2016 UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR
Cincias
Excelncia e Criatividade em Matemtica Universitria
Fernando Srgio Domingues Carlos Tese para obteno do Grau de Doutor em
Didtica da Matemtica (3 ciclo de estudos)
Orientadora: Prof Doutora Mara Teresa Gonzlez Astudillo
Co-orientador: Prof. Doutor Pedro Ferro Patrcio
Co-orientadora: Prof Doutora Ema Patrcia de Lima Oliveira
Covilh, fevereiro de 2016
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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Cincias
Excelncia e Criatividade em Matemtica
Universitria
Fernando Srgio Domingues Carlos
Tese para obteno do Grau de Doutor em
Didtica da Matemtica
(3 ciclo de estudos)
Orientador: Prof. Doutora Mara Teresa Gonzlez Astudillo
Co-orientador: Prof. Doutor Pedro Ferro Patrcio
Co-orientadora: Prof. Doutora Ema Patrcia de Lima Oliveira
Covilh, fevereiro de 2016
iii
minha famlia
v
Agradecimentos
Um trabalho desta natureza uma longa jornada. Felizmente pude contar com a ajuda de
diversas pessoas que, desta ou daquela forma, contriburam para a sua concretizao. Ao
terminar esta Tese de Doutoramento, quero dedicar algumas palavras de reconhecido
agradecimento a algumas dessas pessoas.
Desde logo, agradeo ao Professor Manuel Saraiva pela confiana que depositou em mim, sem
a qual este trabalho no existiria.
Estou igualmente grato minha equipa de Professores Orientadores. Cada um na sua rea soube
guiar-me atravs dos labirintos de hesitaes e decises. Obrigado Maite, obrigado Ema,
obrigado Pedro, pelas oportunidades de aprendizagem que me proporcionaram, pelas vossas
instrues e ajudas.
Agradeo aos estudantes que participaram no estudo emprico que integra este trabalho, pela
disponibilidade e por partilharem comigo temas privados.
Agradeo aos Professores Alexander Karp e Edward Silver pela recetividade com que acolheram
as minhas solicitaes e pela partilha de ideias.
Agradeo aos meus colegas investigadores, pela partilha e amizade. Em especial a Elisabet
Mellroth, que mesmo distncia conseguiu dar-me nimo para continuar, quando ele
escasseava.
Agradeo a afeio dos meus colegas e amigos, bem sei a minha disponibilidade no tem estado
altura do vosso merecimento.
E o mesmo vale, por maioria de razo, para a minha famlia. Agradeo a vossa pacincia, e
peo-vos desculpa pelas vezes em que a minha faltou. Obrigado pelo vosso carinho e
compreenso durante esta jornada. Espero que, de alguma forma, a concretizao deste
trabalho possa retribuir o afeto que me dedicam.
vii
Resumo
sobejamente conhecida a dificuldade com que muitos alunos, ao longo do seu percurso
escolar, lidam com a disciplina de Matemtica. Ao mesmo tempo, coabitam nas salas de aula
com estes alunos, outros que sobressaem pelo elevado rendimento nesta disciplina. A procura
de explicaes para esta discrepncia foi uma das motivaes para este trabalho,
particularmente a explorao dos fatores que permitem que alguns estudantes sejam
excelentes em Matemtica. O conhecimento das condies, tanto pessoais como ao nvel da
envolvente do indivduo, que possibilitam um desempenho escolar excelente em Matemtica,
pode ser importante para ajudar os que, partida, no tm to bons resultados nesta disciplina.
O ponto de partida para este conhecimento foi a realizao de uma extensiva reviso de
literatura sobre a excelncia. Mas a profuso de vises sobre o tema e a multiplicidade de
varveis implicadas dificulta a compreenso do fenmeno. Por este motivo, num esforo de
sistematizao, concebemos um modelo para estudo da excelncia em Matemtica. Para alm
da anlise dos componentes da excelncia em Matemtica entre estudantes do ensino superior,
foi tambm nossa inteno explorar as suas aptides criativas nesta disciplina. Com este duplo
propsito, realizmos um estudo emprico com recurso a uma metodologia mista, combinando
entrevistas semiestruturadas com um questionrio de atitudes face Matemtica, e ainda a
anlise das respostas dadas pelos participantes em tarefas matemticas de mltiplas solues.
Neste estudo participaram quatro estudantes do ensino universitrio portugus.
Os dados recolhidos sobre os componentes da excelncia matemtica so consistentes com o
modelo anteriormente proposto. Entre eles, destacam-se pela preponderncia que assumem, a
motivao, a capacidade autorregulatria e o nvel de comprometimento com a sua formao
matemtica. Por seu lado, os dados provenientes da anlise do desempenho criativo dos
participantes denotam uma criatividade matemtica limitada.
Palavras-chave
Excelncia, motivao, autorregulao, prtica deliberada, criatividade.
ix
Abstract
The difficulties that some students face when dealing with mathematics throughout their school
route, are broadly recognized. At the same time, sharing the classrooms with these students,
there are others who excel in this subject. The search for explanations for this discrepancy was
one of the motivations for this work, particularly the exploration of the factors that allow some
students to be excellent in mathematics. The knowledge of the conditions, both personal and
of the environment where the individual lives and works, which allow for an excellent academic
performance in mathematics, can be important to help those who dont achieve such good
results in this subject.
The starting point for this knowledge has been the extensive review of the literature on
excellence that weve done. But the profusion of understandings on the subject and the
multitude of variables involved makes it difficult to comprehend this phenomenon. For this
reason, in an effort of systematization, we have designed a model for the study of excellence
in mathematics. In addition to analyzing the components of excellence in mathematics among
university students, it was also our intention to explore their creative skills in this subject. With
this dual purpose, we conducted an empirical study using a mixed methodology, combining
semi-structured interviews with a questionnaire on attitudes towards mathematics, and also
the analysis of the answers given by the participants in mathematical tasks with multiple
solutions. The participants of this study were four Portuguese university students.
Referring to the components of mathematical excellence, the data collected from the empirical
study is consistent with the previously proposed model. Amongst them, as the result of the
prevalence these components assume, we highlight motivation, self-regulation abilities and the
level of commitment to mathematical education. In turn, the data from the analysis of the
participants' creative performance denotes limited creativity.
Keywords
Excellence, motivation, self-regulation, deliberate practice, creativity.
xi
ndice
Introduo .................................................................................................. 1
Captulo 1 - Reviso de literatura ..................................................................... 4
Excelncia e sobredotao .................................................................... 4
Abordagens conceptuais ao estudo da excelncia e sobredotao ........... 4
Joseph Renzulli: O Modelo dos Trs Anis .............................. 6
Franois Gagn: o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento ...7
A perspetiva de Sternberg. Os modelos desenvolvimento de
expertise e WICS .................................................................7
Ericsson e o enfoque na prtica deliberada .................................8
Autorregulao na aprendizagem .................................................. 10
Prtica deliberada .................................................................... 13
Motivao ............................................................................... 14
Modelos com enfse na expectativa acerca dos resultados ......... 16
Modelos que agregam expectativa de resultados e valorao ...... 17
Modelo que destaca o papel da motivao intrnseca ................ 18
Modelos que valorizam os objetivos ..................................... 19
Teoria implcita da inteligncia segundo Carol Dweck ............... 21
Motivao e excelncia em geral e no domnio da matemtica .... 22
Talento e excelncia em Matemtica ............................................. 24
Contributo terico de um novo modelo para a excelncia na Matemtica ........... 28
Modelo proposto ....................................................................... 30
Discusso do modelo proposto ...................................................... 30
Criatividade ...................................................................................... 33
O que a criatividade ................................................................ 35
Pensamento divergente .................................................... 37
Modelos tericos sobre a criatividade ............................................. 38
A Teoria de Criatividade como Investimento ........................... 38
Viso sistmica da criatividade ........................................... 39
Perspetiva Interativa da Criatividade ................................... 40
Teoria Componencial de Criatividade ................................... 41
Modelo dos quatro Cs ...................................................... 42
Criatividade em Matemtica ........................................................ 43
As primeiras abordagens Poincar e Hadamard ...................... 44
A perspetiva de G. Ervynck ................................................ 44
A perspetiva de B. Sriraman ............................................... 45
Captulo 2 Metodologia ............................................................................... 47
Objetivos e perguntas de investigao ...................................................... 47
Descrio da metodologia histrias de vida ............................................. 48
Participantes ..................................................................................... 50
Instrumentos ..................................................................................... 52
Entrevista ............................................................................... 53
Questionrio ........................................................................... 55
Estudo da validade e fiabilidade do inventrio de atitudes face
Matemtica .................................................................. 57
Instrumento de aferio da criatividade matemtica .......................... 57
Apresentao do instrumento de aferio da criatividade
matemtica dos participantes ............................................ 59
O instrumento usado ........................................................ 63
Captulo 3 Apresentao, anlise e discusso dos resultados................................ 66
Entrevistas ....................................................................................... 66
Introduo Abordagem ao percurso e a relao com a Matemtica ....... 66
Experincias significativas ao longo do percurso formativo ................... 69
Desempenho atual Fatores pessoais ............................................. 70
Local de estudo e organizao e gesto do tempo ...................... 70
Estratgias de estudo e aprendizagem .................................... 71
Autoconceito ................................................................... 74
Atribuies ao sucesso e ao fracasso ...................................... 75
xiii
Motivao ...................................................................... 76
Predisposio para o esforo e tolerncia frustrao ................ 76
Desempenho atual Aspetos contextuais/envolventes ......................... 77
