XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1
UM MAPA DE UNIDADES DE RESPOSTA HIDROLÓGIA PARA A
AMÉRICA DO SUL
Fernando Mainardi Fan 1*; Diogo Costa Buarque
1; Paulo Rógenes Monteiro Pontes
1 & Walter
Collischonn1
Resumo – A representação da variação espacial de características físicas das bacias hidrográficas é
um dos grandes desafios da aplicação de modelos hidrológicos distribuídos. Neste sentido, uma
técnica muito empregada é a definição de Unidades de Resposta Hidrológica (URHs), que são
regiões hidrologicamente homogêneas dentro da bacia. Um mapa de URHs é, geralmente, definido
a partir da combinação de mapas de tipo e de uso do solo, podendo ainda incluir outras informações
como geologia e topografia. Este trabalho apresenta a derivação de um mapa de URHs para toda a
América do Sul, a partir de informações de uso e tipo de solo em diferentes escalas, permitindo a
sua aplicação direta em modelagem hidrológica de grandes bacias hidrográficas. Além de ser um
produto específico para atender necessidades hidrológicas em modelos, ele reduz o tempo de
preparação dos dados de entrada. O mapa final tem sido utilizado em diversas aplicações com o
modelo MGB-IPH. Neste trabalho ele é testado na simulação da bacia hidrográfica do rio Paraná.
Os resultados da simulação nesta bacia com uso do mapa foram satisfatórios, e pretende-se usar o
mapa em diversas aplicações futuras.
Palavras-Chave – Unidades de Resposta Hidrológica, URHs, Modelagem Hidrológica.
AN HYDROLOGICAL RESPONSE UNITS MAP FOR ALLSOUTH
AMERICA
Abstract – The representation of physical characteristics differences in watersheds is one of the
major challenges on distributed hydrological models application. In this sense, a commonly used
technique is the definition of Hydrologic Response Units (HRUs), which are hydrologically
homogeneous regions within the basin. This paper presents the derivation of a HRUs map to all of
South America. An HRU map is, generally, defined from the combination of soil type and soil use
maps, and may also include other variables such as geology and topography. Besides being a
particular product to meet hydrological models needs, it reduces input data preparation time. The
final map has been used in various applications with the MGB-IPH model. In this work it is tested
in the simulation of the Paraná River basin. Simulation results with the map were satisfactory, and
we intend to use the map in many future applications.
Keywords – Hydrological Response Units, HRUs, Hydrological Modeling .
INTRODUÇÃO
A representação do tipo e do uso do solo em bacias hidrográficas é uma questão fundamental
na modelagem hidrológica distribuída (Kumar et al., 2012). Para lidar com este problema várias
técnicas têm sido propostas durante os últimos anos, a maioria delas visando reduzir a
complexidade da modelagem em termos de números de parâmetros a serem calibrados.
1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
* Autor Correspondente. E-mail: [email protected]
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Dentre as técnicas mais utilizadas encontra-se a baseada em “unidades de resposta hidrológica
(URHs)”, nas quais a complexidade da bacia é reduzida através do agrupamento de áreas em
regiões homogêneas. Este agrupamento é feito com base em características físicas como elevação
do terreno, declividade, tipo de solo (e.g. latossolos e cambissolos), cobertura do solo (e.g. floresta e
campo), geologia, entre outros (Flügel, 1995; Fan e Collischonn, 2014). Assim, o uso de URHs
permite representar a variabilidade dos processos hidrológicos em unidades irregulares e
independentes da região geográfica. Esta técnica reduz substancialmente o número de parâmetros
do modelo a serem calibrados, uma vez que um conjunto de parâmetros precisa ser estimado para
algumas poucas URHs, ao invés de ser estimado para cada célula ou minibacia que compõe o
modelo. A aplicação deste tipo de técnica pode ser encontrada em muitos estudos (por exemplo:
Beldring et al., 2003; Das et al., 2008; Kumar et al., 2010) e tem sido aplicada em modelos como
SWAT (Arnold et al., 1998) e MGB-IPH (Fan e Collischonn, 2014).
