UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E
TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA
SALVADOR - BA 2011
IONE DOS SANTOS ROCHA
PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E
TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Univer-sidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Cristovão Brito
SALVADOR - BAHIA 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
IONE DOS SANTOS ROCHA
PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E
TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA Dissertação de mestrado submetida em satisfação parcial dos requisitos ao grau de Mestre em Geografia.
Banca Examinadora
___________________________________________ Dr. Cristovão Brito - Orientador / DGEO-UFBA
___________________________________________
Dr. Jânio Santos - Membro / DGEO-UESB
___________________________________________ Dra. Miriam Nohemy Medina Velasco - Membro / DCET-UNEB
Data da aprovação: ....../......./....... Grau conferido em: ......./......./.........
A cidade Ideal
A cidade ideal dum cachorro
Tem um poste por metro quadrado Não tem carro, não corro, não morro
E também nunca fico apertado
A cidade ideal da galinha Tem as ruas cheias de minhoca
A barriga fica tão quentinha Que transforma o milho em pipoca
Atenção porque nesta cidade Corre-se a toda velocidade
E atenção que o negócio está preto Restaurante assando galeto
A cidade ideal de uma gata
É um prato de tripa fresquinha Tem sardinha num bonde de lata
Tem alcatra no final da linha
Jumento é velho, velho e sabido E por isso já está prevenido
A cidade é uma estranha senhora Que hoje sorri e amanhã te devora
Atenção que o jumento é sabido
É melhor ficar bem prevenido E olha, gata, que a tua pelica
Vai virar uma bela cuíca
Mas não, mas não O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores As senhoras e os senhores
E os guardas e os inspetores Fossem somente crianças
(Os Saltimbancos; Chico Buarque, 1977)
Dedicatória
Dedico este trabalho à memória de meu avô Argemiro Pedro Braz meu querido “Vovô Gima (+ 23/05/2009)” pelo carinho e trabalho que dedicou à nossa
família, e pelo desejo que tinha de conhecer as letras, as palavras e o mundo. Dedico também a minha mãe, Idalva Maria pelo amor expresso principalmente em
suas orações; e a meu pai, José Rocha, pela resignação de um homem comprometido com a família e com a nossa educação.
Agradecimentos
Agradeço a Deus pelo sustento e esperança que me foi dado no decorrer desses dois anos e meio de esforço e aprendizado.
Porque nós estamos nas suas mãos, nós e nossos discursos, toda a nossa inteligência e nossa habilidade; foi Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, quem me fez conhecer a constituição do mundo e as virtudes dos elementos [...] A ciência é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-poderoso; assim mancha nenhuma pode insinuar-se nela. É ela uma efusão da luz eterna, um espelho sem mancha da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade
(SABEDORIA, 16-20; 25-26).
Agradecimento às minhas irmãs Josélia e Leônia e meu cunhado Joan Rito,
motivos de alegria em nossa casa. A todos os meus familiares, sobretudo, incentivadores. Em especial agradeço a minha Avó Júlia pelas orações incansáveis, e a minha amada Tia Neusa.
Agradeço aos professores do POSGEO da UFBA pelo conhecimento e pelas oportunidades de crescimento pessoal e intelectual. Ao meu orientador Prof. Dr. Cristóvão Brito, por dedicar seu tempo a leitura de meus textos; ao Prof. Dr. Jânio Santos pela proximidade e disposição em; à Profa. Dra. Miram Velasco, por contribuir com suas leituras cuidadosas me acrescentando tão boas sugestões.
Aos professores do Departamento de Geografia de Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo que me ensinaram, e hoje se traduz em incentivo e respeito.
Agradeço aos amigos, a começar pelos que como presentes, me foram dados pela Geografia: Denny com o companheirismo e o prazer de me ver crescer e conquistar,; Rosana pela amizade e exemplo de mulher, e pela família que aprendi a amar. Agradeço a Glauber pelo respeito, e Tânia pela experiência e alegria compartilhadas. Aos presentes mais recentes que a Geografia me proporcionou: a turma de 2009 do Mestrado em Geografia da UFBA: Minha querida Poly, por ser tão presente e amiga; Gedeval, agradeço-te, pela solidariedade nos momentos de aflição, pelas maluquices nos momentos de alegria, pelas partilhas nos longos telefonemas; Fádia, pela acolhida em sua casa, em seu armário e pelas coisas que me fez ver com seu “pavio curto”; Daniel, pelo carinho; Danilo, pela acolhida; Denílson, pelo cuidado; Ivan, pela alegria; Paulo, pela atenção; Adriana, pela tranqüilidade; Noélia, pela simplicidade; Henrique, pela inteligência.
Gratidão às minhas amigas de outros caminhos que a vida nos fez trilhar, e ter a alegria de nos encontrar: Camila, Núbia, Luzaine, Ivete, Mônica, Neidinha pela alegria em tudo, pela compreensão e pelo carinho, por todas as comemorações que pudemos compartilhar e pelas muitas que certamente virão.
Meus queridos colegas do IFBA Campus Porto Seguro pelo incentivo. Aos novos colegas do Campus IFBA de Vitória da Conquista pelo apoio, pela amizade, respeito, pela compreensão. Aos estudantes do IFBA por tornarem meus dias mais agitados, porém surpreendentemente alegres me fazendo reencontrar dia-a-dia o prazer de ensinar. Agradecimento especial àqueles que contribuíram com a coleta e a tabulação dos dados desta pesquisa: Celmário, Juliana, Maurício, Iago. Acredito, admiro e torço pelo sucesso de vocês!
9
LISTA DE SIGLAS CEF - Caixa Econômica Federal
CIB - Resolução da Comissão de Gestores Bipartite
CIRETRAN‟s - Circunscrições Regionais de Trânsito
CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
DIREC‟s - Diretorias Regionais de Educação
DIRES - Diretorias Regionais de Saúde
ECOSANE - Empreendimentos, Construção e Saneamento LTDA.
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFBA – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia
PAR - Programa de Arrendamento Residencial
PDU - Plano Diretor Urbano
PMDB – Partido do movimento Democrático Brasileiro
PMHP - Programa Municipal de Habitação Popular
PPM – Poder Público Municipal
PSH - Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social
PT – Partido dos Trabalhadores
REGIC – Região de Influência das Cidades
SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
SEPLANTEC - Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia
SUS - Sistema Único de Saúde
TCM - Tribunal de Contas dos Municípios
UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UFBA - Universidade Federal da Bahia
URBIS - Companhia de Habitação e Urbanização
ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Vitória da Conquista: Localização do bairro Boa Vista e
loteamentos
81
Figura 2 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio cidade Jardim
(publicidade)
131
Figura 3 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim
(publicidade)
131
Figura 4 - Loteamento Mariana: Condomínio residencial Pituba 136
Fotografia 1 - Loteamento Alto da Boa Vista: Aspecto de uma construção
residencial
89
Fotografia 2 - Loteamento Alto da Boa Vista: Aspecto de uma construção
residencial
89
Fotografia 3 - Bairro Boa Vista: construção plurifamiliar 90
Fotografia 4 - Bairro Boa Vista: condomínio residencial 90
Fotografia 5 - Bairro Boa Vista: construção plurifamiliar com quatro
pavimentos
91
Fotografia 6 - Bairro Boa Vista: condomínio residencial com dois
pavimentos
91
Fotografia 7- Bairo Boa Vista: Prolongamento da Avenida Gilenilda Alves 93
Fotografia 8 - Bairro Boa Vista: acesso ao Vila América (Avenida Gilenilda
Alves)
93
Fotografia 9 - Bairro Boa Vista: Sinalização das obras de pavimentação
da Avenida Gilenilda Alves
94
Fotografia 10 - Pavimentação da Avenida Gilenilda Alves e cruzamento
com a Avenida Luiz Eduardo Magalhães
94
Fotografia 11 - Bairro Boa Vista: fachada de um condomínio residencial 96
Fotografia 12 - Bairro Boa Vista: anúncio de aluguel de casas 96
Fotografia 13 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção
residencial
98
Fotografia 14 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção
residencial
98
Fotografia 15 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma
construção residencial
100
11
Fotografia 16 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma
construção residencial
100
Fotografia 17 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma
construção residencial
101
Fotografia 18 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma
construção residencial
101
Fotografia 19 - Loteamento Morada do Parque: aspecto de uma
construção plurifamiliar com cinco pavimentos
102
Fotografia 20 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma
construção plurifamiliar com três pavimentos
102
Fotografia 21 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma rua 103
Fotografia 22 - Loteamento Esplanada do Parque: construção residencial
plurifamiliar verticalizada (4 pavimentos)
103
Fotografia 23 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua 108
Fotografia 24 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua 108
Fotografia 25 - Loteamento Porto Seguro: construção plurifamiliar 111
Fotografia 26 - Loteamento Porto Seguro: Construções residenciais 111
Fotografia 27 - Loteamento Vila América: aspecto de uma casa do
Programa Municipal de Habitação popular
116
Fotografia 28 - Loteamento Vila América: conjunto habitacional do
Programa Municipal de Habitação popular
116
Fotografia 29 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos
habitacionais
118
Fotografia 30 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos
habitacionais
118
Fotografia 31 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas
privadas
119
Fotografia 32 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas
privadas
119
Fotografia 33 - Chácaras Jardim Guanabara: condomínio Vila Grécia 123
Fotografia 34 - Chácaras Jardim Guanabara: condomínio Vila Roma 123
Fotografia 35 - Condomínio Green Ville: guarita de segurança 125
12
Fotografia 36 - Condomínio Grren Ville: área de lazer (piscina e quadra) 125
Fotografia 37 - Casa no condomínio Green Ville 127
Fotografia 38 - Casa no Condomínio Green Ville 127
Fotografia 39 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial
Morada Sul
133
Fotografia 40 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul
Residence
133
Fotografia 41 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul
América
134
Fotografia 42 - Chácaras Jardim Guanabara:pavimentação da Rua G 134
Fotografia 43 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio
Residencial Itapuã
135
Fotografia 44 - Loteamento Mariana: Construção do Condomínio
residencial Itapuã
135
Fotografia 45 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio
Residencial Pituba
136
Gráfico 1 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos
loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista
97
Gráfico 2 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos
loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque,
Morada dos Bem-te-vis e Fluminense
99
Gráfico 3 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no
loteamento Jardim Guanabara
106
Gráfico 4 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no
loteamento Conquistense
107
Gráfico 5 Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no
loteamento Porto Seguro
110
Gráfico 6 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no
loteamento Vila América
120
Mapa 1 - Localização do Município de Vitória da Conquista na
Região Sudoeste da Bahia
19
Mapa 2 - Vitoria da Conquista: malha rodoviária urbana 65
Mapa 3 - Vitória da Conquista: evolução da ocupação urbana entre 79
13
1976 e 1996
Mapa 4 - Bairro Boa Vista: perfil imobiliário e localização dos
localização dos principais condomínios
81
Tabela 1 - Vitória da Conquista: população rural e urbana (1950 –
2010)
82
Tabela 2 - Vitória da Conquista: empreendimentos imobiliários
licenciados para construção no bairro Boa Vista entre os
anos de 2005 e 2010
122
Quadro 1 - Vitória da Conquista: loteamentos do bairro Boa Vista
deferidos entre os anos de 1977 e 2010
88
Quadro 2 - Vitória da Conquista: participação do loteamento Vila
América no total dos alvarás de construção deferidos no
município de 2000 a 2010
115
14
SUMÁRIO
1. Introdução................................................................................................ 18
2 A lógica contraditória da produção do espaço urbano....................... 28
2.1 Os agentes produtores do espaço............................................................ 33
2.2.1 Os proprietários fundiários e a cidade como propriedade privada........... 38
2.2.2 As empresas construtoras e a cidade como empreendimento................. 43
2.2.3 As ações do Estado e a cidade como contradição................................... 45
3. A valorização desigual do espaço urbano...........................................
3.1 As cidades médias como reprodução do espaço e forma de
valorização................................................................................................
52
3.1.1 Os agentes e fatores de constituição das cidades médias....................... 55
3.1.2 Possibilidades para a reprodução ampliada do capital com a
valorização imobiliária...............................................................................
60
4. As interações espaciais interurbanas e a valorização do espaço
intraurbano de Vitória da Conquista.....................................................
63
4.1 As dinâmicas de sustentação da centralidade urbana em Vitória da
Conquista..................................................................................................
70
4.2 Reprodução do espaço da cidade e os elementos do processo de
valorização do bairro Boa Vista................................................................
4.2.1 O bairro Boa Vista na constituição do espaço da cidade de Vitória da
Conquista..................................................................................................
76
4.2.2 Ações e interesses dos agentes na organização do espaço do bairro
Boa Vista...................................................................................................
80
4.2.3 A formação do vetor sul e a apropriação do entorno dos corredores
urbanos.....................................................................................................
85
4.3 A estratégia dos loteamentos no bairro Boa Vista.................................... 87
4.3.1 Os loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista......................................... 92
4.3.2 Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque e Morada
dos Bem-te-vis e Fluminense....................................................................
99
4.3.3 O loteamento Jardim Guanabara.............................................................. 105
4.3.4 O loteamento Conquistense...................................................................... 107
4.3.5 O loteamento Porto Seguro...................................................................... 110
4.3.6 Um assentamento popular no bairro Boa Vista: o loteamento Vila
15
América..................................................................................................... 113
4.3.6 Estratégias recentes de ocupação do espaço do bairro Boa Vista: os
condomínios e a verticalização.................................................................
124
5. A espacialização dos perfis imobiliários no Bairro Boa Vista.......... 145
Considerações finais.............................................................................. 148
Referências Bibliográficas..................................................................... 152
16
ROCHA, Ione dos Santos. Produção e valorização do espaço urbano de Vitória da Conquista e as estratégias e transformações no bairro Boa Vista. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal da Bahia – UFBA (Instituto de Geociências - IGEO, Programa de Pós-Graduação em Geografia - POSGEO): Salvador, 2011. 153 p. RESUMO: Esse trabalho objetiva analisar a produção do espaço urbano de Vitória da Conquista e as estratégias de valorização do espaço verificadas no bairro Boa Vista. Buscou-se problematizar as bases nas quais se desenvolve o processo de valorização econômica dos imóveis urbanos, os agentes envolvidos e as estratégias por eles adotadas. É também abordado nessa pesquisa o espaço urbano em face da totalidade do espaço com o qual se estabelece relações de reprodução em âmbito intraurbano e interurbano. Fundamentada nessa compreensão é que se analisou a cidade de Vitória da Conquista como cidade média, cujo papel de centralidade se dá nas relações com os municípios vizinhos e repercute na organização do espaço intraurbano, na dinamização econômica e na valorização imobiliária. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a lógica contraditória da produção do espaço urbano, identificando as formas de apropriação e os agentes responsáveis por esse processo. Investigou-se também, conforme as referências adotadas, o papel de cada um dos agentes relevantes identificados na reprodução do espaço do bairro Boa Vista: O Estado (na forma do poder público municipal e dos governos municipais que se sucederam), as empresas construtoras e os agentes loteadores, e os proprietários fundiários. Realizou-se ainda uma aproximação teórica com objetivo de analisar a função urbana e as ações no mercado imobiliário, como repercussão da lógica capitalista no espaço local. Como proposta de articulação de escalas, buscou-se na parte empírica da pesquisa averiguar a constituição do espaço urbano de Vitória da Conquista e o contexto no qual o bairro Boa Vista surge. Por conseguinte, se identificou as estratégias de ocupação e comercialização dos imóveis no bairro Boa Vista, analisando-as como ações de interesse dos agentes produtores do espaço urbano. Nesse sentido, examinamos a mudança das estratégias de ocupação iniciais para as ações atuais baseadas num processo contínuo e aceleradas de valorização imobiliária. Tal análise foi possibilitada pelo tratamento e mapeamento dos dados de construção civil no bairro, que além de permitirem a detecção das estratégias e da forma como a terra e o espaço são controlados, possibilitou vislumbrar algumas tendências. Como resultado desse estudo, pode-se conhecer o uso do solo do bairro Boa Vista por loteamento, como amostra da valorização desigual do espaço. Essa constatação permitiu entender o papel da cidade de Vitória da Conquista na rede urbana, e a realização da crítica ao processo de valorização imobiliária como forma de apropriação privada da terra. Palavras chave: produção do espaço, agentes produtores do espaço urbano, cidade média, valorização imobiliária.
17
ROCHA, Ione dos Santos. Production and valorization of urban space in Vitória da Conquista and the strategies and changes in the Boa Vista town. Dissertation. (Master in Geography). Universidade Federal da Bahia – UFBA (Institute Geoscience - IGEO, Program of Post Graduation in Geography - POSGEO): Salvador, 2011. 153 p. ABSTRACT The aim of this study was to analyze the production of the urban space in Vitória da Conquista and development of the strategies for valorization of the space located in Boa Vista district. It was problematized the basis of how it developed within the process of the economic valuation of the urban real estate, the agents which were involved and the strategies they adopted. It was also focused in this study the urban space in face of the whole space in order to establish relationships of the urban space reproduction and the interurban and intraurban space. Based on this understanding Vitoria da Conquista was considered as an average city, which takes the central role in relations with the surrounding municipalities and how it affected the intern spatial organization, in fostering economic and real estate valuation. It was performed a literature review on the contradictory logic of the production of the urban space, identifying forms of ownership and the agents responsible for this process. It was also investigated, as references adopted, the role of each of the stakeholders identified in the reproduction of the Boa Vista neighbourhood: The State (in the form of municipal government and the other municipal governments that followed), the construction entrepeneurs and real state sellers agents and landowners. It was carried out a further theoretical approach in order to examine the role and actions in the urban housing market, as a reflection of capitalist logic in the local area. As a proposal for the scale articulation, we sought in the empirical part of the research to ascertain the constitution of urban space in Vitória da Conquista, and the context in which the Boa Vista district arises. Therefore, it was identified the occupation strategies and marketing properties in the surroundings of Boa Vista, analyzing them as actions of interest of agent producers of the urban space. Accordingly, it was examined the changing occupation strategies for the initial current actions based on a continuous and accelerated real estate appreciation. This analysis was made possible by mapping the data processing and construction in the district, which also allowed the detection of the strategies and how the land and space are controlled, permitting the analysis of some trends. As a result of this study, it was possible to understand the use of the soil by blending Boa Vista district, as a sample of unequal valuation of the space. This finding led tothe understanding of hole of Vitória da Conquista in the urban networ and therealization of the critical process of the valuation real state as a private apprpriation of land. Keywords: production of space, urban space, city, urban valuation.
18
INTRODUÇÃO
O município de Vitória da Conquista no estado da Bahia, situa-se a 14º 86‟ de
latitude Sul e a 40° 83‟ de longitude Oeste (Conforme o Mapa 1), numa faixa de
transição geoambiental que apresenta remanescentes da Mata Atlântica, Mata de
Cipó, Cerrado e Caatinga contando inclusive com as espécies endêmicas
relativamente preservadas. O município é constituído de doze distritos: a sede
(Vitória da Conquista), e os distritos de Bate-Pé, Cabeceira da Jibóia, Cercadinho,
Dantilândia, Iguá, Inhobim, José Gonçalves, Pradoso, São Sebastião, São João da
Vitória e Veredinha. Na área rural do município desenvolve-se a produção agrícola
com atividades voltadas para a produção de banana, horticultura, pecuária e
principalmente a cafeicultura, que liderou o crescimento econômico durante os anos
1970 e 1980, e cuja crise no final da década de 1980 direcionou mais intensamente
os fluxos migratórios em para a cidade.
Nos últimos vinte anos (1990 a 2010) a cidade de Vitória da Conquista
experimentou um crescimento populacional expressivo, e com isso a expansão da
malha urbana. É comum nos noticiários locais e regionais referências a essa cidade
como capital regional, cidade pólo, e até mesmo como metrópole, devido o ritmo
acelerado de crescimento e a importância funcional em sua hinterlândia. Das duas
formas de regionalização do estado, tanto do território de identidade quanto do ponto
de vista geoeconômico o município de Vitoria da Conquista tem posição de
liderança. Entretanto para esse estudo consideramos como contexto regional mais
adequado a região geoeconômica do sudoeste da Bahia, e por vezes
consideraremos também a área e influencia urbana indicada pelo IBGE (2008).
A população do município de Vitória da Conquista em 2000 totalizava 262.494
habitantes e em 2010 atingiu cerca de 306.866, um acréscimo populacional
significativo especialmente na população urbana, correspondendo a mais de 75% da
população absoluta do município cuja área total corresponde a 3.743 Km², conforme
dados do IBGE (2011). O destaque que se adquiriu com o processo de ampliação da
área urbana, o acréscimo demográfico, crescimento econômico, importância política
entre outros, reproduziu no espaço intraurbano novas formas de apropriação do
espaço com vistas a valorização econômica e a obtenção ampliada do lucro com o
mercado imobiliário.
19
Mapa1 – Localização do Município de Vitória da Conquista na Região Sudoeste da Bahia
20
Passando pela cidade de Vitória da Conquista é possível verificar a presença
por rodovias federais e estaduais que favorecem a formação de uma rede de
acessibilidade e integração regional. Por este motivo nesse estudo optamos por
adotar a Região Sudoeste da Bahia como espaço de articulação geoeconômica
intermunicipal, considerando em alguns momentos a área de influencia urbana
conforme o REGIC (IBGE, 2008) e fundamentada na discussão sobre as interações
espaciais (CORRÊA, 2008). A localização geográfica associada à presença dessa
importante rede viária do município de Vitoria da Conquista é um dos fatores
essenciais na condição pólo articulado com outras regiões próximas e distantes,
inclusive estendendo a rede de influência urbana além dos limites do estado da
Bahia (como ocorre com algumas cidades do norte mineiro).
Segundo informações do estudo sobre a Região de Influência das Cidades
(REGIC), em 20071 a cidade de Vitória da Conquista ocupava efetivamente a
posição de capital regional B na rede urbana e estava ligada a dois centros
subregionais – Brumado e Guanambi – e a um centro de zona – Itapetinga. A esses
dois sub-centros são articulados cerca de 70 outras cidades de pequeno porte que
se distribuem entre as regiões econômicas baianas Litoral Sul, Serra Geral e
Chapada Diamantina e o Norte de Minas Gerais, para as quais a cidade de Vitória
da Conquista representa uma centralidade. Essas informações permitem afirmar e
problematizar a importância destacada da cidade de Vitória da Conquista na região
sob sua influência.
A temática urbana tem cada vez maior relevância nos estudos sobre a
sociedade capitalista, principalmente no contexto de maior interdependência dos
lugares sob o signo da globalização. Destarte, a cidade de Vitoria da Conquista - BA
vivencia um processo cada vez mais evidente de afirmação como núcleo polarizador
em sua região de influência. Por conseguinte, transformações fundamentais em
curso na organização interna da cidade são motivadas pelas interrelações entre os
distintos agentes que produzem o espaço urbano dirigidos por seus respectivos
interesses.
Verifica-se sobremaneira que os agentes interagem com as principais forças
locais e distantes que ensejam a dinâmica da economia e da política que orientam o
cotidiano da cidade e de sua região, o que confere ao estudo do espaço urbano um
1Segundo o estudo da região de influência das cidades - REGIC (IBGE, 2008)
21
certo grau de complexidade. Um processo de mudança nos significados dos nós da
rede urbana se confirma, pois além da importância das metrópoles nacionais e
regionais, surgem as cidades intermediárias como espaços de expressiva dinâmica
e influência complementar. Este é o contexto contemporânêo no qual se pode
problematizar o espaço urbano de Vitória da Conquista
Sobre a cidade de Vitória da Conquista destaca-se o estudo realizado por
Ferraz (2001) que contribui para o entendimento do seu crescimento e da
organização do espaço urbano nas décadas de 1980 e 1990, com destaque para as
ações de Governo a partir de políticas públicas de habitação, integração rodoviária,
“urbanização”2 e a ação dos agentes loteadores. Um estudo posterior de Lima (et al,
2005) considera que as rodovias que atravessam a cidade de Vitória da Conquista
se configuraram como vetores preferenciais para a expansão urbana (LIMA;
ROCHA; RODRIGUES, 2005).
Atualmente a cidade apresenta importantes transformações na morfologia e
na valorização de algumas áreas residenciais, cujas ações de loteamento das terras
urbanas, por exemplo, não mais respondem pela maior parte das atividades do
mercado imobiliário como nas décadas de 1980 a 1990. Nesse sentido a pesquisa
aqui apresentada apresenta um olhar contemporâneo quanto às formas de
apropriação e comercialização dos imóveis urbanos, como resultado do novo
processo de valorização fundiária e imobiliária que se desenvolve na cidade de
Vitória da Conquista.
O crescimento da cidade nos últimos anos tomou novas direções, com
destaque para o eixo sudeste, onde se verifica uma forte valorização econômica dos
imóveis, e já se apresenta a tendência à verticalização das edificações. As novas
tendências das edificações urbanas indicam o interesse de maior aproveitamento da
edificabilidade do espaço, como resultado do processo de apropriação privada das
terras urbanas e do incremento demográfico social e economicamente segmentado
da cidade.
O bairro Boa Vista é uma unidade territorial urbana que conforme dados do
IBGE (2000) está dividida em dois setores censitários. Na contagem da população
2Algumas ações do Poder Municipal no âmbito da infraestrtura (pavimentação, iluminação, drenagem) são comumente chamadas de “urbanização”. No entanto, buscamos nessa pesquisa ampliar o conceito de urbanização para além das taxas populacionais urbanas e da dotação de infraestrutura. Consideramos que a urbanização de fato abarca esses fatores, mas se compõe de uma dinâmica sócioespacial que envolve ainda outros agentes e processos.
22
do ano 2000 o total dos dois setores era de 1.601 habitantes, e na atualidade
corresponde a uma área de ocupação preferencial e de forte valorização imobiliária
na cidade. Limita-se ao sul com o anel rodoviário de Vitória da Conquista e o bairro
Espírito Santo; ao norte com a Avenida Luíz Eduardo Magalhães e o bairro Recreio;
a leste com o córrego do Rio Verruga; e a oeste com a Avenida Juracy Magalhães e
bairro Felícia.
O bairro reproduz o processo de dinamização econômica, transformação
intensa da paisagem e significativas diferenças socioespaciais entre alguns dos
loteamentos que o compõem, acompanhadas de mudanças na ocupação e uso da
terra urbana, e por este motivo foi escolhido como campo desta pesquisa. O bairro
apresenta-se atualmente como uma das áreas de maior crescimento e valorização
da cidade.
Adicionalmente à infraestrutura, habitações e serviços existentes estão sendo
construídos novos e importantes empreendimentos imobiliários habitacionais,
comerciais e industriais. O bairro Boa Vista conta ainda com um histórico de
ocupação que abarca diversos agentes, e o assentamento de diferentes grupos
sociais que habitam os conjuntos habitacionais, loteamentos e condomínios
incluindo inclusive uma zona especial de interesse social para habitação.
A ampliação da infraestrutura urbana e a instalação de empreendimentos
comerciais, como o Shopping Conquista Sul, por ocasião de sua implantação e
recentes ampliações, oportunizou um maior incremento nos preços dos terrenos em
seu entorno, afetando significativamente o processo de valorização e da renda
imobiliária no bairro Boa Vista. Nessa dinâmica o bairro adensa o vetor de
crescimento sul da cidade de Vitória da Conquista, conforme apontamentos
anteriores (LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2005). No entanto, a dinâmica de
ocupação e valorização do bairro Boa Vista apresenta na atualidade novos
elementos, como um rebatimento do processo de dotação de infraestrutura do seu
entorno e resultado da exploração destes elementos espaciais como forma de
monopólio da terra e das edificações.
Nota-se com isso uma estreita relação entre o crescimento urbano e a
valorização e/ou desvalorização de parcelas da cidade que se expressam nas
formas de ocupação e de uso. Nesse contexto, a apropriação das benfeitorias
públicas e privadas imputam ao mesmo tempo adição de valor de uso e de troca
diferenciais à terra urbana e sua benfeitorias, e com isso se percebem mudanças na
23
paisagem e no padrão construtivo das habitações.
Com a vigência do novo plano diretor do município (cuja discussão na
conferência da cidade no ano de 2003 e envolveu diversos momentos e segmentos
da sociedade, para posterior sanção da no ano de 2006), e do forte incremento
demográfico na cidade, ao tempo em que também se verifica a ampliação das
atividades terciárias, implicando o aumento da importância regional da referida
cidade, estima-se pertinente o esforço em tentar compreender o novo processo de
reprodução do espaço urbano e suas implicações socioespaciais.
Caracterizar o bairro Boa Vista e nele analisar o processo de reprodução
urbana, empreendido pelos distintos agentes produtores com seus respectivos
interesses e conflitos, permite um melhor entendimento de como a cidade abarca
diferentes formas de apropriação do espaço. Em face da articulação dos agentes e
das interações espaciais que engendram a reprodução do espaço, nos coube
problematizar em primeiro plano as bases do processo de valorização econômica da
terra urbana e de suas benfeitorias na cidade de Vitória da Conquista como uma
primeira questão de pesquisa.
Em resposta a esta problematização, na composição teórica deste trabalho
investigamos a lógica contraditória da produção do espaço urbano que se desdobra
na produção de áreas desiguais, fundamentadas nas ações em que os agentes
produtores do espaço se efetivam em maior ou menor intensidade. Compreendendo
o contexto da produção do espaço urbano de Vitória da Conquista, ainda
consideramos o processo de valorização econômica dos imóveis e do crescimento
urbano como partes de uma totalidade na qual Vitória da Conquista se afirma como
cidade média.
Como segunda questão de pesquisa, abordamos a forma como se tecem as
relações entre os agentes da produção do espaço no contexto da valorização
urbana. Tais ações garantem a repercussão dessa dinâmica de valorização do
espaço no bairro Boa Vista, que entra na lógica da reprodução urbana constituindo-
se das estratégias de loteamento e construção para diversos perfis socioeconômicos
que fazem do bairro um mosaico socioespacial.
A perspectiva analítica motivada pela problematização realizada nos levou a
perseguir um objetivo geral que consistiu na análise teórica e empírica da forma
como a cidade de Vitória da Conquista é organizada e entra no processo de
valorização, diante de tão pronunciadas transformações em seu espaço.
24
No entanto, intrínsecos ao objetivo geral e à problemática, alguns
desdobramentos da temática foram abordados na forma de objetivos específicos. O
primeiro deles: Investigar a produção dos loteamentos do Bairro Boa Vista, resultou
na realização de um levantamento sobre o histórico da abertura de loteamentos na
cidade de Vitória da Conquista, dos quais destacamos neste trabalho a seqüência
histórica de licenças a loteadores do bairro Boa Vista, e a mudança nas estratégicas
de comercialização dos imóveis por parte dos proprietários dos terrenos urbanos e
incorporadores.
Um segundo objetivo que se impôs como um passo da pesquisa em
resposta às questões de pesquisa foi a identificação e análise das estratégias de
ação dos agentes na salvaguarda de seus distintos interesses. Esse objetivo surge
em complementação ao primeiro, pois consiste na busca das bases de ação e na
análise da evolução da produção do espaço do bairro ao longo do tempo. A busca
por alcançar tal objetivo permitiu identificar novas formas de edificação, mudanças
no perfil construtivo e a identificação de terrenos “vazios” manipuladas com vistas à
especulação.
Como terceiro passo da pesquisa em atendimento as questões de pesquisa,
um outro objetivo especifico foi elaborado: caracterizar as principais implicações
resultantes das ações e interrelações dos agentes produtores do espaço no bairro
Boa Vista. Esse objetivo nos levou ao conhecimento das mudanças nas formas de
apropriação do espaço que tem dinamizado o mercado imobiliário no bairro Boa
Vista com a mudança do perfil construtivo e o processo de valorização expresso no
encarecimento dos imóveis e no processo recente de verticalização das edificações.
A organização desta pesquisa foi estruturada em quatro partes: a primeira
discute a lógica contraditória de produção do espaço que da cidade. Procuramos
nessa discussão apontar para a existência de áreas residenciais desiguais, como
resultado de uma lógica de valorização econômica da habitação por força das ações
e interrelações dos agentes. Inicialmente foi feita uma discussão sobre a concepção
de cidade enquanto produto inacabado das relações e conflitos sociais, enfatizando
que o espaço urbano é constantemente produzido.
Através da revisão bibliográfica de Harvey (1980), Castells (1983), Capel
(1975), Corrêa (1995), Gottdienner (1997), Lefebvre (2008), Lojkine (1981), Marx
(2001), caracterizamos os agentes sociais e seu envolvimento com a reprodução do
espaço urbano que se torna mercadoria. Com isso fundamentamos a discussão
25
sobre as ações e as principais estratégias utilizadas pra legitimar as ações enquanto
agentes produtores do espaço urbano.
Na segunda parte buscamos entender os conceitos de valor e de valorização,
no processo de transformação da terra urbana e de suas benfeitorias em
mercadoria. Retomando Marx (2001), discutimos a formação do valor e o processo
de valorização, fundamentada na crítica ao capital e na renda da terra urbana,
espacialmente com o monopólio. Nessa discussão é destacada a centralidade
funcional urbana da cidade de Vitoria da Conquista e sua caracterização como
cidade média, com fato que reforça o monopólio da terra urbana em áreas
estratégicas do espaço da cidade, visto o seu papel na rede urbana sob sua
influência imediata e os fluxos gerados por essa dinâmica. A articulação entre
tamanho demográfico, localização relativa da cidade, ação empreendedora das
elites política e econômica (CORREA, 2008) se desdobra em processos de
concentração e de centralização econômicas, sistemas de transporte e
telecomunicações, atividades econômicas ligadas ao comércio de bens e serviços e
à modernização do setor agropecuário (SPOSITO, 2008) e um processo de
reestruturação do espaço intraurbano (VILLAÇA, 2001).
