UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CURSO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
JULIANA FERNANDES DA CRUZ BEZERRA
UM ESTUDO SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS CATADORES – CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR, NATAL/RN
NATAL/RN 2013
JULIANA FERNANDES DA CRUZ BEZERRA
UM ESTUDO SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS CATADORES – CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR, NATAL/RN
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Superior de bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Gestão de Pólíticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Fábio Fonseca Figueiredo.
NATAL/RN 2013
JULIANA FERNANDES DA CRUZ BEZERRA
UM ESTUDO SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS CATADORES – CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR, NATAL/RN
Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Curso Superior de bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Gestão de Políticas Públicas.
MONOGRAFIA APROVADA EM ___/___/2013.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ Prof. Dr. Fábio Fonseca Figueiredo - Orientador
UFRN/CCHLA/DPP
_________________________________________ Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz - Examinador Interno
UFRN/CCHLA/DPP
_________________________________________ Prof. Dr. André Camanguira Nguiraze - Examinador Externo
CAPES/PNPD/PPEUR
Dedico este trabalho a Deus, aos meus amados pais, Edileusa
Maria da Cruz Bezerra e João Fernandes Bezerra, e ao meu
namorado, Thales Hiêgo de Oliveira Nobre. Essa é apenas
uma das muitas vitórias que iremos conquistar juntos.
RESUMO
A reciclagem apresenta-se como uma atividade com notória expressão comercial e
é, principalmente, a partir da catação de materiais recicláveis, que há o incremento e
abastecimento do sistema produtivo da indústria recicladora. Diante disso, esse
trabalho busca realizar um estudo sobre a precarização do trabalho dos catadores-
carroceiros do bairro do Bom Pastor, Natal/RN, sujeitos que estão inseridos na
cadeia produtiva da reciclagem, que, em sua maioria, vivem e trabalham em
situações precárias e comercializam o material coletado objetivando obter uma fonte
de renda para garantir a sobrevivência. Utilizou-se uma metodologia baseada na
pesquisa bibliográfica e documental, aportada por dados estatísticos fruto de fontes
primária e secundária, bem como a pesquisa de campo. Percebeu-se, no decorrer
do estudo, que o trabalho desenvolvido pelos catadores de materiais recicláveis,
especialmente os carroceiros, ainda é bastante estigmatizado, é social e
economicamente excludente e desenvolve-se em contraponto com o conceito de
trabalho decente.
Palavras chaves: Catadores-carroceiros; trabalho precarizado; trabalho decente;
Indústria de reciclagem; Natal/RN.
ABSTRACT
Recycling presents itself as an activity with proven commercial speech and is mainly
from the Collecting garbage, there is the increase of the production system and
supply the recycling industry. Therefore, this study aims to conduct a study on the
precarious work of scavengers-carters the neighborhood of the Bom Pastor, Natal /
RN, subjects who are included in the recycling production chain, who mostly live and
work in precarious situations and market the material collected aiming to obtain a
source of income to ensure survival. We used a methodology based on the literature
and documents, aided by statistical result of primary and secondary sources, as well
as field research. It was noticed during the study, that the work done by waste
pickers, especially the carters, is still very stigmatized, socially and economically is
exclusive and developed in counterpoint to the concept of decent work.
Keywords: Collectors-carters, unstable jobs, decent work; recycling Industry;
Natal/RN.
LISTA DE SIGLAS
SIGLA DEFINIÇÃO
ACP Ação Civil Pública
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CEMPRE Compromisso Empresarial para Reciclagem
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CIISC Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores de Materiais Recicláveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA Instituto de Pesquisa Aplicada
MNCR Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
OIT Organização Internacional do Trabalho
PNRS Política Nacional de Resíduos sólidos
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
URBANA Companhia de Limpeza Pública e Serviços Urbanos de Natal
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 Atividades relacionadas à coleta de material reciclável e reaproveitável, segundo a CBO.
18
GRÁFICO 1 Grau de escolaridade dos carroceiros do bairro do Bom Pastor
27
GRÁFICO 2 Participação em programas sociais 28
GRÁFICO 3 Condições de moradia 29
GRÁFICO 4 Formas de saneamento básico 29
GRÁFICO 5 Destino do lixo 30
GRÁFICO 6 Há quantos anos trabalha nessa atividade? 32
GRÁFICO 7 Quais os bairros onde desempenha a atividade? 32
GRÁFICO 8 Pertence à associação dos carroceiros de natal?
