7/30/2019 Uma Odisseia de Natal: Criando uma animao baseada em mitos e contos de fadas.
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UNESP Universidade Estadual PaulistaJlio de Mesquita Filho
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao
Departamento de Comunicao Social
Criando uma animao baseada em mitos econtos de fadas
OrientandoPAULO HENRIQUE DE ARAGO
Orientador:Prof. Dr. JOO BAPTISTA DE MATTOS WINCK FILHO
Banca examinadora:Prof. Ms. MARCOS AMRICO
Prof. Ms. WILLIANS CEROZZI BALAN
Bauru SP2 0 0 6
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UNESP Universidade Estadual PaulistaJlio de Mesquita Filho
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao
Departamento de Comunicao Social
UMA ODISSIA DE NATALCriando uma animao baseada em mitos e
contos de fadas
Paulo Henrique de AragoRA 333727
Projeto Experimental apresentado comoexigncia parcial para obteno do ttulode Bacharel em Comunicao Social Habilitao em Rdio e Televiso, aoDepartamento de Comunicao Social
da Faculdade de Arquitetura, Artes eComunicao da Universidade EstadualPaulista "Jlio de Mesquita Filho",atendendo resoluo de nmero 02/84do Conselho Federal de Educao.
Bauru SP2 0 0 6
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Ao ser humano e as coisas boas que ele pode fazer.
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Agradecimentos
minha famlia, por me sustentar enquanto insisto em fazer essas coisas
que no do dinheiro;
Aos meus amigos, por estes quatro anos de histrias pra vida inteira;
A todos que tornaram possvel a realizao deste trabalho, em especial Carol, que me ajudou em tudo e mais um pouco.
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Se tivsseis tanta f como um gro de mostarda, direis a este sicmoro:arranca-te as razes e transplanta-te para o mar, e ele vos obedeceria.
Evangelho segundo So Lucas 17,6
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SUMRIO
PRLOGO .................................................................................................1
PARTE I: A PARTIDA............................................................................41 MUNDO COMUM: AS NARRATIVAS POPULARES.........................51.1 O mito...............................................................................................6
1.1.2 Epopia.......................................................................................71.2 O conto maravilhoso........................................................................81.2.1 Conto de fadas............................................................................8
2 CHAMADO AVENTURA COMPARAES ENTRE MITOS,CONTOS DE FADAS E NARRATIVAS CONTEMPORNEAS...............10
2.1 Principais caractersticas do mito...................................................112.2 Principais caractersticas do conto de fadas..................................122.3 Principais caractersticas da narrativa contempornea..................13
3 ENCONTRO COM O MENTOR A JORNADA DO HERI E OSARQUTIPOS...........................................................................................15
3.1 Pesquisadores do monomito..........................................................16
3.1.1 Vladimir Propp...........................................................................163.1.2 Joseph Campbell.......................................................................173.1.3 Christopher Vogler.....................................................................17
3.2 A jornada do heri..........................................................................183.2.1 Mundo comum...........................................................................203.2.2 Chamado aventura.................................................................203.2.3 Recusa do chamado..................................................................213.2.4 Encontro com o mentor.............................................................213.2.5 Travessia do primeiro limiar......................................................213.2.6 Testes, aliados e inimigos.........................................................223.2.7 Aproximao da caverna oculta................................................22
3.2.8 Provao...................................................................................233.2.9 Recompensa.............................................................................233.2.10 Caminho de volta.....................................................................233.2.11 Ressurreio...........................................................................243.2.12 Retorno com o elixir.................................................................24
3.3 Os arqutipos.................................................................................243.3.1 O Heri......................................................................................263.3.2 O Mentor....................................................................................273.3.3 O Anjo........................................................................................283.3.4 O Arauto....................................................................................293.3.5 O Guardio do limiar.................................................................29
3.3.6 O Camaleo..............................................................................293.3.7 O Pcaro....................................................................................30
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3.3.8 A Sombra...................................................................................30
4 TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR: A ANIMAO......................324.1 Animao tradicional 2D.................................................................344.2 Animao digital 3D........................................................................36
4.3 Animao stopmotion.....................................................................36
PARTE II: A INICIAO.....................................................................385 APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA O PROJETO...............39
5.1 A histria.........................................................................................415.1.1 Mundo comum...........................................................................425.1.2 Chamado aventura.................................................................425.1.3 Recusa do chamado..................................................................435.1.4 Encontro com o mentor.............................................................435.1.5 Travessia do primeiro limiar......................................................435.1.6 Testes, aliados e inimigos.........................................................445.1.7 Aproximao da caverna oculta................................................445.1.8 Provao...................................................................................445.1.9 Recompensa.............................................................................455.1.10 Caminho de volta.....................................................................455.1.11 Ressurreio...........................................................................455.1.12 Retorno com o elixir.................................................................46
5.2 Os personagens.............................................................................475.2.1 Papai Noel.................................................................................475.2.2 Marionete...................................................................................485.2.3 Crocodilo...................................................................................485.2.4 Bonecas Desvairadas................................................................485.2.5 Aranha-Me...............................................................................495.2.6 Mame Noel..............................................................................505.2.7 Mulher........................................................................................505.2.8 Brinquedos do Ba....................................................................50
5.3 O roteiro..........................................................................................51
6 PROVAO A PRODUO...........................................................606.1 O storyboard...................................................................................616.2 O animatic......................................................................................83
6.3 Os bonecos....................................................................................836.3.1 Papai Noel.................................................................................846.3.2 Mame Noel..............................................................................866.3.3 Marionete...................................................................................866.3.4 Crocodilo...................................................................................876.3.5 Bonecas Desvairadas................................................................886.3.6 Aranhas e Brinquedos do Ba..................................................88
6.4 O cenrio........................................................................................896.4.1 A iluminao..............................................................................90
6.5 A gravao.....................................................................................916.5.1 A animao................................................................................91
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PARTE III: O RETORNO....................................................................937 RESSURREIO A PS-PRODUO.........................................947.1 A edio..........................................................................................957.2 Os efeitos........................................................................................967.3 A sonorizao.................................................................................97
8 RETORNO COM O ELIXIR A FINALIZAO EM DVD..................99
EPLOGO................................................................................................101
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................103
ANEXO....................................................................................................105
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PRLOGO
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PRLOGO
O Heri acredita.
Acredita em algo maior, em seus ideais, acredita em simesmo. s vezes, as sombras esto cada vez mais fortes, o dominam e
no h nada que ele possa fazer. Parece ser o amargo fim. Mas no . O
Heri acredita, e por isso vence.
Histrias como essa, chamadas por muitos nomes como
mitos, lendas e contos de fadas, existem h milhares de anos, sendo
praticamente inerentes humanidade. Transmitidas inicialmente de forma
oral, foram depois difundidas com a chegada da escrita e, a partir do
sculo XX, tornaram-se um dos produtos principais da cada vez mais
poderosa indstria da comunicao de massa, atravs das histrias em
quadrinhos, do cinema e da televiso. Estes veculos por sua vez, utilizam
em suas produes tanto os heris clssicos, como os heris modernos,
que chegam acompanhados de toda uma mitologia particular e to rica
quanto as primordiais.
Grande parte destas narrativas, antigas ou contemporneas,
contadas em torno de uma fogueira ou na sala escura do cinema,
protagonizadas por um humano, por um semi-deus ou por um aliengena,
espantosamente possuem o mesmo fio condutor. Embora dispersas pelo
tempo, pelo espao e pelas caractersticas de cada civilizao, contm a
mesma histria central e transmitem os mesmos pensamentos. E foi
utilizando esta histria e estes pensamentos que Uma Odissia de Natal
foi criada.
Empregando os estudos de Carl Jung sobre os arqutipos, a
jornada do heri de Joseph Campbell e as adaptaes destas pesquisas
feitas por Christopher Vogler, a animao procura utilizar o mesmo
enredo e os mesmo tipos de personagens presentes nas milenares
narrativas populares. As referidas histrias, seus equivalentes
contemporneos e os estudos citados, so discutidos na primeira parte
deste trabalho,A Partida. Nela so apresentadas tambm as origens e as
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diversas formas de animao, meio escolhido para dar vida ao pequeno
Papai Noel de brinquedo e sua no to pequena jornada.
Na segunda parte, A Iniciao, inicia-se o relatrio de
produo da animao. Das idias iniciais gravao, passando pelo
roteiro, storyboard e demais passos do processo, tudo detalhado,
mostrando as etapas verdadeiramente hericas pelas quais a reduzida
equipe precisou atravessar para captar o vdeo.
Na terceira e derradeira parte, O Retorno, apresentada a
ps-produo da animao, sua montagem, adio de efeitos visuais e
sonoros, bem como a produo do DVD com os extras que o
acompanham.
Dito tudo isso, resta apenas o convite para que parta voc
tambm e nos acompanhe nesta Odissia.
BOA VIAGEM!
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PARTE I
A PARTIDA
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CAPTULO 1
MUNDO COMUMAs narrativas populares
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CAPTULO 1 MUNDO COMUM: AS NARRATIVAS
POPULARES
Mais velho que os antigos templos gregos, que as pirmidesdo Egito ou que os jardins suspensos da Babilnia, o ato de contar e
ouvir histrias.
H milhares de anos, nos agrupamentos humanos hoje
considerados primitivos, os conhecimentos eram transmitidos de gerao
para gerao atravs da fala. Explicaes sobre a vida, a sociedade, o
mundo e seus muitos mistrios eram transformados em histrias e mais
facilmente passados adiante. Da surgiram os mitos, as fbulas e oscontos de fadas, consolidados com a inveno da escrita e que perduram
at os dias atuais por meio dos antigos e dos modernos meios de
comunicao, pois um novo modo de contar histrias nunca vem (ou pelo
menos, at hoje, nunca veio) a substituir completamente seus
antecessores.
