UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
FELIPE ADAM KURSCHAT
AS IMAGENS DA MÚSICA
Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas
Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel
Gondry
SÃO PAULO
2015
FELIPE ADAM KURSCHAT
AS IMAGENS DA MÚSICA
Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas
Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel
Gondry
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
do Programa de Mestrado em
Comunicação, área de concentração em
Comunicação Contemporânea da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação do Prof. Dr. Renato Pucci Jr.
SÃO PAULO
2015
FELIPE ADAM KURSCHAT
AS IMAGENS DA MÚSICA
Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas
Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel
Gondry
Dissertação de Mestrado apresentado à
Banca Examinadora, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
do Programa de Mestrado em
Comunicação, área de concentração em
Comunicação Contemporânea da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação do Prof. Dr. Renato Pucci Jr.
Aprovado em ----/-----/----- __________________________ Nome do orientador
__________________________
Nome do convidado __________________________
Nome do convidado
AGRADECIMENTOS
Às primeiras mulheres da minha vida, por ordem de encontro: Regina Morro,
Elisabeth Kurschat e Anette Kurschat por doarem suas vidas a mim, suas escutas
às minhas expressões musicais e sempre me apoiarem como podem. Muito
obrigado!
Depois, à minha grande parceira e esposa Ariadne Catanzaro por estar junto a mim
nos momentos de concentração e leveza, tão necessárias. Agradeço também o
encontro com seu olhar estético sobre cinema, comunicação e arte que me
encantam e me impelem a buscar entender ainda mais o audiovisual.
À Minha filha Elis Catanzaro Kurschat que insiste a me ensinar que a vida é melhor
se a gente brincar.
Aos amigos músicos Gabriel Cantanzaro, Eduardo Berigo pelo apoio e,
especialmente Rodrigo Reis pelas conversas e reflexões tão produtivas.
Aos professores da Anhembi Morumbi, Bernadette Lyra, Laura Cánepa, Luiz
Vadico, Sheila Schvarzman e Vicente Gosciola que generosamente doaram seus
conhecimentos.
Ao professor e orientador Renato Pucci Jr pelo conhecimento, paciência, dedicação
e credibilidade que me ofereceu.
RESUMO
Este trabalho busca compreender um tipo de relação entre imagem e som,
precisamente como as dimensões concretas do som servem de critério para a
concepção de videoclipes. Tal relação se dá de forma especial nos videoclipes
devido ao formato ter uma relação singular com a música, pois tem ela como objeto
central para sua produção. Essa relação entre imagem e som não se apresenta só
no videoclipe e pode ser encontrada no cinema e em outros produtos audiovisuais,
mas o videoclipe comporta em si uma liberdade para experimentar formas de
representar a imagem e o som de maneira peculiar. A presente pesquisa, que
procura entender como o som e a imagem se correspondem no audiovisual, tem o
foco central na produção de videoclipe do diretor Michel Gondry, que se apresenta
muito criativo em representar os fenômenos do som, e fornece elementos à
demonstração das correspondências entre o som e a imagem. Como base teórica,
foram utilizados textos de Sergei Eseinstein (1990) e Ney Carrasco (2003) ao
pensar enquanto cinema, Thiago Soares (2004) e Arlindo Machado (2005) para
entender a relevância da relação entre imagem e som no videoclipe, assim como
outros teóricos da música e das artes visuais que oferecem instrumental
metodológico para a compreensão de como se dá a correspondência de ambas
expressões. A metodologia aplicada foi a análise minuciosa de videoclipes, que
demonstram de maneira mais clara a relação (imagem e som) estudada, assim
como a identificação dos recursos utilizados para isto em cada um destes
videoclipes.
Palavras-Chave: relação imagem e som; videoclipe; Michel Gondry
ABSTRACT
This work aims to understand a sort of relationship between image and sound,
mainly how the sound concrete dimensions help as a criterion for of video clips
design. This relation is in a special way in the clips due to this audiovisual format
have a unique relationship with the music, because video clips have music as a
central object for its production. This relationship between image and sound is not
presented only in video clips, and it can be found in cinema and other audiovisual
products. Video clips contain a freedom to experiment different aesthetic settings to
represent the image and the sound in a peculiar way. This research purposes to
understand how the sound and the image correspond in audiovisual, and our central
focus is in Michel Gondry’s production, video clip director, who appears to be very
creative in representing the sound phenomena, and provides elements for
demonstrations of connections between sound and image.As a theoretical basis,
Sergei Eseinstein (1990) and Ney Carrasco’s (2003) texts were used to think about
cinema aspects, Thiago Soares (2004)and Arlindo Machado (2005) to understand
the relevance of this relationship between image and sound in the videoclip as well
as other theorists of music and visual arts who provide methodological tools that
collaborate the understanding the correspondence of both expressions. The
methodology applied was the detailed analysis of videoclips that demonstrate more
clearly the relationship (image and sound) studied and identifying the resources
used in each of these videoclips.
Keywords: Relationship between image and sound; video clip; Michel Gondry.
LISTA DE QUADROS
QUADRO-1 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E
IMAGEM NO VIDEOCLIPE THE HARDEST TO BUTTON TO
BUTTON................................................................................................................86
QUADRO-2 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E
IMAGEM NO VIDEOCLIPE OPEN YOUR
HEART...................................................................................................................94
QUANDRO-3 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E
IMAGEM NO VIDEOCLIPE AROUND THE
WORLD..................................................................................................................98
QUADRO-4 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E
IMAGEM NO VIDEOCLIPE
CRYSTALLINE.....................................................................................................101
QUADRO 5. CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E
IMAGEM NO VIDEOCLIPE STAR
GUITAR................................................................................................................108
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1- IMAGEM DE FONÓGRAFO.................................................................21
FIGURA 2- DIAGRAMA DE UMA SEQUÊNCIA DO FILME ALEXANDER NEVSKY
DE EISENSTEIN, 1938 CONTENDO A TRILHA DE IMAGEM SINCRONIZADA
COM A PARTITURA...............................................................................................22
FIGURA 3- FRAMES DE SYNCHROMY...............................................................24
FIGURA 4- IMAGEM DE SOUNDIES....................................................................25
FIGURA 5-IMAGEM DE UM SCOPTONE.............................................................25
FIGURA 6- FRAME DO VIDEOCLIPE TAKE ON ME DO GRUPO A-HÁ.
ANIMAÇÃO INTERAGINDO COM ATOR..............................................................29
FIGURA 7- TRECHO DA PARTITURA DA SONATA NO. 14 EM C MENOR
(SONATA AO LUAR...............................................................................................38
FIGURA 8- FRAME DO VIDEOCLIPE SALMON DANCE (PROPORÇÕES DOS
PEIXES).................................................................................................................40
FIGURA 9- FRAMES DO VIDEOCLIPE OCTOPUS..............................................44
FIGURA 10- FRAMES DO VIDEOCLIPE THE NUMBER OF THE
BEAST……………………………………………………………………………………49
FIGURA 11- FRAMES DO VIDEOCLIPE GIVE IT AWAY……….…………………51
FIGURA 12- FRAME DO VIDEOCLIPE DO I WANNA KNOW..............................53
FIGURA 13- FRAME DO VIDEOCLIPE HYPERBALLAD......................................54
FIGURA 14- FRAME DO VIDEOCLIPE BULLS ON PARADE..............................55
FIGURA 15- FRAME DO VIDEOCLIPE PAID IN FULL…………………………….59
FIGURA 16- TRECHO DE UMA PARTITURA DE MÚSICA DE VANGUARDA
ERUDITA...............................................................................................................69
FIGURA 17- FRAMES DO VIDEOCLIPE GROVES IN THE HEART....................78
FIGURA 18- FRAMES DO VIDEOCLIPE BOHEMIAM RHAPSODY.....................79
FIGURA 19- FRAMES INICIAIS DO VIDEOCLIPE HARDEST TO BUTTON TO
BUTTON................................................................................................................82
FIGURA 20- PARTITURA DE BATERIA DA SEGUNDA PARTE DA MÚSICA
HARDEST TO BUTTON TO BUTTON..................................................................83
FIGURA 21- FRAMES DO VIDEOCLIPE HARRDEST TO BUTTON TO BUTTON
QUE CORRESPONDEM AO RITMO DE BATERIA DA PARTITURA DA
FIGURA..................................................................................................................84
FIGURA 22- IMAGEM DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART COM
SOBREPOSIÇÃO DO DESENHO DO ARCORDE NA PARTITURA QUE
CORRESPONDE AO TEMPO DA IMAGEM E NOTAS COLORIDAS CONFORME
AS CORES DE CAMISETAS..................................................................................88
FIGURA 23- FRAMES DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART…………..……...90
FIGURA 24- FRAME DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART. ACORDE DE SETE
NOTAS E FILA COM SETE PESSOAS..................................................................91
FIGURA 25- FRAMES “IMAGENS NO CORREDOR” DO VIDEOCLIPE OPEN
YOUR HEART........................................................................................................92
FIGURA 26- FRAME DA CENA FINAL DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR
HEART...................................................................................................................95
FIGURA 27- FRAME DO VIDEOCLIPE AROUND THE WORLD…………….….…97
FIGURA 28- FRAMES DO VIDEOCLIPE CRYSTALLINE...................................100
FIGURA 29-PARTITURA DOS SONS DE CLAPS DA MÚSICA STAR
GUITAR................................................................................................................103
FIGURA 30- FRAME DOS POSTES QUE CORRESPONDEM AO SOM DE
CLAPS NO VIDEOCLIPE STAR GUITAR...........................................................104
FIGURA 31- IMAGENS DE POSTES, CASA E VAGÃO DO VIDEOCLIPE STAR
GUITAR................................................................................................................105
FIGURA 32- IMAGENS DO ESCURO (NOITE) E CLARO (DIA) DE STAR
GUITAR................................................................................................................
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................11
CAPÍTULO I. O SOM E A IMAGEM NO VIDEOCLIPE........................................16
CAPÍTULO II- NATUREZA DO SOM E NATUREZA DA IMAGEM E SUAS
CORRESPONDÊNCIAS NO AUDIVISUAL...........................................................33
CAPÍTULO III- PROPRIEDADES DO SOM E DA IMAGEM E SUAS
CORRESPONDÊNCIAS NO VIDEOCLIPE...........................................................39
3.1 CORES E ALTURA..........................................................................................41
3.2 Intensidade e Ponto de escuta.........................................................................44
3.3 Timbre e texturas..............................................................................................51
3.4 Ritmo: duração e movimento............................................................................56
3.5 Andamento (tempo)..........................................................................................65
3.6 Melodia ............................................................................................................69
3.7 Harmonia e tom................................................................................................70
CAPÍTULO IV- A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM SONORA NO
VIDEOCLIPE..........................................................................................................72
CAPÍTULO V- ANÁLISE DAS DIMENSÕES SONORAS E SUAS
CORRESPONDÊNCIAS VISUAIS NOS VIDEOCLIPES DE MICHEL
GONDRY...............................................................................................................81
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................111
REFERÊNCIAS....................................................................................................113
GLOSSÁRIO……………………………………………………………....…………...116
ANEXO: DVD .......................................................................................................119
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca compreender como as dimensões concretas do som, ou
seja, sua natureza física, oferecem critérios à concepção do videoclipe,
precisamente a maneira que o som, matéria-prima da música, e a imagem se
correspondem em um tipo de relação entre imagem e som específicas do
videoclipe.
Embora esta concepção esteja no cinema e em outros produtos
audiovisuais, este trabalho debruça-se especificamente sobre o videoclipe, pois
entende-se esse formato como sendo o maior expoente da relação imagem e som,
obviamente por sua relação peculiar com a música, pois parte-se dela para sua
realização. Neste tipo de concepção destacam-se alguns diretores e, para defender
essa relação, vai-se ao encontro do trabalho do diretor francês Michel Gondry, em
que pode-se perceber essas correspondências de forma muito significativa.
Michel Gondry iniciou sua carreira no audiovisual como diretor de clipes,
realizando um trabalho importante no conceito de vídeos musicais. Revelou-se em
realizações para a cantora Björk, para o grupo de música eletrônica Chemical
Brothers e da banda The White Stripes. O diretor domina muito bem as técnicas
audiovisuais tendo como principal característica o uso de alta tecnologia com
aparência de recursos primitivos e explora essas técnicas com criatividade e
inspiração musical singular (SOARES, 2004, p. 63). Lançou-se no mercado
publicitário e, como cineasta, seus os títulos mais conhecidos são Natureza
Humana (2001) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e
Rebobine, Por Favor (2008). Outro dado importante, sobretudo para sua
característica tão musical como diretor de videoclipes, é o fato de ser músico
amador e ter se iniciado na indústria fonográfica como baterista da banda francesa
Oui Oui (1987), também realizando videoclipes para a própria banda.
No videoclipe reúnem-se técnicas da relação entre imagem e som que foram
herdadas do cinema, oriundas das tradições dramáticas do teatro e dos
espetáculos musicais. A pesquisa resgata um tanto dessa trajetória buscando
verificar especificamente as técnicas que correspondem às dimensões sonoras da
música.
Como coloca Ney Carrasco (2003) autor cujas pesquisas contribuem
bastante ao assunto:
A linguagem complexa do cinema é herdeira de toda uma tradição dramática e musical da cultura ocidental. Nessa tradição, muitas são as manifestações nas quais a música combina-se com a fala, com a estrutura dramática, com o gesto, com a ação e o movimento (CARRASCO, 2003, p. 6)
Tais técnicas cinematográficas, uma vez incorporadas, nos permitem
entender como se concebe o tipo de videoclipes abordados nesta pesquisa. Entre
exemplos de diversas experiências artísticas visuais e sonoras, o presente trabalho
articula as ideias de alguns autores da comunicação que buscaram tratar da relação
entre música e imagem de alguma forma, sendo os mais significativos: Ney
Carrasco, Sergei Eisenstein, tanto suas contribuições práticas quanto teóricas,
Arlindo Machado e Thiago Soares, que construíram trabalhos importantes para a
compreensão do videoclipe, Michel Chion e a dissertação de Fillipe Salles, além
de passar por teorias de música e de ideias e práticas de artistas visuais e da
música, que tentaram relacionar as duas expressões. Além destes autores, esta
pesquisa utiliza teorias musicais e do som, tentando sempre demostrar suas
possíveis relações balizadas pelas dimensões sonoras.
A pesquisa volta-se à dimensão sonora da música, mais do que a ela
própria. Entende-se que este estudo se refere ao som como objeto em si mesmo,
como matéria- prima da expressão musical. A música é uma linguagem e sabe-se
que não é de fácil compreensão, mas sua complexidade, de todo modo, não impede
de atingir a todos, objetiva e subjetivamente.
Henry Baurraud (1968) ao tentar introduzir o leitor ao entendimento da
linguagem musical menciona que é unânime o reconhecimento do som como
elemento primeiro e essencial da música e que só é possível a expressão complexa
da música através da manipulação e da organização das ondas sonoras
(BAURRAUD, 1968, p 15).
Para esclarecer o tipo de concepção entre som e imagem, esta pesquisa dá
uma base a respeito dos elementos sonoros que estruturam a linguagem musical
e, propositalmente exclui qualquer conotação subjetiva que a música possa conter
e também qualquer conotação extramusical como valores embutidos, ideologias,
gêneros, estilos, características socioculturais e os significados das letras das
canções que possam ter sido usados como critério para a produção audiovisual.
Há um foco na correspondência entre imagem e som que diz respeito às
características físicas do som e não a qualquer outro critério subjetivo. Não se
desconsidera qualquer relação de significação, mas, para que se possa
compreender a relação em questão, se faz necessário reduzir a música a sua
entidade mais objetiva, que é o som, que carrega informações em si mesmo que
são suficientes para que tal relação seja analisada.
Portanto não é necessário distanciar-se desta pesquisa se o leitor não tiver
conhecimento musical, pois parte-se do um princípio básico de que todo ser
humano possui a mesma estrutura cognitiva e que o som tem uma natureza e que
essa natureza é perceptível ao nosso corpo e cérebro, pois o som é um fenômeno
físico (PORTA NAVARRO,2007, p. 72).
Há, em todo caso, um dado da experiência auditiva: mesmo o ouvido não
exercitado percebe claramente as diferenças entre dois sons, seja por suas alturas,
intensidades ou durações. (BAURRAUD, 1968, p. 15). Portanto somos atingidos
pelos sons da música e somos dotados de uma capacidade de compreendê-los
tanto física quanto mentalmente. Acredita-se que tais relações entre a imagem e o
som são muitas vezes percebidas de forma intuitiva, não só percebidas, ou seja,
diante dessa relação intuitiva com os sons, pode-se entender que muitos
videoclipes são concebidos da mesma maneira que se dança: quase sempre
percebemos pessoas dançando sincronizadas com a música sem necessariamente
terem estudado música ou dança.
Há diversas análises musicais e, entre elas, análises baseadas na percepção
auditiva. Trata-se de uma análise musical que parte da experiência sensorial
simples, baseada na maneira com a qual os estímulos sonoros são organizados
pela mente e como estes se transformam em unidades de sentido para o ouvinte.
Reforça Bregman (1999) “que existem princípios gerais subjacentes de
organização auditiva, próprios de nosso funcionamento mental, que transcendem
qualquer estilo musical” (BREGMAN,1999 p. 457), portanto não há nenhum
aprofundamento em teorias musicais para se compreender as análises da relação
som e imagem defendida neste trabalho.
Embora análises densas e complexas sobre o som existam, procura-se
adiantar o processo ao leitor já esclarecendo quais são as correspondências das
dimensões do som com a imagem nos recursos representativos do audiovisual.
Parte-se do critério de entendimento do som, que teóricos como Pierre Schaeffer,
Michel Chion e Trevor Wishart chamam de escuta reduzida1, que trata de atitude
de escuta para estudar o som em si mesmo, como objeto sonoro, abstraindo a sua
real proveniência ou ao que possa remeter (SCHAEFFER 2007, p 63). Recomenda-
se antes, caso não se tenha familiaridade com termos musicais, que consulte o
glossário de termos musicais desta dissertação, garantindo maior fluidez à leitura.
Daniel Levitin, autor que estuda as dimensões sonoras da música, define
que altura, ritmo (durações), tempo, contorno, timbre, volume, localização espacial
e reverberação são as dimensões audíveis numa música (LEVITIN, 2007, p.22)
Essas características são apresentadas no trabalho e algumas delas se tornam
tópicos no capítulo III, no qual se abordam as correspondências entre imagem e
som nos recursos que audiovisual dispõe, esclarecendo suas diferenças e
possibilidades de relação. No que diz respeito ao timbre, contorno, localização e
reverberação encontram-se suas correspondências visuais quase sempre
norteando a construção de cenários, que são chamados de paisagem sonora do
videoclipe, assunto que se encontra no capítulo IV. Nesses capítulos trabalham-se
as questões musicais e termos da música que um leitor pouco familiarizado poderá
sentir-se inseguro com a compreensão do texto, portanto recomenda-se a leitura
de um livro de teoria musical2 ou ele sempre à mão para pesquisa.
As diferenças e as possíveis correspondências na expressão som e imagem
serão esclarecidas, tal como a maneira como se dá a acoplagem e o
comportamento do som nos suportes audiovisuais. A dissertação baseia-se em
análises de teóricos da montagem audiovisual e na utilização de diversas
1 Escuta reduzida constitui a teoria Pierre Shaeffer sobre as quatro funções da escuta que pode ser encontrada em: SCHAEFFER, Pierre. Tratado dos Objetos Musicais. Trad. Ivo Martinazzo. Brasília: Edunb. 1993. 2 Para maiores informações sobre teoria de teoria musical. MED, Bohumil. Teoria da música. 4 ed.
rev. e ampl.Brasília, DF: Musimed, 1996.
produções de videoclipes e outros formatos, abordando por fim no trabalho de
Michel Gondry como um grande expoente dessa forma de produzir videoclipes.
A concepção de videoclipes baseados nas dimensões do som tem também
uma outra questão curiosa que, embora o diretor tenha muito conhecimento das
técnicas audiovisuais e também algum conhecimento musical, não há como afirmar
que ele ou os diretores que produziram seus clipes sob esse critério os fizeram
calcados em teorias audiovisuais ou musicais. Os domínios desses diretores e de
Gondry no cinema, suas técnicas herdadas, os experimentos da videoarte,
publicidade e videoclipe que se vão se apresentar, acompanham-nos, mas não
necessariamente de forma consciente. Diante disso, evidencia-se que essa
concepção se dá de forma intuitiva, do mesmo modo que apreensão da música se
dá ao leigo ou, ainda, da mesma forma que um músico pode produzir algo relevante
com sua aprendizagem autodidata. Desta forma compreendemos que esta relação
com os fenômenos sonoros e a imagem se correspondem por critérios simples
resultando em um aprendizado vivencial. Claro que de forma alguma está se
colocando que essa concepção seja fácil de se realizar: sem dúvida não é, mas
verifica-se que advém de um conhecimento muito pouco formal de música e de
técnicas audiovisuais.
Encontram-se conexões entre as técnicas de Gondry e inúmeros outros
produtos que de algum modo estabeleceram relação com a imagem e os sons da
música. Contrapõem-se teorias e outras práticas, mas não se pode afirmar que o
artista bebe da fonte teórica ou prática a que a pesquisa se refere. Há uma questão
que se crê solucionada ao término do trabalho, ou seja, que tal concepção entre
som e imagem parte da capacidade humana de entender os sons e que essa
concepção de videoclipe acontece por experimentação sonora e visual de várias
ordens.
O videoclipe, como mencionado, é um formato muito expressivo no sentido
da demonstração dessa relação com os sons mas, devido à sua dinâmica de edição
e de influências que absorve, não se pode encontrar esta relação entre a imagem
e as dimensões concretas do som em todos, sendo que algumas produções contêm
essa maneira de concebê-los outras não, mesmo sendo o produto em que a relação
mais se apresenta. Há diretores que se inspiram mais nestes critérios, e a produção
de Gondry é muito representativa pois parece fazer dos seus videoclipes a mágica
de fazer ver os sons. Devido à complexidade do tema, faz-se necessário, antes,
compreender a natureza do videoclipe e seus antecedentes, entender o som e o
modo em que se dá a relação entre imagem e som nos suportes e recursos de que
o audiovisual dispõe e, então, dar sequência à análise dos videoclipes do diretor,
partindo da ideia de que, ao passar por estas etapas, tem-se mais fluidez para
demostrar como se pode dar essa concordância dos fenômenos físicos da imagem
e do som em seus videoclipes. O trabalho acompanha DVD com os videoclipes de
Michel Gondry que são utilizados para a análise e no anexo os mesmos estão
especificados. Assisti-los colabora bastante com a compreensão, pois esta só pode
ser completa quando de fato, se vivencia ao mesmo tempo visão e audição,
sentidos tão bem unificados no audiovisual, como o próprio nome diz, e que
compõem a questão desta pesquisa.
CAPÍTULO I- O SOM E IMAGEM NO VIDEOCLIPE
O termo videoclipe é aplicado ao produto audiovisual que acompanha
músicas. O termo demorou um tanto para ser aplicado, pois começou a ser utilizado
na década de 1980 quando tornou-se um produto mercadológico importante para
a promoção de músicas de grupos do gênero pop. Deriva de clipping, que significa
recorte (de jornal ou revista), pinça ou grampo, que possivelmente se refere à
técnica midiática de recortar imagens e fazer colagens em forma de narrativa em
vídeo. A colagem de imagens enfocaria a tendência contemporânea do videoclipe
como um produto audiovisual em que se faz composições a partir de outros
trabalhos e imagens, em sua maioria na mídia de massa (SOARES, 2004, p. 23).
O que marca o produto videoclipe são as imagens em velocidade sem
obrigação de uma narrativa linear, que pode ser somente uma justaposição de
imagens em que há intenção promocional, ou seja, para ajudar a vender a música.
Mas na verdade é muito difícil fechar uma definição para o videoclipe, pois, ao
mesmo tempo que podemos afirmar essas características, de ser promocional e
descompromissado com a narrativa e ter edição veloz, há outras formas de
concepção que vão na contramão dessa definição.
Para entender o videoclipe se faz necessário atribuir pluralidade à definição.
Pluralidade de referências, pluralidade de elementos que se juntam para sua
concepção, como a vontade dos músicos, a interferência dos produtores, os prazos
para a divulgação, o formato para a televisão, as ideias originais do diretor, o
experimentalismo que o formato oferece, a liberdade doada ao diretor, influências
musicais, influências de outras obras artísticas, obras cinematográficas,
audiovisuais e de outros videoclipes.
Sim, todos esses fatores podem interferir em sua concepção, mas para
melhor compreende-lo podem-se organizar os videoclipes em três grandes grupos.
Arlindo Machado (2005, p. 182) propõe essa divisão que consiste em um primeiro
tipo que diz respeito à ilustração da canção, de que há várias formas, mas se atém
à narrativa sugerida pela letra. Ainda deste primeiro grupo há uma forma mais
primitiva que é o videoclipe meramente promocional que se preocupa bastante com
a imagem dos músicos e a criação de personagens midiáticos. Um segundo
consiste em uma comunidade de realizadores advindos do cinema, vídeo arte e de
obras mais experimentais que, como põe Arlindo Machado, são obras “aliadas a
compositores e intérpretes mais ousados que logrou transformar o formato de
televisão num campo vasto e aberto para a reinvenção do audiovisual” (MACHADO,
2005, p, 182). O terceiro é uma série de clipes que mostram a tentativa de fazer
do formato o produto audiovisual que pode dar a resposta mais moderna a uma
busca de relacionar a imagem e o som. Neste terceiro é que vamos nos debruçar,
pois é devido a essa questão que o videoclipe é relevante para a análise proposta
neste trabalho. Neste último caso, usa-se de todo o arsenal tecnológico disponível
para trazer aos olhos os efeitos dos sons.
Percebe-se ao observar o videoclipe que esses critérios para a sua
concepção não são tão bem separados e que mesmo alguns videoclipes sendo
extremamente experimentais e propondo outras formas de narrativas e de técnicas
de edição, sua concepção não é arbitrária quanto ao seu aspecto promocional. O
videoclipe surgiu para vender um pacote completo: música e imagem do artista. É
uma ferramenta de apelo mercadológico, que cria personagens para influenciar
comportamentos e ditar moda, mas mesmo assim muitos videoclipes trazem
concepções ousadas no que diz respeito às narrativas, lineares ou não. No campo
da poética, do modo de concebe-lo se explora uma rica possibilidade, tornando
também, muito significativo para a estética do audiovisual devido ao fato de ter
rompido os limites dos gêneros do vídeo e da televisão explodindo constantemente
seus próprios limites, sempre impondo novas “formas de expressão artística de
maior vitalidade de nossos tempos. Descobriu-se nele um caminho estratégico para
a revigoração do espírito inventivo no plano do audiovisual” (MACHADO, 2005,
p.172). Além disso, manteve sempre sua relação íntima com a música e sempre
teve como elemento essencial, ora mais, ora menos, a preocupação em representar
os acontecimentos musicais. E este aspecto faz o videoclipe ser um produto muito
especial no que diz respeito a essa relação entre imagem e som.
O clipe caracteriza-se por intenso hibridismo entre formatos, suportes e
técnicas e, apesar de ser um formato televisivo e comercial, agrega valores de
outros produtos audiovisuais que proporcionam a experimentação.
Oscar Landi ao tentar encontrar uma forma para definir o videoclipe aponta
para esses aspectos híbridos do formato afirmando que:
através da inserção de outras naturezas de imagens (vindas, inclusive, de outros, gêneros audiovisuais) é a ‘espinha dorsal’ de onde parte a constituição da linguagem, não só do videoclipe mas do vídeo (LANDI, 1992, p. 43 ).