36
GRÁFICO 9 Quantos animais possui? 37
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Catadores da COOPICICLA 21
FIGURA 2 Catadores da COOCAMAR 22
FIGURA 3 Carroceiro em um ponto de lixo do bairro de Nova Natal, Zona Norte de Natal – RN
23
FIGURA 4 Carroça de tração animal em meio ao trânsito de veículos
24
FIGURA 5 Região Oeste de Natal e Localização do bairro Bom Pastor
26
FIGURA 6 Ponto de lixo no Início da Avenida Amintas Barros, no bairro do Bom Pastor
34
FIGURA 7 Carroceiros despejando lixo em frente à Subestação da CHESF
34
FIGURA 8 Carroceiro manejando lixo em frente à Subestação da CHESF
35
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
1.1 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ................................................................. 12
2 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 13
2.1 REFERENCIAL TEÓRICO E ANÁLISE DOCUMENTAL .................................... 13
2.2 PESQUISA DE CAMPO ...................................................................................... 13
3 O CATADOR NA CADEIA PRODUTIVA DA RECICLAGEM DOS RESÍDUOS ... 14
4 OS CATADORES - CARROCEIROS DE NATAL ................................................. 20
5 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO: O BAIRRO DO BOM PASTOR ... 25
5.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, LOCALIZAÇÃO, ESTRUTURA URBANA E TERRITORIAL ........................................................................................................... 25
5.2 CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR: PERFIL SOCIOECONÔMICO .................................................................................................................................. 26
5.3 A ATUAÇÃO DOS CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR NO SISTEMA DE LIMPEZA DE NATAL .......................................................................... 31
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 40
ANEXOS ................................................................................................................... 43
10
1 INTRODUÇÃO
A geração e o acúmulo descontrolado de resíduos sólidos (consequências do
consumismo exagerado característico da sociedade capitalista) tornaram-se, no
decorrer dos anos, em objetos de discussão de cunho ambiental, econômico e
social. O assunto concernente ao meio ambiente gira em torno da problemática
ambiental inerente à destinação incorreta dos resíduos sólidos; a temática
econômica é verificada, por exemplo, no sistema de comercialização de materiais
recicláveis; e a questão social, vem à tona na figura do trabalhador excluído e
marginalizado, que cata “lixo” para sobreviver ou complementar a renda familiar.
No Brasil, segundo informações da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
de 2000, era destinada aos vazadouros a céu aberto (os conhecidos “lixões”) uma
porcentagem de 72,3% de resíduos sólidos. Dados de 2008 indicam que 50,8% dos
resíduos ainda têm como destinação final os vazadouros a céu aberto (enquanto
22,5% eram destinados a aterros controlados1 e 27,7% a aterros sanitários²), que se
configuram como uma alternativa de destinação incorreta e prejudicial ao meio
ambiente.
Os resíduos sólidos gerados no país, uma média diária de aproximadamente
188,8 toneladas, além de ter um destino inadequado na maioria dos municípios
brasileiros, também são passíveis de um processo de transformação, conhecido
como reciclagem. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), o setor movimenta no Brasil, por ano, cerca de doze bilhões de
reais, porém sofre com uma perda significativa de cerca de oito bilhões de reais por
ano, devido ao material que é encaminhado aos aterros e vazadouros à céu aberto e
deixa de ser reciclado.
Segundo a Coletânea “Lei Nacional de Saneamento Básico – perspectivas para as políticas e a gestão dos serviços públicos”: ¹Aterro Controlado - Instalação destinada à disposição de resíduos sólidos urbanos, na qual algumas ou diversas medidas e modalidades objetivas de controle sejam periodicamente exercidas, quer sobre o maciço de resíduos, quer sobre seus efluentes. [...] ²Aterro sanitário – Instalação de destinação final dos resíduos sólidos urbanos por meio de sua adequada disposição no solo, sob controle técnico e operacional permanente, de modo a que nem os resíduos, nem seus efluentes líquidos e gasosos venham a causar danos à saúde pública e/ou ao meio ambiente. Disponível:http://www.cidades.gov.br/index.php/biblioteca-saneamento/348-lei-nacional-de-saneamento-basico
11
A reciclagem apresenta-se como uma atividade com notória expressão
comercial e é, principalmente, a partir da catação de materiais recicláveis, que há o
incremento e abastecimento do sistema produtivo da indústria recicladora.
Inerente ao processo de reciclagem, os municípios brasileiros passaram a
adotar programas de coleta seletiva, a partir de meados da década de 1980, como
forma de incentivar a segregação de materiais passíveis de serem reciclados (a citar
a fração seca dos resíduos: vidro, metal, papel, plástico) e com a pretensão de
diminuir o acúmulo dos resíduos sólidos em aterros e “lixões”. Atualmente, segundo
dados da associação Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), a
coleta seletiva existe em 443 cidades brasileiras, ou seja, atinge 12% da população
total, que corresponde a 22 milhões de pessoas. Os programas municipais de coleta
seletiva passaram a absorver uma parcela de trabalhadores que atuavam de forma
autônoma na catação de resíduos sólidos (realizada em vazadouros a céu aberto) e
que, posteriormente, passaram a se organizar em associações e cooperativas de
materiais recicláveis.
