Edison Cardoso Lins
Ensino Médio no Brasil: aspectos históricos, legais e questões do período noturno (1971-2006)
UNISAL Americana
2007
Edison Cardoso Lins
Ensino Médio no Brasil: aspectos históricos, legais e questões do período noturno (1971-2006)
Trabalho apresentado ao Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli.
UNISAL Americana
2007
Lins, Edison Cardoso L731e Ensino Médio no Brasil: aspectos históricos, legais e
questões do período noturno (1971-2006) / Edison Cardoso Lins. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2007.
159 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNISAL – SP. Orientadora: Profa Dra Mara Regina Martins Jacomeli. Inclui bibliografia. 1. Ensino médio. 2. Ensino noturno. 3. Educação – Brasil –
História. 4. Legislação educacional – Brasil. I. Título.
Catalogação elaborada por: Terezinha Aparecida Galassi Antonio, bibliotecária do Centro UNISAL – UE – Americana – CRB-8/2606.
COMISSÃO JULGADORA
Profa. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli Orientadora
Prof. Dr. Marcos Francisco Martins Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL)
Prof. Dr. José Claudinei Lombardi Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
AGRADECIMENTOS
À minha família, especialmente ao meu pai (in memorian) e à minha mãe, que
em seus limites me direcionaram para uma vida com dignidade.
Para Beatriz, Bárbara e Julia com a esperança de que tenham um ensino
médio melhor.
À Mara, orientadora ímpar, pela motivação acadêmica, firmeza, paciência.
Ao Programa Bolsa Mestrado da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo (SEE-SP), pela viabilização, apostando na aplicação prática dos
apontamentos deste trabalho.
Aos meus amigos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pelo
apoio moral e prático, relevante na construção do projeto expresso nesta
dissertação.
À Valéria, garota de 16 anos, personagem (real?) do filme Pro dia nascer feliz,
que representa boa parte dos alunos do ensino médio brasileiro, para os quais
o esforço para que o heróico talento não mais seja em vão.
Aos meus colegas, professores do ensino público, com otimismo “pé no chão”
e esperança na reversão de um quadro educacional adverso.
RESUMO
A presente pesquisa aborda o ensino médio brasileiro em três aspectos: sua história, sua legislação no final do século XX e questões concernentes à versão noturna do nosso ensino médio. Os dois primeiros fatores têm relevância para a compreensão da problemática que perpassa por este nível de ensino, problemática essa que tem estado na pauta de preocupações de quem nele atua e sempre nos discursos de representantes do poder público em seus diferentes níveis. A verificação de sua trajetória histórica recente, a partir da legislação educacional brasileira – 1971 a 1996 –, permite visualizar como se deu o tratamento a uma questão contraditória expressa em uma visível dualidade de múltiplas faces. Uma das faces da dualidade está no ensino médio noturno. Deve o ensino médio ser propedêutico ou profissionalizante? Como esta questão aparece na legislação? E o ensino médio noturno que sequer é tratado de forma específica em pontos essenciais da legislação? Importante a inserção dessa temática na perspectiva diferenciadora do Programa de Mestrado no qual a pesquisa se desenvolveu, isto é, a questão sociocomunitária. Esta deve sempre ser acompanhada de uma visão crítica, não propiciando o estar a serviço de estratégias que visem diminuir ou substituir papéis que devem ser do Estado. Entendemos que tal estudo possibilita a compreensão de alguns aspectos complexos desse segmento educacional, considerado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) como a etapa final da nossa educação básica. O estudo realiza-se em tempos de tentativas de injetar algum ânimo objetivo na nossa educação, como ocorre agora com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e também iniciativas mais específicas, como as da Secretaria de Estado da Educação (SEE-SP), que tem apresentado propostas para o ensino médio. O potencial desses investimentos não é plenamente alcançado, uma vez que não é levada em conta, às vezes nem mesmo parcialmente, uma revisão que faça superar equívocos anteriores. Conseqüência: a manutenção de permanentes indefinições no ensino médio. Quanto ao período delimitado para os estudos, localizado entre duas legislações importantes – a lei n. 5.692/71 e a LDB n. 9.394/96 – e intermediado por uma minirreforma, a lei n. 7.044/82, tem grande relevância pelo que significou dada a influência que essas leis exercitaram e pelos contornos decisivos que assumem no período histórico situado entre o final do século XX e início do século XXI.
Palavras-chave: Legislação Educacional Brasileira, História da Educação Brasileira, Ensino Médio e Dualidade, Educação e Trabalho, Ensino Médio Noturno, Educação Noturna, Educação Sociocomunitária.
ABSTRACT
The current research analyzes the Brazilian “ensino médio” (equivalent to High School level) in regard of three different aspects: historic development, legislatory framework by the end of the 20th century and also analyzes some issues regarding schooling at night-time. The first two aspects are important to establish connections and trends for this school level. These concerns have been often present among those who are enrolled with the education system and always in the political arena. The verification of its recent historical trajectory, especially after the Brazilian Educational Legislation, from 1971 to 1996 – how this subject was evaluated expresses a clear duality of multiple layers. One of those duality layers is present on schooling at night-time. Should High School in Brazil promote a preparatory or a technical background? How is this question treated on the legislatory framework? What about schooling at night-time without a specific treatment in some essential legislatory aspects ? It is important the insertion of this issue in a differential perspective of the Master in Science program where the research has been developed, ie, the social question. This question has to be accompanied by a critic look and not to substitute or diminish the state control over the issue. We understand that the present study makes possible the comprehension of some complex aspects of this educational segment, which is considered by the LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) as the final step for the basic educational system. The study was developed in an attempt to boost some objectives in our educational system as it is proposed by the PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) and also some more specific initiatives as from the SEE-SP (Secretaria de Estado da Educação), which has presented some new proposals for high school level. The maximum potential of those investments is not totally reached since previous equivoques are taken for granted. The consequence is a perennial maintenance of conflicts in the high school level. As for the time frame of this study, in between two important legislatory acts – law n.5692/71 and LDB n. 9394/96, it is relevant to note its significance due to the great and decisive influence of these laws in the period between the end of the 20th century and the beginning of the 21st century. Key words: Brazilian Educational legislation, History of the Brazilian Education, Education and Work, Nocturnal Education in High Scholl, Education Part Comunitarian
Lista de gráficos
Gráfico 1: Distribuição percentual de ingressantes da UNICAMP que freqüentaram cursinho ..55 Gráfico 2: Proporção dos alunos que abandonaram os estudos.................................................96
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuição dos alunos de ensino médio matrículas nas redes..................................30 Tabela 2: Alunos que fizeram cursinho pré-vestibular e ingressaram na UNICAMP (1996 a 2006) ............................................................................................................................................55 Tabela 3: Matrícula inicial no ensino médio por dependência administrativa no Brasil – Anos Escolhidos ....................................................................................................................................94 Tabela 4: Brasil: Ensino médio – matrículas estimadas (em milhares).......................................95 Tabela 5: Ensino médio – matrículas por dependência administrativa .....................................111 Tabela 6: Matrículas (absoluta e relativa) no curso noturno por dependência administrativa ..112 Tabela 7: Tabela com quadro de salas noturnas em Campinas ...............................................116 Tabela 8: Escola 1 .....................................................................................................................116 Tabela 9: Escola 2 .....................................................................................................................116 Tabela 10: EJA no Brasil – número de matrículas ....................................................................118
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Quadro comparativo – processo percorrido legislações 1971-1996 ............................5 Quadro 2: Quadro Comparativo/Ensino Médio/Diurno – Noturno ...............................................31 Quadro 3: Quadro comparativo – conceitos politecnia e profissionalização ...............................93 Quadro 4: Perfil do alunado noturno – CEPK-RJ ......................................................................123 Quadro 5: Aulas desmotivadoras: razões que os professores apontam...................................138
LISTA DE SIGLAS
ABE..................Associação Brasileira de Educação
ANPEd .............Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação
EJA ..................educação de jovens e adultos
BIRD ................Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM ...................Banco Mundial
CEDOC............Centro de Documentação
CEE .................Centro Estadual de Educação Supletiva
CENP...............Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
DCNEM............Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
EE ....................Escola Estadual
EMR.................Ensino Médio em Rede
ENEM ..............Exame Nacional do Ensino Médio
FMI...................Fundo Monetário Internacional
HISTEDBR.......Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e
Educação no Brasil”
IBGE ................Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP ................Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
LDB..................Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC.................Ministério da Educação
MTb..................Ministério do Trabalho
OCDE ..............Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico
PCNs ...............Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE .................Plano de Desenvolvimento da Educação
PRODEM .........Programas de Desenvolvimento do Ensino Médio
PROUNI...........Programa Universidade para Todos
SEE/SP............Secretaria Estadual de Educação/São Paulo
UNESCO .........Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura
UNICAMP ........Universidade Estadual de Campinas
UNICEF ...........Fundo das Nações Unidas para a Infância
USAID..............United State Agency for International Development
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................1
CAPÍTULO 1 PROBLEMATIZANDO QUESTÕES SOBRE O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO....................................................................................................13
1.1. Os pressupostos curriculares........................................................................... 18
1.2. Dualidades e contradições agora universalizadas............................................ 35
CAPÍTULO 2: O FRACASSO DA PROFISSIONALIZAÇÃO COMPULSÓRIA AMPLIA A DUALIDADE DIURNO–NOTURNO. A LEI N. 5.692/71 E A LDB N. 9.394/96............................................................................................................63
2.1. A lei n. 5.692/71 – A profissionalização compulsória não alcançada e seu devastador efeito educacional ................................................................................ 64
2.2. A LDB n. 9.394/96: novas roupagens para velhas contradições ...................... 80
CAPÍTULO 3: O ENSINO MÉDIO NOTURNO, DIFERENCIAIS E PROBLEMAS.................................................................................................103
3.1. Caracterização do ensino médio noturno....................................................... 103
3.2. O perfil do aluno do ensino noturno ............................................................... 121
3.3. Uma crítica à diuturnização do ensino médio noturno .................................... 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................143
REFERÊNCIAS ..............................................................................................148
1
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é considerar, à luz de aspectos históricos e
legais, o resultado provocado no ensino médio brasileiro – sobretudo o noturno
– por três revisões na legislação educacional ocorridas entre os anos de 1971 e
1996.
A produção acadêmica da nossa história da educação tem
reiteradamente apontado que, a despeito das três revisões na legislação
ocorridas nesse período, persiste na educação básica brasileira uma dualidade:
afinal, o ensino médio deve ser propedêutico, abordando tão-somente
conteúdos básicos das áreas de humanidades, exatas e biológicas, ou deve
ser profissionalizante, preparando o aprendiz para o mundo do trabalho ao
mesmo tempo em que o introduz em disciplinas gerais?
A importância de uma pesquisa de tal envergadura justifica-se no fato de
que o ensino médio é o segmento educacional brasileiro que registrou o maior
número de matrículas no decênio 1996-2006, fazendo com que problemas
antigos assumissem dimensões ainda mais preocupantes, já que parte desses
problemas, alguns bastante crônicos, tomou proporções equivalentes ao
expressivo crescimento do número de matriculados. Assim, ressalvando a
tendência de queda no número de matriculados em anos mais recentes, esta
pesquisa realiza-se num momento em que dados do MEC indicam que há hoje
cerca de 9 milhões de alunos cursando esse nível da educação básica, o que
significa o maior número de matriculados já havido no Brasil.
Embora muito tenha já sido analisado e o continue sendo sobre o ensino
médio brasileiro, ainda o é bem menos que a quantidade de estudos sobre
2
outras questões do nosso universo educacional. E há bem menos estudos e
pesquisas sobre o ensino médio noturno. Por isso mesmo a bibliografia
levantada, em boa parte incorporada ao texto dissertativo, é integrada por
alguns trabalhos pouco citados em estudos similares. Mas é o ensino médio
brasileiro que incorpora, entre outros aspectos, esperanças e anseios de
jovens, ponto permanente em pautas específicas da educação brasileira.
Uma outra categoria presente nesse segmento escolar e que
possibilitaria um interessante estudo acadêmico é a convivência entre jovens
que acabam de concluir o ensino fundamental e são direcionados de forma
natural para o ensino médio noturno, por terem necessidade ou interesse em
exercer uma atividade profissional, bem como um outro segmento que é
direcionado de forma imposta para o noturno, por razões disciplinares ou
diferença na faixa etária. Também há os adultos que retornam aos estudos em
faixa etária bastante acima do previsto para esse nível de ensino e já vivendo
uma outra etapa da vida.
Assim a preocupação com as diversas questões que permeiam nosso
ensino médio, e algumas serão aqui abordadas, tem bastante ressonância
junto à sociedade, visto serem pertinentes para vastos segmentos sociais.
Na tentativa de tornar a pesquisa metodologicamente viável, o período
delimitado para estudo está localizado entre duas legislações importantes para
a educação básica nacional: a lei n. 5.692/71 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96, intermediadas por uma minirreforma, a
lei n. 7.044/82. Como fica evidente, a pesquisa objetiva tornar claras as
alterações promovidas na esfera educacional pelas revisões na legislação
ocorridas entre os anos de 1971 e 1996.
3
A legislação desse período tem grande relevância pelo que significou,
dada a influência que essas leis exercitaram e pelos contornos decisivos que
assumem no período histórico situado entre o final do século XX e início do
século XXI. As leis educacionais podem explicar, à luz de uma revisão crítica,
em seu texto e em seus resultados efetivos, algumas das causas de várias
questões complexas e recorrentes em relação ao ensino médio brasileiro. Tais
pressupostos, em expressões mais formais, estão reconhecidos no próprio site
do Ministério da Educação (MEC), indicando a necessária revisão do ensino
médio, em análises e apontamentos teoricamente corretos, mas que não
promovem as mudanças esperadas:
[...] repensar o Ensino Médio na perspectiva interdisciplinar. Consideramos importante que cada escola faça um retrato de si mesma, dos sujeitos que a fazem viva e do meio social em que se insere, no sentido de compreender sua própria cultura, identificando dimensões da realidade motivadoras de uma proposta curricular coerente com os interesses e as necessidades de seus alunos. Afinal, a escola faz parte do conjunto social em que está inserida e deve se comprometer, também, com seus projetos. Sem nunca esgotar-se em si mesma, a dimensão local pode ser uma dimensão importante do planejamento educacional, integrado a um projeto social comprometido com a melhoria da qualidade de vida de toda a população.
A tentativa permanente de melhoria dos diversos níveis e modalidades
de ensino e da escola como um todo é, em tese, objetivo invariavelmente
perseguido pelo MEC, nos discursos e chamamentos educacionais, em todas
as etapas das sucessivas reformas educacionais. Falta, entretanto, uma
revisão objetiva da trajetória da nossa educação média ao longo de sua história
legal. Por isso, buscam-se soluções para o seu gerenciamento. A chamada
universalização, por exemplo, na forma como tem sido apresentada, tende a
ser falaciosa se não forem levadas em consideração todas as soluções e os
problemas vividos na história da caracterização do ensino médio brasileiro. A
escola brasileira só será efetivamente universal se houver melhoria qualitativa
4
e inclusiva em definitivo, visto que os altos e persistentes índices de evasão
desmentem ou contradizem a chamada universalização e o processo de
inclusão divulgados. Como afirma Berger (2003, p. 233), “a expansão do
ensino médio curva-se ao princípio constitucional da eqüidade, porém, em
educação, não há eqüidade sem qualidade”.
É preciso que a melhoria da qualidade educacional se dê também
mediante a parceria com aqueles que vivenciam o cotidiano da escola, dos
sistemas públicos locais e dos que vêm produzindo análises consubstanciadas
na pesquisa sobre a realidade educacional. Assim sendo, é mais provável
supor que, coletivamente e à luz de vários aspectos, sejam obtidos melhores
meios para atingir objetivos, avaliar processos e resultados do ensino e ajustá-
los às demandas educacionais, na dimensão de prioridade social que a
educação enseja.
Tal desafio, embora aparentemente óbvio, encontra barreiras imensas, a
começar pelas que decorrem das ingerências de organismos financiadores tão
presentes nas últimas décadas na educação brasileira. Neste contexto, são
indispensáveis, em primeiro lugar, a reflexão acerca do ensino médio como um
todo, e do noturno em particular, e posteriormente, a constituição de parcerias
entre instâncias que efetivamente trabalhem pela superação do quadro de
adversidades que permeiam nosso ensino médio, de forma que sejam
construídas novas políticas públicas que atendam de forma efetiva às
demandas desse nível e modalidade de ensino. Entendemos, por exemplo, que
a chamada dualidade central se refere ao real papel do ensino médio,
propedêutico ou profissionalizante, que se expressa em outras diferenciações,
noturno ou diurno, diferenciações entre o ensino ofertado nas escolas públicas
5
e nas particulares. Observa-se ainda que as referidas leis foram
regulamentadas por normativos complementares que ora ratificam e ora tentam
retificar algumas das questões apontadas como parte da problemática geral.
Observamos um resumo disso no quadro comparativo a seguir, que sintetiza as
principais leis no período e o processo político que envolveu suas alterações ou
aprovações:
Quadro 1: Quadro comparativo – processo percorrido legislações 1971-1996
1. Lei n. 5.692/71 – 11/08/1971 – Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus Profissionalização compulsória
Aprovada pelo Congresso Nacional mas em regime de decurso de prazo – ditadura militar
2. Lei n. 7.044/82 – 18/10/1982 – revoga a profissionalização compulsória
Aprovada pelo Congresso Nacional
3. Lei n. 9.394 – 20/12/1996 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Política conciliatória, pragmática, terminologias sintonizadas
Discutida e aprovada pelo Congresso Nacional
A metodologia utilizada para a pesquisa centra-se na revisão
bibliográfica sobre o assunto, buscando interpretar e avaliar a legislação
apontada no Quadro 1. Dessa forma, busca-se um aporte teórico que nos
permita entender o processo histórico de imbricação entre legislação e
resultados práticos na escola, tanto na esfera administrativa, quanto nas
esferas pedagógica e discente. Por isso, são destacados tanto autores que
estudam a legislação educacional e o ensino médio – a exemplo de Dagmar
Zibas (1993, 2001, 2002, 2005a, 2005b), Clarice Nunes (1991, 2000, 2002) e
Acácia Kuenzer (1997, 2000a, 2000b, 2002, 2004), entre outros – quanto
pesquisadores do processo histórico-pedagógico mais estrutural – como
Dermeval Saviani (1980, 1987, 1997, 2005a), Phillipe Perrenoud (2000a,
6
2000b), Paolo Nosella (1997, 2002) e Miriam Jorge Warde (1983, 1993, 1997),
entre outros.
Entende-se que tal revisão bibliográfica e histórica deve estabelecer
sintonia com o cotidiano do universo educacional em análise, e considerar que
o projeto apresentado visa investigar e apontar as condições específicas do
ensino médio como um todo e do período noturno, em especial suas propostas
e expectativas, seu resultado prático e efetivo – sobretudo no ensino médio
ministrado pelas escolas públicas –, suas contradições e complexidades e suas
diferenças em relação ao ensino médio oferecido no período diurno.
Portanto, na dimensão metodológica desta pesquisa, a escolha por
trilhar o caminho da revisão bibliográfica deve-se primeiramente ao fato de que
a presente dissertação se constrói a partir de cursos sobre a história da
educação brasileira; posteriormente, em virtude da constatação quase imediata
de que na ausência de consideração de aspectos históricos nas reformas da
nossa legislação educacional, bem como na adoção das nossas políticas
educacionais, há uma sentida ausência de observação rigorosa de aspectos
históricos e da revisão que se faz necessária em relação a essa história. A
fundamentação conceitual que sustenta tal opção está no reconhecimento de
que tal tipo de pesquisa é mais do que mera coleta de dados sobre o tema em
análise.
Compreender as complexidades atuais do ensino médio requer antes
observar sua trajetória não só ao longo do período delimitado, mas também
sobre sua trajetória mais abrangente, para que a contribuição que se espera
apresentar se efetive a partir do conhecimento histórico do tema, dos conceitos
e dos pressupostos que constituíram elementos do objeto de estudo, que se
7
compreendam algumas razões dos fracassos ou dos êxitos e a partir desse
reconhecimento se estabeleçam propostas ou sugestões. Reportamo-nos aqui
aos apontamentos de Groppo e Martins (2007, p. 43) quando definem que a
pesquisa bibliográfica requer que a trabalhe como:
pesquisa exploratória para a definição do tema...Esta servirá para a demarcação do referencial teórico, para a escolha de obras que fizeram discussões análogas às propostas pelo projeto e, às vezes, conforme a natureza e do problema, para a seleção das fontes...Se estas obras fornecerem dados fundamentais para o problema de pesquisa, aí elas se tornam fontes.
Foi com esse foco que o presente trabalho se constituiu, permitindo o
levantamento de aspectos históricos, legais e questões relacionadas ao ensino
médio como um todo, direcionando sobretudo para o noturno.
A pesquisa bibliográfica foi relevante para a compreensão e
contextualização de um dos fatos motivadores do tema, que foi a observação
de um acontecimento referencial, mas não único ou isolado: um processo
recente de seleção de jovens para trabalhar em um grande centro comercial de
Campinas apresentou a observância de contratação de jovens que faziam
parte dos chamados alunos oriundos do ensino médio diurno de uma escola
pública próxima ao centro comercial em questão. Além do horário disponível
para o trabalho, possivelmente o período vespertino – que evidencia a forte
disputa que ocorre entre optar pelo ensino ou pelo trabalho para sobrevivência,
expondo também a relação, por vezes equivocada, entre a escolaridade e a
empregabilidade –, considerando a visão apresentada por selecionadores que,
resumidamente, assim se expressa: “o aluno do diurno recebe um ensino de
qualidade melhor quando comparados com alunos do ensino médio noturno”.
Esse fato não é isolado do contexto histórico que constituiu as
perspectivas do alunado do ensino médio. É neste ponto que a revisão
8
bibliográfica enquanto método permite situar tal fato como decorrente de um
processo histórico. Assim, a pesquisa aqui desenvolvida avança no
apontamento de ações que possam gerar interferência na realidade analisada.
Os dados anteriormente conhecidos e agora sistematizados na perspectiva da
história da nossa educação e das várias questões que fazem parte da trajetória
histórica podem corroborar algumas constatações advindas da prática. Isso
considerando que o objetivo é propor, para o ensino médio, algumas
modificações, tanto em alguns parâmetros curriculares quanto em conteúdos e
projetos, e evidenciar o tratamento específico necessário ao ensino médio
noturno.
Embora o foco do trabalho seja referente a período mais recente, final do
século XX, convém não dissociar tal período do que ocorreu antes, conforme
registros e pesquisas na história da nossa educação, e que nos informa que
algumas das questões sobre o ensino médio brasileiro, ainda em pauta, já o
estavam nos tempos em que Anísio Teixeira (1900-1971) e outros intelectuais
que, entre outras instâncias, passaram pela Associação Brasileira de Educação
(ABE), fundada em 1924. Esses pensadores da nossa educação tinham em
comum o fato de serem defensores de idéias cuja concepção essencial
expressava que o objetivo das escolas secundárias não deveria ser apenas
formar a elite intelectual, idéia então hegemônica. Francisco Campos promoveu
reforma relevante, no tempo do Estado Novo getulista, no qual houve
estruturação do ensino secundário em duas variáveis, propedêutico ou
profissionalizante, marco histórico que acentuou – ou oficializou – aquilo que há
décadas se denomina “dualidade do ensino médio brasileiro”.
9
Quando da reforma da instrução pública do Rio de Janeiro, no contexto
da reforma à qual nos referimos no parágrafo anterior, houve introdução do
ensino profissionalizante técnico, anteriormente incluído no sistema de ensino
primário do governo do município, passando a ser de nível secundário,
agregando aos cursos práticos já existentes, cursos de cultura geral, criando
assim uma nova proposta de ensino secundário. Procurou ainda ampliar as
matrículas no nível secundário, consolidando-o no sistema entre o primário e o
superior. Tais questões podem ser verificadas nos decretos n. 3.673 e n. 3.804,
respectivamente de fevereiro e de abril de 1932. No período de 1931 a 1934 o
número de alunos em escolas técnicas secundárias praticamente dobrou,
passando do número de 2.310 para 5.026 (NUNES, 1991).
Dessa forma, com as devidas atualizações contextuais e seus devidos
resguardos, o debate atual sobre o nosso ensino médio tem similaridades a
indicar, já que no nosso entendimento ainda não houve a superação da
dualidade crônica – formação profissionalizante x ensino propedêutico – e que
nesta primeira década do século XXI se tornou ainda mais complexa em
cenários de globalização econômica e de vinculação cada vez mais
direcionada à idéia de empregabilidade. Considere-se, como contraponto a
essa vinculação, na verdade como fator de problematização, que há estudos
econômicos recentes apontando diversos formandos no ensino superior
exercendo funções que exigem como escolaridade de nível médio.
Considerando tudo o que foi levantado até este ponto, esta dissertação
foi sistematizada da seguinte forma: o início, 1971, coincide com as alterações
legais promovidas pelo governo militar da época no ensino médio brasileiro. A
legislação educacional forjada pelos militares orientou até bem pouco tempo a
10
nossa educação. Só houve significativa alteração a partir da LDB 1996, período
final deste estudo.
No primeiro capítulo são apontadas e problematizadas questões
relativas ao caráter propedêutico e profissionalizante concernentes ao ensino
médio. São considerados alguns dos pressupostos curriculares e as dualidades
e contradições na dimensão do que se chamou reiteradamente de
“universalização do ensino médio”, compreendida em suas diversas instâncias,
como permitir o acesso a todos os jovens na faixa etária indicada para
freqüentá-lo, bem como possibilitar os estudos a jovens e adultos que
retomaram seus estudos ou que o iniciaram fora da idade prevista como mais
indicada.
O segundo capítulo aborda de forma mais específica a lei n. 5.692/71 e
a LDB n. 9.394/96, que, embora situadas em períodos políticos distintos, têm
em comum o fato de não terem viabilizado a superação dos problemas e, em
alguns aspectos, como pode ser verificado ao longo do capítulo, provocar
outros problemas que ainda se refletem na atualidade e que decorrem do
fracasso na tentativa compulsória de profissionalização, presente na lei de
1971. A reforma do ensino médio brasileiro ganhou contornos de objetivo
prioritário na política educacional do governo federal, em especial a partir da
LDB n. 9.394/96, conforme podemos encontrar na documentação e nos
discursos oficiais. Ainda assim, verifica-se na LDB de 1996 a persistência de
alguns dos problemas, especialmente a visão dual sobre qual deve ser o papel
do ensino médio e as conseqüências que disso decorrem, num processo que
assume novas roupagens, mas no qual ocorre a manutenção de antigos
problemas.
11
No terceiro capítulo tratamos da versão noturna do ensino médio,
caracterizando-a, analisando alguns de seus aspectos, tal como o perfil
específico do aluno do noturno. Nesse capítulo é analisado em profundidade o
processo óbvio de diuturnização do referido período, demonstrando que nele
se acentua um processo de exclusão e promoção de desigualdades, como
revelam os números de ingresso em uma universidade pública de referência
nacional localizada em Campinas (SP). O capítulo também propõe uma
superação a essa problemática, que passa necessariamente por uma
estratégia que considere as especificidades desse período sem que aposte
numa versão simplificadora ou reducionista do ensino noturno. Coube-nos, ao
longo do trabalho, perguntar reiteradamente: de que forma tais questões são
tratadas no que concerne ao ensino noturno?
Por fim, são feitas algumas considerações finais sobre o trabalho,
procurando entender de que forma tal estudo possibilita uma melhor
compreensão de alguns aspectos complexos existentes no segmento
educacional estudado, considerado pela LDB de 1996 em vigor como a etapa
final da nossa educação básica. São aspectos que ainda se fazem presentes
na extensa pauta de problemas educacionais brasileiros. O governo federal
busca injetar algum ânimo objetivo na nossa educação, como ocorre agora
com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), anunciado com
entusiasmo em abril de 2007 e avaliado por parte da mídia e de algumas
correntes educacionais com potenciais perspectivas de avanços e de
resultados positivos. Considerem-se ainda outras iniciativas mais específicas,
como as da Secretaria de Estado da Educação (SEE-SP), que tem
apresentado propostas de modificações para o ensino médio, tais como
12
complementação de aspecto profissionalizante para o ensino noturno. As
premissas indicadas inicialmente e o potencial desses investimentos não se
alcançam plenamente, uma vez que não são levados em conta os equívocos
anteriores decorrentes da tentativa de profissionalização compulsória ou de
tratar separadamente questões que na realidade são naturalmente
complementares, ou ainda desconsiderar as diferenciações entre os períodos
diurno e noturno. Possivelmente tais considerações em relação a medidas ou
decisões anteriormente implantadas poderiam reduzir a continuidade ou a
reprodução, em novos termos, de alguns desses equívocos.
Enfim, ao nos debruçarmos sobre a história da nossa educação e a
legislação do período verificamos que o ensino médio noturno é pouco
abordado. Não há para ele direcionamentos específicos nas leis, não obstante
seja ele o segmento a contar com o maior número de matriculados. Avaliar as
razões desse esquecimento e propor algumas providências é a meta deste
trabalho, a partir da bibliografia e de documentos, o que determina a
metodologia de pesquisa que referencia o presente trabalho.
13
CAPÍTULO 1
PROBLEMATIZANDO QUESTÕES SOBRE O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO
A presente pesquisa considera aspectos históricos e legais do ensino
médio brasileiro, no período circunscrito entre os anos de 1971 e 1996. A
análise pretende verificar como se deu, na legislação oficial do período, a
organização legal do ensino médio brasileiro. Verifica-se assim um quadro
desafiador pelas contradições e pelos problemas instigantes, que persistem ou
se ampliam em conseqüência da forma imediatista e até mesmo superficial,
posto que isso ocorre como resposta e, por vezes, ao sabor de interesses
difusos com que o referido nível de ensino é tratado. Trata, enfim, da
problemática que acompanha a finalização do processo de nossa educação
básica, como define a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
em vigor. Tal quadro foi-se constituindo desde os primórdios da nossa
educação. Interessa, no entanto, ao presente trabalho o período final do século
XX. A problematização com a qual apontamos para uma melhor compreensão
sobre a questão pesquisada considera que a chamada dualidade principal, à
qual já nos referimos na Introdução deste trabalho, se expressa hoje em outras
múltiplas questões do universo educacional citado. Qual é o efetivo resultado
provocado pela legislação, em especial no período delimitado para verificação
das leis mais importantes? E, na prática, quais resultados decorrem no
cotidiano escolar? Que encaminhamentos podem ser indicados para que a
dicotomia, origem de tantas contradições, possa ser mais bem equacionada ou,
quem sabe, até mesmo superada? São aspectos que desafiam e,
14
dimensionados numa perspectiva histórica, ainda se fazem presentes, há
bastante tempo, na extensa pauta de nossos problemas educacionais. A idéia
do presente trabalho e investigação acadêmica é verificar em que medida a
legislação, por vezes a pretexto de superar questões crônicas, na verdade as
reforçam. Apesar de metodologicamente não se enquadrar nesta classificação,
como numa espécie de estudo de caso este trabalho aprofunda um pouco na
questão do ensino médio noturno, mostrando o caráter compensatório que
atravessa seu surgimento e os reflexos dele na sua atual configuração, suas
dificuldades e, ao mesmo tempo, suas imensas possibilidades quando se
aposta em uma revisão séria que resulte em dar ao ensino médio estatura
própria, respeitando a realidade das escolas e dos atores que nele atuam.
Conforme se aludiu na Introdução desta dissertação, assume-se que as
leis do período em estudo podem explicar as causas de questões complexas
levantadas atualmente em relação ao ensino médio brasileiro. Recorremos
aqui, em termos de fundamentação teórica, ao citado por Kuenzer (2000a):
A história do Ensino Médio no Brasil tem sido marcada pelas dificuldades típicas de um nível que, por ser intermediário, precisa dar respostas à ambigüidade gerada pela necessidade de ser, ao mesmo tempo, terminal e propedêutico. Embora tendo na dualidade estrutural a sua categoria fundante, as diversas concepções que vão se sucedendo ao longo do tempo refletem a correlação de forças dominantes em cada época, a partir da etapa de desenvolvimento das forças produtivas. (p. 49).
Embora tenha exercido forte influência por décadas, esse padrão de
intervenção, no entanto, passa a sofrer fortes críticas a partir dos anos de
1980, sobretudo gerando uma crise no modelo de Estado centralizado,
acompanhada de uma crise na concepção de suas funções e de seus papéis:
de solução para todos os problemas de desigualdade intrínsecos ao
capitalismo. O Estado, em boa medida diante das imposições de revisão do
15
seu papel, passa a ser o problema central dessa crise. Tais fatores exercem
forte influência em diversos momentos das nossas reformas educacionais,
como evidenciam itens da nossa legislação, com menor ou maior intensidade
em diversos momentos, aqui investigados, com reflexos na forma de
contradições, de forma ainda mais acentuada no ensino médio noturno.
Um outro aspecto a considerar no universo do ensino médio brasileiro é
a diversidade de modalidades existentes na sua oferta. E se tal segmento
educacional é etapa final da educação básica, é preciso avaliar também as
especificidades e diversidades entre seu alunado. Entretanto, há de se levar
em conta que o enunciado, o proposto e o sugerido pela lei nem sempre têm,
na prática, papel de ação vertical, isto é, o pretendido pela lei nem sempre
corresponderá ao que ocorre na prática. Questão que se torna ainda mais
complexa a considerar as perenes indefinições que cercam esse período de
formação, pois a aplicação de determinada lei passa por interpretações
diversas, possibilidades práticas e efetivas de implementação. Embora, por
exemplo, a atual LDB defina o ensino médio como etapa final da chamada
educação básica, isso ocorre efetivamente no cotidiano do nosso processo
escolar? Sobre isso, Demo diz:
[...] quanto ao ensino médio, definido como etapa final da educação básica, continua enredado na visão antiga de curso de passagem, contradizendo já nisto a noção de etapa final de um ciclo. (2004, p. 89).
Esse conceito é enfatizado por Oliveira (1998) como noção relevante. E
ser um curso de passagem para uma etapa ainda indefinida faz ampliar as
contradições decorrentes dessa dualidade. A “terminalidade em termos de
profissionalização é apenas possibilidade e o ser propedêutico se perde em
generalidades arcaicas” (COLCLOUGH, 2000, p. 101). O ensino médio, em
16
termos curriculares, tem sido organizado com ares e aspectos de continuísmo
do que foi estudado no fundamental, em um contingente bastante diversificado
de disciplinas. É preciso levar em conta ainda algumas das faces da oferta do
segmento escolar aqui em estudo. Por exemplo, é o ensino médio público que
acolhe a maioria dos alunos no Brasil. Considere-se ainda que parcela
significativa desse alunado esteja matriculada em período noturno, que nos
últimos anos tem apresentado queda consistente de matriculados com
fechamento de salas de aula em virtude da diminuição de demanda. Há
também a oferta de ensino privado, de custo, no geral, bastante elevado para
parcela majoritária da nossa população e, assim, altamente seletiva. A
qualidade de formação entre tantas diferenciações, inclusive de ordem social,
contribui para que o termo dualidade tenha de ser verificado em extensão mais
abrangente.