De fato, as técnicas e teorias encontradas no videoclipe vêm do cinema, da
publicidade e do vídeo experimental. Foi inicialmente e permaneceu por muito
tempo feito para o formato televisual e utilizado para promover a venda da música
(CD, DVD) e hoje ampliou seu espaço na internet. Devido a esses aspectos
promocionais há um distanciamento de uma análise artística, mas para
verdadeiramente entendê-lo é preciso compreender seu hibridismo com outros
produtos audiovisuais. O videoclipe é uma importante ferramenta para a circulação
dos bens simbólicos no modo de produção capitalista que é o processo de venda
e consumo, mas também traz referências de todo tipo de trabalho como artes
plásticas, documentários, filmes de ficção e outros. “Classificar e categorizar o
videoclipe é um trabalho com resultados insuficientes porque este gênero
audiovisual emerge da hibridação, da contaminação, das referências e da
experimentação” (BRANDINI 2006, p. 04).
Neste trabalho propõe-se uma atenção na produção do videoclipe para
compreender sua relevante contribuição à relação entre imagem e som. Esse seu
aspecto híbrido advém das formas de representar as dimensões do som no cinema,
na videoarte e na animação. A questão é que, como os videoclipes têm uma série
de coisas que norteiam sua produção, existem trabalhos que mostram uma extrema
preocupação com a representação sonora, mas há outros que se preocupam com
aspectos diferentes, não musicais, outros ainda ora voltam-se aos sons e ora não,
frequentemente de forma rápida. Há videoclipes que se norteiam com a
representação de alguns elementos da música, quase como um fio condutor do
rítmico ou de relação corporal com o espectador e em cima dessa base várias
outras coisas acontecem que não são da ordem das dimensões sonoras.
De toda forma o videoclipe, como já mencionado, é um produto especial no
que diz respeito à música, pois a tem como objeto inicial de sua concepção, mas
mais do que isso, ao contrário de todos os produtos audiovisuais, não é composto
por uma trilha sonora, ou seja, ele não tem uma música que será aplicada à
imagem, tem a imagem que será aplicada à música. Ainda assim, talvez seja
melhor entendê-lo como um produto no qual imagem e som se acoplam, fazendo
do videoclipe uma experiência audiovisual sem hierarquias prévias da imagem em
relação ao som e vice versa.
Michel Gondry pertence a um grupo de diretores de videoclipe que domina
as técnicas do cinema, publicidade e da videoarte, sendo ele realizador de todos
esses formatos audiovisuais, mas que herda essa espécie de ânsia em tornar o
som visível, fazendo com que não se possa separar a experiência sonora do visual,
criando um audiovisual total. O diretor compõe um grupo de realizadores que em
geral são músicos ou grandes aficionados por música, e isso faz de sua produção
algo muito significativo para esse tipo de montagem.
O mérito dessa relação entre imagem e som não nasce no videoclipe. Desde
muito cedo o homem procura uma relação com a música e a imagem, como
mencionado anteriormente. Apesar de não se conseguir reproduzir e precisar
historicamente os detalhes da relação, sabe-se que desde rituais antigos se procura
uma relação entre estes dois elementos e é certo que os rituais muito
provavelmente foram os precursores, num sentido prático, da formação do
paradigma música e imagem.
Arlindo Machado, em seu livro A Televisão Levada a Sério (2005), dedica
um capítulo, intitulado “Da Sinestesia, ou a Visualização da Música” onde aborda
rigorosamente este aspecto da relação da imagem e dos sons anteriormente às
técnicas cinematográficas. O autor afirma que, na verdade, ele deveria chamá-lo
"As Imagens da Música", nome que inspirou o título dessa dissertação. No capítulo
mencionado o autor questiona, na mesma proporção, a relação de naturalidade
entre som e imagem:
Sabemos que o termo grego mousiké (literalmente: a arte das musas) designava originalmente um certo tipo de espetáculo que hoje chamaríamos de multimídia, pois incluía não apenas a performance instrumental e o canto, mas também a poesia, a filosofia, a dança, a ginástica, a coreografia, a performance teatral, o trabalho das indumentárias e máscaras e até mesmo "efeitos especiais" produzidos através de jogos de luz, movimentos dos cenários e truques de prestidigitação (Machado, 2005, p. 155).
Os gregos já apresentavam um caráter estético muito sofisticado no que diz
respeito a associações entre imagem e música, mas tais questões não advêm só
deles e nem estão apenas ligadas aos rituais. PARKINSON (1995) menciona que
há registros de eventos profanos, destinados ao entretenimento, que uniam a
música a algum tipo de imagem. O teatro de sombras chinês é um bom exemplo,
aliás, por vezes, descrito em muitos compêndios sobre cinema como sendo seu
antepassado: era constituído por silhuetas com uma fonte de luz por trás e um
anteparo translúcido à frente.
As sombras projetadas das silhuetas no anteparo movimentavam-se contando uma história, e eram acompanhadas por cantores e instrumentistas. Os registros deste tipo de teatro remontam de mais de 1000 anos a.C., e não apenas na China, mas em grande parte do extremo oriente, como Java (Indonésia) e Índia, onde ainda existe esta tradição (PARKINSON 1995, p 8).
Texto, dramaturgia, artes plásticas e música formavam um único corpo, de
intenções claramente estéticas. O teatro manteve sempre esse flerte entre música,
sons, texto e composições visuais, tanto com próprios movimentos dos atores e
expressão gestual, como cenário e luz. Posteriormente a ópera desenvolveu
características de unir a música e a imagem de forma bastante peculiar, da qual
muitas ideias foram adquiridas pelo cinema, que ampliou as possibilidades de
relação com o som e a música e reinventou formas de associar essas duas
dimensões.
Antes da criação dos meios audiovisuais, ainda na pintura e nas obras
musicais é possível perceber a riqueza de possibilidades visuais que têm os
poemas sinfônicos, a música de programa, músicas inspiradas em fenômenos não
sonoros, como muitos títulos revelam, como “Quadros de uma Exposição” de
Mussorgsky, “Pinidi Roma” de Respighi e a “Cathedral Submersa” de Debussy,
adaptação musical de um poema de Mallarmé. Em todas essas obras, entre outras,
há uma busca de associações com imagens, que deixam essa relação evidente.
O cinema, arte disponível segundo uma evolução tecnológica própria do final
do século XIX, vem justamente recolocar todos os experimentos da associação
entre som e imagem e desenvolver novas possiblidades devido à tecnologia que
dispunha e que a partir desse momento nunca parou de se desenvolver
tecnologicamente, fator que colabora com as possibilidades constantes de associar
imagem e som.
A música, até o final do século XIX e início de XX era necessariamente
exibida ao vivo, e as possibilidades de associação entre a imagem e som só eram
possíveis sob estas condições, portanto mantinha-se muito conectada ao gesto,
tanto dos músicos ao executar seus instrumentos como na dança. Apesar do ser
humano não poder ver o som a olho nu, sua produção se dá por um gesto corporal,
expressão comum à dança e o teatro. Com o advento das tecnologias para
reprodução da música, foi possível dimensionar um campo visual novo, como por
exemplo com o fonógrafo, aparelho que antecede o gramofone da segunda metade
do século XIX e que é um dos primeiros aparelhos a traduzir as vibrações sonoras
em uma representação gráfica analógica e já utilizando-se de um cilindro como
meio.
Figura 1- Imagem de Fonógrafo
Fonte: Wikipedia
A partir do século XX uma série de outros recursos disponibilizaram formas
de estocagem de sons, que foram responsáveis para a comprovação de que o som
tem relação íntima com a matéria, sendo seu efeito vibratório em forma ondulatória
possível de ser visualizado e manipulado nestes equipamentos. O desenvolvimento
constante de equipamentos sonoros possibilitou a música eletroacústica, a música
eletrônica e o encontro de novas sonoridades que hoje estão disponíveis para todo
tipo de gênero musical, inclusive a música pop, e também foram responsáveis por
técnicas de estúdio e composição e de formas de visualizar os sons e os
acontecimentos musicais.
Na escrita musical, técnica mais arcaica, já se apresentavam formas de
representação das dimensões do som. De certa forma, os aspectos gestuais são
formas gráficas, produto do gesto das mãos para se conseguir um determinado
som no instrumento. Se esses gestos propostos na escrita forem feitos ao executar
os instrumentos, as sonoridades serão parecidas. É o mesmo quando o maestro,
ao interpretar com gestos os gráficos escritos, reproduz de outro modo, o gesto que
o músico deve fazer em seu instrumento. Há uma correspondência entre o gesto
que vira gráfico na partitura, com o gesto do maestro e com o gesto do
instrumentista. Percebe-se, por exemplo, ao se deparar com as figuras de legato
ou pizzicato da partitura, que há correspondência de formas de movimento
sugerida. Isso se dá porque a partitura é a continuidade da forma ondulatória do
som, o maestro oferece uma continuidade em gesto da forma gráfica e o
instrumentista também.
Tentando mapear como se dão as características da concepção do
videoclipe, necessariamente se passa pela história do cinema e das tecnologias do
audiovisual que se constituem dessa vontade de associar os dois sentidos, olhos e
ouvidos. Desde o final do século XIX as projeções do cinema eram acompanhadas
por música, e rapidamente as escolhas das partituras estavam relacionadas já às
imagens apresentadas. Dessa forma, era a partir da imagem que se construía a
música, ainda o inverso do videoclipe, mas tais produções conseguiram um
casamento estético incrível e indissociável entre a imagem e os sons, realmente a
possibilidade de parecer estarmos vendo os sons.
Figura 2- Diagrama de uma sequência do filme Alexander Nevsky de
Eisenstein, de 1938, contendo a trilha de imagem sincronizada com a partitura.
Fonte: Eisenstein (1990. p 9-10).
Nessa busca somos impressionados com o cinema de montagem soviético
e sua vontade de encontrar formas de materializar a música em imagem,
produzindo uma montagem que se corresponda aos movimentos propostos na
música. Dziga Vertov, com o filme O homem com uma câmera (1929), tentava
incorporar a música e correspondê-la ao movimento sincronizando o andamento da
imagem e da música. Sergei Eisenstein também amplia a relação da música e da
imagem, procurando uma correspondência com as dimensões concretas da música
em seus filmes, ideias que ele próprio reuniu e defendeu na A forma do filme (1990).
Arlindo Machado reforça colocando que o ponto de mutação do cinema “foi
a invenção de um método óptico de registros de sons, ou seja, toda trilha sonora
do filme é convertida em informações luminosa e fotográfica na película, ganhando
a propriedade de imagens” (MACHADO, 2005, p. 157). A colocação de Arlindo
Machado diz respeito ao advento da banda sonora, e que esse fator possibilitou
reproduzir a pista sonora na pista de imagem e recorda, como exemplo a animação
Fantasia (1940) de Walt Disney.
Entre as décadas de 1920 e 1930, o jazz nos Estados Unidos passou a ser
filmado e “então um gênero musical que tentava alçar sua legitimação, passou a
ser um manancial para a produção de ‘números filmados’, sobretudo com artistas
como Duke Ellington e Woody Herman” (SOARES, 2004, p. 16).O filme O Cantor
de Jazz (1927), com direção de Alan Croland e com Al Jolson no papel principal,
foi o primeiro filme cantado da história do cinema que recorreu a várias estratégias,
sobretudo a de evocar as dimensões sonoras da própria performance do cantor.
King Kong (1933), direção de Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper, torna-se
uma referência de sincronia de imagem e som, inaugurando a técnica de
mickeymousing3, nome batizado posteriormente na animação da Walt Disney em
Fantasia (1940).
O cineasta alemão Oskar Fischinger é sem dúvida muito importante para a
relação entre música e imagem. O autor usou das músicas de Bach, Beethoven e
outros, para produzir uma forma inédita de arte abstrata conhecida como música
visual (Filipe Salles, 2002, p 35). Oskar Fischinger, assim como Walter Ruttman e
Viking Eggeling construíram uma forma visual inseparável do som. Imagens
pensadas nota a nota, timbre por timbre, cada evento sonoro da música ganha um
3 Técnica cinematográfica que sincroniza o acompanhamento de música com as ações na tela. O
termo refere-se ao personagem Mickey da animação da Walt Disney. A técnica foi popularizada no filme Fantasia (1940)
componente de imagem abstrato. Tais técnicas são bastante relevantes para o
mundo dos videoclipes, pois nesses trabalhos está uma relação completa com as
dimensões concretas do som, no caso em animações abstratas, que em alguns
videoclipes vão se apresentar de várias formas.
Norman McLaren através de sua proposta de música sintética, que fazia
desde 1950, em sua obra Synchromy (1971), produz uma música desenhando a
onda sonora na película, ou editando os sons através de seus equivalentes visuais
(MACHADO, 2005, p. 157). O artista coloca, nas pistas de sons e de imagens,
colunas de cores diferentes para corresponder a uma voz melódica, onde essas
cores representam as diferenças de notas que vão ficando mais rápidas e dividindo-
se em quatro. A disposição disso nas duas pistas determina ao mesmo tempo a
polifonia em que se ouve uma coreografia visual sincronizada ao som.
Figura 3- Frames de Synchromy
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UmSzc8mBJCM
Ainda na década de 1940, havia os Soundies, que eram uma espécie de
jukebox, objeto recorrente em bares, onde ao se colocar uma ficha era possível ver
números musicais em preto e branco. Tal apresentação visual precedeu a invasão
da música popular na televisão que ganhava espaço através do programa Paul
Whiteman’s Teen Club no canal BBC americano em 1949. Na década de 50 a
televisão se torna a grande responsável na disseminação de números musicais,
aquecendo um novo mercado. Números como “Rock Around the Clock” no filme
Blackboard Jungle (1955), de Richard Brooks e Jailhouse Rock (1957) de Richard
Thorpe, que consagrou o nome do cantor Elvis Presley, marcaram efetivamente a
divulgação de artistas e a possibilidade de ver na tela, não mais só do cinema,
números musicais (SOARES, 2004. p. 16).
Figura 4- Imagem de Soundies
Fonte: www.elettrovintage.it
Na França um aparelho chamado Scoptone, muito semelhante ao Soundies,
exibia performances de cantores em um filme de 16 milímetros. Era usado em
diversos bares como forma de entretenimento para a juventude e divulgação dos
artistas. “A tentativa não era apenas exibir performance dos cantores, mas respeitar
uma espécie de desenvolvimento autônomo entre a imagem e som” (SOARES,
2004. p 16). A autonomia dessa relação entre imagem e som vai permanecer
presente no vídeo para divulgação de músicas e compor a essência do videoclipe.
Figura 5-Imagem de um Scoptone
Fonte: documentsdartistes.org
O videoclipe desde então está vinculado à música pop e à imagem dos
artistas. Tem como embrião estratégias do final dos anos 1950, início de 1960, de
promover a música que a partir desse momento se inseria no que se chamou de
cultura jovem. Toda essa trajetória compõe o videoclipe, mas o que é fato é que ele
é o produto que mais está ligado à música, nele está uma tradição em buscar
recursos de aproximação com o som.
A origem do videoclipe é bastante discutível, mas há uma marca importante:
o ano de 1964 é marcado pelo lançamento do filme A Hard Day’s Night, da banda
The Beatles, dirigido por Richard Lester. Além do filme, os Beatles faziam alguns
vídeos. Os vídeos e o filme eram promocionais e há algumas discussões acerca da
definição desses vídeos como videoclipes. Alguns autores defendem o fato dos
vídeos e os filmes dos Beatles não poderem ser considerados videoclipe porque
eram formas para que a banda pudesse aparecer em mais de um programa de TV,
mas Jorge Lima Barreto afirma que o “vídeo tem conexão com a TV, mas seu
compromisso com a música foi iniciado com o experimentalismo do coreano Nam
June Paik, compositor e videasta do final da década de 60” (BARRETO, 2000, p.
27 ) O movimento a que se refere é exatamente o movimento denominado videoarte
ou vídeo experimental, que versava sobre a estética da televisão e do vídeo na arte
contemporânea. Ao assistir a esses vídeos é possível perceber uma preocupação
em sincronizar música e imagem e, independentemente de sua definição como
videoclipe, são uma referência para a sua estética.
O videoclipe reúne características do cinema de vanguarda e a animação e
o experimentalismo das artes visuais que procuram uma relação com a música. É
também um formato audiovisual voltado primeiramente à televisão e com a intenção
de ser uma peça promocional. Ele comporta todas essas características desde que
tenha uma relação com a música.
O videoclipe integra a pós- modernidade e o contemporâneo por ser um
produto da indústria para uma cultura de consumo, ao mesmo tempo que tem muito
de sua montagem relacionada à arte de vanguarda e às convergências
tecnológicas. Isso só aumenta o repertório representativo e as possibilidades
técnicas de visualização do som.
Nos anos 1960, há uma disseminação de um sistema portátil de captação
de imagem e de uso cada vez mais frequente: o videotape, que se tornava cada
vez mais interessante para as emissoras de televisão por conta do baixo custo e
da velocidade em produzir. Este desenvolvimento tecnológico possibilitou uma
produção de vídeos experimentais que problematizou o conceito de televisão
comercial. Segundo Leguizamón, as experimentações artísticas em vídeo serviram
também para criar um produto audiovisual que se distanciasse do cinema, pois sua
montagem é de outra natureza (LEGUIZAMÓN, 1997 p 26).
O vídeo foi utilizado como um campo de investigação, como uma forma de
romper a unicidade da narrativa, o que cabe a muitos videoclipes, e como uma
forma autorreflexiva dos produtos audiovisuais das mídias de massa, ou seja,
incorporava o recurso promocional, as tecnologias alternativas e suas estéticas
para criticar seu formato popular voltado ao consumo de massa. Tais
características foram incorporadas por alguns grupos de rock do final dos anos 60,
início de 70, e com a Pop Art de Andy Warhol, artista também importante para o
videoclipe, com seus experimentos em vídeo com os artistas da banda Velvet
Underground e iniciando uma relação com a arte experimental em vídeo e a música
pop. Tornou-se uma das fontes que os diretores de videoclipe recorrem até os dias
de hoje para inspirar suas produções.
“O vídeo exemplifica de maneira particularmente intensa a dicotomia pós-
moderna entre estratégias ruptivas de vanguarda e os processos mediante aos
quais essas estratégias são absorvidas” (CONNOR, 1993, p. 129). Devido a essa
característica, de ser rico em fontes e de inspirações é que o videoclipe ganha uma
quantidade de elementos representativos muito grande, pois se tem nele a música
com todos seus elementos, aspectos ideológicos, as miméticas de outros produtos
audiovisuais, o texto da canção que sugere uma narrativa ou uma estrutura
conceitual.
André Bazin (1991, p. 85), ao tentar definir a fotografia e o cinema, afirmava
que esses meios de expressão artística são uma arte impura devido ao fato de ser
composto de técnicas de várias outras expressões artísticas. Ao pensar no
videoclipe pode-se afirmar que é ainda mais impuro, pois nele se convergem
técnicas e se tornam ainda mais híbridas as expressões artísticas. “O videoclipe vai
além dos pressupostos que ditam o fato de que há fronteiras bem definidas nos
conceitos que regem a relação entre videoclipe, cinema e publicidade” (SOARES,
2004, p. 54).
O videoclipe dispõe de um arsenal para a relação imagem e som, advindos
de inúmeros experimentos audiovisuais e que historicamente absorveu
experimentos de outras relações como pintura, teatro, dança e ópera. Pode-se
encontrar em todas essas expressões artísticas a tentativa de representação dos
sons da música. Outras expressões, sobretudo a dança, têm como objetivo a
representação dos movimentos sonoros que se dão em uma música, no caso, a
dança é incorporada ao videoclipe como mais uma das formas de representar os
acontecimentos musicais.
A quantidade de recursos técnicos e referências dá ao videoclipe
possibilidades de conversão de forma inigualável. Talvez se possa se arriscar a
dizer que tais questões fizessem dele o principal formato audiovisual responsável
pela representação da música na contemporaneidade.
O videoclipe é um produto que se situa entre outros formatos audiovisuais,
sobretudo articula dois segmentos da comunicação, o cinema e a publicidade.
Thiago Soares coloca que:
do cinema, o videoclipe irmanou-se de uma configuração de linguagem que pode partir de analogias a escolas e movimentos de vanguarda, passando por ‘ousadias’ técnicas (...) Da publicidade, o clipe bebe na fonte dos maneirismos estéticos típicos dos produtos audiovisuais feitos para o consumo (SOARES, 2004, p. 61).
Percebe-se que o videoclipe e o cinema estão imbricados. Desde o fim da
década de 1970 filmes musicais no cinema americano, como American Graffiti,
(Loucuras de Verão) de direção de George Lucas (1973),Saturday Night Fever (Os
Embalos de Sábado à Noite) de direção de John Badham (1977), Abba - O filme
de direção de Lasse Hallstrom (1977), Grease- Nos Tempos da Brilhantina de
direção de Randal Kleiser (1978),tiveram trechos das canções editados, com
duração de três a quatro minutos, e tornaram-se videoclipes para servir de material
de divulgação tanto do filme quanto da música.
Na década de 1980 inicia-se o canal MTV (Music Television) com programas
que foram uma espécie de FM televisiva, em que videoclipes eram exibidos. O
videoclipe se torna uma vitrine de trabalhos de candidatos a cineastas. Clipes
funcionam como uma escola e uma iniciação no mercado. Diretores como Jake
Scott, Mark Pellington começaram com vinhetas na MTV americana nos anos 80 e
isso possibilitou a sua penetração em comerciais e cinema. Esse também é o caso
de Michel Gondry, cuja carreira de diretor de clipes possibilitou a realização de
filmes. Mais do que este aspecto da promoção do artista, o videoclipe está em
constante relação estética com outros produtos audiovisuais, fazendo de sua
concepção algo sempre dinâmico, pois é feito por artistas versáteis sendo que o
mercado também estimula esta versatilidade.
No que diz respeito à edição, o videoclipe é muito complexo, nele podem-se
ver animações, inserção de computação gráfica, figurinos infantis, bonecos,
estratégias e recursos em tecnologias de vídeo obsoletas entre outras
possibilidades. A própria produção de Michel Gondry é um exemplo disso. No clipe
com música Human Behaviour (1993) de Björk, por exemplo, a cantora passeia por
uma floresta onírica, que se assemelha à de contos infantis, a paisagem é tomada
por computação gráfica e há um personagem que é um urso gigante em figurino de
pelúcia. Esses experimentos não são apenas característica do diretor, mas estão
presentes em vários outros videoclipes. A relação com a animação advém da
animação abstrata e de Walt Disney como mencionado, e o hibridismo entre
animação e live action já foram explorados, sendo o clipe da música Take On Me
(1986) do Grupo A-ha, de direção de Jeff Moore, icônico no que diz respeito a esse
tipo de montagem.
Figura 6- Frame do videoclipe Take on Me do grupo A-ha. Animação
interagindo com ator.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=djV11Xbc914
Diversos diretores sedimentaram a ideia de que o videoclipe não é apenas
a demonstração do artista fazendo playback da própria música, transformando o
videoclipe em um produto que abre campo para a linguagem audiovisual deixando-
o sempre pronto para inspirar os diretores de cinema e publicidade. Tomemos,
como exemplo, novamente Michel Gondry que tomou da tecnologia de Bullet Time,
o mesmo recurso usado para criar a imagem parada no ar de Matrix (1999) dirigido
pelos irmãos Wachowski. O diretor inseriu esse recurso em um comercial para
Smirnoff no ano de 1996. É claro que muitos supõem erroneamente que Gondry
copiou a cena, mas a questão é, como coloca Thiago Soares, “que não é só o
videoclipe que bebe da fonte do cinema, mas também o cinema vem sendo
inspirado no videoclipe” (SOARES, 2004, p. 63).
A forma de videoclipe vem contaminando diversos produtos. O documentário
sueco Surplus realizado por Erik Gandini, lançado em 2003, foi editado à maneira
de um videoclipe. Do mesmo modo Nós que aqui estamos por vós esperamos, filme
brasileiro de 1999 sob a direção de Marcelo Masagão, a História do século XX é
contada apenas com imagens e música. O contrário também ocorre, como em
Michael Moore, que ao realizar o documentário Tiros em Columbine (2002) foi
convidado a dirigir o clipe Boom (2003) para a banda System of a Down. No clipe,
não aparecem imagens da banda, as imagens editadas são de manifestações
antibélicas de vários lugares do mundo como se fosse um documentário de
manifestações com esse tema.
Observa Laura Josane de Andrade Correa, em seu artigo sobre a história do
videoclipe, que o clipe para a música Minha Alma (1999) da banda O Rappa, que
trata de assuntos sobre violência e cultura periférica, que tem a direção Kátia Lund,
também está contaminado com a estética do documentário, que a própria diretora
trouxe do documentário, realizado por ela, Notícias de uma guerra particular (1999)
(CORREA, 2000, p. 5). Do mesmo modo pode-se perceber a linguagem de
videoclipe no filme que Katia Lund co-dirigiu junto a Fernando Meirelles, Cidade de
Deus (2002).
Esta inversão, da linguagem do videoclipe como referência incorporada pelo
cinema, vai-se tornando cada vez mais recorrente. O filme Corra Lola Corra, de
1999, dirigido pelo alemão Tom Tykwer, é um exemplo da estética do videoclipe no
cinema e como um videoclipe, justapõe a estética do videogame e da animação.
A relação com a música e sua representação das dimensões sonoras não
são específicas do videoclipe, pois vieram de todas essas outras produções e não
permaneceram fechadas nele. Sua estética transita entre um produto e outro, está
presente em publicidade e cinema e suas referências podem ser artes plásticas,
documentários, filmes de ficção e outros. Classificá-lo ou afirmar que somente nele
se encontra esta relação com o som e a música é facilmente refutável, pois sua
concepção emerge da hibridação, da contaminação, de inúmeras referências e da
experimentação. Mas pode-se definir o videoclipe, de forma mais geral, como um
produto feito para a música, enquanto outros formatos audiovisuais exploram
primeiramente a imagem e a narrativa e depois lhe a atribuem música. No
videoclipe, da música nasce a imagem, sobretudo em clipes cujo realizadores que
se preocupam com a dinâmica sonora.
Neste trabalho, as análises buscam entender especificamente a relação
entre a imagem e as dimensões sonoras, já esclarecido que essa relação advém
de outros produtos. A exploração entre a imagem e o som, quando acopladas,
culmina no videoclipe. Mesmo não sendo um videoclipe, sua característica é
perceptível, seja no cinema ou em qualquer outro produto, pois pode-se senti-lo
como um videoclipe pelo fato das imagens parecerem emergir dos acontecimentos
musicais ou parecerem estar, de algum modo, conduzidos pela música.
Outro fator muito significativo para essa relação entre imagem e o mundo
sonoro ser tão harmônica é o fato de que muitos músicos da cena pop são dotados
de talento para o audiovisual. Há inúmeros nomes: John Cale, parceiro de Lou
Reed na banda Velvet Underground, fez experimentos em 8mm e 16mm, tendo
Police Car (1966) como uma referência de cinema invenção; Yoko Ono e John
Lennon embarcaram em experimentações; os músicos Jim Morrison e Ray
Mazereck do grupo The Doors se conheceram na escola de cinema; Mazereck tem
também em seu currículo alguns curtas-metragens.
Muitos músicos embarcaram em produzir clipes: os componentes da banda
Sonic Youth, além de David Byrne, Prince, Brian Eno, Frank Zappa, Gerald
Cassale, Tony Levin e Arnaldo Antunes, para citar alguns, mostraram-se talentosos
na arte de produzir videoclipes. Há também muitos diretores de videoclipe que são
músicos e na verdade defini-los como músicos ou diretores de clipes ficou também
difícil, sobretudo se levarmos em conta a qualidade de seus trabalhos. Os
integrantes do grupo The Residente são um bom exemplo, pois além de serem
músicos também participavam ativamente do movimento americano da videoarte
(MACHADO, 2005, p. 183). Essa relação entre o mundo da música e o mundo das
imagens desses artistas faz com que, em sua maioria, os videoclipes tenham um
casamento com as dimensões sonoras de uma forma especial.
