UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
COISA JULGADA
Por: Cleiton Bellinger Santos
Orientador
Prof. Carlos Afonso Leite Leocadio
Rio de Janeiro
2006
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
COISA JULGADA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Direito Processual Civil.
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AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que me
acompanharam nessa jornada de
aprendizado, compreendendo-me e me
auxiliando na busca do conhecimento
jurídico, com a ajuda de seus
incentivos é que foi possível terminar
tão brilhante curso.
4
DEDICATÓRIA
Para
Fabiellyn Pereira Bellinger Santos
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RESUMO
Na orientação de Ada Pellegrini Grinover, estabelecer os limites da coisa
julgada significa responder a seguinte pergunta: quais partes da sentença ficam
cobertas pela autoridade da coisa julgada? Entretanto, para que possamos
responder a referida pergunta, urge que façamos algumas considerações a
respeito da coisa julgada, para que, só então, possamos abordar juridicamente
os limites objetivos e, ainda, os subjetivos da res iudicata.
Assim, o presente trabalho expõe os principais fundamentos expressos
tanto pela Doutrina Processualista Civil brasileira, na figura de representantes
como Ada Pellegrini Grinover, Vicente Greco Filho e Alexandre Freitas Câmara,
no que versa sobre os limites objetivos da coisa julgada. Matéria de grande
complexidade, e que deve ser analisada num todo, como parte de um sistema
de perfeita e harmônica interação.
Destarte, em preliminares, a monografia alude o conceito de coisa
julgada como efeito primacial da sentença. Os limites objetivos da res iudicata,
são detalhadamente apreciados, bem como, todas as hipóteses em que tais
limites são excepcionados. Abordamos, também, com intuito de proporcionar a
esta exposição, maior concretude e entendimento.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada para o estudo da coisa julgada é a de pesquisa
bibliográfica.
Ao iniciar o estudo do tema com a consulta doutrinária, tendo como base
a corrente seguida pelos juristas: Vicente Greco Filho, Alexandre Freitas
Câmara e José dos Santos Carvalho Filho, passando por outros autores da
literatura jurídica.
7
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Conceito e considerações preliminares da coisa julgada 10
CAPÍTULO II - Coisa Julgada Formal e Material 16
CAPÍTULO III – Limites Objetivos da Coisa Julgada 23
CAPÍTULO IV – Limites Subjetivos da Coisa Julgada 29
CONCLUSÃO 35
ANEXOS 37
BIBLIOGRAFIA CITADA 43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 44
ÍNDICE 45
FOLHA DE AVALIAÇÃO 46
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por função primordial, não exaurir o exame dos fatos –
eis que podem ser objeto de novas reflexões – mas, focalizar os mais
diferentes ângulos da questão para alcançar uma elucidação; contando para
tal, com a colaboração dos ensinamentos, entre outros, Vicente Greco Filho e
Alexandre Freitas Câmara, extraídos de suas obras, respectivamente, Direito
Processual Civil Brasileiro (14a ed., 2o vol. Saraiva, São Paulo, 2000) e Lições
de Direito Processual Civil (6a ed., volume I, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2001), José dos Santos Carvalho Filho (Ação Civil Pública, comentários por
artigo. 5. ed. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2005).
Vicente Greco Filho em sua obra Direito Processual Civil Brasileiro,
adotou como critérios para exibir sua linha de pensamento, em princípio, um
texto expositivo de uma posição teórica, com a respectiva fundamentação,
sem, contudo, desenvolver uma discussão sobre posições doutrinárias que, a
despeito do interesse científico, não tem no direito processual brasileiro
repercussão prática; além do mais, formula ele hipóteses de solução
controvertida, fornecendo, porém, soluções juridicamente sustentáveis. Por fim,
de modo sucinto, quando possível, ou seja, dependendo do caso, apresenta as
conclusões a que chegaram os tribunais, vistas sob um prisma crítico.
Com relação a Alexandre Câmara, podemos afirmar que sua obra
Lições de Direito Processual Civil, reflete uma visão global do processo através
de uma linguagem simples e acessível, e apresentando não só a sua opinião,
mas também a posição dos mais importantes juristas que tratam de cada um
dos assuntos, analisando as mais relevantes polêmicas doutrinárias; inserindo
as informações de Direito Comparado e de evolução histórica dos institutos ao
longo dos capítulos a eles destinados.
9Tais obras, dentre outras de imensa relevância, revestem-se de utilidade
ímpar para o operador do Direito, seja ele advogado militante, magistrado,
promotor de justiça, ou qualquer outro profissional do Direito, pois, além de
instrumentos poderosos e fontes de consulta obrigatória, configuram-se como
algumas das mais modernas visões do direito processual contemporâneo, cuja
evolução acelerada comprava-se a cada instante.
O presente trabalho científico, fruto de ampla pesquisa, promoverá um
recenseamento de algumas questões resolvidas e aperfeiçoadas, ao longo do
tempo, pela doutrina e jurisprudência, acerca de um instituto jurídico de suma
importância em qualquer ordenamento jurídico, em virtude de a Coisa Julgada
trazer a segurança necessária às relações processuais. Para tanto,
abordaremos os principais e mais aceitos entendimentos doutrinários, bem
como, apresentar-se-ão as correntes divergentes de grande valia ao bom
desenvolvimento do tema ora em estudo; momento em que as posições
defendidas pelos ilustres doutrinadores supracitados serão expostas e
confrontadas, na busca contínua por traduzir toda proeminência do instituto da
coisa julgada em sede do ordenamento jurídico pátrio.
10
CAPÍTULO I
CONCEITO E CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA COISA
JULGADA
Para que possamos analisar o instituto da Coisa Julgada e, então,
passarmos ao exame de seus limites objetivos, faz-se necessário expormos
algumas considerações quanto à recorribilidade da sentença.
Com a sua publicação, a sentença torna-se irretratável, não podendo ser
modificada ou revogada pelo mesmo órgão jurisdicional que a proferiu. No
entanto, pode a sentença ser impugnada pelo vencido sob o fundamento de
vício de procedimento e, até mesmo, de ter sido prolatada de forma injusta ou
equivocada.