E ainda há o ensino médio comum e o de ensino técnico; este último
atrai parcela considerável de jovens na perspectiva da empregabilidade mais
imediata, quando se compara aos resultados obtidos pelos formandos pelo
ensino médio comum. A diversidade poderia ser um fator positivo não fosse
difuso, contraditório e, sobretudo, reflexo das nossas desigualdades sociais,
expressas em um segmento educacional premido entre o fundamental e que,
na outra ponta, encaminha para o mercado de trabalho ou para cursos
superiores. Ocorre ainda que o ensino técnico, sobretudo o público, é
altamente concorrido em razão da grande demanda diante da escassez de
suas vagas. Considere-se ainda que parte expressiva dos jovens que, após o
ensino médio, ingressam no ensino superior o faz no sistema privado. As vagas
em universidades públicas são também intensamente disputadas. Iremos
17
abordar, nesta pesquisa, de forma mais específica, aspectos da clientela do
ensino médio público, suas expectativas em relação ao ensino médio e as
diferenças entre o ensino médio diurno e o noturno.
É necessário registrar que neste caminhar da primeira década do século
XXI, além dos reflexos decorrentes da legislação, houve a intensificação das
discussões sobre cotas e programas de inclusão no ensino superior público e
de expressivo crescimento de vagas no ensino superior privado, em diversas
áreas e cursos, alguns com claro sentido mercadológico. Programas como o
Programa Universidade para Todos (PROUNI), no âmbito federal, ou iniciativas
estaduais, tais como as da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
(SEE-SP), que inclui em alguns dos seus programas, como o Família na
Escola, alunos de faculdades ou universidades particulares como bolsistas
para atividades de final de semana. Em recente entrevista ao Jornal da
UNICAMP, o sociólogo Simon Schwartzmam, presidente do Instituto de
Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro, afirma que “há mais
vagas no ensino superior do que concluintes no ensino médio”
(SCHWARTZMAM, 2007, p. 4).
Certamente tal afirmativa é verdadeira, em especial considerando as
vagas no ensino superior privado, uma vez que o crescimento de oferta no
ensino superior público ocorre em dimensões muito diminutas e quando
confrontadas com o crescimento da outra vertente – da iniciativa privada – é
preocupantemente tímida.
18
1.1. Os pressupostos curriculares
A LDB n. 9.394/96 pressupôs o ensino médio em duas vertentes, um de
base nacional comum e o de educação profissional. Tal pressuposto foi
alterado pelo decreto n. 5.154/03. Para a presente análise, centrada na
legislação educacional de caráter geral até 1996, constata-se que a legislação
acentuou e não promoveu a superação de dualidades anteriores. Em si, o
pressuposto da LDB quanto à desvinculação de ensino profissionalizante e
ensino da base nacional comum já seria a reprodução da dualidade que se
verifica nos períodos anteriores. O primeiro, isto é, aquele que alcança a
maioria dos alunos matriculados no ensino médio, garantir-se-ia pelas
competências, aqui circunscritas a uma visão internacional de teóricos, bem
representados por Perrenoud, cuja obra Dez novas competências para ensinar
(2000a) tem sido indicada infalivelmente em concursos para professores e
diretores em diversas redes públicas estaduais e municipais. Registre-se ainda
que esse assunto faz parte do vocabulário corporativo e organizacional
considerado “atual”, sintonizados com movimentos de globalização da
economia mundial. Na educação, as tais competências são estabelecidas em
cada área pelas quais se organiza o currículo do ensino médio. A seguir
transcrevemos trecho de uma entrevista de Phillipe Perrenoud (2000b) à
Revista Nova Escola, na qual fica clara sua visão em relação ao que é
competência – na verdade um olhar que determinou muitas decisões
governamentais em relação à educação na década de 1990:
O que é competência? Poderia me dar alguns exemplos? Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de
recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc diferentes da floresta virgem, os pobres têm problemas diferentes dos ricos para
19
resolver. Algumas competências se desenvolvem em grande parte na escola. Outras não.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Três exemplos: Saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências geográficas. Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros socorros, terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.
Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber se informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes instituições políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas democráticas etc.
Esses são exemplos banais. Outras competências estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais... (PERRENOUD, 2000b, p. 46).
Os conteúdos funcionariam como os apoios das chamadas
competências. Pretende-se, assim, que todos saiam do ensino médio, por
exemplo, com a capacidade de analisar uma tendência de dados. A formação
deveria permitir a transformação de uma tendência quantitativa verificada numa
análise qualitativa. Não importa se esse dado refere-se à dilatação do metal
submetido ao calor ou a tendência dos votos na próxima eleição. A habilidade
cognitiva que está em jogo é similar. A educação profissional, mesmo aquelas
oferecidas pelas escolas técnicas específicas, possui o currículo da base
comum, complementado pelo da formação profissional específica. A lei n.
9.394/96, embora possua alguma flexibilidade, é rígida em três pontos no que
se refere ao ensino médio: mínimo de três anos, 2.400 horas e 800 horas em
200 dias letivos anuais. Esse ensino médio, analisado na perspectiva de etapa
final da nossa educação básica, inclui a preparação básica para o trabalho,
entendendo-a, se for o caso, como consta da referida LDB no que tange ao
capítulo do ensino médio, “a preparação básica para o trabalho [...] de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação”
(BRASIL, 1996, lei n. 9.394, seção IV, art. 35, item II), seja a futura ocupação
20
de nível técnico ou superior. A questão da preparação para o mundo produtivo
do trabalho leva a considerar que os ensinos profissionais, preparativos para
um posto de trabalho ou uma carreira específica, não cabem nas 2.400 horas
do ensino médio e, por isso, terá de ser adicional, se for concomitante. Ou
obrigatoriamente terá de ser posterior. Isso significa, por exemplo, que as
habilidades específicas de um curso de enfermagem deverão estar sendo
ministradas fora das 2.400 horas.
Tomemos um exemplo: toda a base necessária para ser enfermeiro, tais
como conhecimentos de biologia, laboratório de química, entre outras, poderá e
deverá ser trabalhada, em termos do nosso atual ensino médio, no contexto da
saúde, como preparação básica para o trabalho, sem falar nas questões de
relações humanas e convivência, essenciais no exercício da profissão de
enfermagem. É assim que atualmente tenta ser equacionada a dicotomia
propedêutico-profissionalizante, conciliando como básico os conteúdos
comuns, que seria então a parte, digamos, propedêutica, e o complementar,
ainda que concomitante, seria a parte profissionalizante, direcionada para a
prática do mundo produtivo. No entender de Miriam J. Warde (1983), a análise
comparativa entre alguns pareceres complementares da lei n. 5.692/71,
sobretudo os pareceres n. 45 e 46/72, denota contradições que mantêm ou
acentuam a conhecida e histórica dualidade:
De um lado, continua-se a proclamar a vigência do objetivo de profissionalizar o ensino de 2º. Grau; entretanto, o Parecer que passa a operacionalizar esse objetivo, dilui a profissionalização na educação geral [...] Orientado pelo objetivo legal de profissionalizar o 2º. Grau, propõe um ensino onde estão articuladas atividade intelectual e atividade manual. Entretanto tal articulação não se realiza efetivamente por diversos fatores. (WARDE, 1983, p. 187).
A autora, citando Luiz A. Cunha, entende que
21
a hegemonia do grupo ligado ao ensino técnico industrial no departamento de Ensino Médio do MEC acabou por impor o “modelo” do ensino técnico-industrial na definição das habilitações profissionais. (ibidem, p. 39).
Isso pode ser um exemplo a confirmar o que no início deste capítulo
afirmamos: que diversos fatores e interesses extrínsecos ao universo
educacional concorreram, nos três momentos aqui estudados, para que certas
opções e suas medidas práticas fossem lançadas. Nesse caso fica evidente o
sentido da escola adequada ao mercado de trabalho. E na própria lei n. 5.692,
em seu artigo 5º, parágrafo 2º, alínea b, que estabeleceu que a parte de
formação especial do currículo
será fixada, quando se destine a iniciação e habilitação profissional, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista dos levantamentos periodicamente renovados. (BRASIL, 1971, lei n. 5.692, art. 5º, § 2º, alínea b).
E, alguns anos mais tarde, o parecer n. 76/75 proclama a unidade entre
o fazer e o pensar, mas, paradoxalmente, propõe uma separação entre o
pensar (na escola) e o fazer (na empresa), o que de forma clara desmonta o
enredo ideológico que concebeu a lei que aqui estamos abordando.
Um outro fator, também a ser considerado, situa-se no universo
complexo dos debates pedagógicos que, por diversos aspectos, exerceram
influência nas reformas educacionais brasileiras voltadas para o ensino médio.
Sobre isso, objetivando sintetizar, citamos Azanha (2000, p. 10-16):
Nos anos 70, proliferou o que se chamou de “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, definiu uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. [...] O que é valorizado nesta perspectiva não é o professor, mas sim a tecnologia, o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica dentro dos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. [...] Esta orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60 e até hoje persiste em muitos
22
cursos com a presença de manuais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental.
No final dos anos 70 e início dos 80, constituíram-se as denominadas Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, ambas propondo uma educação crítica a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas para a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade.
A Pedagogia Libertadora tem suas origens no movimento da educação popular, no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foi interrompida pelo golpe militar de 1964, e retoma o seu desenvolvimento no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nesta proposta a atividade escolar pauta-se em discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre a realidade social imediata; analisa-se os problemas, os fatores determinantes e estrutura-se uma forma de atuação para que se possa transformar a realidade social e política. O professor é um coordenador de atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos.
A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos surge no final dos anos 70 como contraposição a pouca relevância que a pedagogia libertadora dá ao aprendizado do chamado “saber elaborado”, historicamente acumulado e que constitui o acervo cultural da humanidade. [...] Compreende que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais, mas é necessário que se possa ter o domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades para que os alunos possam interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe. (AZANHA, 2000, p. 12-13).
Desse modo, a contextualização e a interdisciplinaridade permitiriam
cumprir nas diretrizes aquilo que a LDB n. 9.394/96 prescreve: o ensino médio
é a etapa final da educação básica. Portanto, a idéia de um ensino médio com
opções profissionalizantes, tal como conhecemos hoje, não é mais possível.
Tal questão, por diferentes formas e mecanismos, permeia trajetória do nosso
ensino médio no período das leis analisadas neste trabalho. E o que tal
verificação nos informa? As soluções indicadas funcionaram na prática?
Teríamos um currículo no papel e um outro na prática? Tais soluções teriam
mascarado uma questão no fundo mais complexa? A partir de constatações
preliminares advindas dessa verificação, o que podemos apontar na
atualidade? Qual deve ser mesmo o papel do ensino médio? Apontar esse
nível médio como caminho certo para empregabilidade é pertinente? Como
trabalhar isso no contexto atual em que, por exemplo, o desemprego alto é
ainda mais concentrado entre os jovens de ensino médio? Há, ainda, que se
23
pensar no preocupante desafio da evasão. Deveriam surpreender os
indicadores resultantes de pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), divulgados na página do
órgão, enviados como relatórios às secretarias estaduais de educação, aos
estabelecimentos educacionais e também amplamente divulgados em órgãos
de alcance nacional da imprensa (por exemplo, LOBATO, 2007, p. 8), que
mostram que 40,4% dos casos de abandono da escola por parte dos jovens se
devem ao desinteresse pela escola. Tal desinteresse não deve ser observado
como algo de responsabilidade apenas desses jovens. Há diversos fatores
relacionados ao sistema de funcionamento escolar brasileiro, que determinam
tal atitude. Há ainda a falta de perspectivas objetivas de melhoria das
condições socioeconômicas a partir do estudo. Se os índices de desemprego
se estabilizaram, há que se considerar que isso se deu em patamares
altíssimos. Não é raro que a imprensa também divulgue informações de que há
emprego mas falta capacitação para as vagas abertas, que requerem
qualificações específicas. Tais questões estão associadas ao tema central
desta pesquisa, ou seja, para quais horizontes apontam nossos jovens para o
pós ensino médio?
No ambiente educacional mais estrito é preciso verificar a situação dos
componentes curriculares. Registre-se que, por exemplo, no âmbito da SEE-
SP, a maior do país, tem havido permanentes discussões sobre o quadro que
os números expressam. Há, inclusive, um programa específico – Ensino Médio
em Rede (EMR) –, aplicado de 2004 a 2006, com continuidade em 2007, no
qual diversos especialistas propuseram discutir o quadro atual do ensino médio
como um todo, uma vez mais ausência de um tratamento específico em
24
relação ao noturno, e apresentaram proposições para equacionamento. Uma
crítica possível de ser feita de imediato é a ausência de uma revisão que leve
em conta a trajetória histórica desse segmento da educação. Sem isso, assim
entendemos, a ação dá-se em cima de um fato recente e imediato. Os
resultados desse programa, ainda como exemplo, são tímidos ou até mesmo
inexistentes; a lacuna que apontamos pode explicar tal insuficiência. Deve
haver muitos outros programas ou ações similares pelo país afora, em boa
parte válida e necessária como tentativa, mas, também em boa parte,
padecendo da falta de alcance prático e objetivo, diante de questões urgentes
em relação ao ensino médio.
O segundo motivo da evasão é a necessidade de trabalhar para
sustento próprio ou ainda para garantir a renda familiar. Esse item evidencia a
complexidade que decorre do embate educação x trabalho em pelo menos dois
aspectos: um referente ao aluno que deixa os estudos em função do emprego
e outro segmento de uma mesma clientela que busca no estudo o instrumento
para possibilidade de emprego ou de um emprego melhor.
Como elemento de informações adicionais na eventual busca de melhor
compreensão desse complexo universo, registramos que em 2003 o problema
da evasão e da repetência no ensino médio foi investigado com profundidade
também num estudo feito pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e divulgado naquele ano, portanto em
período que afere impactos da legislação educacional brasileira do século XX.
A pesquisa ouviu 50 mil jovens e 7 mil professores em 13 capitais brasileiras e
pode ser encontrada no livro Ensino médio: múltiplas vozes, lançado pelo
Ministério da Educação (ABRAMOVAY, CASTRO, 2003).
25
Claro que se trata de uma questão associada a fatores socioeconômicos
extra-educação, mas com reflexos diretos sobre ela e, ao mesmo tempo,
ampliando os indicadores das mazelas sociais brasileiras a partir de um
preocupante dado que acompanha nosso sistema educacional, caso da
evasão. Acrescente-se ainda que esta desmonta em boa dimensão o discurso
oficial de universalização do acesso à escola. Apesar do crescimento da
evasão detectado pelo Ministério da Educação (MEC), as pesquisadoras
notaram que muitos estudantes que abandonam a escola acabam voltando
para a sala de aula. Nas escolas públicas, 19,5% dos alunos que hoje estão
matriculados já haviam abandonado os estudos ao menos uma vez. Nos
cursos noturnos, essa proporção chega a 35%, o que corrobora a idéia que
atribui ao ensino médio noturno, por exemplo, um caráter compensatório, na
medida em que acolhe alunos que não tiveram acesso ou que abandonaram
seus estudos em etapas etárias anteriores. Ainda considerando fatores como
repetência e evasão, segundo dados divulgados pelo INEP, no período ao qual
fazemos referência neste trabalho, há que se observar ainda um outro fator
bastante agravante, em que pese algumas tentativas de anulá-la por decreto,
caso do conceito de progressão continuada, na prática aplicada como
aprovação quase automática, em razão das condições em que se deu a
implantação da inovação e sua imediata associação com a determinação
oficial, em diversos estados brasileiros, de mostrar resultados quantitativos.
Ainda assim o Brasil não tem conseguido vencer, no ritmo desejado, o
combate contra o que é considerado por muitos educadores o maior mal de
nossa educação: a repetência. Dados recém-tabulados pelo MEC por meio do
26
INEP mostram que um em cada cinco estudantes dos ensinos fundamental e
médio repetiu, em 2002, a mesma série cursada em 2001 (CASTRO, 2003).
E mesmo que ficássemos apenas em aspectos quantitativos, o que seria
inaceitável, a questão da repetência requer o avaliar com cuidado alguns
resultados. Para esta reflexão transcrevemos trecho de uma reportagem na
versão on-line do jornal Folha de S.Paulo de 20 de setembro de 2003, que
informava:
O Brasil não está conseguindo vencer, no ritmo desejado, o combate contra o que é considerado por muitos educadores o maior mal de nossa educação: a repetência. Dados recém-tabulados pelo Ministério da Educação por meio do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) mostram que um em cada cinco estudantes dos ensinos fundamental e médio repetiu, em 2002, a mesma série cursada em 2001. (Folha de S.Paulo, 20 set. 20031).
Os números da evasão escolar, verificados no ensino médio,
preocupantes quanto a sua dimensão, devem-se, em boa medida, a fatores
decorrentes de determinações impostas aos currículos, formatando-os de
forma desvinculada da realidade do alunado. Talvez isso ocorra em virtude da
desconsideração de diversos aspectos relevantes, somados os fatores de
natureza socioeconômicos, que estariam determinando desinteresse e
abandono da escola, sobretudo no segmento médio.
É importante voltarmos ao texto da lei que determina ou orienta que a
educação básica2 tem por finalidade, segundo o art. 22 da LDB, “desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores” (BRASIL, 1996). Tal enunciado indica busca de conciliação entre o
1 “Repetência volta a crescer no ensino médio”. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ educacao/ult305u13727.shtml >. Acesso em jul. 2007. 2 É mister lembrar que a educação básica absorveu o ensino médio, estando, portanto, responsável pela finalização do referido processo de aprendizagem.
27
ser propedêutico e o desafio, cada vez mais evidente, de preparar para o
mercado de trabalho. Não há exatamente novidade nesse pressuposto. Da
mesma forma, em tênues variações semânticas, tal objetivo se fez presente na
legislação brasileira ao longo do século XX. No tocante ao período que
estamos considerando para fins da presente pesquisa, voltamos aos
apontamentos de Kuenzer (1997):
A partir de 1964, em decorrência da proposta de racionalização de todos os setores da vida social, política e econômica do país, apresentada como ideário da ditadura militar, ocorreram significativas transformações ao nível formal, na estrutura do sistema de ensino e de formação profissional. [...] O novo discurso, fundamentado na Teoria do Capital Humano, apontava a baixa produtividade e a inadequação da proposta educacional em relação ao momento histórico que o país atravessava [...] necessidades do mercado de trabalho [...] metas de desenvolvimento econômico [...] desmobilização política [...] então os cursos eram vistos como “excessivamente acadêmicos” [...] não preparavam para o exercício das funções produtivas [...] se considerava esse um dos fatores explicativos para a crise econômica em que mergulhara o país. (p. 63).
Tal visão influenciou de forma determinante a lei n. 5.692/71.
Ressalvadas as diferenças contextuais, não é muito diferente, na essência dos
objetivos, o tom do debate atual, de certa forma a mesma visão que também
orientou as reformas educacionais do ensino médio nas quatro décadas finais
do século XX e perdura neste início de novo século. No contexto da ditadura,
considerando o período de 20 anos, situado ente 1964 e 1984, fica claro que
era preciso diminuir a demanda pelo ensino superior, substituindo, no então 2º
grau, o que se considerava de caráter acadêmico em demasia pela formação
profissional. Voltamos a Kuenzer (1997):
Em sua estrutura a lei 5.692/71 pretendeu romper com a dualidade substituindo os antigos ramos propedêutico e profissionalizante, por um sistema único – por onde todos passariam independentemente de sua origem de classe social – cuja finalidade seria a qualificação para o trabalho através da habilitação profissional conferida pela escola. (p. 98).
28
Na nossa lei mais atual, a n. 9.394/96, a última finalidade deve ser
desenvolvida de maneira precípua pelo ensino médio, uma vez que entre as
suas finalidades específicas incluem-se “a preparação básica para o trabalho e
a cidadania do educando”, a serem desenvolvidas por um currículo que deverá
destacar a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da
sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de
comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. O texto da lei,
embora extenso, não esgota em si apenas a questão de conciliação entre ser
abrangente ou específico ou, em termos técnicos, propedêutico ou
profissionalizante. Surgem então leis mais específicas e complementares, tais
como o parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação n. 15/98 e a respectiva resolução n. 03/98, que vêm dar forma às
diretrizes curriculares para o ensino médio como indicações a um acordo de
ações. Para isso, apresenta princípios axiológicos, tais como conceitos de
cidadania, portanto com riscos de serem contraditórios, orientadores de
pensamentos e condutas, bem como princípios pedagógicos, tais como
comprometimento com a construção qualitativa de um sistema educacional e
avaliado permanentemente ouvindo o aluno, com vistas à construção dos
projetos pedagógicos pelos sistemas e instituições de ensino.
A educação secundária (ou ensino médio, sua atual denominação) no
Brasil, especialmente a pública, já em sua origem apresentou contradições,
visto que precisava alcançar classes sociais distintas e dualidades, visando
conciliar realidades e interesses diferentes que transitavam entre o
propedêutico e o profissionalizante, que permanecem na atualidade e se
29
refletem, por exemplo, na ausência de objetivos e perspectivas mais definidas
quanto ao seu papel. Essa etapa educacional que, como meta formal,
precederia o ensino superior é caminho também para que boa parte dos alunos
seja encaminhada para uma formação profissional, não necessariamente de
nível superior, mas de resultado, digamos, prático, mais imediato.
Isso se reflete no complexo caminho, no contexto e nos pressupostos de
leis. É preciso então ir além dos textos das leis. É esse o objetivo deste
trabalho a partir de textos de leis produzidas durante a parte final do século
passado até a primeira legislação educacional de relevância para o ensino
médio, no século XXI. As verificações que pretendemos desenvolver nesta
pesquisa são pertinentes na medida em que se consideram também os
aspectos quantitativos e o desafio de contribuir nos processos de reformulação
do ensino médio brasileiro, desafio esse que tem ocupado espaço significativo
nas discussões temáticas versando sobre a educação brasileira. Nos aspectos
quantitativos, os dados oficiais, embora contrastantes entre si, possivelmente
em virtude das nossas desigualdades regionais, quando se observa números
nacionais x estaduais, os primeiros fornecidos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), INEP e os segundos que são divulgados pelas
instâncias estaduais, tais como SEE-SP, o número de matrículas no ensino
médio cresceu significativamente nos últimos anos. Vejamos uma tabela cujos
dados quantitativos explicitam a realidade do número de matriculados
distribuídos por esferas de competências administrativas:
30
Tabela 1: Distribuição dos alunos de ensino médio matrículas nas redes
Brasil Federal Estadual Municipal Privada 8.398.008 88.537 6.962.330 232.661 1.114.480
Fonte: MEC/INEP, 2003.
Dados mais recentes apontam que, no âmbito nacional, entretanto, a
representatividade da matrícula no ensino médio noturno diminuiu nos últimos
anos, embora permaneça com contingente significativo de alunos. As razões
desse decréscimo têm explicações diversas e algumas delas serão abordadas
no capítulo que tratará do ensino médio noturno, ponto de interesse particular
do presente trabalho. A participação do número de alunos que estudam a noite,
de acordo com relatórios anuais do INEP e do IBGE, em relação ao total
passou de 54,5%, em 1999, para 43,8%, em 2003. Nesse período, a
quantidade de estudantes do noturno ficou praticamente estável, e no diurno
houve um aumento de 1,3 milhões de matrículas. Em 1999, dos 7,7 milhões de
matriculados no ensino médio, 4,2 milhões estudavam à noite. Em 2003, a
matrícula subiu para 9,1 milhões, mas a do noturno continuou a mesma. Esses
dados pressupõem a necessidade de melhor compreensão sobre a oferta
desse nível de ensino. Quais as causas do decréscimo do número de alunos
no segmento noturno do ensino médio? O quadro de desigualdade social que
aponta para a necessidade de vínculo profissional remunerado para alunos
iniciantes no ensino médio indica que o ensino noturno é ainda uma alternativa
de relevância para que nossos jovens prossigam seus estudos.
Há diferenciais de relevância entre as clientelas matriculadas no período
diurno e os alunos do período noturno. Há diferenças nas condições
estruturais, grade e carga horária das disciplinas. Por exemplo, o aluno do
ensino médio diurno no geral tem mais aulas de português ou matemática que
31
os alunos do noturno. As modificações ou atualizações que ocorrem no ensino
médio diurno sofrem demora adicional para serem implantadas no ensino
médio noturno. Considere-se ainda, da mesma forma, que a duração das aulas
do noturno é menor se comparada ao ensino médio diurno. Tomemos como
exemplo o estado de São Paulo, considerando as resoluções que legislam a
composição da grade, ou seja, para o ensino diurno a resolução SE n. 6/05,
que diz em seu artigo 2º:
Na organização curricular do ensino médio diurno, as escolas deverão garantir o desenvolvimento de 6 aulas diárias, com a duração de 50 cada, totalizando 30 aulas semanais e 1.200 aulas anuais.
Para o ensino noturno a mesma matéria é definida na resolução n. 1/06,
que em seu artigo 1º diz:
Na organização curricular do ensino fundamental e médio, no período noturno, as unidades escolares deverão garantir o desenvolvimento de 5 aulas diárias, com a duração de 45 minutos cada, totalizando 25 aulas semanais e 1000 aulas anuais.
Quadro 2: Quadro Comparativo/Ensino Médio/Diurno – Noturno
Tempo de duração das aulas No. de aulas semanais Diurno – 50 minutos Noturno – 45 minutos
Diurno – 30 Noturno – 25
Fonte: Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) – SEE-SP.
Outros fatores a serem considerados no ensino médio como um todo
são as transformações e redefinições acerca da relação educação, sociedade e
trabalho envolvendo aspectos que englobam tanto as perspectivas
profissionais, num cenário de desemprego que afeta sobretudo aos jovens,
ante os novos paradigmas da produção, quanto o uso permanente de novas
tecnologias e sua influência na organização individual e coletiva, juntamente
dos diferentes sentidos atribuídos ao ensino médio e das dificuldades de seu
32
equacionamento diante da diversidade de públicos, práticas e contextos, que
requer reflexão mais cuidadosa. Cabe aqui uma citação:
[...] No cenário dos cursos noturnos, para evitar qualquer tendência de maior simplificação e precariedade, convém lembrar... para lidar com situações de pobreza os esquemas não podem ser simplificadores, mas ricos e diversificados. (TEDESCO, 1998, p. 15).
Assim os parâmetros curriculares nacionais, que traçam os paradigmas
para as secretarias estaduais, são discutíveis diante da diversidade existente.
Mas a padronização pode ser um fator de exigência de organismos
financiadores, tais como o Banco Mundial ou instâncias ligadas à UNESCO,
estando aqui um fator importante de central do problema em investigação.
Contextualizando e atualizando o quadro, citamos novamente Kuenzer:
Em meio a essas disputas teóricas – as quais, evidentemente, não são novas, mas que estão agora mais bem definidas entre nós – o decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004, instituiu a possibilidade de reintegração entre ensino médio e técnico-profissional. A não-obrigatoriedade de reversão da dualidade estabelecida no Governo Fernando Henrique contrariou diversos críticos, mas foi explicada pelo custo financeiro e político de tal reversão, uma vez que a estrutura imposta pelas políticas dos anos de 1990 já estaria consolidada. (2000a, p. 105).
A mesma Kuenzer, mais adiante (2004, p. 114), vê com alguma
desconfiança o decreto n. 5.154, que possibilitou a reintegração, argumentando
que será “o financiamento, o que só poderá ser avaliado mais adiante [...] [ou] o
montante de recursos investidos pelo governo na expansão da versão
integrada com qualidade, o indicador de suas verdadeiras intenções”.
No mesmo texto, a autora revisita o debate dos anos de 1980 sobre
escola unitária e politécnica e identifica o “fio da navalha” em que se caminhou
naquele período, quando as categorias de análise conhecidas apontavam para
a impossibilidade da instalação do modelo no contexto capitalista ao passo
que, ao mesmo tempo, prosperava entre os estudiosos o apego à possibilidade
33
de saídas universais, dentro “da lógica da ocupação dos espaços derivados
das contradições, enquanto estratégias de transição” (ibidem, p. 101). No
contexto atual, preocupada em evitar o “voluntarismo” que, de certa forma,
permeou o embate na década de 1980 e ciente de que o perfil universal da
escola média, tal como estipulado pelo decreto n. 2.208/97, pode significar na
prática o acirramento das desigualdades, Kuenzer (2004) propõe que, no plano
político, se reafirme a defesa da escola unitária, que não diferencie os alunos a
partir de sua origem de classe, mas que, no âmbito da prática, com a seguinte
formulação:
tendo a clareza da impossibilidade histórica de objetivação desta escola no capitalismo [...] [caminhe-se para] políticas afirmativas e, portanto, específicas para trabalhadores [...] enquanto conquistas parciais no processo de transição [...]. (p. 108).
Reiteramos aqui que a educação secundária no Brasil já em sua origem
apresentou contradições e dualidades, evidenciadas no crônico debate entre
ser o ensino médio, ou secundário, em suas diversas denominações ao longo
da história, preparar para o acesso ao ensino superior ou para exercer
atividade profissional imediata. Tais dificuldades permanecem na atualidade e
se refletem, por exemplo, na ausência de objetivos e perspectivas mais
definidas quanto ao seu papel. Recentemente o governo de São Paulo, estado
com o maior número de alunos do ensino médio noturno, anunciou projeto de
complementação profissionalizante a distância para alunos do ensino médio. O
referido projeto ainda não foi efetivamente formulado, mas já provoca reações
negativas, uma vez que pelas primeiras informações a modalidade
profissionalizante será ofertada como ensino a distância, tendo como monitores
alunos de instituições privadas de ensino superior, indicando que os
professores da rede ficarão de fora, enquanto profissionais, do projeto.
34
De fato, pode fazer sentido tal projeto. Essa etapa educacional que, pela
meta formal e especial, precederia o ensino superior é caminho também para
que boa parte dos alunos seja encaminhada para uma formação profissional.
Consideramos de relevância em termos de políticas públicas que haja
investimento em profissionalização para jovens e adultos. A ressalva imediata
que fazemos é que já existe um sistema profissionalizante, com leis e normas
específicas. Mas de qualquer forma, ao criar tal extensão o governo estadual
proponente recoloca a questão: deve, então, ser o ensino médio ministrado em
formato abrangente, preparando para a etapa educacional seguinte, o ensino
superior, ou deve ater-se a ser uma etapa articulada como preparadora para o
mundo do trabalho?
Olhando para a série de leis, e não foram poucas, é possível identificar
também os agentes políticos e as idéias pedagógicas associadas e definidas,
via de regra, pelo modo de desenvolvimento capitalista, que claramente
determinaram objetivos para a educação. Não obstante ter havido o
apontamento de contradições e da dualidade, tais influências, parecem-nos,
significaram, até mesmo quando pelo pretexto de mudanças, reforço da
dualidade. No intenso debate sobre qualidade do nosso ensino, as análises
sobre a legislação de ensino médio, à luz do contexto histórico e político do
nosso processo educacional oficial, podem permitir melhor compreensão em
relação a alguns problemas que afetam nosso ambiente educacional. Além
disso, e principalmente, essas análises podem apontar caminhos que busquem
efetivas mudanças. Alguns resultados divulgados anualmente, dados esses
aferidos por instâncias do MEC, INEP e IBGE, e fartamente divulgados pela
imprensa, evidenciam os altos e persistentes índices de repetência ou de
35
defasagem em relação ao efetivo aprendizado esperado, decorrentes de
múltiplas avaliações e comparações, e reforçam, ou ampliam, o debate em
torno da qualidade da nossa educação como um todo e do nosso ensino médio
especificamente. Embora com avanços quantitativos nos sistemas de ensino
fundamental e médio, no quesito qualidade a educação brasileira continua
sendo um grande desafio.
Considere-se ainda, no sentido de elucidar elementos presentes nesse
intenso debate, o fato de que a LDB n. 9.394/96 propõe para o ensino médio a
responsabilidade pela finalização de uma etapa, um processo, dentro de um
suposto sistema educacional. A discussão proposta por Saviani (2004)
[...] sobre a existência ou não de sistema educacional no Brasil não foi ainda respondida. Sobre ela pairam muitas controvérsias [...] as expressões sistema de educação [...] de ensino [...] escolar [...] de uso corrente entre os educadores, não havendo, entretanto, acordo sobre seu significado [...]. (p. 4).
E mais adiante:
[...] a demonstração da inexistência de um sistema educacional no Brasil acarretará – acredita-se – como conseqüência, uma mudança na atitude dos educadores: deixarão de pressupor um sistema, passando a encarar sua construção como uma tarefa urgente que precisa ser realizada. (ibidem, p. 6).
As sucessivas mudanças havidas no ensino médio, ao longo do século
XX, sobretudo a partir de 1971, sem que tivesse havido resultado nos objetivos
preconizados, parecem corroborar tal pensamento.
1.2. Dualidades e contradições agora universalizadas
A dimensão do problema que cerca o ensino médio brasileiro ganhou
nos últimos dez anos proporções consideráveis. Há que se reconhecer que as
36
políticas educacionais, ainda que não se perca a análise crítica dos diversos
fatores e interesses que as influenciam, produziram resultados quantitativos
impressionantes, como demonstraremos em partes deste capítulo. Destacamos
aqui a abordagem de Saviani sobre a chamada universalização da educação
básica (SAVIANI, 2002, p. 5):
Universalizar significa não apenas garantir o acesso, mas também a conclusão. Só acontece isso quando todos não só ingressaram, mas também concluíram. Quando o MEC concluiu que o acesso tinha sido universalizado, decidiu que precisava universalizar a conclusão. Mas como fazer isso sem precisar investir muito? Aí vêm esses mecanismos todos de promoção automática, maquiagem estatística, os ciclos... A questão passa a ser segurar as crianças nas escolas para ostentar índices estatísticos que preencham os critérios do Banco Mundial para se obter financiamentos.
E isso se evidencia a cada divulgação de resultados avaliativos
aplicados em diversas etapas da educação básica brasileira, expressando
majoritariamente os fracassos diversos e alguns parcos avanços. É o caso do
resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), edição 2006, que, em
resumo, indica piora do cenário para a etapa final do nosso ensino básico,
quando comparado às séries de exames em uma década. Citamos notícia de
um jornal de circulação nacional:
Caíram as notas médias nacionais do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2006, em relação ao ano passado, tanto na prova objetiva quanto na redação. No teste de questões objetivas, a média ficou abaixo de 38 pontos, na escala de 0 a 100, o que corresponde ao intervalo de desempenho insuficiente e regular. Na redação, a média oscilou em torno de 52 pontos, no intervalo de regular e bom. Em 2005, os participantes do Enem obtiveram média de 39,04 no exame objetivo e de 55,96 na produção de texto. (O GLOBO, 30 nov. 2006, p. 9).