Outro aspecto bastante relevante para essa relação entre imagem e som
que o videoclipe explorou está nos shows. Na atualidade se percebe o uso de
artifícios audiovisuais, cada vez mais sofisticados, como citados por MACHADO
(2005):
show de música pop hoje não compreende somente a música, mas coreografias , indumentária, cenografia, projeção de imagens animadas em telões e toda uma parafernália de recursos imagéticos que torna a música pop um acontecimento cada vez mais audiovisual (MACHADO, 2005, p. 183)
Tal colocação mostra que hoje os shows e todos os outros recursos
fornecem ao videoclipe várias possibilidades de representação dos acontecimentos
sonoros, mantendo o videoclipe sempre em zona de vizinhança com diversos
acontecimentos e produtos audiovisuais.
Arlindo Machado (2005) releva que essa geração de músicos que são
também produtores de videoclipes faz com que a produção de videoclipe de algum
modo já pré-estabeleça uma concepção audiovisual, coloca que “determinadas
soluções em termos musicais podem ter sido adotadas para possibilitar efeitos
visuais preconcebidos” (MACHADO, 2005, p. 184). Essa colocação nos leva
entender que imagem e som são parte integral da concepção do videoclipe sendo
o produto em que essas duas naturezas expressivas, som e imagem, convergem e
se casam como nenhum outro produto audiovisual. O videoclipe é a forma das
imagens dançarem ou elas próprias serem performances da música.
No que diz respeito à essa performance audiovisual, Michel Gondry mostra
seu currículo: sendo músico e demostrando em seus vídeos uma relação com
várias referências do mundo do audiovisual, buscou esse casamento entre som e
imagem. Esse repertório que o artista detém faz seus videoclipes serem especiais
como formas de produzir imagens para evocar as dimensões concretas do som.
CAPITULO II. NATUREZA DO SOM E NATUREZA DA IMAGEM NO
AUDIOVISUAL
Há muitas formas de representar o som, de transpor suas dimensões à
imagem. Mesmo algumas formas sonoras sendo semelhantes ou até mesmo
idênticas, quando representadas em imagens são feitas por uma outra matéria, de
outra natureza, diferente do som. Mesmo que se leve em consideração a presença
do som, ao tentar produzir uma forma de visualizá-lo, não será exatamente o som
em suas dimensões precisas que será visto.
O som é o elemento que se manipula para se fazer música. O som é forma
ondulatória que se propaga no ar deslocando matéria e, portanto, faz a matéria
ganhar as formas ondulatórias, mas não pode ser visto a olho nu. O que pode ser
visto do som são sempre seus efeitos em outros corpos, outros objetos dispostos
no espaço em que ele soa. Por exemplo, a caixa de som oscilando, algo próximo à
caixa que se percebe sendo empurrado, algo em cima das membranas, como
caixas acústicas ou instrumentos de percussão com pele, ou a caixa acústica dos
instrumentos de madeira, que ao se colocar algo em cima deles, como uma moeda,
ao tocar o instrumento percebe-se seu efeito colocando o objeto em movimento.
Se se colocar um balde d’água ou uma superfície de areia, também é possível
visualizar seus efeitos.
Portanto para ser visto é preciso sempre um outro suporte, uma outra
matéria que não é da mesma natureza que o som. O critério para representação
das dimensões físicas do som a imagem tem relação direta com as ferramentas
que se utilizam para representar em imagem o som. No caso, o recurso é a tela e
todos os suportes técnicos que o audiovisual disponibiliza. Cada um ao seu modo,
equivale a características comuns às dimensões sonoras. O recurso de
correspondência entre a imagem e o som é o corpo humano. É ele que decodifica
os efeitos do som e nele que se pode sentir suas dimensões. Os suportes técnicos
são as ferramentas que possibilitam a visualização do som.
Tal questão é difícil de esclarecer, faltam-nos também terminologias, pois
sendo o som um fenômeno físico, não se define pelos sentidos da linguagem. Para
compreender a relação entre imagem e som, o autor Ney Carrasco (2003, p. 13)
pega emprestado da terminologia da música o conceito de polifonia, que designa
muitas vozes melódicas que acontecem sucessivamente, para compreender o
cinema, que, do mesmo modo, em sua montagem dispõe de vários suportes
justapostos. No cinema e em produtos audiovisuais entende-se o mesmo, sendo a
música e os sons alguns dos suportes, ou seja, elementos da polifonia
(CARRASCO, 2003, p. 13).
Thiago Soares (2004, p. 15) ao tentar esclarecer o videoclipe também utiliza
o termo polifonia, usado pelo filósofo Mikhail Bakhtin, no caso metafórico, para
designar as vozes ideologicamente distintas. O termo se refere à quantidade de
suportes que atuam simultaneamente em um produto audiovisual.
A polifonia em música tem origem no canto Gregoriano. Originalmente a
execução de seu canto era monofônico, ou seja, uma única voz, que posteriormente
começou a ser dividida em várias vozes. Ao se desenvolver descobriu-se a
possibilidade de combinar linhas melódicas diferentes, vozes independentes.
Não há necessidade de se aprofundar no conceito de polifonia em música
para compreender a dimensão a ela atribuída no audiovisual. Entende-se que,
quando vai-se atribuindo vozes a uma música, ela ganha uma estrutura polifônica
e esta estrutura se organiza em dois eixos: em eixo horizontal que diz respeito a
uma única voz e um outro, eixo vertical, que se dá à medida que a música ganha
outros suportes melódicos, acompanhamentos etc. Na partitura musical é possível
perceber o eixo horizontal se olharmos apenas uma voz de cada vez. Voz é o termo
dado à linha melódica de qualquer instrumento. As outras melodias ou
acompanhamentos da música vão sendo escritos um abaixo do outro,
sincronizados verticalmente, revelando a arquitetura de uma peça musical. O eixo
vertical diz respeito à essa sincronia de elementos, no caso da música, suas vozes.
No cinema a verticalidade se dá através da sincronia dos suportes e o horizontal é
o tempo. O termo é análogo à maneira que é feita a partitura. Em um filme ou vídeo
essa sincronicidade pode ser dada de vários modos, na tela não se apresenta forma
vertical, mas é uma realidade no que diz respeito ao raciocínio para sua concepção.
Na História da música ocidental, para se coordenar essa dinâmica das
vozes, a música teve que desenvolver um princípio de sincronia. “Não se trata de
uma sincronia absoluta como encontramos no cinema, mas relativa: sobre a
contagem de tempo cada voz sabe exatamente o que fazer e quando fazê-lo”
(CARRASCO, 2003, p. 17). No cinema e nos produtos audiovisuais se entende o
movimento como eixo horizontal e cada voz sincronizada a esse tempo como eixo
vertical. O importante é entender que os materiais que vão se sincronizar no
audiovisual não são da mesma natureza.
A música é muito ligada ao canto, que é linguagem verbal. Estão muito
associadas, embora sejam diferentes. Elas divergem em sentidos, mas têm em
comum um elemento estrutural, que é o som. E da imagem, qual poderia ser o
elemento estrutural comum que possibilita uma associação? Esse elemento é o
espaço, pois o som e a imagem, sobretudo com a câmera, são formas em
movimento, assim como o som. A relação é espacial, portanto o que corresponde
a essa natureza comum da imagem e som é o corpo, pois esse divide o mesmo
lugar do acontecimento visual e sonoro.
Ao se entender a canção como uma união entre poema e música basta tomar
um texto em si mesmo que ter-se-á um poema, mas quando se atribuir melodia às
palavras que o compõe ter-se-á uma canção. “Quando as palavras e a música se
conjugam na canção, a música engole as palavras” (LANGER. 1980, p. 158). A
relação dos dois suportes cria um corpo só, palavras e organização rítmica se
tornam canção.
Essa propriedade polifônica permite à música associar-se consigo mesma e
a outras linguagens e manifestações. Afirmam ambos os autores, Langer (1980,
p.158) e Carrasco (2003, p. 23) que as propriedades do som e a imagem
associam-se devido às suas características comuns que são as formas e o
movimento.
As ondas sonoras ocupam espaço no ambiente e suas características físicas
se propagam e dividem o espaço com os corpos que ocupam o mesmo. Os sons
como formas ondulatórias empurram os corpos e estão sempre criando efeitos nos
objetos e corpos que compartilham o espaço com eles.
Os sistemas relevantes para música são: o emissor do som, o ar do ambiente
em que se propaga (espaço) e o ouvinte. Tem-se então Emissor-ar-ouvinte. Os
sons são uma forma de vibração e se propagam de um ponto ao outro do espaço,
aos quais nossos corpo e ouvidos são sensíveis. Os ouvidos são capazes de
encontrar a origem do som e de nos direcionar em relação ao objeto emissor, pois
o tímpano detecta os sons também de forma tátil, assim como toda nossa pele.
Todo corpo está exposto aos efeitos do som e suas formas em movimentos.
O receptor, no caso do audiovisual ou de obra visual, é sempre o corpo
humano, a não ser que se construa um equipamento tecnológico que faça uma
relação direta de decodificação do som. A questão é que para que se efetue uma
correspondência entre imagem e som no audiovisual é preciso sempre uma relação
entre o som, o corpo humano e os suportes que tornarão visíveis os efeitos das
ondas sonoras.
Os sons imprimem seus efeitos nos corpos que dividem esse mesmo espaço
e, se pudessem ser vistos, em cada um desses objetos, ficariam impressas suas
formas ondulatórias de algum modo. Os efeitos que supostamente pudessem ser
vistos dependeriam das características, tamanhos e distâncias que os objetos
estariam dispostos aos sons.
Observa-se que se pode substituir o corpo do ouvinte por um dispositivo de
gravação, fita magnética, vinil, cd ou uma gravação fotoelétrica em filmes, assim
como o emissor pode ser substituído por um dispositivo eletrônico. O mais
importante é entender que esses materiais são capazes de armazenar os efeitos
da onda e assim tornar-se reprodutores desses sons quando postos novamente em
contato com outro material, como é o caso da agulha do toca-discos que quando
posta em contato e movimento gera a música dos desenhos nele produzidos.
Tal relação entre o som e o suporte visual fica clara no experimento
audiovisual de Norman McLaren, Synchromy (1971), já mencionado neste trabalho.
Esse experimento foi chamado de música sintética e consiste em desenhos de
quadrados feitos diretamente na película e que ao passar pelo projetor de cinema
tanto pode ser ver os quadrados como ouvir o tempo de duração de cada um deles.
Em exemplos como este, imagens podem ser pensadas como uma única estrutura
ótica (auricular) e óptica (visual). Na obra em questão o autor desenha quadrados
na película que determinam a música que se ouve da reprodução dos próprios
desenhos, ao mesmo tempo que os quadrados apresentam uma coreografia
perfeitamente sincronizada.
O experimento revela uma espécie de vontade de uma determinada
produção audiovisual que é de criar uma relação sinestésica4. Synchromy revela
4 O termo refere-se à sensação e à percepção, precisamente quando uma sensação originária de
um sentido parece proveniente de um outro. Em comunicação, o autor Sergio Bausbaum colabora
que as percepções táteis, auditivas e visuais correspondem-se umas às outras, pois
a imagem na película, com a sua forma em movimento, torna-se som que toca o
corpo e os ouvidos. Isso poderia ser feito de outro modo: da forma som para a forma
imagem.
O filme pode se tornar uma espécie de sofisticação da dança, pois a dança
também procura representar a música, utilizando as formas e o movimento do
corpo. Com a câmera e com os recursos disponíveis ao audiovisual, as
possibilidades de representar o som e a música vão mais adiante. Compreende-se
que o corpo que dança é o próprio vídeo em movimento, sendo como o gesto do
músico e do maestro ou do dançarino que ao se propagar no espaço e encontrar
um outro material deixará impressas as características do movimento do seu corpo
sendo a forma ondulatória tanto uma imagem (forma) como um som.
Entender o videoclipe ou outro produto visual, que tem sua relação com a
produção de presença do som deste modo, é bastante pertinente: o som tem uma
forma em movimento, mas essa é invisível a olho nu, porque só podemos perceber
suas formas, suas características e sua força a partir do nosso corpo, de forma tátil
e só podemos visualizar seus efeitos em outros materiais, que neles vão manter a
característica de suas formas ondulatórias. Devemos considerar que, para os sons
terem as formas e características que apresentam, eles dependem das formas e
das características dos materiais que os produzem.
Na produção de vídeo essa questão vai se dar com uma diferença: nele não
haverá o efeito do som real. Há em muitos trabalhos audiovisuais um modo de tratar
a cena e as imagens como se sofressem ação do som e conseguissem
corresponder à sua presença material. No vídeo, as possibilidades de representar
aumentam, pois nele o modo de fazer ver é virtual, ou seja, uma realidade simulada
e os materiais para representar o som são escolhidos pelo diretor, e não são
simplesmente dispostos no ambiente e nem limitados à representação que o corpo
humano pode fazer ao dançar.
Arlindo Machado menciona, a respeito da relação entre banda sonora e
banda imagem, que os acontecimentos musicais e visuais ganham um conceito
bastante com o aprofundamento do tema. Consultar em BASBAUM, Sérgio. Sinestesia, arte e tecnologia – Fundamentos da Cromossonia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.
novo: uma “experiência estética ‘sinestésica’ (vemos os sons e ouvimos imagens)”
(MACHADO, 2005, p. 158).
Nesses trabalhos de vídeo os sons ganham suas imagens correspondentes,
quase como uma espécie de partitura, na qual um músico, ao perceber os
fenômenos sonoros, procura reproduzir sua presença de forma gráfica. No grafismo
de uma partitura também se busca representar os acontecimentos físicos do som
e não os seus significados. A representação na partitura busca o fenômeno físico,
ou seja, o deslocamento da matéria e suas características. É simples, basta contar
a quantidade de notas que se ouvem em uma melodia e a quantidade de bolas e
paus (símbolos-pautas) que tem na partitura. Outro exemplo é perceber qual nota
é a mais aguda de uma sequência, depois perceba que a nota mais alta está escrita
mais acima no pentagrama do que as outras, ou seja, um sistema analógico de
notação.
Figura 7- Trecho da partitura da Sonata No. 14 em C menor (Sonata ao luar)
Fonte: Beethoven. L.V. Sonata Op. 27 No. 14. Partitura. Piano. Disponível em: http://pt.cantorion.org/music. Acesso em: 6 de Jan 2015.
A partitura é potencialmente audiovisual, pois se a escrita musical for
gravada (impressa) na película fílmica e posta em movimento torna-se um produto
audiovisual e a sua execução rítmica idêntica. Alguns videoclipes de Michel Gondry,
assim como de alguns outros autores, sobretudo esses trabalhos que buscam uma
representação do som, são uma espécie de partitura que dispõe de outro material
representativo, que é muito vasto, mas, assim como a partitura, pode representar
os acontecimentos sonoros e suas características com a película e seus suportes
técnicos e suportes cênicos, e o vídeo com suas outras possibilidades criam um
universo muito rico para imprimir uma experiência sonora visual. O mais
interessante é entender que, se um músico tentasse reproduzir tais vídeos, como
se eles fossem uma partitura, sem ouvi-las, apenas tendo relação visual, produziria
uma música muito parecida com a do vídeo, no que diz respeito ao ritmo,
andamento e dinâmica.
Para compreender as possibilidades de edição nos vídeos que buscam a
representação do som, é necessário compreender a natureza do som e da imagem
no vídeo. Há, como já dito, diversas formas, sobretudo porque o vídeo não é
produto real do som, mas produzido por alguém que manipula as imagens e o
próprio som. No caso, os videoclipes que apresentam correspondências com os
sons revelam como os diretores utilizam esses recursos do audiovisual para
fazerem das formas dos sons e suas durações tornarem-se imagens na tela.
CAPÍTULO III- PROPRIEDADES DO SOM E DA IMAGEM E SUAS
CORRESPONDÊNCIAS NO VIDEOCLIPE.
Como já mencionada, a natureza do som e da imagem são diferentes e cada
recurso visual apresenta uma característica específica que corresponde a
determinadas características do som. A percepção visual é uma percepção
vibratória, tal qual o som, e faz parte do mesmo paradigma, não obstante sua
natureza eletromagnética é mais ampla, no que se refere a quantidades de
frequências, pois na música ocidental decodificamos doze frequências musicais,
sendo 7 notas e 5 acidentes, e já nas cores por exemplo, que são frequências da
luz, há uma gama bem maior que compreendemos e nomeamos.
A imagem é produto de um estímulo luminoso aos nossos órgãos visuais.
Em termos físicos, a maneira mais simples de definir o som é considerar a unidade
de frequência, o Hertz (ciclos por segundo). A luz também é medida por essa
unidade, e o número de vibrações da onda luminosa por segundo (frequência em
Hertz) determina a tonalidade da luz, ou seja, sua cor. Já a amplitude da onda se
traduz na intensidade dessa luz.
No que diz respeito ao som, quanto mais ciclos, mais alta a frequência.
Esses ciclos definem a altura em música, portanto as notas, sendo as frequências
de menores ciclos, lentos e graves e os rápidos, agudos.
Altura em música diz respeito à propriedade do som ser mais grave ou
agudo. Nossa percepção física desses Hetz se dá pela nossa capacidade de
compreender a velocidade e sua oscilação, dependendo do seu volume e de sua
frequência podemos até perceber em nossa pele, e não somente no tímpano. Deve
ser lembrado que o tímpano é também uma membrana: oscila do mesmo modo
que uma caixa de som.
O humano tem da frequência a percepção dessas alturas, sendo as graves
mais baixas e as agudas mais altas. Entende-se desse modo devido às ondas
graves se propagarem mais abaixo no ambiente e mais acima as frequências
médias e altas. Isso se dá ao que se chama contorno desses sons, que é o tamanho
da onda, e que dependendo de seu tamanho sofrem a ação da gravidade.
Nos desenhos animados é recorrente usarem vozes graves para
personagens gordos e agudas para os magros. Seus movimentos são comumente
representados com registros de contornos sonoros que correspondam aos seus
tamanhos, por exemplo, os personagens gordos cujos movimentos são
representados com instrumentos graves, como tuba, tímpanos, contrabaixos,
bumbo etc.
No videoclipe da dupla de diretores Nic Goffey e Dominic Hawley, The
Salmon Dance (2007) para a banda Chemical Brothers, essa relação com as alturas
e dimensões do som são basicamente os elementos usados para construir o vídeo.
A música tem uma condução rítmica de rap bem grave e outros sons agudos de
acompanhamentos, como se fossem sons acessórios de instrumentos de
percussão, no caso todos feitos eletronicamente. Do modo tradicional do rap, canta-
se um tanto falado. O videoclipe tem como cenário um aquário e, para representar
essas alturas, as diferenças entre a vozes humanas e os instrumentos, foi dado a
cada som um peixe de tamanho que corresponda às dimensões (contorno) dos
sons presentes na música. No vídeo há um peixe gordo, que infla de acordo com a
presença rítmica dos sons graves e outros dois peixes que correspondem a
dimensões das vozes dos dois cantores da música, sendo o peixe maior para a voz
grave e o menor para a mais aguda. Há também a saída de peixes bem pequenos
das pedras do interior do aquário no momento que sonoridades bem agudas
aparecem. Os peixes movimentam-se para cima, assim como o som que se
apresenta na música que soa de notas mais baixas para a mais alta.
Figura 8- Frame do videoclipe Salmon Dance (proporções dos peixes).
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=dDj7DuHVV9E
Além da tentativa de representar o tamanho das formas sonoras na tela, as
frequências musicais também são comumente associadas às cores, sendo elas
também definidas por hertz.
3.1 CORES E ALTURA.
Desde o século XIX se desenvolvem teorias a relacionar as frequências
musicais e à cor. Filipe Salles (2002. p. 48) traz essa discussão a fim de melhor
compreender a relação entre a frequência mecânica do som e a frequência
eletromagnética da luz, procurando entender possivelmente esta relação no
audiovisual.
primeiramente, a diferença de intensidade de uma cor, por mais que seja a mesma frequência é interpretada como uma nuance diferente da cor, e não como a mesma cor. Além disso, a combinação de duas ou mais cores tendem a misturar-se sem que se possa definir exatamente as cores componentes a partir de seu resultado final (SALLES. 2002, p. 48).
A questão é que a totalidade das fontes de luz existentes é formada por
sobreposição de frequências. Assim como na luz, o som também pode ser
sobreposto, mas, devido à frequência da luz ser muito mais alta, não conseguimos
distinguir suas sobreposições e sim somente seu resultado. Com o som, somos
capazes de perceber suas sobreposições, às vezes com um pouco de treino, mas
são de fácil percepção.
A frequência da luz (cor) não pode ser precisada senão por aparelhagem
complexa de laboratório. Isso se dá por razões físicas, a frequência eletromagnética
da luz é muito menor e mais sutil que a mecânica do som.
Importante colocar que as frequências do som são fenômenos que
determinam os elementos da expressão musical, sendo uma das características da
matéria-prima para música. Essa relação plástica com os sons é bastante
importante para compreender sua visualidade. As frequências são as notas
musicais, elas têm determinado tipo de oscilação e essas variações de oscilação é
o que as diferem umas das outras. As notas vão estruturar a melodia, definida pelo
modo de dispor notas e organiza-las sucessivamente. A harmonia é montada por
acordes, que são notas tocadas simultaneamente. A harmonia é uma combinação
de diferentes acordes tocados ritmicamente ao longo de uma música.
As cores podem ser um modo de representar a música, mas, devido à
mecânica sonora, é possível reconhecer a simultaneidade de frequências
sobrepostas, o que com a luz não é possível. Mas se sabe que a imagem é produto
de um estímulo luminoso (frequência eletromagnética), e o som, produto de
vibrações mecânicas que se propagam num meio material, sendo, portanto, de
natureza muito diferentes, mas semelhantes enquanto manifestação.
Tais correspondências são primordialmente conseguidas em função de uma dimensão estética, e não de uma dimensão física, uma vez que não há (ou não se conhece) uma razão unificadora consensual entre as naturezas físicas e eletromagnéticas neste caso (SALLES, 2002, p. 23).
O engenheiro Paulo de Castro, em seu artigo “Vibrações de Luz e Som”
(1999), nos fornece explicações detalhadas sobre este aspecto:
O som e luz diferem bastante pela extensão de valores das frequências abrangidas. Na luz é percebida apenas o que em música denominamos "oitava" (Oitava é o intervalo entre duas notas sucessivas com o mesmo nome, entre dois "dós", por exemplo) (...) A frequência da cor violeta, última vista, é o dobro da do vermelho, a primeira cor vista. É nesse intervalo que se encontram todas as cores que vemos. No som, a última frequência percebida é cerca de 1000 vezes o valor da primeira, dando uma extensão de cerca de 10 oitavas (Castro, 1999, p. 12).
Importante colocar que os instrumentos musicais abrangem uma faixa de 7
oitavas, aproximadamente de 32 Hz a 4200 Hz. É nessa faixa que distinguimos
bem os sons musicais, com os quais se desenvolvem tipos de composições mais
conhecidas.
Os valores escalares do som e da luz são diferentes, assim como suas
naturezas o que faz a comparação entre o som e a imagem ser arbitrária. Sua
relação se dá teoricamente, de forma matemática, equivalendo seus valores de
frequência e não fisicamente.
A natureza de ambas se relaciona em comparação e também metafórica e
simbolicamente. Há vários estudos de psicologia e psicologia da percepção que se
preocupam em pensar nos significados das cores e esses estudos possibilitam uma
relação entre som e imagem. O próprio Fillipe Salles (2002), em seu trabalho
“Imagens musicais ou música visual. Um estudo sobre as afinidades entre o som e
a imagem, baseado no filme Fantasia (1940) de Walt Disney”, se preocupou em
falar um tanto disso e relacionar as cores na animação feita para a Sinfonia
Pastoral, de Beethoven, mas as teorias defendidas em sua dissertação orientam-
se pelas análises simbólicas, que não é a metodologia usada nesta dissertação.
A questão é que, quando essa relação entre luz e notas é feita,
independentemente de seus significados, se constrói uma correspondência. Em de
Olhos bem Fechados (1999), do diretor Stanley Kubrick, há uma relação entre as
cores e a música. As cores azul e vermelho fazem parte de todo filme, compondo
nossas sensações aos sentidos metafóricos do contexto da trama. Do mesmo
modo a sua escolha pela música Ricercata, II de György Ligeti como tema principal
no qual se trabalha a composição em cima de duas notas, a tônica e o intervalo de
segunda menor, por exemplo, dó e dó sustenido. Essas duas notas combinadas
são consideradas como as notas mais incômodas a se combinar em toda a escala
cromática musical, sendo sua combinação de ondas a mais incompatível. Sabe-se
que a cor azul e a cor vermelha são as cores de espetros mais distantes e segundo
as teorias das cores, as cores que combinadas mais excitam os olhos, ou seja,
mais estressam devido à constante alteração de frequência que nosso cérebro
procura decodificar.
Há em alguns momentos do filme a constante presença dessas alterações
das duas cores e a música em questão. Embora possivelmente a combinação tenha
sido concebida pensando nos sentidos simbólicos dessas frequências musicais e
visuais, não se deixa de ter uma correspondência de materialidade, pois ambas as
frequências se apresentam como provocadoras de incômodos aos olhos e aos
ouvidos.
Na cena em que o personagem de Tom Cruise caminha pelas ruas,
desolado, e o filme procura criar uma tensão por ele estar sendo seguido, altera-se
no cenário um objeto vermelho e outro da cor azul, e a música que acompanha a
cena é justamente essa, tocando a combinação da frase com as duas notas. O
tempo em que se apresentam as cores não sincroniza com as notas da música,
mas se estabelece a presença de suas frequências de diferentes naturezas que se
correspondem uma à outra pela combinação, não harmoniosa. O que o diretor
acaba por construir é uma paisagem audiovisual incômoda, não somente pelos
sentidos, mas pela materialidade da cor (luz) e do som que ganham sua
correspondência devido ao modo pelo qual percebem as suas frequências.
Um videoclipe que apresenta do mesmo modo essa relação com a cor e a
frequência musical é o do diretor Nova Dando para a música Octopus (2012) da
banda BlocParty. A música apresenta um ritmo que se assemelha a uma falha de
CD, e o diretor edita a imagem deste mesmo modo, apresentando cores que, na
edição rítmica do clipe, se correspondem `as notas usadas para compor a música.
A escolha não corresponde às ideias teóricas e nem tampouco parecem
corresponder a possíveis simbologias. São escolhas aleatórias, mas definem a
presença das notas que compõem a frase (riff) rítmica de que a música é feita,
coordenando as cores ritmicamente à música. Neste caso evocam-se as diferentes
notas no uso das diferentes cores.
Figura 9- Frames do videoclipe Octopus
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=TkeUFRK4i7w
3.2 Volume (intensidade) e Ponto de Escuta.
Como colocado na introdução, as dimensões sonoras estão definidas como
altura, ritmo, timbre, volume, contorno, localização espacial e reverberação. Os
tópicos deste capítulo explicam essas dimensões, porém já atreladas aos suportes
do audiovisual. No início deste capítulo foi definida e analisada, junto aos suportes
técnicos no audiovisual, a dimensão contorno. O trabalho seguirá desse modo,
agora entendendo a intensidade. Em se tratando das diferenças formais entre a
luz e o som, a intensidade é tratada pelo som de maneira bastante diversa:
enquanto que para a luz intensidades diferentes de uma mesma frequência podem
ser consideradas cores diferentes, em música não, porque a nota, até seu limite
auditivo, é reconhecida sem problemas como a mesma, qualquer que seja sua
dinâmica. A dinâmica diz respeito ao volume, ou seja, a força com que a onda é
emitida e isso não altera a sua frequência.