No sistema judiciário nacional, em que se consagra o duplo grau de
jurisdição, a impugnação da sentença ocorrerá por meio de Recurso. Este
consiste no pedido de reexame da causa pelo órgão jurisdicional
hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão. Os recursos deverão ser
interpostos dentro de prazo determinado (o qual varia de acordo com a
‘espécie’ de recurso) que deverá ser contado a partir da data da publicação da
sentença ou da sua intimação às partes, de acordo com o disposto no artigo
506 do CPC. Estes prazos são preclusivos, por outras palavras, uma vez
esgotados não mais se admite a interposição de recurso.
Enquanto recorrível, ou enquanto pendente recurso, a sentença
apresenta-se apenas como um ato judicial, mero ato do magistrado tendente a
traduzir a vontade da lei diante do caso concreto. Assim, somente pelo
esgotamento dos prazos legais para recorrer, excluída a possibilidade de uma
nova formulação, é, pois, insuscetível de reforma, a sentença que, em
princípio, não produz os seus efeitos regulares, principais ou secundários, não
passando, então, de uma situação jurídica.
11Pendente o recurso, não se atingiu ainda a finalidade do processo que é
a composição da lide, pelo julgamento final, ou seja, o Estado não satisfez nem
ultimou a prestação jurisdicional, a que está obrigado.
Humberto Theodoro Júnior ensina:
“Ampla corrente doutrinária ensinava que o principal efeito da sentença era a formação da coisa julgada.76 Para o Código de 1973, o efeito principal da sentença é apenas "estar o ofício do juiz de acabar a função jurisdicional" (art. 463), corno adverte Ada Pellegrini Grinover.77 Apresenta-se a res iudicaia, assim, como qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença mas a qualidade dela representada pela "imutabilidade" do julgado e de seus efeitos. Para o Código, "denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário" (art. 467). Com a publicação, a sentença se torna irretratável para o julgador que o proferiu (art. 463). Mas o vencido pode impugná-la, valendo-se do duplo grau de jurisdição consagrado pelo nosso sistema judiciário e pedindo a outro órgão superior da Justiça que reexamine o julgado. Isso se faz através do recurso. Para todo recurso a lei estipula prazo certo e preclusivo, de sorte que, vencido o termo legal, sem manifestação do vencido, ou depois de decididos todos os recursos interpostos, sem possibilidade de novas impugnações, a sentença torna-se definitiva e imutável. Enquanto pende o prazo de recurso, ou enquanto o recurso pende de julgamento, a sentença apresenta-se apenas como um ato judicial, ato do magistrado tendente a traduzir a vontade da lei diante do caso concreto. A vontade concreta da lei, no entanto, "somente pode ser única". Por isso, "somente pelo esgotamento dos prazos de recursos, excluída a possibilidade de nova formulação, é que a sentença, de simples ato do magistrado, passará a ser reconhecida pela ordem jurídica corno a emanação da vontade da lei".78 Enquanto sujeita a recurso, a sentença não passa de "uma situação jurídica".
12 Os efeitos próprios da sentença só ocorrerão no momento em que não mais seja suscetível de reforma por meio de recursos. Ocorrerá, então, o trânsito em julgado, tornando odecisório imutável e indiscutível (art.467). Há, outrossim, diante da possibilidade de ação rescisória da sentença (art. 485), dois graus de coisa julgada, conforme a lição de Frederico Marques: a coisa julgada e a coisa soberanamente julgada, ocorrendo esta última quando se escoe o prazo decadencial de propositura darescisória (art. 495), ou quando seja ela julgada improcedente.79 Sendo, outrossim, rescindível e não nula a nova sentença que infringiu a coisa julgada, e como não podem coexistir duas coisas julgadas a respeito da mesma lide, força é concluir que, 80 enquanto não rescindida, deverá prevalecer a eficácia do segundo julgamento.” (2000, p. 461/463)
Quando da sentença não mais cabe recurso, tem-se a coisa julgada. As
questões que outrora existiam, de fato e de direito, foram julgadas. Passa em
julgado a decisão e não os fundamentos, e o que se julga da questão de fato
apenas concerne da decisão.
De certo, o número de recursos em nosso sistema é grande, porém,
limitado; tornando, num determinado momento, irrecorrível a decisão judicial ou
pelo fato de se terem esgotado os recursos presentes em nosso ordenamento
ou, pelo fato de não se ter interposto o recurso cabível no prazo previsto. Assim
é que, no momento em que se torna irrecorrível a decisão judicial, com o
conseqüente trânsito em julgado, surge a coisa julgada.
Podemos dizer que a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos
da sentença, ou da própria sentença, que decorre de estarem esgotados os
recursos eventualmente cabíveis.
A Lei de Introdução ao Código Civil anterior ao atualmente vigente, em
seu art. 6º, parágrafo 3º, estabelece, diga-se desde logo, de forma
insatisfatória: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de
13que já não cabe recurso”. Por sua vez, o nosso Código de Processo Civil, em
seu artigo 467, dispõe o que se segue: “Denomina-se coisa julgada material a
eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a
recurso ordinário ou extraordinário”.
Sobrevindo o instituto da coisa julgada, os efeitos substanciais da
sentença ficam imutáveis: nem ao autor, nem ao réu é lícito rediscutir o
conteúdo declaratório da decisão judicial em toda a extensão da demanda
proposta. Em conformidade com o artigo 468 do Código de Processo Civil, ela
“tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
Já para Alexandre Freitas Câmara, a coisa julgada se revela como uma
situação jurídica, como o mesmo dispõe: “com o trânsito em julgado da
sentença, surge uma nova situação, antes inexistente, que consiste na
imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença, e estes dois
elementos é que são, em verdade a autoridade de coisa julgada” (2001. pág.
399).
Porém, a posição mais aceita pela doutrina brasileira, no tocante à
natureza jurídica da coisa julgada, é a defendida por Vicente Greco Filho,
segundo o qual a coisa julgada é efeito da sentença (2000. p. 264).
1.1 Justificação ou fundamentação da autoridade da coisa julgada.
Não se pode ignorar a existência de sentenças injustas que nem
mesmo por serem injustas deixam de fazer coisa julgada. A doutrina, a
respeito, oferece duas ordens de fundamentos para justificar tais hipóteses:
uma de ordem política e outra de ordem jurídica.