Meio envolvente Famlia .................................................. 77
Meio envolvente outros agentes .......................................... 81
Envolvimento na tarefa .............................................................. 84
Presses sentidas ao longo do percurso escolar ................................. 88
Caractersticas pessoais evidenciadas ............................................. 89
Discusso da anlise do contedo das entrevistas .............................. 90
Questionrios ................................................................................... 92
Anlise das respostas aos questionrios ........................................... 96
Discusso das respostas ao questionrio .......................................... 98
Instrumento de aferio da criatividade matemtica .................................... 99
TMS 1 ................................................................................... 99
TMS 2 ................................................................................... 109
Discusso acerca das resolues das TMS ......................................... 117
Captulo 4 Revisitao do modelo anteriormente proposto .................................. 120
Captulo 5 Concluses ................................................................................. 123
O que concerne ao objetivo terico ......................................................... 123
O que concerne s perguntas de investigao ............................................. 124
Limitaes deste trabalho ..................................................................... 126
Pistas para investigaes futuras............................................................. 126
Referncias ................................................................................................ 129
Anexos ..................................................................................................... 148
Anexo 1 Estudos de validao e fiabilidade do inventrio de atitudes face matemtica 150
Anexo 2 Grupos de solues do perito para a TMS 1 .............................................. 166
Anexo 3 Grupos de solues do perito para a TMS 2 ............................................. 173
Anexo 4 Perguntas do guio de entrevista segundo a fonte e objetivo ....................... 177
Anexo 5 Respostas ao inqurito ...................................................................... 184
Anexo 6 Declarao de consentimento informado ................................................ 193
xv
Lista de Figuras
Figura 1.1 Modelo terico proposto .................................................................................. 30
Figura 3.1 Tentativa de resoluo da TMS1 do estudante A ............................................ 100
Figura 3.2 Tentativa de resoluo da TMS1, pela via do clculo, do estudante D ........... 101
Figura 3.3 Tentativa de resoluo da TMS1, pela via geomtrica, do estudante D .......... 102
Figura 3.4 Resoluo da TMS1 pelo estudante B, em que recorreu a uma tabela
trigonomtrica .................................................................................................. 103
Figura 3.5 Resoluo da TMS1 pelo estudante B, em que recorreu ao mtodo dos
multiplicadores de Lagrange ............................................................................ 104
Figura 3.6 Tentativa de resoluo da TMS1 do estudante B, com recurso a tringulos ... 104
Figura 3.7 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que recorreu ao clculo ............... 106
Figura 3.8 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que recorreu ao mtodo dos
multiplicadores de Lagrange ............................................................................ 107
Figura 3.9 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que seguiu uma via
trigonomtrica .................................................................................................. 108
Figura 3.10 Resolues da TMS2 pelo estudante A........................................................... 110
Figura 3.11 Resolues da TMS2 pelo estudante B........................................................... 112
Figura 3.12 Resolues da TMS2 pelo estudante C .......................................................... 113
Figura 3.13 Tentativas de resoluo da TMS2 pelo estudante D ....................................... 116
xvii
Lista de Quadros
Quadro 2.1 Algumas caractersticas dos quatro estudantes que participaram no
estudo emprico que realizmos ................................................................... 51
Quadro 2.2 Classificaes obtidas pelos quatro estudantes nos exames de duas
disciplinas de Matemtica do primeiro ano universitrio ............................... 51
Quadro 2.3 Panorama global do desempenho de todos os alunos que realizaram os
mesmos exames que os quatro participantes ............................................... 52
Quadro 2.4 Percentis das classificaes obtidas pelos quatro participantes nos
exames que realizaram ................................................................................. 52
Quadro 2.5 Esquema de pontuao (baseado em Leikin, 2009) ..................................... 64
Quadro 2.6 Classificao da criatividade das TMS propostas ......................................... 65
Quadro 3.1 Respostas dos inquiridos s afirmaes do inqurito e respetivas somas
parciais .......................................................................................................... 96
Quadro 3.2 Resumo das classificaes dos estudantes na TMS 1 ................................. 109
Quadro 3.3 Resumo das classificaes dos estudantes na TMS 2 ................................. 117
xix
1
Introduo
Numa sociedade cada vez mais centrada na inovao tecnolgica, com ambies de
desenvolvimento econmico e social, a formao de recursos humanos revela-se de extrema
importncia. O elevado investimento que a generalidade dos estados, Portugal includo,
consagra educao e formao dos seus cidados, tem como objetivo final a habilitao destes
para participarem plena e ativamente na sociedade e para contriburem para uma economia
global cada vez mais baseada no conhecimento.
A educao, para alm de ser considerada como o primeiro passo para qualquer atividade
humana, tem reflexos nos nveis de bem-estar do indivduo e na variedade de oportunidades
para aceder a melhores condies de vida. E a atual conjuntura de dificuldades financeiras,
com a consequente competio pelo escasso nmero de empregos, torna ainda mais premente
um olhar atento sobre as condies que favorecem um bom desempenho escolar. Em tempos
passados, os alunos eram frequentemente encarados como meros depositrios de
conhecimentos, a quem se exigia que memorizassem um conjunto de informaes, que quando
para isso solicitados, deveriam debitar maquinalmente, e isso era considerado suficiente. Mas
os profissionais que a sociedade hoje necessita devem ser capazes de procurar autnoma e
eficazmente o conhecimento pertinente e de encontrar respostas criativas por meio dessa
pesquisa. Assim, as capacidades criativas de um indivduo, so tambm um ativo valioso que
importa conhecer.
Consequentemente, a preocupao com a qualidade do desempenho dos estudantes continua
sendo uma prioridade para todos os educadores e investigadores. Em particular, a explorao
das variveis que influenciam os nveis de desempenho dos estudantes tem despertado o
interesse e a curiosidade da comunidade educativa. Neste contexto, as instituies de ensino
portuguesas, que desde h muito se preocupavam em diminuir as taxas de insucesso e de
abandono escolar, tm adotado nos ltimos anos uma postura de maior ateno para com
aqueles que se destacam por um desempenho acadmico superior, premiando o mrito,
instituindo quadros de excelncia ou atribuindo bolsas de estudo.
Os cidados com maiores conhecimentos so um recurso primordial da sociedade, essenciais
para o desenvolvimento cientfico e para a promoo da inovao tecnolgica. A Matemtica
tem especial relevncia para este desgnio, pois constitui-se como uma ferramenta essencial
para quem intenta contribuir para esse bem comum. Da que deva ser dada ateno aos alunos
de melhor aproveitamento nesta disciplina, estudando a forma e as condies que lhes
permitem o elevado desempenho, pois esse conhecimento pode ajudar na tentativa de
replicao desses casos.
2
Neste quadro, ao centrarmos o nosso estudo na excelncia acadmica em Matemtica de alunos
do Ensino Superior, interessa-nos conhecer o conjunto de percees, processos, dinmicas,
acontecimentos marcantes e circunstncias que culminaram no alto desempenho nesta
disciplina. Mas, mais do que a mera enumerao de elementos, nossa inteno explorar a
rede de ligaes e interdependncias entre variveis com ascendente sobre a excelncia
acadmica em Matemtica. Por outro lado, paralelamente ao desgnio j expresso, temos um
outro foco de investigao, cuja relao com o primeiro iremos tambm procurar conhecer.
Trata-se de explorar as capacidades criativas em Matemtica de estudantes do Ensino Superior.
O termo excelncia muitas vezes usado sem que haja um entendimento prvio sobre o seu
significado, ficando depois a cargo de cada indivduo adotar uma aceo para a palavra. Daqui
resulta uma multiplicidade de interpretaes que naturalmente dificulta a comunicao efetiva
sobre o tema. Para precaver esta eventualidade, explicitamos que no mbito desta tese,
quando empregamos a palavra excelncia referimo-nos a desempenho bastante acima da
mdia, dado que este o denominador comum entre numerosas definies de excelncia.
Ao empreender um trabalho desta natureza devemos enfatizar que no se trata de realizar uma
investigao sobre uma camada de estudantes privilegiados e dar relevo a quem no merece as
nossas preocupaes em virtude dos timos resultados acadmicos que j obtm. O estudo que
realizmos no elitista, pelo contrrio, o que ambicionamos uma melhor compreenso das
variveis com ascendente sobre o desempenho acadmico, mormente aquelas que necessitam
estar presentes para que se possa ser excelente em Matemtica, com o propsito de, munidos
desse conhecimento, poder melhor conduzir os nossos estudantes na sua aprendizagem desta
disciplina, para que possam vir a ser melhores em Matemtica. Desta forma, se tivssemos de
classificar o nosso estudo em termos da sua abrangncia social, diramos que igualitrio, no
sentido em que se procuram as chaves para que um maior nmero de estudantes possa
concretizar uma aprendizagem mais profunda desta importante disciplina.
A nvel pessoal, o interesse pelo tema decorre da nossa atividade profissional. De facto, desde
que inicimos a carreira de docente de Matemtica do ensino bsico e secundrio, sempre nos
intrigou a variedade de nveis de desempenho existente na sala de aula e, em particular, por
que razo h alunos que conseguem adquirir um corpo de conhecimentos slido e profundo
nesta disciplina, ao passo que muitos outros apresentam grandes dificuldades.
Existe um amplo corpo de investigao internacional publicada em torno da sobredotao e da
excelncia, mas a consagrada especificamente ao alto desempenho em Matemtica muito
menos numerosa. Tm sido realizados alguns estudos longitudinais, nomeadamente nos Estados
Unidos, sobre estudantes considerados promissores em Matemtica (ver, por exemplo, Lubinski
e Benbow, 2006, que reportam os efeitos do Study of Mathematically Precocious Youth aps 35
de investigao longitudinal). E muita da investigao internacional conduzida com alunos
talentosos em Matemtica focaliza-se na proviso que proporcionada a estes alunos,
3
nomeadamente atravs de programas especializados, sendo que a que dedicada a aspetos
tericos da excelncia em Matemtica muito mais escassa.