A presença de trabalhadores informais, conhecidos no Brasil como catadores,
no trabalho de catação decorre de um processo de exclusão social e da
necessidade de busca por fontes alternativas de renda para viver em uma sociedade
que os marginaliza. O baixo grau de escolaridade, aliado à falta de perspectivas de
melhores condições de vida, leva ao desenvolvimento do trabalho autônomo,
insalubre, que não segue às normas de segurança (utilização de EPI’s; prevenção
de riscos de acidentes pelo manuseio inadequado do “lixo”) e não oferece direitos
trabalhistas.
No município de Natal, um dos graves problemas a ser enfrentado pelos
gestores públicos é a atuação dos carroceiros (um total de 756, segundo
cadastramento realizado pela Companhia de Serviços Urbanos de Natal - URBANA)
distribuídos pelas zonas administrativas da capital potiguar. Diferentemente do modo
de ação dos catadores de materiais recicláveis, organizados em associações e
cooperativas, os carroceiros atuam de forma autônoma e a atividade desenvolvida
por eles acarreta em interferências às redes formais de limpeza pública, ao meio
ambiente, à mobilidade urbana e à saúde.
12
1.1 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS
A pesquisa é constituída por seis capítulos incluindo essa introdução. O
segundo capítulo apresenta a metodologia utilizada para a elaboração desse
trabalho; o capítulo 3 traz uma breve discussão acerca da atividade laborativa
desenvolvida pelos catadores de materiais recicláveis na cadeia produtiva de
reciclagem de resíduos, enquanto o capítulo quatro se refere ao trabalho
desenvolvido pelos catadores do município de Natal/RN. No capítulo seguinte
realizou-se uma breve caraterização do bairro do Bom Pastor e apresenta-se os
resultados da construção do perfil socioeconômico e de uma breve análise da
atuação dos carroceiros do bairro em questão. Por fim, são apresentadas algumas
considerações acerca do estudo que foi realizado.
13
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
A metodologia utilizada por esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa
bibliográfica e documental, aportada por dados estatísticos fruto de fontes primária e
secundária, bem como a pesquisa de campo. A seguir serão apresentadas essas
modalidades de investigação.
2.1 REFERENCIAL TEÓRICO E ANÁLISE DOCUMENTAL
Na presente pesquisa foi realizada uma revisão de literatura, por meio da qual
foi construída a fundamentação teórica do trabalho, com base em um apanhado de
informações consultadas em trabalhos científicos referentes a temas sobre:
problemática dos resíduos sólidos, política e gestão de resíduos, inclusão e exclusão
social de catadores de materiais recicláveis e trabalho decente.
Ademais, foram consultados documentos oficiais produzidos, em âmbito
nacional, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A
nível municipal, consultou-se um total de 34 fichas cadastrais dos carroceiros do
bairro do Bom Pastor(de um universo de 63), fornecida pela Companhia de Limpeza
Pública e Serviços Urbanos de Natal (URBANA) e resultantes de um cadastramento
realizado pela mesma durante o mês de novembro de 2010. As fichas selecionadas
foram utilizadas para a construção do perfil socioeconômico dos carroceiros que
atuam no bairro selecionado. Do setor privado, utilizou-se dados disponibilizados
pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE).
2.2 PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo foi realizada nos meses de outubro e novembro de
2012. Realizou-se uma observação do trabalho dos carroceiros no bairro do Bom
Pastor, tendo sido registrada através de documentário fotográfico. Manteve-se
conversas informais com alguns carroceiros, a fim de conhecer a atividade laboral
desenvolvida pelo público-alvo deste trabalho.
14
3 O CATADOR NA CADEIA PRODUTIVA DA RECICLAGEM DOS RESÍDUOS
O processo de reciclagem, segundo definição da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS), diz respeito à transformação dos resíduos sólidos em
novos produtos ou insumos, observando os padrões e condicionantes instituídos por
órgãos competentes. Essa cadeia produtiva, pautada no discurso da preservação
ambiental, através da reintrodução do material reciclado no circuito da economia,
apresenta como objetivo primordial a lucratividade, advinda da atividade recicladora.
O interesse mercadológico é mascarado pelo discurso do benefício da
atividade da reciclagem ao meio ambiente, sendo esse relegado a um segundo
plano, tendo em vista o uso de resíduos sólidos selecionados de acordo com o
retorno econômico que trarão à indústria recicladora, seja pela garantia de mercado
consumidor, baixo custo no processo produtivo e pela matéria prima ofertada em
grandes quantidades. Cita-se como produtos ícones da indústria recicladora a fração
seca ou inorgânica dos resíduos: vidro, papéis, plásticos e metais, como o cobre, o
aço e o alumínio (WALDMAN, 2008).