14 Com relação ao fundamento de Ordem Jurídica da Coisa Julgada,
inúmeras são as teorias que investigam tal fundamentação do instituto em lide,
dentre as quais podemos destacar: presunção de verdade, ficção de verdade,
extinção da obrigação jurisdicional, etc. Embora pese a importância acadêmica
de tais discussões, a repercussão prática que implica a concepção filosófica do
processo, não nos ateremos à análise das teorias.
A lei, como vontade do Estado, que confere à sentença aquela
autoridade, a partir de dado momento (vide parágrafo 3º, art. 6º, LICC). É ainda
a lei, através do art. 468 do CPC, que lhe dá força de lei: “A sentença, que
julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das
questões decididas”.
Sua força, sua autoridade, nem mesmo a lei poderá desconhecer ou
contrariar. A coisa julgada é imutável e indiscutível mesmo em face da lei. Por
preceito constitucional, em seu art. 5º, inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Fundamento de Ordem Política da Coisa Julgada: o instituto da coisa
julgada foi concebido com o objetivo de evitar a perduração de situações
indefinidas, o que é indesejável na vida social, pois compromete a sua própria
segurança.
As qualidades que cercam os efeitos da sentença, configurando a sua
julgada, revelam as inegáveis necessidades sociais, reconhecidas pelo Estado,
de evitar a perpetuação dos litígios, em prol da segurança que os negócios
jurídicos reclamam da ordem jurídica. A própria lei quer que haja um fim à
controvérsia da parte; visto que a paz social o exige. Também é a própria lei
que confere à sentença a autoridade de coisa julgada, concedendo-lhe,
igualmente, a força de lei para as partes do processo.
15Há motivos de ordem prática, de exigência social, a impor que a partir de
dado momento, que se verifica com a preclusão dos prazos para recursos, a
sentença se torna imutável, adquirindo autoridade de coisa julgada. Desse
modo, a exigência de ordem prática ao se instituir a coisa julgada é a de não
mais se permitir que se volte a discutir acerca de questões já soberanamente
decididas pelo Poder Judiciário. Apenas a preocupação de segurança nas
relações jurídicas e de paz na convivência social é que explicam a coisa
julgada.
16
CAPÍTULO II
COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
Para que se compreenda com precisão os limites da coisa julgada,
convém fazer uma incursão pela distinção entre a coisa julgada formal e a
coisa julgada material.
Os conceitos de coisa julgada material e de coisa julgada formal se
tocam, de modo que o segundo é pressuposto do primeiro, ou seja, a coisa
julgada material exige a formal.
Comumente se diz que a coisa julgada formal decorre simplesmente da
imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida, e que a
coisa julgada material, ao contrário, consiste na imutabilidade da sentença com
os efeitos para fora do processo em que foi proferida.
Pode-se desta forma afirmar, que a coisa julgada formal é a
imutabilidade da sentença, e coisa julgada material é a imutabilidade de seus
efeitos, ou melhor, àquela coisa julgada formal se acrescentaria ainda a
imutabilidade dos efeitos da sentença (declaratórios, constitutivos ou
condenatórios), e a esta imutabilidade dos efeitos é o que se daria o nome de
coisa julgada material. Assim sendo, a coisa julgada formal seria comum a
todas as sentenças, enquanto a coisa julgada material só poderia se formar
nas sentenças de mérito. Como leciona o doutrinador Alexandre Câmara,
“todas as sentenças transitam em julgado (coisa julgada formal), mas apenas
as sentenças definitivas alcançam a autoridade da coisa julgada (coisa julgada
material)” (2001. p. 396).
17Estabelece o Código de Processo Civil, em seu artigo 467: “Denomina-
se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença
não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
A coisa julgada formal e a material são degraus de um mesmo
fenômeno. Uma vez proferida a sentença de mérito e preclusos os prazos
legais, tal sentença torna-se imutável (primeiro degrau). Em conseqüência
disso, se tornam imutáveis os seus efeitos (segundo grau); de modo que aquilo
que foi discutido dentro de certo processo, não pode ser rediscutido em outro
processo.
A coisa julgada formal constitui pressuposto da material ou substancial.
Enquanto a coisa julgada formal torna imutável o ato processual sentença
dentro do processo, resguardando tal ato de recursos definitivamente
preclusos, a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos por
ela e lançados fora do processo: ou seja, o que há é a imutabilidade da
sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro processo, entre as
mesmas partes e versando sobre o mesmo objeto.
Nestes termos, a coisa julgada formal consiste na imutabilidade da
sentença pela preclusão dos prazos para recursos. O fenômeno da
imutabilidade ocorre em virtude da não possibilidade de a sentença ser
reformada por meio de recursos ou porque dela não caibam mais recursos, ou,
ainda, porque estes não foram interpostos no prazo determinado por lei, ou
porque do recurso se desistiu ou, interposto, ao mesmo tempo se renunciou.
Logo, a coisa julgada formal consiste na imutabilidade da decisão dentro do
mesmo processo pela ausência de meios de impugnação possíveis (sejam
estes recursos ordinários ou extraordinários).
18Humberto Theodoro Júnior versa sobre o tema de forma clara e
explicativa, in verbis:
“O Código, no art. 467, limitou-se a definir a coisa julgada material, afirmando que: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário." Mas existe, também, a coisa julgada formal, que se difere daquele fenômeno descrito no Código e que é tradicionalmente tratada pelos processualistas como fatorelevante em matéria de eficácia da sentença. Na verdade a diferença entre a coisa julgada material e a formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença. A coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro doprocesso em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado à sua interposição. Imutável a decisão, dentro do processo "esgota-se a função jurisdicional". O Estado, pelo seu órgão judiciário, "faz a entrega da prestação jurisdicional a que estava obrigado".81 Mas a imutabilidade, que impede o juiz de proferir novo julgamento no processo, para as partes tem reflexos, também, fora do processo, impedindo-as de virem a renovar a discussão da lide em outros processos. Para os litigantes sujeitos à res iudicata, "o comando emergente da sentença se reflete, também, fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade dos seus efeitos. A partir do trânsito em julgado material "a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lei e das questões decididas" (art. 468). A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e julgada.
