UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”
O ENSINO DA NORMA CULTA
POR: ANNA LÚCIA CARVALHO BRASIL
Orientador
Prof. Ms. Marco A. Larosa
Rio de Janeiro
2003
ii
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISA SÓCIO PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O ENSINO DA NORMA CULTA
Apresentação de monografia ao
Conjunto Universitário Candido
Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós
Graduação “Lato Sensu” em
Docência do Ensino Superior por
Anna Lúcia Carvalho Brasil
iii
Agradecimentos
Aos meus familiares que
compreenderam as minhas
ausências durante o curso.
Aos profissionais e alunos que
sempre me ajudaram com
seus relatos e experiências.
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos
meus alunos, professores e
familiares que contribuíram
com suas idéias e vivências.
v
RESUMO
Considerando-se que a norma lingüística atua com
mecanismo de controle social, sabe-se que o papel da escola, espaço
em que, teoricamente, o acesso à norma padrão deve ser efetivado,
revela-se de fundamental importância. Essa importância advém de
dois fatores. O primeiro está no fato de a escola precisar
necessariamente promover a eqüidade social e o segundo no fato de
que, não alcançando esse objetivo, ela acaba por corroborar as
desigualdades que alijam do processo os considerados incapacitados
de se adaptarem as suas exigências.
As crianças, ao entrarem na escola, já dominam
relativamente bem um código com o qual se comunicam na família e
nas comunidades onde vivem. Precisam, no entanto, aprender a lidar
com outra norma coincidente em alguns pontos com a de seu domínio
e não coincidente em inúmeros outros aspectos.
O despreparo dos professores que muitas vezes não
tiveram formação lingüística adequada acaba por revelar neles
procedimentos equivocados no que toca à correção dos textos orais e
escritos de seus alunos. Além disso, as aulas de Português acabam
por reduzir o corpus de textos a serem trabalhados, limitando-os
muitas vezes aos literários - que nem sempre podem ser considerados
como o melhores exemplos a se seguir em termos de uso da norma,
pois, às vezes, trata-se de norma obsoleta ou até mesmo de uso
restrito a situações comunicativas muito específicas - ou apenas
àqueles apresentados em livros didáticos.
vi
O fracasso nessa área tem sido flagrante. Na verdade, é
necessário que os professores levem para a sala de aula uma
tipologia textual múltipla a fim de promover nos alunos atitude
perquiridora em face às normas vigentes em tais textos. Um trabalho
que leve em conta as oposições, as semelhanças e diferenças, as
repetições, as mudanças de sentido entre outros pontos, pode se
revelar mais profícuo se o objetivo maior é torná-los competentes
lingüisticamente e detentores também da norma culta que possibilitará
o acesso a outros patamares dentro da sociedade.
Nesse contexto, é mister redimensionar o conceito de
erro gramatical ou de desobediência à norma culta no que toca à
produção escrita escolar, considerando-se uma tipologia que leve em
conta não somente o saber idiomático, mas o elocucional e expressivo
que têm sido, na verdade, de domínio mais sofrível por parte dos
alunos
O saber elocucional corresponde ao saber falar em geral,
sendo um tipo de saber válido para todas as línguas. Já o idiomático
associa-se ao saber falar determinado idioma e o saber expressivo
representa o saber construir textos em situações determinadas.
O que se tem observado é que a baixa avaliação que a
produção escrita dos alunos recebe dos professores está diretamente
relacionada às condições precárias de saber elocucional que tais
textos apresentam. Nesse sentido, parece haver nesses textos não
necessariamente problemas relativos ao uso da língua portuguesa,
mas problemas de incongruências que poderiam ser observados em
qualquer língua, tais como apresentação de noções confusas sobre
diversos conceitos, repetições não produtivas, porque não intencional
vii
e acentuada presença daquilo que é próprio do senso-comum sem
que se reflita o teor jurídico das observações.
Professores, no entanto, interpretando inadequadamente
esses problemas nos textos dos alunos, apontam serem fruto do
desconhecimento da língua, o que não corresponde necessariamente
à realidade.
É necessário, pois, melhor fundamentação lingüística dos
professores a fim de que possam discernir entre falta de congruência
e agramaticalidade, ou seja, devem entender que determinados tipos
de inadequações, por serem da ordem do saber elocucional, não
estão envolvendo regras gramaticais da língua portuguesa
propriamente, mas comprometem a competência lingüística como um
todo e serão problemas em qualquer língua.
Essa concepção de linguagem, considerada em seu
plano cultural, permite reconhecer os três níveis de saber: o
elocucional, expressivo e idiomático. Tal conhecimento é fundamental
para que se possa interferir no comportamento lingüístico do aluno
com mais propriedade, fazendo das correções dos textos escritos por
eles produzidos não apenas espaço para prescrição normativista, mas
para desenvolvimento da capacidade comunicativa.
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
Capítulo I 11
Capítulo II 20
Capítulo III 36
Capítulo IV 41
Conclusão 49
Bibliografia Consultada 52
Índice 56
Folha de Avaliação 57
ix
INTRODUÇÃO
O que é o saber, a norma culta na democratização do
ensino? Vem a ser o seguinte. O professor deve convencer-se de que
uma língua histórica (português, francês, espanhol), não é uma
realidade homogênea e unitária; ela está dividida em várias línguas,
de acordo com as variedades regionais, as variedades sociais e as
variedades estilísticas.
Cada variedade dessas tem uma tradição lingüística e
essa tradição é um modo correto, é uma maneira de correção da
linguagem. Agora, todas essas variedades lingüísticas confluem na
língua exemplar, que é a língua de cultura. Então, a língua exemplar
não é nem correta, nem incorreta, porque correto na língua é o que
está de acordo com uma tradição. Se existe, por exemplo, uma
tradição coloquial que diz "chegar em casa", esse é o padrão de
correção na língua exemplar. Agora, o "chegar à casa" já é uma
eleição cultural, que é exclusiva da língua exemplar.
De modo que quando os consultórios gramaticais dos
nossos jornais falam: isto está certo, isto está errado - na realidade,
não é isso. Cada modo de dizer tem o seu padrão de correção;
entretanto, todos esses padrões convergem, por eleição, a uma forma
exemplar. Essa forma exemplar é a forma que está na língua literária,
quando o escritor sabe trabalhá-la artística, cultural e
idiomaticamente.
Então, o que acontece? A democratização do ensino
consiste em que o professor não acastele o seu aluno na língua culta,
pensando que só a língua culta é a maneira que ele tem para se
expressar; nem tampouco aquele professor populista que acha que a
x
língua deve ser livre, e portanto, o aluno deve falar a língua gostosa e
saborosa do povo, como dizia Manuel Bandeira. Não, o professor
deve fazer com que o aluno aprenda o maior número de usos
possíveis, e que o aluno saiba escolher e saiba eleger as formas
exemplares para os momentos de maior necessidade, em que ele
tenha que se expressar com responsabilidade cultural, política, social,
artística etc.