Entendemos que tal resultado demonstra que a aprendizagem efetiva
não corresponde às expectativas que tanto as reformas legais da nossa
educação como também diversos outros investimentos preconizam. Faz com
que o processo de dimensionar e compreender dualidades e contradições
37
presentes no ensino médio seja um desafio recorrente e atual. O objetivo que
temos ao apontar e fundamentar a dualidade e seus impactos, no ensino médio
brasileiro, devidamente contextualizada a partir da história e da legislação, visa
apontar caminhos para compreendê-la, debatê-la e superá-la. E se de um lado
o ensino médio brasileiro deve preservar o caráter propedêutico, com formação
mais abrangente, não pode isso, contudo, fazê-lo elitista. Deve também
preparar para o mercado de trabalho, sem ser mero instrumento utilitário. Mas
seria possível uma sistematização das duas possibilidades, sem o quadro de
indefinição que persistiu e resiste no período compreendido entre 1971 e 1996,
com impactos visíveis na atualidade? Essa busca de um papel mais claro para
esse nível de ensino se fez presente nas discussões de algumas das
sucessivas reformas educacionais que alcançaram nossa educação ao longo
do século XX. Entretanto, as disputas e os interesses diversos acabaram por
não promover a superação de uma situação de contradição, muitas vezes não
explicitada e, de forma mais acentuada nas últimas décadas do século XX,
camuflada por uma pauta que privilegia aspectos quantitativos que tentam
colocar em segundo plano a qualidade pedagógica e a efetiva escolarização
dos alunos.
O período escolar situado entre o ensino fundamental e o segmento
superior tem tido denominação variada, nessas diversas mudanças, um reflexo
de instabilidades e indefinições que persistem na atualidade, algumas
consolidadas nas reformas educacionais ocorridas no Brasil, no século XX. Na
Reforma Capanema, por exemplo, quando ganhou status de período escolar
autônomo, foi chamado de “ensino secundário”. Na lei n. 4.024/61, o nome
adotado foi “ensino médio”, com duas ramificações, as secundárias e as
38
técnicas. A lei n. 5.692/71, que estabeleceu de forma compulsória para todo
esse segmento o ensino profissionalizante, não tendo o alcance prático
pretendido, denominou-o como o nível de 2º grau. A lei n. 7.044/82 retirou a
profissionalização compulsória da lei anterior e a LDB em vigor, de 1996,
restabeleceu a nomenclatura “ensino médio” e uma tentativa conciliadora e
pragmática que, até aqui, efetivamente não resultou na superação da dualidade,
podendo tê-la acentuado se considerar, por exemplo, as diferenciações práticas
entre o ensino médio ministrado no diurno e aquele disponibilizado no período
noturno. As próprias mudanças de denominação refletem, então, a busca de um
papel mais bem definido para a modalidade em questão.
E ao analisarmos especificamente tal período escolar, não podemos
dissociar sua problemática de outras complexas questões crônicas do nosso
contexto educacional ainda não equacionadas efetiva ou plenamente, não
obstante o intenso movimento reformista verificado no século passado. Tal
movimento evidencia tentativas de melhorias, mas os resultados, no geral,
apontam em sentido contrário. Ao considerar apenas os dados estatísticos
oficiais e, mais especificamente, os números de alunos matriculados que o
MEC divulga, podemos concluir que existiu, no período que delimitamos para
verificação da legislação, em especial em boa parte da década de 1990, num
processo ainda em curso3, uma verdadeira explosão de matrículas no ensino
médio brasileiro: em 1994 eram pouco mais de cinco milhões de matrículas.
Em 2000 houve registro de mais de oito milhões de alunos, crescimento de
mais de 50%. Em 2003 eram mais de nove milhões no ensino médio. Há
omissão, em todas as leis e decretos educacionais, e na atual em particular,
3 Período cujos resultados, mesmo quantitativamente, são ainda bastante incertos.
39
quanto a uma relevante característica do nosso ensino médio, a de ser
expressivamente situado na escola pública e com grande quantidade de alunos
no período noturno. Tais aspectos, no meu entender, deveriam ser mais bem
considerados em suas causas e conseqüências.
Olhando além dos dados numéricos, verifica-se que diante da ampliação
do acesso, a heterogeneidade do alunado acrescenta outros desafios ao
conjunto de complexas dificuldades, um deles é a necessária revisão curricular.
Este, aliás, é um dos propósitos colocados pelo programa EMR, da SEE-SP,
do qual participaram 58.857 educadores, entre supervisores de ensino,
assistentes técnico-pedagógicos, professores coordenadores e professores
representantes. Citamos um resumo de alguns dos seus propósitos:
[...] o foco dirigiu-se para a discussão sobre o currículo do ensino médio, a importância pedagógica da organização de um currículo em áreas, o planejamento dessa organização por professores de uma mesma área sem descaracterizar as disciplinas, o desenvolvimento das capacidades e habilidades de leitura e escrita em cada área e o trabalho em sala de aula. O Ensino Médio em Rede elaborou propostas de aprendizagem e convidou os estudantes a planejar intervenções na realidade a partir dos conteúdos curriculares. Um desses resultados é a parceria da escola com setores da comunidade local para o desenvolvimento de programas de formação voltados para diversos segmentos sociais... (REVISTA SP GOV, maio de 2007, p. 9).
É imperativo, portanto, buscar o repensar dos conteúdos enciclopédicos
e descontextualizados e até mesmo a revisão de métodos de ensino. Ocorre
que para atender tais urgências, muitas vezes as imposições estão em sintonia
com agendas externas, filiadas aos interesses de organismos internacionais ao
escopo educacional, sem que haja apontamentos mais precisos quanto ao
efetivo papel que deve cumprir o ensino médio, considerado na perspectiva de
ser ele etapa final do nosso ensino básico, aqui entendido como todo o tempo
escolar anterior ao acesso ao terceiro grau. Sobre a influência de organismos
internacionais, importante sedimentar a idéia com uma citação:
40
No período de 1970-1990, o Banco definiu um corpus conceitual registrado em quatro documentos4, onde são definidos os princípios norteadores para a concessão de crédito à educação. A observação dos documentos políticos evidencia uma concepção educacional integrada ao projeto de desenvolvimento do Banco. (FONSECA, 1998, p. 94).
E no que diz respeito a reflexos desses projetos financiados
internacionalmente, que de forma direta alcançou o ensino médio, antes
denominado como de 2º grau, a mesma fonte nos informa que:
No que concerne à participação dos projetos para a melhoria do ensino técnico de 2º. grau... algumas inovações foram introduzidas, no começo dos anos 70, na estrutura das escolas técnicas e agrotécnicas federais. Essas inovações referem-se, respectivamente, à criação de cursos de curta duração de engenheiros de operação e à adoção do modelo escola-fazenda. (ibidem, p. 112).
Avançando na linha do tempo, mas focando sempre o período escolar
definido na atual LDB, a n. 9.394/96, como etapa final da chamada educação
básica, ele caminha, no Brasil, para o que se chama de universalização5.
Mesmo que se desconfie da tão propalada universalização, como já apontado
anteriormente, o enfoque dado à quantidade de alunos “dentro” da escola, ao
tratar disso abordando apenas números iniciais de matrículas, acaba por
desconsiderar, por exemplo, a expressiva evasão que se verifica até a efetiva
conclusão escolar.
A incorporação de grupos sociais antes excluídos da continuidade de
estudos, egressos do ensino fundamental, e o retorno dos que haviam deixado
a escola criam um quadro no qual se alia, de um lado, uma grande explosão da
demanda, e de outro, uma acentuada diferenciação da clientela. Esse é o outro
desafio relevante do projeto de modernização e democratização social do país,
4 Refere-se a quatro documentos produzidos pelo – Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) – ligado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) – em 1970, 1974, 1980 e 1990. 5 Entende-se como universalização a acessibilidade à escola ou ao segmento escolar para todos – ou para a maioria – os indivíduos em faixa etária definida como adequada para o referido nível escolar.
41
que tem na reformulação do ensino médio uma de suas dimensões mais
importantes. A universalização qualitativa exige análises e abordagens mais
abrangentes. O ensino médio, pelo aqui já exposto, talvez seja o segmento
escolar brasileiro de mazelas mais complexas. Uma análise qualitativa,
portanto, requer que se vá além de questões técnicas e imediatas que, de certa
forma, são análises tautológicas ou com demasiado foco em aspectos
quantitativos. A problemática do ensino médio não pode ficar subjacente ou
dimensionada apenas em dados estatísticos ou na diversidade de projetos
fragmentados que tentam equacionar, quase sempre de forma isolada e
desarticulada, alguns efeitos sem, contudo, aprofundar sobre as causas. Estas
remetem-nos quase que obrigatoriamente a voltar às origens do nosso ensino
médio, percorrer sua trajetória, repleta de reformas, algumas de forma explícita,
outras camufladas.
O número de alunos nesse segmento escolar é expressivo. Houve
crescimento contínuo na década de 1990. Registre-se ainda que os anos de
1990 e o início do novo século ficaram marcados por uma intensa discussão
sobre estrutura, conceitos e objetivos do ensino médio. Contudo, a intensa
discussão acabou sendo prejudicada no momento de definições nas
elaborações de propostas indicativas que seriam incorporadas à nova LDB.
Assim, muitas idéias e terminologias foram incluídas no texto da lei, estando
ausente, no entanto, o aprofundamento do seu efetivo significado, inclusive seu
impacto e as condições necessárias para sua implementação e as necessárias
revisões de estratégias. Sem isso efetivamente inserido no processo pode
haver prejuízos entre o que se propõe e o que ocorre na prática. Um termo, por
exemplo, bastante recorrente na LDB n. 9.394/96 é cidadania, que, em nosso
42
entendimento, nem sempre é abordado na sua dimensão ampla, a de que o
cidadão deve interferir na construção da sociedade e a possibilidade de
interferir na sua realidade social. Incorpora-se o termo sem, contudo, inserir
devida e mais amplamente o conceito subjacente. Uma idéia representativa do
ideário desse contexto pode ser encontrada no texto da lei, que sugere
“conciliar humanismo e tecnologia, conhecimento dos princípios científicos que
presidem a produção moderna e exercício da cidadania plena, formação ética e
autonomia intelectual” (BRASIL, 1996). Tal equilíbrio entre as “finalidades
individuais e as produtivistas” também está presente nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Segundo a relatora do documento
base das referidas diretrizes, Guiomar Namo de Mello, tal desafio requeria
adicionalmente “um esforço para superar os dualismos e, ao mesmo tempo,
diversificar as oportunidades de formação”, no caso dos alunos do ensino
médio. Apesar das intenções anunciadas o ensino médio ainda mantém
dualismos e contradições.
O contexto de virada de século poderia justificar, e ainda assim poderia
ser avaliado, um repensar do currículo do ensino médio. Esse repensar,
entretanto, ocorreu num cenário de respostas quase sempre de caráter
imediato, implantadas pela influência de diversos interesses políticos e
econômicos distintos, em um forte cenário de economia globalizada e
globalizante e, em expressiva medida, estabelecendo seus parâmetros para o
contexto educacional. Tais abordagens em relação ao ensino médio não
viabilizaram a resolução de questões vinculadas às contradições e à dicotomia
principal: qual deveria – ou deve – ser a finalidade do ensino médio, preparar
para o mundo do trabalho ou priorizar formação mais abrangente, além da
43
visão de educação como instrumento de um sistema produtivo? Há que se
considerar elementos do contexto a ser analisado. Um exemplo do que deve
ser levado em conta pode ser observado na própria constituição da população
matriculada. Consideremos como exemplo que parte expressiva dos alunos do
ensino médio, nas redes públicas e privadas, é do período noturno. Na etapa
anterior, o ensino fundamental, entretanto, a maior parte do alunado está
matriculada no período diurno. Verificamos que tal inversão de turnos de
estudo não possui muitos vínculos ou eixos que os articulem, sendo essa uma
das razões do estrangulamento que acomete o nosso ensino médio em vários
aspectos. Sobre isso Aranha diz:
Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações: são dois mundos que se orientam cada um na sua direção [...] Esse fracionamento sem um eixo unitário, com uma dualidade de sistemas, em tudo é prejudicial à educação. (2005, p. 153-154).
Um persistente quadro de indefinições, acentuado por uma evidente
desarticulação entre os níveis e as modalidades que compõem o quadro geral
da nossa educação, expressa em currículos padronizados, denotando total
distanciamento entre o aparelho tecnoburocrático e as escolas e que, talvez
por isso, nem sejam observados na sua íntegra, questões que embora
interligadas são tratadas de forma dissociadas e de maneira superficial ou
incompleta em vários dos seus aspectos. E assim se reforça, nas muitas
reformas educacionais brasileiras, a descontinuidade que acentua os
problemas no ensino médio. Descontinuidade precedida de indefinição que, na
seqüência, se acentua. E a ausência de melhor consideração em relação aos
problemas crônicos da escola secundária brasileira, tais como diferentes perfis
aos quais se aplicam o mesmo currículo, o fato também do currículo ter apenas
44
a dimensão burocrática e normativa, distante da realidade cotidiana, a falta de
distinção entre o ensino do período noturno e o diurno, entre outros fatores,
que deveriam fazer parte do planejamento das ações, corrobora para a
manutenção ou consolidação do quadro de indefinições e falta de clareza nos
objetivos a serem alcançados. Registre-se ainda que, por um longo tempo, não
houve um currículo efetivamente sistematizado. As decisões eram
consideradas pelos parâmetros pressupostos para o ensino superior que
determinavam o leque e o enfoque das disciplinas do ensino secundário,
obrigando-o a tornar-se cada vez mais propedêutico, ou seja, destinado a
preparar os jovens para a faculdade. Evidencia-se aqui um caráter elitista na
origem do nosso ensino médio.
Com o avanço da industrialização, no Brasil, ao longo da República,
mais adiante, intensificam-se demandas por mão-de-obra, o que vai colocar em
xeque a opção predominante pela formação propedêutica, determinando o
fortalecimento de uma vertente utilitária para o ensino médio. Um desses
momentos pôde ser verificado em 1968, quando Roberto Campos, figura
exponencial, tanto no campo econômico quanto de forte suporte ideológico à
ditadura militar, defendia que o ensino secundário perdesse suas
características humanísticas para ganhar, na visão dele, conteúdos mais
práticos.
[...] deve, portanto, a escola estar ligada diretamente ao que a vida prática exige e isso significa fazer com que a escola forneça aos alunos capacidade de atuar de forma eficiente junto ao mundo profissional... (O GLOBO, 1974, p. 39).
Tal opinião evidentemente vinha ao encontro dos interesses do sistema
produtivo. Era grande naquele momento a pressão da classe média por
ampliação de vagas nas universidades públicas. Fixar para o ensino médio
45
papel de preparar prioritariamente para o mercado atendia, de um lado, a
classe menos favorecida economicamente remetendo seus filhos para a
possibilidade de emprego, de outro, isso poderia diminuir a pressão da classe
média pelas almejadas vagas para o ensino superior. Pertinente aqui citar
Zibas (2005), que assim sintetiza a questão apontada:
Essa focalização no mercado parecia “cair como uma luva” para a solução do problema criado pela crescente pressão à expansão de vagas nas universidades públicas, pressão exercida, na época, por setores médios até então alijados do ensino superior. (p. 26).
Para tal circunstância, em si complexa, que acentua as contradições
dentro do próprio ensino médio, deve-se ainda considerar que se ampliou e
reproduziu para alguns outros aspectos, como, por exemplo, o que hoje
evidencia a dualidade entre o ensino médio noturno e o do diurno, dicotomia
presente também entre o que se oferece por meio das escolas públicas e o
ensino das escolas privadas. Podemos considerar tais diferenciações mais que
reflexos da dualidade principal verificada já na origem, sendo no período mais
recente na verdade um agravamento ou cristalização desses fatores.
Preparar a chamada elite para o ensino superior e outros segmentos
para o mundo do trabalho sempre foi uma contradição, evidenciando, na
verdade, a disputa de classes, que em diversos momentos se expressou até
mesmo em diferenciações curriculares. E como foram tratadas tais dualidades
ao longo das muitas e sucessivas reformas educacionais? Considere-se, ainda,
a necessidade de apontar os aspectos de pertinência sociopolítica, conceituais
e ideológicos subjacentes em cada uma das diversas reformas ocorridas no
ensino médio. Kuenzer (2000b) resume a questão em um dos seus artigos
sobre o tema:
46
A história do Ensino Médio no Brasil tem sido marcada pelas dificuldades típicas de um nível que, por ser intermediário, precisa dar respostas à ambigüidade gerada pela necessidade de ser, ao mesmo tempo, terminal e propedêutico. Embora tendo na dualidade estrutural a sua categoria fundante, as diversas concepções que vão se sucedendo ao longo do tempo refletem a correlação de forças dominantes em cada época, a partir da etapa de desenvolvimento das forças produtivas. (p. 74).
Observe-se ainda um aspecto interessante de luta de interesses
advindos de classes socialmente distintas. A classe média, no período de
ditadura militar, no Brasil, com expectativa de ver seus filhos no ensino
superior, reforçando a vertente elitista que cerca as visões sobre o ensino
médio, não via exatamente com bons olhos a profissionalização compulsória
evidenciada, em tese, pela lei n. 5.692/71. Reivindicava, portanto, a
manutenção ou o reforço dos aspectos propedêuticos destinados, sobretudo,
ao ingresso no ensino superior. Os setores mais empobrecidos que aceitavam
a possibilidade de profissionalização foram vítimas da falta de condições
técnicas e materiais nas escolas, falta de investimento em capacitação
docente, fatores que, entre outros, não concorreram para uma efetiva
profissionalização nas escolas. O ensino médio naquele período da lei, com
tentativa de imposição – e fracasso – da profissionalização obrigatória, acabou
não cumprindo com a função propedêutica, com o agravante de não ter
produzido a inovação pressuposta, que seria a profissionalização anunciada,
alardeada pelo governo e expressa na lei n. 5.692/71. Tal situação provocaria
reflexos nos períodos seguintes. Efeitos que perduram até a atualidade, entre
eles a ausência de um perfil melhor definido para o nosso ensino médio.
Em 1982 a lei n. 7.044 revogou aspectos da profissionalização
obrigatória estipulada pela legislação anterior. O embate esteve presente nas
intensas discussões da LDB de 1996, que, conforme a Constituição de 1988,
deveria substituir a LDB de 1961. Tal debate ocorreu em momentos de
47
intensas alterações mundiais nas relações econômicas e políticas que afetaram
o Brasil, na forma de diversos interesses. A legislação educacional, em todos
os seus níveis, foi atingida por idéias ou movimentos que passaram a atribuir à
educação um papel de salvação e resgate da sociedade, tarefa bastante
complexa e discutível. Também ganhou força, tanto em discursos quanto na
prática, redefinir o papel do Estado como “mínimo”, ou seja, com redução de
investimento público em áreas sociais, caso da educação. Segundo Ângela
Martins (2000):
Os organismos multilaterais de ajuda internacional que em alguns momentos apareceram como interventores nas políticas sociais nos países periféricos durante as décadas de 1960/70 - definindo diretamente as reformas de ensino e financiando a estrutura que daria suporte às políticas públicas - ressurgiram, a partir dos anos 80, como negociadores de questões sociais graves, promovidas por desmandos nas economias locais e no gerenciamento dos programas sociais, exercendo a função de principais interlocutores dos governos de países periféricos.
Nesse sentido, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD –, o Fundo Monetário Internacional – FMI –, o Convênio Geral de Tarifas e Comércio – GATT –, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID –, a Associação Latino-americana para o Desenvolvimento Industrial e Social – ALADIS – e a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL – são alguns desses órgãos que têm-se mobilizado para colocar as diretrizes sociais e econômicas em patamares de governabilidade (Ianni, 1995), financiando apenas alguma expansão e/ou avaliação de políticas públicas setoriais já estruturadas.
Assim, os organismos externos, de caráter multilateral, exerceram forte
papel de interferência nas políticas inclusive sociais, nos chamados países em
desenvolvimento, também chamados países do terceiro mundo, durante as
décadas de 1960 e 1970. E exercendo influência determinante tanto no campo
político quanto em questões sociais, entre elas a educação, cuja influência se
faz forte nos marcos legais, assunto deste trabalho, ou seja, nas reformas de
ensino. Considere-se que tais organismos financiavam a estrutura e o suporte
às políticas públicas, aquelas que eram por eles avalizadas. Após a chamada
distenção política, tais interferências ganham força a partir da década de1980,
48
quando também alguns movimentos sociais reprimidos pelo regime político
fechado surgem como catalisadores ou articulares de questões sociais.
Situações que, em boa medida, decorriam de questões econômicas e visão de
aplicação das políticas sociais no Brasil. Para transitar nesse complexo e por
vezes conturbado universo sociopolítico, os órgãos multilaterais contavam com
forte interlocução junto aos governos. Considere-se ainda – para relacionar de
forma coerente a linha do tempo, aqui relacionada à legislação educacional –
que tais intercorrências se intensificam na década de 1990, quando também se
ampliam ações de linha neoliberal, na perspectiva do chamado Estado mínimo.
É preciso registrar ainda que o amplo leque de aplicação das ações vinculadas
a essa visão não tinha posicionamento uniforme. Destacamos aqui, sobre isso,
uma informação de relevância, expressa no que diz Vieira (1998):
Embora pareça óbvio, é importante observar que, na verdade, o neoliberalismo não é homogêneo, como não são homogêneas as suas formas de expressa.. embora esta vertente costume ser associada a uma diminuição da presença do Estado na esfera pública, seja no campo econômico, ou social, suas formas de manifestação variam de um contexto para outro, de país para país, e assim devem ser percebidas. (p. 29).
No campo da educação, no Brasil, uma forte agenda de campo
neoliberal foi revitalizada e ampliada por organismos internacionais, como o
FMI, o Banco Mundial e um pouco adiante o BIRD, que, já no início dos anos
de 1980, exerceu forte influência por meio de programas de “avaliações dos
sistemas de ensino e de projetos de reformas em diversos desses países na
América Latina” (WARDE, 1993, p. 11).
Na educação a busca da qualidade passa a ser substituída pela busca
desenfreada de aspectos quantitativos, passando a melhoria da qualidade da
educação medida prioritariamente por resultados estatísticos e segundo
determinações desses mesmos organismos internacionais. Diversos dados
49
quantitativos eram – e são – divulgados com grande alarde. Assim,
intervenções continuaram sendo feitas, mesmo em contextos políticos
diferentes dos cenários iniciais da lei n. 5.692/71, no sentido de aprimorar os
resultados e os índices de rendimento escolar. Sobre isso Altman (2002)
questiona:
Todavia, há de se questionar até que ponto qualidade educativa pode ser medida por índices de desempenho. O ensino em sala de aula e todo o aprendizado dentro de uma escola vão além do que esses indicadores são capazes de medir por meio do rendimento dos alunos.
Reiteramos e acrescentamos que avaliações e índices de desempenho
desconectados de aspectos históricos e legais acabam enviesando as análises,
tornando-as parciais, visto estarem circunscritas ao momento e, assim
entendemos, limitadas quanto ao apontamento de propostas para avançar em
relação aos problemas detectados. Entendemos que todo o processo que se
constitui em torno do ensino em sala de aula e todo o aprendizado que dele
resulta deva ser considerado, parta de uma avaliação mais abrangente e
consistente. Como em diversos momentos das avaliações ocorridas no período
avaliado, os procedimentos seguiam diretrizes prioritariamente economicistas,
limitavam-se a olhar o rendimento quantitativo. Há então outros fatores que
deveriam ser considerados nas avaliações e não o são, para que se faça a
devida diferenciação entre ambientes bastante distintos, ou seja, empresas e
escolas, e até mesmo entre períodos diferenciados de oferta dos cursos, ou
seja, como exemplo, o ensino médio diurno e o noturno, foco deste trabalho. A
mesma autora citada na referência anterior prossegue:
No modelo de educação adotado, dentro dos parâmetros de mercado de trabalho ou de sintonia em relação a ele, a escola é assemelhada, por alguns critérios, à empresa, como apontam diversos estudiosos do nosso processo educacional. As reflexões,
50
como as que aqui fazemos, devem considerar que os fatores do processo educativo, segundo José Luís Corragio (1996), são vistos como recursos de investimento e a eficiência nos resultados, as tais taxas de retorno, como critérios fundamentais de decisão.
A análise, então, de caráter economicista tornou-se a base principal e
até de metodologia para a definição de políticas públicas como um todo,
incluindo as educativas, como se verifica em vários momentos deste trabalho.
As conseqüências foram imediatas, expressas em contínuos resultados
negativos da educação brasileira comparados aos resultados de outros países,
o que, por si, já demonstraria a ineficiência dessa forma de considerar a
qualidade educacional.
O discurso neoliberal, amparado nos ventos de uma economia
globalizada, prioriza o objetivo de preparação para o trabalho, sem considerar
as críticas pertinentes que apontam para a necessidade de separação de
papéis, como apontamos anteriormente. Não deveria haver estratégias que, em
suma, transformam, ou tentam transformar, as escolas em agências de
preparação de mão-de-obra, como alguns aspectos da legislação que aqui
abordamos, e seus complementos e regulamentos, parecem indicar.
Considere-se que historicamente é a escola um meio de transmissão de
diversos valores de caráter político e social, dos governos, da sociedade no
geral e das comunidades mais específicas. Segundo Torres (1996):
a nova ordem mundial alargou cada vez mais a distância educacional entre os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as economias de transição, como é o caso do Brasil. Essa distância acabou determinando a necessidade de uma reforma educativa, na qual o Banco Mundial, dados os interesses econômicos, definiu com prioridade [...] a educação básica como o “carro chefe” desse movimento. Para que isso pudesse ocorrer, o Banco Mundial determinou, entre os países emergentes, algumas mudanças fundamentais na educação.
51
Isso explicaria em boa parte a intensificação de dispositivos
complementares de caráter normatizadores ou regulamentadores surgidos
após a LDB n. 9.394/96. Passa a ser cada vez mais crescente a importância
dada ao ensino fundamental e ao ensino médio nas medidas oficiais
anunciadas e intensificam-se também formulações das mais diversas origens
em relação aos citados níveis de ensino. Mas essa importância está associada
ao papel que se entende como pertinente à educação nesse complexo
processo. Torres (1996) avaliou que a educação, em momentos da história e
da legislação referente ao período que estamos analisando, passou a ser
considerada por critérios mais apropriados para o mercado, ou seja, a escola
passa a ser mensurada como se fosse uma empresa. As orientações do Banco
Mundial, ainda segundo Torres, remeteriam à necessidade de otimizar o
limitado financiamento por meio do aproveitamento eficiente dos recursos
disponibilizados. As propostas do BIRD para a educação seriam feitas, de
acordo com a autora, basicamente por economistas, dentro da lógica e da
análise econômica. A relação custo-benefício e a taxa de retorno constituem as
categorias centrais, com base nas quais se define a tarefa educativa, as
prioridades de investimento, os rendimentos e a própria qualidade. Novamente
então apontamos fatores extrínsecos aos interesses pedagógicos como
determinantes na elaboração ou formulação de dispositivos para nossa
educação. E conforme Torres:
O ensino resume-se a um conjunto de insumos (inputs) que intervêm na caixa preta da sala de aula e o professor sendo mais um insumo e a aprendizagem é vista como o resultado previsível da presença (e eventual combinação) desses insumos. (TORRES, 1996, p. 140).
52
Os diversos agentes que atuam nos contextos das reformas ou dos
debates educacionais, obviamente sintonizados com os interesses que, direta
ou indiretamente, representam, expressam suas idéias em diversos momentos
do transcurso das discussões. Um exemplo disso, bastante citado em análises
dos aspectos que estamos aqui abordando, está na afirmação do presidente do
BIRD, James Wolfensohn (1999), órgão de forte influência no citado cenário,
avaliando que investimentos e as perspectivas educacionais por ele defendidas
resultarão em oportunidades inclusivas no sentido de que as pessoas das
classes empobrecidas se desenvolvam, a partir da educação, de modo que se
alcance justiça social e estabilidade econômica, discursos fortes nos Governos
Fernando Henrique Cardoso, revelando novamente questões de interesse
compensatório de um lado, firmemente sintonizado com as linhas da
macroeconomia, portanto, como dissemos em partes anteriores deste trabalho.
E, a rigor, fora do escopo de interesses entendidos como intrínsecos do
processo educacional.
Na outra ponta há um discurso parecido, mas em outras perspectivas,
como a citação a seguir, que entendemos como exemplo pertinente desse
debate:
[...] é no campo da educação que está se decidindo a sorte do próprio país e o seu papel no mundo. As diferenças de renda no Brasil [...] estão diretamente associadas às diferenças de escolaridade, e estas refletem e perpetuam as nossas seculares desigualdades raciais. (SOUZA, RILEY, 2001).
Enquanto em vários momentos do debate que precedeu e antecedeu a
nova legislação educacional evidenciou-se corretamente que o grande desafio
estaria, portanto, em ampliar a visão da educação, rompendo com a visão
compensatória e utilitária decorrentes da visão economicista integrada aos
53
vários organismos multilaterais de financiamento, tentativa de disputar com
uma outra visão, para outro lado há o entendimento de que a prioridade estaria:
[...] na preparação das crianças e jovens para as transformações que virão no século XXI. Rápidos avanços tecnológicos, uma economia global interdependente e uma contínua mudança social marcarão suas vidas. Deve-se oferecer às crianças e jovens uma educação que lhes permita exercer as profissões do futuro e aproveitar os benefícios de viver em uma sociedade democrática. (ibidem).
Altman (2002), já citada anteriormente, considera a análise anterior
como de tom otimista e alerta que “todo esse otimismo [...] é problematizável. A
prioridade é dada à educação básica, cabendo ao setor privado outros
investimentos, como no ensino superior”. De fato o crescimento de vagas no
ensino superior público é bastante tímido. E isso interfere fortemente nas
perspectivas do alunado do diurno e do noturno do ensino médio. E faz com
que muitos desses alunos tenham interesse por um curso profissionalizante
que lhe garantiria de forma mais rápida a empregabilidade.
O ensino médio, especificamente na LDB 9.394/96, em cujo processo de
construção perpassou fortemente tal visão, passa a ser etapa final da nossa
educação básica. O investimento governamental central, no período que
estamos pesquisando, não alcança o ensino médio nas mesmas proporções do
ensino básico e fundamental. Indica ainda, em um contexto com algumas
ambigüidades, que a formação profissional decorre de uma sólida formação
geral. As indefinições permitiram ou exigiram que o governo instituísse
normativos complementares à LDB n. 9.394/96, caso do decreto 2.208/97,
normativo este que nos interessa no presente estudo como compreensão de
contexto e que determinou que a formação técnica, modularizada, fosse
ofertada separadamente do ensino médio regular. Assim a dualidade não só foi
consolidada, em tratamento diferenciado explicitamente exposto, como
54
reconhecida formalmente. Como reflexão, citamos Marcos Martins (2000), que
faz uma interessante crítica quando discute a divisão entre o saber e o fazer e
que serve para nos orientar quanto aos interesses de classe que estão por trás
de algumas medidas das políticas educacionais. Alerta-nos sobre os reais
significados dos papéis que cabem na formação dos trabalhadores. Vejamos:
Percebe-se, portanto uma franca cisão entre o saber e o fazer. Mais do que isso: quem sabe coordena as ações do complexo sistema de operações na produção de mercadorias, enquanto quem faz somente se limita a executar tarefas práticas pré-determinadas. Aquele que faz não é sabe se é treinado para isso, somente fazer sem saber. (MARTINS, 2000, p. 21)
Considere-se ainda que em períodos da década de 1980, e a bibliografia
que pesquisamos corrobora isso, houve retomada – ou reforço – dos
movimentos étnicos, de raça, de gênero, da diferença, de problemas de povos
colonizados, de minorias reprimidas que se colocarão com demandas
específicas a serem contempladas pela sociedade, incluindo nesse processo a
escola e seus diversos movimentos reformistas ou de atualização.
É provável que o ensino médio, no Brasil, que pelo seu viés
propedêutico se destinou e se destina a formar ou a reproduzir educação para
as chamadas elites, diante um olhar mais cuidadoso, indique que,
objetivamente, nem mesmo isso talvez tenha realizado plenamente. Uma
evidência disso pode estar no surgimento e na consolidação dos cursinhos pré-
vestibulares, etapa não oficial, mas que se tornou etapa complementar
compulsória para aqueles jovens que têm como desafio ingressar nas
disputadas universidades públicas de melhor qualidade ou em instituições
particulares de ensino superior de nível qualitativo reconhecido. Vejamos, como
exemplo, dados de ingresso no vestibular da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), universidade pública de qualidade e referência, a
55
demonstrar o “efeito cursinho”, ao qual associamos o caráter diferenciador e
excludente, visto ser pequena a parcela do alunado matriculado no ensino
médio público que tem condições socioeconômicas de freqüentar cursinhos
pré-vestibulares, em boa parte associados aos grandes conglomerados
educacionais. Eis os dados, os quais exploraremos na seqüência de nossa
pesquisa, em outro nível:
Tabela 2: Alunos que fizeram cursinho pré-vestibular e ingressaram na UNICAMP (1996 a 2006)
Ano % 1996 59,4 1997 60,9 1998 59,5 1999 60,5 2000 66,4 2001 63,8 2002 68,3 2003 67,4 2004 65,3 2005 65,2 2006 63
60,9%
59,5%60,5%
66,4%
63,8%
68,3%67,4%
65,3% 65,2%
63%
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Gráfico 1: Distribuição percentual de ingressantes da UNICAMP que freqüentaram cursinho
Fonte: <http://www.convest.unicamp.br/estatisticas/perfil/perfil.html>.
Ressalve-se a existência de iniciativas populares desses cursinhos, que,
entretanto, não alcançam de forma plena a demanda.
56
Em um cenário de não realização efetiva das demandas da sociedade
por formação, mostra que elas não foram incorporadas pela escola e acentuam
nesta um caráter excludente, embora o discurso seja de inclusão e apontando
para a universalização do acesso. E assim reiteramos que olhar para a história
ajuda a compreender a problemática. E retomando aspectos históricos da
nossa educação, consideremos que a origem do nosso ensino médio se deu
em meio às contradições sociais e políticas de um país cuja economia
consolidava o modelo agrário-comercial. Há aqui similaridade, e aqui já
justificando uma digressão que nos parece pertinente, se transportarmos a
esse momento histórico, lá nas primeiras tentativas de industrialização, com o
período final do século XX, com forte apelo desenvolvimentista, por exemplo,
durante a ditadura militar, posteriormente os fortes ventos da
internacionalização das economias com forte impacto nas economias mais
periféricas ou dependentes.
Registre-se ainda que não havia, no início do processo de implantação
de um sistema secundário de ensino no Brasil, um currículo sistematizado,
eram os parâmetros do ensino superior que determinavam a grade das
disciplinas do ensino secundário, obrigando-o a tornar-se cada vez mais
propedêutico, ou seja, destinado a preparar os jovens, obviamente em sua
maioria das elites, para a faculdade. Evidencia-se aqui um caráter elitista na
origem do nosso ensino médio. Com o avanço da industrialização, a partir da
década de 1930, surge a demanda por mão-de-obra qualificada, o que, de
certa forma, vai colocar em xeque a prioridade anterior, determinando uma
vertente utilitarista e produtivista para o ensino médio. Tais atributos críticos
podem ser verificados na legislação que posteriormente foi implantada,
57
compreendido da ditadura militar à LDB de 1996. A seguir destaco trecho de
um trabalho de Saviani, a propósito dos 20 anos do Grupo de Estudos e
Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR) sobre tal
questão:
A partir da reforma instituída pela lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, essa concepção produtivista pretendeu moldar todo o ensino brasileiro por meio da pedagogia tecnicista (KUENZER E MACHADO, 1984) que, convertida em pedagogia oficial, foi encampada pelo aparelho de Estado que procurou difundi-la e implementá-la em todas as escolas do país. Na medida em que se processava a abertura “lenta, gradual e segura” que desembocou na Nova República, as orientações pedagógicas das escolas foram sendo flexibilizadas mantendo-se, porém, como diretriz básica da política educacional, a tendência produtivista. (SAVIANI, 2005b).