Inseridos no ciclo produtivo de novas mercadorias, oriundas dos materiais
recicláveis supracitados, estão os catadores, sujeitos socialmente excluídos e que,
em sua maioria, vivem e trabalham em situações precárias e comercializam o
material coletado objetivando obter uma fonte de renda para garantir a
sobrevivência. Característicos dos centros urbanos, onde há geração e acumulação
de grandes quantidades de resíduos sólidos, os catadores de materiais recicláveis
se inserem em um circuito industrial que revitaliza e reintroduz no mercado
consumidor um produto que, anteriormente, era considerado “lixo”.
Além de estigmatizados pelo trabalho com o “lixo”, decorrente da conotação
negativa culturalmente relacionada à palavra em questão, observa-se, conforme
Medeiros e Macêdo (2006), que:
O trabalhador catador é exposto a riscos à saúde, a preconceitos sociais e à desregulamentação dos direitos trabalhistas, condições que são extremamente precárias, tanto na informalidade do trabalho, quanto na remuneração. Além disso, os catadores não têm acesso à educação e ao aprimoramento técnico. (p.66)
15
A “exclusão” intelectual resultante do baixo nível de escolaridade faz dos
catadores sujeitos desconhecedores da complexidade do processo produtivo que
envolve a reciclagem de materiais recicláveis. Segundo Carmo (2009), esse fato
priva-os de informações que auxiliem em uma possível procura por novos mercados
para comercialização dos produtos passíveis de reciclagem e para a negociação dos
materiais por preços melhores. Além disso, a atividade laborativa desenvolvida pelo
catador torna-o sujeito incluído perversamente no sistema, pois ele “é incluído ao ter
um trabalho, mas excluído pelo tipo de trabalho que realiza: trabalho precário,
realizado em condições inadequadas, com alto grau de periculosidade e
insalubridade [...]” (MEDEIROS E MACÊDO, 2006). Apesar de constituírem a base
lucrativa da cadeia de reciclagem de resíduos sólidos, para Figueiredo (2012):
[...] os catadores não são necessários para a sociedade. O catador faz parte de um estrato social que, desprovido de possibilidades/oportunidades de ascensão social, migra para atividades que demandam baixa qualificação profissional e, portanto recebem baixos salários. Estudos mostram que o catador é um sujeito que possui baixa ou nenhuma escolarização, foi expulso do meio rural devido à concentração de terras ou compõe a parte mais pobre das periferias das cidades brasileiras. O catador atua na coleta de materiais recicláveis devido à “facilidade” da ocupação, ou seja, a disponibilidade de lixo nas ruas, o que comprova a ineficiência dos serviços de coleta prestados pelas prefeituras das cidades brasileiras. Esses sujeitos, dignos de atenção por parte dos governantes e de benevolência por parte da população, compõem a parte mais fragilizada de uma poderosa indústria de reciclagem que socializa os custos da coleta de suas matérias-primas (os materiais recicláveis) através do não pagamento do serviço de coleta aos catadores.
O trabalho de catação dispendido pelo catador, além de ajudar a manter e a
desenvolver a indústria recicladora, tem seu crescimento associado às formas
precárias de ocupações e ao desemprego, decorrentes da “inclusão de políticas
neoliberais de desregulamentação, flexibilização e menor proteção social do
trabalho” (FERRAZ et.al., 2012), características do cenário político vivenciado a
partir da década de 1990.
Além da marginalização e precarização do trabalho exercido pelo catador de
material reciclável, destaca-se a utilização de tração animal para o desenvolvimento
da atividade de catação. Os denominados “carroceiros” utilizam equinos para
percorrerem ruas e avenidas dos centros urbanos, na coleta de resíduos que serão
destinados à indústria recicladora, na criação de pontos de lixo (espalhados pelas
16
cidades com a contribuição dos munícipes) e interferindo na saúde, na mobilidade e
no meio ambiente. O uso de carroças de tração animal acarreta transtornos ao
animal, o qual carece de assistência veterinária, sofre maus tratos pelo seu próprio
dono (ao carregar sobrepeso, viver em condições insalubres e de desnutrição, ser
chicoteado e submetido a um exaustivo e longo período de trabalho) e podem
transmitir ao homem, por exemplo, uma doença infectocontagiosa conhecida como
mormo, colocando em risco a saúde do catador e da população em geral.
Segundo Waldman (2008), no Brasil, a reciclagem é indissociável da catação,
desempenhada basicamente por pessoas excluídas do setor dito informal da
economia. O trabalho desenvolvido pelos catadores de materiais recicláveis (em
especial o desenvolvido pelos carroceiros que trabalham com tração animal)
acontece de forma desorganizada (muitos catadores não estão ligados a nenhuma
associação ou cooperativa); com baixo retorno econômico; é mal reconhecido pela
sociedade; é exercido por uma camada da população social e economicamente
excluída; causa transtornos ao meio ambiente e ao tráfego de veículos nas ruas e
avenidas dos centros urbanos; não oferece condições salubres de trabalho,
ocasionando riscos à saúde do trabalhador.