Todos os gneros de narrativa popular, entretanto, no podem
ser tratados de maneira simplificada e serem considerados um s, como
muitas vezes o so. Cada um tem sua forma especfica e suas
particularidades que o definem como nico.
1.1 O mito
A palavra vem do grego, mthos, e pode significar histria,
relato ou discurso.
a forma dos povos ancestrais de explicar o mundo e,
principalmente, suas origens. H as chamadas cosmogonias (surgimento
do mundo), teogonias (surgimento dos deuses), antropogonias
(surgimento dos homens) e as heroogonias (surgimento dos heris),
presentes em praticamente todas as culturas, da antiga Mesopotmia
Amrica pr-colombiana.
Nas civilizaes conhecedoras da escrita, muitos mitos foram
registrados e originaram os livros que serviam e muitos ainda servem
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como um cdigo, um manual de conduta para a vida, como o Rig Veda
hindu e a Torah judaica.
Com o passar dos sculos, a religio crist, derivada da
judaica, tornou-se dominante no mundo ocidental e os mitos pertencentes
a outras culturas passaram a ser considerados histrias de fico,
resultando no moderno significado da palavra mito.
Como disse Joseph Campbell (1904-1987), mitologia o
nome que damos s religies dos outros.
1.1.2 Epopia
A epopia uma das formas de difuso escrita dos mitos
antes conhecidos apenas pela tradio oral. Trata-se de um extenso
poema, que narra os feitos grandiosos de um ou mais personagens (que
podem ser tanto deuses, quanto mortais) em busca de um determinado
objetivo. Assim so o Enuma Elish da Babilnia e o Mahabharata da
ndia.
Entretanto, o poema pico que conta a jornada de um
aventureiro, repleta de perigos e complicaes variadas, hoje o formato
mais difundido das velhas epopias. A Epopia de Gilgamesh, por
exemplo, descreve a histria do rei sumrio do ttulo, que parte em busca
da imortalidade. Suas primeiras verses datam do perodo de 2000 a
1600 a.C., mas pode ter surgido muito tempo antes, sendo considerado o
mais antigo texto literrio conhecido.
Fig. 01 O rei Gilgamesh, chamado de Nimrod na Bblia. O primeiro a setornar heri neste mundo. Gn 10, 9.
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As epopias mais divulgadas no ocidente so, porm, as
gregas A Ilada e A Odissia (escritas entre VIII e VII a.C.), ambas
atribudas a Homero (sculo VIII a.C.) e relacionadas Guerra de Tria
(lia, em grego). A primeira narra alguns dos episdios da guerra, dando
maior importncia ao semi-deus Aquiles, enquanto a segunda conta a
viagem que o heri Odisseu empreende para voltar ao lar aps o
confronto.
1.2 O conto maravilhoso
O conto maravilhoso uma narrativa curta, repleta de
prodgios e acontecimentos fantsticos. Hoje considerados histrias para
crianas, os contos maravilhosos tm suas origens nos antigos mitos.
Esta definio engloba as fbulas e contos de fadas das mais
diversas origens, do continente europeu aos agrupamentos indgenas do
Brasil.
1.2.1 Conto de fadas
Inicialmente designados na lngua portuguesa contos da
carochinha, os contos de fadas ganharam o nome que utilizamos hoje ao
longo do sculo XX, devido principalmente influncia da nomenclatura
inglesa fairy tale. As fadas, entretanto, no aparecem na maioria destas
histrias, que podem ser inclusive de outras civilizaes em que este ser
fantstico nem conhecido, como os contos rabes de As Mil e uma
Noites.
Assim como as outras narrativas populares, os contos de
fadas possuem enredos bem parecidos entre si, do ponto de vistaestrutural. Geralmente contam a histria de um personagem quase
sempre algum excludo pelo seu prprio grupo que mesmo aps toda
sorte de acontecimentos malficos, torna-se vitorioso, por meio de seus
prprios mritos ou auxiliado por amigos e seres mgicos. Estes contos
costumam transmitir lies e formas de conduta de maneira implcita, ao
contrrio das fbulas, por exemplo, que possuem uma lio de moral
destacada ao final do texto. Apesar disso, algumas verses de contos defadas possuem tambm esta moral destacada.
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Alguns dos escritores que reuniram antigas histrias da
tradio oral foram Charles Perrault (1628-1703), no sculo XVII, e os
irmos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), no sculo
subseqente. Os contos foram traduzidos para vrias lnguas desde ento
e difundidos pelo Ocidente afora.
Fig. 02 Branca de Neve em gravura de Theodor Hosemann, 1867.
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CAPTULO 2
CHAMADO AVENTURAComparaes entre mitos, contos de fadas e
narrativas contemporneas
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CAPTULO 2 CHAMADO AVENTURA: COMPARAES
ENTRE MITOS, CONTOS DE FADAS E NARRATIVAS
CONTEMPORNEAS
Em muitas civilizaes no h uma separao definida entre o
mito e o conto de fadas, afinal os dois tm a mesma origem e inmeros
elementos semelhantes entre si.
Provenientes da religio e dos rituais de iniciao, ambos
tratam de questes da alma humana de forma simblica, passando
ensinamentos que podem guiar o homem em sua jornada pela vida.
Mas no h apenas semelhanas, h tambm grandesdiferenas nos enredos e na forma como os dois tipos de histrias so
contados.
2.1 Principais caractersticas do mito
A singularidade uma forte caracterstica deste tipo de
narrativa. Seus personagens principais e secundrios geralmente
ambivalentes , possuem todos nomes prprios e peculiaridades que ostornam nicos. Os locais em que estas histrias se passam tambm tm
caractersticas prprias e, em sua maioria, existem realmente. Isso se
deve ao fato de que todo mito pretende ser verdico e completamente
verossmil, ao menos aos olhos de seu povo.
O heri, protagonista do mito, capaz de feitos e atitudes
extraordinrios, praticamente impossveis de serem realizados por um ser
humano comum. Por essa razo, o heri , no raro, um semi-deus. Sua
histria contada do incio ao fim de sua vida, ou em alguns casos, um
pouco antes ou depois destes fatos, sendo seu nascimento excepcional
e/ou profetizado, e sua morte o princpio de sua existncia imortal.
Como exemplos, podem ser destacadas as histrias do grego
Hracles (Hrcules, em latim) e do judeu Jesus Cristo.
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2.2 Principais caractersticas do conto de fadas
Em oposio s faanhas admirveis da mitologia, esto as
aes simples dos heris dos contos de fadas. Embora to fantsticos
quanto os do primeiro caso, aqui os acontecimentos perdem a aura divina
que os cerca e so narrados como se pudessem acontecer com qualquer
pessoa, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento.
Fig. 03 Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau em ilustrao de Gustave
Dor. O lobo fala, engole de uma s vez pessoas inteiras, tem a barriga aberta enquanto
dorme e no faz meno de acordar: o conto de fadas narra episdios fantsticos como
fatos banais.
Os personagens so extremamente maniquestas, sendo
completamente bons ou completamente maus, e nem nome costumam
ter, sendo tratados apenas pela funo que desempenham na histria
(rei, rainha, madrasta, caador, etc.). At mesmo o prprio protagonista
possui um nome-adjetivo (Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho) ou
genrico (Joo, Maria).
Outra caracterstica dessemelhante a durao da histria.
Se o mito relata toda a vida do heri, o conto de fadas faz apenas um
pequeno recorte, muitas vezes omitindo seu nascimento e, via de regra, a
sua morte.
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2.3 Principais caractersticas da narrativa contempornea
Grande parte das narrativas contemporneas, criadas para a
literatura, histrias em quadrinhos, cinema ou para a televiso utiliza
elementos dos mitos e dos contos de fadas, unindo e embaralhando-os
em uma mesma histria. Nestas histrias, no entanto, costumeira a
preeminncia de caractersticas de um dos dois gneros.
Nas produes predominantemente mticas, o heri moderno,
embora possuidor de grandes poderes no mais to inatingvel quanto
os protagonistas dos mitos antigos. Como nos contos de fadas, ele possui
tambm sentimentos e fraquezas com as quais qualquer um pode se
identificar, apesar das qualidades nicas que o definem. o caso de
personagens como Tarzan, Super-Homem, Indiana Jones e Neo, por
exemplo. Cada um destes novos heris traz consigo uma enorme
quantidade de coadjuvantes, locais e acontecimentos, criando mitologias
to ricas e singulares quanto s primitivas.
Fig. 04 Em cena dos quadrinhos, Clark Kent se transforma no Super-
Homem. Assim o heri da comunicao de massa: rene em um s indivduo o comum
e o extraordinrio, o humano e o divino.
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Tal qual os contos tambm, suas histrias contam apenas
trechos de sua vida, no ela inteira e, apesar de algumas lidarem com
fatos verdicos, no tm a pretenso de serem reais.
J nas produes predominantemente fericas, os personagens
possuem agora nomes prprios no necessariamente genricos ou
ligados as suas caractersticas , e as tramas so um pouco mais
elaboradas. Como exemplos podem ser citadosAs Crnicas de Nrnia: O
Leo, a Feiticeira e o Guarda-roupa1 e Edward Mos-de-Tesoura2.
Algumas das adaptaes feitas aos novos tempos, foram a
amenizao da violncia e do contedo sexual (muito presentes em
velhas verses dos contos), e a eterna vitria do bem contra o mal pois,
apesar do maniquesmo, o bem nem sempre vencia nas antigas histrias.
O que no significa que o conto tenha obrigatoriamente um tpico final
feliz.
Como maior contribuio dos mitos para os contos de fadas
contemporneos, pode ser citada a jornada do protagonista, agora mais
similar trajetria percorrida pelo heri mtico.
1
The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch, and the Wardrobe, EUA, 2005, dir.Andrew Adamson.2Edward Scissorhands, EUA, 1990, dir. Tim Burton.
