UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL
MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS
ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA
O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO
ENSINO MÉDIO: O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR
QUIXADÁ-CEARÁ
2019
ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA
O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO
ENSINO MÉDIO: DO CORPO DO TEXTO AO CORPO DO LEITOR
Dissertação apresentada ao Mestrado
Interdisciplinar em História e Letras da Faculdade
de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central-
FECLESC, como requisito parcial à obtenção de
título de Mestre em História e Letras.
Área de concentração: Ensino e Linguagens
Orientadora: Profa. Dra. Maria Valdenia da Silva
QUIXADÁ-CEARÁ
2019
ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA
O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO
ENSINO MÉDIO: DO CORPO DO TEXTO AO CORPO DO LEITOR
Dissertação apresentada ao Mestrado
Interdisciplinar em História e Letras da Faculdade
de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central-
FECLESC, como requisito parcial à obtenção de
título de Mestre em História e Letras.
Área de concentração: Linguagens e Ensino
Orientadora: Profa. Dra. Maria Valdenia da Silva
Aprovada em: 15 de Março de 2019.
BANCA EXAMINADORA
Dedico esta pesquisa a todas e todos que
enxergam na arte uma potência para desvendar
mundos e formar leitores. Aos meus
educandos e educandas da turma do 2º Ano C
do ano letivo de 2018 da E.E.M. Francisca
Pinto dos Santos.
AGRADECIMENTOS
A todas as energias positivas que habitam este e outros universos, a Deus que nos dá
oportunidades únicas.
A minha mãe e grande amiga, Rita, pelo amor, mas principalmente por todo esforço para que
eu nunca desistisse dos meus estudos, enfrentando conflitos muitas vezes em silêncio para não
me preocupar.
Ao meu pai, Aldemir e meu irmão, Artur, pelo apoio.
A minha avó Anastácia pelo colo nos momentos difíceis e pelos conselhos sempre sábios. Aos
meus avôs e minhas avós maternos e paternos.
A minha tia Célia, por toda paciência e pelas orações.
Aos meus amigos e amor pela parceria de compartilhar momentos bons e ruins juntos,
pensando em um mundo mais justo, diverso e acolhedor. Agradeço pela paciência e por todas
as demonstrações de carinho (Luana, Jardson, Amarildo, Leonardo, Aniele, Fernanda,
Romário, Felipe, Cleilson, Rozangêla e Marcília).
A minha querida professora e orientadora Valdenia, que sempre me incentivou a trilhar este
caminho acadêmico com tranquilidade e paciência, obrigada por deixar tudo mais leve e por
tornar esta pesquisa possível.
Aos meus professores do ensino fundamental e médio que me inspiraram a ser educadora, em
especial Taciane, Cleomá, Tia Fransquinha, Tia Elsa, Analine e Delmá.
Aos meus professores da graduação, por todo conhecimento compartilhado, em especial
Vânia Vasconcelos, Luiz Oswaldo, Miguel Leocádio e Vania Castelo.
A todas as mulheres da luta feminista, pois ser mulher na academia ainda é um desafio.
Agradeço em especial ao Coletivo Feminista Severinas que desde a graduação me ajudou a
construir a mulher que sou hoje. Cada Severina é inspiração de luta e coragem. (Lizandra,
Lisiani, Larissa Caetano, Larissa Pinheiro, Paula, Maria, Mayara, Kaline e Priscila)
As professoras Jaquelania Aristides e Francimara Nogueira, pelas importantes contribuições
para a pesquisa na qualificação e na defesa e por inspirarem Arte por onde passam.
A segunda turma do MIHL que, mesmo distantes, colaboraram de alguma forma para esta
pesquisa.
A todas e todos que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste trabalho.
Obrigada!
“O puro fantasiar do jogo dramático é
substituído, no processo de aprendizagem com
o jogo teatral, por uma representação corporal
consciente”.
(Ingrid Koudela).
RESUMO
A presente pesquisa debruça-se sobre a formação de leitores no ensino médio através da
leitura do texto teatral de Ariano Suassuna e do uso dos Jogos Teatrais de Viola Spolin
(2008). De forma mais ampla, buscamos criar uma possibilidade de ler em sala de aula através
do trabalho com o corpo. A investigação analisou algumas influências culturais que
circundam e compõem o texto teatral de Suassuna, focalizando O santo e a porca (1957).
Trata-se de um estudo qualitativo, pois a investigação ocorre sobre a análise da formação de
leitores na sala de aula. Para isto, utilizamos o método de pesquisa bibliográfico, analisando
inicialmente conceitos como os de leitura e letramento, em especial o literário. Posteriormente
investigamos as influências históricas e a cultura popular na obra de Ariano Suassuna, suporte
teórico para a elaboração de uma proposta metodológica de leitura com o texto teatral para
uma turma de segundo ano do ensino médio. Sendo assim, a pesquisa é de natureza aplicada.
Como resultados, podemos observar que o uso dos jogos teatrais na sala de aula pode
contribuir para a formação de leitores, desafiando o leitor a um trabalho com o corpo ao
utilizá-lo na motivação para a leitura e interpretação do texto. Além disso, constatamos que o
texto teatral de Ariano Suassuna pode ser efetivo no trabalho sobre a identidade cultural,
política e social do povo Nordestino, favorecendo a implementação do projeto político das
escolas do campo.
Palavras-Chaves: Formação de leitores. Ariano Suassuna. Jogos Teatrais.
ABSTRACT
The present research addresses secondary school readers’ development through the reading of
theatrical text by Ariano Suassuna and the use of Theater Games by Viola Spolin (2008). In a
broader way, we seek to create a possibility of reading in the classroom through bodywork.
The investigation analyzed some cultural influences, which surround and compose Suassuna’s
theatrical text, focusing on O santo e a porca (1957). It is a qualitative study as the
investigation occurs under the analysis of readers’ development in the classroom. For this
purpose, we used the bibliographical research method, analyzing initially concepts as the ones
of reading, literacy and literary literacy. Afterwards, we investigated the historical influences
and the popular culture in the work of Ariano Suassuna, which provides theoretical support to
elaborate a methodological proposal of reading with the theatrical text mentioned and we
applied it in a second grade class in a secondary school. Thus, we characterize the form of
investigation as applied research. As a result, we can observe that the use of theater games in
the classroom can contribute to the readers’ development as it challenges the reader with
bodywork as it is used in motivation for reading and for text interpretation. Besides, we noted
that the theatrical text by Ariano Suassuna could be effective in the work about Northeastern
people’s cultural, political and social identity of the Northeast people, favoring the
implementation of the rural schools political project.
Keywords: Readers’ development. Ariano Suassuna. Theater games.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10
2 A FORMAÇÃO DE LEITORES: LETRAMENTOS E LITERATURA NA
ESCOLA ....................................................................................................................... 14
2.1 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO .................... 14
2.2 (DES)CAMINHOS DOS TEXTOS TEATRAIS NA ESCOLA .......................................... 22
2.2.1 Teatro, jogos teatrais e corpo: relações sociais ......................................................... 30
3 A CORPOREIDADE DO NORDESTE EM ARIANO SUASSUNA ...................... 41
3.1 CONCEITUANDO CORPOREIDADE ....................................................................... 41
3.2 O CORPO E A IDENTIDADE DO ROMANCEIRO POPULAR NORDESTINO ...... 45
3.3 O JOGO CÊNICO DE IDENTIDADES EM O SANTO E A PORCA (1964) ............ 51
4 O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR: EM CENA NA SALA DE
AULA ............................................................................................................................ 66
4.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ................................................. 66
4.2 DADOS DA INSTITUIÇÃO E SUJEITOS DA PESQUISA ........................................ 72
4.3 PORÇÃO DA REALIDADE ......................................................................................... 76
4.4 PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O SANTO E A PORCA (1957), DE
ARIANO SUASSUNA, PARA O ENSINO MÉDIO................. ................................... 78
5 LENDO O SANTO E A PORCA NA SALA DE AULA: ANÁLISE DOS
RESULTADOS .............................................................................................................. 93
5.1 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO I ................................................................................. 96
5.2 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DAS OFICINAS .............................................................. 99
5.3 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO II...............................................................................107
5.4 AVALIAÇÃO FINAL DO PERCURSO DE LEITURA ..............................................109
6 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 113
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 115
ANEXOS ...................................................................................................................... 120
ANEXO A -QUESTIONÁRIO I ...................................................................................121
ANEXO B – QUESTIONÁRIO II.........................................................................................133
APÊNDICES..........................................................................................................................143
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO I ....................................................................................144
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO II....................................................................................145
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO........146
10
1 INTRODUÇÃO
Quando estudante do ensino fundamental, não visualizava a literatura de forma
atrativa na escola. As maiores vivências de leitura literária ocorreram fora dela, através de
momentos lúdicos e descontraídos em espaços como as casas de professoras e os encontros
para crianças promovidos pela igreja católica. Em relação às primeiras experiências com o
teatro, recordo-me dos momentos de ensaio e das apresentações de pequenas peças teatrais,
que esporadicamente eram realizados na escola e na igreja. Foram esses momentos que
despertaram meu gosto pela leitura e pelo teatro.
Por muito tempo, acreditei que a escola e a literatura realmente deveriam
continuar distantes uma da outra, até chegar ao ensino médio e, através de um professor de
língua portuguesa, encontrar a literatura em sala de aula de forma prazerosa, principalmente
por meio da leitura completa de textos e das possibilidades interpretativas que as aulas nos
proporcionavam. Se por um lado a minha experiência no ensino médio trouxe a leitura
literária como algo positivo na escola, foi nesse mesmo momento que o teatro e o texto teatral
foram se distanciando do meu cotidiano. Literatura passaria a ser vista apenas como os
romances e, uma vez ou outra, algumas doses de crônicas e contos.
Por ocasião do meu ingresso na graduação em Letras, a concepção de uma
formação de leitores evidenciou as lacunas deixadas pela escola no que se refere ao contato
com a literatura, como a ausência da relação com os mais variados gêneros textuais existentes.
A partir dessas reflexões e considerando que essa foi a realidade de muitos jovens e continua
sendo, justifica-se em meu percurso acadêmico investigar a formação de leitores no ensino
médio, surgindo algumas inquietações: por que o gênero teatral não faz parte dos gêneros
estudados no ensino médio? Como poderia ser esse período com a presença dessas vivências
relacionadas às experiências com a arte teatral?
Após a graduação em Letras na Universidade Estadual do Ceará, ingressei no
curso de Teatro da Universidade Federal do Ceará e durante o primeiro ano vivenciei
experiências significativas com o corpo, sendo estas: oficinas; disciplinas de iniciação cênica
práticas; disciplina de trabalho com o corpo voz; montagem de cenas; apreciação cênica de
espetáculos. Foi a partir dessas experiências que surgiu o interesse real de associar os Jogos
Teatrais a formação de leitores, pois através destes percebi que a leitura de textos parecia
ganhar forma, significados reais no próprio corpo.
11
Pensar a formação de leitores implica na percepção da leitura como um processo
lento e contínuo, compreendendo os avanços metodológicos do trabalho com a leitura ao
longo dos anos e possibilitando novos caminhos para o enfrentamento das grandes
dificuldades ainda encontradas diariamente nas escolas, sejam nos mais variados ambientes
em que a leitura se faz presente, sejam no trabalho específico com os textos literários em sala
de aula.
A formação de leitores pressupõe estratégias teóricas e principalmente práticas,
afinal, o desconforto com as práticas de ensino tradicionais é evidente. No atual momento, nos
parece que existe uma angústia comum entre os profissionais da educação, trata-se de saber
que algo precisa ser feito no âmbito da leitura, principalmente no sentido de aproximar os
educandos do gosto pelos mais variados gêneros literários existentes. Observa-se que muitos
professores parecem ainda não sabem elaborar estratégias para proporcionar essas
experiências, como criar essa aproximação e quais métodos aplicar. Nesse contexto, torna-se
essencial a criação de possíveis respostas às seguintes perguntas: Como formar leitores na
escola? Quais os passos para isso? Quais são as estratégias para a formação de leitores
literários?
Na busca por essas respostas, compreendemos que a pesquisa e a reflexão sobre a
prática são fundamentais para o desenvolvimento de novos meios de atuar na educação. Os
estudos pedagógicos nos apontam que um caminho possível e eficiente para isso é a
elaboração de propostas metodológicas que driblem as maiores dificuldades encontradas nas
escolas, como a escassez de livros nas bibliotecas, computadores, dentre outros suportes
físicos e, ou mesmo, estruturas físicas das salas de aula.
Nos estudos direcionados à escolarização da literatura, tem-se trabalhado bastante
com a criação de sequências didáticas ou propostas metodológicas que visem novas
abordagens do texto literário. Para elaborar e propor sequências didáticas que contribuam
efetivamente para a formação de leitores no ensino médio, torna-se primeiramente necessário
desenvolver uma reflexão em torno das concepções de letramento, em especial o literário,
assim como é preciso levantar hipóteses de como as práticas de letramento são desenvolvidas
ou não nesse nível da educação básica. Notamos que as práticas de educadoras e educadores
são orientadas pelas concepções que estes conhecem, estudam e concebem como sendo as
mais adequadas aos seus contextos educacionais. Devemos sistematizar entendimentos
teóricos que orientem, possibilitem e afirmem a importância de novas práticas metodológicas.
A pesquisa se concentrou no estudo bibliográfico direcionado tanto para o uso dos
jogos teatrais, análise do texto teatral, quanto para os estudos sobre literatura e formação de
12
leitores. Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida em dois
momentos: primeiro, o estudo em torno da formação de leitores e concepções norteadoras
para a leitura em sala de aula, a investigação dos jogos teatrais como ferramenta metodológica
e a análise crítica da obra de Ariano Suassuna. Segundo, a elaboração e aplicação de três
oficinas com uma turma de segundo ano da Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos
Santos, como estratégia metodológica para trabalhar a leitura da peça O santo e a Porca
(1957) de Ariano Suassuna. Logo, a pesquisa foi de natureza aplicada.
Escolhemos o formato de oficinas de leitura baseadas nas sequências básicas e
expandidas de Rildo Cosson (2014) para efetivar o letramento literário na escola,
considerando que os estudantes costumam associar a leitura a uma execução meramente
teórica e sem qualquer relação com o seu próprio corpo ou com a sua experiência individual e
coletiva. A sequência básica oferece um suporte com passos fixos que orientam e contribuem
para uma leitura mais profunda da obra, são estes: motivação, introdução, leitura e
interpretação. Enquanto a sequência expandida apresenta quatro etapas, sendo estas:
motivação, introdução, leitura, 1ª interpretação, contextualização e expansão. Sabemos que
esta metodologia favorece novas formas de ler o texto teatral, estimulando a formação e
consolidação de uma comunidade de leitores, aspecto central para uma efetiva prática social
da leitura. Antes da aplicação os estudantes responderam a um questionário sobre as suas
experiências com a leitura, com o texto dramático e com a arte teatral. Após as vivências das
oficinas, os mesmos responderam a um novo questionário sobre a sua vivência enquanto
leitores na oficina. Trabalhar a partir dos jogos teatrais para a leitura dos textos literários torna
a atividade significativa para o professor e os estudantes, porque motiva, sobretudo, o
engajamento dos mesmos na construção de sentidos para o texto lido e para a apreciação
cênica.
Nessa perspectiva, o primeiro capítulo deste trabalho aborda um conjunto de
concepções teóricas sobre o letramento, com destaque para o literário, apontando criticamente
as práticas equivocadas de escolarização da literatura. Além disso, centraliza a discussão
sobre as práticas com o texto teatral, não apenas na sala de aula do ensino médio, mas na
escola de forma geral, já estabelecendo relações com as particularidades que envolvem o
gênero e sua função social, sua importância na desconstrução de preconceitos em torno da
literatura e ainda focalizando a necessidade de se abordar o mesmo a partir do teatro,
reconhecendo este último como uma das artes mais antigas.
O segundo capítulo investiga a categoria da corporeidade presente nos textos de
Ariano Suassuna, focalizando a construção das personagens que compõem o que
13
identificamos como o romanceiro popular nordestino presente na obra do autor, constituindo
também o Movimento Armorial. Este capítulo propõe investigar as influências culturais
individuais e coletivas que fazem a obra de Suassuna ser demasiadamente significativa para a
construção da identidade do povo nordestino. A última seção analisa o texto teatral O Santo e
a Porca (1957), dando suporte para que o professor conheça bem o texto antes de levá-lo para
a sala de aula.
A análise da obra, realizada no segundo capítulo, oferece suporte para a
elaboração das propostas didáticas. Por isso, no terceiro capítulo, discutimos o contexto
escolar para o qual a sequência foi pensada e aplicada. Como a escola está situada em
contexto social e político diferente, ou seja, ela faz parte de um projeto específico de educação
do campo, tornou-se necessário exemplificar suas especificidades enquanto escola inserida
nas lutas sociais. Ainda neste capítulo, apresenta-se a proposta de sequência metodológica de
leitura com o referido texto teatral de Ariano Suassuna, para uma turma da E.E.M. Francisca
Pinto dos Santos.
No quarto e último capítulo, analisamos a aplicação das oficinas na escola,
investigando quais foram os aspectos positivos e negativos, refletindo sobre as reações dos
estudantes durante as oficinas e as respostas destes nos dois questionários aplicados. Além
disso, analisamos a contribuição do uso dos jogos teatrais para a formação de leitores e como
esta sequência pode colaborar com o processo de leitura da turma.
14
2 A FORMAÇÃO DE LEITORES: LETRAMENTOS E LITERATURA NA ESCOLA
2.1 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO
Nas discussões em torno do processo educacional brasileiro, especificamente na
área das linguagens, a formação de leitores tem ganhado destaque, tanto por parte dos
professores que se angustiam na busca por estratégias que aproximem os educandos do gosto
pelos mais variados gêneros literários, quanto por parte de pesquisadores que investigam
concepções teóricas e procedimentos metodológicos que possam romper com práticas de
ensino tradicionais que não contribuem para uma efetiva formação leitora.
Os estudos contemporâneos na área apontam importantes contribuições para o
ensino: os PCN(Parâmetros Curriculares Nacionais) destacam teorias que podem ajudar a
transformar a prática, fazendo uma reflexão sobre as práticas tradicionais que ainda hoje são
desenvolvidas nas salas de aula e discutindo estas a partir de estudos que comprovam o
caráter plural e interdisciplinar dos textos; pesquisas que descrevem e desenvolvem novas
propostas para o trabalho com a literatura, sejam círculos de leitura, sequências didáticas,
oficinas, minicursos ou projetos de intervenção, como os apresentados por Mello (2010),
Oliveira (2008) e Pontes (2015) nos lançam uma nova forma de pensar o ensino.
Compreendemos que a pesquisa e a reflexão sobre a prática são fundamentais para
o desenvolvimento de novos meios de atuar na educação. Os estudos no campo pedagógico
nos apontam que um dos caminhos possíveis e eficientes para isso é a elaboração de
estratégias metodológicas que minimizem as maiores dificuldades encontradas nas escolas,
como a ausência de materiais e suportes, tais como, materiais didáticos, equipamentos de
mídia, acesso à internet, espaços de leitura confortáveis e livros literários dos mais diferentes
gêneros.
Anteriormente às reformulações do Plano Nacional da Educação Básica e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, a tarefa de formar leitores estava centrada apenas nas
primeiras séries do ensino fundamental, nas quais as concepções de leitura e de leitor não
ultrapassavam os limites de um ensino tradicional. Era a alfabetização centrada apenas nas
habilidades de leitura e escrita. Segundo Irandé Antunes, a alfabetização seria apenas a etapa
inicial do processo de formação de leitores promovido no ambiente escolar, para ela:
15
Alfabetizar-se, no sentido mais elementar do termo, é adquirir a competência inicial
para lidar com os sinais da escrita, uma tarefa da qual a escola, no decorrer da
história, se tem encarregado. É desenvolver condições para o sujeito poder inserir-se
no mundo dos eventos que envolvem o intercâmbio através da grafia. (ANTUNES,
2009, p. 192)
A leitura era compreendida simplesmente como a decodificação eficiente de
palavras e frases. Neste caso, elementos como a compreensão textual e a construção de uma
interpretação crítica e capaz de promover um diálogo com outros textos não eram
desenvolvidos em sala de aula. O leitor era compreendido como ser passivo na leitura, incapaz
de construir sentidos, e sua função seria unicamente captar o texto em sua forma escrita e
concebê-lo em sua superficialidade limitada ao código. A interpretação textual deveria seguir
a busca por um sentido único, dado e afirmado pelo autor. Refletindo sobre essa perspectiva,
Silva (2005) compreende que:
Ao aluno-leitor não é dado o direito de divergir, concordar, inferir, refletir sobre o
dito, articulando-o com o não-dito, imaginar, experienciar o texto no ato dinâmico da
leitura. Enquanto as formas de encarar o texto literário não forem repensadas, os
professores irão se deparar com aversão à leitura por parte dos alunos, cada vez mais
desinteressados e desmotivados diante da literatura. (SILVA, 2005, p. 88)
O texto era compreendido na perspectiva tradicional e unilateral, que não
estabelecia relações de construção de sentidos a partir das experiências individuais dos
leitores e que, conforme Paulo Freire (1996), configura-se como uma educação bancária, um
instrumento de poder que oprime. Outra forma tradicional de encarar o texto na sala de aula
diz respeito à exaltação estilística do seu autor, apresentando-o como um ideal de ser humano
e artista totalmente distante do seu público.
Se o maior objetivo da educação, durante muitos anos, nos parecia ser, na
verdade, a alfabetização ou o desenvolvimento de uma habilidade decodificadora do texto,
poderíamos acreditar que tal objetivo teve êxito e, portanto, a escola teria cumprido seu papel,
e os educandos que chegam ao ensino médio conseguiriam ler fluentemente um determinado
texto, literário ou não. No entanto, percebemos o quanto essa perspectiva de ensino é ineficaz
e improdutiva, pois mesmo centrada na decodificação, os educandos em geral concluem o
ensino fundamental com um baixo nível de leitura fluente. A maioria consegue pronunciar as
frases e palavras, mas não compreende o que o texto diz, não constrói possibilidades de
sentidos para o mesmo. Podemos observar que uma formação de leitores baseada nessas
concepções não consegue abranger a multiplicidade de sujeitos (jovens do campo, da cidade,
participantes dos mais diferentes grupos sociais), textos e diálogos existentes na sociedade
16
contemporânea. Esse fenômeno se perpetuou de maneira forte nas escolas brasileiras, nas
quais ainda hoje prevalecem, em muitas salas de aula, os resquícios de um ensino centrado na
superficialidade dos saberes.
Além disso, observamos a ausência de uma autonomia leitora. Presos aos mesmos
gêneros textuais, geralmente não literários, fora do ambiente escolar os estudantes restringem
sua leitura aos textos encontrados nas mídias digitais e nas redes sociais. Neste sentido a
escola possui um importante papel, segundo Ivanda Maria Martins (2003),
O papel da escola é o de formar leitores críticos e autônomos capazes de
desenvolver uma leitura crítica do mundo. Contudo, na prática, essa noção ainda
parece perder-se diante de outras concepções de leitura que ainda orientam as
práticas escolares. Na escola, a leitura é praticada tendo em vista o consumo rápido
de textos, ao passo que a troca de experiências, as discussões sobre os textos, a
valorização das interpretações dos alunos torna-se atividades relegadas a segundo
plano. A quantidade de textos “lidos” (será que de fato são “lidos” pelos alunos?) é
supervalorizada em detrimento da seleção qualitativa do material a ser trabalhado
com os alunos. (SILVA, 2003, p. 515)
Nesse contexto, a escola deve ser compreendida como espaço de leitura literária,
muitas vezes atuando como único lugar onde as educandas e educandos vivenciam o texto
literário, de forma ainda mais restrita, esse contato se dá principalmente através dos textos
disponíveis no livro didático. Nota-se a importância dessa ferramenta pedagógica em muitas
pesquisas, como Coracini (1999), Faria (1984), Lajolo (1996) e Neves (1999), nas quais o
livro didático é apontado como decisivo no processo de aprendizagem, afinal, muitas vezes,
ele é o único material disponível aos estudantes, por isso, esses autores também refletem
sobre os usos que os professores fazem do mesmo na sala de aula. Conforme Lajolo, a
importância atribuída ao livro didático em toda a sociedade faz com que ele acabe
determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o
que se ensina e como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4). Dessa forma, torna-se
importante ressaltar que no âmbito da literatura, essa ferramenta pode determinar os gêneros
literários a serem lidos no ensino fundamental e no médio, observa-se apenas trechos de obras
e, em livros mais tradicionais, focaliza-se o ensino das escolas literárias em detrimento da
leitura literária.
Quando se trata especificamente do ensino médio, Rildo Cosson (2006) relata
que:
No Ensino Médio, a situação, não é muito diferente, apesar da existência de um
espaço disciplinar próprio. Aqui persiste o ensino de história da literatura ou mais
17
precisamente de períodos ou escolas literárias, apesar das muitas restrições
apresentadas a esse conteúdo e modo de ensinar literatura que ele costuma acarretar,
ou seja, uma lista de traços característicos, seguida de outra lista de obras, biografia
de autores e fragmentos de textos que “comprovam” os traços identificadores de
cada período literário. No conjunto, tem razão Graça Paulino quando, após analisar
os cânones estéticos e os cânones escolares na perspectiva do letramento literário,
conclui que ‘os modos escolares de ler literatura nada têm a ver com a experiência
artística, mas com objetivos práticos, que passam da morfologia à ortografia sem
qualquer mal-estar’ (COSSON, 2006. p. 2).
O processo de formação de leitores se dá essencialmente pela leitura de textos
(orais, escritos e visuais), e torna-se fundamental que os educadores tenham consciência do
conceito de leitura que orienta sua prática em sala de aula. Ingedore Koch (2015) traz três
concepções de leitura que surgem também a partir de determinadas concepções de língua: a
primeira, centrada no autor, compreende a perspectiva tradicional na qual a leitura seria a
apreensão das intenções do autor; a segunda focalizaria o texto, sua estrutura como único
elemento necessário para a compreensão do mesmo, o texto é apenas o que está posto nele
mesmo; a terceira destaca a interação entre o autor, o texto e o leitor, concebendo leitura
como uma atividade interativa. Esta última, parte do que conhecemos por “concepção
interacional (dialógica) da língua”, a leitura interacionista, que amplia a visão sobre o
conceito de leitura, compreendendo-a como:
A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de
sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização mas requer a
mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.
(Koch, 2015, p. 11) (grifos da autora)
Compreendemos que esta última concepção é a que corrobora e contribui para a
proposta de um ensino voltado para a formação de leitores, primeiramente porque reconhece o
caráter complexo do processo de construção de sentidos e também porque concebe o “leitor
enquanto construtor de sentido”. Dialogando com esse conceito de leitura, Santos (2013) diz
que:
Leitura – como compreensão de textos, orais e escritos – é, portanto, uma atividade
estratégica de levantamento de hipóteses, conforme objetivos específicos, para
pertencimento a um grupo sócio-historicamente situado. Aprender a ler, muito mais
do que decodificar o código linguístico, é trazer experiência de mundo para o texto
lido, fazendo com que as palavras tenham um significado que vai além do que está
sendo falado/ escrito, por passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor.
(SANTOS, 2013, p. 41)
O processo de leitura ocorre através de estratégias e práticas que, segundo
18
Versiani (2012), “cria uma relação entre o texto e o leitor, permitindo que o segundo o adentre
e por ele se deixe envolver”. Essa estratégia está ligada diretamente ao gênero textual que se
lê, por isso, leitura e escrita estabelecem relações diretas entre si. Ao falar e exemplificar as
várias faces da leitura, Barbosa (2013) afirma que:
A escrita social, com caracteres e funções diferentes, propicia leituras diversificadas.
Não se lê da mesma maneira um folheto de divulgação, uma receita culinária ou um
livro de literatura. Lançamos mão de estratégias de leitura diferentes para aprender
as informações contidas nos diferentes textos, e o nosso interesse nas informações e
o objetivo desejado vai determinar o tipo de leitura a ser feito. Esta flexibilidade de
atenção, as várias formas de ler para apreender o sentido dos textos, é fundamental
para o homem e sua adaptação mundo moderno. (BARBOSA, 2013, p.143)
A importância social da leitura reflete-se também na formação da sensibilidade
que o texto literário pode propiciar aos leitores. Para Irandé Antunes (2009):
A leitura é fundamental, ainda, na educação da pessoa para a afetividade, para o desenvolvimento da sensibilidade artística e do gosto estético. Para o “prazer inútil”
das coisas que não se fecham em utilidades materiais e imediatas.
Ler textos literários possibilita-nos o contato com a arte da palavra, com o prazer
estético da criação artística, com a beleza gratuita da ficção, da fantasia e do sonho,
expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de originalidade e beleza.
(ANTUNES, 2009, p.200)
A leitura está presente no nosso cotidiano de várias formas e o leitor assume
determinadas posturas diante de um texto, seja ele escrito, oral ou multimodal. Charles
Bazerman (2015, p.71) afirma que: “a leitura e a escrita são meios não só de construção de
consciência individual e de formação da ação individual da pessoa letrada, mas também são
meios de desenvolver os pensamentos coletivos e organizações interativas das sociedades em
que os indivíduos desenvolvem suas vidas e consciências.” Exatamente por isso, é preciso
desenvolver atividades para além da leitura individual, tais como círculos de leitura, debates,
clubes de leitura, etc.
No processo de leitura, o leitor deve estar disposto a se adequadar ao gênero
textual que se propõe a ler, compreendendo, em geral, as especificidades de cada um. O texto
teatral, por exemplo, traz elementos diferentes do romance e da poesia, exige do leitor uma
atenção para além de sua estrutura, pois este estabelece relação com a arte teatral. A estrutura
do texto teatral nos impulsiona a um tipo de leitura que nos leva ao jogo, à interação prática
com o texto e com outros leitores.
Cosson (2006) aponta que o leitor precisa estar disposto ao encontro do texto,
19
Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro. O sentido do
texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se faz a passagem de
sentidos entre um e outro. Se acredito que o mundo está absolutamente completo e
nada mais pode ser dito, a leitura não faz sentido para mim. É preciso estar aberto à
multiplicidade do mundo e à capacidade da palavra de dizê-lo para que a atividade
da leitura seja significativa. Abrir-se ao outro para compreendê-lo, ainda que isso
não implique aceitá-lo, é o gesto essencialmente solidário exigido pela leitura de
qualquer texto. (COSSON, 2006, p. 27)
Neste sentido, o trabalho com a leitura se faz presente na escola sendo
evidenciado nas aulas de língua portuguesa e, nestas, a literatura está presente como meio de
desenvolver habilidades e competências leitoras dos estudantes. Debatendo sobre leitura,
Ivanda Martins (2003) destaca a importância de refletir sobre a distinção entre ensino de
literatura e leitura da literatura
Segundo Beach e Marshall (1991: 38), a leitura da literatura está relacionada à
compreensão do texto, à experiência literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura,
ao passo que o ensino da literatura configura-se como o estudo da obra literária,
tendo em vista a sua organização estética. Na verdade, esses dois níveis estão
imbricados, na medida em que ao experienciar o texto, por meio da leitura literária,
o aluno também deveria ser instrumentalizado, a fim de reconhecer a literatura como
objeto esteticamente organizado. No entanto, a escola parece dissociar esses dois
níveis, desvinculando o prazer de ler o texto literário (produzido pela leitura da
literatura) do reconhecimento das singularidades estéticas da obra (proporcionado
pelo estudo/ensino da literatura). (SILVA, 2003, p. 520)
No entanto, os conceitos de literatura nos mostram que suas funções na sociedade
ultrapassam os limites da aprendizagem escolar, por isso, para o trabalho com o texto literário
na sala de aula, torna-se necessário reconhecer a literatura enquanto demonstração ligada à
realidade que contribui para a construção e humanização do ser social. Nesta perspectiva,
Antonio Cândido (1995) reconhece a literatura como instrumento que humaniza a sociedade,
a partir do seguinte conceito: “A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o
ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de
ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação
à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua
configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade. (CANDIDO, 1972:53). Por isso,
seria indispensável:
Em primeiro lugar a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser
satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos
sentimentos e as visões de mundo ela nos organiza e nos liberta do caos e portanto
nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em
segundo lugar, a literatura pode ser um instrumento de desmascaramento, pelo fato
20
de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a
miséria, a servidão, a mutilação espiritual. (CÂNDIDO, 1995. p. 188)
Sobre o direito à literatura, podemos compreender que seu papel social ultrapassa
os limites impostos pelas metodologias tradicionais que, por exemplo, restringem a leitura a
níveis superficiais de interpretação. Nessa mesma linha de análise, Rildo Cosson (2006) ainda
destaca a importância da literatura como elemento que aproxima experiências humanas e
afirma que:
Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da
comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a
desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é
uma experiência a ser realizada. É mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela
é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade. No
exercício da literatura, podemos ser outros, podemos viver como outros, podemos
romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e, ainda assim, sermos
nós mesmos. É por isso que interiorizamos com mais intensidade as verdades dadas
pela poesia e pela ficção (COSSON, 2006. p. 17).
