UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS – GRADUAÇÃO “LATU SENSO”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A Transferência e A Contratransferência na Obra de Sigmund Freud
AUTORA: TATIANA LUISA CERQUEIRA DA SILVA
ORIENTADOR: CELSO SANCHES
RIO DE JANEIRO, 16 DE JANEIRO DE 2007.
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS – GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A Transferência e a Contratransferência na Obra de Sigmund Freud
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista em Terapeuta de Família.
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Agradecimentos
Agradeço à minha mãe e avó, primeiras professoras na universidade da vida, aos amigos do curso que tornaram essa mesma vida mais rica pela intensa troca de experiências e aos professores, por compartilharem comigo seu infinito saber.
Dedicatória
Dedico esse presente trabalho ao meu
mestre da vida Daisaku Ikeda por seus
incansáveis incentivos, à minha mãe Ceiça
por seu abnegado apoio, à vovó Isa pelo
eterno patrocínio e às amigas Dani Carelli,
Dani Godiva e Fabi por compartilharem
meu percurso e ao meu namorado Márcio
pela alegria que traz à minha vida.
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Resumo
Esta pesquisa trata de dois conceitos psicanalíticos básicos para a pratica
analítica, a saber: a transferência e a contratransferência. E de seu complexo
percurso histórico em toda a extensão da obra freudiana.
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Metodologia
O método que utilizei para a elaboração da presente monografia foi a
pesquisa bibliográfica. O tema já era de meu interesse desde a graduação, devido
à experiência clínica em psicanálise e também ao trabalho como monitora dos
textos técnicos de Freud.
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Sumário
INTRODUÇÃO..........................................................................................................8
CAPÍTULO I............................................................................................................10
A Transferência na Obra de Freud
CAPÍTULO II...........................................................................................................14
A transferência como Repetição
CAPÍTULO III..........................................................................................................16
A Transferência como Resistência
CAPÍTULO IV.........................................................................................................19
Neurose de Transferência
CAPÍTULO V..........................................................................................................21
O amor de Transferência
CAPÍTULO VI........................................................................................................ 25
A Contratransferência
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................29
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................30
FOLHA DE AVALIAÇÃO.......................................................................................31
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Introdução
Sendo o conceito de transferência um dos mais importantes na
psicanálise, não pretendo com o presente trabalho esgotá-lo em todas as suas
vertentes. Busco, sim, fazer algumas considerações sobre o tema, procurando
passar pelos aspectos mais relevantes.
O interesse por esta temática surgiu a partir do trabalho da autora
na clínica psicanalítica e pelas inúmeras questões surgidas nos estudos teóricos
ao longo do curso.
Apresentando o tema, de forma breve, posso dizer que a
transferência na obra freudiana aparece como componente essencial na direção e
cura de um tratamento analítico. Após o rompimento com a hipnose, a sugestão e
a catarse, Freud deixa de restringir a transferência a um obstáculo, alçando-a ao
posto de principal instrumento para o tratamento. E é justamente quando Freud dá
a palavra a seus pacientes.
A resistência está presente no fenômeno transferencial, uma vez
que é expressão do conflito neurótico. Também o conceito de repetição está
presente aí, já que Freud considera que as transferências são repetições de
impulsos e fantasias despertadas no processo de análise, substituindo-se a
pessoa anterior pela figura do analista. A transferência está a serviço da
resistência. No manejo da transferência está a condução à “cura”.
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Para um melhor desenvolvimento do tema, decidi subdividi-lo em
seis capítulos. No primeiro, elaborei uma evolução histórica do conceito de
transferência, desde a primeira vez em que o termo foi utilizado, sempre
contextualizando-o.
Nos capítulos dois, três e quatro, relacionei a transferência às
formas que ela assume no decorrer do tratamento: respectivamente como
repetição, resistência e neurose de transferência – sendo essa última uma
neurose artificial que ocorre temporariamente em substituição à neurose original
do paciente.
No capítulo cinco, abordei o amor transferencial. Consiste em um
“enamoramento” do paciente em relação à figura do analista.
Para finalizar, no capítulo seis, tratei da contratransferência. Tema
importantíssimo nos dias atuais no que diz respeito à terapia. Não poderia deixar
de contemplar esse segundo aspecto da relação dual paciente-analista, embora
não seja meu propósito aprofundar aí nossos estudos.