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CAPTULO 3
ENCONTRO COM O MENTORA jornada do heri e os arqutipos
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CAPTULO 3 ENCONTRO COM O MENTOR: A JORNADA
DO HERI E OS ARQUTIPOS
3.1 Pesquisadores do monomitoApesar das enormes distncias geogrficas, temporais e
culturais existentes no planeta, as narrativas populares, em especial os
mitos, so espantosamente similares em todas as civilizaes, existentes
ou j extintas. Mudam-se os detalhes, os nomes e os locais, mas a
estrutura das histrias continua sempre a mesma, o que seria
denominado por James Joyce (1882-1941) de monomito.
Fig. 05 O irlands James Joyce, que em 1922, escreveu o romance
Ulisses, em referncia ao personagem principal da Odissia de Homero.
3.1.1 Vladimir Propp
Um dos primeiros estudos, no entanto, a tratar
desta incrvel semelhana, foi o do lingista e folclorista
Vladimir Iakovlevich Propp (1895-1970). Publicado em1928, seu livro Morfologia do conto maravilhoso apresenta
uma anlise de cem contos de magia russos.
Atravs desta pesquisa, Propp descobriu que a estrutura de
todos os contos analisados era praticamente idntica, dividindo-a ento
em trinta e um componentes, a que chamou de funes aes
realizadas por distintos personagens no decorrer da narrativa. Segundo
ele ainda, nos contos populares a seqncia das funes sempre amesma, embora algumas possam, s vezes, ser omitidas. Sem o menor
Fig. 06
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desejo, ao menos aparente, de exceder estes estudos a outros gneros, o
modelo proposto por Vladimir Propp, foi redescoberto na dcada de 1960,
quando diversos estudiosos passaram a relacion-lo ao folclore de outros
povos.
3.1.2 Joseph Campbell
Porm, antes da redescoberta dos estudos
proppianos, o mitlogo norte-americano Joseph
Campbell publicava O heri de mil faces, livro de 1949
em que busca, assim como Propp, a histria oculta
presente nas narrativas primitivas.
Mas ao contrrio de seu antecessor, Campbell analisa mitos de
origens completamente distintas, de civilizaes de partes diversas do
globo, provando que a jornada do heri, modo como ele chama o
monomito, est presente em culturas que no poderiam, de forma
alguma, ter tido contato entre si. Tambm como Morfologia do conto
maravilhoso, a obra de Joseph Campbell no ganhou destaque poca
de seu lanamento, somente alcanando o merecido prestgio anos
depois, desta vez graas ao cinema.
Baseando-se nos estudos do mitlogo, o cineasta George
Lucas (1944- ) criou seu prprio mito moderno, a saga de Guerra nas
estrelas3, grande campe de bilheteria, que mostrou Hollywood uma
possvel frmula para filmes de sucesso, potencializada ainda mais aps
o trabalho de Christopher Vogler.
3.1.3 Christopher VoglerVogler, tambm norte-americano, era na
dcada de 1980, um analista de roteiros dos estdios
Walt Disney, que utilizava as idias contidas nO heri de
mil faces para verificar a qualidade tcnica das histrias,
fazendo sugestes que poderiam melhorar a relao do
pblico com a futura produo. A partir destas idias, publicaria ento A
3Star Wars, EUA, 1977, dir. George Lucas
Fig. 08
Fig. 07
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jornada do escritor, livro lanado originalmente em 1993 no qual adapta a
jornada do heri forma hollywoodiana de contar histrias.
3.2 A jornada do heri
Um heri, vindo do mundo cotidiano seaventura numa regio de prodgios sobrenaturais; aliencontra fabulosas foras e obtm uma vitria decisiva;o heri retorna de sua misteriosa aventura com o poderde trazer benefcios aos seus semelhantes.
4
desta maneira que Joseph Campbell resume a jornada do
heri, o monomito presente em todas as culturas. Ainda segundo o
pesquisador, esta grande jornada percorrida por Prometeu, Moiss, pelo
Buda ou pelo Jurupari5 pode ser dividida em trs grandes estgios.
No primeiro estgio, o da separao ou partida, algo arranca
violentamente o heri de sua vida cotidiana e o joga em direo
aventura. Moiss, descendente dos escravos hebreus, recebe a misso
de libertar seu povo. O Jurupari, aclamado chefe da tribo, necessita da
pedra nanacypara fazer valer sua condio de nobre.
No segundo estgio, provas e vitrias da iniciao, o heri
enfrenta toda sorte de perigos como o embate travado entre Moiss e oFara e o percurso de Jurupari at a Serra do Gancho da Lua ,
chegando com dificuldade ao ltimo estgio.
No retorno e reintegrao sociedade, o protagonista do mito
sai do mundo especial em que estava e volta sua comunidade, mais
experiente e bem preparado, trazendo benefcios a todos. Moiss e
Jurupari retornam do encontro com Deus portando as leis que governaro
seus povos com a sabedoria divina.Na jornada do heri mitolgico de Joseph Campbell, as trs
grandes fases descritas acima podem ser subdivididas em passos
menores, totalizando dezessete pequenas etapas percorridas ao longo de
toda a jornada.
4
Joseph Campbell in O heri de mil faces, p. 365 Figura mitolgica presente em vrias tribos indgenas do Brasil. Conhecida tambmcomo Anhang.
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Fig. 09 Diagrama da jornada do heri mitolgico segundo Joseph
Campbell
O esquema proposto por Campbell foi, mais tarde, adaptadopor Christopher Vogler s narrativas atuais apresentadas no cinema e na
televiso. Como mostrado na tabela abaixo, os trs grandes estgios
tornaram-se os trs atos do clssico roteiro linear e os dezessete passos
menores foram reduzidos a doze.
O HERI DE MIL FACES A JORNADA DO ESCRITOR
Partida Primeiro ato
Mundo comumChamado da aventura Chamado aventuraRecusa do chamado Recusa do chamadoAuxlio sobrenatural Encontro com o mentorPassagem pelo primeiro limiar Travessia do primeiro limiarVentre da baleia
Iniciao Segundo ato
Estrada de provas Testes, aliados, inimigosAproximao da caverna oculta
Encontro com a Deusa ProvaoA mulher como tentaoSintonia com o PaiApoteoseA grande conquista Recompensa
Retorno Terceiro ato
Recusa do retorno Caminho de voltaVo mgicoResgate de dentroTravessia do limiar
RetornoSenhor de dois mundos RessurreioLiberdade de viver Retorno com o elixir
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Em sua obra, Vogler lembra a todo momento que este modelo
no precisa (nem deve), ser seguido risca, que suas tcnicas deveriam
ser empregadas parcimoniosamente e com grande sensibilidade em
relao s necessidades de uma histria em particular.6
A jornada do heri, contudo, pode ser uma grande aliada do
roteirista e os passos que a compem um bom guia na hora de se criar
uma histria.
A seguir, mais detalhes sobre cada um destes passos.
3.2.1 Mundo comum
O primeiro estgio da jornada apresenta o heri e seu
ambiente, suas caractersticas e o que faz. Em muitos casos, o
protagonista est entediado com a mesmice de sempre ou sente-se como
um estranho no ninho. Em O Mgico de Oz7, Dorothy se chateia com a
vida na fazenda. Em Matrix8, Thomas Anderson, ou Neo, sente que h
algo de errado no mundo em que vive.
A aparente normalidade e apatia, entretanto, no persistir por
muito tempo.
3.2.2 Chamado aventura
Comeada a histria, a calmaria rapidamente transformada
em tempestade. Ou num furaco, como o que transporta Dorothy ao
mundo maravilhoso de Oz.
Algo de errado aconteceu, um desafio de grande risco foi
proposto, e a interferncia do heri se faz necessria, criando o pontodetonador de toda a trama. aqui que a platia conhece o objetivo do
protagonista. O heri conseguir salvar a princesa? Dorothy conseguir
voltar para casa? Neo desvendar os mistrios a cerca da Matrix e, se
necessrio, ser capaz de enfrent-la?
6
Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 227The Wizard of Oz, EUA, 1939, dir. Victor Fleming8The Matrix, EUA, 1999, dir. Larry e Andy Wachowski
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3.2.3 Recusa do chamado
Muitas vezes o heri hesita antes de deixar o mundo que
conhece e partir em sua jornada. s vezes, preciso que algo ainda mais
grave acontea, no restando outra sada a no ser seguir viagem rumo
ao desconhecido.
Neo no confia nos estranhos Morpheus e Trinity, que dizem
saber toda a verdade sobre a Matrix. At que perseguido, preso e
interrogado de maneira inslita pelo agente Smith e seus comparsas.
Neste momento, o encorajamento e os ensinamentos de um
mentor se fazem indispensveis.
3.2.4 Encontro com o mentor
O mentor tem como funo preparar o heri para enfrentar o
desconhecido. Para isso, pode presente-lo com algum artefato que lhe
ser til no futuro e pode, especialmente, passar-lhe toda a sabedoria e
experincia que possui.
Morpheus revela a Neo que a Matrix na verdade uma
realidade virtual, forma criada pelas mquinas para controlar os seres
humanos. Entrega-lhe ento a plula simblica com a qual o heri poder
acordar.
Em O Mgico de Oz, a bruxa Glinda orienta Dorothy e d a ela
os sapatinhos de rubi, responsveis, mais tarde, pela sua volta ao lar.
3.2.5 Travessia do primeiro limiar
No primeiro ponto de virada da trama, o heri entra enfim no
mundo especial, comprometendo-se de vez com sua aventura e seusobjetivos. Decide enfrentar os perigos e conseqncias decorrentes do
problema apresentado no segundo passo da jornada, fazendo a histria
decolar.
Neo sai da Matrix e acorda no mundo ps-apocalptico
dominado pelas mquinas, o mundo real. Dorothy inicia sua trilha pela
Estrada de Tijolos Amarelos.
