UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ESTEFANIA TUMENAS MELLO
EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL: UMA REFLEXO SOBRE AS IMPLICAES DAS
POLTICAS DE ACESSO E PERMANNCIA NAS INSTITUIES DE ENSINO
SUPERIOR.
Tubaro
2013
1
ESTEFANIA TUMENAS MELLO
EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL: UMA REFLEXO SOBRE AS IMPLICAES
DAS POLTICAS DE ACESSO E PERMANNCIA NAS INSTITUIES DE ENSINO
SUPERIOR.
Dissertao apresentada Banca Examinadora no Curso de Mestrado em Educao da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito para a obteno do
ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora: Prof. Dra. Maria da Graa Nbrega Bollmann.
Tubaro
2013
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4
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha famlia, que esteve ao meu lado em todos os
momentos!
Agradeo ao meu pai, Ricardo da Cunha Mello e a minha me Marilda
Maria Tumenas da Cunha Mello (em memria), que me inspiraram na busca pelo
conhecimento.
Agradeo aos meus avs, Eneida Frey Mello e Januro da Cunha Mello Jr,
meus segundo pais, meus professores (em casa e na escola), exemplos de luta,
persistncia e amor.
Aos meus avs maternos Emlia Parmeggiani Tumenas e Kazys Tumenas,
mesmo distantes, esto presentes no incentivo.
Ao meu irmo Joo Victor Tumenas Mello, pelas longas discusses,
aprendizados e conversas, que quando tem cerveja, vai longe...
minha me postia Lgia Mara Beltramini, pessoa maravilhosa, (a quem
agradeo todos os dias pelo timo marido que tenho), que sempre apoiou, incentivou e
esteve em todas as horas (nas boas e ruins).
minha av postia Leonor Conick, que sempre muito amorosa e
exemplo de mulher batalhadora.
Ao meus cunhados Luiz Gustavo Metzger e Caroline Machado, pelas
seguradas de barra quando precisamos.
Agradeo a toda minha famlia, tios e primos.
Agradeo aos amigos Phelipe Fermino e Daniela Fermino, que sempre me
acolheram em sua casa, quando precisava de um lugar para ficar. Parceiros de
conversas, cervejas, viagens, jantares, sempre dispostos a participar e ajudar.
Agradeo aos colegas de mestrado pelas longas discusses nesse
processo de formao.
Agradeo aos meus amigos, Carla (Calibeli) e Vicente, Erine Cardoso,
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Cleide, Fernanda, Dbora, Jura, Rafa de Fazio e Dani, Isabela, famlia Vollet, Wendy
Johnson, Ana e Ian, Cristiane e Sandro Dacoregio, e tantos outros que, mesmo de
longe, sei que sempre torceram por mim.
Agradeo aos professores do PPGE pela importante acolhida e
contribuio em meu processo de formao.
Agradeo os(as) professores(as) Clovis Nicanor Kassick (UNISUL) e
Leticia Carneiro Aguiar (UNISUL) e Marcos Edgar Bassi (UFPR), por aceitarem o
convite de participao em minha banca de defesa desta dissertao.
Agradeo aos Professores da Rede Iberoamericana de Investigao em
Polticas de Educao (RIAIPE 3), a qual integro como Assistente de Investigao
(bolsista), que por tantas vezes foram para mim exemplos da luta pela educao no
Brasil e no mundo.
Agradeo a minha orientadora, Professora Maria da Graa Nbrega
Bollmann, por todo o apoio em minha formao e pelos momentos de aprendizado
cada pizza no Dilson uma aula. Exemplo de pessoa.
Agradeo em especial ao meu marido Eddy Ervin Eltermann, por me
apoiar nesse processo de formao, viagens e trabalhos, que sempre esteve ao meu
lado, que foi minha inspirao e incentivador para chegar at aqui. Amo voc!
Agradeo em especial a minha filha, Sarah Mello Eltermann, que aguentou
firme, participou, palestras, eventos acadmicos, posso dizer que ela est quase uma
mestra em educao, sempre compreensiva com as ausncias da me nesse
percurso, saiba que tudo o que fao, para voc!
No posso deixar de agradecer o Pepperoni, o cozinho companheiro, que
sempre ficou ao meu lado nas noites em que passei estudando e escrevendo.
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RESUMO
As discusses sobre o acesso e permanncia Educao Superior e as
tentativas de ampliao vm ganhando intensidade no Brasil. Principalmente
atravs de algumas polticas educativas, houve um crescimento no acesso ao
nvel superior. Este estudo busca desvelar fatores que interferem no acesso e
na permanncia de jovens nas Instituies de Ensino Superior (IES), no mbito
das metas do Plano Nacional da Educao (PNE 2001 - 2011), que previa 30%
de jovens entre 18 a 24 anos no ensino superior at 2011, mas somente 14,4%
acessaram, em 2009. Desta forma, analisamos alguns fatores que dificultam,
ou at impedem, o acesso ao nvel superior, como o analfabetismo, a situao
socioeconmica, a relao idade versus nvel escolar e a frequncia e
qualidade do Ensino Mdio. Consideramos tambm, como forma de aumentar
o numero de jovens na Educao Superior, algumas polticas de acesso, e
elegemos, dentre outras polticas, o Programa Universidade para Todos
(ProUni), que oferece bolsas de estudos estudantes de baixa renda, e o
programa de Cotas universidades, como poltica afirmativa para a incluso por
etnia. Para a compreenso do atual contexto, discutimos os rebatimentos da
globalizao na educao e na universidade, e fizemos uma recapitulao da
histria da criao da universidade brasileira, como uma forma de entender os
reflexos do acesso e da permanncia nas IES. Para a realizao desta
pesquisa, optamos por trabalhar no campo do materialismo histrico-dialtico,
e nos servimos da anlise bibliogrfica, anlise documental e dados
quantitativos oficiais.
Palavras- chave: Ensino Superior; Universidade; Poltica Educacional; Polticas
de Acesso e Permanncia.
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ABSTRACT
The discussion about the access and permanence to Higher Education in Brazil
and the attempts to expand has been more intense. Through some educational
politics, there was a growth in the access to higher level of education. This
study searches factors that interfere in the access of youth in Higher Education
Institutions in the scope of the National Educational Plan (PNE- 2001 - 2011)
that predicted that 30% of the youth aging 18 to 24 would be in Higher
Education until 2011, but only 14,4% have accessed in 2009. Though, we
analyzed some factors that made it difficult the access to higher studies, as
illiteracy, social and economic situation, the disparity of age versus school level
and the attendance and quality of High school. We also considered, as a way to
expand the number of youth in Higher Education, some politics of access, and
we elected, among many politics, the University for all Program (ProUni), that
offers scholarships for lower profits students, and the Quotes in University, as
an Affirmative Politic for inclusion. To comprehend the actual context, we
discuss the repercussions of globalization in education and university, and we
did a recapitulation of the history of the first Brazilian university, as a way to
understand the reflex of access to Higher Education Institutions. For this
research, we opted to work in the field of historical dialectic materialism, and we
used bibliographical analyzes, document analyzes and official quantitative data.
Keywords: Higher Education; University; Educational Politics; Access and
Permanence Politics.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Classe de rendimento mensal domiciliar per capita (2010)........................................................................................................
79
Quadro 2: Nmeros de IES por categoria administrativa (Brasil 2009-2011)................................................................................................
87
Quadro 3: Matrculas por categoria administrativa- (Brasil 2009- 2011).........................................................................................................
88
Quadro 4: Nmero total de ingressos nas IES (Brasil 2009- 2011).... 88
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Medidas de Posio para as Idades dos Matriculados, Ingressos e Concluintes nos Cursos de Graduao, segundo a Modalidade de Ensino (Brasil, 2011).................................................
78
Tabela 2: Nmero Percentual de Matrculas, Ingressos e Concluintes Brasil 2011...................................................................
90
Tabela 3: Bolsas ofertadas por ano (2005 2012)........................... 93
10
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Analfabetismo da populao brasileira (1950 2010)... 74
Grfico 2: Distribuio dos estudantes de 18 a 24 anos de idade, segundo o nvel de ensino frequentado Brasil 1999/2009............
77
Grfico 3: Evoluo do ndice Gni (2004-2011)............................... 80
Grfico 4: Bolsistas por tipo de bolsa (2005 1/2013)................... 94
11
LISTA DE SIGLAS
BIRD: Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento
BM: Banco Mundial
CEFET: Centro Federal de Educao Tecnolgica
CONAE: Conferncia Nacional da Educao
CF: Constituio Federal
ENEM: Exame Nacional do Ensino Mdio
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FMI: Fundo Monetrio Internacional
FNDEP: Fundo Nacional em Defesa da Escola Pblica
FUNDEB: Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
FUNDEF: Fundo De Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorizao do Magistrio
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IES: Instituies de Ensino Superior
IF: Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia
IFC: Cooperao Financeira Internacional
IFM: Instituies de Fundo Monetrio
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC: Ministrio da Educao
OMC: Organizao Mundial do Comrcio
ONU: Organizao das Naes Unidas
PROUNI: Programa Universidade para Todos
REUNI: Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais
RIAIPE: Rede Iberoamericana de Investigao em Polticas de Educao
UNISUL: Universidade do Sul de Santa Catarina
UDF: Universidade do Distrito Federal
USP: Universidade de So Paulo
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SUMRIO
1. INTRODUO................................................................................................. 13
2.
A UNIVERSIDADE NO SCULO XXI.............................................................
30
2.1 A Universidade no mbito da Educao Superior............................................ 31
2.2 Os rebatimentos da globalizao na Educao e na Universidade................. 35
3.
O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E A UNIVERSIDADE:
DO PERODO COLONIAL DITADURA MILITAR........................................
42
3.1 Da Colnia Repblica.................................................................................... 42
3.2 Repblica: as primeiras Universidades............................................................ 45
3.3 Universidade no perodo Vargas...................................................................... 49
3.4 Os embates da Educao Superior na Ditadura Militar................................... 53
4.