E isso fazendo, o professor transforma o aluno num
poliglota dentro da sua própria língua. Como, de manhã, a pessoa
abre o seu guarda-roupa para escolher a roupa adequada aos
momentos sociais que ela vai enfrentar durante o dia, assim também,
deve existir, na educação lingüística, um guarda-roupa lingüístico, em
que o aluno saiba escolher as modalidades adequadas a falar com
gíria, a falar popularmente, a saber entender um colega que veio do
Norte ou que veio do Sul, com os seus falares locais, e que saiba
também, nos momentos solenes, usar essa língua exemplar, que é o
patrimônio da nossa cultura e que é o grande baluarte que a nossa a
Academia defende.
xi
Capítulo I
O ENSINO DA NORMA CULTA
Conceito
xii
A aquisição da língua materna é natural aos seres
humanos; ela acontece de forma rápida, espontânea e natural,
inconscientemente. Assim, qualquer criança, sem problemas
neurológicos graves, aprende a usar uma língua, sem que seja
necessário um ensino explícito; é suficiente estar exposta aos dados
de sua comunidade lingüística. O sistema de conhecimento adquirido
pela criança, fortemente restringido por um conjunto de propriedades
formais, é de uma complexidade notável, e lhe permite um uso
lingüístico criativo, por capacitá-la a compreender e produzir não só
sentenças familiares, como também sentenças novas, nunca antes
ouvidas e/ou realizadas.
Qual é, então, o papel da escola em relação ao ensino da
língua materna? Se o uso oral da língua materna, em situações do
cotidiano, informais, independe de escolarização, o mesmo não pode
ser dito em relação ao usos da escrita e da fala em situações formais.
Portanto, identifica-se como papel da escola a transmissão da norma
de maior prestígio sócio-cultural, a norma culta/padrão, a veiculada
nos dicionários e gramáticas e utilizada na literatura, em jornais e
revistas e na redação dos documentos oficiais do país.
Duarte (1998) diz que o grande desafio posto à escola,
em relação ao ensino da língua materna, é o de "ser capaz de levar
crianças com uma variedade de origem diferente a acederem à língua
padrão de modo a serem capazes de usá-la fluente e
apropriadamente nas situações que o exigem " (p. 12). Considerando-
se que, em geral, as comunidades de fala se caracterizam por um
conjunto de variedades diatópicas e diastráticas, pode imaginar-se o
papel central da formação dos professores que atuam no ensino da
língua materna para o desenvolvimento lingüístico das crianças na
aprendizagem das normas socialmente prestigiadas, em seus usos
xiii
escritos e orais. Duarte (1998) caracteriza a formação adequada para
um professor de língua materna nos seguintes termos:
(...) exige-se do professor de língua materna domínio da
língua padrão, fluência de leitura, um nível adequado de
mestria na expressão escrita e no conhecimento
explícito, formação científico-pedagógica para identificar,
através dos critérios de diagnóstico relevantes, o nível de
desenvolvimento atingido por cada aluno em cada uma
das competências escolarizadas e para intervir
educativamente de modo a promover o seu crescimento
linguístico harmonioso e pleno" (p. 13).
O objetivo deste texto é justamente discutir essas
questões, relacionadas com o ensino da norma culta no/do Brasil e a
formação acadêmica de seus professores de língua materna,
focalizando os seguintes tópicos:
a- que o retrato da escolarização no Brasil (séc. XX)
mostra que se está longe desse ideal de professor de língua materna,
com poucas exceções. Em sua grande maioria, os professores de
língua materna não dominam a norma culta, nem conhecem a norma
padrão definida pelas gramáticas;
b- que a escrita de professores e de futuros professores
de língua materna reflete muito mais características sintáticas típicas
da fala informal do que da escrita formal (ou do que se tem
considerado como características da escrita formal);
xiv
c- que o ensino da norma padrão, centrado no estudo da
gramática normativa, como tem sido feito, conduz mais à
hipercorreção quanto ao uso de certas construções do que realmente
a usos da norma culta.
1.1 A escolarização no Brasil do século XX
O Ministro da Educação, diz que "a escolaridade no
ensino Fundamental teve um crescimento extraordinário, 96% das
crianças de 7 a 14 anos estão estudando". Mas, o que significa estar
estudando? E quais são os resultados desses estudos? É evidente
que no Brasil estar matriculado e/ou freqüentar uma escola não é
sinônimo de aprendizagem, no sentido de desenvolvimento de
capacidade intelectual e, no que importa a este texto, de competência
lingüística para manipular textos escritos e orais variados.
O debate sobre a educação, apresentado nos vários
textos divulgados atualmente pelo MEC, e as novas orientações
elaboradas nos PCN mostram a preocupação do MEC com a crise,
palavra sinônima de baixa qualidade, do ensino brasileiro. Por
exemplo, o texto sobre as Ações dos PCN de 1a. a 4a. séries fala da
"Crise de Qualidade" do ensino, ressaltando que
O problema da educação, hoje, não consiste na falta de
vagas, porém na baixa qualidade do ensino. Isso explica
por que em cada 100 crianças que chegam à escola
pública, 40 estão condenadas a repetir o primeiro ano.
Devido à repetência, por exemplo, o aluno leva em
média onze anos para cursar as oito séries da educação
fundamental, exigida por lei. E 60% dos estudantes (80%
no Nordeste) estão acima da idade correspondente à
série em que estão matriculados.
xv
(....)
O perfil de formação dos professores é também fator a
ser considerado na análise da crise de qualidade do
ensino: num total de 1 milhão 388 mil funções docentes,
8% - 124 mil – não têm o 2o. grau completo; 63.783
funções são exercidas por professores com o 1o. grau
completo e 610 mil com ensino superior completo (p. 1).
Dos dados numéricos apresentados no último parágrafo
da citação, vê-se que só 4.6% das funções docentes são exercidas
por professores com ensino superior completo. Considerando-se o
número total das funções docentes (1 milhão 388 mil) e a distribuição
listada segundo o grau de escolarização (124 mil com 2o. grau
incompleto e 63.783 com 1o. grau completo), pergunta-se qual a
formação dos demais 590.217, não mencionada aí, correspondendo a
quase a metade das funções docentes (42% do total)? Estão aí os
professores sem o 1o. grau completo?
Se hoje, segundo os dados do MEC apresentados
acima, 96% das crianças de 7 a 14 anos estão estudando, ou melhor,
estão matriculadas em uma escola, nos inícios deste século 65% da
população brasileira de 15 anos e mais era analfabeta; esta cifra
cresce para 75% quando se incluem na estatística pessoas de todas
as idades. Na segunda metade deste século (1970), a distribuição
percentual de escolarização das pessoas de 10 anos e mais ainda é
bastante baixa.
Em 1970, portanto, bem menos de 7.9% da população
brasileira tinham curso superior completo, pois esta percentagem está
relacionada com uma faixa de estudos entre 9 e 17 anos. Para um
curso superior completo são necessários, no mínimo, 14 ou 15 anos
xvi
de escolarização. Assim, estão inclusas, nos 7.9% de pessoas com 9
a 17 anos de estudo, a formação só de 2o. grau (hoje Curso Médio),
que exige 11 anos de escolarização, e a formação de 2o. grau
incompleto. Desse modo, em 1970, para uma população em torno de
93 milhões, bem menos de 7.9% (5.203.107) desta população
deveriam ser professores (outras profissões estão incluídas na
percentagem) e estariam adequadamente qualificados para tal. Em
termos numéricos, quer dizer, em termos de pretensas diferenças
percentuais de docentes com nível superior, em 1970 e em 1998, é
evidente que não há diferenças a serem festejadas, como o faz o
Ministro da Educação, quando diz: "Posso afirmar, sem falsa modéstia
e com orgulho, que vivemos uma verdadeira revolução na educação
em nosso País". Como se poderia promover "uma verdadeira
revolução na educação" sem se contar com um número suficiente de
professores com formação adequada?