A revisão bibliográfica na segunda parte da pesquisa revela as interações
espaciais que envolvem as cidades intermediárias e expõe a complexidade de tal
condição urbana. Na busca de uma aproximação teórico-empírica trouxemos ao
referencial teórico as contribuições de Léda (2010) e Ferraz (2010), que tratam da
influência urbano-regional de Vitória da Conquista. Desenvolvemos ainda uma
discussão sobre a forma como os agentes se apropriam dos fluxos decorrentes da
condição de cidade média como estratégia de valorização imobiliária, e a forma
como controlam a disponibilidade de imóveis criando a raridade espacial. A
abordagem sobre as cidades médias, portanto, reitera a relevância desta pesquisa,
pois trata-se de uma busca pela compreensão dos desdobramentos da dinâmica
urbana considerando as repercussões dos processos sociais com base na cidade
articulada à rede urbana.
A análise da problemática espacial e das ações dos produtores do espaço
urbano de Vitória da Conquista e no bairro Boa Vista dialogam com a teoria na
terceira parte da pesquisa. Buscamos identificar as ações e interesses que tornaram
o bairro uma área de valorização, bem como compreender a organização espacial
dos loteamentos e condomínios. Os dados da pesquisa de campo são expostos e
26
organizados na forma de gráficos e tabelas, indicando como se deram as estratégias
de ocupação e comercialização de lotes no referido bairro. A formação de um
mercado imobiliário crescente nesta localidade e a forma como a distribuição dos
perfis construtivos, denunciam a produção desigual do espaço do bairro. A coleta de
dados pertinente à esse levantamento foi realizada na Secretaria Municipal de Obras
e Urbanismo (SMOU), feita através de consulta aos livros de registro de alvarás de
construção e loteamento, que limitamos ao período dos últimos onze anos (2000 a
2010).
Os dados obtidos correspondem ao número de construções regulares por
ano, o padrão construtivo, o custo dos alvarás, e o registro de alterações nas
edificações já existentes. Esse levantamento de dados quantitativos bem como a
coleta de informações junto aos agentes imobiliários nos permitiu identificar as áreas
de maior ocupação, o perfil habitacional de cada loteamento e a identificação dos
períodos de destaque da atividade loteadora. As informações obtidas com a coleta
de dados e o trabalho de observação de campo com registros fotográficos nos
permitiram verificar os padrões construtivos, a disponibilidade de infraestrutura, e as
estratégias de comercialização dos lotes com base nas benfeitorias já existentes, ou
mesmo realizadas com o intuito de movimentar o mercado de compra e venda de
lotes de terra.
Na quarta parte da pesquisa analisamos a produção mais recente do espaço
do bairro, identificando e analisando as estratégias de verticalização e a construção
dos condomínios fechados, como formas de apropriação do espaço e valorização
imobiliária. Nos ocupamos de fazer dialogar os elementos da fundamentação teórica
com a parte empírica da pesquisa, numa discussão que envolveu a crítica ao
controle privado da terra com vistas à especulação, fazendo coexistir no bairro os
“vazios” e o adensamento as edificações verticalizadas.
Nessa parte do trabalho pode-se comparar o histórico das licenças para
loteamento com as licenças para construções verticalizadas e condomínios
fechados, identificando com isso as tendências de ocupação do bairro Boa Vista.
Ainda nesse componente da pesquisa são considerados os discursos dos agentes
sociais relevantes na produção do espaço do bairro como resultado das entrevistas
realizadas com loteadores, proprietários de terras, incorporadores, construtores e
representantes do governo municipal. Nas falas identificamos aqueles interesses
que motivaram uma das questões de pesquisa e confirmamos as implicações de tais
27
intencionalidades nas formas de apropriação do espaço como possibilidade de
renda.
A última parte do trabalho apresenta as considerações finais sobre a
pesquisa. Buscou-se sintetizar uma resposta à questão inicial de pesquisa conforme
as discussões, os discursos dos agentes, a observação do campo e dados obtidos
na pesquisa documental. Pôde-se enfim verificar as bases do processo de
valorização, e da produção do espaço urbano tendo como campo da pesquisa o
bairro Boa Vista.
Apresentamos uma análise do espaço urbano após a experiência com o
bairro Boa Vista, expondo como perspectiva crítica os nossos questionamentos não
como conclusões fechadas, mas como fomento de um entendimento da reprodução
do espaço. O nosso entendimento da cidade como reprodução social não permite
um encerramento da proposta e sim, sobretudo, um esforço de contribuição ao
entendimento a produção da cidade como dialética cujas lacuna enxergadas por
novos olhares é que sustentam essa forma de fazer a pesquisa científica.
28
2 A LÓGICA CONTRADITÓRIA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO
No contexto do capitalismo, as relações sociais e de produção são orientadas
principalmente para a geração de riqueza e as demandas sociais são influenciadas
por tal lógica. Para entender a cidade é necessário desvendar e esclarecer de que
maneira o espaço torna-se mercadoria com valor de uso e valor de troca.
A cidade em sua totalidade compreende a terra urbana e as benfeitorias; as
atividades sociais, culturais políticas e econômica; bem como as ações humanas
que não se limitam às orientações das atividades econômicas. A cidade constitui um
espaço sempre renovado em cada contexto histórico e em cada realidade local;
entretanto, é inegável a forte influência exercida pelos elementos da economia em
sua dinâmica e organização.
A determinação da função e da importância de um centro urbano passa por
forte pressão da dinâmica produtiva capitalista e suas normas, que através dos
distintos agentes sociais movidos por suas intencionalidades realizam a organização
do espaço urbano que é simultaneamente fragmentado e articulado. De acordo com
Castells (1983),
Numa sociedade onde o modo de produção capitalista é dominante, o sistema econômico é o sistema dominante da estrutura social e por conseguinte, o elemento produção está na base da organização do espaço (CASTELLS, 1983, p. 203. Negrito nosso).
A reprodução do espaço da cidade está certamente, conforme Castells (1983)
e Carlos (2004) salientam, fundamentada na lógica de mercado, especialmente a
partir da industrialização. No entanto, o espaço tornado mercadoria é mais que a
confecção de um produto final, é o processo de realização objetivo que suscita uma
dinâmica no espaço: produção, distribuição, circulação, consumo, de modo que a
cidade também passa a ser produto e condição da reprodução da dinâmica
econômica e social.
Dessa forma, “[...] os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos
permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações” (M. M.
SANTOS, 1996, p. 63). Entende-se com isto que o espaço urbano relacionado à
organização social também se torna objeto e mercadoria à medida que é fracionado,
segregado e comercializado, pensado estrategicamente para a produção.
29
O espaço urbano acumula em sua organização a história, um processo de
desenvolvimento da sociedade superando antigas formas e produzindo um novo
espaço urbano. Milton Santos (1996) afirma que são os nexos entre a realidade
política, econômica e sociocultural que vão permitir entender a cidade de maneira
mais completa, através da ideia de processo.
Na articulação com a realidade histórica a cidade se torna espaço de
especificidades, pois a cada momento em que se superam e se reproduzem
modelos de desenvolvimento, as sociedades tendem a reproduzir este movimento.
Segundo Castells (1983),
O espaço urbano é estruturado, quer dizer ele não está organizado ao acaso, e os processos sociais que se ligam a ele exprimem, ao especificá-los, os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social (CASTELLS, 1983, p. 182).
É imprescindível considerar que embora a cidade seja uma totalidade local,
está inserida ainda em uma totalidade maior. Dessa forma, no espaço intraurbano se
engendra um processo amplo e complexo de reprodução social. Segundo Milton
Santos (1996),
O nível da urbanização, o desenho urbano, as manifestações das carências da população, são a realidade a ser analisada à luz dos sub-processos econômicos, políticos e sócio-culturais, assim como das realizações técnicas e das modalidades de uso do território nos diversos momentos históricos. Os nexos que estes fatores mantém em cada fase histórica devem permitir um primeiro esforço de periodização que deve iluminar o entendimento do processo (M. M. SANTOS, 1996, p. 11).
O espaço possui uma lógica de organização que decorre das relações sociais
com as esferas de poder, e com as necessidades das populações. Conforme o
referência supracitada, é necessário questionar a idéia de espaço como mera
consequência, e entender as interrelações entre os agentes e os possíveis conflitos
de interesses daí resultantes como condicionantes do processo de reprodução do
espaço urbano em constante transformação, cujos resultados e implicações são
também transformados.
A esse respeito, Lefebvre (2008) afirma que o espaço urbano engendra
processos que se repercutem nas formas espaciais sob uma “lógica” que somente
tem “sentido” num contexto de reprodução ampliada do capital:
30
[...] o espaço da sociedade pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado vendido em parcelas. Assim é simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é absurdamente recortado (LEFEBVRE, 2008, p. 57).
Como o parcelamento e a comercialização de terrenos na cidade capitalista
se dão no âmbito do interesse de cada proprietário fundiário, nessa perspectiva, em
Vitória da Conquista uma ação pioneira desses agentes nos arredores da cidade nas
décadas de 1970 e 1980 foi a incorporação de terras rurais ao espaço da cidade,
momento a partir do qual passou a ocorrer uma expansão significativa da malha
urbana em várias direções. Esse fato influenciou a expansão implicando o
desenvolvimento de uma malha espraiada, orientada principalmente pelos
interesses dos agentes imobiliários privados, marcada primeiramente pela
segregação.
Lefebvre (2008) discute que a organização do espaço da cidade é feita de
maneira intencional e se dá com base na produção de “elementos” dos quais
derivam a valorização dos “envoltórios espaciais3”: “Eles entram nos circuitos das
trocas: produção-repartição-distribuição. Eles integram a riqueza e, por conseguinte,
dependem da economia política” (LEFEBVRE, 2008, p. 123). Seja no espaço urbano
ou rural, na sociedade capitalista, a reprodução dos mecanismos de mercado é
contínua e múltipla, de forma que as relações de interesses entre os distintos
agentes produtores se afirmam e se negam constantemente.
Nesse sentido, o espaço urbano é representativo dos conteúdos dos agentes
hegemônicos que orientam seus interesses na cidade e a fragmentação é o
resultado de uma “racionalidade” econômica dos terrenos urbanos e das
benfeitorias, implicando dentre outros processos, a valorização desigual do espaço.
No contexto capitalista, esse espaço é intencionalmente produzido como uma
mercadoria da qual ninguém pode prescindir, o que leva à apropriação também
desigual de parcelas da cidade, pelos distintos grupos de renda da população.
A formação do mercado de habitação é um exemplo da transformação do
espaço em mercadoria, que já expressa uma primeira contradição que se situa na
exploração da necessidade de moradia e a capacidade de compra de imóveis pelos
indivíduos e famílias, na qual a possibilidade de aquisição de um imóvel no contexto
3 Os envoltórios espaciais correspondem às benfeitorias urbanas e equipamentos coletivos que no
mercado imobiliário urbano, incrementam o preço dos imóveis a partir de uma raridade criada (DAMIANI, 1999).
31
de valorização se torna um privilégio. O mercado de moradia torna-se ainda mais
dinâmico, pois além da mercantilização dos terrenos urbanos, com agregação de
valor econômico a partir da apropriação das benfeitorias, há a real necessidade da
moradia.
Essa dinâmica transforma a primeira necessidade de moradia em capacidade
de empreender, no sentido de promover benfeitorias para a valorização e
comercialização dos imóveis. Assim, com o crescimento urbano e a implantação de
equipamentos públicos e privados nos bairros, ocorre a simultaneidade do valor de
uso do imóvel como moradia, e do o valor de troca quando o imóvel é colocado à
venda. A produção da moradia ocorre por parte de agentes capitalistas, mas
também por parte dos próprios moradores, que se inserem com isso na lógica de
apropriação e valorização do espaço. De acordo com Harvey (2005),
[...] a urbanização é um processo social espacialmente fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas sociais entrelaçadas (HARVEY, 2005, p. 170).
Proprietários de imóveis, empresas construtoras e o próprio poder público
municipal com a dotação de infraestrutura, por exemplo, na cidade de Vitória da
Conquista são os principais responsáveis pela impregnação de significados e pela
atribuição de valor econômico aos imóveis e são também os principais criadores das
desigualdades socioespaciais.
No entanto, uma ampla parcela excluída do mercado imobiliário pela reduzida
capacidade de pagamento da moradia estão submetidas à estratégias de exploração
da desigualdade no espaço urbano, pois a coexistência de bairros ricos ao lado de
ocupações com infraestrutura urbana precária pela marginalização das condições
sociais dos moradores é uma expressão da forma como a cidade se reproduz.
Nessa lógica contraditória de ação, as práticas dos agentes são
caracterizadas por um “conteúdo de classe” (HARVEY, 2005) que demandam uma
leitura aprofundada da cidade considerando que os agentes “são dominados e
coagidos pelas suas próprias criações”, uma vez que inseridos no mercado
imobiliário, até mesmo os moradores são levados a empreender em seus imóveis
com vistas a valorização constante.
Historicamente, a cidade representa o “encontro” e a concentração de uma
32
gama variada de formas e artefatos geográficos e atividades sociais. Com o
desenvolvimento da história a cidade é a direção de grande parte dos fluxos
humanos, sobretudo em torno das necessidades de vivência, habitação, lazer,
consumo e realização de negócios, passando também pelo trabalho etc., forjando
com isso, a reprodução e a reorganização do espaço, inclusive com a incorporação
novas áreas anteriormente rurais. A concentração das atividades leva a uma
saturação dos centros urbanos e à criação de novas centralidades: com elas novas
extensões da infraestrutura urbana são ampliadas e nova valorização econômica
entra em curso.
A cidade é onde se percebe com maior intensidade a produção do espaço
geográfico, à medida que o espaço é marcado pelos acréscimos técnicos, pela
capacidade de as sociedades transformarem a natureza. A produção do espaço
geográfico está inserida num processo de apropriação do espaço e do
estabelecimento de uma urbanização “social e territorialmente seletiva” (M.
SANTOS, 1986).
Enquanto materialidades espaciais, as cidades ao serem produzidas,
incorporam as tendências histórico-sociais. Se a história está contida, materializada
e relacionada ao espaço, não se trata apenas de uma produção, mas uma
reprodução no sentido de estar articulada às demais escalas, às influências da
economia e da política, que orientam a dinâmica urbana. Nesse sentido
concordamos com Carlos (2004), quando argumenta que não se trata apenas da
sede que aglomera setores produtivos, mas sim o espaço onde são reproduzidas as
relações sociais influenciadas pelas diversas escalas geográficas, e em
consequência disso é produzida, reproduzida e apropriada pelos agentes:
A noção de reprodução saída do desenvolvimento da noção de produção revela o fato de que não se trata apenas e tão somente, do universo da produção de mercadorias, que embasa a idéia de cidade enquanto concentração, uma vez que o crescimento e a industrialização caminham no sentido de que a concentração da população acompanha a concentração dos meios de produção, mas o modo de produção capitalista em seu movimento de realização revelando uma reprodução mais ampla. Neste plano o processo refere-se à cidade de modo integral (CARLOS, 2004, p. 25).
É imprescindível, portanto, entender que a cidade não é apenas o espaço da
produção de objetos, mas que o espaço urbano também é objeto da ação humana
33
permeada pelos valores da sociedade capitalista e nesse sentido se torna
mercadoria.
Lefebvre (2008) enfatiza que a cidade não pode ser entendida como um ponto
de partida nem como um ponto de chegada, mas como intermediário: produto,
produtor e processo de produção e reprodução das relações sociais e de produção.
Nesse raciocínio, o espaço é definido como “[...] um instrumento político
intencionalmente manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as aparências
coerentes da figura espacial [...] um modo nas mãos de „alguém‟, individual ou
coletivo, isto é de um poder ou de uma classe dominante” (LEFEBVRE, 2008, p. 55).
Nas bases a partir das quais se dá a dinâmica de produção do espaço
geográfico se articulam localmente as forças e os agentes sociais que reconfiguram
espaço urbano, realizando com isso sua reprodução. De maneira dialética, a cidade
é também concentração e a materialidade dos arranjos sociais e institucionais que
sustentam as formas de ação dos agentes. Ao mesmo tempo em que os agentes se
legitimam nas ações correspondentes à intenção de cada interesse individual ou
coletivo, e cada ação influi na dinâmica da produção do espaço, imprimindo uma
“instabilidade urbana” cujos movimentos de expansão física, valorização, criação
etc. são imprescindíveis.
2.1 OS AGENTES PRODUTORES ESPAÇO URBANO
Entender a lógica da produção do espaço requer o aprofundamento nas
ações e relações estabelecidas pelos agentes. A organização dos objetos, de suas
funções e das pessoas no espaço da cidade não se dá de maneira aleatória e
imparcial, conforme Lefebvre (2008) aponta:
O espaço teria sua lógica? O espaço ora depende de uma lógica preexistente, superior e absoluta, quase teológica, ora ele é a própria lógica, o sistema da coerência, ora, enfim, ele permite a coerência autorizando a lógica da ação (praxiologia ou estratégia). Reencontram-se aqui as diversas teses sobre o espaço, tomado ora como modelo, ora como instrumento, ora como mediação. É uma modalidade da produção numa sociedade determinada, no seio da qual contradições e conflitos se manifestam. Existem, portanto, contradições do espaço dissimuladas ou mascaradas (LEFEBVRE, 2008, p. 54).
34
As formas de apropriação tendem a engendrar-se num processo para o qual
são mudadas as relações e a dinâmica produtiva, mas as diretrizes que orientam a
apropriação e a transformação espacial da cidade se reproduzem por meio de novas
estratégias. Conforme o argumento apresentado (LEFEBVRE, 2008.), se o espaço
permite a coerência, essa representa a efetivação dos interesses e se dá por
intermédio das ações dos agentes sociais: a coerência nada mais é do que a
consolidação da cidade como espaço do capital.
Lefebvre (2008) prossegue advertindo para as formas como a realidade é
dissimulada sob a “coerência fictícia do olhar” sobre a paisagem urbana. Isto afirma
a necessidade de desvendar os processos que resultam e sustentam aquela
paisagem que contém um momento do espaço e que por sua complexidade tem
também um “caráter paradoxal” (LEFEBVRE, 2008), sendo o lócus ordinário do
capital.
Nesse sentido, Harvey (2001) alerta para e existência da associação de
forças entre os agentes que consagram a terra urbana ao capital, ao distribuir de
forma desigual, intencional e seletiva os objetos4 no espaço da cidade, seja por parte
dos proprietários particulares, seja por parte das políticas de governo, que agregam
valor de troca ao entorno das áreas de implantação dos equipamentos na busca por
extração de renda daquelas terras. Na assertiva de Lefebvre (2008):
Esse espaço depende de interesses divergentes e de grupos diversos que, no entanto, encontram uma unidade no Estado. Ele depende de uma encomenda e de uma demanda que podem não ter nenhuma relação e que, contudo, encontram um denominador comum sobre a predominância deste ou daquele interesse. Quanto à divisão do trabalho entre os que intervêm no espaço, a saber, o arquiteto, o promotor imobiliário, o urbanista, o empreendedor, etc., essa divisão do trabalho realiza esse mito de unificação imposta e de desarticulação que se procura analisar (LEFEBVRE, 2008, p. 53).
A ação dos promotores imobiliários, por exemplo, é identificada na
organização do espaço na engrenagem de uma dinâmica capitalista, num processo
do qual também participa o Estado como gestor, regulador e ao mesmo tempo como
empreendedor. Debruçaremos-nos mais detalhadamente sobre as formas de
atuação de agentes imobiliários e Estado mais adiante.
No interior das cidades há também uma lógica de hierarquização de
4 Os objetos correspondem às benfeitorias, empreendimentos e equipamentos urbanos, instalados
principalmente por parte dos governos e demais agentes produtores do espaço urbano.FONTE
35
localidades que é definida com base nos interesses dos agentes, de forma que se
manipula a distribuição dos recursos, edificações e serviços o que acaba por
promover a valorização de algumas áreas da cidade em detrimento de outras
absolutamente precárias. Essa “organização” do espaço denuncia a existência de
um controle, uma ordem conveniente aos agentes privados e totalmente adversa
para as populações pobres. Lefebvre (2008) ressalta que:
As contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do conteúdo capitalista. Com efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas. Assim ele é simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é absurdamente recortado (LEFEBVRE, 2008, p. 57).
A racionalidade do espaço é expressa no parcelamento da terra urbana com
vistas à comercialização de lotes, os empreendimentos imobiliários na forma de
conjuntos habitacionais padronizados e fechados, e a formação de vetores de
crescimento criam uma ordem geométrica, conforme o mercado imobiliário vai se
afirmando como uma atividade produtora de lucro, numa cidade que cresce e cujo
espaço se valoriza de forma heterogênea.
Compreende-se do processo de reprodução do espaço no pensamento de
Lefebvre (2008) que a busca pelo lucro é também a base da apropriação capitalista
do espaço, e que a “racionalidade” do espaço é contraditória sob uma análise
geográfica crítica, mas perfeitamente conveniente ao interesse capitalista na cidade.
Articulam-se nessa conjuntura as esferas ideológicas e produtivas que
orientam a organização do espaço urbano e, como conseqüência, sua morfologia.
Os agentes capitalistas exploram o lucro da terra, com o suprimento em parte ou no
totalidade das necessidades de moradia, de saúde, educação etc.. Acerca disso,
Lefebvre (2008) considera que a dinâmica espacial transcende o padrão
arquitetônico e urbanístico, e indica que é imperativo o desvendamento da paisagem
urbana, elucidando as intencionalidades que se engrenam na produção do espaço:
Vemos no espaço o desenvolvimento de uma atividade social. Distinguimos, portanto, o espaço social do espaço geométrico, isto é, mental. De fato, toda sociedade produz „seu‟ espaço, ou, caso se prefira, toda sociedade produz „um‟ espaço. O que há de novo na sociedade em que a manutenção das relações de produção torna-se determinante, na qual, porém, as técnicas e as forças produtivas
36
alcançaram um nível desconcertante? O que significa a palavra produzir? Significa „coisas‟, objetos, mercadorias (LEFEBVRE, 2008, p. 55)?
A menção acima atenta para uma lógica que conflita interesses dos agentes,
e afirma a contradição da produção do espaço que se torna então mercadoria. Os
princípios do capitalismo transpõem para o local a lógica global num movimento que
o autor chama de articulação entre “a ordem próxima e a ordem distante”.
As sociedades reproduzem as práticas sociais e materializam no espaço
urbano as formas singulares com as quais o local responde aos estímulos globais
com base na ação dos grupos sociais e institucionais. Sistematicamente Lefebvre
(2008) aponta que dentre os principais agentes da produção do espaço urbano
estão o Estado, as instituições da sociedade, a burguesia e a classe operária.
Há, segundo Harvey (1980. p. 139), “[...] um sistema de mercado de troca” no
qual se encontram as “forças que governam o uso do solo urbano” e que operam no
mercado de terras e moradias e nas demais formas de produção do espaço. O autor
identifica os agentes como a seguir: usuários da moradia; corretores de imóveis;
proprietários; incorporadores; instituições financeiras; instituições governamentais.
De acordo com a teoria microeconômica do uso do solo urbano, proposta por
Harvey (1980), esses agentes coexistem no mesmo espaço material, mas muito
distantes do ponto de vista dos interesses sociais de modo que “[...] o sistema de
uso do solo urbano raramente se aproxima de algo como uma postura de equilíbrio”
(HARVEY, 1980 p. 139).
As formas de ação são diferenciadas por agentes num “sistema coordenado”
que remete ao “conteúdo de classe” identificado por Lefebvre (2008), e já
anteriormente discutido. Nessa correlação desigual das forças entre os agentes
produtores do espaço urbano “[...] as coisas que denominamos solo e moradia são
aparentemente mercadorias muito diferentes, dependendo do grupo particular de
interesse que está operando no mercado” (HARVEY, 1980, p. 142).
Nessa direção também os estudos de Capel (1975) afirmam que os agentes
utilizam os mecanismos legais dos “planos” urbanos (os planos diretores, códigos de
posturas etc.) ou mesmo agem à margem dessas determinações a fim de assegurar
a acumulação com as necessidades de ocupação e moradia nas cidades. Como
exemplo, temos a total preocupação dos construtores e agentes imobiliários com a
infraestrutura urbana nas áreas centrais ou nos bairros mais valorizados, e nas
37
periferias pobres o total desprendimento dessas mesmas atribuições ainda que a
legislação oriente o uso e a ocupação do solo urbano como um todo.
O autor lista os agentes da produção do espaço da cidade: proprietários dos
meios de produção; os proprietários do solo; os promotores imobiliários e empresas
de construção civil; organismos públicos que operam direta e indiretamente como
produtores e árbitros na produção da cidade. A sociedade que abarca esse agentes
é marcada pelas relações e embates entre eles, que demarca o poder e os
interesses de cada um. Conforme o autor (CAPEL, 1975), cada um desses age
conforme sua conveniência na produção das cidades: ora esses desenvolvem
estratégias próprias, ora encontram alternativas à configuração do espaço e até
mesmo a própria lei.
Corrêa (2005, p. 22) chama atenção para o fato de que no processo de
produção do espaço urbano os produtores “[...] são agentes sociais concretos, e não
um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um mercado abstrato”.
Segundo o autor, o espaço urbano envolve articulações complexas de agentes
sociais marcadas inclusive pelo conflito de classes e pelo conteúdo econômico que
se pode encontrar ou atribuir a áreas estratégicas da cidade. A partir dessa
compreensão, Corrêa (1995) apresenta os agentes do espaço urbano: os
proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os
proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e; os grupos sociais
excluídos.
Os agentes sociais elencados por Capel (1975), Corrêa (1995) e Harvey
(1980) correlacionam forças desiguais. Em primeiro lugar, as classes sociais das
quais os agentes se originam e para as quais suas ações se direcionam,
particularmente aquelas que são possuidoras de grandes quantidades de terra e
capital, têm um potencial empreendedor que se favorece como identidade de classe
com os governos e, com isso, balizam a ação reguladora do Estado.
O poder público municipal, no cenário da produção do espaço urbano, é uma
esfera estatal submetida às elites locais, já que estas dão conta de boa parte da
história econômica dos municípios pela propriedade dos meios de produção locais
(fábricas, comércio, terras rurais e terras urbanas). Essa relação torna o poder
público imprescindível em face dos interesses capitalistas, e bastante frágil fronte as
demandas da população. A ação destes agentes é imprescindível na produção do
espaço urbano no capitalismo, fazendo com que as classes privilegiadas se
38
desdobrem em elites empreendedoras (CORRÊA, 2007).
Os agentes capitalistas (os proprietários de terras, as empresas construtoras
e os agentes imobiliários) buscam a maior rentabilidade dos imóveis, o que
representa para o poder público a possibilidade de retorno econômico, seja pela
dinamização das atividades motivadas pela concorrência (a lógica de parcelamento,
especulação e comercialização dos imóveis urbanos), seja na forma de impostos
prediais e territoriais, taxas de alteração, construção, habitação, divisão etc.
A intensificação da produção do espaço urbano é ao mesmo tempo
problemática e emblemática para o Estado: problemática porque demanda a
expansão da infraestrutura urbana e a oferta de equipamentos e serviços coletivos
essenciais que variam a cada gestão de governo; emblemática e contraditória
devido a ideologia capitalista da expansão e adensamento urbano como sinônimo de
progresso e desenvolvimento.
Como há diversidade de formas de ocupação e interesses específicos na
produção e organização do espaço urbano é necessário entender as diferentes
maneiras e estratégias de ação dos distintos agentes produtores do espaço urbano
nas cidades capitalistas a fim de encontrar fundamentos para a concretização do
espaço urbano como a base material da reprodução das relações sociais e de
produção no capitalismo. Para tanto, a seguir serão identificados e caracterizados os
principais agente produtores do espaço urbano e suas respectivas ações no
processo de reprodução do espaço.
2.1.1 Os proprietários fundiários e a cidade como propriedade privada
Os proprietários fundiários são agentes que a exemplo dos demais com base
na propriedade privada, visam o lucro no processo de comercialização das áreas
edificáveis da cidade (CAPEL, 1975). Para tanto, partem da lógica do parcelamento
e comercialização das terras urbanas explorando ao máximo sua “edificabilidade” e
as “raridades5” espaciais.
5 A constituição do espaço como raridade é uma estratégia de especulação com base na qual os
proprietários de terras controlam a oferta de lotes para construção. Desta maneira a disponibilidade de imóveis (terrenos) fica submetida aos interesses dos proprietários privados, que gradativamente manipulam a oferta de terras e com isso tem a condição de explorar altos valores de comercialização dos imóveis (Cf. DAMIANI, 1999).
39
A propriedade fundiária é importante na expansão urbana, devido à
possibilidade da aquisição de lotes para a formação da reserva de terrenos e a
organização dos novos vetores de crescimento da cidade, segundo seus interesses.
Dessa forma, os proprietários fundiários buscam exercer influência junto aos
governos, já que a demanda por moradias é quase sempre crescente. Assim, os
proprietários de terras pressionam os governos no sentido de atender suas
demandas, seja com proposta de uma legislação favorável, e ou a instalação de
benfeitorias nas adjacências de suas propriedades.
As diferenças de localização, quantidade e qualidade das benfeitorias naturais
e as socialmente produzidas nas proximidades das terras a serem incorporadas ao
tecido urbano são exploradas como forma de obtenção da renda da terra urbana na
forma de renda de monopólio, que é uma modalidade de geração de mais valor
como fundamento duradouro no modo capitalista de produção (MARX, 1983).
A apropriação privada da terra urbana e de suas benfeitorias adjacentes
transforma a localização em muito mais que uma localização no espaço urbano; esta
localização se torna um núcleo dentro da cidade, que pela condição de monopólio
da propriedade de uma parcela de terra e ou de uma edificação útil implica a
apropriação de uma renda extra, uma vez que a “[...] a demanda por terrenos para
construção eleva o valor do solo enquanto espaço e fundamento” (MARX, 1983, p.
238).
O processo de obtenção da renda de monopólio para terrenos na área urbana
pode ser entendido considerando-se que com a apropriação da localização das
benfeitorias públicas e privadas no espaço, e os proprietários fundiários, pela
condição de monopólio, determinam o preço dos lotes de terrenos de maneira
especulativa. Disso decorre o preço de monopólio, que gera a renda, que consiste
no sobrelucro pelo qual o proprietário não contribuiu com adição de trabalho.
O preço de monopólio consiste, portanto, numa forma de apropriação e de
exploração do espaço e das demandas por moradia, e com isso se dá o
enriquecimento dos proprietários fundiários e a consequente segregação
socioespacial pois, segundo Marx (1983), a necessidade de moradia, a avidez pelo
consumo do espaço urbano e a capacidade de pagamento restringem o acesso das
massas aos espaços de monopólio no processo de urbanização desigual.
Corrêa (1995) chama atenção para processos diferentes de “urbanização” das
propriedades fundiárias e localizadas nas periferias – as áreas distantes dos centros
40
e subcentros funcionais. Segundo o autor, a urbanização tanto no sentido da atração
populacional quanto no sentido de dotação de infraestrutura é diretamente ligada ao
processo de valorização e renda imobiliária e produz espaços periféricos conforme
as condições e estratégias dos agentes em relação à localização, a disponibilidade
de terras e a propriedade ou capacidade de obtê-la, entre outros aspectos que são
explorados economicamente no sentido de majorar o preço das terras e das
benfeitorias.
A estratégia do parcelamento da terra proporciona a acumulação de riqueza e
a continuidade da reprodução do capital dos proprietários fundiários e afirmação da
burguesia (comerciantes, profissionais liberais etc.), que também se utiliza da
produção do espaço urbano como fonte de enriquecimento. Há com isso a obtenção
mais rápida de lucro quando os lotes de terras estão dentro das áreas do
planejamento urbano e dispõem, por este motivo, de infraestrutura privilegiada.
No entanto, o parcelamento ilegal da terra urbana encontra sua legitimidade a
partir de alianças veladas entre os proprietários, os ocupantes pobres e o governo,
que contraditoriamente permite a ocupação e cria mecanismos de “legalização”.
Assim, tanto os proprietários de terras como os órgãos de governo manipulam o
planejamento, de forma que as leis não impedem as ações dos agentes,
especialmente no que tange o livre jogo dos agentes privados.
A propriedade da terra e dos imóveis urbanos ganha um caráter ainda mais
perverso quando se determina que o direito à cidade e à moradia “[...] não pode
causar danos à propriedade e a iniciativa privada” (CAPEL, 1975, p. 28). Essa lógica
entra em contradição profunda com o direito social à moradia previsto na
Constituição Federal Brasileira no Capítulo II, artigo 6º., e ainda ratificado no
artigo 7º., Item IV, quando dispõe que o salário do cidadão trabalhador deve
garantir entre outros, o acesso à habitação em dignas condições. A lei Nº
10.257 de 10 de Julho de 2001, em seu artigo 2º item I, que dispõe sobre as
funções sociais da cidade, inclui o acesso a terra urbana e a moradia plena de
infraestrutura, que permita ao cidadão seu bem-estar e plenas possibilidades
quanto as atividades e serviços.