O pano de fundo portugus ainda mais pobre. Apesar de existirem estudos no nosso pas em
torno de aspetos relacionados com o desempenho escolar em Matemtica (ver, por exemplo,
Almeida, 2012; Machado & Csar, 2012; Peres, 2012; Sousa e colaboradores, 2010; Veiga, 2004),
no conhecemos qualquer trabalho acadmico subordinado especificamente temtica da
excelncia neste domnio especfico. Existem ainda algumas investigaes sobre a temtica da
excelncia de mbito geral, mas de enfoque sociolgico (ver, por exemplo, Torres e Palhares,
2012), e tambm alguns trabalhos acadmicos de pendor psicolgico sobre o alto desempenho,
quer igualmente de mbito geral (ver, por exemplo, Arajo, Almeida e Cruz, 2007), quer em
algum outro domnio especfico (ver, por exemplo, Matos, 2011).
A tese que agora apresentamos est estruturada numa sequncia que, aps a introduo
continua, com o captulo um, onde feita uma reviso da literatura existente, dedicando a
cada conceito uma seco deste captulo, sendo que na ltima seco proposto um modelo
da excelncia matemtica por ns idealizado com base na reviso da literatura que levmos a
cabo. No captulo seguinte, o segundo, apresentada a metodologia seguida nesta investigao,
comeando por explicitar os objetivos e perguntas de investigao. Depois, nesse captulo,
apresentada a metodologia adotada, incluindo os participantes, os instrumentos de recolha de
dados e o procedimento. No captulo trs os resultados obtidos so apresentados, analisados e
discutidos. Aps o que, no captulo quatro, se volta ao modelo anteriormente proposto, com a
inteno de o ajustar aos resultados obtidos. Finalmente, no quinto captulo, so apresentadas
as concluses desta dissertao, suas limitaes e faz-se tambm referncia a possveis
investigaes futuras que podero emergir a partir deste trabalho.
4
Captulo 1: Reviso de literatura
Neste captulo apresentada uma reviso da literatura que se relaciona com os objetivos desta
investigao. Desta forma, procuramos situar este estudo dentro do contexto histrico e
educacional, contemplando o trabalho de alguns investigadores chave nesta rea.
Dada a sua proximidade conceptual, comeamos este exame da literatura com os principais
modelos de excelncia e de sobredotao. Ao que se segue uma resenha de perspetivas sobre
o alto desempenho e um olhar atento sobre os diversos fatores que o influenciam. Depois
dada ateno criatividade, tanto de mbito geral como a que especfica da Matemtica.
Finalmente, neste captulo, apresentado um modelo terico para o estudo da excelncia na
Matemtica, idealizado pelo autor deste trabalho, e que fruto da reviso da literatura que
empreendeu.
Excelncia e sobredotao
Realizaes de elevado desempenho, requerem a presena de um conjunto de condies e
fatores que as propiciem. De seguida so apresentadas algumas perspetivas tericas sobre altas
habilidades e excelncia, com destaque especial para as que parecem ser mais enfatizadas na
literatura e que podero ajudar a compreender no s os conceitos, mas tambm os fatores
associados expresso e desenvolvimento do alto desempenho e excelncia, ao que se segue
uma enumerao e respetiva explicao dos fatores necessrios a elevados nveis de
performance.
1.1.1. Abordagens conceptuais ao estudo da excelncia e sobredotao
O fenmeno excelncia tem, desde sempre, fascinado a generalidade das pessoas. Em
particular, porque que algumas pessoas so capazes de um desempenho de nvel excelente e
outras no so? O que que este grupo restrito de pessoas faz de forma diferente de todos os
outros e que lhes permite evidenciar-se? Como a envolvente em que estas pessoas vivem e
trabalham? Que fatores, pessoais e contextuais, podem facilitar ou inibir o desenvolvimento e
a manifestao da expertise?
A definio de expertise remete para a manifestao de competncias resultante da
acumulao de um amplo corpo de conhecimento (Chi, 2006). Isto implica que, se se pretende
5
compreender como que um indivduo que competente para realizar um excelente
desempenho trabalha e por que razo mais capaz do que outra pessoa que no tem essa
capacidade, devemos compreender a representao do seu conhecimento, isto , como
organizado e estruturado, e de que forma as suas representaes diferem das dos principiantes
(Chi, 2006). Para alm desta definio de carter absoluto, h uma outra possvel abordagem
a este tema, de natureza relativa, designadamente, perspetivando a percia a partir das
diferenas individuais. Neste sentido, um perito algum cujo nvel de performance excede o
da maior parte das outras pessoas (Cianciolo, Matthew, Sternberg & Wagner, 2006).
Segundo a literatura, a percia relativamente especfica a um determinado domnio. No
obstante, so igualmente consideradas importantes as capacidades transversais de
processamento de informao, tal como a resoluo de problemas (Cianciolo, Matthew,
Sternberg & Wagner, 2006). Assim, independentemente do domnio especfico de desempenho,
parece haver algum consenso na comunidade cientfica acerca da influncia das habilidades
cognitivas e metacognitivas no desenvolvimento da mestria. Entre as aptides que, a nvel
cognitivo, consistentemente caracterizam os peritos (e os diferenciam dos principiantes), esto
o conhecimento, o raciocnio, e a memria. A nvel metacognitivo destaca-se o seu nvel de
autorregulao, acrescendo ainda o seu comprometimento com a prtica deliberada. Quando
se procura descrever as aptides cognitivas de um perito, comea-se pela amplitude e
profundidade do seu conhecimento (Horn & Masunaga, 2006). Obviamente, um perito tem mais
e mais profundo conhecimento na sua rea de mestria do que um principiante (Chi, 2006) e,
medida que o nvel de percia aumenta, o seu conhecimento tambm aumenta, tornando-se
mais organizado e integrado, resultando numa base de conhecimento que permite ao perito
selecionar, organizar, representar, manipular e interpretar informao (Horn & Masunaga,
2006). Acresce que um perito consegue adquirir conhecimento e eleger estratgias relevantes
ao seu domnio com mnimo esforo cognitivo (Chi, 2006). Por seu lado, o raciocnio de um
perito durante a conceptualizao de um problema, permite-lhe compreender a sua estrutura
e representar as relaes mais importantes antes de conceber planos para a sua resoluo; pelo
contrrio, um principiante, habitualmente, considera muitas alternativas que frequentemente
carecem de relevncia para a soluo (Horn & Masunaga, 2006). Um outro recurso do perito,
a sua tima memria, que lhe possibilita, por exemplo, que mesmo sendo inesperadamente
solicitado para recordar informao acerca de uma tarefa complexa na sua rea de percia, o
faa no apenas de forma mais precisa mas tambm mais completa do que um colega menos
capacitado (Horn & Masunaga, 2006).
Entre as caractersticas metacognitivas distintivas dos peritos, destacam-se o seu nvel de
autorregulao, e ainda o seu comprometimento com a prtica deliberada Por seu lado, a
autorregulao tambm vital a uma boa aprendizagem, porquanto para aprender necessrio
o envolvimento pessoal, proactivo, no acontecendo apenas por se estar a ouvir um perito. A
autorregulao a auto gerao de ideiaspercees, e comportamentos, com vista
6
consecuo de objetivos (Zimmerman, 2000). Uma outra forma de envolvimento proactivo na
aprendizagem o recurso prtica deliberada, definida como treino individualizado, preparado
por um treinador ou professor para aumentar aspetos especficos do desempenho de um
indivduo, atravs da repetio e refinamentos sucessivos (Ericsson & Lehmann, 1996). Todos
estes fatores contribuem para o nvel de desempenho de um indivduo, e sero alvo de ateno
nesta tese.
Especialmente intrigante para filsofos e cientistas a dvida sobre at que ponto a percia se
apoia em dons inatos, ou se resulta da aquisio de conhecimentos e competncias
especializadas. Assim, enquanto alguns investigadores perspetivam a excelncia como
consequncia das capacidades inatas dos indivduos, embora com o contributo de algumas
caractersticas de motivao e de personalidade (por exemplo, Gagn, 1985, 2004), para
outros, o papel da dotao gentica no determinante, pois embora se reconhea a sua
importncia, consideram que os altos nveis de desempenho so melhor explicados pela prtica
deliberada prolongada (por exemplo, Ericsson, 2009; VanLehn & Van De Sande, 2009;
Zimmerman, 2006). Assim, podemos constatar a existncia de um continuum de perspetivas
tericas, desde as que enfatizam o peso da dotao gentica, habitualmente mais conotadas
com a sobredotao, at s que privilegiam a importncia da prtica continuada, geralmente
as consideradas mais prximas do conceito de excelncia. Vejamos algumas dessas abordagens
tericas, comeando com as do primeiro grupo e aproximando-nos progressivamente das do
segundo.
1.1.1.1. Joseph Renzulli: O Modelo dos Trs Anis
Investigao em torno da sobredotao tem mostrado consistentemente que este no um
constructo unidimensional, antes um aglomerado de fatores. Partilhando desta viso, Renzulli
(1978, 2002, 2005) props um modelo em que os agrupa em trs conjuntos que se intersetam,
a que chamou anis. Estes trs anis so: i) habilidades acima da mdia, ii) envolvimento na
tarefa, e iii) criatividade. As habilidades acima da mdia, segundo esta conceo, podem ser
de mbito geral (consistindo na capacidade para processar informao, para integrar os
resultados de experincias anteriores de forma a melhor responder a situaes novas, ou na
capacidade para raciocinar de forma abstrata), ou especficas a um dado domnio (que
consistem na capacidade para adquirir conhecimento, ou proficincia, especfico a um
determinando mbito, por exemplo na Matemtica). O segundo anel, denominado por Renzulli
por envolvimento na tarefa, associado a caractersticas tais como persistncia,
disponibilidade para o trabalho rduo, ou autoconfiana, relacionadas com a realizao de uma
tarefa concreta ou domnio especfico de desempenho. Por sua vez, a criatividade est
associada capacidade para conceber ideias ou produtos inovadores e adequados, sendo
entendida como a capacidade para resolver problemas de forma original, flexvel, fluente e
elaborada, requerendo um pensamento independente e produtivo, por oposio a uma atitude
7
mais conformista e convencional. importante notar que, para este autor, isoladamente
nenhum destes anis faz a sobredotao. Ao invs, da interao destes trs conjuntos que
resulta a sobredotao (Renzulli, 1978). Da mesma forma, tambm importante referir que
cada anel contribui com caractersticas essenciais para que um indivduo possa ter um
desempenho elevado.