Enfim, os alunos não aprendem, pois o número de
docentes habilitados a exercer tal profissão é quantitativamente
insuficiente, além de ser qualitativamente inadequada. Os
direcionamentos propostos nos PCN, quanto ao que se espera do
ensino da Língua Portuguesa, mostram claramente a necessidade de
profissionais com qualificação superior para atuar nas diferentes
séries do ensino fundamental e do médio. Lê-se, à página 29 dos PCN
(5a. a 8a. séries), o seguinte:
(...) em uma sociedade como a brasileira, marcada por
intensa movimentação de pessoas e intercâmbio cultural
constante, o que se identifica é um intenso fenômeno de
mescla lingüística, isto é, em um mesmo espaço social
convivem mescladas diferentes variedades lingüísticas,
geralmente associadas a diferentes valores sociais.
xvii
Enfocando o respeito à variedade lingüística, propõe
ainda que "o ponto de partida do ensino é sempre o conhecimento
prévio do aluno" (p. 4). Compreender a variação observada na fala dos
brasileiros, partindo das variedades encontradas nas salas de aulas,
requer, evidentemente, a atuação de docentes com um amplo
conhecimento das possibilidades estruturais dos sistemas fonológico,
morfológico, sintático e semântico das línguas humanas em geral, e
do português brasileiro, em particular. Este é o tipo de formação
esperado em docentes com 3o. grau completo, mas que, como já
comentado, preenchem uma pequena parcela das funções docentes.
Ao ler os PCN tem-se a impressão de que seus
organizadores desconhecem o fato, aliás, bastante conhecido de
todos que querem ver a realidade do ensino brasileiro, de que as
primeiras aprendizagens das crianças, via escola, durante a
alfabetização e as quatro primeiras séries do ensino fundamental,
ocorrem com profissionais sem formação lingüística, provenientes de
cursos de formação de professor primário (2o. grau) ou de cursos de
pedagogia, isto só em relação aos que são computados como
qualificados para as funções. Em ambos os casos, não estão
preparados para lidar com a variação lingüística, no sentido de
entender (saber analisar) as diferentes regras em uso pelos alunos de
diferentes esferas geográficas e sociais.
Não se pode esquecer, também, do "jeitinho brasileiro"
tão em uso nos diversos estados brasileiros, o de contratar estudantes
universitários para atuarem no ensino do 1o. e 2o. graus, sob o rótulo
de "estagiários", mas na realidade exercendo todas as obrigações
didático-pedagógicas de docentes. Isto não é muito diferente do que
está ocorrendo no 3o. grau, nas IES públicas, com um número cada
vez maior de professores substitutos, os recém-saídos dos cursos
xviii
universitários de licenciatura, que têm como objetivos, vale a pena
ressaltar, preparar docentes para o 1o. e 2o. graus e não para o 3o.
grau. Tudo isto tem ocasionado um círculo vicioso, tendendo a se
romper em uma espiral para baixo: "professores universitários"
despreparados para tal "formam" professores de ensino médio e
fundamental despreparados, que por sua vez "formam" professores
das séries iniciais despreparados. Como resultado, tem-se a crise no
ensino da norma culta brasileiro. Não serão esses fatos conhecidos do
MEC?
A proposta dos PCN está muito bem elaborada e, na
busca de uma situação ideal de ensino da Língua Portuguesa,
demonstra reflexão e conscientização amplas das variedades
sociolingüísticas do/no Brasil. Mas, como geralmente acontece na
organização de projetos ou propostas de reformulações de práticas
educacionais e curriculares, este também é utópico, pois, pensando-
se só em uma situação ideal, foi esquecida a preparação da base para
executá-la – a qualificação dos professores. Na sua maioria
esmagadora, os docentes não têm a formação necessária para
alcançar os objetivos delineados nos PCN, sobretudo no que diz
respeito à "admissão das variedades lingüísticas próprias dos alunos,
muitas delas marcadas pelo estigma social" e à "valorização das
hipóteses lingüísticas elaboradas pelos alunos no processo de
reflexão sobre a linguagem" (p. 18). Não se pode deixar de entender a
proposta dos PCN como uma bela receita, de um prato bem refinado,
mas sem ter os ingredientes nem cozinheiros habilitados para
prepará-la.
xix
xx
Capítulo II
O ensino da Língua Portuguesa
Conceito
Há hoje no Brasil uma preocupação, sobretudo por parte
dos gramáticos, mas também de leigos letrados, com as normas
gramaticais da língua portuguesa e o uso "deteriorado" que os
brasileiros fazem da língua materna. Há várias colunas de jornais
tratando dessa questão, como também programas de televisão que
abordam o que seria o uso "correto" do português. Cursos, palestras,
entrevistas e similares têm focalizado essa questão de forma bastante
freqüente.
xxi
O ensino da gramática normativa ainda hoje é
considerado, por muitos, como a tábua de salvação. Alguns dos
defensores da rigidez das normas gramaticais pensam que, com o
estudo da gramática, tout court, os brasileiros passarão a falar e a
escrever melhor a língua materna. Com esse pensamento, proliferam
cursos de revisão gramatical e publicações que se propõem a corrigir
os erros mais freqüentes, a sanar os pecados gramaticais e outros
mais.
É difícil entender qual a questão político-social em jogo
nessa busca pela pureza dos usos lingüísticos, pela submissão dos
usos lingüísticos, sobretudo na escrita, mas também na fala, às
normas gramaticais. Os estudos sociolingüísticos desenvolvidos no
Brasil têm permitido se ter uma caracterização ampla da variação
lingüística neste país, nos diferentes níveis estruturais. Esses estudos
têm mostrado que há uma grande distância entre o que os gramáticos
estabelecem como a norma padrão do português brasileiro e suas
normas culta e popular.
A norma padrão é definida tendo como modelo o
português europeu. Algumas poucas concessões são feitas a usos
típicos dos brasileiros, diferentes dos usos dos europeus, desde que
atestados em escritores reconhecidos nacionalmente. A norma culta é
caracterizada pelos usos lingüísticos dos falantes com curso
universitário completo, sobretudo em situações mais próximas do
estilo formal. A norma popular, ou o vernáculo, resulta dos usos da
língua materna em situações informais, coloquiais, que, naturalmente,
independem de aprendizagem via escolarização.
Assim, as questões centrais das polêmicas gramaticais
giram em torno de dois problemas: o de a fala e a escrita de
xxii
universitários e/ou de pessoas com curso universitário completo,
inclusive professores de Língua Portuguesa, apresentarem traços
lingüísticos considerados não-cultos, distantes da norma padrão, e o
de a norma culta em uso estar mais próxima do português brasileiro
popular/vernáculo, quando deveria estar dele afastada. Para sanar
esses males, o ensino da gramática normativa é visto como o principal
veículo de aquisição das formas de "falar bem" e de "escrever bem".
Estudam-se as regras normativas durante toda a vida escolar, nas
diversas séries do ensino fundamental e do ensino médio. E, nos
cursos de Letras, e mesmo nos de Especialização, os estudantes
aguardam, ansiosos, a última ocasião de realmente aprenderem as
regras normativas.