Em consonância com essa concepção, Edgar Morin (2005) reflete, afirmando
que É no romance, no filme, no poema, que a existência revela sua miséria e sua
grandeza trágica, com o risco de fracasso, de erro, de loucura. É na morte de nossos
heróis que temos nossas primeiras experiências da morte. É, pois, na literatura que o
ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, para esclarecer
cada um sobre sua própria vida. (MORIN, 2005, p. 49)
Aliada à concepção de leitura interacionista e literatura como instrumento
humanizador, podemos refletir sobre o termo letramento e como este vem se desenvolvendo
ao longo dos anos a partir das mudanças sociais. Os primeiros conceitos de letramento já o
compreendem como um processo contínuo de desenvolvimento social, ultrapassando os
limites da alfabetização e possibilitando um novo olhar para os problemas encontrados
durante esse processo. Para Soares:
Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a
escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,
para objetivos específicos. (ef. Scribner e Cole, 1981) As práticas específicas da
escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era
definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia
alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas
um tipo de prática – de fato, dominante - que desenvolve alguns tipos de habilidades
mas não outros, e que determinam uma forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita. (SOARES, 2008, p.19)
Conforme a autora, esse conceito de letramento no Brasil se desenvolveu
21
enquanto forma de expandir o termo alfabetização, mostrando-se em duas faces: primeiro,
como elemento individual através da apropriação da escrita e da leitura; segundo, como social,
reunindo todas as atividades que envolvem escrita e leitura no nosso cotidiano. Essa segunda
face do letramento aponta para o seu caráter complexo, por envolver todos os usos da língua e
se constrói sempre em relação com o outro, sendo, portanto, múltiplo, por isso, compreende-se
falar de letramentos. Além disso, o desenvolvimento das novas tecnologias ocasionou o
surgimento de novas formas de letramento, como analisa Rojo (2009, p.107), ao denominar
esses letramentos de letramentos múltiplos, a estudiosa chama a atenção para o fato de que a
escola precisa parar de “ignorar ou apagar os letramentos das culturas locais de seus agentes
(professores, alunos, comunidade escolar) e colocando-os em contato com os letramentos
valorizados, universais e institucionais”. Nesse sentido, adotamos o que Soares (1998)
denomina de versão forte do letramento, sendo esta
... mais próxima do enfoque ideológico e da visão Paulo-freiriana de alfabetização,
seria revolucionária, crítica, na medida em que colaboraria não para a adaptação do
cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção de
identidades forte, para a potencialização de poderes (empoderamento,
empowerment) dos agentes sociais, em sua cultura local, na cultura valorizada, na
contra-hegemonia global (1998, apud Rojo, 2009, p. 100)
Ignorar a cultura desses agentes é promover o distanciamento de suas próprias
identidades, gerando uma não identificação com a escola e com outras formas de
manifestações culturais que possam lhe ser apresentadas. A exclusão de suas identidades do
ambiente de ensino promove uma resistência em conhecer e vivenciar experiências com
outros tipos de literatura, como por exemplo, a leitura de clássicos.
Segundo Kleiman (1995),
Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento,
preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas apenas um tipo de prática de
letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético,
numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência
individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de
letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram
orientações de letramento muito diferentes (Kleiman, 1995: 20)
A autora destaca ainda os letramentos multissemióticos, que ultrapassam o texto
escrito e são “exigidos pelos textos contemporâneos, ampliando a noção de letramentos para o
campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO, 2009,
p.108). Além disso, existem os letramentos críticos que, ainda segundo Rojo, são utilizados
“para o trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode lidar
com eles de maneira instantânea, amorfa e alienada”. Apesar de bem definidos, esses dois
22
tipos de letramentos dialogam entre si, no gênero dramático, por exemplo, pois podemos
trabalhar os dois, ou seja, desenvolver a capacidade crítica dos educandos através de novas
formas criativas de leituras para o texto e promover a estas a partir da sua relação com o teatro
e outras artes.
No limiar das reflexões sobre os processos de letramentos sociais e as concepções
que a escola adota em torno da literatura, encontra-se o letramento literário como uma
possibilidade de trabalho efetivo da leitura dos textos literários, desenvolvido
primordialmente nas aulas de literatura/língua portuguesa.
Para Cosson:
O processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas
uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma
forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor,
sua importância em qualquer processo de letramento, seja ele oferecido pela escola,
seja aquele que se encontra difuso na sociedade. (COSSON, 2006, p. 12)
A importância do letramento literário na escola compreende a desconstrução de
atividades desconexas com os textos literários, como o seu uso para trabalhar apenas questões
gramaticais, ou a desvalorização da leitura de textos ou livros completos. De acordo com
Cosson, nossa leitura fora da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos
ensina a ler. Os livros, como os fatos, jamais falam por si mesmos. O que os fazem falar são
os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles são aprendidos na escola.
(COSSON, 2006, p. 26).
Assim, compreendendo letramentos como práticas sociais, também podemos
pensar em um letramento literário ligado à literatura e, portanto, às práticas leitoras aplicadas
em escolas através de textos literários.
Conceber literatura como “uma experiência a ser realizada”, não no nível de
abstração ou idealização, porém numa atuação prática, pode nos permitir criar possibilidades
de vivências mais significativas, como por exemplo, a aproximação com elementos lúdicos,
nas quais o leitor se sinta protagonista da ação leitora. Através da arte, especificamente a arte
dramática, compreendemos uma nova proposta de metodologia que pode vir a ser o caminho
para um letramento literário efetivo no ensino médio.
2.2 (DES)CAMINHOS DOS TEXTOS TEATRAIS NA ESCOLA
Como observamos no tópico anterior, o trabalho com a literatura na escola
23
enfrenta sérios problemas, em sua maioria, relacionados às escolhas metodológicas baseadas
em concepções que não conseguem abranger a complexidade do processo da formação de
leitores. Um desses grandes problemas é a seleção de textos para a sala de aula. Rildo Cosson
(2014) analisa esse aspecto e o compreende como fundamento essencial para o processo de
letramento, no entanto, destaca que na escola ele depende de alguns outros fatores, são estes:
os currículos escolares; a legibilidade dos textos; as condições para a leitura literária; a
trajetória de leitura dos professores. Neste sentido, existem duas tendências extremistas que
parecem estar presentes na sala de aula, a primeira ainda baseada na adoração aos cânones
literários e a segunda, busca uma maior aproximação dos estudantes com a leitura através do
estudo de textos contemporâneos.
Na prática, podemos observar que a escola prioriza o uso de alguns gêneros
textuais em detrimento de outros, como constata Hélder Pinheiro (2002), ao afirmar que a
poesia, por exemplo, é o gênero menos prestigiado nas aulas de língua portuguesa, inclusive
pode ser reflexo também da sua pouca aparição, ou de forma fragmentada, nos livros
didáticos.
Assim como a poesia, o texto teatral ainda é pouco trabalhado na sala de aula. Em
torno da poesia, criaram a ideia de que esta seria um gênero de difícil compreensão e, por
isso, pertenceria apenas aos intelectuais capazes de propor interpretações. Enquanto isso,
criaram em torno do texto teatral a ideia de que este serviria apenas para entreter um público
através da encenação teatral, sem desenvolver experiências corporais essenciais para
quaisquer encenações, não necessitando uma leitura e discussão do mesmo. O ensino
tradicional das escolas minimizou tanto estes dois gêneros que hoje é possível notar que a
sociedade contemporânea não é composta por fluentes leitores de poesia e peças teatrais,
menos ainda por espectadores de teatro.
Compreende-se por texto dramático o gênero literário que possui uma sequência
de diálogos que pode ser representada pela arte teatral, mas que, mesmo com uma estrutura
básica, apresenta possibilidades de dinamicidade e de diálogos com outros gêneros, atuando
com a essência básica de todo gênero: sua natureza mutável e plural que se transforma a partir
dos suportes, contextos sociais, etc. Por isso, devemos considerar que há diferenças entre as
definições de texto dramático e texto teatral, como a que afirma que
No teatro dramático, assim ela diz, o texto apresenta os esboços de ação para um
acontecimento ficcional e é texto de um personagem (portanto, fala figurativa).
Textos teatrais além do drama, no entanto, mostram uma tematização autorreflexiva
da língua e deveriam ser lidos enquanto “poesia”: Libertado da polifuncionalidade
fundamental da comunicação cotidiana, ou seja, da comunicação puramente
24
referencial de informações, a linguagem no texto teatral pode ativar
preferencialmente a função poética de seus signos.(Birkenhauer, 2012, p. 182)
Assim, a principal distinção seria que enquanto o texto dramático encontra-se
contextualizado nas falas e nos personagens, o texto teatral teria uma maior liberdade poética
de significações. Utilizaremos esse termo porque trabalhamos com a obra de Ariano
Suassuna, a qual, como veremos no próximo capítulo, possui características que ultrapassam
os limites de uma estrutura dramática, remetendo-o sempre ao diálogo com outras culturas,
como a literatura de cordel.
Neste sentido, o ambiente escolar demonstra desconhecer as relações existentes
entre drama, teatro e leitura. No que diz respeito à literatura dramática, o livro didático pouco
aprofunda as discussões, menos ainda quando se fala em texto teatral na perspectiva
apresentada acima. A ausência deste no material didático reflete a sua exclusão dos processos
de letramento. Nos momentos em que ele aparece nos livros didáticos ou mesmo na sala de
aula, utiliza-se fragmentos de peças canônicas e o estudo fica por isso mesmo, nestes casos,
prioriza-se também o uso de dramaturgos estrangeiros, como William Shakespeare.
Pouco se encontra da produção de dramaturgos brasileiros, menos ainda de
nordestinos, tais como: Ariano Suassuna, Lourdes Ramalho e Nelson Rodrigues. Não se fala
desses autores ou de suas obras, seja por desconhecimento também de suas obras pelos próprios
educadores, fato este que reflete os currículos dos cursos de letras espelhados em padrões
eurocêntricos, que não priorizam a produção literária nordestina, seja pela desatualização do
currículo escolar que orienta os educadores. Nessas circunstâncias, alimenta-se o mito de que a
arte circunscreve-se apenas a uma elite econômica oriunda das grandes metrópoles. Escritores
nordestinos dos mais diversos gêneros, por exemplo, até mesmo os contemporâneos,
dificilmente são lidos nas aulas de língua portuguesa, mesmo na própria região do Nordeste.
Analisando a presença do texto dramático em livros didáticos e as atividades
propostas para o trabalho com esses estes, Marega (2015) afirma que:
É possível afirmar que a maioria dos livros didáticos observados
apresentam atividades de adaptação de um gênero que apresenta um
predomínio de sequências narrativas, para outro que apresenta um
predomínio de diálogos, como ocorre no gênero texto dramático.
Verificamos que, nas orientações que acompanham as propostas de
produção escrita do gênero, a ação dramática é raramente sinalizada,
pois se preconiza, em grande medida, o leitor como público alvo;
trabalha-se a estrutura, sem relacioná-la, necessariamente, com a
possibilidade de atender a outros interlocutores (ator, diretor, público)
que o texto dramático pode convocar. (MAREGA, 2015. p.114)
25
A análise feita acima nos apresenta uma possibilidade de trabalho ofertada pelo
livro didático que não considera o caráter prático do texto dramático e desconsidera também
outros elementos essenciais para a compreensão dos sentidos do mesmo a partir da sua
relação com a arte teatral. Além disso, o livro didático não traz textos adequados à cada
contexto escolar, muitas vezes, ele explora autores que abordam temáticas demasiadamente
distantes da realidade dos educandos, quando poderia ser trabalhado primeiramente o
reconhecimento de sua literatura regional para, em seguida, expandir o conhecimento para as
outras literaturas existentes. Cabe aos educadores utilizarem outros suportes e estratégias na
prática de sala de aula para suprir essa lacuna.
Esse problema ultrapassa a ideia de representatividade, ele contribui para o
desconhecimento dos jovens sobre traços importantes da sua cultura regional e, portanto, de
sua própria identidade, além de gerar o esquecimento de grandes escritoras e escritores, afinal,
a literatura também nos traz elementos que contribuem para uma análise histórica das
comunidades. Para Jatahy Pesavento (2006, p. 72), “o texto literário revela e insinua as
verdades da representação ou do simbólico através dos fatos criados pela ficção”. Ou seja,
através dela podemos estabelecer ligações históricas e compreender as mudanças sociais em
nossas comunidades, podendo assim, agir sobre elas para novas transformações.
Considerando as reflexões da história social sobre a questão de uma construção de
identidades nacionais e regionais, compreendemos que é essencial conceber identidade como
construção social, como nos aponta Oliven: “Embora sejam entidades abstratas, as identidades
— enquanto propriedades distintivas que diferenciam e especificam grupos sociais — são
moldadas a partir de vivências cotidianas.” (OLIVEN, 2011, p. 227). Assim, a escola também
pode ser concebida como um espaço de vivências, ora semelhantes às experiências vividas no
ambiente familiar, ora distantes das mesmas, promovendo a discussão da identidade através
de outras linguagens, como a literatura, a música, a dança e o teatro. Nesta mesma
perspectiva, os PCN afirmam que:
Na escola, a exigência de se dar espaço para a verbalização do não-dito será uma
possibilidade para a construção de múltiplas identidades. Dar espaço para a
verbalização da representação social e cultural é um grande passo para a
sistematização da identidade de grupos que sofrem processos de deslegitimação
social. Aprender a conviver com as diferenças, reconhecê-las como legítimas e saber
defendê-las em espaço público fará com que o aluno reconstrua a auto-estima. (PCN,
2000. p. 20)
26
Aqui, os PCN oferecem aos educadores o apoio teórico básico para dar
sustentação às suas tentativas de práticas inovadoras diante de quaisquer formas de
resistências que possam vir a surgir. Corroborando com esta concepção, nota-se a importância
de, através da arte, dar voz e criar momentos dentro do ambiente escolar para falar e
experienciar temas sociais até então vistos como grandes tabus sociais. Dentro desse
complexo de deslegitimação e negação ao debate ou até mesmo ao poder de fala, podemos
citar as mulheres, os pobres e os nordestinos como grupos sociais que sofrem com essa
ausência de debate dentro e fora da escola. Não é preciso apenas saber da existência desses
grupos, mas é fundamental debates sobre os seus espaços sociais, inclusive dentro da escola.
No cenário cultural e literário brasileiro, podemos destacar dramaturgos que
trouxeram importantes contribuições, abordando, por exemplo, os paradigmas de seus
respectivos contextos, a exemplo de Nelson Rodrigues, Augusto Boal, Martins Pena, Plínio
Marcos, entre outros. No Nordeste, destaca-se Ariano Suassuna, Hermilio Borba Filho,
Joaquim Cardozo, entre outros, cada um destacando um ou mais aspectos regionais, essenciais
para a compreensão histórica, social e cultural da sociedade nordestina sempre em diálogo
com outras culturas. Nelson Rodrigues aborda alguns dos preconceitos e tabus vivenciados
nas décadas de 40 e 60, como o adultério, o sexo e os conflitos psicológicos, na peça Beijo no
asfalto (1960) coloca em evidência os conflitos sociais que poderiam surgir a partir de um
simples ato, a hipocrisia social é desmascarada por seus personagens, fazendo o leitor ou
espectador compreender e refletir sobre as relações que estavam pulsantes na sociedade
burguesa da época.
Durante muito tempo, o teatro brasileiro foi completamente baseado na estética
europeia e esses autores contribuíram significativamente para uma nova fase do teatro no
Brasil. Suassuna, por exemplo, traz personagens e contextos, em suas obras, singularmente
nordestinos, sempre em diálogo com elementos plurais de outras culturas.
Nesse sentido, o trabalho com escritores nordestinos ou com textos que
proponham um pensar acerca da identidade do povo nordestino, principalmente os que
buscam desconstruir estereótipos criados e propagados pelos discursos midiáticos, dialoga
com a necessidade de levar os jovens a refletir sobre a sua própria identidade. Suassuna foi
além de dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta. Nascido na Paraíba, escreveu grandes obras
da literatura brasileira como O auto da Compadecida (1955), Romance d'A Pedra do Reino e
o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971). Na sua obra, propõe uma dramaturgia e uma
teatralidade plural, que dialoga, reflete e personifica os paradigmas nordestinos, desde as
crenças populares às influências colonialistas que o Nordeste recebeu dos portugueses e
27
espanhóis, por isso, consideramos suas peças teatrais como texto teatral, reconhecendo às
múltiplas referências populares, como o cordel, que essas peças possuem, muitas vezes sendo
adaptações de histórias já contadas por cordelistas.
Além disso, podemos encontrar uma relação próxima com a memória e biografia
do próprio autor. Martins Ramalho afirma que:
Sua obra teatral é marcada pelo caráter cômico, popular e religioso que se origina da
influência da tradição mediterrânica, dos espetáculos populares nordestinos e do que
o autor denomina Romanceiro Popular do Nordeste, formado pela ‘Poesia
Improvisada’, a ‘Literatura de Cordel’ e a ‘Tradição Oral Decorada’. Essas
confluências na dramaturgia suassuniana possibilitam, além da criação de um teatro
que busca expressar o mundo mítico, mágico, tradicional e realista das tradições
populares, o emergir de um dramaturgo como pensador das brasilidades, por meio
da sua própria obra e dos seus escritos, que revelam as suas concepções no campo
artístico e cultural. (RAMALHO, 2012, p.12)
Para Décio de Almeida Prado, Suassuna "identifica-se com o povo do Nordeste.
Ele não põe em cena o camponês, o trabalhador braçal, entendidos enquanto classe social ou
força revolucionária, e, sim, especificamente, o ‘amarelo’, o cangaceiro, o repentista popular,
com toda a carga de pitoresco que a região lhes atribui." (PRADO, 2007, p.79). Esses
personagens e essas características regionais, quando exploradas no contexto escolar, podem
contribuir para uma maior discussão e reflexão sobre a realidade nordestina, além de
aproximar a cultura popular e a oralidade do universo tecnológico em que o estudante está
inserido.
No cenário do teatro brasileiro, a obra em questão se destaca, pois:
Funde o dramaturgo, em seus trabalhos, duas tendências que se desenvolvem quase
sempre isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da
sua matéria-prima. Alia o espontâneo ao elaborado, o popular ao erudito, a
linguagem comum ao estilo terso, o regional ao universal. (MAGALDI, 2004, p.
236).
Na sala de aula, geralmente as narrativas curtas, como as crônicas e o conto, são
os textos mais trabalhados. No entanto, os estudos desenvolvidos sobre a formação de leitores,
como os de Hélder Pinheiro (2002) e Rildo Cosson (2006), e os documentos oficiais que
orientam o ensino médio compreendem que é preciso que o educando tenha contato
significativo com os mais variados gêneros textuais e, isto, obviamente, inclui o texto teatral.
Todavia, essa necessidade de trabalhar novos gêneros nos traz uma série de questionamentos:
como educadoras e educadores podem ter acesso a esse gênero? Não é difícil encontrar esse
material nos suportes oferecidos pelas escolas? Não é o texto dramático difícil de se trabalhar
em sala de aula pela sua estrutura e estética?
28
A realidade tem mostrado que, atualmente, as bibliotecas escolares, em geral, são
equipadas com coleções organizadas pelo governo, como por exemplo, através do projeto
“Literatura em minha casa” que objetivando contribuir com o processo de formação de
leitores visava inicialmente criar um bom acervo nas bibliotecas escolares, como nos afirma
Moama Lorena (2007)
No PNBE 2000, atendendo-se a solicitações dos docentes, principalmente daqueles
que participaram dos cursos de capacitação proporcionados pelo programa
“Parâmetros em Ação”, foram fornecidos materiais didático-pedagógicos que
dessem subsídio ao trabalho deles. Já em 2001, as avaliações realizadas em relação
aos anos anteriores apontaram um rumo novo para o PNBE. A partir de então, os
livros não mais seguiriam, apenas, o caminho em direção às bibliotecas, mas
chegariam até às casas dos alunos. Essa foi a proposta da nova ação do PNBE, que
recebeu o nome de Literatura em minha casa. (MARQUES, 2007, p.41)
Ainda segundo a pesquisadora e de acordo com as avaliações realizadas no Plano
Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE) a mudança no plano de distribuição de livros
ocorreu porque estes não estavam sendo utilizados nas bibliotecas e muitas vezes havia o
desvio desse material por parte das gestões escolares. Observa-se assim que, além de dar o
material necessário é preciso formar os educadores para o bom uso desse material nas aulas,
por isso é essencial criar estratégias para a formação de leitores.
Nessas coleções que chegam às escolas estão inclusas peças teatrais que podem
ser levadas para a sala de aula, além disso, textos completos estão facilmente acessíveis
na internet para download. Por outro lado, em razão do pouco incentivo à leitura de textos
teatrais, as obras dos acervos das bibliotecas ficam, na maioria das vezes, esquecidas nas
prateleiras, afinal, se não se incentiva a leitura de peças teatrais, também não se incentiva a
apreciação do teatro. Diante desse cenário, fica evidente que o texto dramático e teatral, na
sala de aula, precisa trilhar novos caminhos e, para isso, é fundamental conhecer seus
desdobramentos, seu caráter múltiplo e plural na sua relação com o fazer teatral.
Ao falar sobre os conhecimentos a serem compartilhados em Língua Portuguesa
no Ensino Médio, os documentos oficiais destacam a natureza interativa da linguagem como
um elemento a ser explorado durante as aulas e centraliza a formação no desenvolvimento de
habilidades e competências que possam contribuir para a vida em sociedade, como podemos
observar no seguinte trecho:
O processo de aprendizagem de língua portuguesa deve basear-se em propostas
interativas língua/ linguagem, consideradas em um processo discursivo de
construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da
sociedade em geral. Essa concepção destaca a natureza social e interativa da
29
linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social.
O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização
da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o
domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. (PCN, 2000, pag. 18)
No que se refere ao trabalho com os gêneros discursivos na escola, os Parâmetros
Curriculares Nacionais também dialogam com os estudos sociais da linguagem, que afirmam:
A língua dispõe dos recursos, mas a organização deles encontra no social sua
matéria-prima. Mesmas estruturas linguísticas assumem significados diferentes,
dependendo das intenções de interlocutores. Há uma “diversidade de vozes” em um
mesmo texto. (...) uma entonação de voz pode transformar todo o sentido de um
texto. A simples inversão de um adjetivo modifica o significado de uma frase. O
texto literário se apropria desse jogo com maestria. (PCN, 2000. p. 21)
Ao considerarmos o texto literário de forma geral, podemos perceber que as
características apontadas acima estão marcadamente presentes no texto teatral. O jogo com a
linguagem é perceptível em suas possíveis estruturas, mas, diferentemente de outros gêneros
discursivos, exige o envolvimento de outros elementos para a sua compreensão, elementos
estes que dialogam com o próprio teatro.
Os PCNEM trazem outras importantes contribuições mais específicas desse nível
da educação básica quando destacam o papel do educador na seleção de textos:
O estatuto do leitor e da leitura, no âmbito dos estudos literários, leva-nos a
dimensionar o papel do professor não só como leitor, mas como mediador, no
contexto das práticas escolares de leitura literária. A condição de leitor direciona, em
larga medida, no ensino da Literatura, o papel dos mediadores para o funcionamento
de estratégias de apoio à leitura da Literatura, uma vez que o professor opera
escolhas de narrativas, poesias, textos para teatro, entre outros de diferentes
linguagens que dialogam com o texto literário. Essas escolhas ligam-se não só às
preferências pessoais, mas a exigências curriculares dos projetos pedagógicos da
escola. (PCNEM, 2006. p. 72)
A mudança de percurso surge aliada ao uso de estratégias e à compreensão da
importância social do texto teatral. Como aponta a citação acima, o professor enquanto
mediador precisa compreender as relações que as artes estabelecem entre si, por isso, ao
propor dar a ler o texto teatral em sala de aula, precisamos conceber também as principais
concepções de teatro que, por seu caráter eminentemente social, pode contribuir como aliado
na formação de leitores. Afinal, não basta decodificar o teatro teatral, ele impulsiona o leitor a
uma vivência que pode ser concretizada através do teatro.
30
2.2.1. Teatro, jogos teatrais e corpo: relações sociais
Etimologicamente, o termo teatro tem sua origem no latim theatrum e pode
significar “Arte de representação em palco” ou “Lugar onde se representam obras dramáticas
ou líricas, comédias, revistas”. Mas, foram o povo egípcio que iniciaram as apresentações em
públicos, em sua maioria para a exaltação da mitologia egípcia, principalmente Hórus, Osíris
e Ísis. Na Grécia, as manifestações teatrais foram registradas em pinturas em cavernas e na
decoração de artefatos.
Aproximadamente no século VI a.C. Envolto aos cultos Dionisíacos, o teatro se
constituía nas festividades comemorativas, na adoração aos deuses e nos ritos religiosos,
sempre permutado as outras manifestações, como a dança e a música. Com a expansão desses
movimentos para Roma, o teatro passou a ser reconhecido como uma representação, a
concepção de que a realidade estaria ali representada foi se difundindo nas mais variadas
culturas, chegando por fim ao Oriente.
Conforme Massaud Moises (2000), podemos observar que o teatro pode ser
considerado uma das manifestações artísticas mais antigas, pois, antes mesmo da escrita, ele já
estava presente nos rituais de dança e festividades do homem primitivo. Nota-se, assim, que a
relação mística sempre esteve envolta nessa arte, seja relacionada a uma manifestação cultural
específica voltada a comemorações e lazer, seja ligada aos elementos místicos que compõem a
religiosidade de um povo.
Diante de todas as transformações pelas quais o teatro passou ao longo dos
séculos, podemos destacar as influências estrangeiras, as mudanças de concepções, ora
centradas no texto, no diretor, ora no ator, e a criação de espaços específicos para a encenação,
bem como o uso de novos materiais e tecnologias. Nota-se que a função social do teatro
também foi se modificando, desvencilhando-se de antigas concepções para dar novos lugares
às ideias do mundo contemporâneo. Para Calzavara (2009, p. 150), “O drama é a mais social
de todas as formas de arte. Ele é por sua própria natureza uma criação coletiva que
presentifica o instinto do jogo na condição humana”. Compreendendo que o teatro se
concretiza também a partir do texto dramático, podemos perceber ambos como espaços que
criam possibilidades para a realização do jogo, ou seja, é possível associar a sua importância
social à necessidade humana de desenvolver práticas lúdicas, como Aristóteles aponta em A
poética (1987), destacando também a importância do enredo para a tragédia.
Alcione Araujo (2009, p.17) aponta para o fato de que “a expressão teatral está tão
31
profundamente imbricada na natureza humana e na condição humana, que é quase impossível
estabelecer a fronteira entre uma atividade genuína genérica e a noção de teatro”, afinal,
nossas ações diárias são expressões que, de uma forma ou de outra, podem ser consideradas
ações teatrais, ora choramos exageradamente para conseguir algum benefício ou para
expressar sentimentos, ora nossas atitudes são movidas em função de um complexo de
“parecer ser” algo ou alguém, não no sentido negativo da expressão, mas no sentido de atuar
para nos tornar quem somos, agindo para reafirmar o que queremos ser.
No Brasil, o teatro passou por um longo processo de transformação, desde as suas
manifestações até as ideologias refletidas nas próprias obras. O fato é que o texto dramático,
assim como a literatura de forma geral, está diretamente relacionado ao seu contexto de
produção. Para Zilá Bernd (1992), existe uma literatura sacralizadora que corrobora e
contribui para os pensamentos de uma determinada época e uma perspectiva dessacralizadora
que busca refletir e desconstruir as ideologias dominantes em determinados períodos
históricos. O texto dramático também pode ser compreendido a partir dessas duas
perspectivas. O teatro e a dramaturgia se construíram e foram se transformando no Brasil à
medida que o país passou por transformações políticas, nessa perspectiva, a história social
contribui para a compreensão desse processo, como nos diz Patriota:
O processo de emancipação política, do qual 7 de setembro de 1822 é um marco,
não promoveu, de imediato, alterações significativas nas atividades teatrais da jovem
nação. Os estudos históricos revelam que, se as peças confeccionadas na colônia não
possuíam propósitos definidos, no decorrer do século XIX começou, porém, a surgir
um teatro comprometido com a ideia de nacionalidade. Essa afirmativa ampara-se no
fato de que, em 1831, estreou profissionalmente nos palcos cariocas o ator João
Caetano. Ele, em 1833, criou sua própria companhia e encenou, em 1838, a tragédia
de Gonçalves de Magalhães, Antônio José ou o poeta e a Inquisição, e a comédia O
juiz de paz na roça, de Martins Pena. Os dois trabalhos foram adjetivados como a
primeira tragédia e a primeira comédia nacionais do país, respectivamente; na peça
de Pena, a crítica enfatizou os valores do homem do campo em contraponto ao
ambiente das cidades. (PATRIOTA, 2011, p. 440)
Nesse momento, o foco do teatro era uma leitura e interpretação de suas
manifestações a partir da crítica à qualidade estética do texto escrito, os outros elementos
eram observados em segundo plano, como a performance dos atores. Ao longo desse mesmo
século, visto como vanguarda e apontando temáticas sociais, o teatro realista começou a se
fazer presente, do qual destacamos O demônio familiar (1857) e Mãe (1860), de José de
Alencar, os quais trataram da escravidão.
Apesar do teatro realista iniciar as discussões sociais, a crítica e a maior parte das
32
peças buscavam defender uma ideologia da moral baseada na conservação de valores e
padrões burgueses e do que se compreendia na época como bons costumes, uma espécie de
teatro educativo, este último não no sentido emancipatório de Paulo Freire, mas na concepção
dominadora e manipuladora de ideais e posturas, principalmente para o público infantil. Sobre
o teatro infantil, Aires (2014) divide-o em duas categorias, o pedagógico e o artístico:
A primeira, tem a intenção de usar o teatro, mais especificamente a técnica teatral,
como uma ferramenta para ensinar algo a um determinado público. Já o teatro de
cunho artístico prioriza a arte e a estética, sem atrelá-lo a questões pragmáticas, no
sentido de torna-lo apenas um pretexto para lições de moral e de bons costumes ou
de qualquer outro tipo de lição. O objetivo, portanto, é apreciar e vivenciar o teatro
em si de uma forma lúdica, especialmente, quando direcionado a crianças na
condição de leitores, expectadores ou atores. (AIRES, 2014, p. 195)
Essas categorias se relacionam com a função social que o gênero possui, ora
pedagogizante, buscando ensinar algo e manter a ordem social, ora buscando um trabalho de
emancipação humana através da arte, rompendo paradigmas socialmente construídos. Assim,
os gêneros literários também contribuem para a perpetuação das relações de poder ou para o
questionamento destas. A literatura pode ser vista como instrumento de influência e controle
social, não apenas como representação.
Percebemos a participação e influência política nas temáticas e encenações do
teatro, ainda segundo Rozangela Patriota (2011):
Vale ressaltar que, dramaturgicamente, se processava uma efusiva defesa do drama
e/ou comédia, cuja temática exaltasse e suscitasse condutas sociais/morais
adequadas. Esse foi o caminho adotado pela crítica militante da época e até há pouco
tempo, em termos absolutos, por boa parte da historiografia teatral do Brasil.
(PATRIOTA, 2011. p. 443)
Ligado a isso, no século XIX e XX, o trabalho do ator começou a ganhar
destaque: a sua ligação com o público, os grandes momentos de improvisação e atualização da
linguagem cênica criaram novos rumos para as comédias brasileiras, como nos afirma Patriota
(2011) ao fazer um panorama histórico do teatro:
Assim, momentos significativos da cena teatral do fin de siècle e da primeira metade
do século XX estiveram assentados na figura icônica de um ator, ou de uma atriz, e
no diálogo direto com o cotidiano. Por sua vez, as análises críticas, em geral,
veiculadas especialmente pela imprensa, enfatizavam a necessidade de um teatro
33
fortalecido por uma dramaturgia capaz de contribuir com o processo civilizatório e
com a nação. (PATRIOTA, 2011. p. 443)
Concomitante ao desenvolvimento da capital carioca, os espaços teatrais foram
tomando outras formas, seja por influências externas de companhias que visitaram o país já no
século XX, seja pelas influências ocidentais trazidas por diretores que as colocaram em
prática através de algumas obras brasileiras, como as de Oswald de Andrade, buscando
sempre uma ideia de modernidade, como também nos mostra a pesquisadora Rozangela
Patriota (2011):
No decorrer dos anos 1930, dramaturgos/diretores como Oduvaldo Vianna e Renato
Vianna, respectivamente com as peças Amor e Sexo, ao lado das contribuições de
Oswald de Andrade (O rei da vela, O homem e o cavalo e A morta), deram mostras
tanto do pensamento quanto das incorporações cênicas das novas propostas que
agitavam o teatro ocidental, o que inclui também a percepção e a consciência das
relações na sociedade capitalista e a resposta ideológica e política que levou, nessa
época, Procópio Ferreira a produzir e protagonizar Deus lhe pague, de Joracy
Camargo. (PATRIOTA, 2011. p.443)
Na busca pela construção de uma identidade nacional, o teatro também traz
elementos históricos que contribuíram para a instauração de uma ordem social, para a
afirmação de comportamentos sociais e para uma valorização da cultura europeia:
O debate em torno de um teatro nacional, típico do século XIX, transmutou-se no
século XX, sem perder seu objetivo anterior, na busca da modernidade, por via da
modernização, incorporando a complexidade de um mundo em que a aceleração do
tempo se tornara uma realidade de vida. Assim, conquanto a dinâmica histórica
apresente-se múltipla, contraditória e tão marcada pelas especificidades de seu
ritmo, aqueles que advogaram e/ou militaram em prol de um teatro capaz de
promover o ingresso do Brasil no rol das nações “civilizadas”, por intermédio das
letras e das artes, bem como do apurado juízo moral e estético, atuaram,
sistematicamente, na divulgação de seus princípios em jornais, por meio da crítica
teatral, das discussões públicas, em livros e, principalmente, na criação de grupos de
teatro amador — vale aqui citar as contribuições das comunidades de imigrantes:
italiana, espanhola, judaica, isso para não mencionar a portuguesa — com a
finalidade de estabelecer a sintonia entre a produção teatral e a modernização.