A RECONSTRUO DA DEMOCRACIA NOS ANOS 1980: UMA NOVA
CONCEPO DE UNIVERSIDADE? .............................................................
58
4.1
O processo Constituinte e uma nova Constituio Federal: impactos no projeto de universidade....................................................................................
59
4.2 A universidade nos anos 1990 nos marcos da nova lei da educao (Lei n 9.394/ 1996) numa concepo de educao superior flexibilizada...............
63
4.3 Os Planos Nacionais de Educao e as metas para a Educao Superior............................................................................................................
67
5.
ACESSO E PERMANNCIA NA EDUCAO SUPERIOR: FATORES
QUE CONTRIBUEM PARA O NO ACESSO................................................
71
5.1 Analfabetismo..................................................................................................... 74
5.2 Relao idade versus nvel escolar.................................................................... 76
5.3 Situao socioeconmica da populao brasileira............................................. 78
5.4 Ensino mdio: frequncia e qualidade................................................................ 82
6.
ACESSO E PERMANNCIA NA EDUCAO SUPERIOR: POLTICAS DE
INCLUSO.......................................................................................................
85
6.1 Programa Universidade para todos (ProUni)..................................................... 91
6.2 Poltica afirmativa: o Sistema de Cotas.............................................................. 95
7.
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................
98
8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................. 102
13
1. INTRODUO
O Brasil, em decorrncia do processo histrico de colonizao
apresenta, ainda hoje, um nvel elevado de desigualdade social, apesar das
tentativas de alguns governos para reduzi-la.
Este cenrio, no qual, cada vez mais, as pessoas lutam contra as
imprevisveis circunstncias, apresenta situaes adversas, que dificultam os
caminhos para a obteno de um pequeno conforto econmico ou ascenso
social. O Estado tem uma enorme dvida social com a maioria da populao
brasileira, que se materializa na no garantia dos direitos sociais - educao
pblica e gratuita de qualidade, sade e bem estar social, dentre outros. Essa
situao provocada pela lgica neoliberal e moldada em uma concepo da
Organizao Mundial do Comrcio (OMC), que ameaa as conquistas e os
direitos sociais, dentre eles a educao, identificando-os como mercadorias e
servios, cujo valor oscila conforme o mercado do consumo.
A educao como mercadoria mostra-se antagnica concepo de
educao como direito social e dever do Estado. Buscou-se em Dias Sobrinho
(2010, p. 1224) apoio para esse posicionamento: uma educao-mercadoria
no poderia ser democrtica, pois s seria acessvel queles que a podem
comprar, oposta educao-bem pblico que tem compromisso com a
sociedade e a nao.
Como aluna do Curso de Mestrado em Educao e integrante da Rede
Ibero-americana de Investigao em Polticas de Educao (RIAIPE3)1,
1 O Programa Marco Interuniversitrio para a Equidade e a Coeso Social nas Instituies de Ensino Superior na Amrica Latina, (RIAIPE 3) um projeto em desenvolvimento que teve incio em dezembro de 2010 e finalizar em dezembro de 2013, est no mbito do Programa Alfa III, que um programa da Comisso Europeia para cooperao no exterior. O objetivo
geral do projeto favorecer a transformao estrutural das instituies atravs de modelos de interveno que permitam melhorar a pertinncia das funes universitrias no sentido de um desenvolvimento social equilibrado, potencializando a equidade e a coeso social. Sob a coordenao da Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologia, as equipes participantes so de catorze pases da Amrica Latina e seis da Unio Europeia, tendo, como membro associado, a Organizao dos Estados Ibero-americanos. A Universidade do Sul de
Santa Catarina integra a RIAIPE3, dentre as trs equipes brasileiras. Essa equipe coordenada pela Prof. Dra. Maria da Graa Nbrega Bollmann e tem como pesquisadora associada a Prof. Dra. Letcia Carneiro Aguiar. Integra tambm a mestranda Estefania Tumenas Mello, assistente de Investigao/ Bolsista do projeto Riaipe3/ Alfa 3, entre os anos de 2012 e 2013. Informaes completas sobre a composio da Riaipe3 e suas atividades
14
percebemos a responsabilidade da educao na formao do ser ontolgico, a
contribuio para a formao plena e autnoma do homem que rebate na
concepo sociocultural, econmica, poltica e vai muito alm de formar para o
mercado e atender s demandas do capital. Percebemos, tambm, a incidncia
da educao formal nos variados estgios da vida humana, da Pr-escola
Educao Superior e os rebatimentos das polticas, da economia e da cultura
na escola.
Diante disso, optamos, como foco do presente estudo, expor algumas
reflexes sobre a Educao Superior no Brasil, problematizando o acesso e a
permanncia de jovens entre 18 e 24 anos nas Instituies de Ensino Superior
(IES), atravs das polticas de acesso e programas de ofertas de bolsas, como
polticas afirmativas (cotas) e Programa Universidade para todos (ProUni). A
discusso deste tema situa-se no mbito do Programa Marco Interuniversitrio
para a Equidade e a Coeso Social nas Instituies de Ensino Superior, da
Rede Ibero Americana de Investigao em Polticas de Educao (RIAIPE3),
que tem como objetivo a discusso do impacto da globalizao nas polticas de
educao superior, no mbito da equidade e da coeso social, entendendo as
polticas de incluso como incentivo ao acesso e permanncia.
Entre os aspectos abordados nessa pesquisa est a equidade e coeso
social, que definida como promoo de aes institucionais para um
desenvolvimento social equitativo e um reforo da colaborao entre as
universidades da Amrica Latina e da Unio Europeia. O acesso e a
permanncia de jovens, na idade almejada, nas Instituies de Ensino Superior
(IES) levam a diversos questionamentos, o que exige que nos debrucemos
sobre este para melhor compreend-lo.
Este estudo procura, portanto, desvelar fatores que interferem no acesso
e na permanncia destes jovens nas IES, levando em conta os atuais
processos de transformao da Educao Superior/universidade, o que nos
envolve com questes como: por que h um significativo contingente de jovens
que no acessam o Ensino Superior, e se acessam, por que no permanecem?
Qual a idade prpria para ingressar no ensino superior? O acesso, a podem ser obtidas em , e no blog administrado pela equipe Unisul .
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permanncia e a concluso desse nvel de ensino garantem a ascenso
social? Que polticas pblicas contribuem para a ampliao do acesso s IES?
A concepo de Educao Superior, em geral, e de universidade, em
particular, interfere no acesso e/ou permanncia nesse nvel de ensino? Que
mecanismos prprios para facilitar o acesso foram criados nos anos 2000?
Qual o papel da universidade? H evidncia de resultados para o acesso s
IES com aplicao destes mecanismos?
Neste sentido, definimos a educao formal como campo deste estudo,
com o intuito de discutir categorias, apresentar dados e refletir sobre a
Educao, e nela o acesso e a permanncia na Educao Superior e na
universidade em particular, justamente pela importncia da comunidade
acadmico-cientfica nas transformaes poltica, econmica, cultural e
tecnolgica da sociedade.
Bauman (1999, p. 87), em sua leitura sobre a sociedade contempornea,
afirma: nossa sociedade uma sociedade de consumo, reflexo da sociedade
que concretizou a globalizao em uma acrscimo de mercado, de tecnologias
e investimentos. Esta sociedade global seleciona seus consumidores, fazendo
com que se sintam no comando, como se fossem os rbitros decisivos, aqueles
que escolhem, mas no percebem que as opes em oferta lhes retiram a
liberdade de ignorar as bajulaes do comrcio, podem at recusar fidelidade
diante das inmeras opes, mas devem optar por, pelo menos, uma. Este o
consumidor, segundo Bauman, insacivel de atraes momentneas, aquele
que rapidamente se cansa das atraes j adquiridas e de um mundo
transformado em todas as suas dimenses [...] segundo o padro do mercado
de consumo e, como o mercado, pronto a agradar e mudar suas atraes com
velocidade cada vez maior. Na sociedade desigual em que vivemos, a esttica
do consumo guia justamente as pessoas que possuem maior riqueza material.
Segundo o autor supracitado, consumir exibir uma opo esttica,
extravagante e ftil, cujo objeto de adorao a prpria riqueza, a nica que
garante um estilo de vida prdigo e extravagante, sem qualquer restrio.
Vivemos um momento em que a pobreza, a marginalidade e a excluso
social crescem no mundo, apesar de algumas tentativas de reduzi-las. Esse
um momento contraditrio, pois apesar do desenvolvimento tecnolgico e
16
cientfico, ocorrem, cada vez mais, mortes causadas pela fome e por doenas
decorrentes de circunstncias de vida sob extrema pobreza, enfermidades
cujas condies para erradicao foram diagnosticadas h dcadas.
Presenciamos o trabalho escravo, realidade em pleno ano de 20122, prtica
arcaica ainda presente no Brasil e em vrios pases no mundo. Sousa Junior
(2010) aponta o momento atual como fortemente marcado pelas mudanas
ocorridas no campo do trabalho e da educao, que vo ao fluxo das incrveis
conquistas tecnolgicas, que fetichizam e seduzem o mundo do consumo.
Diante disso, entendemos a necessidade de um projeto radical de
transformao da sociedade, em que a educao, e nela a universidade,
exerce papel fundamental.
Diante deste contexto, indagamos: que fatores seriam necessrios para
reduzir o fosso social entre ricos e pobres? A educao seria um importante
fator nesse processo? Qual o papel da educao e para qual sociedade ela se
destina? O acesso na educao superior e a permanncia na universidade
poderiam reduzir as diferenas sociais?