1.1.1.2. Franois Gagn: o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento
O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (DMGT Differentiated Model of Giftdeness
and Talent) prope uma distino entre os dois componentes bsicos que esto por detrs do
alto desempenho: Sobredotao e Talento. No modelo DMGT, inicialmente proposto por Gagn
(1985, 2004), o termo sobredotao usado para designar a posse e uso de habilidades inatas
superiores, no treinadas e expressas espontaneamente, que colocam o seu detentor, pelo
menos, no percentil 90 entre os seus pares da mesma idade; por sua vez, no DMGT, talento
refere-se mestria superior adquirida por meio de treino sistemtico, que colocam o seu
detentor igualmente, pelo menos no percentil 90 entre os seus pares da mesma idade, que so
ou tm sido ativos no mesmo domnio de atividade. No DMFT, Gagn, prope quatro domnios
de aptido ao nvel da sobredotao: intelectual, criativo, socio afetivo, e sensoriomotor. Estas
habilidades naturais podem ser observadas em todas as tarefas que a criana realiza ao longo
da sua escolarizao (Gagn considera que as manifestaes de sobredotao so mais
facilmente visveis em crianas, uma vez que influncias ambientais e de aprendizagem
sistemtica so ainda moderadas). Por seu lado, os talentos emergem progressivamente,
medida que as habilidades superiores inatas so transformadas em percia num domnio
particular, por meio do treino sistemtico. Assim, a existncia de habilidades superiores
condio necessria para aceder ao talento, e este s aparece quando o indivduo adere a uma
aprendizagem/prtica sistemtica, que Gagn designa por processo de desenvolvimento. E este
processo de desenvolvimento est sujeito ao de dois tipos de catalisadores, intrapessoais e
ambientais, e ainda aleatoriedade do fator sorte. Os catalisadores intrapessoais podem ser
de natureza fsica (por exemplo, a sade) ou mental (por exemplo, a personalidade), e os
ambientais podem ter variadas origens (por exemplo, de ordem geogrfica, familiar, ou
socioeconmica).
1.1.1.3. A perspetiva de Sternberg. Os modelos desenvolvimento de expertise e
WICS
Continuando o percurso narrativo de vrias concees tericas da excelncia, abordamos agora
a perspetiva de Sternberg (1999, 2001a). Sternberg (1999) encara o desenvolvimento da percia
como um processo contnuo de aquisio e consolidao de um conjunto de habilidades,
necessrias para um elevado nvel de mestria, em um ou mais domnios de atividade. Refere-
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se s habilidades e percia como duas faces da mesma moeda e, consequentemente defende
que devem ser estudadas de forma integrada. Assim, o autor prope um modelo centrado na
ideia de que um indivduo est constantemente num processo de desenvolvimento da sua
percia quando trabalha num dado domnio. Neste modelo est subjacente a ideia de que a
principal restrio no caminho para a percia no um nvel fixo de capacidade anterior, mas
antes o envolvimento intencional, mediante a instruo direta, participao ativa, adaptao
e recompensa (Sternberg, 1999). Este modelo, conhecido por modelo de desenvolvimento de
expertise, para alm de admitir a influncia do contexto, compreende cinco elementos
nucleares que se influenciam mutuamente: capacidade metacognitiva, capacidade de
aprendizagem, capacidade de raciocnio, conhecimento e motivao. Nesta perspetiva, o
aprendiz comea a trabalhar para adquirir a percia, atravs da prtica deliberada, mas esta
prtica requer a interao dos cinco elementos nucleares. No centro, guiando os elementos,
est a motivao, elemento fundamental, sem o qual todos os outros ficam inertes. Sternberg
considera que h vrios nveis de percia (por exemplo, do estudante e do profissional) e admite
que o ciclo se repete iterativamente muitas vezes, na rota para sucessivos e cada vez mais
elevados patamares de percia.
Mais recentemente, Sternberg (2005a) apresentou um outro modelo, denominado WICS
(wisdom, intelligence, creativity, synthetized), que d inteligncia, definida como a
capacidade de adaptao ao ambiente, o papel central. A criatividade entendida como a
capacidade de formulao e resoluo de problemas, produzindo solues relativamente novas
e de alta qualidade, ao passo que a sabedoria percebida como a capacidade para mobilizar a
inteligncia, criatividade e conhecimento para um bem comum. Segundo esta conceo, a
inteligncia, sabedoria e criatividade, alimentam-se mutuamente, permitindo o
desenvolvimento de cada um destes trs componentes. A ideia por detrs deste modelo, que
um indivduo precisa dos trs constituintes trabalhando em simultneo (sintetizados) para
poder ser um contribuinte vlido para a sociedade.
Deste conjunto de modelos apresentados por Sternberg, ressalta a ideia de que o sucesso
funo de vrios fatores, no apenas da inteligncia, que se combinam de forma integrada,
confluindo para formar um perito.
1.1.1.4. Ericsson e o enfoque na prtica deliberada
Na continuao da apresentao de perspetivas sobre o alto desempenho, segue-se agora uma
linha de trabalhos que valoriza o papel do trabalho/treino intencional na explicao do alto
desempenho.
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K. A. Ericsson um autor de referncia na literatura sobre o alto desempenho e expertise, e
partilha a corrente de opinio que privilegia a importncia da prtica intencional, em
detrimento da herana gentica ou do talento inato.
Subjacente a esta perspetiva, est a convico de que no possvel aceder a elevados
patamares de desempenho num determinado domnio, sem previamente passar por um longo
perodo de prtica intencional e refletida, sendo necessrios dez anos para que se possa vir a
ser considerado excelente (Ericsson et al., 1993). Assim, para os seguidores desta corrente, o
critrio decisivo para o desenvolvimento da expertise no a presena de fatores hereditrios,
nem o conhecimento acumulado no decurso de uma longa experincia, mas sim o
comprometimento com atividades de prtica deliberada durante, pelo menos, dez anos
(Ericsson et al., 1993; Ericsson et al. 1996; Ericsson et al., 1999). Por prtica deliberada
entende-se uma atividade estruturada, com a inteno explcita de melhorar o desempenho,
ultrapassando dificuldades, e monitorizada de forma a identificar formas de o melhorar ainda
mais (Ericsson et al., 1993). O conceito de prtica deliberada ser detalhadamente exposto
mais frente neste texto.
Desta forma, Ericsson e seus colaboradores posicionam-se longe das concees que enfatizam
o papel das capacidades inatas na explicao do alto desempenho, tendo at apresentado um
conjunto de argumentos para obstar a essa viso. Nomeadamente, apontam a falta de
evidncias empricas, ao nvel das caractersticas genticas, que fundamentem diferenas de
desempenho (Ericsson, Roring & Nandagopal, 2007). No caso das crianas prodgio, estes
autores presumem a existncia de condies contextuais propcias, que tero facultado que
estas se envolvessem prematuramente em atividades de prtica deliberada. Por vezes,
acontece que oportunidades ocasionais que um individuo possa ter, resultam em pequenas
vantagens iniciais, que persistem ao longo do tempo e que se tornam cada vez mais
importantes, e que efetivamente o levam a ser melhor que os seus pares (Gladwell, 2008).
Em suma, a diversidade de opinies e de perspetivas tericas sobre a excelncia , por um
lado, um sinal da densidade e complexidade deste domnio, mas por outro, sinal da riqueza
que ele encerra. H quem releve a dotao gentica do indivduo e h quem enfatize a
importncia do treino. No entanto, parece que entre a comunidade cientfica o maior consenso
reunido sobre a necessidade do apoio e estmulo excelncia para que esta se possa
desenvolver e manifestar. J sobre os fatores que esto por trs desse alto desempenho, a
amplitude das diferenas entre as diversas opinies inviabiliza a possibilidade de identificar um
ponto de convergncia.
Uma possvel tentativa de explicao para o alto desempenho mas que no subscrevemos
que o desempenho de um individuo num dado domnio limitado por fatores inatos que no
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podem ser modificados por ao da experincia e treino; nesta perspetiva, os limites daquilo
que um indivduo pode alcanar so determinados pela suas dotaes bsicas, quer sejam
caractersticas fsicas e anatmicas, capacidades mentais, ou talentos inatos. Esta viso acerca
do desenvolvimento profissional levou a uma reduo da nfase no treino e contnua melhoria
da performance de uma pessoa numa dada tarefa (Ericsson, 2009). No entanto, com prtica,
treino e acima de tudo, mtodo, um indivduo pode alterar a maioria das suas caractersticas,
com exceo da sua altura. Mas, sabemos hoje pela utilizao de modernas tcnicas de anlise
cerebral, que pode alterar algumas do mbito do intelecto, como sejam a ateno, memria,
ou discernimento e, assim, tornar-se mais inteligente (Ericsson, 2009; Sheffield, 2008). Como
o nosso entendimento sobre os fatores que esto por detrs da excelncia consistente com
esta ltima viso, de seguida vamos debruar-nos em trs requisitos basilares quando se
ambiciona a melhoria do nvel de desempenho de um indivduo: autorregulao, prtica
deliberada e motivao.
1.1.2. Autorregulao na aprendizagem
Um indivduo pode ser dotado de grande capacidade intelectual, bem como contar com
elevados nveis de motivao, e com estes atributos lograr bons nveis de desempenho, mas
poder potenciar a sua performance se recorrer, tanto quanto possvel, a estratgias
autorregulatrias.