Basicamente, o ensino da gramática normativa se limita
à aquisição de uma metalinguagem, com base na identificação e
classificação de tipos de orações, tipos de sujeito, memorização de
regras de colocação pronominal, funções do que, funções do se, e
outras identificações mais; e uma lista ampla de exceções, respaldada
pelos usos idiossincráticos atestados em textos literários, tomados
como modelo das normas culta e padrão. Como o ensino está
amplamente sendo ministrado por docentes que não conhecem as
regras que são obrigados a ensinar a seus alunos, pode-se imaginar o
caos instalado nas salas de aula: ensina-se algo que não faz parte do
conhecimento teórico e prático dos docentes, pois muitas das regras
da norma padrão não fazem parte da gramática do português
brasileiro.
2.1. Os resultados dos ensinos gramaticais.
Depois de 11 anos de escolarização, período necessário
para realização das séries dos cursos fundamental e médio, os
xxiii
estudantes ingressos nos cursos de Letras, portanto, os futuros
professores de Língua Portuguesa, e os dos cursos de
Especialização, já professores de Língua Portuguesa, praticamente
em sua totalidade, ainda desconhecem vários tipos de construções
definidas como da norma culta, que, no entanto, fazem parte dos
manuais didáticos e das gramáticas em uso nas escolas brasileiras.
Percebe-se isso a partir da leitura de seus textos e de atividades
desenvolvidas em cursos. É bastante evidente que o ensino das
normas gramaticais, como tem sido realizado, leva os alunos a
realizarem muitos casos de hipercorreção e poucos casos de escrita
culta.
Evidentemente, os casos de hipercorreção mais
freqüentemente atestados estão relacionados com os usos de
construções gramaticais consideradas cultas, mas que não refletem as
características sintáticas do português brasileiro. Algumas delas serão
discutidas a seguir:
2.1.1. O uso da ênclise
Embora os gramáticos teimem em dizer que a ênclise é
a posição normal de colocação dos pronomes fracos ou clíticos, sabe-
se que a norma brasileira prefere a próclise. Mas, como a questão da
colocação pronominal é ponto presente em qualquer gramática e
manual didático, os professores de Língua Portuguesa continuam
transmitindo a seus alunos uma regra que não se adeqüa à realidade
do português brasileiro e que esses mesmos professores não usam
em sala de aula, na suas falas, para oferecer o modelo aos seus
xxiv
alunos. Mas, pelo número de ênclise observado nas escritas, pode-se
inferir que os estudantes aprendem uma regra, a de que a ênclise é a
forma mais correta, mais elegante, de posicionamento dos clíticos,
independente do contexto sintático. Dessa forma, proliferam nas
redações os usos de ênclise, em diferentes contextos sintáticos, e
mesmo naqueles em que a norma gramatical determina o uso da
próclise, como nos seguintes exemplos:
1 -a) Não deve-se deixar de ensinar ...
b) pois não usa-se mais o pronome reto ....
c) e não está-se mais usando essa forma.
d) É a garota que apaixonou-se por você.
e) Fiquei feliz quando ligaram-me.
f) A gente que pode-se afirmar que é uma substituição
de nós ....
g) Nota-se que no Brasil utiliza-se mais a próclise do
que a ênclise.
Todos os exemplos em (1) são de contextos de uso da
próclise às formas verbais finitas, segundo os gramáticos: sentenças
negativas e sentenças subordinadas; mas em todas elas observa-se o
uso da ênclise. O exemplo em (g) é bastante sugestivo, por ter sido
realizado em um comentário sobre o texto de Lucchesi & Lobo (1988),
em que os Autores discutem, justamente, os diferentes usos da
colocação pronominal no português brasileiro culto em comparação ao
português europeu, apresentando críticas às gramáticas normativas
(por manterem para o padrão brasileiro as regras do padrão europeu)
xxv
e mostrando que, apesar dos vários anos de escolarização e do
estudo da gramática normativa, os falantes cultos realizam muito mais
a próclise, nas suas falas, do que a ênclise. O resultado apresentado
no texto foi apreendido pelo aluno, mas não trouxe alterações à sua
"aprendizagem" de que é a ênclise a forma culta.
2.1.2. A mesóclise
Já se reconhece o desuso da mesóclise no português do
Brasil, sobretudo por se dar preferência às realizações do futuro
formadas por ir + infinitivo (vou fazer, por exemplo). Contudo,
continua-se a insistir na famosa regra que diz ser obrigatória a
colocação mesoclítica do pronome com as formas verbais do futuro.
Como resultados desta regra, observa-se a produção de construções
como:
2- a) Dar-ia-lhe uma festa, se pudesse
b) Dir-te-ei algo.
Tais construções revelam que o informante conhece a
"regra da mesóclise", embora não seja capaz de aplicá-la
adequadamente.
Essa inabilidade tem origem na dificuldade de o
brasileiro entender as formas do futuro como constituídas por um
infinitivo+auxiliar. Essa é a origem do futuro sintético, o que explica a
possibilidade da mesóclise, quer dizer, da colocação do clítico entre
duas formas verbais. Desde que os brasileiros analisam as formas do
futuro como as demais formas verbais, ou seja, constituídas por uma
raiz + morfemas de tempo, modo, pessoa e número, a mesóclise deixa
de ser uma possibilidade estrutural.
xxvi
Parece que outros informantes não aprenderam a "regra
da mesóclise", mas "aprenderam" algo que pode ser chamado "regra
da ênclise". Assim se explica os seguintes usos de escrita:
3 - c) Convidaria-o se possível
d) Para simplificar, poderia-se formular uma regra
como...
e) No caso do sujeito ser nome de obras, poderia-se
criar uma regra ....
Nos exemplos em (3), usa-se a ênclise para não deixar o
clítico em primeira posição, por ser essa uma colocação bastante
condenada pelos gramáticos (embora todos os brasileiros a realizem).
Na realidade, os exemplos em (2) e em (3) mostram
claramente que nenhuma das duas regras normativas – da ênclise e
da mesóclise - foi realmente assimilada pelos informantes.
2.1.3. Ainda sobre clíticos
A insistência das escolas na aprendizagem de regras de
colocação pronominal que não refletem a sintaxe do vernáculo
brasileiro pode também ser a causa de ocorrências de construções
como:
3 - a) Ao analisar-mos uma frase
b) ...se considerar-mos que ....
c) .... se colocar-mos desta maneira
d) sem correções mesmo que precisa-sse
xxvii
em que a morfologia verbal é representada graficamente
como se fosse um pronome.
Em outras construções, como as apresentadas em (4)
abaixo, nota-se que os informantes usam clíticos em situações em que
não são necessários:
4 - a) os verbos são subcategorizados de acordo com os
complementos que exigem ou os recusam
b) Não se conhece como se funciona na íntegra a
linguagem
c) .... a aquisição é um processo que matura-se
d) pois no dia-a-dia usam-no o vernáculo
Todos esses fatos mostram claramente que o ensino
gramatical, como tem sido realizado, consistindo basicamente de
memorização de regras, classificação e identificação de usos
realizados na escrita, sobretudo literária, está tendo como resultado
construções que nem refletem usos da fala brasileira, nem refletem
usos da escrita culta.
2.1.4. As relativas preposicionadas
As relativas preposicionadas são estranhas não só à fala
brasileira, mas até em escrita publicitária. Sobre tal questão, o MEC se
posiciona, através dos PCN (5a. a 8a. séries), dizendo que:
"... professores e gramáticos puristas continuam a exigir que se
escreva (e até que se fale no Brasil!):
O livro de que eu gosto não estava na biblioteca,
xxviii
(.....)