A questão de preparar alguns alunos para o ensino superior e outros
para o mundo do trabalho sempre apresentou, na prática, caminhos bastante
contraditórios. De certa forma, uma expressão evidente de disputa de classes,
que em diversos momentos se expressou até em propostas e na efetivação
dos currículos escolares – e assim continua sendo – até mesmo em estranhas
diferenciações, como ocorre se compararmos os currículos do ensino médio
diurno e o ensino médio noturno. E os reflexos disso aparecem na
manutenção, atualização ou consolidação das dualidades, tais como fomos
citando neste trabalho, nas sucessivas reformas educacionais brasileiras.
Considerem-se, ainda, para melhor clarear tais constatações, aspectos
ideológicos subjacentes em cada uma das diversas reformas ocorridas.
Kuenzer (2000b) assim resume um desses aspectos:
Convém ainda salientar que as reformas educacionais dos anos 70 tiveram inspiração na teoria do capital humano, que creditava à educação o poder quase mágico de favorecer o desenvolvimento das nações e a ascensão social dos indivíduos. Essa teoria, surgida nos Estados Unidos e Inglaterra, nos anos 60, e no Brasil, nos anos 70, foi estruturada no âmbito das teorias do desenvolvimento ou ideologia desenvolvimentista do pós-guerra, como parte da estratégia de hegemonia americana. Sistematicamente criticada por educadores e economistas, a teoria do capital humano influenciou a própria
58
prática educativa. Esta, à guisa de obter resultados mais imediatistas, passou a pautar-se por uma pedagogia fundamentada nos princípios da racionalidade e da eficiência que regem a lógica do mercado, dando ao trabalho escolar um caráter acentuadamente tecnicista, que se materializava em propostas fechadas, restritas a uma aprendizagem para o saber fazer.
Num cenário social e político, construído desde os primórdios da nossa
escola secundária estabelecendo contradições e dicotomias diversas,
contextualizado em boa medida pela referência bibliográfica anterior, hoje é
possível verificar que ainda há uma dicotomia mais acentuada e que, de certa
forma, continua cristalizando uma perene dualidade, nesse caso, mais
especificamente entre o ensino médio diurno e o noturno. O primeiro atenderia
ao público pertencente a segmentos de classe média, cujas famílias têm
alguma condição de manter filhos sem que esses precisem exercer trabalho
assalariado, direcionando-os para de alguma forma cursar o ensino superior. O
outro modelo atenderia aos mais desprovidos de condições financeiras, que
trabalham durante o dia. Atentemos para as citações a seguir:
Arremedo do diurno, o ensino noturno atende cada vez mais a periferia e o aluno mais necessitado, que tem de trabalhar de dia. Como tal, sintetiza as desigualdades do País. (CASTILHO, CASTRO, 2006).
Ainda no mesmo tópico observemos o posicionamento de Carvalho
(1986, p. 39):
Transformado em uma espécie de ensino para alunos que trabalham, o noturno não reflete a realidade dos trabalhadores.
Carvalho ainda informa algo evidente dentro do ensino médio noturno, o
não-dimensionamento da realidade geral do ensino noturno e das diversas
realidades que ele abriga:
Em minha pesquisa encontrei uma falta de atenção à questão da diversidade e às especificidades do aluno da noite.
59
Minha experiência como docente da rede pública em horário
majoritariamente noturno testemunha essa complexa realidade que tem
conseqüências perversas, pois para esse alunado do noturno o ensino médio
seria o topo da escolarização, uma titulação que lhe permite obter ou melhorar
o tipo de emprego, o credencia para prestar concursos etc. Para esse alunado,
freqüentar o ensino superior é algo muito distante, em especial freqüentar o
ensino público superior. É tímida e recente a implantação ou a ampliação de
cursos de nível superior em universidades públicas, exceto em alguns poucos
universos. Mas voltemos ao ensino médio.
A versão noturna do ensino médio, e não somente nas escolas públicas,
tem sido encarada por dois prismas majoritários. Há, de um lado, certo
consenso que o aponta como uma versão problemática e piorada do seu
correspondente matutino. Há ainda, por outro lado, uma visão romântica que vê
no ensino médio, versão noturna, uma vertente de política compensatória, para
atender aos que trabalham.
Na questão da grade curricular, por exemplo, sob a égide da LDB n.
9.394/96, não há sequer um dispositivo que considere as perspectivas distintas
para os diferentes públicos do ensino médio nos dois períodos mencionados.
As realidades são bastante desiguais e em alguns aspectos até mesmo
antagônicas.
A investigação presente nesta dissertação pretende contribuir para uma
melhor compreensão da problemática que envolve o nosso ensino médio,
defendendo que se tenha clara atenção ao segmento noturno, reflexo da
dualidade, analisando-o criticamente na perspectiva da velha dicotomia: a de
ser propedêutico ou profissionalizante, questão que pode não passar de um
60
falso dilema a ser enfrentado com uma revisão de conceitos e pressupostos
menos maniqueístas e, quem sabe, mais efetivamente integradores e
inclusivos, tanto no mercado profissional quanto no ensino superior.
Uma primeira questão a ser levada em conta na problematização do
ensino médio brasileiro é considerar seu sistema amplo de disponibilização em
diversos formatos. Observados os documentos e as informações oficiais
disponíveis, temos que o ensino médio é oficialmente compreendido e
conceituado em seus objetivos e finalidades, conforme descrição contida no
site do INEP:
Ensino Médio Regular – período diurno e noturno Nível de ensino com duração mínima de três anos. Trata-se da
etapa final da educação básica. Tem por finalidades: (1) a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
(2) a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
(3) o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
(4) a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Observação: O ensino regular noturno possui carga horária e grade curricular diferenciada em relação ao diurno.
Além da modalidade geral, o ensino médio pode ainda ser encontrado
nas seguintes modalidades:
Ensino Profissional Com a promulgação da LDB de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), tal denominação passou a abranger o que era conhecido como ensino técnico. Tal termo passou a designar a modalidade da educação brasileira destinada a “garantir ao cidadão o direito ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social” (Resolução CNE/CEB Nº 04/99 – Art. 1º, parágrafo único). É, portanto, a modalidade da educação escolar brasileira destinada à preparação para o exercício de atividades laborais nos diversos setores da economia (agrícola, industrial, comercial e de serviços), através de cursos e programas de: I – formação inicial e continuada de trabalhadores; II – educação profissional técnica de nível médio; e
61
III – educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação; conforme estabelece o Artigo 1º do Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004.
De acordo com a Resolução CNE/CEB nº 04/99 modificada pela Resolução CNE/CEB nº 1/2005, a educação profissional deverá se desenvolver de maneira integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia. Especificamente no que diz respeito aos cursos e programas da educação profissional técnica de nível médio, o Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, que regulamenta os artigos relacionados à educação profissional da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), estabelece que os mesmos deverão se desenvolver de forma articulada com o ensino médio, sendo que esta articulação poderá se dar de forma:
I – integrada, conduzindo o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio na mesma instituição de ensino e contando com uma única matrícula para cada aluno;
II – concomitante, oferecida a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso6.
Educação de Jovens e Adultos (EJA) Destina-se àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. É organizada em cursos e exames supletivos, habilitando o aluno/candidato ao prosseguimento de seus estudos em caráter regular.
EJA Presencial – Médio Educação de Jovens e Adultos, em nível de ensino médio, com
presença obrigatória dos alunos em sala de aula. EJA Presencial – Suplência Profissionalizante Educação de Jovens e Adultos para alunos matriculados em
cursos profissionalizantes, com presença obrigatória em sala de aula. Curso realizado em nível médio que reúne, para obtenção do diploma, a conjugação de duas etapas de estudos: uma parte de educação geral e outra de qualificação profissional.
EJA Presencial – Curso de Aprendizagem Educação de Jovens e Adultos em curso de formação metódica no
trabalho destinado a alunos de 14 a 18 anos de idade, podendo desenvolver-se a nível fundamental ou médio. A formação para o trabalho é feita diretamente nas empresas ou instituições por elas criadas7.
Os objetivos visam alcançar formação geral e preparação para o mundo
do trabalho.
As observações levantadas neste capítulo a respeito do ensino médio
brasileiro apontam para o fato de que persistem no sistema educacional
6 Fonte: verbete elaborado por Paulo César de Souza Ignácio. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_educacao_profissional.htm>. Acesso em: out. 2007. 7 Disponível em: <http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/glossario.html>. Acesso em: out. 2007.
62
problemas não resolvidos sobre a dualidade entre ensino propedêutico e
profissionalizante. Isto posto, cabe agora uma análise mais aprofundada sobre
o tema profissionalização dentro do currículo do ensino médio, principalmente o
que ocorre em escolas públicas e no período noturno, tema que será abordado
no capítulo a seguir.
63
CAPÍTULO 2:
O FRACASSO DA PROFISSIONALIZAÇÃO COMPULSÓRIA AMPLIA A
DUALIDADE DIURNO–NOTURNO. A LEI N. 5.692/71 E A LDB N. 9.394/96
Para melhor compreender a complexa situação do hoje denominado
ensino médio, no Brasil, em especial se quisermos considerá-lo de forma mais
focada nas últimas décadas do século XX, é inevitável analisar o seu contexto
socioistórico e considerar o ambiente político e pedagógico em que se deu a
elaboração e a implantação das propostas educacionais indicadas pela lei n.
5.692/71.
Importante destacar que a educação diretamente voltada para o trabalho
passa aqui a fazer parte integrante do currículo dos assim denominados
ensinos de 1º e de 2º graus, na parte de formação especial, que teria por
objetivos a sondagem de aptidões e a iniciação para o trabalho no primeiro
nível e, no nível seguinte – foco prioritário desta dissertação – a habilitação
profissional específica. A lei contém textualmente a norma determinando que
esse nível de ensino esteja em sintonia com: “mercado de trabalho local ou
regional, à vista de levantamentos periodicamente renovados [...] consonância
com as necessidades desenvolvimentistas“ (BRASIL, 1971, lei n. 5.692, art.
5º).
Em termos sociopolíticos, registre-se que o governo militar da época
ficou marcado pela austeridade e ortodoxia de um poder ditatorial exercido com
forte e violenta repressão contra a sociedade. Naquele governo houve um
64
chamado Plano Setorial de 1972-1974, que expressou de forma determinada
um caráter desenvolvimentista a priori, tendo como meta governamental
consolidar o projeto de Brasil Potência, e à educação, no então 2º grau, era
conferido o seguinte objetivo: “[...] proporcionar terminalidade do ensino de 2º
grau, [...] visando a formação de 2º. grau, [...] visando a formação de técnicos
de nível médio [...]” (BRASIL, 1971, lei n. 5.692, art. 17). Dentro dessa visão
caberia com exatidão a proposta de profissionalização obrigatória para todos
os alunos. O título de formação profissionalizante demonstraria que o Estado
brasileiro, imbuído de um projeto desenvolvimentista, estava fazendo sua parte,
preparando a mão-de-obra para dar respaldo ao referido projeto.
2.1. A lei n. 5.692/71 – A profissionalização compulsória não alcançada e
seu devastador efeito educacional
A lei n. 5.692/71, considerando ainda os seus pareceres
complementares, explicitou pela primeira vez em nossa legislação educacional
o claro objetivo governamental de uso do sistema educacional brasileiro para a
formação para o trabalho. Com essa lei o governo militar tentou vincular o
sistema educacional aos muitos interesses do capitalismo, aos quais o governo
se vinculava. Considere-se, portanto, nisso o objetivo estratégico do governo
de promover o chamado “milagre brasileiro”, como forma de escamotear as
arbitrariedades de um regime ditatorial.
Os objetivos formais da lei n. 5.692/71, de agosto de 1971, encontram-
se no seu art. 1º, assim descrito:
65
o ensino de 1º. e 2º. graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo pra o exercício consciente da cidadania. (BRASIL, 1971, lei n. 5.692).
Com referência ao foco principal da nossa pesquisa, o chamado ensino
de 2º grau, denominação que passa a ser atribuída ao nosso ensino
secundário, o parágrafo 3º do art. 4° da lei em questão imporia tamanha
padronização obrigatória por meio dos currículos que se constituíram em
verdadeira camisa-de-força. O trecho mencionado diz:
III – Com aprovação do competente Conselho de Educação, o estabelecimento poderá incluir estudos não decorrentes de matérias relacionadas de acordo com o inciso anterior.
§ 2º No ensino de 1 º e 2º graus dar-se-á especial relevo ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunicação e como expressão da cultura brasileira.
§ 3º Para o ensino de 2º grau, o Conselho Federal de Educação fixará, além do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins.
§ 4º Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os estabelecimentos de ensino poderão oferecer outras habilitações profissionais para as quais não haja mínimos de currículo previamente estabelecidos por aquele órgão, assegurada a validade nacional dos respectivos estudos. (BRASIL, 1971, lei n. 5.692).
Consideremos ainda, para analisar tal pressuposto legal, as fortes
influências de imposições internacionais. Os documentos que muito
expressaram tais influências e fundamentam esses conceitos e objetivos
decorrem do acordo do Ministério da Educação (MEC) com a United State
Agency for International Development (USAID). Considere-se ainda o Relatório
Meira Matos e o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária.
Evidencia-se em tais relatórios que as reformas, e conseqüentes redefinições
da política educacional brasileira, previam como ponto de partida uma
preocupação por reformulações do modelo de educação primária e secundária.
Considere-se que havia demanda reprimida em relação às vagas disponíveis
para os cursos superiores. Segundo Romanelli, havia, entretanto, uma
66
diferença de enfoque dados os conceitos e pontos de vista da reforma; diz a
referida pesquisadora que nos documentos do MEC-USAID:
a tônica incidia sobre maior integração das escolas primárias e médias [...] os objetivos implícitos nas sugestões ou propostas dos acordos MEC-USAID estavam vinculados a uma reorganização da escola fundamental. (1978, p. 234).
Ainda segundo Romanelli:
Outro é o enfoque dado ao problema pelo Relatório Meira Matos e pelo Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Ambos propugnavam por uma reformulação do ensino médio em consonância com a problemática existente na Universidade [...]. (ibidem).
E tais documentos encaminhavam para:
reformulação dos objetivos do ensino médio de 2º. Ciclo com vistas a um desvio de demanda social de escola superior. [...] a reformulação do ensino médio se configurava ante os membros dessas duas comissões como uma forma de conter a demanda. (ibidem).
No caso, podemos pensar no crescente e constante excedente do
processo seletivo dos vestibulares e a conseqüente pressão por mais vagas no
ensino superior. Reforça-se aqui a visão de que o ensino médio já deveria
proporcionar uma profissão ao aluno que o concluísse. Assim o candidato em
potencial aos vestibulares se limitaria ao ensino médio desde que
profissionalizado.
Warde (1977), ao citar Cunha (1975), analisando o contexto das
influências ideológicas determinantes na formulação dos textos da lei n.
5.692/71, entende que:
a hegemonia do grupo ligado ao ensino técnico-industrial no Departamento de Ensino Médio do MEC acabou por impor o “modelo” do ensino técnico-industrial na definição das habilitações profissionais. (Cunha apud WARDE, 1977, p. 49).
67
Verifiquemos o que diz textualmente a lei ao atrelar a escola ao mercado
de trabalho:
será fixada, quando se destine a iniciação e habilitação profissional, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista dos levantamentos periodicamente renovados. (BRASIL, 1971, lei n. 5.692, art. 5º, § 2º).
Tal visão se adequou bem ao objetivo estratégico de desviar muito da
demanda por profissionalização por meio da formação em um curso
universitário. Tal raciocínio explica o legado da profissionalização compulsória
que decorre da lei n. 5.692/71, acentuando ainda mais o aspecto da
diferenciação e dos objetivos distintos para o alunado do ensino médio, a
depender aqui das condições socioeconômicas da clientela que determinariam
o acesso ao ensino superior ou limitaria suas expectativas ao ensino médio,
então chamado de 2º grau.
Também os anos de 1970 representam, no Brasil, um marco histórico na
dinâmica de mudanças provocadas por profundas transformações: na
economia, com o início de um processo de transição do modelo fordista-
taylorista, mais clássico, determinante de influentes fatores em períodos
históricos que precederam o período do presente estudo, para o modelo de
acumulação flexível, que, segundo pesquisei, se trata de uma outra versão,
digamos, atualizada ou adaptada do mesmo produto. No campo da política
houve a seguinte transição: de um modelo de Estado denominado, nas
terminologias neoliberalizantes, como centralizador e regulamentador, e, nesta
forma, defendido por diversos segmentos como no papel adequado de
responsável pelas políticas públicas, passando para formatos descentralizados
e de intensificação da instauração de medidas de desregulamentação da
economia e de normas legislativas. Foi polêmico nesse cenário os processos
68
de privatização. Dentro do contexto existia uma demanda por mão-de-obra
qualificada para tanto e que justificaria o chamado “milagre econômico
brasileiro” e dessa visão crítica. Reforçando tal aspecto voltamos a Kuenzer: “A
preparação de força-de-trabalho qualificada para atender às demandas do
desenvolvimento econômico que se anunciava com o crescimento obtido no
’tempo do milagre [...]’” (KUENZER, 1997, p. 17).
Novamente temos a instrumentalização da educação visando atingir
objetivos diversos, tanto no campo de metas econômicas e até mesmo de
metas políticas. Sobre isso Cunha e Góes dizem que “a política educacional da
ditadura teve no ‘ensino profissionalizante’, uma das suas ‘realizações’ mais
ambiciosas” (2002, p. 61).
Uma estratégia usada pelos ideólogos e gestores principais das idéias
educacionais do período tratou de promover a expansão dos chamados
Ginásios Orientados para o Trabalho, conhecidos como GOT, com foco
vocacional para o trabalho, subsidiando o projeto base e tornando ainda o 2º
ciclo do ensino de 2º grau – antigo colegial – compulsoriamente profissional.
Cerca de 600 ginásios desse tipo foram construídos no Brasil, com
participações decisivas da assessoria de norte-americanos e recursos
financeiros decorrentes da USAID, a demonstrar que a ingerência de
organismos financiadores, em vários momentos da história da nossa educação,
é plenamente verificável.
Com a reforma educacional de 1971, a permanente discussão que
permeia o ensino médio assume novas modalidades discursivas. Questões
como formação profissional, cultura geral, ensino secundário e ensino técnico
69
recebem ou agregam outras terminologias, como continuidade, terminalidade,
educação geral e formação especial.
Ainda em relação ao 2º grau, hoje ensino médio, como medida
complementar ao previsto no primeiro artigo da lei n. 5.692/71, o Conselho
Federal de Educação (CFE), pelo parecer n. 45/75, apresentou uma relação de
130 habilitações, para cada uma um conteúdo mínimo obrigatório e a parte
complementar específica para a habilidade profissional específica. Parte
significativa do texto do parecer aborda conceitos da relação entre uma visão
humanista de sociedade e a tecnologia, tentando justificar a clara articulação
entre uma concepção educacional e aspectos do projeto autoritário de
desenvolvimentismo, então em curso. A profissionalização prevista esbarraria,
entretanto, em outras questões, menos conceituais e mais práticas, tais como:
estrutura geral das escolas, carência de professores e estrutura física limitada,
sobretudo nas escolas públicas. Recorremos aqui a uma citação, também de
Romanelli, como forma de expressar uma compreensão que evidencia o
fracasso previsível do projeto ensejado pela lei aqui em análise, isto é, a
ausência de interlocução entre os vários atores envolvidos:
Nenhuma qualificação para o trabalho ou exercício consciente da cidadania é possível sem essa base dialogal; [...] o educando não vive só no meio escolar... os objetivos enunciados são dependentes da forma de vida da sociedade em geral, na qual se situa a escola... é impossível uma formação que leve ao exercício consciente da cidadania, num meio social onde não impere a forma de vida democrática [...] ainda que haja remota possibilidade de uma preparação feita pela escola, esta corre o risco de cair no vazio e tornar-se uma fórmula sem consistência de fazer os educandos memorizarem regras de convivência social. (ROMANELLI, 1990, p. 273).
Mas, voltando ao ponto principal desta pesquisa, é importante levantar
outros aspectos, corroborando a análise de que as reformas educacionais
estudadas respondem a fatores extrínsecos diversos, no caso da lei n.
70
5.692/71, atenderia ao mercado de trabalho e em cooperação com as
empresas. Tal objetivo está expresso em dois pontos da referida lei:
a) a lei determina que a oferta das habilitações deveria obedecer às
necessidades do mercado de trabalho e, para isso, a lei exige que
sejam feitos levantamentos periódicos sobre tais condições;
b) o art. 6 da lei determina que as habilitações profissionais sejam
feitas em regime de cooperação com as empresas, sem que tal
vinculação tenha conotação empregatícia.
Resulta em fracasso, segundo avaliamos o pretendido avanço em
relação à eliminação do dualismo educacional no ensino médio – propedêutico
x profissionalizante –, herança crônica em nosso processo educacional,
transformando todo o ensino médio em profissionalizante, desconsiderando
que o dualismo reproduzirá, ainda que se tente camuflar com dados
quantitativos de impacto, a manutenção de uma situação mais complexa,
resultante de desigualdades sociais mais abrangentes. Um outro ponto de
reprodução de desigualdades, que nunca deixou de existir na trajetória da
nossa educação, são as diferenças de perspectivas, de clientela e de impacto
da legislação, que há entre o ensino público e o privado. Ghiraldelli Jr. aponta
para uma trágica conseqüência em nosso processo educacional, sobretudo na
parte que se refere ao ensino público:
É obvio que os colégios particulares (e os grandes empresários do ensino sempre tiveram grande influência no interior do CFE), souberam desconsiderar toda essa parafernália “profissionalizante”. As escolas particulares preocupadas em satisfazer os interesses de sua clientela, ou seja, em propiciar o acesso ao 3º. grau, desconsideraram [...] tais habilitações e continuaram a oferecer o curso colegial propedêutico à universidade. As escolas públicas, obrigadas a cumprir a lei foram desastrosamente descaracterizadas. (GHIRALDELLI JR., 1991, p. 182).
71
A falta de recursos humanos e estruturais, sem que se tivessem até
mesmo professores para as novas disciplinas do conteúdo profissionalizante
proposto, sem considerar diferenciações regionais e sociais, sob orientação
evidente de uma visão capitalista e produtivista, resultou em fracasso ainda
maior para a escola pública. Situação que perdura e que também decorre de
aspectos das reformas anteriores, de certa forma até mesmo reforçada nas
reformas posteriores. Como exemplo, o próprio Ghiraldelli aponta para o que
aconteceu com o Curso Normal, transformado, de forma abrupta e sem a
devida análise necessária, em “Habilitação Magistério”. Entendemos que tal
transformação também como uma ação de viés autoritário, não por acaso
concomitante a um período ditatorial, que desconsiderou questões
pedagógicas e estratégicas específicas do ponto de vista educacional, entre
outros aspectos, por ser área de formação docente. Outro aspecto, pertinente
ao raciocínio aqui desenvolvido, é a cooperação das empresas na educação,
ou seja, a necessidade de relacionar o modelo escolar ao modelo de expansão
econômica. Assim é possível avaliar, e aqui voltamos a recorrer aos estudos de
Romanelli, que os objetivos dessa reforma visavam ainda “[...] desviar a
demanda social de educação superior e lançar na força de trabalho boa parcela
do contingente que procurava esse nível de ensino” (ROMANELLI, 1990, p.
253).
Naquele momento, década de 1970, o departamento de ensino médio do
MEC institui Programas de Desenvolvimento do Ensino Médio (PRODEM),
viabilizados por contratos de empréstimos com o Banco Mundial (Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BIRD), de novo ratificando interferências
72
de organismos internacionais de fomentos, com seus interesses. O primeiro
projeto, segundo Marise Nogueira Ramos (2005):
foi a semente germinadora dos Centros Federais de Educação Tecnológica, projeto então voltado para conter a demanda por vagas nas universidades, cumprindo um papel intermediário entre o técnico de nível médio e o engenheiro de formação tradicional. (p. 233).
Há que se considerar, dentro do embate educação e visão produtivista,
que outras medidas foram implementadas, naquele momento e em momentos
anteriores. Voltamos a Ramos:
[...] como circunstâncias que levaram a uma política ainda mais contundente período em que a Teoria do Capital Humano e mais difundida e que tomam força os princípios da economia da educação. (ibidem, p. 239).
Convém ainda considerar aqui que foram consolidados mecanismos de
sentido radicalmente economicistas tal como o de incluir a educação dentro
dos planos nacionais de desenvolvimento econômico em suas diversas etapas
e edições, período que teve como expoente o economista Antonio Delfim Neto.
Um outro aspecto presente na lei n. 5.692/71 é o fortalecimento de dispositivos
de reprodução da ideologia do Estado, naquele momento uma ditadura militar,
pela inserção, no currículo, de disciplinas com ênfase no foco de educação
moral e cívica. Em outros momentos de ditadura os regimes de exceção
procuram substituir instituições livres da sociedade civil para que pela escola
pudessem impor ao povo uma educação em que os conceitos de moral e de
civismo estejam adequados aos seus interesses, e que contribuam para
consolidar seu projeto de poder. Foi exatamente assim no período da
legislação aqui em estudo.
Ghiraldelli lembra ainda, e isso nos posiciona em relação à legislação da
década de 1970, como elementos de reflexões na perspectiva histórica de
73
constituição das legislações que, em momento anterior, a derrubada do Estado
Novo em 1945, tendo como marco legal, que na Constituição de 1946, havia
ocorrido a supressão da educação moral e cívica e das suas idéias
subjacentes. Segundo o autor, esse papel teria sido então atribuído a “outras
instâncias, como famílias, sindicatos, Igreja, organizações religiosas ou
culturais, etc...”. A volta, pelas mãos dos ideólogos da ditadura, de disciplinas
curriculares com tais características, antes suprimidas, além de apontar
novamente para a visão utilitária da educação, pelo regime, vai apresentar
seus reflexos e conseqüências nefastas nas etapas seguintes. Considere-se
ainda que posteriormente viria a acentuar a inserção de novos setores da
produção indicando o embate educação e visão produtivista. A esse propósito,
encontramos complemento em um artigo de Ângela Martins (2000), em um
estudo sobre as diretrizes curriculares para o nosso ensino médio, que conta
com influência deste contexto político:
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros; novos mercados; mudanças no padrão de desenvolvimento, sempre desigual e reproduzindo ou ampliando desigualdades (tanto entre setores da economia quanto entre regiões geográficas); compressão do espaço e do tempo; níveis altos de desemprego estrutural; rápida destruição e reconstrução de habilidades; ganhos modestos e retrocesso do poder sindical. Harvey (1993, p. 148) aborda com muita propriedade esse aspecto. Há uma atualização, adequação acomodada e natural, um ajuste quase que automático, repassando conceitos externos para o ambiente e para os mecanismos educacionais. E a legislação regulamenta tal acomodação ou ajuste e centraliza sua aplicação.
Para regulamentar ou promover os novos ajustes, alguns desses
aspectos devem ser contemplados nas diretrizes curriculares que decorrem da
legislação educacional, visto ser a educação entendida como um instrumento
para essas mudanças.
Entendendo esse processo, reportamo-nos aos apontamentos de Cunha
e Góes (1985), em abordagem sobre diversas concepções que se aplicam às
74
muitas questões que permeiam decisões legais, decorrentes da teoria do
capital humano, de várias explicações – aqui em uma concepção, definida em
um verbete elaborado por Lalo Watanabe Minto (2006), obtido como versão
eletrônica de texto do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e
Educação no Brasil" (HISTEDBR), em comemoração aos seus 20 anos de
resgate da história da nossa educação: Navegando pela História da Educação
Brasileira – 1989-2006, que a resume assim:
o trabalho humano, quando qualificado por meio da educação, era um dos mais importantes meios para a ampliação da produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro do capital. Aplicada ao campo educacional, a idéia de capital humano gerou toda uma concepção tecnicista sobre o ensino e sobre a organização da educação, o que acabou por mistificar seus reais objetivos. Sob a predominância desta visão tecnicista, passou-se a disseminar a idéia de que a educação é o pressuposto do desenvolvimento econômico, bem como do desenvolvimento do indivíduo, que, ao educar-se, estaria “valorizando” a si próprio, na mesma lógica em que se valoriza o capital. O capital humano, portanto, deslocou para o âmbito individual os problemas da inserção social, do emprego e do desempenho profissional e fez da educação um “valor econômico”, numa equação perversa que equipara capital e trabalho como se fossem ambos igualmente meros “fatores de produção”.
Aplicada ao campo educacional, a idéia de capital humano reforçou a
vertente tecnicista, avançando no mesmo campo do fordismo/taylorismo
lançados sobre algumas metodologias pedagógicas e até mesmo sobre a
organização da educação. Isso tem forte influência nas formulações que
remeteram a educação para um papel prioritariamente utilitário no tocante a
capacitar recursos humanos para o sistema produtivo.
Cunha também explicita essas, então novas, funções economicistas,
políticas e ideológicas, presentes nas medidas governamentais que as leis
educacionais, de forma implícita ou explícita, expressam. Isso se intensificou
na década de 1990, com o predomínio de visões economicistas sintonizadas
com estratégias internacionais mais articuladas a partir da intensificação da
75
chamada globalização. Cunha ainda aponta para um outro fato: a ampliação da
educação obrigatória de quatro para oito anos, que é um princípio assumido e
defendido por todos os que têm compromisso efetivo com a educação e com a
democratização e melhoria desta – mas naquele contexto e possivelmente
prejudicada pela influência de expressões teóricas-economicistas, analisadas
anteriormente, contexto em que surgiu tal ampliação. Segundo Cunha e Góes
(1985), esse fato, orientado por aspectos relacionados ao momento político,
social e econômico, não expressou a visão e o sentido progressista que
decorre do compromisso com o avanço educacional, e sim uma sintonia com o
ideário contido no regime militar:
Na direção do sistema educacional, os defensores do ensino público e gratuito foram sendo substituídos pela aliança dos que lutavam pela hegemonia da escola particular subsidiada pelo Estado, com os militares empenhados na repressão às atividades por eles julgadas subversivas [...] quebrava-se, assim, a resistência remanescente no CFE, à colocação dos recursos governamentais a serviço dos interesses de agências internacionais e à submissão da política educacional brasileira aos seus ditames. (1985, p. 37).
Tal ideário visava dar sustentação a uma outra ingerência central
bastante representativa do momento político da década de 1970, do seu início
e até 1976, quando surgem sinais de uma “lenta e gradual” abertura política, no
Governo Geisel. Os objetivos dos quais falamos, para os quais as metas
educacionais também tinham importância tática, se ligam à meta do regime de
fortalecer as estratégias para um Brasil Potência. E com isso procurava
justificar as ações de um regime político de exceção. Aqui se corrobora o
sentido de utilização da educação como meio para finalidades extrínsecas ao
seu escopo, o que, em boa parte, explica o porquê de dualidades e
contradições educacionais persistirem ou se consolidarem apesar dos
76
sucessivos movimentos reformistas, via de regra apresentados com propósitos
de superá-los.
Segundo Cunha e Góes (1985), além do analfabetismo, que era um
sério obstáculo ao projeto megalômano, também a baixa média de
escolaridade da nossa população, inclusive considerando os segmentos
populacionais em idade de escolarização, era outro obstáculo que a lei tentaria
sanar, ainda que não passasse de discursos e intenções.
Saviani (1980) faz uma análise crítica da organização escolar brasileira
como um todo, e em tal análise o autor evidencia que o predomínio
economicista também marca a ordenação aprovada para os níveis escolares
anteriores ao superior – na lei denominados de 1º e 2º graus: “os objetivos
proclamados tendem a mascarar os (objetivos) reais”, diz Saviani (1980, p.
147-148). Sendo então a lei n. 5.692/71 de base liberal, dentro do conceito do
humanismo moderno, podemos concluir que sua inspiração é de base
tecnicista, quando examinamos seus objetivos reais, levando em conta
elementos do contexto no qual foi concebida.
Assim, os objetivos e as intenções proclamadas, passíveis de críticas
diversas em seus aspectos pedagógicos, deixariam muito a desejar, também,
em seus objetivos subjacentes. Ribeiro bem define isso quando discute os
resultados práticos anunciados pela reforma educacional no período militar: “há
muito proclamado e nunca cumprida, se configuraria melhor, a nosso ver, como
intenção de concretização parcial de objetivos proclamados” (2001, p. 195).
Os dados oficiais, por exemplo os chamados Dados da realidade
educacional, mostram que a escolaridade obrigatória teve seu tempo ampliado
de quatro para oito anos. Quantitativamente passamos de uma das mais baixas
77
exigências de escolaridade compulsória do mundo para uma das mais altas.
Assim, os objetivos do governo militar de então, de divulgar estatísticas
alvissareiras, estavam sendo cumpridos (CUNHA, 1998).
Os dados evidenciam que as condições de escolarização, mesmo no
tocante aos aspectos quantitativos, pioraram exatamente na base escolar.
Conforme dados obtidos em consultas aos bancos de dados do MEC e do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
em 1970 havia 6,5 milhões de pessoas entre 7 e 14 anos fora da escola. Em
1980, havia 1 milhão a mais, ou seja, 7,5 milhões. Os alijados da escola
aumentaram em uma década mais de 1 milhão. Eram tempos de discursos
eloqüentes mas de resultados práticos deficitários. É possível imaginar o
reflexo dessa situação em aspectos qualitativos.
Na perspectiva da teoria do capital humano os salários no Brasil eram
baixos porque faltava maior capacitação profissional. Nessa visão a
profissionalização compulsória estabelecida na nova lei resolveria tal questão
por decreto, fazendo crescer os salários e assim reduzir as desigualdades e as
injustiças sociais. Entretanto tal visão seria desmentida pelo fato de que houve
no Brasil desenvolvimento de pólos avançados de tecnologia.
No 2º grau, o resultado mais visível é o aprofundamento da sua
descaracterização; na verdade, sua caracterização nunca foi definitivamente
resolvida. As escolas normais foram desativadas e o curso de formação de
professores primários passou a ser apenas mais uma habilitação do elenco
“profissionalizante” oferecido pelas escolas, abrigando alunos que não
conseguiam vagas em cursos considerados mais promissores. As escolas
profissionalizantes de fato também foram prejudicadas, mesmo o mercado de
78
trabalho para o técnico declinou com a piora da qualidade do ensino das
genuínas escolas de formação profissionalizante, agora prevista para todo o
ensino de 2º grau.