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Capítulo I
A Transferência na Obra de Freud
Optei por estudar a transferência na obra freudiana segundo a
evolução histórica desse conceito. É um conceito fundamental para a teoria,
próprio do tratamento psicanalítico, sendo também um fenômeno capital que
aparece na clínica. A esse respeito, Freud, em sua Autobiografia, afirma:
“ ... não se deve imaginar, (...), que a transferência é
criada pela análise (...). A transferência é simplesmente
descoberta e isolada pela análise. É um fenômeno
universal do espírito humano (...) que aparece em cada
tratamento analítico sem atividade alguma por parte do
analista.”
Freud empregou o termo transferência, pela primeira vez, ao
relatar suas tentativas de obter de suas pacientes associações de palavras.
(Estudos sobre a Histeria, 1895). Solicitava às pacientes que relatassem e
revivessem circunstâncias mais antigas que, supunha ele, relacionavam-se
àquelas nas quais os sintomas apareceram pela primeira vez, gerando uma
revivência e forte descarga emocional. A melhora dos sintomas era muito mais
evidente do que com o método hipnótico. Freud pensava que nas associações
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livres estava a possibilidade de encontrar o elo entre as experiências passadas e
os sintomas e reações afetivas presentes.
No decorrer do tratamento, Freud percebeu mudanças na forma
de agir do paciente com relação ao médico. Essas mudanças, que envolviam
componentes emocionais, podiam interromper a associação verbal, resultando
num possível obstáculo ao tratamento. Esses sentimentos foram considerados
como transferência.
Nesse momento, para Freud, a transferência é uma reedição ou
reprodução das fantasias que, no curso da análise, tornam-se conscientes, mas
com a peculiaridade da substituição da figura anterior pela pessoa do médico.
Como podemos ver nas palavras de Freud:
“Dito de outra maneira: toda uma série de experiências
psíquicas prévia é revivida, não como algo passado, mas
como um vínculo atual com a pessoa do médico.
Algumas dessas transferências em nada se diferenciam
de seu modelo, no tocante ao conteúdo, senão por essa
substituição.” (Freud, 1905, Vol. p. 132)
A percepção de Freud do fenômeno transferencial se dá com o Caso Dora. É
posteriormente a ele que Freud percebe que havia ignorado a transferência na
condução do caso. Isso se refletiu no abandono do tratamento por parte da
paciente. Freud atribuiu seu fracasso a uma incapacidade de manejar a
transferência a tempo - a paciente interrompeu o tratamento porque ele não fora
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capaz de analisar os elementos transferenciais múltiplos que interferiram nas
condições do tratamento.
Desde que tratou de Dora, Freud havia compreendido que as reações e
resistências transferenciais do paciente produziam o material essencial ao
trabalho analítico (1905, pp.112/122). Desde então, a situação analítica foi
planejada de modo a facilitar o desenvolvimento máximo das reações
transferenciais do paciente.
Alguns anos antes, no texto Estudos sobre a Histeria, Freud chega
à hipótese segundo a qual lembranças patogênicas seriam reunidas, segundo o
grau de resistência, em camadas em torno de um núcleo patogênico. Dessa
forma, ao longo do tratamento, quanto mais o paciente caminhasse em direção a
esse núcleo, e quanto mais se aproximasse, maior a resistência com que se
depararia.
Até então, a transferência era vista como um fenômeno clínico
atuando como obstáculo ou resistência ao tratamento. No entanto, algum tempo
depois, Freud observou que ela também atuava a serviço da cura e não só da
resistência.
Freud debruçou-se, então, mais profundamente sobre a questão
da transferência. Em 1912, no texto A Dinâmica da Transferência, ele contrapõe
transferência positiva e negativa. As transferências positivas manifestam-se sob
duas formas: as que auxiliam o trabalho terapêutico e as que o dificultam. As
primeiras caracterizam-se por sentimentos amistosos ou afetuosos, passíveis de
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serem aceitos pela consciência. Por outro lado, há as transferências eróticas, que
provêm de sentimentos que remontam a desejos sexuais inconscientes. A
transferência negativa aparece como impulsos hostis dirigidos ao analista. De uma
forma mais clara, vale destacar que a transferência amistosa relaciona-se com a
cura, ao contrário das transferências erótica e hostil, que atuam como resistência.