No entanto, a prática dos proprietários de terra busca se beneficiar das
determinações legais do planejamento urbano, por exemplo, na forma como
manipulam a produção de benfeitorias e a venda das terras dentro dos limites
41
definidos pelos planos diretores. Dessa maneira, os agentes privados nutrem a
lógica de mercantilização da terra e da habitação, pois, dentre outras funções ou
prescrições, “os planos tornaram possível conhecer com antecipação os setores por
onde se ia realizar a expansão da cidade e permitiram iniciar o rentável e cômodo
negócio da especulação” (CAPEL, 1975, p. 29).
O planejamento urbano com o intuito de restabelecer à administração
municipal maior controle sobre o direcionamento e as condições da infraestrutura do
crescimento da cidade se depara com algumas armadilhas. Ao delimitar as áreas de
expansão física da cidade, a estratégia de planificação pode comprometer os
interesses privados numa espécie de “loteria” para os proprietários de terras, pois
aqueles que já possuem empreendimentos ou benfeitorias nas áreas consideradas
adequadas são “premiados”, com a maior lucratividade de seus negócios do ponto
de vista da valorização econômica dos imóveis com:
[...] o excepcionalmente lucrativo mercado de terras urbanas que associado à promoção imobiliária privada, consegue, por vias políticas, econômicas entre outras impor fronteiras que definem áreas residenciais segregadas na cidade ocupadas por distintas frações das classes sociais (BRITO, 2005, p. 52).
No entanto, esta situação provoca certa tensão com o Estado, especialmente
por parte daqueles cujas áreas de propriedade não foram premiadas pelos limites do
planejamento, ou mesmo as prioridades de instalação da infraesturtura
diagnosticadas pelos estudos de gestão realizados. Há ainda uma tensão na classe
dos proprietários de terras (de extensões diversas e localizações diversas) que
passam a explorar a localização, o monopólio de certas áreas, ou quando não
favorecidos pela localização, passam a empreender novas centralidades por meio
de benfeitorias e implantação de equipamentos privados como shoppings,
faculdades, escolas, centros empresariais etc.
A participação dos agentes privados no planejamento urbano se dá
estrategicamente, de modo que se assegure e legitime seus interesses. Feito isso,
se pode controlar a reserva de terra urbana, pois, conforme Capel (1975) o
planejamento dá a conhecer as áreas que podem ser mais intensamente exploradas
sem que haja maiores intervenções ou controle. Essa lógica da apropriação conta
com o respectivo déficit habitacional real, cuja demanda é mantida e explorada a
partir da garantia do monopólio da propriedade, e isso dá ensejo à maior margem de
42
lucro sobre o valor de troca dos imóveis.
A renda imobiliária também é extraída nas áreas de localização menos
privilegiada em relação às atividades urbanas através dos “parcelamentos ilegais”
destinados aos grupos sociais de menor renda, cujas habitações são erguidas por
meio da autoconstrução.
Nessas localidades a disponibilização da infraestrutura mínima, os
equipamentos urbanos e os serviços não representa uma preocupação para os
agentes privados e se estabelecem posteriormente a ocupação, por meio de
pressão popular junto ao governo local.
Entre as áreas de parcelamento legal e ilegal há formas diferenciadas de
obtenção de renda da terra urbana que também são diferenciadas. Capel (1975)
afirma que o espaço urbano se configura da maneira mais vantajosa para os
proprietários. Assim esses exploram a terra com estratégias que possibilitem uma
maior rentabilidade no caso dos loteamentos para as populações pobres, e
valorização econômica individual das propriedades nas áreas “estratégicas” e, no
caso daquelas com menores extensões eles tratarão de assegurar a maior
edificabilidade.
Assim, retomando a discussão da economia política da cidade, Lefebvre
(2008, p. 57) afirma que “[...] nesse plano, percebe-se que a burguesia, classe
dominante, dispõe de um duplo poder sobre o espaço, com exceção do direito das
coletividades e do Estado”. A propriedade da terra torna-se um poder, pois com isso
pode-se controlar as direções, o perfil e o valor econômico dos imóveis.
A classe burguesa é também a consumidora dos espaços considerados
nobres e, como consumidora e proprietária das áreas urbanas mais valorizadas, vai
encontrar mecanismos de assegurar suas demandas no espaço. Nesse sentido,
Capel (1975) corrobora a idéia de Lefebvre (2008) quando alerta que as
administrações municipais refletem os interesses dos agentes privados
especialmente aqueles que detém boa parte de estoques de terrenos.
O papel do poder público nesse ínterim se dá por ação ou mesmo por
omissão quando, por exemplo, se permite a prática de preços em elevação contínua,
ou mesmo a disparidade de infraestutura em áreas vizinhas da cidade, por diferença
de classe social.
43
2.1.2 As empresas construtoras e a cidade como empreendimento
As empresas construtoras agem tanto na prestação de serviços aos
proprietários de terras, como empreendem a incorporação, compra e venda de
terras para edificação, assim como a própria edificação para fins residenciais e não
residenciais. Segundo Corrêa (1995), na categoria dos promotores imobiliários se
podem enquadrar as construtoras, segundo suas operações:
a) Incorporação, que é a operação-chave da promoção imobiliária; o incorporador realiza a gestão do capital-dinheiro na fase de sua transformação em mercadoria, em imóvel; a localização, o tamanho das unidades e a qualidade do prédio as ser construídos são definidos na incorporação, assim como as decisões de quem via construí-lo, a propaganda e a venda das unidades; b) Financiamento, ou seja, a partir da formação de recursos monetários provenientes de pessoas físicas e jurídicas, verifica-se, de acordo com o incorporador, o investimento visando a compra do terreno e à construção do imóvel; c) Estudo técnico, realizado por economistas e arquitetos, visando verificar a viabilidade técnica da obra dentro de parâmetros definidos anteriormente pelo incorporador e à luz do código de obras; d) Construção ou produção física do imóvel, que se verifica pela atuação de firmas especializadas nas mais diversas etapas do processo produtivo; a força de trabalho está vinculada às firmas construtoras; e) Comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro, agora acrescido de lucros; os corretores, os planejadores de vendas e os profissionais de propaganda são os responsáveis por esta operação (CORRÊA, 2005, p. 19 e 20).
A amplitude do campo de ação desses agentes expõe também a vasta
possibilidade de lucro com a produção das edificações e consequentemente a
extração da renda da terra urbana. Essas empresas, na atualidade operam
especialmente na construção civil e exploram a maior edificabilidade dos terrenos
como forma de obtenção maximizada da renda.
Capel (1975) afirma que no caso das edificações voltadas para a habitação,
essas são construídas segundo a forma e o padrão construtivo adequado ao
mercado. As edificações são projetadas com vistas a um público específico, isto
porque o déficit habitacional, segundo o autor, tem um caráter permanente,
especialmente em cidades com grande potencial de crescimento nas quais haja forte
demanda por moradia, como é caso da cidade de Vitória da Conquista-BA.
Todavia, o atendimento ao déficit habitacional não corresponde aos
interesses das construtoras. Ao contrário, essas empresas promovem explicitamente
44
ou de forma velada a escassez da habitação. No sentido de criar vantagens
econômicas teórica falta de ações, ou mesmo a execução delas promovem a
clássica idéia de raridade dos bens econômicos, e consequentemente o
estabelecimento de um caminho de valorização. Com a produção imobiliária “[...] o
promotor ainda assim pode manter os preços elevados, pois a redução dos custos
de produção da moradia não representa necessariamente um fator de economia
para o comprador, considerando também o déficit habitacional permanente”
(CAPEL, 1975, p. 47).
O custo dos imóveis, a capacidade de compra dos consumidores e as formas
de pagamento são utilizadas não apenas como acesso ao imóvel, mas
adicionalmente como forma de comprometer uma certa quantidade de força de
trabalho nas cidades impulsionando a dinâmica do mercado capitalista.
As construtoras oportunamente se interessam pela escassez de habitações,
pois é daí que resulta o maior lucro, ao adensar o espaço intraurbano e, com isso,
legitimam a concentração populacional na cidade. Desta maneira, a indústria da
construção civil consolida na cidade uma exploração ainda maior das terras: elas
controlam a propriedade por meio da incorporação imobiliária de modo que
monopolizam grandes áreas. A principal implicação disso é a criação das raridades
espaciais, e como resultado consolidam o mercado de habitação com base na
manipulação da disponibilidade de imóveis, seja na forma de lotes ou a própria casa
pronta para habitação.
Atualmente, as empresas construtoras são de grande relevância para a
produção do espaço, pela capacidade de dinamizar a cidade em diversos aspectos.
Em primeiro lugar, a indústria da construção civil altera significativamente a
paisagem com a ação de promoção imobiliária, o que dá ensejo ao fazer e refazer
constante da cidade, o que implica a valorização desigual do espaço urbano.
A verticalização das habitações e das edificações não residenciais, uma
marca cada vez comum nas metrópoles, está presente também nas cidades médias
promovendo o adensamento das centralidades funcionais, a valorização dos terreno
e das benfeitorias num espaço tornado cada vez mais “raro” pela controle da
propriedade privada sobre os estoques de terrenos e pela distribuição desigual das
benfeitorias urbanas. As inovações empreendidas pelos promotores imobiliários
reforçam a criação de novas centralidades funcionais urbanas, ao tempo em
também promovem a valorização seletiva de áreas específicas da cidade.
45
No Brasil, um aspecto contemporâneo que reforça a importância das
empresas construtoras é o apoio dos governos na direção do suprimento do déficit
habitacional. Os subsídios oferecidos para aquisição da casa própria têm sustentado
um volume grande de empreendimentos imobiliários nos últimos anos. Na cidade de
Vitória da Conquista a expansão recente do mercado imobiliário fortaleceu empresas
locais do setor da construção civil, o que resultou por atrair empresas de outras
localidades do país para a realização de empreendimentos para o mercado
imobiliário local. Tem-se com isto uma nova morfologia e a agregação de novas
forças ao conjunto de agentes produtores da cidade.
É importante ainda considerar a dinâmica demográfica que também é afetada
por estas empresas. Um considerável volume de postos de trabalho é gerado pela
construção civil. À medida que o acesso ao crédito para habitação é facilitado, é
necessário que haja no mercado a oferta da mercadoria – a moradia –, e assim se
tem uma fonte que movimenta capital, altera a paisagem, reconfigura o espaço
geográfico e gera ocupação da força de trabalho.
2.1.3 As ações do Estado e a cidade como contradição
No decurso do capitalismo, o Estado institucionaliza um conjunto de
interesses dos agentes sociais, no entanto os atrelamentos políticos dos governos o
conduzem ao privilegio das classe burguesas em detrimento das maiorias. Lefebvre
(2008) afirma que as classes sociais encontram coerência sob o Estado. Entretanto
essa coerência se dá no âmbito da representação institucional e não se efetiva no
contexto jurídico-político, já que o Estado deve congregar estruturas de poder e
normativas para o espaço geográfico e para a sociedade, porém, na prática com
privilégio de determinados grupos.
Para Marx (2001), trata-se da representação da soberania política privilegiada
da classe burguesa. A burguesia é revolucionária do ponto de vista da reprodução
capitalista, e manipula de forma conveniente as relações sociais e com o próprio
Estado. Segundo Marx (2001), a burguesia,
[...] submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população.
46
Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária [...] (MARX, 2001, p. 4).
O autor delineia sucintamente a maneira com a qual as classes sociais
privilegiadas economicamente encontram sua coerência no Estado. Não se trata de
uma unidade de governo, com base numa autonomia do Estado enquanto aparato
de gestão do espaço e da organização social, mas sim da manipulação e
apropriação dos recursos e instrumentos estatais por parte das elites.
Nessa instituição estão reunidas as estruturas para que historicamente os
governos realizem os interesses das classes dominantes por via da representação
política, o que reforça o caráter revolucionário das elites por meio dos aparelhos e
instrumentos de reprodução estatais: a legislação pertinente, o planejamento, a
propriedade e a partir deles a organização dos objetos e suas funções no espaço.
Nesse sentido, Capel (1975) afirma que o Estado participa da produção do
espaço urbano enquanto agente e árbitro. Cabe a ele a sustentação e o
estabelecimento da regulamentação que orienta os demais agentes nas suas formas
de apropriação do espaço. A iniciativa na elaboração dos planos diretores, as leis de
ocupação e uso da terra e a cobrança de impostos manifestam o caráter regulador
institucionalizado em face da vida de relações nas cidades.
Como regulador da viabilidade da produção da cidade, desempenha o papel
de “árbitro” (CAPEL, 1975) no sentido de que dele dependem: a legitimidade dos
títulos de propriedade e de posse dos imóveis; a aplicação de impostos e taxas, e as
licenças para edificação, a regularização fundiária etc. É nesse campo que surgem
as tensões com os grupos sociais menos favorecidos, bem como as alianças com a
iniciativa privada que compõem a economia política da cidade (LEFEBVRE, 2008).
Na função de agente empreendedor, o Estado tem um papel subsidiário, por
exemplo, na construção de moradias com vistas a solucionar o déficit habitacional já
mencionado. Outro exemplo é quando por meio de ações de governo realiza
intervenções com a criação de infraestrutura no espaço da cidade: as obras de
requalificação, distribuição de equipamentos coletivos, abertura de ruas, obras de
“urbanização” etc., que promovem o mercado imobiliário e seu potencial de
47
rentabilidade nas proximidades das benfeitorias.
Ao mesmo tempo em que é provedor, ao realizar os assentamentos
populares, os governos asseguram a oferta de força de trabalho para o mercado, o
que por outro lado estabelece uma tranquilidade quanto às ocupações irregulares e
mantém a “ordem” e a “paz social” (CAPEL, 1975). A ação do estatal se dá enfim,
por meio de interferências diretas como a construção de moradias e através da
legislação, que contorna a ação dos demais agentes que passam a interagir em
função de seus interesses no processo de reprodução do espaço urbano. Essas
ações de cunho direto e indireto podem também se interpenetrar a depender da
forma como os agentes se apropriam das ações do Estado singulares às
representações políticas de governo.
O planejamento por exemplo, permite identificar as áreas com maior
tendência à valorização, para fins de regulamentação por parte das esferas estatais.
No entanto, a forma como os agentes privados disso se apropriam altera
significativamente o direcionamento das ações relativas à propriedade da terra e a
promoção imobiliária. Desta forma, uma iniciativa de gestão como o planejamento
urbano (a elaboração dos Planos Diretores) é apropriada para a geração da renda
da terra e para a consolidação do mercado imobiliário.
O Estado se divide entre a condição de poder público e o estabelecimento de
uma dinâmica econômica que conta com a presença dos agentes imobiliários, por
vezes promove os empreendimentos e até mesmo injeta capital indiretamente nesse
mercado, na forma de programas de financiamento para moradia.
A imprecisão aparente do papel do Estado, manifestada nas ações de
governo, o articula de um lado com as elites já mencionadas, e de outro lado há a
necessidade da representação popular, e ainda persistem os limites políticos no que
tange ao tempo de governo (mandatos administrativos) e interesses político-
partidários. Porém, um fato que perpassa por todas essas ações entrecruzadas é
que se trata de uma sociedade sob o paradigma capitalista e que a formação do
mercado imobiliário vem reforçar os interesses “coerentes” com esse sistema.
Conforme Capel (1975), as políticas de financiamento habitacional
evidenciam que “[...] o interesse do capital por esta forma de aquisição de moradia
não é apenas econômico, visto que parte de uma estratégia de longo alcance para a
reprodução da relações sociais” (CAPEL, 1975, p. 49). Para o autor, tais políticas
ocasionam um grau elevado de endividamento para a classe operária a fim de
48
garantir a “paz social”, asseguram a fixação da força de trabalho e ainda de um
mercado consumidor, pois as aquisições materiais desses grupos estão baseadas
no crédito, no compromisso em permanecer empregado e produtivo. Há com isso
uma difusão da propriedade de bens, e do consumo com base na relação
conformação/ aceitação de uma “paz social”.
As esferas estatais representam localmente os agentes sociais, as Prefeituras
e Câmaras Municipais, enquanto poderes máximos na gestão do espaço da cidade,
encontram licitude para suas ações por intermédio do direito, entre as quais se pode
mencionar os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano. Segundo Corrêa
(1995), com base nessa legitimidade, o Estado reúne um conjunto de instrumentos
por meio dos quais normatiza e age no espaço:
O direito de desapropriação e a precedência na compra de terras, regulamentação do uso do solo; controle e limitação dos preços das terras; a limitação da superfície da terra que cada um pode se apropriar; os impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da terra e localização; taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço urbano; mobilização de reservas fundiárias públicas afetando o preço da terra e orientando espacialmente a ocupação do espaço; investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem, desmontes, aterros, e implantação de infraestrutura; organização de mecanismos de crédito para habitação; e pesquisas, operações-teste sobre materiais e procedimentos de construção, bem como o controle de produção e do mercado deste material (CORRÊA, 2005, p. 25).
De acordo com as atividades, funções e possibilidades apresentadas pelo
autor, nota-se que o governo não age apenas como gestor, mas a função de
agentes produtor que administra as distintas partes da cidade acordo com a
“viabilidade econômica e eleitoral” contabilizada pelo grupo político em exercício,
esse princípio é um traço marcante nas administrações municipais brasileiras.
As observações de Corrêa (1995) sobre as ações do Estado corroboram a
constatação de Capel (1975) quando afirma que se trata de um agente e árbitro no
processo de reprodução do espaço urbano. Corrêa (1995) aponta para também a
função de compatibilizar os interesses dos agentess, não no sentido de conceder-
lhes direitos iguais, mas no sentido de concessão de alguns direitos, de regularizar
as formas de ação. Segundo o autor, isto pode se dar através da ação coordenadora
e repressora.
49
Tais intervenções no espaço urbano, segundo Lojkine (1997), se dão
conforme alguns princípios como a ordem, o planejamento e a normatização
econômica das formas de apropriação. Lojkine (1997) afirma que o papel do Estado
em face à questão urbana é de agente, mesmo que as formas de regulação sejam
sutis ou indiretas. De fato é com seus instrumentos legais que se estabelece a
ordem social das atividades na cidade.
Para o autor, existem “[...] três pontos de crise: o financiamento dos
equipamentos urbanos desvalorizados, a coordenação dos diferentes agentes da
urbanização, e a contradição do valor de uso coletivo do solo e sua fragmentação
pela renda fundiária” (LOJKINE, 1997, p. 191). De fato, o contexto capitalista atual
propicia a aceleração da produção espacial e o acirramento da concorrência a níveis
extremos para os quais a ação do Estado enquanto regulador pode impedir o caos,
e auxiliar os agentes individuais. O planejamento, por exemplo, pode impedir a
exploração desordenada da terra e limitar a expansão da malha urbana a fim de que
também a ação do próprio Estado nas novas áreas seja possibilitada.
O Estado é imprescindível para análise geográfica do espaço, já que nele se
encontra a base legal para organização da cidade, e a partir de suas ações se pode
perceber o atendimento das demandas das distintas classes sociais que se
evidenciam na paisagem urbana. No entanto, por se tratar do Estado capitalista, o
atendimento aos interesses de cada agente depende da lucratividade e viabilidade
econômica de seus respectivos interesses, além da capacidade de influenciar na
decisão de cada grupo de interesse na esfera estatal.
Ao referir-se às relações com os demais agentess do urbanismo Lefebvre
(2008, p. 26) afirma que “[...] sua ação é marcada pelos conflitos de interesses dos
diversos membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles”. O
Estado entra na lógica do “empreendedorismo urbano” conforme Harvey (2005),
promovendo a valorização desigual e coordenada das áreas da cidade: reforça a
hierarquia das distintas localidades intraurbanas e possibilita ainda mais a
exploração do espaço urbano como mercadoria intimamente ligada a ação dos
agentes imobiliários.
O Estado contribui para que o espaço “entre no circuito de troca” (CARLOS,
2005. p. 55). Ao caracterizar os principais produtores do espaço urbano é possível
notar a complexidade da ação de cada um deles, devido ao fato de que cada agente
pode adotar posturas diferenciadas conforme seu interesse, ou em face das tensões
50
com os demais. Isso decorre da forma como as distintas parcelas do espaço são
inseridas na dinâmica do mercado imobiliário e como a própria cidade se insere na
divisão do trabalho e na posição que ocupa no segmento imediato da rede urbana.
51
3. A VALORIZAÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO URBANO
Definir o termo cidade é uma tarefa difícil e desafiadora não apenas pela
complexidade dos fenômenos que a envolvem, mas também pela amplitude das
condições de interrelações entre eles que acabam por gerar processos sociais
diversos e suas respectivas formas. A cidade se compõe de elementos que se
complementam e se negam, numa coexistência efervescente. Daí a necessidade de
se entender a urbanização como processo que une indissociavelmente tempo,
espaço e a sociedade em correlação dinâmica.
Com esse entendimento sobre a cidade acreditamos que ela constitui um nó,
tendo por base uma lógica de desenvolvimento geograficamente desigual submetida
ao capitalismo, determinada principalmente pela dimensão econômica da existência
da sociedade humana, mas não apenas por isso, pois as dimensões política e
cultural também têm papel fundamental e potencializam em muito os processos
socioespaciais com a interrelação entre pelo menos essas três dimensões do
espaço geográfico.
De maneira seletiva, com base na interação das ações empreendidas por
cada agente produtor do espaço urbano específico, os espaços internos da cidade
são dotados de objetos normatizados (M. M. SANTOS, 1996) essenciais ao
movimento de trocas, principalmente econômicas, porque sua instalação foi
motivada como intenção primeira para o processo de reprodução do capital6.
A lógica da troca de mercadorias incorporada à cidade capitalista expõe
também o espaço à condição de produto comercializável e implica processos sociais
e formas espaciais complexas materializadas tanto na infraesturtura urbanística,
como na valorização seletiva de distintas parcelas do espaço urbano, expressa nos
preços dos imóveis.
Conforme Marx (2001), a formação do valor e o processo de valorização são
diferenciados. Enquanto o tempo, o trabalho, a matéria-prima estão envolvidos na
produção do valor das coisas, a valorização é relativa, e muitas vezes difere
significativamente da quantidade de trabalho utilizada ou da importância do valor de
uso das coisas. A valorização é a forma como o capital se apropria do produto e de
6Muito embora uma parte importante dos objetos instalados na cidade e das intenções e ações
movidas pelos agentes que os utilizam não estejam vinculados ao processo de geração de valor de troca, mas sim de uso a exemplo das instituições de caráter público: escolas, hospitais, abrigos para pessoas abandonadas etc.
52
sua utilidade, daí seu caráter relacional.
Nesse sentido, o próprio espaço geográfico é tornado mercadoria, pela ação
dos agentes privados como uma importante manifestação dos interesses do capital
no espaço urbano. São os detentores da coisa – a terra e a moradia urbana – que
vão se apropriar das características locais em busca da valorização urbana: “Cada
uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob
diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos
modos de usar as coisas é um ato histórico” (MARX, 2001 p. 154).
O valor de uso do espaço urbano consiste na necessidade de moradia,
circulação, trabalho, e lazer da sociedade. Uma vez que as bases operacionais de
produção capitalista se tornam cada vez mais urbanas, a população tem na cidade
não apenas o local de trabalho, mas de moradia e convívio social.
Conforme pondera Marx (2001, p. 156): “O valor de uso não é, de modo
algum, coisa que se ame por ela mesma. Produzem-se valores de uso somente
porque e na medida em que sejam substrato material, portadores de valor de troca”.
3.1 As cidades médias como formas de reprodução e valorização do espaço
O espaço urbano se desdobra em diversos tipos de cidades, com dimensões
e funções diferenciadas, das quais na Geografia se nota, por exemplo, a importância
das metrópoles e do processo de metropolização.
O momento atual nos coloca diante de uma realidade de descentralização
urbana, visto a ampla população e demanda social que uma metrópole ou região
metropolitana apresenta e as dificuldades no que tange ao atendimento ou controle
dessas demandas. Pode-se aferir que a metrópole tem uma importância central,
mas que o desenvolvimento de eixos de articulação secundários se torna cada vez
mais necessário e relevante na complexidade das relações interurbanas.
É nesse quadro que pode-se analisar as cidades médias, e/ou intermédiárias
cuja função principal é suprir as necessidades das cidades menores em suas
demandas de consumo, dada a dificuldade de articulação direta com capitais e
metrópoles. Mais que um espaço de articulação ou circulação, as cidades médias se
consolidam como centros cada vez mais concentrados de atividades políticas,
administrativas e econômicas, que têm sérias repercussões na valorização do
53
espaço urbano.
Um elemento determinante no processo de valorização do espaço é a função
urbana. De acordo com Corrêa (2007), isso “diz respeito às atividades da sociedade,
redefinidas a cada momento, que permitem a existência e reprodução social”.
Uma cidade pode ter múltiplos papéis, que segundo Milton Santos (1985) se
desdobram e articulam com as formas, os processos sociais e as estruturas
materiais e imateriais. O potencial polarizador de uma cidade influi na economia e na
forma como as áreas intraurbanas são organizadas e até mesmo hierarquizadas.
No entanto, a função urbana não está ligada apenas a dinâmica e
organização interna, mas articula relações do intraurbano com o interurbano. Nas
cidades se desenvolvem atividades estabelecidas na relação e na interação que
estabelecem com as demais e, não figuram nesse cenário apenas as metrópoles,
mas a rede de interação espacial entre as pequenas, médias e grandes cidades em
articulação de escalas.
A tendência da descentralização das metrópoles consolida novos nós na rede
urbana e afirma o potencial de centralidade de cidades intermediárias. Segundo
Corrêa (2008), essas últimas devem ser definidas por uma combinação particular
entre tamanho demográfico, funções urbanas e organização do espaço intraurbano.
Entende-se com isto ao ultrapassar o limiar de 200.000 habitantes, a elevação
da importância populacional em relação à maioria das cidades brasileiras. Porém,
apenas o tamanho demográfico é insuficiente para uma classificação: um índice
numérico isolado não alcança as questões qualitativas, não define e nem aprofunda
a função urbana.
Conforme a caracterização de Corrêa (2006) para as cidades médias, uma
das principais características da organização desses espaços é a presença de
equipamentos e serviços que a diferenciam das demais localidades e que, portanto
estabelece uma influência urbano-regional, principalmente no que tange a economia
ao atender às demandas externas. O mesmo autor indica a necessidade de se
construir um referencial teórico acerca das cidades médias, já que essa é uma
necessária abordagem da questão urbana contemporânea.
Desde de 1967, os estudos sobre as cidades médias do Brasil (CASTELLO
BRANCO, 2007) já incluem Vitória da Conquista no mapeamento, como centro de
importância para o estado da Bahia e a Região Nordeste do Brasil. Trata-se de um
nó de articulação política e econômica que congrega demandas de uma série de
54
localidades vizinhas mas que, no entanto, só ganhou infraestrutura pertinente num
período mais recente.
Castello Branco (2007) afirma que na publicação do ano de 1972, pertinente a
levantamento realizado em 1967 pelo IBGE, a cidade de Vitória da Conquista já
aparece como centro regional B, conforme o estabelecimento das Regiões
Funcionais. Já em 1987, a pesquisa do IBGE sobre as Regiões de Influência das
Cidades situa Vitória da Conquista como capital regional, o que demonstra a
permanência do destaque sobre os demais centros que integram a região como as
cidades de Itapetinga e Jequié, por exemplo.
Pode-se verificar que a importância de Vitória da Conquista com o passar dos
anos é evidenciada e a projeta como centralidade na rede urbana brasileira. Essa
condição se fundamenta em um conjunto de características produzidas que,
segundo Castello Branco (2007), expõe a cidade como articuladora privilegiada nos
eixos ou corredores de desenvolvimento, com repercussões notadas, sobretudo, no
crescimento populacional e na expansão urbana.
De acordo com Pontes (2007):
A cidade média seria um centro urbano com condições de atuar como suporte às atividades econômicas de sua hinterlândia, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas esferas de influencia (PONTES, 2007, p. 334).
A condição de cidade média é uma expressão local da nova configuração
global da rede urbana que demanda a renovação dos espaços e dos fluxos de
circulação. A cidade de Vitória da Conquista, portanto, não se alheou a dinâmica do
espaço geográfico atual, e apresenta atualmente em sua forma e função as
repercussões da constituição histórica e da forma como os agentes empreendem o
espaço urbano.
As cidades médias são definidas como parte de uma rede de alta
complexidade por características próprias, pelo tamanho da população residente,
disponibilidade, quantidade e qualidade dos equipamentos coletivos e serviços
urbanos, destinados a atender as demandas da população local e as que se
originam externamente (SPOSITO, 2007).
Essas cidades têm a capacidade de estabelecer ou alterar a geografia
55
regional, pois são de importância estratégica para a urbanização capitalista na
atualidade, na qual a produção do espaço é norteada principalmente pela formação
de mercados consumidores, como esclarece Sposito (2007, p. 45): “Foi a formação
desse mercado que fortaleceu as relações entre as cidades brasileiras,
possibilitando que se vislumbrasse um sistema urbano, conformando, de fato, uma
rede urbana”.
Castello Branco (2007) indica como características das cidades médias: oferta
de serviços mais ou menos especializados para a área de influência; constituem nós
articuladores de fluxos para outros núcleos da rede urbana onde se localizam sedes
de governo local e regional, com papel relevante na descentralização administrativa.
A consolidação de uma cidade média passa pela importância populacional,
econômica, cultural e político-administrativa, grau de urbanização, centralidade e
condições de vida para a população (CASTELLO BRANCO, 2007).
Essas são cidades cuja atração de população externa é efetiva e se justifica
pela importância de seu papel de supridora de demandas para uma numerosa
população externa em sua área de influência urbana imediata.
3.1.1 Os agentes e fatores de constituição das cidades médias
Existem especialmente três fatores que sustentam a condição de uma cidade
média, segundo Corrêa (2007): a ação de uma elite empreendedora, a localização
relativa e as interações espaciais. A presença de uma elite empreendedora é que
consolida o capital como produtor de espaço.
É a lógica da acumulação de capital que fragmenta o espaço urbano
atribuindo-lhe valor de troca simultaneamente ao valor de uso, e a condição de
mercadoria ou de oferta de mercadorias. Essa elite é a portadora de capital
fundiário, rural, mercantil, industrial ou de serviços, e representa uma classe
importante na consolidação da função urbana intermediária. São agentes com
elevado grau de influência na produção do espaço e no significado da forma, função
e estrutura urbana.
[...] por que é ela que estabelece uma relativa autonomia econômica e política numa cidade, criando interesses locais e regionais, competindo em alguns setores de atividades com as grandes cidades e centros metropolitanos (CORRÊA, 2007, p. 28).
56
Além da influência política, as elites locais efetivam na cidade as
repercussões da mobilidade do capital, no caso de Vitória da Conquista, o capital
agrícola, que se desdobra em atividades comerciais e imobiliárias. A formação do
mercado imobiliário, além de alterar significativamente a paisagem, ocasiona o
embate com as classes populares por conta da exploração e apropriação de parte
do espaço urbano como propriedade privada e da lógica da especulação.
Isso configura uma tensa relação dos proprietários privados e agentes do
mercado imobiliário e das populações pobres com o Estado, cujas ações em
privilégio de classes e/ou em omissão das demandas de outras o coloca também
como agente produtor da cidade desigual.
Corrêa (2005, p. 24) afirma que “[...] a atuação espacial dos promotores
imobiliários se faz de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencial
que caracteriza a cidade capitalista”. E mesmo com a segregação social manifesta
na organização residencial, a iniciativa privada encontra e recria condições de
exploração, até mesmo direcionadas as classes mais pobres da sociedade.
As elites empreendedoras são responsáveis pelo fortalecimento de novas
centralidades intraurbanas por meio de ações diretas ou indiretas em distintas partes
da cidade, o que fomenta a ação dos promotores imobiliários.
Quando um proprietário decide lotear uma gleba de terra, ele busca por vários
meios adicionar valor àquela área atraindo para as proximidades a extensão da
infraestrutra pública coletiva mais geral da cidade (vias de circulação e transporte
coletivo, saneamento etc. e outros empreendimentos privados ou públicos
ativadores de interesses de um público previsto no projeto de loteamento). Observa-
se o descumprimento dessas determinações, que muitas vezes só são providas
após a venda de todos ou da maioria dos lotes, e no caso das construtoras, quando
se vende a maioria dos apartamentos ou casas.
No entanto, como a valorização ou desvalorização do espaço constitui um
processo seletivo de adição de valor ao imobiliário da cidade a natureza do processo
de valorização, por exemplo, não se limita à capacidade individual dos agentes
privados do mercado imobiliário. O Estado/governo também se compromete com
isso para a manutenção da dinâmica de reprodução do espaço urbano e por vezes
atender as demandas sociais.
57
A desvalorização, por outro lado, pode ocorrer por vários motivos: pela
estagnação ou decadência da infraestrutura urbana local, pela proximidade de áreas
residenciais populares, de fontes de poluição ambiental e também de equipamentos
urbanos que atribuam sentido social negativo na referência dos grupos sociais de
status médio e elevado, a exemplo de presídios, lixões etc..