E assim vemos que nossa educação, se considerarmos as intenções e
os resultados da lei n. 5.692/71, sequer produziu aquilo que em si propunha,
tornando ainda maiores os desafios que a legislação que viria a seguir
assumiria. E como a pseudoprofissionalização da lei n. 5.692/71 na verdade
não atingiu nenhum dos seus objetivos ensejados e desagradou a gregos e
troianos, o MEC promoveu estudos, tentando estabelecer clima mais
democrático, e enviou ao Congresso um projeto de lei, então aprovado e que
alteraria profundamente a lei n. 5.692/71. Surge então a lei n. 7.044/82, uma lei
dentro da lei, que altera a determinação de “qualificação para o trabalho” para
“preparação para o trabalho”. O cerne da questão permanece problemático,
pois preparação pode indicar qualquer coisa. A profissionalização passa a ser
um indicativo e não obrigatoriedade.
Voltamos a Cunha e Góes (1985, p. 70), sobre as conseqüências do
item profissionalização na lei n. 5.692/71:
Fracassada, então, a política de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º. Grau, a função contenedora que a ditadura dela esperava não chegou a ser desempenhada [...] as esperanças de conter os candidatos ao ensino superior... elevação das barreiras dos exames vestibulares [...] procurou-se incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área tecnológica (na área do magistério o fenômeno foi outro) [...] escolas técnicas federais [...] rebatizadas de centros federais de educação tecnológica [...] operação bem típica da ditadura – a mudança de rótulos – [...] para serem chamados de “tecnólogos”, [...] marcar a separação dos técnicos de nível médio e dos engenheiros propriamente ditos.
A falta de incentivo aos cursos de magistério é sinal revelador. A
preocupação nas reformas governamentais não era exatamente com a
educação e, sim, para viabilizar esta como meio para atingir outras finalidades,
79
no caso ditadas por aspectos econômicos e políticos. Considere-se ainda que o
cenário de cursos superiores de curta duração em profusão é bastante atual.
Da mesma forma, os vestibulares para as vagas no ensino público superior em
um cenário como o atual, marcado pelo crescimento do ensino superior
privado.
Cabe ainda responder a uma pergunta recorrente: é função da escola,
especificamente da escola do nível médio, fornecer habilitação profissional a
todos os jovens que a freqüentam? Diante do fracasso da profissionalização
compulsória, surge então o parecer n. 76/75, posteriormente, cujos princípios
foram retomados mais tarde pela lei n. 7.044/82, que restabeleceria a
modalidade de educação geral. Para o relator desse parecer, a lei n. 5.692/71
propunha que o ensino, e não a escola, deveria ser profissionalizante, pois não
havia recursos materiais, financeiros e humanos para esse fim. Esse mesmo
relator distingue duas modalidades de educação – a profissionalizante e o
treinamento profissional –, a primeira que permitiria ao jovem adaptar-se às
mudanças no mundo trabalho e a segunda como técnicas específicas para a
realização de um trabalho previamente definido. Ambos os pareceres,
separados por poucos anos, são claros no sentido da relação educação x
trabalho e de uma visão utilitária de educação.
Segundo Haidar e Tanuri (1998, p. 67), “é natural do processo fazer com
que todos os educandos cheguem à idade adulta com algum preparo par o
trabalho”. Mas, segundo os referidos autores, isso não requer atrelamento tão
direto aos interesses do mercado de trabalho, até porque este é dinâmico,
instável e flexível, ou tampouco ao sentido do desenvolvimento econômico que
traz em si interesses e embates extrapedagógicos diversos.
80
Como contraponto, para o filósofo Ortega y Gasset (1971) é mais
urgente e necessário educar o homem para uma vida criadora do que para
repetir técnicas. O ensino das técnicas é adequado para quem precisa
especializar-se numa função que não seja essencial para sua vida.
Entendemos assim haver elementos e informações que dimensionam as
contradições contidas na lei n. 5.692/71. A chamada dualidade não foi,
obviamente, iniciada por ela, mas a referida legislação acentuou contradições,
desorganizou um sistema já complexo, afetou negativamente, sobretudo o
ensino noturno da escola pública, o que resultou em formações escolares
parciais, de aspectos desencontrados.
No período imediatamente posterior, já de alguma distensão política,
houve, emergencialmente, a elaboração e aplicação de uma lei de aspecto
mais corretivo, a n. 7.044/82, que na prática cumpriu um papel de transição. A
partir daí se inicia um rico debate que resultou na atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), a n. 9.394/96. Outro contexto, talvez
novas roupagens para as mesmas questões sem superá-las naquilo que têm
sido impeditivas para um quadro melhor, do ponto de vista de resultados
qualitativos, para nossa educação básica.
2.2. A LDB n. 9.394/96: novas roupagens para velhas contradições
O contexto sociopolítico no qual se constituiu o processo de elaboração
e de aprovação da atual LDB é bastante rico. A educação brasileira vivia um
clima de intensa efervescência depois de um período em que o país conviveu
com uma legislação educacional ortodoxa e contraditória, tanto no processo de
81
elaboração quanto na etapa de implantação e de gestão prática. A ortodoxia
decorre de amarrações políticas, entre outras, que impossibilitaram qualquer
flexibilização. A chamada grade curricular exemplifica esse formato travado. Há
ainda contradições legais, pois a Lei da Reforma Universitária, resultante do
acordo MEC/USAID – ao qual nos referimos no capítulo anterior – e que
antecedeu à Lei da Reforma do Ensino de 1º e 2º graus – a n. 5.692/71 –,
chegou mesmo a alterar a lógica dos ordenamentos jurídicos da educação.
Ao longo desse período, o mundo foi alcançado por profundas
mudanças. Observe-se a revolução científica e tecnológica que provocou
alteração nos paradigmas de produção e também transformação do cotidiano
das pessoas em geral e da clientela que procura, de forma compulsória ou não,
o universo escolar. A ampliação do uso de recursos da informática gerou
impacto sobre a produção e circulação de bens. Mudaram inclusive os
conceitos de aprendizagem, desafiando a educação a buscar novos rumos. No
âmbito do MEC, algumas providências, dentro dessa lógica, foram sendo
anunciadas, ressalvando-se que, entre a intenção anunciada e a prática efetiva
do cotidiano escolar, há vácuos importantes. As mudanças de contexto
significaram mudanças nos resultados, em especial, nos resultados
qualitativos? E a dualidade principal do ensino médio, da qual decorrem outras,
foi superada? E a questão do ensino médio noturno? Neste capítulo
levantaremos algumas questões que permitirão alguns indicativos para
responder tais questões. Para abordar a LDB n. 9.346/96 e reforçando a
delimitação do universo que estamos considerando neste trabalho e o que
enunciamos é preciso considerar as diferenciações do ambiente político
82
brasileiro, conforme quadro comparativo mostrado na introdução deste
trabalho.
A lei n. 7.044/82, como vimos em capítulo anterior, formaliza o
reconhecimento oficial de fracasso da profissionalização compulsoriamente
imposta pela LDB n. 5.692/71. E a LDB n. 9.394/96 começa por retornar à
denominação de ensino médio, já utilizada na lei n. 4.024/61. Na verdade a
Constituição Federal de 1988 já havia restabelecido essa expressão. O termo
médio parece indicar algo mais prático e objetivo, ou seja, está no meio, entre o
fundamental e o superior. Tal conclusão pode produzir uma outra contradição,
uma vez que a LDB em questão estabelece o ensino médio como etapa final –
e não intermediária – da nossa educação básica, composto pelo ensino
fundamental e sua subdivisão em ciclos e agora o ensino médio que encerraria
a etapa de escolarização. O papel do ensino médio é definido, de forma
resumida, pelas seguintes funções (CARNEIRO, 2006, p. 107):
a) consolidar conhecimentos anteriormente adquiridos;
b) preparar o cidadão produtivo;
c) implementar a autonomia intelectual e a formação ética;
d) contextualizar os conhecimentos (BRASIL, 1996, lei n. 9.394).
Tais pressupostos de alguma forma corroboram com a idéia, já
apresentada neste trabalho, que considera o ambiente político e suas
interferências fatores de relevância na influência das decisões contidas nas leis
– ver quadro resumo que já apontamos na parte inicial deste trabalho –,
explicação também para a compreensão de aspectos diferenciadores e
algumas possibilidades de avanços na LDB n. 9.394/96, em relação às leis que
a antecederam. A diferença de contexto político pode explicar tais
83
diferenciações. Isso posto retornamos para questões pontuais. Para isso
citamos uma análise, possivelmente consensual, entre os historiadores da
nossa educação, aqui resumida por Costa (2001):
Findo o regime militar instala-se no Brasil um clima de livre debate, em que pese a tendência conservadora da mídia, o acontecimento mais importante foi a elaboração da Constituição Federal de 1988, na qual, na área da educação inclusive, se deu o embate entre progressistas favoráveis ao público e conservadores defensores do ensino privado. O próximo acontecimento em importância foi a primeira eleição direta, quando o projeto progressista de defesa dos interesses da maioria trabalhadora, dos pequenos empresários e dos pequenos proprietários, representado por Lula, foi derrotado por Collor, representante do projeto neoliberal defensor dos interesses estrangeiros e das elites brasileiras.
E como já dissemos o contexto em que se trava o debate das reformas
educacionais é palco de disputas políticas diversas. É preciso considerá-las, na
medida em que se afunilam as idéias, que nem sempre há consenso em torno
das idéias em debate e muitas questões que poderiam contribuir para melhor
encaminhar proposituras visando à superação das nossas mazelas
educacionais acabam por não ser incorporadas à nova lei. Voltamos ao autor
citado anteriormente:
Foi nessa conjuntura política desfavorável que se travaram o debate entre o projeto de lei do deputado Jorge Hage, defendido pelas entidades representantes dos interesses da maioria da população, e o projeto de lei do senador Darcy Ribeiro que culminariam na LDB n. 9.394/96.
Então, ainda segundo o autor das citações anteriores, reafirma-se uma
idéia já apresentada, mas que é fundamental para o apontamento que
fazemos: para superar a dualidade histórica do ensino médio brasileiro e suas
diversas formas de conseqüências práticas, é preciso olhar para a trajetória
histórica desse segmento de ensino, verificando a forma como a legislação
aborda tais questões reiteradamente apresentadas e indicar que nas revisões,
sempre necessárias, tais questões sejam observadas com maior rigor. Vamos
84
à citação: “Para situar o ensino médio após a promulgação da LDB n. 9.394/96,
é imprescindível entender as reformas na educação a partir de meados de
1995 e sua conjuntura”.
Segundo Zibas (2002, p. 12), que tem realizado de forma intensa e
recente pesquisas específicas sobre o nosso ensino médio, na última década
do século XX houve transformações diversas no campo das geopolíticas e com
estas surgem novas tecnologias de produção e de organização do trabalho.
Acrescentamos ainda um fator importante no campo educacional, em grande
expansão, atualmente: as novas tecnologias de informação que impulsionam
um elemento importante na educação brasileira em diversos níveis, ou seja, os
cursos a distância, que, embora não tratemos neste trabalho, é um aspecto
contextual de grande relevância, especialmente no que se refere aos aspectos
qualitativos que devem estar presentes no processo educacional. Tais
modificações interferem no ambiente do ensino médio, uma vez que provoca
na população, sobretudo nos jovens, a busca de uma qualificação atualizada
em relação a tais transformações. Novamente, uma das questões centrais
deste trabalho, a adaptação da educação a essas novas exigências e novos
formatos. Um outro aspecto é que esses novos desafios acentuam as
desigualdades em especial para os alunos da escola pública e ainda mais para
o aluno do ensino médio noturno, para os quais os novos recursos, quando são
introduzidos, ocorrem com atraso e defasagem. Assim a direção estratégica
voltada para uma formação vinculada para a adaptação às grandes inovações
tecnológicas traz ainda, segundo Zibas (ibidem), a insegurança do vínculo do
trabalhador com a empresa, em que se alternam períodos de sobrecarga de
trabalho com estagnação desse mesmo mercado – embora, em cenário de
85
forte desemprego, seja freqüente o anúncio de vagas de trabalho não
preenchidas em função da falta de escolaridade ou de qualificação específica
para ocupá-las. Assim, a exigência da conclusão do ensino médio, para os
trabalhadores de diversos campos profissionais, passa a ser um requisito cada
vez mais seletivo não só individualmente, afetando os alunos do ensino médio,
já mais voltados para a busca do emprego, como também o é, em um cenário
de globalização, parâmetro para a certificação da qualidade dos produtos das
empresas. Ter em seus quadros trabalhadores com pelo menos o ensino
médio passa a ser critério em algumas dessas certificações associadas à
internacionalização das economias. Obviamente esse fator se fará presente e
até com forte influência, no texto da lei, como pode ser verificado no art. 36 da
LDB n. 9.394/96, que trata do currículo do ensino médio. Essas novas
exigências do mercado de trabalho, bem como ainda algumas estratégias, que
deram reconhecido resultado quantitativo, para regularização do fluxo do
ensino fundamental – tais como a política dos ciclos escolares, da adoção
recuperação concomitante ao ano letivo –, resultaram numa aceleração da taxa
de matrícula no ensino médio, conforme mostram as tabelas inseridas ao longo
deste trabalho. Mas a política de recursos financeiros para tal crescimento não
acompanha na mesma dimensão. A escassez do financiamento desse nível de
ensino, em cenário de forte influência da ideologia do Estado mínimo, indicava
que novas formulações políticas seriam ainda necessárias. Ou seja, continuaria
havendo a situação de dualidade, contradições, desigualdades, em especial
nas diferenciações ensino público e privado e o ensino médio diurno e o
noturno, foco desse trabalho.
86
O Governo Fernando Henrique Cardoso sanciona a LDB, cujo teor de
seu parágrafo 2º do art. 1 determina que “A educação escolar deverá vincular-
se ao mundo do trabalho e à prática social”. Considere-se que tal sanção foi
precedida de intenso debate, de um lado, e não menos intensa marcação por
parte de formuladores, tanto em aspectos técnicos quanto em aspectos
políticos, das idéias representativas dos órgãos internacionais de
financiamento. Retome-se aqui o fato de que tem sido freqüente – como
naquele momento o foi – atribuir à educação papéis que extrapolariam seus
objetivos, sua precípua missão formadora e até mesmo o seu alcance e
dimensionamento, algo próximo a esperar que a educação redima em boa
parte, senão na sua totalidade, os paradoxos sociais crônicos do país. Quando
se divulga, por exemplo, que vagas de trabalho não foram preenchidas por falta
de qualificação dos candidatos, pode-se estar falando também, e de forma
subliminar, da incompetência da escola enquanto formadora em relação à
qualificação profissional específica. Seria essa então, também, a atribuição da
escola? E retorna aqui a reflexão, já conhecida, sobre dualidade do nosso
ensino médio.
E no momento seguinte ao sancionamento da lei, o então ministro da
Educação, Paulo Renato, na apresentação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), afirma que o currículo é baseado no domínio de
competências básicas e não no acúmulo de informações. Surgem então
algumas dificuldades, tais como a aplicabilidade dos PCNs, em especial nas
escolas públicas, e dificuldades em familiarizar os professores com eles, a
começar pelo uso da terminologia “competência”, que, por vezes, está
87
associada a conceitos que não são explicitados. Questões que aparecem em
uma entrevista do ministro à Revista Educação:
Revista Educação – Os parâmetros apresentam dificuldades de serem implantados fora das escolas particulares.
PRS – Quando definimos os parâmetros, sinalizei o que era educação e a formação integral da pessoa. Discuti meio ambiente, saúde, educação sexual, cidadania, pluralidade cultural. O conhecimento tem que ser contextualizado, é construtivista. Os parâmetros apontam o que há de mais moderno na educação. E é este o conteúdo para educação que nós definimos. (SOUZA, 2002).
É possível inferir que a execução prática do previsto na LDB se daria
pelos PCNs. As indefinições e as demais condições desfavoráveis que cercam
nosso ensino médio tornam a formação que dele resulta, sobretudo nas
escolas públicas, bastante defasadas em relação ao que se exigirá nos
vestibulares mais concorridos, sobretudo os das universidades públicas mais
qualificadas. Bueno (2000a) aborda a questão do vestibular no contexto da
enunciada prática social. E pergunta se
[...] os vestibulares não fazem parte da prática social? Daquelas práticas sociais ainda mais injustas na medida em que submetem a mesma prova de seleção, em especial nas boas instituições públicas de ensino superior, para nela ingressarem os jovens das elites; e os jovens das classes populares? Para esses continua havendo um fosso imenso entre as intenções anunciadas e o que ocorre na prática da escola pública.
Considere-se ainda que haja um outro vácuo a se observar dentro das
discussões como a que estamos fazendo neste trabalho, um vácuo entre o
ensino médio diurno e o ensino médio noturno. Os formuladores e depois os
homologadores das políticas educacionais incorporam aos seus discursos
temas recorrentes do universo pedagógico mais atualizado e até dos mais
comprometidos com transformações. E o resultado é assim descrito em seus
pressupostos para uma educação geral no nível médio:
segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e academicista dos currículos de Ensino Médio
88
tradicionais, reféns do exame vestibular. Vale a pena examinar o já citado Artigo 35 da lei, na ótica pedagógica. (BRASIL, 1998, p. 85-86).
Na contramão dessas intenções formais das políticas educacionais, é
preciso considerar que o exame vestibular atrai anualmente muitos jovens
concluintes do ensino médio. Novamente registramos que as desigualdades se
aprofundam, nesse momento, entre os jovens oriundos do ensino privado e os
jovens do ensino médio público, sempre considerando ainda a diferenciação
entre o ensino médio diurno e o noturno. Considere-se ainda o fato importante
de que várias universidades de ponta passaram a adotar políticas específicas
visando incluir alunos da escola pública. Isso é positivo na medida em que é
um reconhecimento das desigualdades, mas deve apontar para além do
sentido compensatório e canalizar esforços para a ampliação de vagas nas
universidades ou instituições públicas. Em pesquisa realizada junto a diretores
de escolas públicas e privada, Maria Sylvia Simões Bueno constata:
Não passa de uma argumentação um tanto incoerente dos executores das diretrizes curriculares, associando discurso pedagógico atualizado a práticas tradicionais, revela que, independentemente do novo discurso político, intensamente veiculado nas escolas, o exame vestibular constitui, ainda, a maior preocupação dos educadores. (BUENO, 2000b, p. 193).
E o vestibulando em potencial, majoritariamente jovem, ou seja, parte
considerável do alunado do ensino médio diurno, privado ou público, e, em
menor escala os oriundos do noturno, que tenha como objetivo passar pelo
crivo seletivo que o vestibular representa, terá necessariamente que se
enquadrar, na sua formação, na perspectiva da variável propedêutica do ensino
médio. Em especial aqueles alunos que disputarão as vagas das instituições
públicas e privadas mais concorridas, portanto, as de maior qualidade de
89
ensino. Costa8, ao avaliar essa mesma questão, apresenta-a pela seguinte
óptica: “Concordemos com este fato ou não, o discurso pedagogicamente
atualizado dos formuladores de políticas educacionais não pode negar esta
realidade”. Entendemos, entretanto que há participação forte de um outro olhar
que não considera essa realidade, taxando a visão propedêutica, entendendo-a
talvez como mais conservadora, taxando-a de “conteudística”, portanto, ao
descartá-la de forma pejorativa, não há a incorporação efetiva dessa demanda
dentro dos parâmetros que serão avaliados nos vestibulares mais concorridos.
Pode-se, então, verificar nos pressupostos da lei em vigor a velha
ambigüidade entre o academicismo e a profissionalização, embora em
linguagem menos direta que as consideradas em outros momentos da
legislação educacional brasileira do século XX, que falavam de propedêutico ou
da preparação para o mundo do trabalho. À guisa de melhor compreender a
lógica da reforma expressa na LDB n. 9.394/96, recorremos a Jacomeli (2007,
p. 81), que ao abordar os PCNs e os temas transversais informa que:
A legislação deixa explícita a que veio: enquanto o ensino fundamental, término da primeira etapa de formação, baseia-se quase que exclusivamente no “ensino de valores”, o ensino médio, por outro lado, ingressa, agora, numa fase em que as ciências, a tecnologia, as atividades cognitivas superiores, a síntese, a análise e a crítica são valorizadas.
Segundo os PCNs para o Ensino Médio (BRASIL, 1999), o MEC, ao
propor a reforma do ensino médio, procura atender às necessidades postas por
um cenário de profundas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais
de âmbito mundial. Em relação a tudo isso é preciso considerar
preliminarmente que, de um lado, se havia fechado o ciclo da ditadura, houve
considerável mobilização política em torno de outros processos e ações
8 Artigo consultado eletronicamente em julho de 2007.
90
políticas, tais como a anistia política para exilados e a lenta e gradual transição
que levou à instalação do Congresso Nacional Constituinte em 1987. Por outro
lado é cada vez mais acirrada a presença do neoliberalismo nos países em
desenvolvimento e, conseqüentemente, tal presença exercerá influência
determinante em decisões que se refletirão também em nossa legislação
educacional.
Convém ainda recuperar em perspectiva histórica que, no Brasil, o
direito à educação passou a ser claramente declarado em quase todas as
constituições do século XX. A educação passou a ter um capítulo próprio a
partir da Constituição de 1934, demonstrando a crescente preocupação com
esse direito. Uma citação se faz aqui necessária:
Não há no mundo qualquer carta de direitos que não reconheça o direito à instrução, que cresce de sociedade para sociedade, primeiro garantindo a elementar, depois a secundária e, pouco a pouco, até mesmo a universitária. (BOBBIO, 1992, p. 49).
Característica esta muito presente nos tempos atuais de nosso país,
onde a partir do período de redemocratização, em 1988, teve-se um
direcionamento da legislação e das políticas governamentais no sentido de
garantir de forma universalizada a instrução elementar, ou seja, o ensino
fundamental da metade dos anos de 1990 para cá, o ordenamento jurídico tem
afirmado de forma mais contundente também o direito ao ensino médio. Alguns
dados quantitativos podem evidenciar reflexos das ações enunciadas.
Considere-se ainda que, conforme Carlos Roberto Jamil Cury, que a questão
de gratuidade e obrigatoriedade é relativamente recente:
[...] Jamais uma Constituição havia posto a gratuidade, em nível nacional, após o ensino fundamental. Isto ficava reservado à autonomia dos estados e dos Municípios. De fato, a Constituição de 1824 dispunha a gratuidade para o ensino primário e só para os filhos de livres ou de libertos. A Constituição de 1934 é que estabeleceu a
91
gratuidade e a obrigatoriedade para todos e de qualquer idade no primário. A Constituição de 1967 amplia a gratuidade e obrigatoriedade para oito anos do que a Lei 5.692/71 denominaria de ensino de primeiro grau. (CURY, 2002, p. 29).
Isso é extremamente relevante com relação ao ensino médio, já que a
trajetória histórica desse nível de ensino evidencia uma grande elitização e
seletividade em sua oferta. Com a garantia da gratuidade, o ensino médio passa
por um processo de democratização, condição esta indispensável para a garantia
do direito à educação de nível médio. Considere-se também como reflexo
relevante, expressando uma visão forte do período, a participação do Brasil, em
março de 1990, aqui nos reportamos ao que Pinto Rezende (2002) analisou:
Conferência de Educação para Todos”, em Jomtien, na Tailândia, que resultou na assinatura da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Essa conferência, que teve como co-patrocinador, além da UNESCO e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Banco Mundial, vai inaugurar a política, patrocinada por esse banco, de priorização sistemática do ensino fundamental, em detrimento dos demais níveis de ensino, e de defesa da relativização do dever do Estado com a educação, tendo por base o postulado de que a tarefa de assegurar a educação é de todos os setores da sociedade.
Surge aqui duas questões problematizadoras da nossa pesquisa. A
primeira é que na medida em que se prioriza o ensino fundamental como foco
universalizador, na outra ponta esquece-se o ensino médio da mesma priorização,
o que vai acentuar – e os resultados que apontamos neste trabalho ratificam isso
– toda a problemática de contradições e dualidades desse nível de ensino. E
deve-se ainda considerar que a indicação de que o garantir a educação é de todos
os setores da sociedade remete ao objetivo implícito em tais afirmações de um
processo de desobrigação do Estado em relação ao papel que este deve ter
sempre em relação às políticas públicas, tal como a educação.
Importante destacar aqui a análise do geógrafo e pensador brasileiro
Milton Santos, abordada rapidamente no início deste trabalho, sobre os
92
cuidados para que organismos complementares ou alternativos, sempre com
alcances parciais, não queiram assumir o papel do Estado, a quem cabe
políticas de solução e de inclusão destinada a todos. Citamos aqui Oliveira
(2001), que afirma: “não poderia a educação corrigir aquilo que se edifica na
própria estrutura econômica existente”.
As nossas reformas dos sistemas trazem conceitos e propostas ou
apenas o mero uso de terminologias, tais como descentralização; gestores e
política de autonomia dos centros escolares; flexibilidade dos programas
escolares; competências e habilidades, investimento em formação continuada
de docentes; superação do conhecimento fragmentado; importância da
participação do fator humano – em contraposição à relevância dos recursos
tecnológicos como apregoava o pensamento da linha fordista/taylorista/
tecnicista/economicista – na resolução dos problemas do mercado de trabalho.
Sendo assim e considerando que os financiadores internacionais, através de
organismos como o Banco Mundial, BID, UNESCO, entre outros, vinham para
alavancar ou organizar investimentos e assim acabam exercendo forte
influência na legislação.
Considere-se que tais agências de financiamento se pautavam por
aspectos da chamada teoria do capital humano, bastante criticada por vários
acadêmicos militantes da transformação, ampliação e, obviamente, melhoria da
educação pública brasileira.
Voltando a considerar aspectos históricos, temos que a partir da
Constituição de 1988 se sinalizou, aqui em sentido progressista, que era
preciso dar à educação básica um tratamento unitário – do ensino infantil ao
ensino médio –, aprofundando o debate de questões relativas ao temário do
93
trabalho e educação, vinculação da educação à prática social e defendendo o
trabalho como componente de princípios educativos e não o inverso. Aqui é
preciso confrontar visões mais conservadoras com outras visões mais
inovadoras, especialmente diante dos conceitos do que deveria ser a formação:
a de técnicos especializados, que consideramos mais conservadoras, e, de
outra parte, a visão da politecnia. Para esse debate selecionamos conceitos
definidos por Dermeval Saviani:
Quadro 3: Quadro comparativo – conceitos politecnia e profissionalização
2º grau profissionalizante (n. 5.692/71) Formação politécnica – conceitos posteriores
Profissionalização entendida como adestramento a uma determinada habilidade sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulação dessa habilidade como o conjunto do processo produtivo. (SAVIANI, 1997, p. 40).
Domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno. (SAVIANI, 2003, p. 140).
Ângela Martins (2000), olhando para textos de documentos da UNESCO
(2004), abstrai que:
Particularmente em relação ao ensino médio, o aluno formado deverá estar apto para exercer as funções do futuro que são: capacidade de abstração; desenvolvimento de pensamento sistêmico complexo e inter-relacionado; habilidade de experimentação e capacidade de colaboração; trabalho em equipe; interação com os pares.
E remete à conclusão, da qual partilhamos, de que os apontamentos
estão em sintonia com as indicações dos organismos internacionais. Ressalte-
se assim um caráter compulsório, visto que se fazem acompanhar de
expectativas de recursos para financiamento. Muitas vezes sem considerarem
a efetiva realidade social dos países em que interferem:
Invariavelmente, os documentos orientadores internacionais não fazem, porém, referências às graves questões que afetam a dinâmica da vida em sociedade: a discussão sobre a gravidade dos índices que acusam a ausência de emprego, por exemplo, é substituída pela visão otimista de que a escola preparará, competentemente, o jovem para o mercado de trabalho. De modo
94
geral, as injustiças sociais, a distribuição desigual da riqueza e dos bens econômicos, a desigualdade nas possibilidades de acesso a um mercado de trabalho cada vez mais restrito passam ao largo das preocupações da literatura oficial da área.
Retomando a questão de fundo do nosso estudo, isto é, questões do
ensino médio, tem-se que em contrapartida o ideário da politecnia pretende
romper com a dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o
aspecto da formação humana de forma mais integral e integralizada. Nesse
contexto, ainda, as complexas questões que hoje afetam a dinâmica das
sociedades têm sido reduzidas a algumas fórmulas eficientes na educação
formal e que preconizam, dentre outros temas candentes e contemporâneos
para as reformas de ensino, a adoção de eixos centrais do que se denomina
“códigos culturais da modernidade, isto é, a formação da cidadania e a
preparação para o mercado de trabalho” (GARRETÓN, 1997, p. 129).
É aqui que podemos retomar a conclusão que as reformas até então não
haviam obtido êxito no tocante a superar a dualidade entre o propedêutico e o
profissionalizante em toda a extensão da educação básica brasileira, nos
interessando para fins deste trabalho aquilo que se refere ao ensino médio.
Verificaremos então o processo e o resultado do período 1971-1996 e,
conseqüentemente, o atual estágio da nossa educação e, de forma mais
específica, do nosso ensino médio.
Tabela 3: Matrícula inicial no ensino médio por dependência administrativa no Brasil – Anos Escolhidos
Anos Total Público 1991 3.772.698 2.753.324 1996 5.739.077 5.739.077 2000 8.192.948 7.039.529 2004 9.169.357 8.057.966
Fonte: INEP
95
Os dados anteriores evidenciam o crescente número de matrículas no
ensino médio público, sendo que em 1991 o ensino privado era responsável
por 27,00% das matrículas e o público por 72,98%; em 2004 esses percentuais
passam a ser de 12,12% no ensino privado e de 87,88% no setor público, o
que demonstra o crescimento do ensino médio público. Isso se deve aos
dispositivos legais que passaram a vigorar e que determinam que o ensino
médio, nos estabelecimentos oficiais, seja gratuito.
A seguir tabela de matrículas realizadas e de projeções de matriculados
no ensino médio a curto e longo prazo e outras informações quantitativas que
auxiliam visualizar o dimensionamento quantitativo e na compreensão do
cenário de ensino médio, na medida em que há priorização nas nossas
estatísticas educacionais dos números iniciais, ficando em segundo plano os
números seqüenciais ou complementares, como exemplo, dados de evasão.
Tabela 4: Brasil: Ensino médio – matrículas estimadas (em milhares)
Ano Matrícula % Ensino Médio/ Educação Básica
1994 4,936 13,4 1995 5,313 14,0 1996 5,739 14,8 1997 6,405 15,8 1998 6,962 16,4 1999 7,941 18,3 2000 8,774 19,8 2001 9,464 21,2 2002 10,020 22,3 2003 10,175 22,7 2004 10,297 23,1 2005 10,383 23,5 2006 10,434 23,7 2007 10,454 24,0 2008 10,446 24,1 2009 10,416 24,3 2010 10,369 24,3
Fonte: MEC/INEP/SEEC/98.
96
Gráfico 2: Proporção dos alunos que abandonaram os estudos
Fonte: Sinopse da Educação Básica – MEC/INEP, 2004.
Os dados quantitativos devem considerar o contexto de que o Brasil
deveria estar integrado à tendência internacional que tem implementado reformas
nos sistemas de ensino para atender às exigências das mudanças econômicas,
sociais e culturais em curso, empreende o Programa de Reforma do Ensino
Profissionalizante (decreto n. 2.208/97), institui as DCNEM (resolução CEB n.
3/98) e elabora os PCNs para o Ensino Médio (BRASIL, 1999). O texto da LDB de
1996 não foge a essa regra, torna-se, na prática, uma espécie de guarda-chuva
que irá abrigar uma série de outras leis e decisões legais complementares o que
pode ser evidência do açodamento e das várias interferências com que é
finalizado o processo de implementação das leis que regem nossa educação.
Com tal entendimento podemos refletir sobre a resolução CEB n. 3/98 (art. 11),
que, complementarmente à LDB n. 9.394/96, indica que a base nacional comum
terá 2.400 horas (75%), acrescidas da parte diversificada (25%), e deverá
organizar-se nas seguintes áreas do conhecimento: linguagens, códigos e suas
tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza,
matemática e suas tecnologias. Esclarece ainda que “as propostas pedagógicas
das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para
97
Educação Física e Arte, como componentes curriculares obrigatórios e
conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania”
(art. 10, § III, alínea 2ª). Em seu artigo 12 afirma que não haverá dissociação entre
a formação geral e a preparação básica para o trabalho, nem esta última se
confundirá com a formação profissional, pois será implementada acrescentando-
se mais 2.400 horas à base nacional comum, sendo que “os estudos concluídos
no ensino médio poderão ser aproveitados para obtenção de uma habilitação
profissional, em cursos realizados concomitante ou seqüencialmente, até o limite
de 25% do tempo mínimo legalmente estabelecido como carga horária para o
ensino médio” (art. 13).
Considere-se ainda o decreto n. 2.208/97 e a resolução CEB n. 3/98.
Uma questão insistentemente apontada na resolução n. 3/98 e nos PCNs diz
respeito à superação da situação provocada pela lei n. 5.692/71. Segundo
esses documentos, nos anos de 1960 e 1970 a política vigente priorizou a
formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias ou
de dirigir processos de produção, propondo, para tanto, a profissionalização
compulsória. Ângela Martins (2000) avalia que:
Contemporaneamente, os desafios são de outra ordem, pois o volume de informações produzido em decorrência de novas tecnologias tem sido constantemente superado, exigindo novos padrões de formação. A meta principal, portanto, deve ser a formação geral, em oposição à formação específica, tendo em vista a volatilidade das informações e a permanente superação de paradigmas. É de se perguntar: será que a dicotomia será realmente superada? Vejamos: a lei n. 9.394/96, em seu art. 36, procura conferir “identidade ao ensino médio uma vez que está embasada em uma proposta de organização curricular que se articula em função de um núcleo comum e em torno de áreas do conhecimento a serem desenvolvidas com todos os que ingressarem neste nível de ensino”.
Ao mesmo tempo, o decreto n. 2.208/97 propõe uma organização
curricular própria e independente do ensino médio, com possibilidade de se
cursar concomitante ou seqüencialmente ao ensino médio um outro curso
98
específico de profissionalizante, o que parece tornar ainda mais acentuada a tal
dualidade propedêutico e profissionalizante. Sobre isso, acrescente-se outra
questão, da mesma autora da citação anterior:
a tensão existente hoje entre formação escolar e o complexo mundo do trabalho sofrerá distensão apenas como conseqüência de uma provável organicidade instituída por legislação, em que a pouco esclarecida preparação básica para o trabalho pode acabar ocupando, na parte diversificada do currículo, o espaço de disciplinas que permitam, além de discutir e questionar as relações sociais de produção, a desejada formação integral do aluno? Tudo indica que a escola, ao efetuar a releitura sobre a legislação e diante das imensas dificuldades de toda ordem – operacionais; ausência de recursos humanos com a formação adequada exigida; intervenientes burocráticos etc. –, realize, mais uma vez, a “opção possível para educar os alunos para o trabalho”.