As transferências positiva e negativa, já citadas, dependem quase
que exclusivamente do material trazido pelo paciente e não do tratamento em si.
Podemos compreender isso de forma mais clara quando Freud fala em neurose
de transferência. Segundo ele, a neurose de transferência seria uma neurose
artificial que se instala em substituição à neurose do paciente. Constitui-se na
relação com o analista. Mais adiante, no capítulo IV, elucidaremos melhor a
questão da neurose de transferência.
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Capítulo II
A Transferência como Repetição
O conceito de repetição foi ampliado em 1920, quando da
publicação do artigo Além do Princípio de Prazer. Freud destaca que o paciente
em análise acaba repetindo o material recalcado como uma vivência atual, já que
esse material não pode ser recordado como algo que pertence ao passado. Essa
repetição sob a forma de transferências contemporâneas era conseqüência da
compulsão à repetição, descrita no texto de 1920, tal como aparece no
Vocabulário de Psicanálise de Laplanche:
“ No tratamento, os fenômenos de transferência atestam
essa exigência, própria do conflito recalcado, de se
atualizar na relação com o analista.” (Laplanche, 1998, p.
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A repetição, na transferência, é responsável por tornar a relação
transferencial mais produtiva. No entanto, mesmo que Freud aponte a atuação na
transferência como estando a serviço da compulsão à repetição, de modo algum
pretende reduzir repetição e transferência a um mesmo termo. Ainda assim,
algumas vezes os dois conceitos aparecem com sentidos bastante parecidos na
obra freudiana.
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Apesar de consagrado no texto de 1920, um esboço do conceito
de repetição já aparecia no artigo Recordar, Repetir, Perlaborar, de 1914. Nele,
Freud coloca que o paciente utiliza-se da ação para expressar o que esqueceu e
recalcou e que não pode recordar. A transferência seria apenas um fragmento da
repetição e esta é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o
analista, mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem
ocupar sua vida na ocasião. Quanto maior a resistência, mais a atuação
substituirá o recordar. Se o paciente inicia o tratamento apresentando uma
transferência positiva, pouco pronunciada, ou seja, de sentimentos amistosos, as
lembranças surgirão de forma semelhante a um trabalho sob hipnose. Porém, se à
medida que o trabalho evolui a transferência se torna hostil ou excessivamente
intensa (a ponto de precisar ser recalcada), o recordar imediatamente abre
caminho à atuação. A partir desse momento, as resistências determinam a
seqüência do material que deve ser repetido, cabendo ao analista interpretá-la
uma por uma.
A partir de agora, há que se relacionar a compulsão à repetição à
transferência e à resistência.
Podemos definir resistência como tudo aquilo que impede o
acesso ao Inconsciente do analisando. Foi descoberta mediante o entrave no
progresso do tratamento através da quebra da regra fundamental por parte do
paciente.
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Capítulo III
A Transferência como Resistência
Quanto maior a resistência, mais efetivamente se dará a
substituição do rememorado pelo repetido ou atuado, sendo o sucesso da análise
diretamente dependente da interpretação tanto dessa resistência, quanto da
transferência. A resistência define as condições sob as quais ocorrerá a repetição.
Vencer a resistência significa utilizar-se da transferência. Essa, de
alguma forma, anuncia-se através da resistência, está a serviço dela, na medida
em que provoca uma interrupção nas associações. No entanto, simultaneamente,
esse foco sobre o analista provoca uma deformação do material patogênico.
Assim, associando-se à figura do analista, o conflito psíquico encontra uma via
pela qual pode expressar-se, propiciando a continuidade do fluxo associativo.
Freud, compreendendo melhor a razão por que a transferência
aparece como resistência, busca superá-la através da interpretação, propiciando a
clara manifestação transferencial. Seria a marca do início do processo
psicanalítico. É familiarizando o paciente com as resistências, e fazendo-o
reconhecê-las, que é dado o primeiro passo para ultrapassá-las.
Com a resistência no seu auge, podem, então, analista e paciente
trabalhar em conjunto para descobrir quais impulsos recalcados a alimentam,
propiciando ao analisando um tempo para elaborá-la. O paciente vê-se diante do
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conflito entre as razões de ser da resistência (o que levou ao recalque) e os
motivos para abandoná-la, restabelecer-se e livrar-se de seus sintomas. Logo, as
mais sensíveis modificações no paciente efetuam-se nessa parte do tratamento
analítico.