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3.2.6 Testes, aliados e inimigos
Tendo ultrapassado o limiar entre o mundo comum e o mundo
especial, o heri se defrontar com desafios constantes, encontrando ao
longo do caminho amigos e inimigos que, de uma forma ou de outra, o
tornaro mais forte e mais preparado para as provaes supremas que se
aproximam.
Dorothy encontra seus companheiros de caminhada, o
Espantalho, o Homem de Lata e o Leo Medroso, passando por diversos
perigos ao lado deles. Neo passa por treinamentos e testes variados.
Surgem novas perguntas: ser ele destinado a acabar de uma vez por
todas com a guerra entre homens e mquinas? Ser ele o Escolhido?
Fig. 10 Dorothy e seus amigos na desconhecida verso de 1910, The
Wonderful Wizard of Oz, dirigida por Otis Turner.
3.2.7 Aproximao da caverna oculta
O heri est prestes a entrar no local mais perigoso do mundo
especial. Em muitas histrias este o quartel-general do inimigo, onde oprotagonista precisa entrar de qualquer maneira, pois nele que se
encontra o objeto que procura.
Em Matrix, Morpheus foi capturado pelo Agente Smith e Neo
parte para salv-lo. Em O Mgico de Oz, Dorothy levada para o castelo
da malvada Bruxa do Oeste e seus amigos precisam entrar para resgat-
la.
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3.2.8 Provao
A provao um momento crtico da histria. Nela o heri entra
num confronto direto com uma fora extremamente poderosa e enfrenta a
real possibilidade da morte. Esta morte pode ser simblica ou literal, mas
quase nunca definitiva, culminado com a vitoriosa ressurreio do
protagonista.
Dorothy e seus companheiros caem na armadilha da Bruxa do
Oeste, mas conseguem fugir usando uma vassoura voadora, rumo
morada do Mgico de Oz. Neo, mesmo demonstrando habilidades
excepcionais, surrado pelo Agente Smith e precisa fugir para no
morrer.
3.2.9 Recompensa
Depois de renascer, o heri tem direito sua recompensa.
Pode ser o objeto que ele procura ou algo que o deixe perto de consegui-
lo.
O Mgico de Oz mostra, de certa forma, ao Espantalho, ao
Homem de Lata e ao Leo Medroso que a jornada que percorreram, na
verdade j lhes deu tudo o que precisavam. J Neo conseguiu resgatar
Morpheus, tendo feito proezas que ele prprio desconhecia ser capaz de
realizar.
3.2.10 Caminho de volta
Comea aqui o terceiro e derradeiro ato da histria, o segundo
ponto de virada. Nesta etapa, o heri percebe que ter de deixar o mundo
especial e voltar ao mundo comum. Porm, ainda no derrotou porcompleto as foras do mal e continua correndo perigo, ou ainda no
atingiu o objetivo almejado.
O Mgico de Oz prepara um balo de ar quente para que
Dorothy, volte para casa. No fundo, porm, a menina sabe que este no
o caminho e acaba saindo do balo. Em Matrix, o Agente Smith ainda
uma grande ameaa e Neo precisa det-lo, custe o que custar.
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3.2.11 Ressurreio
Nesta etapa h novamente um momento de morte e
renascimento, ainda mais intenso que o primeiro, vivido na Provao. o
clmax da trama.
As foras do mal realizam um ltimo esforo para destruir o
heri que, com todas as lies que aprendeu no mundo especial,
consegue finalmente emergir vitorioso.
Aps um novo embate de vida ou morte e,
diante de um incrdulo Agente Smith, Neo ressuscita
como o Escolhido. Em O Mgico de Oz, Dorothy
percebe que a felicidade na verdade est dentro
dela mesma.
O heri est agora purificado,
transformado pela aventura que viveu num novo ser,
mais evoludo e experiente.
3.2.12 Retorno com o Elixir
O heri consegue finalmente retornar ao Mundo Comum,
trazendo o elixir, aquilo que ele buscava e que direta ou indiretamente
beneficiar a comunidade, ou o mundo todo.
Com auxlio dos sapatinhos de rubi, Dorothy volta fazenda,
tendo a certeza de que amada e de que no h lugar como o nosso
lar. Neo derrota o Agente Smith (por ora) e tem-se a promessa de que,
como Messias, poder finalmente libertar os seres humanos do jugo da
Matrix.
A paz foi restabelecida no universo do heri.
No prximo item, os personagens presentes na jornada.
3.3 Os arqutipos
Carl Gustav Jung (1875-1961), psiclogo suo, define os
arqutipos como fenmenos imateriais que servem como modelos para o
desenvolvimento da psique, criando assim, padres de personalidade. Asimagens primordiais, como tambm so chamados, so personificados
Fig. 11
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nas narrativas populares e transformados nas figuras tpicas destas
histrias, to recorrentes em diversas culturas quanto a prpria jornada
mitolgica.
H sempre os heris, chamados aventura por arautos,
encorajados e orientados por sbios, encontrando ao longo do caminho
alguns aliados, mas tambm guardies e viles nas sombras, prontos
para destru-los. Cada um destes personagens desempenha uma funo
na histria, representando aspectos distintos da personalidade humana.
Auxiliam o heri, mesmo que de forma indireta, a se tornar uma pessoa
completa, pois ele adquire um pouco de cada ser que encontra em sua
trajetria.
Fig. 12 Os arqutipos influenciam e so influenciados pelo Heri.
Como j mencionado no captulo dois, os personagens dos
contos de fadas tradicionais apresentam funes bem definidas. O heri sempre heri, o vilo sempre vilo. J nos mitos e nas histrias
modernas, os personagens podem ser extremamente contraditrios,
sendo ora bondosos, ora capazes de atos moralmente inaceitveis.
Hrcules, por exemplo, mesmo sendo um heri, num acesso de loucura
matou a esposa e os prprios filhos.
Assim sendo, percebe-se que um personagem pode
desempenhar a funo de vrios arqutipos ao longo da histria, como o
prprio Hrcules que passa da condio de heri para a de vilo e depois
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para heri novamente. Da mesma forma, um s arqutipo pode ser
representado por vrios personagens ou at mesmo por algo abstrato.
Um heri pode ter vrios mentores ou pode guardar a sabedoria dentro de
si mesmo.
Segundo Christopher Vogler, os arqutipos mais comuns (e
mais teis a um roteirista) so:
Heri
Mentor
Arauto
Guardio do limiar
Camaleo
Pcaro
Sombra
Vejamos cada um deles.
3.3.1 O Heri
Psicologicamente, este arqutipo representa o que Sigmund
Freud (1856-1939) chamou de ego, a parte da personalidade que acredita
ser diferente do resto do grupo. O Heri representaria a busca pela
identidade, para se tornar um ser humano completo e equilibrado.
Dramaticamente, Heri algum que est disposto a se
sacrificar por algo maior do que ele mesmo. No necessrio, no
entanto, que seja um guerreiro, que seja homem, ou nem mesmo que
saia de casa, pois a jornada pode acontecer em seu prprio quintal ou emsua prpria mente. O Heri pode ser homem, mulher, velho, criana, rei,
mendigo, corajoso, covarde, guerreiro, pacifista, animal, objeto, uma
infinidade de outras coisas. O Heri tem mil faces. Precisa, contudo, ter
qualidades, defeitos e desejos que permitam a platia se identificar. So
motivados pela vontade de sobreviver, de ser livre, amado, vingado, de
reparar algo que est errado.
No clmax da trama, porm, o Heri enfrenta inevitavelmente aiminncia da morte (real ou alegrica), mais intensa do que em qualquer
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outro momento que possa ter havido ao longo da jornada. O Heri pode
enfrent-la e sobreviver, mostrando que h sempre uma sada; pode
morrer e ressuscitar, provando que ela pode ser transcendida ou pode
ainda morrer como mrtir, oferecendo sua vida por um ideal.
Nos contos de fadas, o heri obtm quase sempre uma vitria
pessoal, ao passo que nos mitos o triunfo pode beneficiar toda a
comunidade como nas histrias de Moiss, Tezcatlipoca ou Jurupari -,
ou ainda o mundo inteiro, caso de Gautama Buda, Jesus e Maom.
O arqutipo do Heri pode se manifestar tambm em outros
personagens que no o protagonista, at mesmo na Sombra, que pode se
redimir e realizar atitudes hericas. Um bom personagem, na verdade,
aquele que possui, alm de suas caractersticas principais, um pouco de
cada arqutipo, tornando-se assim mais complexo e convincente.
Fig. 13 Anakin Skywalker: de Heri a Sombra.
3.3.2 O Mentor
O Mentor desempenha o papel do self da psicologia, a parte
mais nobre da psique humana. Na jornada mitolgica, algum mais
sbio e experiente que ajuda ou treina o Heri caso ele se prove digno e
merecedor de tal -, podendo dar conselhos ou presentes mgicos que se
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tornaro necessrios mais tarde. Por essa razo chamado por Vladimir
Propp de doador.9
Os mentores so muitas vezes antigos heris, que podem ter
concludo ou no sua jornada, mas que de qualquer forma adquiriram
conhecimento o suficiente para auxiliar e motivar o Heri em sua
trajetria.
Fig. 14 O personagem Mentor orienta Telmaco na Odissia.
Sendo o protagonista muitas vezes rfo, o Mentor
constantemente relacionado figura de um de seus pais, como a Fada-
Madrinha em Cinderela ou o mago Merlim nas histrias do jovem Rei
Arthur. Todavia, este arqutipo pode tambm ser abstrato, como um
cdigo de moral e conduta interno, j absorvido pelo Heri por
experincias ou ensinamentos passados.
3.3.3 O Anjo
O anjo um outro arqutipo importante, mas no mencionado
por Christopher Vogler em sua obra.