A aprendizagem autorregulada habitualmente conceptualizada como o uso de autorregulao
em domnio acadmico. Assim, um estudante autorregulado encara a aquisio de
conhecimentos como um processo controlvel, e aceita maior responsabilidade pelos resultados
obtidos do que os seus pares. Um estudante ativo na sua aprendizagem, que implementa esta
regulao por meio de uma atitude diligente ao nvel motivacional, comportamental, e
metacognitivo (Zimmerman, 1990). Acerca dos processos motivacionais, os estudantes
autorregulados apresentam elevados ndices de autoeficcia e de motivao intrnseca na
tarefa, estando dispostos a despender grande esforo e a persistir na aprendizagem mais
frente iremos focalizar-nos pormenorizadamente nestes aspetos motivacionais. Quanto aos
processos comportamentais do estudante autorregulado, eles caracterizam-se pela escolha e
criao de ambientes que lhe permitam otimizar a sua aprendizagem. Entre os processos
metacognitivos distintivos de um estudante autorregulado esto o planeamento,
estabelecimento de objetivos, organizao, auto monitorizao e autoavaliao em vrios
pontos ao longo do processo de aquisio de conhecimentos (Zimmerman, 1990).
A autorregulao , pois, um processo construtivo em que a pessoa toma em suas mos a forma
como realiza a tarefa, qualquer que seja a natureza dessa tarefa. Como exemplos de tcnicas
autorregulatrias, podemos indicar: fixao de objetivos (especificao de aes ou resultados
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da performance); escolha de estratgias para a realizao de uma determinada tarefa;
autoinstruo (verbalizaes explcitas ou veladas para melhorar a performance, por exemplo,
frases conducentes a um auto relaxamento para reduzir a ansiedade); criao de imagens
mentais (da envolvente ou de sequncias comportamentais, com vista melhoria do
desempenho); gesto do tempo; auto monitorizao; autoavaliao (envolve a fixao e uso de
nveis de qualidade realistas para aferio de progressos); estruturao da envolvente (remete
para a seleo e criao de um local adequado para a realizao da tarefa); e a procura de
ajuda (refere-se escolha de fontes de conhecimento ou de habilidades, por exemplo,
professores, livros ou modelos) (Zimmerman, 2002).
Em 2000, Zimmerman apresentou um modelo em que procurava explicar o funcionamento da
aprendizagem autorregulada, que posteriormente foi alvo de refinamentos pelo autor e seus
colegas (por exemplo, Zimmerman & Campillo, 2003; Zimmerman & Moylan, 2009). Este modelo
baseia-se num contnuo ciclo de autorregulao em trs fases: planeamento, execuo e
avaliao. Em cada fase h oportunidades para que os estudantes recolham informao e a
usem para melhorar a sua performance. De acordo com este modelo, o ciclo autorregulatrio
do estudante comea com a anlise da tarefa, avaliao da sua capacidade para a realizar com
sucesso, estabelecimento de objetivos e escolha da estratgia mais adequada tarefa de
aprendizagem em causa. Na fase seguinte, execuo, o estudante implementa a estratgia
escolhida e vai ajustando o seu plano enquanto auto monitoriza o seu progresso. Por fim,
durante a fase de avaliao, o estudante avalia a pertinncia de cada estratgia seguida e o
benefcio que originou na consecuo dos objetivos. Por sua vez, esta avaliao ter influncia
num posterior planeamento de uma nova tarefa de aprendizagem.
frequente ouvirmos comentar que uma das obrigaes cruciais do sistema educativo a de
promover hbitos de estudo nos discentes, que lhes permitam ser progressivamente mais
autnomos nas suas aprendizagens, presentes e futuras. E dada a relevncia da prtica contnua
de atividade autorregulatria e das suas vantagens, nomeadamente, ao nvel das aprendizagens
acadmicas, emerge a dvida sobre a possibilidade de ensino de tcnicas autorregulatrias. Em
contexto educativo, h na literatura (por exemplo, Cross & Paris, 1988; Kramarski & Mevarech,
2003) exemplos de estudos empricos em que se procurou, mediante instruo, dotar
estudantes de tcnicas de autorregulao, tendo sido mostrado no s que tal ensino possvel,
mas tambm que os estudantes que beneficiaram dessa aprendizagem evidenciaram ganhos
significativos, em capacidades de leitura e compreenso de grficos matemticos, em
comparao com os seus colegas no envolvidos nesse tipo de ensino.
H uma estreita ligao entre metacognio e autorregulao, porquanto uma das duas formas
essenciais de entendimento da metacognio precisamente a autorregulao, sendo a outra
a tomada de conscincia dos processos e das competncias necessrias para a realizao da
tarefa, i.e., conhecimento sobre o conhecimento (Ribeiro, 2003). Contudo a fronteira entre os
dois constructos nem sempre clara. Dinsmore e colaboradores (2008), por meio de uma anlise
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de duzentos e cinquenta e cinco estudos, numa tentativa de delimitar melhor as fronteiras
tericas e empricas entre metacognio, autorregulao e aprendizagem autorregulada,
concluram que a diferena entre metacognio e autorregulao que a metacognio envolve
orientao cognitiva, enquanto autorregulao est mais relacionada com a ao humana do
que com o pensamento que a causou. Esta distino est em linha com Flavell (1979, 1987) que
perspetiva metacognio formada por conhecimento metacognitivo, e por experincias
metacognitivas e regulao. Segundo este autor, conhecimento metacognitivo refere-se ao
conhecimento adquirido acerca dos processos cognitivos, ou seja o conhecimento que pode ser
usado para controlar os processos cognitivos. Metacognio definida formalmente como a
capacidade de elaborar pareceres, percees, e aes estrategicamente planeadas e adaptadas
para a persecuo de objetivos pessoais (Zimmerman, 2006). Esta atividade operacionalizada
por meio de um ciclo regulativo, em que o feedback a partir da performance do indivduo
usado para empreender ajustes estratgicos nos esforos seguintes (Zimmerman, 1990).
A metacognio , deste modo, necessria para que o indivduo teste o seu prprio
conhecimento e as solues para um problema. Com este tipo de monitorizao, evita erros ou
caminhos sem sada e portanto assegura o avano em direo ao objetivo. Este comportamento
autorregulatrio crtico ao longo do processo de aquisio de conhecimentos e competncias
das quais dependem a percia (Feltovich, Prietula & Ericsson, 2006). A competncia na
autorregulao uma condio muito importante quando se aspira conquista da percia, dado
que a prtica de autorregulao ajuda o indivduo na aquisio eficaz tanto do conhecimento
como da habilidade pretendidos (Zimmerman, 2006).
A importncia do uso de estratgias metacognitivas patente numa das mais frequentemente
citadas teorias de inteligncia. Referimo-nos Teoria Trirquica de Inteligncia de Sternberg
(1984), onde o autor assume uma abordagem de inteligncia de pendor mais cognitivo ao invs
de meramente psicomtrica. Segundo Sternberg, a capacidade para obter sucesso funo do
equilbrio que o indivduo possa conseguir entre capacidades analticas, criativas e prticas.
Fazendo parte das capacidades analticas, o autor considera na sua teoria, a existncia de
meta-componentes que planificam o trabalho, monitorizam-no enquanto est a ser realizado,
e o avaliam depois de terminado. Como exemplos, Sternberg (2005b) salienta o reconhecimento
da existncia de um problema, definio da sua natureza, deciso sobre uma estratgia de
resoluo, monitorizao da soluo, e avaliao da soluo encontrada. Os meta-componentes
so, portanto, metacognio e autorregulao.
Sublinhamos a diferena entre estratgias cognitivas e estratgias metacognitivas em contexto
acadmico, pois ao passo que com a utilizao de estratgias cognitivas o indivduo almeja
atingir um objetivo cognitivo (por exemplo, aprender a resolver um certo tipo de equaes), o
recurso a estratgias metacognitivas visa aferir e monitorizar a eficcia das estratgias
cognitivas (Flavell, 1987). Podemos ento afirmar que, em certo sentido, com o recurso a
esquemas metacognitivos, o indivduo procura aprender a aprender.
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1.1.3. Prtica deliberada
No possvel aceder a patamares de desempenho ao nvel da excelncia num determinado
domnio sem previamente passar por um longo perodo de prtica. Mas, nem todo o tipo de
prtica possibilita uma realizao com caractersticas consistentes com o que considerado
excelente, apenas a prtica deliberada o permite (Ericsson, 2009; VanLehn & Van De Sande,
2009). Para continuamente melhorar a performance, necessrio recorrer a atividades de
treino que permitam ao indivduo focalizar-se em melhorar aspetos especficos, muitas vezes
com a ajuda de um professor e dentro de numa atmosfera protegida, com oportunidades para
reflexo, explorao de alternativas e resoluo de problemas, assim como, para a repetio
aps feedback informativo (Feltovich, Prietula, & Ericsson, 2006). Este tipo de procedimento
designado de prtica deliberada, e consiste num tipo de atividade prtica e de aprendizagem,
regular, intencional e esforada (Ericsson, Krampe, & Tesch-Rmer, 1993). A prtica deliberada
no o mesmo que a realizao rotineira do mesmo tipo de prtica. Fazer repetidamente os
mesmos exerccios de treino no conduz necessariamente a melhorias na performance, para
que tal seja possvel necessrio o recurso a exerccios escolhidos com a finalidade de melhorar
aqueles aspetos precisos onde a performance ainda no a ideal (prtica deliberada). E esses
exerccios so escolhidos aps a observao da performance anterior e consequente reflexo e
regulao dos processos, de forma a ultrapassar as debilidades ainda existentes, num contnuo
ciclo regulativo. Quem aspira a um desempenho de excelncia nunca permite que a sua
performance seja totalmente automatizada, sendo necessrio que o indivduo saia da sua zona
de conforto e procure fazer bem aquilo que anteriormente no conseguia (Ericsson, 2009).
A prtica deliberada desenhada pelo professor/treinador ou pelo prprio indivduo que aspira
a melhorar o seu nvel de desempenho (neste caso, fruto de autorregulao), com a inteno
de aperfeioar aspetos especficos, por ao de repeties e refinamentos de processos de
resoluo de problemas, como resposta a feedback surgido depois da ltima sesso de
treino/trabalho (Ericsson, 2006, 2009).
