tá dobrado, está vendo esse papel, vocês vão colocar ele virado assim, não vira, esse lado aqui, esse lado aqui coloca do lado assim para mim ó, fala para ele que é desse lado. RSS: Esse, tia? Professora MBO: Vocês vão virar, abrir assim, não coloca de outro jeito. DAS: Tia, olha aqui meu desenho! Professora MBO: Com o lápis de escrever!
Com esses excertos, ficam evidentes alguns aspectos que estão atrelados à formação
da professora, uma vez que a atividade proposta por ela, embora tenha tido uma
intencionalidade pedagógica, apresenta um descompasso com a proposta inicial daquela
atividade. Segundo ela, seria trabalhar a questão das transformações do sujeito, com base na
literatura infantil de Ruth Rocha, mas o seu planejamento foge dessa proposta.
A figura 31 apresenta as mutações sofridas pelo camaleão, no intuito de agradar os
amigos e, ao centro, a sua cor preferida, rosa.
Figura 31 – As mutações do camaleão
Fonte: acervo da pesquisadora.
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A história contada para as crianças nos propõe pensar a relação das variadas cores com
a diversidade. Assim, a transformação das cores do camaleão nos remete à possibilidade de se
constituir como outros, a partir das diferenças, fazendo inferência às identidades cambiantes e
à alteridade.
A educadora optou por uma mera reprodução da história, quando poderia ter
trabalhado a diversidade que o personagem camaleão suscita. Problematizamos a função da
educadora infantil nesse episódio. Com base nos documentos oficiais da Educação Infantil,
temos o respaldo necessário para o levantamento de questões, junto às crianças, acerca da
diversidade e das identidades sexuais, de gênero, étnico-raciais, presentes no espaço escolar,
como forma de garantir o exercício da cidadania. É importante que a professora, em sua
prática docente, traga à tona tais discussões para que aconteça a desconstrução de
preconceitos e a desnaturalização de discriminações de gênero presentes na sociedade, que
repercutem na escola.
3.4 A professora e o modo como lida com o corpo e a sexualidade das crianças
A professora MBO é formada em Pedagogia pela UFMT, Campus de Rondonópolis,
possui especialização em Letramento e Educação Infantil, e atua há 14 anos na rede pública
municipal. Já foi coordenadora pedagógica em várias unidades de ensino, inclusive na
instituição em que está lotada atualmente.
Conforme a professora, as atividades relacionadas ao corpo das crianças estão ligadas
a movimento, em especial, na turma em que atua, pois, durante a entrevista, ela alega que
“nesta idade todo o trabalho é voltado para socialização, vivências e interação”. Ao considerar
a importância de proporcionar às crianças se expressarem livremente, a professora MBO cita
que divide a sala de aula em vários ambientes organizados de acordo com os brinquedos,
bonecas ou carrinhos, e a criança escolhe qual espaço ocupará de acordo com as brincadeiras
e/ou brinquedos que despertam seu interesse.
Sobre os sentidos que atribui ao corpo da criança, a professora afirma:
Eu entendo que corpo corresponde à totalidade do ser humano no qual todos... As dimensões física, intelectual, psicológica, ética, afetiva, moral, social e cultural se complementam em um único ser. Ë nessa relação que os alunos (crianças pequenas) se conhecem. (MBO, 11 ago/2014)
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Por mais que a professora apresente, em suas falas, uma valorização do corpo para a
construção do conhecimento, suas práticas revelam que, mesmo assim, a questão do
binarismo se torna predominante, sendo reforçado nos materiais que ela utiliza, mas,
sobretudo, na forma como ela organiza as filas, separando meninos e meninas, em todas as
atividades propostas no espaço escolar.
Ao ser questionada sobre alguma experiência que tenha envolvido a família,
relacionada ao corpo da criança, a professora afirma não se lembrar de nada significativo,
pois, conforme afirma: “não me recordo de nada em especial”. Isto revela a ausência desse
assuntos na pauta do cotidiano escolar. Conjectura-se que essa ausência se justifica mais ainda
por se tratar de crianças pequenas. As análises de Ribeiro (2015) nos permitem compreender o
porquê de essas questões serem tão conflitivas e difíceis de serem trabalhadas no contexto
escolar.