Apesar de, no início, Freud acreditar que apenas a compreensão
intelectual das resistências pelo paciente fosse suficiente para que não houvesse
um novo recalcamento do conteúdo recordado, posteriormente acabou por mudar
essa concepção inicial. A relação transferencial positiva é fundamental para que o
sujeito direcione o tratamento rumo à cura.
No texto de 1926, Inibições, Sintomas e Angústia, Freud define
cinco diferentes tipos de resistência (ampliando o conceito para além de uma mera
defesa do ego): três localizadas no ego, uma no superego e uma outra no id. As
relacionadas ao ego manifestariam-se como:
1) o recalque propriamente dito: manifestação clínica da
necessidade do indivíduo de se defender de impulsos, recordações e sentimentos
que, se emergissem na consciência, causariam um estado de sofrimento ou
ameaçariam causar tal estado;
2) uma resistência transferencial: reflete a luta contra impulsos
infantis, que sob a forma direta ou modificada, emergiram em relação à pessoa do
analista, conduzida pela revivência do passado no relacionamento psicanalítico;
3) resistência que deriva do “ganho” resultante da doença (como
uma compensação secundária - um “lucro”) que o indivíduo teria permanecendo
doente, na neurose:
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“O ego passa agora a comportar-se como se
reconhecesse que o sintoma tivesse vindo para ficar, e a
única coisa a fazer é aceitar a situação, sem afligir-se, e
tirar dela a maior vantagem possível.” (Freud, 1926).
À resistência do id (resistência dos impulsos instintuais) atribuiria-
se a compulsão à repetição (podendo ser superada através da interpretação, da
elaboração analítica).
Finalmente, a resistência do superego diria respeito a um
sentimento inconsciente de culpa, à busca por uma punição.
Para Laplanche, em seu Vocabulário da Psicanálise, a tentativa de
classificação metapsicológica dos diferentes tipos de resistências não satisfez
Freud, no sentido de que ficou em aberto a questão sobre qual instância psíquica
resiste.
Em 1937, no texto Análise Terminável e Interminável, Freud afirma que a
resistência aparece no tratamento como um mecanismo de defesa contra a cura,
que passa a ser considerada pelo ego como um novo perigo.
Para finalizar, a transferência possui um caráter terapêutico, como
Freud nos aponta no trecho a seguir:
“ Devo começar por esclarecer que uma transferência
está presente no paciente desde o começo do tratamento
e, por algum tempo, é o mais poderoso móvel de seu
progresso.”(Freud, Vol.16, p. 516,)
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Capítulo IV
A Neurose de Transferência
É denominada neurose de transferência a neurose artificial em que tendem
a organizar-se as manifestações de transferência. Nela, o conjunto dos sintomas e
o comportamento patológico do analisando são reeditados na relação com o
analista, assumindo uma nova função na situação analítica.
Na teoria freudiana, é justamente a substituição da neurose do
paciente pela neurose de transferência que aproxima o tratamento do sucesso.
Podemos dizer que a neurose do paciente fica, de certa maneira, em suspenso,
dando lugar ao que Freud denomina transferências. Seria como se o paciente
abrisse mão de sua enfermidade para ingressar na doença transferencial,
desenvolvida de forma artificial, numa lacuna entre a doença e a vida real. Sendo
passível de intervenção pelo analista, a neurose de transferência torna-se capaz
de propiciar o êxito terapêutico.
A entrada do paciente nessa neurose artificial se faz na medida em que os
sintomas são desvinculados da libido e, por fim, essa libido é concentrada na
transferência.
Ainda que a transferência faça sua entrada no espaço terapêutico com um
caráter de perturbação, ela adquire importância fundamental na psicanálise. A
tarefa central do analista consiste em lidar com a neurose “produzida” para seguir
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no sentido de eliminar a neurose original. Por isso, a neurose de transferência
instala-se como patologia própria do tratamento psicanalítico.
Os sintomas do paciente revestem-se de nova significação dentro
da relação transferencial, perdendo seu significado original. Daí por que pode-se
dizer que a transferência provoca uma inversão na terapia: a rememoração do
paciente passa a ocupar uma posição secundária, já que sua doença passa a
centrar-se na relação com o analista.