Recorremos ao ltimo documento referencial da Conferncia Nacional
da Educao (CONAE) de 2010, que ao abordar a qualidade da educao,
assim expressa:
A educao com qualidade social e a democratizao da gesto implicam a garantia do direito educao para todos, por meio de polticas pblicas, materializadas em programas e
aes articuladas, com acompanhamento e avaliao da sociedade, tendo em vista a melhoria dos processos de organizao e gesto dos sistemas e das instituies educativas. Implicam, tambm, processos de avaliao, capazes de assegurar a construo da qualidade social inerente ao processo educativo, de modo a favorecer o desenvolvimento e a apreenso de saberes cientficos, artsticos, tecnolgicos e scio-histricos, compreendendo as necessidades do mundo do trabalho, os elementos materiais e a subjetividade humana. (CONAE, 2010, p.25, tpico 58)
2 Informao sobre trabalho escravo retirada da notcia Quase 3 mil foram resgatados do trabalho escravo em 2012, disponvel em: . Acesso em 05 de maio de 2013.
17
Ao abordarmos a qualidade, devemos considerar a categoria em sua
perspectiva polissmica, na qual os elementos e atributos de um processo
educativo de qualidade social dependem de concepes de sociedade e de
educao (DOURADO; OLIVEIRA, 2009).
A discusso acerca da qualidade da educao remete definio do que se entende por educao. Para alguns, ela se restringe s diferentes etapas de escolarizao que se
apresentam de modo sistemtico por meio do sistema escolar. Para outros, a educao deve ser entendida como espao mltiplo, que compreende diferentes atores, espaos e dinmicas formativas, efetivado por meio de processos sistemticos e assistemticos. Tal concepo vislumbra as possibilidades e os limites interpostos a essa prtica e sua relao de subordinao aos macroprocessos sociais e polticos delineados pelas formas de sociabilidade vigentes. (IDEM, 2009, p.203).
O autor supracitado ainda considera que a qualidade da educao
brasileira vem se concretizando por intermdio da descentralizao e
desconcentrao das aes educativas. Este processo reflete os parmetros
de qualidade num cenrio desigual, marcado pelas desigualdades regionais e
locais, estaduais e municipais, e tambm pela falta de articulao entre
normas, redes e instituies.
O campo educacional brasileiro revela a importncia de determinar
padres de qualidade de ensino. No entanto, Dourado, Oliveira e Santos (2007)
revelam que a qualidade educacional um fenmeno abrangente, que envolve
dimenses extra e intraescolares, e que no pode ser reconhecido apenas
pelas variedades e quantidades mnimas reduzidas somente ao processo
ensino-aprendizagem.
A qualidade da educao, portanto, no se circunscreve a mdias, em um dado momento, a um aspecto, mas configura-se como processo complexo e dinmico, margeado por um conjunto de valores como credibilidade, comparabilidade, entre outros. Ratifica-se, portanto, que qualidade da educao um conceito polissmico e multifatorial, pois a definio e a compreenso terico-conceitual e a anlise da situao escolar no podem deixar de considerar as dimenses extraescolares
que permeiam tal temtica. (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 207)
18
Saviani (1981), ao fazer uma anlise sobre a educao brasileira,
estrutura sua leitura, mencionando Durkheim, na busca por definir o que vem a
ser educao, complementada atravs de uma perspectiva do sociologismo,
que coloca o homem em um meio cultural, dependente e determinado pelo
meio fsico, pelas caractersticas biolgicas e suas experincias psicolgicas.
Para definir educao, ser preciso, pois, considerar os sistemas educativos que ora existem, ou tenham existido, compar-los e apreender deles os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituir a definio que procuramos. (DURKHEIM apud SAVIANI, 1981, p. 44)
Centralizar os estudos na educao em geral e na educao superior,
em particular, implica em inmeras possibilidades. Pesquisar esse tema exige
trilhar inmeros caminhos, por um vasto leque de conceitos e entendimentos,
que permeiam todos os campos do conhecimento humano.
A educao se concebe em diferentes variveis, podendo assumir as
formulaes de Bauman como a responsvel pelo desenvolvimento de uma
sociedade, salvadora de todos os males e, que pode contribuir para a
superao dos males do capitalismo perspectivas que nos aproximem de
um conceito de educao para a formao do pensamento crtico, para o
trabalho inalienvel, do ser cognitivo, de suas ideias e do seu preceito,
sobretudo, intelectual. Assim, h que se refletir sobre sua dualidade e, portanto,
sobre sua possvel dicotomia. Ao mesmo tempo que a educao influencia, ela
tambm influenciada pela sociedade, pois ora formadora e ampliadora do
conhecimento para o bem estar do homem e da sociedade em que vive, ora
cumpre a funo reprodutivista de formar mo de obra para o mercado de
trabalho em dado sistema. Oliveira (1997) questiona a expectativa, atribuda
educao, de melhorar os meios de distribuio de renda e de incluso na
produo, por meio do preparo do indivduo para o mercado, conduzindo
ideia de que a educao salvadora, pois atravs dela que se proporciona a
ascenso social, mas atendendo primordialmente s demandas mercantilistas.
19
No contexto atual, a educao brasileira, e nela a educao superior/
universidade, tem sido influenciada pela teoria do capital humano3. Nessa
perspectiva, valores como a reproduo do conhecimento, o conformismo,
adoo de modelos importados de ensino, entre outros, so consequncias do
processo de globalizao econmica. Diante disso, a educao crtica seria
fator de libertao do homem pelo conhecimento cientfico e poderia ser
utilizada em favor da sociedade para melhorar a qualidade de vida humana.
Esta educao exigiria a qualidade do ensino, em prol de um projeto de Estado
disposto a pagar sua enorme dvida populao. A universidade, instituio
social de Ensino Superior e espao de produo do conhecimento crtico e
cientfico, teria um papel fundamental na garantia de qualidade da educao,
atravs da formao da classe trabalhadora. No entanto, essa a universidade
que temos?
Percebemos a necessidade de transformao social atravs de um
projeto de Estado radical para a sociedade, em que a educao, e nela a
universidade, desempenham papel fundamental. Para que a universidade seja
compreendida, deve-se conhecer sua funo no mundo, a maneira como
representada socialmente, em um vis historicamente construdo.
Morosini (2003), em uma leitura de Dias (2002), aponta a grande
tendncia do Ensino Superior, principalmente no fim dos anos 1990, de
comercializao beneficiada pelo desenvolvimento da tecnologia, amparada
pela Organizao Mundial do Comrcio (OMC), e que controlar a educao
3 De acordo com Lalo Watanabe Minto, esta teoria est relacionada aos ganhos de
produtividade atravs do fator humano, em uma concepo que o trabalho humano, quando qualificado pela educao, resultaria em um aumento da produo econmica e das taxas de lucro. Aplicada ao campo educacional, a ideia de capital humano gerou toda uma concepo tecnicista sobre o ensino e sobre a organizao da educao, o que acabou por mistificar seus
reais objetivos. Sob a predominncia desta viso tecnicista, passou-se a disseminar a ideia de que a educao o pressuposto do desenvolvimento econmico, bem como do desenvolvimento do indivduo, que, ao educar-se, estaria valorizando a si prprio, na mesma lgica em que se valoriza o capital. O capital humano, portanto, deslocou para o mbito individual os problemas da insero social, do emprego e do desempenho profissional e fez da educao um valor econmico, numa equao perversa que equipara capital e trabalho como
se fossem ambos igualmente meros fatores de produo (das teorias econmicas neoclssicas). Alm disso, legitima a ideia de que os investimentos em educao sejam determinados pelos critrios do investimento capitalista, uma vez que a educao o fator econmico considerado essencial para o desenvolvimento. (MINTO, Verbete elaborado por Lalo Watanabe Minto para subsidiar o presente projeto). Disponvel em: Acesso em 02 de Julho, 2013.
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_teoria_%20do_capital_humano.htm#_ftnref1http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_teoria_%20do_capital_humano.htm#_ftnref1
20
pode representar em tempos de internet e de novas tecnologias lucros
fabulosos. E complementa dizendo que isto significa tambm [...] o controle
sobre as mentes e representa uma p de cal fina no pouco que resta nestes
tempos de globalizao, de soberania aos estados nacionais (DIAS apud
MOROSINI, 2003, p.161).
Desta maneira, percebemos a necessidade de um debate mais amplo da
educao superior, especialmente da universidade e suas contribuies na
aquisio do conhecimento. Implica, tambm, compreender a relao entre
universidade, sociedade e seu papel na formao do homem. Mas, no Brasil,
quem atinge o nvel superior de ensino? Quem est na universidade? Quantos
acessam e nela permanecem? E os que no acessam, por que no
conseguem?
Para compreender estas questes, optamos, nesta pesquisa, trabalhar
no campo do materialismo histrico-dialtico, definindo como objeto de estudo
as possibilidades do acesso e da permanncia de jovens brasileiros (as), na
faixa etria de 18 a 24 anos, na Educao Superior. Para tanto, elegemos
como categorias de anlise: educao superior4, universidade, qualidade,
globalizao, polticas de acesso e permanncia, bolsas de estudo do ProUni,
Instituies de Ensino Superior pblicas e privadas.
As discusses realizadas no mbito do Mestrado em Educao e no
Projeto RIAIPE3 apresentam a educao como uma prtica social mediadora
do homem, para viver e conhecer seu meio e a si prprio, em uma perspectiva
social e poltica de sua existncia e a incidncia de suas aes no ambiente em
que vive. Gramsci (1995, p. 38-39) nos traz a seguinte questo: Quem o
homem?. A resposta, segundo o autor, pode estar no prprio homem singular,
nascida a partir da reflexo sobre ns mesmo e sobre os outros - aquilo que
somos e o que podemos ser, e se somos criadores de ns, de nosso destino.
Deve-se conceber o homem como uma srie de relaes ativas (um
4 At o ano de 1996, antes da promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
(LDB, Lei n 9.394/96), o nvel superior de ensino era tratado, em documentos oficiais, como
Ensino Superior. Aps a LDB/96, passou a ser denominado Educao Superior. Assim,
neste estudo, utilizaremos ora Ensino Superior, ora Educao Superior, ao referirmos ao
mesmo nvel de ensino (superior), para indicar os perodos antes e aps a LDB/96.