Um exemplo de modelo muito utilizado para a simulação hidrológica no contexto brasileiro e
onde o tipo de solo e cobertura do solo é representado por uma ou mais "classes" utilizando a
abordagem URHs é o modelo MGB-IPH (Fan e Collischonn, 2014). Nas aplicações do MGB-IPH
as URHs geralmente são definidas para cada minibacia que compõem a área simulada através da
combinação de mapas de tipo e uso do solo (Fan e Collischonn, 2014). O balanço hidrológico
durante a simulação é calculado para cada URH em cada minibacia, de onde as vazões estimadas
são posteriormente somadas e propagadas até a rede de drenagem.
Neste contexto, este trabalho apresenta o desenvolvimento de um mapa de URH simplificado
para toda a América do Sul (AS). A criação deste mapa visa simplificar a aplicação de modelos
hidrológicos em bacias localizadas na AS, servir como base para o desenvolvimento de outros
mapas mais detalhados e ser o mapa de URHs para aplicação no modelo hidrológico MGB-IPH na
AS. Neste trabalho também são apresentados resultados da utilização do mapa desenvolvido para
simulações hidrológicas da bacia do rio Paraná.
DERIVAÇÃO DO MAPA DE URHS DA AMÉRICA DO SUL
Para a derivação do mapa simplificado de URHs da AS definiu-se que seriam usadas duas
informações básicas: o tipo de solo e o uso do solo (ou vegetação).
O principal mapa de tipos de solos utilizado foi obtido a partir da base de dados
disponibilizada pelo portal de dados espaciais do Ministério do Meio Ambiente do Brasil
(http://mapas.mma.gov.br/geonetwork), na escala 1:1.000.000. Como este mapa abrange somente o
território brasileiro e, ainda assim, contém algumas falhas de mapeamento , nas áreas externas ao
Brasil e nas áreas com ausência de informação optou-se por utilizar a base de dados de solos
oriundas de levantamentos em escala global e continental, disponibilizada pela FAO (Food and
Agriculture Organization of the United Nations) (FAO, 2003), na escala 1:5.000.000. A Figura 1a e
Figura 1b mostram os referidos mapas de solo.
Buscando um maior detalhamento, também foram utilizados mapas regionais de tipos de solo
de três Estados, os quais estão apresentados da Figura 2a a Figura 2c: Minas Gerais (disponibilizado
no portal IDE-Geominas da Universidade Federal de Viçosa - UFV na escala 1:500.000); Paraná
(disponibilizado no portal do Instituto de Terras Cartografia e Geociências - ITCG do governo
Paranaense na escala 1:500.000); e Goiás (disponibilizado no portal SIEG, do governo do estado de
Goiás, na escala 1:500.000).
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Todos os mapas utilizados foram unificados seguindo o preceito de que àqueles com melhor
resolução tem preferência para a composição do mapa final, devido ao seu maior detalhamento.
Figura 1: Mapas de solos: a) RADAMBrasil; b) FAO (FAO, 2003).
Com base nas suas características (Lepsch, 2002), as classes de tipos de solo do mapa
unificado foram agrupadas em termos do potencial de geração de escoamento superficial,
definindo-se, então, cinco classes subjetivas: 1) baixo potencial, ou solos profundos; 2) alto
potencial, ou solos rasos; 3) solos saturados e de várzea, com elevado teor de umidade e saturação;
4) áreas semi-impermeáveis, como afloramentos de rochas; e 5) água.
A primeira classe, de solos com baixo e médio potencial de geração de escoamento e alto
potencial de armazenamento de água, foi composta das classes "latossolos", “nitossolos”, “areias
quartzarenicas”, “chernossolos”, “plintossolos”, “vertissolos”, “organossolos” e "argissolos". A
segunda classe, de solos com mais capacidade de geração de escoamentos e menos capacidade de
armazenamento de água, agrupou as classes “neossolos”, “litossolos”, “luvissolos” e “cambissolos”.