Sua funo guiar o Heri, fazendo com que continue em sua
jornada. Ao contrrio do Mentor, todavia, o Anjo faz isso de maneira
direta, como os antigos deuses gregos, capazes de manipular os homens
com um simples movimento dos dedos. Assim sendo, este arqutipo pode
9 Vladimir Propp in Morfologia do conto maravilhoso, p. 41
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auxiliar o Heri levando-o pelo caminho correto, como fazia Atena, ou
jogar contra ele ondas gigantes e monstros marinhos, como fazia
Poseidon.
3.3.4 O Arauto
O Arauto representa uma funo psicolgica importante: a
necessidade de mudana. O Heri tem uma vida aparentemente normal,
at que surge este arqutipo, normalmente no primeiro ato da histria,
alertando-o de que algo alterou consideravelmente o status quo. A partida
para uma aventura se faz necessria.
O Arauto pode ser uma figura positiva, negativa ou neutra.
Pode ainda ser representado por um personagem que desempenha
originalmente outro arqutipo, como um Mentor, Pcaro ou at mesmo a
Sombra.
3.3.5 O Guardio do limiar
Num nvel psicolgico profundo, este arqutipo pode
representar as neuroses, demnios ntimos que impem auto-limitaes e
impedem o crescimento. Existem para testar o Heri, preparando-o para
os demais perigos que viro.
Podem ser personificados por capangas do vilo ou por figuras
neutras do mundo especial que de alguma maneira impedem a passagem
do Heri. Para ultrapass-los o protagonista pode se disfarar como o
inimigo, roubando suas vestes, por exemplo. O ideal que o Guardio do
limiar no seja derrotado, mas de certa forma incorporado, podendo at
se tornar um poderoso aliado.
3.3.6 O Camaleo
O Camaleo expressa a energia do animus e da anima,
palavras usadas por Carl Jung para representar o elemento masculino
presente no inconsciente feminino, no caso do primeiro, e o elemento
feminino no inconsciente masculino, no caso da segunda. Por essa razo,
muitas vezes apresentado como algum do sexo oposto ao do Heri.
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O personagem que representa este arqutipo finge ser
representante de outro, confundindo os demais personagens e tambm o
pblico. Pode mudar de aparncia ou, como mais comum, de atitude,
exibindo sua verdadeira face, seja ela boa ou m. O arqutipo do
Camaleo tambm pode ser momentaneamente encarnado por qualquer
personagem da histria.
3.3.7 O Pcaro
Desempenhando vrias funes psicolgicas importantes, o
Pcaro responsvel pelas mudanas e transformaes saudveis,
apontando as bobagens e a hipocrisia. Sua funo na trama trazer o
alvio cmico para os momentos de grande tenso, reavivando a ateno
da platia.
O Pcaro pode ser um aliado da Sombra, aliado do Heri ou at
mesmo o prprio, constituindo o chamado Heri Picaresco, figura muito
comum nos contos populares e nos desenhos animados infantis.
Fig. 15 Pernalonga, tpico Heri Picaresco.
3.3.8 A Sombra
A Sombra representa traumas e culpas reprimidas no
inconsciente, monstros na escurido que podem no apenas ameaar,
mas destruir.
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o vilo da histria e impe desafios constantes ao Heri, que
por sua vez, se torna mais forte a cada problema superado. A Sombra
desperta o que h de melhor no seu inimigo ao coloc-lo em situaes-
limite que atentam contra a sua prpria vida ou dos seus.
Este arqutipo pode se manifestar num nico personagem, em
vrios, num acontecimento ou no prprio Heri, certas vezes capaz de
atitudes egostas ou mesquinhas.
Como os outros personagens, a Sombra que pretende ser
verossmil tambm deve ser possuidora de defeitos, qualidades ou
justificativas para suas aes. De seu ponto de vista, um vilo o heri
de seu prprio mito e o heri da platia o vilo dele. 10
10 Christopher vogler in A jornada do escritor, p 127
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CAPTULO 4
TRAVESSIA DO PRIMEIRO
LIMIARA Animao
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CAPTULO 4 TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR: A
ANIMAO
A animao um meio audiovisual bastante utilizado para secontar histrias, sendo suas tcnicas empregadas nos mais diversos
gneros narrativos. O mais comum, entretanto, seu uso em produes
voltadas para o pblico infantil.
Consiste em fotografar ou gravar alguma cena, sendo que na
prxima as posies dos elementos que a compem sero ligeiramente
alteradas. Quando estas imagens so projetadas em seqncia,
geralmente a 24 quadros por segundo, no caso do cinema, ou 30, no casoda televiso, est criada a iluso de movimento. A esta iluso d-se o
nome de persistncia retiniana, ou persistncia visual.
Apesar do tempo e do trabalho utilizados pra se fazer uma
animao, muito maiores que numa produo convencional, se bem
aproveitados podem trazer resultados tambm muito melhores devido ao
total controle da aparncia e movimento dos personagens e cenrios.
O cinema de animao surgiu no incio do sculo passado11,
mas a identidade de seu verdadeiro criador controversa e disputada
por cineastas como o espanhol Segundo de Chomn (1871-1929), o
francs mile Cohl (1857-1938) e os ingleses James Stuart Blackton
(1875-1941) e Arthur Melbourne Cooper (1874-1961). Passando pelas
trucagens de Georges Mlis (1861-1938) e pela criao dos primeiros
longas-metragem animados - produzidos por Quirino Cristiani (1896-1984)
na Argentina e Lotte Reiniger (1899-1981) na Alemanha , as tcnicas
chegam aos estdios norte-americanos, responsveis pelos desenhos
animados mais conhecidos do grande pblico.
11 Contudo, a animao fora do cinema j existia desde o sculo XIX, atravs doschamados brinquedos ticos.
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Fig. 16 O talo-argentino Quirino Cristiani: criou dois longas animados (em
1917 e 1931) antes mesmo que Walt Disney comeasse o primeiro.
A animao hoje uma grande indstria, com produtos para
cinema, televiso, jogos eletrnicos e internet, sendo a maior parcela daproduo comercial ainda criada nos Estados Unidos (usando muitas
vezes mo-de-obra de outros pases), mas Canad, Europa e Japo
possuem tambm seus produtores-exportadores. Artisticamente ou com
menor xito comercial, porm, animaes so feitas em todas as partes
do globo.
Embora existam tcnicas diversas como o pixilation, a
animao com areia e os vrios brinquedos pticos (como o zootrpico eos flipbooks), as formas mais comuns, e mais utilizadas profissionalmente,
so as animaes stopmotion (em menor escala) e em duas e trs
dimenses.
4.1 Animao tradicional 2D
A animao em duas dimenses (2D), ou desenho animado,
to conhecida que facilmente confundida pelos leigos com a prpria arteda animao.
Em sua forma tradicional, consiste em desenhar o quadro inicial
sobre uma folha de papel e, com auxlio de uma mesa de luz, os quadros
subseqentes, cada um em uma folha at formar o movimento completo.
Os desenhos so posteriormente transferidos para acetato, coloridos e
filmados. Atualmente, algumas etapas ou at mesmo todas elas ,
podem ser criadas ou aperfeioadas digitalmente com programas de
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computador como o ToonZ, o Plastic Animation Paper e o conhecido
Flash.
O desenho animado foi difundido pelo mundo com os trabalhos
de empresas americanas como a Warner e principalmente a Walt Disney.
Iniciando seus experimentos em diversos desenhos de curta-metragem
nos anos 1920 e 30, os estdios Disney tornaram-se proprietrios de um
completo domnio tecnolgico e criativo na arte de contar histrias. A
narrativa cinematogrfica aliada aos mitos e contos de fadas culminaram
nos clssicos Branca de Neve e os sete anes12, Dumbo13 e Cinderela14 e
nos mais recentesA Bela e a Fera15, O Rei Leo16e Tarzan17.
Fig. 17 Fantasia da Walt Disney Pictures: obra de arte em forma de
animao 2D
Apesar dos sucessos, o desenho animado foi completamente
abandonado pelos grandes estdios de cinema nos anos 2000, sendosubstitudo pela tcnica 3D. No entanto, continua muito presente na
televiso, atravs de sries18 e comerciais, e na internet.
12Snow White and the seven dwarfs, EUA, 1937, dir. William Cottrell, Wilfred Jackson,Larry Morey, Perce Pearce, Ben Sharpsteen13 Idem, EUA, 1941, dir. Ben Sharpsteen14Cinderella, EUA, 1950, dir. Clyde Geronomi, Hamilton Luske, Wilfred Jackson15Beauty and the Beast, EUA, 1991, dir. Gary Trousdale, Kirk Wise16The Lion King, EUA, 1994, dir. Roger Allers, Rob Minkoff17
Idem, EUA, 1999, dir. Chris Buck, Kevin Lima18 Espao agora disputado pelos desenhos animados americanos e pelos japoneses,chamados de anims.
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4.2 Animao digital 3D
A animao 3D (trs dimenses) tem se tornado muito popular
nos ltimos anos, sendo a tcnica preferida pelos novos animadores.
Neste formato, totalmente produzida no computador a partir
de programas que trabalham com algoritmos matemticos capazes de
criar formas geomtricas variadas. Os personagens so modelados e tm
um esqueleto articulado ligado eles, criando a animao necessria.
Alguns dos programas mais conhecidos e utilizados para este fim so o
Blender, o Lightwave, o 3DSMAXe o Maya.
O ttulo de primeiro longa-metragem animado totalmente feito
em 3D disputado pelo brasileiro Cassiopia19 e pelo norte-americano
Toy Story20, ambos concludos em 1995. De l para c, a animao 3D
invadiu o cinema (e a televiso em menor escala), destacando-se
empresas como a Pixar (subsidiria da Walt Disney) e a Dreamworks.