O garoto cujo pai conheci ontem é meu aluno,
(.......)
quando já se fixou na fala e já se estendeu à escrita,
independentemente de classe social ou grau de formalidade da
situação discursiva, o emprego de:
O livro que eu gosto não estava na biblioteca,
(.....)
O garoto que eu conheci ontem o pai é meu aluno,
(.......)" (p. 30)
Mesmo assim, as relativas preposicionadas e de adjunto
adnominal são temas de ensino nas escolas, produzindo vários tipos
de hipercorreção. Os estudantes "aprendem" que devem usar uma
preposição antes de certas sentenças relativas, só que terminam por
construir enunciados em que as preposições não apresentam uma
relação coerente com o contexto, como em:
5 - a) Português Popular é o português coloquial, do qual
não é padrão,
b) Língua na qual é falada por apenas uma minoria
c) Língua Minoritária é a língua em que o Estado
adquire como Oficial
xxix
d) aprendendo o que as pessoas da qual convivem
passam (transmitem) para ela
e) o uso da norma da qual o autor propõe está em
desuso
f) As crianças em que os pais são analfabetos
Construções desses tipos são naturalmente realizadas
na fala sem as preposições e com o relativo que, apresentando mais
coerência do que as escritas com preposições.
2.1.5. O relativo cujo
O relativo cujo é uma forma obsoleta na fala brasileira,
sendo também bastante raro na escrita formal. Mesmo assim, é
matéria de estudo nos cursos fundamental e médio, na base de
identificação, classificação e exercícios de completar lacunas ou de
transformação de construções. Quando se solicita aos estudantes o
seu uso em algumas construções, tem-se como resultado sentenças
como:
6 - a) O livro cujo ele falava é este aqui
b) Os Estados Unidos refere-se ao nome de um país
cujo é escrito no plural
c) A fase holofrástica é aquela cuja a criança produz
uma frase de uma ....
d) O livro cujo é do menino....
xxx
e) o menino cujo o livro.....
que indicam claramente o desconhecimento da sintaxe do relativo
cujo.
2.1.6. O relativo onde
O uso de onde no PB é bem inovador, ocorrendo em
contextos muito distintos dos preconizados pelas gramáticas. Assim,
de um pronome cujo antecedente deveria apresentar um traço
+locativo, observa-se um uso em construções diversas, como
exemplificado a seguir:
7 - a) Esta é uma afirmação onde os linguistas condenam
....
b) É o falar de um falante onde destaca o
regionalismo ....
c) É a variação geográfica, onde cada local se fala de
uma forma ...
d) é justamente no plano da sintaxe onde a tradição
gramatical vai acumular ....
e) Eu fiz um trabalho onde que mandei eles estudar
....
f) é a língua onde é regida as leis
g) o falante da norma não-padrão onde suas
características são estigmatizadas
xxxi
Observa-se, nos exemplos em (7), um uso sintático
variado do elemento onde: em (a), ocorre em uma relativa de objeto
do verbo condenar; em (b) e em (f), onde se realiza em contextos de
relativas preposicionadas; em (d), um caso bastante interessante,
onde se realiza em uma estrutura de clivagem, canonicamente
realizada na forma é X que; também o exemplo em (e) é bastante
sugestivo da ampliação dos contextos de uso do onde.
Sabe-se que é comum se construir sentenças
interrogativas formadas por palavra interrogativa + que (como: Onde
que você foi? Quando que você chegou?). Parece que esse uso se
amplia para outros contextos, como no exemplificado em (e). Em (g), o
relativo poderia ser cujo, mas, como já está obsoleto no dialeto
brasileiro, a indicação de posse foi realizada pelo possessivo seu,
dispensando, assim, o emprego de cujo; no exemplo em (c), onde,
evidentemente, não é um pronome relativo. Parece introduzir um
constituinte explicativo.
Esses fatos mostram que o que os gramáticos dizem
sobre a sintaxe do elemento onde está longe de retratar seus
verdadeiros usos pelos brasileiros, como permitir entender-se quais
desses são casos de hipercorreção.
2.1.7. Passivas
As construções de ser + particípio têm apresentado
traços inovadores, pois observam-se na escrita passivas em que o
sujeito é um complemento preposicionado da ativa, como nos
seguintes casos:
8 - a) sem ao menos terem sido ensinados a gramática
xxxii
b) desde que os alunos fossem exigidos das suas
habilidades intelectuais
c) quando a pessoa é perguntada sobre o que ouviu
....
Em outros casos, o sujeito da ativa também é sujeito da
passiva, ilustrados pelos seguintes exemplos:
9 - a) O verbo ser ora concorda com o sujeito e ora pode
ser concordado com o predicativo
b) O verbo que está na 3a. pessoa do plural foi
concordado com o sujeito
Ainda em relação às passivas, parece que há uma
preferência por passivas analíticas impessoais, sendo o elemento
tradicionalmente analisado como o sujeito da passiva entendido, por
esses informantes, como um objeto. Isso explica a total falta de
concordância entre o verbo auxiliar + o particípio e o "sujeito". Alguns
exemplos são do tipo:
10 - a) será analisado as posições em que ocorre ou não
a concordância
b) Primeiramente, foi coletado dados de crianças
c) era considerado errado a forma pego
d) isto é foi admitido as duas versões
2.1.8. Concordância verbal
xxxiii
A questão da variação da concordância verbal e nominal
tem sido objeto de estudo de vários lingüistas brasileiros. Em relação
a esse aspecto, a escrita dos informantes mostra que as escolas não
conseguiram atingir seus objetivos, ou seja, fazer com que ao menos
na escrita se realizem os morfemas de concordância obrigatórios nas
normas culta e padrão. Na realidade, o que se observa é uma
variação ampla nas possibilidades de marcas de concordância,
sobretudo quando se solicita aos informantes que realizem as
concordâncias estabelecidas pelas gramáticas normativas. Alguns dos
casos são como:
11 - a) Quando o sujeito fossem títulos de obras
literárias
b) O desenvolvimento dessas crianças são no
tempo .....
12 - a) Alguns gramáticos já tentou fazê-lo....
b) Todos os falantes possui muitas ....
c) as crianças nasce com ....
13 - a) não existe erros....
b) vão haver diferenças.....
c) devem haver aspectos universais
14 - A questão é se eles vão deixarem
Nos exemplos em (11) os sujeitos são realizações de
sintagmas nominais no singular, mas os verbos se realizam no plural;
em (12) tem-se uma situação invertida: os sujeitos se realizam em
xxxiv
formas plurais e os verbos, no singular. Em (13) nota-se a inversão
das regras propostas pelos gramáticos, pois a concordância não é
feita com o verbo existir (exigida pelos gramáticos) mas sim com o
verbo haver (condenada pelos gramáticos). Por último, uma dupla
marcação de plural, no exemplo em (14).
Se os fatos em (13) têm uma explicação morfossintática
bastante coerente, os demais casos se revelam difíceis de explicar,
exceto se os considerarmos como casos de hipercorreção, resultantes
de uma "aprendizagem" mal conduzida, pois, como vários estudos já
mostraram, a língua materna brasileira é um sistema com morfologia
verbal bastante reduzida. Em qualquer sistema desse tipo, observa-se
ausência de concordância sistemática entre um sujeito plural e o
verbo. A forma como a aprendizagem dessa concordância tem sido
conduzida pode bem ser a causa desses casos de hipercorreção.