Conforme enunciado no corpo da LDB n. 9.394/96, colocando no
currículo disciplinas que, aparentemente, preenchem os requisitos imediatos de
mercado, pelo chamado elenco da matriz de competências e habilidades. Há
na estrutura administrativa maior que orienta nossa educação uma área
específica com tal finalidade, o Departamento de Políticas do Ensino Médio da
Secretaria de Educação Básica do MEC (DPEM/SEB/MEC), justificada pela
necessidade de adequar-se esse nível de ensino às mudanças postas “pela
ruptura tecnológica característica da chamada terceira revolução técnico-
industrial, na qual os avanços da microeletrônica têm um papel preponderante”
(BRASIL, 1999, p. 7). Considere-se que naquele momento, na verdade um
processo ainda inconcluso, transcorre com intensidade a instalação de novas
dinâmicas sociais, profissionais, educacionais e culturais. Dinâmicas essas
advindas do contexto de mudanças globais. Para realização da reforma
proposta, o MEC, considerando princípios definidos pela LDB n. 9.394/96,
procurou indicar as mudanças complementares ou seqüenciais que entendeu
como pertinentes. Aqui apontamos novamente o olhar crítico que se deve ter
em relação a fatores extrínsecos à educação, enquanto esses apontam para
99
interferências complexas do nosso processo educacional, sem considerar o
contexto histórico e questões legais de processos anteriores. Basta olhar a
seqüência de leis deste presente estudo: n. 5.692/71, n. 7.044/82 e n. 9.394/96.
Incorporando as diversas proposituras advindas do processo de debates
que precederam a nova lei educacional e diante do cenário de mudanças e da
visão utilitária que cerca o ensino médio em diversos momentos da nossa
história, vem ser aquele segmento da nossa educação que tem acumulado
maior contradição em relação às suas origens históricas e capacidade de
atendimento às demandas. Sobre isso Ângela Martins (2000) diz, olhando para
as diversas variáveis que cercam esse debate:
[...] a vertente científico-humanista como uma fase de transição ao ensino superior, e na vertente técnica como formação profissional voltada para iniciar os jovens no exercício de uma profissão, encontra-se defasado e questionado em ambas as versões. Se, de um lado, o ensino médio forma jovens que têm acesso ao ensino superior, de outro, há um grande contingente de jovens e adultos inseridos no mercado de trabalho que buscam acesso a novos conhecimentos que lhes permitam ascender econômica e socialmente.
Isso explica o significativo crescimento do número de alunos
matriculados no ensino médio brasileiro na década de 1990. E, como fator de
compreensão do cenário, voltamos a citar uma das maiores estudiosas sobre
nosso ensino médio, quando diz que: “A expansão das matrículas nesse nível
de ensino é expressiva: entre 1985 e 1997 mais do que dobraram,
concentrando-se nas redes estaduais e no período noturno” (ZIBAS, FRANCO,
1999). Justifica-se assim nosso foco prioritário sobre o ensino médio público e,
dentro desse, o ensino noturno.
Entre diversos documentos legais e do projeto pedagógico existentes,
reproduzimos a seguir, como a finalidade de comprovar as análises deste capítulo, a
resolução SE n. 2, de janeiro de 2006, e as grades curriculares que dela decorrem.
100
Resolução SE n. 2, de 11/01/2006 Estabelece diretrizes para a organização curricular do ensino
fundamental e médio, no período noturno, nas escolas estaduais. O Secretário da Educação, considerando: os resultados da pesquisa realizada no período de 12 a
15/12/2005, junto às unidades escolares, que aprovaram a ampliação da carga horária do período noturno;
a necessidade de que se estabeleçam normas para as unidades escolares formularem suas matrizes curriculares para o ensino fundamental e médio, no período noturno, Resolve:
Artigo 1º – Na organização curricular do ensino fundamental e médio, no período noturno, as unidades escolares deverão garantir o desenvolvimento de 5 aulas diárias, com a duração de 45 minutos cada, totalizando 25 aulas semanais e 1000 aulas anuais.
§ 1º – Educação Física deverá compor as matrizes curriculares, nos dois níveis de ensino, com 02 aulas semanais, a serem acrescidas à carga horária estabelecida e ministradas fora do horário regular de aulas, de modo a melhor atender às demandas e necessidades dos alunos que as freqüentam.
§ 2º – A distribuição da carga horária das disciplinas, que compõem as matrizes curriculares do ensino fundamental e do ensino médio, no período noturno, consta dos Anexos 1 e 2 que integram a presente resolução.
§ 3º – Na educação de jovens e adultos, observada a carga horária estabelecida no caput deste artigo, as matrizes curriculares deverão ser adequadas à estrutura e à duração dos respectivos cursos.
Artigo 2º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a Resolução SE nº 07/2005 e as disposições referentes à organização curricular do ensino fundamental, no período noturno, contidas na Resolução SE nº 11/2005. (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 12 jan. 2006, seção I, p. 19).
ANEXO 1
Matriz Curricular – Ensino Fundamental – Ciclo II Período Noturno
Séries/aulas Disciplinas
5ª 6ª 7ª 8ª Língua Portuguesa 5 5 5 5 Língua Estrangeira Moderna 2 2 2 2 Educação Artística 2 2 2 2 Educação Física ** 2 2 2 2 História 2 2 2 2 Geografia 2 2 2 2 Matemática 5 5 5 5 Ciências Físicas e Biológicas 2 2 2 2
Base Nacional Comum e Parte Diversificada
Ensino Religioso -- -- -- 1 Total Geral 27* 27* 27* 27*
* Acrescentar 5 aulas semanais a serem distribuídas entre as disciplinas constantes da matriz curricular, à exceção de Educação Física e Ensino Religioso. ** Educação Física será ministrada fora do horário regular das aulas.
101
ANEXO 2
Matriz Curricular – Ensino Médio – Período Noturno
Séries/aulas Áreas Disciplinas
1ª 2ª 3ª
Língua Port. e Literaratura 4 4 4
Educação Artística 2 2 2
Educação Física * 2 2 2
Língua Estrang. Moderna 2 2 2
Linguagens e Códigos
Total da área 10 10 10
Matemática 4 4 4
Biologia
Física
Química
6** 6** 6** Ciências da Natureza e
Matemática
Total da área 10 10 10
História
Geografia 5*** 5*** 5***
Filosofia 2 2
Psicologia -- --
Opção da Escola
Sociologia -- --
2****
Base Nacional Comum e Parte Diversificada
Ciências Humanas
Total da área 7 7 7
Total de aulas 27* 27* 27*
* Educação Física será ministrada fora do horário regular das aulas. ** Distribuir a carga horária semanal proposta pelas disciplinas Biologia, Física e Química. *** Distribuir a carga horária semanal proposta pelas disciplinas História e Geografia. **** Na opção da escola, destinar as aulas previstas para uma das três disciplinas (Filosofia, Psicologia ou Sociologia.
Esses documentos são reproduções realizadas a partir de paradigmas
definidos pelos PCNs. Eles refletem o contexto que analisamos neste capítulo
em vários aspectos e evidenciam, em alguns de seus pressupostos, a não-
diferenciação entre o ensino médio diurno e o noturno e, em outros, mostram
que a diferenciação, quando há, o é no sentido reducionista, se comparado o
102
que se aponta indicativamente para os dois turnos de ensino médio – questão
que analisaremos no capítulo seguinte deste trabalho.
Por fim, é relevante destacar a necessidade de um ensino médio noturno
repensado, mas jamais reduzido no que deve oferecer aos seus alunos. Ao
discutir sobre a necessidade de reconsiderar os objetivos e os métodos
utilizados pelo sistema educacional em nível secundário, não se propõe o
simples corte de conteúdos curriculares definidos para o período diurno, como
se fosse possível adequar o currículo deste período para o noturno sem
vislumbrar a heterogeneidade de ambos. Em vez disso, o objetivo é repensar o
ensino médio noturno de forma que atenda às demandas específicas do
público a que se destina – e certamente essas diferenças entre os dois turnos
existem, como demonstrado ao longo deste capítulo –, jamais incorrendo em
reducionismos que tentem apenas simplificar os conteúdos ministrados no
ensino médio diurno. Essa e a temática da profissionalização no ensino médio
noturno serão mais bem delineadas no capítulo a seguir.
103
CAPÍTULO 3:
O ENSINO MÉDIO NOTURNO, DIFERENCIAIS E PROBLEMAS
Após discorrermos sobre a legislação produzida no Brasil para o ensino
médio, desde 1971, abordaremos como o ensino médio noturno não é
considerado nas legislações do período, levando em conta a dimensão das
suas especificidades, ou seja, adicionalmente aos mesmos problemas
analisados em relação ao ensino médio como um todo. Sendo assim, a
melhoria das condições de funcionamento do ensino médio noturno é, sem
dúvida, uma imposição fundamental de qualquer projeto sério de
democratização do nosso ensino.
3.1. Caracterização do ensino médio noturno
É o ensino noturno, em particular o ensino médio, possivelmente o
segmento da nossa educação que enfrenta as maiores dificuldades, as
condições mais adversas, como demonstrado pelas análises nos dois capítulos
anteriores. A compreensão abrangente da problemática exige uma análise em
perspectiva histórica a partir do surgimento da escola noturna no Brasil em
formato similar, guardadas as diferenciações e dimensões de época, ao do seu
funcionamento atual. E a história aponta que a partir da década de 1940 o
Estado brasileiro passa a ser pressionado de forma mais organizada e
sistemática para atender às pressões sociais pela ampliação do acesso à
104
educação para o aluno trabalhador. Beisiegel (2002, p. 211), exemplificando,
cita a Campanha Nacional de Educação de Adultos (1947), a qual:
mediante a instalação do maior número possível de classes noturnas de ensino de adultos nas áreas rurais e urbanas de todo o território do País [...] pretendia, progressivamente, com o tempo, estender a educação primária à totalidade dos jovens e adultos ainda iletrados.
A partir de então o ensino noturno tem sido uma espécie de válvula de
escape na tentativa de responder às diversas pressões sociais por educação,
daí entendimento de que possui caráter bastante compensatório. E de acordo
com Almeida (1995, p. 22):
[...] o poder público valeu-se da instalação de classes noturnas para a expansão do ensino secundário. Assim, ao oferecer o ensino noturno, o fez pensando em expandir a Escola diurna, sem considerar que esta última fora organizada para atender ao aluno com tempo e condições diferentes daquele do noturno.
Tal visão determinou a estruturação do ensino noturno como um todo. O
ensino médio público e o da escola noturna, em especial, padece ainda hoje,
de forma acentuada, de uma indefinição em seus objetivos, ainda maior que o
ensino médio diurno. Em 1999 já dizia Marília Pontes Sposito:
[...] a escola noturna é uma necessidade, expande-se no país e é, inegavelmente, a única alternativa para a escolaridade da maioria da população brasileira. Seus problemas são inúmeros e se exprimem em todos os níveis do ensino...Mais do que diversas e de difícil solução, as questões que atingem os cursos noturnos são as que mais de perto trazem para a educação as determinações da sociedade e a desigualdade social...repensar o curso noturno de 2º. Grau no conjunto da escola brasileira exprime o desafio de, continuamente, decifrar as relações sociais que o determinam.
Tal análise também já tinha ocorrido concomitantemente ao processo da
constituição de 1988. E a tais questões a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96 tentou responder. Muito já se escreveu e
falou sobre essas relações sociais, sem que a escola noturna, e aqui focamos
o hoje denominado ensino médio, tenha sido devidamente reorganizada. E tal
105
reorganização deveria começar por algo inevitável: o reconhecimento de que o
ensino médio diurno e o noturno são distintos em diversos aspectos.
Façamos novamente uma digressão, agora dentro do período
delimitado, 1971-1996, retomando aspectos desse trabalho no que ele foca da
legislação e das suas fontes inspiradoras nas últimas décadas do século XX. É
o caso da Constituição Federal de 1988 que garantiu a extensão do ensino
fundamental enquanto uma obrigação do Estado e um direito do cidadão,
incluindo-se aquele indivíduo que não teve acesso à educação na idade
adequada. De alguma forma tal extensão interfere no funcionamento do ensino
médio, uma vez que a clientela alcançada pela abertura dessa possibilidade
poderia, em boa parte, dar prosseguimento aos seus estudos em níveis
posteriores. O artigo 208 da referida Constituição é claro a esse respeito. Seja
no inciso I, em que se lê: “ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive
para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”; seja no inciso VI, que
determina a “oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando”.
Uma observação atenta a esse artigo implicaria grandes avanços no
âmbito da educação noturna para a clientela desse segmento, composta por
jovens e adultos. O espírito da lei, marcada por um pragmatismo bastante
conciliador, é universalista. Entretanto, os críticos ao neoliberalismo apontaram
com insistência, no período anterior e posterior à LDB n. 9.394/96, que há um
sentido excludente na elaboração e também na condução das políticas
públicas no Brasil, o que inclui a educação. Ao mesmo tempo, pelo que se
pode inferir do inciso VI, o ensino noturno é que se deve adequar às condições
do educando. Isso implica uma escola noturna em sintonia com as
106
especificidades de seu público, portanto que deve ser repensada em torno de
uma perspectiva inclusiva e respeitadora do inciso constitucional, fato que não
ocorre. A partir das próprias legislações que raramente abordam, de forma
específica, o ensino médio, muito menos ainda o ensino médio noturno. Sobre
isso, e olhando, sobretudo, para alguns aspectos simplificadores que levam a
uma imaginária compensação e que gera na verdade uma paradoxal
universalização parcial. Observemos o que avalia, nesse aspecto, Altman
(2002, p. 3):
[...] conclui-se que o projeto educacional brasileiro não pode ser analisado somente a partir dos dados quantitativos apresentados pelo governo, pois, vistos por si mesmos, eles não são suficientes para uma análise sobre os efeitos da expansão do ensino. Tal expansão precisa ser analisada levando-se em conta a variação de seus efeitos em diferentes contextos. Com a expansão do ensino, não há uma eliminação da exclusão, mas a criação de novos mecanismos de hierarquização e de novas formas de exclusão diluídas ao longo do processo de escolarização e da vida social.
Mais uma vez temos que ratificar o pensamento de que, no Brasil, ocorre
visivelmente a situação contraditória de garantir nos textos legais importantes
avanços democráticos para nosso universo educacional. Mas no momento de
sua regulamentação e aplicação, várias dessas conquistas ou direitos não se
validam. São depositados no campo das boas – ou não – intenções. Há, por
exemplo, no período aqui investigado um crescente abandono governamental
no que tange ao ensino noturno. Considere-se que tal período de oferta de
ensino é destinado principalmente aos jovens que trabalham ou buscam
emprego durante o dia. A falta de uma política específica acentua o sentido da
exclusão. E isso se reforça se considerarmos que, da mesma forma, o ensino
noturno se destina aos adultos que não tiveram plena oportunidade de
escolarização em faixas etárias anteriores. Segundo Beisiegel (2002, p. 242),
“o envolvimento dos poderes públicos com a educação básica de jovens e
107
adultos analfabetos apresenta-se bem menor do que já foi no passado, nas
décadas de 1940 a 1980”.
E, atendo-nos ao período da nossa investigação e de acordo com dados
do Ministério da Educação (MEC), 56% das matrículas no ensino médio no
Brasil são no período noturno. Segundo dados da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no seu parecer sobre a
proposta elaborada pelo MEC para o Plano Nacional de Educação, em 1997, a
maior parte das matrículas do ensino médio (56%) está registrada no ensino
médio noturno. Segundo os dados constantes da referida proposta, em 1995,
do total de alunos aprovados no ensino médio regular no Brasil (3.634.660),
54,17% estavam no ensino noturno. Do total de matrículas no ano de 1996 no
ensino médio, 54,3% têm mais de 17 anos, o que constitui um público que
necessita conciliar o tempo escolar com o tempo de trabalho (MEC, 1998). No
entanto, como se pode verificar o próprio Plano Nacional da Educação
proposto pelo MEC torna-se discriminatório ao prever a ampliação das vagas
do ensino médio apenas no diurno.
Definir propostas para o ensino médio noturno requer ainda um viés
crítico constante. Saber e considerar em todo o processo analítico do caráter
compensatório dele é relevante. Nosella (1997), em seu texto apresentado à
conferência-padrão, proferida em vários encontros de educadores regionais e
nacionais no referido ano, aborda o ensino noturno enquanto ação populista
desconectada de preocupações com o efetivo avanço do nosso processo
educacional. Tratando de forma mais específica, a expansão da escolarização
pelo sistema supletivo ministrado em horários noturnos precisaria ser
repensada para ser mais que uma concessão com vistas à apresentação de
108
resultados quantitativos. Diz Nosella (1997): “[...] não é possível continuar a
fingir que o dia e a noite se equivalem e que o estudo não é trabalho”.
E mais adiante no mesmo texto, assumindo uma posição corajosa,
convencido das falácias populistas que permeiam as proposições para nossa
educação noturna, evidenciando concessões de cunho predominantemente
compensatório em muitos dos que fazem certa apologia ao ensino noturno
sem, contudo, levar em conta que na legislação o referido nível de ensino
sequer é considerado de forma específica, embora apareça nas estatísticas,
validando resultados quantitativos, diz: ”[...] não se deve ceder à tentação de
‘ajudar’ as estatísticas de escolarização nacional, sob pena de inflacionar o
sistema” (NOSELLA, 1997). Uma análise que evidencia a necessidade de
tornar a escola noturna uma escola efetiva e não apenas para justificar
contextos compensatórios ou índices quantitativos.
Podemos ampliar tal abordagem analítica para uma visão crítica em
relação ao tratamento prioritariamente quantitativo que se dá na questão de
abertura de novas salas de aula. Aliás, aqui há uma outra diferenciação que
deveria ser feita entre o ensino diurno e o noturno no ensino médio.
A característica engessada de gestão dos sistemas estaduais de
educação adota o mesmo parâmetro do mínimo de alunos para abertura de
salas de aula tanto para o diurno quanto para o noturno. No estado de São
Paulo, a legislação utilizada para definir sobre a abertura ou a manutenção de
sala de aulas é a resolução n. 69, de 2006. Não há nela diferenciação entre os
diferentes períodos, sendo definido ali um mesmo número mínimo de
matrículas, para ser autorizada a abertura de sala de aulas, tanto para o diurno
quanto para o noturno.
109
Não há como desconsiderar, entretanto, que o ensino diurno se constitui
em realidade absolutamente distinta do ensino noturno. O não-reconhecimento
desse fato tem aprofundado problemas sem que soluções se apresentem nem
mesmo em perspectiva, negando uma efetiva democratização do acesso e da
manutenção dos nossos jovens e adultos que, por razões diversas, recorrem
ao ensino médio noturno. Um dos resultados a demonstrar de forma explícita
tal situação é o fato de a perda de alunos, pelos fatores de repetência e
retenção, no período noturno, ser expressivamente maior quando comparada
ao ensino diurno. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) publicados pelo jornal Folha de
S.Paulo em 1998, enquanto o total de evasão e de retenção nas redes públicas
estaduais era de 33,58% no diurno, bastante elevado, explicitando mazelas
que compõem todo o nosso processo educacional, torna-se ainda pior no
ensino noturno, totalizando 52,08%.
Para compreender o ensino médio à luz da atual LDB e ainda
considerando todo o seu histórico, é preciso relevar os apontamentos da
análise realizada por Dagmar Zibas (2000a), a propósito da problemática do
ensino médio:
[...] o primeiro projeto da LDB, inspirado na Constituição de 1988 e construído de forma muito democrática, acabou sendo atropelado por uma outra formulação, elaborada nas esferas oficiais e oficiosas, e que se aproximava das recomendações das agências internacionais. “... Castro & Tiezzi (2005, p. 126) reconhecem que “a matriz de inspiração da reforma brasileira, concretizada por meio da nova LDB, sancionada em 20 de dezembro de 1996, e nos decretos posteriores, foi o novo paradigma educacional que passou a orientar a maioria das reformas educativas de ensino médio e profissional no mundo durante os anos de 1990.
O ensino médio, que a atual LDB estabelece como etapa final da
educação básica, tem historicamente, no segmento noturno, uma expressão,
110
papel e caráter eminentemente compensatório. No contexto da chamada
dualidade do ensino médio, as mazelas do ensino médio noturno podem ser
uma das expressões da dualidade original. Da mesma forma como as
diferenciações, bastante evidentes, entre o ensino médio público e o privado.
Resumidamente, podemos ver nele, ensino noturno como um todo,
ressalvando que o nosso foco é o ensino médio, o objetivo, de viés
compensatório, de atender aos adultos que não tiveram acesso ao processo
educacional em faixa etária anterior. Um outro objetivo é atender aos jovens –
e também adultos – que estudam em período noturno por exercerem atividade
profissional durante o período diurno. A atual LDB e seus normativos
complementares, em alguns momentos, evidenciam o sentido de separação
entre o propedêutico e o profissionalizante e ora apontam para uma tentativa
de conciliação. Há nos pressupostos da lei o apontar de que a educação
básica, incluindo o ensino médio, seria uma etapa preparatória para o ensino
profissionalizante. O ensino médio, então, numa perspectiva de responder aos
interesses do mundo economicamente competitivo, encerraria em si, para boa
parte dos seus alunos, essa profissionalização, por fatores determinados por
um amplo processo de globalização. Vejamos um trecho da lei a esse respeito:
A melhoria da qualidade da educação profissional pressupõe uma educação básica de qualidade e constitui condição indispensável para o êxito num mundo pautado pela competição, inovação tecnológica e crescentes exigências de qualidade, produtividade e conhecimento. (BRASIL, 1999a, p. 16).
Em termos de ensino médio, neste período mais recente, em que houve
um expressivo crescimento do número de matriculados nessa etapa, situada
entre os níveis fundamental e superior, o ensino médio noturno apresenta
alguns aspectos contraditórios adicionais, em relação ao ensino diurno e que,
111
segundo interpretamos, expressa, a partir da dualidade original, uma outra
vertente dual, acentuada por aspectos decorrentes de desigualdades que
evidenciam fortemente o sentido social do ensino noturno.
Segundo informe do INEP (1999), dos 6.968.531 alunos matriculados
neste nível de ensino no ano de 1998, 54,7% estavam assistindo aulas no
horário noturno. No caso da Região Norte o índice era de 60,85% de matrículas
nesse mesmo horário. Ainda de acordo com os dados do INEP, do conjunto de
alunos matriculados no ensino noturno profissionalizante, aproximadamente
66% têm renda familiar de até seis salários mínimos. Já no ensino diurno a
maior concentração de alunos situa-se em clientela com renda familiar superior
a seis salários mínimos. Esses dados demonstram que a distribuição do
alunado obedece também a um critério socioeconômico, reforçando o aspecto
compensatório do ensino médio noturno. Assim considerando, observemos
duas tabelas, a primeira um quadro geral de matrículas na década de 1990.
Tabela 5: Ensino médio – matrículas por dependência administrativa
Ano Total Federal Estadual Municipal Particular 1991 3.770.230 103.092 2.472.757 176.769 1.017.612 1996 5.739.077 113.091 4.137.324 312.143 1.176.519 1997 6.405.057 131.278 4.644.671 362.043 1.267.065 1998 6.968.531 122.927 5.301.475 317.488 1.226.641 1999 7.769.199 121.673 6.141.907 281.255 1.224.364
Fonte: INEP. Censo da Educação Básica (vários anos).
Como se pode observar houve um expressivo crescimento no número
absoluto de matriculados ao longo da década de 1990. A maior parte das
matrículas ocorre nas redes estaduais, vindo na seqüência as matrículas da
rede particular, mas em escala bem menor. Enquanto o número de
matriculados nas redes públicas estaduais cresceram exponencialmente, na
rede particular houve certa estabilidade. Tais dados quantitativos corroboram o
112
pressuposto deste trabalho, que considera de significância estudar o ensino
médio pela perspectiva de sua dualidade histórica, situando-a também na
legislação e verificando os reflexos desses aspectos no atual ensino médio,
regido pela LDB de 1996, com influência da Constituição de 1988, observando
de forma mais específica os reflexos desses fatores no ensino médio noturno.
A tabela a seguir mostra a distribuição das matrículas no ensino médio
noturno, por dependência administrativa:
Tabela 6: Matrículas (absoluta e relativa) no curso noturno por dependência administrativa
Ano Brasil (%) Federal (%) Estadual (%) Municipal (%) Particular (%) 1996 3.218.713 56,1 26.824 23,7 2.634.935 63,7 229.118 73,4 327.836 27,9 1997 3.580.602 55,9 33.043 25,2 2.943.037 63,4 267.461 73,9 337.061 26,6 1998 3.817.688 54,7 25.799 21,0 3.282.352 62,0 232.863 73,3 276.674 22,6 1999 4.235.633 54,5 24.960 21,0 3.745.924 61,0 201.642 71,7 263.107 21,5
Fonte: INEP. Censo da Educação Básica (vários anos).
Podemos verificar que também aqui a maior parte das matrículas
encontra-se sob responsabilidade dos sistemas estaduais. Tomando por
referência o estado de São Paulo, os programas de reavaliação pertinentes ao
ensino médio, em suas linhas gerais, não tratam, via de regra, de forma
específica o ensino médio noturno, embora seu alunado seja bastante
expressivo. Certamente a questão não é diferente nas outras redes estaduais.
Em boa parte da década de 1990 o ensino médio noturno chegou a concentrar
o maior número de matrículas do ensino médio público. Neste momento o
ensino médio noturno sofre, sobretudo em áreas de escolas mais antigas,
intenso processo de diminuição em seus aspectos quantitativos. Um ponto de
relevância que aqui mencionaremos à guisa de adicionar elementos para a
análise é a questão do financiamento necessário a dar sustentação ao
processo de expansão de matrículas. Se houve aumento substancial de
recursos investidos no ensino médio, dentro do período delimitado para este
113
estudo (1996), as informações indicam que em 1996, segundo o governo, o
Brasil teria gasto 6% do Produto Interno Bruto (PIB) com educação. Os
Estados Unidos 6,8% e a França 5,3%. Tais percentuais, entretanto, se
relativizam quando confrontados com outros. Senão vejamos: PIB Brasil 1996:
US$700 bilhões; Estados Unidos: US$5,7 trilhões; França: US$1,1 trilhão.
Naquele ano a França apresentava 57 milhões de habitantes, sendo 14
milhões entre 0-14 anos, e reservou US$58 bilhões para a educação; o Brasil,
152 milhões de habitantes, 49 milhões entre 0-14 anos, reservou US$43
bilhões (menos dinheiro para mais do que o triplo de gente), conforme dados
do jornal O Estado de São Paulo (26 set. 1996). Esse é um fator de aspectos
complexos, variáveis políticas diversas e diretamente vinculadas, em dimensão
política, à opção governamental para as políticas públicas. Considere-se que
na década de 1990 houve, no Brasil, intensificação da visão política associada
a aspectos do neoliberalismo, foco na redução da participação do Estado, o
chamado “Estado mínimo”.
As escolas públicas têm reduzido significativamente o número de salas
de aula do noturno. Certamente essa visão economicista contribui para tomada
de certas decisões, apesar dos argumentos técnicos. Diminuem, sobretudo, as
salas de ensino regular. Há algum esforço para que se mantenha o chamado
ensino supletivo ou a educação de jovens e adultos (EJA), de caráter ainda
mais compensatório, segundo entendemos suas características. A diminuição
da demanda é o argumento mais utilizado, e pode ser questionado, uma vez
que os critérios aplicados ao ensino noturno, em seus vários aspectos, são
basicamente os mesmos que orientam o segmento diurno. Desconsidera-se
um fator determinante, isto é, as características e as especificidades do ensino
114
médio noturno. Tal consideração deveria ocorrer, em alguns itens, decorrentes
de comparação com o mesmo segmento educacional disponibilizado no ensino
diurno e na perspectiva de superação da dualidade histórica, propedêutico ou
profissionalizante, do qual as questões sobre o ensino médio noturno é um dos
reflexos.
Dagmar Zibas (2005b, p. 49), já citada neste trabalho e considerada uma
das maiores conhecedoras do ensino médio brasileiro, aborda isso com
precisão, apontando algumas das razões possíveis para a ausência de uma
discussão mais específica sobre o ensino médio noturno e o reflexo dessa
ausência na adoção das políticas públicas referentes a ele:
Outro aspecto revelador dos fundamentos político-ideológicos das DCNEM e de seus desdobramentos é a omissão quanto ao caráter necessariamente diferenciado dos cursos noturnos. Os documentos oficiais, muito sintomaticamente, não se detêm nessa característica histórica do ensino médio brasileiro, não sugerindo qualquer abordagem que pudesse compensar a maior complexidade dos problemas enfrentados pela escola noturna. Essa tentativa de ignorar o caráter predominantemente noturno das redes estaduais de ensino médio vem a reboque do Plano Nacional de Educação (Brasil, 1997) que não previu, para o decênio, aumento de vagas para matrículas no ensino noturno regular. O objetivo implícito nessas orientações políticas é o de “diuturnizar” o ensino médio... que nos coloca na contramão de outros sistemas educacionais, inclusive de países latino-americanos.
Não nos parece que um país como o Brasil, com quadro grave – e
crônico – de desigualdade social, e que em decorrência disso possui grande
número de adultos ainda sem o ensino médio, também com número
significativo de jovens que, após a conclusão do ensino fundamental, passam a
exercer atividade profissional remunerada durante o dia, possa abrir mão de
um projeto claro e imprescindível de política pública em relação ao ensino
médio noturno. Sobre isso voltamos a Zibas (2005a):
há indícios de que a aposta na “diuturnização” do ensino médio regular veio acompanhada, em diversos estados, do incentivo para
115
que os alunos mais velhos optassem por cursos supletivos. Adicionalmente, as características extremamente perversas da distribuição da renda nacional não garantem que será possível, em médio prazo, à maior parte das famílias, evitar a submissão de seus filhos ao desgastante regime trabalho/escola, mesmo daqueles com idades entre 15 e 17 anos (faixa ideal para a freqüência ao ensino médio). Nesse cenário, parece explicitar-se o viés ideológico e político que está por trás da omissão dos documentos oficiais quanto às necessidades especiais dos cursos noturnos regulares de ensino médio.
Tomemos como exemplo o município de Campinas, que conta com duas
diretorias de ensino. Nos últimos anos, no âmbito da Diretoria de Ensino Leste,
que jurisdiciona as escolas mais antigas, localizadas na região central e em
bairros adjacentes ao centro, tem havido processo de intensa desativação de
salas no período noturno, sobretudo salas de EJA, termo que substitui o antigo
supletivo. Os dirigentes e os supervisores argumentam que a demanda tem
diminuído pelo fato de que as chamadas correções de fluxo escolar têm
alcançado a população e que, também, esta tem sido alcançada também por
um processo de envelhecimento ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade
na área não tem acompanhado, na mesma proporção, a de envelhecimento.
Esse argumento faz sentido. Mas há outros fatores relacionados à política
pública de ensino que podem estar exercendo influência determinante nesse
processo de desativação. A falta de uma perspectiva específica e mais bem
definida para o ensino noturno, decorrente da ausência de pressupostos
direcionados para o ensino noturno na própria LDB, resulta em desmotivação
para jovens e adultos. Um outro aspecto a ser considerado pode ser a
aplicação do mesmo critério, para definição da abertura de salas noturnas de
ensino médio, que se aplica ao período diurno – ambientes claramente
diferenciados que são tratados como se fossem iguais.
No estado de São Paulo, a resolução oficial que orienta a quantidade
mínima de alunos para a abertura ou manutenção de salas é, como já
116
verificamos, padronizada para os diversos turnos. A falta de revisão ou de
incorporação de dispositivos que garantam a obtenção do que se pressupõe na
legislação determina o seu não cumprimento.
Na outra ponta, a Diretoria Oeste, à qual compete supervisionar escolas
mais distantes da região central, bairros de grande densidade populacional, com
taxas de natalidade diferentes, a realidade social é um pouco diferente, embora
tenha havido recente fechamento de algumas salas. Na década de 1990, em
especial imediatamente após a nova LDB, houve um expressivo crescimento do
número de matrículas no ensino médio. A partir de 2005 tem havido decréscimo.
Observemos as duas tabelas a seguir, demonstrativos da cidade de Campinas e,
acreditamos, representativos de uma situação mais geral:
Tabela 7: Tabela com quadro de salas noturnas em Campinas
2002 2003 2004 2005 2006 589 salas 591 salas 441 salas 401 salas 494 salas
Fonte: Área de planejamento das Diretorias de Ensino Leste e Oeste/Campinas.
A seguir apresentamos o caso de duas escolas da mesma região da
cidade de Campinas, uma com redução e outra com ampliação do número de
salas noturnas:
Tabela 8: Escola 1
2005 2006 2007 11 salas noturnas 08 salas noturnas 03 salas noturnas*
Tabela 9: Escola 2
2005 2006 2007 10 salas noturnas 10 salas noturnas 11 salas noturnas**
* somente EJA ** EJA e ensino regular Fonte: Secretaria das escolas – a Escola 1 fica próxima ao Shopping D. Pedro e a Escola 2 em bairro ao lado da Central de Abastecimento de Campinas S. A. (CEASA), com alunado que integra vários trabalhadores da área hortifrutigranjeiros oriundos do Nordeste, do Paraná e de Minas Gerais.
117
O crescimento de salas de aulas noturnas no ensino médio inclui muitas
salas de EJA, nomenclatura atualizada do supletivo. Inclui ainda espaços de
educação denominados telessalas, nas quais são utilizados materiais da
Fundação Roberto Marinho. Há duas questões a serem consideradas na
modalidade EJA, o que não deixa de ser uma forma aligeirada, mensurada do
ponto de vista qualitativo. Sobre isso Marques (1997, p. 43) nos diz:
a abertura dos cursos noturnos tem sido um dos artifícios utilizados pelos sistemas estaduais de ensino para responder às pressões sociais, ampliando a rede sem grandes investimentos. Discutir, pois, a democratização e a qualidade do ensino básico exige um olhar especial para a escola noturna, lugar por excelência onde os jovens trabalhadores buscam não só a qualificação para o trabalho, uma ocupação mais digna, o saber para a sobrevivência, mas também um espaço de sociabilidade e de troca de experiências que ultrapassam as dimensões do processo instrucional.
Se o ensino médio regular enfrenta as diferenciações e dificuldades que
nesta dissertação já apontamos, é de esperar que a versão compacta, pela
EJA, versão atual da modalidade suplência, enfrente problemas adicionais.
Boa parte dos alunos dessa modalidade é oriunda dos processos
educacionais que visam alfabetizar adultos. Há um componente de resgate e
de inclusão social que precisa ser considerado objetivamente, ao mesmo
tempo em que se trabalhe para que a escola noturna, inclusive a EJA, venha a
ter maior qualidade educacional, indo, portanto, além de aspectos de
compensação social a que se propõe e verificados na trajetória histórica do
ensino noturno. É um desafio considerável atrair o adulto para a escola. E após
sua inserção é grande o risco de evasão. Segundo dados do INEP (2004),
menos de 30% desse alunado conclui os cursos. As causas, apontadas em
diversos estudos, são variadas, como as apresentadas em matéria da revista
Nova Escola, edição de novembro de 2003:
118
desde material didático inadequado para a faixa etária, conteúdos sem significado, metodologias infantilizadas aplicadas por professores despreparados e em horários de aula que não respeitam a rotina de quem estuda e trabalha, até a falta de uso da realidade do aluno como eixo das aulas. (RIBEIRO, 2003).