Diante da compreensão da cidade como produto de um processo social
reprodutivo é que se pode afirmar que na dinâmica de valorização, o papel das elites
urbanas, segundo Marx (2001) é o de burguesias revolucionárias.
Esses agentes não são apenas uma classe social assentada nas cidades,
mas produzem espaço e orientam o direcionamento do crescimento e da
organização socioeconômica em função da reprodução do capital. Com isso, as
elites empreendedoras garantem às cidades médias uma concentração de
atividades e estruturas muito oportuna no processo de valorização imobiliária.
Retomando os critérios de Corrêa (2007) para a definição de uma cidade
média, a saber: a localização relativa, a presença das elites empreendedoras, e as
interações espaciais. A localização reforça a condição de centralidade na rede
urbana imediata.
Segundo Corrêa (2007), o acesso viário potencializado pela vizinhança não
se realiza apenas pelo fator proximidade, mas por um emaranhado de relações de
oferta e disponibilidade de recursos e serviços que constituem um nó para o qual
convergem os fluxos de trocas que envolvem capitais, pessoas e mercadorias etc..
Para o autor, a localização identifica a importância de uma cidade média no
conjunto da rede, porém, não se restringe a apenas uma localização
geograficamente privilegiada, ou de um ponto exato no mapa que estabeleça
conexão entre os locais vizinhos. Conforme Corrêa:
É esta localização uma herança do passado, resultado de um modo mais atrasado de circulação, submetido à conformação do relevo e das vias fluviais, ou é parte dos empreendimentos realizados por um grupo social que simultaneamente tornava-se elite ou reforçava esta posição? (CORRÊA, 2007, p. 30)
O questionamento do autor remonta à questão da reprodução do espaço e
demanda um aprofundamento com relação à maneira como os agentes sociais se
apropriam da localização. É essa posição, sua apropriação pelos agentes e o
conjunto de relações entre os lugares que garantem a circulação, produção e
58
abastecimento das demandas regionais. Tal condição faz da proximidade com as
outras cidades uma localização estratégica.
A condição de centralidade influi diretamente na disponibilidade e na
composição dos recursos urbanos que caracterizam as cidades médias, e ainda
empreende novas formas de apropriação e produção do espaço que desencadeiam
no espaço intarurbano a especulação imobiliária, a formação de espaços
residenciais fechados, a implantação de equipamentos urbanos etc..
Outra condição apontada para se classificar uma cidade média é a existência
de relações e interações espaciais. Segundo Corrêa (2008), estas relações são mais
intensas, complexas, multiescalares e multidirecionais entre a cidade média e as
demais, que entre os outros núcleos urbanos menores.
O autor assevera que as relações se dão de e para a cidade média em escala
regional e extra-regional, nacional ou internacional. Essas interações estabelecem a
dialética entre a organização e distribuição interna das demandas locais, e o
necessário entendimento do espaço como totalidade.
Sposito (2008) chama a atenção para a necessidade de se pensar de maneira
articulada escalas geográficas: o espaço intraurbano e o espaço interurbano, pois a
lógica do mercado na oferta de mercadorias e dos serviços insere as cidades nos
fluxos com outras escalas espaciais.
As interações espaciais, também destacadas por Corrêa (2008), podem ser
caracterizadas por processos elencados por Sposito (2008, p. 41 - 47):
a) A “concentração e centralização econômicas”: se articula com a ação dos grupos ou
elites empreendedoras, no histórico de acumulação de capital em cada lugar. É a
partir desse subsidio que se implantam os equipamentos que potencializam o papel
intermediário das cidades e se efetiva a atração populacional.
b) Os “sistemas de transporte e telecomunicações”: elementos que consolidam e
realizam os fluxos de pessoas, mercadorias e capitais nas cidades. A formação de
uma rede integradora de lugares assegura o poder de centralidade regional.
c) “Atividades econômicas ligadas ao comércio de bens e serviços”: a concentração
destas atividades estabelece uma interação das cidades menores com as de maior
porte e centralidade cuja oferta de serviços pressupõe certo aprimoramento técnico,
e de mão de obra especializada. O comércio representa uma parcela importante da
elite empreendedora, e é responsável por grande parte da circulação de dinheiro.
d) A “modernização do setor agropecuário”: esse processo abarca uma parcela
59
também importante das elites empreendedoras e tem referência nas cidades. O
processo de modernização do campo aumentou a produtividade agrícola e a
transformou em agroindústria. Isso assinala fortemente a relação com a cidade seja
pela manutenção do aparato técnico, seja pela redução do campo a meio de
produção, passando os proprietários a uma vida efetivamente urbana.
Esses processos dinamizam a interação espacial entre as cidades médias e
as demais cidades e áreas agrícolas, e servem como fatores definidores da
valorização do espaço urbano. As cidades médias que não estão inseridas no
contexto das regiões metropolitanas encontram nesta condição a base para o
desenvolvimento de processos internos, fortemente articulados com o interurbano,
que não deixam, porém, de redefinir a organização do espaço nas escalas
envolvidas.
Conforme Sposito (2008):
É assim que as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte entre o global e o local, em vista das crescentes necessidades de intermediação e da demanda também crescente de relações. Os sistemas de cidades constituem uma espécie de geometria variável, levando em conta a maneira como diferentes aglomerações participam do jogo entre o local e o global. As cidades médias têm como papel o suprimento imediato e próximo da informação requerida pelas atividades agrícolas e desse modo se constituem em intérpretes da técnica e do mundo. Em muitos casos, a atividade urbana acaba sendo claramente especializada, graças às suas relações próximas e necessárias com a produção regional (SPOSITO, 2008, p. 281).
Mesmo sob o discurso totalizante da globalização, pelo fato de a cidade fazer
parte dos interesses das demandas de vários agentes sociais que se interessam
pela cidade o seu conteúdo é produto do acúmulo histórico de realidades criadas e
recriadas, e das contradições entre os interesses dos agentes. E assim o espaço
urbano se afirma diante das formas diferenciadas de concepção de mundo,
baseadas principalmente na produção e na reprodução do capital.
3.1.2 Possibilidades para a reprodução ampliada do capital com a valorização
imobiliária
Para a análise de uma sociedade sob o modo capitalismo é necessário
decodificar aquilo que Marx (2001) chama de fórmula trinitária: capital, trabalho e
60
terra. A forma como capital manipula o trabalho e a terra desencadeia no caso da
cidade o processo de valorização, que retroalimenta a reprodução ampliada do
capital.
Tanto pra a crítica ao capital, quanto para a análise do espaço (urbano) esses
elementos são decisivos. O capital é reproduzido com base no lucro e em juros; a
terra só tem valor quando dela se extrai a renda, a renda da terra; e o trabalho cujo
valor capitalista é manifesto na forma de mais valia.
No caso das cidades e da produção do espaço, o capital investido na compra
de terrenos, sejam eles para loteamento, para habitação, deve ser convertido em
lucro com base do processo de valorização. Portanto, o investimento no produto
imobiliário ou na produção imobiliária urbana está relativo à conjuntura
socioeconômica: envolve agentes, contextos e estruturas de sustentação.
Decorre dessa busca aquilo que MARX (apud HARVEY, 1980, p. 153-157)
chama de renda da terra e enumera três espécies de renda:
1- A renda de monopólio: determinado pela condição de propriedade privada de algo
único em relação ao mercado: “Determinada pela avidez do comprador em comprar
e capacidade de pagar, independentemente do preço determinado pelo preço geral
de produção, tanto pelo valor do produto”.
2- A renda diferencial: que consiste na exploração da renda derivada apropriação e
transformação, bem como a quantidade de investimento e a localização que agrega
valor ao produto final: “(...) diferença entre preço da produção individual de um
capital particular e o preço de produção geral do capital total investido na esfera
concernente de produção”.
3- A renda absoluta: no caso da cidade, corresponde ao espaço, as “condições
técnicas e sociais”, um retorno à propriedade da terra, ao valor racional e não
relativo ao entorno.
A cidade entra no contexto da reprodução do capital, como base material para
a extração da renda. Conforme Damiani (1999), através da propriedade da terra
urbana se viabilizam os superlucros e a reprodução ampliada do capital. A obtenção
da renda da terra e a formação do mercado imobiliário são efetivamente parte e
estratégia importante do capitalismo.
Segundo Gottdiener (1997, p. 124), “[...] no capitalismo a propriedade da terra
constitui um meio de adquirir riqueza [...]” e dessa forma a terra urbana é um recurso
para exploração tanto quanto as terras rurais, daí o sentido e aplicabilidade da teoria
61
da renda da terra. Para o autor, o conflito de classes se apresenta na base da
fórmula trinitária apresentada por Marx, pois entende-se que capital, terra e trabalho
não estão aleatoriamente distribuídos no espaço, mas sim submetidos a uma lógica
de dominação e exploração.
A reprodução do capital imobiliário implica uma maior e mais intensa
exploração da terra e da importância da moradia urbana no capitalismo. A
reprodução ampliada do capital imobiliário se dá com base nas desigualdades
intraurbanas, na formação de novas centralidades e no controle da oferta de
imóveis, a criação das raridades espaciais. Essas condições são apropriadas pelos
distintos agente produtores do espaço urbano segundo seus interesses específicos
a fim de obter maior lucro.
O Estado também se apropria das desigualdades intraurbanas e explora a
arrecadação com a formação de setores urbanos estabelecidos de acordo com o
perfil socioeconômico e as funções urbanas correspondentes. Conforme Gottdiener
(1997):
Como a posse da terra continua sendo um meio de acumular riqueza sob as relações capitalistas de produção, indivíduos de toda ordem social tem acesso a esse meio. Por conseguinte, proliferam por toda a sociedade interesses puramente econômicos, centrados em torno dos valores de troca de lotes de terra, e esses interesses podem ou não ser compatíveis com outros envolvidos no processo de acumulação (GOTTDIENER, 1997, p. 15).
Gottdiener (1997) ressalta a necessidade de se aprofundar a análise acerca
da apropriação capitalista da cidade, uma vez que não se trata apenas de um
simples parcelamento e sua posterior comercialização, mas se trata de uma
apropriação intensa do espaço - da localização, da terra, do uso, do acesso, da
moradia – ou seja, o capital dispõe do espaço, mas cria barreiras para o acesso à
ele com a propriedade privado.
O capital retém o espaço, o uso e mesmo a troca para lançar mão da
produção do espaço, criando a necessidade e ao mesmo tempo sua “raridade”.
Dessa maneira os agentes privados podem “agir como monopolistas sobre as
relações vigentes de produção e criarem carências que manipulam em seu proveito
as decisões sobre a localização” (GOTTDIENER, 1997. p. 177).
A ação conjugada e estratégica dos agentes sociais produz novas
centralidades. Além dos centros antigos e tradicionais, o momento tecnológico
62
reforça a importância do setor comercial e de serviços, o que possibilita a
desconcentração das atividades urbanas que se desdobram em novas localizações.
A implantação de serviços e de infraestruturas, promove um novo processo
de valorização baseada não apenas no uso da moradia, mas na localização
privilegiada, na acessibilidade aos diversos núcleos de importância, na
disponibilidade de equipamentos urbanos e na própria continuidade do processo de
valorização. Essa estratégia dá sustentação ao monopólio e permite aos agentes
produtores do espaço urbano a extração da renda da terra.
63
4 AS INTERAÇÕES ESPACIAIS INTERURBANAS E A VALORIZAÇÃO DO
ESPAÇO INTRAURBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA
Com base no entendimento que as distintas partes do espaço geográfico e a
dinâmica socioespacial subjacente não existem de maneira isolada, mas sim
articulada de diversas maneiras a outras partes do mundo, próximas ou distantes
simultaneamente, é que buscamos compreender a organização do espaço na cidade
de Vitória da Conquista de co base nas interações espaciais com sua hinterlândia.
De acordo com Villaça (2001), a consolidação de uma centralidade urbana e
de sua região se sustenta na realização da dinâmica regional por meio da formação
de uma rede geográfica cujos fluxos articulam não só as cidades, mas também o
campo. A região corresponde a uma conformação espacial da dinâmica social,
política, econômica etc. mobilizada pelos agentes responsáveis pelos fluxos
econômicos e não econômicos que implicam a dinâmica do processo desigual de
produção do espaço regional e em particular da cidade sede da região.
Segundo Léda (2010), a formação de regiões pode tornar-se uma estratégia
de controle social e espacial, de modo que a concretização dos interesses de
classes privilegiadas e as ações do governo são facilitadas pela formação de
conjuntos regionais. Para o referido autor a regionalização, no âmbito de uma ação
estatal para sua constituição, é vinculada à “[...] influência ou participação direta do
Estado [...] de uma classe, coalizão ou grupo social que busca a transformação de
seu interesse próprio em interesse público ou geral” (LÉDA, 2010, p. 22).
Pode-se observar efetivamente que a posição em que se encontra a cidade
de Vitória da Conquista e sua região de influência estão na verdade a Sudoeste da
capital do estado da Bahia, o que evidencia um raciocínio estratégico na
denominação da região e uma apropriação igualmente oportuna dessa definição.
Quando se trata da regionalização econômica, os modelos de organização
espacial mais recentes consideram, sobretudo, a dinâmica urbana já que nas
cidades se concentra a maior parte da população e as atividades, assim se justifica
a região a Sudoeste da Bahia, na verdade a sudoeste da cidade de Salvador. Tal
situação foi reforçada pela instalação da infraestrutura de rodovias, com base nas
quais:
Cidades como Vitória da Conquista, Jequié, Feira, Ilhéus – Itabuna e até Senhor do Bonfim e Juazeiro, passaram a comerciar diretamente
64
e de maneira mais intensa com as metrópoles nacionais, sem a intermediação de Salvador o que reduziu a importância desta última como entreposto comercial [...] as zonas de influência comercial não foram, por sua vez, substancialmente alteradas. Assiste-se por um lado o grande crescimento de cidades centros de transporte rodoviário [...] (BAHIA, 1973 apud SOUZA, 2008, p. 71).
A existência das vias de mobilidade interurbana na região, a exemplo das
rodovias, e o aparelhamento para a prestação de serviços para atendimento da
demanda regional promovem as condições de atração da população sob sua
influência ao tempo em que potencializavam o crescimento da cidade de Vitória da
Conquista e afirmavam a importância como centralidade na dinâmica dos fluxos
interurbanos com as cidades da região Sudoeste, da Serra Geral, de parte da
Chapada Diamantina meridional, do Litoral Sul e de parte do Norte do estado de
Minas Gerais.
A implantação das rodovias que cruzam a cidade de Vitória da Conquista
implicou diretamente a ampliação da oferta de circulação de pessoas e mercadorias
nas áreas mais próximas, resultando na intensificação dos fluxos humanos e
comerciais a partir da implantação da rodovia BR 116, em 1963, permitindo maior e
mais rápida articulação da região com diversas localidades.
A cidade de Vitória da Conquista, como centro regional, passa a ter uma
importância polarizadora para seu entorno, que não se vincula diretamente à
metrópole baiana por meio de rodovias. Essa função de liderança regional exercida
resulta muito mais do processo pelo qual a elite regional instalada na cidade se
apropriou e exerce a influência política e econômica na região, o que definiu a
atração de novos e complexos investimentos governamentais (federais e estaduais)
ao longo do tempo, confirmando desta maneira a condição de centro de região.
A rodovia BR 116 possibilitou um substancial avanço na interação da rede
urbana que passou a ter articulações interestaduais, como os fluxos para o Norte de
Minas Gerais, e a ligação com Salvador, Belo Horizonte e Aracaju, por exemplo. O
mapa 2 (p. 65) apresenta a Rodovia BR 116 e as demais rodovias que traspassam o
município de Vitória da Conquista, a BA 262 (Vitória da Conquista –Brumado), a BA
415 (Vitória da Conquista – Ilhéus) e a BA 265 (Vitória da Conquista – Barra do
Choça).
65
Mapa 2- Vitória da Conquista - Malha rodoviária urbana
66
A implantação das rodovias promoveu a articulação interurbana, reforçando o
papel da cidade central para a região, e a respectiva formação da região
influenciada pelos fluxos rodoviários.
Segundo E. Souza (2008), a partir da década de 1970, houve por parte do
Governo do estado da Bahia uma mobilização de pesquisadores na elaboração de
uma melhor organização regional da Bahia, que anteriormente se baseava na
formação de zonas de integração intermunicipal como referência para execução de
políticas de combate às secas, com vistas à melhoria na participação da Bahia no
cenário econômico nacional.
No entanto, o que se observou na leitura do texto desse autor é que os
organismos institucionais para elaboração das políticas de governo não conseguiram
continuidade das propostas. E. Souza (2008) afirma que uma organização regional
da Bahia de cunho efetivamente geográfico começou a ser delineada na década de
1970 a partir dos estudos de Milton Santos datados de 1958:
Em abril de 1973, durante o período do regime militar brasileiro e na primeira gestão de Antonio Carlos Magalhães como governador do Estado da Bahia é lançado o Projeto de Regionalização Administrativa para o Estado, fruto de um convênio entre a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia (SEPLANTEC), Fundação de Planejamento (CPE) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) através do Instituto de Geociências. Este estudo foi determinado pelo decreto estadual nº. 22.847 de 14 de abril de 1972 (E. SOUZA, 2008, p. 73).
Conforme os estudos de E. Souza (2008), já em 1958 a cidade de Vitória da
Conquista aparecia no cenário baiano como centro regional conforme cita a
definição da região como “organização do espaço a partir de rodovias” tendo a
cidade de Brumado como sub-centro e ainda apresentando intermediações com a
Serra Geral e o Litoral Sul.
Dos estudos para a definição das Regiões Administrativas da Bahia,
decorreram algumas classificações para os centros regionais. Apontamentos de E.
Souza (2008) informam que a cidade de Vitória da Conquista, além de capital
regional com núcleos urbanos hierarquicamente inferiores: Brumado, Poções e
Candido Sales, ocupava também a função de “capital do sistema de dominação/
dependência”, posto no qual em todo o estado da Bahia, segundo aquele estudo,
figuram apenas mais quatro cidades: Feira de Santana, Salvador, e o eixo Itabuna/
67
Ilhéus. Conforme o autor, os estudos definiram as regiões segundo os seguintes
critérios:
a) funcionalidade sobre o espaço; b) perspectivas de desenvolvimento; c) viabilidade do transporte interno; d) dinamismo econômico dos centros; e) importância dos centros e dos subcentros regionais de acordo com a política administrativa definida pelas diversas Secretarias do estado; f) adequação de acomodação dos sistemas administrativos vigentes; g) percepção das regiões econômicas, teoricamente viáveis para a execução de programas de desenvolvimento (E. SOUZA, 2008, p. 75).
A partir da definição das regiões administrativas, conforme os critérios
apresentados acima, o estabelecimento da Região Sudoeste da Bahia, que tem
Vitória da Conquista como centralidade principal, dispôs na cidade a concentração
de serviços e órgãos do Governo estadual como “[...] o TCM (Tribunal de Contas dos
Municípios), Diretorias Regionais de Saúde (DIRES), Diretorias Regionais de
Educação (DIREC‟s) e das Circunscrições Regionais de Trânsito (CIRETRAN‟s)” (E.
SOUZA, 2008, p. 76).
A presença das sucursais estaduais citadas representa o surgimento de
novas centralidades da administração pública e atribui à cidade um novo potencial
de centralidade político-administrativa. As transformações socioeconômicas
vivenciadas a partir da década de 1970 envolvem o crescimento populacional, a
urbanização até a mudança do perfil produtivo que repercutiram no Brasil e na
Bahia, e com isso demandaram alterações no sistema de planejamento, modelos de
gestão e revisões nos critérios de definição regional:
No ano de 1989 sob a alegação de que as transformações sócio-econômicas teriam imprimido novas características ao Estado da Bahia e que havia a necessidade de dotar as ações do governo de maior eficiência foi lançado o decreto nº 2.344 de 05 de abril que instituía o grupo técnico executivo para a realização de uma revisão da divisão do estado em regiões administrativas. Tal grupo era composto por Antonio José Cunha (coordenador), Ana Maria de Sales Guerreiro e Raquel Alexandrina Pimenta e contava com a consultoria do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do Profº Drº Sylvio Bandeira de Mello e Silva. O relatório final desse grupo de pesquisa entregue em janeiro de 1991 baseava-se numa avaliação das divisões utilizadas pelos órgãos da administração estadual, confrontadas com: a organização espacial do estado, o povoamento, o sistema urbano e o sistema viário (E. SOUZA, 2008, p. 78).
68
Esta revisão dos estudos regionais proposta pelo Governo do estado da
Bahia efetivou a análise segundo os critérios anteriormente citados e a atualizou no
contexto socioespacial, considerando o processo de urbanização e a formação de
cidade pólo regionais, ou cidades intermediárias. Esse estudo apresentou avanços
na proposta de revisão, tendo em vista as críticas feitas aos “scores” quantitativos e
a vinculação evidentemente teorética na análise do espaço:
A idéia corrente que motivou a proposição da atual divisão do Estado em Regiões administrativas, aquela que defende a busca da „divisão enfim perfeita‟ que „efetivamente‟ estimule a coordenação da ação setorial do Estado, mostra-se portanto vazia e desprovida do significado que lhe atribuem [...] (BAHIA, 1991, apud E.SOUZA, 2008, p. 79).
O processo de organização do espaço regional da Bahia passou por
intervenções do Estado no sentido de instituir eixos locais de administração e certa
mobilização social, uma vez que a definição de espaços regionais depende e
fomenta a ação das elites regionais e locais empreendendo sistemas produtivos
tanto no campo das atividades comerciais, quanto nas atividades de serviços, e na
formação de um espaço urbano que concentra estas ações.
Num contexto recente, Ferraz (2010) afirma que uma regionalização tendo
como centralidade a cidade de Vitória da Conquista foi mobilizada em torno dos
serviços de saúde, e constituída com base nas diretrizes do Governo Federal para a
formação das regiões – o Plano Diretor de Regiões-, mas sob forte influência dos
gestores locais que definiram segundo as “realidades locais” as regiões em todo o
estado. Conforme a autora, “[...] a região, então, é definida por eles com intenção de
controlar os fluxos” (FERRAZ, 2010, p. 197).
Além de Região Geoeconômica, conforme Ferraz (2010 p. 199), o Sudoeste
passa a ser uma macrorregião de Saúde composta por quatro microrregiões,
totalizando 73 municípios, vinculados a três subcentros: Brumado, Guanambi e
Itapetinga e Vitória da Conquista como cidade-pólo. Segundo a autora, os serviços
de saúde constituem a formação e uma rede de fluxos, motivados pelas demandas
por recursos técnicos (na área de Medicina), que são direcionados pelo grau de
complexidade dos serviços.
O fato de a cidade de Vitória da Conquista ter se tornado pólo da
Macrorregião de Saúde do Sudoeste da Bahia fortaleceu o “mercado” de serviços de
69
saúde, tanto por parte das oportunidades de investimento e rentabilidade da
iniciativa privada, quanto por parte do gerenciamento estatal dos serviços públicos
de saúde.
Tais serviços têm a demanda continuamente ampliada com a formação da
rede hierarquizada de serviços de saúde, cujos municípios menores se incumbem
da prestação de serviços básicos e a cidade de Vitória da Conquista concentra o
atendimento das especialidades de alta complexidade (FERRAZ, 2010).
Estabelece-se, contudo, a “qualidade da conexidade” da cidade de Vitória da
Conquista, de modo que regionalização deixa de ser apenas um agrupamento por
vizinhança de conjunto espacial e passa a ser uma estratégia de apropriação das
qualidades espaciais, como a localização relativa referida por Corrêa (2008).
Nesse caso, a ação da elite empreendedora na área de saúde atrai fluxos
para a cidade em torno dos serviços oferecidos e com isso, o governo tende a
direcionar investimentos, o que implica entre outros fatos na ampliação da demanda
da população regional em busca de bens e serviços.
Analisando a história econômica da cidade de Vitória da conquista pode-se
compreender a maneira como se desenvolve a especialização funcional voltada para
o setor de saúde. As estratégias dos agentes foram orientadas pelo contexto
histórico vivenciado mas, sobretudo, constituem estratégias específicas e com base
nas características e atividades desenvolvidas se estabelecem sua conexão e
interação espacial.
O processo de constituição das classes sociais na cidade de Vitória da
Conquista, além das influências na organização e valorização do espaço, como
aponta Ferraz (2010), contou com a ação governamental desde a constituição da
burguesia cafeeira até a atualidade com a indústria, comércio e serviços.
Com isso, realiza-se uma ação governamental no sentido de dinamizar a
economia nacional. Por consequência, uma elite de base agrária se forma, ou se
fortalece, beneficiada pela política de governo e com isso se engendra o processo
de privação e exclusão das classes menos abastadas da população do espaço
urbano.
A segregação socioespacial tem origem no campo de onde os trabalhadores,
ameaçados pelo latifúndio e vulneráveis à sazonalidade do trabalho na colheita
(FERRAZ, 2001), tornam-se um fluxo potencial de êxodo rural em direção à cidade e
lá constituem o aumento populacional e a tendência das ocupações de áreas
70
irregulares e das periferias pobres. No espaço urbano, a presença desse grupo
social inicialmente representa a oferta mão-de-obra barata mas, sobretudo, se
caracteriza por ser uma classe social excluída da organização do espaço e da
infraestrutura urbana e privada do acesso à moradia digna.
A permissividade política quanto a influência das elites (empreendedoras do
comércio e da prestação de serviços em saúde e educação, por exemplo) na
estruturação do espaço urbano, à medida que a cidade cresce desencadeia um
desafio de gestão que consiste na resolução do déficit habitacional das classes
pobres, as maiorias urbanas.
O fato de a cidade de Vitória da Conquista ter se consolidado como
centralidade urbano-regional apresenta na escala regional um conjunto de
interações espaciais baseadas na desigualdade de condições e estruturas, que
indicam certa prosperidade econômica e possibilidades de ampla reprodução do
capital envolvido.
No espaço intraurbano, esse processo repercute na atração populacional que
gera uma demanda cada vez maior por moradia. No entanto, a terra urbana ou
mesmo a moradia são controladas pelas elites envolvidas no mercado imobiliário
(proprietários de terras, promotores imobiliários, empresas construtoras etc.) e por
esse motivo a demanda por moradia apesar de ser necessidade básica da
população, torna-se desencadeadora da segregação socioespacial.
4.1 A dinâmica de sustentação da centralidade urbana em Vitória da Conquista
No município de Vitória da Conquista, a crise do café, principal lavoura
vivenciada entre o final da década de 1970 e início da década de 1980, ocasionaram
a transferência dos recursos anteriormente aplicados e gerados na lavoura cafeeira
fossem redirecionados para a cidade, onde a elite cafeeira de então passou a
investir no crescimento do comércio, bem como empreender outras atividades no
setor de serviços, e no ramo imobiliário com a abertura de loteamentos:
Em abril de 1980, trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e Barra do Choça realizaram um grande movimento grevista, exigindo diária mínima de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros); equiparação salarial entre homens e mulheres; hora extra e benefícios; escolas e água potável. Números inexatos dão conta de dez mil grevistas. Os cafeicultores foram obrigados a reconhecer os direitos dos trabalhadores. Com a crise do café, a partir do final dos anos 1980, o
71
Município realça sua característica de pólo de serviços. A educação, a rede de saúde e o comércio se expandem, tornando Conquista a terceira economia do interior baiano. (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA, 2010)7.
Essa mudança na estrutura produtiva não interrompeu os vínculos do
empresariado conquistense com o campo, mas fortaleceu sua relação com a cidade,
e o interesse empreendedor nas atividades eminentemente urbanas. Nessas
condições é que o capital investido em atividades agropecuárias, notadamente na
cafeicultura é redirecionado para financiar atividades comerciais e de prestação de
serviços, e a partir de então a dinâmica da cidade passa a atrair com mais força a
população de seu entorno.
Tanajura (1992) relata que o pólo cafeeiro que se estabeleceu em Vitória da
Conquista a partir do ano de 1970 possibilitou aos cafeicultores um acúmulo de
capital suficiente que os possibilitou redirecionar os investimentos e se consolidar
como empresariado local. O autor afirma que a partir do ano de 1972, com a
contemplação do município de Vitória da Conquista no “Plano de Renovação e
Revigoramento da Cafeicultura”, do Governo Médici, o incremento de investimentos
na atividade agrícola do município reestruturou a produção com os subsídios
oferecidos. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista – PMVC
(2010), “as lavouras de café multiplicaram-se em poucos anos. Em 1975, em
Conquista, foram colhidas 840 sacas; em 1983, este número subiu para 13.179.
Muitos cafeicultores enriqueceram8”.
Esse fato evidencia a formação posterior de uma elite de origem rural, cujas
terras são somadas ao perímetro urbano, e o parcelamento oportuniza a reprodução
ampliada desse capital. Por outro lado, o redirecionamento dos investimentos
privados do campo para a cidade reforça a atração populacional para esse espaço
com o incremento nas atividades econômicas, que conforme define J. Santos (2010,
p. 64), formam um conjunto de mudanças que são “produto do amadurecimento
capitalista na Bahia”.
Estabelece-se uma burguesia urbana, uma classe com aquelas
características de elite empreendedora como aponta Corrêa (2008), uma burguesia
comercial que firma no capital agrícola, e por isto representa um setor relativamente
7 Conforme o site institucional <http://www.pmvc.com.br/> (acesso em Dezembro de 2010)
8 Conforme o site institucional <http://www.pmvc.com.br/> (acesso em Dezembro de 2010)
72
estável, pois não se sustenta apenas dos lucros das vendas do setor agropecuário.
Os proprietários de terras rurais, que com o crescimento passam a integrar a cidade
deram vigor ao mercado imobiliário, afirmando a importância da propriedade privada
da terra.
O aprimoramento da demanda por moradia ampliou o perfil dos agentes que
movimentam o mercado imobiliário mais recentemente para as empresas
construtoras, o que reforça a idéia do amadurecimento do capitalismo na cidade de
Vitória da Conquista. Dessa forma, se passa a explorar a formação de um mercado
de moradia crescente e o crescimento populacional fortemente influenciado pela
tendência global de terciariazação e desconcentração urbana.
Segundo J. Santos, (2010, p. 67), “[...] às classes sociais impõem-se os
mecanismos que serviram e que servem para a ampliação do sistema. [...] cria uma
hierarquia social, em função das diferentes possibilidades da participação dos
agentes sociais [...]. Não apenas os agentes, mas os espaços são adaptados pela
apropriação das sociedades dentro das demandas de seu tempo.
No caso da cidade de Vitória da Conquista, o redirecionamento do capital do
campo para a cidade reforçou as atividades do comércio e de prestação de serviços,
o que chamamos de terciarização. Essa tendência se articula com os espaços
regionais próprios e recria uma área de influência urbano-regional baseada nas
demandas das cidades menores, na qual a cidade de Vitória da Conquista faz
intermediação com a metrópole baiana nessa lógica de descentralização.
Como exemplo, pode-se observar a implantação de um Campus avançado da
Universidade Federal da Bahia, em 2008, que oferece cursos na área de saúde,
voltados para uma ampla demanda de profissionais da área pelo mercado local e
regional.
A partir de 1944, a expansão da cidade de Vitória da Conquista seguiu a
orientação dos “braços” rodoviários: a BR116, a BA262 e a BA265. Conforme já
observado no Mapa 2 (p. 65), essas rodovias efetivamente adentram a malha
urbana e desencadeiam por parte dos agentes o processo de apropriação e
exploração dos entornos.
Seguramente, essas rodovias penetrando a cidade de Vitória da Conquista
efetivam a dinâmica intraurbana e interubana e reforçam a idéia de que o movimento
não se encerra nos fixos (fábricas, lojas, distribuidoras, órgãos públicos, instituições
de ensino, hospitais, entre outros) localizados na cidade, mas só se realiza com real
73
destaque como parte de uma totalidade maior, nesse caso a região. Os fluxos de
população, de entrada e de escoamento de mercadorias contribuíram com o
aumento populacional verificado após a crise do café, iniciada com o movimento
grevista dos trabalhadores rurais em Abril de 1980 (PMVC, 2010). O movimento de
greve dos trabalhadores do café resultou no êxodo rural e implicou simultaneamente
a ampliação da infraestrutura urbana e requalificação da cidade.
Vitória da Conquista, devido à produção de sua centralidade urbana,
historicamente, recebe uma grande contribuição das pequenas cidades do entorno
em sua dinâmica demográfica e econômica; sem dúvida a instalação das rodovias
(Conforme se pode visualizar no Mapa 03) favoreceu essa expansão.
No entanto, a fixação de uma rede de serviços que na atualidade amplia
significativamente a rede de saúde especializada, tanto pública quanto particular, e
os serviços de educação com destaque para a ampliação das instituições de ensino
superior, são exemplos de atividades que atraem para a cidade Vitória da Conquista
as populações dos municípios menores.
Corroborando a crítica feita por J. Santos (2010) as análises feitas sobre o
crescimento urbano de Vitória da Conquista é imprescindível destacar que as formas
e direcionamentos da ocupação do espaço não se dão naturalmente, não seguem o
itinerário das vias de circulação ao mero acaso, mesmo porque os “cortes” pela
malha rodoviária na cidade não são processos naturais, mas conseqüências e
estratégias sob orientação predominantemente econômica.