Perguntas que podem ser geradoras de outras perguntas e as respostas não são consensuais, pois sexualidade e gênero imbricam-se com as diferenças: de valores, de religião, de crenças, de costumes, de concepções, de significações, que também se entrelaçam com o dito e o não dito, o pode e o não pode, prazeres e desprazeres, alegrias e tristezas, vergonhas, culpas, insinuações, segundas intenções. (RIBEIRO, 2015, p. 08).
O pensamento da autora está articulado, também, com outra questão importante em
nossas análises, que são os elementos da cultura midiática. Segundo a professora, “quando me
deparo com o tema sexualidade, principalmente agora, que estou participando da pesquisa, e
também por estar estampado na mídia, me sinto um pouco mais segura para atender e fazer a
criança entender estas diferenças”. Como é possível observar, a professora cita a mídia como
uma forma de se sentir mais segura para compreender e fazer com que as crianças
reconheçam as diferenças existentes em torno da sexualidade. Em contraponto a essa fala, por
outro lado, MBO relata que, na turma em que atua, as crianças se expressam naturalmente,
observando as diferenças, o comportamento, questionando, sem medo, sem vergonha e sem
malícia.
Na perspectiva da professora, para superar essas dificuldades, é necessário rever os
próprios conceitos e posturas em relação à sexualidade.
[...] possibilitando a mim mesma um entendimento maior e atitudes mais abertas no sentido de ouvir, observar, não estabelecer julgamentos e compreender diferentes formas de expressar das crianças. Estar atenta aos interesses e curiosidades das crianças, ouvindo e respeitando a individualidade de cada uma delas. (MBO, 11 ago/2014).
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Ao lidar com a temática de sexualidade na Educação Infantil, a professora MBO
garante que tem um grande desafio, pois “precisa de melhor preparo para abordar de forma
correta, sem tabus, para que possamos mediar essa construção que está em nossas mãos, e
sem impor padrões da sociedade, como comportamentos para homem ou mulher”.
A professora, ao ser questionada sobre a forma como os espaços da escola são
organizados, alega que unidade escolar deixa muito a desejar no quesito organização . Para
ela, a escola deve oportunizar à criança a participação em atividades variadas, aprendendo a
controlar e a conhecer o próprio corpo, bem como a se relacionar com o outro. Esse ponto de
vista mostra um pouco de sua insatisfação com a estrutura física do ambiente escolar, por
mais que esta pesquisa tenha visualizado uma escola com espaços convidativos e propícios
para o desenvolvimento de um trabalho voltado à educação de crianças pequenas. É
importante ressaltar que a escola investigada, antes de se tornar uma unidade do município,
foi uma escola da rede privada de ensino, que atendia às exigências e especificidades da
Educação Infantil.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O conceito de gênero ganhou, nas últimas décadas, grande destaque não só no meio
acadêmico, mas também em movimentos sociais e nas políticas públicas que visam promover
a igualdade de gênero e os direitos sexuais. Tamanha é a importância do tema, que impacta na
transformação da sociedade, que as instituições educacionais não podem ficar à margem dessa
discussão, principalmente porque as escolas são os locais mais indicados para trabalhar esse
tema.
Os temas relacionados ao gênero devem ser problematizados no currículo da Educação
Infantil, para que possam ampliar as possibilidades pedagógicas de uma nova visão para as
crianças e suas infâncias. Para que as discussões sobre gênero ocorram de forma mais ampla
em sala de aula, é imprescindível, antes de mais nada, avaliar de que maneira, na nossa
cultura, os vários grupos sociais definem estratégias para o controle sobre os corpos femininos
e masculinos. Essas estratégias estabelecem padrões de comportamentos considerados
“normais”. Aqueles que fogem a essa “norma” são categorizados como problemas
inaceitáveis, sendo-lhes, muitas vezes, impostos terapias, tratamentos, punições ou torturas. É
fato que o educador, juntamente com os profissionais envolvidos na Educação Infantil, deve
ter uma postura diferente desta. Britzman (1999, p. 89) aponta que:
[...] o modelo de educação sexual desenvolvido nas escolas deve estar pautado pela leitura e discussão de livros de ficção e poesia, pela exibição de filmes, de peças de tetro e pela apreciação da arte em geral, pois esses contatos podem desencadear algumas interessantes reflexões em torno das desigualdades existente entre homens e mulheres e suas respectivas identidades sexuais, produzidas no âmbito da cultura.