Estarão os 95.4% dos docentes sem nível
universitário e, portanto, sem uma formação lingüística
consistente, preparados para entender tal variação,
analisá-las coerentemente, aceitar e entender as
hipóteses levantadas por seus alunos, apresentar
argumentos que permitam a formulação de novas
hipóteses? Creio que não. É inegável que a admissão,
pelos docentes, das variedades dialetais dos estudantes
brasileiros e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de
habilidades de uso
de outras variedades socialmente valorizadas, como estabelecido nos
PCN, requerem um conhecimento amplo sobre os mecanismos de
estruturação e funcionamento da linguagem. Não será com cursos
ligeiros, prática costumeira em tais situações, visando a adequação do
xxxv
corpo docente às novas orientações dos PCN, que se formará uma
base sólida.
Capítulo III
xxxvi
A língua na mídia
Conceito
Com se vê, falar e escrever a língua portuguesa de
acordo com a norma culta não é algo que se aprende apenas nas
salas de aula.
Além dos tradicionais programas educativos, que
reproduzem as salas de aula no espaço da televisão, existem outras
iniciativas, no rádio e na televisão, que procuram ensinar gramática
dando exemplos cotidianos de violações usuais da norma culta.
Músicas, poesias, artigos da imprensa, filmes publicitários são
mostrados e comentados em seus "erros", licenças poéticas,
neologismos, regionalismos e variações em geral do padrão da língua.
Programas deste tipo não são novos, e partem da idéia que o
brasileiro fala e escreve mal.
O mais popular e conhecido desses programas é o
Nossa Língua Portuguesa, comandado pelo professor de português
Pasquale Cipro Neto, produzido pela TV Cultura de São Paulo e
retransmitido pelas TVs Educativas de todo o país. Pasquale viu sua
fama e a de seu programa irem além do estado de São Paulo - e dos
leitores da Folha de São Paulo, jornal onde tem sua coluna - depois de
virar o principal personagem de um comercial da rede de fast food
xxxvii
MacDonald's. Na propaganda, Pasquale corrigia o português de
clientes da lanchonete, do mesmo modo como faz em seu programa
de televisão.
No canal educativo Futura, o guitarrista do grupo Titãs e
escritor de romances policiais, Tony Bellotto, apresenta um programa
semelhante. Através da exibição de videoclips e com o apoio de
entrevistas, Afinando a Língua, é um programa que usa letras de
músicas para falar sobre a língua portuguesa.
As rádios Jovem Pan AM e Eldorado AM também
veiculam diariamente programas no mesmo estilo, em horários
espalhados em sua programação diária. SOS Língua Portuguesa, da
Jovem Pan, é comandado pelo professor Odilon Soares Leme. O
editor do jornal Estado de São Paulo e autor do Manual de Redação
do Estadão, Eduardo Martins, comanda desde 1977, o programa De
Palavra em Palavra, pela rádio Eldorado.
Programas desse tipo, no entanto, costumam ser o
horror dos lingüistas.
3.1-Os lingüistas e os efeitos da mídia
Segundo eles, as tentativas de se "corrigir" o falar
popular vêm da concepção de que ele é uma corrupção de um falar
"culto", mais eficiente e melhor organizado. Dizem os lingüistas, que
todas as variedades da língua tem uma gramática articulada e
consistente.
Como meio de comunicação de alcance nacional, a
televisão, mesmo quando não procurou exercer essa função educativa
e normativa, introduziu novos elementos, bastante importantes, no
xxxviii
falar nacional. Segundo a lingüista Telma Domingues da Silva, antes
do rádio e da TV, não se falava em língua oral culta nos estudos
lingüisticos. "A língua oral era então somente objeto de descrição
lingüística, ou seja, a lingüística não é normativa como a gramática,
não vai dizer o que está certo ou errado. A própria descrição
lingüística, porém, voltando-se para as diferenças de fala enquanto
digamos, 'dialetos socialmente diferenciáveis', vai, em um segundo
momento, distinguir também na língua oral padrões mais ou menos
próximos aos padrões normativos da escrita. Esse movimento
metodológico nos estudos lingüísticos acompanha, vamos dizer, a
difusão dos meios eletrônicos de comunicação, tornando-se, nesse
sentido, um instrumento de tratamento dessa formalização do oral
através da mídia. Estaria sendo buscado assim, a imagem de uma
língua oral culta, conceito que se produziu a partir de alguns dos
estudos lingüísticos".
Tendo em perspectiva principalmente o telejornalismo, a
pesquisadora afirma que a televisão inscreve a sua enunciação no
imaginário, que é marcada por um jogo entre familiaridade e
intimidade. "A presença (imagem) do locutor diariamente produz
familiaridade e a presença da televisão como eletrodoméstico produz
intimidade", explica. "Daí a mídia procurar por uma imagem 'mais
coloquial' da língua, como parte dessa familiaridade e intimidade, que
ela busca produzir na sua enunciação para o público brasileiro".
O texto produzido para ser lido pelo locutor jornalístico é
diferente da linguagem escrita, é um texto para ser falado. Segundo
ela, tem-se "a imagem da língua oral em jogo". Ao mesmo tempo que
a enunciação deve parecer coloquial, informal, deve ser também
correta, formando uma oralidade culta. "A imagem do que é correto e
xxxix
do que não é resulta, pois de uma diferença entre a fala de alguém
que foi escolarizado e de alguém que não o foi".
Segundo lingüistas e pesquisadores da comunicação, a
influência da imprensa televisiva teria sido tão grande que, ao ser vista
pela imprensa escrita como um concorrente, fez com que os jornais e
revistas procurassem aproximar-se dos efeitos da televisão. Daí
surgiriam o aumento do uso de fotos (maiores, em maior quantidade, e
até coloridas), o uso de gráficos explicativos e, principalmente, a
tentativa de adotar uma linguagem escrita mais simples, aproximando-
se do coloquial, por parte da imprensa escrita.
Recentemente, outro efeito dos meios de comunicação
tem sido ampliado, devido ao efeito da globalização. O maior contato
com produtos culturais de outros países, principalmente através da
televisão a cabo e da Internet, tem introduzido uma familiaridade dos
falantes do português com palavras estrangeiras. O espaço
enunciativo do português estaria, com isso, incorporando os
estrangeirismos.
Para o professor do Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL) da Unicamp, Eduardo Guimarães, a globalização seria a
ampliação do espaço enunciativo de línguas "não-só-nacionais", ou
seja, "línguas oficiais que não são somente línguas de uma nação".
Línguas como o francês, o alemão e, principalmente o inglês, teriam
seu espaço enunciativo ampliado. "E não se trata do inglês
simplesmente. É o inglês enquanto língua, primeiramente, dos
Estados Unidos. A língua está marcada por uma geografia
hierarquizada", afirma.
No contexto da América Latina, para Guimarães, seria
preciso, além de desenvolver uma reflexão política sobre as línguas,
xl
produzir um conhecimento que considere a pluralidade das línguas do
continente. Essa pluralidade não se restringe apenas ao português e
ao espanhol, mas incorpora também a memória das línguas
indígenas, das línguas africanas e de outras, ainda faladas ou
presentes no imaginário.
"É preciso estabelecer um cotejo de forças que trabalhe
a pluralidade das línguas e não a extensão de uma língua como língua
franca para o mundo", afirma Guimarães.
Capítulo IV
Democratização do ensino da língua portuguesa
xli
Conceito
Falar sobre um ensino democrático é , sem dúvida
alguma, mencionar a democratização da língua materna, pois está
intimamente ligado a complexidade dos critérios de correção.