J. Santos (2010) discute a presença, o papel e a apropriação dos proprietários
de terra sobre os arredores das rodovias que adentram a cidade de Vitória da
Conquista, na intensificação do processo de urbanização:
[...] salienta-se a necessidade de superação de uma visão mecanicista que insiste em explicar a produção das cidades baianas, como de outros lugares do Brasil e do mundo, por meio de elementos meramente técnicos, o que além de configurar o que Gottdiener (1997) definiu como determinismo tecnológico, também produz um fetichismo da técnica, que, problematicamente, inverte toda ordem da explicação e do fenômeno urbano. É diante desse equívoco que, de forma reducionista, as rodovias, por si mesmas explicam, por exemplo, o crescimento de cidades como Vitória da Conquista, Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus, Itabuna, dentre muitas outras, desconsiderando elementos muito mais relevantes para a discussão e que são a própria essência da existência de tais rodovias enquanto materialidade puramente técnica” (SANTOS, J., 2010. p. 62).
74
A necessidade de aprofundar a análise do espaço urbano, conforme Santos,
J. (2010), acentua-se no caso da cidade de Vitória da Conquista, pois as ações e
estratégias de apropriação foram historicamente dissimuladas por uma classe social
que domina as terras urbanas.
O estudo de Ferraz (2001) aponta para a existência de famílias “tradicionais”
que durante duas décadas (1974 a 1994) dominaram a produção do espaço urbano,
com fortes influências na política e o planejamento urbano. No entanto, é necessário
advertir que para essa dominação de uma elite “empreendedora” sobre a produção
do espaço urbano é imprescindível a propriedade dos elementos técnicos.
Conforme J. Santos (2010), as rodovias são exploradas não como
propriedade privada, mas como usufruto estratégico dos proprietários para legitimar
o valor de troca das terras, e afirmar poder pela propriedade da terra e da
localização.
As rodovias se tornaram grandes impulsionadoras da valorização urbana,
mobilizando a ação dos agentes privados nos arredores dessas vias, como resposta
ao crescimento da população e da demanda por moradia. Na cidade de Vitória da
Conquista, esse processo resultou na formação dos chamados “vetores de
crescimento urbano” (LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2004).
4.2 A reprodução do espaço da cidade e os elementos do processo de
valorização do bairro Boa Vista
O processo de valorização e expansão da cidade de Vitória da Conquista ao
longo do tempo foi consolidado como lócus privilegiado da reprodução do capital
regional. Como já identificado anteriormente, um conjunto de agentes se apropria
das condições espaciais, ou mesmo criam-nas com vistas a valorização e
associados às demandas do capitalismo compõem os principais fatores do
desenvolvimento urbano.
De acordo com Corrêa (2008), no cenário urbano brasileiro figuram novas
concepções de centralidade urbana. Nas últimas duas décadas ganharam destaque
as cidades médias, cujo papel e importância não se restringem aos limites
municipais, como é o caso de Vitória da Conquista.
O crescimento urbano e a valorização imobiliária nessa categoria de cidade
passam por fatores como: a ação das elites locais, chamadas por Corrêa (2008) de
75
“elites empreendedoras” e a “localização estratégica” que possibilitam uma cadeia
de “interações espaciais”. Esses três fatores somados resultam numa configuração
urbana diferenciada, cuja marca é o crescimento, a dinâmica e a capacidade de
atrair população, consumidores em busca de bens e serviços, e capital para
investimentos.
Nesse contexto, se fortalece uma das organizações classistas de maior
destaque no cenário econômico recente da cidade de Vitória da Conquista – a
Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Segundo informa a própria instituição,
O Clube de Diretores Lojistas de Vitória da Conquista (atual Câmara de Dirigentes Lojistas, CDL) surgiu no início dos anos 60, com a atuação dos empresários Osmar Silveira, Otávio Mendonça Luna, Chateaubriand Pereira dos Santos, entre outros. Eles foram influenciados pelo Movimento Lojista Brasileiro que copiara, na década de 50, o modelo americano de se organizar em grupos para defender seus interesses. [...] Na década de 1960 Vitória da Conquista já era uma cidade em franco desenvolvimento, sobretudo com o advento da BR 116 (Rio-Bahia), que trazia esperança de progresso e previa o crescimento do comércio (CDL, 2011)9.
A criação da CDL trata de fortalecer os tais “interesses” do grupo, a fim de
afirmar a nova elite comercial enquanto grupo de influência, tanto local quanto
regional. Como na citação acima, a tendência de expansão do setor comercial e de
serviços, especialmente nas cidades médias, cuja característica industrial não
apresenta tanta expressividade, reproduziu na região de Vitória da Conquista uma
mudança e ampliação das funções exercidas na cidade.
Esse é mais um elemento que ratifica a importância da centralidade de Vitória
da Conquista, pois a cidade passou a ter uma dinâmica comercial e de serviços cuja
participação no PIB atual é de aproximadamente 83% (IBGE, 2011).
As atividades comerciais e de serviços se apropriam da “qualidade da
conexidade” (FERRAZ, 2010) que a cidade de Vitória da Conquista apresenta, pela
presença das vias interurbanas e interestadual que transpassam a cidade. A elite
local e as esferas estatais deslocaram investimentos para atividades que
“requalificam a cidade e suas relações com a região” (FERRAZ, p. 191),
apropriando-se das possibilidades de articulação interurbana e interestadual.
O que se constitui atualmente é uma área de “alto nível de complexidade” que
articula espaços em rede que “[...] como qualquer outra intervenção humana, é uma
9 Conforme o site institucional <http://www.cdlvca.com.br/> (acesso em Janeiro de 2011)
76
construção social” (FERRAZ, 2010 p. 200).
Tal complexidade situa-se na multiplicidade das funções para as quais o
município e a cidade foram qualificados historicamente: entroncamento rodoviário,
pólo agrícola (cafeeiro), pólo comercial, pólo de serviços (saúde, educação,
financeiros), e na ampla influência desses aspectos no espaço regional, e na
formação de uma rede urbana sob influencia de Vitoria da Conquista, conforme
estudos do REGIC (IBGE, 2008).
Fica evidente o papel decisivo das elites constituídas na formação da rede
urbana, área de influência da cidade, que não nega a existência da região, mas que
agrega aos limites regionais a intensa dinâmica dos fluxos humanos, de mercadoria
e serviços.
4.2.1 O Bairro Boa Vista na constituição do espaço da cidade de Vitória da
Conquista
Até o ano de 1965 era inexpressiva a ocupação fora do eixo das rodovias, a
cidade crescia em torno do centro. O “espraiamento” da expansão urbana, como
define Ferraz (2001), só se deu a partir de 1977. Conforme os estudos da autora, a
crise do café em 1986 reforçou um processo de crescimento populacional associado
à expansão urbana.
Nesse período os principais conjuntos habitacionais populares foram
construídos em áreas completamente afastadas do centro da cidade, destinados a
uma população que aumentava com base principalmente no êxodo rural e na
migração oriunda das pequenas cidades da região.
O fluxo de população que resultou numa forte expansão física da cidade de
Vitória da Conquista teve início da década de 1970, com os primeiros investimentos
na lavoura cafeeira, e com as questões trabalhistas garantidas pelas Leis
Trabalhistas, que diminuíram significativamente a mão-de-obra empregada na
colheita do café (FERRAZ, 2001).
Esse fluxo inicial motivou os agentes privados a promover o loteamento de
terrenos nas áreas mais afastadas da cidade e nas áreas com menor valor
econômico, como a encosta da Serra do Peri Peri (ao Norte), conforme se pode
observar no Mapa 3, a evolução da ocupação urbana de Vitória da Conquista (p. 78)
Desta maneira alguns bairros contaram com uma efetiva ocupação e
77
crescimento com a abertura de novos loteamentos oficiais, e outros irregulares,
reforçada posteriormente pela crise do café a partir da segunda metade da década
de 1980.
Também o Estado, por intermédio das políticas nacionais de habitação,
interferiu na oferta de habitação na cidade de Vitória da Conquista a partir da década
de 1980, com a implantação dos conjuntos habitacionais construídos pela URBIS
(Companhia de Habitação e Urbanização) que totalizam 6 conjuntos habitacionais.
Segundo Capel (1975) esse tipo de ação do governo busca amenizar a
demanda por moradia, mas afirma a segregação socioespacial, pois a própria
localização dos conjuntos e a qualidade das moradias apresentadas reforçam a
apropriação privada das áreas centrais, planas e qualificadas da cidade.
Ainda segundo Capel (1975), implicitamente a mobilidade da força de trabalho
é um fator de influência e de exploração na produção do espaço urbano, e afirma
que a criação do mercado de moradia com a urbanização e as políticas de
financiamento aprisiona o indivíduo ao trabalho, devido ao compromisso com o alto
preço do imóvel em relação ao rendimento salarial, o que assegura a oferta de mão-
de-obra por longo prazo e a manutenção da dinâmica econômica nas cidades.
A localização dos conjuntos habitacionais em áreas distantes do perímetro
central isola as populações pobres nas periferias e mostra como o acesso a
habitação está submetido a uma organização desigual do espaço, combinada ao
mesmo tempo com a complementaridade destes espaços desiguais.
Almeida (2005) afirma que a distribuição espacial da habitação popular em
Vitória da Conquista evidencia a ação de um Estado que fomenta a segregação
socioespacial:
[...] a atuação heterogênea do Estado no espaço urbano conquistense produziu e produz uma “valorização” diferenciada deste espaço em que áreas serão contempladas por equipamentos coletivos e outras não [...] Assim, a cidade se reproduz de forma heterogênea e segregada, fruto das ações desiguais no processo de produção social do espaço urbano, mediadas pela divisão social e territorial do trabalho que constroem áreas consideradas mais “valorizadas” e menos “valorizadas” (ALMEIDA, 2005, p. 77).
Assim, até mesmo as ações do Estado estão condicionadas à esse sistema
quando, por exemplo, determina uma área mais afastada como “zona de habitação
78
de interesse social”. Sobre isso, Capel (1975) afirma que as políticas habitacionais,
com toda a precariedade das condições de moradia oferecidas, são importantes
estratégias de sustentação do capital, pois delas decorrem a possibilidade assentar
a mão-de-obra necessária à manutenção do crescimento econômico dos lugares,
com a característica da baixa qualificação e o consequente baixo custo do trabalho.
É possível observar no Mapa 3 que a expansão da malha urbana não se dá
conforme o uso e o esgotamento de áreas edificáveis nas proximidades do centro,
por exemplo, mas sim com base no valor de troca das terras e demais imóveis, cuja
localização representa para o mercado imobiliário a possibilidade do lucro de
monopólio.
79
MAPA 3 - Vitória da Conquista: evolução da ocupação urbana entre 1976 e 1996
Fonte: Plano Diretor Urbano de Vitoria da Conquista, 2002.
80
4.2.2 Ações e interesses dos agentes na organização do espaço do bairro Boa
Vista
A continuidade do processo de crescimento urbano em Vitória da Conquista
chegou à área do bairro Boa Vista com o primeiro loteamento licenciado em nome
de Acelino Pires Andrade em 1977, composto por 154 lotes10. O loteamento Boa
Vista, e o Loteamento Jardim Guanabara (136 lotes), deferidos no mesmo ano,
fizeram parte da etapa de maior expansão física da cidade de Vitória da Conquista.
Segundo Ferraz (2001), a cidade passa a ter uma configuração “espraiada”.
O bairro Boa Vista que pode ser visualizado na Figura 4 (p. 81), com seus
primeiros loteamentos, surge no final da década de 1970, um período em que a
quantidade de loteamentos deferidos foi bastante expressiva, reproduzindo a
tendência de crescimento urbano acelerado, comum em várias cidades brasileiras.
Ferraz (2001) afirma que foram cerca de 50 loteamentos abertos na cidade de
Vitória da Conquista entre os anos de 1970 e 1979. No período de 1970 a 1990
houve uma forte expansão física da cidade, devido ao crescimento populacional e
com isso a ação dos agentes loteadores.
O crescimento do número de áreas habitáveis por loteamentos foi conforme
Ferraz (2001) o “espraiamento” da malha urbana, porém mantendo do controle das
terras centrais ou próximas ao centro e às possíveis novas centralidades assim se
mantiveram extensos vazios urbanos, os quais a autora nomeia de áreas “sem
destinação específica”.
No entanto, os espaços assim definidos pela autora, são na atualidade o
foco de grande especulação, cujo processo de valorização ocorrido com o acúmulo
de benfeitorias no entorno revela o objetivo de tais reservas de terra: o controle da
produção do espaço e a reprodução ampliada do capital imobiliário inclusive no
bairro Boa Vista.
Além de representarem uma grande área de propriedade, os “vazios
urbanos” no decorrer do tempo, se desdobram em novas possibilidades de
apropriação da localização, fomentando a renda de monopólio.
10
Levantamento dos loteamentos abertos em Vitória da Conquista segundo Ferraz (2001).
81
Figura 4.- Vitória da Conquista: Localização do bairro Boa Vista, loteamentos, vias de acesso e o shopping
82
Como exemplo, no bairro Boa Vista, as áreas não loteadas nas
proximidades dos principais acessos viários, com o crescimento da cidade, ganham
importância estratégica e, com isso, agregação de valor econômico. Dessa maneira,
os proprietários dessas glebas têm o monopólio de um espaço que incorpora no
preço a importância das benfeitorias públicas e privadas do entorno.
A presença das vias de acesso, denominadas corredores urbanos, como a
avenida Juracy Magalhães, a avenida Luiz Eduardo Magalhães e a proximidade com
o shopping Conquista Sul são na atualidade elementos apropriados para a
valorização do espaço do bairro, orientando inclusive a organização das novas
formas de apropriação privada.
Outro fator de promoção do crescimento populacional é a consolidação da
centralidade urbano-regional em Vitória da Conquista, que atraiu fluxos migratórios
do campo e das cidades menores. Tais mudanças demonstram que há uma
constituição histórica do potencial de atração populacional da cidade de Vitória da
Conquista.
Conforme os dados da tabela 1, se ressalta como resultado da atração
populacional a inversão da situação do domicílio que no ano de 1970, já sobrepõe o
quantitativo da população urbana sobre a população rural. Em continuidade se
observa ainda a progressão nas taxas de urbanização, que confirma a importância
da cidade de Vitória da Conquista enquanto centralidade urbana:
Tabela 1 - Vitória da Conquista: população rural e urbana (1950 – 2010)
Ano População Rural População Urbana
1950 26.993 19.463
1960 31.401 48.712
1970 41.569 85.959
1980 43.245 127.652
1991 36.740 188.351
2000 36.949 225.545
2011 32. 127 274.739
Fonte: IBGE, 2011 Organização: Ione Rocha
A partir do ano de 1980, a cidade de Vitória da Conquista tornou-se sede de
serviços públicos do Governo estadual, de abrangência regional principalmente nas
83
áreas de educação e saúde, com a implantação da Diretoria Regional de Educação
20 (DIREC) e da 20ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES). Esses fatos contribuíram
sobremaneira para reforçar e institucionalizar a centralidade urbano-regional da
cidade de Vitória da Conquista.
Houve, portanto, a inversão da população municipal de rural para
eminentemente urbana que teve origem na modernização da agricultura, que
implicou transformações substanciais nas relações de trabalho no campo, inclusive
com forte processo de migração do campo para a cidade.
Essa lógica, segundo Damiani (1999), expõe a essência capitalista da cidade
que a torna ao mesmo tempo centro/concentração e “raridade”, cujos processos
comercialização dos espaços apropriados como mercadoria, parcelados e
comercializados, não se dão ao acaso, mas conforme as tendências de mercado,
muitas vezes produzidas pelos próprios agentes.
As estratégias de controle por parte dos proprietários, que não têm interesse
em vender totalmente as terras, sustentam a existência dos “vazios” que
representam uma reserva local de terra. Disso resulta a criação da raridade em
relação a ocupação do entorno com o “esgotamento” dos loteamentos já existentes
e a constituição de uma renda de monopólio obtida através dessas relações com as
benfeitorias do entorno e com a demanda por moradia.
Essa estratégia de ocupação e regulação do espaço dá um profundo sentido
à formação dos “vazios urbanos” do ponto de vista capitalista, e reforça o monopólio
que caracteriza hoje um dos principais fatores de extração da renda da terra.
Dessa forma, é necessário entender o processo de expansão urbana como
forma de apropriação das terras e da disponibilidade de áreas para ocupação,
especialmente no caso de Vitória da Conquista cujo efeito da urbanização repercutiu
na valorização econômica e desigual do espaço da cidade.
O processo de valorização decorre da forma como a localização se articula
com a vizinhança, uma vinculação estratégica que pressupõe uma ação efetiva dos
agentes capitalistas da produção do espaço urbano. Um desses loteadores,
segundo declarações feitas a Ferraz (2001), utilizou da estratégia de doação de
lotes para a prefeitura e para famílias com o objetivo de assegurar povoamento das
novas áreas, que se configurou também numa estratégia de promoção, de atração
de compradores para uma área mais afastada do Centro ainda sem infraestrutura
urbana (pavimentação, água, esgoto e energia elétrica).
84
No caso do bairro Boa Vista, não houve uma estratégia de adensamento em
termos de ocupação, pelo menos no que tange a sua origem. Situando-se
basicamente entre o Centro da cidade e o bairro Espírito Santo no extremo Sul, o
Boa Vista teve sua ocupação mais efetiva a partir do ano 2000, cujo Censo do IBGE
aponta apenas 1.601 moradores nesse ano.
Conforme a evolução da ocupação urbana (que pode ser verificada no Mapa
3, p.79), pode se identificar a localização dos primeiros loteamentos aprovados entre
os anos de 1977 e 1986 para o bairro Boa Vista: o Jardim Guanabara, e o Alto da
Boa Vista. A partir do ano de 1987, tem prosseguimento o parcelamento da área que
se estende entre o norte e o sul do bairro Boa Vista.
A área explorada possui duas características interessantes: faz a ligação
entre os bairros já existentes, como no caso do Loteamento Alto da Boa Vista que se
avizinha ao Bairro Recreio, e o Loteamento Jardim Guanabara que inicia a ocupação
margeando a Avenida Juracy Magalhães.
Os mais recentes loteamentos são áreas de mais rápida ocupação, devido ao
próprio contexto do crescimento e valorização imobiliária e ainda permeada pelos
vazios urbanos, como no caso das chamadas “chácaras”. Inicialmente, os
loteamentos no bairro margearam a Avenida Juracy Magalhães. Os primeiros
parcelamentos eram predominantemente de lotes comerciais, localizados na referida
avenida e ao fundo os loteamentos residenciais, como no caso do Loteamento
Jardim Guanabara, um dos mais antigos.
Como exceção a essa ocupação da margem da Avenida Juracy Magalhães,
pode-se citar o loteamento Alto da Boa Vista. A área situa-se bem no interior do
bairro e na ocasião de sua criação dava prosseguimento a uma área considerada
“nobre” na cidade, o bairro Recreio.
Todavia, a ocupação desta área não alcançou a mesma densidade do
Recreio, já que entre os dois bairros encontra-se passagem do rio Verruga. O Rio,
cuja nascente se situa na porção norte da cidade, na Serra do Peri Peri, sofreu
canalização subterrânea, pois passa por áreas de ocupação importante como o
centro da cidade, e tem desembocadura justamente na divisa entre os bairros
Recreio e Boa Vista onde passa a correr em leito natural.
Mesmo não apresentando um volume de água que ameace a ocupação em
áreas próximas, o processo de canalização oportunizou a maior contaminação do rio
pelos dejetos urbanos, além da existência de um amplo desnível topográfico na área
85
do bairro Boa Vista onde o rio se encontra.
As águas correm por uma vala que separa os bairros e que pela presença e
contaminação do curso forma um obstáculo e um fator de desvalorização daquela
(pequena) área. Ainda assim, na margem direita do rio, numa fração do bairro Boa
Vista, verifica-se a presença de uma ocupação irregular “a invasão do Alto da Boa
Vista”, datada na década de 1980.
Observa-se que o bairro Boa Vista se constitui num recorte espacial da cidade
que reflete o atual processo de valorização urbana, considerando a afirmação da
cidade de Vitória da Conquista como centralidade urbano-regional, mas que por ser
parte de uma totalidade complexa que é a cidade, reproduz também os interesses
dos agentes sociais em seus distintos loteamentos dos quais o perfil construtivo e a
infraestrutura estão diretamente ligados as diferenças de classe social.
4.2.3 A formação do vetor sul e a apropriação dos corredores urbanos
A avenida Juracy Magalhães, uma das principais vias urbanas da cidade de
Vitória da Conquista atualmente, tornou-se o prolongamento urbano da rodovia BR
415 que liga o município ao sul e litoral sul da Bahia. Sua origem remonta, portanto,
aos caminhos e estradas coloniais que a partir de 1728 (TANAJURA, 1992), por
meio de oficio da Coroa Portuguesa, tiveram importância elevada para a conquista
de “novas” terras que favorecessem a articulação entre o sertão, o litoral e as zonas
intermediárias nesse percurso, cujo memorial feito por Tanajura (1992) afirma:
A título de tornar mais fácil a comunicação entre o Sertão da Ressaca e o Litoral de Ilhéus, lê-se uma Memória sobre o antigo Município de Conquista, Bernardo Lopes Moitinho abriu a primeira via que ligava a Imperial Vila da Vitória àquela zona litorânea. Ela passava por Itambé e Cachimbo e ia entroncar-se em Itabuna, com a estrada que vinha de Minas Gerais para encontrar a faixa costeira (TANAJURA, 1992 p. 50).
A origem da Rodovia BA 415 e seu prolongamento como via urbana decorre
de processos históricos da organização estratégica do espaço. Na cidade de Vitória
da Conquista, já desde a Vila Colonial se consolidava um espaço estratégico, cuja
localização foi utilizada para disseminar a colonização do sertão.
O processo de urbanização em Vitória da Conquista transformou essas vias
86
em estruturas de circulação articuladas a circulação nacional, com a constituição da
Rodovia Estadual BA 415, e a Rodovia Federal BR 116. O crescimento urbano
conforme já discutido anteriormente, teve ênfase maior a partir da década de 1970,
mas já em 1950, por exemplo, a Avenida Juracy Magalhães já existia enquanto via
urbana, embora com importância discreta no contexto da produção do espaço.
Até o final da década de 1970, essa via apenas levava a saída da cidade em
direção ao litoral sul da Bahia, quando se torna a BA 415. No entanto, já nessa
década ao extremo sul da cidade foi construído o conjunto de loteamentos do Bairro
Espírito Santo, que constava inclusive de um conjunto habitacional URBIS VI,
construído na década de 1980, e que atualmente é uma área densamente ocupada
da cidade.
A ação dos agentes imobiliários (que até o ano de 2004 era basicamente de
loteadores) conjugada à ação do Governo municipal, com a instalação de
equipamentos urbanos públicos e privados que formou no entorno das rodovias os
chamados vetores de crescimento urbano de Vitória da Conquista, cuja Avenida
Juracy Magalhães atualmente constitui o eixo central do vetor de crescimento ao Sul
(LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2004).
A instalação de infraestrutura nessa avenida é recente, e se intensificou nos
últimos dez anos. Como resultado, os direcionamentos tomados pela ocupação
urbana têm configurações diferenciadas, devido às ações desiguais do governo e
dos agentes privados.
No entanto, até meados de 2004, conforme o levantamento realizado junto à
Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, além da abertura de loteamentos
residenciais, poucos empreendimentos comerciais e de prestação de serviços foram
instalados na área do bairro. A Avenida Juracy Magalhães se constituiu lentamente
como vetor de crescimento urbano e valorização imobiliária, e por fim, só após a
construção do Shopping Conquista Sul nessa mesma avenida.
A construção do Shopping Conquista Sul atraiu muitos interessados entre
moradores e investidores para os loteamentos dos dois bairros, mas a ocupação se
deu de maneira forma gradativa.
A inauguração do shopping, o primeiro empreendimento desse tipo em toda a
região Sudoeste da Bahia e sua consolidação como empreendimento comercial de
sucesso (que no inicio encontrou forte resistência por parte dos comerciantes de rua
locais) representou um marco de forte valorização imobiliária nos bairros vizinhos.
87
Nesse contexto tanto os agentes imobiliários passaram a empreender novas
formas de renda no entorno, quanto os proprietários de imóveis passaram a ocupar
rapidamente os terrenos com construções, e a promover melhorias nos imóveis já
existentes, quanto o poder público para o qual a ocupação gera também receitas, na
forma do Imposto Teritorial Urbano, por exemplo.
A prefeitura interveio na área dos bairros Boa Vista e Felícia após a
implantação do shopping fazendo a duplicação da Avenida Juracy Magalhães, que
resultou na melhoria da fluidez do tráfego, construiu um canteiro central na pista,
colocou sinalização de trânsito e reorganizou o tráfego de veículos na área. Esses
fatos foram determinantes para transformar a avenida numa das principais vias de
circulação da cidade, deslocando para o seu entorno novos empreendimentos
comerciais e residenciais.
Com a importância da via reforçada, o preço das terras e das benfeitorias em
seu entorno foi elevado a patamares mais caros por efeito da nova condição de
localização implicando o preço de monopólio. Nesse sentido, os equipamentos
urbanos implantados na vizinhança têm um papel importante, pois o Shopping
Conquista Sul construído no bairro Felícia contribuiu sobremaneira para valorizar os
loteamentos e benfeitorias no Bairro Boa Vista.
A presença do shopping foi determinante para reforçar o monopólio das terras
por parte dos proprietários nessa área, os quais buscam retirar de suas
propriedades que permanecem como reserva de valor a maior lucratividade possível
no futuro. Justamente nessas áreas não loteadas surgiram os primeiros
condomínios verticalizados voltados para a classe média, o que atrai para o bairro
nova rede de infraestrutura urbana e implica nova onda de valorização imobiliária.
4.3 As estratégias de loteamento no bairro Boa Vista
O bairro Boa Vista experimentou gradativamente os efeitos da dinâmica
econômica e da expansão física da cidade de Vitória da Conquista. Inicialmente as
estratégias de comercialização de terrenos urbanos consistiam na abertura de
loteamentos.
Em geral, os loteamentos destinados as populações pobres não obedecem
uma sequência de dotação de infraestrutura, pois esse processo diminui
significativamente a margem de lucro dos loteadores que já recebem o pagamento
88
em parcelas.
Conforme o quadro 1, há intervalos consideráveis entre a abertura dos
loteamentos, o que demonstra que no período entre 1977 e 2003 houve constância
na atividade loteadora para este Bairro. A abertura de loteamentos no bairro teve
início no ano de 1977 e se estendeu até o ano de 2003, conforme o quadro a seguir:
Quadro 1 - Vitória da Conquista: Loteamentos do bairro Boa Vista deferidos entre os anos
de 1977 a 2010
As sucessivas aberturas de loteamentos, conforme visto na tabela acima,
revelam a existência de terras a serem comercializadas, a medida em que se
reproduzem e intervalos relativamente curtos a abertura de outros loteamentos. No
entanto, a partir de 2003 a atividade loteadora tem uma pausa. A perspectiva da
inauguração da Avenida Luíz Eduardo Magalhães, e da Inauguração do Shopping
Conquista Sul a partir do ano de 200611 motivaram uma mudança na ação dos
proprietários de terras no Bairro Boa Vista.
Assim, se revela um certo controle das terras por parte dos proprietários, que
11
Conforme análise feita quanto a cada loteamento especificamente, e o processo de verticalização recente no Bairro Boa Vista, ainda neste trabalho (mais adiante).
Ano Deferimento Nome 1977 Loteamento Boa Vista 1977 Loteamento Jardim Guanabara 1977 Chácaras Jardim Guanabara 1981 Loteamento Alto da Boa Vista 1983 Loteamento Morada Boa Vista 1986 Loteamento/Condomínio Vila dos Pinheiros 1991 Loteamento Morada do Parque 1992 Loteamento Fluminense 1996 Loteamento Conquistense 1997 Loteamento Vila América 1999 Loteamento Esplanada do Parque 2000 Loteamento Morada dos Bem-te-vis 2003 Loteamento Porto Seguro 2004 NC* NC 2005 NC NC 2006 NC NC 2007 NC NC 2008 NC NC 2009 NC NC 2010 NC NC
*Não consta registro de loteamentos. Fonte: Ferraz, 2001, Lima; Rocha; Rodrigues, 2004; Coleta de dados, 2011 (Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo) Organização: Ione Rocha
89
não lançam mão do loteamento total de suas áreas, deixando sempre uma reserva
de terras que passa a ser explorada com a agregação de valor após a ocupação da
área disponibilizada anteriormente.
Com isso, observamos que o padrão construtivo de médio e alto custo é
também uma conseqüência da lógica de valorização, como identificado in loco e que
se pode verificar nas fotografias 1 e 2;
Foto 1 - Loteamento Alto da Boa Vista: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 2 - Loteamento Alto da Boa Vista: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
A presença de moradores atrai serviços como iluminação pública e
saneamento que representam ao empresário loteador fatores de valorização. Nesse
contexto, os próprios moradores ao construírem suas habitações, ao perceberem
sua inserção no contexto de valorização, passam a empreender as alterações nos
imóveis como reformas, ampliações, alteração dos projetos originais, alteração das
fachadas e subdivisão de lotes por exemplo.
De acordo com a Lei Municipal 1.481/2007 – o Código Municipal de Obras -
há diversos padrões habitacionais definidos pela função, área construída e alguns
outros parâmetros técnicos como recuo, altura, rampas etc., esses últimos mais
rigorosamente aplicáveis a edificações de perfil comercial.
No bairro Boa Vista foram identificadas edificações de perfil residencial
popular que, conforme os parâmetros técnicos para obras, correspondem a
edificações compostas dos seguintes compartimentos: sala, cozinha, um sanitário,
um quarto, sem cobertura de laje e não excedendo o limite de área construída em
90
70m² (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 148.). Esse tipo de edificação, por
corresponder às famílias camadas sociais mais pobres, pode ter o projeto
arquitetônico fornecido sem custos pela própria Prefeitura Municipal.
O numero de edificações do tipo plurifamiliar e com mais de um pavimento
aumentou tempos recentes. Esse aumento se deve à exploração máxima da
possibilidade de edificação sobre um terreno, em face da valorização da área do
bairro Boa Vista, conforme se pode verificar nas fotos 3 e 4
As construções residenciais, portanto, podem ser unifamiliar, ou plurifamiliar
(ou pluridomiciliar) e compostas em alguns casos por mais de um pavimento. Na
pesquisa de campo foram identificadas também edificações destinadas à atividade
residencial, ou seja construções voltadas para a habitação, mas com área
construída superior a 70m², o que implica um custo pelo metro quadrado construído
excedente, e representa por tal custo uma classe social com maior renda.
No primeiro caso, observamos que as construções unifamiliares com dois
pavimentos são em sua maioria construções recentes, cujos projetos são
executados por parte, e demonstram as formas como os moradores se inserem no
espaço de valorização e assim se tornam também agentes que reforçam essa
lógica.
No segundo caso, o das edificações plurifamiliares, a forma como as
construtoras, ou até mesmo proprietários de pequenas parcelas do espaço,
Foto 3 - Bairro Boa Vista: Construção plurifamiliar
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 4 - Bairro Boa Vista: Condominio residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
91
empreendem a exploração maximizada do terrenos com prédios que chegam ao
quarto pavimento, que sensivelmente vão alterando a paisagem e contribuindo para
o adensamento populacional do bairro, conforme as fotos 5 e 6 expõem.
Dentre outros usos houve a ocorrência de edificações de perfil comercial
cujo objetivo é abrigar “atividade econômica que tem como função específica a troca
de bens e a prestação de serviços de qualquer natureza” (VITÓRIA DA
CONQUISTA, 2007 p. 67).
4.3.1 Os loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista
O Loteamentos Alto da Boa Vista, Boa Vista e Morada da Boa Vista são
desdobros de uma única gleba de terras, a primeira a ser loteada no bairro Boa
Vista, pois nos registros de Alvarás de Construção da PMVC esta área constam
apenas os loteamentos Alto da Boa Vista e Boa Vista.
Os loteamentos foram criados num contexto de pleno crescimento urbano de
Vitória da Conquista. No entanto, sua ocupação é rarefeita desde sua abertura,
revelando um processo de especulação por parte dos proprietários de grandes e
pequenas áreas, e considerando a ocupação dos loteamentos do entorno e adição
recente de benfeitorias nas proximidades.
No ano de 1977, quando foram licenciados esses loteamentos, foram
Foto 5 - Bairro Boa Vista: Construção Plurifamiliar com quatro pavimentos
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011Fonte:
Foto 6 - Bairro Boa Vista: Condominio Residencial com 2 pavimentos
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
92
disponibilizados lotes relativamente grandes, com parte da infraestrutura exigida
para ser considerado regular como meio-fio e pavimentação, energia elétrica e
iluminação, e rede de abastecimento de água.