Cabe ao analista, ao reconhecer a resistência, manejar a
repetição como forma de superação da transferência. Na formação de uma
neurose ocupando o lugar da neurose anterior, nessa relação analista-paciente,
está o processo de superar a transferência, considerado por Freud como o
caminho rumo à cura.
A neurose de transferência é um fenômeno específico da
psicanálise, ao contrário da transferência em si, que caracteriza-se como algo
universal, presente em outras formas de tratamento.
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Capítulo V
O Amor de Transferência
Segundo Freud, o começo do tratamento costuma ser marcado
por um avanço. Na medida em que os pacientes estão implicados e respeitando a
regra fundamental, produzem associações e buscam compreender o que o
analista interpreta. Entretanto, chega um momento da análise em que esse
progresso é interrompido e o paciente já não mais associa, dizendo que “nada
mais lhe vem à cabeça”. Assim, algo se passa com o paciente, mas ele o reserva
para si.
É nesse momento, em que o paciente pode transferir, que
aparecem intensos sentimentos de afeição, ou até mesmo um forte
enamoramento pela figura do analista.
No texto Observações Sobre o Amor Transferencial, Freud afirma
que as maiores dificuldades que o psicanalista vai encontrar em seu trabalho
dizem respeito ao manejo da transferência. Entre as situações que surgem no
decorrer do atendimento, o autor considera bastante freqüente a demonstração,
explícita ou não, do enamoramento pela figura do analista. Esse é um fenômeno
que acontece constantemente e consiste em um dos fundamentos da Psicanálise.
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Freud fala da importância do analista estar ciente de que esse
“apaixonamento” é produzido pela própria situação analítica, e que isso não se
daria por mérito do médico, ao contrário, está estritamente relacionado à neurose.
Na medida em que o tratamento tem continuidade, não havendo
interrupções ocasionadas pelo fenômeno do enamoramento, e apesar deste, é
possível que essa situação contribua para o tratamento do paciente.
Durante esse período, todo o interesse do paciente diz respeito a
esse amor. Assim, uma vez que esse amor transferencial vai, inevitavelmente,
interferir no andamento do tratamento, isso marca a manifestação da resistência.
O que significa que o surgimento de um sentimento amoroso certamente aponta
para um trabalho de resistência.
Freud, numa de suas conferências, afirma:
“Constatamos, pois, que o paciente, que deveria não
desejar outra coisa senão encontrar uma saída para seus
penosos conflitos, desenvolve especial interesse pela
pessoa do médico. Tudo que se relaciona ao médico
parece mais importante para ele do que seus próprios
assuntos, e parece desviá-lo de sua própria doença.”
(Freud, 1916-1917)
Faz-se necessário considerar que, quando um paciente admite
uma transferência erotizada, ele está trazendo à consciência conteúdos
anteriormente recalcados. E no manejo dessa transferência erótica, o analista
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deve marcar sua posição e negar-se a satisfazer a demanda de amor trazida pelo
paciente.
Logo, é estabelecido como princípio fundamental que o analista
deve permitir que a necessidade e o anseio persistam no paciente, como um meio
de provocar mudanças e estimular o surgimento de conteúdos inconscientes. O
que pode ser oferecido ao paciente é a possibilidade de apaziguar essas forças
através de substitutos.
Ainda no artigo Observações Sobre o Amor Transferencial, Freud
sublinha a importância do analista não satisfazer a demanda do paciente, para
que o tratamento não esteja fadado ao fracasso. Isso porque o paciente lança mão
da atuação, ou seja, repete aquilo que deve ser recordado e reproduzido enquanto
material psíquico e a atuação não abre espaço para que os conteúdos
inconscientes relacionados à sua vida erótica sejam elaborados no setting
analítico.
O amor transferencial deve ser encarado como uma situação
artificial que precisa ser atravessada ao longo da análise, pois é através dela que
chega-se aos conteúdos inconscientes. Ao mesmo tempo, esse apaixonamento
abre espaço para o surgimento de fantasias relacionadas aos desejos sexuais do
analisando, assim como suas pré-condições para amar.