19 A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso, como ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem julgar a lide. Mas a coisa julgada material só pode ocorrer de par com a coisa julgada formal, isto é, toda sentença para transitar materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente. 82 Para o Código, lide é sempre o mérito da causa. Filiou-se, assim, abertamente à lição de Carnelutti, que define lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. "O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflitos de ambos os litigantes."83 No sistema do Código, a coisa julgada material só diz respeito ao julgamento da lide, de maneira que não ocorre quando a sentença é apenas terminativa (não incide sobre o mérito da causa). Assim, não transitam em julgado, materialmente, as sentenças que anulam o processo e as que decretam sua extinção, sem cogitar da procedência ou improcedência da ação. Tais decisórios geram apenas coisa julgada formal. Seu efeito se faz sentir apenas nos limites do processo. Não solucionam o conflito de interesses estabelecidos entre as partes, e, por isso, não impedem que a lide volte a ser posta em juízo em nova relação processual. Por não importarem solução da lide, não produzem, também, coisa julgada: a) os despachos de expediente e as decisões interlocutórias; b) as sentenças proferidas em procedimentos de jurisdição voluntária; e c) as sentenças proferidas em processos cautelares, ainda por que revogáveis ou modificáveis a qualquer momento (art. 807). Já se decidiu, também, que a sentença que nega a anulação do casamento, ou a decretaçãodo desquite, por falta ou insuficiência de prova, não faz coisa julgada e permite ao cônjuge renovar a ação com base em melhores elementos de convicção. A melhor tese, todavia, é a que nega qualquer privilégio para tais sentenças, pois o Código não conhece três espécies de julgamento para encerrar o processo, mas apenas duas: a) as sentenças terminativas (art. 267); e b) as sentenças definitivas (art. 269). Aquelas extinguem o processo sem solução do mérito, e estas com julgamento do mérito.
20 As terminativas, portanto, não fazem coisa julgada material, mas as definitivas, isto é, as que acolhem ou rejeitam o pedido do autor (art. 269, n0 1), produzem, sempre e necessariamente, a eficácia material da res iudicata (art. 468). Desconhecendo o Código o tertium genus de sentença que apenas declara insuficiente a prova do autor, o que acarreta a não-desincumbência do ônus probandi é o julgamento de mérito (rejeição do pedido) contrário à pretensão que motivou o ajuizamento da causa, posto que, em processo civil, actore nonprobante absolvitur reus (art. 333, 1). Assim, em toda causa, o juiz ou extingue o processo sem julgamento de mérito (por questões preliminares) ou aprecia o mérito, hipótese em que, qualquer que seja a solução, haverá de submeter-se às conseqüências da res iudicata. Não há, portanto, nenhuma exceção no sistema do Código, que crie um regime diverso para a coisa julgada em matéria de ações matrimoniais. Se o cônjuge interessado não logrou provar o fato em que assentava sua pretensão, e assim viu rejeitado o pedido de separação ou anulação do casamento, inadmissível será a volta ao pretório para abrir novo processo sobre amesma base fática.
Igual orientação seguiu o STJ no caso de ação de investigação de paternidade, repelindo a pretensão de desprezar a autoridade de coisa julgada em face de realização de exame pericial genético (DNA) posterior à sentença, com resultados técnicos contrários ao que chegara o julgamento definitivo da investigatória, ainda que sua base pudesse ter sido a insuficiência da prova produzida”. (2000. p. 463/465)
Todas as sentenças, em certo momento, fazem coisa julgada formal.
Contudo, para as sentenças de mérito, quando da ocorrência de res iudicata
formal, ocorre também, salvo algumas exceções, a coisa julgada material.
Quando não mais se pode discutir, mesmo em outro processo, o que se
decidiu na sentença ocorre a res iudicata substancial; esta consiste no
fenômeno da imutabilidade dos efeitos que se projetam fora do processo,
impedindo que uma nova demanda seja proposta sobre a mesma lide.
21Percebemos, com isso, o efeito negativo ou preclusivo da coisa julgada
material, que se constitui na proibição de qualquer outro juiz vir a decidir a
mesma ação; assim como não podem as partes voltar a litigar e nem pode o
legislador vir a regular diferentemente a relação jurídica.
A coisa julgada material só se dá em relação às sentenças de mérito, ou
seja, só faz coisa julgada material a sentença que julga o mérito da demanda e
não a que extingue o processo sem o julgamento do mérito; já com relação a
coisa julgada formal, esta se forma dentro do processo, em virtude da sentença
não mais sujeitar-se a recurso, impedindo a reapreciação da matéria no mesmo
processo.
Após o trânsito em julgado da sentença e ocorrendo o instituto da coisa
julgada substancial, há ainda uma possibilidade de a sentença ser atacada,
através da Ação Rescisória
A ação rescisória, como prevê o artigo 485 do CPC, visa corrigir
distorções gritantes (grave defeito formal ou de conteúdo da decisão), até o
prazo máximo de dois anos. Depois disso, não existe qualquer possibilidade de
modificação da sentença, mesmo que esta esteja errada, ou seja, injusta.
A coisa julgada material torna impossível a rediscussão da lide, como já
foi visto. Contudo, o mesmo não ocorre quando existe fato novo ou diferente
que venha a constituir fundamento jurídico para outra demanda. O fato que
constitui fundamento jurídico novo enseja outra demanda, diferente, e a coisa
julgada se refere a demandas idênticas nos três elementos, isto é, mesmas
partes, mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
22Em geral, as sentenças produzem a coisa julgada quando se esgotam
todos os recursos possíveis ou quando findo o prazo para sua interposição.
Contudo, determinadas sentenças, por razões de interesse público, só
produzem efeitos se forem confirmadas pelos competentes Tribunais, não
importando que tenha havido ou não interposição de recurso pela parte
vencida. Desse modo, somente podem produzir seus efeitos depois de
examinadas pelo Tribunal, ou seja, não podem fazer coisa julgada as
sentenças de primeiro grau, as sentenças proferidas, por exemplo, em ações
de anulação de casamento ou contra a Fazenda Pública. Trata-se do que se
conhece por reexame obrigatório ou duplo grau de jurisdição obrigatório, que
no Código anterior recebia o nome de apelação ou recurso de ofício.