A intensidade é um aspecto comum a ambos os suportes. A dinâmica refere-
se espacialmente à distância, à distância do objeto sonoro ou volume que é emitido.
Tais questões referem-se ao posicionamento de quem escuta, criando uma
percepção espacial do ouvinte. Referem-se aos sons mais fracos: aqueles que se
ouvem ao fundo.
No suporte visual a câmera é o referencial da dinâmica. A correspondência
se relaciona com as perspectivas dos objetos em cena ou ao jogo dos planos,
aproximação e distância que a câmera mostra. Em música, há um complexo de
dinâmicas, a pensar que cada instrumento controla uma força a cada som que
emite. O suporte visual parece ter menos condição representativa, mas não por
isso deixa de fazê-lo.
Michel Chion coloca que no que diz respeito à enunciação falamos de ponto
de vista, e no que se refere à imagem, podemos e devemos falar de ponto de
escuta, no que se refere ao som, já que pressupomos a imagem e o som
combinados (2008, p. 74). Os sons na tela aparecem percebidos de algum ponto
no espaço, pelo posicionamento da câmera.
Aqui se levanta novamente a questão a respeito das diferenças entre a
natureza do som e da imagem. Normalmente numa gravação de vídeo busca-se,
com os posicionamentos em relação ao objeto sonoro, uma relação de proximidade
com o som, como se o microfone estivesse posicionado no mesmo ponto que a
câmera, criando a impressão, por exemplo, de que fontes sonoras mais fracas
estão mais distantes. Isso é para produzir uma perspectiva sonora, mas que o ponto
de escuta é uma noção problemática que pressupõe a trilha sonora funcionando da
mesma forma que a imagem (CHION, 2008, p. 79). Claro que estamos falando do
som atribuído à imagem e não dos sons gravados ambientalmente que vão
corresponder a essa perspectiva espacial, enquanto os gravados posteriormente
serão mixados fazendo com que os sons ambientais sejam os mais reais possíveis.
Mesmo essa questão é problemática, pois se sabe que há uma dimensão
onidirecional do som, ou seja, ele se propaga para todos os lados.
Arlindo Machado ajuda a compreender o ponto de escuta levantado por
Chion, afirmando que:
Quando estamos colocados num ambiente real (tridimensional), o ouvido mostra-se menos orientado do que a visão: enquanto meus olhos percebem somente aquilo que está em minha frente, os ouvidos captam sons que se encontram fora do meu campo visual (MACHADO, 2007, p 108).
Diante da tela sugere-se ouvir o som que sai das caixas acústicas. O que na
realidade depende do posicionamento do sujeito no espaço em que se propaga o
som. Na tela, sobretudo no videoclipe, o som será tratado como se saísse dos
movimentos de imagem do próprio vídeo.
Ao olhar alguma coisa, sempre nos orientamos a um ponto que nos
direciona, a um lugar no espaço que é fixo. No caso do som, também procuramos
nos direcionar a partir de sua fonte, mas, embora tenha uma fonte também fixa, os
sons se propagam no espaço causando reverberações que faz em que essa noção
de direção torne-se imprecisa. O som nos envolve, tornando a experiência sempre
multidimensional.
Os sons que podem ser gerados ao se produzir um filme não são exatamente
os sons que se ouvem ao serem exibidos, pois os sons no audiovisual são
manipulados de vários modos e ou pensados na forma que vão ser captados. Isso
faz com que os sons e a música reproduzidos pelas caixas de som, dispostas no
local em que se exibe o filme, sejam percebidos pelo efeito do equipamento e do
ambiente no qual eles soam. Mesmo em um filme em que se dispõe de recursos
de gravações de sons naturais à cena, a realidade sonora da cena é diferente da
experiência sonora da sala em que se ouve o som do produto audiovisual.
A experiência espacial com o som no vídeo se dá de forma visual. Ao se
ouvir algo, procura-se a origem da fonte sonora, e normalmente inclinamos nosso
corpo em direção à fonte emissora ou, naturalmente, procura-se enxergá-la. Na tela
se vive a ilusão de que os sons são gerados pelos movimentos em cena, ou que
acontecem naquela realidade. No audiovisual a experiência visual cria uma relação
espacial da audição. Do mesmo modo que quando se joga um videogame seu
corpo se direciona para onde você conduz o personagem, assim é a escuta do som
no vídeo.
Quando se tem um som muito baixo, como um sussurro, pressupõe-se que
se fala muito próximo do interlocutor para que ele possa ouvir. No videoclipe esse
interlocutor é quase sempre o espectador, que assume o ponto de vista da câmera.
Está pressuposto, no caso de um sussurro ou som muito fraco que só poderíamos
ouvi-lo se nossos ouvidos fossem nossos olhos, que se aproximam dos
acontecimentos e objetos que parecem emitir o som. Há clipes que servem de um
bom exemplo: no videoclipe do diretor Erick Arc Elliott da música Humming (1997)
para o grupo Portishead, a cantora canta sussurrando. No clipe há uma
personagem que é uma cantora que encena cantar a canção e o plano fecha no
rosto da personagem como se colocasse o espectador como seu confidente. Do
mesmo modo, no videoclipe de Michael Gondry Open Your Heart (2010) para a
cantora Mia Doi Todd: no momento que outros instrumentos baixam sua dinâmica
deixando mais evidente a linha melódica do canto, por volta do minuto 1:19 fecha-
se o plano no rosto da cantora.
A música está essencialmente ligada ao espaço e é concebida nele e para
ele. Antes do século XVIII, a música não podia ser executada em qualquer lugar,
normalmente era escrita para uma ocasião e não fazia muito sentido fora desse
contexto ou lugar. A música desde período estava muito ligada à arquitetura, pois
suas audições dependiam das igrejas e de estabelecimentos que tinham uma
capacidade particular acusticamente.
No prelúdio de Bach, suíte n 6 em ré maior BWV 1.1012, para violoncelo, o
músico utiliza-se de um recurso que consiste em repetir várias sequências de notas,
alterando essa sequência na primeira repetição forte e depois fraco. Quando essa
obra é executada no interior de uma catedral a repetição das frases que se alteram
entre fracas e fortes cria um efeito de eco, quando o som reverbera no amplo
espaço criando um efeito audiovisual. Cria-se através do som a impressão sonora
retirada da impressão visual e física, do corpo no espaço de uma catedral. Sabe-
se que uma obra como essa foi feita para se executar em um espaço colossal com
abóbodas de catedrais, logo se utiliza de uma memória corporal, “imagina-se” estar
ocupando um espaço amplo onde se tem eco.
Essa questão, embora diga respeito a ser levado a uma paisagem não real,
é vivida por um repertório de memória de experiência sonora, sendo a música
capaz de transportar a sensação espacial da catedral. Também o vídeo e seus
suportes podem evocar a sensação de viver os sons.
Arlindo Machado no capítulo em que se dedica a pensar a relação música
e imagem, cita uma gravação em vídeo para essa obra de Bach, executada por
Mstislav Rostropovich no interior da Basílica de Sainte Madeleine, na França
(1991). O autor releva a força da versão em vídeo devido à visão do interior facilitar
a associação com os sons:
e porque no momento de repetições dos sons a câmera sobrevoa, através de majestosos travellings, no interior da nave, reforçando o sentido de tridimensionalidade do espaço que os sons estão justamente engendrados. (MACHADO, 2005, p. 159).
No caso, o ponto de escuta conseguiu ser alterado: para evocar a presença
espacial do som, a câmera é praticamente colocada no ponto do movimento da
onda sonora. Como se viajasse junto ao som.
Os posicionamentos das câmeras em relação ao objeto sonoro ou à
execução instrumental é bastante perceptível em gravações de shows ao vivo ou
para exibições ao vivo de televisão, que acompanham os gestos da interpretação
musical. É muito comum, por exemplo, ao assistir a um pianista tocar sons fracos,
a câmera se aproximar da execução do músico fazendo da câmera o ponto de
escuta do espectador, como se procurasse buscar o som que se esvai, criando
esse espaço sonoro óptico. Também é evidente em solos de guitarra de grupos de
rock, em que o instrumento ganha evidência sonora ao se fechar o plano na
execução do músico. Esse exemplo é bastante comum em exibições de orquestras
em televisão, nas quais se acompanham as melodias e os gestos dos músicos
executando a obra.
Outra questão que diz respeito ao ponto de escuta é que, se o movimento
for feito ao contrário, por exemplo, ao se diminuir a dinâmica da música quando a
câmera se afasta, entende-se que esse movimento não é arbitrário frente ao
fenômeno sonoro, mas sugere outro ponto de escuta, no caso óptico. Ao afastar o
plano com um travelling out e diminuir a intensidade do som, causará a impressão
de nos afastamos do objeto sonoro ou ele de nós.
O ponto de escuta, embora muito usado, não é o único recurso para evocar
a intensidade do som. A luz também é um recurso com o mesmo objetivo,
normalmente explorado com o corte, o que corresponde ao silêncio, pois se trata
de ausência de imagem. O escuro sempre equivale ao vazio e, portanto, à ausência
do som. Ao contrário, na aparição do som, por exemplo em ataques nos
instrumentos executados com a mesma intensidade de uma frase musical, é
comum ver-se um clarão de luz.
A luz é um recurso audiovisual dos shows. Nas iluminações de palco e em
gravações de shows é muito comum explorarem a luz como efeito da dinâmica do
som. Nos videoclipes é feito de dois modos: um é mostrando gravações de
execuções ao vivo do grupo musical sincronizando na edição do vídeo os
momentos de intensidade do som com os momentos de intensidade de luz que
acontecem durante a performance. Outra forma é a manipulação e controle da luz
feitos em estúdio. No videoclipe The Number Of The Beast produzido Kevin Shirley
para a banda Iron Maiden (1980) esses critérios foram usados em sua montagem.
A música tem uma introdução que vai crescendo em intensidade. O cenário, que é
um palco, mostra os planos fechados nas guitarras e no vocalista com uma luz
baixa. À medida que os instrumentos vão sendo adicionados à música, fazem-se
planos nos músicos que o executam. Os planos ficam mais abertos de acordo com
expansão que toda a música ganha. Em um momento há um corte de som, uma
explosão, quando todos fazem juntos a frase musical, e as luzes do palco também
aumentam sua intensidade, criando clarões. Ao longo da execução da música, as
luzes do palco acompanham ritmicamente as frases musicais das cordas (guitarra
e contrabaixo), mostrando a presença e a ausência dos sons da frase musical feita
por tais instrumentos. Nos solos e em momento de passagens musicais importantes
do contrabaixo e da bateria, o enquadramento se fecha nos músicos, assim como
toda vez que o baterista ataca o prato, a câmera se aproxima do gesto trazendo a
presença do som a ocupar instantaneamente o espaço da tela.
Figura 10- Frames do videoclipe The Number Of The Beast
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=jsmcDLDw9iw
Os jogos de luz e os planos procuram evocar a intensidade dos
acontecimentos sonoros. O videoclipe de Jay C. Rees, da música Creep (1993) da
banda Radiohead é outro exemplo em que fica bem clara essa relação com a luz
para representar a quantidade de som que ocupa o ambiente, por causa dos
ataques da guitarra que sincronizam com o excesso de luz do palco que preenche
a tela.
Os videoclipes mencionados acima são alguns exemplos, podendo esses
recursos ser explorados de muitas formas. Nem só a luz e nem só os músicos
executando seus instrumentos são utilizados para evocar a dinâmica, mas também
objetos abstratos podem compor o espaço representacional do som na tela. É o
caso dos célebres videoclipes, da banda New Order, Blue Monday (1988), que tem
duas versões, feitas pelo artista plástico William Wegman, e também o videoclipe
para música Bizarre Love Triagle (1986) de Robert Longo, em que os artistas
exploram bastante na tela a relação espacial do som, tratando as imagens dos
artistas e qualquer outro elemento como um objeto a se apresentar posicionado de
acordo com as perspectivas do som. O videoclipe de Nova Dando, Octopus, já
mencionado, é também um bom exemplo dessa relação: a música permanece por
algum tempo saltando na mesma nota ganhando a sincronia de imagem que repete
o frame se aproximando levemente e rápido juntos às notas repetitivas da música.
Esses recursos espaciais são usados no cinema e advêm do teatro óptico
de Emilie Reinauld, ainda do final do século XIX, como uma espécie de pantomima
do som. Enfatizar um gesto com som foi uma técnica muito aplicada no cinema
mudo. Ao que consta, as partituras do teatro óptico “apresentavam marcações
minuciosas sobre a relação entre música e imagens animadas, indicando que já
existia uma preocupação com a polifonia audiovisual” (CARRASCO, 2003, p. 68).
Herdam a relação ambiental da música para teatro, pois também herdam as
técnicas dos músicos que tinham experiência nesse tipo de espetáculo para o
cinema. No caso do cinema é muito recorrente a pantomima sonora estar articulada
à narrativa, mas de toda forma ela evoca através do som o gesto que acontece no
espaço. Essas técnicas continuaram a se aperfeiçoar nos novos suportes técnicos,
e no videoclipe essa relação com espaço é bastante explorada devido à experiência
musical ser uma experiência espacial.
No videoclipe, o jogo representativo da intensidade do som ganha uma
riqueza ainda maior, pois com muita recorrência se desprende da narrativa, ou nem
tem a narrativa como princípio de montagem. Neste caso a relação espacial
normalmente é bastante explorada. Não necessariamente é feito com a
demonstração da execução dos instrumentos ou com a luz. O videoclipe de
Stéphane Sednaou, da música Give it away (1993) para a banda Red Hot Chili
Peppers é bastante relevante sobre esse aspecto. Nesse videoclipe as imagens do
corpo dos artistas são bastante utilizadas para representar acontecimentos
musicais, mas que por vezes são representados por músicos que tocam os
instrumentos que não são os evidenciados na música, como é o caso do timecode
00:46 do vídeo, quando a bateria é mais evidente e quem vem à frente da imagem
é o baixista. Independente do instrumento, a imagem correspondeu à presença
sonora. Em outros momentos a tela se divide mostrando o contrabaixo fazendo a
frase musical, enquanto os músicos dançam no plano inferior da tela. Isso
representa a evidência do som do instrumento na música em relação ao resto do
conjunto. Em outro momento, como o solo da guitarra, o vídeo não apresenta o
músico tocando, mas sim em uma performance com uma fita. Em quase todo
momento que o cantor canta, utiliza-se das distâncias que se tomam em relação ao
cantor para enfatizar as nuances entre a dinâmica do ritmo da melodia que canta e
em alguns momentos usando o trêmulo do canto do refrão e o representa com
movimentos trêmulos de zoom.
Figura 11- Frames do videoclipe Give it Away
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Mr_uHJPUlO8
O corpo pode ser bastante usado como representação espacial do som, já
que a performance acontece também no espaço. Sendo o corpo um objeto que
pode ser manipulado na imagem, ganha uma outra natureza no vídeo, mas tais
questões serão melhores abordadas adiante.
3.3 Timbre e texturas
O timbre é qualidade do som e o que possibilita identificar a diferença de um
som para o outro. As frequências (notas) podem ser as mesmas, ao passo que o
timbre permite perceber a diferença entre o som do piano e de um violoncelo, por
exemplo, quando tocam as mesmas notas. Características dos sons podem
depender dos materiais dos objetos sonoros. Usa-se o termo objeto sonoro, pois
os sons de uma música podem ser extraídos da maneira convencional de se tocar
um instrumento ou não. A última situação ocorre se o instrumento for manipulado
de outra forma ou caso se adicione outro material para friccioná-lo, por exemplo: se
utilizarmos uma moeda nas cordas de um violão, esse som ganhará outra
característica.
O timbre foi o elemento sonoro que mais foi explorado no século XX.
Segundo José Miguel Wisnik “operou-se uma reviravolta nesse campo sonoro
filtrado de ruídos, porque barulhos de todo tipo passam a ser concebidos como
integrantes efetivos da linguagem musical” (WISNIK, 1989, p. 42). A música
concreta chega a eliminar, em muitos casos, a execução ao vivo de músicos ou até
mesmo os músicos. Sua concepção e ou execução acontece com música sendo
manipulada pelo computador. Os equipamentos tecnológicos também se tornaram
geradores de sons e de música, e essa revolução técnica do século XX trouxe à
música uma amplitude que se deu pelas pesquisas e controle do timbre, dando ao
mundo sons antes impensáveis.
Esses equipamentos tecnológicos também começaram a ser utilizados pela
música popular depois da Segunda Guerra Mundial. Na música Pop, por exemplo,
os equipamentos que podem manipular e transformar os sons foram subsídios a
ampliar o universo sonoro, chegando hoje a múltiplas possibilidades de timbres.
Este recorte rápido desses aspectos históricos da música foi apresentado
para dar um pouco da dimensão que tem o timbre. Para os objetivos deste trabalho
o importante é pensar nos suportes visuais possíveis que se relacionam com a
natureza do timbre.
Tanto o timbre como as técnicas de expressão da música se conseguem
alterando a onda sonora. As expressões em músicas são técnicas de manuseios
dos instrumentos. Por exemplo, o vibrato (efeito de oscilar o som), legato (efeito de
ligar o som ao outro) entre outras técnicas para granular mais o som ou deixá-lo
mais límpido. Tanto as expressividades em música como o timbre do som têm no
vídeo correspondência nas características do material disposto em cena e nos
efeitos e nuances que se podem produzir.
As texturas são nuances nas ondas sonoras no vídeo. Quase sempre se
utiliza de alterações na imagem. Temos um exemplo em videoclipe que é bem
didático: o videoclipe para a música Do I Wanna Know? (2013) do grupo Arctic
Monkeys, produzido por David Wilson, que coloca uma linha na tela oscilando de
acordo com as cordas dos instrumentos. A linha oscila junto ao som da voz e da
guitarra, transformando-se em forma sonora. A animação ganha outras formas e
também se transforma em desenhos figurativos, mas em muitos momentos se
preocupa em mostrar essa linha que se multiplica em quatro, para representar os
quatros instrumentos que compõem a banda tocando simultaneamente,
demostrando sua oscilação.
Figura 12- Frame do videoclipe Do I Wanna Know
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=bpOSxM0rNPM
As imagens abstratas são de mais fácil representação devido à liberdade
que se ganha por não se ter algo figurativo. Na animação abstrata Spook Sport
(1940), produzida por Mary Ellen Bute e Norman McLaren, as formas de seus
desenhos correspondem às características das ondas. É evidente haver
correspondência rítmica, mas há também uma preocupação com as suas formas e
o modo em que oscilam, correspondendo o movimento das formas sonoras em
imagens. Outro exemplo está na introdução do clipe Humming para banda
Portshead. A música tem a introdução do instrumento Teremin, no qual se
manipulam as ondas de rádio e que tem como característica a oscilação de suas
frequências. Ao ser apresentado o som do instrumento no clipe, põe-se em primeiro
plano a imagem da chama de uma vela. Aqui mais uma vez a luz representa os
efeitos do som, no caso a sua irregularidade.
Os timbres do som podem ser representados com os efeitos de textura de
imagem. Percebe-se que o termo refere-se a uma percepção tátil e é a esse recurso
perceptivo que se recorre ao se transportar essa natureza da música à imagem. Os
timbres remetem-se mais à percepção dos materiais, pois a memória da percepção
tátil procura interpretar o material do objeto sonoro. Um exemplo ocorre quando
ouvimos uma flauta transversal, cujo som advém do metal: atribuímos a sensação
de frio em comparação a um contrabaixo acústico que soa em madeira.
O diretor Michel Gondry no videoclipe, para a cantora Björk, Hyperballad
(1996) relaciona esses dois aspectos com maestria: o clipe quase todo é feito com
o rosto da cantora, o que mostra a própria concepção da música, em que a voz é
mais presente, sendo acompanhada por ritmos muito sutis ao fundo. O diretor
explora as vozes da cantora que se sobrepõem timbristicamente dobrando a
imagem do rosto da cantora, em efeito de “fantasma” televisivo. O diretor também
se preocupa em apresentar em imagem outros sons como a imagem ao fundo que
oscila no ritmo do som da vassourinha (baquetas com hastes de metal) feito
eletronicamente. A imagem representa não só o ritmo, mas também o efeito de
fundo (dinâmica do som) e o timbre eletrônico, feito como se fossem chuviscos
(interferências) coloridos de TV. Os sons, que lembram um metalofone, são
representados com as luzes que se acendem no rosto da cantora. Um outro efeito
eletrônico apresentado no primeiro minuto é a imagem ao fundo que é alterada com
luzes vermelhas que oscilam no ritmo do efeito sonoro. Um detalhe também
importante é que essas luzes não só ficam ao fundo como perpassam o corpo
(cabeça) da cantora representando a dinâmica do som que oscila seu volume. O
clipe também representa a divisão da música no refrão: quando o refrão entra, corta
para a imagem da cantora em um formato estético de videogame, quando ela corre
por uma cidade eletrônica. Esse ambiente estético é uma representação do
universo eletrônico da música (timbres). Corresponde bastante às simulações de
instrumentos orgânicos que têm a música. No final desta, quando volta o refrão,
uma série de imagens que foram usadas o tempo todo para representar elementos
sonoros é colocada. Essas imagens se sobrepõem à cabeça imóvel da cantora,
enquanto o “fantasma” - o simulacro - canta. A imagem ao fundo oscila de um lado
ao outro no mesmo ritmo que o som oscila. As imagens fantasmas vão se
sobrepondo ao eco da voz da cantora.
Figura 13- Frame do videoclipe Hyperballad
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=D0Pv-UkoRC4
Nesta análise além das características da textura e timbres representados
no vídeo percebe-se que foram interpretados outros pontos como a duração dos
fenômenos sonoros e suas intensidades. Isso se deve a que timbre, duração e
intensidade sejam as características básicas da onda sonora e é impossível separá-
las como se fossem um único fenômeno.
Percebe-se que o timbre colabora com a relação tátil da paisagem sonora,
termos que se pretendem trabalhar mais adiante. Os materiais não só
correspondem à paisagem do vídeo que pode ser evocada com os objetos de cena,
sejam representações reais do objeto sonoro ou não, mas podem parecer do
próprio material que é o vídeo ou a película. No clipe, para banda Rage Against The
Machine, Bulls on Parade (1996) dirigido por Peter Christopherson, apresenta-se
uma imagem alterada, feita na própria película. Essa imagem com aspecto de
danificada corresponde ao efeito de volume na guitarra (ua ua) bem distorcido e
que o vocalista canta tentando imitar. A imagem danificada e o som da voz e da
guitarra também são alterados, portanto a imagem corresponde ao efeito do som
(timbre), como se o som se danificasse, alterando a imagem do vídeo.
Figura 14- Frame do videoclipe Bulls on Parade
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=3L4YrGaR8E4
O timbre também foi associado à cor por alguns estudiosos, mas bem
provavelmente de forma metafórica. Do mesmo modo que as alturas musicais, não
há correspondência direta de timbre e luz.
Felipe Salles (2002) aborda a questão do timbre em Fantasia da Walt Disney,
diretamente ligado ao desenho melódico, afirmando que:
Isso advém da possibilidade de visualizar, através do sistema movietone, o som 'desenhado' na película, ou a tradução vibratória do som em escala visual. Cada som é representado por um desenho diferente, que possui um caráter segundo sua forma (mais suave, mais grosso, regular ou irregular, com ângulos agudos, arredondado, etc.), e que é muito próximo do desenho obtido pelo espectrograma do som em laboratório. (SALLES, 2002, p. 26).
O movietone é a forma de gravar que possibilitou sincronizar imagem e som.
O equipamento possibilitou a sincronia do movimento da forma gráfica com o som.
Neste sistema, sobretudo nas animações, deixou-se evidente a relação entre as
formas vibratória da imagem e do som, pois deixava visível a sincronia do
movimento das formas vibratórias.
Exatamente no meio de Fantasia, entre as seções da Sagração da
Primavera e da Sinfonia Pastoral, há um interlúdio no qual o narrador nos apresenta
a “Banda Sonora” que é justamente a faixa movietone. Uma linha é colocada em
cena e o narrador pede para que mostre um som. Um ruído é produzido, e essa
linha se movimenta em ângulos irregulares tomando parte da imagem na tela.
Depois, outros sons são mostrados, divididos por timbres: violino, flauta, fagote,
harpa, trompete e instrumentos de percussão. Cada um é representado com um
desenho diferente, muito característico e que estabelece uma concordância com a
características do som. Há portanto uma correspondência entre os timbres e os
contornos visuais, que claro podem ser representados de muitos modos, mas se
estabelece uma relação com som, mantém características de texturas e
ondulatórias que atingem a percepção tátil da mesma forma.
3.4 Ritmo: duração e movimento
Percebe-se que ao falar de intensidade e duração entramos em um elemento
fundamental da expressão musical que é o ritmo. O ritmo é essencialmente
constituído de intensidade, duração, timbre e frequência. No que se refere à
frequência, o ritmo tem uma peculiaridade. Ritmo pode ser feito por qualquer
material sonoro. Qualquer ruído (som) terá intensidade, duração, timbre e
frequência. Pode-se fazer ritmo com qualquer objeto sonoro, basta organizar esses
elementos temporalmente, ou seja, combinando-os de formas sucessivas. Os
objetos sonoros (coisas), assim como instrumentos de percussão, têm frequências,
mas suas alturas não são definidas do mesmo modo que soa um instrumento que
gera frequências específicas, que podem ser identificadas e então reconhecidas
como notas.
O ritmo é organização dos sons e de outros elementos da música como
melodia e harmonia, que são modos de organizar as alturas (notas). Ambos os
elementos acontecem de forma organizacional, portanto referem-se ao ritmo,
elemento que compreende o tempo em música.
O ritmo se define por sons que são tocados sucessivamente e também
simultaneamente e, embora seja ele a união desses fenômenos do som, ele como
elemento da expressão musical procura ser representado no vídeo de outra forma,
sendo as outras características mantidas na representação visual.
O ritmo está associado ao movimento e tem uma relação íntima com a
música e com o cinema, sendo uma sequência de eventos temporais justapostos
que criam uma unidade métrica qualquer, que pode ou não ser repetida.
Com o advento do cinema sonoro, Eisenstein procurou formalizar em seu
artigo “Sincronização dos sentidos” (1940), as ideias acerca da relação entre som
e imagem no contexto audiovisual. Nesse trabalho, Eisenstein retoma o conceito
de polifonia e aplica a terminologia “montagem vertical” para compreender a relação
audiovisual:
não há diferenças fundamentais quanto à abordagens dos problemas da montagem puramente visual e da montagem que liga diferentes esferas dos sentidos-particularmente a imagem visual à sonora- no processo de criação de uma imagem única, unificadora, sonoro-visual.(Eisenstein, 1990a, p. 52).
Eisenstein entende a construção audiovisual como algo similar à construção
polifônica em música, e o ponto em comum entre o visual e o sonoro é o movimento.
Coloca que “o movimento revelará todos os substratos da sincronização interna que
queremos estabelecer. O movimento nos mostrará de uma forma concreta o
significado e os métodos de fusão” (Eisenstein, 1990b, p. 58)
O filme King Kong de 1933, dos diretores Merian C. Cooper e Ernest B.