Portanto, é muito complexo falar de correção da linguagem, da
correção idiomática, sem fazer referência a esse esforço dos grandes
teóricos da lingüística, principalmente os teóricos do final do século
XIX e do início do século XX, cujas teorias vêm reformular este
conceito de norma culta, tanto no plano teórico da linguagem, como no
plano da pedagogia, das línguas, e em especial, da língua
portuguesa.
4.1correção de linguagem.
O assunto tem sido descurado na teoria lingüística, sob a
enganosa impressão de que se trata de questão de pouca monta.
Infelizmente, o problema demandaria maior atenção de lingüistas e de
teóricos da linguagem, pois, da certeira conceituação do que vem a
ser correção de linguagem, adviria orientação segura à elaboração de
uma gramática normativa, por ter como função precípua esse tipo de
questão.
xlii
Para tanto, vale aqui considerar três aspectos que
implicam nas dificuldades encontradas para se corrigir determinada
linguagem:
a)- aristocrático
É bem verdade que as classes ditas inferiores tendem a
imitar a fala das classes mais elevadas, social e culturalmente
consideradas; e neste convívio de influências, nota-se certo resultado
na homogeneização e estabilidade do idioma. Em sentido contrário
,sob o ponto de vista democrático que, partindo do princípio de que
todos os homens são iguais, é considerado "correção de linguagem" o
conjunto de usos majoritariamente empregado na comunidade. Tudo
na língua depende de um consenso.
b)- lógico
O apelo à lógica é geralmente um critério desaprovado
pelos lingüistas, muitos dos quais, afirmam que "a língua não é lógica
nem ilógica, mas alógica". Apesar desse voto em contrário, não se
poderá pensar que a língua, veículo de conteúdos da consciência,
funciona em contradição com os princípios do pensamento, com a
"lógica" entendida em sentido muito extenso.
c)-artístico
A "correção de linguagem" está sujeita ao nosso
sentimento estético ou à nossa sensibilidade artística, pelos quais
linguagem correta vale o mesmo que linguagem bela. Tal opinião se
baseia no fato de que, se perguntarmos a alguém o que pensa de dois
modos de dizer apresentados à sua consideração, a pessoa declara
xliii
que um é melhor que o outro, ou que lhe soa mais agradável e, por
isso mesmo, mais correto.
Compreendida a linguagem como atividade humana
universal do falar, ela realiza-se individualmente, mas sempre dentro
de acordo com as tradições das comunidades históricas, e pode
diferenciar-se em três planos relativamente autônomos: o plano
universal, o plano histórico e o plano individual.
O plano universal, ou do falar em geral, se apresenta
como prática universalizada, não historicamente determinada, isto é,
alude a todos os homens adultos e normais que falam,
independentemente de que língua falem. É o plano do falar em geral,
e a ele nos referimos quando dizemos que tal criança ainda não fala,
ou que os animais não falam. Não queremos, com estas declarações,
aludir a uma língua concreta (português, espanhol, inglês etc.), mas à
capacidade de falar.
O plano histórico faz referência a uma língua
determinada, inserida numa tradição histórica, razão por que não
existe simplesmente língua, mas língua portuguesa, língua inglesa,
língua latina, língua francesa etc., isto é, a língua acompanhada de um
adjetivo que a liga a uma tradição histórica. Até as línguas inventadas
(como o esperanto ou o volapuque), ao serem construídas, passam a
representar uma nova tradição histórica do falar. Esta consciência
histórica é conhecida do falante ou da comunidade falante, que
distingue a sua língua da língua dos outros.
Por fim, o plano individual faz alusão ao fato de ser
sempre um indivíduo que fala uma língua determinada, e o faz, cada
xliv
vez, segundo uma circunstância determinada. A atividade de um
indivíduo falar, conforme a conveniência de uma dada circunstância,
chama-se "discurso" e diz-se que, nessa aplicação, não se deve
confundir discurso com texto, já que o texto é entendido como produto
desta atividade, produto do discurso. O discurso, tal como o texto, está
determinado por quatro fatores: o "falante", o "destinatário", o "objeto"
ou tema de que se vai falar, e a "situação".
Assim, poderemos ter um saber falar em geral (chamado
saber elocutivo ou competência lingüística geral); um saber falar uma
língua determinada, como representante de uma comunidade
lingüística com tradições comunitárias do saber falar (chamado saber
idiomático ou competência lingüística particular); e um saber falar
individual, com vista à maneira de construir textos em situações
determinadas (é o chamado saber expressivo ou competência
textual).
Isso que fazemos com grande fundamentação teórica,
os gregos já faziam e os romanos também, nos primeiros momentos
da escola, onde o aluno ia aprender o trívio, isto é: a primeira
gramática, que nunca deixou de ocupar o primeiro lugar; depois, a
retórica e a dialética, sendo que a retórica e a dialética mudavam de
posições no trívio. Então, a gramática é justamente esse saber
idiomático, é saber uma língua determinada. A dialética é o saber
pensar, é o saber construir o texto por meio da linguagem, e a retórica
é a organização do texto, é filtrar o texto, elaborar o texto de acordo
com a situação com que a pessoa se defrontava. Então, estes três
saberes já estavam contemplados pela antiga escola greco-romana.
O saber elocutivo ou competência lingüística geral não
corresponde a saber falar uma língua determinada (português, inglês
xlv
etc.), mas falar segundo os princípios da congruência em relação aos
padrões universais do pensamento e do conhecimento geral que o
homem tem das coisas existentes no mundo em que vive.
Ao saber falar (em) uma língua particular corresponde um
saber histórico denominado saber idiomático ou competência
lingüística particular, que é falar uma língua de acordo com a tradição
lingüística historicamente determinada de uma comunidade. A
dimensão desse saber idiomático não se restringe aos atos
lingüísticos de um momento determinado (a dimensão sincrônica),
mas alcança os atos não mais usados nesse momento (que é a
dimensão diacrônica), o que permite que o falante possa afirmar
coisas do tipo: "Isso não se diz mais", ou "Hoje preferimos dizer de
outra maneira", ou "Isso pertence à linguagem antiga", ou ainda, "Só
os idosos dizem assim", o que patenteia que o falante conhece na sua
língua mais de uma sincronia.
Afora essa dimensão no tempo, esse saber idiomático
identifica variedades que ocorrem numa língua histórica, isto é:
variedades regionais, que são os dialetos; variedades sociais, que são
os estratos sociais falados pelos diversos integrantes de uma
sociedade; e o falar regional, vale dizer, se um ato lingüístico (palavra,
expressão ou frase) é típico de uma região (por exemplo, o que no
Brasil é trem, em Portugal é comboio; o que em Portugal se opta por
estar a almoçar, no Brasil preferimos estar almoçando; o que no Rio
de Janeiro se chama sinal luminoso de trânsito, em São Paulo é farol,
mais para o Sul, semáforo, e em Porto Alegre, sinaleira).
Ao saber expressivo ou competência textual corresponde
o saber estruturar textos, em consonância ou com atenção aos fatores
gerais do falar, isto é, o falante, o destinatário, o objeto e a situação, já
xlvi
que há formas que dizem respeito a esses fatores. Assim, por
exemplo, há de se levar em conta como falar com os superiores
hierárquicos, com os mais velhos, com as senhoras, com as pessoas
de pouca instrução, com as crianças. Às vezes, há normas rígidas, ou
quase rígidas, na estruturação formal de um texto, como, por exemplo,
se trata de um soneto ou poema, há de ter uma forma fixa de
quatorze versos; de um ofício, de um requerimento, de um telegrama,
ou de uma dissertação acadêmica.