As características supracitadas vão de encontro ao conceito da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que define Trabalho Decente como “trabalho
produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade,
equidade e segurança, e que garanta uma vida digna a todas as pessoas que vivem
do trabalho e a suas famílias” (CEPAL/PNUD/OIT, 2008). Essa definição está
associada à dignidade humana, ao respeito aos direitos fundamentais do
trabalhador, à superação da pobreza e das desigualdades sociais. O trabalho
decente, segundo a OIT, engloba quatro princípios:
a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e
direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do
direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação de todas as formas de
discriminação);
b) promoção do emprego de qualidade;
17
c) extensão da proteção social;
d) diálogo social.
Na tentativa de mudar as condições de vida e trabalho, é em meados da
década de 1990 (época marcada pelo aumento do desemprego, da informalidade e
por baixas taxas de crescimento econômico vivenciados no Brasil e no mundo) que
os catadores de materiais recicláveis começaram a se organizar em cooperativas e
associações, concomitante à implantação de programas de coletas seletivas³2 em
alguns municípios do país, que visavam à inclusão dos catadores, a citar os
exemplos de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, que foram os locais de início
das primeiras experiências associativas no Brasil.
No ano de 1999 surgiu o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR) como uma forma organizada dos catdores de lutar por melhores
condições de trabalho e de vida e pela valorização da categoria no país. Em 2002,
com a aprovação e publicação da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO,
tem-se o reconhecimento, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, do Catador de
Material Reciclável (nº 5192-05 da CBO) como categoria ocupacional. Dentre as
atividades desenvolvidas pelo catador, destaca-se a de conduzir carroça de tração
animal, desempenhada pelo carroceiro, público-alvo desse estudo.
Segundo a Lei Nº 12.305, de 2010, que institui o PNRS: A coleta seletiva é coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição
18
Quadro 1 - Atividades relacionadas à coleta de material reciclável e reaproveitável, segundo a CBO.
Fonte: CBO. Elaboração própria (2013).
5192 - TRABALHADORES DA COLETA E SELEÇÃO DE MATERIAL RECICLÁVEL (FAMÍLIA)
5192-05 - CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL (TÍTULO)
ÁREA DE ATIVIDADE ATIVIDADES
COLETAR MATERIAL RECICLÁVEL E
REAPROVEITÁVEL
PUXAR CARROÇA, CARRINHO.
CONDUZIR CARROÇA DE TRAÇÃO ANIMAL
CONDUZIR VEÍCULO (PERUA, CAMINHÃO).
ESTABELECER ROTEIRO DE COLETA
COLETAR MATERIAL NOS PONTOS DE COLETA
PROCURAR MATERIAL NAS CAÇAMBAS DE RUA
FORNECER RECIPIENTES PARA COLETA (BAGS; CONTEINERES,...)
IDENTIFICAR PONTOS DE COLETA
CARREGAR CARRINHO, CARROÇA, CAMINHÃO, PERUA.
19
No ano de 2003 foi criado o Comitê Interministerial de Inclusão Social de
Catadores de Materiais Recicláveis (CIISC) sob a coordenação dos Ministérios do
Desenvolvimento Social e Combate à fome e Ministério das Cidades, tendo como
objetivo abordar a inclusão social dos catadores por meio do acompanhamento,
avaliação e monitoramento do projeto intitulado de Coleta Seletiva Solidária, que
instituiu “a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades
da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua
destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis”
(BRASIL, 2006).
Instituída em 2010, pelo Governo Federal, a lei nº 12.305, referente à Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), foi outro marco na atividade laborativa dos
catadores de materiais recicláveis, pois tem como um dos objetivos integrar, em
ações envolvendo a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos,
os catadores de materiais recicláveis (Art. 7º, XII). A política também instrumentaliza
“o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (PNRS, Art.8º, IV).
Além disso, apresenta, em seu Art.18, parágrafo 1º, a implantação da coleta seletiva
como uma das prioridades de acesso aos recursos da União direcionados aos
municípios que optarem por essa opção e contarem com a participação de
cooperativas e/ou associações de catadores.
20
4 OS CATADORES - CARROCEIROS DE NATAL
No município de Natal, Rio Grande do Norte, a partir da década de 1990, e
concomitante à desativação do lixão em junho de 2004 (localizado no bairro de
Cidade Nova, zona oeste da cidade), houve a formação de associações de
catadores de materiais recicláveis. A parcela de trabalhadores que foram retirados,
de forma compulsória (por meio de ordem judicial) do trabalho insalubre e em
condições desumanas que desenvolviam no antigo vazadouro à céu aberto da
capital potiguar, passou a organizar o trabalho de catação e comercialização de
materiais recicláveis nas seguintes associações: Associação de Agentes
Trabalhadores em Reciclagem e Compostagem de Lixo (ASTRAS); Associação de
Catadores de Materiais Recicláveis (ASCAMAR); Associação de Coleta Seletiva
Porta a Porta do RN (ACSRN); Associação de Beneficiamento de Resíduos Sólidos
(ABRESOL).