2.1 Decisões que não produzem coisa julgada material
Toda sentença produz coisa julgada formal, desde a mais complexa até
a mais simples. Entretanto, nem toda sentença produz a coisa julgada material.
Somente as sentenças que julgam o mérito da demanda produzem a coisa
julgada material.
Consequentemente, só produzem coisa julgada formal:
a) As sentenças terminativas, por extinguirem o processo sem solução do
mérito (artigo 267 do Código de Processo Civil);
b) As sentenças proferidas em processo de jurisdição voluntária, por não
haver lide a ser decidida;
c) As sentenças que decidem as relações jurídicas continuativas, pois embora
a sentença transite em julgado, todas as vezes que sobrevier modificação
de fato ou de direito, a lei permite a revisão da sentença, através de ação
de revisão.
23
CAPITULO III
LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA
O tema ora em estudo trata da verificação do alcance da imutabilidade e
indiscutibilidade da sentença transitada em julgado, na busca por saber o que
transitou em julgado.
A coisa julgada não atinge toda a sentença, que é constituída por três
partes: o relatório, a fundamentação ou motivação, e a decisão ou conclusão
ou, ainda, dispositivo. Assim, a análise dos limites objetivos da coisa julgada
consiste na delimitação de qual parte da sentença que, efetivamente, faz coisa
julgada.
No relatório, onde a causa é simplesmente exposta, não há dúvida de
que a coisa julgada não está presente; por outro lado é passivo o entendimento
de que ela abrange o dispositivo. O problema surge ao tratarmos da
fundamentação, pois neste sentido, há discussão se a coisa julgada abrange
também esta parte da sentença ou se diz respeito apenas à conclusão.
O artigo 468 do Código de Processo Civil dispõe que “a sentença que
julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das
questões decididas”.
O Estado, através do processo, compõe os litígios entre as partes,
conforme estabelecido no pedido e na contestação. Os litígios ou lides, por sua
vez, consistem nos conflitos de interesses que serão solucionados no
processo; as questões são as razões invocadas pelas partes para justificar sua
pretensão ou resistência, e que vão criar as controvérsias.
A lide existe no processo independentemente das questões, e vice-
versa. Contudo, o mais comum é que a lide apresente uma ou mais questões,
24constituindo uma controvérsia. No caso de possuir várias questões, podem-se
apresentar todas elas no processo, sendo este denominado integral; no
entanto, existe a possibilidade de que não sejam apresentadas em juízo todas
as questões, o que consistirá um processo parcial. Neste último caso, de
julgamento parcial, a coisa julgada somente recairá sobre o que foi julgado.
Através da sentença o Estado soluciona a lide, por intermédio da
resolução das questões que lhe foram propostas. A sentença é a decisão da
lide e, por isso, deve se ater aos limites desta. De tal forma, a sentença faz
coisa julgada e tem força de lei dentro desse limites.
Quando a sentença decide uma lide costuma, também, decidir questões
apresentadas pelas partes para justificar sua posição em relação ao conflito.
Ao contrário do que se observa com a decisão da lide, há muita controvérsia no
sentido de se considerar ou não que a decisão das questões faz coisa julgada.
Esse ponto será abordado logo adiante, mas podemos adiantar que, a
princípio, a decisão das questões não faz coisa julgada, servindo apenas para
estabelecer os limites desta.
O artigo 469 (CPC) limita o alcance da coisa julgada, determinando
quais as partes que constituem a sentença e que não fazem coisa julgada,
quais sejam:
“I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;II - a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença;III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”.
Tudo isso será de grande importância na apreciação do juiz, para que
este chegue à conclusão e para dar sentido à decisão. Entretanto, não se pode
incidir sobre essas questões a imutabilidade da coisa julgada; tais questões
25poderão ser discutidas em outro processo, onde o juiz terá toda a liberdade de
apreciá-las, independentemente de como tiverem sido consideradas em
processo anterior.
Além disso, apesar de o Código não citar expressamente, podemos
observar que também não faz coisa julgada a interpretação de um direito na
decisão do caso concreto; esta interpretação não terá força de lei nos casos
futuros. Nem as súmulas do Supremo Tribunal Federal possuem efeito
vinculante, ou seja, não obrigam o juiz a se determinar naquele sentido; o que
pode ocorrer é uma tendência a se interpretar de forma específica, no caso de
haver decisões reiteradas nesse sentido, que acabem influenciando os juizes.
De acordo com o exposto, verifica-se que o art. 468 do CPC nos leva à
conclusão de que apenas aquilo que foi deduzido no processo e, por
conseguinte, objeto de cognição judicial, é alcançado pela autoridade de coisa
julgada.
3.1 Motivos da sentença
O Código é claro quando dispõe expressamente que os motivos, por
mais importantes que sejam para a fixação do dispositivo da sentença, não
incidem na imutabilidade da coisa julgada. Assim, não resta qualquer dúvida no
sentido de que somente o dispositivo da sentença faz coisa julgada.
Contudo, nem sempre foi assim. Tal questão já produziu mais
divergências, não só no Brasil, como a nível mundial, desde a Antigüidade.
Havia doutrinadores que consideravam sob a proteção da coisa julgada os
motivos da sentença, de forma ampla ou restrita.
Seguindo os ensinamentos de Greco Filho, e tendo por base o disposto
nos arts. 469 e 470 do CPC, se pode afirmar que, apenas o dispositivo da
sentença transita em julgado.
26Quanto a motivação da sentença, esta não é alcançada pela coisa
julgada, como se verifica pela simples leitura dos artigos supracitados (2000. p.
268).
3.2 Verdade dos fatos
Nós já poderíamos considerar que a verdade dos fatos não faz coisa
julgada pelo simples fato de ela estar inserida dentre os motivos da sentença,
como resultado da apreciação das provas; assim, já poderíamos encaixá-la no
inciso I do artigo 469 do Código de Processo Civil.