Schoedsack, já buscava correspondência entre o movimento musical e visual. Tais
recursos no filme citado, assim como no filme do próprio Eisenstein, Alexandre
Nevsky (1938), apresentam uma relação com o ritmo e nos servem como exemplo
para estabelecer duas possibilidades de construção rítmica. Uma diz respeito ao
ritmo da cena, na diegese5 do filme que acontece pelo movimento dos corpos e dos
objetos em cena. (EINSENSTEIN,1990a, p. 97) Em King Kong isso pode ser
percebido na emblemática cena do grande gorila subindo no prédio, quando se
ouve a orquestra enfatizar com instrumentos de sons graves, sincronizando o gesto
de subida do gorila no prédio como se pudemos ouvir os efeitos de seus passos.
Nessa cena prevalece o gesto do macaco. Outra possibilidade é na própria edição,
usando os cortes no tempo que se apresentam os sons, de um grupo de sons
respeitando todos os cortes, ou esperando uma frase rítmica inteira. King Kong é
um modelo da técnica mickeymousing no cinema, que consiste na sincronia do
acompanhamento musical com as ações na tela. Funciona quase completamente
para acompanhar os movimentos dos personagens em cena sincronizando com
ritmo da música. No videoclipe estes aspectos são muito explorados,
principalmente em clipes que diminuem as possibilidades narrativas devido à
ausência de canção.
Videoclipes para músicas feitas eletronicamente, que são feitas basicamente
para pistas de dança, deixam mais evidente a relação com o ritmo. Nos clipes para
música Beat Dis Bomb the bass (1987) produzido pela Sony Bmg Music
Entertainment (uk) e Limited e Pump Up The Volume, (1987) do grupo Marrs,
produzido por 4AD's first, são músicas voltadas à pista de dança que exploram
bastante a edição, “pois para esses ambientes, as imagens costumam ser de outra
espécie, algo assim como padrões de estimulação retiniana muito semelhantes aos
padrões rítmicos da música” (MACHADO, 2005, p. 179).
Os clipes feitos para dançar fazem o vídeo dançar. Planet Rock (1982), remix
feito por Dan Cornuelz e Jessica Janson para a música do DJ Afrika Bambaataa e
seu grupo Soulsic Force, parecem levar às últimas consequências as sugestões de
montagem rítmica de Eisenstein e do cinema soviético. Claro que, além dessa
referência ao cinema soviético, outros videoclipes e produtos da videoarte
influenciam o trabalho. Arlindo Machado (2005, p. 179) nos lembra que esses
clipes são cópias perfeitas das ideias desenvolvidas pelo videoartista coreano Nan
June Paik no final dos anos 70.
5 Diegese é um conceito de narrativa que diz respeito à sua realidade ficcional. O termo é aplicado
em literatura, dramaturgia, cinema e outros produtos audiovisuais que tenham narrativa.
O rítmo tem como suporte a edição e os movimentos diegéticos, sendo que
esses também podem ser os corpos das pessoas dançando. Tomemos o videoclipe
do grupo de rap Eric B. & Rakim para a música Paid In Full. (1987), produzido por
UMG Recordings, Inc. Pode-se verificar como tentativa de representar a música:
edição bem sofisticada representando o ritmo com cortes de imagem, imagens
montadas em sequência do mesmo modo que é a música feita com samplers, que
fundem universos musicais (estilos e gêneros diversos) assim com interferências
de vozes que também aparecem no vídeo. Há um sampler de voz feminina
cantando em árabe, e neste momento aparecem sobrepostas no vídeo, letras em
árabe.
Figura 15- Frame do videoclipe Paid in full
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=E7t8eoA_1jQ
Elementos já analisados em outros clipes também se apresentam, como a
ênfase na performance do vocalista, com a câmera em primeiro plano quando ele
canta, com inserção de algumas palavras cantadas no vídeo, em correspondência
ao tempo em que elas são ditas. Há também inserções sonoras no canto ou
repetição de alguns sons vocais que são editados na música.
Em uma análise mais minuciosa desses clipes para músicas feitas
eletronicamente, consegue-se identificar quando se usam elementos para
representar o ritmo, que podem ser o movimento do corpo, o movimento de
câmeras e a edição. Mesmo em videoclipes em que se busca essa relação rítmica,
assim como é feito em alguns momentos no cinema, a representação de todos os
fenômenos rítmicos na música é demasiadamente difícil, pois em música, todos os
sons são organizados ritmicamente construindo uma complexa estrutura. No vídeo
normalmente se escolhem os sons que vão ser representados ritmicamente e
também se escolhe a maneira segundo a qual serão dispostos os elementos em
cena: se com movimento da câmera, com edição, vai-se usar todas as notas de
uma frase musical para se representar, vai-se representar uma frase fazendo
apenas um plano que dure o tempo da frase musical etc.
Esses clipes mostram as várias formas de se representar os aspectos
musicais. Embora os sons possam parecer iguais, ou seus efeitos expressivos
serem os mesmos, as maneiras em que eles são representados em imagem são
diversas. O critério para representação dos sons obedece às suas características
e como essas ondas se comportam uma relação às outras. Desta forma, os critérios
para serem representadas são muito amplos e sem dúvida um dos aspectos para
representação do ritmo é a performance dos artistas, dançarinos, pois a dança é
basicamente representação do movimento em música, portanto ritmo. No vídeo
essa performance de gesto corporais pode ser controlada e se torna mais um
elemento, entre tantos outros que os diretores podem usar para construir o ritmo
do videoclipe. No clipe Get Ready for This (1991) do grupo 2 unlimited, é bastante
evidente esse jogo na edição com o corpo dos artistas.
Quando se dança, têm-se alguns recursos, como os membros, para
representar diferentes ritmos de uma mesma música. Ritmos diferentes que
acontecem simultaneamente. Ao dançar selecionam-se alguns ritmos, não todos,
pois o corpo tem um limite em relação aos possíveis movimentos rítmicos que
acontecem em uma música. O vídeo para representar a música se comporta do
mesmo modo que o corpo que procura dançar, ou seja, selecionam-se elementos.
Cada corpo (vídeo e corpo humano) tem suas possibilidades, sendo que a
possibilidade representativa do vídeo é maior e a do corpo humano é mais um
recurso para a representação do som no videoclipe.
Quando se faz um videoclipe em que se tem o corpo humano, as
possibilidades de representação aumentam, pois, além de se mostrar os próprios
movimentos do corpo como uma forma de representar a música, eles também
podem ser manipulados pela câmera e pela edição, fragmentando gestos que
possam melhor representar os acontecimentos musicais, como também podem ser
repetidos e manipulados de várias formas. Tratados como imagens no vídeo,
correspondem ao som como vídeo e não mais somente como dança.
Nesses clipes cujas músicas são voltadas para dança utiliza-se da
expressão corporal, de gestos e também da performance de dança muito parecidas
com as coreografias em coletivo, extraídas das danças de rua de que se originam.
No videoclipe na música pop, cujo principal expoente é Michael Jackson, há muitos
clipes que exploram bastante suas coreografias mas que se utilizam de recursos
de câmera e pós produção. Por exemplo, no clipe de Thriller (1982), explora-se a
dança, mas não se exploram planos fechados em determinados movimentos de
partes do corpo dos dançarinos ou movimentos de câmera e uma edição que possa
corresponder mais à dinâmica rítmica da música. Valoriza-se a dança que
consequentemente representa o ritmo, mas assistimos à performance dos
dançarinos, mais do que o próprio vídeo como performance. O videoclipe se
preocupa mais em mostrar a performance de dança em vez de ser, mesmo que
usando a imagem dos dançarinos, ele próprio o representante do ritmo.
Os primeiros videoclipes de música pop americana pouco utilizam da edição
com um recurso de representação rítmica. Ainda hoje mantêm mais a tradição de
mostrar as coreografias. Isso se dá também devido aos clipes de cultura de massa
serem mais voltados à promoção da imagem dos artistas. Essas questões são
evidentes em clipes para cantora Britney Spears, Shakira, Jennifer Lopez, Beyoncé
e outros. No videoclipe Single Ladies (2009) da cantora Beyoncé percebe-se que a
câmera mantém as dançarinas sempre em um enquadramento para que se possa
visualizar a performance de dança, pois através da dança é possível perceber a
representação do ritmo da música.
O ritmo é sem dúvida um ponto de concordância no audiovisual que
acontece pelo movimento, e o videoclipe procura explorá-lo tendo como referência
os experimentos cinematográficos, a videoarte, a animação, os videoclipes, as
vinhetas e todo seu arsenal de recursos técnicos de montagem. Mas “o ponto de
mutação introduzido pelo cinema foi a invenção de um método óptico de registros
de sons, ou seja, toda a trilha sonora do filme é convertida em informação luminosa
e fotografada na película, ganhando propriedades de imagens” (MACHADO, 2005,
p. 156). A colocação de Arlindo Machado refere-se, sobretudo ao cinema soviético,
especificamente à obra de Dziga Vertov. E é inegável sua colaboração, mas
principalmente às técnicas de casamento com o ritmo. Nos musicais se herda
bastante das coreografias, em que os gestos são mostrados como pantomimas
rítmicas. Tal recurso também não ficou de fora nos videoclipes, tanto que há
videoclipes que o utilizam. No videoclipe de Spike Jonze, para a cantora Björk, it's
oh so quiet (1995) se explora essa herança dos musicais, na qual o corpo em
movimento dos artistas é bastante explorado para mostrar o ritmo da música, já que
o corpo representa o seu movimento, mas as coreografias escolhem momentos da
música e a câmera busca se posicionar para apenas mostrar esses gestos. Nesse
clipe é possível ver no corpo dos artistas alguns ritmos da música, sempre como
uma espécie de valorização de alguns fenômenos musicais. São como
pantomimas.
Outro recurso herdado do cinema é o uso da técnica do mickeymousing,
mencionado anteriormente, que trata as imagens ou os personagens como objetos
que se movem de acordo com o ritmo da banda sonora. Esse recurso é bastante
usado nas animações até hoje.
Hoje, o mickeymousing não é muito bem visto pelos teóricos e compositores
de cinema, mas “está na base de tudo que se fez com som e imagem a partir de
então. As relações audiovisuais, polifônicas e sincrônicas por excelência,
fundamentaram-se a partir de sua prática” (CARRASCO, 2003, p 161). No
videoclipe essa técnica se apresenta, mas, claro, com novas possibilidades,
utilizando-as de todo tipo de formas, fazendo com que o ritmo quase sempre seja
uma expressão muito significativa.
Ney Carrasco (2003, p. 98) analisa a obra Nascimento de uma Nação (1915)
de D. W. Griffith como um filme que se utiliza das técnicas de sincronia musical
fazendo do filme uma espécie de acompanhamento para música. Com uma
montagem rítmica exemplar, o filme é conhecido como um dos primeiros filmes a
ter uma trilha sonora específica para ele. O cinema ainda não dispunha do recurso
sonoro sincronizado, mas o filme tinha uma partitura para ser executada por uma
orquestra em sua exibição. Tal inspiração advém da música programática e da
ópera que, em muitos momentos, sincroniza os movimentos em cena com o ritmo
da música. No caso da música programática tais cenas são imaginadas com o
auxílio do texto que indica os momentos da história e dos acontecimentos a
relacionar com os acontecimentos musicais. Essa preocupação em sincronizar
movimentos em cena e o ritmo é a gênese do mickeymousing, e até hoje é usado
no cinema, claro que com cuidado e ou inovações, pois a técnica já foi bastante
explorada. Já no videoclipe não parece haver uma preocupação com a saturação
da técnica, possivelmente por ter como objeto a música. Ao se representar a
música, a representação rítmica lhe é natural, já que na música o ritmo é elemento
que a constitui.
Todo recurso que entra em concordância com o movimento pode ser
representado no vídeo, pois se relaciona diretamente com a música. Retomando o
raciocínio de edição, representação do corpo e movimento e outros movimentos na
diegese que possam representar o ritmo, boas partes dos clipes realizados para
Undeworld são verdadeiros achados nessa direção. Neles as “imagens são puros
estímulos visuais (cor, movimento e ritmo) Everybody in the Place (1992), que
Russell Curtis fez para o Prodigy é ainda mais radical: uma edição ágil, sincopada
e rapidíssima (quase no nível do fotograma) faz as imagens dançarem no ritmo da
música” (MACHADO, 2005, p. 179). Nesse videoclipe o ritmo é o elemento que
mais se preocupa representar, o que é feito com edição e performance de dança
dos integrantes do grupo, mas também inserem outras imagens que simulam
interferências e que obedecem ao ritmo musical, sendo assim esses os aspectos
diegéticos, além da performance dos artistas. Na música há uma única frase
cantada, que é apresentada como mais um elemento rítmico. Essa frase é escrita
na tela em cima dos outros acontecimentos, do mesmo modo que na música. Outro
aspecto interessante está na entrada dos sons do teclado que mostra a imagem ao
vivo da banda junto a um quadro menor que exibe um integrante cantando. Ambos
os momentos representam os acontecimentos sonoros e também vem bastante ao
encontro da forma de compor esse tipo de música, que é feito com samplers que
se sobrepõem um ao outro. O videoclipe passa a maior parte do tempo mostrando
os integrantes dançando ao ritmo da música, mas essas performances são editadas
para corresponder mais ainda ao ritmo e andamento da música deixando evidente
o corpo como um recurso a ser apropriado pelas técnicas do vídeo e praticamente
tornar-se um objeto sonoro (rítmico) no clipe.
Como já mencionado, selecionam-se alguns acontecimentos rítmicos para
serem representados e também sua representação no vídeo pode ser diversa. No
clipe Say No Go (1989), que Mark Pellington fez para o grupo De La Soul, escolhe-
se além da edição (cortes) que vai corresponder aos acontecimentos rítmicos,
imagens abstratas ao fundo que marcam o ritmo sincopado da música.
Em outros momentos os diretores escolhem um único fenômeno rítmico para
acompanhar sua montagem, por exemplo, no clipe Moon (2011) de Björk dirigido
pela própria cantora e James Merry, no qual apenas o ritmo que soa o dedilhado
em uma espécie de harpa é utilizado para ser representado. O ritmo da música
sincroniza-se com a imagem da lua que aparece em parte respeitando o tempo de
cada nota e também quando se forma um desenho onde há luas e essas luas viram
de acordo com os toques desses instrumentos, como se fossem moedas presas a
essa forma. O diretor Spike Jonze se utiliza da música para representar seus
vídeos, mas faz escolhendo quase sempre um ou poucos recursos. No videoclipe
da música Sabotage (2009) para o grupo Beastie Boys, utiliza vários aspectos
ritmos, sobretudo os da caixa da bateria, para fazer os cortes de imagem, além do
tempo de duração das frases do canto para trocar de imagem. Outro clipe que
pode relevar esse aspecto é o clipe do Titãs para música Lugar Nenhum (1987)
cujo ritmo da marcação da caixa atua para trocar as imagens. A troca de recurso
representativo do ritmo, no solo de guitarra, quando o corpo dos músicos é
manipulado (acelerado) para acompanhar o ritmo do instrumento, é outro exemplo
disso.
O uso do tempo da frase rítmica, ou do ritmo da melodia de um instrumento,
ou em sua maioria a melodia da voz, é recorrente para se demarcar o ritmo de uma
música. No videoclipe para o cantor François Coen para a música La tour de Pise
(2007), produzido por Michael Gondry, a música é calcada na letra e no clipe e
acompanha-se o andamento da canção. O diretor buscou colocar palavras inteiras
que são importantes para o sentido da letra, ou até mesmo frases criando quase
que uma espécie de mecanismo de karaokê, no qual se pode acompanhar a letra
na tela. As fotos são trocadas no tempo de quatro pulsos, que corresponde à
métrica da música 4 por 4. Outro elemento representado está na imagem inicial,
que se altera conforme o ritmo do dedilhado das cordas da introdução da música,
mas é muito interessante observar esse cuidado de troca de quatros obedecendo
os quatro pulsos que organizam a métrica rítmica da música, servindo de exemplo
de mais uma forma de representar aspectos rítmicos.
Embora o ritmo tenha natural afinidade com o cinema, não somente pela
própria afinidade temporal que compartilham música e filme, ele também é
elemento presente nas imagens estáticas. Rudolf Arnheim descreve sentidos de
movimentos em formas geométricas a partir de sensações naturais que o cérebro
tem em seu arquivo de memória quanto ao peso, volume e perspectiva de um objeto
qualquer (ARNHEIM, 1989 p. 77). O cérebro, através da visão propriamente dita,
reconhece tais particularidades representadas e lhes dá valores que juntos hão de
formar um jogo de forças tendo uma resultante que descreve sensações estáticas
e dinâmicas. Essas sensações nos informam sobre as relações de tensão e
relaxamento dos elementos do quadro, que em música podem ser traduzidas pelos
elementos sonoros devido às suas dimensões e às distâncias entre um evento
sonoro e outro. A distância entre um evento sonoro e outro em movimento é
justamente aquilo que causa a impressão de ritmo. Também os sons sucessivos
desse ritmo carregam uma intensidade e uma altura, que vão corresponder à
sensação de peso e à orientação de distância.
No que se refere à imagem estática o compositor Pierre Boulez nos aponta
as relações entre música e imagem pondo em relevo o que denominou pensamento
musical ao falar do pintor Paul Klee (BOULEZ, 1989 p. 8). O compositor admite que
aprendeu a lidar com problemas de distribuição rítmica no espaço musical graças
à obra do pintor. Arlindo Machado argumenta ao encontro disso que essa relação
não se constitui simplesmente por efeitos de linguagem, e que Paul Klee tinha
relação íntima com a música e foi um dos artistas mais bem dotados de um talento
sinestésico natural, capaz de fazer música com o pincel dos tubos de tinta, como
demostrar, desta vez com eloquência de uma obra tida como referência das mais
importantes da arte contemporânea, que música é uma questão de conceitos e
estruturas (MACHADO, 2005, p. 185). Tais questões enfatizam a relação que o
ritmo dá no que diz respeito à distribuição de formas e cortes no espaço em
movimento.
Murray Schafer também nos ajuda a compreender o ritmo como movimento:
Ritmo é direção. Ritmo diz: 'Eu estou aqui e quero ir para lá'. É como o traço numa pintura de Paul Klee. Ele próprio diz: 'O pai do traço é o pensamento. Como ampliar meus domínios? Acima deste rio? Deste lago? Desta montanha?'. Originalmente, ritmo e rio estavam etimologicamente relacionados, sugerindo mais o movimento de um trecho que sua divisão em articulações (SCHAFER, 1991, p 87).
Percebe-se uma conexão do ritmo com o espaço e tempo, ele é marcado
pela presença, acontecimentos sonoros no decorrer de um tempo e, portanto,
evoca a percepção do tempo de uma obra. Em uma obra audiovisual, o ritmo são
as marcas temporais, ou seja, é o modo com que se corta (duração dos planos).
Tanto no cinema quanto na música a disposição rítmica é um fator de relevância
ímpar, que acrescenta ou diminui a sensação de tempo do espectador/ouvinte.
Este é um aspecto fundamental na união entre a música e a imagem, pois
justaposição ou sobreposição de ritmo e de movimento de imagem, em ponto ou
contraponto, nos darão sensações específicas segundo os objetivos pretendidos.
3.5 Andamento (Tempo)
A distribuição de elementos sonoros no espaço determina o andamento. O
andamento em música determina a velocidade que a música vai tomar. Essa
velocidade não interfere no ritmo da música, pois a distância entre uma nota e outra
continua a mesma. De forma análoga, é pegar uma obra visual e acelerá-la. Ao se
fazer isso você não irá alterar os momentos dos cortes entre seu início e fim de
frames, mas somente sua velocidade. O mesmo com música e embora isso altere
bastante a percepção psicológica, a distância entre um fenômeno sonoro e os
cortes e gestos da imagem não são alterados. O andamento pode ser às vezes
marcado por algum ritmo, como é claro no samba, em que o bumbo marca
sonoramente seu pulso, mas não necessariamente, por exemplo: ao se cantar uma
canção ou melodia à capela (música sem acompanhamento instrumental) pode
intencionar batidas de pés ou de palmas como acompanhamento do canto, essa
marcação não está sendo ouvida, mas está sendo intencionada pela velocidade
com que se organizaram o ritmo. Ele é a percepção de velocidade do movimento.
Murray Schafer escreve: “Um ritmo irregular espicha ou comprime o tempo
real, dando-nos o que podemos chamar de tempo virtual ou psicológico”
(SCHAFER, 1991, p. 75). Conforme o que já havia sido constatado por Arlindo
Machado (2005) e Pierre Schaeffer (1993). Mas isso também é verificado na
regularidade rítmica aliada ao andamento (velocidade de execução). Obras de ritmo
curto e rápido parecem-nos maiores do que realmente são ao passo que ritmos
lentos fazem parecer bem menores. São os tempos psicológicos que se alternam,
causando efeitos curiosos nos ouvintes, como por exemplo, sua inversão, ao usar
ritmos longos em andamento rápido ou ritmos rápidos em andamento lento.
O elemento representacional correspondente na imagem é feito de modo
cinético, ou seja, de movimento. A dinâmica do movimento da imagem, que é na
verdade, em música, uma fusão do ritmo com o andamento. “A sugestão de
movimento, a partir da composição de forças específicas dos elementos que
constituem a imagem, nos fornecem a sensação de andamentos rápidos ou lentos,
e estes dariam a dinâmica de uma imagem” (ARNHEIM, 1989, p. 405).
Filipe Salles (2002, p. 32) releva esse aspecto do andamento, mais uma vez
em Fantasia, mas o relaciona aos sentidos psicológicos que foram usados na
história da música, de forma descritiva, mas no que diz respeito ao movimento é a
simples relação com a velocidade. Usando como exemplo a mesma obra que autor
analisa, Fantasia, da Disney (2000), a animação feita para a peça “Pássaro de
Fogo” de Igor Stravinsk: quando se percebe a personagem (Fênix) correndo pelos
campos é também perceptível a relação da velocidade de seu movimento
correspondendo à velocidade da melodia feitas pelo conjunto de cordas orquestral.
Neste momento não há nenhum gesto ou corte e enfatiza-se o ritmo e somente
uma representação de andamento.
Eisenstein ainda nos dá uma ideia desta relação segundo a percepção de
caráter que resultará de uma união consciente entre música e imagem:
não podemos negar o fato de que a impressão mais surpreendente e imediata será obtida, é claro, a partir de uma coincidência do movimento da música com o movimento do contorno visual - com a composição
gráfica do quadro (...); 'enfatizador' da própria ideia de movimento.(EISENSTEIN. 1990b, p. 106).
Tal questão completa muito bem a colocação do ritmo como evocador das
sessões temporais: o tempo em música é determinado pela velocidade com que se
ouve um som em relação a outro. Em imagem o mesmo, pois o ritmo se dá a partir
da relação tempo entre um gesto e outro, um corte e outro e o andamento à
velocidade que isso se dá.
3.6. Melodia
A melodia é a relação entre o ritmo e frequências. Não é somente
característica do som e sim elemento da expressão musical propriamente dito, pois
é composta por sons. As frequências são as definidas culturalmente e as
entendemos como notas musicais. A melodia é um conjunto de alturas tocadas
sucessivamente, ou seja, ritmicamente, e suas representações em imagem no
vídeo são muito mais representadas ritmicamente do que suas alturas,
provavelmente devido ao fato de serem mais complexas. As alturas e o ritmo de
uma melodia foram frequentemente representados na estrutura do mickeymousing:
quando nas animações a escala da música sobe ou desce (alturas) e os
personagens também sobem ou descem escadas, cenas tão comuns nas
animações que envolvem perseguição.
Tais características escalares, que dizem respeito a subir as alturas e descer
são muitas vezes utilizadas desse modo no filme Koyaanisqatsi (1982) dos
diretores Godfrey Reggio e Ron Fricke, de trilha sonora composta por Philip Glass.
O capítulo Pruit Igoe acompanha a queda dos prédios junto à descida de alturas da
escala musical a sincronizar com a imagem das quedas completas dos escombros.
Outro elemento é quando se cria um desenho melódico no vídeo, momentos
em que a melodia é feita por um instrumento ou por um grupo deles e é
representada por uma linha que percorre a tela. As maneiras de produzir essa linha
são inúmeras e levam em consideração o timbre e sua altura. As alturas
determinam a altura em que a imagem fica na tela, sua espessura é determinada
pela quantidade de instrumentos que executam a melodia e sua dinâmica é
determinada pelo plano, mais próximo ou mais distante. Como exemplo tomemos
a introdução do filme citado, Koyaanisqatsi, no momento que estão mostrando as
paisagens naturais: ao mostrar as nuvens seus movimentos são acompanhados
por uma linha melódica de vários grupos de instrumento, ou seja, uma grande
massa em movimento no espaço que entra em concordância com o andamento e
espessura da melodia.
A melodia é elemento análogo à frase de um texto. Os elementos
anteriormente citados, bem como os que virão, estão presentes, em variados graus,
para compor a estrutura da melodia. Há nela, segundo a organização destes
parâmetros, uma resultante de caráter, que pode ser comparada a outras instâncias
similares, como por exemplo, nas artes plásticas. O pintor russo Wassily Kandinsky
tinha uma grande afinidade com a música e frequentemente recorria a ela para
estabelecer comparações entre esta e a pintura, bem como com outras artes. Filipe
Salles (2002) fala a respeito dessas correspondências e que elas abrangem todos
os elementos constituintes aqui mencionados: cores, timbres, contraste, ritmo, etc.
Kandinsky afirma haver duas possibilidades de construção na pintura:
construções simples são melódicas, construções complexas são sinfônicas. Mas,
em seu “Ponto e Linha sobre Plano”, Kandinsky usa a analogia com a música para
descrever características de traço, linha e ponto:
É bem sabido o que é uma melodia musical. A maioria dos instrumentos musicais tem um caráter linear. O timbre dos diferentes instrumentos corresponde à abertura de uma linha: violino, flauta e pícolo produzem uma linha muito fina; viola e clarinete já produzem uma mais grossa; e pelo meio de outros instrumentos mais graves, alcança-se linhas mais e mais largas, para além das notas mais graves do contrabaixo e da tuba (apud SALLES,2002, p.9).
Aqui se volta às dimensões do som já citadas anteriormente, mas é
interessante pensar que, por exemplo, a produção da melodia de alguns
instrumentos favorece mais linhas do que pontos, como por exemplo, que o órgão
é tanto um típico instrumento linha, pois não se é possível cortar o seu som tão
bruscamente como o piano, que favorece o ponto.
Talvez seja sugerido que na música a linha melódica oferece o maior
estoque de recursos expressivos. No audiovisual a linha opera exatamente na
mesma forma temporal e espacial determinando a concordância rítmica da melodia,
sendo melodia a relação entre a frequência e o ritmo.
Na anotação musical contemporânea este tipo de representação do desenho
melódico foi levado às últimas consequências procurando um complexo gráfico que
indica ao intérprete a natureza daquele som.
Na música moderna e contemporânea erudita verifica-se que os recursos
gráficos da escrita musical fazem a partitura parecer um esboço de uma pintura
abstrata. Esse exemplo da partitura é um bom exemplo para se entender a
correspondência entre formas gráfica e as dimensões do som.
Figura 16- Trecho de uma partitura de música de vanguarda erudita
Fonte: LIGETI. G. Artikulation. Rainer Wehinge.Eletronic Music 1958. Disponível em: http://ahsmusictechnology.pbworks.com/w/file/51626699/Ligeti%20-%20Artikulation%20%5BScore%5D.pdf. Acesso em: 04 de jan 2015.