Algumas dessas benfeitorias constituíam, na época, verdadeiros privilégios, já
que toda a área restante do bairro Boa Vista não contava com quase nenhuma
delas, a exemplo de esgotamento sanitário, que foi ampliado para a maioria dos
loteamentos somente em 2010. Segundo informação de um agente imobiliário
entrevistado:
E essa região aqui é uma região muito boa. Esse loteamento Boa Vista é o melhor loteamento que tem aqui na cidade. Em termos de logística do loteamento, os lotes são de 1.000m², enquanto que lá no Candeias os lotes são todos de 400 e poucos metros, dificilmente chega a 500 metros quadrados. Pra fazer uma casa maior tem que chegar a comprar 2, 3, 4 lotes pra construir, e os lotes aqui já são desse tipo. As ruas são bem largas, entre um muro e outro você tem 19 metros de largura, pra no futuro se quiser alargar a rua, com uma área verde comum [...]12
No entanto, a boa localização e a disponibilidade de estruturas como meio
fioe esgotamento sanitário, por exemplo, conflitavam com a dificuldade de acesso à
área dos loteamentos Boa Vista e Alto do Boa Vista. A princípio, o acesso principal
à Avenida Gilenida Alves que margeia os referidos demembramentos e o loteamento
Morada Boa Vista era um desvio de estrada de terra que ligava o bairro Recreio ao
Bairro Boa Vista, fato que representava algumas dificuldades.
A Avenida Gilenilda Alves, existente desde a construção do Condomínio Vila
dos Pinheiros (1986), também não era pavimentada, embora fosse o único acesso
ao condomínio e à área dos Loteamentos Boa Vista, Alto do Boa Vista e Morada
Boa Vista.
Nas fotografias 7 e 8, se pode observar a extensão da Avenida Gilenilda
Alves que, com a criação de novos loteamentos, passou a ser uma importante via de
acesso a diversas novas áreas mais recentemente ocupadas, como o Loteamento
Vila América, por exemplo.
12Depoimento de um empresário da construção civil proprietário de três grandes
empreendimentos imobiliários no Bairro Boa Vista em entrevista concedida para esta pesquisa em Julho de 2011.
93
Foto 7 - Bairro Boa Vista: prolongamento da Avenida Gilenilda Alves
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 8 - Bairro Boa Vista: Acesso ao Vila América: Avenida Gilenilda Alves
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A Avenida Juracy Magalhães teve importância como um dos acessos
principais aos Loteamentos Boa Vista, Alto do Boa Vista e Morada Boa Vista, no
entanto, esse acesso demandava a passagem pela área intermediária entre a
avenida e os loteamentos loteamento, um espaço considerável e completamente
sem infraestrutura viária e de transporte.
No ano de 2005, com a inauguração da Avenida Luís Eduardo Magalhães, foi
que os acessos aos Loteamentos Boa Vista, Alto da Boa Vista e Morada Boa Vista
foram amplamente facilitados e a partir desse marco um processo intenso de
valorização, renovação e ocupação se instauram nos loteamentos citados nos
demais componentes do Bairro Boa Vista.
A ocupação da área do Loteamento Boa Vista e seus desdobramentos foi
ainda dificultada pela falta de infraestrutura do entorno: não havia vizinhança e nem
transporte numa área muito extensa que compõe o bairro Boa Vista, exceto pelo
condomínio Vila dos Pinheiros, construído no ano de 1986, cujo acesso é feito pela
Avenida Gilenilda Alves, que só a partir do ano de 2006 ganhou status de acesso
principal, após a construção do Condomínio Green Ville e ao crescimento do
Loteamento Vila América.
Apenas em 2010 foi que a Avenida Gilenilda Alves recebeu a pavimentação
asfáltica, conforme mostram as fotografias 9 e 10.
94
Foto 9 - Bairro Boa Vista: sinalização das obras na Avenida Gilenilda Alves
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 10 - Bairro Boa Vista: pavimentação da Avenida Gilenilda Alves e cruzamento com a Avenida Luíz Eduardo Magalhães
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
O logradouro se estende da Avenida Luiz Eduardo Magalhães até o anel
viário no limite Sul do Loteamento Vila América. No entanto, as obras de
pavimentação contemplaram apenas o trecho de acesso aos Loteamentos Boa
Vista, Alto da Boa Vista, Morada da Boa Vista, e se encerram na avenida de acesso
ao loteamento Vila América e aos condomínios Green Ville e Villa Constanza.
O volume de investimento nessa obra mobilizou recursos do município e do
estado totalizando R$ 717.091,23. No entanto, essa verba não contemplou a
pavimentação como infraestrutura, mas apenas como complementação e viabilidade
de acesso, pois como já visto, os loteamentos do bairro “Boa Vista” já contavam com
a estrutura de pavimentação, ainda que antiga.
Como constatado, a intervenção do poder público não atende as
necessidades da maior parte dos moradores do bairro que se concentra no
Loteamento Vila América, cujas novas obras de pavimentação apenas o margeiam.
Por outro lado a obra, ainda que parcial, beneficia os proprietários dos lotes
nos loteamentos Boa Vista, Alto da Boa Vista e Morada do Boa Vista, pois com a
acessibilidade, se tem a possibilidade de agregar maior valor as terras, e com isso
lentamente começa a se notar um maior aproveitamento da área dos lotes com
algumas construções plurifamiliares.
As construções com esse perfil na área ainda são poucas, mas já se
observa uma busca por maior utilização dos lotes, com edificações de até quatro
95
pavimentos. Nota-se nessa área a apropriação da acessibilidade como forma de
valorização dos imóveis, cujo preço tem aumentado nas proximidades da avenida
Gilenilda Alves, por exemplo.
Conforme os interesses dos agentes imobiliários e os empreendedores do
mercado de moradia, a questão da infraestrutura representa um composto de
valorização econômica de uma área e, por esse motivo, torna-se um ponto de
tensão na relação com a Prefeitura:
O Alto da Boa Vista quando foi loteado foi todo asfaltado, aí depois que passou, a prefeitura deixou acabar, ficou um bairro sem acesso durante um bom período, depois que foram fazendo os acessos o investimento foi chegando, por isso hoje tem um volume grande de construção aqui no Boa Vista (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).
Isso ocorre o contrário das demandas populares que consistem nessas
mesmas reivindicações, que ultrapassam o âmbito do conforto e da comodidade. As
demandas da população pobre do loteamento Vila América, por exemplo, as
necessidades deslocamento para o trabalho, acesso aos hospitais, escolas etc..
A diferença de significado que a infraestrutura urbana constitui para cada
classe social fica expressa no argumento de um dos sócios de uma construtora
local, que possui três empreendimentos imobiliários no bairro Boa Vista, para os
quais a própria empresa se dispõe a realizar a pavimentação se esta não ocorrer até
a data da entrega dos apartamentos:
[...] o nosso cliente vai chegar na casa dele com pavimentação. A gente leva a pavimentação a um trecho onde isso não existia, porque o poder público não fez, e acaba que a gente tem que fazer para viabilizar o nosso empreendimento. Isso aí, se você tem um lote que vale “x” e passa o asfalto na sua rua, ele aumenta 10, 20, 30% de valor. Se você tem um lote sem construir e constrói uma casa simples do lado ele tende a perder o valor. Se construir uma casa boa ele tende a aumentar valor. Então o nosso empreendimento no Boa Vista, como é dotado de toda a infraestrutura e de lazer, tem tudo pra valorizar a vizinhança13.
De fato, as benfeitorias realizadas nos loteamentos ou no entorno atraem
mais investimentos, e até mesmo a ocupação, e reproduzem com isso o processo
de valorização seletiva do espaço.
13
Depoimento de um empresário da construção civil, empreendedor de construções verticalizadas no Bairro Boa Vista, concedido em entrevista para esta pesquisa em Julho de 2011
96
No loteamento Boa Vista se observa um número crescente de casas, de
padrão residencial, uma boa parte composta por dois pavimentos, configurando uma
ocupação mais recente, ainda que a aquisição dos lotes remonte a um momento
bastante anterior, quando os terrenos tinham um custo menor.
Verifica-se com isso, uma mudança no perfil de atuação dos moradores, já
que os projetos arquitetônicos das edificações residenciais com mais de um
pavimento implicam um custo elevado de licenciamento, inspeção e construção e
confirmam a participação do morador como proprietário imobiliário e agente da
produção do espaço urbano.
Portanto, essa não é uma característica do espaço em si, mas da forma
como é empreendido pelos agentes e ocupado pelos proprietários. Dessa maneira,
pode-se observar uma crescente atividade do mercado imobiliário no bairro, como
se apresenta nas fotos 11 e 12:
O crescimento do número de edificações e moradores ocorreu após a
inauguração do Shopping Conquista Sul em 2006, do Condomínio Green Ville,
também em 2006, e da abertura da Avenida Luíz Eduardo Magalhães, em 2005, o
que constitui um conjunto benfeitorias realizadas pela iniciativa privada (shopping e
o Condomínio) e por investimento dos governos estadual e municipal (na Avenida).
Tais ações somadas configuraram elementos de valorização que
impulsionaram o crescimento da ocupação dos loteamentos Boa Vista e Alto da Boa
Vista. Esse fato situa a área total do bairro Boa Vista numa posição privilegiada da
Foto 11 - Bairro Boa Vista: fachada de um condomínio residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 12 - Bairro Boa Vista: anúncio de aluguel de casas
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
97
cidade, nesse novo contexto de organização espacial.
Conforme se pode observar no gráfico 1, as edificações mais simples são
poucas como observado nos anos 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2008 e 2010.
Verifica-se um declínio da ocupação popular, especialmente a partir de 2005,
quando os loteamentos se afirmam finalmente como residenciais (não populares).
Esse fato demonstra a mudança geral do perfil imobiliário dos Loteamentos
Boa Vista e Alto da Boa Vista, como espaço inserido na dinâmica intensa de
valorização do espaço do bairro.
Gráfico 1 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção nos loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
A categoria “outros” corresponde a um conjunto de ações basicamente de
alterações de imóveis já existentes: desmembramento14, desdobro15, demolição,
ampliação de projeto residencial, alteração de projeto residencial e subdivisão de
14
Conforme a Lei Municipal 1.481/2007 que “institui o código de ordenamento do uso e ocupação do solo e de obras e edificações do município de Vitória da Conquista – Bahia”, o procedimento de desmembramento é considerado com uma das formas de parcelamento do solo urbano, e conforme o Artigo 8º, Inciso 1º item V consiste em “qualquer divisão de gleba, voltada para logradouro público, de que resultem novas unidades imobiliárias e que não implique abertura de novos logradouros públicos ou ampliação dos existentes” (VITÓRIA DA CONQISTA, 2007 p. 07).
15Conforme a Lei Municipal 1.481/2007, o procedimento de desdobro é considerado com uma das
formas de parcelamento do solo urbano, e conforme o Artigo 8º, Inciso 1º item V consiste na “divisão da área de um lote integrante de loteamento ou de desmembramento para a formação de novo ou novos lotes” (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 07).
0
2
4
6
8
10
12
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Quantidade d
e a
lvará
s d
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ridos
Ano do deferimento
Residencial (não popular) Popular Comercial Outros
98
lotes. Essas mudanças nos imóveis são também indícios de um processo de
valorização que não parte somente dos grandes proprietários e construtores, mas
indica a ação do morador no processo de renovação dos loteamentos a ser
verificado na mudança do perfil imobiliário.
Pode se examinar tais ações considerando conforme os dados do gráfico 1
que a categoria “outros” a partir do ano de 2004 adquire importância devido à sua
crescente presença nos loteamentos pesquisados e a predominância de
construções residenciais tanto por projetos de médio e alto custo quanto por
renovação conforme as fotografias 13 e 14.
Foto 13 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 14 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Optamos, portanto, por manter a categoria “outros” entre as demais por
observar o crescente número de alterações a partir do ano de 2004, ano
imediatamente anterior a implantação da Avenida Juracy Magalhães. Por este
motivo, a categoria de alteração de imóveis já construídos (“outros”) também está
relacionada à localização relativa a equipamentos urbanos que representam a
valorização econômica da área dos loteamentos e com isso a mudança no perfil
imobiliário.
De acordo com o levantamento dos custos dos alvarás de construção
realizado junto à Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, a média geral do custo
das licenças desde o ano de 2000 corresponde aproximadamente ao valor de R$
811. Esse valor e o perfil de moradia correspondente – residencial (não popular)
apontam para o fato de que não se trata de uma área de ocupação popular, pois tal
99
padrão de habitação atende às famílias de grupos de renda mais elevada.
4.3.2 Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Morada dos
Bem-te-vis e Fluminense
Esses desmembramentos surgiram num contexto mais recente em que a
ocupação do entorno do bairro já estava definida, e os próprios loteamentos do
Bairro Boa Vista já contavam com algumas benfeitorias, como transporte coletivo e
iluminação.
Há nos loteamentos pesquisados a inicial predominância de habitações
populares que chegam a sobrepor-se sobre o volume de construções residenciais no
período até o ano de 2001. Conforme se pode observar no gráfico 2:
Gráfico 2 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Morada dos
Bem-te-vis e Fluminense
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
Essas áreas passaram por um intenso processo de valorização e rapidamente
se deu a ocupação dos lotes com construções unifamiliares e plurifamiliares16.
16
Termos técnicos adotados pela Secretaria Municipal de Obras que consiste na definição da
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O Código de Posturas17 do município no Arigo 5º, ítem III que discorre sobre o
Zoneamento Urbano, classifica a Avenida Luis Eduardo Magalhães como Corredor
de Uso Diversificado (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 04), uma área onde é
permitida a construção residencial e comercial, e por isso uma importante área de
valorização, já que se articula com um corredor de circulação viária regional – a
Avenida Juracy Magalhães.
Pode-se ressaltar que até o ano de 2004 havia uma ocupação “tímida”,
considerando o número de licenças/alvarás liberados, com a predominância de
construções populares e residenciais não populares, o que é revertido a partir do
ano de 2005. Nesse ano passa a existir uma dinâmica diversificada na produção do
espaço nessas áreas do bairro, com a predominância das construções residenciais,
e da categoria de renovação (outros) como se pode conferir nas fotos 15 e 16.
Foto 15 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 16 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Os loteamentos, cujo acesso via Avenida Luiz Eduardo Magalhães ou pela
Avenida Juracy Magalhães é imprescindível, passaram a fazer parte também desta
dinâmica. Dessa maneira, o ano de 2005 tornou-se marco temporal do início do
processo de valorização imobiliária desses loteamentos, pois foi quando houve a
quantidade de famílias que ocupa uma construção residencial. O termo unifamiliar designa edificações voltadas para o uso de moradia de apenas uma família, já o termo plurifamiliar corresponde a uma propriedade residencial que não tem apenas a função de moradia da família ou empresa proprietária, mas abriga em um mesmo lote varias residências. Assim se podem classificar os condomínios/ blocos verticalizados, por exemplo.
17 Termo de referencia a Lei Municipal 1.481/2007.
101
abertura da Avenida Luiz Eduardo Magalhães.
Através da evolução anual do perfil de habitação, pode-se aferir a forte
vinculação da produção do espaço do bairro com a presença e a implantação e
novos equipamentos urbanos. No entanto, se confere a presença crescente do
padrão residencial verificadas nas fotografias 17 e 18 que é correspondente a uma
classe social diferenciada, como resultado da localização estratégica dos
loteamentos, incorrendo no custo elevado dos imóveis.
Foto 17 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 18 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma construção residencial
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A categoria “outros”, mostrada no gráfico 2, acompanha o crescimento do
número e a evolução do padrão das edificações, e se caracteriza por um conjunto de
ações dos moradores, que consiste em realizar benfeitorias nos imóveis como
projeto arquitetônico, a alteração das fachadas, ampliação, ou legalização dos
imóveis sem registro por exemplo.
O morador passa a distinguir o bairro não apenas como lugar de moradia e
vizinhança, mas como espaço de valorização, e o imóvel torna-se passível de
comercialização lucrativa. Isso corresponde à valorização imobiliária provocada,
sobretudo, pela localização relativa das áreas dos loteamentos, agora, cercadas de
acessos viários importantes: Avenida Juracy Magalhães e Avenida Luiz Eduardo
Magalhães, que motivaram os moradores a promover benfeitorias em seus imóveis.
Conforme se pode observar nas fotografias, há um efetivo investimento no
102
projeto arquitetônico dos imóveis, o que embeleza e valoriza a paisagem do bairro,
atraindo interessados grupos de renda mais elevados para essa área da cidade, o
que se verifica com o aumento de edificações residenciais com mais de um
pavimento e com projeto arquitetônico notadamente bem elaborado.
A repercussão na produção do espaço os efeitos da presença de
equipamentos urbanos como a construção do Shopping Grand Ville que sequer
chegou a ser concluído, mas cuja construção inicialmente desencadeou uma
especulação bastante grande na área, e o acesso principal com a Avenida Luiz
Eduardo Magalhães.
No loteamento Morada do Parque a proximidade com as vias principais, neste
caso, a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, é explorada com vistas à maior
valorização dos lotes menores, conforme se pode verificar nas Fotos 13 (loteamento
Morada do Parque) e 14 (loteamento Esplanada do Parque).
Foto 19 - Loteamento Morada do Parque aspecto de uma construção plurifamiliar com cinco pavimentos
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 20 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de construções plurifamiliares
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Também no loteamento Esplanada do Parque até mesmo o acesso
secundário constitui-se com a ocupação dos demais loteamentos do Bairro Boa
Vista, num importante corredor viário que atende principalmente aos itinerários do
transporte coletivo pra quase todo o bairro Boa Vista.
Por esse motivo, a avenida Laura Nunes que se entronca com a avenida Luíz
Eduardo Magalhães para o acesso ao Centro da cidade, à UESB (Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia), e ao Shopping Conquista Sul por exemplo, apesar
da falta de pavimentação, apresenta formas de construção que exploram a
103
importância da localização com residências plurifamiliares verticalizadas.
Nesse sentido o morador começa a se inserir no processo de valorização,
empreendendo as mudanças nos imóveis. Marx (2001) aponta a possibilidade de
subsunção do valor de uso em valor de troca no qual a propriedade da terra, e em
nosso estudo a propriedade imobiliária urbana, passa a ter um significado relativo
para o próprio morador: “se trata de desenvolver o valor econômico, isto é, a
valorização deste monopólio sobre a base da produção capitalista” (MARX, 2001 p.
253).
O processo de valorização, contraditoriamente, no loteamento Esplanada do
Parque ocorre a revelia da disponibilidade de infraestrutura, como se pode constatar
nas fotografias 21 e 22..
Foto 21 - Loteamento Esplanada do Parque : aspecto de uma rua
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 22 - Loteamento Esplanada do Parque – construção residencial plurifamiliar verticalizada (Av. Laura Nunes)
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Fluminense e
Mariana foram criados na década de 1990, num contexto de urbanização intensa
marcado pelo crescimento acelerado da população urbana em detrimento da
população rural e pelo crescimento das atividades econômicas no Centro da cidade.
As edificações de perfil plurifamiliar verticalizado examinadas nas fotografias
são novas formas de empreendimento no bairro, formas recentes de apropriação do
espaço nesses loteamentos, correlativas ao “despojamento” das orladuras originais,
para assumir a forma “puramente econômica” (MARX, 2001).
104
Verifica-se com isso alteração significativa da paisagem com a introdução do
padrão vertical das edificações, que é indicativa do encarecimento das terras cuja
estratégia de verticalização vem contribuir para a maior lucratividade dos lotes de
terrenos adquiridos na localidade.
Trata-se de uma localidade amplamente construída e habitada, cujos acessos
principais carecem de atendimentos básicos como iluminação publica e
pavimentação.
A consolidação da cidade de Vitória da Conquista como centralidade urbano-
regional, que foi confirmada a partir do final da década de 1970, e reforçada na
década de 1990 com o crescimento do comércio, da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - UESB, e da rede de saúde pública e privada, contribuiu
significativamente para a agregação de valor econômico as terras urbanas.
O novo Plano Diretor Urbano, em vigor desde 2003, passou por um amplo
processo de elaboração envolvendo empreendedores, construtores, engenheiros,
geógrafos e a comunidade, com vistas normatizar a produção do espaço urbano
definindo áreas de expansão preferencial voltadas para a proximidade com
corredores viários alternativos aos já habitualmente em uso.
Com isso, o bairro Boa Vista passa a ser alvo de investimentos não apenas
dos agentes privados, mas também da Prefeitura Municipal constituindo-se como
uma das áreas de expansão preferencial.
Pela proximidade com a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, no contexto de
ordenamento dos investimentos agentes privados, os loteamentos Esplanada do
Parque e Morada do Parque ambos adjacentes a esta via de circulação, os
loteamentos Fluminense e Mariana, tornaram-se uma zona residencial “privilegiada”
da cidade.
Os moradores cuja maioria também têm a habitação como objeto de
investimento estão inseridos no processo de valorização de seu bem com ações
pontuais, reproduzindo dessa maneira o processo de desenvolvimento desigual do
espaço urbano, o que implica a segregação sociespacial.
105
4.3.3 O Loteamento Jardim Guanabara
Licenciado em 1977, é um dos mais antigos do bairro Boa Vista. A venda dos
lotes por parte da empresa loteadora transcorreu por um longo período que se
entendeu até o final dos anos 1990. Nesse contexto, os prazos de pagamento eram
bastante estendidos, e por esse motivo os valores parcelados se fixavam em
quantias mensais relativamente baixas.
Os terrenos do loteamento tem dimensões bastante amplas (lotes de
aproximadamente de 315 m²). Assim, as edificações são na maioria casas com
apenas o pavimento térreo e predominam habitações de perfil popular. Já nos lotes
voltados para Avenida Juracy Magalhães predomina o perfil comercial das
edificações.
O momento econômico de criação do referido loteamento, cujo processo de
urbanização e a afirmação da centralidade urbano-regional da cidade de Vitória da
Conquista ainda era inicial, explica certa lentidão na venda dos lotes e também na
ocupação. No ano de 1977, por exemplo, a avenida Juracy Magalhães não
constituía um corredor de tráfego urbano e regional tão importante para a
valorização intraurbana.
Segundo o levantamento realizado junto a Secretaria Municipal de Obras, as
alterações consistiram basicamente em ampliações e subdivisões de lotes, dos
quais a quantidade de ampliações consiste em 40% das alterações realizadas no
Loteamento Jardim Guanabara e a quantidades de subdivisões chega a 45% dos
alvarás deferidos para essa área entre 2000 e 2011.
A área do loteamento faz parte da origem do bairro Boa Vista, de um período
em que a produção da raridade do espaço estava seu início. Mas isso pode ser
explicado em virtude de tratar-se de uma área residencial relativamente distante do
Centro da cidade e com infraestrutura ainda precária, porém, com localização
relativa interessante para dinâmica do mercado imobiliário.
O loteamento em questão, conforme a pesquisa realizada, cujos dados se
conferem no gráfico 3, tem como predominância nas licenças deferidas os
procedimentos de renovação, o que demonstra uma adequação recente dos
moradores e proprietários de lotes ao novo contexto de valorização do bairro Boa
Vista.
106
Gráfico 3 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção no loteamento Jardim Guanabara
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
O Loteamento Jardim Guanabara concentra ainda um número pequeno, mas
importante de pequenas e médias indústrias que remonta aos últimos 20 anos (1990
a 2000). A localização desses estabelecimentos pode ser explicada pelo baixo preço
da terra na ocasião da abertura do loteamento e à imediação da Avenida Juracy
Magalhães, que favorece o deslocamento das mercadorias e matéria-prima das
fábricas instaladas nas primeiras quadras localizadas em ruas perpendiculares à
avenida.
Nos registros da Secretaria Municipal de Obras dos últimos 10 anos (2001 a
2010) não constam construções industriais; a pesquisa de campo identificou que
esse tipo de uso em períodos mais recentes resultam de adaptações de galpões
comerciais vizinhos.
4.3.4 O loteamento Conquistense
Uma área densamente ocupada do bairro Boa Vista é o Loteamento
Conquistense. Licenciado em 1996, ocupa a área de continuidade dos loteamentos
Boa Vista, Alto da Boa Vista, Morada da Boa Vista, Jardim Guanabara, Morada do
Parque e Fluminense. A densa ocupação do loteamento Conquistense se deve ao
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período de implantação e ao baixo preço dos lotes vendidos por parcelamento, cujas
dimensões são bem reduzidas (cerca de 150 m²).
Conforme se pode ratificar com os dados da pesquisa expostos no gráfico 4,
a partir do ano de 2008 passam a predominar as construções residenciais (não
populares) e as atividades de renovação que mais uma vez revelam o papel do
morador como agente do processo de valorização imobiliária:
Gráfico 4 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no loteamento
Conquistense
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
A implantação e ocupação desse loteamento remonta a uma época de
intenso fluxo de pessoas vindas dos municípios circunvizinhos e a um período de
forte déficit habitacional18. Com isso, foi criada uma demanda por moradia, fato que
ensejou a oportunidade de os proprietários de terras urbanas se aproveitarem para
comercializar os lotes menos privilegiados, quanto a acesso, localização e
infraestrutura.
Diante desse contexto, a estratégia do loteamento popular funcionava
plenamente, de forma que os proprietários de terras se deparavam com
possibilidade de lotear parcelas de terra com um investimento baixíssimo, apenas
com o arruamento e a retirada “do mato”.
18
De acordo com Almeida (2005), a Bahia concentrava até 2000 o maior déficit habitacional do Nordeste, participando com 22% da demanda. Conforme a autora o déficit habitacional do município de Vitória da Conquista em 2005 era de 8.653 unidades.
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Confome Capel (1975), o preço dos imóveis é resultado das estratégias dos
proprietários de terras na organização e distribuição das benfeitorias no espaço
urbano: “A morfologia urbana é resultado das opções e decisões adotadas por estes
agentes” (CAPEL, 1975, p. 38).
A paisagem do loteamento Conquistense é constituída por uma quantidade
expressiva de casas sem acabamento, ou parcialmente construídas, o que evidencia
a presença na localidade como área de moradia e de perfil de população pobre,
conforme se pode verificar nas fotos 23 e 24.
. Foto 23 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 24 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
No caso do loteamento Conquistense a ocupação nos primeiros anos de
nossa análise se deu rapidamente, graças ao perfil dos proprietários dos lotes, que
tem a moradia como uma necessidade imediata.
O contexto de valorização recente do bairro Boa Vista trouxe também a o
loteamento Conquistense a mudança no perfil imobiliário. Isso se fundamenta no
perfil da proposta inicial do loteamento, para a qual a própria empresa loteadora
admite ter realizado um loteamento “que qualquer trabalhador pudesse pagar”19.
Como resultado da constituição do loteamento Conquistense há o predomínio
de alvarás de construção de padrão popular no intervalo de tempo compreendido
entre os anos de 2000 e 2004.
Esse perfil de moradia difere em muito o loteamento Conquistense dos
19
Depoimento de um agente/empresário loteador concedido em entrevista para essa pesquisa em Janeiro de 2011.
109
vizinhos mais próximos e anteriores, como no caso do loteamento Morada do
Parque, o qual foi lenta e recentemente ocupado configurando-se mais como uma
área para a prática da especulação habitacional.
Atualmente, o loteamento Conquistense passa por muitas transformações, já
que sua área quase que total já foi construída, o que justifica o crescimento das
atividades de renovação expressas na categorias outros no gráfico 5. No entanto,
recentemente a área passou pelo processo de expansão da rede de coleta do
esgotamento sanitário da cidade, mas tem problemas de infraestrutura como
drenagem, pavimentação e iluminação, dentre outras.
4.3.5 O loteamento Porto Seguro
Situa-se à margem esquerda da Avenida Juracy Magalhães e constitui o
mais recente loteamento residencial do bairro Boa Vista. Sua implantação ocorreu
em 2003, num contexto em que o bairro Boa Vista já havia se tornado uma área de
crescimento preferencial da cidade, cujo preço da terra passava por um processo de
revisão de valores, devido ao processo de valorização imobiliária em curso.
Nesse loteamento os lotes foram vendidos rapidamente, embora as partes
voltadas para a Avenida Juracy Magalhães, em sua maioria, ainda não estão
ocupadas. Credita-se esse fato a um processo de especulação imobiliária, pois é um
setor de terrenos bem localizados em relação à infraestrutura e a equipamentos
comerciais importantes, como o Shopping Conquista Sul.
Conforme aponta Smith (1988), “São as relações espaciais, se entendidas em
termos de espaço absoluto ou espaço relativo, que estão nas bases de nossas
análises de localização” (SMITH, 1988. p.130).
Quando se identifica que também os proprietários de lotes passam a explorar
a localização relativa, mais uma vez se ratifica o papel do pequeno proprietário, ou
mesmo do morador, como agente. Isso ocorre mesmo quando o proprietário não
ocupa o terreno, condição para a qual também se coloca a possibilidade de
especulação.
O Loteamento Porto Seguro tem uma área total pequena, com predominância
de perfil residencial (e coexistência em quantidade menor porém significativa de
construções populares) conforme apontam os registros da SMOU, verificados no
gráfico 5.
110
Gráfico 5 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção no loteamento Porto Seguro
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
Entretanto, o que se observa na paisagem do loteamento é a quase totalidade
das edificações residenciais, o que pode indicar a manipulação dos alvarás de
construção por parte dos moradores.
Conforme o gráfico 5, nos anos de 2003 e 2004 não constam na SMOU
registros de alvarás de construção para essa área. Com isso pode-se deduzir que as
construções no loteamento Porto Seguro foram influenciadas pela inauguração do
Shopping Conquista Sul em 2006, e que só a partir desse ano imediatamente
anterior a esse fato é que o loteamento passou a ser efetivamente ocupado.
Em 2010, com a ampliação do Shopping Conquista Sul e a construção de
condomínios residenciais, como o Conjunto Morada Sul, Sul Residence e Sul
América, a área do loteamento Porto Seguro recebeu um número maior de
construções, inclusive de edificações plurifamiliares com mais de dois pavimentos
como indicativo de uma dinâmica de valorização do espaço do loteamento.
De acordo com os dados do gráfico, se pode aferir que se trata efetivamente
de uma área residencial, cujos alvarás de construção tem um custo financeiro
relativamente alto, devido ao perfil de moradia pretendido. Neste loteamento
autorizações/alvarás para construções populares, mas em uma quantidade muito
inferior ao número de edificações residenciais. O perfil popular dificilmente é
identificado nesse loteamento, conforme se verifica nas fotos 25 e 26.
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O processo de verticalização que se inicia nesse contexto demonstra a
valorização da terra relativa a localização. No entanto, o custo dos imóveis
multiplicados com a verticalização não é rebaixado.
Souza (2009) aponta que os preços dos “produtos” não são questionados,
pois o consumo de áreas com certa valorização e associação de benfeitorias é
garantido por classes sociais equivalentes. Dessa forma, apropria-se da localização
relativa para extrair a renda de monopólio das áreas privilegiadas
O loteamento Porto Seguro apresenta características socioespaciais
semelhantes aos seus congêneres Morada do Parque, Morada dos Bem-te-vis, e
Esplanada do Parque: a ocupação por construções de padrão residencial, com custo
de licenciamento alto e padrão construtivo também elevado.
A negociação rápida dos lotes de terrenos nesse empreendimento,
relativamente bem localizado, indica a busca da obtenção da renda de monopólio
por parte de seus proprietários atuais num futuro próximo, tendo em vista a terra
urbana e suas benfeitorias já estarem valorizadas indiretamente pelo incremento de
melhoramentos na vizinhança.
Isso confirma o duplo interesse dos proprietários de frações da terra urbana e
suas benfeitorias, como afirma Harvey (1984, p. 135): “[...] numa economia
capitalista um indivíduo tem duplo interesse na propriedade, ao mesmo tempo como
valor de uso atual e futuro e como valor de troca potencial ou atual [...]”.
Nesse sentido, Harvey (1984, p. 135), assinala que o monopólio de parcelas
de terra urbana e de suas benfeitorias muda o uso, o significado e a relação com o
Foto 25 - Loteamento Porto Seguro: construção plurifamiliar
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 26 - Loteamento Porto Seguro: construções residenciais
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
112
espaço urbano: “[...] este principio, quando institucionalizado como propriedade
privada, tem ramificações muito importantes para a teoria do uso do solo urbano e
para o significado do valor de uso e do valor de troca” dessa mercadoria.
Essa fundamentação pode se comprovar com a realidade da ocupação dos
loteamentos já mencionados, quando em face do processo de valorização, os
moradores e os proprietários de lotes passam a empreender suas moradias com
vistas a valorização imobiliária. Isso remonta a mudança no significado do valor de
uso, que não consiste apenas na moradia, mas se desdobra na constituição de um
patrimônio negociável e lucrativo.
O loteamento Porto Seguro foi ocupado por uma classe social que por sua
condição econômica, garantiu a aquisição daqueles lotes de terreno com preços em
elevação, devido principalmente a localização relativa.
No contexto de sua implantação isso funcionou como estratégia de vendas,
mas só após a inauguração do Shopping Conquista Sul é que a ocupação
residencial começou a acontecer e tem se intensificado com a construção de
edificações de perfil elitizado.
Com isso, se reforça o processo de segregação socioespacial, pois as
benfeitorias realizadas estão inseridas num contexto espacial de valorização cujos
custos financeiros são restritos a uma classe socialmente privilegiada.
4.3.6 Um assentamento popular no bairro Boa Vista – o Loteamento Vila
América
Por força da Lei Nº. 1.186, sancionada no ano de 2003, a Prefeitura Municipal
de Vitória da Conquista instituiu a ampliação do Programa Municipal de Habitação
Popular e criou o Conselho e o Fundo Municipal de Habitação Popular, que teve
grande importância na organização do espaço urbano com amplas repercussões no
bairro Boa Vista.