Esta ltima fez muito sucesso com Shrek21, animao em que debocha da
Disney e seus contos de fadas, utilizando, contudo, a mesma jornada do
heri da concorrente, desta vez com mscaras mais modernas.
4.3 Animao stopmotion
Muitas pessoas a conhecem, mas no pelo nome. Tambm
denominada stop-action, no Brasil popularmente chamada de
animao de massinha, devido aos seus bonecos feitos de massa de
modelar. a animao que tem o movimento criado a partir de imagens
estticas, como seu prprio nome sugere.
Embora todas as tcnicas sejam essencialmente isto, ostopmotion utiliza objetos reais sendo assim, tambm uma forma de
animao 3D. Estes objetos, sejam eles objetos comuns ou bonecos
articulados, so movidos e fotografados quadro-a-quadro. Quando
colocados em seqncia e na velocidade da projeo, o movimento est
criado.
19 Idem, BRA, 1995, dir. Clvis Vieira20
Idem, EUA, 1995, dir. John Lasseter21 Idem, EUA, 2001, dir. Andrew Adamson, Vicky Jenson
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Surgiu nos primrdios do cinema e , provavelmente, a mais
antiga tcnica de animao e trucagem. George Mlis utilizava-a
bastante em seus filmes, contando histrias inspiradas em contos
populares, de fadas e de fico cientfica, deslumbrando o pblico e
influenciando as vindouras geraes de animadores e cineastas. Anos
mais tarde, a tcnica como efeito especial foi aproveitada tambm pelos
grandes estdios de Hollywood, pioneiramente por Willis OBrien (1886-
1962) no filme King Kong22, e depois por animadores como Ray
Harryhausen (1920- ), de Jaso e os Argonautas23, e Phil Tippet (1951- ),
da saga Guerra nas estrelas.
Aos poucos a tcnica stopmotion deixou de ser utilizada em
larga escala, mas continua sendo empregada em curtas-metragem,
comerciais e em vrias sries de TV europias, exibidas por aqui na TV
Cultura. Longas-metragem tambm so lanados esporadicamente, como
O estranho mundo de Jack24 e A Noiva-Cadver25, produzidos por Tim
Burton (1958- ), eA fuga das galinhas26 e Wallace & Gromit: a batalha do
vegetais27, da Aardman, que de tempos em tempos reacendem o
interesse pelo stopmotion.
Foi esta a tcnica escolhida para criar a animao Uma
Odissia de Natal. Outras informaes sobre o stopmotion, portanto, nos
captulos a seguir.
22 Idem, EUA, 1933, dir. Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.Merian C. Coope23Jason and the Argonauts, EUA, 1963, dir. Don Chaffey24 The nightmare before Christmas, EUA, 1993, dir. Henry Selick25
The corpse bride, EUA, 2005, dir. Tim Burton e Mike Johnson26Chiken run, ING, 2000, dir. Peter Lord e Nick Park27Wallace & Gromit: The curse of the were-habbit, ING, 2005, dir. Steve Box e Nick Park
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PARTE II
A INICIAO
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CAPTULO 5
APROXIMAO DA CAVERNAOCULTA
O projeto
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CAPTULO 5 APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA: O PROJETO
Para este projeto de concluso de curso, sempre se pretendeu
criar uma animao que utilizasse, na construo de sua histria, o
mesmo tipo de estrutura e personagens dos antigos mitos e contos de
fadas. Paralelo a isso, porm, havia desde meados de outubro de 2005, o
projeto simples e descompromissado da animao stopmotion
protagonizada por um Papai Noel de brinquedo procura de sua amada.
No incio de 2006, os dois projetos foram ento unidos, dando ao primeiro
deles um enredo e personagens, e ao segundo uma benfica
complexidade, culminando em Uma Odissia de Natal.
A idia era criar uma animao muda, livre de limitaes de
qualquer idioma28, que no entanto, passasse ao espectador muito mais
lies e mensagens que uma produo banal, baseada na fala.
Disposta a vencer este desafio, a equipe de Uma Odissia de
Natal foi composta essencialmente por mim, responsvel pelo roteiro,
direo e pela ps-produo, e por Carolina Soares, que respondeu pela
produo, iluminao e direo de arte. Nenhum dos dois se restringiu s
suas funes pr-estabelecidas, claro. Outros profissionais tambm
participaram do projeto, criando os bonecos necessrios ou parte deles.
Nesta juno de idias, uma alterao na tcnica de animao
foi considerada. Mas o desenho 2D, apesar de ser uma tcnica belssima,
foi logo descartado. O enorme tempo e trabalho que seriam empregados
inviabilizariam a produo no perodo disponvel. As alternativas ficaram
ento nas duas outras tcnicas mais habituais: o antigo stopmotion e onovo 3D digital.
Apesar de ser to trabalhosa quanto o desenho animado, a
animao 3D foi a primeira opo escolhida, pela sua maior valorizao
no mercado atual e pelas possibilidades infinitas na criao de cenrios,
modelagem dos personagens, movimentao dos mesmos e das
28 Dentro do circuito comercial, algo j feito com xito pelos estdios Walt Disney, na
dcada de 1930 em suas Silly Simphonies e depois nos clssicos Fantasia e Fantasia2000. Mais recentemente Genndy Tartakovsky, atravs do Cartoon Network, criou algoparecido: Samurai Jack.
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cmeras. A impossibilidade de algum que a fizesse de maneira
satisfatria, porm inviabilizou-a da mesma forma.
O stopmotion foi tido ento como a melhor escolha, sem dvida,
para fazer o que se pretendia: que tudo fosse extremamente realista,
criando a sensao de que esta histria pode realmente existir, se
passando no mundo real, numa casa real e comum, com bonecos idem.
Pois afinal, como j discutido, assim um conto de fadas: pode acontecer
em qualquer lugar, at mesmo na sua casa. Das trs tcnicas
consideradas e a despeito de algumas opinies , o stopmotion
tambm a de mais fcil aplicao e, desde que produzida com os devidos
conhecimentos e ferramentas, resulta numa animao que no deve em
nada s criadas de outro modo.
Independente da tcnica empregada, dos outros detalhes e, ao
mesmo tempo completamente condicionado a tudo isso, a meta era
talvez acima de tudo contar uma boa histria.
5.1 A histria
No ms de dezembro, a Mame e o Papai Noel de brinquedo
so retirados da caixa na qual permaneceram durante todo o ano,
causando a ira do Marionete29 que v ser usurpado o seu lugar no criado-
mudo. Este ano, porm, algo inesperado aconteceu: a Mame Noel est
quebrada e foi novamente guardada na caixa! Agora, o Papai Noel
precisar enfrentar todo tipo de perigos e armadilhas do Marionete para
tentar chegar do outro lado do quarto e salvar sua amada.
Como pode ser visto na premissa acima, Uma Odissia de
Natal conta a jornada do pequeno e frgil Papai Noel de brinquedo em
busca de sua companheira, afastada dele por um acaso do destino.
29 Embora marionete seja uma palavra de gnero feminino, aqui ela empregada deforma masculina, por ser o nome prprio do personagem.
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Alm do fascnio exercido pelos bonecos que se movem,
pensam e sentem como qualquer ser humano30, esta animao, traz
tambm toda a magia do Natal audiovisual.31 Para isso, a escolha foi de
utilizar os conhecidos elementos natalinos como o pinheiro e os trajes de
inverno da Mame e do Papai Noel, mesmo que estas sejam
caractersticas provenientes do Natal do hemisfrio norte.
A produo mistura tambm as diversas particularidades dos
mitos e contos de fadas em uma nica histria. Fatos comuns e ao
mesmo tempo grandiosos se unem para dar vida aventura do Papai
Noel que, como Gilgamesh, Odisseu e tantos outros antes dele, precisa
percorrer todo o mundo conhecido durante sua busca, passando por
perigos e desafios inesperados.
Em suma, Uma Odissia de Natal a histria de algum que
luta por seus ideais.
5.1.1 Mundo Comum
Neste primeiro estgio da odissia, necessrio mostrar o
mundo comum e montono que mais tarde ser contrastado com o
perigoso mundo especial.
Tudo est em seu devido lugar e a Mame e o Papai Noel
esto juntos. Como em todo dia de So Nicolau, sero colocados sobre o
criado-mudo, desalojando assim o Marionete, que considera o mvel
como seu castelo. Este ano, porm, algo diferente ir acontecer.
5.1.2 Chamado aventura
Tudo o que mover a histria acontece aqui.
30 Produes em que brinquedos ganham vida quando esto sozinhos existem h muitotempo. Ainda no incio do sculo passado, Arthur Melbourne Cooper produziu o pioneiroDreams of Toyland e Ladislaw Starevicz (1882-1965), animador do leste europeu regio em que at hoje o stopmotion muito querido , criou e popularizou a animaode bonecos, influenciando diversos cineastas como Tim Burton. Starevicz criouanimaes consideradas estranhas e grotescas, sendo a mais famosa O mascote. Nela,um boneco-cachorro atravessa o inferno e luta contra o prprio Diabo pela posse de umalaranja (!). Recentemente, os exemplos mais bem sucedidos de uma histria de
brinquedos so Toy storye Toy story 2.31 Que muitas vezes difere bastante da nossa cultura tropical, mas que o que todos jse acostumaram a ver e pensar quando se fala nesta data.
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A Mame Noel est quebrada e foi novamente guardada na
caixa. Ao despertar, Papai Noel a v, do outro lado do quarto. Para um
ser to diminuto, a distncia imensa e o armrio uma grande montanha,
mas ser necessrio busc-la, custe o que custar.
Enquanto isso, o arauto da mudana fez outra visita: o
Marionete acorda e percebe que o Papai Noel usurpou seu lugar. Ele
decide recuperar o trono.