Atualmente, os catadores que faziam parte das quatro associações
supracitadas compõem duas cooperativas, a Cooperativa de Catadores de Materiais
Recicláveis e Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte (COOCAMAR)
e da Cooperativa de Materiais Recicláveis da cidade de Natal (COOPCICLA). Em
consonância ao programa conhecido como Coleta Seletiva porta a porta, implantado
no município em 2004, os catadores coletam, separam, selecionam e enfardam o
material reciclável a ser comercializado, como forma de obtenção/complementação
da renda, essencial à sobrevivência.
21
Figura 1 – Catadores da COOPICLA.
Fonte: ABRALATAS.
Apesar da inserção e formalização do trabalho desses atores, a coleta
seletiva enfrenta percalços para o seu funcionamento, pois não abarca todos os
bairros da capital; a prestação do serviço de limpeza pública urbana, desenvolvido
pela URBANA, ocorre de forma irregular; a população não faz a segregação correta
dos materiais recicláveis e os catadores acabam optando por abandonar o programa
pelo descrédito no mesmo e para voltar à atividade autônoma e informal. Ao voltar à
informalidade acabam competindo com catadores associados, retornam às
péssimas condições de trabalho, optam por utilizar carroças de tração animal para
os serviços de coleta e transporte de resíduos sólidos e acabam trazendo diversos
transtornos à saúde pública, ao meio ambiente e à mobilidade urbana.
22
Figura 2 – Catadores da COOCAMAR.
Fonte: ABRALATAS.
Em 2012, foi proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Norte, na figura da Promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Natal, uma
Ação Civil Pública (ACP) contra o município de Natal, com a justificativa da
necessidade de, segundo texto da ACP:
Coibir a conduta lesiva do requerido e garantir o direito de cidadania ambiental de todos os cidadãos natalenses prejudicados pelos maus-tratos aos equídeos e demais transtornos ambientais e urbanísticos em decorrência da circulação ilegal e ilegítima dos carroceiros pelas vias urbanas em nossa cidade [...]. (p. 4)
Diante do exposto, o município pretende coibir a utilização do transporte
animal pelos carroceiros até o ano de 2014, ano de realização dos jogos da Copa do
Mundo na cidade de Natal. Foram realizadas algumas audiências públicas sobre o
assunto, mas até o presente momento, apenas um cadastramento dos carroceiros
foi realizado. Atrelado a isso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos traz como uma
de suas metas “a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e
à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”
23
(BRASIL, 2010), tendo como horizonte temporal para o seu cumprimento o ano de
2014.
Figura 3 – Carroceiro em um ponto de lixo do bairro de Nova Natal, Zona Norte de
Natal – RN.
Fonte: Tribuna do Norte.
Apesar de Natal não contar mais com um vazadouro a céu aberto como forma
de disposição final dos resíduos sólidos, essa é uma realidade presente em muitos
municípios brasileiros, havendo a necessidade, portanto, de se formular políticas
públicas para a parcela da população, social e economicamente excluída, que
sobrevive da catação e venda dos materiais recicláveis, que são os catadores, em
especial, os carroceiros.
25
5 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO: O BAIRRO DO BOM PASTOR
O presente item abordará as principais características referentes à história,
localização, estrutura urbana e territorial, aspectos socioeconômicos e
infraestruturais do bairro do Bom Pastor, localidade escolhida como recorte territorial
deste trabalho.
5.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, LOCALIZAÇÃO, ESTRUTURA URBANA E TERRITORIAL
Segunda dados da Semurb (2009), o bairro Bom Pastor tem a origem do seu
nome vinculada à fé cristã, pois em meados dos anos de 1940 e início dos anos de
1950, o então padre Eugênio Sales fundou no bairro a obra social do Bom Pastor.
Na década de 1940, homens e mulheres oriundos do interior do estado do Rio
Grande do Norte, em busca de melhores condições de vida, migraram para a capital
Natal e compuseram a população que deu origem a um dos bairros mais populares
da cidade.
Localizado na zona administrativa oeste do município de Natal, o bairro do
Bom Pastor apresenta como bairros limítrofes: ao norte – Nordeste e Quintas; ao sul
– Felipe Camarão; ao leste – Dix-Sept Rosado e Nossa Senhora de Nazaré; e a
oeste - o rio Jundiaí.