Entretanto, além disso, o legislador do Código de Processo Civil foi
mais taxativo, prevendo isso expressamente no inciso II do referido artigo,
segundo o qual não faz coisa julgada “a verdade dos fatos, estabelecida como
fundamento da sentença”.
Humberto Theodoro Júnior afirma que:
“Não faz coisa julgada "a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença" (art. 469, n0 II)." Trata-se de mais uma decorrência do princípio de que só passa em julgado o dispositivou conclusão da sentença, não a sua motivação. Um fato tido como verdadeiro em um processo, pode muito bem ter sua inverdade demonstrada em outro, sem que a tanto obste a coisa julgada estabelecida na primeira relação processual. Naturalmente, o segundo julgamento, embora baseado no mesmo fato, há de refe-rir-se à lide ou questões diversas, porquanto não será lícito reabrir-se processo sobre o que já foi decidido e se acha acobertado pela res iudicata. Impõe-se aqui a mesma distinção, já feita no número anterior, sobre fato jurídico e fato simples.”(2000. p. 473).
É por esta razão que um mesmo fato, considerado verdadeiro em um
processo, pode ser considerado como falso em outro, desde que, embora
27discutindo o mesmo fato, o novo julgamento se refira à lide ou questões
diversas. Assim sendo, as provas transportadas de um processo para outro
poderão receber valorações diferentes em cada um deles, sem que haja
obstáculo da coisa julgada no primeiro processo.
3.3 Questões prejudiciais
As questões prejudiciais dizem respeito a fatos, questões ou relações
anteriores à controvérsia, que constituem antecedentes lógicos da conclusão
da sentença e que, além disso, poderiam ser objeto de processo separado, por
reunirem as condições suficientes para tal.
Essas questões não constituem o dispositivo da sentença; ao contrário,
antecedem o mesmo fazendo, assim, parte de sua preparação. E é por isso
que não fazem coisa julgada, conforme dispõe o inciso III, do art. 469, do
Código Processual Civil.
Assim, a questão prejudicial decidida incidentalmente no processo é
resolvida pelo Juiz sem produzir efeitos fora do processo em que foi proferida,
ou seja, não é protegida pela coisa julgada. A eficácia dessa decisão limita-se à
preclusão, para que a mesma questão não seja suscitada mais de uma vez no
mesmo processo.
Integrando este entendimento, segundo o mestre Barbosa Moreira, a
apreciação das questões prejudiciais (que se dá na fundamentação da
sentença) não é alcançada pela autoridade de coisa julgada salvo se tiver
havido ‘ação declaratória incidental’, hipótese em que a resolução desta
questão também será alcançada pela autoridade de coisa julgada, eis que terá
também passado a fazer parte do objeto principal do processo, não mais sendo
objeto de apreciação.
28 O artigo 470 do Código Processo Civil prevê uma hipótese em que a
decisão sobre a questão prejudicial terá efeito de coisa julgada, no caso de “a
parte requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e
constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”. Nesse caso a lide
terá sido ampliada para englobá-la, também, como uma de suas questões
internas.
Para que as questões prejudiciais façam coisa julgada material, é
preciso que a parte requeira a declaração incidental, ou seja, é necessária a
propositura de uma ação declaratória incidental.
De tal forma, atendidos a esses requisitos, quais sejam: requerimento
pela parte de ação declaratória incidental; competência do juiz em razão da
matéria e constituir pressuposto para o julgamento da lide; a resolução da
questão prejudicial provocada por ação incidental terá eficácia de coisa julgada.
A posteriori, por ser abrangida pela ação declaratória incidental, a
questão prejudicial será novamente abordada.
29
CAPÍTULO IV
LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA
Fixar os limites da coisa julgada significa responder à pergunta: quem é
atingido pela autoridade da coisa julgada material? O problema consiste em
saber quais as pessoas alcançadas pela coisa julgada, se esta atinge apenas
as partes na relação processual ou é extensível a terceiros.
Adota-se no Direito brasileiro a regra, fixada no art. 472 do CPC,
conhecida desde o Direito Romano.
A regra se justifica no mais elementar sentimento da justiça. A sentença
é proferida no processo das partes, traduzindo-lhes a vontade da Lei à da lide.
Por isso, tem força de lei entre as partes. Terceiros estranhos ao processo,
entretanto, os quais, até mesmo podem ignorar a existência deste, e cujos
direitos são regulados e tutelados pela lei, estão livres de subordinação à
sentença, que é lei entre as partes, e contra a qual poderão reagir quando
estas os prejudicar.
A sentença, ato de conhecimento e vontade do poder estatal
jurisdicional, quando é editada, se põe no mundo jurídico e, como tal, produz
alterações à relação jurídica de que são titulares terceiros, porque as relações
jurídicas não existem isoladas, mas inter-relacionadas no mundo do direito.
Nesse mesmo sentido escreve Theodoro Júnior:
"A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros" (ad. 472). Não quer dizer isto que os estranhos possam ignorar a coisa julgada. "Como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vaie com respeito a todos.”
30Não é certo, portanto, dizer que a sentença só
prevalece ou somente vale entre as "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege" (STF, Stinl ula 423).
O julgamento nos casos de duplo grau de jurisdição configura ato complexo, que só se torna perfeito e exeqüível após a consumação de todos os atos parciais. Por isso, a remessa ex officio do processo ao Tribunal acarreta sempre os efeitos devolutivo e suspensivo (TFR, M. seg. 40.330, rei. Mm.Amanho Benjamin, in Rev. Forense, 215/94; Seabra Fagundes, Dos recursos ordinários en matéria civil, p.190).