5.1.3 Recusa do chamado
A falta da Mame Noel um fato de tal magnitude que no d
margem a recusas. O Papai Noel estando disposto a se lanar aventura
se torna, desta forma, um heri voluntrio como denomina Christopher
Vogler32 ou um heri-buscador como define Vladimir Propp33.
Inicialmente de maneira comedida, verdade, ele busca o melhor
caminho e a melhor soluo.
Ao mesmo tempo, quem tambm no tem dvidas quanto ao
seu prprio chamado aventura o Marionete, que pretende fazer o
Papai Noel pagar caro.
5.1.4 Encontro com o mentor
O mentor do Papai Noel, o que o d foras para seguir adiante,
na verdade est dentro dele: o amor que ele sente pela Mame Noel.
Simples assim.
5.1.5 Travessia do primeiro limiar
Como diz Vogler, heris e viles em conflito so como trensque avanam um de encontro ao outro, em rota de coliso.34 E neste
momento que o heri e o vilo de Uma Odissia de Natalse encontram.
O Marionete volta ao criado-mudo
e empurra covardemente o Papai Noel em
direo morte certa, ao Crocodilo guardio
32
Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 17533 Vladimir Propp in Morfologia do conto maravilhoso, p. 4034 Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 124 Fig. 18
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do limiar. Como no fosso de um antigo castelo medieval, o feroz animal
avana sobre o Papai Noel e o engole. O Marionete, sentindo-se
vencedor comea a dormir.
Mas o Papai Noel consegue bravamente sair de dentro do
Crocodilo. E, embora saia no mesmo local onde entrou, a situao mudou
e ele j est no mundo especial. Porm, ao cair da cama ele estar
definitivamente no submundo, sem aparente possibilidade de volta.
5.1.6 Testes, aliados e inimigos
O Papai Noel est agora no estranho e apavorante mundo
debaixo da cama, lar do lixo e dos excludos do bonito e claro mundo da
superfcie. uma verdadeira descida terra dos mortos.
Neste lugar nosso heri ir se defrontar com muitos desafios,
sendo o principal deles seu prprio medo. Encontrar tambm as
Bonecas Desvairadas, habitantes loucas do submundo.
5.1.7 Aproximao da caverna oculta
Ao se livrar das Bonecas Desvairadas o Papai Noel estar
prximo do centro, lugar mais perigoso, do mundo especial. Ele ir se
deparar com o que a enorme quantidade de teias j denunciava: a
presena de muitas e terrificantes aranhas. Mas no final das contas, elas
parecem no representar muito perigo.
O que o Papai Noel no sabia que elas possuem uma me,
descomunal e que parece no estar nada contente.
5.1.8 - ProvaoNesta etapa de sua odissia, o Papai Noel enfrentar a mais
poderosa fora do mundo especial: a Aranha-Me. Ela anda em sua
direo, o heri cai e parece no haver escapatria. Mas, num completo
anti-clmax, a Aranha se mostra na verdade bondosa, passa por ele sem
lhe fazer mal algum e guia-o para fora do submundo.
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Fig. 19 - Crise retardada em Uma Odissia de Natal. A provao junto ao
clmax (ressurreio) aproxima a estrutura da trama Razo urea que, segundo
alguns, produz os resultados mais agradveis da Histria da Arte.
5.1.9 Recompensa
Este um momento de celebrao. O Papai Noel sobreviveu
morte e sai de baixo da cama. Ele agora amigo das aranhas, venceu o
medo e descobriu que as aparncias enganam, afinal o aparentemente
alegre Marionete na verdade um ser maligno e as arrepiantes aranhastm bom corao. Ele ganha ento sua recompensa: uma teia pela qual
poder subir no armrio e finalmente resgatar a Mame Noel.
5.1.10 Caminho de volta
Aqui o Papai Noel passa pelo ltimo limiar, conseguindo subir
no armrio e desejando voltar com a Mame Noel para o criado-mudo.
Deste mvel, porm, o Marionete acorda e v que seu inimigo ainda est
vivo.
5.1.11 - Ressurreio
o clmax da histria, o ltimo e mais perigoso encontro do
heri com a morte. O Marionete tambm subiu no armrio e pretende
acabar com o Papai Noel de uma vez por todas. Este, por sua vez, sabe
que ser necessrio enfrentar o vilo.
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Fig. 20
O heri tenta primeiro a fora bruta, em vo. Age ento com
habilidade e astcia, e o Marionete cego pelo dio , acaba caindo
dentro de uma caixa, preso definitivamente. Foi o responsvel por suaprpria runa.
5.1.12 Retorno com o elixir
Tendo vencido o Marionete e os outros perigos, o Papai Noel
volta ao criado-mudo. Tudo parece estar como antes... Mas no est.
Dentro do heri h algo diferente.
O Papai Noel aprendeu que existem seres malficos, queexistem as dificuldades, mas que, tendo coragem, fora de vontade e
dedicao, at um ser pequeno e frgil como ele pode se tornar vitorioso.
Fig. 21 Diagrama da jornada do heri segundo Christopher Vogler.
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5.2 Os personagens
Os personagens de Uma Odissia de Natal, como nos contos
de fadas, tm nomes genricos, nomes que apenas explicitam suas
caractersticas ou funes. Com exceo claro da Mame e do Papai
Noel, figuras mitolgicas j existentes. Fica evidente, no entanto, que eles
no so os personagens reais, apenas brinquedos/enfeites que os
representam.
Mais detalhes sobre eles, os outros personagens e os
arqutipos que representam nos prximos itens.
5.2.1 Papai Noel
O Papai Noel de brinquedo, representante do arqutipo do
Heri, teria todos os motivos do mundo para ser invejoso e rancoroso,
afinal permanece onze longos meses enclausurado numa pequena caixa,
no alto do armrio. Apesar disso nobre e de bom corao, e no ms de
dezembro ganha seu merecido destaque, trazendo a alegria e o esprito
do Natal para o quarto. Neste ano, todavia, para tentar resgatar sua
amada, precisar se aventurar por um mundo completamente
desconhecido e perigoso.
Mesmo sendo um simples enfeite de Natal, o Papai Noel possui
uma personalidade extremamente humana, que faz com que a platia se
identifique com ele e sua causa.
Sua expresso abobalhada e seu jeito de quem no sabe o que
fazer o caracterizam tambm como um Heri Picaresco. Suas primeiras
reaes so quase sempre hesitantes e fugidias, mas quando v que no
h sada, ele enfrenta a situao, encontrando coragem e fora quenunca pensou ter. Ao final da odissia ter completa e merecida
confiana em si mesmo.
Antes disso, porm, e da incrvel distncia que ter de
percorrer, o Papai Noel precisar enfrentar a ira do Marionete.
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5.2.2 - Marionete
Com sua aparncia de Pcaro, o Marionete na verdade a
Sombra da histria. Embora seja um bobo da corte, acredita que um
verdadeiro rei, maltratando os Brinquedos do Ba e governando o quarto
com mo-de-ferro.
Ver a chegada do Papai Noel como uma terrvel ameaa ao
seu reinado e partir em busca de vingana. Para tal, poder contar com
o auxlio de sua fora, do cordel que possui nos braos e que utiliza
como ferramenta ou como arma , ou com o feroz Crocodilo, seu bichinho
de estimao.
5.2.3 Crocodilo
Ao ser jogado no fosso pelo Marionete, nosso heri se
defrontar com o mortal Crocodilo, animal que neste caso personifica o
Guardio do limiar.
Ajudante do vilo em seu intento de eliminar o Papai Noel, o
Crocodilo ironicamente e involuntariamente , ir fazer um favor ao
inimigo. Sendo engolido, o Papai Noel de certa forma se torna o prprio
Guardio do limiar, atravessando a fronteira e, aps sair, consegue
prosseguir em sua jornada sem que o Marionete saiba ou o importune.
5.2.4 Bonecas Desvairadas
Habitantes do ps-apocalptico mundo debaixo da cama, as
Bonecas Desvairadas so completamente... Desvairadas.
So tambm representaes do Pcaro, e trazem um alvio
cmico entre as dramticas cenas onde o Papai Noel enfrenta o Crocodiloe a Aranha-Me.
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Fig. 22 As Bonecas Desvairadas
5.2.5 Aranha-MeApesar de no ferir ou ameaar o Papai Noel em momento
algum, o heri (e a platia) a tm com um ser maligno. A Aranha-Me,
contudo, personifica o arqutipo do Camaleo e se mostra dcil e
prestativa.
Mesmo morando no submundo, parece ter conhecimento do
que se passa na superfcie, aparentando uma certa inimizade com o
Marionete e apreo pelo Papai Noel. Presenteia-o inclusive com a teia,artefato especial que o levar at o alto do armrio. Pode ser considerada
por isso, uma espcie de Mentor.
Fig. 23 Aranha-Me
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5.2.6 Mame Noel
Gentil e bondosa, ela a inseparvel companheira do Papai
Noel. Inseparvel at ter uma pequena parte de seu gorro quebrada e ser
novamente guardada no alto do armrio, do outro lado do quarto.
o Santo Graal, o motivo que impele o Papai Noel a seguir
adiante.
5.2.7 Mulher
A Mulher representa o arqutipo do Anjo. Como uma deusa do
Olimpo, manipula os demais personagens da histria como bem quer,
alterando todo o status quo.
a responsvel por separar o Papai da Mame Noel, mas
tambm por consert-la.
5.2.8 Brinquedos do Ba
Os brinquedos do ba no existiam quando o roteiro foi escrito,
mas possibilidades de incluso de bonecos secundrios foram sempre
consideradas.
Com eles a platia pode rir, chorar e torcer, o Marionete ganha
algum em quem bater e, consequentemente, a vitria do Papai Noel se
torna muito mais nobre, trazendo um benefcio para todo o quarto.