E assim, reiterando um relevante problema do ensino noturno, não se
pode desconsiderar que, após a alfabetização, garantir a continuidade dos
estudos é outro desafio. “Quem já sabe ler e escrever quer também fazer o
Ensino Fundamental e o Médio”, afirma Vera Masagão Ribeiro (2003),
coordenadora da organização não-governamental Ação Educativa, responsável
pela elaboração do material didático de EJA distribuído pelo MEC.
Tabela 10: EJA no Brasil – número de matrículas
1999 3.071.906 2000 3.410.830 2001 3.777.989 2002 3.779.593 2003 4.240.703
Fonte: INEP.
A ausência de uma visão específica para o ensino médio noturno, além
de evidenciar a visão compensatória que lhe é aplicada, determina, na prática,
o aprofundamento de desigualdades e isso significa reprodução da velha
dualidade, expressa agora nas diferenciações entre ensino noturno e diurno ou
ainda entre o ensino público e o ensino particular. Sendo o foco principal deste
trabalho o ensino médio público, citamos Kuenzer (2002, p. 43):
A escola pública de Ensino Médio só será efetivamente democrática quando seu projeto pedagógico, sem pretender ingenuamente ser compensatório, propiciar as necessárias medicações para que os menos favorecidos estejam em condições de identificar, compreender e buscar suprir, ao longo de sua vida, suas necessidades em relação à participação na produção científica, tecnológica e cultural.
Se essa é uma verdade para o ensino médio no geral, o é em particular
para o ensino noturno desse segmento. Considere-se ainda que o ensino
119
médio noturno conta com salas da modalidade EJA e há ainda a realização
anual por parte de diversas Secretarias de Estado da Educação (SEEs) do
chamado provão eliminatório, no qual os alunos conseguem eliminar total ou
parcialmente as disciplinas do currículo a partir de uma nota mínima, resultante
do acerto de pelo menos metade do total das questões da prova. Há ainda,
pelo menos no estado de São Paulo, alguns Centros Estaduais de Educação
Supletiva (CEEs), com horário flexível para alunos trabalhadores. São ao todo
22 CEEs, com cerca de 100 mil matriculados em horários flexíveis.
Mesmo o ensino médio particular noturno tem sido caracterizado por
oferecer a chamada EJA de forma mais facilitadora em relação ao ensino
público e, principalmente, por ofertar cursos de forte apelo profissionalizante,
direcionando para o mercado de trabalho. São cursos muito específicos,
complementares ao ensino médio comum e que com supostos programas de
bolsas de estudos, através de convênios com empresas, tem atraído
expressiva clientela de trabalhadores dessas empresas conveniadas.
Assim, de um lado temos escolas públicas de ensino médio, com oferta
no período noturno, aplicando uma espécie de simulacro do currículo
estabelecido pela LDB e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). De
outro, considerando o forte apelo que decorre da necessidade de estabelecer
vínculo imediato com o emprego, gera um quadro que, uma vez mais, não é
favorável ao ensino público. O ensino médio noturno oferecido por
estabelecimentos particulares tem predominantemente o enfoque
profissionalizante. Senão, vejamos:
120
Relação de cursos oferecidos por escolas particulares de ensino médio em Campinas:
Escola A – 600 alunos ensino noturno modalidade profissionalizante
Cursos: • Técnico em Enfermagem
• Técnico em Administração de Condomínios
• Técnico em Gestão Contábil, Fiscal e Negócios
• Técnico em Gestão Empresarial e Negócios
• Técnico em Logística
• Técnico em Marketing e Vendas
• Técnico em Recreação, Turismo e Hospitalidade
Escola B: 900 alunos matrículados
Cursos: • Administração
• Análises Clínicas
• Design e Projeto de Games
• Edificações
• Eletrônica
• Enfermagem
• Especialização em Enfermagem do Trabalho
• Especialização em Meio Ambiente
• Estilismo e Moda
• Farmácia
• Gastronomia
• Gestão da Qualidade Total (Não disponível)
• Informática – Sistema de Informação
• Logística
• Mecatrônica
• Nutrição e Dietética
• Publicidade e Propaganda
• Química
• Radiologia Médica – Raio X
• Segurança do Trabalho
• Turismo
• Web Design
(Fonte: página na internet de duas escolas particulares localizadas no centro de Campinas.)
121
Para melhor compreendermos tal situação, na prática reprodução de
uma dualidade que se expressa de diversas formas, é preciso então alinhavar
aqui um pouco de informações a respeito do perfil médio do aluno do ensino
noturno.
3.2. O perfil do aluno do ensino noturno
Há alguns anos, o perfil e as características dos alunos do ensino
noturno eram estudados a partir da categoria genérica de adulto trabalhador.
Atualmente, o ensino noturno atende a alunos bastante diversos em idade e
interesses. Desde adultos que passaram pelos processos de alfabetização, até
aqueles que retornaram aos estudos após anos de afastamento da escola.
Verifica-se que o critério de idade não nos permite mais caracterizar esses
alunos, visto que há uma diferença com relação à expectativa de
escolarização, bem como às diferenças de inserção na vida social, de
expectativas e experiências diferenciadas do mundo do trabalho, das
responsabilidades familiares. A diversidade é mais complexa e requer que se
conheça esses segmentos levando em conta seus diversos aspectos. Pelas
situações de exclusão social, possuem características distintas, expressas, por
exemplo, nas categorias de gênero, de faixa etária, de religiosidade, de etnia,
de origem rural/urbana, de regiões diferentes, entre outros aspectos.
Considerem-se ainda os ritmos de socialização e de aprendizagem – inclusive
em relação à leitura e à escrita. Conclui-se então que uma efetiva inclusão
requer estudo de diferentes variáveis. Recorremos aqui a uma citação de
Gonçalves, Passos e Passos (2005, p. 3), sobre a problemática do ensino
122
médio noturno a partir de uma pesquisa que realizaram no estado do Rio, mas
que certamente é representativa de todo o universo brasileiro de ensino médio
noturno:
Embora os cursos diurno e noturno tenham características pedagógicas diferentes, eles têm a Proposta Curricular organizada e efetivada como se fossem idênticos. Esta evidência exige uma profunda reflexão: o ensino noturno deve ser oferecido de forma idêntica ao diurno? Até que ponto a escola pública pode avaliar para criar um aprendizado coletivo e uma dinâmica de mudança? De que forma professores e alunos podem criar um aprendizado coletivo?
Alguns alunos são transferidos para o horário noturno por interesses da
escola e não por seu próprio interesse. Há freqüentes argumentos por parte da
equipe escolar, por mim presenciados e dos quais participo enquanto professor
da rede pública paulista, que assim se resumem: “tal aluno, por ser
indisciplinado, deve ser encaminhado para o noturno...”, ou ainda “a situação
desse aluno não é de aspecto pedagógico, mas sim social...”. Os conceitos
subjacentes na fala das equipes escolares carecem de um estudo à parte, mas
ajudam a compreender um pouco da situação estigmatizadora que também
cerca o ensino médio noturno. E surge aqui a convivência entre duas
categorias distintas: o adulto, conforme condições já descritas, e o jovem que
acaba de concluir, por exemplo, o ensino fundamental. Outros tiveram uma
relação inicial com a escola e voltam a estudar após anos. Não se deve
esquecer que a sociedade valoriza quem estuda, por isso alguns decidem
estudar no noturno porque confere certo grau de status e de liberdade. O
noturno também recebe um contingente de alunos do diurno: os “repetentes”,
os “defasados”. Isso tem aumentado significativamente a heterogeneidade
desse perfil de alunado. Segundo Arroyo (s.d.):
A idade social confere uma certa identidade comum a todas as faixas e se torna mais marcante do que as diferenças de idade
123
cronológica. Por exemplo, alguns jovens são prematuramente obrigados a serem adultos, a inserir-se na vida adulta, parte deles ora já estão no mundo do trabalho, ora constituem família prematuramente, ora trabalham para ajudar no sustento dos familiares... Outros, porém, estão à margem do trabalho, integram-se às gangues e a diversos grupos, como o Funk, Hip-Hop, avessos a determinadas formas de organização social postos pelo sistema, afirmam-se pela marginalidade, dentro da “contra-ordem”.
É preciso que os levantamentos de dados sejam constantemente
atualizados e que sejam efetivamente considerados quando da tomada de
decisões, quer sejam as de caráter geral, para toda a rede, que sejam aquelas
mais setorizadas ou localizadas. Como já dissemos, em nossa pesquisa
bibliográfica tivemos conhecimento de uma interessante pesquisa realizada na
região da baixada fluminense (GONÇALVES, PASSOS, PASSOS, 2005, p.
347), da qual reproduzimos alguns dados por entendermos que tais
informações são representativas do universo que estamos tratando neste
trabalho, possibilitando melhor compreensão de questões associadas ao
universo pesquisado.
Quadro 4: Perfil do alunado noturno – CEPK-RJ
% ALUNOS 48% Faixa etária entre 15 e 19 anos
Gênero 48% Sexo feminino Faixa Etária 48% Sexo masculino Faixa etária entre 15 e 19 anos
Ocupação 43% Desempenham trabalho assalariado 44% Desempregados 14% Nunca trabalharam
Fonte: Pesquisa realizada no CEPK, Rio de Janeiro, 2005. 250 alunos do universo de 911 que estudavam no noturno CEPK – Belfort Roxo-RJ.
Os jovens constituem uma parcela significativa no ensino médio noturno
da escola pública. É praticamente a maioria. Assim, é de extrema importância
discutir, nesse contexto, também a categoria juventude. Os estudos sobre
juventude têm contribuído para entender essa categoria do ponto de vista
124
sociológico, mostrando que ela deve ser considerada uma categoria
heterogênea, chegando a utilizar o termo juventude para melhor descrevê-la.
Os autores consideram que a juventude é uma categoria inventada pelos
adultos; entretanto, torna-se cada vez mais difícil defini-la; quando muito,
podemos elaborar provisórios mapas relacionais. Carrano (2000, p. 12)
defende:
A maneira mais simplista de uma sociedade definir o que é um jovem é estabelecer critérios para o situar numa determinada faixa de idade. Parece mais adequado, entretanto, compreender a juventude como uma complexidade variável, que se distingue por suas maneiras de existir nos diferentes tempos e espaços sociais. Os jovens na sociedade não constituem uma classe social, ou grupo homogêneo como muitos pensam, mas compõem agregados sociais com características continuamente flutuantes.
Considere-se ainda que a clientela do ensino noturno também inclui
alunos de faixas etárias um pouco mais avançadas, na modalidade regular e
alunos adultos, evadidos da escola em suas faixas etárias anteriores e até
mesmo aqueles que nem acesso tiveram à escola até então e chegam ao
ensino médio após processos que tiveram início nos programas de
alfabetização de adultos. Dessa forma, a heterogeneidade do coletivo de
alunos do noturno aponta para um desafio adicional: há a necessidade de que
os programas curriculares, a equipe gestora e de docentes e a própria escola
construam uma educação mais ampla e flexível, que permita a integração de
valores, idéias, tradições, costumes e aspirações, que assuma a diversidade e
a pluralidade existentes nas turmas do noturno. Mas há fortes barreiras nesse
sentido. O currículo é relacionado compulsoriamente aos PCNs, que por sua
vez tentam refletir, na prática, os pressupostos e conceitos da LDB.
Há um outro componente a ser considerado em uma análise sobre o
ensino médio noturno à luz do nosso contexto educacional básico numa
125
perspectiva da legislação: os fatores socioeconômicos e da macropolítica são
relevantes, posto que indubitavelmente interferem nas decisões tomadas.
Citamos aqui um trabalho produzido por uma equipe do Espírito Santo (2004),
que, ao estudar o ensino noturno para jovens e adultos, o estabelece dentro do
seguinte contexto econômico e político:
Pode-se afirmar que atualmente o capitalismo vive uma etapa denominada padrão de acumulação flexível, o Estado adota o pensamento econômico denominado neoliberalismo, no qual o mercado deveria ser livre, competitivo. Nesse modelo, a competitividade internacional da indústria brasileira passa a modelar as propostas para a reestruturação do Estado, da educação e da formação profissional.
Como temos analisado ao longo deste trabalho, há diversos interesses
que tentam estar representados nas decisões concernentes ao nosso processo
educacional. Para a indústria, numa visão do capital, o sistema educacional
brasileiro representa um complicador e deve ser melhorado no processo de
busca pela competitividade. Capacitação específica, eis o maior problema para
a formação de recursos humanos, na perspectiva do mundo do trabalho, isto é,
capaz de alavancar a produtividade e a competitividade da indústria brasileira.
As estratégias para que os objetivos pretendidos sejam atingidos são
insistentemente divulgadas, e encontram ressonâncias, pelo pensar, também
nos debates educacionais. Tal pensamento defende que a educação deve
fazer parte da estratégia para o alcance dos objetivos anunciados. Consideram
os representantes dessa visão, como fato, que o sistema de ensino está
afastado das verdadeiras necessidades por eles apontadas e que seria gerador
do desenvolvimento econômico. Os problemas apontados são diversos, a
persistência dos altos índices de analfabetismo, por exemplo, e a crítica à não-
universalização. Simplificar, quando se deve problematizar, seria adotar um
caminho que aponte, em seus conceitos e diretrizes, uma noção de educação
126
geral conciliatória com formação profissional. É o que está presente, de forma
direta ou indireta, na LDB n. 9.394/96, em orientações quanto a uma formação
da cidadania e direcionadas para a produtividade. Analisando o problema
Rodrigues (2002, p. 114) esclarece:
É proposta a valorização da educação, mas uma valorização interessada. A educação está sendo agora conclamada a atender às novas demandas do padrão de acumulação flexível, sendo usada como álibi para os rejeitos do modo de produção capitalista. Em outras palavras, a educação que convém à burguesia é aquela determinada pela busca de uma economia competitiva.
Quanto mais se acentuou, ao longo dos anos de 1990, por exemplo,
situação também recorrente nas leis educacionais das décadas finais do século
XX, a crise econômica e social, mais a educação dada aos jovens e adultos
assume relevância política. E isso evidencia o caráter imediatista de algumas
medidas legais no campo da educação. A formulação de propostas
educacionais resultantes desse imediatismo ocorre com cenário das
desigualdades sociais, expressas nos alunos em diversas formas. São eles
levados a ter uma visão de que o esforço individual será determinante para
uma vida melhor. O termo que se usa é “autonomia”, mas em tom de ameaça,
pois dependerá dele. Prova disso é, como foi anteriormente, o freqüente
anúncio de vagas de empregos não preenchidas em virtude de baixa
escolaridade ou qualificação docandidato. A educação, assim, tem sido usada
ideologicamente como um artifício para justificar a existência de desigualdades
sociais e compartilhar com a vítima a busca da solução. Tal processo tem sido
denominado na literatura que versa sobre a complexa relação educação x
trabalho e a relação da escolaridade com empregabilidade de um processo de
culpabilização da vítima. Na verdade, trata-se de um problema matemático:
têm-se X números de empregos e Y números de pessoas que precisam ocupar
127
as vagas existentes. Que pessoas conseguirão esses empregos? Se a seleção
for justa, se a disputa for leal, os mais qualificados, de fato, estarão
empregados. Matematicamente, porém, esse pessoal que ficou de fora, por
mais que tenha estudado, sempre estará correndo à margem da competição
pelo emprego, pois sempre haverá alguém que se destaque mais no grupo.
Portanto, a qualificação é necessária, mas resolve apenas um problema
individual, e não o de todos. Para Bock (2000, p. 16):
Uma das saídas para tentar começar a resolver esse dilema é conscientizar, de modo a conseguir romper o casulo do individualismo, que leva à percepção de que o problema é algo meramente pessoal. É um problema pessoal de fato, no entanto está inserido num contexto, é uma questão social, econômica e política.
A busca do trabalho, seja pela experiência, ou então pela necessidade
imediata de inserção profissional, merece especial destaque na clientela do
ensino noturno. Mas pensar o ensino noturno referindo-se apenas à dimensão
do mercado de trabalho é reduzi-lo a uma função meramente pragmático-
tecnicista, transformando o aluno em um mero técnico. Em lugar de reduzir o
processo educativo à mera preparação para o mercado de trabalho, pode-se
avançar em direção a uma concepção mais ampla, que aponte para a
formação integral do indivíduo. A capacitação para o trabalho deve dar-se com
esse enfoque, um enfoque que vá além do preparo robótico para o exercício de
uma atividade remunerada. A ênfase deve ser dada no enriquecimento do
indivíduo, considerando suas experiências, pensamentos e outros fatores
individuais, tal como sua visão existencial. Com isso, ao propor um ensino
médio noturno valorizado em suas especificidades, que reconheça e trabalhe
em prol das necessidades prementes de seu público – heterogêneo desde sua
composição –, o que este estudo tenta viabilizar é um processo educativo que
128
encontre ressonância ao que é proposto pelo conceito de diversidade,
valorizando a diferença como elemento fundador de toda intervenção
educativa.
Reportamo-nos aqui a um texto de uma equipe da SEE-ES (2004), em
reflexão sobre o ensino noturno, no qual apontam que o aluno desse segmento
educacional não deveria ser visto como:
[...] como passivo no processo histórico, mas capaz de converter-se em agente consciente de interpretação, criação e transformação. É preciso afastar-se de propostas simplificadoras, reducionistas, aligeiradas, uma vez que essa perspectiva, aparentemente democrática e solidária, é, na realidade, crivada de preconceitos e não concorre para a construção da verdadeira democracia. Deve-se respeitar a história, os desejos e sonhos dos sujeitos, considerando questões de diversidade sociocultural e regional das organizações envolvidas.
No ensino noturno de educação básica brasileira parece que a
concessão fica estabelecida em um espaço que permite apenas reproduzir o
previsto também para o ensino médio diurno, este com condições e clientelas
bastante diferenciadas.
Uma ação permitida pelo espaço restrito do ensino noturno é o de formar
um aluno para agir como técnico, com visíveis limites, muito embora ele possa
ser capaz de ir além. Há inclusive certo estigma, em processos de seleção, em
relação ao aluno do ensino médio noturno. Outro aspecto a ser considerado,
além do que é próprio do ensino noturno e que certamente teria que contar
com tratamento específico, é que há questões que variam de escola para
escola, em função de peculiaridades do contexto particular de cada
estabelecimento. Assim, uma proposta de ação específica para o ensino
noturno teria de levar em conta dois princípios importantes para superar a
questão: a flexibilidade das normas gerais e a autonomia didática, conforme
pressupostos encontrados na própria LDB n. 9.394/96, sem, contudo, incorrer
129
no equívoco de se perder em particularismos. Importante ainda considerar e
recuperar o pensamento de Anísio Teixeira ainda em meados da década de
1950, defendendo de modo veemente a importância da flexibilidade do sistema
escolar:
[...] não iremos conservar e muito menos repetir esses monstruosos códigos de educação, mas fixar na lei apenas os objetivos amplos e claros da escola e dar-lhe recursos para que ela se crie ou se reajuste e cresce e se aperfeiçoe dentro das condições do ambiente, autônoma e responsável, procurando, apesar da diversidade de programas e de condições, certa equivalência de resultados, dentro dos objetivos comuns. (TEIXEIRA, 1971, p. 462).
O desafio ensejado na citação anterior está recolocado de forma
permanente. A bem da verdade a questão foi reiterada em cada reforma
educacional havida no Brasil nas décadas finais do século XX. Mesmo que as
novas leis que se sucederam tivessem como enunciados e pressupostos
alterar a situação do ensino médio, ao não focar de forma específica o ensino
noturno provocava piora em um quadro já complexo. E seus efeitos
ultrapassaram o século passado e estão sendo cada vez mais visíveis no
século XXI, representado por um ensino médio ainda indefinido, vacilante entre
ser propedêutico ou em ser profissionalizante com desigualdades inaceitáveis,
entre o ensino médio público e o privado e desconsiderações em relação ao
ensino noturno, visto em muitas das reformas como instrumento de repasse de
quesitos colocados pelo universo produtivo. Assim, torna-se pertinente citar
Marise Nogueira Ramos (2005, p. 241):
No horizonte permaneceu a necessidade de se construir um projeto de ensino médio que supere a dualidade entre formação específica e formação geral e que desloque o foco de seus objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana.
Se isso é um forte desafio para o ensino médio como um todo, o é ainda
mais para o ensino médio noturno, com características, alunado, agentes
130
diversos, infra-estrutura, de certa forma, bastante distintos em relação ao
ensino diurno, como já dito.
E as demandas dos jovens e dos adultos de ensino médio noturno em
relação à escola, suas expectativas, seu perfil, sua condição socioeconômica
deveriam ser sempre consideradas e terem análise particularizada, sem
contudo, reiterando, cair em particularismos. O que o aluno pensa tem
ressonâncias no que ele espera da escola como contribuição para sua vida e
os processos que devem ter influenciado a construção dessas demandas.
Conclui-se que a grande complexidade dos problemas da escola noturna se
sobrepõe e interage continuamente, dificultando muito qualquer intervenção
para solucioná-los. Nesse contexto o papel dos próprios professores, inclusive
na mediação desses problemas, é diferenciado em relação ao outro período. E
com essa visão fica evidente a carência de uma organização escolar adequada
e de aulas objetivas, dentro de um projeto pedagógico que considere esses
pressupostos. Todo esse quadro resulta em evidente exclusão em relação às
etapas posteriores da trajetória acadêmica, o nível superior. Reportagem da
Agência Social, denominada “A marca da desigualdade”, explicita tal marca em
um trecho que transcrevemos:
Os números da Fuvest são gritantes em relação à exclusão social de quem faz o noturno. Apenas 398 (3,5%) dos 11.402 alunos matriculados em 2004 estudaram exclusivamente à noite – quase quatro vezes menos que o percentual de inscrições (12,4%) de oriundos do noturno em relação ao total. Este percentual, por sua vez, exibe por si só a falta de confiança de quem estuda à noite: eles representam 43% do total de alunos do ensino médio público no País, mas nem tentam entrar numa universidade como a USP. (CASTILHO, CASTRO, 2006).
O tratamento diferenciado para pior dado à educação noturna pelas
políticas educacionais, nas esferas federais e estaduais, a começar pelos
processos de novas legislações educacionais, parece inserir-se dentro do
131
espírito de valorização de determinada clientela do sistema de ensino – aquela
que está em situação correspondente ao chamado fluxo correto das séries,
dentro da faixa etária assim definida. Automaticamente isso estabelece a
tendência de excluir a escola noturna, ainda que os discursos de dentro e de
fora da escola o neguem. Seu alunado, em boa parte, está fora da faixa etária,
também, no que se refere ao ensino médio. Parece haver uma tendência muito
nítida em direcionar a maior parte dos recursos do Estado para o ensino
fundamental e, de forma subjacente, para o ensino diurno. O noturno abriga um
grande número de alunos jovens e adultos trabalhadores que “já encontraram o
seu lugar” no mercado de trabalho, e implicitamente isso gera uma questão,
visto por que perder tempo com esse período? Se a lógica do Estado,
carregada por um grande elenco de interesses que tentam disputar o processo
educacional, deve guiar-se pela análise da relação de investimento que deve
dar retorno econômico, isso vai à contramão da consideração específica aos
setores menos “rentáveis”, dentro do raciocínio economicista que expressam.
Um setor não tão rentável estaria no ensino noturno, que aqui, pelo que se
evidencia, tem amplo sentido social, nem sempre acolhido pela escola,
enquanto equipamento que integra o complexo chamado Estado. É uma
questão fortemente política. E, assim considerando, também como reflexão,
cabe outra citação de Marcos Martins (2000 p. 13):
a classe subalterna enfrenta um obstáculo em sua disputa pela direção do complexo social, que é a falta de uma visão coerente e homogênea de mundo, o que lhe permitiria contrapor-se à exploração econômica a que é submetida através do Estado, como agência político-ideológica da visão de mundo da classe dirigente
Assim podemos também compreender por que geralmente se reservam
ao ensino noturno medidas paliativas, transitórias ou de caráter compensatório.
132
São pequenos retoques num sistema de ensino que é, em verdade,
discriminatório. A começar por não dar o tratamento específico, considerando
seu universo, seus agentes, seu alunado e as perspectivas e possibilidades
desses, tratando-o como um apêndice do ensino diurno, aplicando-lhe o
mesmo currículo e demais critérios de funcionamento e atrasando a adoção de
algumas medidas, como, por exemplo, a inserção de disciplinas como
sociologia ou filosofia, que ocorreu primeiramente para o diurno, por exemplo.
3.3. Uma crítica à diuturnização do ensino médio noturno
A escola noturna possui uma série de características próprias que
indicam o desafio de repensá-la de acordo com as suas especificidades.
Primeiramente, o fato de estar mais associada ao adulto, fato que não ocorre
com o diurno. Geralmente o adulto está inserido no mercado de trabalho. O
jovem aluno do ensino médio, foco do nosso trabalho, também está engajado
em uma atividade profissional remunerada ou está em busca dessa condição e
o estudo o ajudará nesse processo. Considere-se que escola noturna surge
como uma resposta à expansão do sistema de ensino sem que as condições
adequadas ao seu funcionamento sejam criadas, o que desencadeia vários
problemas como a sua precariedade de funcionamento. Por fim, nos últimos
anos, a inserção de alunos cada vez mais jovens e de desempregados na
escola noturna tem aumentado, fruto da exclusão social a que estão sendo
submetidos, tornando-a mais complexa (ALMEIDA, 1995). Isso tudo tem
contribuído para a estigmatização dos seus alunos e profissionais.
133
Os alunos do curso noturno chegam à escola com cultura e valores
construídos na sua experiência de vida e na sua trajetória como pessoa
(DAYREL, 1996). Isso considerando, cabe à gestão da escola noturna o
desafio de construir um modelo de atendimento a um público diferenciado, com
identidade e especificidades que não devem ser simplificadas, de pensar uma
estrutura de organização e funcionamento aberto à diversidade social, cultural
e econômica de quem chega ao noturno. Não se propõe, com isso, um ensino
médio noturno “reduzido”, totalmente separado no processo educativo geral,
simplificado em relação ao ensino médio diurno, com o argumento de que o
perfil de alunos do ensino noturno, em função de seu foco no mundo do
trabalho, exige que a escola lide com conteúdos simplesmente adaptados
(“reduzidos”) do ensino diurno. Em vez disso, o que se propõe é a aceitação da
diversidade, da diferença e das especificidades que o público da escola
noturna requer, primando por um processo educativo de inclusão, que
considere os anseios dos alunos – inclusive considerando o mundo do trabalho
como um objetivo. O primeiro passo nesse sentido certamente será dado com
a revisão, tanto teórica (por meio da legislação) quanto prática (por meio da
atuação da instituição escolar), da dualidade propedêutico x profissionalizante
no ensino médio noturno.
As reflexões sobre a escola noturna não podem prescindir de considerar
as experiências desenvolvidas por diferentes atores sociais que dela
participam. No vácuo deixado pela ausência do Estado nos últimos anos no
que tange à EJA, setores dos movimentos sociais e a sociedade civil como um
todo têm ocupado um lugar de importância, o que pode trazer novas
perspectivas de ensino para um período que é marcado pela exclusão em
134
relação ao diurno. Convém retomar que as ações do movimento social não
devem ter a pretensão de substituir o poder público para não cumprir o
equivocado papel de tentar substituí-lo naquilo que deve ser de
responsabilidade dos governos em seus diversos níveis, e, sem querer,
endossar a idéia do Estado mínimo, ainda bastante forte em países como o
Brasil. Sobre isso, na perspectiva de reforçar o aproveitamento das
experiências inerentes ao ensino médio, citamos Leão (1998):
Os grupos que atuam na formação de jovens e adultos – nos movimentos sociais, nas universidades, no próprio ensino regular – têm experiências riquíssimas do ponto de vista político-pedagógico, as quais não devemos desconsiderar.
Reafirmamos as ressalvas estratégicas anteriores. Na pesquisa para
o presente trabalho verificamos que algumas administrações municipais
demonstram essa preocupação em resgatar as experiências, com a
finalidade de dar uma nova qualidade à escola noturna. Entretanto, as redes
estaduais devem também incorporar esse desafio, visto terem um grande
contingente de alunos no noturno sob sua jurisdição. Há contribuições e
experiências fora dos modelos oficiais de organização da escola.
Experiências muitas vezes localizadas e dispersas, mas com aspectos
metodológicos que incorporam a experiência sociocultural do aluno
trabalhador e a sua realidade. Tais experiências precisam ser conhecidas,
divulgadas e serem direcionadas para que componham o esforço de revisão,
socialmente qualitativo, para a educação noturna brasileira em especial para
nosso ensino médio. Repetência e evasão, sobretudo a segunda, são
questões problemáticas da escola noturna. Como aponta Haddad (2001):
”Um problema recorrente nos cursos noturnos é a inadequação entre o
tempo escolar e o cotidiano dos seus alunos, caracterizando um sistema em
135
que o aluno é permanentemente excluído do sistema de ensino por meio da
evasão e das repetências seguidas”.
Como a escola não se adapta ao tempo e ao cotidiano dos alunos
trabalhadores, os alunos desistem e, em virtude disso, terminam sendo
culpabilizados e, quando permanecem matriculados, são estigmatizados como
alunos “desinteressados”, entre outros qualificativos equivocados. Como nos
lembram Haddad e Pierro (1994, p. 12): “[...] a escola terá que redimensionar o
seu atendimento, encontrando modos que, sem renunciar à sua função
precípua de preservação, transmissão e produção do conhecimento, possam
efetivamente ir ao encontro dos limites impostos pelas condições concretas de
vida da população trabalhadora”.
Leão (2003) aponta, na busca de equacionamento da questão tempo do
aluno noturno e tempo da escola do mesmo período, uma questão não muito
clara na legislação, ao longo da história, e até mesmo no período mais recente
que aqui estudamos. Ao propor um acordo entre as partes interessadas,
apontando medidas pontuais, aborda que a lei deveria prever a adequação do
tempo do aluno e da escola, senão vejamos:
Medidas concretas podem ser tomadas com o objetivo de liberar o tempo dos alunos do curso noturno – sejam as negociadas localmente com empresários e sindicatos de empregadores, sejam aquelas incorporadas na lei por governos e parlamentares para adequar os tempos da escola ao tempo do aluno.
E aponta a necessidade da devida distinção entre diferentes espaços de
ensino na escola pública e particular:
O ensino noturno pauta-se pela aplicação dos mesmos programas, livros, materiais didáticos e métodos do ensino diurno, acompanhados da mesma estrutura de funcionamento e gestão – horários, espaços etc. A estratégia utilizada pelos professores, dada a inadequação entre as realidades, tem sido de ações próximas ao paternalismo. É preciso problematizar o que, como, para que, e para quem ensinar, tendo em vista a especificidade sociocultural e as
136
condições concretas de vida de quem chega à escola noturna. Assim, um grande desafio coloca-se no âmbito da formação de professores. Estes são formados para o ensino regular diurno.
Tem muita razão esse apontamento. Verifica-se facilmente que não há
nas instituições de ensino superior, até mesmo nas instituições de maior
qualidade e abrangência, um olhar de capacitação para uma atuação
específica na escola noturna. Prossegue Leão (2003):
O cenário no qual se desenvolve o ensino noturno acentua ainda mais o quadro de pauperização dos profissionais, muitos deles completando a jornada já em terceiro turno. É possível melhorar a qualidade do ensino noturno com professores ainda mais aviltados em suas condições de trabalho e vida? Nem mesmo os cursos de formação continuada, nos quais tem havido algum investimento por parte das redes estaduais, consideram de forma mais específica e aprofundada a realidade da educação noturna. Um desafio urgente é a adoção de uma política de profissionalização dos educadores que atuam no ensino noturno. Sem isso não há como proporcionar um ensino de qualidade na escola noturna. Reformas pretensiosas tornam-se um engodo quando as condições materiais para que sejam efetivadas não são disponibilizadas. O ensino noturno, assim como de certa forma ocorre com o diurno, possui particularidades que requerem tempo para atualização profissional, reuniões pedagógicas, programas de aperfeiçoamento, trabalho coletivo etc.
Na rede estadual pública paulista, por exemplo, a escola noturna só
pode contar com um professor coordenador pedagógico se tiver mais de 10
salas em pleno funcionamento. Num cenário de fechamento de salas de aula à
noite, como verificamos, há uma tendência evidente de piora na qualidade em
um quadro já bastante comprometido.
Jovens e adultos trabalhadores que demandam o ensino noturno o
fazem enquanto um direito constitucional. Chegam à escola com seus
diferenciais e buscam efetiva inserção social, não só para o trabalho, que vai
além do imediato de obter um diploma ou a possibilidade de ascensão
profissional e social. Referenciamo-nos agora em um apontamento contido em
um trabalho realizado no Rio de Janeiro (GONÇALVES, PASSOS, PASSOS,
2005, p. 346).
137
De um modo geral, o cotidiano do ensino noturno apresenta uma característica singular, pois recebe um alunado esgotado, que na sua grande maioria, chega à escola após uma jornada de trabalho. Um alunado que já chega reprovado pelo cansaço, que se evade e desiste da escola, porque o que aprende na sala de aula pouco tem a ver com o mundo do trabalho.
Não achamos que a escola deva reproduzir apenas mão-de-obra para o
mundo do trabalho. Mas negar que isso também faça parte do seu universo é
estar distante de uma realidade prática dos próprios alunos. O desafio está em
fazer isso dentro de uma visão mais ampla, ensejada pelos princípios
educacionais emancipadores. Precisamos de equipes profissionais que tenham
a sensibilidade, e condições práticas, de responder a esses anseios.
Recentemente algumas redes estaduais, como a paulista, ampliaram a carga
horária do noturno – para o diurno tal fato já houve bem antes. Não deixa de
ser uma medida positiva. Ocorre que tomada isoladamente, torna-se inócua. E
aqui reportamo-nos novamente a Leão (2003):
A idéia de que a ampliação da carga horária isoladamente irá solucionar os entraves educacionais parece ser uma posição ingênua. O grande problema das nossas escolas não é a quantidade de escolarização, mas a qualidade do tempo que se passa na escola. O tempo escolar não tem sido rico o suficiente do ponto de vista da formação.
A formação do noturno precisa ser alcançada por uma visão qualitativa,
que não se mede apenas pelo tempo mais amplo ou por haver transporte de
medidas já testadas no diurno sem a devida diferenciação.
Importante ainda conhecer, ainda que não seja possível aprofundar o
item neste trabalho, a visão de um outro segmento importante que atua no
universo escolar e no período noturno e que tem importância adicional: os
professores, sobre os quais pincelamos em partes anteriores deste trabalho
fragmentos de seus discursos. Nesse sentido reportamo-nos ainda à mesma
pesquisa abordada anteriormente, realizada em uma escola de Belfort Roxo,
138
Rio de Janeiro, que resume um pouco do posicionamento – representativo para
outros espaços brasileiros da educação noturna – dos professores que atuam
nesse período de ensino, outros dados de interesse a esta pesquisa,
apresentados a seguir.
Ao responderem sobre as razões de não ministrarem aulas motivadoras,
os professores apontaram os seguintes motivos:
Quadro 5: Aulas desmotivadoras: razões que os professores apontam
% Professores 40% falta de tempo para planejamento 28% n. de aulas e n. de alunos por sala 20% falta interesse por parte dos alunos 12% falta de motivação dos docentes
25 professores, de um universo de 40 do ensino noturno do CEPK. Fonte: Gonçalves, Passos e Passos (2005).