O que ocorre é que, apenas a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença não podem prejudicar, nem beneficiar, estranhos ao processo em que foi proferida a decisão trânsita em julgado. Assim, determinado credor, embora estranho à lide, não pode pretender ignorar a sentença em favor de outrem que condenou seu devedor, desfalcando o patrimônio que lhe servia de garantia comum. O prejuízo que não se alcança com a coisa julgada é o jurídico (a negação de um direito do terceiro, ou a restrição direta a ele) e não o simplesmente de fato (caso de diminuição do patrimônio do devedor comum). Segundo Liebman, deve ser distinguida a eficácia natural da sentença da autoridade dacoisa julgada. Para o grande processualista, na verdade a coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim uma qualidade especial sentença, que, em determinada circunstância, a torna imutável. Dentro dessa ordem de idéias, esclarece Liebman:a) a eficácia natural vale para todos (como ocorre com qualquer ato jurídico); mas,b) a autoridade da coisa julgada atua apenas para as partes. Assim, um estranho pode rebelar-se contra aquilo que já foi julgado entre as partes e quese acha sob a autoridade de coisa julgada, em outro processo, desde que tenha sofrido prejuízojuridico. Exemplo: quando o Estado é condenado a indenizar o dano causado por funcionário, cabe-lhe o direito de exercer a ação regressiva contra o servidor. Este, no entanto, no novo processo poderá impugnar a conclusão da sentença condenatória, para provar que não teve culpa no evento, e assim exonerar-se da obrigação de repor aos cofres públicos o valor da indenização. A sentença era válida para todos. Mas aquele estranho que teve direitos diretamente atingidos,
31pode reabrir discussão em torno da decisão, sem ser tolhido pela eficácia da coisa julgada. Outro exemplo: uma pessoa, exibindo título dominial, move ação reivindicatória que é acolhida, com o reconhecimento de sua qualidade de proprietário do bem litigioso, ocorrendo por isso a condenação do possuidor sem título a entregá-lo ao autor. Isto não impede ao verdadeiro titular do domínio, que não foi parte na reivindicatória, de propor outra ação contra o ganhador daquela causa, para provar, v.g., a falsidade do título que a sustentou, fazendo, já agora, prevalecer a superioridade de sua situação jurídica. Isto se torna possível justamenteporque a declaração de ser o autor proprietário do bem disputado na primitiva ação reivindicatória somente adquiriu indiscutibilidade entre as partes do processo em que a sentença se deu. Como o verdadeiro dono do bem não se incluiu dentro dos limites subjetivos da coisa julgada, nada o impede de, em outro processo, instaurar novo debate em torno do direito subjetivo reconhecido inter alios. A impugnação da res iudicata pelos terceiros prejudicados pode ser feita "na simples forma de defesa ou réplica à exceção de coisa julgada em todas as oportunidades em que uma das partes pretende utilizar a sentença contra eles". Cabem, ainda, os embargos de terceiro,quando se tratar de execução de sentença condenatória que atinja bens de estranho.(2000. p. 476, 477).
Assim, os efeitos da sentença podem atingir tanto as partes quanto a
terceiros. Todavia estes efeitos são, tão-somente, imutáveis para as partes, isto
é, a imutabilidade dos efeitos da sentença, que é a coisa julgada, só atinge as
partes envolvidas na lide.
Pode ocorrer, porém, que certas relações jurídicas por dependerem de
outra que está sob julgamento, conforme a decisão proferida, se transmudem
de tal forma no plano de direito material que terceiro se vê atingido
inevitavelmente pelas conseqüências da sentença. Isto, porém, não quer dizer
que ele tenha sofrido a imutabilidade da coisa julgada; sofreu, sim, os efeitos
civis da sentença e em virtude da modificação produzida no plano de direito
material não tem ele ação ou direito de recompor a situação anterior.
32
Quanto ao grau de influência dos efeitos da sentença sobre suas
relações jurídicas, podemos classificar os terceiros das seguintes maneiras:
Terceiros absolutamente indiferentes: estes nada tem a fazer porque
não sofrem nenhuma influência da sentença proferida entre outros; são
totalmente estranhos à relação deduzida em juízo.
Terceiros com interesse de fato: estes, também, nada podem fazer
porque não são atingidos em relações jurídicas, mas apenas em expectativas
de fato; por sofrerem prejuízos de fato, mas não de direito, em razão da
sentença são equiparados aos primeiros.
Terceiros juridicamente interessados, com interesse igual ao das partes,
como por exemplo, o dono de um imóvel que toma conhecimento de que seu
bem foi objeto de ação reivindicatória entre outros e o autor ganhou a demanda
e, portanto, a declaração de propriedade do imóvel: neste caso, o terceiro, que
não é atingido, como se disse, pela imutabilidade da coisa julgada, tem ação
própria (ou teria a oposição dependendo da época de seu conhecimento), para
pleitear o seu direito contra quem se diz atualmente dono, ação, aliás, da
mesma natureza da que gerou a sentença sobre o bem. O terceiro, nesta
situação não irá discutir a sentença anterior, nem pretender desfazê-la, mas
sim obter uma nova que proclame o seu direito próprio.
Assim, terceiros, se juridicamente prejudicados pela eficácia natural
da sentença, poderão insurgir-se contra esta (inclusive em outro processo),
porquanto não é atingido pela coisa julgada material.
Este é o entendimento que deve ser dado ao art. 472, primeira parte, do
Código, que, de maneira simples estabelece: “a sentença faz coisa julgada às
partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.
33Significa esta regra que terceiros não são alcançados pela imutabilidade
e indiscutibilidade da sentença, o que permite a estes vir a discutir em juízo a
questão já resolvida por sentença protegida pela autoridade de coisa julgada.
O dogma da limitação subjetiva da coisa julgada às partes vem sendo
rompido, no processo moderno, nas ações coletivas ajuizadas em defesa de
interesses metaindividuais (ambiente, consumidor, proteção do patrimônio
histórico, cultural e artístico etc.). No Brasil, após a coisa julgada erga omnes
da Ação Popular, a lei da Ação Civil Pública e, por último, o Código de Defesa
do Consumidor vieram ampliar os limites subjetivos da coisa julgada,
estruturando-os de acordo com o resultado do processo – art. 103 CDC,
aplicável à Ação Civil Pública (art. 21 desta). Assim, conforme o caso, a
autoridade da sentença poderá alcançar a todos, para beneficiá-los (salvo no
caso de improcedência por insuficiência de provas), ou ser utilizado apenas em
favor dos membros da classe, sem possibilidade de prejudicar suas pretensões
individuais.
Nas ações de estado, conforme os princípios e a lei, a sentença produz
coisa julgada às partes entre as quais é dada, não em relação a terceiros. Mas,
por doutrina tradicional, as sentenças, nas causas relativas ao estado das
pessoas, desde que proferidas entre legítimos contendores, tem eficácia erga
omnes e, portanto, a coisa julgada atingiria terceiros.