(PATRIOTA, 2011, p. 444)
Sobre essa modernização, podemos citar o espetáculo Vestido de noiva (1943), de
Nelson Rodrigues, que trouxe mudanças para o cenário da dramaturgia brasileira, com a sua
estreia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o grupo Os Comediantes, dirigido por
Ziembinski. O crítico Sábato Magaldi exemplifica aspectos que contribuíram para a
34
consagração dessa peça:
São hoje lendárias as conquistas da montagem: substituía-se o velho estilo do
predomínio do astro pelo desempenho da equipe, ensaiando-se e valorizando-se com
igual carinho todos os intérpretes; o cenário construído e estilizado de Santa Rosa
impunha-se pela modernidade de linhas, funcional e simultaneamente rico de
sugestões; Ziembinski trocava a iluminação uniforme da sala de visitas habitual pelo
uso de muitos refletores, concebendo cerca de 150 efeitos luminosos; e o elenco
abandonou as convenções do palco tradicional por formas estilizadas, adotando,
contraponteado com as cenas de puro realismo, o grotesco de inspiração
expressionista. (MAGALDI, 2004, p. 19)
Durante a ditadura militar, o teatro, assim como outras manifestações artísticas,
também se fez instrumento de resistência. Torna-se necessário destacar alguns acontecimentos
que tiveram grande importância nesse cenário do teatro nacional, tais como: a criação do
Teatro Brasileiro de Comédia (1948) por Franco Zampari; a fundação da Escola de Arte
Dramática (1948) por Alfredo Mesquita e do Teatro de Arena (1952) por José Renato. No que
se refere às influências mais teóricas recebidas pelo teatro brasileiro, podemos citar o método
das ações físicas de Konstantin Stanislavsk que, de forma não aprofundada aqui, consiste em
utilizar as ações essencialmente físicas para compor o corpo do ator e, portanto, a encenação.
Esse método influenciou as técnicas teatrais desenvolvidas por Bertolt Brecht, Antonin
Artaud e, posteriormente, do diretor Grotowski, além de tantos outros.
Numa dimensão mais abrangente, o Teatro é a arte que faz uso do texto dramático
ou teatral, mas não apenas deste, a definição contemporânea dessa arte não é consenso e a
cada dia ganha novas possibilidades de interpretação. Para Jerzy Grotowski (1992), o teatro
seria o que acontece entre o espectador e o ator, a comunicação que ocorre no ato da
encenação e, por isso, Grotowski concebe como essencial uma maior participação do público
em suas peças. Enquanto para Peter Brook (2008), as ações teatrais ocorrem não a partir de
dois elementos, mas de três, além do espectador e do ator, ele acrescenta o espaço vazio, o
qual possibilitaria o fazer teatral nas suas múltiplas formas. O fato é que essas, e outras,
concepções influenciam o fazer teatral e a forma como este se faz presente nos mais diferentes
ambientes sociais.
Nas escolas, de forma geral, podemos observar que os espaços de encontro com o
teatro, geralmente acontecem quando a atuação se torna necessária em eventos, datas
comemorativas ou festejos. Nesses momentos, o texto teatral é visto simplesmente com o
propósito da encenação teatral na sua forma de entretenimento; um trabalho de leitura crítica e
discussão sobre o próprio texto dramático como gênero literário é completamente ignorado e a
35
encenação realizada não busca um desenvolvimento de técnicas teatrais ou um trabalho mais
próximo à arte dramática. Tem-se a impressão de que a elaboração de um espetáculo escolar
não necessita de um trabalho teatral elaborado, criando a falsa ideia de que é simples e não
precisa de tanto esforço, seria esta a origem do preconceito com os artistas e com a arte?
Propor a leitura do texto teatral na sala de aula é reconhecer sua importância
social e compreender sua relação com as artes, com o fazer teatral. O processo de leitura do
texto não acaba na decodificação e interpretação do mesmo, ele necessita da exploração de
outras formas de leitura, pois sua particular relação com o teatro possibilita que o texto se
construa também no corpo do ator e do leitor. Compreendendo tais especificidades do texto
dramático, torna-se essencial afirmá-lo em sua relação com os estudos teatrais, neste caso,
aproximaremos o mesmo dos jogos dramáticos desenvolvidos por Viola Spolin, objetivando a
formação de leitores capazes de perceber esse gênero como ligado à teatralidade. De acordo
com Sarrazac:
A teatralidade é aquilo que permite pensar o teatro não sem o texto mas, de modo
recorrente, a partir de sua realização ou seu devir cênico. (...) Mas, sobretudo,
vontade de libertar o teatro de sua identidade literária, abstrata e atemporal, para
recuperar sua abertura para o mundo, para o real. Nesse sentido, a teatralidade
reinstitui a arte do teatro enquanto ato. (SARRAZAC, 2013, p. 15)
Nessa perspectiva de compreensão do texto, consideramos que é essencial abarcar
também a educação como experiência. Jorge Larrosa (2014) nos inquieta, apontando os
benefícios e as transformações que são possíveis ao reconhecer a vida como experiência, para
assim aproximar o processo educacional de vivências mais naturais.
A vida como experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o
pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa,
com o que já estamos deixando de ser. A vida é a experiência da vida, nossa forma
singular de vivê-la. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência
(e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa que enfatizar sua
implicação com a vida, sua vitalidade. (LARROSA, 2014. p. 74)
Desconstruindo uma visão tradicional, para além de sugerir algo diferente, o
pesquisador propõe que esse reconhecimento das experiências nos possibilita negar o que é
imposto, mostrando possibilidades de existência, de vivência. Ao discutir experiência, Larrosa
(2014) suscita a seguinte reflexão:
Fazer soar a palavra ‘experiência’ em educação tem a ver, então, com um não e com
uma pergunta. Com um não a isso que nos é apresentado como necessário e como
36
obrigatório, e que já não admitimos. E com uma pergunta que se refere ao outro, que
encaminha e aponta em direção ao outro (para outros modos de pensamento, e da
linguagem, e da sensibilidade, e da ação, e da vontade), porém, sem dúvida, sem
determiná-lo. (LARROSA, 2014. p. 74)
Pensando a sala de aula sob essa compreensão, o trabalho com o texto teatral nos
impulsiona a reconhecer os processos como experiências. Nas leituras das peças teatrais
(referimo-nos à leitura como algo múltiplo: montagens, performances, etc.), é fundamental
estabelecer conexões com a própria vivência, para descentralizar o foco na obrigatoriedade de
uma apresentação final, reconhecer a importância do processo, o qual poderíamos denominar
experiência ou caminhar da experiência. Como afirma Larrosa (2014, p.74), “deixar que a
palavra “experiência” nos venha à boca (que tutele nossa voz, nossa escrita) não é usar um
instrumento, e sim se colocar no caminho, ou melhor, no espaço que ela abre”.
Por conseguinte, a elaboração de propostas para a sala de aula deve considerar a
relação que o texto pode vir a estabelecer com o corpo e como essa relação pode contribuir
para a formação de leitores. Em nossas experiências de sala de aula, ouvimos relatos de
estudantes que dizem jamais esquecer determinadas obras literárias, porque as vivenciaram no
próprio corpo, porque a literatura, compreendida e transformada em experiência, atravessa a
própria vivência humana e sensibiliza.
Diante disso, surge o seguinte questionamento: como proporcionar essas vivências
no corpo apenas através da leitura? Para responder a essa questão, enfatizamos a necessidade
de aliar a leitura do texto aos jogos teatrais. Conceber esse processo como experiência
possibilita a adoção de ferramentas que contribuam efetivamente para um corpo atento e
disposto às novas maneiras de ler e interpretar. O jogo é o elemento base do teatro, é através
dele que os corpos encontram possibilidades de ação, de reflexão e, principalmente, de
vivência. O jogo também tem ganhado destaque nas pesquisas sobre aprendizagem,
mostrando-se efetivo no desenvolvimento de habilidades e competências dos educandos, não
apenas nas séries inicias. Segundo o filósofo Johan Huizinga:
Jogo “é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras
livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um
fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria
e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana” (HUIZINGA,
2007, p. 33).
37
Desse modo, torna-se fundamental a presença de jogos na escola. No campo do
teatro temos os jogos teatrais desenvolvidos por autores como Algusto Boal e Viola Spolin,
esta última afirma que:
O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade
pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar.
As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está
jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda estimulação que o jogo tem a
oferecer – este é o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para
recebê-la (SPOLIN, 2006, p.4).
Focalizando o uso dos jogos teatrais como recurso pedagógico, a pesquisadora em
artes cênicas Pricila Tatiana Araújo Leite nos mostra a importância dos jogos teatrais para o
desenvolvimento de crianças e jovens na escola, ela afirma que:
Logo, o teatro, dentro das mais diversas áreas de desenvolvimento humano, traz
consigo a possibilidade de autoconhecimento necessário para o bom
desenvolvimento do ser humano. O aluno de teatro passa por experiências onde é
capaz de sentir suas emoções a fundo. Para a criança, o toque no outro ou no seu
próprio corpo traz consigo uma carga de descobertas que, com certeza tornam a sua
vida mais sensível, mais desperta, para questões tanto de cunho educativo quanto
profissional, emocional, pessoal, familiar. (LEITE, 2016, p.17)
Assim, acreditamos que, por meio da utilização dos jogos teatrais, podemos
aproximar o texto de Ariano Suassuna da própria realidade dos educandos e associá-los à
formação de leitores. Além disso, trabalhando com os jogos, focalizaremos o corpo como
elemento artístico e como constituinte do ser social. Pensar o corpo na sociedade
contemporânea é se opor às amarras de um sistema opressor que somente o reconhece a partir
de duas perspectivas: a primeira se refere ao corpo obediente, dominado e manipulado, como
podemos encontrar no livro ‘Vigiar e Punir’ de Michel Foucault (1987). Nesta obra, o autor
analisa historicamente as compreensões que a sociedade foi adquirindo sobre o corpo através
da sua leitura dos instrumentos de criação e manutenção de corpos adestrados para viver em
sociedade. Ele aponta que as duas instituições que mais contribuíram para uma disciplina do
corpo foram as escolas e os quartéis:
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos processos
disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas
também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII
fórmulas gerais de dominação. (FOUCAULT, 1987. p.164)
38
A disciplina militar, conforme Foucault, surgida nos exércitos protestantes, deixou
marcas também na escola, como por exemplo, o posicionamento autoritário do professor que
acabou se estabelecendo como um elemento fundamental para a educação, além dos castigos
físicos e psicológicos dados aos estudantes que desobedeciam as regras.
Ainda hoje as práticas não reconhecem o corpo como essencial no processo de
desenvolvimento humano. A ideia de disciplina prevalece; educado parece ser sempre
aquele que se mantem sentado e imóvel na sala de aula. Se por um lado podemos
compreender uma postura disciplinar como uma forma mais sutil de manter uma determinada
ordem, por outro lado, ela deixa claro que para isso é preciso a imobilidade do corpo. A sala
de aula seria um laboratório onde os mais educados e “civilizados” seriam os que não se
movimentassem e, portanto, conseguissem manter uma postura de gestos pequenos, breves e
lentos.
Esse problema está diretamente relacionado à questão da fragmentação dos
saberes na escola. Edgar Morin discorre sobre a complexidade da condição humana e reflete
sobre a necessidade de reconhecer o ser humano a partir das suas várias faces, ou seja,
reconhecê-lo para além das estruturas fragmentadas construídas socialmente.
Seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada, que concebesse a
humanidade em sua unidade antropológica e em suas diversidades individuais e
culturais. À espera dessa religação – desejada pelas ciências, mas ainda fora de seu
alcance, seria importante que o ensino de cada uma delas fosse orientado para a
condição humana. Assim, a Psicologia, tendo como diretriz o destino individual e
subjetivo do ser humano, deveria mostrar que Homo sapiens também é,
indissoluvelmente, Homo démens, que Homo faber é, ao mesmo tempo, Homo
ludens, que Homo economicus é, ao mesmo tempo, Homo mythologicus, que Homo
prosaicus é, ao mesmo tempo, Homo poeticus. (Morin, 2004. p. 35)
A segunda forma diz respeito à hipersexualização dos corpos, principalmente do
corpo feminino. Esse fenômeno ocorre através dos discursos divulgados pelas mídias e pela
negação do diálogo familiar sobre a sexualidade. Educados sob o estigma de não poder falar
sobre sua sexualidade e/ou sobre seus próprios corpos, os jovens que chegam ao ensino médio
não conhecem as possibilidades do seu corpo e não o reconhecem como parte de seu ser
complexo. Por isso, os exercícios propostos pelos jogos teatrais e a ludicidade envolvida na
leitura de textos dramáticos contribuem para o desenvolvimento de reflexões teóricas e
práticas sobre o corpo, incentivando o despertar de uma consciência para corpos ativos,
capazes de atuar na sociedade a partir do autoconhecimento.
39
Nessa perspectiva, o texto teatral se tornaria uma base multiplicadora de
possibilidades, uma vez que sua estrutura aponta diretamente para vivências do próprio corpo.
Por meio do uso dos jogos dramáticos, os leitores podem desenvolver essa aproximação entre
o texto escrito e a própria encenação, desenvolvendo outras formas de leitura do texto
literário. Trabalhar na perspectiva da experiência não significa “fazer de qualquer forma”,
pelo contrário, a proposta é orientar as vivências da melhor maneira possível, por meio de
estratégias, de sequências didáticas.
Nesse contexto, surge também a necessidade de novos olhares para o texto
dramático desde a sua leitura até a forma como este adquire cada vez mais características. A
mudanças pelas quais as relações que os gêneros literários ou não passam ao longo dos anos
devem ser discutidas nas aulas de língua portuguesa, para que os educandos desenvolvam o
senso crítico diante das transformações sociais, sabendo lidar com os noos diálogos
intertextuais que surgem. O ambiente escolar poderia estar mais atento a esses diálogos que a
leitura promove, afinal, ao propor a leitura de uma peça teatral em sala, o educador deve
compreender estar disposto a elaborar uma sequência que possibilite a construção de
interpretações a partir das ações dos personagens. A dramaturgia exige do leitor níveis
maiores de atenção e interpretação, as emoções e as características das personagens não
podem ser encontradas de forma linear como no romance. Elas estão fora dos diálogos, estão
nas rubricas, nas entonações de voz e, principalmente, no corpo do ator no palco. Para
Alcione Araujo (2009):
Ler uma peça de teatro não é ler os diálogos, mas as repercussões em cada
personagem do que foi dito, a maneira particular e pessoal com que cada
personagem absorve as palavras enunciadas- as maneiras de perceber e reagir são
reveladoras da índole e do caráter de cada um. A leitura de uma peça não se limita,
portanto, às palavras do diálogo, mas entende-se à repercussão das palavras em cada
personagem. Lê-se a subjetividade das personagens e as relações entre elas, não
apenas as palavras. O dramaturgo, diferentemente do romancista, não podendo
desvelar as intenções das personagens, oculta-as na sua maneira de falar, na maneira
de silenciar, na sua maneira de perceber e na sua maneira de reagir. Personagens
ocultam-se nas falas, nos silêncios, nas percepções e nas reações. Elas se desvelam
nas intenções e nas ações. (ARAUJO, 2009. p. 188)
O texto teatral desafia o leitor a considerar e realizar a leitura de todos os seus
elementos, para assim, desenvolver interpretações mais coerentes com o mesmo. Como
também nos aponta Kelly Costa (2006) ao falar das especificidades do gênero dramático.
40
É importante ressaltar que o texto dramático, diferentemente da narrativa, revela o
seu sentido por meio da ação das personagens e das rubricas. Logo, o seu estudo
deve ser feito, observando principalmente estes dois elementos. Quando realizamos
uma leitura apressada de um texto dramático, geralmente, tendemos a desconsiderar
as rubricas de modo que muitas vezes nem as lemos, por isso o professor tem de
chamar a atenção do seu aluno para a importância de lê-las. Nas rubricas não estão
contidas apenas informações para quem irá encenar o texto, mas também elas
revelam como são as personagens, os espaços, o tempo em que tudo acontece no
enredo, entre outros aspectos que são determinantes para se analisar e compreender
o texto como um todo coeso. (COSTA, 2006. p.96)
Isso ocorre, porque ele pode ser considerado um texto de caráter multimodal,
como nos afirma Marega (2015, p.72): “A produção escrita desse gênero discursivo permite-
nos refletir as relações entre fala e escrita; sua produção oral leva-nos a pensar em entonações
e gestos que podem acompanhar as falas das personagens, seus movimentos e ações diante de
um cenário proposto”, ou seja, ele estabelece conexões com outras linguagens e pode
contribuir para o desenvolvimento de habilidades. Neste sentido, compreendemos que essa é
uma das grandes contribuições do texto dramático para a formação de leitores, ativando seus
conhecimentos não apenas no campo intelectual, mas também corporal.
A relação entre teatro e literatura se estabelece à medida que o primeiro dialoga
com a segunda através do texto dramático. Diferente de outras artes, como a pintura e a
música, que têm limites e materiais específicos que marcam suas fronteiras com a Literatura,
é o valor estético e artístico do texto teatral que o aproxima e o torna literário.
Assim, compreenderemos no próximo capítulo a construção estética e as
influências sociais da obra teatral de Ariano Suassuna, para, nos capítulos seguintes,
apresentarmos uma proposta metodológica que contribui com a formação de leitores na
escola, a partir do viés do teatro e dos jogos teatrais. Utilizaremos a peça O santo e a porca,
de Ariano Suassuna como texto base para a proposta de letramento.
41
3 A CORPOREIDADE DO NORDESTE EM ARIANO SUASSUNA
3.1 CONCEITUANDO CORPOREIDADE
Quando falamos em corporeidade como expressividade humana nos remetemos
inevitavelmente as reflexões de Merleau-Ponty (1994), isso nos leva a pensar em corpo, ação
e interação, relacionando, assim, a corporeidade a um sentido prático. Observamos, no
entanto, que, no ambiente escolar, a literatura torna-se, muitas vezes, enfadonha, pois é
apresentada de forma teórica e unilateral, desconectada de outros elementos tão essenciais
quanto o próprio texto, tais como o espaço, o corpo do leitor e os dos que partilham com ele a
experiência da leitura, ou seja, os leitores. As formas de dar a ler em sala de aula precisam
passar pelas percepções sensoriais dos leitores, manifestando formas distintas ou
complementares de ler e interpretar um mesmo texto. Para isso, o educador precisa identificar
na obra aspectos que podem contribuir para essas novas leituras, como a construção das
personagens. No texto teatral, por exemplo, esta relação encontra-se mais evidente pelas
rubricas e pelos diálogos que se constituem basicamente de ações.
Partindo desta reflexão, este capítulo propõe um aprofundamento na análise de
como a corporeidade está construída na obra teatral de Ariano Suassuna, percebendo suas
influências e as relações destas com o corpo. Por isso, precisamos compreender que os
conceitos de corporeidade dialogam com as ciências humanas à medida que trazem reflexões
sobre a construção do eu, de um ser social. A fenomenologia traz importantes contribuições
neste sentido,
Como vimos, ao tomar como objeto de estudo não mais o sujeito e o corpo como
elementos ontologicamente distintos, mas o chamado “sujeito corporal” (Barbaras,
1992),a fenomenologia redimensionou o valor da narratividade e do pensamento
conceitual e reflexivo na experiência do eu, incluindo no horizonte epistemológico
dos estudos sobre a vida subjetiva três elementos fundamentais, a saber, a
valorização da relação entre o organismo e ambiente, o papel central ocupado pela
corporeidade na organização da vida subjetiva, e a importância da ideia de ação nos
modelos da vida mental. (SALEM; JUNIOR, 2010, p. 193)
Segundo Olivier (1995), “o que marca o humano são as relações dialéticas entre
esse corpo, essa alma e o mundo no qual se manifestam. Relações que transformam o corpo
humano numa corporeidade, ou seja, numa unidade expressiva da existência” (p.46).
Adotando o conceito de corporeidade como unidade expressiva da existência, podemos
estabelecer sua relação direta com a literatura, como afirma o filósofo Merleau-Ponty
42
Os escritores não têm a impressão de criar, de inventar, porque eles estão com efeito
em vias de decifrar os hieróglifos de sua paisagem. Mas, eles criam porque 1) essas
verdades mudas tomam sua paisagem, ninguém as faria falar em seu lugar; 2) uma
vez convertidas em coisas ditas elas tomam lugar, senão como quadro visível, ao
menos no Mundo que é, como o visível, chamado a falar – Outros aprendem lendo-
as para dizê-las a outros (MERLEAU-PONTY, 1996, p.203).
Os textos literários também estabelecem relações com o corpo, como através da
oralidade presente em obras com traços mais populares, histórias passadas por meio da
tradição de gerações a gerações. As representações sociais feitas através das personagens
exemplificam características individuais à medida que constroem e desconstroem paradigmas
sociais também relacionados ao corpo e como comportamentos estereotipados do ser homem
e ser mulher. No espaço da sala de aula, podemos promover a compreensão textual através de
um trabalho corporal, compreendendo corpo na perspectiva de Merleau- Ponty
[...] o corpo não é um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho dele não é
um pensamento, quer dizer, não posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele
uma ideia clara. [...] Quer se trate do corpo do outro ou meu próprio corpo, não
tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo, quer dizer, retomar por
minha conta o drama que o ultrapassa e confundir-me com ele (MERLEAU-
PONTY, 1994, p. 269).
Assim, também podemos afirmar que se o texto compreende dimensões do corpo,
como a sensibilidade e a consciência corporal, ele não pode ser compreendido em sua
complexidade senão por meio do próprio corpo. Para isso, precisamos aproximar as relações
entre texto e corpo, fazendo uso das estratégias de leitura e interpretação e das especificidades
da literatura e do teatro. A escola é um ambiente propício para esse trabalho, podendo
transformar as práticas de leituras cansativas e desconexas da realidade em vivências
corpóreas e textuais significativas. Estas, se aliadas a um trabalho com o corpo, poderão fazer
um sentido maior para aqueles que não entendem as conexões existentes entre as artes e que
acreditam que Literatura não nos transforma enquanto sujeitos. Por isso, como nos diz a
pesquisadora Karenine de Oliveira Porpino (2018), ao refletir sobre a complexidade humana e
sua ligação direta com a corporeidade e com a dança, é necessário:
[...] compreender o ser humano como uno e ao mesmo tempo como múltiplo, como
essência, porém existencial e plena de sentido, que encontra a sua forma de
expressão na coexistência de antagonismos. Assim, o termo corporeidade propõe
uma nova compreensão de homem e uma nova possibilidade de compreensão do
corpo, transcendendo o entendimento dicotômico ainda predominante em nossa
cultura ocidental. Somos, ao mesmo tempo, cultura e natureza, corpo e espírito,
razão e emoção, numa simbiose que não pode ser desfeita. (PORPINO, 2018. p.20)
43
Concebemos a leitura como um processo complexo que compreende as relações
entre o leitor, o autor e suas experiências, ocorrendo uma interação entre seus corpos e o
texto. Porpino (2018) também discute sobre isso ao enfatizar o corpo e sua relação com a
dança,
A partir do conceito de corporeidade, é possível entender o corpo como possuidor de
uma singularidade que somente se compreende na pluralidade da existência de
outros corpos, e que é capaz de gerar conhecimento, autogerando-se, a cada
momento, a partir da inevitabilidade da coexistência entre a sensibilidade e a razão.
Assim, a corporeidade desvela o corpo em sua essência existencial complexa,
restitui a este a sua capacidade de gerar conhecimento, de reconhecer-se como
sujeito da percepção, sendo, ao mesmo tempo, objeto percebido por outros corpos,
numa época (século XX) em que a predominância do racionalismo ainda se faz
presente. (PORPINO, 2018. p. 58)
Neste sentido, romper com as relações dicotômicas do ser é agir consciente da
necessidade de uma transformação social, começando pela educação, principalmente através
escola, que ainda insiste em separar os saberes, promovendo o individualismo, abrigando em
si as mazelas da sociedade contemporânea. Reconhecer a complexidade nos vários âmbitos,
culturais, sociais, políticos, lúdicos, etc, contribui para a transformação social e, obviamente,
envolve a relação entre os indivíduos. Na leitura dinâmica e complexa do texto literário, os
educandos e educandas poderão desenvolver o que há de mais natural no ser humano: a
relação entre os seres. Como sabemos, não basta ler mecanicamente um texto, mas associá-lo
as nossas vivências, e isso também ocorre quando ouvimos ou percebemos a maneira distinta
que o outro conseguiu compreender um mesmo texto, é nesse momento que os leitores podem
desenvolver a percepção para a diferença como algo que agrega informações e possibilidades
e não como um fator negativo. Ao tratarem das relações sociais, Maturana e Varela (1995)
refletem que:
Se sabemos que o nosso mundo é sempre o mundo que construímos com outros,
toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano com
quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de se reafirmar o que
vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerarmos que nosso ponto de
vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial
tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável
(MATURANA; VARELA, 1995, p. 262).
A literatura muitas vezes está diretamente relacionada à identidade, como vimos
no capítulo anterior. Muitos são os escritores que trouxeram, em sua obra, características que
contribuíram para uma construção da identidade brasileira, tais como Machado de Assis,
Clarice Lispector, José de Alencar e Ariano Suassuna. Podemos destacar na obra do cronista,
44
romancista e dramaturgo Machado de Assis representatividades e construções da sociedade
burguesa, como em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), romance no qual o escritor dá
voz aos homens considerados cultos do país ou como em suas crônicas, gênero literário
através do qual o autor teceu críticas sociais relevantes, como destaca Salete de Almeida Cara
no prefácio da obra coleção Melhores Crônicas (2006):
Avançando pelos anos, a crônica de Machado vai-se distanciando um pouco mais da
nomeação direta dos acontecimentos imediatos e, indo muito à vontade para o
passado, continua ainda a dar asas a uma imaginação sempre sustentada por aquele
movimento geral que vai observando, e do qual a crônica depende. Por isso mesmo é
que se pode ler “A semana” dos dois últimos anos como o resultado lógico de uma
experiência nacional singular, que o cronista foi capaz de perceber mais do que
ninguém: é o desenrolar dessa história que vai contando até a etapa pouco feliz, mas
previsível, da crise financeira dos governos Prudente de Moraes e Campos Salles.
Tempo da Guerra de Canudos, pouco antes do empréstimo de dois milhões de libras
e da possibilidade de uma moratória, em 1898. (2006, p. 11)
Outro grande exemplo de construção de uma identidade nacional através da
literatura é José de Alencar. Com seus romances indianistas e regionalistas, ele constrói uma
imagem romântica da relação colonizadora existente entre o índio e o português, sugerindo
uma história pacífica e amorosa das tomadas de terra no Ceará. Por outro lado, além de
romancista, o autor também escreveu crônicas, os antigos folhetins, publicou, por exemplo,
no Diário do Rio de Janeiro, a segunda série de textos chamada de “Ao correr da pena” em
1855, esta tematiza as grandes transformações pelas quais o Rio de Janeiro passava na época,
com a era da modernização, progresso, etc. Estes escritores, ao representar determinados
aspectos sociais, elaboram representações corpóreas que ultrapassam os limites físicos e
dialogam com a posição social que estes corpos ocupam, seja de resistência, de corpo que
colabora para a propagação dos estereótipos sociais, ou das convenções públicas existentes até
então.
Em Clarice Lispector, a personagem Macabéa, de A hora da estrela (1977),
destaca-se como uma protagonista que representa as angústias do povo nordestino, inclusive
em suas formas de negar sua existência e expressividade, ao mesmo tempo que essa própria
negação a introduz no universo de representação maior, a de um corpo inerte à realidade que o
rodeia. Terezinha Petrucia da Nóbrega, ao analisar A paixão segundo G.H (1964), buscando
aproximações com a filosofia, mais exatamente à luz dos estudos filosóficos sobre a acepção
de “corpo” conforme Merleau-Ponty, afirma que:
A literatura de Clarice Lispector problematiza uma compreensão essencialista da
natureza humana, seu distanciamento da animalidade, da experiência do corpo, da
carne em nome da civilidade e de ideias abstratas. Mas, não se trata somente de
45
abandonar a humanidade e a civilização. Trata-se antes de pôr em suspensão a
existência e de criar as condições para uma nova experiência e para uma nova
filosofia. (p.06)
Enquanto Lispector problematiza a natureza humana em suas formas complexas, o
escritor Ariano Suassuna traz as questões mais pungentes da existência para uma realidade
específica, regional, com suas particularidades que transformam a forma de encará-las,
abordando temas globais, como a avareza, um dos sete pecados capitais segundo a ótica
católica. O texto de Suassuna desafia o leitor a recriar um outro olhar para o tema.
3.2 O CORPO E A IDENTIDADE DO ROMANCEIRO POPULAR NORDESTINO
As relações entre história e literatura, no meio acadêmico, se consolidaram através
das diversas pesquisas que apontam caminhos para a leitura de obras a partir de concepções
históricas, buscando compreender as influências de um determinado momento histórico na
produção artística ou ainda como essa escrita pode contribuir para o entendimento desse
mesmo período. Isso ocorre porque a Literatura pode ser vista como um instrumento de
construção social, ou seja, por estar presente em todos os períodos históricos, ela acaba por ser
elemento de construção e reconstrução de uma cultura brasileira. É possível falar ainda em
culturas brasileiras, afinal, as distintas ideologias propagadas pelas mídias destacam o caráter
plural da cultura.
Para Fernando de Azevedo (1971) em seu livro A Cultura Brasileira:
A cultura, nas suas múltiplas manifestações, sendo a expressão intelectual de um
povo, não só reflete as ideias dominantes em cada uma das fases de evolução
histórica, e na civilização de cuja vida ele participa, como mergulha no domínio
obscuro e fecundo em que se elabora a consciência nacional. (AZEVEDO, 1971,
p.45)
A partir de suas experiências populares e artísticas refletidas em suas obras, os
escritores acabam por contribuir, consciente ou inconscientemente, para a elaboração de uma
consciência nacional. Torna-se fundamental refletir sobre a cultura popular, suas
características e importância social, compreendendo que esta dialoga diretamente com
aspectos de uma identidade nacional. Como nos dizem Costa e Rêgo (2018) ao debaterem o
tema:
É possível interpretar a cultura popular como resultado da “sabedoria oral”, memória
coletiva anteposta aos conhecimentos transferidos pela ciência. Possuidora de “bases
universais”, portadora de um “instinto de conservação para manter o patrimônio sem
modificações sensíveis, uma vez assimilado” (CASCUDO, 1983, p.679). A cultura
46
popular é detentora de um caráter multidimensional e está aberta ao contato com o
novo. (COSTA; RÊGO, 2018, p.202)
Um evidente exemplo deste feito é a obra de Suassuna. Do teatro à poesia, o autor
consegue expandir o horizonte de suas vivências no Nordeste. Através da influência que o
paraibano obteve por meio das tradições orais e pelos traços destas em suas obras, podemos
caracterizar sua obra como parte de uma cultura popular. Em ABC de Ariano Suassuna
(2007), Bráulio Tavares faz um resgate das influências culturais e sociais de Ariano Suassuna,
as quais podemos identificar em sua vasta obra. A primeira influência que o autor nos revela e
que o próprio Suassuna costumava citar em entrevistas e textos é o seu encontro com a
literatura de cordel desde a infância. A este respeito, Tavares afirma que:
Podemos avaliar, pelo que sabemos da história editorial do cordel, a variedade de
títulos disponíveis para um leitor que morava em Taperoá nos anos 1930. No Recife,
a gráfica de João Martins de Athayde estava funcionando a todo vapor: entre seus
maiores sucessos estavam os folhetos sobre a morte do Padre Cícero, e 1934, e sobre
a morte de Lampião, 1938. Os folhetos de Francisco das Chagas Baptista (1882-
1930), o grande cronista das façanhas de Antonio Silvino, continuavam circulando.