A criação dessa lei derivou de decretos federais e municipais anteriores, da
realidade da ocupação urbana de forma irregular, por falta de legalização fundiária,
pela indisponibilidade de infraestrutura urbana, pela pressão dos grupos sociais
excluídos e ainda pelas condições precárias dos locais e da topografia dos terrenos,
ou mesmo por questões de ocupações de áreas inadequadas e de risco, a exemplo
113
da encosta da Serra do Peri Peri.
É nesse contexto que o bairro Boa Vista recebeu uma importante contribuição
para o adensamento de uma grande parte de sua área: o Loteamento Vila América.
Efetivamente, a década de 1990 foi marcada por uma forte urbanização no sentido
mais largo do termo.
A cidade de Vitória da Conquista vivenciou um expressivo crescimento
urbano, em face do êxodo rural reforçado no final da década de 1980, especialmente
após a crise do café e as implicações da legislação trabalhista no campo (FERRAZ,
2001), associada ao deslocamento do fundamento econômico baseado na
agricultura para a indústria, o comércio e para a prestação de serviços.
A população que migrou do campo para a cidade formou uma demanda por
habitação nos distintos estratos de renda, situação especialmente observada no
período entre os anos de 1950 e 1990 quando a população do município
quadruplicou. Somado a isso, o papel de centralidade urbana de Vitória da
Conquista atraiu populações também dos municípios vizinhos.
Esse acréscimo anual de população acentuou o déficit habitacional na cidade,
que incorreu na necessidade de reorganização da política de habitação pois, os
resultados do crescimento econômico intensificaram a dificuldade para a gestão do
espaço e ao mesmo tempo em que a segregação social torna-se uma necessidade
para o desenvolvimento capitalista da cidade.
Especialmente a partir de 1997 uma nova política de redução do déficit
habitacional do município foi criada e consistia em estabelecer um programa
permanente de acesso a moradia popular, baseado numa demanda a ser
diagnosticada pelo cadastramento das famílias carentes, através da Secretaria
Municipal de Habitação Popular criada para este fim especifico.
Em decorrência dessa sistematização do problema habitacional, a PMVC
adquiriu uma extensa gleba de terras a ser loteada em etapas seguintes do
Programa Municipal de Habitação Popular - PMHP. Essa foi uma das principais
marcas da mudança de perfil político da administração municipal.
Os assentamentos já existentes desde 1991, resultados de políticas de
governos anteriores, atendiam a um número reduzido de famílias, em ações
pontuais em áreas da periferia pobre da cidade.
114
Segundo Almeida (2005 p.67), do ano 199120 quando se instaurou a primeira
iniciativa do poder público municipal – PPM - voltada para a habitação popular, até o
ano de 199721 foi disponibilizado um total de 3.091 entre lotes doados e
regularização de ocupações. De acordo com o levantamento feito pela autora, o
número de famílias atendidas era inferior a demanda por moradia, o chamado déficit
habitacional que já nessa época era bastante alto.
De acordo com a investigação de Almeida (2005), o PMHP segundo os
parlamentares da época, era um instrumento importante de controle político, pois
evitava a ação de “oportunistas” na mobilização dos sem-teto para a ocupação de
novas áreas da cidade.
Assim, pode-se perceber sérias limitações na proposta que, estando voltada
apenas ao controle das ocupações e dos movimentos sociais dos excluídos, limita o
acesso a moradia apenas a distribuição de casas e lotes, submete a necessidade de
pensar coletivamente o problema da habitação e o reduz à mera conveniência
político-administrativa.
A partir de 1997, com a mudança política de governo do poder público
municipal, quando o Prefeito Guilherme Menezes (PT) entrou em exercício, pode se
verificar o caminho de institucionalização de um Programa Municipal de Habitação
Popular (PMHP) da cidade de Vitória da Conquista.
Não apenas o quantitativo de imóveis disponíveis foi ampliado, mas uma
ampla mudança na condução política de habitação incluindo a participação popular,
com a realização da 1ª Conferência Municipal de Habitação Popular, no ano de
2003, que resultou na criação de um Conselho Municipal de Habitação, e de uma lei
municipal que identifica as áreas inadequadas e os procedimentos para a realização
da habitação de interesse social, a lei nº 1.186/200322.
A partir do ano de 1999 foi iniciada a distribuição de lotes e casas no
loteamento Vila América, no bairro Boa Vista. Isso resultou por formar a maior área
de assentamento popular da cidade de Vitoria da Conquista, com cinco loteamentos
e três conjuntos habitacionais compostos por casas populares construídas e doadas
pelo município.
Segundo a legislação municipal (Lei Nº 1.186/2003), as principais áreas de
20
No Governo do Prefeito Murilo Mármore do PMDB (Cf. COELHO, 2005). 21
No Governo do Prefeito José Pedral Sampaio do PMDB (Cf. COELHO, 2005). 22
Informações obtidas com o encarregado da SMHP através de entrevista concedida no ano de 2011 para esta pesquisa.
115
ocupação irregular se encontravam em diversos pontos da cidade, se caracterizando
com área de risco, encostas e áreas de preservação ambiental entre outras.
Tais condições apontavam para uma realidade de total falta de acesso à
moradia. Por esse motivo, o número de moradores do loteamento Vila América é tão
expressivo, pois consiste na soma dos ocupantes de diversas áreas irregulares da
cidade, inseridos no novo programa de habitação municipal.
A tabela 2 mostra a importância do loteamento Vila América em termos de
acréscimo populacional, adensamento do bairro Boa Vista e na participação nas
quantidade de edificações em todo o município atestando com tal expressividade, o
déficit habitacional em Vitória da Conquista.
Tabela 2 - Vitória da Conquista: participação do loteamento Vila América no total dos alvarás de construção deferidos no município de 2000 a 2010
Ano Vitória da Conquista Loteamento Vila
América
Percentual de participação do Loteamento Vila América no total das licenças deferidas
2000 1.519 617 41%
2001 887 200 23%
2002 1.045 539 52%
2003 707 74 10%
2004 894 466 52%
2005 675 244 36%
2006 776 207 27%
2006 773 251 32%
2008 840 197 23%
2009 757 146 19%
2010 757 288 38% Media Geral (2000 -2010) 875 294 32%
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
Como já mencionado anteriormente, a capacidade de atração populacional
em escala urbano-regional e o decorrente processo de valorização da terra e
exclusão da população mais pobre, contribuíram imensamente para o aumento do
déficit habitacional.
Esse fator motivou a criação de critérios específicos para a concessão do
beneficio da moradia pelo programa, que garanta, além da necessidade da moradia,
que a família beneficiada pertença ao déficit habitacional municipal com a
116
comprovação do domicilio eleitoral em Vitória da Conquista23. A exigência dessa
comprovação indica que a importância urbana de Vitória da Conquista atrai
realmente fluxos e divisas, ao mesmo tempo em que se torna um problema para a
gestão do espaço e das demandas sociais.
A participação do loteamento Vila América no número de edificações
regulares no ano 2000 chegou a mais de 40% dos alvarás deferidos, conforme a
coleta de dados realizada para essa pesquisa, o que caracteriza uma ampla
contribuição na oferta de moradia na cidade. Esse indicador aponta para a questão
de que a produção da moradia pelos agentes privados não busca atender as
camadas mais pobres, ao contrário limita o acesso dessas populações a cidade
valorizada.
Ao longo do tempo observa-se uma mudança do tipo de imóvel entregue às
famílias nessa localidade; os crescentes investimentos dos governos municipal,
estadual e federal favoreceram a mudança do tipo de imóvel que passaram a incluir
casas organizadas em conjuntos habitacionais, o que se pode verificar com a queda
no número de alvarás emitidos a partir de 2005.
Conforme se pode verificar nas fotos 27 e 28:
Foto 27 - Loteamento Vila América: aspecto de uma casa do Programa Municipal de Habitação Popular
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 28 - Loteamento Vila América: Conjunto habitacional do Programa Municipal de Habitação Popular
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
O perfil dos moradores do loteamento/assentamento Vila América, segundo
117
exigências da PMVC, é constituído por famílias cuja renda não pode ultrapassar três
salários mínimos, dentre as quais as com menor rendimento têm prioridade; que
sejam comprovadamente residentes no município de Vitória da Conquista há no
mínimo dois anos; que não possuam imóveis nesse ou noutro município; não
podendo pleitear junto ao programa mais de um imóvel; e prioritariamente aquelas
com o maior número de filhos, residentes em áreas de risco, e chefiadas por
mulheres, conforme a lei municipal nº 1.186/2003.
Pode-se, por fim verificar uma tendência declinante da participação do
loteamento Vila América no crescimento do bairro, visto que há o esgotamento de
terrenos destinados a assentamentos, que segundo a Secretaria Municipal de
Habitação Popular ultrapassa 3.500 lotes, e devido ao tempo de criação do
loteamento, há também uma mudança no perfil imobiliário decorrente do processo
de renovação imobiliária e da valorização em curso.
As primeiras etapas do assentamento das famílias na área do loteamento Vila
América consistiam na entrega de lotes para a construção sob total responsabilidade
do futuro morador.
A partir de 2002, com a criação da Lei Municipal de Habitação Popular e do
Conselho Municipal de Habitação, os contornos do loteamento Vila América foram
ampliados, e com isso ampliou-se também a quantidade de lotes para a habitação
de interesse social.
Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, nesse mesmo ano se iniciaram
os convênios com os governos estadual e federal para a construção de casas24.
Com isso foi construído o primeiro conjunto de casas, com 30 unidades
padronizadas.
Segundo informações da SMHP (Secretaria Municipal de Habitação Popular),
as etapas mais recentes do programa contam, portanto com a construção de casas
organizadas em conjunto habitacionais em novas áreas do loteamento. O convênio
com o governo federal – Programa Morar Melhor desde 2002, se desdobrou em
outras etapas posteriores, com maior quantidade de unidades habitacionais e melhor
qualidade das habitações.
Em 2004, um novo programa que articulou a esfera federal e municipal
permitiu a construção de 200 novas unidades, num conjunto de casas no
24
Conforme depoimento do responsável pelo PMHP, concedido em entrevista para essa pesquisa em Junho de 2011.
118
prolongamento da Avenida Gilenilda Alves, que se avizinha a área de propriedade
da particular, onde hoje se encontra o condomínio Green Ville.
Inicialmente, toda a área loteamento Vila América era destinada a edificações
do tipo popular, mesmo as glebas loteadas por empresas privadas, havia, pela
localização e pela precariedade da infraestrutura e serviços públicos urbanos, a
tendência a esse perfil. As fotos 31 e 32 expõem, no entanto, novas ações dos
agentes privados no loteamento:
Foto 29 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos habitacionais
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 30 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos habitacionais
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A partir de 2005, diversas construções comerciais e residenciais inclusive com
mais de um pavimento, foram autorizadas na parte privada da área, loteada pela
empresa ECOSANE25. Essas construções marcam uma ação intensa de pequenas
empresas construtoras que começam a explorar as imediações do Vila América,
como se pode verificar nas fotografias 31 e 32.
Segundo observado em campo, a pavimentação, os itinerários de transporte
coletivo, a construção de escolas, praças, posto de saúde foram internalizadas como
fatores de valorização imobiliária do loteamento Vila América.
Esses recursos, associados com a ocupação do entorno, a proximidade com
condomínios fechados, com o shopping e com os principais corredores de acesso e
transporte coletivo, sustentaram as ações das construtoras qua passasram a investir
25
Conforme depoimento do responsável pelo PMHP, concedido em entrevista para essa pesquisa em Junho de 2011.
119
na produção de moradias de perfil residencial e não popular, conforme se verifica
nas fotos
Os agentes particulares do desenvolvimento urbano se apropriam das ações
de governo na implantação de equipamentos e estruturas de circulação, algo
completamente fora da suas ações que visam o interesse privado, e com isso
encontram formas de comercializar imóveis com certo grau de valorização mesmo
em áreas populares. Conforme se observa nas fotos 33 e 34.
Foto 31 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas privadas
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 32 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas privadas
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Dentro da área de assentamento do PMHP, atualmente, o loteamento Vila
América conta com um grande número de imóveis de “autoconstrução” embora,
segundo a SMHP, já totaliza cerca de 900 casas construídas com recursos de
convênio com os governos municipal, estadual e federal:
Nós temos ainda uma reserva de terras que são da Prefeitura, dessa gleba adquirida em 1997, em que não foi feita ainda a abertura de ruas. Dá mais de mil lotes, que nós já temos mapeados no projeto, mas lá no local ainda não foi demarcado [...] há pretensão da Prefeitura de futuramente realizar a abertura dos Lotes, ou de construir casas para os servidores do município.26 (Depoimento concedido pelo responsável pela Secretaria Municipal de Habitação, 2011).
A possibilidade de esgotamento da disponibilidade de lotes no loteamento Vila
26
Informações obtidas com o depoimento do responsável pela Secretaria Municipal de Habitação, em entrevista concedida no ano de 2011 para esta pesquisa.
120
América para a distribuição gratuita dos imóveis fez com que a disponibilidade de
equipamentos urbanos e infra-estrutura, como transporte coletivo, escolas, postos
de saúde e acessos viários fosse apropriados pelos agentes capitalistas. Nessa
lógica, cabe reiterar as firmações de Marx (2001):
Não apenas se vende a terra (de imediato) e sim o solo melhorado, o capital incorporado à terra que não havia lhe custado nada. Este é um dos segredos completamente fora do movimento da renda do solo propriamente dita, do crescente enriquecimento dos proprietários de terra, do continuo incremento de suas rendas e do crescente valor financeiro de suas terras com o progresso da evolução econômica (MARX, 2001, p. 255).
O papel subsidiário do Estado que se desdobra em ações dos governos
municipal, estadual e federal também aparece como algo que fomenta e sustenta a
exploração da renda imobiliária urbana conforme indica o texto supracitado.
É nesse quadro que se pode compreender a gradativa diminuição das
construções de perfil popular e o crescimento recente do número de construções
residenciais não populares, conforme indica o gráfico 6:
Gráfico 6 – Bairro Boa Vista: construções e perfil das edificações no loteamento Vila
América
Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha
A proximidade com equipamentos importantes como o Shopping Conquista
Sul e a Avenida Juracy Magalhães e a vizinhança com grandes empreendimentos
0
100
200
300
400
500
600
700
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Qu
an
tid
ad
e d
e a
lvará
s d
efe
rid
os
Ano do deferimento
Popular Residencial (não popular) Comercial Outros
121
habitacionais, a exemplo dos condomínios Villa Constanza, Green Ville, Morada Sul,
Sul América e Sul Residence, Cidade das Flores e Cidade Jardim, esses dois
últimos com previsão de entrega para o ano de 2012 e 2013, faz com que o preço
das habitações no loteamento Vila América passem por um novo ciclo de
valorização econômica.
O perfil da habitação no loteamento Vila América apresenta indícios de
mudanças, especialmente com o crescimento do número de construções
residenciais verificados no ano de 2010. De acordo com a Secretaria Municipal de
Obras, esse acréscimo é composto de casas com perfil residencial unifamiliar e
plurifamiliar, além das alterações, ampliações e melhorias nos projetos de
edificações já existentes
A presença de um novo e melhor tipo de edificação demonstra que a
apropriação privada do espaço não se dá apenas nas áreas “nobres”, cujas
benfeitorias estão mais presentes. A facilidade atual de financiamento imobiliário
para as famílias de grupos de renda populares, principalmente as formadas por
servidores públicos estaduais e municipais, que contam com o subsídio dos
programas de governo voltados para a habitação, fomenta a apropriação da
localização agora privilegiada e movimenta populações e capital com a dinamização
desse mercado imobiliário.
Observa-se, com base na evolução da ocupação da área do loteamento Vila
América, que em áreas populares há também uma exploração e apropriação do
espaço com vistas a uma classe menos privilegiada financeiramente, com a
disponibilização de lotes com um custo de aquisição menor. Além disso, conta-se
atualmente com as facilidades de pagamento através dos financiamentos para
habitação subsidiados pelos governos estadual e federal, como o Programa Minha
Casa, Minha Vida.
4.3.7 Ocupação recente do bairro boa vista: as estratégias dos condomínios e
a verticalização
Conforme a listagem do Quadro 5, se pode observar as novas estratégicas de
ocupação e comercialização do espaço, com o número considerável de condomínios
residenciais fechados no Bairro Boa Vista, que se estabelecem a partir do ano de
2005:
122
O crescimento urbano e o processo de valorização do espaço vivenciados
especialmente na última década motivaram os empreendedores do mercado
Quadro 2 - Vitória da Conquista: empreendimentos imobiliários licenciados para construção no bairro Boa Vista entre os anos de 2005 a 2010
Ano Tipo de empreendimento Loteamento Unidades Preço do
alvará (R$)
2005 Construção de habitações do PSH Vila América 100 SC*
2005 Condomínio Residencial Vila Roma Chácaras Jardim
Guanabara 202 3.303,00
2005 Condomínio Centro Comercial Grand Ville
Morada do Parque NC** 23.500,70
2005 Condomínio Residencial Vila Grécia Chácaras Jardim
Guanabara 202 2.583,16
2005 Condomínio Residencial Boa Vista 216 3.240,00
2005 Condomínio Residencial Green Ville Boa Vista 246 6.656,28
2008 Casas Populares Vila América 216 SC
2008 Alteração do Projeto do Condomínio Green Ville (ampliação)
Boa Vista 18 358,87
2008 Alteração do Projeto do Condomínio Green Ville (ampliação)
Boa Vista 8 358,87
2008 Condomínio Residencial Jardim Guanabara 16 555,21
2008 Condomínio Residencial Morada do Parque 6 205,30
2009 Condomínio residencial Morada Nobre
Alto da Boa Vista NC 85,14
2009 Condomínio Residencial Villa Constanza
Boa Vista 133 5.079,70
2009 Condomínio Residencial Itapuã Chácaras Jardim
Guanabara 128 4.788,43
2009 Condomínio Residencial Pituba Chácaras Jardim
Guanabara 128 4.788,43
2010 Condomínio Residencial Jardim Guanabara 128 8.283,22
2010 Condomínio Residencial E2 Engenharia
Chácaras jardim Guanabara
64 3.869,72
2010 Condomínio Chuí Engenharia Chácaras Jardim
Guanabara 304 11.258,05
2010 Condomínio Residencial Porto Seguro 8 314,32
2010 Condomínio Residencial Alto da Boa Vista 32 5.512,00
2010 Condomínio Residencial Prates Bonfim Engenharia
Jardim Guanabara NC 5.241,94
2010 Condomínio de Lotes Chácaras Jardim
Guanabara NC 1.428,80
*Sem custos de licença – Obras da PMVC **Não constam esses dados na SMOU Fonte: Coleta de dados na Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, 2011. Organização: Ione Rocha
123
imobiliário a efetivar novas práticas na comercialização das terras e dos imóveis
urbanos.
As indicações de Capel (1975) sobres a exploração maximizada da
edificabilidade das terras, muito comum nas metrópoles por conta da densidade
demográfica, são também verificadas na cidade de Vitória da Conquista. No entanto,
o que motiva por exemplo a estratégia da verticalização em uma cidade média não é
exatamente a mesma motivação que empenha os edifícios das grandes cidades.
A possibilidade de pleno crescimento e o desenvolvimento econômico em
curso nas cidades médias, como no caso de Vitória a Conquista, têm na
verticalização mais uma possibilidade de especulação e de controle na
disponibilidade de imóveis pelas construtoras e proprietários fundiários.
Verifica-se no bairro Boa Vista que as edificações mais antigas, pertencentes
as primeiras etapa do loteamento Vila América, as primeiras ocupações dos
loteamentos Conquistense, Jardim Guanabara, Esplanada do Parque por exemplo
têm o perfil popular e isso se repete com os conjuntos habitacionais. Os
condomínios Vila Roma e Vila Grécia que se pode verificar nas fotografias 35 e 36
Foto 33 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Vila Grécia
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 34 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Vila Roma
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A estratégia dos conjuntos habitacionais existe para as diversas classes
sociais, variando a área disponível por unidade habitacional (área construída e área
de circulação) e os recursos internos aos limites do condomínio, e até mesmo o
material de construção e a estrutura do imóvel.
Os conjuntos habitacionais populares Vila Grécia e Vila Roma são resultados
do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, no sistema que beneficia famílias
124
com renda de até seis salários mínimos. As obras iniciaram em 2005 e a
inauguração dos conjuntos com um total de 404 casas data de 2006.27
São conjuntos formados por uma quantidade expressiva de habitações, numa
área pequena, construídas por meio de convênio firmado entre o governo municipal
e o federal, com o sistema de arrendamento imobiliário de baixo custo. De acordo
com as regras desse sistema, o morador paga 0,7% do valor do imóvel
mensalmente e após um período de 17 anos de pagamento adquire a escritura do
imóvel em seu nome e financia o saldo devedor28.
O significado prático desse tipo de conjunto habitacional é o acesso à
moradia, através de uma política pública. Porém, é uma possibilidade bastante
limitada pelos interesses das construtoras em obter a maior lucratividade do
empreendimento utilizando na obra material de baixo custo e pela baixa capacidade
de pagamento do morador.
Há também o controle dos investimentos estatais, que no caso desses dois
conjuntos habitacionais, segundo informações do Governo Federal (2007), totalizou
cerca de R$ 11 milhões por meio do PAR da Caixa Econômica Federal29. No
entanto, o valor investido para se desdobrar em 404 moradias passou por um
processo de exploração intensa da edificabilidade do terreno, de modo que nesses
conjuntos se consegue alocar muitas casas praticamente sem área externa, por
exemplo.
Capel (1975) afirma que nessas estratégias de edificabilidade máxima em
conjuntos habitacionais “[...] a preocupação com as necessidades reais dos
moradores brilha por sua ausência” (CAPEL, 1975, p. 50 ).
Ao contrário dos empreendimentos para as famílias com alta renda, a
qualidade e o tamanho da habitação destinada aos pobres são extremamente
limitados. No caso dos conjuntos Vila Grécia e Vila Roma, as habitações possuem
38 metros quadrados de área construída, com material de baixo custo, o que
certamente implica uma baixa qualidade dos imóveis.
A construção desse tipo de habitação demonstra uma nova tendência para a
habitação destinada as famílias pobres em Vitória da Conquista. Em primeiro lugar,
o conjunto habitacional é um espaço fechado, com perfil socioeconômico dos
27
Informação do Programa Fome Zero, disponível no site institucional.. 28Informação do Programa Fome Zero, disponível no site institucional. 29
nvestimento com a contratação da empresa construtora Gráfico Empreendimentos e o subsídio de arrendamento aos moradores dos dois conjuntos.
125
moradores de certa maneira padronizado, pelo próprio custo do imóvel.
Os condomínios populares têm o perfil de aglomerar grande quantidade de
pessoas em espaços pequenos, e com o mínimo de espaço nas chamadas áreas de
convivência. No caso dos condomínios fechados voltados para as classes sociais
privilegiadas, a estratégia do isolamento é que permite a convivência nos amplos
espaços disponíveis.
Maia (2006) define essas formas de construção urbana como “[...] expressão
no espaço urbano de diferenciação social [...] sobrepõe-se à forma centro-periferia,
pois não anula este, mas impõe um novo formato na expansão urbana e também na
vida urbana que imputa segregação” (MAIA, 2006, p. 163).
A adoção desse tipo de produção espacial urbana admite a segregação como
direito da classe social que busca privacidade, exclusividade de vizinhança,
segurança, comodidade de moradia, acessos e circulação facilitados: uma vida
“comum” em espaços residenciais cuja população é criteriosamente selecionada
(LEFEBVRE, 2004) conforme se verifica nas fotografias 37 e 38 que mostram a
estrutura interna do Condomínio Green Ville:
Foto 35 - Condomínio Green Ville: Guarita de Segurança
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 36 - Condomínio Green Ville: Área de lazer (piscina e quadra)
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Esse é um dos efeitos da vida urbana, e no caso da cidade de Vitória da
Conquista, um resultado do crescimento da cidade e da própria segregação, que
entre outros tem como resultados problemas com a segurança pública.
Para Lefebvre (2004), essa é mais uma das contradições do espaço,
126
manifesta na forma da segregação “[...] que tem por objetivo estratégico quebrar a
totalidade concreta, espedaçar o urbano” (LEFEBVRE, 2004, p. 124). Os
condomínios tornam se um espaço de aglomeração confortável de uma classe social
específica e de isolamento externo dos problemas socioespaciais urbanos.
De acordo com Uêda (2006, p. 235), “[...] os loteamentos fechados
aparecem como uma solução de moradia para os ganhadores, restando aos
perdedores a exclusão (o outro lado do muro)”. Essa é uma característica da
sociedade de classes, na qual a diferença social, apesar de necessária para a
produção do espaço urbano através do trabalho, traz consequências que ameaçam
a segurança das elites.
Maia (2006, p. 163 ) afirma que a estratégia dos condomínios para a classe
média e média alta materializa o fato de que “[...] a aspiração pela exclusividade
social sempre esteve no horizonte da elite”. No bairo Boa Vista, o primeiro
loteamento fechado, o Condomínio Vila dos Pinheiros, foi criado com base nessa
aspiração, conforme argumenta seu fundador:
Quando eu me mudei pra cá, eu vim com o objetivo de nunca mais morar em um apartamento, e comprei aquela área lá e fiz aquele condomínio Vila dos Pinheiros. Reuni um grupo de amigos e a gente construiu o condomínio. Morei lá até o ano de 200030.
Quando o agente entrevistado, proprietário de terras no Bairro Boa Vista e
empresário da construção civil, menciona o fato de não querer mais morar em
apartamento responde exatamente as indicações de Maia (2006), quando afirma
que as classe sociais mais abastadas buscam um isolamento social e com isso
impõem uma nova forma de organização do espaço.
A capacidade de pagamento dos imóveis por parte das famílias que os
adquiriram permite a recriação da vida em “comunidade” com a seleção da
vizinhança e dos recursos “comunitários”: há com isso a criação de uma liberdade
privada, contra as restrições da cidade como um todo.
Sposito afirma que isso representa a “[...] redistribuição no espaço urbano,
seus conteúdos sociais e econômicos agora de modo mais segmentado” que resulta
na “reestruturação das cidades [...] para melhor qualificar a urbanização” (SPOSITO,
2006, p. 189).
30
Depoimento concedido por um empresário da construção civil, em entrevista para essa pesquisa no
mês de Julho de 2011.
127
O depoimento do agente, que declara que convidou um grupo de amigos
para formar o condomínio e o próprio padrão das casas e espaços de convivência
destinados aos espaços fechados de moradia, esclarece o recurso de “seleção
social” utilizado para habitar esses espaços privados, e caracteriza a “[...] auto-
segregação por que optam os moradores por empreendimentos como esse”
(SPOSITO, 2006, p. 187).
O surgimento do condomínio Green Ville em 2006, conforme o agente
entrevistado, o segundo conjunto fechado de casas do bairro Boa Vista, reforça a
idéia de valorização do espaço residencial, com a instalação de infraestrutura
coletiva privativa aos seus moradores. Isso implica pensar que “[...] a construção de
loteamentos fechados introduz e provoca uma descontinuidade urbana [...]” (UÊDA,
2006, p. 238).
O padrão das casas e a inexistência de muros entre elas indicam a
identidade e segurança que essas classes encontram nesses lugares, conforme se
pode examinar nas fotografias 39 e 40:
Foto 37 - Casa no Condomínio Green Ville
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 38 - Casa no Condomínio Green Ville
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A utilização de espaços distantes dos centros tradicionais para alocação de
um grupo social privilegiado muda a relação entre o centro, a periferia e a cidade
como um todo, pois as periferias pobres além da distância se deparam com
problemas de acessibilidade e de transporte coletivo insuficiente e insatisfatório.
A reprodução de novas periferias, onde se localizam os empreendimentos
residenciais fechados, se fundamenta numa nova relação com as distâncias
128
espaciais, no discurso de melhor qualidade de vida, e no isolamento da diversidade
e dos conflitos urbanos no interior dos muros dos condomínios, conforme declara o
agente proprietário desse empreendimento:
O Green Ville é um condomínio para um nível médio, construímos 246 casas para a classe média alta. Uma grande quantidade de médicos, advogados, professores universitários que moram aí, só professores universitários acho que chega a mais de 30, que trabalham na UESB, na UFBA, no Colégio Oficina. A diferença aqui é que você pode deixar seus filhos em casa e sair, porque aqui tem segurança, o menino pode brincar, tem campo de futebol, não entra todo mundo no condomínio. Isso você não encontra em outro lugar31.
O discurso desse empresário reforça a idéia de que há uma negação do
entorno, para a recriação privada de uma realidade que atenda as aspirações do
grupo social em foco, que busca viver “entre iguais”. Conforme Maia (2006, p. 164),
“Há, portanto, nesta forma espacial uma sobrevalorização do espaço privado e mais,
da propriedade privada [...]”.
A valorização simbólica do isolamento social nos condomínios, sob o
discurso veemente dos agentes empreendedores e até mesmo dos próprios
moradores sobre a segurança intramuros, repercute fortemente na elevação do
custo dos imóveis, que mesmo sendo projetado para os grupos sociais que já
atingiram um patamar de renda, é comum uma elevação significativa do preço dos
imóveis posteriormente ao lançamento do empreendimento via mecanismos de
especulação, diante do fetiche da raridade do espaço construído.
A constituição da renda de monopólio também se estabelece na conjuntura
dos condomínios, a partir de declarações de moradores que afirmam que as casas
compradas “na planta”, em 2005, chegavam a custar R$ 60.000,00 e atualmente, o
mesmo imóvel sem nenhuma benfeitoria (pisos, portas e janelas, torneiras, cerâmica
de banheiro etc.) chega a custar R$ 150.000,00.
No condomínio Green Ville, sua localização distante do Centro
caracterizava uma periferia de amenidades, pois a separação dos vizinhos não
desejados, pelo muro, pela cerca elétrica, sistema de monitoramento por vídeo e
guaritas de segurança o distingue do entorno social popular, o loteamento Vila
América, instalado em suas proximidades.
No entanto, em função do caráter oficial da ocupação dessa parte do bairro
31
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido a essa pesquisa em Julho de 2011.
129
por famílias pobres, não implica depreciação socioespacial, significativa em virtude
de certas complementaridades da sociabilidade, que envolve as famílias em ambas
as áreas residenciais – a de status elevado e as famílias pobres –, com como
esclarece o depoimento do empresário que criou o condomínio Green Ville:
Se fosse uma invasão desordenada [...]. Mas aí não, foi um assentamento que a prefeitura fez. Pegou, loteou direitinho, entregou as casas até certo nível, a partir daí as pessoas que melhorarem de vida trabalhando, vão melhorando sua casa, quem não tiver condição vai ter que sair daí. O que está se fazendo aqui é uma inclusão social. No Green Ville, por exemplo, o Vila America é um ponto de apoio pra nós. Durante a construção aí do condomínio nós pegamos cerca de 800 operários, e uns 70% moram aí no Vila América. Hoje o Green Ville oferta em torno de uns 200 empregos, de babá, faxineira, arrumadeira, vigilante, jardineiro, zeladores, todo mundo mora aí vizinho. Então, há uma inclusão social. Você não pode fazer um bairro somente de elite, por que fica difícil transporte para os servidores chegarem, e fica mais caro a mão de obra pra nós32.
Com base no depoimento acima, se evidencia a necessidade de
coexistência entre os distintos estratos sociais que se avizinham no bairro Boa Vista,
em razão do baixo custo dos serviços profissionais: domésticos, e outras profissões
consideradas subalternas, oferecidos pela população pobre que reside no
loteamento Vila América.
A diferença social, que para os moradores do Vila América representa
muitas vezes a privação da própria cidadania, a negação dos direitos mais básicos
como trabalho, saúde, lazer etc., no interior do condomínio representa a solução
para as necessidades das classes de maior poder aquisitivo, que encontram na
situação de privação da população pobre da vizinhança possibilidades de viabilizar o
conforto de seu status social.
Por outro lado, a perspectiva de renda, por menor que seja, submete os
moradores à condição de subalternos e os leva a aceitar a condição de servidores
nos condomínios desempenhando atividades que não requerem especialização do
trabalho, nem formação técnica, como faxineiras e vigilantes.
De maneira geral o condomínio Green Ville situa-se numa área bastante
afastada do centro comercial e das outras áreas da cidade. No entanto, o agente
construtor se apropriou da localização e das possibilidades futuras de acessibilidade
32
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido a essa pesquisa em Julho de 2011.
130
que a área apresenta desempenhando o papel de parte de uma “elite
empreendedora”, conforme já referenciado por Corrêa (2007), mesmo que fora dos
principais eixos de circulação urbana, mas que é fundamental para a maioria dos
moradores do condomínio como explica o próprio empresário:
“[...] E tem uma avenida aqui, uma avenida projetada que está prestes a sair, aí é que esse bairro vai ficar uma beleza pra morar. É uma avenida que passa aqui na porta do Green Ville e liga a Avenida Juracy Magalhães até a estrada da Barra, vai passar pela UFBA ali, e vai até lá na estrada. Mais ou menos paralela a Avenida Luiz Eduardo Magalhães” (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).