Embora deva fazer parte do cotidiano da criança e de suas experiências, a sexualidade
ainda é um tema difícil de ser trabalhado em sala de aula. No presente trabalho, ficou claro
como as crianças vão construindo suas relações através dos significados e das linguagens
culturais dos quais se apropriam na convivência com as outras crianças e também com os
adultos, trazendo-os para as suas brincadeiras e para os seus mais diversos modos de
expressão. Em consequência, as crianças vão se apropriando das referências simbólicas
presentes nos discursos do mundo adulto e infantil.
Durante as aulas, observou-se que as crianças tinham uma postura de resistência para
se adequarem a algumas normas ou regras impostas pela professora. Essa postura evidencia
como meninos e meninas exploravam os espaços e situações. Resistir ao fazer uma atividade
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solicitada pela professora é uma forma das crianças transgredirem as regras no universo
escolar.
Sobre as questões que norteiam esta pesquisa, podemos destacar as falas, gestos e
atitudes que se fazem presentes nas relações entre as crianças, em seus diálogos e relações na
escola. Ficou marcante o silêncio que há durante o momento em que a professora conduz as
atividades de forma direcionada e com pouca participação das crianças. Observamos que, no
período próximo ao término da aula, ou seja, nos últimos 15 minutos (durante a espera dos
familiares), elas demonstram sentirem-se livres para dialogar, bem como transitar entre os
outros colegas, sejam meninos ou meninas, brincando com brinquedos “trocados”, trocando
de lugares e assumindo outros papéis.
A respeito dos artefatos, objetos e imagens que remetem às questões de gênero,
compreendemos que esses são significativos para as crianças e circulam entre elas nos
diferentes espaços e tempos da escola, pois aqui incide uma questão que desemboca em outras
questões relacionadas à aquisição de material lúdico, adquiridos pelos adultos e
disponibilizado na biblioteca. A escolha destes materiais é feita pelos adultos, que legitimam a
cultura do binarismo no espaço escolar ao disponibilizar a quantia exata de artefatos para o
uso determinado das meninas e dos meninos. Na construção dos artefatos lúdicos, utilizados
pelas crianças, a cultura do binarismo também é fortalecida, pois são produzidos materiais
com cores demarcadas para uso dos meninos e das meninas. Nesse sentido, é preciso repensar
como são empregados os recursos financeiros públicos, tendo em vista que as diretrizes para a
Educação Infantil preveem ações que fomentam o cotidiano infantil com práticas pedagógicas
libertadoras, no que se refere às questões de gênero e sexualidade.
Compreendemos, nesta pesquisa, que as relações que as crianças estabelecem com o
próprio corpo e o corpo do outro demonstram a separação entre meninos e meninas,
consolidados nos artefatos usados nas roupas, acessórios e brinquedos utilizados. O
silenciamento perante as questões de gênero como estas podem contribuir para a perpetuação
da cultura do binarismo nas relações sociais, refletindo nas formas de se relacionar com o
outro e consolidando modos de viver a infância fortemente demarcados por essa lógica.
As relações de amizade também são atravessadas por questões de gênero. Esse
fenômeno é possível ser identificado por meio do episódio descrito, relativo ao caso da
menina que tem que se sentar próxima aos meninos diariamente, em razão do horário que ela
chega à sala de aula, mas, também, na ausência de planejamento por parte da professora ao
não propor outras formas de organização da sala de aula, que rompam com essa separação.
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Como vimos no capítulo 3, a menina permanecia a maior parte do tempo em um local da sala
onde apenas meninos estavam sentados.