O Código de Processo Civil procurou atenuar essa conclusão conflitante
com princípio aludido, dispondo no art. 472, segunda parte: “nas coisas
relativas ao estado de pessoas, se houvessem sido citados no processo, em
litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa
julgada em relação a terceiros”.
Entende-se por terceiro juridicamente prejudicado, toda pessoa que,
sem ter sido parte no processo, for titular de alguma relação jurídica material
afetada pela decisão da causa. É terceiro juridicamente prejudicado, por
34exemplo, o fiador com relação à sentença que decidiu a relação jurídica entre
credor e afiançado. Mas é terceiro prejudicado apenas de fato (e não
juridicamente) o credor, com relação ao devedor vencido numa ação
reivindicatória.
Condição sine qua non, portanto, para que estes sejam atingidos pela
coisa julgada, é que sejam citados para a ação, em litisconsórcio necessário,
todos os envolvidos, desde que diretos e juridicamente interessados. Aliás, à
vista dessa condição, não há terceiros que possam ser considerados
prejudicados pela sentença.
O Código adotou a concepção doutrinária dominante no direto moderno
de que, no que concerne ao estado das pessoas, a sentença tem que valer
para todos porque o estado da pessoa está ligado de tal forma à personalidade
que ninguém pode ter um estado apenas para alguns e não para outros, ou
seja, ser casado perante alguns e divorciado perante outros.
35
CONCLUSÃO
Os limites objetivos da coisa julgada visam dar uma ‘maior apreciação’
aos litígios a serem solucionados e equacionados pelo Poder Judiciário. Essa
maior apreciação se refere à fundamentação da sentença, que, em regra, não
faz coisa julgada, e, portanto, deve, em princípio, ser reavaliada se novamente
for alegada uma questão prejudicial ou uma verdade de fato que antes já fora
decidida.
O fato é que a importância desta questão prejudicial decidida na
fundamentação pode variar de processo para processo, dependendo do
posicionamento do juiz. Isso dá maior mobilidade à convicção deste, não
ficando atrelado a uma decisão anterior, que pode não vir a ser a mais correta.
Desse modo, se uma situação jurídica sofrer o risco de ser questionada
por várias vezes, aquele que for o interessado (seja autor, réu ou ambos) pode
propor uma ação em que se declare tudo que tivesse sido decidido
anteriormente, fazendo coisa julgada no tocante a quaisquer questionamentos
futuros. De tal forma, aquilo que fora decidido teria a eficácia de ser imutável e
indiscutível.
Os limites subjetivos da coisa julgada advêm de um princípio romano,
que diz que a sentença só tem eficácia da coisa julgada entre as partes
vinculadas à ação. Só que este princípio, hoje, é considerado uma meia-
verdade, porque a coisa julgada na sentença pode atingir terceiros.
A tradição remanescente do Direito Romano e que serviu de alicerce
para o nosso direito posto, era consubstanciada em demandas individuais, ao
contrário do que ocorre hodiernamente no direito contemporâneo nacional e
comparado, onde se insurgem fenômenos adstritos ao próprio desenvolvimento
da sociedade e que visam à proteção dos direitos difusos através de demandas
de interesses coletivos e sociais, as chamadas ações coletivas.
36Nos interesses coletivos nem todos os membros da coletividade estão
ligados à demanda. A coisa julgada será ultra partes atingindo na só o
demandante ao demandado, mas todos aqueles sujeitos do interesse que se
levou a juízo.
Nos interesses individuais homogêneos a coisa julgada se forma erga
omnes no caso de procedência, beneficiando todos os titulares dos interesses
(e a seus sucessores).
Nos casos de demandas coletivas destinadas à proteção de direitos
individuais homogêneos a improcedência do pedido não impede que terceiros
que não tenham integrado a relação processual, ajuízem demandas individuais
para tutela de seus interesses, que são individuais embora tenham recebido
tratamento coletivo.
37
ANEXO 01
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
38
ANEXO 02
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
39
ANEXO 03
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
40
ANEXO 04
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
41
ANEXO 05
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
42
ANEXO 06
ATIVIDADE EXTRA-CLASSE
43
BIBLIOGRAFIA CITADA
1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 6a ed. volume I – 4a ed. volume II – 3a ed. volume III., Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2001.
2. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 14a ed., 2o vol. São Paulo: Saraiva, 2000.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 34ª ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. AMARAL, Moacyr dos Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
2. AZAMBUJA, Carmem. Rumo a uma Nova Coisa Julgada. Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado, 1994.
3. BARBI, Celso Agrícola. Ação Declaratória Principal e Incidente. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
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7. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Forense Universitária: Rio de Janeiro. 2001.
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9. GRINOVER, Ada Pellegrini. Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro:Ed. Instituto de Estudos Jurídicos, 1992.
10. LAROSA, Marco Antonio. Como produzir uma monografia passo a passo...siga o mapa da mina. 4.ed. WAK Editora: Rio de Janeiro. 2005.
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12.MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a ed. Ver. Ampl., Tomo V. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
13. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 17a
ed. Ver. Ampl. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
45
ÍNDICE
Página
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPITULO I - Conceito e considerações preliminares da coisa julgada 10
1.1 - Justificação ou fundamentação da autoridade da coisa julgada 13
CAPITULO II- Coisa julgada Formal e Material 16
2.1 - Decisões que não produzem coisa julgada material 22
CAPÍTULO III - Limites objetivos da coisa julgada 23
3.1 – Motivos da sentença 25
3.2 – Verdade dos fatos 26
3.3 – Questões prejudiciais 27
CAPÍTULO IV - Limites subjetivos da coisa julgada 29
CONCLUSÃO 35
ANEXOS 37
BIBLIOGRAFIA CITADA 43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 44
ÍNDICE 45
46
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes – Instituto a Vez do
Mestre.
Título da Monografia: Coisa Julgada
Autor: Cleiton Bellinger Santos
Data da entrega: 16/05/2006
Avaliado por: Prof. Carlos Afonso Leite Leocadio
Conceito:
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