21
processo), no qual, se a individualidade tem a mxima importncia, no
todavia o nico elemento a ser considerado. O homem, segundo Sousa Junior
(2010), forja-se nas relaes sociais, sendo, portanto, um ser inacabado e
dependente dos laos sociais, e na condio de ser social ele exerce sua
atividade prtica sobre a natureza, desenvolvendo-se a partir dessa relao,
meios materiais essenciais a sua prpria existncia. Mas, ao interpretar Karl
Marx, Sousa Junior (2010, p. 21) aponta que homem e natureza constituem a
prpria matria concreta da histria, pois a natureza, embora anterior e
independente ao homem, apenas adquire sentido quando se coloca objeto dos
sentidos humanos, ou seja, objeto de apropriao sensvel, natureza
transformada. Neste contexto, Sousa Junior (2010, p. 21) afirma o surgimento
da linguagem como mediadora, tanto das relaes humanas quanto de suas
aes relacionadas s transformaes na natureza.
O homem , ento, um ser inacabado que se constri juntamente atravs das relaes sociais: o homem ser social que produz a si em sociedade, transforma a si mesmo e ao
mundo num processo em que se presentifica o carter educativo da prxis humana.5
Mszros (2008, p. 24), em uma interpretao s obras de Marx, faz
uma leitura e revela sua perspectiva sobre o homem como:
[...] produto das circunstncias e da educao e de que, portanto, homens modificados so produto de circunstncias diferentes e de educao modificada, esquece que as
circunstncias so modificadas precisamente pelos homens e que o prprio educador precisa ser educado (op. Cit.).
Mszros completa asseverando a necessidade de mudana na
estrutura da sociedade em prol da prpria sobrevivncia humana e,
consequentemente, uma mudana na esfera educacional, tendo em vista que a
reformulao educacional no seria significativa sem que o mbito social
correspondesse a estas modificaes, pois os processos educacionais e
5 Nesta citao, Sousa Junior recorre Istvan Mszros, que recorre ao pensador suo
Paracelso, ao abordar a aprendizagem com a inteno de evidenciar a existncia do ser
humano como uma experincia scio-histrica de constante aprendizado. (Mszros apud
Sousa Junior,2010, p. 21)
22
sociais so e sempre foram interligados. Deduzimos que, para que ocorra a
significativa mudana, o homem necessita conhecer a sociedade em sua
essncia, captando o conhecimento sensorial e cientfico para que compreenda
as repercusses dos fenmenos do mundo material.
Deste modo, a educao, e nela a educao superior, constitui-se um
direito inalienvel do homem e um dos meios para conduzi-lo razo, j que o
homem se constri dentro da realidade. Recorremos a Monteiro (2003), quando
afirma que todo ser humano tem direito educao, que incide no direito
liberdade de aprender e de aprender com liberdade. No entanto, percebemos
que a sociedade contempornea arroga-se o direito de privatizar a educao
e a liberdade de aprender subsidiada pelos interesses do mercado, e
aprender com liberdade, somente aos economicamente abastados.
Remetemos a Rawls (2003, p. 60) para perceber sua compreenso em
relao sociedade, que deveria ser estruturada atravs da equidade e da
cooperao mtua dos indivduos que nela vivem, pois cada pessoa tem o
mesmo direito irrevogvel a um esquema plenamente adequado de liberdades
bsicas iguais que seja compatvel com o mesmo esquema de liberdades para
todos. O autor utiliza o termo igualdade equitativa de oportunidades, para
denominar que cargos pblicos e posies sociais devem estar disponveis a
todos, ou seja, todos devem ter a chance de acesso a eles. Ele ainda afirma
que a sociedade tambm tem de estabelecer, entre outras coisas,
oportunidades iguais de educao para todos independentemente da renda
familiar (RAWLS, 2003, p. 62)
Nos pases latino-americanos, o aumento da classe subalterna6 sempre
foi econmica e socialmente determinado, reflexo da formao social
capitalista, e o Brasil ainda revela um nvel de disparidade elevado. Nos ltimos
anos, no entanto, houve melhorias nas condies de vida das pessoas que
6 Simionato revela que, a categoria "subalterno" e o conceito de "subalternidade" tm sido
utilizados, contemporaneamente, na anlise de fenmenos sociopolticos e culturais,
geralmente para descrever condies de vida de camadas de classe em situao de explorao ou destitudos de meios para uma vida digna. No entanto, ao tratar das classes subalternas, segundo o pensamento gramsciano, exige, em sntese, mais do que isso. Trata-se de recuperar os processos de dominao presentes na sociedade, desvendando "as operaes poltico-culturais da hegemonia que escondem, suprimem, cancelam ou marginalizam a histria dos subalternos". Disponvel em: . Acesso em 24 de julho, 2013
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-49802009000100006&script=sci_arttexthttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-49802009000100006&script=sci_arttext
23
ficam beira do sistema educacional, estabelecidas pela importncia de
expandir oportunidades de acesso ao conhecimento formal, que possibilita o
desenvolvimento pessoal, social e profissional das pessoas, como parte do
processo produtivo da sociedade.
Observamos que a partir dos anos 1990, houve uma enorme expanso
de Instituies de Ensino Superior (IES) privadas. J a partir dos anos 2000,
houve uma tentativa de democratizar o acesso a estas instituies, como o
Programa Universidade para Todos (ProUni) e a Lei de Cotas. Na primeira
metade da dcada de 1990, segundo Neves (2008, p. 52), a educao
brasileira redefiniu, pouco a pouco, seus objetivos e se transformou em um
instrumento de disseminao de um conjunto de elementos cognitivos e
comportamentais destinados a aumentar a competitividade e a produtividade
empresariais nessa nova fase do capitalismo monopolista. A autora ainda
aponta que as muitas possibilidades e facilidades de acesso ao nvel superior
contribuem para concretizar a tendncia privatizao da educao, o que
pode repercutir na ampliao do processo de mercantilizao da educao
superior.
Ao discutirmos e refletirmos sobre educao ao longo do curso de
Mestrado em Educao e durante a pesquisa da RIAIPE3, uma das questes
que chamou a ateno foi o nmero de pessoas fora da idade adequada e em
descompasso com o nvel escolar desejado no Brasil. Essa questo ainda que
materializada como meta no Plano Nacional da Educao (PNE) 2001/2011, e
que previa acesso IES para 30% dos jovens, com idade entre 18 e 24 anos,
no se concretizou. Nos chama a ateno o fato de somente 14,4% chegaram
quele nvel de ensino, conforme dados do INEP (2009)7.
Nesta dissertao, temos o intuito de nos debruar sobre esta
problemtica, que remete s seguintes perguntas: Qual o conceito de
Educao Superior e de universidade? Que concepo de universidade e, em
qual contexto se insere? Quais os fatores que tardam o acesso do brasileiro
escola, educao e ao conhecimento? Seria este problema um reflexo
histrico da desigualdade e da dificuldade de acesso ao Ensino Superior?
7 Dados disponveis no Resumo Tcnico, disponvel em: < www.mec.gov.br>
http://www.mec.gov.br/
24
Polticas de acesso colaboram com o aumento do ingresso de jovens na
universidade? Sustentadas nesta inquietao, nos atemos seguinte
problemtica: O que ocorreu para que apenas 14,4% dos jovens brasileiros,
entre 18 e 24 anos, acessassem o Ensino Superior, sendo que a previso do
PNE 2001/2011 era de 30%? Houve ampliao no acesso com a expanso das
IES privadas? E, havendo, esse aumento se deu somente nas IES privadas, ou
tambm nas pblicas?
Assim, o objetivo deste estudo compreender o acesso e permanncia
nas IES brasileiras, e os rebatimentos de algumas polticas, dentre as quais o
ProUni e o Programa de Aes Afirmativas: Lei de Cotas. Nesta perspectiva,
suscita nossa inquietao a expanso das IES privadas, como resultado do
vazio deixado pela falta de iniciativa dos governos, estaduais e federais, nos
anos 1990, com a paralisao da expanso das IES pblicas. Tambm nos
interessa investigar se as polticas educacionais (ProUni e Cotas) contribuem
para que a populao economicamente carente atinja o nvel superior de
ensino. Devido aos limites desta dissertao, optamos por nos deter apenas
nas seguintes polticas de acesso: Programa Universidade para Todos (ProUni)
e Programa de Aes Afirmativas pelas Cotas na universidade. Sabemos que
existem outras polticas, como Acessibilidade na Educao Superior (Programa
Incluir), Programa IES- MEC/BNDES, Fundo de Financiamento ao Estudante
do Ensino Superior (Fies), dentre outras8, mas no nos aprofundaremos neste
estudo.
Definimos como objetivos especficos:
- Analisar o processo histrico da Educao Superior e da Universidade no
Brasil, com destaque para o acesso e a permanncia de jovens nesse nvel de
educao, hoje (2009 a 2011);
- Analisar os fatores que contribuem para o no acesso ao Ensino Superior,
como a excluso socioeconmica, o analfabetismo, a no concluso da
Educao Bsica e o pequeno nmero de vagas disponveis;
- Identificar poltica de ao afirmativa, como poltica de incluso, com
destaque ao Sistema de Cotas;
8 Outros programas disponveis em: < www.portal.mec.gov.br >
http://www.portal.mec.gov.br/
25
- Discutir o acesso e permanncia, com foco na concesso de bolsas de
estudos do Programa Universidade para Todos (ProUni), como medida para as
polticas de acesso;
- Buscar elementos, em leis, decretos e estudos que contribuem para a
garantia e a ampliao do direito Educao Superior.