Na terceira classe, composta por solos de várzea e de elevada saturação, foram colocados os solos
do tipo “gleissolo”, “fluvissolo”, “planossolo” e “espodossolos”. A classe de áreas semi-
impermeáveis agrupa os afloramentos rochosos.
O resultado final da combinação dos mapas de solos reclassificados de acordo com o
potencial de geração de escoamento superficial está apresentado na Figura 2d e foi utilizado para a
geração das classes de URHs, conforme apresentado posteriormente.
O mapa de cobertura do solo foi obtido da Agência Espacial Europeia (ESA). O mapa é
global e possui resolução espacial de 300m de tamanho de quadrícula. Este mapa foi elaborado a
partir do projeto GlobCover da ESA em parceria com a Université catholique de Louvain (Arino et
al., 2012) e contém informação de uso do solo baseada em imagens do sensor MERIS FRS
(Medium Resolution Imaging Spectrometer Instrument) do satélite ENVISAT (ESA Environmental
Satellite) levantadas ao longo do ano de 2009. O mapa é disponibilizado para download pela ESA,
junto com a sua documentação técnica e com o relatório de validação dos seus dados (Arino et al.,
2012). A Figura 3a apresenta o mapa original do GlobCover para a América do Sul.
a) b)
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Figura 2: Mapa de solos: a) Estado de Minas Gerais; b) Estado do Paraná; c) Estado de Goiás; e d) da América do Sul
reclassificado.
Para a definição das URH, o mapa de uso do solo também foi simplificado tendo suas classes
agrupadas por semelhança hidrológica para a utilização no modelo hidrológico e realização das
análises de influência da alteração do uso do solo na bacia.
Para a reclassificação, considerou-se que a classe "Agricultura" compreende a agricultura
intensiva e demais coberturas com características semelhantes, incluindo pastagens. Áreas artificiais
(e.g. áreas urbanas) são locais com capacidade elevada para geração de escoamento superficial,
portanto foram classificadas como “Áreas Semi-Impermeáveis” As formações arbustivas, estepes e
todos os tipos de cerrado e campo, bem como as suas subclasses, foram agrupadas em uma classe
definida como "Campos". Todas as classes de florestas (com exceção das inundáveis) foram
agrupadas na classe "Floresta". Florestas hidrófilas, manguezais, igapós e várzeas passaram a
constituir a classe "Florestas inundáveis ou Várzeas". A Figura3b apresenta o mapa de vegetação e
uso do solo simplificado para a América do Sul com base nestas considerações.
a) b)
c) d)
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Figura 3: Mapas: a) cobertura vegetal do GlobCover (Arino et al., 2012); b) cobertura do GlobCover (Arino et al., 2012)
simplificado;
Figura 4: URHs para a América do Sul, resultante da combinação dos mapas de tipos e usos do solo simplificados.
Este mapa de vegetação e cobertura do solo foi combinado com o mapa de tipos de solo
simplificado para a geração do mapa de URH da bacia hidrográfica, como apresentado no item a
seguir. .
Os dois mapas reclassificados de cobertura e tipo do solo apresentados foram sobrepostos
para a criação de classes de Unidades de Resposta Hidrológica. Entretanto, algumas das
a) b)
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combinações geradas simplesmente não são diferenciáveis (ex: classe "água" em solo profundo ou
raso, ou "água" com qualquer tipo de classe de cobertura vegetal, deve compor uma única classe
"água", pois não há importância hidrológica na distinção entre os solos, nem entre os tipos de
cobertura vegetal, das regiões cobertas por água), ou não ocorrem, seja por acaso ou porque certos
tipos de vegetação ou uso da terra são incompatíveis com certos tipos de solos.