No mbito educativo, Plant e colaboradores (2005) evidenciaram que conhecer o nmero de
horas que um estudante universitrio dedica ao estudo no permite antever eficazmente a sua
performance acadmica e que, ao invs, fatores de qualidade do estudo, i.e., mtodos de
estudo consistentes com prtica deliberada, possibilitam essa previso. Tambm Zimmerman
(2006) documentou que mtodos efetivos de estudo esto relacionados com performance
acadmica superior. Investigao realizada por VanLehn e Van De Sande (2009) permitiu
mostrar que a extenso de prtica deliberada exercida por um estudante conduz a melhorias
ao nvel do desenvolvimento do seu raciocnio e mestria. Segundo os mesmos autores, estes
benefcios no so alcanveis passivamente pela realizao de atividades tpicas de um
estudante no seu domnio, sustentando que o ato de pensar e raciocinar criteriosamente num
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dado domnio fruto de esforos continuados dentro de um ambiente de aprendizagem
propcio, baseado em atividade reflexiva e prtica deliberada.
Pesem embora os seus benefcios, a prtica deliberada uma atividade custosa para o indivduo
e, para produzir os melhores resultados, deve ser prolongada no tempo. Est bem estabelecido
pela literatura (por exemplo, Ericsson, Krampe, & Tesch-Rmer, 1993) que para se atingir um
desempenho que se situe num patamar de excelncia, so necessrios, pelo menos, dez anos
de prtica deliberada, e esta regra aplica-se mesmo para os indivduos mais talentosos.
Uma vez que a prtica deliberada necessria ao alto desempenho requer uma extensa durao
e intensidade, normal que surja a interrogao acerca da relao entre prtica deliberada e
motivao. Na tentativa de clarificar esta questo, recorremos a Mihaly Csikszentmihalyi, um
autor de referncia em Psicologia, que entre numerosos outros contributos, props o conceito
de flow, que pode ser descrito como o estado mental de concentrao do indivduo que est
inteiramente absorto no que est a fazer, experimentando um sentimento de completo
envolvimento e satisfao na realizao da atividade (Csikszentmihalyi, 1990). Por esta
descrio podemos inferir que o indivduo em estado de flow est intrinsecamente motivado
para realizar a ao em causa. Mas o mesmo autor admite que a maioria das atividades que nos
trazem satisfao no so naturais, antes necessitam um esforo que inicialmente estamos
relutantes em fazer, mas assim que a interao comea a gerar feedback geralmente passam a
ser intrinsecamente compensadoras (Csikszentmihalyi, 1990). ento legtimo supor que o
envolvimento inicial de um indivduo em prtica deliberada habitualmente no acontece devido
satisfao que essa atividade, per se, lhe proporciona. Consequentemente, por norma,
inicialmente o indivduo no est intrinsecamente motivado para se dedicar prtica
deliberada, f-lo devido ao seu valor instrumental de contributo para que possa melhorar a sua
performance, isto , por ao de motivao extrnseca. Segundo esta perspetiva, portanto, a
disponibilidade para empreender um esforo inicial pode posteriormente conduzir motivao
intrnseca do indivduo para a prtica deliberada, podendo depois o mesmo ascender ao estado
de flow. A motivao ser o tema da prxima seco.
1.1.4. Motivao
No dia-a-dia rotineiro, no parece haver muitas dvidas sobre o que move as pessoas a fazerem
aquilo que fazem. Habitualmente, levantam-se de manh, vo para escola para aprender ou
vo trabalhar para ganharem dinheiro. Afigura-se, portanto, plausvel, que executem aes
para obterem recompensas ou para evitarem consequncias negativas. Um indivduo tem
determinada necessidade (ou desejo), e isto impele-o a empreender determinado
comportamento, que permite satisfazer aquela necessidade. As razes que levam um indivduo
15
a querer, ou no, algo, tm sido amplamente investigadas e esto na base de numerosas
perspetivas tericas sobre o tema da motivao.
O termo motivao (com origem no Latim, significando mover) refere-se aos fatores, sejam
eles necessidades ou desejos, que impelem um comportamento conducente a um determinado
objetivo.
No caso das necessidades, as que asseguram a sobrevivncia so naturalmente consideradas
vitais, como sejam as de natureza fisiolgica ou de segurana. Quanto aos desejos, so muitas
vezes percecionados por ao de influncias exteriores ao indivduo e incluem a amizade, o
respeito dos/aos outros, a criatividade e a soluo de problemas. Maslow (1970) organizou estas
necessidades e desejos hierarquicamente numa pirmide, que ficou conhecida com o seu nome,
com cinco nveis, desde as necessidades fisiolgicas na base at aos desejos de realizao
pessoal, no topo. Alderfer (1972) reformulou a pirmide de necessidades de Maslow,
classificando as necessidades em trs categorias, igualmente hierarquizadas: i) de existncia
(requisitos bsicos para a existncia do indivduo); ii) de relacionamento (relacionamento
satisfatrios com terceiros) e iii), de crescimento (desejo intrnseco de desenvolvimento
pessoal). notria a semelhana com a pirmide de Maslow, mas esta com apenas trs nveis,
em consequncia do agrupamento que Alderfer empreendeu. Ao contrrio do de Maslow, este
modelo tambm prev a possibilidade de movimento descendente na hierarquia, admitindo a
possibilidade de regresso, pois se uma necessidade de nvel mais elevado no for satisfeita,
isso poder levar o indivduo a regressar s necessidades de nveis inferiores. Estes dois
modelos, o de Maslow e o de Alderfer, integram um conjunto de teorias, designadas de
contedo, cujo enfoque recai sobre o que que motiva um individuo.
Contrastando com a perspetiva anterior, h um outro conjunto de teorias sobre a motivao,
teorias do processo, que procuram explicar de que forma um individuo inicia e mantem a sua
motivao, isto , como ocorre a motivao. Um exemplo desta abordagem a seguida por
Adams (1963), conhecida por teoria da equidade, que sugere que se o indivduo perceciona que
as recompensas por si recebidas so equitativas quando comparadas com as recebidas por
outros na mesma situao, ento o individuo sente-se satisfeito. Neste sentido, um individuo
conta que haja um equilbrio entre o seu contributo e o resultado obtido, e caso sinta que isso
no se verifica, e que fica em desvantagem, tende a adaptar a sua conduta de forma a reduzir
essa discrepncia. Um outro exemplo de uma teoria centrada no processo a avanada por
Vroom (1964), que pressupe que a motivao para um indivduo agir de uma determinada
forma determinada pela sua expectativa de que a sua conduta trar um resultado particular.
Nesta perspetiva, a motivao do indivduo resulta do produto (no sentido matemtico do
termo) da expectativa (a sua perceo de que o seu esforo ir resultar num dado desempenho)
pela instrumentalidade (a sua perceo de que o seu desempenho ser recompensado) e pela
valncia (a sua perceo do valor da recompensa que resultar do seu desempenho).
16
Quando se procura conceptualizar a motivao, deparamo-nos, pois, com uma amplitude de
perspetivas tericas sobre este constructo que radicam em diferentes tradies intelectuais
(Weiner, 1992). Todavia, dado o nosso foco de interesse, de entre essa vastido de perspetivas
tericas, iremos seguidamente apresentar as de ndole eminentemente cognitiva, agrupando-
as por afinidade conceptual.
1.1.4.1. Modelos com enfse na expectativa acerca dos resultados
De acordo com a psicologia cognitiva, as convices de um estudante acerca das suas
possibilidades e causas para o sucesso e insucesso, tem grande influncia sobre o seu
rendimento acadmico real. Quando um indivduo acredita que ser bem-sucedido na
realizao de uma tarefa, geralmente realiza-a melhor e est mais motivado para avanar com
a realizao de outras ainda mais exigentes. H tambm evidncias que sugerem que os
estudantes confiantes so tambm mais empenhados cognitivamente na aprendizagem e
raciocnio, que os seus pares que duvidam da sua capacidade para serem bem-sucedidos
(Pintrich, 2003). Existem vrias perspetivas tericas com enfoque nas convices pessoais de
competncia e eficcia, e na sensao de controlo sobre os resultados.
A Teoria de Autoeficcia que Bandura (1997) props um desses exemplos. Bandura define
autoeficcia como a confiana de um indivduo na sua capacidade para resolver um problema
ou para executar uma tarefa; este juzo de autoeficcia pode variar em intensidade e
abrangncia, sendo por isso diferente de pessoa para pessoa. O sentimento de autoeficcia tem
tambm um papel fulcral no aparecimento de ansiedade (Bandura, 1993). A ansiedade
matemtica um constructo afetivo que condiciona as possibilidades de sucesso do estudante
(Zientek & Thompson, 2010). No entanto, estes mesmos autores aps um cuidado estudo do
efeito da ansiedade na performance matemtica, acabaram por corroborar a concluso de
Bandura (1997) segundo a qual, construir um forte sentido de autoeficcia a melhor forma de
aliviar a ansiedade matemtica. H sinais de que as predies tericas baseadas na autoeficcia
so refletidas pela prtica, nomeadamente em contexto acadmico, onde altas expectativas
pessoais predizem subsequentes resultados e escolha de cursos (Bandura, 1997; Bandura et al.,
2001).
Outro exemplo de valorizao terica das convices pessoais so as chamadas teorias de locus
de controlo. Locus de controlo foi originalmente conceptualizado por Rotter (1966) e refere-se
ao grau em que um indivduo acredita que pode controlar os acontecimentos. Se um indivduo
acreditar que os resultados das suas aes so consequncia das suas prprias aptides, diz-se
que possuidor de um locus de controlo interno, sendo que estes indivduos tendem a crer que
atravs do seu trabalho intenso conseguiro resultados positivos. Mas se, ao contrrio, uma
pessoa atribuir os resultados a causas exteriores a si, diz-se que tem um locus de controlo
externo. Dado que a enfse do locus de controlo est sobre onde se coloca a responsabilidade
pelos resultados, ao passo que a motivao est relacionada com as razes que levam a
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empreender um determinado comportamento, so dois constructos diferentes, mas o tipo de
locus de controlo que um estudante adota tem implicaes bvias na sua motivao.