Nos limites deste estudo, faremos uma recapitulao histrica da
Educao Superior e da universidade no Brasil, com relevncia para alguns
acontecimentos que influenciaram a concepo da universidade. Iniciaremos
com uma abordagem sobre a origem tardia da criao da universidade no
Brasil. Revisamos o Brasil Colnia, Repblica, pelo perodo Vargas, pelo
Nacional Desenvolvimentista, pela Ditadura Militar de 1964, quando a poltica
educacional intensificou o processo de expanso das Instituies de Ensino
Superior (IES) no pas. Nessa busca passamos pelo processo de promulgao
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (CF-1988) e pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB Lei n. 9.394 de 20 de
dezembro de 1996). Isso ocorreu nos governos do Presidente Jos Sarney
(1985- 1990), do Presidente Fernando Collor de Mello (1990 1992), do
Presidente Itamar Franco (1992-1995), do Presidente Fernando Henrique
Cardoso - FHC (1995 2003) e pela tentativa de democratizao de acesso ao
Ensino Superior do Governo do Presidente Luiz Incio Lula da Silva (2003
2011), com reflexos no Governo da Presidenta Dilma Rousseff (em exerccio).
Ser feita uma anlise documental da Poltica Educacional, em Leis e Planos,
numa tentativa de compreender os fatores que influenciaram o acesso e a
permanncia no Ensino Superior no Brasil, como propostas de ampliao da
educao superior (notadamente pelo setor privado), consolidadas no Governo
Fernando Henrique Cardoso (FHC), e ainda mantidas no Governo de Luiz
Incio Lula da Silva (Lula).
A privatizao da Educao Superior foi estimulada no governo FHC. O
movimento da iniciativa privada para competir com o pblico na expanso das
IES foi vitorioso com a aprovao e promulgao da Lei de Diretrizes e Bases
da Educao Nacional (LDB- Lei n. 9.394/96), lei complementar da CF-1988.
Ainda que na Constituio a formulao do artigo 207 traduzisse uma
concepo de universidade de ensino, pesquisa e extenso, expresso das
26
lutas do movimento social organizado (estudantes e professores, entre outros),
a LDB, ao tratar das IES retrocedeu. O intuito dos parlamentares do Congresso
Nacional (privatistas na maioria) foi o de atender ao clamor da iniciativa
privada, aprovando artigos para a IES que favoreciam esse setor da sociedade.
A LDB possibilitou, assim, a significativa ampliao das IES privadas, como se
expressa a seguir:
Art. 7: O ensino livre iniciativa privada, atendidas as seguintes condies: I - cumprimento das normas gerais da educao nacional
e do respectivo sistema de ensino; II - autorizao de funcionamento e avaliao de qualidade pelo Poder Pblico; III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituio Federal. (Brasil, 1996);
O governo de Lula (2003-2011) criou mecanismos e aes para
possibilitar o acesso, das camadas economicamente desfavorecidas da
populao brasileira, ao ensino superior, entre eles, o sistema de cotas e o
Programa Universidade Para Todos (ProUni). O governo Dilma Rousseff (em
exerccio) d continuidade, mantendo e ampliando as polticas do governo Lula,
ainda que a expanso privada ainda supere expanso pblica.
Ao abordarmos a expanso das universidades, no podemos deixar de
mencionar a Reestruturao e Expanso das Universidades Federais, o
REUNI, que desde o incio da expanso, em 2003, at 2011 possibilitou a
ampliao de vagas e a criao de novos cursos de graduao. No entanto,
embora a expanso do ensino superior pblico atinja diretamente no aumento
do acesso nas universidades atravs do aumento de vagas, no nos
aprofundaremos na anlise da repercusso do REUNI como poltica de acesso,
devido aos limites deste estudo.
Percebemos, como j explicitado, que a partir dos anos 1970, anos da
Ditadura Militar em que vigorava a Lei n 5.540/1968, repercutindo na
expanso da privatizao do governo FHC, o amplo interesse do setor
econmico e de organismos internacionais nas discusses de polticas
educativas, ampliando suas aes na Educao Superior. Este interesse est
de acordo com os desgnios da modernizao capitalista conservadora, que
manteriam o pas numa rota de desenvolvimento associado aos grandes
27
capitais mundiais (MINTO; MINTO, 2012). Nessa perspectiva, Bourdieu (2011,
p. 70) destaca que o campo universitrio reproduz na sua estrutura o campo
do poder cuja ao prpria de seleo e de inculcao contribui para reproduzir
a estrutura.
CAMINHOS METODOLGICOS:
A realizao desta pesquisa, compreendida como um trabalho
acadmico que se autointitula crtico, fundamenta-se em categorias marxistas,
por entender que a educao e, no presente estudo a educao superior e a
universidade, tem como principal objetivo a formao humana para o trabalho.
Apresentamos neste estudo, numa perspectiva marxista, a importncia
da formao universitria para o trabalho segundo a formao omnilateral, que
exposta como uma categoria que enfatiza o trabalho como princpio
educativo, pois indica a unio entre educao e trabalho. No entanto, o
trabalho pode ser contraditrio, ao compararmos com o sentido histrico, sob a
perspectiva capitalista, na qual o trabalho subordina e aliena:
Considerando a centralidade do trabalho nas dimenses ontolgicas e histricas, nas quais se constituem processos contraditrios de construo e de alienao de sujeitos sociais, podemos entender a categoria trabalho como fonte de produo e apropriao de conhecimentos e saberes, portanto, principio educativo. A educao, tendo o trabalho como princpio educativo (Gramsci, 1979), processo histrico de humanizao e de socializao competente para participao na vida social e, ao mesmo tempo, processo de qualificao
para o trabalho, mediao a apropriao e construo de saberes e conhecimentos, de cincia e cultura, de tcnicas e tecnologia (FILHO; QUELUZ, 2005, p.21).
Na perspectiva dialtica, Gaudncio Frigotto (2005) prope o trabalho
como parte essencial da ontologia do ser social, em que:
A aquisio da conscincia se d pelo trabalho, pela ao sobre a natureza. O trabalho, neste sentido, no emprego,
no apenas uma forma histrica do trabalho em sociedade, ele a atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza, se cria, se expande em conhecimento, se aperfeioa. O trabalho a base estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova concepo de histria. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.4)
28
Utilizaremos como procedimento metodolgico, a anlise bibliogrfica,
anlise documental e dados quantitativos oficiais. A pesquisa bibliogrfica se
constituiu no esboo para o levantamento de obras de referncia, dissertaes
e teses de doutorado. Para Rocha e Deusdar (2005, p. 308), a anlise do
contedo bibliogrfico busca explicitar os rumos assumidos pelas prticas
linguageiras de leitura de textos no campo das cincias. Ao decidir por esta
anlise a inteno aspirada foi de garantir a legitimao que acarreta a
meditao sobre um pressuposto.
A anlise de documentos, segundo Trivios (1987), caracterizada
como um estudo descritivo, que possibilita ao investigador reunir uma vasta
quantidade de informaes referentes a leis de educao, processos escolares,
planos de estudos, etc. Para a anlise das polticas de acesso e permanncia,
os documentos e dados legitimados so fontes de informao necessrias nas
evidncias de consolidao das aes polticas e educativas e de seus
resultados. Gatti (2007) afirma a importncia dos dados com que trabalhamos
na pesquisa, que poderiam ser desde medidas que tomamos a depoimentos e
entrevistas, dilogos, discusses, observaes, dentre outros, que geram
algum conhecimento para a compreenso do problema levantado.
As fontes documentais utilizadas foram: a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB, Lei n 9.394/ 96), os Planos Nacionais da Educao:
PNE - Proposta da Sociedade Brasileira; PNE 2001-2011, PNE 2011- 2021,
Propostas CONAE (2010); documentos oficiais (leis e decretos); documentos
oficiais de pesquisa social e estatstica: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatsticas (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD),
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada (IPEA).
Optamos por coletar os dados quantitativos, focalizando a anlise
principalmente entre os anos de 2009 e 2011, pela disponibilidade de
informaes compatveis nos documentos oficiais daqueles anos, e tambm
por ser o auge das Polticas Educacionais escolhidas para anlise desta
29
pesquisa, j que podemos observar os reflexos e os resultados desde suas
implantaes.
Esta dissertao est dividida em seis captulos, considerando a
introduo como o Captulo 1. O Captulo 2 intitulado A universidade do
Sculo XXI, aborda a concepo de Educao Superior e de universidade, os
reflexos da globalizao que reconfigura seus interesses na estrutura da
Educao Superior. O Captulo 3, intitulado Acesso ao Ensino Superior no
Brasil e a universidade: do perodo colonial ditadura militar, discute a criao
das instituies de ensino superior desde o Brasil colnia at a criao das
primeiras universidades, em uma busca de compreender o acesso ao longo da
histria. O Captulo 4, intitulado A reconstruo da democracia nos anos 1980:
uma nova concepo de universidade?, apresenta e discute fatos histricos
dos perodos, apresentando o processo democrtico da elaborao e
aprovao da Constituio Federal de 1988 e o processo de elaborao e
promulgao da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em suas propostas e os
reflexos na Educao Superior, alm dos Planos Nacionais de Educao (PNE)
com suas metas para o acesso Educao Superior. O Captulo 5, intitulado
Acesso e Permanncia na Educao Superior: fatores que contribuem para o
no acesso, aborda alguns dos muitos problemas que influenciam no baixo
nmero de alunos que chegam ao nvel superior, e optamos por discutir o
analfabetismo, o atraso escolar, a situao socioeconmica da populao
brasileira e o Ensino Mdio como antecedente do nvel superior. O Captulo 6,
intitulado Acesso e permanncia na Educao Superior: polticas de incluso
discute as Polticas de Acesso selecionadas como objeto deste estudo o
Programa Universidade para Todos (ProUni) e as Polticas de Cotas, e os
reflexos destas na tentativa de democratizao da Educao Superior.
30
2. A UNIVERSIDADE NO SCULO XXI
No Brasil das ltimas dcadas, houve um crescimento da demanda pela
educao superior e principalmente no ensino privado que a expanso de
oferta de vagas tem ocorrido. Colho (2003, p. 117) expe sua preocupao
em termos de qualidade nesse novo contexto, em relao aos cursos e a
postura das instituies, acompanhado de uma preocupao generalizada, em
certos setores do Estado e da sociedade civil, com a avaliao e com os limites
da flexibilizao e da regulao, na tentativa de salvar uma certa qualidade que
parece comprometida. No entanto, essa preocupao, pressionada pelo
Banco Mundial, cria mecanismos de avaliao com falsos pressupostos, por
no acompanhar as instituies em seus distintos contextos, nem no sentido do
ensino, pesquisa e da prpria instituio ela realizada, segundo o autor
supracitado, de maneira inflexvel e generalizada.