Fig. 24 Brinquedos do Ba
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5.3 O roteiro
A simples histria do vindouro produto audiovisual no pode
ainda ser chamada de roteiro. Para tal, deve utilizar-se algumas regras e
convenes que facilitam o trabalho de quem o l, de toda a equipe e do
prprio roteirista.
Roteiros so altamente objetivos e descritivos. a histria
contada em imagens (e dilogos, quando h), e deve-se escrever
somente o que visto na tela, nada que fique subentendido, no
expresso em aes ou palavras.
Como padro de formatao de roteiro tem sido muito usado o
master scenes, tanto em TV quanto em cinema. Criado em Hollywood,
tambm chamado de standard format, spec scriptou ainda padro WGA
(sigla em ingls para Sindicato dos Roteiristas Americanos). O master
scenes foi a formatao utilizada na criao do roteiro de Uma Odissia
de Natal, disponibilizado a seguir.
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UMA ODISSIA DE NATAL
FADE IN:
1. INT. QUARTO DIA
H no quarto, uma cama e um criado-mudo. Do ladooposto, um armrio e uma janela, e fixado no teto, umventilador. Todos os mveis so de madeira. A janela ea porta esto fechadas, deixando o ambiente numa levepenumbra.
CMERA ANDA at o criado-mudo. Em cima dele, do ladoesquerdo, est sentada uma MARIONETE parecida com umcoringa ou um bobo da corte. Amarrado em cada mo, elapossui um CORDEL, e na outra extremidade deste cordel,
um PEDAO DE MADEIRA. O cordel da mo direita estsolto, e o da mo esquerda, enrolado no respectivobrao. Ao lado desta marionete, h um CALENDRIO DEPAPEL em que cada folha marca apenas um dia. O diamarcado 5 de dezembro.
Uma MULHER ENTRA e pra na frente do criado-mudo. Somde PAPEL SENDO RASGADO. A mulher sai da frente docriado-mudo e, poucos instantes depois, percebe-se quea janela foi aberta, iluminando o quarto. Com aclaridade, pode-se ver com mais nitidez que o
calendrio marca agora 6 dezembro dia de SoNicolau.
A Mulher, que nunca mostrada de rosto ou de corpointeiro, pega uma CAIXA VERDE que se encontra no altodo armrio, ao lado de uma pequena CAIXA VERMELHA e deoutras de vrios tamanhos e cores. Em seguida, pega amarionete e retira-o de cima do criado-mudo, colocando-o no cho.
O Marionete olha bravo para a Mulher. No est contente
com sua nova situao.
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A Mulher abre a caixa verde que est em suas mos e vaicolocando seu contedo sobre o criado-mudo: uma pequenaRVORE DE NATAL e um PAPAI NOEL de cermica. Retira emseguida uma MAME NOEL tambm de cermica, que,entretanto, est quebrada. A parte de cima de seu gorro
est faltando.
Sobre o criado-mudo, perto do calendrio, a Mulhercoloca a caixa verde e retira desta a PARTE QUEBRADA dogorro. Com certa insistncia, ela tenta unir os doispedaos. No consegue e guarda a parte quebrada em umdos bolsos de sua cala. Guarda tambm a Mame Noel,novamente na caixa, e a caixa novamente em cima doarmrio. A Mulher SAI. O quarto fica em completosilncio, sem o menor movimento.
2. INT. QUARTO DIA
Em cima do criado-mudo, continua o esttico Papai Noelde cermica. Ele acorda, piscando os olhos algumasvezes e sacudindo a cabea para a direita e para aesquerda.Olha para os lados direito e esquerdo e no v a MameNoel. Olha para todos os lugares a sua volta, como seestivesse procurando-a. Olha ento para o outro lado doquarto, em cima do armrio.
Papai Noel v a caixa, com a tampa ligeiramentelevantada e apenas a cabea da Mame Noel para fora.Ele se surpreende por v-la to longe e pisca algumasvezes, como que para ter certeza de que o que estvendo real. Mame Noel est triste e levanta seubrao, acenando para ele.
Ao se certificar do problema, Papai Noel faz ummovimento com a cabea, como um sinal afirmativo dequem sabe o que deve ser feito.
INSERT CHO DO QUARTO
Olhando raivosamente para o Papai Noel, est oMarionete.Com sua mo direita ele segura o cordel que a movimentae comea a gir-lo. Em seguida, joga-o para o alto,prendendo o pedao de madeira na rvore de Natal.
VOLTA CENA
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O Papai Noel olha para todos os cantos, procurandoalguma maneira de chegar at o armrio. Atrs delesurge o Marionete, que subiu pelo cordel.
O Marionete se aproxima do Papai Noel, sem que este operceba, e cutuca seu ombro. Papai Noel se vira e v oMarionete com um sorriso falso no rosto. Papai Noeltambm sorri. A face do Marionete ento se transformaradicalmente e, com dio, ele empurra violentamente oPapai Noel. Mame Noel, vendo tudo, se apavora.
Papai Noel se desequilibra e, estando prestes a cair docriado-mudo, se segura num GALHO da rvore de Natal. Ogalho, no entanto, se quebra e Papai Noel acaba caindoem cima da cama. Ele se levanta atordoado pela queda,
ainda com o galho na mo.
Com um sorriso malvolo, o Marionete joga seu cordel emdireo cama, prendendo o pedao de madeira noTRAVESSEIRO. Ele puxa o cordel, e o travesseiro seeleva. L embaixo, tudo est escuro.
Papai Noel olha apreensivo. O Marionete continua comseu sorriso malvolo. Mame Noel observa tudo e ri asunhas.
De baixo do travesseiro sai um feroz CROCODILO depelcia, assustando o Papai Noel. O Crocodilo corre emsua direo. Mame Noel se apavora ainda mais.
O Papai Noel tenta se defender com o galho, usando-ocomo uma espada. O Crocodilo, no se intimida, continuaavanando e, num rpido bote, engole de uma s vez oPapai Noel.
A Mame Noel est boquiaberta, chocada, e comea achorar. O Marionete solta uma grande gargalhada. O
Crocodilo fecha os olhos e passa a lngua nos beios,satisfeito com a refeio.
O Marionete, ainda sorrindo, senta-se e aos poucosadormece. Mame Noel, chorando, volta totalmente paradentro da caixa. O quarto fica novamente em silncio,sem qualquer movimento.
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3. INT. QUARTO/CAMA DIA
O Crocodilo tira um cochilo aps a refeio. Derepente, sente algo estranho e faz cara de confuso.
PLANO DETALHE OLHOS DO CROCODILOOlhos se arregalam.
A boca do Crocodilo est agora completamente aberta e ogalho da rvore de Natal impede que ela se feche. PapaiNoel sai de dentro do Crocodilo, d alguns passos sobrea cama e se volta para ele.
Furioso, o Crocodilo fecha a boca, quebrando o galho.
Papai Noel d alguns passos para trs. O Crocodilosolta um grande urro, produzindo um vento to forte,que faz o Papai Noel ser jogado para fora da cama.
INSERT CRIADO-MUDO
Com todo o barulho vindo da cama, o Marionete fazmeno de acordar, mas logo adormece novamente.
4. INT. QUARTO/DEBAIXO DA CAMA DIA
Apesar de ser dia, o ambiente muito escuro. Hsapatos, caixas, sujeira e teias de aranha.
Ainda meio tonto, o Papai Noel se levanta. Olha a suavolta, procurando saber onde est. V os simplesobjetos transformados pelo escuro em formas muitoassustadoras. Sente um arrepio de medo, mas mesmo assimcomea a caminhar, olhando para todos os lados. Ele vai
ficando cada vez mais assombrado e anda cada vez maisrpido, at que bate de cara em alguma coisa.
um CARRO ROSA, sem capota, extremamente velho edesgastado. Seus faris se acendem, iluminando o rostodo Papai Noel e cegando-o momentaneamente.
No interior do carro esto duas BONECAS BARBIE,quebradas e com as roupas rasgadas. As duas olham parao Papai Noel, se entreolham, e olham para o Papai Noelnovamente, desta vez gargalhando como loucas. O MOTOR
do carro ronca.
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O carro avana rumo ao Papai Noel. Ele pula para olado, desviando, e comea a correr. O carro d meia-
volta e investe novamente contra o Papai Noel. AsBonecas gargalham. Papai Noel continua correndo, atque nota a sua frente uma grande TEIA DE ARANHAimpedindo sua passagem. Ele pra de correr e se voltapara o carro. O carro tambm pra a sua frente.
Papai Noel levanta os punhos em posio de ataque. AsBonecas, que continuavam gargalhando, vo aos poucos secalando e o pavor toma conta de seus rostos. Elas seentreolham e do um grande grito. A Boneca motoristavira o carro velozmente e sai em disparada pelo lado
oposto ao do Papai Noel.
CLOSE-UP PAPAI NOELPapai Noel surpreso. Um sorriso vai surgindo em seuslbios e ele parece se vangloriar. No demora muito e osorriso se esvai. Ele est confuso.
ZOOM OUT revela que seu corpo est repleto de pequenasARANHAS. Ele entra em pnico e comea a se debater,tentando derrub-las. Ao cair no cho, as aranhas saemcorrendo.
Quando consegue finalmente se livrar de todas asaranhas, Papai Noel levanta a cabea, que estavavoltada para baixo. Ele v olhos vermelhos apareceremna escurido. Estes olhos vo chegando cada vez maisperto. Surge ento uma enorme aranha, com cara de m, aARANHA-ME.
Papai Noel se assusta e vira-se para correr. A teiaest a sua frente e o impede de passar. Ele empurra,mas a teia elstica e ele no consegue abrir caminho.
Olha para trs e a Aranha-Me est cada vez mais perto,apesar de andar calmamente. Ele empurra mais,desesperado, at que finalmente a teia se rompe. Elecai para frente, rolando.
Ainda no cho, o Papai Noel comea a se arrastar paratrs, tentando fugir. A Aranha-Me passa pela teia c
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