Gráficas e editoras em várias cidades nordestinas supriam um mercado crescente,
cujo auge viria a ocorrer, talvez, entre as décadas de 1940 e 1950. (TAVARES,
2007, p.26)
Como um leitor de Taperoá, Ariano teve grande contato com os folhetos, por isso,
podemos identificar em sua obra as duas personagens nordestinas citadas acima. Em O auto
da Compadecida (1955), está presente a devoção ao Padre Cícero e a referência ao bando de
Lampião, sendo este um exemplo de que suas releituras das histórias contadas pelos folhetos
trazem em si um novo modo de preservar e recriar a literatura nordestina e sua tradição, ora
reinventando e adaptando as histórias do cordel para o texto teatral, ora introduzindo os textos
originais como fala de suas personagens, em sua maioria nordestinas. É importante ressaltar o
que Patrícia Cristina de Aragão Araújo (2007) apresenta em sua tese ao tratar sobre o cordel:
No âmbito do saber e da cultura populares, o cordel emerge como um artefato
cultural, expressão da cultura de um povo que apresenta linguagem e estética
próprias. Através dele, o poeta expõe sua visão de mundo, de ser humano e da
realidade social onde está inserido. Ou seja, é materialização do pensar e das
subjetividades do poeta. Desse modo, o poeta de cordel, ao produzir conhecimento
através dos folhetos, também propicia uma ação educativa que se estabelece
mediante a comunicação e o diálogo que o cordelista mantém com seu público-
leitor. (ARAÚJO, 2007, p. 23)
É por isso que Suassuna encontra forte inspiração nos folhetos, destacando sempre
a importância destes para sua obra. Além disso, a tradição da oralidade, da contação de
histórias e o histórico de aceitação dos cordéis pela sociedade brasileira aproximaram e ainda
47
aproximam os leitores dos livros do autor, como destaca Araújo (2007) ao exemplificar a
flexibilidade dos folhetos em diferentes contextos sociais:
No Nordeste, foi com o hábito de contar história que o cordel passou a florescer. Ou
seja, a relação entre o contador de história e o cantador de cordel é íntima, não só
porque o público de ambos é o mesmo, mas também porque a maioria das histórias
contadas e cantadas em versos advém das classes populares. A apreciação aos
folhetos se dava em diferentes estratos sociais, tanto por entre as camadas populares
quanto entre membros da elite nordestina. Além de consistir numa forma de lazer e
entretenimento, a circulação dos folhetos entre essas duas classes nos mostra a
circularidade cultural dos folhetos que, assim como acontecera na Europa, também
ocorreu por entre as populações nordestinas, isto é, houve grande receptividade
daqueles que pertenciam à elite e daqueles pertencentes às camadas populares.
(ARAÚJO, 2007, p.47)
Outra influência advém dos cantadores de viola. Nesse sentido, Tavares reconta
uma experiência vivida por Suassuna na infância:
Em 1934 foi assistir, levado por seu irmão João Suassuna Filho, a uma cantoria de
viola na casa de um oficial de polícia de Taperoá. Nesse dia conheceu o grande
Antonio Marinho (1887-1940), um dos maiores repentistas da velha geração, e que
tem hoje uma estátua em praça pública na cidade de São José do Egito. Marinho
duelava com um cantador de Juazeirinho, Antonio Marinheiro. Com sete anos, o
menino Ariano ficou impressionado não apenas com a rapidez dos repentes de
Marinho, como também com o fato do violeiro cantar de memória um folheto de
cordel inteiro que falava de assombrações. Nessa experiência ele pode registrar duas
fontes da poesia de improviso: a rapidez do raciocínio e uma memória precisa,
treinada com rigor. (TAVARES, 2007, p. 28)
O contato com os cantadores de viola reflete a dinamicidade e os recursos sonoros
utilizados em seus textos, como as rimas e as aliterações. Estas duas fontes de improviso são
marcantes na obra do autor em questão, por isso, sua leitura pode exigir dos leitores uma
rapidez de raciocínio. Os acontecimentos transitam rapidamente, armações, trapaças e ações
imprevistas que surpreendem os leitores podem confundir se houver desatenção. A sonoridade
compõe uma musicalidade existente no Nordeste, por exemplo, o sotaque “cantado” ganha
ritmo acelerado e nos remete imediatamente aos cantadores e violeiros. Estudos como o de
João Miguel Manzolillo Sautchuk (2009) falam um pouco sobre as relações existentes entre a
cantoria de viola e a poesia das antigas civilizações:
Evidentemente, a cantoria nordestina guarda diferenças fundamentais em relação aos
épicos dos poetas cantores da antiga Iugoslávia. Principalmente, esses bardos
cantavam compondo versos sobre enredos predefinidos nos quais o uso da fórmula
constituía justamente a repetição e variação de expressões que se agregavam a essas
narrativas. Para o repentista, a repetição de palavras ou linhas inteiras constitui um
erro grosseiro. Outra ressalva que deve ser feita relação ao uso do conceito de
fórmula na compreensão dos métodos do cantador refere-se à temática variada dos
48
versos neste contexto, que dificulta a identificação de linhas que nos poemas épicos
são sistematicamente substituídas ou rearranjadas no ato de recontar uma estória.
(SAUTCHUK, 2009, p. 43)
A representação e recriação de ritmos e sons é também uma forma de preservação
de elementos significativos da cultura popular. Nesse contexto, relembramos as contadoras de
histórias, dos causos, onde a memorização ganhava destaque e esta era a responsável por
passar grandes histórias de geração em geração.
Outra influência se refere ao contato com experiências de teatro popular, como os
espetáculos de mamulengos e o circo. Os espetáculos de mamulengos eram e, em alguns
lugares, ainda são grandes atrações populares no Nordeste,
Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o
Mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia-a-dia do povo da
região. Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas,
com seus temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos
repressores, com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia de liberdade.
(SANTOS, p. 19)
Como uma forma de expressão teatral, o mamulengo traz o texto no próprio corpo
e solicita a atenção do público para este, reconhecendo-o como um todo que compõe o
boneco. A estrutura dos espetáculos de bonecos conscientiza a plateia da existência de um
corpo responsável por criar aquele personagem, no entanto, a ludicidade envolvida em toda a
encenação não permite que o espectador fuja do desejo de compreender o desenrolar dos
acontecimentos da trama. Esta influência, sem dúvidas, contribuiu para a dinamicidade das
ações nos textos Suassunianos. Assim, Alcure no diz que:
O mamulengo está presente em diversos circuitos, que não necessariamente os da
Zona da Mata. Mesmo tendo um corpo “tradicional” bem definido, que seria
referendado por um conjunto fixo de personagens, passagens, loas, músicas, pelo
aprendizado dos mestres, entre outros aspectos, o mamulengo está inserido numa
sociedade complexa que articula valores múltiplos, dinâmicos e amplos. Justamente
por articular uma rede social densa, o mamulengo põe em questão noções
demasiadamente restritas de cultura, cultura popular e localidade. (ALCURE, 2001,
p. 193)
Isto ocorre porque os causos e situações abordadas nos espetáculos retratam a
realidade do povo nordestino, por isso, a identificação e o riso comuns ao público. É uma arte
do corpo nordestino para o corpo nordestino, eminentemente popular, composto a partir da
experiência. O circo enquanto manifestação artística, por sua vez, é visto por muitos
pesquisadores como uma das artes mais antigas que, à época da infância e juventude de
49
Ariano Suassuna, era composto principalmente por elementos teatrais, diferindo do atual
modelo, em que a tecnologia e a presença de adereços diversos predominam. Para o autor, “o
circo é, portanto, uma das imagens mais completas da estranha representação da vida, do
estranho destino do homem sobre a terra” (2008, p. 209). Para Silva (1996):
O circo herdou dos artistas ambulantes e saltimbancos – os que saltam sobre os
bancos- uma característica importante e que se mantém: a transmissão do saber de
geração em geração; um saber que engloba toda a vida cotidiana de um grupo
nômade. A partir do último quarto do século XVIII formaram-se as dinastias
circenses que saíram da Europa Ocidental. Assim a arte circense era transmitida de
pai para filho. (SILVA, 1996, p. 1)
Aspectos relacionados à religiosidade também contribuem para a construção de
um corpo das personagens Suassunianas, um corpo reconhecido pela igreja como impróprio,
pecador e, portanto, sujeito a punições. As instituições religiosas baseadas no cristianismo
trabalham com as dicotomias, corpo e alma, certo e errado, bem e mal, ambas como distintas e
distantes. Essas dicotomias aparecem muitas vezes na obra de Suassuna, como na complexa
relação entre o ócio e o trabalho em A farsa da boa preguiça (1995), ou como a fé e o pecado
em O auto da compadecida (1955) , ou ainda como entre o dinheiro e a fé em O santo e a
porca (1957). A relação do autor com esses aspectos também se dá porque sua família sempre
esteve ligada a religiões de forma participativa, primeiramente ele se relacionou com a igreja
protestante, depois de adulto, por influência de sua noiva, converteu-se ao catolicismo.
Segundo Tavares, “as tragédias da infância e as leituras de adolescência ajudaram
Ariano na construção de uma visão do mundo que envolve um profundo sentido religioso,
embora essa visão se exprima em imagens que são mais literárias e mitológicas do que
propriamente religiosas ou filosóficas” (TAVARES, 2007, p.38).
Nota-se em sua obra a influência do dramaturgo medieval Gil Vicente, tanto pelas
temáticas abordadas quanto pela estrutura de suas peças. Segundo Krishna Monique de
Andrade (2011), “o teatro vicentino é marcado pela inobservância das regras do teatro
clássico, mas de aproveitamento de toda variedade do teatro medieval e especialmente
peninsular, o qual era formado de milagres, mistérios, moralidades, farsas, sotties (de onde
vem o Parvo), momos e entremeses” (ANDRADE, 2011, p.12). Estes elementos também
podem ser vistos no teatro de Ariano Suassuna, por isso, fala-se que sua obra funde o popular
e o erudito, porque, na verdade, sua escrita reflete todas as suas influências, inclusive as de
suas leituras clássicas.
Diante de todas essas e muitas outras influências, Suassuna começou muito cedo a
50
refletir sobre a cultura brasileira, em especial a de matiz popular, dando forma a uma visão
essencialista destas, criando, assim, o movimento Armorial, definido pelo próprio Ariano
Suassuna:
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço principal a ligação com o
espírito mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste, a Literatura de
Cordel, a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e com a
xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das Artes e
espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionado (SUASSUNA,
1975, p. 6).
O escritor defende a complexidade e a pluralidade de elementos artísticos da
cultura popular, criando uma teoria estética que compreende as influências e suas
interrelações. Segundo Carlos Newton Júnior (2008), no livro Almanaque Armorial/ Ariano
Suassuna, o movimento armorial idealizado por Suassuna, em Recife, a 18 de outubro de
1970, teria como objetivo “[...] criar uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares da
nossa cultura, e de combater, assim, o processo de vulgarização cultural ao qual ainda hoje
nos encontramos submetidos”. Em seus trabalhos e aulas espetáculos, o autor ironizava as
manifestações contemporâneas que vulgarizam a arte brasileira, suas fortes críticas concebem
uma análise estética que observa a modernidade dos estrangeirismos como perda da
caracterização do popular brasileiro.
Por isso, Suassuna utiliza em suas obras ilustrações de xilogravuras, pois o seu
uso é mais um elemento fundamental para a criação de uma cultura eminentemente popular.
Esse movimento, todavia, deve ser concebido na contemporaneidade de forma
crítica, pois, por sua tradição e radical ideia de negar influências estrangeiras, pode criar
conflitos identitários, afinal, com o acesso a um maior número de informações em um curto
espaço de tempo, essas influências são inevitáveis e acabam fazendo parte também do que
hoje constitui as culturas brasileiras.
Podemos analisar que todas essas referências e influências presentes na obra de
Suassuna possuem uma ligação demasiadamente forte com experiências corporais ou como
compreendemos o corpo na cultura popular nordestina. O Romanceiro Popular Nordestino
torna-se influência, elemento e resultado da obra suassuniana. O corpo que se constrói é
fragmentado e complexo, uma colcha de retalhos costurada com tecidos da cultura popular
nordestina, a medida que o autor tece as peças, forma outras ainda mais complexas e
significativas para um povo.
Essas pesquisas e a leitura das obras de Suassuna nos revelam que a sua escrita
51
busca construir novas identidades para o povo nordestino, desconstruindo estereótipos, como
o de um povo devastado pela fome e miséria, sem perspectivas de possibilidades de fuga.
Suas obras trazem as marcas da oralidade, principalmente através do cordel e da religiosidade
presentes nas falas das personagens. A cultura popular presente nas obras de Ariano Suassuna
estabelece relações com grandes clássicos da literatura mundial, tais como Molière e Plauto,
mesclando elementos da cultura erudita com a cultura popular, isso fica ainda mais evidente
quando observamos sobrevivências da cultura medieval ibérica na cultura brasileira,
principalmente nas cantigas.
3.3 O JOGO CÊNICO DE IDENTIDADES EM O SANTO E A PORCA (1957)
A comédia O Santo e a porca (1964) traz a temática da avareza no contexto do
regionalismo nordestino, no entanto, também podemos realizar a leitura de muitas outras
questões sociais. Por isso, para levar esta obra para a sala de aula, o educador precisa lê-la
com muita antecedência para abrir o leque de interpretações que os educandos possivelmente
poderão encontrar e se identificar a partir de suas experiências individuais e coletivas.
O regionalismo tratado no texto pode ser percebido através dos elementos que
estruturam um texto teatral, que, como visto no tópico acima, está presente em boa parte da
escrita de Ariano Suassuna, destacamos três: cenário, costumes e linguagem. Compreendemos
regionalismo a partir dos estudos sobre as relações existentes entre região, regionalismo e
regionalidade, de José Clemente Pozenato (2003):
O regionalismo pode ser identificado como uma espécie particular de relações de
regionalidade: aquelas em que o objetivo é o de criar um espaço – simbólico, bem
entendido – com base no critério da exclusão, ou pelo menos da exclusividade. Esse
critério se manifesta, no caso da produção literária, pelo uso de um dialeto, quando
não de uma língua, de estrita circulação interna. E também não é por acaso que todos
os regionalismos – não só os literários – se apoiam fortemente na defesa de uma
língua própria, como no fenômeno, conhecido entre nós, do talian. A força
simbólica da língua funciona como uma bandeira hasteada. (POZENATO, 2003, p.
7)
Por isso, a literatura está diretamente ligada às identidades e as suas construções
ao longo do tempo. O antropólogo Ruben Oliven (1992) entende que:
a afirmação de identidades regionais no Brasil pode ser encarada como uma reação a
uma homogeneização cultural e como uma forma de salientar as diferenças culturais.
Esta redescoberta das diferenças e a atualidade da questão da federação numa época
em que o país se encontra bastante integrado do ponto de vista político, econômico e
52
cultural sugere que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional
(OLIVEN,1992, p. 43).
Ou seja, mesmo com essa compreensão da importância do reconhecimento das
identidades regionais para um entendimento do nacional, Pierre Bourdieu (1989) afirma que:
se a região não existisse como espaço estigmatizado, como província definida pela
distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao centro, quer dizer,
pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria que
reivindicar a existência (BOURDIEU, 1989, p. 126).
Na literatura, a identidade regional reivindica espaços plurais para suas formas de
manifestações artísticas e culturais, no entanto, como também observa Pierre Bourdieu
(1989), “tanto o discurso regionalista (voltado para constituir a identidade de uma região)
quanto o discurso científico (voltado para descrever relações regionais) são performativos,
isto é, constroem a realidade que eles designam” (BORDIEU, 1989, p.3). Estes discursos
podem ser encontrados na literatura. Ariano Suassuna cria o Movimento Armorial, assumindo
a construção das identidades da região nordestina como sua tarefa junto a outros autores
ligados à cultura popular. Por isso, em muitas notas iniciais de seus livros o autor reflete sobre
suas verdades ali escritas, sobre sua perspectiva de mundo a partir do seu lugar de fala.
Ao falar sobre O santo e a porca, Ariano nos leva a refletir sobre a sua
intencionalidade ao escrever esse texto:
O que eu procuro atingir, portanto, é, se não a verdade do mundo, a verdade de meu
mundo, afinal inapreensível em sua totalidade, mas mesmo assim, ou por isso
mesmo, tentador e belo, com seu sol luminoso e selvagem, tão selvagem que não
podemos vê-lo. Procuro me aproximar dele com as histórias, os mitos, os
personagens, as cabras, as pedras, o planalto seco e frio de minha região parda,
pedregosa e empoeirada. Esta visão ardente — grosseira e harmoniosa, ao mesmo
tempo — é o cerne para onde se dirige meu trabalho de escritor. Admito, a exemplo
do que acontece com o público e com a arte popular de minha região — o
mamulengo, o romanceiro —, a mentira geral do teatro para que isso me possibilite
comunicar aos outros, na medida de minhas forças, a substância deste mundo.
(SUASSUNA, 2012. p. 16)
Em sua fala, podemos observar a racionalidade e o engajamento social que o autor
possui ao se propor escrever sobre o sertão. A consciência de que a sua escrita é também uma
leitura do nordeste e que se constrói à medida que aborda as contradições, os sentidos opostos
que encontramos, como a religião e a avareza. É, portanto, a partir das suas vivências que a
dramaturgia Suassuniana se constitui e, por isso, as personagens representadas em suas obras
dialogam com a sua percepção histórica e social do seu contexto de produção, assim como das
suas próprias ideologias.
53
O cenário descrito nas rubricas da obra retrata o sertão Paraibano, um vilarejo não
muito distante da cidade, mas também não muito moderno, pelas curtas descrições de objetos,
decorações, móveis, utensílios podemos compreender que a casa de Eurico, lugar onde ocorre
a maioria das cenas, não possui luxos, mas apenas o básico para sobrevivência. Por outro
lado, consegue se imaginar fisicamente em um lugar grande, uma casa de alpendres
tipicamente sertaneja.
O cenário se constrói à medida que são revelados os costumes da família e de cada
um de seus integrantes, sendo que estes são carregados de estereótipos. Assim, existem o
velho avarento, a tia solteirona, a filha prendada, o viúvo que deseja casar novamente, o
jovem apaixonado pela mocinha e a empregada esperta.
Por ter poucos elementos descritivos do ambiente físico, revelando apenas que a
história ocorre no interior do Nordeste, mais especificamente na casa de uma família
composta por um velho, sua irmã, sua filha e alguns trabalhadores, um outro elemento que se
destaca é a linguagem, responsável pelos principais jogos cênicos que ocorrem na comédia. A
peça faz muito uso do elemento cômico quiproquó que, segundo a pesquisadora Krishna
Monique de Andrade, “consiste em um diálogo entre as personagens em que enquanto as
mesmas pensam estar falando de um assunto, estão, na verdade, tratando de assuntos
divergentes, surgindo, assim, uma confusão, um engano.” (ANDRADE, 2011, p.12). Como
podemos observar no diálogo abaixo, enquanto Euricão fala da porca, Dodó se refere à
Margarida:
EURICÃO: - Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia?
[...]
DODÓ – A culpa foi das circunstâncias. E eu não já vim pedir desculpas?
EURICÃO – Não gosto desses criminosos que prejudicam os outros e depois vêm
pedir desculpas! Você sabia que ela não era sua, não devia ter tocado nela!
EURICÃO – Coisa tola o quê? Você veio me confessar? E depois, de repente,
começa a se desdizer, dizendo que não tocou nela! Como é, tocou ou não tocou?
DODÓ – Bem, tocar, toquei, mas não foi nada que pudesse ofendê-la. Mas já que o
senhor considera essa tolice um crime, porque não aceita os fatos e não me dá de vez
esse tesouro?
EURICÃO – Como é, assassino? Você quer ficar com meu tesouro? Contra minha
vontade?
DODÓ – Eu não estou lhe pedindo? A coisa que mais desejo no mundo é ficar com
ela.
EURICÃO – Você? Ficar com ela?
DODÓ – Sim.
EURICÃO – Ah, não, você tem que devolver!
DODÓ – Devolver? Eu não já disse que não tirei nada? Devolver o quê?
(p. 188-190)
Outro elemento da linguagem muito utilizado é a ironia que promove as situações
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cômicas na peça, ela gera o riso e contribui para o entendimento da história, segundo Esteves
(1997):
Se é difícil, num sentido lato, destrinçar ironia de humor é porque nela está presente
o conflito entre seriedade e humorismo, conflito que a própria ironia alimenta e
atiça, num aumentar de equivocidades para melhor exprimir a sugestão de um piscar
de olhos ao auditório, na cumplicidade comunicante de quem ironicamente se
compreende a si próprio na relação com os outros. E neste jogo, a ironia é a
descoberta da teatralidade da linguagem, não só como um cenário do possível, mas
como happening de múltiplas e inesperadas contingências, já que toda a linguagem é
uma abertura ao inesperado, que irrompe como uma ironia. (ESTEVES, 1997).
A peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna foi escrita em 1957 e encenada pela
primeira vez em 1958, no Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro, sob a direção de Ziembinski.
Suassuna afirma que sua obra não busca explicar os conflitos humanos de forma única ou
universal, ele aponta que ela se centra na discussão e conflitos de um Nordeste que pertence a
sua própria experiência.
As cenas da peça se desenvolvem na casa de Euricão, um velho avarento que
possui um conflito entre a sua crença religiosa e a sua ganância por riquezas. Esta personagem
guarda uma porca de madeira na qual depositou dinheiro desde a sua adolescência,
guardando-a e protegendo-a com todo empenho e dedicação, transformando-a em um objeto
de extremo valor pessoal. Além disso, podemos perceber o conflito existente entre a fé e a
avareza como pecado capital, o homem também é devoto de Santo Antonio e apela por ele
sempre que necessita de sua ajuda, afinal, por ser muito desconfiado de tudo e de todos, está
sempre alerta para proteger a sua porca, demonstrando que a fé e a ganância caminham lado a
lado, uma sempre em defesa da outra.
Apesar de Eurico ser apresentado como a personagem principal da peça, seu
percurso cênico demonstra que o enredo não se desenrola a partir das suas ações, mas da sua
relação com as três personagens femininas que compõem os diálogos: Margarida, Benona e
Caroba.
O autor pode expor as personagens de várias maneiras, no caso da peça teatral,
essa apresentação não se faz simplesmente através de uma voz externa à cena, ela é
progressiva e vai acontecendo ao longo dos diálogos; ela também se constitui por meio das
rubricas e da intertextualidade com outros gêneros literários.
No texto de Ariano Suassuna, como já foi citado, podemos perceber que as
características se compõem por meio de histórias populares, cordéis que servem como base
para a sua escrita e os enredos que nos lembram grandes obras clássicas. No caso desta obra
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em questão, trata-se de uma reescrita de Alularia, de Plauto, como no próprio subtítulo da
obra diz “imitação nordestina de Plauto”. Apesar disso, o comprometimento do autor com o
debate sobre uma cultura eminentemente brasileira o faz transformar as ações das personagens
em grandiosas representações de identidades populares do Nordeste. Cada um deles possui
uma complexidade de elementos que remetem o leitor a uma cultura regional.
Os homens da comédia são distintos entre si, em personalidade, faixa etária e
história, no entanto, possuem semelhanças que os unem de alguma forma. Eurico Árabe, o
velho avarento que, depois que sua esposa o deixou, passou a demonstrar uma enorme
devoção a Santo Antônio, ao mesmo tempo em que começou a guardar dinheiro em uma
porca de madeira. A devoção a Santo Antônio no Nordeste é vivenciada de forma intensa, ele
é conhecido como “Santo casamenteiro”, as mulheres, em geral, faziam muitas promessas
para ele, pedindo um bom casamento, provavelmente, por isso, a personagem aumentou sua
devoção pelo santo quando sua esposa foi embora.
Um senhor de meia idade demonstra sua avareza em não comprar bons alimentos
para casa, provocando inclusive a ausência da janta sempre, representando o clássico
personagem “pão duro”, como fica claro neste diálogo:
DODÓ – Chegaram uns homens aí fora.
PINHÃO – São dois empregados do hotel, certamente vêm com a porca. Arranjei
uma porca assada para nós.
DODÓ – Então, pelo menos, hoje se tira a barriga da miséria! Estou aqui há dois
meses, é a segunda vez que vou comer de noite. Vá receber a porca. (p. 107)
Além disso, por sua crença e construção histórica, traz em si critérios morais de
comportamentos baseados no catolicismo, no recato, no pudor e no controle em detrimento de
uma possível liberdade. Morando com sua irmã e filha, Euricão Árabe transfere sua
infelicidade de estar só em atitudes carrascas, ações que buscam exercer controle, tudo em
nome da manutenção da ordem social familiar:
Eudoro: É Margarida, não tive tempo de ir ao hotel trocar de roupa, mas quero logo
pedir uma entrevista a você para conversarmos.
Euricão: Ah, não, entrevista é essa!
Eudoro: Mas Eurico...
Margarida: Não precisa nem o senhor falar, meu pai. Prefiro ir para um convento.
Euricão: Está vendo o que é recato, Eudoro? Aí, Margarida! Sustente o pudor,
Margarida, sustente o recato. Trate-se de Eudoro, é uma pessoa séria, de mais idade
e além do mais vai entrar na família. Mas recato é recato! Entrevista, sozinha, com
ninguém! (p. 77)
Eurico também possui um grande problema com seu nome, há muito tempo
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ganhou o apelido de Euricão Engole-Cobra e isso é motivo de risada por todos, Caroba
inclusive utiliza isso como estratégia para irritá-lo e deixá-lo impaciente. Como no trecho
abaixo:
CAROBA – ‘Vá procurar Euricão Engole-Cobra...’
EURICÃO – Engole- Cobra é a mãe! Não lhe dei licença de me chamar de Engole-
Cobra, não! Só de Euricão! (p 22)
Em oposição a Eurico, que após o abandono de sua esposa não vislumbrou outro
matrimônio, apenas a devoção a porca, Eudoro Vicente é um viúvo que decide pedir a mão de
Margarida em casamento simplesmente para não permanecer sozinho. O casamento como
uma fuga da solidão é a solução encontrada, no século XVIII e XIX, nos quais essa instituição
era a base da sociedade e, portanto, era concebida como uma convenção social. Para os
homens, casar significaria, em sua maioria, a manutenção de seu poder enquanto homem,
além de assegurar que teria sempre os cuidados de uma mulher, enquanto para a mulher era
ofertado o papel de cuidadora do lar, sem grandes expectativas de avanços profissionais.
Vejamos abaixo:
CAROBA: O senhor mandou dizer na carta que ia roubar o tesouro de Seu Euricão e
todo mundo está pensando que isso quer dizer “casar com Dona margarida”.
EUDORO: Pois estão pensando certo, Caroba. Desde que Dodó saiu de casa para
estudar, estou me sentindo muito só. Simpatizei com a filha de Euricão e resolvi
pedi-la, apesar da diferença de idade.
(p. 65)
Uma personagem que traz referências nordestinas das histórias de amores com
fugas e armações é Dodó, filho de Eudoro Vicente. Ele sai de casa afirmando que iria estudar,
mas, ao apaixonar-se por Margarida, larga os estudos e segue a vida escondido, trabalhando
na casa da família da amada. É importante destacar que ele obteve oportunidades de estudos,
porém o mesmo não foi dado à Margarida. Para isso, ele utiliza o tempo todo um disfarce que
o torna irreconhecível, no trecho abaixo, Caroba o descreve:
EURICO - Meu filho tem esse mesmo apelido de Dodó!
CAROBA - Mas seu filho é coxo?
EURICO - Você já morou em minha terra e sabe que não.
CAROBA – É corcunda?
EUDORO – Não.
CAROBA – Tem uma barbicha?
EUDORO – Não.
CAROBA – Veste sempre preto?
EUDORO - Não.
CAROBA – É amarrado?
EUDORO – Não.
CAROBA – Tem a boca torta?
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EUDORO - Não.
CAROBA – Então não é esse não, porque seu Dodó Boca-da-Noite tem tudo isso e
mais alguma coisa. [...]
(p.74)
Este disfarce pode ser um gancho, uma motivação para o trabalho com o corpo
nas oficinas de leitura da obra em sala de aula. Pela descrição exagerada, é possível que os
leitores imaginem uma imagem clara do corpo de Dodó. Um corpo que não deixa dúvidas aos
leitores sobre suas possibilidades reais de existência, de maneira cômica. Mesmo tendo
oportunidade de estudar, Dodó afirma se identificar com o campo e com a criação de animais,
sendo possível escolher caminhos:
EUDORO: Mas esse casamento assim, meu filho!
MARGARIDA: Esse casamento assim o quê? É igual ao do senhor com a tia
Benona!
EUDORO: Você precisa terminar seu estudo!
DODÓ: Meu pai, eu só gosto no mundo de criar boi. É a única coisa que me dá
gosto. Deixe eu me casar! Se eu não casar amanhã, todo mundo vai saber a história e
Margarida fica comprometida!
(p. 201)
Pinhão, empregado da família e namorado de Caroba, traz, assim como ela, uma
representação dos trabalhadores explorados no Sertão por fazendeiros, demonstrando as
péssimas condições de trabalho e a relação escrava que acaba se estabelecendo, perpetuando
uma ideia de que os empregados fazem parte da família, quando na verdade este princípio
serve apenas para legitimar as desigualdades existentes e a exploração como herança do
passado de escravidão. No entanto, seu espírito astuto e vontade de superar as dificuldades
para enfim casar com Caroba, o faz agir com artimanhas para conseguir pegar a porca do
patrão que contém o dinheiro. Porém, ele, assim como os outros homens da comédia,
demonstra claramente em suas falas as marcas de um sistema patriarcal que compreende as
mulheres (namoradas, irmãs e filhas) como suas propriedades. Por vezes, tenta impedir
Caroba de agir, utilizando chantagem emocional. Analisando este casal em sala de aula, os
estudantes facilmente encontrarão semelhanças com algum relacionamento que conhecem ou
vivem, pode ser uma motivação para o debate sobre relacionamentos abusivos e relações de
poder.
Dividindo as personagens entre homens e mulheres, podemos tornar claras as
relações de gênero que acontecem na obra, porque é a partir delas que o drama vai se
constituindo. Na peça, as mulheres têm papel fundamental, são as suas ações que estabelecem
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os conflitos e as soluções a todo o momento, tornando Euricão muitas vezes uma personagem
secundária.
É sob as relações de poder que se estabeleceram na sociedade patriarcal que se
constrói Margarida, a filha de Euricão. A imagem da filha obediente às vontades do pai
objetiva manter a ordem tradicional e conservadora da família, na qual o patriarca comanda os
destinos das mulheres da casa, mantendo-as supostamente seguras dos perigos da sociedade,
principalmente porque este já não conseguiu evitar a partida da esposa.
Margarida vive de amores por Dodó Vicente, filho de Eudoro, que fugiu de casa
para ficar perto da moça. A primeira aparição da personagem se dá quando ela entra em casa e
encontra o pai mergulhado numa agonia porque recebeu uma carta e acredita que irão lhe
pedir dinheiro. Nesse primeiro momento, ela aparece com Dodó e durante todas as cenas
seguintes isso também ocorre, o leitor não encontra possibilidade de visualizá-la sozinha; sua
identidade aparece ligada às duas figuras masculinas pelas quais sua vida se constrói e, em
nenhum momento, encontramos algo relacionado a sua profissão ou algo relacionado a sua
educação formal; à personagem não é dada outras características além do seu amor por Dodó
e de sua vontade de revelá-lo ao pai para finalmente casar com o amado, ela, enquanto
adolescente sertaneja, parece não ter muitas oportunidades, seja de trabalhos ou de estudos,
sendo quase anulada de tomar decisões sobre seu próprio futuro. Segundo Telles:
Excluída de uma efetiva participação na sociedade, da possibilidade de ocuparem
cargos públicos, de assegurarem dignamente a sua própria sobrevivência e até
mesmo impedidas do acesso à educação superior, as mulheres no século XIX
ficavam trancadas, fechadas dentro de casas ou sobrados, mocambos e senzalas,
construídos por pais, maridos, senhores. Além disso, estavam enredadas e constritas
pelos enredos da arte e ficção masculina. Tanto na vida quanto na arte, a mulher no
século passado aprendia a ser tola, a se adequar a um retrato do qual não era a
autora. As representações literárias não são neutras, são encarnações “textuais” da
cultura que as gera. (TELLES, 2004, p. 408).
O pai, o velho avarento Euricão, a descreve como sendo o seu maior tesouro:
“minha filha é um patrimônio que possuo. Hei de casá-la com um homem rico e ela há de
amparar a velhice do paizinho dela” (SUASSUNA, 2012. p.25). Essa situação desconstrói a
ideia de que uma relação familiar opressora se refere apenas àquelas nas quais ocorre
violência física. Aqui, a opressão se dá de forma naturalizada, não é colocada pelo autor como
algo inaceitável ou incorreto, ele apenas expõe o conflito e permite aos leitores estabelecer
interpretações quanto à postura do pai e da filha.
Ariano Suassuna expõe uma realidade e, apesar de a obra ter um caráter moralista
no final, isso ocorre apenas relacionado ao tema central, a avareza, os outros temas presentes
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na obra ficam em aberto, o autor não limita o horizonte de possibilidades dos leitores e
apresenta um universo de questões que podem ser discutidas a partir da leitura da obra.