Diante dessa situação de enamoramento, Freud marca a
necessidade de comunicar ao paciente o elemento da resistência presente no
amor transferencial. Pois, como já foi dito, esse amor pode estar a serviço da
resistência, já que o paciente afasta-se do interesse pelo tratamento.
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A resistência utiliza-se, então, de um amor visando suas próprias
finalidades. Assim, como em qualquer estado de enamoramento, o sujeito
repetiria, re-editaria características e reações infantis. No entanto, Freud marca
uma particularidade no amor transferencial, dizendo ser menos adaptável, ou seja,
trazendo uma dependência ainda mais nítida dos protótipos infantis.
O amor transferencial tem como especificidade, ainda, o fato deste
aparecer como produto da situação analítica, sendo ainda intensificado pela
transferência. Apesar dessas particularidades, não se pode negar o estatuto de
um amor genuíno pois, como qualquer outra forma de amor, traz em si a re-edição
de protótipos infantis, sendo vivido como tão autêntico quanto qualquer outro.
Nesse sentido, Freud enfatiza a importância do analista manter
sua posição ética diante do paciente, se pretende exercer a função a que se
propôs: ajudar o analisando rumo à cura.
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Capítulo VI
Contratransferência
Nos capítulos anteriores abordei a transferência, conceito que
tem sido usado com referência a aspectos do relacionamento entre paciente e
analista. Esse conceito refere-se e dá ênfase a processos que ocorrem dentro do
paciente e diz respeito apenas a uma das partes do relacionamento. No entanto,
nos últimos anos, a contratransferência tem sido objeto de crescente atenção nos
trabalhos psicanalíticos, especialmente quando o tratamento é descrito e
entendido como relação.
O termo contratransferência é usado no sentido geral, para
caracterizar a totalidade dos sentimentos e as atitudes do terapeuta para com seu
paciente e mesmo para descrever aspectos de relacionamentos comuns não-
terapêuticos.
Dentro da obra freudiana, esse termo foi empregado pela primeira
vez por Freud ao debater as perspectivas futuras da psicanálise em 1910:
“Nós nos temos conscientizado da contratransferência,
que surge nele como resultado da influência do paciente
sobre seus sentimentos inconscientes, e quase nos
inclinamos a insistir em que ele haverá de reconhecer
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sua contratransferência em si mesmo, e superá-la(...).
Nenhum analista vai além do que seus próprios
complexos e resistências internas lhe permitem.”
Posteriormente, Freud desenvolve o tema afirmando que o
analista deve mostrar ao paciente o mínimo possível de sua vida pessoal e
aconselhava esse a não debater suas vivências particulares:
“O médico deve ser opaco e, como um espelho, não lhes
deve mostrar nada mais do que aquilo que lhe é
apresentado.”
Também assinalou o perigo de cair na “tentação de projetar para
o exterior algumas das peculiaridades de sua própria personalidade.”
(Recomendação aos Médicos que Exercem a Psicanálise, 1912)
Da mesma forma em que a transferência era vista, no início por
Freud enquanto barreira ao tratamento e ao fluxo das associações livres do
paciente, a contratransferência era considerada sistematicamente enquanto
obstáculo ao analista em sua compreensão do paciente.
Sabe-se que Freud não deu o passo (que deu no que diz respeito
à transferência) de ver a contratransferência como instrumento útil ao trabalho
terapêutico. Isso ficou como tarefa destinada a seus sucessores.
Para Freud, somente o fato de o psicanalista ter sentimentos em
relação a seus pacientes, ou ter conflitos suscitados pelos mesmos, não
caracterizava a contratransferência. A contratransferência era vista como uma
forma de “resistência” que se manifestava no psicanalista em relação ao seu
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paciente, resistência essa devida ao surgimento de conflitos inconscientes,
motivados por aquilo que o paciente diz, faz ou representa para o analista. Ou
seja, segundo o ponto de vista de Freud, os conflitos não eram, em si mesmos,
contratransferência, mas poderiam dar-lhe origem.
Repetidas vezes, em vários artigos publicados, Freud pôs em
questão as limitações impostas ao trabalho analítico pelos pontos cegos
psicológicos do analista. Portanto, recomendou que o analista submetesse-se à
análise (“análise didática”) a fim de conseguir elaborar e superar suas
“deficiências” psicológicas produzidas pelos conflitos inconscientes não
solucionados.(A Dinâmica da Transferência, 1912). Mais tarde, acreditando que
nem isso era suficiente, sugeriu que os analistas fossem reanalisados a cada
cinco anos, aproximadamente.(Análise Terminável e Interminável, 1937). Embora
essa recomendação não seja seguida atualmente, é comum entre os psicanalistas
as segundas análises.