Há também formas lingüísticas tradicionalmente fixas.
Para a saudação matutina, dizemos, em português, Bom dia! ou Bons
dias!, ainda que a saudação aconteça num dia de chuva ou de cara
feia, como o de hoje. Às vezes, as línguas utilizam modos tradicionais
muito diferentes entre si.
O juízo de valor que faz referência ao nível do saber
elocutivo ou competência lingüística geral recebe o nome técnico de
"congruência", que faz alusão ao fato de alguém falar, em cada caso,
de acordo com as habituais expectativas normais. A um falar que,
neste plano, não corresponde às normas de clareza, coerência e
congruência, se diz "incongruente".
Desta maneira, as propriedades de clareza, coerência,
inteligibilidade e congruência atribuídas a uma língua, na
determinação do que vem a ser correção de linguagem, não estão
adequadas ao plano da língua, porque erram no seu objeto: não é,
como vimos, a língua que deve ser "clara", "coerente" e "congruente",
mas sim, a atividade no nível do falar em geral, a regra e o compasso
do falar "com sentido".
O juízo de congruência é autônomo ou independente dos
juízos que se referem à língua particular e ao texto, porque o falante
xlvii
conhece o descompromisso da metáfora, o desfazimento da metáfora.
De modo que quando alguém diz, como na nossa letra de música
"Tudo vai bem entre nós, como dois e dois são cinco", a pessoa quis,
absurdamente, dizer isso, e o falante conhece a maneira de
descodificar esta metáfora e entende claramente o que o compositor
quis dizer quando disse: "Tudo está certo entre nós, como dois e dois
são cinco". Consoante cada fator envolvido no discurso ou no
texto, temos distinções para fazer: primeiro, em atenção ao objeto ou
tema, pode o saber expressivo ser adequado ou inadequado; em
atenção ao destinatário, pode ser apropriado ou inapropriado; em
atenção à situação ou circunstâncias, pode ser oportuno ou
inoportuno.
De modo que quando os consultórios gramaticais dos
nossos jornais falam: isto está certo, isto está errado - na realidade,
não é isso. Cada modo de dizer tem o seu padrão de correção;
entretanto, todos esses padrões convergem, por eleição, a uma forma
exemplar. Essa forma exemplar é a forma que está na língua literária,
quando o escritor sabe trabalhá-la artística, cultural e
idiomaticamente.
xlviii
CONCLUSÃO
A discussão, talvez principal, era sobre a validade ou não de se
ensinar gramática. Hoje, sabemos do absurdo de tal formulação, ainda que o
contexto permitisse radicalismos de tal sorte. Sabemos que existem gramáticas, e
dependendo do estudioso e de sua escola, mudam-se a terminologia e a doutrina
(portanto, o entendimento) a ela relacionada. Fala-se de gramática internalizada,
aquela aprendida por todo falante em diversas situações comunicativas, sem que
ele se dê conta de seu aprendizado, é o aprender pela experiência lingüística
cotidiana. Aqui a escola pode até ser um dos espaços de aprendizado, assim
como a casa, a rua, o clube, a igreja, com direito à concorrência dos mais diversos
níveis lingüísticos nestes espaços inseridos, mas, por certo, não é o espaço
escolar o detentor de seu fundamento.
Fala-se também de gramática descritiva, que intenciona retratar a
língua, normalmente no espaço da academia, de maneira o quanto possível
isenta, sem imprimir juízos, embora os retratos que se formem, por seus recortes,
denotem posicionamentos. Aqui não existe certo ou errado, a língua simplesmente
existe em suas múltiplas realizações, e o que interessa é investigar suas
manifestações, enfim a sua riqueza produtiva.
Fala-se ainda, entre outras possibilidades de nomenclatura, de
gramática normativa, freqüentemente reduzida ao estudo prescritivo baseado em
uma das normas possíveis do idioma, a norma culta. Como por hábito, o seu
entendimento é redutor, deriva uma série de outros entendimentos confusos a
respeito do ensino / aprendizado da língua materna.
Como foi mostrado nessa pesquisa, muita gente, e muita gente mesmo,
inclusive professores de Português, confundem ensino da Língua Portuguesa com
o ensino da sua norma culta. Primeiro que ao se fazer isso, deixa-se de lado o
estudo das potencialidades lingüísticas de outras normas presentes nesta mesma
xlix
língua, ou como querem alguns estudiosos, deixa-se de lado o estudo de outras
normas presentes em outras línguas funcionais constituintes da arquitetura maior
da nossa língua.
Não a proposta desse trabalho, como muita gente já quis, a abolição
do ensino da norma culta. Propõe-se, em vez disso, o seu privilégio, e desse
procedimento não se deve entender uma contradição. Ao conduzirmos o estudo do
vernáculo assim, contribuímos para que nosso aluno brasileiro, desprestigiado
socialmente, possa, com efeito, competir - estamos numa sociedade capitalista -
de perto com aqueles mais afortunados social e economicamente. É, portanto,
uma medida política.
Acredita-se que se levarmos somente para sala de aula a gramática,
e os textos orais e escritos que lhe servem de suporte, da norma culta (diga-se de
passagem ainda muito mal delimitada por nossos filólogos, gramáticos e lingüistas)
não estaremos, como é de se esperar, mostrando para os alunos o seu (dos
alunos e de tal gramática!) real valor. Afinal uma situação só tem a dimensão que
deve ter se contraposta a outra.
Portanto, muito ainda se tem a ser questionado. Afinal, a língua é
viva, e como tal passível de transformações que devem acompanhar o próprio
desenvolvimento da sociedade em que está inserida. Por isso a língua é rica.
Quanto mais formas diferentes forem aplicadas ao seu ensino, tanto mais ela se
perpetua e , conseqüentemente, toda a cultura e a história de um povo..
Não é esse o verdadeiro objetivo do ensino da língua portuguesa?
l
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liv
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
Instituto de Pesquisa Sócio-Pedagógica
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Título da Monografia:
________________________________________________________
________________________________________________________
__________________________________________________
Data da Entrega: _______________________________________
Avaliado por:____________________________Grau__________
Rio de Janeiro____ de ____________ de 2003.
Coordenador do Curso
lv
ÍNDICE PAG Agradecimentos III
Dedicatória IV
Resumo V
Sumário VIII
Introdução 9
Capítulo I – O ensino da Norma Culta 11
1.1 – A escolarização no Brasil do Século XX 14
Capítulo II- O ensino da Língua Portuguesa 20
2.1 – Os resultados dos Ensinos Gramaticais 23
2.1.1- O uso da ênclise 24
2.1.2 – A Mesóclise 25
2.1.3 – Ainda sobre clítico 27
2.1.4 – As relativas preposicionadas 28
2.1.5 – O Relativo “cujo” 30
2.1.6 – O Relativo “onde” 30
2.1.7 – Passivas 32
2.1.8 – Concordância Verbal 33
Capitulo III – A Língua na Mídia 36
3.1 – Os Lingüistas e os efeitos da mídia 38
Capítulo IV – Democratização do Ensino da Língua Portuguesa
41
4.1 – Correção da Linguagem 42
Conclusão 49
Referências Bibliográficas 52