Como existem e sempre existiram poucas vagas e poucos alunos
tambm que se inscrevem para a seleo via exame de vestibular, de carter
elitista, os diferentes governos nos anos de 1990 (Collor, Itamar Franco,
Sarney e FHC), em especial no governo de FHC, numa tentativa de avaliar as
universidades para estabelecer rankings nas pblicas e privadas, desviava a
ateno das poucas vagas para a Qualidade da Educao Superior, medida
pela suposta avaliao que, no entanto, consistia em mecanismos propostos
pelo Banco Mundial no intuito de mascarar e desviar a ateno do verdadeiro
problema acesso universidade pela democratizao das vagas.
Isso se configurou pelos novos procedimentos de implementao para
sistematizar a avaliao de cursos e de instituies, que foram institudos pelo
MEC atravs da Lei n 9.131, de 24 de novembro de 1995, que estabelece o
Exame Nacional de Cursos atual ENADE. Iniciado em 1996 para avaliar o
ensino de graduao a partir do desempenho dos estudantes, esta avaliao
tem carter simplificado e unilateral. Entendemos que a avaliao pode ter
variados entendimentos e mtodos, mas que basicamente constitui a anlise
de um objeto seguido de um conceito sobre sua situao presente, que permite
qualificar, em especfico, uma pessoa ou um sistema institucional.
Nesta perspectiva, discutiremos, neste captulo, a concepo da
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.131-1995?OpenDocument
31
Educao Superior e os rebatimentos das novas demandas da globalizao na
Educao e, nela, a Universidade brasileira do sculo XXI.
2.1 A Universidade no mbito da Educao Superior
Entender o nvel da Educao Superior no Brasil uma tarefa difcil, pois
h uma enorme diversificao e complexidade de organizao deste nvel de
ensino, com sua natureza pblica ou privada, influenciada pelo contexto social,
poltico, econmico e cultural. Significa abrir inmeras possibilidades de
discusses em diversos contextos e perodos histricos, nos quais a
universidade reflete conceitos, valores e inmeros fatores da sociedade em que
est inserida.
A universidade uma referncia no nvel de Ensino Superior que tem
por base a indissociabilidade entre o Ensino, a Pesquisa e a Extenso. Aps
1996, com a nova LDB (Lei n 9.394) h uma promoo, flexibilizao e
diversificao da Educao Superior. Assim, o nvel superior deixa de ser
tratado como Ensino Superior e passa a ser Educao Superior. Desse
modo, a universidade deixa de ser o modelo nico de nvel superior e passa a
ser incorporada s instituies caracterizadas pela excelncia do ensino,
desconsiderando a pesquisa.
Para termos uma percepo do impacto da privatizao desse nvel de
ensino, basta buscar ao comeo dos anos 1990, incio do governo FHC o
nmero de Instituies de Ensino Superior (IES) privadas, e comparar com o
perodo final, incio dos anos 2000: Em 1995, h um ano da LDB, haviam 894
IES, sendo 684 privadas e 210 pblicas. Em 2002, eram 1.637 IES, sendo
1.442 privadas e 195 pblicas.
J em 2011, havia 2.365 IES no Brasil, e, do total, 2.004 (ou 84,7%) so
faculdades, 190 (ou 8%) so universidades, 131 (ou 5,6%) so centros
universitrios e 40 (ou 1,7%) representam o total de institutos federais de
educao, cincia e tecnologia (IFs) e de centros federais de educao
tecnolgica (Cefets).
32
Mesmo com a diversificao, a universidade continua a ser referncia
quantitativa no nmero de matrculas. Dados do Inep mostram que, em 2011,
foram 3.632.689 matrculas nas universidades, 921.019 nos Centros
Universitrios, 2.084.671 nas Faculdades e 101.626 nos IFs e Cefets.
O Ministrio da Educao classifica as Instituies de Ensino Superior
entre Pblicas (Federais, Estaduais e Municipais) e Privadas, definidas a partir
da manuteno do financiamento e carter administrativo. O sistema de ensino
superior pblico mantido pelo poder federal, estadual e municipal.
As instituies caracterizadas como federais so financiadas pelo
governo federal e o ensino gratuito. As instituies caracterizadas como
estaduais tambm dispem de ensino pblico e gratuito e so financiadas pelo
governo estadual. Todavia, nem todos os estados tm instituies dessa
natureza. J as instituies municipais so em parte, financiadas pelo governo
municipal, sendo caracterizadas como ente jurdico pblico de direito privado,
existem em nmero muito inferior em relao s outras categorias de IES.
As instituies de ensino superior privado so, em sua maior parte,
financiadas pelo pagamento de mensalidades dos alunos. Podem tambm ser
membros de ordem religiosa, como as Pontifcias Universidades Catlicas
(PUCs).
Para alcanar uma consistncia significativa nesta pesquisa e para
enfatizar a importncia da formao de jovens, na idade desejvel para o nvel
superior de qualidade, fez-se necessrio estabelecer um recorte na
organizao deste texto. Portanto, a abordagem do tema proposto privilegiar a
universidade como foco desta anlise, como instituio referncia da Educao
Superior, em sua concepo histrica e funo social.
A universidade, compreendida como espao de produo do
conhecimento cientfico, por meio da investigao, busca atender necessidades
do contexto em que est inserida, como parte integrante da realidade histrica
e sociocultural e com o objetivo de promover cientificidade, o saber, a teoria e a
inveno, no mbito da socializao do saber e do compartilhamento para a
sociedade (FVERO, 2003).
No Brasil, o nvel superior de ensino passou por vrias reformas, planos
e discusses. Atualmente as polticas educacionais apontam numerosos
33
desafios, como as desigualdades regionais, a qualidade, a disparidade da
quantidade de profissionais qualificados atuando na Educao Superior, etc.
Somente nas primeiras dcadas do sculo XX que a universidade foi
constituda, sob a influncia de dois modelos modernos: o francs, ou
Napolenico9 que marca a organizao da Universidade do Rio de Janeiro
(Universidade do Brasil), e alemo, ou Humboldtiano10, representado pela
Universidade de So Paulo (USP).
A universidade que almejamos deveria se pautar na trade entre ensino,
pesquisa e extenso, que materializa suas finalidades no campo da autonomia
universitria. Para perceber o conceito cientfico e o papel da Universidade
como instituio social, Bollmann e Carvalho (2009, p.32) dizem que:
O conceito de Universidade est imbricado na acepo de instruo cuja finalidade precpua a produo autnoma do conhecimento. As possibilidades para uma universidade que
incorpora a indissociabilidade so grandes, no sentido de que ensino, pesquisa e extenso iro exercer seu papel na sociedade. (IDEM)
Percebemos que a universidade deve ser um espao social, que
contribui com a aprendizagem e a consolidao do pensamento crtico apto a
administrar solues que possam colaborar para o saber, e a utilizao do
conhecimento construdo na universidade deve estar disponvel a toda a
sociedade. No entanto, deparamo-nos com concepes contraditrias sobre
esse conhecimento, que, segundo Neves (2008, p. 9), pode ser utilizado para o
atendimento ao mercado do conhecimento e do conhecimento para o
mercado.
A universidade deve respeitar o princpio da autonomia universitria,
caracterizado pela produo do conhecimento independente, produo esta
9O modelo Napolenico de universidade caracterizado por escolas isoladas e
profissionalizantes, com dissociao entre ensino e pesquisa, e de ampla centralizao estatal. 10
O modelo Humboldtiano de universidade caracterizado por destacar principalmente a pesquisa como funo primordial, ao lado do ensino, concebendo livremente o trabalho cientfico sem quaisquer imposies e aprofundando em sua essncia. O termo Humboldtiano
vem de Wilhelm von Humboldt, fundador da Universidade de Berlim (ou Humboldt-Universitt), foi funcionrio do governo, diplomata e filsofo, particularmente reconhecido como o pai do sistema educacional alemo, que serviu de modelo para vrias universidades em outros pases.
34
conduzida atravs das inter-relaes das atividades sociais estabelecidas, que
resultam nas condies da prpria sobrevivncia e preservao do ser
humano. A concepo de autonomia, no sentido da autonomia universitria,
tratada por Chau (2001, p. 183), quando retoma o significado de autor da
prpria norma, ou seja, da universidade ser regida no apenas por suas
prprias normas, por decises democrticas de sua representante, mas
tambm assegurar critrios acadmicos para a vida acadmica e
independncia para definir a relao com a sociedade e com o Estado. Esta
concepo contribui para uma formao voltada liberdade de pensamento e
se mostra oposta lgica da explorao e dos princpios mercantilistas, que
tem a universidade como comrcio de diplomas e diplomados para atuar de
acordo com as demandas do mercado.
Para ampliar essa compreenso, novamente nos apoiamos em Chau
(2001, p.177), que discute a Reforma do Estado Brasileiro (por volta dos anos
1970), relacionada ao da economia poltica neoliberal, em que substitui o
termo direito pelo termo servio, e exclui as exigncias democrticas dos
cidados ao seu Estado e aceita apenas as exigncias feitas pelo capital ao
seu Estado. Esta autora destaca ainda a influncia da Reforma na
universidade:
Quando, portanto, a Reforma do Estado transforma a educao de direito em servio e percebe a universidade como prestadora de servios, confere um sentido bastante determinado ideia de autonomia universitria, e introduz o
vocabulrio neoliberal para pensar o trabalho universitrio, como transparece no uso de expresses como qualidade universitria, avaliao universitria e flexibilizao da universidade. (2001, p.182)
A universidade, instituio social, reflete uma contradio em relao
concepo de produo autnoma e de formao omnilateral, e discutir o que
a universidade, nessa perspectiva, significa discutir os rumos que vem tomando
atualmente as polticas pblicas sociais.