Na contratransferência, Freud incluía mais do que a transferência
do analista em relação ao paciente. Mesmo que um paciente possa vir a
representar a figura do passado do analista, a contratransferência poderia surgir
da incapacidade do analista em manejar adequadamente aqueles aspectos das
comunicações e do comportamento do paciente que atingem problemas internos
do analista.
Por exemplo, se o analista se sente ameaçado por seus próprios
sentimentos homossexuais inconscientes, pode sentir-se incapaz de detectar
quaisquer conteúdos homossexuais no material do paciente, ou então, realmente
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pode reagir com a indevida irritação aos pensamentos ou desejos homossexuais
do paciente, podendo desviá-lo para outro assunto etc.
O “contra” na contratransferência pode, portanto, indicar uma
reação, no analista, que significa tanto uma situação paralela à transferência do
paciente, quanto uma reação contra essa transferência.
Para finalizar, sabe-se que existem diversas linhas diferentes de
desenvolvimento a respeito da contratransferência na literatura psicanalítica
depois de Freud. No entanto, não é minha intenção, por questões de espaço,
nesse momento esgotar esse tema tão interessante, e sim falar sobre o segundo
aspecto de uma relação dual paciente-analista.
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Considerações Finais
Tive como objetivo inicial desta monografia o aprofundamento do
estudo do conceito do fenômeno clínico transferência. Ficou claro para mim,
através da leitura e no conseqüente desenvolvimento dos capítulos, as
modificações sofridas pela definição do que é a transferência na obra freudiana.
A transferência, quando bem manejada pelo analista, torna-se
ferramenta essencial ao sucesso da terapia. Ao contrário, quando o referido
analista não é capaz de trabalhá-la convenientemente, pode o paciente desistir de
levar a cabo o tratamento e aí, inevitavelmente, a análise encontra-se fadada ao
fracasso.
Gostaría, então, de destacar os aspectos mais relevantes, de
forma resumida mas sem minimizar a complexidade do tema.
Inicialmente, Freud encarou a transferência como um obstáculo ao
processo de cura. Com o tempo, e com sua constante observação desse
fenômeno na clínica – mais especificamente a partir do Caso Dora , Freud
percebeu que a transferência seria uma atualização do passado no
relacionamento analítico. Portanto, servindo como agente terapêutico – na medida
em que aparece como material a ser trabalhado – e já estando presente no setting
analítico desde o início do tratamento.
Sendo assim, concluímos através deste trabalho que o fenômeno
transferencial entre os pares faz parte da condição humana e a psicanálise utiliza-
se dela na relação analítica.
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Referências Bibliográficas
Freud, S. __ A Dinâmica da Transferência (1912), vol. XII.
__ Além do Princípio do Prazer (1920), vol. XVIII.
⎯ Análise Terminável e Interminável (1937), vol. XXIII.
⎯ Conferência XXVII (1916-1917), Vol. XVI.
⎯ Conferência XXVIII(1916-1917), Vol. XVI.
⎯ Construções em Análise (1937), vol. XXIII.
⎯ Observações Sobre o Amor Transferencial (Novas recomendações sobre
a técnica da psicanálise III)). (1915 [1914]), vol. XII.
__ O Método Psicanalítico (1904 [1903]), vol. VII.
⎯ Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise (1912), vol.
XII.
⎯ Recordar, Repetir e Elaborar (novas considerações sobre a técnica da
psicanálise II). (1914), vol. XII.
⎯ Sobre a Psicoterapia (1905 [1904]), vol. VII.
⎯ Sobre o Início do Tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da
psicanálise I). (1913), vol. XII.
Em Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1995.
Laplanche e Pontalis - Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
VIDERMAN, S. A Construção do Espaço Analítico – São Paulo: Escuta,
1990.
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes
Título da Monografia: A Transferência e a Contratransferência na Obra
de Sigmund Freud
Autora: Tatiana Luisa Cerqueira da Silva
Data da entrega: Conceito:
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