Atualmente, pode-se considerar a localização do loteamento Gren Ville e do
futuro condomínio Villa Constanza como estratégica, pois é também de interesse do
poder público municipal viabilizar os acessos às novas áreas de habitação da classe
média da cidade. No entanto, o Loteamento Vila América, embora faça parte do
Bairro Boa Vista, bem próximo ao Condomínio Green Ville, não conta com a mesma
concepção e “manipulação” da distância. É com base nessas práticas que Sposito
(2006) afirma:
[...] a descontinuidade do tecido urbano pode se realizar, sem que os custos econômicos e o dispêndio de tempo, decorrentes de deslocamentos maiores, sejam, ainda, um entrave aos interesses fundiários e imobiliários dos agentes que projetam, incorporam e comercializa os loteamentos fechados (SPOSITO, 2006, p.186).
Por ser uma área residencial popular, as deficiências quanto à infraestrutura
impõem a população pobre uma forte dependência com o centro comercial para a
realização das compras do dia a dia e dos serviços. Mas as distâncias são enormes,
principalmente quando o transporte coletivo torna-se um a dificuldade a mais.
Apesar da proximidade com o Shopping Conquista Sul, certamente, a maioria
dos moradores do loteamento Vila América em razão dos parcos recursos, não
utiliza esse equipamento para buscar bens de grande valor, no máximo serviços
(bancos, lotéricas etc.)
Os investimentos imobiliários no bairro Boa Vista continuam, como também o
processo de valorização imobiliária, em virtude de o bairro ter sido tornado o novo
lugar de habitação da classe média da cidade de Vitória da Conquista. Ultimamente,
no bairro foram construídos dois novos condomínios de casas: Solar Boa Vista e
131
Vista Reale, ambos de pequeno porte com 8 unidades (ainda em processo de
comercialização dos imóveis, pois tratam-se de imóveis com o valor de venda alto,
com valores em torno de 170 mil reais), e três projetos para 2012 e 2013:
condomínio Casas Vog, Cidade Jardim e Cidade das Flores, conforme as figuras 1 e
2.
A construção de novos empreendimentos desse tipo no bairro demonstra o
crescimento da demanda por habitação na cidade de Vitória da Conquista, da qual o
bairro Boa Vista apresenta um volume de investimento significativo, tomando-se
uma área preferencial de atuação do capital imobiliário, o que implica o reforço da
tendência de valorização, devido às benfeitorias realizadas a cada empreendimento
que se inaugura, como se pode observar no depoimento de um empresário da local
do setor imobiliário:
Quando a gente começou a mexer aqui no Green Ville, esses lotes próximos, vizinhos, me ofereceram a R$ 3.500 o lote de 1000 m², Hoje a média aí é uns R$ 140 a R$ 150 mil pra se comprar um. Já foi vendido lote aí de R$ 200 mil, isso naquela avenida que asfaltou [Gilenilda Alves]. Isso pra você ver como o investimento traz o progresso, o investimento feito só no Green Ville, valorizou a área toda. E agora com o Villa Constanzza, valorizou mais ainda. E essa região aqui é uma região muito boa. Esse bairro aqui hoje, é o bairro mais visado em termos de investimento dentro de Vitoria da Conquista. Depois do Green Ville, outros projetos grandes foram surgindo. Agora mesmo a PEL está com uma obra grande ali, pertinho daqui. Está saindo também o Vog Casas. Esse bairro aqui é muito bom porque tem infraestrutra. O que está faltando é asfalto, mas tem água, esgoto, energia [...] (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).
Figura 1 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim (publicidade)
Fonte: Marcelo Santana Imóveis, 2011.
Figura 2 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim (publicidade)
Fonte: Marcelo Santana Imóveis, 2011.
132
As afirmações destacadas demonstram como os agentes se apropriam do
espaço e impulsionam o processo de valorização. A área do bairro Boa Vista tornou-
se uma “rica” parcela do mercado imobiliário da cidade. A idéia do investimento
produz e sustenta ao mesmo tempo o lucro de monopólio.
Portanto, atualmente o bairro Boa Vista apresenta características de uma
nova área de valorização urbana, do ponto de vista do mercado de habitação, de
modo que foram rapidamente suprimidas as construções populares, e mais que isso,
uma parte considerável das habitações populares já está incorporando
melhoramentos por parte dos próprios moradores que se vêem diante desse
processo.
O loteamento Porto Seguro licenciado em 2003 foi o último registro de
loteamento no Bairro Boa Vista, fato demonstrativo do controle das terras do bairro
para especulação, já que o número de habitações populares sofreu quede verificada
em todos os loteamentos exceto pelo Loteamento Vila América.
É possível observar que as vias de acesso ganharam importância maior
como o adensamento e a valorização econômica, e que o bairro Boa Vista
atualmente possui uma rede de acessos viários facilitados que conduzem a diversos
pontos da cidade.
A existência de acessos importantes em escala urbano-regional como a
Avenida Juracy Magalhães e a qualificação da Avenida Gilenilda Alves, além de
assegurar a mobilidade necessária para os grupos sociais de renda média e alta da
cidade que passam a ocupar o bairro, contribui para a continuidade do processo de
valorização econômica do espaço.
No processo de incorporação de terras ao espaço urbano torna-se evidente
um duplo significado: primeiro de que a terra urbana é fortemente controlada pelos
proprietários que a monopolizam, com vistas a atender seus interesses específicos,
conforme se confere nos discursos dos agentes entrevistados, com vistas a produzir
valor de troca com seu lançamento no mercado de terra urbana; em segundo lugar
observa-se que a produção do espaço urbano é social, não parte de necessidades
“naturais” apenas, mas da recriação das necessidades e das possibilidades de
atendimento à elas, e se constitui atualmente com atividade econômica que inclusive
explora a desigualdade social.
A empresa construtora responsável pelos condomínios mostrados nas
fotografias a seguir é local, fundada na cidade de Vitória da Conquista em 1997,
133
voltada inicialmente para a prestação de serviços em construção civil e consultoria
na área de empreendimentos em construção. Inicialmente, a empresa atuava na
“prestação de serviços de engenharia civil, avaliação e perícias de imóveis,
construção civil, incorporação e vendas” (E2 Engenharia, 2011) 33.
Foto 39 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Morada Sul
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 40 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul Residence
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A experiência no ramo da construção civil, avaliação de imóveis e processo
na área levou a empresa a uma ação estratégica como construtora. A partir do ano
de 2006 a atuação se estendeu a construção na cidade de Vitória da Conquista e
outras da Região Sudoeste como Jequié.
Alguns dos primeiros empreendimentos residenciais verticalizados que se
pode confirmar nas fotografias 41 e 42 situam-se no bairro Boa Vista. Esses foram
os primeiros conjuntos verticalizados, que inauguraram essa nova tendência de
habitação.
Os condomínios construídos possuem uma localização privilegiada que
impulsionou as vendas das unidades habitacionais. Nas fotos 41 e 42, a Rua G onde
se encontram os três condomínios fotografados faz entroncamento com a Avenida
Juracy Magalhães, em frente ao Shopping Conquista Sul.
33
Conforme histórico da empresa E2 Engenharia. Disponível em <http://www.e2eng.com.br/historico.php >. Aacesso em 2011.
134
Foto 41 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul América
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 42 - Chácaras Jardim Guanabara: pavimentação da Rua G
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A presença desse equipamento nas imediações dos Condomínios da
Empresa E2 proporcionou a agregação de valor as terras próximas, cujo potencial
de lucratividade foi explorado através da estratégia da verticalização, algo
completamente novo na paisagem do Bairro Boa Vista. Nas fotos 43 se pode
verificar que a rua de aceso principal aos conjuntos foi pavimentada, enquanto que a
foto 42 mostra outro acesso totalmente se pavimentação.
Essas imagens confirmam que os agentes viabilizam essas benfeitorias para
promover a venda e a valorização dos empreendimentos. No caso desses
condomínios se situarem nas imediações do Shopping e da Avenida Juracy
Magalhães, afirmam apropriação da localização como estratégia de valorização.
Sobre isso, Villaça (2001, p. 23) afirma que:
A produção de objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações. A localização é, ela própria, também um produto do trabalho e é ela que especifica o espaço intraurbano. Está associada ao espaço intraurbano como um todo pois refere-se às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os demais.
A localização no caso dos Condomínios empreendidos pela E2 Engenharia
no Bairro Boa Vista, associada ao papel subsidiário do Estado, através das políticas
mais recentes de acesso a moradia, asseguraram as vendas desse perfil de
habitação que, embora simples, era absolutamente novo nessa área da cidade.
O “ponto” da cidade onde se estabeleceram os Condomínios Morada Sul,
135
Sul Residence e Sul América possui uma localização interessante ainda, pela
proximidade com outros novos empreendimentos imobiliários do Bairro Boa Vista.
A vizinhança com o Shopping faz com que esses condomínios tenham
impacto e clientela, utilizando-se da vizinhança desse equipamento como estratégia
de valorização e de influência junto ao fluxo de pessoas em torno do shopping (seus
frequentadores, que advêm de toda a área de influência urbana de Vitória da
Conquista, cerca de 80 municípios).
O primeiro empreendimento deste grupo empresarial foi o Residencial
Itapuã, conforme fotografias 43 e 44, situado no Loteamento Mariana, com um total
de 128 unidades habitacionais e lançado no ano de 2009.
Os Condomínios Pituba e Itapuã, construídos pela empresa construtora
Prates Bomfim, são empreendimentos mais recentes, cuja estratégia de
verticalização se dá também como forma de explorar a localização. O segundo
empreendimento da Empresa Prates Bomfim no Bairro Boa Vista é o Condominio
Residencial Pituba, também com 128 apartamentos, lançado em 2010.
Foto 43 - Loteamento Mariana: canteiro de Obras Condomínio Residencial Itapuã
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
Foto 44 - Loteamento Mariana: construção do Condomínio Residencial Itapuã
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
136
Figura 03 - Loteamento Mariana: Condomínio Residencial Pituba (Publicidade)
Fonte: Prates Bomfim Engenharia, 201034
Foto 45 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio Residencial Pituba
Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011
A empresa é original de Vitoria da Conquista, composta por dois sócios que
atuam no mercado da prestação de serviços em construção civil na cidade e região
desde 1994. A empresa, segundo informa um de seus sócios, entrevistado para esta
pesquisa, retomou a estratégia da verticalização após um longo período de
estagnação desse tipo de produto e mercado imobiliário. Segundo o argumento do
empresário:
Só em 1998 começamos a trabalhar, a pensar na incorporação e em 2000 a gente entregou a primeira obra, que até então não havia em Conquista, pois havia parado, até construíram em uma determinada época, mas a verticalização havia parado. Nessa época haviam apenas dois empreendimentos verticais em construção na cidade. O nosso, e mais outro. Depois disso até que na cidade voltou a se pensar na parte verticalizada. Por enquanto eram só casas, o pessoal não queria de uma maneira geral, quando eu apresentei o orçamento do primeiro prédio disseram que eu estava maluco de construir um prédio numa cidade em que todo mundo queria morar em casa 35.
Com base nas declarações do empreendedor, a verticalização é mais que
uma estratégia de lucratividade, mas tem se tornado uma tendência de moradia em
face da urbanização. Um número crescente de pessoas trabalhadoras, prestadores
de serviços, profissionais liberais, mulheres e homens solteiros, e pequenas famílias
tem recorrido a esse tipo de habitação, devido à segurança e ao custo menor do
34
Disponível em <>Acesso em Abril de 2011 35
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011.
137
imóvel.
É associando esses interesses que a verticalização torna-se uma estratégia
de comercialização de imóveis altamente lucrativa, já que não há o problema da falta
de terrenos para construção. Do ponto de vista da disponibilidade de terras, outro
empresário entrevistado afirma que:
Conquista pelo fator climático daqui não deveria ter nenhum prédio. Primeiro por que tem muita área pra construir, você só utiliza o artifício de fazer prédio onde não tem como expandir. Mas aqui tem área demais, se você for morar num quinto andar com o clima daqui, não pode nem abrir a janela à noite que esfria demais. O ideal aqui e morar em casa, da pra morar muita gente em casa36.
O discurso do agente, proprietário de terras e construtor, é coerente com a
sua clientela já que desde 1979 trabalha com a produção de espaços residenciais
para a classe média alta. Nota-se nessa fala as características representativas de
classe social que pode apropriar-se de lotes grandes das terras urbanas e ali
produzir a moradia. O discurso de um outro agente entrevistado, já demonstra
características de empreendimentos que atendem a uma classe social menos
abastada, pelo menos nos casos dos condomínios empreendidos no Bairro Boa
Vista:
O mais importante é que Conquista recebeu a UFBA, a Justiça Federal, mais cursos do IFBA (o antigo CEFET) isso atrai muita gente de fora, e gente de fora precisa morar, ter aonde morar, então tem que construir mais apartamentos. Essa gente de fora tanto vai ser o estudante, quanto o funcionário e o professor, então Conquista nos últimos anos sofreu um boom de construção por que teve mesmo que crescer. Hoje eu quase que diariamente eu recebo gente de fora aqui querendo apartamento, querendo casa, querendo lugar pra morar. Gente que vem de São Paulo, do interior, de Salvador, gente que é de Conquista e que está voltando, por que são vários órgãos que foram abertos numa quantidade que atraiu também gente de fora. Hoje você tem muito estudante que vem de fora, médicos que vem de fora, que não moram na cidade, mas que passam aqui dois, três dias ou até quinze dias e prefere ficar num imóvel próprio, a ficar no hotel. Basta olhar o pulo que deu a população nos últimos cinco, dez anos.37
36
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Julho de 2011.
37 Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em
Maio de 2011
138
O crescimento da cidade e as interações espaciais (CORRÊA, 2008)
impactam significativamente na produção do espaço intraurbano, como se pode
verificar na fala do agente construtor entrevistado. A demanda por moradia em escla
local e regional repercute na valorização do espaço e ajuda a impulsionar a
aglomeração de pessoas nos condomínios verticais. No entanto os
empreendiemntos envolvem uma grande quantidade de trabalho e um alto volume
de investimento.
Por este motivo, as construtoras buscam áreas cuja localização tenha
possibilidades de acesso que, com isso, permita não apenas a circulação das
pessoas mas o processo de valorização imobiliária com a localização relativa. A
empresa Prates Bonfim considerou a localização como fator de influência no
estabelecimento de seus empreendimentos:
É uma área que tem uma valorização boa apesar dos serviços públicos ainda estarem faltando, não tem infraestrutrua viária em termos de pavimentação, o esgoto está chegando agora, que eu não sei se chaga a 100% do bairro, e o que aconteceu também ali foi a abertura da Avenida Luíz Eduardo, que criou um ligação rápida entre um lado e outro da cidade. Isso fez movimentar aquela região que estava esquecida há muitos anos, e não se investia lá porque o acesso era ruim, muita poeira, não tinha drenagem, e algumas dessas coisas passou a ter, então acho que isso influenciou bastante na valorização daquela área
38
O processo de valorização do espaço se dá inicialmente a partir da
acessibilidade associada à localização, conforme discute Maia (2006). Associa-se a
isso a disponibilidade de infraestrutura ou a possibilidade de sua implantação, sem
que isso acarrete e custos elevados ao empreendedor, e por fim a demanda por
moradia que, quando existe e se intensifica motiva as construtoras a assumir
questões como pavimentação e esgotamento como forma de valorização e
legalização dos condomínios.
Especialmente no caso de Vitória da Conquista, uma cidade média, a
presença das vias de circulação oferece uma mobilidade peculiar para as classes
sociais localizadas nos bairros contemplados por essas estruturas, diferentemente
dos transtornos de tráfegos nas metrópoles, por exemplo. A acessibilidade se
constitui em um fator de valorização, quando manipulada pela apropriação privada
38
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011
139
dessa localização, afirmando o monopólio do espaço e com isso também um fator
de exclusão social das massas.
Algumas dessas estruturas são assumidas pelo próprio empreendedor
imobiliário, pelas construtoras, pois o embate com os governos pelos serviços
públicos como a pavimentação, por exemplo, pode demandar um tempo que
atrapalha a rentabilidade do projeto. Conforme afirmou um empresário construtora
que investe na verticalização no bairro:
O Pituba e o Itapuã, impactam bem e positivamente em termos de valorização. Primeiro porque quando a gente leva um empreendimento desses, a gente leva um padrão de construção melhor, pois eles já têm um bom padrão de construção das casas que foram construídas lá, não são casas populares. O nosso empreendimento também não é um empreendimento popular, é um projeto para pessoas que ganham a partir de três salários mínimos, então é um padrão bom de público que vai morar ali, então isso leva a um beneficio porque o nosso cliente ele vai chegar na casa dele com pavimentação, a gente leva a pavimentação a um trecho onde isso não existia por que o poder publico não fez, e acaba que a gente tem que fazer por ter que viabilizar o nosso empreendimento39
A necessidade dessas ações se constitui muitas vezes em mais tensão no
embate entre as esferas governamentais e os agentes do capital privado. No entanto
o monopólio da propriedade, mesmo a revelia das ações do poder público municipal,
continua a ser sustentado pelos construtores quando diferenciam a área do
empreendimento com tais benfeitorias.
Assumir as obras de esgotamento sanitário e pavimentação representa uma,
no entanto, é papel dos poderes públicos constituídos, pois se trata das
necessidades básicas de circulação e saneamento básico, os agentes privados
assumem essas ações como estratégia também de elevação do valor econômico do
imóvel.
Certamente, em face da lucratividade do mercado imobiliário, as ações
obrigatoriamente assumidas nesse contexto representam um custo que não impacta
na obra na forma de prejuízo, mas caracteriza uma forma de o próprio Estado, na
forma do poder público municipal, regular de forma conveniente a disposição de
infraestrutra urbana.
Nesse sentido é que um dos empresários construtores entrevistados afirma
39
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011
140
que a maior dificuldade encontrada como empreendedor do mercado imobiliário é
com a Prefeitura e com as exigências burocráticas que segundo ele “só faz
complicar”:
Não considera o empresário como parceiro, mas sim como explorador, então como ela age? Aumenta os impostos, faz fiscalização rigorosa, trava. Ao invés de ser um elo de facilitar as coisas. Pra resolver qualquer coisa na prefeitura, uma coisa simples se torna difícil porque a mentalidade não quer o empresário como aliado, as obras demoram pra começar por que o alvará tem dificuldade, é essa mentalidade... 40.
Conforme a fala supracitada, temos dois problemas que emergem da
produção do espaço urbano: o primeiro é o papel dos poderes públicos como
reguladores, que se não exercido pode permitir que a cidade se torne um espaço
sem a menor noção de ordem ou planejamento, e ainda que as classes pobres
sejam ainda mais excluídas, e em segundo lugar a forma como o poder público se
utiliza do papel de normatizador para atribuir responsabilidades inclusive sobre os
serviços públicos para os agentes privados, em face da viabilidade de seus
empreendimentos.
40
Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Julho de 2011
141
5. A ESPACIALIZAÇÃO DOS PERFIS IMOBILIÁRIOS NO BAIRRO BOA VISTA
O bairro Boa Vista é um fragmento do espaço da cidade de Vitória da
Conquista que denota a forma como as desigualdades socioespaciais se
reproduzem, não apenas na ordem interurbana, mas também no espaço
interurbano. Podemos afirmar que a lógica desigual é produzida e reproduzida na
cidade, manifestando as diferenças na organização interna dos espaços como o
próprio bairro.
Nota-se que com o crescimento da cidade e com a afirmação da
centralidade, a lógica da valorização influiu significativamente nas estratégias de
comercialização e formas de ocupação do espaço do bairro revelando na paisagem
novos tipos de edificações e mudanças no perfil de edificações já existentes.
Conforme se pode atestar no mapa 4 (p. 146), as áreas de ocupação mais
antigas empreendidas na forma de loteamentos atualmente passam por um
processo de renovação imobiliária, caracterizado pela alteração dos imóveis já
existentes que mudam gradativamente do perfil popular para o perfil residencial (não
popular). Isso se confirma ao verificar-se a predominância de áreas com perfil de
habitação residencial na atualidade.
Observa-se ainda a presença das novas formas de ocupação do espaço do
bairro, como os condomínios fechados e as edificações plurifamiliares verticalizadas,
como estratégias de comercialização e de exploração da renda da terra urbana, e do
monopólio das áreas “privilegiadas” pelas benfeitorias públicas e privadas.
Dessa maneira, se realiza a mudança da paisagem do bairro cujos agentes
produtores não apenas se restringem ao capital privado, mas aos próprios
moradores dos antigos loteamentos que se deparam com a valorização do entorno
de suas casas, e com base nisso empreendem a renovação do perfil imobiliário dos
loteamentos.
O mapa 4 ainda permite visualizar a densa área de ocupação no loteamento
Vila América, expressa no número de quadras e ruas, e na origem da ocupação por
assentamento popular do PMHP.
142
Mapa 4 – Bairro Boa Vista: perfil imobiliário e localização dos localização dos principais condomínios
143
Em contraste com uma grande área ainda sem divisão em lotes, pode-se
confirmar que o direito à cidade é orientado pela classe social e capacidade de
pagamento dos imóveis. O esgotamento dos lotes da Prefeitura Municipal de Vitória
da Conquista disponíveis para doação, a realização de benfeitorias como a
pavimentação dos acessos principais e corredores viários e a presença de novos
empreendimentos (condomínios e shopping) motivaram a ação dos agentes
privados também nas imediações do Vila América.
Nesse loteamento se apresentam a partir do ano de 2010 registros de
construções de padrão residencial não popular após 13 anos do início da ocupação
da área com predomínio da habitação de interesse social (popular). Esse é mais um
indício do processo de renovação pelo qual passa o bairro Boa Vista, no qual
também se inserem as populações pobres.
Com base no discurso dos agentes construtores que empreendem no bairro
Boa Vista, a relação com essas populações pobre na verdade é de subordinação, ou
seja, há a possibilidade de permanecerem na área por conta das “possibilidades” de
trabalho ou mesmo “subemprego” nos condomínios fechados para as classes mais
abastadas da vizinhança, ou a possibilidade de comercialização dos imóveis, já que
a proximidade da área de habitação popular fora dos condomínios também passa
pelo processo de mudança do perfil imobiliário.
Na espacialização das estratégias dos agentes no bairro Boa Vista se nota
ainda a coexistência de edificações plurifamiliares com até quatro pavimentos, com
diversas áreas ainda não loteadas, e com a densidade da ocupação da área de
predomínio popular (loteamento Vila América). O processo de valorização verificado
no crescimento do perfil imobiliário não popular em coexistência com as áreas sem
loteamento, chamadas também de “vazios” urbanos, evidencia que o processo de
valorização do espaço do bairro Boa Vista não é análogo ao que ocorre nas
metrópoles com o esgotamento das áreas edificáveis.
Ao contrário, constatamos conforme os discursos dos agentes privados e a
averiguação de suas práticas enquanto agentes produtores da cidade, que a
disponibilidade de terras é manipulada com vistas a criação de certa “raridade” do
espaço. Com isso, se reforça a renda de monopólio das terras e demais imóveis em
face inclusive das benfeitorias realizadas nos bairros vizinhos, como no caso do
shopping Conquista Sul.
Pode-se ressaltar que na cidade que cresce vertical e horizontalmente sob o
144
signo do progresso, os princípios da produção do espaço ainda estão
fundamentados em estratégias conservadoras de exploração dissimuladas pela
propaganda dos novos padrões de moradia, pela idéia de prosperidade com a
atração populacional, e pela própria criação da lei como forma de legitimação da
conveniência de determinadas classes utilizando-se do poder do Estado, por
exemplo.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo é possível afirmar que é a lógica de mercado do sistema
capitalista que orienta a produção do espaço urbano, não em uma relação simples e
previsível do jogo da oferta e da procura, mas motivada por interrelações
indissociáveis entre os distintos agentes sociais do desenvolvimento urbano, que
exploram em seu proveito (econômico/político) a demanda pela moradia e
manipulam a oferta de habitação de maneira socialmente seletiva no espaço urbano.
Há na cidade de Vitória da Conquista um controle sistemático, porém obscuro
da disponibilidade de terra, com vistas à especulação imobiliária. Mais que isso, os
agentes privados empreendem manipulação da disponibilidade de terras e a
reprodução da valorização econômica de partes do espaço da cidade.
Nota-se na paisagem urbana, de forma perfeitamente identificável, a
existência de espaços para possível ocupação em toda a cidade. Por outro lado, a
apropriação privada do espaço tem direcionado o crescimento urbano para o eixo
sudeste, compreendido entre os bairros Candeias e Boa Vista, explorando ao
máximo a edificabilidade dos terrenos como forma de obtenção de sobrelucro e da
geração de renda contínua com a adoção do modelo imobiliário condominial.
A exploração do espaço urbano como forma de mercadoria rentável acentua-
se com a consolidação do pólo regional. A condição de cidade média como
defendemos em nossa fundamentação teórica reforça essa possibilidade. Por esse
motivo compreendemos que a produção do espaço, bem como o crescimento
urbano e o acréscimo populacional não se explicam isolados das interações
espaciais nas quais se inserem.
Fica evidenciado que a moradia, em cidades médias, como no caso de Vitória
da Conquista adquire grande maior importância e, com isso, um novo ciclo de
valorização imobiliária se inaugura. O ciclo de dinamização econômica, com base na
formação e crescimento do mercado imobiliário, tem alguns de seus fundamentos e
repercussões em nível regional, e dessa escala também se retroalimenta a demanda
pelos imóveis.
Na cidade de Vitória da Conquista, até meados do ano 2000, e
especificamente no Bairro Boa Vista, no ano de 2004, encerrou-se o período em que
os loteamentos eram a estratégia principal de comercialização de imóveis. Com isso,
podemos afirmar que a forma de moradia, a disponibilidade de terras e o perfil dos
146
imóveis se adéquam às tendências da urbanização na criação de um mercado de
moradia, ao mesmo tempo em que se mantém o controle da oferta de terras.
Desde o ano de 2004, pudemos comprovar um forte controle na
disponibilidade de terras para a produção de moradias, resultando num processo
mais lento de ocupação, envolto num processo de valorização intensa da terra e dos
imóveis em geral. De modo diferencial, Vitória da Conquista e sua condição de
cidade média conta com uma intensa atividade econômica urbana, e com a
disponibilidade de espaços que possibilitam a expansão de maneira a estender a
área da cidade.
A análise do bairro Boa Vista permitiu constar a mudança de estratégia na
comercialização dos imóveis, que passou de loteamentos para a venda de casas
construídas especialmente em condomínios fechados, garantiu a permanência de
grande quantidade de terras sem ocupação, mas com o objetivo de manutenção
bem definido pelos proprietários. Gradualmente, as terras são liberadas para
ocupação mas pode-se perceber, especialmente a partir de ano de 2006, não mais a
ocupação pontual de lotes individuais, mas a ocupação por aglomeração em
condomínio de lotes ou residências.
A verticalização no bairro pesquisado se apresenta como estratégia de
aglomeração e de exploração da lucratividade do terreno, gerando a renda
imobiliária. Diferente do que ocorre nas metrópoles, a estratégia de verticalização
dos imóveis, no caso do Bairro Boa Vista, não tem relação com a falta de espaço ou
a indisponibilidade de terras. Ao contrário, essa estratégia garante que as áreas de
maior valorização sejam controladas pelos proprietários de grandes glebas de terra,
como forma de extração otimizada da renda imobiliária urbana.
Há, no entanto, certa cautela dos agentes quanto à preservação do perfil
residencial do Bairro. Até mesmo os conjuntos prediais possuem no máximo quatro
andares, o que permite a aglomeração das famílias residentes, a venda de diversos
(e pequenos) imóveis em um mesmo terreno, e não altera tão fortemente a
paisagem. Essa estratégia diminui os custos da engenharia da verticalização e tira a
obrigatoriedade de equipamentos de segurança e elevadores, por exemplo,
possibilitando com a exploração da localização que se acrescente valor aos imóveis
e se amplie a margem de lucro dos construtores. Como resultado dessas estratégias
os empreendimentos têm um baixo custo de produção e uma margem elevada de
lucro, além do que se pode utilizar a paisagem residencial como atrativo para as
147
classes média e média alta.
A produção do espaço urbano, com a valorização imobiliária, se altera em
face das novas possibilidades de exploração da terra. Em um determinado
momento histórico a estratégia dos loteamentos populares funcionou
economicamente e contribuiu para o crescimento urbano da cidade de Vitória da
Conquista.
O bairro Boa Vista participou, enfim, de diversas etapas do crescimento da
cidade, com a abertura dos loteamentos por exemplo, e em cada momento histórico
as formas de produção do espaço se adequaram as estratégias dos agentes. A
análise desse processo permite afirmar que há de fato uma intensa apropriação
privada da produção do espaço urbano que remete a regulação e manipulação da
disponibilidade de imóveis e a existência de um grupo de proprietários de terra que
se afirma como controladores e exploradores da renda da terra urbana.
A apropriação privada além do controle da terra apropria-se dos
equipamentos públicos como fatores componentes da valorização imobiliária, como
se pode perceber às margens da Avenida Juracy Magalhães e da Avenida Luiz
Eduardo Magalhães. A presença dessas rodovias e o fato de terem elas se tornado
corredores de uso diversificado e, no caso da Avenida Juracy Magalhães um
corredor urbano-regional, a disponibilidade de imóveis situados nessas vias é
bastante controlada.
Esse fato revela a participação decisiva da propriedade privada da terra na
organização do espaço urbano e como essa propriedade não se basta e lança mão
de estratégias de reprodução ampliada do capital imobiliário. O preço dos imóveis
marginais e arredores as principais vias urbanas se eleva significativamente,
acompanhados da mudança no perfil dos imóveis próximos a esses locais, ou da
ocupação recente estimulada pela nova significação dessas vias.
As ações dos agentes produtores do espaço efetivamente podem ser
percebidas no bairro Boa Vista. Os loteadores e construtores organizam, parcelam e
comercializam as terras bairro nas formas de lotes individuais, casas em
condomínios, lotes de condomínio e apartamentos: estratégias adotadas quanto
melhor se adéquam ao momento da economia urbano-regional.
O Estado, representativo de grupos políticos a cada gestão de governo,
especialmente as esferas governamentais de escalas mais próximas como o estado
e o município, atua diretamente no bairro Boa Vista, desde a abertura de vias
148
públicas perimetrais importantes como a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, até a
pavimentação de acessos estratégicos como a Avenida Gilenilda Alves, e a
“requalificação” da Avenida Juracy Magalhães, com a pavimentação, drenagem,
paisagismo e duplicação da pista. Essas ações influem diretamente nas estratégias
de ação dos agentes privados, dando a esses novos argumentos para empreender e
modificar o espaço do bairro de maneira mais conveniente.
Obviamente, as vias de circulação têm impacto positivo na mobilidade da
população e da produção (consumo), ou mesmo da população para a produção
(mão-de-obra). No entanto, o planejamento, a mobilidade e a acessibilidade se
tornaram instrumentos de valorização do espaço, limitando o acesso das classes
populares aos imóveis das áreas urbanas beneficiadas com as características
citadas.
Dessa maneira, se percebe a supressão do acesso popular às áreas de
valorização, como o Bairro Boa Vista, cujo perfil popular de morador e moradia
atualmente se confina ao Programa Municipal de Habitação Popular, efetivado no
Loteamento Vila América.
Esta pesquisa pode enfim confirmar as bases capitalistas e excludentes nas
quais se produz o espaço do bairro, como reprodução da exclusão percebida no
espaço urbano em sua totalidade. Notadamente, o direito à cidade é negado as
camadas populares, seja destinando à elas as zonas habitação de interesse social
fora dos circuitos das benfeitorias e da valorização, seja explicitamente segregando-
as fora dos muros dos condomínios fechados. Compreendemos com isso que a
valorização e a segregação são problemas sociais decorrentes de questões de base
econômica e no contexto da importância e do crescimento da cidade torna-se um
grave problema social, que corresponde a uma supervalorização do espaço urbano
no qual se inserem os padrões de moradia verticalizados, e isolados pela
“segurança” dos muros.
Acreditamos, porém, que a cidade precisa ser um espaço que abarque o
desenvolvimento efetivo, sem que se promova mais desigualdade com o
crescimento econômico. A circulação manifesta nas cidades pela presença das
novas vias urbanas, por exemplo, demonstra que a supressão da distância pelos
transportes pode ser transformada na diminuição das desigualdades socioespaciais
e não apenas convenientemente apropriadas pelas camadas privilegiadas da
sociedade.
149
Evidentemente, o contexto capitalista em que as cidades se encontram requer
a revisão dos valores sociais e uma representação do poder público que não apenas
garanta a moradia urbana, mas o direito à cidade para todos. Para a cidade se
tornar um espaço mais justo, a realização da moradia de qualidade não deve
constituir apenas o monopólio de uma classe social e nem simplesmente a
reprodução da riqueza dos agentes privados.
A verdadeira convivência social segura não se realiza entre os convenientes
muros dos condomínios, mas sim dentro do respeito ao direito à cidade, à moradia
digna, ao lazer, à qualidade de vida, questões correspondentes às prerrogativas
constitucionais do direito à vida e à dignidade das cidadãs e cidadãos. Enquanto a
exploração da privação do lado de fora dos muros dos condomínios fertilizarem essa
desigualdade, a cidade será espaço de vida de uns e vida sem espaço para a
maioria.
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