O bairro está situado na zona de adensamento básico e na zona de
preservação ambiental 08 (ZPA 8 - corresponde ao ecossistema manguezal e
Estuário do Potengi/Jundiaí). Segundo o Art. 9º do Plano Diretor de Natal, Zona de
Adensamento Básico se aplica, estritamente, o coeficiente de aproveitamento
básico. Já o Art. 17 considera Zona de Proteção Ambiental a área na qual as
características do meio físico restringem o uso e ocupação, visando à proteção,
manutenção e recuperação dos aspectos ambientais, ecológicos, paisagísticos,
históricos, arqueológicos, turísticos, culturais, arquitetônicos e científicos.
26
Figura 5 – Região Oeste de Natal e Localização do bairro Bom Pastor
Fonte: SEMURB, 2008.
5.2 CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR: PERFIL SOCIOECONÔMICO
Para a construção do perfil socioeconômico dos carroceiros do bairro do Bom
Pastor foram utilizados os questionários disponibilizados pela URBANA, parte
integrante de um cadastramento realizado pela Companhia, em novembro de 2010,
com o auxílio de organizações não governamentais de defesa aos animais. Segundo
os dados levantados, existem atualmente 756 carroceiros cadastrados e espalhados
pelas quatro zonas administrativas da cidade, dos quais 415 (54,8%) são da zona
administrativa oeste e 63 (15,1%) são do bairro do Bom Pastor. Desse universo,
foram selecionadas 34 fichas cadastrais, as quais trazem informações relevantes e
respostas mais completas e pertinentes à construção do perfil. Verificou-se por essa
27
amostra que boa parte dos carroceiros são originários da capital potiguar e outros de
cidades do interior do Estado do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco.
Quanto à escolaridade, 94% dos carroceiros responderam não ter concluído o
ensino fundamental, em detrimento a uma porcentagem de 6% que alcançou o
ensino médio, mas não concluiu os estudos. Esse fato demonstra à defasagem
educacional dessa parcela da população, que, dentre outros fatores, pode ter
paralisado os estudos para trabalhar com carroças, como forma de
obtenção/complementação da renda familiar. Quando perguntados se sabiam ler e
escrever, 23 carroceiros responderam que não e 11 responderam que sim. Com a
maioria das respostas negativas, pode-se inferir que esse fato é resultado do baixo
nível de escolarização da maioria deles, devido à paralização dos estudos e não
conclusão da educação básica.
Gráfico 1 – Grau de escolaridade dos carroceiros do bairro do Bom Pastor.
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
Quanto à participação em programas sociais, têm-se 47% dos carroceiros
entrevistados (16 pessoas) participando do programa federal de transferência de
renda, o Bolsa Família, o qual beneficia famílias de baixa renda e em situação de
extrema pobreza. Esse resultado demonstra que muitos desses trabalhadores
informais vivem em situação de vulnerabilidade social. Outros 47% dos carroceiros
respondeu não participar de programas sociais, podendo-se inferir a falta de acesso
desses a direitos sociais básicos, e 6% (2 pessoas) não responderam à pergunta.
94%
6%
Ensino FundamentalIncompleto
Ensino Médio Incompleto
28
Do total de 34 carroceiros, nenhum respondeu participar de programas
habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida.
Gráfico 2 – Participação em Programas Sociais.
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
Quanto às condições de moradia, 73% (25 pessoas) responderam residir em
uma casa própria; 20% (7 pessoas) obtiveram a casa por posse; 3% (1 pessoa)
responderam que a residência foi cedida; e outros 3% (1 pessoa) responderam que
a residência era alugada. Quanto ao tipo de construção das moradias, 17 pessoas
responderam morar em casas de alvenaria; 16 pessoas responderam morar em
casas de taipa e uma pessoa respondeu residir em outro tipo de construção (não
informado). Apesar da maioria dos carroceiros residirem em uma casa própria e de
alvenaria, 47% informaram residir em casas de taipa, demonstrando a precária
condição de moradia em que vivem, podendo-se inferir, portanto, como resultado da
não participação dos mesmos em programas habitacionais.
47%
47%
6%
Bolsa Família
Não Participa
Sem Resposta
29
Gráfico 3 – Condições de moradia.
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
Quanto ao saneamento básico, 54% (18 pessoas) responderam ter em suas
residências a fossa como unidade de esgotamento sanitário; 42% (14 pessoas)
informaram lançar a céu aberto o esgoto oriundo de suas residências e 4% (2
pessoas) responderam que o destino do esgoto doméstico é a rede pública. Diante
das respostas, percebe-se o não acesso de 42% dos carroceiros a um sistema de
esgotamento sanitário ambientalmente correto e de qualidade e a vulnerabilidade
dos mesmos a doenças de veiculação hídrica.
Gráfico 4 – Formas de Saneamento básico.