Uma questão sobre os desafios de fazer pesquisa com crianças e os caminhos
percorridos durante esta investigação foi minha condição de professora de crianças da rede
municipal de educação. Por esse motivo, constantemente a equipe diretiva sentia-se no direito
de requisitar-me durante os momentos de imersão no cotidiano das crianças. Essas
solicitações ocorreram, no sentido de contribuir com a formação contínua da escola, para
resolver problemas inerentes à rotina infantil, elaboração de atividades lúdicas, entre outras.
Isso, por diversas vezes, fez com que as crianças me percebessem como uma aliada dos
adultos na escola, e não delas, o que, de certa forma, dificultou uma aproximação maior de
minha parte aos seus grupos de pares e ao que compartilhavam no interior desses grupos.
Para finalizar as reflexões que aqui trazemos, Louro (2007), ao avaliar o tema, gênero
e sexualidade, conclui que:
Apesar de todos os esforços para a promoção da igualdade de direitos, através da implementação de programas ligados especialmente às áreas de educação, saúde e assistência social, torna-se necessário empreender pesquisas e teorizações para melhor compreender as relações de poder que se estabelecem entre os diversos grupos sociais. Nesse sentido, é fundamental continuar incentivando a implementação de linhas de pesquisa no âmbito das universidades e uma maior atenção por parte das agências financiadoras de pesquisa a esses temas (LOURO, 2007, p.85).
Dessa forma, esta pesquisa pretende, também, instigar novas reflexões sobre as
relações de gênero na Educação Infantil, para que seja possível compreender melhor as
diferentes maneiras de ser menino e de ser menina, respeitando cada criança, seus desejos,
histórias, experiências e subjetividades.
72
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78
APÊNDICES
Apêndice A
DECLARAÇÃO
Rondonópolis, 20 de julho de 2014.
Declaro, para os devidos fins, que estou ciente e autorizo a realização da pesquisa “Educação
Infantil e Relações de Gênero: o que se inscreve nos corpos infantis?”, sob a coordenação do
Profª Gislene Cabral de Souza, professora da rede pública municipal e mestranda do
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus
de Rondonópolis, com as crianças e a professora da turma da 2ª Agrupamento do 2º Ciclo,
turma C, matutino Escola Municipal de Educação Infantil ___________________________,
sob a minha direção.
Por ser expressão da verdade, firmo a presente.
________________________________________________
Diretor
79
Apêndice B
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidada para participar, como voluntária, da pesquisa “Educação Infantil e
Relações de Gênero: o que se inscreve nos corpos infantis?”.
Após ser esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é do
pesquisador responsável. Em caso de recusa, você não terá nenhum prejuízo em sua relação
com a pesquisadora ou com a instituição que recebe assistência.
O objetivo desta pesquisa é compreender as relações de gênero nos modos como as crianças
interagem entre si no contexto da Educação Infantil.
Seu envolvimento nesta pesquisa consistirá em participar de entrevistas sobre relação entre
infância e gênero no contexto da Educação Infantil. Serão feitos, também, registros das
interações das crianças, sobretudo em situações lúdicas, por meio de gravador digital de voz.
Em função disto, é importante esclarecer que as gravações produzidas serão divulgadas
apenas no contexto da pesquisa e, mesmo assim, mediante o assentimento prévio das pessoas
envolvidas.
Não há riscos em sua participação na pesquisa.
Os benefícios para você enquanto participante da pesquisa são contribuir para uma melhor
compreensão das experiências lúdicas infantis, dos valores e da constituição das identidades
das crianças, permitindo a construção de novas possibilidades de propostas educativas que
estejam mais adequadas ao processo educativo construído na relação entre professora e
crianças.
Os dados referentes à sua pessoa serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação
durante toda pesquisa, inclusive na sua divulgação. Os dados não serão divulgados de forma a
possibilitar sua identificação. Para isso, na apresentação destes, serão informadas apenas as
iniciais dos nomes.
80
Você receberá uma cópia deste termo onde tem o nome, telefone e endereço da pesquisadora
responsável, para que você possa localizá-la a qualquer tempo: Gislene Cabral de Souza,
professora da Rede Municipal de Educação de Rondonópolis, lotada na Escola Municipal de
Educação Básica Professora Dulcinéia Cascão Barbosa, email
([email protected]), endereço:.