Sendo assim, o resultado da sobreposição foi ainda reavaliado para obter o mapa final de
Unidade de Resposta Hidrológica (URH) apresentado na Figura 4 para toda a América do Sul, o
qual ficou composto de nove classes: 1) Agricultura em solo profundo; 2) Agricultura em solo raso;
3) Campo em solo profundo; 4) Campo em solo raso; 5) Floresta em solo profundo; 6) Floresta em
solo raso; 7) Várzea e florestas inundáveis; 8) Água; e 9) Áreas semi-impermeáveis.
ESTUDO DE CASO DE APLICAÇÃO DO MAPA URHs
O mapa gerado foi avaliado com a sua aplicação em um estudo de caso na bacia do rio
Paraná, no qual o mapa foi utilizado para a calibração do modelo MGB-IPH na bacia do Rio
Paraná, delimitada até após a confluência com o Rio Iguaçu.
Com o mapa de URH obtido para toda a América do Sul, suas informações foram extraídas
para os limites da bacia hidrográfica de interesse e, então, definido o mapa de Unidades de Resposta
Hidrológica utilizado nas simulações. O mapa da Figura 5 apresenta o resultado obtido. Neste mapa
é possível observar que grande parte da bacia hidrográfica é coberta por áreas de agricultura em
solo profundo e em solo raso. Já as florestas em solo raso e profundo aparecem somente na região
sudeste da bacia (cabeceira do rio Iguaçu). Campos em diferentes tipos de solo ocorrem de maneira
esparsa na bacia. Áreas de várzea e florestas inundáveis somente são verificadas em regiões
próximas aos rios. Manchas de áreas semi-impermeáveis, representadas majoritariamente por
cidades, também são encontradas de forma distribuída em diferentes pontos na bacia.
Figura 5: Mapa de URHs extraído para a bacia do rio Paraná.
Resultados da simulação hidrológica usando o modelo MGB-IPH para o período de 1982 a
1985 são apresentados na Figura 6. A Tabela 1 apresenta resultados de medidas de desempenho
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Eficiência de Nash Sucliff (ENS) das vazões, Eficiência de Nash Sucliff do logaritmo das vazões
(ENS_log), e erro do volume (ΔV) para o período de simulação de 1975 a 1995.
Figura 6: Hidrogramas resultantes das simulações em diferentes locais na bacia do rio Paraná. Linhas azuis são
observações e linhas vermelhas simulações.
Tabela 1: Medidas de desempenho das simulações.
Local Área (km²) ENS ENS_log ΔV (%)
Barra Bonita 33.052 0,76 0,75 -6,5
Furnas 52.100 0,84 0,87 -2,5
Itaipu 827.155 0,85 0,84 -4,6
Jupiá 479.156 0,87 0,88 -2,7
Porto Primavera 574.695 0,88 0,87 -1,5
Rosana 101.427 0,69 0,63 -12.6
De uma forma geral observa-se que as simulações resultaram em boas representações dos
hidrogramas observados, tanto nas cheias quanto nas recessões. Em termos de estatísticas os
coeficientes ENS e ENS_log mantiveram-se em valores geralmente maiores do que 0,7 e os erros de
volume foram gerais menores do que 10%. Com exceção de Rosana, onde se mantiveram na ordem
de respectivamente 0,6 e -12%. Estes resultados podem ser considerados satisfatórios para a
aplicação do modelo.
CONCLUSÕES
Este trabalho apresentou a derivação de um mapa de URHs para toda a AS, e a sua aplicação
em um estudo de caso de simulação hidrológica da bacia do Rio Paraná usando o modelo MGB-
IPH. Os resultados encontrados sugerem que o mapa é um instrumento adequado para a preparação
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do modelo hidrológico. Foram encontrados bons resultados para diversos locais dentro da bacia
simulada.
O mapa de URH apesentado neste trabalho permitirá simplificar a aplicação de modelos
hidrológicos em bacias de toda a AS, servir como base para outros mapas mais detalhados, e será
utilizado no modelo hidrológico MGB-IPH de toda a AS a ser desenvolvido em trabalhos futuros.
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