Borja discute o amplo papel da universidade do sculo XXI, que de:
[...] comprometer-se ativamente com o futuro de maneira a reconciliar a cincia com a tica e a levantar seu pensamento e sua voz acima da desorganizao geral, da degradao de valores, do crescimento desenfreado de injustias, do
35
desencanto da ps- modernidade, da subcultura das imagens da televiso e da presena da vdeo- poltica, que substituram a inteligncia pela fotogenia, a personalidade pela imagem, a realidade pela aparncia, a verdade pela verossimilhana, o discurso pelo estilo, o contedo pela forma e a consistncia de ideias pela eufonia. (BORJA, 2002, p. 30).
O rumo da sociedade conduz e reflete na universidade. Gottifredi (2002,
p. 113) revela que a formao superior e a universidade nunca tiveram tanta
importncia na insero de nossas naes em espaos regionais como neste
mundo globalizado.
No contexto da globalizao, que explicitaremos no tpico a seguir, a
universidade se expressa numa nova concepo de organizao social, que
se distancia da sua funo de instituio social. Marilena Chau discute a
diferena entre instituio social e orgnizao social a partir de Michael Freitag
em Le naufrage de lniversit, mencionando a Escola de Frankfurt, em que
[...] uma organizao difere de uma instituio por definir-se por uma outra prtica social, qual seja, a de sua instrumentalidade[...] a instituio aspira a universalidade. A organizao sabe que sua eficcia e seu sucesso dependem de sua particularidade[...]. A instituio tem a sociedade como seu princpio e sua referncia normativa e valorativa, e a organizao tem apenas a si mesma como referncia, num processo de competio com outras que fixaram os mesmos
objetivos particulares. (CHAU, 2001 pg. 187).
Desvirtua-se, portanto, da concepo de instituio social, pela corrente
de pensamento neoliberal, direcionada primordialmente lucratividade e ao
sentido de resultados prticos e imediatos, impostos pelas demandas
mercantilistas da sociedade contempornea.
2.2 Os rebatimentos da globalizao na Educao e na Universidade
A educao (e nela a universidade) pode absorver processos de
reproduo nos contextos sociais, advindos de um cenrio de mundo
globalizado na sua abrangncia poltica, cultural, econmica.
As percepes sobre a realidade que o Brasil e o mundo vm
percorrendo dizem respeito principalmente disposio do capital em conduzir,
36
entre outros setores, a educao e o trabalho, fortalecendo a conexo entre
capital e trabalho em uma sociedade materializada com base nos moldes
capitalistas, como mostra Lima (2008, p. 57):
Com o desenvolvimento do capitalismo em nosso pas, a expanso do acesso educao passou a ser uma exigncia
do prprio capital, seja de qualificao da fora de trabalho para o atendimento das alteraes produtivas, seja para difuso da concepo de mundo burguesa sob a imagem de uma poltica inclusiva.
Recorremos a Mszros (2009, p. 44) ao expor a ligao entre os
processos educacionais e os processos sociais. Para se ter uma reformulao
significativa da educao preciso que a transformao social corresponda s
novas formulaes. Assim, se temos uma formao social estruturada pelas
desigualdades, em um Estado capitalista fortemente consolidado, a educao
no h de ser muito diferente, sendo incapaz, por si s, de prover uma
alternativa emancipatria nesta sociedade, em que uma das principais funes
reproduzir o conformismo:
As instituies formais de educao certamente so uma parte importante do sistema global de internalizao. Mas apenas
uma parte. Quer os indivduos participem ou no [...]das instituies formais de educao, eles devem ser induzidos a uma aceitao ativa [...] dos princpios reprodutivos orientadores dominantes na prprio sociedade, adequados a sua posio na ordem social, e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhes foram atribudas. (MSZROS, 2009, p. 44).
Para entendermos os rebatimentos da globalizao na educao,
necessrio fazer uma leitura das profundas mudanas ocorridas na
contemporaneidade, reflexo da expanso econmica e da mundializao
capitalista (principalmente a partir dos anos setenta) e que reconfigura o tempo
e o espao das sociedades atuais.
Chesnais (1996, p. 23) define o termo global (utilizado inicialmente em
matria de administrao de empresas, por grandes grupos industriais) para
transmitir mensagens como estas:
37
Em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstculos expanso das atividades de vocs foram levantados, graas liberalizao e desregulamentao; a telemtica e os satlites de comunicaes colocam em suas mos formidveis instrumentos de comunicao e controle; reorganizem-se e reformulem, em consequncia, suas estratgias internacionais.
Milton Santos (2000, p.19), ao fazer uma leitura de mundo, apresenta a
globalizao como uma fbrica de perversidades, em que o crescimento do
desemprego constante e o salrio mdio diminui; o aumento da pobreza, da
fome e do desabrigo incide na perda da qualidade de vida; doenas e novas
enfermidades se instalam e triunfam; a educao perde qualidade e se torna
inacessvel, espalhando os males morais e espirituais na evoluo (negativa)
da humanidade.
O autor supracitado apresenta a globalizao como o pice do processo
de internacionalizao do mundo capitalista (IDEM, p. 23), e aponta os fatores
que podem explicar a fundamentao da globalizao perversa que utiliza o
seguinte sistema de tcnicas avanadas: unicidade da tcnica, a convergncia
dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existncia de um motor nico
na histria, representado pela mais-valia globalizada. (IBIDEM, p. 24)
Assim, a globalizao dispe de um sistema nico de tcnicas, de aes
singulares de produo numa escala mundial, atuando atravs de um motor
nico por meio de empresas mundiais. Santos (2000) aponta que o motor nico
s se tornou possvel devido ao patamar de internacionalizao, com a
mundializao do dinheiro, do crdito, da dvida e do consumo.
Roger Dale (2004, p. 427) expe a diferena entre mundial e global,
apesar da mesma designao extra nacional dos termos:
A principal diferena relevante entre elas que a primeira [mundial] conota uma sociedade, ou poltica, internacional constituda por estados-nao individuais autnomos; o que se pressupe essencialmente uma comunidade internacional. Global, pelo contrrio, implica especialmente foras econmicas operando supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstroem as relaes entre as naes. (IDEM)
Concordamos com Souza Junior (2010, p. 137-138) quando questiona,
a partir da anlise marxista, a transio do segundo para o terceiro milnio e
38
discute as mudanas no mundo do trabalho, dentro de uma averiguao sobre
a dinmica global da ordem scio econmica:
poca em que o capital financeiro [...] movimenta-se pelo mercado mundial sem obstculos, favorecido pelos avanos tecnolgicos e pelas polticas de desregulao; poca em que as novidades cientficas e tecnolgicas se superam em velocidade surpreendente, poca de incrveis avanos nos processos de comunicao e informao; poca em que se tornou possvel a espetacularizao das ofensivas militares mais brutais, atravs da cobertura miditica global, em tempo
real. (IDEM)
Percebemos, ainda, de acordo com Moraes (2003), a poca ctica e
pragmtica da sociedade contempornea; um movimento que marginaliza os
debates tericos no campo educacional, em uma marcha r intelectual e
terica (2003, p. 154) atravs do recuo terico, definido nas prprias polticas
educacionais.
Os rebatimentos das demandas globais nas polticas pblicas podem e
devem ser atribudos estrutura da sociedade, embasada nos moldes
capitalistas que as enfraquecem e as entregam a estruturas provenientes do
movimento mundial e da centralizao do poder aos pases hegemnicos.
Sampaio Jr (2007) discorre acerca do enfraquecimento dos Estados nacionais
que manifestam com fora redobrada nas provncias perifricas, decorrente do
impulso das economias capitalistas desenvolvidas em abrandar os efeitos
devastadores da globalizao que, com isso, reforam a grandiosidade de suas
economias e suas estruturas estatais.
A sociedade globalizada provoca efeitos nas polticas pblicas
nacionais, o que leva os pases a acionarem medidas de conteno de
despesas, reduzindo, assim, os investimentos no setor social. Esta sociedade
traz novos meios de excluso, expostos pela hegemonia neoliberal, contrrios
a qualquer forma de sociedade igualitria e autnoma que, na viso de Silva,
(1997, p. 271), est vitimando pessoas em todo o mundo, atravs da crescente
excluso social, afligindo pases ricos e perifricos, pois em nome da dita
ordem, vrias crianas esto morrendo de subnutrio, j so milhares de
desempregados e inmeras pessoas que vivem marginalizadas.
39
Com isto, vai-se naturalizando a privatizao dos direitos sociais, como
educao, sade, previdncia, entre outros.
Um dos marcos deste contexto, e dos processos de reformas da
educao, so as concepes formuladas a partir da Conferncia Mundial de
Educao para Todos11, ocorrida em Jomtien, Tailndia, que resultaram na
aprovao de aparatos legais, como o Plano Decenal de Educao para Todos
(1993), a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB/1996), o Plano
Nacional de Educao - 2001-2011, o Plano de Desenvolvimento da Educao
(PDE/2007), dentre outros.
Nos ltimos anos, a discusso sobre educao se intensificou no
somente pelos profissionais da rea, mas em diferentes espaos, desde o
poltico e econmico at o das organizaes sociais de base, dos organismos
internacionais, de administradores, enfim, de investidores. Isso se mostra claro
pela aprovao das diretrizes conhecidas como Projeto Principal de Educao
na Amrica Latina e Caribe - PROMEDLAC V, derivada do PROMEDLAC12,
uma conferncia, formada por ministros da Educao preocupados em discutir
uma educao internacional que vincule a melhoria da educao com a
profissionalizao, com investimentos macios no docente, por meio da
formao continuada, melhoria e aperfeioamento de materiais pedaggicos.
Neste evento, o Banco Mundial teve relevante posio e, segundo Shiroma,
Moraes e Evangelista (2007), o interesse do Banco com questes educacionais
decorre da existncia da pobreza e busca de sua erradicao atravs da
educao e da assistncia social.