A postura dominadora e opressora do pai para com o destino da filha representa a
relação abusiva que a instituição família tem construído com as mulheres, ou seja, quem
decide o futuro das filhas é o pai, é o homem que domina e tem o direito sobre a vida das
mesmas. Ao falar da vida, podemos compreender um domínio sobre as escolhas, sobre o
corpo e principalmente sobre seus desejos, tudo isso relacionado também à crença religiosa do
pai, fazendo-nos retomar o que nos diz Bordieu:
É, sem dúvida, a família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e
da visão masculina; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão
sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e
inscrita na linguagem. Quanto à Igreja, marcada pelo antifeminismo profundo de um
clero pronto a condenar todas as faltas femininas à decência, sobretudo em matéria
de trajes, e a reproduzir, do alto de sua sabedoria, uma visão pessimista das mulheres
e da feminilidade, ela inculca (ou inculcava) explicitamente uma moral familiarista,
completamente dominada pelos valores patriarcais e principalmente pelo dogma da
inata inferioridade das mulheres. (BOURDIEU, 2011, p. 103).
Neste caso, a figura opressora do pai corrobora com os estudos desenvolvidos
sobre esta figura ao longo das épocas, como nos relata Martha Giudice Narvaz:
O pensamento patriarcal tradicional envolve as preposições que tomam o poder do
pai de família como origem e modelo de todas as relações de poder e autoridade, o
que parece ter vigido nas épocas da Idade Média e da modernidade até o século
XVII. O discurso ideológico e político que anuncia o declínio do patriarcado, ao
final do século XVII, baseia-se na ideia de que não há mais os direitos de um pai
sobre as mulheres na sociedade civil. Entretanto, enfatiza Pateman (1993), uma vez
que mantido o direito natural conjugal dos homens sobre as mulheres, como se cada
homem tivesse o direito natural de poder sobre a esposa, há um patriarcado
moderno. (NARVAZ, 2005, p. 32)
Margarida, na história, não tem uma vida social ativa no sentido de estabelecer
contato com amigas ou conhecidas, muito menos de frequentar lugares, nem mesmo
relacionados a sua própria educação. Essa ausência de descrição de outras ações suas e de
outras relações nos leva a refletir sobre o aprisionamento das jovens numa determinada
conduta pregada principalmente por igrejas e adotadas pelas famílias: as jovens preparadas
para o casamento deveriam se manter distantes de quaisquer lugares que oferecessem algum
tipo de perigo a sua conduta e a sua moral. No sertão nordestino, a liberdade feminina, no
século XX e, em grande parte, no século XXI, era vista como perigosa para a imagem do
cabra macho que se constitui como o homem valente, astuto, forte e que detém o poder sobre
o sertão, incluindo as mulheres.
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Por outro lado, essas relações de dominação não ficam estagnadas apenas na
família, estas também podem ser percebidas nas relações amorosas. A personagem Margarida
é apaixonada por Dodó, ele, na sua condição masculina privilegiada, possui uma liberdade
explicitada no fato de ter saído de casa para concretizar seu amor, enquanto ela permanece em
casa por não ter a coragem de partir em busca de viver sua paixão. O amado se apresenta
como esperto e astuto, pois finge ser outra pessoa para não ser reconhecido pelo pai de
Margarida e continuar o namoro.
Em sua relação amorosa, Dodó corrobora com estereótipos de homens que
acreditam serem superiores as suas companhieras, ele tenta exercer domínio sobre Margarida
através do seu discurso machista apoiado pelas situações em que demonstra extremo ciúmes:
MARGARIDA: Você é quem parece de repente cheio de dureza para com ele! Você
já não sabia como ele era? Por que, então, esses modos, de repente? Parece é que
você quer me deixar de lado e está procurando um pretexto!
DODÓ: E você? Parece estar ansiosa por essa entrevista! Pois vá! Vá, siga os
conselhos de Caroba e, quando estiver de volta, jogue fora a aliança que lhe dei. Não
quero casar com uma moça que marca entrevista com outro! (Sai. Margarida Chora.)
CAROBA: Não chore não, Dona Margarida. Quando Seu Dodó chegar à conclusão
de que tudo está bem, acaba com essa besteira.
MARGARIDA: Eu sei lá, eu sei lá, Caroba! Que complicação, meu Deus! E essa
trabalhada de entrevista... não vou, Caroba, não vou de jeito nenhum. Afinal de
contas, quem marcou a entrevista?
CAROBA: Eu!
MARGARIDA: Pois vá você, está ouvindo? Você foi quem marcou, você é quem
vai.
A relação de poder estabelecida aqui corrobora o que Simone de Beauvoir nos diz
em O segundo sexo (2014). Segundo a autora, a história nos mostra que, desde o início do
patriarcado, os poderes estão com os homens, enquanto à mulher é imposto o estado de
dependência, exatamente o que acontece com a personagem, passando dos domínios do pai
para os do esposo como algo natural, afinal, no fim da trama tudo se resolve com a realização
do casamento.
Além de Margarida, percebemos em Benona outras formas de opressão também
relacionadas ao gênero. Na mesma perspectiva tradicional da mulher nordestina do século
XX, podemos encontrar Benona como a tia da família que não casou e que segue acreditando
que ainda é possível, e até preciso, casar.
Essa imagem da mulher corrobora também com a ideia de que o casamento é algo
indispensável na vida das mulheres e que, portanto, todas sonhariam com esse momento. Por
não ter casado, Benona torna-se também um peso para o irmão, como ele esclarece no diálogo
com ela, dizendo que “Esperava que Eudoro, com todo aquele dinheiro, se tornasse meu
61
cunhado. Era uma boca a menos e um patrimônio a mais”.
Conforme Bourdieu, a mulher, em nossa sociedade, é submetida diariamente à
violência simbólica:
Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e
vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo
que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas
próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da
comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do descobrimento, do
reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. (BOURDIEU, 2011, p. 7-8).
A violência simbólica se constitui principalmente no discurso que deprime,
humilha e as coloca como ser inferior ao homem. A submissão e as relações opressoras
ganhavam forças, uma vez que não havia formação profissional para as mulheres, muito
menos oportunidades de trabalho para que pudessem ser autônomas e gerir suas próprias
vidas. Por falta de possibilidades de emancipação, as mulheres eram sujeitas a viver situações
familiares de submissão e opressão para manter a sua sobrevivência e a dos filhos ou
buscavam estratégias de fuga, como o casamento.
Na obra O santo e a porca (2018), Caroba exerce a função de serviçal da família e
ganha grande destaque porque se mostra inteligente, compreende a situação desde o início e
arma para que os acontecimentos se desenrolem da melhor forma possível e a favor dela e de
seus interesses.
A relevância dessa personagem se dá já no primeiro ato do texto dramático,
quando noticia a Eurico a chegada de uma carta de Eudoro endereçada ao patrão. Ainda nesse
ato, ela se mostra engenhosa e cheia de artimanhas para enganar o patrão avarento, Eudoro, e
sua irmã Benona. No entanto, podemos observar que os discursos de opressão direcionados à
personagem em questão estão relacionados especificamente a sua classe social e ao seu
gênero. “EURICÃO — E que idéia foi essa de que eu tenho dinheiro? Você andou espalhando
isso! Foi você, Caroba miserável, você que não tem compaixão de um pobre como eu! Foi
você, só pode ter sido você!” (SUASSUNA, 2017, p. 22). A palavra miserável constitui a
declaração da inferioridade pela qual Caroba é percebida pelo patrão, o tratamento dado a ela
é sempre de desconfiança e descrença.
Uma importante característica da obra de Ariano Suassuna é desafiar os limites
entre o popular e o erudito, pela linguagem e, neste caso, principalmente pela temática. O
texto em questão possui o mesmo tema central de Alularia, de Plauto, um clássico que
compõe a literatura mundial, mas com todos os elementos da cultura nordestina. Suassuna
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propõe mais que uma simples adaptação, ele demonstra que os conflitos humanos ocorrem de
diferentes formas, em lugares distintos, mas com elementos que são únicos a cada local,
próprios de sua construção cultural.
O humor constitui um elemento muito importante no texto, através dele as
personagens articulam as estratégias para enganar o outro e se sair sempre bem das situações.
Paralelamente, as relações familiares e amorosas demonstram as amarras do sistema patriarcal
que no sertão ganha força com a “Cultura do cabra macho” que exige o comportamento
agressivo dos homens e, muitas vezes, força as mulheres a viverem subordinadas às relações
abusivas
A condição do popular é ressignificada, tirando-a do lugar de subalterno
geralmente colocada pela seca ou pela posição social que a personagem ocupa na narrativa.
As mulheres foram limitadas a ocuparem determinadas posições sociais, mas essa mesma
limitação proporcionou a criação de estratégias, como nos diz Margareth Rago:
A história da ciência também é caracterizada pela exclusão da mulher “tendo sido
alijadas do poder, da política e dos centros de decisão, por séculos aprenderam a
desenvolver estratégias de ação (...) e foram formadas em contextos sociais e
culturais diferenciados dos masculinos, sofreram outras exigências morais e
corporais” (RAGO, 2004)
No caso da personagem Caroba, ela ultrapassa os limites construídos socialmente
pelo patriarcado no que tange à relação patrão/empregada, no sentido de manter, entre o
opressor e o oprimido, o sentimento de intimidação. O patrão desconfia de Caroba e faz uso
de falas agressivas, insinuando que ela o roubara, e ela se defende com as armas que possui:
EURICÃO — Que conversa é essa? Você andou remexendo no que é meu?
CAROBA — Que interesse eu tinha em remexer nessa troçaria? Só se fosse para
ficar com asma, nesse mofo.
EURICÃO — Deixe ver os bolsos.
CAROBA — Veja.
EURICÃO — Sacuda o vestido. (SUASSUNA, 2012. p.31)
As falas dele revelam uma extrema desconfiança contra ela, por ser mulher e estar
na condição de empregada, no entanto ela dribla as desconfianças mostrando-se mais esperta
que o patrão. Nas palavras de Spivak sobre o sujeito subalterno, “o mais claro exemplo de tal
violência epistêmica é o projeto remotamente orquestrado, vasto e heterogêneo de se construir
o sujeito colonial como o Outro” (SPIVAK, 2014, p. 60).
A estratégia de empoderamento aqui se dá através da ironia, do enfrentamento
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direto e da esperteza, mesmo que de forma ainda sutil, ainda segundo Spivak “o subalterno,
neste caso em especial, a mulher como subalterna, não pode falar e quando tenta fazê-lo não
encontra os meios para se fazer ouvir” (SPIVAK, 2010, p. 15). Ou seja, mesmo encontrando
estratégias, a voz de Caroba acaba sempre sofrendo tentativas de silenciamento.
Nesse mesmo ato, no momento de negociar o preço de sua ajuda para que o patrão
se livre de um possível golpe, Caroba também utiliza sua esperteza, negociando e
esclarecendo a sua importância para a situação, colocando o patrão numa condição inferior,
fazendo-nos perceber a importância dessa personagem para toda história, fato que enfatiza
uma posição de resistência desta em relação a sua condição de subalterna. A personagem em
questão assume uma posição superior ao patrão, pois este se vê necessitado da ajuda da
empregada, como podemos observar no seguinte diálogo:
EURICÃO — Ai, é mesmo! E se ele não emprestar, Caroba?
CAROBA — Ah, ele empresta! Vou dar um jeito nisso. O senhor me dá uma
comissão?
EURICÃO — Se você arranjar os vinte contos? Dou.
CAROBA — Quanto?
EURICÃO — Eu lhe dou metade daquele jerimum que o cego me deu ontem.
CAROBA — É pouco! Eu quero é dinheiro, Seu Euricão!
EURICÃO — Ai, ai! Ainda não tenho os vinte contos e já querem me roubar! Não
dou, não dou de jeito nenhum.
CAROBA — Então, estou fora do negócio.
EURICÃO — Não! Preciso de você, Caroba, não me abandone!
CAROBA — Então me dê minha comissão. (SUASSUNA, 2012.p.35)
Noutro momento, Caroba desafia o próprio noivo, pois não concorda com o fato
de que ele tente impedi-la de realizar seus planos. Na comédia, para que o plano da
personagem dê certo e ela receba a comissão que conseguiu negociar com o patrão, é preciso
ir a um encontro às escondidas com Eudoro, disfarçada de Margarida, estratégia com a qual o
noivo de Caroba não concorda. Vejamos o diálogo abaixo:
PINHÃO — Que história é essa, Caroba? É a entrevista que o patrão marcou com
Dona Margarida?
CAROBA — É, eu vou no lugar dela!
PINHÃO — Eu não quero você com o patrão aqui, de jeito nenhum! Aquilo é um
viúvo sonso dos seiscentos diabos!
CAROBA — Espere lá, Pinhão, você não entendeu nada!
PINHÃO — Não entendi, nem quero entender, está ouvindo? Você foi ao hotel falar
com ele?
CAROBA — Fui, e então? Precisava esclarecer certas coisas e fui!
PINHÃO — E por que não me disse que ia?
CAROBA — Ainda mais essa!
PINHÃO — Você foi para falar sobre a entrevista?
CAROBA — Fui!
PINHÃO — E vai a essa entrevista com ele, de noite?
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CAROBA — Vou!
PINHÃO — Vai como?
CAROBA — Vou do jeito que entender!
PINHÃO — Pois quero lhe dizer logo que é essa entrevista ou eu, está ouvindo?
Trate de escolher!
CAROBA — Já escolhi!
PINHÃO — Quem ganhou?
CAROBA — A entrevista! Você quer mandar em mim, é, Pinhão? Que
desconfiança é essa, se nunca lhe dei motivo? Vou e é quer você queria, quer não!
PINHÃO — Pois adeus, Caroba. Quem gosta de dormente é o trem. (Sai. Caroba
chora, mas logo enxuga as lágrimas.) (SUASSUNA, 2012. p.60)
Caroba não permite que Pinhão (seu noivo) exerça o papel de dominador da sua
vida, de suas escolhas, ela não cala diante das tentativas de silenciamento e o enfrenta
veemente:
CAROBA — Você quer saber do que mais, Pinhão? Vá se danar! Eu comecei a lhe
dar muito valor, você ficou convencido demais. Dê o fora! Eu também ia lhe
explicar tudo sobre a entrevista, mas se você vem com essa desconfiança de minuto
em minuto, pode se danar! (SUASSUNA, 2012. p.83)
Mesmo após várias brigas, ela ainda pretende perdoá-lo quando tudo se resolver,
no entanto, no meio de toda a confusão, ao fingir ser Benona, ela o encontra por acaso e ele se
insinua para ela pensando ser a outra. Caroba utiliza o ocorrido para dar duas surras em
Pinhão, uma como ela mesma e outra como Benona. Mesmo perdoando-o, ela se impõe e
encena para que ele não perceba que na verdade era ela mesma. Mais uma vez, se coloca
como independente e consciente de seus desejos e de sua liberdade, principalmente, a de ser
mulher, utilizando tais estratégias para possibilitar melhorias de vida.
Vale destacar também que Caroba reúne em si as pequenas resistências das
mulheres de sua época, apesar de estar bem à frente de seu tempo. Ela joga com as
personagens de acordo com suas principais características psicológicas, seus sentimentos e
comportamentos, em benefício próprio, mas faz isso sem prejudicar ninguém, apenas
seguindo um caminho que ela acredita ser o mais eficiente. Do patrão, utiliza a avareza, de
Eudoro, sua paixão por Margarida, de Benona, seus antigos sentimentos por Eudoro e, de
Margarida, seu amor por Dodó. A confusão é tão bem pensada e executada que lembra o
poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. O fato é que Caroba convence a todos
que ela sabe o que fazer para ajudar cada um e realmente sabe.
Assim, podemos compreender que o jogo cênico de identidades dialoga com o que
o estudioso Stuart Hall reflete no livro A Identidade cultural na pós-modernidade (2006):
65
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as
identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa
conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando
em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades
culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL, 2006, p. 12)
Ariano Suassuna “funde duas tendências que se desenvolvem quase sempre
isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da sua matéria-prima.
Alia o espontâneo ao elaborado, o popular ao erudito, a linguagem comum ao estilo terso, o
regional ao universal”. Pesquisar sua obra é mergulhar no imaginário popular do sertão
nordestino e desvendar as nuances que geram os desdobramentos inesperados nas histórias.
Assim, a corporeidade do nordeste pode ser compreendida como uma complexa relação entre
as experiências, as vivências do autor constroem as histórias à medida que estas dialogam
diretamente com as experiências dos leitores, construindo sentidos para o texto.
A peça em questão possui análises e pesquisas a respeito de sua construção, como
a monografia de Andrade (2011) que discute as marcas da cultura popular no teatro Vicentino
e a pesquisa de Rodrigues (2008) sobre o dialogismo com Plauto presente na obra. Por isso,
propomos uma leitura a partir das relações encontradas entre as personagens. No próximo
capítulo, propomos um trabalho de leitura da peça ligado ao corpo, buscando aproximações
entre corpo, identidade e a formação de leitores no contexto do ensino médio.
Em O Santo e a Porca, a relação de elementos estéticos e estilísticos se une a um
enredo rápido, através do qual a composição das personagens se faz à medida que aumenta a
complexidade dos conflitos. O autor utiliza o riso para provocar a discussão sobre algo
ríspido, como a avareza. Na sala de aula, os estudantes poderão identificar-se com várias
personagens e rir durante a leitura. As junções de outras temáticas em torno da avareza, como
o amor, relacionamentos, relações de gênero, família, ciúmes, romance, religiosidade, entre
outros, é favorável à realização de boas experiências de leituras, capazes de extrapolar os
limites de uma aula tradicional e promover o diálogo com outros elementos, como o corpo.
66
4 O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR: EM CENA NA SALA DE AULA
4.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
A leitura literária possibilita reflexões sobre a realidade na qual os leitores estão
inseridos e esse, é um dos fatores mais relevantes pelo qual ela deve estar presente no
ambiente escolar. Ela também é a porta de entrada para novas metodologias e inovações
pedagógicas, para isso, torna-se fundamental que as escolas aproximem as relações com os
pesquisadores e com as Universidades, pois essa relação poderá gerar grandes mudanças no
ensino.
Para elaborar propostas e aplicá-las em sala de aula, deve-se considerar o contexto
escolar da instituição e o perfil das educandas e educandos, ou seja, os sujeitos envolvidos
diretamente na pesquisa. Cada instituição de ensino possui suas particularidades e são estas
que orientam o que pode ou não funcionar de inovação na sala de aula.
No presente capítulo, conheceremos um pouco dos contextos social, político e
cultural que fomentaram o surgimento da Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos Santos,
na qual foram aplicadas as oficinas de leitura com o texto teatral O santo e a Porca, de Ariano
Suassuna. A referida escola foi selecionada pela novidade e relevância de seu projeto
pedagógico para o município de Ocara. Além disso, o fato de trabalharmos na escola durante
o período de realização da presente pesquisa facilitou a realização das oficinas. Vale ressaltar
que atualmente não mais integramos o corpo docente da instituição.
Nas veredas da sala de aula, encontramos marcas de luta e oportunidades de
construir novas maneiras de caminhar com a leitura na escola. No Nordeste, veredas são
pequenos e estreitos caminhos construídos para facilitar o acesso as outras comunidades, por
isso, a sala de aula de uma escola do campo pode tornar-se uma vereda capaz de nos fazer
acessar lugares e novas experiências.
A educação brasileira foi construída a partir da colonização. Os primeiros espaços
de educação formal eram destinados apenas aos homens da burguesia. Com o passar do tempo
e com o desenvolvimento industrial, surgiu a necessidade de ofertar aos operários e seus
filhos o mínimo de instrução escolar para colaborar com o seu trabalho, ou seja, a educação
estava aliada à manutenção de mão de obra para classe burguesa.
Quando a classe trabalhadora teve acesso à educação, não a obteve de forma
completa e efetiva, surgindo também à separação entre a educação para a elite e a educação
para a classe trabalhadora, assim:
67
(...) a separação entre a educação das elites e a das classes populares não só perdurou
como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulgadas a partir
de 1942. De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e normal seria
“formar as elites condutoras do país” e o do ensino profissional seria oferecer
“formação adequada aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos
afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”.
(SECAD, 2007, p. 11)
A Educação do Campo, enquanto política pública que busca suprimir as
dificuldades do povo camponês, não surgiu recentemente, os movimentos sociais que atuam
no campo, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), concebem a
valorização da educação como um meio para a superação das desigualdades sociais e,
portanto, a luta pela terra compreende a construção de novas formas de educar para o povo e
pelo povo.
O MST é um movimento social atuante em todo o Brasil e surge a partir do
problema agrário no país, assim, o movimento luta pela reforma agrária, mas não apenas por
isso. Buscando a conquista de terras para as famílias camponesas, o MST surgiu efetivamente
em 1984, no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, realizado em
Cascavel, no estado do Paraná. No Ceará, suas atividades estão presentes em todas as regiões,
atuantes principalmente em acampamentos e assentamentos.
O Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país.
No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e
da organização dos trabalhadores rurais. Mesmo depois de assentadas, estas famílias
permanecem organizadas no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro
passo para a realização da Reforma Agrária. (MST, 2014)
Tornando-se cada vez maior e com grande atuação nos estados, o movimento foi
cada vez mais aperfeiçoando sua relação com a educação, passando a compreendê-la como
fundamental para a luta de classes e assumindo um compromisso maior na luta por uma
escola que atendesse às necessidades do povo camponês. Importante ressaltar que são
inúmeros os ambientes de aprendizagem dentro do movimento. Para Arlete Ramos Santos
(2003, p.104), “No caso do MST, os espaços de aprendizagem envolvem todos os
trabalhadores por meio de seus setores que são os sujeitos educativos no interior desse
Movimento numa perspectiva de coletividade”. Depreende-se que a escola não é o único
espaço educativo, a luta, as reuniões, os encontros formativos, os debates, o trabalho, enfim, a
luta, no seu sentido mais amplo, constituiu uma forma de educação na qual a troca de
conhecimento constrói novos saberes.
68
Para a pesquisadora Santos (2013), “O MST, sendo um movimento social
popular, se torna educador como um sujeito pedagógico que busca uma identidade coletiva
forjada intencionalmente por meio da participação dos trabalhadores na luta de classes.”
(SANTOS, 2013, p. 105). Por isso, ao longo dos anos, sua função educadora foi sendo
desenvolvida, criando grandes estruturas de sustentação, pesquisa e articulação, como o setor
de educação. De acordo com a grande pesquisadora do movimento Roseli Caldart
A partir de 1987-88, o setor de educação foi sendo criado nos estados,
acompanhando a territorialização do MST, e um coletivo nacional de educação
passou a integrar suas instâncias organizativas. Entre os objetivos desse primeiro
seminário de educação estava a socialização de experiências e discussões sobre
escola que aconteciam a partir das iniciativas das equipes de educação formadas nos
acampamentos e assentamentos dos estados em que o MST começava a se organizar.
Outro objetivo principal era o debate sobre como, a partir desse primeiro acúmulo,
dar início à sistematização do que foi chamado de “proposta de educação” e depois
“proposta pedagógica” do MST, hoje mais conhecida como Pedagogia do MST ou
Pedagogia do Movimento. (CALDART; BÔAS, 2017, p.262)
Ainda sobre o setor de educação, o qual tem papel fundamental na implementação
do projeto de escolas do campo, Roseli Caldart afirma que:
Ele tem como base, por meio da pedagogia emancipatória, ajudar na construção de
uma sociedade igualitária, entendendo a educação como um elemento fundamental
nos processos de transformação social, cujo objetivo é contribuir para a construção
de um novo homem e uma nova mulher, libertos de todas as formas de opressão e de
exploração (CALDART, 1997, p. 11).
Como nos relata a autora, ao longo do processo de pensar uma educação do
campo, os trabalhadores e trabalhadoras foram percebendo que não bastava ser inseridos na
educação já existente, uma vez que estes eram excluídos, seja pela distância das instituições,
seja pelo conteúdo que não incluía a relação com seu cotidiano, mas era preciso criar novas
formas de educar, afinal:
A LDB de 1996 reconhece, em seus arts. 3º, 23, 27 e 61, a diversidade sociocultural
e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes
operacionais para a educação rural sem, no entanto, romper com um projeto global
de educação para o país. A idéia de mera adaptação é substituída pela de adequação,
o que significa levar em conta, nas finalidades, nos conteúdos e na metodologia, os
processos próprios de aprendizado do estudante e o que é específico do campo.
(SECAD, 2007, p. 17)
Tornava-se preciso uma educação pensada para o povo e construída com ele, por
isso, o MST iniciou o projeto de construção de novas escolas, com suas estruturas físicas
construídas perto do povo, em assentamentos, e com uma proposta pedagógica que abrangesse
69
a identidade nordestina e camponesa. Diante das contradições e lutas do movimento foi
ficando evidente a relação necessária entre a luta pela terra e por uma educação de qualidade.
Para Caldart:
O processo da luta pela terra é que aos poucos foi mostrando que uma coisa tem a
ver com a outra. Especialmente quando começaram a se multiplicar os desafios dos
assentamentos, ficou mais fácil de perceber que a escola poderia ajudar nisso, desde
que ela fosse diferente daquela de triste lembrança para muitas famílias. Hoje já
parece mais claro que uma escola não move um assentamento, mas um assentamento
também não se move sem a escola, porque ele somente se move, no sentido de que
vai sendo construído como um lugar de novas relações sociais, de uma vida mais
digna, se todas as suas partes ou dimensões se moverem junto. E a escola, à medida
que se ocupa e ocupa grande parte do tempo de vida especialmente da infância Sem
Terra, se não se move junto, é de fato um freio no processo mais amplo. Sem ela não
se constrói uma das bases culturais decisivas às mudanças sociais pretendidas pelo
MST. (CALDART, 2003, p. 65)
Em Julho de 1998, houve a Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do
Campo, na qual se discute o contexto do campo e foram geradas três reflexões essenciais para
a compreensão da Educação do Campo. Roseli Caldart nos mostra que foram estas:
1. O campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e
movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que estão mudando o jeito da
sociedade olhar para o campo e seus sujeitos.
2. A Educação Básica do Campo está sendo produzida neste movimento, nesta
dinâmica social, que é também um movimento sociocultural de humanização das
pessoas que dele participam.
3. Existe uma nova prática de Escola que está sendo gestada neste movimento.
Nossa sensibilidade de educadores já nos permitiu perceber que existe algo diferente
e que pode ser uma alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educação, de
ser humano. Precisamos aprender a potencializar os elementos presentes nas
diversas experiências, e transformá-los em um movimento consciente de construção
das escolas do campo como escolas que ajudem neste processo mais amplo de
humanização, e de reafirmação dos povos do campo como sujeitos de seu próprio
destino, de sua própria história.
(CALDART, 2003, p.61)
Baseados nestes princípios, os movimentos sociais do campo foram articulando
cada vez mais ações na busca pelo direito à escola, uma vez que, até o século XX, as famílias
camponesas não tinham grande acesso a instituições escolares, e este problema não atingia
apenas as áreas de reforma agrária, mas toda a população do campo. Excluídos dos processos
formais de educação, as consequências eram devastadoras, tais como o não acesso à
informação ou a uma formação mínima; a ausência de oportunidades de trabalho; a
desvalorização da cultura; a perda da identidade camponesa; o êxodo rural. Este último era o
mais evidente, crianças e jovens tinham que sair de suas comunidades em busca de alguma
70
formação acadêmica, seja para estudar, seja para trabalhar. O dicionário de educação do
campo afirma que:
O movimento histórico de construção da concepção de escola do campo faz parte do
mesmo movimento de construção de um projeto de campo e de sociedade pelas
forças sociais da classe trabalhadora, mobilizadas no momento atual na disputa
contra-hegemônica (MOLINA; SÁ, 2012, p. 324-325).
Ao longo dos anos e das reflexões realizadas pelo MST, foi construído um
arcabouço teórico que orienta a proposta de Educação do Campo. Podemos destacar a
Pedagogia Socialista e a Educação Popular de Paulo Freire como principais teorias que
inspiram a proposta pedagógica das escolas do campo. Utilizando o método de educação
popular de Freire em mutirões de ensino em assentamentos e acampamentos, foi iniciado um
trabalho de base, posteriormente, estes métodos foram aperfeiçoados para as escolas do
campo, assim como a pedagogia por complexos1, adequadas à realidade de cada
assentamento.
A pedagogia socialista tem como principal teórico o professor ucraniano Anton
Makarenko (1888-1939), suas ideias e experiências tinham como principal objetivo a criação
de uma escola a partir da relação dos sujeitos com o trabalho, por isso, as experiências criadas
por ele contribuíram com a reforma educacional soviética após a Revolução de 1917. Assim,
serve como inspiração por sua relação direta com as trabalhadoras e trabalhadores. Para
Caldart (2017):
(...) compartilhamos da compreensão da pedagogia socialista como o conjunto de
esforços ‘de associação e de teorização de práticas educativas protagonizadas pelos
trabalhadores ao redor do mundo, e conduzidas (na teoria e na prática) desde seus
objetivos de classe para construção de novas relações sociais de caráter socialista’.
(CALDART; BÔAS, 2017, p. 263)
A escola pensada a partir da educação do campo abarcaria um caráter político de
valorização do trabalho na construção de sujeitos autônomos, proporcionando experiências
práticas com a agroecologia. Além disso, a escola atua na busca por experiências socialistas
1 Os complexos, formulação da didática socialista, visam operacionalizar a escola do trabalho. Na experiência
russa, eles são entendidos como “a complexidade concreta dos fenômenos, tomados da realidade e unificados ao
redor de um determinado tema ou idéia central” (NARKOMPROS, 1924, apud FREITAS, 2009, p. 36). A
definição do tema de estudo não ocorre apenas pela aproximação à realidade do educando, mas pela centralidade
social que a questão comporta. Na perspectiva materialista histórica dialética a realidade é complexa,
constituindo-se como totalidade. Local e geral se encontram em relações recíprocas e interdependentes.
(Dalmagro, 2016, p.4)
71
no sentido de procurar a construção de relações cada vez mais conscientes de uma
transformação social, por isso:
(...) entendemos a pedagogia do MST como um esforço particular de construção
histórica concreta da pedagogia socialista. O MST tem buscado vincular a educação
às lutas pela transformação social, desde a realidade atual do campo, produzindo
formulações pedagógicas em diálogo com as formulações teórico-metodológicas da
construção histórica da pedagogia socialista e seus fundamentos. (CALDART;
BÔAS, 2017, p. 263)
Assim como a Pedagogia Socialista, a Educação Popular caminha em oposição ao
ensino tradicional dissociado da realidade dos educandos e educandas. A Educação Popular
teve como principal idealizador o professor e grande pensador brasileiro Paulo Freire, suas
obras ganharam dimensões internacionais e outros pesquisadores debruçaram-se a estudar
seus métodos de ensino, transformando-os e aperfeiçoando-os a partir das realidades
especificas, como podemos encontrar nos estudos de Gadotti (2007):
A educação popular, como prática educacional e como teoria pedagógica, pode ser
encontrada em todos os continentes, manifestada em concepções e práticas muito
diferentes. Como concepção geral da educação, ela passou por diversos momentos
epistemológicos-educacionais e organizativos, desde a busca da conscientização, nos
anos 50 e 60, e a defesa de uma escola pública popular e comunitária, nos anos 70 e
80, até a escola cidadã, nos últimos anos, num mosaico de interpretações,
convergências e divergências. (GADOTTI, 2007, p.24)
Em 2002, foram aprovadas as diretrizes operacionais para a educação básica das
escolas do campo, as quais compreendem estas:
pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos
sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no país. (DIRETRIZES, Art. 2º, Parágrafo único)
Aos poucos, através da luta dos movimentos sociais, a educação do campo foi
adentrando às Leis que orientam a educação brasileira, ganhando espaço para ser discutida e
finalmente aplicada formalmente no sistema educacional brasileiro. O Artigo 28, das Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), diz que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida
rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias
apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II -
organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do
ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na
zona rural.
72
Existem quatro matrizes formadoras da educação do campo que orientam o
funcionamento das escolas de ensino médio: o trabalho, a cultura, a história e os movimentos
sociais. O trabalho, ligado à perspectiva socialista, compõe a escola à medida que transforma
os sujeitos envolvidos no processo. Compreende-se aqui como elemento de transformação
social, tornando os seres mais humanizados. A cultura como matriz orienta para a preservação
e cultivo das culturas existentes no campo, sem esquecer de notar e analisar as influências
externas que dialogam com os sujeitos do campo através das mídias. A história tem função
primordial na educação do campo, afinal, é através dela que a escola encontrará elementos
para a pesquisa, compreensão da realidade atual e caminhos para possíveis transformações,
afirmando também os movimentos sociais como agentes construtores de melhores condições
para a sociedade.
Nessa perspectiva de contribuir para a preservação e recriação da identidade do
povo camponês nordestino, a proposta das Escolas do Campo dialoga diretamente com o
Movimento Armorial idealizado por Ariano Suassuna que fora apresentado no capítulo
anterior. Ambos dialogam no sentido de construir uma cultura eminentemente popular, com
seus traços, especificidades e buscando sempre uma transformação social para a melhoria do
povo.
Desse modo, o perfil dos sujeitos da pesquisa, estudantes da turma do segundo
ano C da escola do campo Francisca Pinto dos Santos são em sua maioria mulheres entre 15 e
17 anos de idade, dentro da faixa etária escolar recomendada. Em sua maioria trabalham pela
manhã e estudam a tarde, as meninas trabalham em casa de famílias ajudando nas tarefas
domésticas, enquanto os meninos acompanham os pais na agricultura ou fazendo serviços em
plantações terceiros, fazendeiros ou outras famílias que possuem mais terra.
4.2 DADOS DA INSTITUIÇÃO
A E. E. M. Francisca Pinto dos Santos encontra-se localizada no Assentamento
Antonio Conselheiro, no município de Ocara-ce. A escola possui uma ampla estrutura física
composta pelos seguintes espaços: uma Biblioteca, espaço disponível à comunidade escolar e
local, onde os sujeitos podem realizar pesquisas e projetos de leituras com acompanhamento
pedagógico; um Laboratório de informática que atende os educandos\as da unidade escolar
e à comunidade acompanhados por um professor mediante a um calendário; um Laboratório
de ciências, espaço organizado em quatros outros espaços (laboratórios de Química, Física,
Matemática e Biologia) que disponibiliza de materiais e recursos didáticos para a interação e
73
produção de conhecimentos na relação teoria e prática; um Quadra esportiva, espaço
coletivo que é usado pela escola para atividades pedagógicas e esportivas, estando disponível
à comunidade para eventos comunitários e esportivos; um Anfiteatro sem cobertura
adequada, espaço disponível às expressões culturais da comunidade escolar e região na
promoção de eventos artísticos e culturais; um Pátio e praça da escola, espaço disponível
para troca de experiência, interação de grupo e momentos recreativos e que também é
utilizado como refeitório; uma Sala de vídeo, local destinado a apresentação e debate,
exposição através de filmes, documentários, fotografias educativas para ampliação de
conhecimentos; seis Salas de aula, espaço destinado ao ensino, para aquisição de
conhecimento e interação entre educandos/as e educadores/as; uma Cozinha, espaço de
destino de preparar as refeições escolares; uma Ala administrativa, que fica o setor de
organização e administração burocrática da escola.
Além do ambiente físico inaugurado no ano de 2017, a escola com um novo
modelo de Projeto Político Pedagógico, segundo o qual:
A comunidade continua se construindo e se forjando durante os vinte e três (23) anos
de conquista da terra, e nessa jornada a organização interna se desenvolveu
afirmando o modo de vida camponesa, valores, afirmação ideológica, seguiu na luta
por terra apoiando outras áreas acampadas, liberando militância para dar
continuidade as ações do MST em todo o território nacional ocupado pelos
trabalhadores e trabalhadoras. No dia 13 de dezembro de 1995 a associação dos
Assentados e Assentadas do Assentamento Antônio Conselheiro foi fundada, sob a
estratégia do Movimento de dar respaldo legal as ações coletivas. (PPP, 2017, p.9)
A escola surgiu a partir da luta do povo camponês no município junto ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), integrada ao Projeto de Educação do
Campo articulado como parte da conquista pela terra e elaborado pelo MST, o qual depois de
muita luta e manifestações políticas recebeu apoio do Governo do Estado do Ceará para sua
realização. O referido projeto foi planejado para a construção de 12 escolas de ensino médio
nas áreas de reforma agrária do estado do Ceará, sendo a escola A E. E. M. Francisca Pinto
dos Santos a sétima a ser construída e entregue em 2017.
O Projeto Político Pedagógico destaca as contribuições que o MST trouxe para o
assentamento no que se refere à educação, são estas:
Na trajetória do Assentamento Antônio Conselheiro, a educação é uma das lutas
permanentes das famílias, onde o MST já teve a realização de vários projetos de
alfabetização de jovens e adultos, formação de educadoras e educadores através dos
cursos: Pedagogia da Terra, Licenciatura em Educação do Campo, Magistério da
Terra, Formação de Técnicos Agrícolas, Serviço Social, Habilitação em História e
Geografia, Jornada Nacional pela soberania alimentar e alimentação saudável,
semanas pedagógicas das escolas de ensino médio do campo, encontros e formação
74
com a juventude, cursos prolongados com conclusão do ensino fundamental e
médio. Escola nacional, com o objetivo de forjar os filhos e filhas dos assentados e
assentadas e dirigentes de suas comunidades. (PPP, 2017, p.12)
Desde o nome da escola à seleção dos educadores e educadoras, a comunidade
está envolvida em todo processo. Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, o nome da
mesma foi escolhido pela comunidade:
O processo de escolha do nome da Escola de Ensino Médio do Campo Francisca
Pinto dos Santos se deu de forma democrática através das assembleias realizadas
pelas quatro associações pertencentes ao assentamento Antônio Conselheiro,
partindo das discussões nos grupos de trabalho. (PPP, 2017, p. 13)
O nome traz a memória de uma mulher, Francisca Pinto, uma trabalhadora do
assentamento que sempre lutou pelo acesso à educação de qualidade e que concluiu seus
estudos com muito esforço, atuando posteriormente como educadora na região.
Como princípio básico, a escola busca manter a organização através de escolhas
democráticas e da participação de toda a comunidade escolar baseada na organização do
MST, tendo como missão:
Desenvolver a formação humana dos educandos e educandas visando uma educação
de qualidade que favoreça a garantia de direitos a justiça social, a solidariedade entre
os sujeitos do campo; o conhecimento histórico, social, econômico, político,
ambiental e cultural para uma interação crítica e participativa buscando se apropriar
do conhecimento popular e científico na perspectiva de produzir inovações dos
conhecimentos, contribuindo na transformação da realidade e na vida do campo.
(PPP, 2017, p. 3)
As turmas são divididas em Núcleos de Base (NBs), que são equipes onde cada
integrante possui uma função e de cada turma são selecionados um homem e uma mulher para
representá-los em um coletivo maior. Os educadores, a gestão, os auxiliares também se
organizam desta forma. Abaixo, podemos observar com mais clareza a sistematização da
organização democrática da escola:
75
Fonte: Retirada do Projeto Político Pedagógico da E.E.M. Francisca Pinto dos Santos. Pag. 30
A escola atende em torno de 22 (vinte e duas) comunidades, entre elas, outros
assentamentos de reforma agrária, ou seja, o público alvo é prioritariamente o povo camponês,
aqueles que iriam se deslocar até o centro da cidade de Ocara para ter acesso ao ensino médio
e agora tem a oportunidade de estudar mais próximo de sua casa, conforme o Projeto político
Pedagógico da escola:
Com foco no ensino médio e futuramente no fundamental, deverá atender
prioritariamente aos jovens e adultos, tanto das comunidades do Assentamento,
quanto circunvizinhas, dentre elas: Placa José Pereira, Arisco Grande, Mocoré,
Mocoré dos Cosme, Mocoré dos Rodrigues, Mocoré do André, Oitenta, Lagoa
Bonita, Vila Nova dos Luzias, Batente, Canafístula, Assentamento Denir, Arisco dos
Marianos, Carnaúbas, Lagoa do Serrote, Córrego do Facó, Croatá, Assentamento
Vitória, Lênin Paz II, Comuna Mariano Xavier, Furnas, Umarizeiro, São Francisco,
Boa vista. (PPP, 2017, p. 17)
A escola iniciou o funcionamento em Agosto de 2016 e, neste período, houve
grandes questionamentos das comunidades sobre a proposta da escola e também por parte dos
educandos que, devido às marcas de uma sociedade que não vê o campo como um lugar de
desenvolvimento, rejeitaram a proposta da escola por não se identificarem como sujeitos do
campo. Isso também ocorreu porque o movimento sofre com tentativas de criminalização de
suas manifestações políticas, como nos afirma Frigotto (2011):
76
Do mesmo modo, a criminalização do projeto educacional do MST resulta do fato de
que o mesmo o articula, sem rodeios, a um projeto de classe contrahegemônico, uma
luta de uma sociedade humanamente emancipada e com uma educação
emancipadora. (FRIGOTTO, 2011, p. 42)
No ano de 2018, a escola ganhou novo ânimo a partir de uma maior organização
administrativa desde o início do ano, podendo realizar um trabalho de base nas comunidades,
explicando sua proposta pedagógica e estrutura curricular. Seguindo a proposta de escolas do
campo, em seus componentes curriculares, além das disciplinas da base curricular comum,
adota-se mais três componentes, são estes: PSC (Práticas Sociais Comunitárias); OTTP
(Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas); PEP (Projeto, Estudo e Pesquisa). A
primeira busca aproximar as relações escola/ comunidade de forma a agir sobre a realidade
das comunidades em busca de sua melhoria, tentando resolver questões simples, como a
ausência de coleta de lixo, a falta de água, falta de iluminação pública, criação de formas de
trabalho a partir da agricultura e da agroecologia, ou seja, é um componente de intervenção da
realidade. A segunda busca, com o trabalho de um engenheiro agrônomo, dar suporte teórico
e prático para que os estudantes possam auxiliar as suas próprias famílias no trabalho, uma
vez que a grande maioria são filhos e filhas de agricultores, são estudadas técnicas agrícolas e
aplicadas na escola, no que é denominado de campo experimental. A terceira tem como
objetivo geral desenvolver trabalhos de pesquisa a partir da realidade das comunidades que
compõem a escola, sendo todo trabalho científico desenvolvido pelos próprios estudantes. O
planejamento das referidas disciplinas encontra-se baseado no inventário da realidade.
A organização metodológica do Ensino Médio sustenta-se e organiza o ensino e a
formação dos jovens a partir do princípio metodológico da historicização e contextualização
do conhecimento, que se efetiva no diálogo entre os conteúdos previstos nos componentes
curriculares com os inventários da realidade a ser conhecida, interpretada e transformada.
O inventário da realidade é um instrumento de pesquisa, de estudos permanentes da
realidade, que busca identificar as fontes educativas do meio, a partir das quatro
matrizes formativas (as lutas sociais, a cultura, o trabalho e a opressão). Tem a
intencionalidade de realizar os planejamentos pedagógicos vinculando os objetivos
formativos e de ensino das áreas do conhecimento, à vida e a realidade dos
educandos. Este instrumento é fruto de um processo coletivo que envolve,
educadores (as), educandos/as e comunidades em que a escola está inserida. (PPP,
2017, p. 42)
77
No projeto de escola do campo, o inventário da realidade é uma ferramenta de
pesquisa utilizada para fazer um levantamento e registro organizado de aspectos materiais ou
imateriais da realidade que cerca a escola, ou seja, das comunidades que a compõem.
A partir do inventário da realidade das comunidades nas quais os estudantes
moram, construídos por eles próprios no primeiro ano do ensino médio, os educadores
sistematizam as informações encontradas, identificando, assim, os principais problemas
enfrentados pelas famílias e como estas vivem, passando a conhecer profundamente a sua
realidade. A partir deste estudo, os educadores e a gestão da escola escolhem um aspecto
desse inventário para ser trabalhado durante um bimestre ou um semestre na escola, o tema
selecionado deverá estabelecer relações com os componentes curriculares da base comum e
será trabalhado nas turmas de forma interdisciplinar. A esse tema escolhido dar-se o nome de
Porção da realidade, pois foi retirado do próprio contexto social, e seu estudo possibilitará
uma maior compreensão do mesmo, dando novos significados e valores à educação.
4.3 PORÇÃO DA REALIDADE
No ano letivo de 2018, a escola trabalhou com dois complexos da realidade (tema
do inventário), duas porções, um em cada semestre do ano. O primeiro, escolhido pela
predominância nas comunidades e pelo contexto social enfrentado pelos educandos, foi a
Violência. O segundo, surgido como proposta de combate à violência, foi relacionado às
Manifestações Culturais, uma vez que se identificou a perda de costumes e a não valorização
da cultura existente no assentamento e nas outras comunidades, tais como o Reizado, os
cantadores, os violeiros, os cordelistas, etc.
A cultura como superação da violência proporcionou um grande movimento no
ambiente escolar. No componente de Língua Portuguesa, esteve fortemente presente a cultura
popular, especificamente a leitura literária de escritores nordestinos e o estudo da Literatura
de Cordel. Com um planejamento de trabalho com as porções, realizado no início do ano
letivo, por ocasião da semana pedagógica da escola, foi possível introduzir na ementa da
disciplina o conteúdo da porção e trabalhar de forma efetiva, dialogando não apenas de forma
interdisciplinar com as outras áreas, mas principalmente com as comunidades.
Neste contexto escolar, no qual se trabalhava a porção ‘Manifestações Culturais’,
percebemos que a leitura do texto de Ariano Suassuna caberia perfeitamente na proposta da
78
escola. Assim, foi elaborada a proposta de leitura abaixo, visando também uma melhor
compreensão da cultura popular através da obra de Suassuna, trabalhando questões como de
identidade cultural e linguística, envolvendo também as relações de gênero enquanto
construção social no Nordeste.
Trabalhar as manifestações culturais na escola é dar oportunidade aos estudantes
de construírem algo novo e serem criativos em seus próprios contextos. A partir do
conhecimento dos artistas locais e regionais, reconhecer a importância da sua região para a
cultura nacional e para a indústria cultural, possibilitando aos mesmos novas formas de criar
arte no campo.
Durante o trabalho com a referida porção, é importante destacar a realização da
noite cultural na escola, com apresentações de dança, teatro, capoeira, reisado, cantores e
tocadores locais, feira de livros e feira de produtos agroecológicos. Especificando ainda mais
a relação com a cultura, torna-se importante ressaltar que a escola possui um grupo de Teatro
denominado ‘Corpo e Voz’, que em 2018, desenvolveu a peça A seca no Nordeste,
apresentada no III Festival de Arte e Cultura das Escolas do Campo do MST-Ceará, realizado
entre os dias 29 e 31 de Agosto de 2018. Aliando o teatro à dança com o objetivo de criar
outras formas de falar sobre a seca, resgatando o debate através da arte, o grupo vivenciou no
corpo o trabalho com a porção, na música, nos movimentos e na pesquisa histórica para a
compreensão da seca, vivenciando oficinas de corpo e voz que a escola oferece durante os
dois dias integrais (terças e quintas) e, durante estas, pode-se observar a empolgação dos
estudantes e aceitação diante dos jogos teatrais.
Percebendo que o trabalho com os jogos teatrais foi efetivo no grupo, pensamos
que seria possível uma atividade semelhante de leitura com uma turma da escola. A seleção da
turma para aplicar a oficina foi pensada a partir da maior disponibilidade da mesma, uma vez
que a pesquisadora em questão atua como regente de Língua Portuguesa nesta mesma turma.
Composta por 32 (trinta e dois) estudantes, a turma havia acabado de estudar a Literatura de
Cordel, pesquisando os principais cordelistas regionais e locais. O núcleo gestor prontamente
concordou com as oficinas, pois iriam contribuir diretamente com o debate em torno da
porção, oferecendo novas maneiras de perceber a cultura popular.
4.4 PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O SANTO E A PORCA (1957), DE
ARIANO SUASSUNA, PARA O ENSINO MÉDIO
79
Na seguinte proposta de leitura, consideramos todo o arcabouço teórico estudado
até então, desde os conceitos de letramento e do processo de leitura, abordados no primeiro
capítulo, às influências da escrita de Ariano Suassuna e análise da obra no segundo capítulo,
ambos contribuem para a preparação dos educadores ao levarem o livro O Santo e a porca
para a sala de aula. Neste caso específico, levar a sua leitura para educandas e educandos da
Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos Santos, considerando o seu contexto de escola do
campo, como vimos no início deste capítulo.
A proposta foi elaborada para ser aplicada a uma turma de segundo ano do Ensino
Médio durante quatro aulas de Língua Portuguesa do quarto semestre do ano de 2018, o
equivalente a quatro horas aula, cada uma com 50 minutos. A metodologia adotada foi
exposta por meio de oficinas. Para um trabalho mais efetivo, dividimos em quatro momentos,
são estes: Oficina I- Motivações para a leitura; Oficina II- A leitura no corpo do leitor; Oficina
III- Interpretar é ler o texto no corpo; Oficina IV – Outras possibilidades de interpretação no
corpo do leitor. Inicialmente, as oficinas foram elaboradas de acordo com as necessidades
percebidas anteriormente na turma, como a dificuldade de ler em voz alta. No entanto, as
oficinas sofreram adaptações durante a aplicação, como veremos no último capítulo. O
educador ou educadora precisa ser flexível para que o processo de leitura ocorra da melhor
maneira possível para os estudantes, para que a experiência seja significativamente eficaz para
o letramento literário na escola.
Antes de iniciar a primeira oficina foi aplicado o questionário I para toda a turma.
A oficina I, intitulada ‘Motivações para a leitura’, teve como objetivo geral discutir o tema
central da obra O santo e a porca, de Ariano Suassuna. Os objetivos específicos foram:
identificar como esse tema está presente na sociedade contemporânea; conhecer a avareza em
nossas personalidades individuais; perceber o corpo e as suas relações com o espaço da sala
de aula; introduzir o autor e a obra segundo a sequência básica de Rildo Cosson.
A motivação configura-se como uma etapa de preparação do aluno para entrar no
texto. A construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou
posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais da construção da motivação
(COSSON, 2012). Neste caso, realizamos esta etapa com ênfase na aproximação dos
educandos e educandas à temática central da obra, que é a avareza, através de uma
consciência do espaço da sala de aula e de seu próprio eu por meio de um jogo teatral
denominado, por Viola Spolin, de Sentindo o Eu com o Eu, o qual poderá envolver também as
80
caminhadas no espaço, que permitirá a (re)descoberta ou (re)familiarização do espaço da
sala de aula, além de criar uma consciência sensorial para a introdução do tema.
Jogo I
Sentindo o EU com o Eu
Objetivo: Descobrir a percepção com o corpo todo.
Foco: Na percepção da parte do todo que está sendo solicitado pela instrução.
Descrição: Os jogadores permanecem silenciosamente sentados em suas carteiras e
fisicamente sentem aquilo que está em contato com seus corpos, conforme a
instrução.
Notas: 1. Sentindo o Eu com o Eu é um dos exercícios básicos de aquecimento.
2. Dê a instrução “Fique de olhos abertos!”, se necessário. Olhos fechados podem
ser uma defesa.
3. Este é um último exercício para relaxar e trazer novo frescor para os alunos.
Sinta os pés nas meias! Sinta as meias nos pés! Sinta os pés nos sapatos!
Sinta os sapatos nos pés! Sinta as meias nas pernas! Sinta as pernas nas meias!
Sinta a calça ou saia nas pernas!
Sinta as pernas nas calças!
Sinta a roupa de baixo perto do seu corpo!
Sinta o corpo perto da roupa de baixo!
Sinta a blusa ou camisa com seu peito e sinta o seu peito dentro da blusa ou camisa!
Sinta o anel no dedo!
Sinta o dedo no anel!
Sinta o cabelo na cabeça e as sobrancelhas na testa!
Sinta a língua na boca!
Sinta as orelhas!
Sinta o espaço a sua volta!
Agora deixe que o espaço sinta você!
Houve alguma diferença entre sentir o anel no dedo e sentir o dedo no anel?
(SPOLIN, 2008, p. 71)
Logo depois, segue-se com o jogo II, que é um aquecimento que contribui
bastante para o processo de concentração da turma e para a observação do espaço no qual está
inserido. O maior desafio aqui poderá ser trabalhar com indicações que, para a turma, podem
ser compreendidas como abstratas e gerar dúvidas sobre sua execução. No entanto, o
educador não deverá desistir no meio da oficina, pois os jogos trabalham exatamente o
desenvolvimento de sentidos, muitas vezes daqueles que não acreditaríamos sentir.
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Jogo II
CAMINHADA NO ESPAÇO
Caminhe por aí e sinta o espaço à sua volta!
Investigue-o como uma substância desconhecida e não lhe dê um nome!
Sinta o espaço com as costas!
Com o pescoço!
Sinta o espaço com o corpo e deixe que suas mãos formem um todo com seu corpo!
Sinta o espaço dentro da boca!
Na parte exterior de seu corpo!
Sinta a forma de seu corpo quando se move pelo espaço!
Agora deixe que o espaço sinta você!
O seu rosto!
Os seus braços!
O seu corpo todo!
Mantenha os olhos abertos! Espere!
Não force!
Você atravessa o espaço e deixa que o espaço o atravesse!
Alguém teve a sensação de sentir o espaço ou de deixar que o espaço o sentisse?
Objetivo: Familiarizar os jogadores com o elemento (espaço)
Foco: Em sentir o espaço com o corpo todo.
Descrição: Os jogadores caminham e investigam fisicamente o espaço como se fosse
uma substância desconhecida.
Notas: 1. Como em todas as caminhadas no espaço, o coordenador-instrutor caminha
com o grupo enquanto dá instruções para o exercício. Utilize as características
físicas de seus jogadores (boca cerrada, ombros curvados etc) como guia para dar as
instruções para as caminhadas no espaço. Por exemplo, se um dos jogadores tem
uma expressão rígida no olhar, você pode dizer: “Coloque espaço onde estão os seus
olhos! Deixe que a sua visão passe pelos seus olhos”. Quando especificar a área de
tensão de um dos jogadores, não deixe que ele o perceba. O que ajuda um deles,
ajuda a todos. [...] (SPOLIN, 2008, p. 72)
Primeiramente, o educador deverá colocar uma música acelerada e pedir para que
a turma caminhe pela sala de forma lenta, depois de forma um pouco mais rápida. Passados 10
minutos, deve-se pausar a música e todos devem voltar aos seus lugares. É importante
ressaltar que alguns jogos não estabelecem uma relação direta com o texto de Ariano
Suassuna, estes fazem parte de exercícios de aquecimento, ou seja, são introdutórios para o
trabalho com o corpo, sendo portanto essenciais para o processo de aplicação dos jogos
aplicados posteriormente.
82
No segundo momento, o professor deverá fazer uma breve introdução sobre o
mundo capitalista e as estratégias de sobrevivência, finalizando sua fala com a orientação de
que nesse momento a turma está dividida em duas grandes épocas, século XX e século XXI.
O professor deve colocar uma sexta com muitas cédulas falsas de dinheiro, as
mais variadas possíveis, com moedas de vários países e imagens relacionadas a sentimentos e
valores universais. Após explicar e dividir a turma em duas épocas, o professor deve abordar a
seguinte situação: “vocês enquanto personagens de determinada época acreditam que
precisam de quais elementos para terem uma vida excelente no futuro? Encontrem, na cesta,
imagens que retratem essas necessidades.” Cada estudante deverá pegar o máximo de imagens
possíveis, sendo necessária a confecção do material com bastante antecedência.
Em suas equipes, deverão explicar a necessidade de cada elemento para o bem-
estar individual e coletivo e se eles dariam para a outra equipe os seus elementos
conquistados. Após as explicações, a orientação é que as equipes troquem de época e
argumentem de forma diferente sobre a importância desses elementos agora em outro período
histórico, buscando novos argumentos para defesa. Depois, uma pessoa deverá ficar
responsável por guardar o tesouro do grupo (da época) até a próxima oficina.
A penúltima etapa desta oficina consiste em responder, por escrito, as seguintes
questões: “a dinâmica gerou quais sentimentos em você? Como seu corpo reagiu ao
representar uma época e agir como tal para defender seus interesses? Foi confortável para
você sair de sua cadeira e movimentar o corpo durante a atividade?” Por fim, os estudantes
deverão encontrar na sala quatro palavras escondidas que utilizamos para se referir a quem é
avarento, são estas: pão-duro, mão-de-vaca, unha-de-fome e muquirana. Ao encontrar todas as
palavras, os próprios estudantes deverão finalmente chegar à palavra ‘avareza’ e, nesse
momento, o professor comenta ser este o tema central da peça O santo e a Porca, de Ariano
Suassuna.
Para a apresentação do autor, o professor não precisa deter-se em aspectos
meramente históricos ou biográficos, como datas e quantidades de obras escritas. Estas são
informações adicionais que podem ser ditas posteriormente. Para cada sequência
metodológica elaborada, é necessário escolher os principais focos a serem trabalhados, assim
como propõem os jogos teatrais. Por isso, esta primeira oficina tem o objetivo de introduzir
aspectos centrais da obra através do tema, motivando o interesse dos educandos para a leitura
do texto.
83
De acordo com a sequência básica de Rildo Cosson, antecipamos que nessa
oficina mesclamos as etapas de motivação e introdução, respectivamente. A segunda é o
momento de apresentação do autor e da obra. No entanto, essa biografia deve ser breve, pois,
entre outros contextos, ela é uma das que acompanham o texto. Esse momento da introdução,
é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor e, se possível, ligadas àquele
texto (COSSON, 2012).
Em slides, apresentaremos algumas frases marcantes das personagens da obra O
auto da compadecida (1955), para que os educandos ativassem sua memória da peça mais
conhecida do Autor, principalmente por sua adaptação para o cinema em 2000. Uma das
características marcantes do escritor foram suas aulas-espetáculos, nas quais ele falava sobre
cultura brasileira, tecendo críticas aos estrangeirismos. Por isso, para que os alunos tivesse
mais informações sobre o autor, deverá ser exibido um trecho de apenas dois minutos de uma
de suas aulas, a qual deverá ser brevemente discutida, afinal, o foco é a motivação para a
leitura da obra a partir dos jogos teatrais.
Como forma de avaliar a oficina, o educador poderá observar se o tema da obra
foi compreendido a partir da participação da turma e das relações que eles poderão fazer do
tema com as suas próprias realidades. Além disso, as respostas das três últimas perguntas que
deverão ser recolhidas.
A segunda oficina, intitulada “A leitura no corpo do leitor”, tem como objetivo
geral vivenciar uma experiência corporal da obra O santo e a Porca e, como específicos, ler o
primeiro e segundo ato do livro e participar de jogos teatrais a partir das primeiras impressões
da obra após a sua leitura parcial.
A etapa ‘leitura’, considerada essencial na proposta de letramento literário de
Rildo Cosson, precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e
esse objetivo não deve ser perdido de vista (COSSON, 2012). Por isso, o foco desta é a leitura
da obra e a vivência de aspectos da mesma no próprio corpo do leitor. Após o momento de
introdução, os estudantes deverão ser convidados a participar de um jogo para que possam se
aproximar dos personagens da obra. Este poderá contribuir para que a turma tenha um maior
interesse e envolvimento com os personagens e possam compreender suas diferenças a partir
de suas ações.
Para Cosson (2012), a interpretação envolve práticas e postulados numerosos e
impossíveis de serem conciliados, pois toda reflexão literária traz implícita ou explicitamente
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uma concepção do que seja interpretação ou de como se deve proceder para interpretar textos
literários. Essas interpretações acontecem em dois momentos: um interior (que passa pela
decifração/pelo íntimo, por meio da história de leitor do aluno, das relações familiares e tudo
que constitui o contexto de leitura) e o outro exterior (quando ocorre a materialização da
interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade, por meio
do compartilhamento da interpretação com os colegas e professor).
Em relação ao jogo III, Spolin descreve:
Jogo III
(PERSONAGEM/ RELACIONAMENTO)
De forma similar, introduza o Quem.
“Você em geral sabe quem é a pessoa que está na mesma sala que você? Saberia a
diferença entre um estranho e seu irmão? Seu tio e o açougueiro da esquina?”.
“Mas é claro!” “Você pode me dizer qual é a diferença entre dois colegas de escola e
dois estranhos e duas pessoas que acabaram de se encontrar? “Sim” “Pode me dizer
a diferença?” “Pela forma como se comportam um com o outro”
“O que quer dizer ‘pela forma como se comportam’?”
“Amigos não param de falar”. “Estranhos fazem de conta que não estão vendo um ao
outro”. “Pessoas que acabaram de se encontrar são educadas uma com a outra”.
Por meio da discussão, os alunos irão concordar que as pessoas nos mostram quem
elas são por aquilo que dizem sobre si mesmas, mas por meio de suas atitudes.
Quando chegarem a este ponto, traga o fato de que atores, para comunicar sua
identidade à plateia, precisam mostrar Quem através do relacionamento com seus
parceiros de jogo. “Mostre, não conte!” Trará uma compreensão mais profunda
sobre como, no cotidiano, revelamos a nós mesmos para o outro, sem dizer uma
palavra.
A utilização do jogo do Quem durante a oficina de jogos teatrais vai abrir a visão
dos jogadores para uma observação mais clara do seu cotidiano.
Inicialmente as frases acima para esse jogo não serão apenas perguntas, mas
instruções a partir das quais os estudantes deverão agir. Tendo, portanto, que
explicar a diferença entre dois colegas da turma e entre estes e um desconhecido.
(SPOLIN, 2008, p. 71)
Finalmente, divididos em equipes/NBs (Núcleos de base), a turma iniciará a
leitura paragrafada do primeiro e segundo atos. A obra a ser lida encontra-se disponível no
acervo da biblioteca da escola Francisca Pinto dos Santos. Torna-se importante destacar que
os dez livros pertencem à edição feita para o projeto Literatura em minha casa (2002) e
chegaram até a escola por meio de doações. Além disso, os estudantes poderão utilizar o
celular para ler a obra em pdf, o conteúdo pode ser facilmente encontrado na internet. Já na
primeira leitura, o professor poderá destacar a importância de se dar ênfase à forma de ler,
percebendo questões de sotaque, dicção, manias vocálicas e adequação às rubricas (sugerimos
que o educador seja o responsável por ler as rubricas). Durante a leitura, deve-se dar breves
85
pausas para a observação da estrutura do texto teatral e, após a leitura dos atos I e II, os
estudantes serão convidados a participar do IV jogo:
Jogo IV
CAMINHADA NO ESPAÇO N.2
Objetivo: Sentir o espaço à nossa volta.
Foco: Em sustentar a si mesmo ou deixar que a substância do espaço o sustente, de
acordo com a instrução.
Descrição: Os jogadores caminham pela sala e sustentam a si mesmos ou permitem
que o espaço os sustente, de acordo com a instrução.
Notas: 1. Como em caminhada no espaço n.1, o professor/coordenador caminha com
o grupo enquanto dá as instruções para o exercício. Dê espaço de tempo entre as
instruções para que os jogadores experimentem.
2. Deixar que o espaço sustente não significa perder o controle ou andar aos trancos.
O jogador deve permitir que o corpo encontre o seu alinhamento correto.
3. Jogue este jogo várias vezes. Todos terão prazer com ele. Espere até que os
jogadores conheçam uns aos outros.
4. Varie a instrução entre sustentar-se a si mesmo e deixar que o espaço o sustente,
até que os jogadores experimentem a diferença.
5. Os alunos terão tendência para se movimentar em câmera lenta, como se
estivessem se movendo dentro da água. Pergunte a eles: “O que diminui o
movimento de mergulhadores?”.
Você atravessa o espaço e deixa que o espaço atravesse você!
Enquanto caminha, entre em seu próprio corpo e sinta as tensões!
Sinta seus ombros!
Sinta a coluna de cima para baixo!
Sinta o seu interior a partir do interior!
Observe! Anote!
Você é seu único suporte!
Você sustenta o seu rosto!
Seus dedos dos pés!
Seu esqueleto todo!
Se você não se sustentasse, você se despedaçaria em mil partes!
Agora mude!
Caminhe pelo espaço e deixe que o espaço o sustente!
O seu corpo entenderá!
Perceba o espaço onde estão seus olhos!
Deixe que o espaço sustente seus olhos!
Deixe que o espaço sustente seu rosto!
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Seus ombros!
Agora mude!
Agora é você quem se sustenta novamente!
Havia uma diferença entre sustentar a si mesmo e deixar que o espaço o sustentasse?
(SPOLIN, 2008, p. 73)
Ao longo da caminhada, o professor dará as seguintes instruções:
✓ Em uma palma, caminharemos com o corpo de Euricão (como esse corpo
caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse personagem? Ora
um pouco mais rápido, ora mais lento); Passados um ou dois minutos, deve-se pedir para que
a turma congele numa posição que represente Eurico. Ao fazer isso, cada um observa a
posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão que represente
Eurico.
✓ Em duas palmas, caminharemos pelo espaço com o corpo de Margarida (como
esse corpo caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse
personagem? Ora um pouco mais rápido, ora mais lento); Passados um ou dois minutos, deve-
se pedir para que a turma congele numa posição que represente Margarida. Ao fazer isso, cada
um observa a posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão
que represente Margarida.
✓ Em três palmas, os jogadores voltam ao seu corpo neutro;
✓ Uma palma, agora, deve ativar o caminhar lento e rápido no corpo de Benona
(como esse corpo caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse
personagem? Ora um pouco mais rápido, ora mais lento). Passados um ou dois minutos, deve-
se pedir para que a turma congele numa posição que represente Benona. Ao fazer isso, cada
um observa a posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão
que represente Benona.
✓ Todos os jogadores devem voltar ao seu corpo neutro e fazerem um círculo
para uma breve conversa sobre a experiência. O professor deve questioná-los sobre quais
foram as dificuldades e as facilidades de caminhar como as personagens. Para finalizar com o
registro escrito, o educador deverá entregar folhas em branco para que a turma possa
expressar um pouco do que viveram de forma livre (recolher os registros).
A avaliação será feita através da participação, disposição corpórea durante os
jogos para os que estiverem participando como atores e atenção para os que estiverem na
87
plateia, além da compreensão dos principais aspectos das personagens da obra percebidos por
todos os participantes.
A oficina III, sob o título “Interpretar é ler o texto no corpo”, de modo geral,
objetiva construir possibilidades de interpretação textual e corporal da obra O Santo e a
Porca. Os objetivos específicos consistem em: ativar a memória de leitura do primeiro e
segundo atos lidos na oficina anterior através dos jogos teatrais; despertar uma consciência
corporal no estudante; ler o último ato da peça; investigar a identidade do povo nordestino. O
professor deverá iniciar a oficina com um jogo pertencente à categoria aquecimento,
denominado de Câmera lenta/pegar e congelar.
Jogo V
CÂMERA LENTA/PEGAR E CONGELAR
Objetivo: Explorar movimento e expressão física.
Foco: EM movimentar-se em câmera lenta.
Descrição: Muitos jogadores (se o tempo permitir, metade do grupo é plateia
enquanto a outra metade joga). Depois de um curto período de aquecimento com
Pegador com Explosão, um jogo de pegador com congelamento é realizado em
câmera muito lenta e dentro dos limites. Aponte para o primeiro pegador. Todos os
jogadores devem estar correndo, respirando, agachando, olhando rindo etc. em
câmera muito leta. Quando pegar outro jogador, o pegador deve congelar na posição
exata em que estava naquele momento. O novo pegador continuar em câmera lenta e
congela naquela posição em que estava ao pegar um novo jogador, que se torna o
pegador. Todos os jogadores que ainda não foram pegos devem ficar dentro dos
limites e movimentar-se em câmera lenta entre, e ao redor, dos jogadores congelados
(como em torno de árvores numa floresta). O jogo continua até que todos estejam
congelados.
Notas: 1. O espaço ode o jogo é realizado deve ser restrito, caso contrário, o jogo
pode consumir tempo demais. Se o grupo for muito grande, recomenda-se haver dois
pegadores. Ao final, dê a instrução “Pegadores, peguem agora um ao outro!”
2. Quando se joga realmente com câmera lenta, há fluência no movimento.
Corra em câmera lenta! Respire em câmera lenta! Abaixe em câmera lenta! Pegue
em câmera leta! Levante seus pés em câmera lenta! Permaneça dentro dos limites em
câmera muito lenta!
Há diferença entre movimentar-se lentamente e movimentar-se em câmera lenta?
Plateia, vocês viram uma diferença entre movimentar-se lentamente (iniciar, parar,
iniciar e parar) e movimentar-se em câmera lenta (fluência no movimento)?
(SPOLIN, 2008, p. 66)
Para relembrar os principais aspectos do primeiro e do segundo atos, o segundo
jogo desta oficina será o “Construindo uma estória: congelar.” A principal orientação será a
88
de que os jogadores deverão reconstruir com as suas palavras a história do livro, exercitando a
memória dos mesmos e a coerência das ações das personagens:
Jogo VI
CONSTRUINDO UMA ESTÓRIA: CONGELAR
Objetivo: Apurar a percepção ao ouvir ou contar uma estória.
Foco: Em continuar uma estória a partir do meio da palavra.
Descrição: Cinco a quinze jogadores jogam cada um por vez no círculo. O primeiro
jogador inicia a estória e, quando quiser, congela no meio da palavra. O próximo
jogador deve continuar a estória, finalizando a palavra não terminada pelo jogador
antecedente. O jogador não deve concluir a mesma palavra que o jogador
antecedente tinha em mente. O novo final deve combinar com o início da palavra
para formar uma nova palavra que dê continuidade à estória. Uma vez que o grupo
tenha se familiarizado com a variação acima, o próximo jogador pode ser apontado
fortuitamente, em vez de seguir a ordem do círculo.
Nota: Esse jogo pode ser realizado por dois jogadores com tranquilidade e
divertimento.
Não planeje com antecedência!
Busque uma estória, uma voz!
Compartilhe sua voz!
Os jogadores foram capazes de continuar a estória a partir do meio da palavra?
Quantas vezes o próximo jogador finalizou a palavra que o jogador que o antecedeu
tinha em mente?
Ou os jogadores criaram novas palavras a partir do início da palavra do jogador que
os antecedeu?
As palavras completadas deram continuidade à estória?
Em seguida, as equipes deverão realizar a leitura do terceiro ato. O foco desta
oficina é identificar marcas de estereótipos associados ao povo nordestino através do discurso
das personagens. Por isso, durante a leitura, o educador ou educadora poderá realizar
pequenas pausas para solicitar aos educandos e educandas que anotem ou observem alguma
parte do discurso de uma personagem para posteriores reflexões. Durante a leitura, na página
94, o professor deve orientar uma pausa para indagar a turma sobre como acham que ocorrerá
o desfecho da história. Deve-se promover um levantamento de hipóteses para, em seguida,
continuar a leitura em voz alta.
Concluída a leitura, o professor orienta o debate para a questão de buscar
elementos que simbolizam ou caracterizam bem o povo nordestino na obra em questão. Cada
esquipe deverá escrever na lousa o máximo de elementos sem que se repitam, uma equipe por
vez.
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Jogo VII:
OUVINDO O AMBIENTE
Objetivo: desenvolver e apreciar o sentido da audição.
Foco: em ouvir o maior número de sons possível no ambiente imediato.
Descrição: O grupo todo permance sentado, silenciosamente, de olhos fechados, por
um minuto ou mais, ouvindo os sons do ambiente imediato. Os jogadores prestam
atenção nos diferentes sons que há no ambiente.
Notas: 1. Dê esse exercício como “tarefa de casa”, a ser feita por alguns minutos por
dia, enquanto caminha, em casa, com a família etc.
2. Lembre aos jogadores o quanto do mundo eles entendem por meio da audição e
sugira que procurem imaginar como é o mundo para aqueles que não conseguem
ouvir.
Ouça todos os sons à sua volta- até os mais imperceptíveis!
Preste atenção!
Ouça o maior número de sons possível!
Quais sons você ouviu?
(Peça para os jogadores identificarem tantos sons quanto possível).
Quantos ouviram aquele som?
Quais sons ainda não foram mencionados?
(SPOLIN, 2008, p. 108)
A avaliação do momento poderá ser feita através da participação, disposição
corpórea e compreensão dos principais aspectos do enredo da obra.
A oficina IV, intitulada “Outras possibilidades de interpretação no corpo do
leitor”, tem como objetivo geral investigar outras formas de interpretar as ações das
personagens por eixos temáticos. Enquanto os objetivos específicos são explorar a temática da
presença feminina na obra e identificar nas rubricas, aspectos fundamentais para a encenação
da obra ou de partes desta.
Partindo das reflexões de Rildo Cosson sobre a etapa de interpretação, podemos
destacar que nesta as atividades devem ter como princípio a externalização da leitura, isto é,
seu registro (p. 66). Ao falar em registro, tem-se a ideia de algo apenas por escrito, mas não
necessariamente, o leitor pode interpretar o texto a partir das urgências e especificidades que
ele nos propõe. O texto de Ariano Suassuna, por exemplo, criado para a encenação teatral,
coloca o leitor cara a cara com a necessidade de expor cenicamente alguns de seus elementos.
Ler o texto através da própria ação possibilita se aproximar das práticas vivenciadas em
90
grupos de teatro, colocando o leitor da sala de aula em um novo tipo de contato com o texto e
com todos os elementos que o compõem, percebendo-o como criador/ator protagonista dos
significados do texto.
Para iniciar esta oficina, o professor irá propor um jogo de aquecimento
tradicional denominado Nó, podendo associar o jogo à leitura e interpretação textuais,
afirmando que inicialmente essas tarefas podem parecer complexas, mas com a colaboração
de todos, cada um com suas experiências individuais e coletivas podem contribuir para a
descoberta de possíveis sentidos para o texto.
Jogo VIII
NÓ
Descrição: Os jogadores formam um círculo com as mãos dadas. O professor, de
mãos dadas com os jogadores à sua esquerda e à sua direita, atravessa o círculo,
passando por baixo das mãos dadas de dois jogadores que estão do lado oposto do
círculo. Mudando a direção, girando em volta de si mesmo em forma de serpentina,
aponta da linha atravessa outros pontos do círculo, amarrando o grupo como um nó,
incapacitando-o de se mover. Em seguida, o grupo começa a se desenrolar a partir
desta posição, liderada pelo professor, até que todos os jogadores estejam
desvencilhados e o círculo volte à posição inicial. Não vale soltar as mãos durante o
processo do jogo.
Notas: 1. Quanto mais o professor der voltas no círculo, tanto mais apertado ficará o
nó.
2. Este é um dos raros jogos de playground silencioso que pode ser executado em
ambiente fechado. (SPOLIN, 2008, p. 62)
Ao final do jogo, deve-se conversar sobre as dificuldades de desatar um nó
coletivamente. Pode-se também orientar o diálogo para reflexões em torno das interpretações
possíveis para o texto. Ao discutir sobre isso, os estudantes poderão compreender que todos
podem dar contribuições sobre os sentidos do texto. Em seguida, a turma participa do jogo
“Siga o seguidor”:
Jogo VIII:
Objetivo: Dar aos jogadores um sentido de si mesmos e de sua ligação com os outros
por meio do ato de refletir.
Foco: Em seguir o seguidor.
Descrição: Duplas, com uma plateia. Um jogador é o espelho, o outro o gerador dos
movimentos. O diretor inicia o jogo de espelho normal e então diz: “Mudança!” para
que os jogadores invertam as posições. Essa ordem é dada a intervalos. Quando os
jogadores estiverem iniciando e refletindo com movimentos corporais amplos, o
diretor dá a instrução “Os dois espalham! Os dois iniciam!” Os jogadores, então,
espelham um ao outro sem iniciar. Isso é capcioso – os jogadores não devem iniciar,
mas devem seguir o iniciador. Ambos são, ao mesmo tempo, o iniciador e p espelho
(ou seguidor). Os jogadores espelham a si mesmos, sendo espelhados.
91
Notas: 1. Peça para os jogadores espelharem e iniciarem apenas quando estiverem
fazendo movimentos corporais amplos.
2. Esse exercício pode confundir de início, mas permaneça jogando. Quando o
jogador espelha o outro, haverá naturalmente variações corporais. Assim, os
jogadores espelham a si mesmos sendo espelhados.
Espelhe!
Saiba quando inicia!
Mudança!
Espelhe só o que você vê, não o que pensa que vê!
Mudança!
(O instrutor pode entrar na área de jogo para checar as iniciativas dos jogadores).
Saiba quando inicia!
Faça movimentos corporais amplos!
Amplie!
Siga o seguidor!
Espelhe apenas o que vê!
Não o que pensa estar vendo!
Espelhe!
Mantenham o espelho entre vocês!
Não inicie!
Siga o iniciador!
Siga o seguidor!
(Durante o jogo, para um jogador que se move):
Você iniciou este movimento?
Ou você espelhou o que viu?
Plateia, vocês concordam com o jogador? (SPOLIN, 2008, p. 122)
Após esse jogo, os participantes devem realizar caminhadas no espaço e, ao longo
destas, focar na criação de um caminhar para a personagem Caroba, pensando sobre o lugar
que ela ocupa na obra. Durante as caminhadas no espaço, o educador deverá indicar pausas,
nas quais cada um deverá seguir as seguintes inscrições: “nas primeiras duas pausas, digam
palavras que Caroba diria; caminhe experimentando Caroba no corpo de Margarida; caminhe
experimentando Caroba no corpo de Benona; caminhe com um corpo 30% Caroba, 20%
Benona e 50% Margarida”. Entre uma instrução e outra, dê um tempo de dois minutos para
92
que os estudantes possam se aproximar mais de suas interpretações das personagens a partir
da leitura.
Após esse momento, o professor deve iniciar o jogo Tocar e ser tocado.
Objetivo: Criar consciência sensorial.
Foco: Em tocar um objeto e deixar que o objeto toque o jogador.
Descrição: Os jogadores são instruídos a caminhar livremente pelo espaço e a tocar
uma sucessão de objetos; e quando o objeto é percebido, permitir que o objeto os
toque.
Notas: 1. Lembre-se de manter os jogadores em movimento e dê tempo entre as
instruções.
2. O professor deveria fazer esse exercício junto com os alunos enquanto passa a
instrução.
3. Permita que os jogadores toquem e sejam tocados, vejam e sejam vistos.
4. A frase de instrução “Tome distância de seu corpo!” ajuda os jogadores a permitir
desprendimento, encontrando assim maior envolvimento. Em alguns teatros do
século XX, este sentido de desprendimento é central para a boa atuação. Bertolt
Brecht denominou-o de “efeito de estranhamento”.
Permita que o espaço se mova através de você e você se mova através do espaço!
Tome distância de seu próprio corpo e veja o cenário à sua volta! Toque em algum
objeto no espaço - uma árvore, um copo, um tecido, uma cadeira!
(Variar os objetos).
Toque um parceiro de jogo e permita que seu parceiro toque você!
(Variar parceiros)
Veja um objeto! Quando o vir realmente, deixe que o objeto veja você!
(Variar os objetos).
Veja um parceiro de jogo! Permita que o parceiro veja você!
Foi difícil permitir ser tocado... ser visto?
Como se sentiu ao tocar e ser tocado?
Você poderia explicar a diferença para uma plateia?
O que diria? (SPOLIN, 2008, p. 70)
Após o jogo, a turma faz uma roda de conversa. Deverá ser realizado um debate
sobre as diferentes representações das mulheres na peça e quais as semelhanças e diferenças
entre elas, quais são as relações com a realidade. Os estudantes que participaram da vivência
podem falar sobre o que sentiram, quais foram as dificuldades encontradas durante a ação.
Posteriormente, os que ficaram na plateia poderão relatar o que perceberam nos colegas e se
fariam diferentes cada personagem. Nesse processo de comunicação e participação no debate,
será feita a avaliação. Por fim, a resolução do questionário II será realizada por todos.
93
5 LENDO O SANTO E A PORCA NA SALA DE AULA: ANÁLISE DOS
RESULTADOS
No quarto e último capítulo, relatamos e analisamos, à luz dos estudos sobre o
letramento, a experiência de leitura aplicada em uma turma de segundo ano da E.E.M.
Francisca Pinto dos Santos no município de Ocara-ce. Com a proposta elaborada e exposta no
capítulo anterior, buscamos identificar os aspectos positivos e negativos da experiência,
investigando como o contexto escolar contribuiu ou não para a leitura da obra O Santo e a
porca, de Ariano Suassuna. Além disso, torna-se essencial compreender como a leitura foi
percebida pelos participantes e quais foram suas percepções em torno do uso de jogos teatrais
na sala de aula. Por fim, avaliamos como os jogos teatrais aliados à leitura literária de textos
teatrais podem contribuir para a formação de leitores no ensino médio.
O trabalho de letramento com a turma em questão, em especial com o letramento
literário, não se detém apenas nesta experiência. Enquanto professora regente de língua
portuguesa da turma, pude exercitar, com os estudantes, práticas leitoras durante todo ano
letivo. Logo no início do ano, realizei um exame diagnóstico de leitura e escrita para avaliar,
mesmo que superficialmente, o nível dos estudantes. Os dados encontrados foram
preocupantes, pois poucos alunos já haviam lido um livro completo e a maioria achava a
leitura enfadonha e chata, sem conseguir estabelecer fortes conexões com a realidade. Como
no primeiro semestre letivo a escola trabalhava com a porção da realidade ‘violência’, utilizei
poemas e contos da escritora, romancista e poetiza brasileira Conceição Evaristo para a leitura
e discussão, sempre no início das aulas, como estratégia para abordar o universo das
violências através da sensibilidade dos escritos da autora.
Os textos utilizados foram retirados do livro Olhos D’água (2017), da escritora
Afro-brasileira Conceição Evaristo, são estes: “Maria”, “Quantos filhos Natalina teve?” e “
Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, dentre outros. Estes contos envolveram bastante a
turma, pois falam da realidade de famílias em situação de vulnerabilidade social. Com o
avanço da criminalidade também no campo, os estudantes identificaram algumas situações
que já viram próximas ou em noticiários, afinal, a leitura acontece de forma diferente para
cada um, a partir de suas vivências, como reflete Rildo Cosson:
Ao longo da vida, as experiências de leitura de uma pessoa serão diferentes, dentre
outros fatores por que seu conhecimento de mundo terá mudado. Portanto, a releitura
de um texto metafórico ou simbólico ou irônico poderá suscitar diferentes
percepções e interpretações em momentos distintos (COSSON et al., 2010, p. 37).
94
Isso ocorreu durante a leitura dos textos referidos acima. Todavia, antes que se
desse o processo de interpretação dos textos, a turma questionou o porquê de apenas
conversarmos sobre o texto e não realizarmos atividade escrita e sobre as razões do meu
interesse em saber de suas interpretações acerca dos textos lidos, afirmando que não estavam
acostumados a isso, pois sempre faziam atividades escritas após a leitura. Após uma longa
conversa sobre a importância de refletirmos a respeito dos textos trabalhados, os participantes,
em sua maioria, perceberam que os contos e poemas lidos no início das aulas possuíam
relação direta com as nossas vidas e com a sociedade atual, afinal, como Cosson também
afirma:
A interpretação depende, assim, do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das
convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade. Interpretar é
dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de mão dupla:
tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor; um e outro precisam
convergir para que a leitura adquira sentido (COSSON, 2009, p. 41).
Por isso, para alunos não leitores de textos literários, torna-se fundamental
oferecer textos que trabalhem com assuntos mais próximos possíveis de seus contextos, não
para ficar apenas nestes, mas para abrir caminhos para a leitura de outros gêneros e tipos
textuais literários ou não. Sobre a seleção de textos, Rildo Cosson:
Se tivermos dúvidas quanto ao texto que queremos ler, podemos consultar resenhas
dos jornais e das revistas, ouvir os amigos [...], checar a propaganda sobre os
lançamentos e consultar as listas de mais vendidos. Essas são algumas das maneiras
pelas quais a literatura é selecionada tendo como ponto de orientação o leitor. É a
chamada livre escolha, que, como se pode observar, nunca é inteiramente livre, mas
conduzida por uma série de fatores (COSSON, 2009, p. 31).
Na sala de aula, os educadores devem se basear nos conhecimentos prévios da
turma, por isso é importante conhecê-los. Quando apontamos o ato de conhecer o contexto das
turmas como fundamental, não se trata apenas de que isto pode contribuir para uma melhor
relação com estes, mas para orientar as escolhas metodológicas que faremos, afinal, sabemos
que:
A atividade de leitura desenvolvida na escola deve ter objetivos claros em cada
etapa: não é possível, ao leitor iniciante, perceber de uma só vez todas as sutilezas de
um texto — ambiguidades, ironia, lirismo, estratégias de persuasão, referências de
sua estrutura, da linguagem utilizada ou construída, relações entre o texto e as
imagens que compõem seu projeto gráfico, etc. (COSSON, 2010, p. 37-38).
95
Durante o primeiro bimestre letivo, estudávamos sobre o Romantismo. Em
determinado momento, mais especificamente sobre a terceira geração, com a leitura de
poemas de Castro Alves, durante uma discussão sobre o poema “Navio Negreiro”, um dos
educandos falou sobre o Museu existente em Redenção, que também retrata a vida do povo
negro. A partir desta informação, houve um alvoroço na turma, despertando uma maior
atenção ao tema. Para finalizar o bimestre, realizamos uma visita ao Museu Negro Liberto, na
cidade de Redenção, através da qual a turma pode identificar no ambiente os elementos dos
poemas lidos em sala. Quando a leitura ultrapassa as folhas do livro e pode ser vista em
objetos e espaços, ela ganha novas dimensões e passa a fazer um maior sentido. Neste caso da
visita, a cada objeto ou espaço visto e reconhecido, os estudantes lembravam-se de algum
trecho dos poemas lidos.
Outra experiência de leitura realizada na turma foi uma Gincana sobre o romance
Iracema, de José de Alencar. Esta conseguiu obter a participação de todos da turma, pois
conteve três etapas, nas quais eram lançados desafios aos estudantes, que estavam divididos
em equipes. O livro foi enviado em formato PDF para um grupo da turma em um aplicativo
de celular, facilitando, assim, a leitura em sala. Percebendo que os estudantes eram parados e
demonstravam cansaço durante as aulas, a primeira etapa tinha como objetivo encontrar o
maior número de figuras relacionadas à obra, que estavam espalhadas e escondidas em vários
lugares da escola. Com isso, eles movimentaram-se e ativaram diversas estratégias, como a
divisão da equipe por espaços da escola.
A segunda etapa tinha como objetivo encontrar os mensageiros, que poderiam ser
qualquer pessoa da escola (estudantes e funcionários). Cada um tinha uma mensagem retirada
do livro para ser entregue, mas só diriam se os abordassem dizendo “Iracema, Iracema!”. Essa
dinâmica proporcionou uma interação maior da turma com outras pessoas da escola, inclusive
de muitos alunos que, até então, eram bastante tímidos, ficando empolgados com a leitura da
obra. A terceira etapa foi sobre a pesquisa do maior número possível de palavras de origem
indígena presentes no livro, trabalhando a língua e questões ligadas à identidade.
Outra experiência de leitura é uma prática que, aos poucos, foi se tornando
comum. A cada bimestre, uma visita à biblioteca da escola, dividindo-se em dois momentos:
primeiro é livre, todos ficam à vontade para caminhar, observar as prateleiras e folhear
quaisquer livros, podendo ler apenas uma página, trocar com os colegas, receber minhas
indicações, etc. Após a primeira aula, o equivalente a 50 minutos de leitura ou de contato com
os livros, cada um é orientado a ler um trecho do livro que escolheu. Sem questionários ou
96
exigências para um trabalho, a avaliação é a leitura, a participação. Percebi que, no primeiro
momento, muitos recorriam a mim para pedir orientação, nossos educandos e educandas não
sabem o que ler ou o que pode ser interessante para a idade deles no ambiente de uma
biblioteca escolar, uma turma de cinco estudantes apaixonados por futebol não sabia da
existência de livros sobre o tema ou ainda das enciclopédias com o perfil de grandes
jogadores, por exemplo. A timidez de muitos, no momento da leitura, foi aos poucos
melhorando quando percebiam a aceitação da turma e a minha enquanto professora.
Geralmente, eu começava a leitura do trecho que havia escolhido.
Acredito que, durante um ano letivo, os educadores podem realizar testes, criando
suas próprias propostas e transformando-as em experiências, para aplicar aos poucos em suas
turmas. Por isso, é necessário ver a sala de aula como espaço de criação de novas práticas e
não apenas de reprodução, é nela que o professor/pesquisador poderá montar seu laboratório
de pesquisa, inovando sua prática docente.
5.1 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO I
O questionário I que foi aplicado antes do início da primeira oficina de leitura,
após a explicação da pesquisa, teve como objetivo principal desvendar quais são as ideias
gerais que os estudantes têm sobre leitura e qual é o contato destes com textos literários A
primeira pergunta revelou que os estudantes acreditam que saber ler se relaciona à expansão
do conhecimento que temos e todos afirmaram que a leitura é positiva para a sociedade. De
uma forma ou de outra, todos acreditam que ela é um fator muito importante para a vida em
sociedade. Desde conseguir um trabalho a facilitar coisas simples do dia a dia, como ler uma
placa importante em algum lugar.
Alguns relataram que ler é entender melhor as coisas do mundo, outros, porém,
não esqueceram o lado lúdico e ficcional da leitura, como a imaginação e o mergulho em
histórias diferentes. As respostas, ora mais abrangentes, ora referentes a algo menor ou mais
específico, deixaram clara a consciência da turma sobre a importância da leitura. Alguns ainda
afirmaram que a leitura tem a ver com conhecer coisas novas, conseguindo ainda estabelecer
relações com os diferentes tipos de leitura. A educanda ‘A’ disse que “Saber ler significa que
eu aprendo o que os meus professores queriam, ler palavras, conhecer livros e também ler não
é só ler livros, é também interpretar desenhos e isso é muito interessante, você saber o que
significa aquela imagem”. Diferentemente do que muitos professores relatam, de que os
97
estudantes não possuem consciência da necessidade da leitura, estes conseguem visualizá-la
de forma complexa e não seria esta a maior dificuldade em seus processos de letramento.
Na segunda pergunta, o estudante era convidado a explicar seu contato com a
leitura. O educando B disse que seu contato é “Quando a professora leva a gente para a
biblioteca”, ou seja, um singelo momento faz a diferença no processo de leitura e a escola
pode ser o único espaço propício para a leitura literária de muitos. Dos 22 participantes que
responderam ao questionário, apenas três relataram que praticam a leitura literária em casa e
na escola constantemente. Dois deles afirmaram que é muito difícil e que não gostam e o
restante respondeu que o único contato com a leitura de textos literários ocorre na escola.
A terceira e a quarta questões eram objetivas, 12 afirmaram nunca terem lido um
texto teatral, sendo que 6 disseram já terem assistido a uma peça e os outros 6 afirmaram
nunca terem assistido. Enquanto isso 10 disseram já terem lido, sendo que 5 já assistiram a
uma peça de teatro e os outros 5 nunca assistiram. Percebe-se que há um equilíbrio entre os
números encontrados, demonstrando que aos poucos o contato com o texto teatral e com o
Teatro está se aproximando do campo, inclusive através da própria escola, afinal, durante a
aplicação, muitos estudantes perguntaram se a peça apresentada na noite cultural da semana
anterior contava como peça de teatro que a pergunta falava, então para muitos, a escola já está
proporcionando novas experiências.
Buscando investigar as vivências de leitura anteriores ao Ensino Médio, a
pergunta cinco nos trouxe relatos de momentos que, para eles, foram marcantes, tais como: a
reunião de todos no cantinho da leitura para contar histórias; rodas de leitura e conversas;
leitura de textos através de brincadeiras; leitura expressiva da professora com o poema “A
bailarina”; aulas divertidas na biblioteca; saraus de leitura; leitura em voz alta. Importante
observar que todas estas práticas de leitura recordadas como positivas pelos estudantes estão
relacionadas com a relação que o professor estabelece com o corpo na sala de aula, uma
leitura dinâmica envolve este elemento como centro de sua compreensão. Muitas vezes, o
ensino médio representa uma drástica quebra, onde o lúdico é completamente esquecido e
associado apenas as crianças ou ao ensino fundamental. Os estudantes chegam ao primeiro
ano do ensino médio e muitas vezes encontram uma forma rígida de ler os textos, inclusive os
literários, causando, por vezes, o distanciamento daqueles que gostavam dos momentos de
leitura do fundamental. Exigir um comportamento adequado ao adolescente é algo necessário,
mas esta não deve ser vista como uma tentativa de atrofiar sua capacidade de criação e
imaginação através de interpretações moldadas por respostas únicas de professores ou de
98
livros didáticos. Esta questão, todavia, não gerou relatos apenas positivos, entre as
experiências importantes, pois dois estudantes destacaram que não tinham momentos
marcantes porque os professores não trabalhavam literatura. A aluna ‘A’ disse que “Não tinha
nenhum contato, pois a professora só passava atividade sobre sujeito, adjetivo, etc”,
denotando que a prática tradicional com ênfase apenas na gramática normativa da Língua
Portuguesa não dava espaço para bons momentos com a leitura.
A pergunta seis, no momento da aplicação, foi a que gerou mais dúvidas. Não
somos educados para falar sobre o corpo ou para dar atenção a ele nem em casa, muito menos
ainda na escola, talvez por isso as dúvidas. Das vinte e duas pessoas, doze afirmaram que se
sentem bem em relação aos seus corpos na sala de aula. No entanto, as dez outras
demonstraram algum tipo de desconforto, a maioria relacionado ao cansaço por ter que passar
muito tempo sentada e na mesma posição. A educanda ‘C’ demonstrou vontade em participar
mais ao falar que “me sito semi-ativa, não da forma que eu queria, queria ser mais presente
em leituras em sala, apresentações entre outros, mas acaba sendo mais fácil não falar”.
Compreendo que esta fala demonstra interesse ela leitura, contrapondo-se ao comportamento
desmotivado de muitos. Nós, educadoras e educadores, temos a tendência de, por vários
motivos, não perceber esses interesses e acabar não motivando o suficiente. A fala da
estudante demonstra que a mesma quer ser sujeito de sua escola, participando ativamente.
Outra resposta do Aluno ‘D’ afirma: “me sinto cansado em relação ao físico, pois sinto que
meu corpo ultimamente anda muito cheio de dores e minha mente anda muito bagunçada,
cheia de perguntas sem respostas”. Depreendemos desta fala que ele soube perceber seu corpo
além do aspecto físico, relacionando-o com a mente. Essa percepção é extremamente
importante para a compreensão do próprio eu, do controle de suas emoções e de seus
relacionamentos.
Para finalizar o primeiro questionário, 18 estudantes afirmaram que o Teatro
possui relação com a sala de aula, enquanto quatro disseram que não possui. Podemos
associar a resposta com as experiências de leituras vivenciadas ao longo do ano letivo na
escola. As leituras sempre traziam aspectos teatrais, principalmente naquelas em voz alta,
onde costumava-se exercitar as formas de ler os textos. Trabalhamos com a leitura de poesia,
enfatizando a métrica, as rimas, a sonoridade das palavras e os significados que elas trazem
para o texto, percebendo assim que uma leitura adequada pode contribuir para a melhor
compreensão dos textos literários.
99
Ao longo desse trabalho, também percebemos que, aos poucos, os estudantes
foram se soltando e explorando formas diferentes de ler, com outras intensidades, outras
expressões sonoras, enfim, a experiência com a poesia contribuiu para a sensibilização do
leitor com o ato de ler, retirando um pouco das amarras tradicionais que durante muito tempo
foram colocadas sobre o processo de leitura literária, desconstruindo um tipo de leitura
robótica, automática, na qual o estudante não pode expressar suas emoções.
5.2 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DAS OFICINAS
Como já fora citado no capítulo anterior, as oficinas foram aplicadas nas aulas de
Língua Portuguesa da turma na qual atuei como educadora da referida disciplina no ano de
2018. A primeira oficina, com nome Motivações para a leitura, partiu da ideia de introduzir o
tema da avareza para, através dele, motivar a leitura da obra O santo e a Porca, de Ariano
Suassuna. No primeiro momento, foi explicado a proposta de forma breve, com o objetivo de
ser a aplicação o mais natural possível e logo foi aplicado o primeiro questionário. Em
seguida, iniciou-se a oficina propriamente dita com o Jogo I – Sentindo o EU com o EU.
Neste momento, toda a turma participou. Nos cinco primeiros minutos, houve uma
dificuldade em ficar concentrado, o que é absolutamente normal após o horário de intervalo
no qual estávamos. No entanto, ao longo das orientações, um profundo silêncio pairou sobre a
turma e, a cada instrução, os estudantes movimentavam a parte do corpo citada lentamente.
Observou-se que, para eles, era preciso o movimento para sentir cada parte, passada a terceira
orientação, todos estavam com os olhos fechados, como uma forma de expressar a timidez
diante de algo novo. A maior dificuldade percebida neste primeiro jogo foi a de permanecer
com os olhos abertos, o medo da avaliação do outro foi percebido em todos.
No segundo jogo Caminhada no espaço 1, afastamos as cadeiras para o fundo da
sala. Apenas dez estudantes se prontificaram a participar, o restante ficou na plateia. Enquanto
caminhava com os dez, os outros pareciam assustados com a ideia de estar na frente de um
público. Os que caminhavam demonstraram interesse em fazer algo novo, no entanto, ao
longo das instruções, foram surgindo as dificuldades e dúvidas, tudo parecia muito abstrato. O
estudante ‘D’ disse “Como vou fazer isso?” e, em seguida, todos olhavam para mim. Era um
exemplo a ser seguido, porém isso não os limitava, os movimentos por mim realizados era
apenas o pontapé inicial para os movimentos que eles poderiam realizar.
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Durante o jogo, eles investigaram o ambiente da sala de aula completo, incluindo
tocar nos que estavam na plateia. Os 10 minutos programados se transformaram em 25
minutos e, logo após, todos sentaram e conversamos sobre o momento e o que sentiram. Neste
processo, o momento de falar sobre o que foi vivido é muito importante. Nas falas, ainda um
pouco impactados com a vivência, fica nítida a vontade de continuar e de entenderem o que
foi vivido. A estudante ‘E’ disse que “Foi estranho, diferente, tive vergonha, mas quando vi
que a tia tava fazendo, passou!”, enquanto a educanda ‘F’ disse que “Não sei explicar, vi a
sala diferente, não tinha tocado nas paredes antes!”. A conversa durou cerca de 15 minutos.
Em seguida, realizei uma breve introdução sobre o mundo capitalista e as
estratégias de sobrevivência, sem slides, oralmente. Assim, acabamos nos detendo bastante
nos jogos e, infelizmente, não houve tempo para a aplicação da segunda parte da oficina na
primeira aula. Percebi que, na proposta elaborada, havia muita coisa para realizar na primeira
oficina, por isso, selecionei os jogos e em seguida introduzi o tema da avareza através do
debate sobre o mundo capitalista e sobre os pecados capitais. Para finalizar esse momento,
com as palavras já escondidas antes da aula na sala, orientei que eles deveriam encontrar
quatro palavras escondidas que se relacionam com um dos sete pecados capitais. O jogo durou
uns 10 minutos, encontraram as palavras pão-duro, mão-de-vaca, unha-de-fome e muquirana,
chegando, assim, ao tema da obra a ser lida, a avareza.
Na segunda aula, continuamos com foco no autor, realizando o que Rildo Cosson
chama de introdução. Apresentei dois trechos do filme O auto da compadecida, baseado na
obra de Ariano Suassuna, para que os estudantes chegassem ao nome do autor. Para minha
surpresa, todos conheciam o filme, mas ninguém sabia que era baseado em um livro, muito
menos em uma peça teatral ou quem era o escritor da história. Expliquei aspectos centrais da
vida de Ariano Suassuna, enfatizando a sua influência da Literatura de Cordel, pois a turma
tinha acabado de estudar esse assunto. Em seguida, começamos com o Jogo III - personagem/
relacionamento, dando início à oficina II, intitulada A leitura no corpo do leitor. Durante o
jogo, chegamos à mesma conclusão que Spolin propõe, em suas palavras:
‘Por meio da discussão, os alunos irão concordar que as pessoas nos mostram quem
elas são por aquilo que dizem sobre si mesmas, mas por meio de suas atitudes.
Quando chegarem a este ponto, traga o fato de que atores, para comunicar sua
identidade à plateia, precisam mostrar Quem através do relacionamento com seus
parceiros de jogo. ‘Mostre, não conte!’ (SPOLIN, 2008, p. 71)
101
A partir disso, expliquei que essa é uma característica do texto teatral, ele não fala
sobre as personagens, ele expõe suas ações e são estas que descrevem suas características.
Logo após, dividi a turma em grupos e distribuí os livros para iniciarmos a leitura da peça O
Santo e Porca. A equipe 1 iniciou a leitura, cada integrante era um personagem e, logo no
início, dois estudantes deixaram claro a importância da entonação, eles próprios chamando
atenção uns dos outros. A forma de ler o texto também foi um elemento trabalhado desde o
início do ano letivo, fazendo-os perceber que ler uma poesia nos exige uma postura totalmente
diferente da de ler uma notícia. Ficou perceptível o preconceito de dois meninos em não
querer ler a fala de uma personagem mulher, Caroba, porém, após insistência dos próprios
colegas, ele leu, e, mesmo ao longo da leitura trocando de equipe, o mesmo não quis deixar a
personagem. Assim, realizamos a leitura do primeiro e segundo atos, finalizando a aula do
dia.
Figura 1 - Estudantes lendo o primeiro e segundo ato.
Fonte: Elaborado pela autora
Importante ressaltar que frases marcantes de alguns personagens ficaram na
memória dos estudantes. Nos corredores, um ou dois dias após a leitura, eles me encontravam
e diziam “Ai, meu Santo Antonio, ai, minha porquinha!”, revelando a interação que eles
102
tiveram com a peça e como a leitura os tocou fortemente, dialogando com o que Perissé
(2006) nos diz sobre a literatura:
A leitura não é uma atividade mecânica, de mero reconhecimento de sinais. Educar-
se na leitura é aprender a interpretar símbolos, analisar personalidades, captar
sentidos, criar mundo tendo como ponto de partida os mundos criados pela palavra
literária. (p. 130)
Os estudantes mais participativos acabaram se identificando com a personagem
Eurico, tanto pela forma “aperriada” de se expressar, quanto pelas confusões nas quais ele se
envolveu, sendo estas relacionadas à linguagem, confundindo assuntos e ficando atrapalhado
diante da família.
Na aula seguinte, apliquei a oficina III, denominada interpretar é ler o texto no
corpo. Ocorreu um fato inédito para a turma, todos chegaram à sala no horário correto,
ansiosos pela continuação da história. Iniciamos, porém, com a continuação da oficina II, que
não deu tempo de ser aplicada completamente. Em razão disso, começamos com o Jogo IV -
caminhada no espaço n.2. Logo no início, os estudantes afirmaram que o espaço da sala era
pequeno para caminhar e sugeriram irmos para a quadra esportiva, que no momento estava
disponível. De pronto, concordei com a proposta, porém, de 28 pessoas presentes no encontro,
apenas 12 quiseram participar deste jogo. Apesar de ocorrer dispersão neste local, a turma tem
razão ao afirmar que a sala de aula acaba sendo um espaço pequeno para explorar, afinal ela
possui muitas mesas e cadeiras.
A identificação com as personagens ocorreu de forma lúdica ao longo das
instruções. As que foram mais aclamados e mais bem representados foram Caroba, Eurico e
Dodó. Para representar Caroba, as estudantes usaram formas corporais que se aproximavam
de uma figura empoderada. Nas pausas, ficavam sempre em posição de mulher maravilha,
com o braço para cima em posição de luta, ou ainda com o nariz empinado, insinuando algum
respeito, enquanto os estudantes representavam Caroba sempre rindo, como a debochar dos
outros pela sua esperteza. Para as meninas, dar corpo à personagem foi a oportunidade de
enfrentar frente a frente a postura machista dos colegas de sala, assumindo-se como
protagonistas de uma história, capazes de conseguir o que querem, de enganar para favorecer
a todos. Para elas, o corpo de Caroba vinha de maneira mais espontânea, como a abraçar seu
próprio desejo de atuar e de ser capaz de promover mudanças em sua realidade, enquanto para
os meninos esse corpo demonstrava um incômodo, não por ser uma mulher, mas por ser uma
mulher empoderada, por isso, as meninas riam da forma como eles a representavam.
103
Durante a caminhada, quando representavam Eurico, inevitavelmente surgiram as
expressões frequentemente ditas por ele, gerando riso e alterações no corpo, deixando-os mais
soltos e menos automáticos. Os movimentos tornavam-se espontâneos, como nos diz Viola
Spolin:
A intuição é sempre tida como sendo uma dotação ou uma força mística possuída
pelos privilegiados somente. No entanto, todos nós tivemos momentos em que a
resposta certa “simplesmente surgiu do nada” ou “fizemos a coisa certa sem pensar”.
Às vezes em momentos como este, precipitamos por uma crise, perigo ou choque, a
pessoa “normal” transcende os limites daquilo que é familiar, corajosamente entra na
área do desconhecido e libera por alguns minutos o gênio que tem dentro de si.
“Quando a resposta a uma experiência se realiza no nível do intuitivo, quando a
pessoa trabalha além de um plano intelectual constrito, ela está realmente aberta para
aprender (SPOLIN, 2010, p.34).
Por isso, denomino esse momento como o auge do trabalho com o corpo nas
oficinas, onde a espontaneidade alcançada demonstrou um autoconhecimento corporal que,
até então, a turma não havia desenvolvido. Como explica Viola Spolin “...Os jogos teatrais
vão além do aprendizado teatral de habilidades e atitudes, sendo úteis em todos os aspectos da
aprendizagem e da vida”. (SPOLIN, 2012, p.27).
Figura 2 - Estudantes jogando e representando as personagens.
Fonte: Elaborado pela autora
104
Obviamente, esse momento só foi possível após as outras vivências, sendo
resultado de um processo de consciência corporal e, para esta, o texto teatral de Ariano
Suassuna teve grande contribuição. Sobre os feitos de uma boa leitura, ressalta Perissé (2006):
A literatura nos ajuda a realizar essas descobertas descortinadoras. Descobertas
feitas em diálogo com autores que jamais conheceremos fisicamente (mas que
conheceremos pelo ato da leitura), [...] que devemos marcar com o rosto sério, voz
pausada e grave, com quem se sente capaz de definir o destino do universo com o
poder da mente. Descobertas são descobertas, no sentido mais simples da palavra:
ver o que se antes não se via, e admirar-se! (p. 71)
Se a literatura possui esse poder, aliada aos jogos teatrais, ela demonstrou ter
ainda mais força, possibilitando a ampliação dos sentidos da leitura na escola. Outra
personagem que se destacou pela leitura que os estudantes fizeram de sua postura foi Dodó, o
qual usava sempre um disfarce que o deixava bastante engraçado e estranho. Os meninos, em
especial, adoraram imitá-lo e compará-lo a pessoas conhecidas de suas comunidades. O
exagero nos gestos, na corcunda, na péssima aparência, gerou muitos risos e até os que
estavam mais distantes se aproximaram para assistir à encenação. Aos poucos, alguns foram
se sentindo à vontade para fazer interferências no corpo do outro, sugerindo posições, gestos e
ações que eles poderiam fazer para representar melhor a personagem em questão. Durante
todo o jogo, o riso tomava conta da plateia, Chauí (1982, p.56), não discorda de Spinosa
quando afirma:
A alegria é o que sentimos quando percebemos o aumento de nossa realidade, isto é,
de nossa força interna e capacidade para agir. Aumento de pensamento e de ação, a
alegria é caminho da autonomia individual e política. A tristeza é o que sentimos ao
perceber a diminuição de nossa realidade, de nossa capacidade para agir, o aumento
de nossa impotência e a perda da autonomia. A tristeza é o caminho da servidão
individual e política, sendo suas formas mais costumeiras o ódio e o medo
recípocros. (CHAUÍ, 1982, p. 56)
Neste caso, o riso como fator de alegria expandiu os horizontes de leituras e da
realidade, proporcionando uma maior interação entre os participantes. A participação da
plateia, no início, deixou os jogadores um pouco constrangidos, mas com a minha
participação e a aceitação da plateia, foram se soltando. Durante a representação do caminhar
de Caroba, um aluno chegou a dizer “Não imaginei Caroba assim não!”, uma das meninas
respondeu “Eu que tô fazendo”. A primeira frase reflete que eles conseguiram criar imagens
das personagens, enquanto na segunda podemos identificar a força do jogo de dar autonomia
aos sujeitos e os fazerem construtores do texto, de uma nova interpretação e possiblidade
criativa.
105
Em outro momento, a plateia reclamava que alguns Euricões estavam muito
calmos, tranquilos, afirmando que a personagem não era assim. Como resposta, um estudante
disse “Olha! O da tia também é estranho!”, ou seja, ao observarem as minhas ações,
perceberam que não havia certo ou errado, cada um era responsável pela criação daquele
corpo.
Após alguns minutos de jogos, paramos e conversamos um pouco sobre as
dificuldades encontradas, como nos sentimos, e os relatos afirmaram ter sido legal e divertido,
mas que no começo foi muito difícil. Em seguida, voltamos para a sala de aula e continuamos
a leitura. Felizmente, concluímos a leitura ao fim da segunda aula, porém, faltou a quarta
oficina ser aplicada. Por isso, adiei, para a semana seguinte, a finalização da discussão e da
interpretação do livro.
[...] o professor, ao estimular o desenvolvimento dos modos de ler a obra literária,
além de contribuir para a aprendizagem da literatura, ampliando o acervo textual de
cada aluno, seus conhecimentos sobre a história da humanidade, os autores, os
estilos, contribui para o desenvolvimento pessoal, das subjetividades, do “ser no
mundo”, promovendo, ainda, o desenvolvimento de estratégias de leitura que podem
ser usadas em muitas e variadas situações de interpretação textual (2004, p. 94).
Na semana seguinte, começamos a oficina IV – Outras possibilidades de
interpretação no corpo do leitor, com o Jogo VIII - NÓ. No primeiro momento, apenas 10
estudantes participaram, no entanto, quando concluímos o jogo, pediram para fazermos
novamente e neste momento mais cinco resolveram participar.
Figura 3 - Estudantes jogando o jogo Nó na sala da aula.
Fonte: Elaborado pela autora
106
O objetivo de desfazer o nó dado gerou, da primeira vez, um alvoroço enorme,
mas, da segunda, houve muita concentração e conseguiram desfazer o nó com perfeição e sem
barulho. Acredito que esse foi o jogo que mais teve participação e concentração por parte de
todos, inclusive da plateia, que ficou angustiada pelas dificuldades encontradas durante a
execução do jogo.
Figura 4 - Turma jogando o jogo Nó na quadra escolar.
Fonte: Elaborado pela autora
Em seguida, já introduzimos o Jogo VIII - Siga o seguidor, onde apenas cinco
duplas participaram, divertindo todos os outros. Enquanto algumas duplas faziam movimentos
simples, outras exploravam o máximo possível do corpo e do espaço, dificultando a vida dos
seus parceiros.
Continuando a atividade das caminhadas no espaço, retornamos às representações
das personagens femininas através do corpo, buscando identificar as semelhanças e diferenças
entre elas. O momento mais significativo foi o debate, no qual a turma demonstrou
compreender a importância de Caroba, enquanto afirmavam que Margarida e Benona
acabavam ficando sem graça, porque eram medrosas apesar de suas participações no plano.
107
Devido ao grande tempo que levamos no jogo anterior, não tivemos condições de aplicar o
último jogo, chamado Tocar e ser tocado.
5.3 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO II
Este questionário teve como objetivo compreender de forma mais sistematizada
como os estudantes receberam as oficinas, tanto a parte da leitura do texto teatral escrito,
quanto os jogos, tentando identificar quais mudanças ocorreram no que se refere a sua relação
com seu próprio corpo e com os outros corpos. No dia da aplicação deste questionário, 18
pessoas responderam-no.
A primeira pergunta se refere a como os estudantes se sentiram ao participarem
das oficinas. Todos afirmaram se sentir bem com os exercícios, e a maioria justificou, dizendo
ter sido muito divertido. Entre estes, dois afirmaram que se sentiram “leves”.
A estudante ‘A’ escreveu que se sentiu “mais envolvida na história do texto.” Este
simples relato nos mostra que ela conseguiu compreender melhor o texto a partir dos jogos,
corroborando com a ideia de que estes podem contribuir para a formação de leitores e,
portanto, para o processo de letramento literário na escola.
A educanda ‘B’ disse: “me senti bem, foi muito bom desenvolver a leitura e
interagir com os colegas.” Esta afirmação confirma que a interação entre os leitores, antes,
durante e após a leitura, contribui muito mais para a compreensão de aspectos complexos da
obra e para o desenvolvimento das relações humanas e das competências socioemocionais.
O aluno ‘C’ afirmou: “achei muito divertido e interativo, algumas partes senti
dificuldade, mas no fim deu certo.” O sentimento de dificuldade do aluno, no início,
demonstra o quão ainda é novo o trabalho com o corpo na escola e, durante as primeiras
tentativas, pode-se sentir desconforto ou vergonha, mas, aos poucos e com as demonstrações e
ajuda do(a) professor(a), a turma fica mais solta, assim como ocorreu nesta experiência.
Por outro lado, o estudante ‘D’ disse que “mim senti bem pois as oficinas são
legais e são muito legais para diferenciar das aulas.” O uso dos jogos teatrais na sala de aula
poderá causar estranhamento entre os outros colegas professores, mas, certamente, o novo na
sala de aula traz movimento, como trouxe para esta turma. As conversas paralelas em sala
ganharam um foco, o livro.
108
A segunda pergunta trata especificamente do interesse que a obra gerou entre os
estudantes e o porquê deste interesse ou não. Apenas um estudante afirmou que não gostou da
peça, justificando que saiu da sala antes de acabar a leitura. Os demais afirmaram que
acharam interessante, destacando o caráter cômico da peça. Existem outras justificativas que
também merecem destaque, tais como: “porque a obra é muito divertida e nos faz imaginar a
cena na hora da leitura da obra”; “porque a obra é muito interessante, quanto mais ler, mais
curiosos ficamos para saber o final”; ”pois a história tem bastante diálogos entre as pessoas”;
“a forma que as personagens falam, passa humor a partir das personagens”; “porque não tinha
visto um livro com tantas aventuras”. Estas justificativas demonstram que a turma conseguiu
compreender a estrutura básica e/ou os principais elementos de um texto teatral, apontando
aspectos de extrema relevância, como os diálogos, que conseguem dar ao leitor suporte
suficiente para que este imagine as cenas e elabore com criatividade sua visão das
personagens. Conseguiram também ler características importantes da obra de Ariano
Suassuna no texto: a comicidade das falas que provocava o riso, a sequência de fatos que
constituem um ar misterioso na história, permitindo que os leitores se prendam à leitura e
mantenham a concentração para não perder detalhes importantes das armações.
Para a terceira pergunta, que se referia à opinião sobre o fato do teatro poder
tornar a sala de aula um ambiente mais acolhedor, todos afirmaram que sim, corroborando
com a maioria das repostas da questão seis do questionário I. Nesta perspectiva, o teatro
estabelece relação direta com a sala de aula e pode contribuir com a construção de relações
mais saudáveis entre os educandos e educadores. Quando falamos em teatro, referimo-nos à
complexidade do termo, não necessariamente a uma encenação ou à montagem de um
espetáculo, mas, sobretudo, ao teatro enquanto trabalho com o corpo, com experimentos
corporais e vivências.
Na quarta questão, ao responderem sobre a relação entre o teatro e a leitura, os
estudantes concordaram com a resposta da questão anterior e souberam identificar aspectos
dessa relação. Afirmaram que esta relação “melhora a nossa forma de entender”, “expressa a
leitura através do teatro dramatizando cenas”, “lemos a história, imaginamos a cena e
tentamos interpretar”, “eles se complementam, pois juntos ajuda a entendermos mais”,
“melhora a leitura”, “é que quando nós fazemos a leitura nós estamos interpretando o
personagem”, “é uma sensação de acolhimento pois da gosto ler e interpretar”, “podemos
atuar na história como personagens”, “é a intensidade como você ler as falas das
personagens”. Para estes estudantes, o teatro ou os jogos teatrais podem contribuir
109
positivamente para o ensino, na sala de aula e em várias disciplinas, não como um fim, mas
como um caminho, um meio para criar consciência corporal leitora.
A quinta questão, referente ao corpo, buscava incentivar a reflexão sobre este à
medida que a turma poderia também reconhecer na experiência vivida a função do corpo
como parte do próprio sujeito e de sua compreensão textual. As respostas foram variadas,
porém, diferentemente do primeiro questionário, não houve muitas dúvidas ou espantos com
essa questão, demonstrando que a turma, após a vivência, passou a ter uma maior consciência
sobre o corpo. Sobre as respostas, destacamos as seguintes: “interagir, não só ficar sentado,
mas participar”; “participar mais de oficinas de leitura”; “importante para entender os textos
através de dinâmicas”; “o nosso corpo tem muita participação na sala de aula porque a gente
mentaliza as coisas, aprende novas coisas e tem mais facilidade de compreensão”; “interagir
mais”; “para praticar exercícios”.
A partir destas respostas, podemos compreender que não adianta o professor
apenas falar sobre a importância do corpo ou como o seu entendimento passa pela
compreensão de quem nós somos em totalidade, é necessário proporcionar vivências
corpóreas para que os sujeitos, por si só, através das orientações, possam atingir o mínimo de
consciência possível. Além disso, o elemento corpo, quando passa a ser reconhecido como
componente integrador do processo de ensino, consegue se distanciar da sexualização que a
sociedade faz dele, o que o torna liberto para ser o que quiser.
5.4 AVALIAÇÃO FINAL DO PERCURSO DE LEITURA
A aplicação de uma proposta com elementos considerados novos gera,
inevitavelmente, comentários entre os educadores e educandos. Estes últimos, na referida
proposta, demonstraram interesse em atividades diferenciadas, alegando que a maioria das
aulas eram paradas, cansativas e demasiadamente teóricas. Em contrapartida, as turmas que
observavam a interação daquela turma específica com as etapas das oficinas realizadas
durante o ano letivo questionavam os outros educadores sobre a necessidade de terem aulas
semelhantes e o porquê deles também não seguirem aquela metodologia. Esse fenômeno nos
faz refletir sobre o ensino, muitas vezes, fracassado no ambiente escolar, maçante, numa
pedagogia tradicional, que não reconhece a complexidade dos seres humanos e a necessidade
da expressão artística para o aprendizado. Além disso, podemos perceber a força e impacto
110
que uma nova proposta de atividade possui. Para além da sala de aula, mexe com a escola
toda e, consequentemente, provoca mudanças.
Entre os pontos positivos encontrados no percurso desta aplicação, identificamos
também o contexto social no qual a referida instituição escolar está inserida, a importância
dada ao resgate histórico, a preservação e recriação cultural, as referências à luta e aos
movimentos sociais. Tudo isso contribuiu para que a proposta pudesse ser aceita pela
comunidade escolar. A porção da realidade Manifestações Culturais, desenvolvida como
estratégia pedagógica na escola do campo, promovia referências ao Movimento Armorial de
Ariano Suassuna no sentido de preservar uma identidade cultural do Nordeste.
A biblioteca escolar teve um importante papel nesta proposta, apesar de não ter
um funcionário específico para o ambiente no referido ano da pesquisa. Através de doações,
ela possui um ótimo acervo e, por isso, tem dez exemplares do livro O santo e a porca. Isso
facilitou a aplicação da proposta. Com os livros em mãos, as equipes conseguiram exercer
com expressividade a função de leitores. Afinal, para muitos, a obra de Ariano Suassuna foi o
primeiro livro lido por completo e, no processo de letramento literário, o contato com o livro
impresso é de extrema relevância. A materialidade das páginas oferece ao leitor maior
envolvimento físico com a obra e, consequentemente, com a leitura.
A avaliação que podemos fazer do uso dos jogos teatrais nesta experiência é que a
sua utilização implicou em outras formas de ler, principalmente através do corpo,
interpretando e percebendo a estrutura do texto em sua essência (os diálogos) e os
personagens em suas características individuais. Acreditamos, após essa experiência, que o
ato de ler por si só não é suficiente, podemos associar outras práticas a ele. Neste sentido, os
jogos contribuíram, como os próprios estudantes afirmaram, para um modo de ler
diferenciado, ou seja, com o corpo e na interação deste com outros. Outra vantagem de usar os
jogos é que não precisamos de muitos materiais, os sujeitos e um espaço favorável já
possibilita o trabalho. Aliados à leitura literária de textos teatrais, os jogos podem contribuir
para a formação de leitores no ensino médio de forma significativa.
Por outro lado, nem sempre as escolas estão abertas ao novo, nem sempre o
professor terá a liberdade de aplicar novas metodologias. Percebemos que, em escolas
públicas, existe uma maior flexibilidade neste sentido, propostas são mais aceitas e são estas
que podem promover mudanças nos educadores e nos educandos.
111
A primeira dificuldade encontrada foi na elaboração da proposta, adequá-la à
complexa realidade da E.E.M. Francisca Pinto dos Santos foi um desafio, pois, como escola
do campo, esta possui muitas atividades e está em constante mudança, sendo, portanto, difícil
introduzir algo a mais nas aulas que esteja de acordo com os componentes curriculares
específicos. Não é sempre que nossas pesquisas e experimentos estarão de acordo com as
necessidades escolares e individuais dos estudantes, cabe a nós adequá-las ou criar novas
estratégias.
Durante as oficinas, percebemos que se concentrar na leitura ainda é um desafio
para alguns, por isso a necessidade de pensar sobre ela. A leitura dos atos de O Santo e a
porca, em equipes, demonstrou que havia um grande desequilíbrio nos níveis de leitura dos
estudantes, enquanto alguns articulavam a leitura no nível de leitores proficientes,
compreendendo os significados do texto, o jogo de palavras que os levavam ao riso, outros
não conseguiam acompanhar a leitura por motivos de desconcentração, executando uma
leitura decodificada com extrema dificuldade.
O processo de leitura no ensino médio envolve diversos fatores sociais que
dialogam com essas duas grandes dificuldades encontradas. A primeira pode ser relacionada à
realidade de um ensino fundamental defasado, que não consegue formar leitores, muito menos
leitores literários. Pensando no contexto dos estudantes da turma na qual fora aplicada a
proposta, podemos compreender que o trabalho, que muitos realizavam pela manhã, tanto na
agricultura quanto em casas de família, implicava diretamente na aprendizagem dos mesmos.
Alguns chegavam cansados, demonstrando sono e obviamente isso prejudicava o seu
desempenho escolar.
A segunda grande dificuldade, que aos poucos foi ganhando destaque nas oficinas,
foi a relação dos estudantes com os seus corpos ou com os corpos dos seus colegas de classe.
Adolescentes, muitos gostavam de insinuar temas sobre sexo durante as aulas, sempre de
forma erotizada, demonstrando que o tema não é mais um tabu. A problemática envolve os
estereótipos e a erotização dos corpos desde muito cedo. A sociedade nega o direito dos
estudantes de conhecerem seus corpos e falar sobre eles por outros vieses, o da arte, da
sinestesia e da própria literatura. Por isso, o corpo torna-se um elemento banalizado, sem
reconhecermos a sua importância para o autoconhecimento, inclusive para a luta diante das
injustiças sociais. Sendo esta última um grande foco das escolas do campo, estas, portanto,
deveriam estar mais atentas a como o corpo é estudado e investigado na própria escola e no
movimento que a envolve, buscando aberturas ainda maiores que estas experiências
112
realizadas, num trabalho contínuo. Na prática, muitos possuem medo de mostrar-se em
posições diferentes, medo do julgamento dos colegas. A experiência, por ser considerada
diferente das aulas, despertou interesse da maioria da turma, tirando-os da zona de conforto
vivida no ambiente escolar, principalmente através do elemento da tensão pós- leitura e pré-
jogo teatral.
113
6 CONCLUSÃO
Ao final deste trabalho, constatamos que a formação de leitores ainda enfrenta
grandes desafios na escola. Muitas vezes, estes não dependem unicamente da mudança de
postura ou de metodologia do professor para serem superados, pois podem advir de fatores
sociais relacionados à família, ao trabalho, à alimentação, que refletem em nossos estudantes
no desânimo diante do ato de ler. Quando refletimos sobre o ensino médio, é ainda pior.
Geralmente, muitos educandos viveram momentos traumáticos relacionados à leitura no
ensino fundamental, como atividades em que esta era um castigo para comportamentos
inadequados. Neste caso, a tarefa do professor é ainda maior no sentido de ressignificar a
leitura no seu processo de escolarização.
Por outro lado, se as transformações das práticas docentes não conseguem por si
só promover a formação de leitores, em especial os literários, sem elas, tão pouco isto será
possível. Muito já se tem discutido sobre os problemas que envolvem a educação brasileira,
no entanto, ainda nos falta pensar um pouco mais sobre o paradigma da reflexão da prática
docente, criando novas possibilidades de ler. Apontar os problemas é fundamental, mas criar
possibilidades e novas estratégias é uma urgência para a sala de aula.
A pesquisa nos fez compreender que a elaboração de sequências didáticas
envolvendo a leitura do texto dramático exige muito mais estudo e planejamento dos
professores sobre a obra, o autor, o contexto histórico da unidade escolar e as especificidades
de cada turma. Considerando tudo o que foi discutido, reafirmamos que a proposta elaborada
e aplicada não possui um caráter imutável, como vimos na análise da aplicação do último
capítulo, assim, não pretendemos que esta seja igualmente aplicada em outras escolas e
turmas, mas que possa ser inspiração e fonte de pesquisa para outros educadores.
Constatamos ainda que a obra teatral de Ariano Suassuna possui um grande
potencial para o debate sobre as identidades do povo nordestino e para a valorização de nossas
manifestações culturais e populares, pois o projeto estético de Suassuna dialoga diretamente
com muitas dessas manifestações, além disso, ela pode contribuir para a afirmação de projetos
políticos como a Educação do Campo. Diante desta afirmação, destacamos que tanto a
proposta contribuiu para a realidade da escola, quanto o contexto pedagógico escolar também
contribuiu para que a sequência tivesse um sentido mais amplo para os estudantes.
114
A proposta de escola do campo, por sua estrutura curricular, permite uma
flexibilidade em seus conteúdos, adequando-os à realidade dos estudantes. Portanto,
argumenta-se muito sobre a necessidade de uma boa formação dos profissionais da educação
do campo. A porção da realidade adotada pela E.E.M. Francisca Pinto dos Santos,
‘manifestações culturais’, facilitou a aplicação de nossa proposta de pesquisa e esta pode
contribuir com esse debate, principalmente pela relação do autor com a literatura de cordel,
cantadores, violeiros, enfim, com a cultura popular.
Mesmo com adaptações, o uso das sequências básica e expandida de Rildo Cosson
demonstrou eficiência no planejamento, contribuindo para uma melhor organização da leitura
em sala de aula.
Outro aspecto relevante refere-se à relação da leitura com o corpo, um dos
elementos basilares desta investigação. Por usarmos um texto teatral, a proposta nos levou a
trabalhar com os jogos teatrais e, durante as oficinas, eles demonstraram ser grandes aliados à
formação de leitores. A análise da aplicação mostrou que o uso dos jogos, além de ser
motivação para a leitura, contribuiu significativamente com a interpretação da obra e
principalmente para a reflexão sobre as personagens através do corpo do leitor. A experiência
corporal vivida revela que a leitura literária pode ser mais interativa e o leitor pode explorar os
sentidos do texto, desenvolvendo paralelamente o autoconhecimento e o conhecimento
literário. A leitura também é um ato corporal e na sala de aula não podemos mais ignorar esse
fenômeno.
Através da análise realizada no quarto capítulo, concluímos que a proposta
elaborada cumpriu seus objetivos relacionados à formação de leitores no ensino médio através
do texto teatral O Santo e a Porca (1957,) de Ariano Suassuna. A experiência vivida através
das oficinas foi significativa tanto para o incentivo à leitura, quanto para a inovação das
formas de ler e para a criação de uma consciência corporal nos estudantes.
115
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2001.
______. Alfabetização e letramento. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2008.
SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais para a sala de aula: um manual para o professor. Tradução:
Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2008.
SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin; tradução de Ingrid Dormien
Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2012.
______. Jogos Teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Tradução de Ingrid
Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2012.
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______. Farsa da boa preguiça. 10 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
______. Iniciação à estética. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
______. O santo e a porca. São Paulo: Nova Fronteira, 2018.
______. O santo e a porca. 26. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
______. Uma mulher vestida de sol. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.
119
TAVARES, Braulio. ABC de Ariano Suassuna. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
TEIXEIRA, U. (2005) “Dicionário de Teatro”. São Luís, MA: Instituto Geia.
VERSIANI, Daniela B; YUNES, Eliana; CARVALHO, Gilda. Manual de reflexões sobre
boas práticas de leitura. São Paulo: EDUNESP, 2012.
VILAÇA, Marcos Vinicios Rodrigues. Caderno de literatura brasileira. São Paulo:
Instituto Moreira Salles, 2000.
144
Questionário I
01. Para você, o que significa saber ler?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
02. Qual é o seu contato com a leitura de textos literários?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
03. Você já leu algum texto teatral?
( ) Sim ( ) Não
04. Você já assistiu uma peça de teatro?
( ) Sim ( ) Não
05. Qual é a lembrança mais marcante das atividades relacionadas à leitura no seu ensino
fundamental?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
06. Como você se sente em relação ao seu corpo na sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
07. Você acredita que o teatro tem alguma relação com a sala de aula?
( ) Sim ( ) Não
APÊNDICE B
145
Questionário II
01. Como você se sentiu ao participar das quatro oficinas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
02. Achou a obra O Santo e a porca, de Ariano Suassuna, interessante?
( ) Sim ( ) Não
03. Você acredita que o teatro pode tornar a sala de aula um ambiente mais acolhedor?
( ) Sim ( ) Não
04. Qual é a relação do teatro com a leitura?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
05. Qual é a função do seu corpo na sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
06. Essa experiência foi significativa para você? Porquê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
146
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “O texto teatral de Ariano Suassuna
para a formação de leitores no Ensino Médio: o corpo do texto no corpo do leitor”. O objetivo
geral deste estudo consiste em investigar as contribuições dos jogos teatrais para a leitura de
O santo e a porca de Ariano Suassuna na perspectiva da formação de leitores no Ensino
Médio.
Caso você autorize, você irá: 1) Responder dois questionários 2) Participar de oficinas de
leitura
A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir da participação.
Tal recusa não trará prejuízos em sua relação com pesquisador ou com a instituição em que
estuda. Há riscos quanto a sua participação sendo esses (Cansaço ou desagrado ao responder
atividades de leitura e participar dos jogos teatrais práticos; constrangimento ao se expor
oralmente durante a realização dos círculos de leitura e ou a gravações de áudio e vídeo;
desconforto psicológico suscitado pela evocação de memórias pessoais e quebra involuntária
de sigilo.). Tudo foi planejado para minimizar os riscos da sua participação, porém se sentir
desconforto emocional, dificuldade ou desinteresse poderá interromper a participação e, se
houver interesse, conversar com o pesquisador.
Você não receberá remuneração pela participação. Em estudos parecidos com esse, os
participantes puderam vivenciar uma experiência significativa para sua formação estudantil e
a sua participação pode contribuir para o (Experiências de leitura através do desenvolvimento
de uma consciência corpôrea; vivências com algumas práticas da encenação teatral;
contribuição para a formação humana e para o letramento crítico; socialização de
experiências; aprendizado em cooperação; prazer estético;). As suas respostas não serão
divulgadas de forma a possibilitar a identificação. Além disso, você está recebendo uma cópia
deste termo onde consta o telefone do pesquisador principal, podendo tirar dúvidas agora ou a
qualquer momento.
______________________________________
Antonia Alice Queiroz Bezerra
147
(85)992081558
Educadora
O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700,
Campus do Itaperi, Fortaleza-CE, telefone (85)3101-9890, email [email protected]. Se necessário,
você poderá entrar em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na
realização das pesquisas com seres humanos.
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