1.1.4.2. Modelos que agregam expectativa de resultados e valorao
Em psicologia, atribuio o processo pelo qual os indivduos explicam as causas dos
comportamentos e acontecimentos (Hamilton, 1980). As teorias baseadas neste princpio
propem que os indivduos tentam explicar o sucesso ou insucesso por meio de atribuies.
Weiner (1979) apresentou uma teoria conhecida por Teoria da Atribuio, tendo-lhe desde
ento realizado sucessivos refinamentos. Segundo esta perspetiva, todas as causas para o
sucesso ou insucesso de um indivduo podem ser categorizadas em trs dimenses de
casualidade/atribuies, designadamente, estabilidade, locus, e controlo. Assim, as causas
para o sucesso podem ser estveis ou instveis. Se um indivduo acreditar que a causa estvel,
e se numa outra ocasio posterior ele executar a mesma ao, esperar que o resultado seja
provavelmente o mesmo; se considerar que a causa instvel, contar com um resultado
possivelmente diferente. Respeitante ao locus, as causas para o sucesso podem ser internas ou
externas. Ou seja, podemos ter sucesso ou insucesso devido a fatores que acreditamos terem a
sua origem dentro de ns ou por causa de fatores provenientes da nossa envolvente. Por ltimo,
referente ao controlo, as causas de sucesso ou fracasso podem ser controlveis ou
incontrolveis. Estas trs dimenses encontram-se experimentalmente fundamentadas em
domnio escolar (Weiner, 1982). O mesmo autor mostrou que estudantes bem-sucedidos
explicam os seus sucessos em termos de capacidade e esforo, e os seus desaires como o
resultado da insuficincia de esforo ou devido a causas externas instveis (Weiner et al., 1972).
A capacidade percecionada como interna, estvel e incontrolvel, ao passo que o esforo
visto com um fator interno, instvel mas controlvel. Desta forma, a atribuio do sucesso
capacidade e ao esforo conduz a sentimentos de satisfao e continuao de expectativas
escolares positivas, pois quando o insucesso ocorre pode ser atribudo falta de esforo, o que
permite ao estudante continuar a considerar-se competente, uma vez que o esforo
controlvel. Para Weiner (1979, 1985) so as percees pessoais dos sujeitos acerca das causas
dos resultados, mais do que os prprios resultados, que encaminham o seu comportamento,
constituindo-se, por isso, importantes crenas motivacionais.
Na teoria do valor prprio que Convington (1992, 1998) props, o autor defende que os objetivos
que os estudantes adotam, sejam eles de aprendizagem ou de realizao, refletem um esforo
constante para estabelecer e manter um sentimento de valor e de pertena a um grupo que
valoriza a competncia. De facto, a sociedade geralmente atribui grande valor capacidade de
realizao, aferindo por ela a valia de um indivduo. Por esta razo, em contexto escolar, de
acordo com esta perspetiva, as classificaes acadmicas que obtm constituem a medida pela
qual muitos jovens julgam o seu valor na qualidade de estudantes (Covington, 2000). O mesmo
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autor, apesar de reconhecer o domnio do enfoque nas classificaes, admite que a forma como
um estudante define sucesso (isto , o tipo de objetivos que adota) o principal fator que, por
meio dos mecanismos de autoestima, afeta a sua realizao. Por exemplo, estudantes que
definem sucesso em termos de serem os melhores que podem ser, independentemente da
performance de outros, acreditam nos proveitos do trabalho rduo e valorizam a competncia
tanto como qualquer outro, mas como um meio para atingir objetivos pessoais significativos.
Ao contrrio, outro tipo de estudantes, os que encaram a competncia em termos de estatuto,
de academicamente fazer melhor que os outros, adotam frequentemente, por recearem o
insucesso, uma atitude defensiva face a desafios de aprendizagem, caracterstica comum em
estudantes que ligam o seu sentido de valor s classificaes, perfilhando portanto objetivos
de realizao (Covington, 2000).
1.1.4.3. Modelo que destaca o papel da motivao intrnseca
Como exemplo de uma teoria que valoriza a motivao intrnseca, apresentamos a Teoria de
Autodeterminao de Deci e Ryan (1985). Os autores apresentaram a teoria de
autodeterminao, onde de forma abrangente, visaram a motivao humana e a personalidade.
Inerente a esta abordagem est a assuno de que trs necessidades psicolgicas universais e
inatas (competncia, autonomia e interao) motivam o indivduo na sua procura de sade e
bem-estar.
A motivao de um indivduo pode ter origem nele prprio, denominada intrnseca, ou pode ser
o resultado de causas externas, conhecida por motivao extrnseca.
Estamos perante motivao intrnseca quando a atividade em questo realizada devido a si
mesma, pela satisfao que d, pelo desafio, interesse ou para satisfao de uma curiosidade.
A motivao intrnseca definida como a realizao de uma atividade pela sua satisfao
inerente, ao invs de a fazer devido a consequncias dissociveis. Quando intrinsecamente
motivada, uma pessoa movida a agir pela diverso ou desafio implicado, em vez de o fazer
por causa de fatores externos, quer sejam presses ou recompensas. Estas aes parecem no
ser causadas por qualquer motivo instrumental, mas sim pelas experincias positivas associadas
ao exerccio (Ryan & Deci, 2000). E agindo em funo dos seus prprios interesses que um
indivduo cresce em conhecimento e competncias. Amabile (1983) considerou a existncia de
motivao intrnseca como uma condio essencial para a realizao de trabalho criativo.
No obstante a motivao intrnseca ser obviamente um importante tipo de motivao, na
maioria das atividades que as pessoas realizam, elas no esto, em sentido estrito,
intrinsecamente motivadas. A motivao extrnseca contrasta com a motivao intrnseca, na
medida em que a atividade realizada por causa de fatores externos ao indivduo (Ryan & Deci,
2000). Mas, um indivduo pode estar extrinsecamente motivado em diversos graus. Por exemplo,
um aluno que decide fazer o seu trabalho de casa para evitar sanes parentais, est
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extrinsecamente motivado, uma vez que o faz devido a consequncias dissociveis, neste caso,
evitar uma punio. Por outro lado, um estudante que faz o seu trabalho de casa por acreditar
que importante para a sua futura profisso, tambm est extrinsecamente motivado, uma
vez que no o faz por da obter satisfao inerente, mas antes, devido a consequncias
exteriores. Em ambos os casos est presente o valor instrumental do trabalho de casa, mas ao
passo que no segundo estudante h uma aprovao pessoal e uma sensao de escolha, no
primeiro h apenas uma sujeio a um controle exterior.
Na teoria de autodeterminao, proposta por Ryan e Deci (2000), os autores distinguem entre
diversos tipos de motivao, em funo das diferentes razes ou objetivos que impulsionam
uma ao. Nesta conceo terica, para alm da diferenciao entre ausncia de motivao,
motivao extrnseca e motivao intrnseca, so tambm identificados quatro estdios de
motivao extrnseca, correspondendo, cada um deles, a diferentes graus de interiorizao e
integrao de valores e de regulaes comportamentais. Voltando ao exemplo dos dois
estudantes realizando o seu trabalho de casa por ao de motivaes extrnsecas, de acordo
com esta teoria, o primeiro deles est no estdio de motivao extrnseca de menor nvel de
autonomia (o mais prximo da ausncia de motivao), dado que apenas procura satisfazer uma
exigncia exterior e evitar a imposio de uma consequncia negativa; por seu lado, o
estudante que faz o trabalho de casa por o considerar importante na sua preparao para o
futuro, est no estdio de motivao extrnseca mais prximo da motivao intrnseca, uma
vez que, de entre os quatro, o que configura maior grau de autonomia, pois este estudante
assimilou a regulao exterior como se fosse sua, de forma congruente com os seus prprios
valores e necessidades, de forma mais autodeterminada (Ryan & Deci, 2000).
A motivao intrnseca de um estudante conduz ao incremento da sua confiana nas prprias
capacidades de aprendizagem, ou seja, conduz autoeficcia. Em sentido inverso, estudantes
que acreditam que so capazes e que se iro sair bem numa determinada tarefa escolar, tm
maior probabilidade de se encontrarem motivados para o esforo, persistncia e atitude
adequada, do que um estudante que cr ser menos capaz e que no tem expectativas de se sair
bem.
1.1.4.4. Modelos que valorizam os objetivos
Em contexto escolar, a motivao do estudante fulcral para o seu desempenho devido ao seu
efeito na aprendizagem. Existe uma corrente de investigao em psicologia educacional que se
tem debruado sobre a relao entre desempenho e motivao, particularmente nas metas e
objetivos de realizao (por exemplo, Ames, 1992; Elliot, 1999; Elliot, Murayama & Yamagata,
2011; Dweck, 1986, 1999; Nicholls, 1978).
Apesar das diversas perspetivas apresentarem diferenas entre si, so consideradas
conceptualmente similares (Elliot, 1999), e, desta forma, a sua anlise permite distinguir entre
dois grupos de objetivos que um estudante pode eleger: o objetivo de desenvolver
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competncias e o objetivo de demonstrar competncias ou evitar demonstrar falta de
competncias (Elliot, 1999). Para diferentes autores estes dois tipos de objetivos assumem
diferentes designaes, correspondendo tambm a especificidades de definio. Assim, Dweck
(1986) denomina-os de aprendizagem e de realizao, para Nicholls (1984) so envolvimento
na tarefa e envolvimento no eu, ao passo que Ames (1992) designa estes dois objetivos, mestria
e realizao.