O oposto também é verificado, ou seja, a partir de uma determinada obra
musical ou sonoridade indicada, é possível pensar em imagens gráficas ou
pictóricas e assim verbalizar a sensação que o som causa. Esse aspecto é muito
mais comum do que se imagina na elaboração crítica, poética ou ensaística da
análise musical, e não está - como seria intuitivo pensar - somente ligado à música
descritiva, pois está ligado sempre à prospecção, ou seja, à percepção física. Se
ouvir uma nota muito grave e outra nota muito aguda e se perguntar qual delas tem
maiores dimensões ou qual ocupa mais espaço, responder-se-á que é a grave. Se
pedir para que represente o som grave com o rosto ou com as mãos em relação à
nota aguda, vai sempre se deparar com gestos que procurem representar a
expansão, seja aumentando o espaço entre as mãos ou enchendo de ar as
bochechas. Essas características não estão imunes de atribuição de sentidos e de
sensações psicológicas, mas é que fundamentalmente, sempre se mantém a
relação com suas dimensões físicas.
A linha melódica é frequentemente associada ao traço do desenho, que pode
ser estático ou contínuo, como no caso do cinema. O exemplo mais óbvio desta
relação é o citado por Schoenberg (1993, p. 99) comparando diferentes linhas
melódicas com gráficos de seus percursos. Constitui-se na premissa de que os
sons mais altos, agudos, situam-se no patamar mais elevado de um plano qualquer,
e os sons baixos, graves, no patamar mais baixo. Da mesma maneira, escalas
ascendentes são semelhantes a movimentos para o alto, e escalas descendentes,
a movimentos para baixo. A razão própria desta natural associação está na própria
constituição física do som.
3.7 Harmonia e Tom.
A harmonia é feita a partir de acordes, e o acorde é uma combinação entre
três ou mais notas tocadas simultaneamente ou que se harpeja (toca de forma
combinada sucessivamente). São em sua maioria formas de acompanhamentos
das frases melódicas. Os acordes são tocados de forma sucessiva, ou seja, vão se
desencadeando combinações que determinam a música e esse desenvolvimento
de combinações de acordes determinam a harmonia de uma música. A harmonia
é a combinação de alturas junto ao ritmo.
A harmonia nas artes visuais refere-se ao modo em que se distribuem as
formas e suas dimensões em um quadro. Talvez o termo seja análogo por se tratar
de um mesmo fenômeno no que diz respeito à distribuição de frequências no
espaço. Nos trabalhos audiovisuais são suas características sonoras que são
representadas, sendo elas intensidades, frequência, volume e duração, pois a
harmonia é um tipo de reunião de todas essas características assim sendo também
sua representação.
Um fator importante é mencionar o tom em música. O tom é determinado
pelo acorde inicial de uma composição ou a escala que ele vai trabalhar. As escalas
são algumas notas selecionadas para se produzir uma composição. Existem dois
tipos de tonalidade a maior e a menor, que recebem esses nomes devido à
proximidade entre a segunda nota que constrói essa combinação em relação à
primeira, sendo a menor um espaço de frequências mais estreito do que a maior.
Essas combinações são percebidas fisicamente e devido a isso é que os acordes
recebem esses nomes (maior e menor).
É muito comum representar as tonalidades musicais correspondendo à luz
ou a uma espécie de fechamento e abertura da imagem o que pode ser análoga a
mais luz (abertura) ou menos luz (fechamento). Tal relação construiu algo comum
na história da música e sua representação visual o que pode ser visto em trabalhos
no teatro com manipulação da luz, no fechamento do corpo ou abertura no que diz
respeito à performance e outros recursos de imagem que vão trabalhar esses
aspectos.
Entretanto, o cientista alemão Hermann von Helmholtz, já em 1910 havia
publicado um estudo sobre a propagação de ondas sonoras descrevendo suas
equações segundo a teoria dos harmônicos. Essa obra, On The Sensations Of
Tone (1954), uma das mais completas sobre a natureza do som, explicava a
consonância e dissonância, bem como o comportamento dos timbres, pelos
eventos harmônicos de cada som, mas como já citado não é possível estabelecer
uma relação direta entre cores e frequências.
Na produção audiovisual ou em obras que buscam os sentidos da visão, ou
foram inspiradas em visualidades o conceito de luminosidade é sempre evocado e
essa relação sempre vem à tona, principalmente nas artes híbridas do século XX.
Nos videoclipes é recorrente perceber que nas músicas de tonalidade menor
sua ambiência é escura como é perceptível nos clipes da banda Portshead, por
exemplo, e nas de tonalidades maiores os clipes serem claros. Um videoclipe em
que o jogo de cores corresponde a esse jogo a tonalidade musical é Mormaço
(2009) para a banda Paralamas do Sucesso dirigido por Lírio Ferreira. Na música
não há uma troca de tonalidade de menor para maior ou vice-versa, mas no meio
da canção troca-se a tonalidade subindo-a um tom, de ré maior para mi maior. No
clipe, a primeira parte é toda em preto e branco e na mudança de tonalidade torna-
se colorido. A mudança de cor é importante para a narrativa, na qual nordestinos
descem sentido ao Rio de Janeiro, saindo de uma vida agreste, seca e indo para
um lugar mais colorido, de clima mais aprazível e de oportunidades de trabalho. A
relação é simbólica, é claro, mas o momento de troca entre preto e branco e colorido
espera para sincronizar à tonalidade musical.
CAPÍTULO IV- A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM SONORA NO VIDEOCLIPE
Todas essas relações com a música e os suportes técnicos do audiovisual
constroem uma paisagem sonora. O termo paisagem sonora foi usado por Murray
Schafer em seu livro O Ouvido Pensante (1991) que advém do estudo e da análise
do universo sonoro que nos rodeia. Uma paisagem sonora é composta pelos
diferentes sons de um determinado ambiente, considerando os sons de origem
natural, humana, industrial ou tecnológica.
O estudo de paisagens sonoras enquadra-se no âmbito da ecologia acústica
e, portanto, refere-se aos meios em que os sons se propagam e aos objetos
sonoros que compõem esse ambiente. O estudo se articula a outros campos de
conhecimento como o da acústica e, portanto, arquitetura, saúde ao pensar na
nocividade dos sons aos quais se está exposto, pedagogia musical, ao se usar
como técnica de sensibilização da escuta e de compreensão dos sons e ecologia.
O estudo também é de ordem antropológica, pois através dos sons pode-se
diagnosticar a paisagem cultural de um ambiente, entre outros estudos. No cinema
foi bastante usado para analisar e compor as ambiências culturais, as
características acústicas daquele meio e suas formas de serem representadas.
Portanto o termo diz respeito aos aspectos ambientais, ou seja, quando a
imagem é produzida de forma a criar uma sensação acústica ou que dá impressão
dos sons da música serem produzidos pelas imagens mostradas no vídeo. A
diferença entre todos os aspectos já tratados é que a paisagem sonora diz respeito
à sensação acústica dos elementos que estão em cena podem causar e que essas
sensações correspondem ao mesmo efeito dos sons, portanto aspectos ambientais
do som com ecos e reverberações são bastante explorados com os cenários no
videoclipe.
A paisagem sonora, entendida na sua relação com as dimensões sonoras,
refere-se a toda a ambiência do vídeo como o lugar capaz de produzir sons que se
ouvem ou de que a música poderia estar sendo executada naquele ambiente.
Jeder Janotti Jr. (1997, p. 4) e Arlindo Machado (2005, p 153) apontam
conceitos que levam o videoclipe para o terreno da sinestesia, ou seja, que as
sonoridades podem evocar uma determinada sensação tátil. Isso é possível, como
já mencionado, devido à onda sonora carregar as características acústicas dos
materiais que a produzem e, portanto, o corpo pode perceber a qualidade do
material que o toca, ou usar a memória tátil, evocando a sensação em relação ao
material que aquele som ressoa.
A paisagem sonora configura-se num constituinte sinestésico: é música coisificada em imagem, gerando um efeito visual de ouvir algo e ‘estar’ na música. Ou ‘estar’ no som. (SOARES, 2004, p. 33).
O autor define a paisagem sonora no videoclipe como um estado de estar
no som, como se a própria música fosse um ambiente e afirma que esse
entendimento ajuda a compreender como se constrói o cenário de alguns
videoclipes e de alguns produtos audiovisuais.
Se se tomar a maioria dos videoclipes feitos para grupo Portshead ou os
clipes do grupo Massive Attack como exemplo, fica mais evidente essa relação com
o ambiente. As músicas de ambos os grupos evocam a sensação de um ambiente
soturno, pois trabalham com elementos muitos graves, lentos, normalmente em
tonalidade menor, com sonoridades repletas de reverberação (efeito ambiental)
como se soassem em um lugar vazio, com espaço rítmicos longos causando a
impressão de que os sons poderiam ter sido extraídos de um ambiente acústico
vazio, por isso escuros, onde há pouca presença de objetos, por isso os efeitos de
eco, entre uma série de outras correspondências advindas do ambiente. Conferem-
se tais aspectos evidentes nos clipes para a música Glory Box (1998) e de
Humming, esta já citada, ambas do Portshead. O clipe da música Humming se
passa em um lugar escuro e que parece ser no subsolo, o que corresponde
bastante aos efeitos das sonoridades graves, produzidas pelo contrabaixo que na
música é bem grave e de sonoridade mais abafada como se fosse ouvida de algum
lugar fechado. Do mesmo modo se apresenta a música Live with me do grupo
Massive Attack dirigido por Jonathan Glazer (2006). O clipe não explora tanto a
impressão dos objetos sonoros, mas se passa em ambientes com pouca luz e a
música apresenta a mesma produção: grave, lenta com muito espaço de entre os
sons e repleta de reverberação. O mesmo para o clipe da música Angel, também
de Massive Attack (2009), dirigido por Brian Singer, com a mesma montagem. O
videoclipe acontece em um estacionamento de ambiente fechado e noturno. Um
detalhe importante destes videoclipes é a preocupação em fazer poucos cortes,
comparados a outros videoclipes. Isso se deve ao fato das músicas terem ritmos
constantes porém lentos.
As músicas de acordes abertos, os acordes maiores, e de ritmos mais
saltados devido à sincopas, e sons de maior intensidade, ou um tratamento de som
mais seco, mais presentes, vão apresentar um universo oposto. Como clipes de um
axé music que vão normalmente apresentar confluência de paisagens sonoras mais
claras e diurnas.
É possível extrair várias relações metafóricas com essas paisagens,
associando-as aos conteúdos das letras, mas acontece que por vezes as paisagens
sonoras da música procuram evocar as paisagens sonoras culturais com que a
banda se identifica, como por exemplo os clipes de música eletrônica que procuram
o universo fechado das casas noturnas onde se ouve o mesmo tipo de música e
também tendo relação com o tipo de produção musical, em que se faz música
pensando nestes ambientes.
Os clipes do grupo Prodigy, para a música Smack my bitch up do diretor
Michael Palmieri e para a música de Dj Llorca, Indigo Blue (2002), de direção de
Olivier Abbou e Bruno Merleevoca, deixam evidentes esses aspectos do ambiente
em que a música eletrônica é ouvida. No clipe para música Smack my bicht up
(1997) se pode acompanhar o percurso de um personagem sobre um plano
subjetivo que se prepara para sair para se divertir. A música parece estar sempre
na diegese das cenas: no quarto, no carro e na casa noturna. Acompanhamos a
escuta do personagem que passeia por esses ambientes e a música sofre
alterações de acordo com os sons de cada um, ficando mais distantes ou abafados
pelo fechamento de uma porta, mais abertos e agudos quando o personagem está
no carro e ao entrar na parte inferior da casa noturna, onde está a pista de dança,
estes ficam mais fortes e com sonoridades graves mais evidentes. O clipe também
tem sons naturais como o som da água da torneira, batimento de portas, sirenes
da cidade etc. A gravação original, colocada no álbum, também tem esses sons
inseridos, assim como todas essas alterações no áudio que sugerem os ambientes
em que a música possa estar tocando. Muito interessante esse tipo de
preocupação, pois a paisagem da música, ao ser ouvida, induz o ouvinte a imaginar
essas ambiências, o que no clipe é usado para nortear a narrativa do personagem
inserindo-o em espaços onde o som possa soar do modo que foram produzidos em
suas ambiências.
No clipe da música Indigo Blue de Dj Llorca (2002) funciona do mesmo
modo: todo feito em plano sequência, acompanha-se o personagem acordando,
preparando-se para chegar à casa noturna para acionar as pickups. Também se
apresentam sons naturais da diegese e o áudio da música sofre alterações de
acordo as ambiências que o personagem percorre, ficando mais aberta e presente
no momento que o personagem sai de seu apartamento, mais forte quando chega
à casa noturna, mais grave quando desce à pista e ao acionar o botão das pick-ups
a música ganha sonoridades digitais e eletrônicas.
Como já dito, toda essa relação da paisagem sonora pode-se ser muitas
vezes associada aos sentidos das canções, pois elas muitas vezes narram cenas
e imagens. Mas em música é realmente complexa a relação que se dá entre o
tratamento dos sons e a letra, sendo difícil, muitas vezes, desassociar os sentidos
da letra dos da música, já que são construídas muitas vezes pensando em como
provocar as sensações com o uso desses dois recursos: dos sentidos da letra e
suas paisagens que podem ser construídas pelos sons. Como classificou Edgar
Morin: “quando o som encontra a letra, parte-se para uma nova articulação poética
e, formula-se por isso, uma cadeia mais complexa” (apud Soares, 2004, p 7).
No que se refere à letra, o terreno é ainda mais complexo. Não se pretende
neste trabalho analisar mais um aspecto da construção do videoclipe, mas parece
importante esclarecer um tanto as possíveis relações entre letra e sons como
elementos que juntos evocam as paisagens e como podem compor os cenários dos
videoclipes.
Pegando como exemplo os clipes de Prodigy, banda de música eletrônica,
que trabalha sonoridades bem graves e pesadas, com sonoridades distorcidas para
deixar a sonoridade agressiva e as fontes instrumentais confusas, é difícil saber de
que instrumentos vêm. Também têm letras interpretadas de modo agressivo e que
sugerem sempre uma perturbação psicológica cujos temas são os vícios, com
metáforas que sugerem paisagens sujas, confusão psicológica, uso de
entorpecentes e um comportamento social marginalizado. As paisagens de seus
clipes vão sugerir essas atmosferas. No clipe da música Firestarter. (1996) de
direção Walter Stern, a letra enfatiza exatamente a loucura, a sujeira como metáfora
psicológica e o comportamento do cantor, que no clipe quase sempre se apresenta
em primeiro plano enfatizando a loucura com espécie de movimentos involuntários,
e com caras de raiva e perturbação sempre procurando intimidar a câmera. A
música tem, como é característico da banda, sons bem graves e abafados, e uma
melodia de sonoridade metalizada e alguns sons vocais com trabalhos com
bastantes ecos na voz. O cenário escolhido para se fazer o vídeo foi o de canos
subterrâneos, que são relevantes ao espaço sonoro em que a música parece ser
produzida, pois os sons da música simulam serem extraídos desse ambiente e
também vêm ao encontro as paisagens metafóricas evocadas pelas letras e
performance da banda.
Dentro do conceito de paisagem sonora, que diz respeito às dimensões do
som, podemos entender que existem clipes que evocam uma ambiência real, em
que apresenta-se um tratamento do áudio como se ele se propagasse dentro
daquele ambiente do videoclipe; outro que é virtual, ou seja, não pode se ouvir o
som da forma que soa no ambiente mostrado, mas a imagem é tratada como se
sofresse a ação do som. Para deixar mais claro, imagine-se que se apresenta uma
imagem em uma fotografia, depois imagine-se que é possível propagar uma música
nela e que ela sofrerá alterações devido às dimensões do som.
Então podemos separar a construção da paisagem sonora no videoclipe em
três formas: primeiro é que os sons parecem estar se propagando naquele
ambiente; segundo, que imagem parece ser desenhada pelos sons; terceira em
que parecem ser possível que saim da própria cena, no sentido de que se
tocássemos os objetos da cena, produziríamos os sons da música. No primeiro
caso, podemos utilizar como exemplo o videoclipe Firestarted de Prodigy. No
segundo caso, que diz respeito à imagem sofrendo ação dos sons, o exemplo
citado, o videoclipe feito para banda Rage Against The Machine da música Bulls on
Parade, mostra a guitarra distorcida e para se corresponder ao momento dessa
distorção a imagem ganha um efeito de falha técnica antiga da “queima” da película
pelo carvão do projetor cinematográfico. O clipe do grupo The Smashing Pumpkins
para a música Cherub Rock (1993) dirigido por Kevin Kerslake é um bom exemplo:
a música tem os sons das guitarras e contrabaixo extremamente distorcidos pelos
seus recursos de alteração de sons analógicos. A música não tem nenhum outro
aspecto que faria diferença ao ser tocada sem os efeitos, sendo sua estética toda
determinada por eles. O videoclipe foi gravado em uma paisagem noturna com
luzes coloridas que piscam, e toda a paisagem do vídeo é construída com
transposição de imagens e ranhuras que poluem a paisagem evocando as
dimensões sonoras. Tanto a música quanto a imagem do clipe são feitos com
sobreposições de estruturas, no caso da música de sons (timbres) e do clipe de
imagem, dando a impressão que a estética poluída da música poluiu a imagem.
No terceiro caso, em que a música parece ter sido extraída dos objetos
sonoros da cena, este exemplo poderá ser notado em músicas de produção
eletrônica. No videoclipe de Björk, Crystalline (2011) de direção de Michael Gondry,
pode -se perceber que o som rítmico é representado pela queda de uma espécie
de meteoros em crateras que têm algo que lembra vidro, o que ajuda a causar a
impressão de que essas notas estão soando em um instrumento de vidro ou metal,
sons que provavelmente são feitos em computador. Há meteoros que não caem
nas crateras, mas na terra, e esses criam um efeito no solo, como se caíssem na
água. Essas imagens sincronizam com o som grave que reverbera. O importante
a se perceber é que se constrói a imagem a passar uma sensação dos materiais
em cena, que se eles fossem percutidos se extrairiam as sonoridades que estão se
ouvindo na música. A paisagem sonora, neste caso, se refere a toda a ambiência
do vídeo como o lugar capaz de produzir esses sons acusticamente. Seu ambiente
virtual é a representação em imagem dos timbres dos possíveis objetos sonoros de
que em música eletrônica não se sabe ao certo a fonte, pois seus sons foram
construídos em computador. Neste mesmo videoclipe essas sonoridades que
parecem vidro são apresentadas com cristais que crescem no solo, e as
reverberações são, novamente, representadas como um espaço vazio, no caso do
clipe como o próprio espaço.
A paisagem sonora trata do entorno, da inserção do espectador no ambiente
do som, e é a porta de entrada para o universo do artista da música pop. As esferas
do som partem para uma noção mais detalhada, mais localizada deste ambiente
(SOARES, 2004, p. 16). O autor refere-se, primeiro, ao universo ambiental do que
os artistas fazem parte e na qual as paisagens refletem o universo da identidade
do músico, por exemplo, na música eletrônica o cenário é casa noturna, rap, as
ruas. Esse universo cultural é explorado com os cenários, figurino, recursos gráficos
e de edição que se tornaram referências para representar um determinado tipo de
música, por exemplo, uma música com uma estética das discotecas do final dos
anos 70, quando se tem o universo musical da Disco. O clipe de Bruno Mars para
a música Treasure (2013), no qual a referência musical negra americana dos anos
70 é evidente, apresenta-se um cenário idêntico aos cenários das apresentações
de televisão da música do gênero Disco. Também se pode usar como exemplo o
clipe da música Man On The Moon (1993) para a banda R.E.M em que a influência
musical do Folk e Country determinam as cenas no deserto, o figurino de cowboy
do cantor e a escolha por um bar na beira da estrada, pois evoca todos os
costumes, hábitos de um universo cultural em que a música está inserida.
O termo esferas do som refere-se justamente à preocupação deste trabalho,
ou seja, como as dimensões do som constroem as paisagens no vídeo. Thiago
Soares (2004, p. 34) exemplifica as esferas do som fazendo uso do videoclipe para
música Grooves is in the heart(1990) da cantora Dee Lite, que faz uma revisão da
música Disco. Neste caso, o videoclipe escolhe um repertório imagético que faz
referência à moda do período, com o figurino, com as cores do cenário e com efeitos
gráficos que reproduzem uma estética dos produtos audiovisuais que antes
apresentavam o gênero, mas as dimensões do som estão presentes: a própria
música Disco, com suas batidas espaçadas e frases musicais cíclicas determinam
uma paisagem alegre com cores vivas no chão, com a técnica de chromakey,
desenhos circulares que giram no andamento da música. Esses desenhos são as
próprias esferas do som, como se as formas da onda em movimento
determinassem os desenhos circulares no chão.
Figura 17- Frames do videoclipe Groves in The Heart
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=etviGf1uWlg
É comum assistirmos a clipes do gênero heavy metal ou de música com
dimensões sonoras bem pesadas, ambiente soturno e imagens que as vezes
tremulam ou vibram como se essas dimensões sonoras causassem um efeito na
superfície da tela ou no corpo de quem está filmando.
O clássico videoclipe Bohemiam Rhapsody, sobre a canção do Queen, já
citado no trabalho pode ser abordado pelo critério de paisagem sonora quando a
música transmite o efeito de “construção de um ambiente propício ao eco, como se
houvesse uma reverberação na própria canção que precisasse ser devidamente
ambientada pelo audiovisual” (Soares, 2004, p. 21). Os efeitos ambientais do
videoclipe propõem uma experiência sinestésica para possibilitar o espectador a
experiência de estar no local onde o som se propaga.
Figura 18- Frames do videoclipe Bohemiam Rhapsody
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=fJ9rUzIMcZQ
Recursos técnicos de produção e pós produção de todo tipo são usados para
evocar as paisagens sonoras. Essas paisagens podem ser tanto determinadas
pelas cenas filmadas, advindas do cenário construído como nos exemplos dos
clipes da banda Prodigy, como podem ganhar um tratamento na pós-produção,
ganhando alterações que correspondam aos sons da música. Nesse último caso,
as dimensões do som vão sujando mais a imagem fazendo com que som e imagem
tornem-se um construto inspirado na experiência tátil das paisagens sonoras e das
esferas do som.
CAPÍTULO V- ANÁLISE DAS DIMENSÕES SONORAS E SUAS
CORRESPONDÊNCIAS VISUAIS NOS VIDEOCLIPES DE MICHEL GONDRY.
Agora analisaremos os videoclipes do diretor Michel Gondry, diretor
escolhido devido a expor um trabalho bastante significativo no que diz respeito à
relação entre o som em suas dimensões concretas e a imagem. O artista por
escolher muitas vezes dispensar a narrativa das canções, ter uma atenção especial
à música e uma destreza incrível com os suportes técnicos e recursos de que
audiovisual dispõe, faz dos seus videoclipes um mundo sonoro junto à imagem,
convidando nossos sentidos a entender de qual princípio partem as suas
concepções: se dos sons ou das imagens.
Michel Gondry apresenta uma grande preocupação com as formas de fazer
os espectadores terem uma experiência musical visual e poderá agora deixar claro
como as técnicas de representação em imagem para o comportamento dos sons
das músicas são reunidas pelo diretor para a concepção de seus videoclipes.
Depois de explanar-se pelas possíveis relações que o audiovisual pode
construir entre os sons e a música, será possível compreender o comportamento
dos sons e da imagem no videoclipe com maior fluidez. Como muitos exemplos já
dados, os diretores escolhem alguns elementos sonoros para serem
representados, é bastante dinâmico, pois pode-se escolher ora um ora outros
elementos musicais, preocupar-se com alguns elementos ao mesmo tempo e, por
vezes, deixar de lado todos, mesmo que por poucos momentos. Michel Gondry
trabalha deste mesmo modo, mas a única coisa que não faz é deixar de lado os
elementos musicais, sobretudo nos videoclipes que seguem as análises,
escolhidos para melhor expor essa relação entre sons e imagem.
A análise por vezes é minuciosa, tanto quanto a concepção dos videoclipes.
Até aqui, as formas de representar os sons nos suportes técnicos do audiovisual
foram divididas por itens, elemento a elemento dos sons que estão presentes nas
músicas e como ganham suas naturezas também visíveis nos suportes visuais
recheando com exemplo para melhor compreendê-los. Esses exemplos
obedeceram aos itens que estavam sendo explicados. Agora procura-se entender
esses acontecimentos sonoros juntos, simultaneamente, mas vai-se obedecer a um
critério: os videoclipes que seguem de análises vão se tornando mais complexos
gradativamente. A complexidade diz respeito à quantidade de elementos sonoros
representados.
O primeiro videoclipe analisado é o feito para a música The Hardest Button
to Button, da banda White Stripes em 2003. Neste videoclipe o diretor preocupou-
se primordialmente com ritmo, elemento mais comum de se ver representado no
videoclipe. A música da banda também estimula bastante isso, composta apenas
de dois instrumentos, guitarra e bateria, e a ênfase no ritmo é significativa para a
condução da música e também como uma espécie de guia para a concepção do
tempo do videoclipe.
Este videoclipe consiste na criação do efeito de peças de bateria e
amplificadores de guitarra se multiplicando ao ritmo da música. Cada peça de
instrumento que aparece foi posicionada no ambiente e capturada pela câmera
para posteriormente ser editada utilizando a técnica stopmotion.
Viu-se que o ritmo é no audiovisual o elemento mais explorado devido a sua
relação com o movimento. Esclarece melhor Ney Carrasco (2003) colocando que
tempo e movimento são dois conceitos intimamente relacionados: a ideia de
movimento implica desenvolvimento temporal, e o ritmo é o marcador do
movimento e, portanto, é o que nos dá a sensação psicológica do tempo
(CARRASCO, 2003, p. 145). O ritmo musical está na preocupação do cinema
desde o início, sendo as mencionadas técnicas, de mickeymousing e do cinema de
montagem soviético, exemplos que sempre se recolocam.
No cinema a relação com o ritmo se dá em “acompanhar a ação filmada,
sublinhando ponto a ponto. O movimento musical é, em tais casos, um reflexo exato
do movimento visual” (CARRASCO, 2003, p. 138). No caso do videoclipe de Michel
Gondry, The Hardest Button to Button, é bastante perceptível que as imagens da
bateria que se repetem têm relação com a marcação rítmica da música e oferecem
a marcação do tempo do videoclipe. A relação com as técnicas cinematográficas já
mencionada, são intimas, mas os ritmos da música não acompanham as cenas
filmadas, como é o caso do cinema, mas sim as imagens buscam correspondência
com os acontecimentos rítmicos.
No videoclipe em questão, percebe-se que no início há a marcação de tempo
no bumbo, que o diretor obedece a sua quantidade, reproduzindo um fila de
bumbos de bateria e a baterista a executando. São dois itens sonoros fazendo o
mesmo ritmo, a guitarra reproduzindo um som grave e com distorção, parecendo
um som de contrabaixo, simultaneamente ao bumbo. Há dois itens sonoros e a
correspondência com dois itens visuais: o bumbo e a moça que o toca, que também
gesticula com a cabeça marcando o tempo do som.
Em seguida apresenta o guitarrista, Jack White, no momento em que se ouve
uma frase de guitarra. Toca essa frase a cada quatro sons do bumbo, e então
aparece ele sentado, sempre no primeiro bumbo que se dá na sequência de quatro
sons e da imagem de quatro bumbos. A frase musical da guitarra tem quatro toques,
mas o diretor representa apenas o tempo de duração dela em relação à marcação
do bumbo, colocando a imagem do guitarrista tocando guitarra e a imagem do
amplificador. Importante colocar que a música está no compasso quatro por quatro.