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito e
verbalmente dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação, de acordo com o que foi
apresentado, AUTORIZO a publicação.
Eu (nome do participante)
...............................................................................................................................
Idade:......................Sexo:...............................Naturalidade:...............................................
RG nº:................................., declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha
participação na pesquisa e concordo em participar.
Data:
Assinatura da participante:
...................................................................................................
81
Apêndice C
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Pais das Crianças)
Seu filho(a) está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), da pesquisa
“Educação Infantil e Relações de Gênero: o que se inscreve nos corpos infantis?”.
Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar que seu(sua) filho(a)
faça parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua
e a outra é do pesquisador. Caso você não aceite que ele(ela) participe, não terá nenhum
prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição onde seu(sua) filho(a)
estuda.
O objetivo desta pesquisa é compreender as relações de gênero nos modos como as crianças
interagem entre si no contexto da Educação Infantil.
Neste trabalho, seu(sua) filho(a) participará de entrevistas, situações lúdicas propostas pela
pesquisadora, atividades feitas em grupos formados pela professora e colegas de turma. Será
utilizado gravador digital de voz para registro dos momentos em que as crianças brincam
juntas e com a professora. Por isso, é importante deixar claro que essas gravações não serão
utilizadas por outras pessoas que não sejam as próprias crianças, a professora e a
pesquisadora, que participam desta investigação, ou seja, as gravações não deverão ser
divulgadas para outras pessoas que estejam fora da pesquisa.
Não há riscos na participação de seu(sua) filho(a) na pesquisa.
Os benefícios para você, como responsável pela criança, é contribuir para que os estudos
referente à temática, avancem e permitam uma educação mais adequada às experiências que
elas hoje possuem, de modo a compreendê-las melhor na sociedade em que convivemos.
Os dados de seu(sua) filho(a) serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação
durante toda pesquisa, inclusive quando for divulgada.
82
Os dados não serão divulgados com os nomes das crianças e da professora, muito menos
acompanhados por qualquer tipo de imagem das pessoas. Para isso, serão informadas apenas
as iniciais dos nomes.
Você receberá uma cópia deste termo onde tem o nome, telefone e endereço do pesquisador
responsável, para que você possa localizá-lo a qualquer tempo: Gislene Cabral de Souza,
professora da Rede Municipal de Educação de Rondonópolis, lotada na Escola Municipal de
Educação Básica Professora Dulcinéia Cascão Barbosa telefone institucional, email
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito e
verbalmente dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação, de acordo com o que foi
apresentado, AUTORIZO a publicação.
Eu (nome do responsável pela criança) ..............................................................
Nome do(a) filho(a): .............................................................................................
Idade:......................Sexo:...............................
Naturalidade:...............................................
RG nº:................................., declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios da
participação de meu(minha) filho(a) na pesquisa e concordo que ele(a) participe.
Assinatura do responsável:
...................................................................................................
83
Apêndice D
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
Objetivo:
Determinar:
Episódio diário relacionado à temática da pesquisa (foco):
Intervenção da educadora:
Descrição do episódio O que dizem as crianças e a
professora
Análise do episódio
Articulações com os conceitos teóricos
84
Apêndice E
Roteiro para entrevista
1 – Apresentação da professora, em especial da sua vida profissional.
2 – Como gostaria de ser identificada nesta pesquisa?
3 – Como são suas experiências com o corpo na Educação Infantil?
4 – Quais situações e experiências marcantes em relação ao gênero e a sexualidade aconteceu
este ano letivo?
5 – Houve alguma experiência neste ano letivo que envolveu a família no contexto escolar,
relacionada ao corpo da criança?
6 – Como professora, o que significa para você relacionar como o corpo da criança?
7 – Que desafios você encontra no trabalho com crianças referentes ao corpo?
8 – Como você percebe os modos como as crianças expressam a sua sexualidade?
9 – Quais dificuldades você enfrenta diante dessa temática?
10 – Como você acha que pode superá-las?
11 – O que significa, para você, lidar com as questões de gênero na Educação Infantil?
12 – Você considera os espaços da escola otimizam o relacionamento da criança com o
próprio corpo e com o corpo do outro?
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