Na perspetiva de Dweck (1986) um estudante que persiga objetivos de aprendizagem est
sobretudo preocupado com ganhar conhecimento, melhorar a sua competncia e aumentar a
sua aprendizagem at que a mestria seja atingida. Por outro lado, para a mesma autora, os
estudantes com objetivos de realizao/performance esto mais preocupados com demonstrar
a sua capacidade na tarefa em causa, esperando com isso ganharem apreciao positiva de
terceiros, e/ou evitarem demostrar falta de capacidade e, desta forma furtarem-se a
avaliaes negativas por parte de outros.
Mais recentemente Elliot (1999), seguindo uma perspetiva intuitiva de motivao, props dividir
os objetivos de realizao em duas categorias distintas, aproximao (approach) e evitamento
(avoidance); na primeira destas categorias esto os indivduos em busca de demostrarem
competncias, e na segunda, os que procuram evitar avaliaes negativas e assim demostrar
baixa capacidade. Ainda no mesmo trabalho Elliot (1999) considerou a hiptese de
conceptualizar ambos os tipos de objetivos (realizao e mestria) distinguindo cada um deles
em termos de aproximao e evitamento. Mas, apesar de considerar que para algumas situaes
ou algumas populaes a diviso em quatro categorias pode ser operativa, acabou por manter
a estrutura tricotmica em virtude da reconhecida contra intuio da noo de evitamento de
mestria. Elliot e colaboradores (1999) reportaram que a presena de objetivos de
realizao/evitamento estava associada a um tratamento superficial da informao e
tendncia para a desorganizao, fatores que por sua vez estavam ligados a subsequente menor
rendimento acadmico, e, pelo contrrio, objetivos de mestria eram indiciadores de
tratamento profundo, persistncia e esforo, uma combinao que conduzia a melhores
resultados acadmicos.
Investigao realizada com base em teorias em torno de objetivos tem mostrado que, em
contextos educativos, uma orientao para objetivos de aprendizagem tem consequncias
positivas (Pintrich & Schunk, 2002), nomeadamente, ao nvel do esforo despendido e
persistncia (Elliot et al., 1999), maior recurso a estratgias metacognitivas e autorregulao
(Ames & Archer, 1988; Covington, 2000; Elliot et al., 1999).
Em suma, numerosas teorias tm sido propostas com a inteno de explicar a motivao e
embora cada uma delas encerre alguma verdade, parece que no h uma que, por si s,
explique adequadamente toda a motivao humana (Williams & Williams, 2011). No mbito da
educao, a motivao dos alunos um tema central uma vez que, como amplamente
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reconhecido, muito pouco pode ser aprendido pelo aluno se este no mantiver
consistentemente os nveis de motivao adequados. Na perspetiva didtica, a motivao reside
na inteno de proporcionar aos alunos uma situao que os induza a um esforo intencional,
com vista obteno de metas pr-determinadas. Ou seja, a motivao dos alunos consiste em
despertar-lhes o interesse, predispondo-os a que aprendam por ao de um esforo para
alcanar objetivos. Desta forma, o papel do professor revela-se muito importante em funo
da responsabilidade que tem na motivao dos seus alunos.
Na opinio de Elliot e colaboradores (1999), de entre a investigao em torno da motivao, a
que se debrua sobre os objetivos emergiu como a mais proeminente. E entre esta, o trabalho
de Carol Dweck dos que granjeou maior reconhecimento e, simultaneamente, dos que tem
gerado mais investigao. Seguidamente dar-se- relevo teoria implcita da inteligncia
segundo Carol Dweck, enquanto varivel motivacional.
1.1.4.5. Teoria implcita da inteligncia segundo Carol Dweck
Quais sero os mecanismos psicolgicos motivacionais que permitem a alguns estudantes,
quando enfrentam um desafio, ampliarem o seu esforo at serem bem-sucedidos, ao contrrio
de outros de capacidade semelhante? Um aspeto com influncia na motivao de um estudante
a sua construo mental da inteligncia.
Como vimos antes, na seco dedicada motivao, as percees de um indivduo acerca de si
prprio influenciam o seu desempenho. Se um estudante cr que as suas caractersticas,
nomeadamente a sua inteligncia, pode ser aumentada, tende a enveredar por caminhos que
levam ao seu desenvolvimento, o que normalmente leva a uma melhoria do seu desempenho
acadmico.
Numa dada rea de atividade, h caractersticas que distinguem os indivduos com melhor
desempenho dos restantes. Na opinio de Carol Dweck, o que verdadeiramente os separa a
sua atitude mental. Com esta expresso a autora refere-se a um conjunto de convices que
um indivduo possui e que pr-determina as suas respostas, podendo constituir um incentivo
para que ele opte por determinado comportamento.
Esta autora identificou duas perspetivas que os indivduos podem assumir acerca da sua
capacidade: uma dita de entidade ou fixa, na qual o indivduo acredita que as suas capacidades
so fixas, que portador de uma certa quantidade de inteligncia ou talento permanente e
que possvel aprender coisas novas mas no alterar a sua capacidade; e outra, denominada
teoria incremental da capacidade, na qual o indivduo admite que as suas capacidades podem
ser cultivadas e desenvolvidas ao longo da vida, acreditando tambm que atravs do esforo e
da aprendizagem se pode tornar mais inteligente ou mais talentoso, isto , que todos podem
melhorar com o tempo (Dweck, 1999). A mesma autora, Carol Dweck, mostrou com as suas
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investigaes que a preferncia por uma destas teorias tem influncia decisiva nos sistemas
motivacionais do indivduo. Assim, a teoria fixa, que se baseia na premissa de que se tem apenas
uma certa quantidade de talento ou capacidade, leva os seus seguidores a valorizar objetivos
de resultado, em que o propsito a demonstrao de que se possui uma determinada poro
de talento ou capacidade, ao mesmo tempo que se procura realar as suas proficincias e
esconder as suas deficincias. Os indivduos com este entendimento tendem a rejeitar
oportunidades de aprendizagem se elas puserem em risco a exibio das suas limitaes, porque
esta forma de encarar as capacidades no d margem de manobra para expor e reparar as suas
fraquezas, uma vez que qualquer fraqueza indica uma permanente falta de capacidade. Pelo
contrrio, a teoria incremental, segundo a qual a capacidade de uma pessoa pode ser
desenvolvida, leva-a a valorizar os objetivos de aprendizagem o objetivo de adquirir novas
competncias, conseguir o domnio de novas tarefas, melhorar (ao invs de demonstrar) as suas
capacidades. Estas pessoas esto dispostas a correr riscos e a errar, porque parte natural da
aprendizagem e porque com esta mentalidade os erros no representam um julgamento das
suas qualidades permanentes (Dweck, 1999). Foi mostrado que, quando comparados com os
indivduos que possuem uma viso esttica da inteligncia, os que adotam uma perspetiva
incremental tendem: i) a focalizar-se mais em objetivos de aprendizagem versus objetivos de
performance; ii) a acreditar na utilidade do esforo versus na inutilidade do esforo em face
da dificuldade da tarefa e da perceo de baixa capacidade; iii) a atribuir o desaire ao pouco
esforo despendido versus convico de que se no capaz, e iv) a dosear maior esforo e
escolher estratgias (autorregulao) quando confrontados com contratempos versus abandono
do esforo e da perseverana (Blackwell, Trzesniewski & Dweck, 2007).
Dado o papel que a teoria implcita de inteligncia segundo Dweck pode assumir na motivao
de um estudante, foi alvo da nossa ateno no estudo emprico que realizmos e a que
reportaremos mais adiante neste texto.
1.1.4.6. Motivao e excelncia em geral e no domnio da matemtica
Como vimos, a motivao tem sido investigada sob diversos prismas e recorrendo a diferentes
termos, por vezes com significados total ou parcialmente sobrepostos (Murphy & Alexander,
2000). Mas apesar da diversidade de perspetivas sobre motivao, importa perceber a relao
entre motivao e excelncia de mbito geral bem como entre motivao e excelncia na
Matemtica.
A motivao um ingrediente essencial da excelncia de mbito geral. o elemento
indispensvel para o sucesso acadmico, sem o qual o estudante nem sequer tenta aprender
(Sternberg, 1999). Feldhusen (1998) considera que a motivao tambm um componente
necessrio ao jovem talentoso para que torne um expert quando atingir a idade adulta
(juntamente com adequada proviso educacional e apoio parental). A importncia da
motivao no desenvolvimento da excelncia foi tambm enfatizada por Csikszentmihalyi,
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Rathunde e Whalen (1997) no seu estudo acerca das razes do sucesso e insucesso entre
adolescentes talentosos, ao afirmarem que a no ser que um indivduo queira perseguir o difcil
caminho que leva ao desenvolvimento do talento, nem o potencial inato nem todo o
conhecimento do mundo bastar. Mas igualmente fora da esfera acadmica h extensiva
literatura que sustenta a importncia da motivao para a alcanar a excelncia em diversos
domnios, por exemplo, na msica (Lehmann & Gruber, 2006), no desporto (Hodges et al.,
2006), na dana (Noice & Noice, 2006), ou no xadrez (Gobet & Charness, 2006).
No caso da relao entre motivao e realizao em Matemtica, h investigaes que
sustentam a importncia que as variveis motivacionais assumem no desempenho nesta
disciplina (por exemplo, Schneider & Bs,1985). Schiefele e Csikszentmihaly (1995) realizaram
um estudo em que incluram duas variveis motivacionais (interesse em Matemtica e
motivao para o desempenho) na explicao da experincia matemtica e desempenho. Estes
autores definiram interesse em Matemtica como sendo um fator motivacional especfico ao
domnio da Matemtica ao passo que motivao para o desempenho pode ser entendido como
uma orientao motivacional que capta a motivao do estudante para ter um bom desempenho
sem especificar uma disciplina em particular. Estes mesmos autores mostraram que o interesse
em Matemtica est positivamente correlacionado com objetivos intrnsecos de aprendizagem.
Esta investigao, que incidiu sobre estudantes universitrios que haviam sido referenciados
pelos professores como tendo t
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