Relaciono à temática deste capítulo um artigo de Lisete Arelaro,
publicado em 1988, uma década antes da LDB n. 9.394/96, também antes,
portanto, da Constituição de 1988, no qual a autora discorre sobre como o
ensino básico no Brasil foi historicamente construído, como um instrumento de
exclusão social por meio de uma estrutura educacional e de uma cultura
escolar não inclusiva. Segundo Arelaro (1988), um desafio premente “É a
superação dessa condição que se torna um desafio político para os
educadores, mesmo que atualmente possa parecer démodé falar em
engajamento social, trabalho coletivo, utopia etc.”. É um desafio ainda mais
urgente e relevante para o ensino médio noturno brasileiro.
Nos capítulos anteriores referimo-nos ao fato de ser repassado à escola
o papel de resgate de várias questões sociais. No início da primeira década do
século XXI foi intensificada uma visão baseada em anseios dos jovens que
apontam esperar que a escola seja um espaço de atividades culturais,
139
esportivas e sociais, de encontro com os amigos. Uma pesquisa realizada
sobre os jovens do ensino médio e suas representações sociais (FRANCO,
NOVAES, 2001, p. 179) verifica que os jovens enxergam na escola um espaço
de relevância no aspecto sociabilidade, sendo a escola um lugar de “fazer
amigos e conviver com pessoas”, em especial para os alunos pertencentes a
segmentos socialmente menos favorecidos.
O alunado jovem do ensino noturno já assume responsabilidades
familiares e profissionais. Em suas comunidades são raros equipamentos
públicos de esporte e lazer. É preciso avaliar com cuidado o que a escola
pode fazer diante desses novos desafios de ser espaço de acolher situações
comunitárias em virtude da falta de outros equipamentos sociais adequados.
Requer cuidado adicional atentando para que esse não venha a ser ainda
mais um elemento de diferenciação noturno/diurno, na medida em que
introduz atividades extracurriculares. Há que se verificar a inclusão dos
alunos do noturno nesses processos comparativamente ao aluno do diurno.
De qualquer forma, no estado de São Paulo tal acolhida foi intensificada no
início do século XXI, e deve ocorrer o mesmo em outros estados da
federação, visando inibir a evasão e o absenteísmo, e até mesmo para
diminuir a violência social nas escolas. Mitrulis (2000) apresenta um
direcionamento reflexivo que nos serve como referência:
É preciso atentar para a possibilidade de que essas atividades não estejam propriamente orientadas para “práticas sociais” no sentido em que estão previstas nas finalidades definidas na nova LDB. Isso porque ais atividades nem sempre se fazem acompanhar de um esforço de compreensão relacional dos determinantes econômicos, políticos, sociais e culturais das desigualdades sociais presentes na situação e, consequentemente, não propiciam a reflexão e o preparo do aluno para ma maior atenção às alternativas de intervenção na realidade que as origina e as multiplica.
140
Necessitamos que a escola noturna deixe de ser um espaço de
representação compensatória à população, que, na verdade, tem direito a uma
educação de qualidade e capaz de transformar realidades individuais e sociais,
vista como um direito social de fato. Parte preponderante dessa tarefa está nas
mãos do poder público. Ressalve-se que boa parte do período analisado por
este trabalho confrontou com uma forte visão de desobrigar, parcial ou
totalmente, o Estado em relação às políticas públicas sociais, como a
educação. Há que intensificar pressões para que se possam exercer sobre o
poder público governamental em todos os níveis. Mas a ação política dos
profissionais da educação tem relevância especial nesse processo. Deve ser
cotidiano o esforço por transformar a escola que temos, na contramão do
processo avassalador representado pela estrutura de gestão escolar com visão
excludente, apostando numa escola noturna que corresponda aos anseios do
alunado que a freqüenta no referido período, avaliando que essa clientela, na
maior parte dos casos, possivelmente se constitui de trabalhadores formais ou
informais. Qual a qualidade da escola noturna que queremos? Certamente que
vá além de um balanço positivo resultante do confronto taxas de matrículas e
conclusões de curso, segundo entendemos e concorrendo para a constituição
de um modelo para o ensino noturno devidamente considerado nas suas
especificidades.
E isso é possibilitar ao estudante brasileiro de ensino médio das escolas
públicas, inclusive do noturno, disputar vagas nas nossas universidades
públicas de maior qualidade. O quadro a seguir mostra a seleção para ingresso
em uma universidade e uma faculdade isolada pública paulista.
141
Unicamp Famerp Total Geral
Tipo de Escola do Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes
Ensino Médio Número % Número % Número % Número % Número % Número % Particular 26.961 58,4 1.725 59,3 2.434 71,4 72 58,1 29.395 59,3 1.796 59,2 Público 14.999 32,5 940 32,3 535 15,7 30 24,2 15.534 31,3 971 32,0 Mais Público 995 2,2 62 2,1 98 2,9 3 2,4 1.093 2,2 65 2,1 Mais Particular 1.173 2,5 67 2,3 98 2,9 6 4,8 1.271 2,6 73 2,4 Particular/Público 109 0,2 10 0,3 3 0,1 0 0,0 112 0,2 10 0,3
Outro 200 0,4 13 0,5 4 0,1 0 0,0 204 0,4 13 0,4
Em branco 1.758 3,8 92 3,2 239 7,0 13 10,5 1.997 4,0 105 3,5
Unicamp Famerp Total Geral
Tipo de curso do Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes
Ensino Médio Número % Número % Número % Número % Número % Número % Técnico 4.377 9,5 485 16,7 120 3,5 11 8,9 4.497 9,1 496 16,4 Magistério 437 1,0 21 0,7 15 0,4 0 0,0 452 0,9 21 0,7 Comum 28.292 61,2 1.549 53,3 2.083 61,1 68 54,8 30.375 61,2 1.617 53,3 Comum/Vestibular 10.059 21,8 713 24,5 888 26,0 29 23,4 10.947 22,1 742 24,5 Supletivo 601 1,3 26 0,9 20 0,6 1 0,8 621 1,3 27 0,9
Exterior 125 0,3 11 0,4 11 0,3 0 0,0 136 0,3 11 0,4
Outro 319 0,7 3 0,1 18 0,5 1 0,8 337 0,7 4 0,1
Em branco 1.985 4,3 101 3,5 256 7,5 14 11,3 2.241 4,5 115 3,8
Unicamp Famerp Total Geral
Período do Ensino Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes Candidatos Ingressantes
Médio Número % Número % Número % Número % Número % Número % Diurno/manhã 32.797 71,0 2.042 70,2 2.702 79,2 79 63,7 35.499 71,6 2.121 69,9 Diurno/tarde 2.109 4,6 163 5,6 158 4,6 6 4,8 2.267 4,6 169 5,6 Noturno 3.761 8,1 176 6,1 78 2,3 5 4,0 3.839 7,7 181 6,0 Mais tempo no diurno 2.064 4,5 97 3,3 80 2,4 6 4,8 2.144 4,3 103 3,4 Mais tempo no noturno 1.428 3,1 58 2,0 49 1,4 2 1,6 1.477 3,0 60 2,0
Integral 2.022 4,4 264 9,1 91 2,7 12 9,7 2.113 4,3 276 9,1
Outro 212 0,5 13 0,5 6 0,2 0 0,0 218 0,4 13 0,4
Em branco 1.802 3,9 96 3,3 247 7,2 14 11,3 2.049 4,1 110 3,6
Fonte: Vestibular UNICAMP 2006. Disponível em: <http://www.convest.unicamp.br/estatisticas/ perfil/ erfil2006.pdf>.
142
Os resultados, que carecem ainda de reflexões mais aprofundadas,
corroboram com a defesa de uma urgente revisão e uma aposta na
qualificação do nosso ensino médio noturno, em vários aspectos, e nos anima
a continuar esta pesquisa em outros enfoques do mesmo universo aqui já
demonstrado. Os dados do quadro apresentado apontam alguns indicadores já
resultantes da formação havida na vigência da LDB n. 9.394/96, que aqui
abordamos, ou seja, dez anos depois da referida lei; resultados que
representam um cenário que precisa mudar – e que, esperamos com este
trabalho, contribua para reflexões nesse sentido.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme expusemosanteriormente, esta dissertação foi estruturada em
três capítulos, além da Introdução e das Considerações Finais. No primeiro
capítulo, denominado “Problematizando questões sobre o ensino médio
brasileiro”, foi apresentado o estado-da-arte do ensino médio brasileiro,
sobretudo o público e noturno, analisando os pressupostos curriculares em que
se baseia e as dualidades e contradições que, apesar de três reformulações
por que passou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) entre
os anos de 1971 e 1996, se universalizam, ratificando problemas que
abordamos em todos os capítulos do presente trabalho.
No segundo capítulo, “O fracasso da profissionalização compulsória
amplia a dualidade diurno–noturno. A lei n. 5.692/71 e a LDB n. 9.394/96”,
apresentou-se com maior grau de detalhamento o impacto que as
reformulações da LDB entre 1971 e 1996 ocasionaram na dualidade entre o
ensino médio ou o público, entre o propedêutico e o profissionalizante.
Por fim, o terceiro capítulo, “O ensino médio noturno, diferenciais e
problemas”, apresentou uma análise sobre os reflexos que a legislação causa
no ensino médio público noturno neste início do século XXI, verificando de que
forma o mundo do trabalho e as necessidades do alunado são incorporados à
prática pedagógica das instituições escolares. Com isso, pretendeu-se apontar
alternativas para o ensino médio em geral, sobretudo aquele que acontece no
período noturno e que é destinado a uma parcela determinada da população –
jovens em busca de empregabilidade e adultos que procuram concluir os
estudos que não puderam quando jovens.
144
Propusemos neste trabalho discutir as possibilidades de repensar o
ensino médio na perspectiva de sua dimensão histórica, como forma de
superação de diversos de seus problemas. Nesse sentido, a análise da
legislação educacional compreendida entre o período delimitado (1971-1996)
serviu como um bom ponto de partida para verificar que diversos problemas da
educação básica brasileira, entre eles a persistente dualidade entre ser o
ensino médio propedêutico ou profissionalizante, têm sua origem na própria
legislação, que reafirma em cada revisão antigos problemas.
À guisa de conclusão, apontamos que a integração entre as diversas
disciplinas dentro de um projeto político-pedagógico específico, com a
necessária ação interdisciplinar, não ocorrerá apenas por decreto. Há que
inserir de forma efetiva, neste debate, aqueles que atuam no ensino médio, a
saber: experiências vivenciadas nas escolas a partir dos alunos, professores,
gestores e instâncias oficiais, considerando que há urgência em incorporar a
realidade específica do noturno no temário de questões da nossa educação.
Como finalização deste trabalho e no sentido de permitir que as
questões aqui tratadas tenham seu debate ampliado, vem ao encontro o filme-
documentário Pro dia nascer feliz, de 2006, dirigido por João Jardim. Essa obra
apresenta um retrato bastante atual sobre a juventude brasileira, a partir do
contexto escolar de ensino médio. Com depoimentos de alunos de 14 a 17
anos em escolas de cidades diferentes ao redor do Brasil, o documentário tenta
traçar o que pensam os adolescentes de hoje, sem uma visão preconceituosa,
seja contra alunos de colégios públicos ou particulares ou entre moradores da
capital e do interior. Sem generalizar e tentando manter imparcialidade, o filme
revela as semelhanças e diferenças entre os jovens, mostrando suas
145
expectativas de futuro. São jovens em faixa etária de ensino médio. Um triste
panorama do nosso ensino médio. O filme retrata quatro regiões diferentes:
município de Manari, em Pernambuco, Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, o
bairro de Alto de Pinheiros da megalópole São Paulo e a cidade de
Itaquaquecetuba, no estado de São Paulo.
A escola particular localizada em região nobre da capital paulista é o
contraponto. Nem por isso o ensino médio ali é bem resolvido. O documentário
evidencia, com dados preocupantes, a situação social brasileira, a partir de
ambientes escolares. Existem 200 mil escolas no Brasil e, segundo dados que
o documentário informa, 18 mil não têm banheiro e quase 2 mil não têm água.
A realidade do povo do Nordeste, em seus aspectos de miserabilidade, é
acentuada no filme. Ainda assim há cultura e possibilidades positivas na
pobreza. A menina pobre de Pernambuco, Valéria, 16 anos, que, entre outros
autores, lê Carlos Drummond de Andrade, escreve textos e poesias. Mas os
professores dela não acreditam que tais textos sejam dela. Chegam a dizer
“você copiou isso de algum lugar que você leu!”. “Os brasis”, expressão já
conhecida também em contextos pedagógicos, revelados nesse filme mostram
um contraste real: a aluna pobre de Pernambuco sonha em estudar e ser
alguém. É o que ocorre com milhões de outros jovens brasileiros, talentosos, e
que não têm a oportunidade de usufruir do talento.
Enquanto isso, numa escola para jovens da elite em São Paulo, uma
aluna está preocupada, quase deprimida, por não ter sido flertada pelos
colegas, como o teria sido no ano anterior. Ela mesma acaba culpando-se por
estar “estudando demais”.
146
A realidade mais chocante é mostrada também nas escolas das
periferias de Rio de Janeiro e São Paulo. Muita violência, professores
desmotivados e, assim, faltosos. Só quem atua em algumas escolas à noite
conhece melhor essas razões, que talvez não se justifiquem, mas que explicam
parte dessa situação, inclusive o desestímulo que acomete os docentes.
Alguns desses profissionais atribuem a culpa ao próprio desinteresse dos
alunos, que “não colaboram”. É um caso em que a ficção tem sintonia com a
realidade. Uma realidade que procuramos compreender neste trabalho. E na
obra documental verifica-se o efeito in loco de um currículo distante da
realidade.
Outra revelação é a de que há jovens estudantes que matam aula para
praticar atos ilícitos e justificam-se fazendo menção aos sucessivos casos de
pessoas, consideradas famosas ou de importância, que incorrem em desvios
éticos de comportamento e não são punidas.
É nesse caldeirão que faz sentido conhecer melhor as complexidades do
nosso ensino médio. Dos jovens que fazem parte do seu contexto. Da
população mesclada que freqüenta o período noturno. É preciso usar o
conhecimento dessa realidade para promover mudanças. Aquelas já possíveis
a partir da nossa ação individual. E a partir dela provocar outras.
Esta dissertação não tem pretensão de esgotar as abordagens sobre o
projeto educacional brasileiro para o ensino médio na sua totalidade. Da
mesma forma em relação ao noturno. Sobre esse segmento a pesquisa
apontou carência de estudos sobre as categorias humanas que compõem o
alunado do noturno. Como nem todas suas instâncias de intervenção puderam
ser aqui analisadas em virtude da dimensão do conteúdo pertinente, há
147
indicativos objetivos de continuidade dessas investigações em outros níveis,
abordando, de forma ainda mais específica, o ensino médio noturno em suas
várias modalidades.
148
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary G. Ensino médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO BR/MEC, 2003.
ALMEIDA, Laurinda Ramalho. Curso noturno: uma abordagem histórica. In: TOZZI, Devanil A. (Coord.) Ensino no período noturno: contradições e alternativas. São Paulo: FDE, 1995.
ALTMAN, Arlete. Influências do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 28, n. 1, jan./jun. 2002.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2. ed. São Paulo, 2005.
ARELARO, Lisete. A extensão do ensino básico no Brasil: ainda um desafio político. Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 39, jul./set. 1988.
ARROYO, Miguel. Dimensões formadoras da vida adulta. S.l: s.ed., s.d. (mimeo.).
______. Ofício de mestre. Petrópolis: Vozes, 2000.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO – ANPED. Parecer da ANPED sobre a proposta elaborada pelo MEC para o PNE. São Paulo, dez. 1997.
AZANHA, José Mario. A escola de cara nova: Planejamento. São Paulo: SE/CENP, 2000. Disponível em: <www.crmariocovas.sp.gov.br>. Acesso em: 12/08/2006.
149
BARRETO, Elba Siqueira de Sá. A propósito das orientações curriculares nacionais para o ensino médio. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 22, p. 93-99, jul./dez. 2000.
BASTOS, João Augusto de Souza Leão de A. Ensino médio, a grande questão. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 78, n. 188/189/190, p. 305-345, jan./dez. 1997.
BEISIEGEL, C. R. O ensino médio sob a perspectiva da educação básica. In: ZIBAS, Dagmar; AGUIAR, Márcia; BUENO, Marias. O ensino médio e a reforma da educação básica. Brasília: Plano, 2002.
BERGER, Ruy. Conferências, textos avulsos e documentos sobre a reforma do ensino médio: textos preliminares para discussão. Brasília: SEMTEC/MEC, 2003.
BERRYMANN, Sue E. Ensino médio acadêmico x ensino profissionalizante. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL POLÍTICAS PÚBLICAS DO ENSINO MÉDIO. Anais... São Paulo: CONSED, 1998. p. 165-177.
BIASE, Maria Aparecida D. A formação do cidadão no ensino de 2º grau: uma análise qualitativa do discurso do professor. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1985.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
______. Tempo de memória: de senectute e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
BOCK, Silvio D. A inserção do jovem no mercado de trabalho. In: ABRAMO, Maria Virginia de Freitas; SPÓSITO, Marília P. (Orgs.). Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000.
BORGES, Liliam Faria Porto. O sujeito histórico nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma cidadania possível? 80p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2000.
150
BRASLAVSKY, Cecília (Org.). A educação secundária: mudança ou imutabilidade? Brasília: UNESCO, 2002.
BRZEZINSKY, Iria (Org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 2000.
BUENO, M. S. S. Políticas atuais para o ensino médio. Campinas. Papirus, 2000a.
______. Orientações Nacionais para a reforma do ensino médio: dogma e liturgia. Cadernos de Pesquisas, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 109, p. 7-24, 2000b.
______. Políticas inclusivas, diretrizes e práticas excludente: o ensino médio na perspectiva da educação básica. In: ZIBAS, Dagmar; AGUIAR, Márcia; BUENO, Marias. O ensino médio e a reforma da educação básica. Brasília: Plano, 2002.
BUFFA, Ester; ARROYO, Miguel; NOSELLA, Paolo. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? São Paulo: Cortez, 2001. 94 p. (Questões da nossa época; v. 19).
CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2006.
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Identidades Juvenis e escola. In: ABRAMO, Maria Virginia de Freitas; SPÓSITO, Marília P. (Orgs.). Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000.
______.; DAYRELL, J. Jovens no Brasil: difíceis trajetórias de fim de século e promessas de outro mundo. S.l.: s.ed., 2002. Disponível em: <www.uff.br/obsjovem>. Acesso em: 19 jul. 2007.
CARVALHO, Célia Pezzolo de. Ensino noturno: realidade e ilusão. 4. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1986.
CASTILHO, Alceu Luís; CASTRO, Fábio de. Ensino noturno: A marca da desigualdade. Disponível em: <www.repotersocial.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2006.
151
CASTRO, Mary. Crescem evasão e repetência no ensino médio. Folha de S.Paulo, São Paulo, 22. set. 2003.
COLCLOUGH, Christopher; ROSE, Pauline; TEMBON, Mercy. Gender inequalities in primary schooling: the roles of poverty and adverse cultural practice. International Journal OF Educational Development, v. 20, n. 1, p. 5-28, jan. 2000.
CORRAGIO, José Luís. Educação e Estado sociologia educacional organizações não governamentais. São Paulo: Cortez, 1996.
______. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção? In: DE TOMMASI et al. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003a.
______. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de cooperação internacional. In: DE TOMMASI et al. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003b.
COSTA, José Carlos Oliveira. Ensino médio: etapa final da Educação Básica ou preparatório para o Ensino Brasileiro. Página de internet sem referência completa. Acesso em: 19 jul. 2007.
______. Políticas atuais para o ensino médio e a educação profissional de nível técnico: problemas e perspectivas. In: ZIBAS, Dagmar; AGUIAR, Márcia; BUENO, Marias. O ensino médio e a reforma da educação básica. Brasília: Plano, 2002.
CUNHA, Luiz Antônio. A profissionalização do Ensino Médio. Rio de Janeiro: Eldorado, 1977.
______. Educação, estados e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UGFF; Brasília: FLACSO do Brasil, 1991.
______. Ensino médio e ensino profissional: da fusão à exclusão. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 20., 1997, Caxambu. Anais... Rio de Janeiro: ANPED, 1997.
152
______. As agências financeiras internacionais e a reforma brasileira do ensino técnico: a crítica da crítica. In: ZIBAS, D. M. L.; AGUIAR, M. A. S; BUENO, M. S. S. (Orgs.). O ensino médio e a reforma da educação básica. Brasília: Plano, 2002. p. 103-134.
______.; GÓES, M. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
CURY, Carlos Roberto J. O ensino médio no Brasil: histórico e perspectivas. Educação em Revista, Belo Horizonte, 1998.
DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.
______. Juventude, grupos culturais e sociabilidade. Comunicação, solidariedade e democracia. Revista Jovenes, México, n. 22, p. 314-321, jun. 2005.
DE TOMMASI, Lívia. Financiamentos do Banco Mundial no setor educacional brasileiro: os projetos em fase de implementação. In: DE TOMMASI, Lívia; WARDE, Miriam Jorge; HADDAD, Sérgio. (Org.) O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996.
DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. 17. ed. Campinas: Papirus, 2004.
DIAS, Deise de Souza. Jovem aluno trabalhador do ensino médio: a articulação entre trabalho e educação. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.
FÁVERO, Osmar. A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas: Cortez/Autores Associados, 1996.
FERRETTI, Celso J. Formação profissional e reforma do ensino técnico no Brasil: anos 90. Educação & Sociedade, Campinas, CEDES, ano XVIII, n. 59, ago. 1997.
FONSECA, Marília. O Banco Mundial e a educação brasileira: uma experiência de cooperação internacional. In: PORTELA, Romualdo (Org.). Políticas educacionais: impasses e alternativas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
153
FRANCO, Maria Laura P. B. Ensino médio: desafios e reflexões. Campinas: Papirus, 1994.
______. O ensino médio e a nova LDB. Revista da Apeoesp, São Paulo, n. 6, 1999.
______.; NOVAES, G. T. F. Os jovens do ensino médio e suas representações sociais. Cadernos de Pesquisa, n. 112, p. 167-183, mar. 2001.
FURLANI, Lúcia Maria Teixeira. A claridade da noite: os alunos do ensino superior noturno. Estudos em Avaliação Educacional, n. 20, p. 155-182, jul./dez. 1999.
GALINDO, Neusa Prates. O aluno trabalhador do curso noturno: um estudo exploratório. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 1996.
GARRETÓN, M. A. A. Pontos fortes e fracos dos novos consensos sobre educação. Cadernos de Pesquisa, n. 100, p. 113-128, jul. 1997.
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 1994.
GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1991.
GONÇALVES, Lia Rodrigues; PASSOS, Sara Rozinda Martins Moura Sá dos; PASSOS, Álvaro Mariano dos. Novos rumos para o Ensino Médio Noturno – como e por que fazer? Ensaio: aval. pol. públ. educ., Rio de Janeiro, v. 13, n. 48, p. 345-360, jul./set. 2005.
GROPPO, L. A. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel, 2000.
______.; MARTINS, M. F. Introdução à pesquisa em educação. 2. ed. Piracicaba: Bisalchin Editor, 2007.
154
HADDAD, S.; GRACIANO, M. O direito à educação no Brasil. São Paulo: Relatoria Nacional do Direito Humano à Educação, 2003 (mimeo.).
HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto; TANURI, Leonor Maria. A educação básica no Brasil. In: MENESES, João Gualberto de Carvalho et al. Estrutura e funcionamento da educação básica. São Paulo: Pioneira,1998.
HANS, Nicholas. Educação comparada. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1971.
HARVEY, David. A transformação político-econômica do capitalismo do final do século XX. In: ______. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 3ª série do ensino médio. Brasília, 2004.
JACOMELI, Mara Regina Martins. PCNs e temas transversais: análise histórica da política educacional brasileira. Campinas: Alínea, 2007.
KAPLAN, Carina Viviana; MIRANDA, Ana; MORAGUES, Mariana. Ensino médio: cada vez mais necessário, cada vez mais insuficiente. Brasília: UNESCO/MEC, 2002.
KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino médio e profissional: as políticas do estado neoliberal. São Paulo: Cortez, 1997. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 63).
______. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, Campinas, CEDES, n. 70, p. 15-39, 2000a.
______. (Org.). Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000b.
______. A escola desnuda: reflexões sobre a possibilidade de construir o ensino médio para os que vivem do trabalho. In: ZIBAS, D.; BUENO, M. S.; AGUIAR, M. (Orgs.). Ensino médio e a Reforma da Educação Básica. Brasília: Plano, 2002. p. 299-330.
155
______. Competência como práxis: os dilemas da relação entre teoria e prática na educação dos trabalhadores. Boletim técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 30, p. 81-93, 2004.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítica social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 1984.
LEÃO, Geraldo Magela Pereira. A gestão da escola noturna: ainda um desafio político. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 21., 1998, Caxambu. Anais... São Paulo: ANPEd, 1998. p. 1-17.
LOBATO, Elvira. Desinteresse é a maior causa da evasão. Folha de S.Paulo, São Paulo, Caderno Nacional, 14 fev. 2007.
LOMBARDI, José Claudinei; JACOMELI, Mara Regina M.; SILVA, Tânia Mara T. da (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. Campinas: Autores Associados; Histedbr; Unisal, 2005.
MACHADO, Marlene Marques. Ensino médio na escola pública noturna: frente às novas demandas sociais. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
MARQUES, Maria Ornelia da Silveira. Escola noturna e jovens. A qualidade da Escola Noturna. Revista Brasileira de Educação, ANPED, 1997.
MARTINS, Ângela Maria. Diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio: avaliação de documento. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: FCC, n.109, mar. 2000.
MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e globalização: cidadania ou submissão? Campinas: Autores Associados, 2000.
MELLO, G. N. Relatório preliminar das DCNEM´s. Documento base para diretrizes curriculares. Brasília: MEC, 1995.
______. Diretrizes curriculares para o ensino médio: por uma escola vinculada à vida. S.l.: s.ed., s.d. Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista/ rie20a06.htm>. Acesso em: 7 jul. 2007.
156
MINTO, L. W. Navegando pela história da educação brasileira. 2006. 1. CD-ROM.
MITRULIS, Eleny. Ensaios de inovação no ensino médio. Caderno de Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 116, p. 236-237, 2000.
MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Ensino médio e qualificação profissional: uma perspectiva histórica. In: BRUNO, Lúcia (Org.). Educação e trabalho no capitalismo contemporâneo: leituras selecionadas. São Paulo: Atlas, 1996.
______. A reforma do ensino médio e a educação profissional. Trabalho e Educação, Belo Horizonte, n. 3, p. 107-117, jan./jul. 1998.
NOSELLA, P. A escola brasileira no final de século: um balanço. In: PERETTI, Lídio; ORTH, Edgar (Orgs.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 166-188.
______. Qual compromisso político? Ensaios sobre a educação brasileira pós-ditadura. Bragança Paulista: Universidade São Francisco, 2002. 174 p. (Estudos CDAPH. Série História & ciências sociais).
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Tese (Doutorado em Educação) – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.
______. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, Campinas, 2000.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais: ensino médio. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
OCTAVIANI, Maria Inês Crnkovic. Um “retrato” do aluno do ensino médio noturno em São Carlos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1996.
OLIVEIRA, José Francisco P. de. Desafio do ensino médio. Tecnologia Educacional, v. 26, n. 142, p. 52-53, jul./set. 1998.
157
OLIVEIRA, R. A teoria do capital humano e a educação profissional brasileira. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 27, p. 26-37, jan./abr. 2001.
OLIVEIRA, Ramon de. A (des)qualificação da educação profissional brasileira. São Paulo: Cortez, 2003.
OLIVEIRA, Rosiska D.; OLIVEIRA, Miguel D. Pesquisa social e ação educativa: conhecer a realidade para transformá-la. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA – UNESCO. Educação para todos. 1994. Disponível site: <http://www.unesco.org.br/publicações>. Acesso em: 07/07/2007.
ORTEGA Y GASSET, J. A rebelião das massas. Trad. Herrera Filho. S.l. (edição eletrônica): Ed Ridendo Castigat Mores, 1971.
PAIVA, V. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1973.
PERRENOUD, Phillipe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000a.
______. Construindo competências. Revista Nova Escola, São Paulo, n. 9, p. 19-31, set. 2000b.
PINTO, José Marcelino de Rezende. Financiamento da Educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-2002). Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, set. 2002.
QUEIROZ, Edna Mendonça Oliveira de. Trabalho diurno/escolarização noturna: o cotidiano do jovem trabalhador. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica de Goiás, 2001.
RAMAL, Andrea Cecilia. As mudanças no ensino médio a partir da lei 9.394/96 e das DCNEM. Revista Pátio, Porto Alegre, ano 2, p. 13-17, jan./mar. 1999.
158
RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.
______. O ensino médio ao longo do século XX: um projeto inacabado. In: STHEPANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena (Orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil – vol. III: século XX. Petrópolis: Vozes, 2005.
RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas: Mercado das Letras; São Paulo: Ação Educativa, 2001. (Coleção leituras no Brasil).
______. EJA Educação de Jovens e Adultos. Revista Nova Escola, n. 167, p. 39-48, nov. 2003.
RODRIGUES, José. A educação e os empresários: o horizonte pedagógico do capital. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (Orgs.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil (1930-1973). 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
RUMMERT. Sonia Maria. Jovens e adultos trabalhadores e a escola. A riqueza de uma relação a construir. In: FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA, Maria (Orgs). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SALES, Shirlei Rezende. Ensino noturno e juventude: desafios colocados pela violência e pelo trabalho. Trabalho & Educação, n. 9, p. 135-147, jul./dez. 2001.
SALOMÉ, Josélia Schwanka. Ensino superior noturno frente a era do conhecimento: uma abordagem reflexiva. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, 2000.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980.
______. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ / Politécnico de Saúde Joaquim Venâncio, 1987.
159
______. Escola e democracia. 31. ed. Campinas: Autores Associados, 1997. (Polêmicas do Nosso Tempo, v. 5)
______. Domínios, dominadores e dominados. Jornal da UNICAMP, n. 294, ano XVII, p. 14-21, out. 2002.
______. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2003.
______. Escola e democracia. 37. ed. Campinas: Autores Associados, 2004.
______. Educação brasileira, estrutura e sistema. 9. ed. Campinas: Autores Associados, 2005a.
______. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. In: HISTEDBR. Projeto 20 anos do HISTEDBR. Campinas: s.ed., 2005b.
SCHWARTZMAM, Simon. Uma visão de Universidade. Jornal da UNICAMP, Campinas, n. 356, p. 5-9, 2007.
SILVA, Jair Militão da. O ensino médio e a educação profissional. Estrutura e funcionamento da educação básica leituras. São Paulo: Papirus, 2000.
SILVA JR., João dos Reis. Mudanças estruturais no capitalismo e a política educacional do governo FHC: o caso do ensino médio. Educação e Sociedade, v. 23, n. 80, p. 203-234, set. 2002.
SOUZA, Paulo Renato; RILEY, Richard. Educação além das fronteiras: Brasil e EUA estão eliminando as lacunas existentes na história, na cultura e no desenvolvimento. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. A3, 7 jan. 2001.
SPOSITO, M. P. Educação e juventude. Educação em Revista, Belo Horizonte, FAE/UFMG, n. 29, 1999.
TEDESCO, Juan. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 1998.
160
TEIXEIRA, Anísio. A educação no Brasil. In: HANS, Nicholas. Educação comparada. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1971.
THIOLLENT, Michel. A experiência participativa em formação negociada entre atores sociais. S.l.: s.ed., 2002. (mimeo.).
______. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1994.
TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: WARDE, Mirian Jorge; DE TOMMASI, Lívia; HADDAD, Sérgio (Org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996. p. 125-186.
TOZZI, Devanil A. (Coord.). Curso noturno. São Paulo: FDE, 1995.
VIEIRA, Sofia Lerche. Neoliberalismo, privatização e educação no Brasil. In: PORTELA, Romualdo (Org). Políticas educacionais: impasses e alternativas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
WARDE, Mirian Jorge. Educação e estrutura social: profissionalização em questão. São Paulo: Cortez & Moraes, 1977.
______. Algumas reflexões em torno da lei 7.044. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, v. 47, n. 14, nov. 1983.
______. Políticas internacionais para a educação. Tempo e Presença, Rio de Janeiro, ano 15, n. 272, p. 11-13, 1993.
WILLINGTON, Germano José. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 1993.
WOLFENSOHN, James. A vez dos pobres. Entrevista a Alexandre Mansur. Veja, São Paulo, 1 dez. 1999.
ZIBAS, Dagmar M. L. A função social do ensino médio na América Latina: é sempre possível o consenso? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 85, p. 26-32, maio 1993.
161
______. Ensino médio na voz de alguns de seus atores. São Paulo: FCC/DPE, 2001. 85p. (Textos FCC, 20).
______. (Re)significando a reforma do ensino médio:o discurso oficial e os filtros institucionais. In: ZIBAS, Dagmar; AGUIAR, Márcia; BUENO, Marias. O ensino médio e a reforma da educação básica. Brasília: Plano, 2002.
______. Refundar o ensino médio? Alguns antecedentes e atuais desdobramentos das políticas dos anos de 1990. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 1.067-1.086, 2005a.
______. A reforma do ensino médio nos anos de 1990: o parto da montanha e as novas perspectivas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 28, p. 24-36, 2005b.
______.; FRANCO, Maria Laura P. Barbosa. O ensino médio no Brasil neste final de século: uma análise de indicadores. São Paulo: FCC, 1999. (Textos FCC, 18).
Referências Legislativas
BRASIL. Lei n. 5.692 de 11/08/71. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1o. e 2o. graus. Diário Oficial da União, Brasília, 1971.
______. Lei n. 7.044/82. Diário Oficial da União, Brasília, 1982.
_______. Lei n. 9.394 de 20/12/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 1996.
______. Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 1998.
_______. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. In: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Brasília. MEC/SEMTEC, 2002. p. 59-122.
162
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC, 1999.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Câmara de Educação Básica. Parecer CNE/CEB nº. 17, de 3 de dezembro de 1997. Diretrizes operacionais para a educação profissional, em nível nacional. Atos normativos, Brasília, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.Br/cne/index>. Acesso em: 5 ago. 2007.
______. Resolução CNE/CEB n. 4, de 8 de novembro de 1999. Institui as diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico. Atos normativos, Brasília, 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.Br/cne/index>. Acesso em: 5 ago. 2007.
SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Subsídios para a análise do ensino médio no estado de São Paulo. São Paulo: ATPCE/CIE, 1996.
Internet
Leis federais sobre EJA no site do MEC:
http://www.mec.gov.br/sef/Jovem/legiseja.shtm
Outras fontes: acesso em setembro de 2007
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=401&Itemid=387
http://br.cinema.yahoo.com/dvd/filme/13949/prodianascerfeliz
http://www.vitoria.es.gov.br/secretarias/educacao/diretriz_pdfs/Ensino_Noturno.pdf
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo