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6 Universidade Estadual de Campinas � 23 a 29 de junho de

Jornal da Unicamp � O senhortem dito que a reforma da Previdên-cia, tal como foi formulada pelogoverno, é um desastre do ponto devista social e também fiscal. Porque ela seria ineficaz do ponto devista fiscal?

Biasoto�Para o servidor ativovai mudar o cálculo da aposentado-ria, que será feita pela média dosrendimentos. Uma pessoa que en-trou no serviço público com saláriode mil reais e no final da carreira estácom 5 mil reais, na hora de se apo-sentar o cálculo será feito pela mé-dia, o que dará algo em torno de 2,6mil reais. Um servidor, por exem-plo, com 15 ou 20 anos de contribui-ção provavelmente optará por sairda aposentadoria pública e migrarpara um fundo de pensão. Ao fazerisso, o servidor entrará na justiçapara reclamar aquele valor que foidebitado no seu contra-cheque, como qual ele contribuiu durante toda asua carreira. Provavelmente, tam-bém reclamará um outro valor, refe-rente à contribuição patronal. Certa-mente a justiça atenderá ao primei-ro pedido e muito provavelmente aosegundo. Isso com certeza provocaráum rombo fiscal e inviabilizará oscofres estaduais e municipais, queterão de arcar praticamente com u-ma outra folha salarial para pagar osvalores reclamados. Será um desas-tre fiscal.

JU � Se os estados e municípiosnão tiverem de onde tirar os recur-sos, o prejuízo ficará com o servi-dor?

Biasoto � Provavelmente. Alémdisso, as discussões na justiça deve-rão prolongar-se através dos anos ea situação fiscal do município ou doestado ficará sob judice. Isso levaráa um travamento das máquinas es-taduais e municipais porque, a ri-

gor, isso significa endi-vidamento. Ao mesmotempo, o servidor ficasem poder capitalizar. Éuma equação inviável.Não tem como evitar es-sa situação. Se isso acon-tecer, talvez seja necessá-rio expandir o programaFome Zero para os servi-dores que ficarão sem asua aposentadoria.

JU �Nesse caso, por queo governo teria enviadoesse texto ao Congresso?

Biasoto�Francamen-te, acho que ninguém es-

tá entendendo o tamanho da en-roscada em que se está metendo opaís com essa proposta maluca. Ja-mais imaginei que alguém teria acoragem de propor uma maluqui-ce como essa. Essa proposta além deser muito ruim do ponto de vistafiscal também desbarata o serviçopúblico. Há pessoas com 20 ou 25anos de serviço público que não te-rão sequer tempo para construiruma poupança no sistema privado.Um trabalhador, por exemplo, naUnicamp, que tem um salário de 5mil reais, se aposentará com 2,5 mile não terá mais tempo de fazer umanova poupança. O governo teve u-ma ótica absolutamente fiscalistanessa proposta. Não se importoucom a estrutura do estado. O gran-de problema dessa proposta é a suaconcepção. Para mim, ela não se im-porta com a manutenção da estru-

tura do estado. A proposta doverno dá a possibilidade de qutenha um sistema complementnão identifica a forma como esistema complementar irá se conicar com o sistema antigo. No [proposta de reforma apresentpelo governo FHC e arquivada pCongresso] se estabelecia que otema complementar se destinàqueles que ingressassem na carra pública depois da emendaantigos permaneceriam no sisteatual. Ora, ao se mudar a regrcálculo da aposentadoria, usanmédia das contribuições, cria-seproblema de sérias conseqüêncO trabalhador fez poupança pasua aposentadoria. Os seus concheques mostram que ele pasquinze ou vinte anos contribuicom o sistema. Em minha opinnenhum juiz será capaz de dizeresse dinheiro não pertence ao tralhador.

JU � É possível calcular esse rbo?

Biasoto � Do ponto de vista arial, só para os governos estaduhaveria um rombo de aproximamente 700 bilhões. Pode não sedo isso, mas qualquer coisa co10, 15 ou 20 bilhões, a ser questiodo na justiça pelas pessoas signca um desastre fiscal de magnitinacreditável. Na verdade, nguém sabe de quanto será essa coporque não é possível prever juiz concederá apenas o que o vidor tem direito pela sua prócontribuição ou se concederá ucontribuição solidária de um pum ou dois para um. Trata-se dedrama do ponto de vista fiscal

JU � Numa palestra recente, onhor minimizou a importânciadéficit atual da Previdência dotor público. Mas o governo tem balhado a opinião pública commeros que impressionam. Quemtá com a razão?

Biasoto � É lógico que há um pblema previdenciário no setorblico que se expressa numa sérisituações. Mas, do ponto de vfederal, por exemplo, você temdéficit que é mais ou menos cotante nos últimos cinco anos. Mtos ensaios realizados nos últimanos sugeriram um crescimentoponencial desse déficit. Isso nãosido visto. Nos governos estadue municipais temos uma situaque se comporta muito aos salAs máquinas públicas não foconstruídas com cinco mil pessentrando a cada mês. Foram cotruídas gradualmente, com aumtos discretos. Isso me permite dque os déficits mudam de patammas não que tenha uma tendênexponencial como muitos estãolando. Esse problema poderiaenfrentado de outras maneiras

JU � Como, por exemplo?Biasoto � A possibilidade de s

tender um pouco o período de asentadoria é algo justo socialmte e bom para o serviço público. Nacho essa proposta descabida.

JU � O senhor considera necesrio haver uma regra de transiç

Biasoto � A regra de transiçuma necessidade absoluta. Afias pessoas optam pelo serviçoblico segundo um conjunto de

Reforma da Previdência alia dA

Entre

vista:

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CLAYTON LEVY

[email protected]

lém de dilapidar a Previdência do setor público, o projeto de reforma previdenciária enviadoao Congresso pelo governo vai provocar um rombo fiscal sem precedentes, principalmente

nos estados e municípios. O alerta é do economista Geraldo Biasoto Junior, professor do Insti-tuto de Economia da Unicamp, coordenador de política fiscal do Ministério da Fazenda e secre-tário de investimentos em saúde do Ministério da Saúde durante o governo FHC. Biasoto diz quedo ponto de vista fiscal a proposta é indefensável. �Sua promulgação, na forma atual, gerará jus-tamente o contrário da percepção de sustentabilidade dos sistemas de previdência pública quetanto se deseja�, diz.

Segundo o economista, isso acontecerá, primeiro, pela inevitável multiplicação de demandasao Poder Judiciário com respeito ao repasse das contribuições já realizadas. Em segundo lugar,porque, na ausência de norma geral sobre obrigações dos fundos quanto a benefícios e contri-buições, a própria Justiça perderá parâmetros para julgamento. E, em terceiro, porque a falta dedelineamentos quanto ao tipo e forma de aplicação dos recursos a serem acumulados cria grandesdúvidas quanto à sua capitalização adequada. �Infelizmente, a emenda não se preocupa em definira gestão do fundo de capitalização e o destino dos recursos�, diz.

Para Biasoto, ao permitir que leis ordinárias estaduais e municipais regulem os fundos de pensãodos estados e municípios, sem parâmetros nacionais, o governo estará abrindo uma �tempora-da de absurdos�. �A ausência de regras de transição é tão gritante que não se prevê que os te-souros federal, estaduais e municipais transferirão os recursos já poupados pelos servidores aosnovos fundos complementares. Da mesma forma, não se prevê nenhum repasse de recursos

relativos à contribuição patronal que seria devida. Vale dizer, osservidores são entregues à sua própria sorte�, ar-

gumenta.Em artigo recente, Biasoto qualificou aproposta do governo de �um coquetel demaldades que faria corar qualquer dita-dor latino-americano�. O economista cri-tica, principalmente, o ponto que prevêo cálculo da aposentadoria pela médiados rendimentos durante a vida laboral.�Na prática, isso significa cortar quase

pela metade o valor das aposentadorias�,diz. Leia a seguir os principais trechos da

entrevista que Biasoto concedeu aoJornal da Unicamp.

O professor GeraldoBiasoto Junior: �Osservidores sãoentregues à suaprópria sorte�

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s. Então, no mínimo enquantoas regras estão vigentes, o servi-deve ter o seu direito garantido.

m isso, teremos uma avalanche dees judiciais e muita gente vai ga-r as ações, o que provocará um

mbo fiscal imprevisível.

U �Se a proposta for aprovadamo está, qual será o impacto nas

ituições públicas?iasoto � Em primeiro lugar, é ogo muito grande de um pânico

re as pessoas, que já está ocor-do porque ninguém sabe o queacontecer durante as votações.abora muito para isso o fato deornais estarem noticiando quem rolo compressor no Congres-serviço do governo para que aposta seja aprovada a toque dea. Além disso, a proposta de cal-

ar a aposentadoria pela médiacontribuições é um incentivo

a que as pessoas mudem de pro-ão. É verdade que o setor públicoa menos que o privado duran-vida ativa do servidor, mas ema oferece uma aposentadoriaor. Algumas pessoas criticam. Mas, francamente, acho que

a é uma boa conta para o estado.

Se o estado tivesse de buscar o mes-mo profissional sem prometer umaaposentadoria razoável teria depagar muito mais a esse profissio-nal. A conta que o servidor faz é aconta da estabilidade e garantia deaposentadoria integral. O estadoprecisa manter isso se pretende ga-rantir o mínimo de qualidade noserviço.

JU � O projeto do governo tam-bém acena com a instituição de fun-dos de complementação através deleis ordinárias. O senhor diz queisso não vai funcionar. Por quê?

Biasoto � A constituição de 88 fezum grande desserviço ao país nahora em que deu a possibilidade detransformar os antigos celetistas emservidores estatutários. A partir daícomeçaram a ser criados nos esta-dos e municípios institutos de pre-vidência. Em Campinas, por exem-plo, foi constituído em 91 o IPMC(Instituto de Previdência dos Mu-nicipiários de Campinas), com umcálculo atuarial de 55%, sendo 10%do servidor e 45% por parte da pre-feitura. No final, os 55% revelaram-se inviáveis e baixou-se para 35%.Mesmo assim, três anos depois o

fundo estava quebrado e teve de serdesmontado. Isso aconteceu no Bra-sil inteiro. E aconteceu por falta deregras adequadas e porque o volu-me de benefícios concedidos eramaior do que o dinheiro que entra-va.

JU � A proposta de reforma naPrevidência, tal como está, reforçaesse risco?

Biasoto � O PL9 era a forma de sedar uma institucionalidade federale regras de funcionamento para osfundos municipais e estaduais. Re-gras para regular a gestão dos fun-dos, a maneira como os tesouros es-tadual e municipal participam dofundo, como se aplicam os recursosdo fundo, tempo de contribuição, etc.O PL9 colocava essas regras, que de-veriam ser seguidas por todos osestados e municípios. Ainda assim,havia um enorme risco de quebra-deira porque a fiscalização nemsempre é eficiente. Agora, imagine oque pode acontecer com leis ordiná-rias municipais e estaduais montan-do esses fundos. Cada um vai fazero que quiser, será uma salada. Vocêtanto poderá privilegiar servidorescomo roubar o dinheiro das pesso-

as em operações que dão prejuízo.

JU � Isso traria riscos do ponto devista fiscal e social...

Biasoto � Fiscal e social. Do pon-to de vista social, se o fundo quebrar,o servidor fica na rua da amargura.Do ponto de vista fiscal, se o fundoquebrar e as pessoas forem para ajustiça reclamar seus direitos, ostesouros municipais e estaduais vãoter de dar conta do dinheiro. Trata-se, portanto, de um segundo mo-mento em que se cria uma instabi-lidade fiscal enorme.

JU �Sua impressão pessoal é de queo projeto passa ou os parlamentaresvão se conscientizar de sua inade-quação?

Biasoto � Minha grande dúvidaestá no fato de o governo atual estarapostando todas as suas fichas nasreformas. No momento em que eleafirma que vai fazer as reformas por-que são fundamentais, ele coloca a simesmo numa camisa de força. Ago-ra ele terá de jogar tudo nas refor-mas. Daí a explicação para o rolocompressor no Congresso e à censu-ra aos petistas que têm se colocadocontra as reformas. Por outro lado,

estamos assis-tindo nos últi-mos dias a ummovimentomuito pesadode reação, tan-to dentro doPT quanto nasociedade ci-vil. A manifestação dos servidorespúblicos em Brasília deixou issomuito claro. Acho que a situação derecessão em que o país está aliada àreação dos servidores tornará maisdifícil para o governo conseguir aaprovação do projeto.

JU � Em que pontos o senhor achaque o texto sofrerá modificações?

Biasoto � O primeiro ponto, queconsidero crucial, é o cálculo da a-posentadoria pela média das contri-buições. O segundo ponto que achomuito difícil manter é a pensão em70%, porque o pensionista estará so-frendo muitas perdas. A primeiraperda é a contribuição do inativo, asegunda perda é a redução da pen-são em relação à aposentadoria. Nomínimo, o Congresso terá de alteraressa questão dos 70% para as pen-sões.

astre social com rombo fiscalFoto: AE

festação de servidores em Brasília, no último dia 11

Do ponto de vistasocial, seo fundo

quebrar,o servidor

fica narua da

amargura.