Os compassos são formas de dividir a música quantitativamente, organizando
grupos de sons dentro de um espaço-tempo determinado pela quantidade de
pulsos. Há várias formas e geralmente o ritmo do rock, está dividido em quatro por
quatro. Fica evidente se contarmos os sons dos bumbos (pulsos) que visualmente
estão sendo representados pela a imagem do bumbo da bateria. Percebe-se que
tudo acontece na métrica de quatro pulsos, portanto esta lógica organizacional da
música está evidenciada também na edição das imagens dos instrumentos
Figura 19- Frames iniciais do videoclipe Hardest to Button to Button
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K4dx42YzQCE
No timecode 00:25 os membros da banda descem as escadas seguindo o
mesmo princípio anterior. Agora, ouve-se mais um som grave marcando o pulso e
mais uma peça da bateria é acrescentada imagens do stopmotion. Um pouco antes
do canto o diretor brinca com a reprodução dessas imagens, apagando a sequência
de imagens da bateria que ficam para trás, em fila, e coloca a imagem da bateria
que representa o próximo som em um degrau atrás do sentido que seguia. Tais
movimentos de imagem não são alterados devido a algum acontecimento musical
novo, mas mantém o ritmo e as imagens sincronizados. O diretor explora as
possíveis formas de representar o ritmo, como se a imagem pudesse ser uma
coreografia que se move para outros lados, ou faz outros movimentos, mas que
está balizada pelo tempo de marcação rítmica da música. Isso será apresentado
de outros modos no clipe. Ainda, pouco antes do canto começar, no timecode
00:38, há uma sequência rápida de imagens da bateria, que sobem e descem a
escada, que não tem correspondência com os acontecimentos da música, embora
o diretor os faça no tempo de quatro pulsos que antecedem o canto.
Segue com a ideia: marca-se a música com os sons do bumbo e do surdo e
se explora visualmente esta repetição. As frases musicais do canto duram o tempo
da frase da guitarra, elas se sobrepõem e o guitarrista é mostrado com o mesmo
critério que estava sendo feito anteriormente, em cada quatro tempos, só que agora
também cantando ao microfone, já que esse elemento (voz) compõe a música.
Outras cenas são montadas para a mesma situação musical: o casal de
músicos aparece um ao lado do outro, o guitarrista aparece em cima de um muro
e a baterista embaixo e são feitas montagens em outras escadas. Todas estas
mudanças continuam tendo como critério as marcações musicais já feitas,
mostrando as possibilidades de se brincar com as mesmas imagens e a marcação
de tempo da música.
Nas imagens dentro do metrô (1:09) a intensidade da música aumenta
devido ao uso do prato da bateria que também começa aparecer no videoclipe.
Neste momento, o diretor divide as peças de bateria, como se fosse uma partitura
para o instrumento. Toca-se uma vez um bumbo e uma vez a caixa e, na sequência,
duas vezes o bumbo e uma na caixa, mantendo a condução no prato. Nesta mesma
quantidade e sequência apresentam-se as imagens das peças da bateria.
Figura 20- Partitura de bateria da segunda parte da música Hardest to Button to
Button
Fonte: do próprio autor
Figura 21- Frames do videoclipe Hardest to Button to Button que corresponde ao
ritmo de bateria da partitura da figura 20
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K4dx42YzQCE
A música apresenta uma parada rítmica de quatro sons (1:23) que a guitarra
e a bateria fazem juntos. Neste momento o critério do diretor é obedecer à
quantidade de tempo e usa várias imagens para isso: usa uma sequência de quatro
imagens da bateria completa, quatro amplificadores que preenchem a imagem ao
fundo do guitarrista, depois faz ao contrário, os amplificadores escondem-no e
também reproduz uma fila de baterias que se adiantam na direção da tela e faz o
inverso, recuando. Ao final dessa sequência quando as frases de guitarra são feitas
na mesma rítmica da bateria, descem as notas na escala musical, e o diretor opta
por fazer uma sequência de quatro desaparições, ao contrário de quando o
guitarrista tocava as notas mais baixas para a mais altas. Mantém-se a
representação do tempo, mas encontra uma forma de também representar as notas
que sobem fazendo aparecer imagens (instrumentos, caixas amplificadoras ou dos
músicos) e o faz retirando as imagens quando as notas descem na escala.
Corresponde-se à subida das alturas das notas a aparição e à descida a
desaparição, escolhendo mais um item para representar: as alturas. No caso,
apenas neste momento da música o diretor se preocupa com as alturas, mas
visualmente não a separa, faz junto com o ritmo, do mesmo modo que acontece na
música, pois as melodias são compostas por ritmo.
A música retorna ao início e exploram-se ainda mais as possibilidades
repetindo a imagem do bumbo e a baterista no tempo de marcação e em quatro em
quatro pulsos apresenta a imagem do guitarrista. Criou-se uma nova fila de bumbos
e de amplificadores com os dois músicos se cruzando nas portas do metrô. No
timecode 2:00, quando volta o canto, mantém-se o cantor em primeiro plano e a
marcação da bateria produz uma imagem em sequência de um único som, um
efeito de cascata para a marcação do pulso no bumbo, a imagem se assemelha a
imagens de luzes de equalizadores que mostram a dinâmica do som dos
instrumentos. A imagem tem perspectiva, vem do fundo do plano para frente e o
diretor parece querer representar o próprio comportamento da onda sonora, que
tem seu pico (momento mais forte do som) e volta ao repouso (mais fraco). Neste
momento mantém-se também o tempo das frases da guitarra que são
representadas no vídeo com a presença dos amplificadores.
Percebe-se neste efeito de cascata da imagem da bateria que há a
representação da dinâmica do som, o que vem ao encontro das ideias de Michel
Chion sobre ponto de escuta, já mencionadas neste trabalho. Outro aspecto que se
evidencia ao analisar esse videoclipe é a quantidade de recursos visuais que fazem
parte do mundo da música, como as luzes dos equalizadores, a divisão de
compassos da partitura e a partitura para bateria. Esses elementos denunciam a
relação íntima que diretor tem com a música e como se preocupa em fazer de seus
trabalhos eventos visuais sonoros usando de outros suportes que representam
efeitos do som como inspiração.
A música segue a mesma ideia, e o diretor a mantém ao apresentar os sons
da bateria mostrando as peças que correspondem a esses sons, mas continua
jogando com as possibilidades de representar que o vídeo possibilita: a baterista
aparece em lugares diferentes dos espaços filmados; faz uma imagem de várias
baterias girarem no tempo da música; ou nesta mesma imagem com movimento
circular, gira a baterista; faz a baterista aparecer em vários lugares diferentes e
assim segue variando as possibilidades de representar o ritmo.
No final da música a bateria continua e o som da guitarra fica ausente,
somente cantando o refrão. Neste momento para representar a repetição, o diretor
mantém os músicos em único espaço com a câmera girando. Segue representando
as sequências de sons da bateria dentro de um túnel, com essa imagem da bateria
ao fundo. A frase do refrão é cantada uma vez com a guitarra e outra não e, assim,
também são representados: uma vez só com o microfone e outra segurando a
guitarra. A voz do vocalista é alterada, tendo mais eco. Percebe-se mais um
elemento, que não é o ritmo, mas um efeito acústico, o eco, que na música foi
manipulado em estúdio e no videoclipe é representado com imagem do túnel. Aqui
temos um exemplo da construção de uma paisagem sonora para criar a sensação
de estar ouvindo o som naquele espaço.
Mesmo que o ritmo seja o principal elemento representado neste videoclipe,
outros elementos também são representados, como a característica do som, no
caso a intensidade, que é representada trabalhando a distância que acontece no
plano e também um pouco de efeito acústico no final.
Outro aspecto relevante é a grande gama de representação de ritmo que
tem. Mesmo o diretor trabalhando com a imagem dos dois músicos tocando seus
instrumentos, o faz ampliando a capacidade que o vídeo tem de usar a performance
dos músicos, que através do gesto já representam um tanto a música, e estrutura
o vídeo, com sua edição uma coreografia. Neste clipe é possível deixar evidente as
possibilidades de representação que se oferecem, pois mesmo com poucos
elementos visuais (os dois músicos e seus instrumentos) as possibilidades de editá-
las e organizá-las no espaço da tela são muito grandes.
Segue o quadro em que é possível ter um esquema de como dimensões
sonoras são expressadas pela música e quais elementos sonoro e musicais que se
escolhe para serem representados no videoclipe para música Hardest to Button to
Button e como ganharam suas correspondências em imagem.
Quadro-1 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no
videoclipe The Hardest to Button to Button
Dimensões do
som/elementos da
música representados
no videoclipe
Instrumentos que
executam
Representação dada no
videoclipe
Duração
Bateria e guitarra
Edição em stopmotion das peças
da bateria, do guitarrista e dos
amplificadores
Alturas
Guitarra
Aparição e desaparição do
amplificadores e perspectiva do
músico do quadro
Dinâmicas
Bateria
Imagem da bateria em cascata
Reverberação Voz do vocalista Imagem do vocalista cantando no
túnel
Indo mais adiante nestas possibilidades representativas nos videoclipes de
Michel Gondry, pode-se se entender como um passo a mais em direção à
complexidade, o videoclipe da cantora Mia Doi Todd para a música Open your heart
(2009). Nessa música a condução rítmica não é tão evidente quanto a música do
videoclipe anterior e portanto favorece a observação de outros aspectos, embora o
ritmo não deixe de ser representado. Quando refere-se ao ritmo, no caso, quer se
dizer da condução rítmica que normalmente se repete ao longo da música servindo
como base para todos outros instrumentos melódicos e harmônicos
complementarem. Neste videoclipe é representado o ritmo de alguns sons que
parecem percussão, sons específicos que marcam a rítmica e também de alguns
instrumentos, muitas vezes de corda, sobretudo o som de uma harpa feita em
sintetizador, o que deixa sua sonoridade mais eletrônica.
No que diz respeito ao som de alguns ritmos acessórios dessa música,
Gondry vai se preocupar com a representatividade do timbre, mas as notas e a
troca delas vão ser o principal fio condutor, portanto as frequências. Outra
curiosidade e também motivo da escolha desse clipe é que recapitula a discussão
da relação entre cores e notas musicais. No clipe, o diretor trabalha com uma
performance de cerca de 100 pessoas em cena que atuam de forma sincronizada
à música e organizadas em ordem de cor. Acontece em lugares públicos e as
pessoas estão vestidas com camisetas de várias cores, sendo a frente uma cor e
de atrás outra e essas cores servem para representar as notas. Outro aspecto
relevante é que esse clipe deixa evidente o quanto a representação da música
estabelece relação com outras artes: o clipe é uma performance e funcionaria,
embora seria um tanto diferente, representando os acontecimentos musicais ao
vivo, como um teatro, da mesma forma que também parece um flash mob. Esta
menção ao flash mob, traz à luz o fato do videoclipe ser um produto que sempre
flerta com outras artes e ter em sua história uma abertura à experimentação.
Importante deixar claro que é uma referência ao flash mob e não um evento desses
filmado, pois no videoclipe não há ninguém ocupando as ruas que não sejam as
pessoas contratadas para fazer a coreografia.
Os elementos importantes na concepção deste videoclipe são a cor como
representação de alturas (notas) e o timbre de alguns sons percutidos que são
representados com toques de outros objetos que não são os instrumentos, mas
que se assemelham ao material que reproduz esses sons. Tais questões, mais uma
vez, referem-se à paisagem sonora, pois os sons dos materiais vistos em cena
parecem ser os mesmo que se apresentam na canção.
No videoclipe, logo no início, veem-se quatro pessoas, duas vestidas de
camisetas de cor amarela e duas de cor azul, sendo uma azul com a tonalidade de
cor mais escura, quase roxa. Estas quatro pessoas percutem uma barra de metal,
um parapeito, no mesmo ritmo do som de claps (som de palmas eletrônicas) e soa
no mesmo ritmo, quatro sons do piano elétrico, sendo três notas, repetindo uma,
por isso quatro pessoas e três cores. O diretor buscou relação com as frequências.
Figura 22- Imagem do videoclipe Open Your Heart com sobreposição do
desenho do acorde na partitura que corresponde ao tempo da imagem e notas
coloridas conforme as cores de camisetas.
Fonte: do próprio autor
Como já mencionado, as cores não têm relação direta com as notas, mas
foram usadas como recursos correspondentes em outros videoclipes e em cinema.
No artigo de Eisenstein sobre seu filme Alexandre Nevsky (1938) o autor fala da
montagem e da sincronia entre música e imagem ele não se preocupa somente
com o ritmo, mas também menciona a cor. Ney Carrasco (2003, p. 144) afirma
que, em seu texto, Eisenstein busca entender um correspondente visual do
movimento melódico e o encontra na cor. Mais adiante o autor também releva outro
aspecto importante, colocando que no terceiro artigo da série o autor procura
explorar um equivalente sonoro do movimento visual também no movimento interno
do quadro.”(CARRASCO, 2003, p. 145). Tais preocupações de Eisenstein parecem
fazer parte do videoclipe em questão que será entendido seguindo-se a análise.
Ainda outra tentativa de representação no clipe é o timbre e esse é mais um fator
que se relaciona com as técnicas de montagem colocadas no trabalho. Também
em Alexandre Nevsky, no momento em que se vai dar um procedimento de
execuções, os soldados tocam estranhas trombetas. Segundo os estudos, o som
desses instrumentos foi forjado por Prokofiev a critério do diretor. Afirma-se que
Eisenstein pensou nesses sons a partir dos adereços filmados, o que chamou de
equivalente musical da imagem (CARRASCO, 2003, p. 145). Percebe-se portanto
a relação do som com as texturas que ganham formas no figurino, ou seja, temos
mais um elemento que contribui à compreensão da construção da paisagem
sonora.
No videoclipe Open your heart, para Mia Doi Todd, logo em sua primeira
sequência, percebemos as correspondências entre as notas com as cores, do
timbre com os materiais na cena, familiares em relação aos materiais que
supostamente produziriam os sons da música, e também se faz o movimento da
cena para representar o ritmo, mas desta vez não é feito com os cortes de edição
e sim com a própria performance das pessoas que os planos de câmera procuram
mostrar. Aqui há mais um encontro com a herança cinematográfica, no uso da
encenação para representar os acontecimentos sonoros, tão usados no teatro. O
diretor trabalha o movimento das cenas organizando os planos de câmera, mas os
acontecimentos musicais estão presentes na encenação.
Retomando o início do videoclipe: revelou-se a quantidade de pessoas, suas
cores de camiseta com as notas, sua atuação tocando a barra de ferro sincronizada
com o ritmo e o timbre da percussão da música. Logo depois, o plano de câmera
se move para mostrar uma pessoa espremendo laranjas. O tempo do gesto e o
movimento para baixo que a pessoa faz com o espremedor sincronizam-se com o
tempo dos sons que parecem de carrilhão, mas meio híbrido com sons de cordas,
difícil de precisar a fonte devido ao fato de ser produzido eletronicamente, mas
correspondem-se ao da imagem no gesto que não só sincroniza com a duração do
som, mas também ao movimento das notas, que vem de cima para baixo.
Segue mostrando os pés de pessoas subindo a escada no ritmo das notas
de um teclado elétrico, que sobe a escala musical. A câmera acompanha esse
movimento chegando a um outro espaço, superior, uma espécie de sacada de uma
casa onde se repetem os teclados do início da música, ritmo igual, mas agora em
outra tonalidade o que é apresentado com uma combinação diferente de cores de
camisetas.
Figura 23- Frames do videoclipe Open Your Heart
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA
O canto começa, e a cantora sai para a sacada no mesmo momento. Todos
os sons acessórios de percussão procuram ser representados ritmicamente. Os
sons de estacas ou palmas podem ser vistos na coreografia das pessoas que
batem na palma da mão uma das outras, três vezes de frente e uma de costas,
mostrando a diferente cor do lado de suas camisetas e mostrando o movimento
simultâneo que a música tem na cena. Segue para as pessoas percutindo o
aparelho de telefone público e de gestos de um grupo que acompanha a cantora
sempre sincronizando com os sons da música.
No timecode (00:49) começa-se evidenciar a relação das cores das
camisetas com as notas musicais. No mesmo momento em que se ouve um
dedilhado na escala musical, pessoas entram em cena com diversas cores de
camisetas. A escala sobe e um grupo de pessoas sincroniza seus movimentos
subindo as escadas para um muro, um nível acima. Essa passagem é feita com os
passos dessas pessoas no ritmo da música. Em seguida, há quatro trocas de
acordes neste instrumento que parecem simular um som de harpa, e as pessoas
executam quatro gestos descendo desse muro, sendo recepcionadas pelos que
estavam embaixo. A nota é a mesma, um acorde feito com sete notas. Percebe-se
que para representar isso organizou-se um grupo de sete pessoas. Seguindo: a
câmera para novamente para mostrar a coreografia das pessoas que batem palma
e trocam de lado com movimento de rotação. Além das palmas sincronizarem com
o som das palmas eletrônicas (claps) há um som de uma matraca de rosca que
corresponde ao gesto rotatório dos quadris no momento de trocar o lado da cor da
camiseta. No mesmo plano há pessoas que entram em cena pelas laterais e entram
atrás de um grande lenço e o fazem no andamento do dedilhado e as diferentes
cores causam a impressão de representarem as diferentes notas desse dedilhado.
Figura 24- Frame do videoclipe Open Your Heart. Acorde de sete notas e
fila com sete pessoas.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA
Atrás de um grande lenço, todos os acompanhamentos da música continuam
e os da imagem também, mas sonoramente reduzem a dinâmica, e, para evocar
essa percepção espacial que o volume provoca, há close na cantora enfatizando o
maior volume de sua voz e também como se buscássemos o som pela perspectiva
da câmera, como se os sons saíssem dos gestos da cena. O desfecho se dá com
as pessoas saindo de trás deste espaço no andamento do dedilhado, indo várias
pessoas para uma escada para enfatizar a subida e descida na escala musical que
o dedilhado segue fazendo, junto ao colorido das camisetas que representam essas
várias notas. O diretor também nunca deixa passar os sons das palmas que há na
música, sempre fazendo com que os personagens batam palmas também.
No timecode 1:49 há um plano em um corredor com a cantora caminhando
na direção da câmera, dando importância a ela e portanto à voz. Acompanha a
música uma troca de notas bem marcadas, do som que lembra harpa, e o grupo de
pessoas aparecem, giram e desaparecem no ritmo em que esse instrumento troca
de notas.
Figura 25- Frames “imagens no corredor” do videoclipe Open Your Heart.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA
A música não vai apresentar em seguida grandes mudanças, mas o diretor
continua explorando bastante os sons desses ritmos, entrando um novo som e
portanto um novo gesto para enfatizá-lo, que no caso é também o toque nos pés
que a coreografia ganha. O que vai ser bastante representado são as subidas e
descidas desse dedilhado de harpa que tem na música usando bastante a imagem
de escadas para representá-la. Mantêm-se todas mudanças rítmicas que já se
representou, mas sempre explorando novas formas visuais para o mesmo
fenômeno musical. Por ora abandona a coreografia do ritmo e explora bastante o
dedilhado criando filas de pessoas com as camisetas coloridas subindo as escadas
e segue com essas possibilidades de sincronizá-las até o momento final, quando
várias pessoas sobem as escadas no ritmo de um dedilhado ascende e depois
começam a girar, uma a uma, no ritmo de um som no teclado que também parece
girar. Todo o grupo faz esses giros criando um movimento cadenciado até o
término do clipe.
Figura 26- Frame da cena final do videoclipe Open Your Heart
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA
A partir desse videoclipe, podemos compreender mais algumas das relações
entre as dimensões do som e acontecimentos sonoros. Michel Gondry não se
preocupou apenas com o ritmo da percussão, mas também com o ritmo da
harmonia e de alguns momentos da melodia e também relaciona alguns materiais
dispostos nas cenas aos timbres usados para alguns sons. Usou das cores da
camiseta e dos movimentos de descida e subida nas escadas para nos evocar as
sensações de trocas de frequências (notas) e a subidas e descidas das escalas,
utilizando-se da técnica de mickeymounsing. Fez isso explorando os movimentos
dos corpos, e este clipe é um bom exemplo para demonstrar o como os movimentos
dos artistas, dançarinos ou das pessoas que são filmadas dançando, podem ser
usados e manipulados em cena ou junto com os movimentos de câmera como mais
um recurso de representação da música. Tais técnicas herdadas do teatro e da
dança, quando filmadas, ampliam suas possibilidades, pois têm também o
movimento da câmera o controle do plano, edição e outras possibilidades gráficas,
pois no videoclipe, sobretudo neste, há um controle sobre esta coreografia para a
gravação.
Para melhor esquematizar a dinâmica dessas representações no videoclipe
segue um quadro, assim como foi no videoclipe Hardest to Button to Button,
analisado anteriormente.
Quadro-2 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no
videoclipe Open Your Heart.
Dimensões do
som/elementos da
música representados
no videoclipe
Instrumentos que
executam
Representação dada no videoclipe
Duração
Ritmos dos arpejos
em sintetizador e
sons de percussão
Movimentos da coreografia com
cores diferentes nas camisetas,
movimentos na escadas e
coreografia com as cores das
camisetas.
Alturas
Sintetizador
(dedilhado e notas
dos arpejos)
Movimento de subida e descida de
escadas e cores de camisetas.
Dinâmicas
Voz da cantora em
relação ao conjunto
instrumental
Primeiro plano no rosto da cantora e
outros acontecimentos ao fundo.
Timbre Som metalizado da
percussão e agogô.
Barra de ferro e telefones público.
O diretor mostra muita competência no que diz respeito à utilização de
recursos visuais disponíveis ao vídeo para representação do som e o faz com
muitos recursos. No videoclipe Around The World (1997), que fez para a dupla de
música eletrônica Daft Punk, trabalha usando do mesmo princípio, mas conseguiu
ainda mais no que diz respeito à representação de eventos sonoros. Cada grupo
de pessoas fantasiadas representam um instrumento musical (timbre) e dançam no
ritmo de cada um deles, mas consegue adicionar ainda outros elementos, o que
Gondry não fez para o clipe da música Open Your Heart para Mia Doi Todd.
O videoclipe Around the World consiste na filmagem de uma coreografia, no
qual cada grupo de dançarinos fantasiados representa um instrumento musical. O
grupo dos fantasiados de bonecos gigantes que fazem a performance nas escadas
correspondem ao contrabaixo. Percebe-se que logo no início do clipe estão subindo
e descendo essa escada, do mesmo modo que faz a frase melódica do instrumento,
mas não é só isso. Entre todos os outros personagens, esses são os maiores e se
relacionam diretamente com a dimensão do som grave, pois a onda dos sons
graves, ao se propagar no ar, ocupa mais espaço.
O som dos teclados logo se faz presente, no início imitando a frase musical
do contrabaixo, e o diretor corre a câmera para o lado esquerdo do espaço do
cenário onde acontece a performance para demostrar que grupo corresponde a
esse instrumento. As banhistas representam os sons dos teclados e também
descem as escadas. Percebe-se que mesmo se isso fosse uma apresentação de
dança, que essas correspondências entre música e imagens seriam passadas, mas
no clipe os enquadramentos enfatizam a relação.
Quando na música se faz evidente o pulso ele é representado pelas garotas
fantasiadas de múmias. No timecode 00:24, a música cria um jogo de pergunta e
resposta. É assim o modo falado em música, quando um instrumento faz uma frase
musical e depois outro, pois é análogo a uma conversa. O contrabaixo faz uma
frase musical que é coreografada na escada pelos bonecos gigantes e logo corta-
se para mostrar a frase musical (resposta), que é feito pelos teclados pela a
coreografia das banhistas, que também o representam dançando na escada. A
subida e a descida da escala são representadas usando o ritmo e as alturas da
melodia, pois percebe-se que, quando as banhistas descem a escada, depois dão
dois passos para trás, que têm relação direta com a frase musical que sobe e desce
a escala musical que no caso não é feita apenas com a escada, mas se posiciona
a câmera de forma que tenha a perspectiva de aproximação. Quando a escala volta
a suas notas iniciais e depois se distancia com mais duas notas, há dois passos
para trás na coreografia das banhistas, elemento melhor percebido pela perspectiva
em que o diretor põe a câmera.
Para o som de guitarras selecionou-se a fantasia de caveiras, possivelmente
pelo fato desse som ser agudo e o esqueleto ser de dimensões menores em relação
aos outros instrumentos, seguindo a regra de correspondência do contrabaixo em
relação às dimensões de suas ondas. Logo em seguida entram as vozes
eletrônicas que cantam a frase Around the World (timecode 00:59) e pessoas
fantasiadas de robôs giram lentamente em torno do cenário. O ato dos personagens
robôs girarem não é musical e sim um modo de representar literalmente a frase que
é cantada. Mas um componente musical a mais é representado, que é o timbre: as
vozes na música têm som metalizados e correspondem aos robôs, ou seja, ao
material metálico. O diretor segue a mesma lógica que preocupou Eisenstein, pois
procura corresponder o timbre utilizando-se do figurino para causar a mesma
impressão visual que o som, que diz respeito a sua fonte, o material que o emite.
No videoclipe Around the World a roupa não é de metal, mas é de robô e prateada,
o que sugere o material. Além disso foi mais longe, usando de um recurso de
desenhos animados no qual os sons graves e agudos representam personagens
com proporções maiores, no caso do grave e menores (fino) no caso do agudo. A
diferença entre a animação e o videoclipe é que no videoclipe a música não
acompanha a imagem, pois nele a correspondência é maior, criando a impressão
de que a música pode sair dos materiais e dos gestos das cenas, no caso do gesto
e dos aspectos de cada corpo.
De outro modo, mas com o mesmo critério, faz o cinema. É comum perceber
que, quando se aumenta a quantidade de instrumentos de uma orquestra em uma
música para cinema, normalmente se abre o plano ou mostrou-se uma quantidade
de pessoas ainda maior a, mostrar o volume das formas que ocupam o quadro. Em
Sygkhronos; A formação da poética musical do cinema, de Ney Carrasco, ao
analisar uma cena de Alexandre Nevsky, chamada de adesão dos camponeses, lê-
se que: “há um coro grandioso, cuja letra conclama o povo à luta: ‘Avante Russia.
As armas, às armas’. Enquanto é cantado, vemos os camponeses, em grande
número, unindo-se para enfrentar o inimigo” (CARRASCO, 2003, p. 148).
Percebe-se que no cinema este recurso não é mais imagético, uma vez que
demostrado visualmente no plano e tornou-se um recurso frequentemente usado
no cinema e que é usado no videoclipe como forma de evocar a quantidade. No
caso, pode-se perceber com clareza no videoclipe em questão quando, depois da
música apresentar todos os instrumentos e desenvolver suas ideias em cada um
dos personagens, ganha uma unidade, todos fazem a mesma coreografia com um
plano aberto de câmera para que o espectador perceba as dimensões que a música
ganhou.
Muitas vezes, o cinema faz de outro modo: ao invés de abrir o plano
enquanto aumenta o volume e ou a quantidade de instrumentos, o cinema o fecha.
Tal recurso valoriza a sensação psicológica, pois nossos ouvidos são tomados de
volume instrumental, mas o plano fecha, o que pode evocar a entrada ou
aproximação à fonte musical na diegese ou nosso envolvimento com as emoções
dos personagens.
Voltando à análise do videoclipe, a música retorna, mas de outro jeito: a
frase do contrabaixo muda, fica mais junta à base rítmica e na coreografia se
percebe isso pelo fato dos bonecos que representam o contrabaixo fazerem a
mesma coreografia que as garotas fantasiadas de múmias. Na sequência,
retomam-se a pergunta e a resposta, só que agora entre a guitarra e o teclado e
portanto na coreografia o processo se dá com as fantasias que correspondem a
esses instrumentos: banhistas e esqueletos.