Interessava por essa via, reafirmar a necessidade da participao do
setor privado na educao por trazer melhores resultados, podendo, assim,
investir em capital humano na busca do custo-benefcio, retornando nos anos
11
A conferncia ocorrida na Tailndia, em 1990, reuniu 155 governos, definindo aes para os 9 pases com as maiores taxas de analfabetismo: Bangladesh, Brasil, China, Egito, ndia, Indonsia, Mxico, Nigria e Paquisto, conhecidos por E9. Todos se tornaram signatrios de um acordo que visa articular polticas educativas a partir deste frum. 12
Um dos marcos das reformas educacionais nos anos 1990, alm da Conferncia de Jomtien, foi o PROMEDLAC, que a reunio de Ministros de Educao convocados pela Unesco, com
o objetivo de discutir e analisar o desenvolvimento do Projeto Principal de Educao para a Amrica Latina e Caribe. Em 1991 ocorreu a Quarta Reunio em Quito, considerada pela Clacso (a reunio) o marco mais importante da poltica de educao da dcada de 90. (CASASSUS, Juan, 2001 Cadernos de Pesquisa, n.114, p. 7 28, novembro/2001). Disponvel em: .
http://www.scielo.br/pdf/cp/n114/a01n114.pdf
40
1990, a teoria do capital humano dos anos 1970. As autoras ainda comentam a
concepo de educao naquele evento, com papel fundamental na reduo
da pobreza, na manuteno da economia e na evoluo tecnolgica, j que o
conhecimento se torna obsoleto diante da velocidade com que a informao
(re)produzida. Ora, a prioridade da educao vem a ser moldada dentro de
uma capacidade adaptvel, e formar um sujeito apto a adquirir conhecimentos
sem dificuldades, exigida pela demanda do mercado econmico, no tarefa
fcil.
Percebemos que o Estado brasileiro, historicamente ligado aos
interesses dos setores privados representados pelas elites dominantes,
caracterizado pela adeso a um modelo econmico baseado em polticas de
ajuste estrutural, orientadas pelos organismos internacionais de crdito, tais
como o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), e a Organizao Mundial de Comrcio (OMC)
(SHIROMA, MORAES, EVANGELISTA, 2007). A extenso dessas polticas
alcana todos os setores, trazendo como consequncia o transpasse que
transforma benefcios garantidos pelo Estado em meros servios fornecidos por
empresas privadas.
Segundo Neves (2008, p. 116), os organismos internacionais designam
educao superior, na sociedade do conhecimento, a tarefa de formar
intelectuais urbanos, que ensinem o consenso dessa nova sociedade de
acordo com as demandas capitalistas, no s na fbrica, mas em toda a
sociedade.
A funo da educao superior, segundo o Banco Mundial (2000, p. 49),
refletir e promover uma sociedade civil aberta baseada na meritocracia, em
que a Instituio de Ensino Superior serve de modelo e incentivo para a
sociedade moderna.
A educao superior contribui para o surgimento de cidados ilustrados que so imprescindveis para a democracia, objetivo que se alcana, inculcando as normas e as atitudes pertinentes nos prprios estudantes que mais tarde chegaro a ser os
professores, advogados, jornalistas, polticos e lderes empresariais, cujas prticas estendero a cidadania ilustrada a toda a sociedade. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 49))
41
Entretanto, ser esta a concepo de Educao Superior que a
sociedade brasileira necessita? A meritocracia seria possvel, em uma
sociedade civil socioeconomicamente desigual, como a brasileira?
No Brasil, as chances e as formas de acesso s instituies pblicas de
ensino superior esto mais prximas dos estudantes que respondem s
condies de escolarizao obtida numa trajetria escolar mais prxima dos
estudantes de origem socialmente favorecida, o que leva s polticas de
acesso, com a interveno dos processos seletivos e avaliativos, conservam as
desigualdades socioeconmicas e culturais (PEREIRA, 2006).
Assim, ao observarmos a sociedade em seu vis econmico, social e
poltico, percebemos o desafio que compreender o papel do ensino superior
como parte de um sistema complexo, dual e desigual. Desta forma, como a
educao superior exerceu sua funo na recente histria, com menos de cem
anos de sua existncia no nosso pas? Como a educao superior, e nela a
universidade, consolidou-se no Brasil? Ela sempre foi caracterizada por ser
uma instituio elitizada e de acesso desigual? Diante destes questionamentos,
fizemos um levantamento histrico da gnese da Educao Superior brasileira,
a criao das primeiras IES e universidades, que rebate no nvel de ensino que
temos hoje no pas.
42
3. O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E A UNIVERSIDADE:
DO PERODO COLONIAL DITADURA MILITAR
Para compreender o acesso ao ensino superior no Brasil, devemos
considerar que, historicamente, esse nvel de ensino se constituiu como um
privilgio das classes mais abastadas. No entanto, ao que parece, esse
privilgio continuou ao longo de todo o perodo da histria do Brasil, haja vista
que na Colnia Brasileira a universidade era inexistente e somente a elite (ou
seja, brancos e ricos) acessava o nvel superior. Somente em 1808, com a
mudana da famlia real portuguesa para Brasil, que se inicia a criao de
instituies isoladas de ensino superior, com o intuito de formar profissionais
podemos dizer que nesta poca inicia-se a histria do Ensino Superior, no
da universidade.
A partir de 1837 todos os alunos concluintes do Colgio Pedro II
poderiam ingressar em qualquer instituio superior do Imprio. Durante a
Repblica, o ingresso de alunos secundrios ao ensino superior se expandiu,
at 1911, quando exames de admisso foram implantados para o acesso e em
1925 foi fixado um nmero de vagas por curso nas instituies superiores.
Neste perodo, surgem as primeiras universidades, a Universidade do Rio de
Janeiro (1920), a Universidade de Minas Gerais (1927) e a Universidade do Rio
Grande do Sul e a Universidade de So Paulo (1934).
J no perodo ditatorial de Getlio Vargas (1937 a 1945), houve esforos
para que houvesse expanso do ensino superior, com traos do modelo
desenvolvimentista, enfatizando a formao profissional.
Finalmente, no perodo da Ditadura Militar, a Lei n 5.540, de 1968, em
nome do modelo tecnicista, edifica uma reforma educacional compatvel com o
modelo econmico vigente. Mesmo havendo uma expanso nesse perodo, o
nmero de vagas na universidade ainda era muito pequeno.
A seguir, nos deteremos no percurso histrico do acesso ao Ensino
Superior e universidade.
3.1 Da Colnia Repblica
43
A histria da educao superior brasileira e do acesso a esse nvel de
ensino tardia, marcada por uma elitizao que permanece longe de ser um
sistema democrtico, pblico e autnomo. As Instituies profissionalizantes
superiores foram criadas apenas no sculo XIX, e a universidade somente fora
consolidada quatro sculos aps o incio da colonizao portuguesa, no sculo
XX. Para esta pesquisa, ressaltamos a histria da educao superior em busca
de realizarmos uma comparao sobre a evoluo do acesso e da
permanncia discente ao longo da histria, em um entendimento da criao da
universidade, reformas e mudanas. Assim, perguntamos: houve grandes
mudanas, ao longo da histria da Educao Superior brasileira, em relao ao
acesso e permanncia?
Ao final do sculo das Conquistas, o Brasil estava atrasado se
compararmos com os pases de colonizao espanhola que, no perodo,
possuam 06 universidades e, no perodo de suas independncias, contavam
com 19. Na Argentina, por exemplo, a educao superior teve sua histria
iniciada em 1613 e a primeira universidade em 1622, a Universidade de
Crdoba, deciso do Papa Gregrio XV e do Rei espanhol Felipe III, atravs do
Estatuto de Universidade (CATANI, 2007)13. E j possua a capacidade de
conferir os graus acadmicos relativos aos cursos de Artes e Teologia.
O ensino superior no Brasil decorreu somente com a vinda da Coroa
portuguesa, 308 anos aps o descobrimento, e era de carter profissionalizante
no- universitrio. Segundo Oliven (1989, p. 60), ocorreram, durante o imprio,
tentativas de criao de instituies de ensino superior inspiradas em modelos
de universidade centralizador, mas os projetos propostos ao governo no
receberam apoio para se consolidar, permanecendo as faculdades isoladas de
carter profissionalizante.
Os estudantes brasileiros da elite, durante o perodo colonial, tinham que
se deslocar at Portugal ou outros pases europeus para receberem sua
formao superior. Aps concluir seus estudos menores, geralmente se
deslocavam Universidade de Coimbra, e nela se graduavam em Teologia,
13 Trabalho apresentado na 28 ANPED. Disponvel em: Acesso em 12 de Abril, 2013.
http://www.anped11.uerj.br/28/index.htm
44
Direito Cannico, Direito Civil, Medicina e Filosofia. Assim, durante o perodo
colonial, o acesso aos cursos superiores era caracterizado pela classe social e
etnia, j que os ingressantes eram ricos e brancos. De acordo com Zotti
(2004), as instituies escolares eram de domnio da classe dirigente, pois
articulavam os interesses da metrpole e das atividades coloniais. Para
Portugal garantir a dependncia econmica, era essencial a dependncia
poltica, e para isso, a dependncia cultural era indispensvel.
Em 1808, a corte portuguesa obrigada a deixar Portugal para escapar
da invaso de Napoleo Bonaparte que havia chegado ao reino. Protegida
pela Inglaterra, com a qual mantinha uma dependncia econmica, a famlia
real portuguesa mudou-se para o Brasil, em frotas (escoltados por navios
ingleses) que transportaram tesouros da coroa, militares, eclesisticos, alta
burguesia, dentre outros e a sede do Reino transfere-se para a Colnia.
As instituies de ensino, at ento proibidas na Colnia, comeavam
a ser necessrias como instituies econmicas, administrativas e culturais,
como tambm a ruptura do pacto colonial. Foram criadas ctedras isoladas de
ensino superior, em vez de universidades, apenas com o intuito de formar
profissionais: em Salvador, o curso de Cirurgia, Anatomia e Obstetrcia; no Rio
de Janeiro, dev
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