No timecode 2:47 todos os instrumentos param ficando apenas a marcação
das palmas e a frase na voz, cantando Around The World. Então, todos os
personagens começam a girar pelo cenário. Percebe-se que é um jogo, que estas
representações nos suportes do vídeo não são fixas. Tais representatividades de
um elemento sonoro podem ser temporariamente trocadas por outras, e ainda em
outra ocasião, a mesma figura pode ser exibida e não ter correspondência com o
fenômeno sonoro da música. Como exemplo, basta perceber que, a partir deste
momento no videoclipe, o diretor desiste de dividir a coreografia para cada
instrumento musical e mostra todos dançando juntos e, como é comum na dança,
respeitando os ritmos da música. O fim desse clipe ilustra o que acabou de se
afirmar: o diretor aproveita a continuidade da frase cantada, Around the world, e
põe todos os personagens a girar, ao mesmo tempo que obedecem a certas
rítmicas da música, modulando a representatividade visual dos elementos ou
trocando os elementos da música a ser representados, mas o faz com os mesmos
elementos visuais desde o início, como fez também nos outros clipes que foram
analisados.
Figura 27- Frame do videoclipe Around The World
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=s9MszVE7aR4
As análises dos videoclipes já mostraram bastante representação rítmica de
duas formas, uma explorando bastante a edição e outra explorando os movimentos
em cena. Também pode-se observar a questão do corpo em movimento no
videoclipe como um recurso dessa representatividade. Embora o ritmo seja o
elemento mais explorado no videoclipe, também acredita-se ter ficado claro que
não é apenas o ritmo do acompanhamento dos instrumentos de percussão que é
incorporado, mas também o ritmo presente na melodia e na harmonia, já que o
ritmo estrutura também estes elementos. A dinâmica também foi analisada e, assim
como colocado, diz respeito ao ponto de escuta, como se nossos ouvidos tivessem
como referência o ponto de visão, que é a câmera. O timbre, mais difícil de
demostrar, revela-se sempre nos materiais em cena sendo o principal elemento que
determina a paisagem do videoclipe. Segue o quadro para melhor demonstração:
Quandro-3 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no
videoclipe Around The World
Dimensões do
som/elementos da
música representados
na música do
videoclipe
Instrumentos que
executam
Representação dada no
vídeoclipe
Duração
De cada instrumento
(contrabaixo, teclados,
guitarras, bateria e voz)
Coreografia de cada grupo de
fantasiados à corresponder com o
ritmos que dançam.
Contorno Contrabaixo, teclados
e guitarras
Roupas para deixar os sons mais
graves representados por corpos
maiores e o uso de corpos mais
magros para representar os sons
mais agudos
Alturas
Contrabaixo e teclados
Movimento de descida e subida das
escadas e perspectiva dos
movimentos corpos no
enquadramento.
Timbre Cada instrumento,
mas sobretudo a voz.
Instrumentos divididos por grupo de
fantasiados e a a fantasia de robô
para representar o som metalizado
da voz.
A paisagem sonora foi pouco apresentada nos videoclipes analisados.
Apareceu sutilmente no efeito acústico do clipe The Hardest Button to Button, na
escolha pela cena do túnel para evocar a sonoridade de eco, nos sons da
percussão que determinam um equivalente material parecido com o que pode soar
o som no clipe Open Your Heart e no figurino de robô de Around the World para
equivaler à impressão tátil que o som evoca.
Há videoclipes de Gondry nos quais o timbre e os efeitos de som são
bastante explorados e que em suas concepções deixam evidente o uso da
construção de paisagem sonora. Dois clipes do diretor já foram citados: um para
música Crystalline (2011), para Bjork, no capítulo sobre paisagem sonora, e outro,
também para cantora, Hiperballad (1996), no item sobre timbre, no capítulo sobre
as correspondências entre som e imagem. Coincidir a mesma artista para o
mesmo elemento não é uma escolha, pois na música da cantora trabalha-se
bastante com os ruídos, e as alterações dos sons analógicos, entre diversos sons
eletrônicos que são incorporados, efeitos de microfone ou de pós- produção, ou
seja, diferentes texturas e de material sonoro.
Retomando o videoclipe para música Crystaline, mas agora podendo
aprofundando na análise. A música tem um acompanhamento rítmico em um
metalofone, instrumento de som metalizado e de ressonância de pouca
sustentação. O clipe começa em uma paisagem bastante escura, na verdade o
vídeo sugere o espaço, onde há um planeta que lembra bastante a imagem da lua
devido a crateras. Desenhos de cometas caem dentro delas e dentro dessas forma-
se uma imagem de um material que se assemelha a vidro, onde estes cometas
caem como chuva no ritmo do toque do metalofone. Há dois elementos que dizem
respeito à paisagem: um diz respeito a escuridão. A música é vazia de
acompanhamentos, ou seja, pouca coisa é ouvida e assim ganha seu
correspondente visual que é a ausência da imagem, portanto escuro. Tal recurso
da escuridão foram mencionados no trabalho em outros clipes para a banda
Portshead e Massive Attack. O outro elemento é o timbre seco e cristalino do som
do metalofone, quando o diretor dá às crateras uma aparência de vidro para
correspondê-lo.
O brilho das crateras com base de vidro, que ascendem quando os cometas
as atingem, e as luzes dos cometas, que saem da esfera onde está a imagem do
rosto da cantora, e que, quando começa a cantar, brilham no ritmo do metalofone,
correspondem à impressão do timbre e vão construindo a paisagem do clipe.
Percebem-se então dois elementos (timbre e ritmo) sendo constantemente
representados, o ritmo com duração e cortes e o timbre equivalendo ao brilho.
O clipe segue com cometas caindo no solo deste planeta e criam um efeito
visual sonoro como se ressoassem na superfície líquida. O chão mostra o efeito da
onda que ao cair soa agudo e termina grave. A correspondência é bastante
pertinente, pois ao cair o agudo faz brilhar o solo e ao ficar grave parece penetrar
nele. Importante lembrar sobre o contorno da onda sonora e que os sons mais
graves criam contornos maiores. Tais efeitos visuais correspondem às ondas
sonoras nos materiais, sendo o agudo mais chapado, e o grave, penetrando e se
espalhando na superfície, diz respeito ao comportamento da onda sonora desta
natureza.
Estas imagens de cristais são mantidas no clipe e crescem no cenário
quando a música ganha um ritmo bastante frenético, feito justamente com esses
timbres cristalinos no momento em que os meteoros tocam o solo. Quando o ritmo
se intensifica aparece a imagem desses cristais quebrando e preenchendo a tela.
Os sons parecem quebrados e é deste modo que o diretor apresenta a imagens
dos cristais, todos quebrados vibrando com se fossem partículas de vidro sob uma
caixa de som.
Figura 28- Frames do videoclipe Crystalline
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=MvaEmPQnbWk
Segue um quadro para o videoclipe Crystalline. Nele se pode obter um
melhor esquema de como se dá construção da paisagem sonora, tendo como
critérios timbre e as relações espaciais do som.
Quadro-4 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no
videoclipe Crystalline
Dimensões do
som/elementos da
música representados
no videoclipe
Execução dessas
dimensões na música
Representações dadas no
videoclipe
Duração
Metalofone e
sonoridades graves.
Movimento de luzes, formas
ondulatórias no solo e movimento
dos desenhos.
Contorno
Sons de caixas
eletrônicas e os graves
Tamanho das oscilações do solo e
das dimensões dos cometas.
Alturas
Sonoridades graves
Imagens da onda no solo (chão)
Timbre
Metalofone e
granulações nos sons
Luzes, vidro e cristais e ranhuras
na imagem.
Acústica (ambiente
sonoro)
Ausência de quantidade
de instrumentos sendo
executados
Ambiente escuro
Em Hypperballad (1996) as texturas do som também são recursos da
construção do cenário do clipe do diretor: a imagem do fantasma da cantora
correspondendo a efeitos de reverberação de sua voz; os chuviscos de luzes que
oscilam junto ao som da rítmica feita na vassourinha (baqueta com hastes de metal)
e as luzes para os pequenos sons eletrônicos são os recursos visuais escolhidos
para representar o timbre na música e podem já foram melhor analisados na página
54.
Nesses dois clipes, deixa-se evidente que o timbre e as dimensões da onda
são um dos principais elementos da construção do cenário do clipe, a paisagem
sonora. No clipe Army Of Me (1996), que o diretor também fez para a cantora,
percebe-se a construção de um cenário pesado. A palavra “pesado”, para referir-
se ao cenário do clipe, não está somente em seu sentido metafórico, pois os sons
da música são bastante graves e além disso todos são feitos eletronicamente ou
com instrumentos elétricos, ou seja, de metal. Esses sons são alterados para que
fiquem mais pesados (grave). A paisagem do clipe é construída com formas
grandes e metalizadas sendo a alegoria dessa sonoridade um caminhão gigante,
de metal, que a cantora dirige no videoclipe. Esse caminhão revela a construção
da música, que é feita com arranjo muito grandioso comparado à voz da cantora,
mais sutil, feminina e que tem um corpo pequeno sugerindo a fragilidade dela em
meio aos sons. Além disso o cenário tem tonalidades mais escuras (frequência de
luz, baixa).
Colocou-se luz sobre vários elementos musicais e suas correspondências
visuais até aqui e pode-se, portanto, aprofundar a observação da concepção de
outros videoclipes que trazem essa correspondência com imagem. Assegura-se ter
entendimento cada vez maior das sobreposições dos elementos musicais tanto
quanto a sobreposição e dinamismo das suas correspondências com as imagens.
Partiremos para uma análise ainda mais completa, em que mais elementos sonoros
podem ser vistos representados e assim concluir a análise.
O videoclipe para a música Star Guitar (2002), que Michel Gondry fez para
o grupo de música eletrônica Chemical Brothers, é o maior “expoente” dessa busca
pela visualização do som já produzido pelo diretor e pode-se se perceber a tentativa
de um único elemento visual corresponder a mais aspectos do som.
O videoclipe Star Guitar mostra uma sequência de imagens do que seria um
passeio de trem. É editado inteiramente a partir de imagens feitas de dentro de um
vagão de trem, muitas vezes mostrando em loop as fotos. Os postes, prédios e
construções aparecem na tela acompanhando exatamente o tempo da batida da
música. Para que o diretor conseguisse organizar a ideia rítmica da música e
sincronizar os sons com as imagens teve que mapear toda a música no papel
milimetrado antes de criar o vídeo, e construindo o cenário com diversos objetos,
laranjas, garfos, fitas, livros, óculos e tênis, como é possível ver no vídeo making of
star guitar6 (2003)
No videoclipe acompanhamos uma paisagem ferroviária, nos trilhos em
movimento na tela sob a perspectiva do interior do trem. À medida que o trem
caminha, acrescentam-se elementos na paisagem construindo quase como uma
espécie de partitura. Pode-se afirmar isso, pois se se colocar esse vídeo para um
músico pedindo para que ele reproduza os gestos dos objetos em movimento do
vídeo produzir-se-á, pelo menos ritmicamente, o mesmo que a música.
Os postes da linha de trem são os primeiros elementos visuais que
correspondem aos acontecimentos musicais. Evidencia-se o ritmo das palmas
eletrônicas e ouvem-se dois sons mais próximos e um isolado.
Figura 29-Partitura dos sons de claps da música Star Guitar.
Fonte: do próprio autor
Depois muda para três sons em sequência e a sequência das imagens dos
postes obedecem à música.
Figura 30- Frame dos postes que correspondem ao som de claps no videoclipe
Star Guitar
6 Video onde o diretor mostra o modo que concebeu o videoclipe Star Guitar. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=GF0-wGbRqEs. Acesso: 10 de fev 2015.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc
Outros sons logo começam a acompanhar e pode-se se sentir o andamento
da música junto ao movimento da imagem que acelera. Outro elemento importante
e que é determinante para a escolha dos objetos de cena, na verdade o cenário
todo, é o timbre. A música é produzida eletronicamente, sendo suas sonoridades
quase todas metalizadas e, portanto, seu universo visual não poderia ser outro
senão o de que uma estrutura de ferro, ou seja, metal.
Um som mais grave ao fundo da música, repetitivo, começa acompanhar os
sons da marcação de palmas e percebe-se a introdução de um cenário de prédios
ao fundo que oscilam em altura (frequência) de acordo com a música. Essa
oscilação não diz respeito apenas às frequências mais graves e agudas dessa
base, mas oscila também seu volume, ficando mais presente e sutil quando o
volume abaixa. Percebe-se a correspondência visual dessa dinâmica com a
oscilação da imagem, que se aproxima e se distância.
O recurso de aproximação e distanciamento de acordo com o volume do som
é bastante usado no clipe. Dando sequência, no timecode 00:45, um som, de
repetição melódica, com sonoridade de teclado aumenta sua presença deixando os
outros elementos mais baixos. O diretor introduz um muro, cuja presença cresce
de acordo com o som, quase como uma cortina, uma barragem para nossos olhos
de espectador que vê essa parede, mas também imagina qual é a paisagem que
continua por trás dela. Essa paisagem continua sendo a dos postes e dos prédios,
e os elementos musicais que eles estavam personalizando em imagem continuam,
mas em volume mais fraco. Esse mesmo som, de teclado, logo em seguida ganha
um andamento mais lento e pode-se perceber o seu pulso, fazendo parte dos
elementos rítmicos da música e então sua imagem também divide-se, com a parede
tendo um vão entre uma e outra, dando a percepção de sua rítmica.
Um novo elemento é acrescentado (timecode 00:53), que são sons bem
graves e que correspondem ao seu ritmo e à dimensão sonora uma sequência de
imagens de casas iguais. Em seguida o som de uma única palma, portanto um
único poste. A oscilação da imagem também continua de acordo com a oscilação
do som do teclado. Em seguida um som é acrescentado: um pouco mais agudo
que o grave representado pela imagem da casa, esse som aparece sempre como
se fosse uma resposta ao som grave, representado por um outro trem no sentido
inverso. Seu som é mais alto que o representado pela casa, portanto a imagem é
montada não só obedecendo o ritmo, mas também a sua dinâmica colocando a
casa mais atrás do que a imagem do trem.
Percebe-se que outro elemento importante na construção da paisagem
desse clipe também é o tamanho das formas (contorno) que estão de acordo com
as esferas de som: sendo graves elementos mais pesados e agudos mais leves e
finos, por exemplo os sons que simulam tambores na música no clipe ganham
imagem que ocupam mais espaço do que outros sons mais agudos. Comparando
a casa para o som mais agudo, portanto a mais robusta ao vagão, de proporções
mais finas até os postes que são um dos sons mais agudos.
Figura 31- Imagens de postes, casa e vagão do videoclipe Star Guitar
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc
Voltando ao clipe, no timecode 1:25, há na música uma alteração de tom e
os elementos rítmicos diminuem de dinâmica, então o diretor opta por representar
essa mudança de tom escurecendo a imagem no momento da troca da tonalidade.
Importante observar que ao mesmo tempo que os acordes mudam, ao fundo
da música continua a rítmica das palmas e as imagens que representam elas, que
são os postes, não somem, permanecem ao fundo nos postes de luz, basta
compararar a quantidade de luzes no poste e de palmas.
Figura 32 -Imagens do escuro (noite) e claro (dia) de Star Guitar
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc
Depois dessa leve modulação de tonalidade há uma sequência rítmica que
é representada por várias pilastras que obedecem ao ritmo para então ausentar os
instrumentos de percussão e ficar apenas a voz. A paisagem desacelera,
obedecendo ao andamento da música e há também vozes humanas que cantam
uma frase e neste momento, a imagem fica em câmera lenta e se podem ver
pessoas.
Figura 33- Imagem de “pessoas” no videoclipe Star Guitar
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc
O andamento vai voltando ao anterior e, aos poucos, um som bastante
metalizado é introduzido em períodos de quatro pulsos. No vídeo esse som
metalizado é a imagem de outro vagão que passa bem perto da tela, rapidamente,
correspondendo à dinâmica, ao ritmo e também ao timbre.
A música começa a voltar ao início, mas com algumas diferenças. O vídeo
também, e principalmente nele, pois o som, que antes era representado com o trem
no sentido contrário, soa de novo, mas agora correspondendo-o ao movimento de
câmera que se aproxima e se distancia, de acordo com a dinâmica e o tempo desse
som. O coral continua até o fim da música praticamente, mas não há mais nenhum
elemento visual que a ele corresponda, ficando apenas os graves do bumbo e o
som das palmas com os seus correspondentes visuais. Para os sons graves se
encontram outras imagens, outras casas, depois vagões de trem colocados na
quantidade exata que soam na música e segue assim até o fim.
Uma observação importante também é a forma musical que tem a música
eletrônica. Ela é linear não sendo dividida entre parte um, dois ou três, que às vezes
é repetida em alguma parte. A música eletrônica tem normalmente ideias rítmicas
que seguem ao longo da música, com outros sons sobrepondo ou acompanhando
essas ideias iniciais fazendo uma música que funciona por camadas de timbres,
ora um elemento sobrepondo o outro, entrando para o acompanhar, ora elementos
são retirados, e assim por diante. Esse clipe assim como a música funcionam do
mesmo modo: a música é linear, assim como os trilhos de trem e a paisagem no
clipe que vai ganhando elementos novos, desaparecendo outros e pode se ver
também as ideias rítmicas que se repetem visualmente.
Segue o Quadro em que se pode esquematizar os elementos que foram
representados no clipe e como ganharam formas no videoclipe.
Quadro 5. Correspondências entre as dimensões do som e imagem no
videoclipe Star Guitar
Dimensões do
som/elementos da
música no
videoclipe
Execução dessas
dimensões na música
Representação dada no
videoclipe
Duração
Sons eletrônicos (palmas
ou estacas, sons de
bumbos, caixas e outras)
Postes, casas, vagões de trem,
pilastras de concreto e muros
Contorno Sons graves dos bumbos
e agudos das estacas
Casas, vagões e postes
Dinâmica
Oscilação de volume dos
acordes e volume de outros
sons eletrônicos
percussivos de
sonoridades graves
Oscilação do som grave da tela,
perpctiva dos objetos, ex: som
grave do vagão (mais intenso)
mais próximo do que o grave da
marcação
Timbre
Estacas (palmas) sons
eletrônicos (interferências
elétricas) voz humana
A linha férrea e os vagões que
passa próximo (metal) e postes
para os sons de estacas e imagem
de pessoas
Andamento Velocidade da música Aceleração da imagem e câmera
lenta
Acordes
Acordes de Bb7+ (Si bemol
com sétima aumentada) e
F7+ (Fá com sétima
aumentada)
Escurecimento da imagem (noite)
e clareamento da imagem (dia)
No quadro para o videoclipe de Star Guitar é perceptível a maior quantidade
de elementos. Como mencionado, organizar-se-ia de acordo com sua
complexidade, complexidade que diz respeito justamente à quantidade elementos
representados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que ferramentas básicas foram estruturadas neste trabalho para
que se possa observar a relação do som e da imagem determinada pelo
comportamento da onda sonora e suas dimensões físicas. Revisitou-se a música
convidando a consciência à percepção sonora objetiva, o que teóricos da música
chamam de escuta reduzida, como mencionado no início, e também artistas e
pensadores da comunicação que refletiram sobre a construção poética do som e
da imagem no cinema em outros produtos audiovisuais, sobretudo no videoclipe,
que reuniu as formas sob uma ótica particular complexa.
No cinema e em outros formatos do audiovisual é difícil isolar a música, o
que em tese parece ajudar a compreensão. Mas sabe-se da complexidade da
música e também da gama de possibilidades de associar a música, som e imagem,
contudo, nesta busca de compreender como se dá a relação entre música e
imagem no audiovisual encontra-se, em um momento e outro, uma relação com
aspectos estruturais da música, que são os sons. Ao reunir reflexões e diversos
exemplos de concepções, percebe-se uma correspondência com os sons, que
pouco se procurou analisar a partir do seu aspecto mais elementar.
Ao se tratar de videoclipe tal relação entre som e imagem é evidenciada
devido ao formato ter a própria música como ponto inicial à sua concepção e,
possivelmente, por se tratar de música pop, buscar maior conexão com o corpo. A
colocação ganha força se pensarmos que o videoclipe é feito para o
entretenimento, que inclui a dança e se preocupa menos com sentidos mais
intelectuais, ou não somente com eles. A ideia é reforçada quando se percebe que
o formato busca experimentar outras montagens, reduzindo a importância da
narrativa.
Como colocado, tais questões partem de um conhecimento intuitivo, mas
não por isso menos importante ou simples. Trata-se de um fato que instiga pela sua
possibilidade de estabelecer conexões com teorias da música e visuais, que inclui
cinema, comunicações, estética, cognição, dança e cultura pop. Pode vir a somar
com outras análises das relações imagem e música e que não exatamente exclui
seus sentidos subjetivos. Como colocado no trabalho, não se reduziu a observação
ao tipo de concepção a fim de fechar a análise, mas sim de explorar as suas
possibilidades, na verdade, de trazer mais importância a ela. Entende-se do
mesmo modo a análise de escuta reduzida: é intuitiva, mas sua redução releva a
complexidade. Tal análise abriu novos campos em música e acredita-se no seu
potencial para o audiovisual.
Ocorre que o videoclipe, que explora bastante a questão do som, converge
em vários outros produtos- da televisão ao cinema- e do mesmo modo que ele foi
um desdobramento dessa busca, hoje suas formas vêm contaminando a linguagem
que se convencionou de chamar de multimídia. Os sons e suas correspondências
visuais vão ganhando diversas formas em videogames, CD ROM`S, aplicativos e
em diversas produções amadoras, possivelmente pelo seu aspecto intuitivo e pela
mimética, mesmo que vulgar do videoclipe feita para internet, com recursos de
edição e equipamentos que vão, cada vez mais tornando-se disponíveis às
pessoas.
Os shows e os espetáculos vêm ganhando uma aparelhagem visual intensa
tornando-se, cada vez mais, espetáculos audiovisuais. A maioria dos exemplos
citados, que se desenvolvem na contemporaneidade estabelece uma conexão com
o corpo, ocupando cada vez mais os sentidos.
Tais especulações justificariam a correspondência do som e da imagem tão
ligada ao gesto e ao físico. Diante dessas afirmações temos ainda como exemplo
as casas noturnas, especializadas em música eletrônica que vêm explorando cada
vez mais inserção de imagens em telão, com pessoas especializadas, chamadas
de VJs, que preparam vídeos ou dispõem de software que pode manipular a
imagem simultaneamente à música.
Os caminhos dessa perspectiva do relacionamento entre o som e a imagem
parecem ser amplos e os objetos promissores. Portanto espera-se ter servido até
aqui, como uma forma de abrir os ouvidos e os olhos a mais um aspecto dessa
relação tão fértil do som e a imagem.
REFERÊNCIAS
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GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS
Acorde- Conjunto de três ou mais notas executadas simultaneamente.
Andamento- Andamento é a velocidade que a música é tocada. Refere-se a ideia
de tempo em música. Tempo em música é determinado pela pulsação subjacente
de uma música. Os tempos se agrupam em valores iguais e fixam-se dentro de
divisões das pautas musicais conhecidas como compassos.
Altura- Característica dos sons que diz respeito às suas frequências. São
classificados em sons agudos e sons graves. Os sons graves, também chamados
baixos, são sons com maior comprimento de onda (menor frequência) e os sons
agudos, ou altos, tem um menor comprimento de onda (maior frequência).
Canto Gregoriano- Gênero de música vocal feita por uma única melodia, não
acompanhada, ou acompanhada apenas pela repetição da voz principal. Gregório
Magno adaptou a música Grega para serem utilizados nas celebrações religiosas
da Igreja Católica no século XI.
Compassos- Compasso é uma forma de dividir quantitativamente o tempo de
duração de grupos de sons de uma composição musical com base em pulsação.
Está organizado na anotação da partitura por barras verticais no pentagrama
Contorno -O termo não é muito usado como um parâmetro do som, mas quando
usado refere-se ao desenho de uma melodia e ou o espaço que as frequências do
som ocupam.
Escala- Um grupo de notas musicais que formam a base necessária para a
formação de acordes e tonalidades de uma música.
Frase musical- Diz respeito ao período de duração de uma melodia.
Frequentemente as frases têm quatro ou oito compassos de duração
Hertz- Unidade de medida derivada de frequência usadas para ondas como luz,
rádio ou sonoras.
Intensidade- Diz respeito a força que o som é emitido. O mesmo que volume
Legato- Termo musical que designa em ligar as notas sucessivas, de modo que
não haja nenhum silêncio entre elas.
Melodia- Sucessão de sons (notas) que obedecem a um sentido lógico musical.
Metalofone- Instrumento de metal que consistem em várias lâminas de metal
dispostas da mesma forma que um piano tocado de forma percussiva com auxílio
de baquetas.
Monofonia- Música com uma única melodia.
Notas- São sons que tem um modo único de vibração do ar (frequência). Cada nota
musical corresponde a uma frequência.
Música visual- Nome dado ao experimento Oskar Fischinger que consiste em
converter a música ou o som diretamente em formas visuais, tais como
cinema,vídeo ou gráficos de computador.
Ópera- Gênero artístico teatral que consiste em um drama encenado acompanhada
de música. Combina-se música instrumental e canto, com diálogo falado.
Partitura- Representação de escrita de música padronizada mundialmente.
Pizzicato- Modo de se tocar instrumentos de cordas, pinçando-os com os dedos.
Playback- Utilização de sonorização ao fundo gravada previamente. Pode ser
diálogos, música, acompanhamentos musicais e sons ambientais. Costuma ser
usado em programa de televisão ou shows onde comumente os artistas simulam
estar executando ao vivo a música. Em estúdios de gravação de música usa-se
bastante como guia para gravação de uma outra parte da música.
Poema sinfônico- Obra de caráter musical baseada em um poema ou texto
literário executado por uma orquestra.
Polifonia- Diz respeito a uma música que é composta por duas ou várias vozes
melódicas que acontecem simultaneamente.
Sampler- Equipamento que armazena sons, ou trechos de músicas em uma
memória digital e os reproduz posteriormente, um a um ou de forma conjunta. O
termo significa amostra em inglês.
Reverberação- é um efeito físico gerado pelo som, reverberação é provocada pela
distância entre a fonte sonora e o receptor, comumente chamada de eco. Acontece
devido ao som refletir nas paredes tornando sua audição mais duradoura. A
reverberação natural acontece devido ao fenômeno físico, mas o efeito foi bastante
explorado em amplificadores analógicos e na reprodução de sons em formas
digitais.
Riff-. Progressão de acordes ou notas que se repetem em uma música servindo de
acompanhamento.
Ritmo- É a organização da duração dos sons no tempo.
Teremim- instrumento completamente eletrônico controlado por duas antenas de
metal, que percebem a posição das mãos. Em uma das antenas se controla as
oscilações de frequência, e com outra, o volume.
Timbre- é características da onda sonora. Diz respeito à combinação de vibrações
determinadas pela espécie do agente (objeto sonoro) que as produz. É o que
possibilita distinguir o som da voz de alguém o de um instrumento, mesmo que
esses estejam sendo executados na mesma duração, intensidade e altura.
Voz/ Voz melódica- Refere-se a qualquer timbre que componha a música. Voz
melódica refere a frase musical feita em qualquer instrumento com capacidade
melódica.
ANEXO
ANEXO A- VIDEOCLIPE HARDEST TO BUTTON TO BUTTO PARA O GRUPO
WHITE STRIPES
ANEXO B- VIDEOCLIPE OPENYOURHEART PARA A CANTORA MIA DOI TODD
ANEXO C-VIDEOCLIPE AROUND THE WORLD PARA O GRUPO DAFT PUNK
ANEXO D- VIDEOCLIPE CRYSTALLINE PARA A CANTORA BJORK
ANEXO E-VIDEOCLIPE STAR GUITAR PARA O GRUPO CHEMICAL BROTHERS
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