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
73%
3%
21%
3%
Própria Cedida
Posse Alugada
54% 42%
4%
Fossa
Céu Aberto
Rede Pública
30
Quanto ao destino do lixo, 59% (20 pessoas) informaram que o resíduo
gerado em suas residências era coletado pelo serviço de limpeza pública; 32% (11
pessoas) responderam que deposita o lixo a céu aberto; e 9% (3 pessoas)
informaram que o lixo gerado era posteriormente queimado. Esses dados
demonstram que a parcela de carroceiros que dispõe ou destina os resíduos sólidos
ou rejeitos de forma incorreta vai de encontro às proibições presentes no Capítulo
VI, Art. 47 da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que traz como formas proibidas
de destinação e disposição final o lançamento in natura a céu aberto e a queima a
céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa
finalidade.
Gráfico 5 – Destino do lixo.
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
59%
9%
32%
Coletado
Queimado
Céu Aberto
31
5.3 A ATUAÇÃO DOS CARROCEIROS DO BAIRRO DO BOM PASTOR NO SISTEMA DE LIMPEZA DE NATAL
Analisando a atuação dos carroceiros do bairro do Bom Pastor, verificou-se
que das 34 fichas cadastrais, 30 eram de homens e apenas 4 eram de mulheres,
demonstrando que a atividade com carroças de tração animal é um trabalho
predominantemente masculino. A atividade dos carroceiros não é regulamentada
pelos órgãos competentes, fato que caracteriza essa atividade como um trabalho
desenvolvido na informalidade.
Quando perguntados sobre o tempo que exercem a atividade, de acordo com
a distribuição de faixas temporais, 41% (14 pessoas) responderam está trabalhando
como carroceiro na faixa de 6 a 10 anos; 35% (12 pessoas) informaram está na
atividade de 11 a 20 anos; 12% (4 pessoas) responderam exercer o trabalho na
faixa de 1 a 5 anos; e outros 12% dos carroceiros trabalha com carroças há mais de
20 anos. O tempo de trabalho informal indicou que muitos deles iniciaram a atividade
ainda na infância e outros na faixa etária conhecida como economicamente ativa
(abrange o grupo de idades das pessoas de 15 aos 64 anos). Dentre as diversas
respostas informadas como motivadoras da iniciação do trabalho com carroças de
tração animal, pode-se citar a dificuldade de inserção no mercado de trabalho,
ocasionando, consequentemente, o desemprego; a necessidade de ajudar e
sustentar a família; a herança familiar (atividade desenvolvida por ente da família), e
o gosto pela atividade autônoma e por animais. Percebe-se, a partir dessas
respostas, que o baixo nível de escolaridade desses carroceiros pode está ligado à
introdução precoce dos mesmos no trabalho informal e pode ter desencadeado o
surgimento de um quantitativo de pessoas que poderiam estar inseridas no mercado
de trabalho formal, mas por falta de capacitação profissional se tornam improdutivas.
32
Gráfico 6 – Há quantos anos trabalha nessa atividade?
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
Quanto aos bairros onde desempenham a atividade de coleta, frete e/ou
transporte de resíduos sólidos, verificou-se um maior número de respostas para os
bairros do Bom Pastor (21%), Lagoa Nova (16%), Quintas (12%) e Alecrim (11%).
Percebe-se, portanto, que boa parte dos carroceiros analisados respondeu
desenvolver seu trabalho no bairro onde residem (o bairro do Bom Pastor), na
circunvizinhança (Quintas) e em bairros como Alecrim e Lagoa Nova, que são,
segundo dados do diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos gerados no
município de Natal/RN, os que produzem diariamente uma maior quantidade de lixo
domiciliar (50,79 e 59,94 toneladas, respectivamente) na capital potiguar. Além
disso, quando perguntados sobre o local onde descarregam o material que
transportam, as respostas que mais apareceram foram terreno baldio e em casa.
12%
41% 35%
12%
1 a 5 anos
6 a 10 anos
11 a 20 anos
Mais de 20 anos
33
Gráfico 7 – Quais os bairros onde desempenha a atividade?
Fonte: URBANA. Elaboração Própria.
Ao desenvolver seu trabalho, de forma indiscriminada e sem fiscalização
efetiva e eficiente, os carroceiros, muitas vezes incentivados pela própria população,
são responsáveis pelo surgimento de pontos de lixo em diversas regiões da cidade,
a citar o trecho da Avenida Amintas Barros no bairro do Bom Pastor (figura 2), em
frente à subestação da Companhia Hidroelétrica do são Francisco - CHESF (vide
figuras 3 e 4).
Muitos reaproveitam o lixo orgânico para utilizá-lo como ração para os porcos
e os resíduos que não servem para revender ou reaproveitar (como os restos de
material de construção) são descartados em local inapropriado.
6% 6%
11%
16%
21%
5%
12%
5%
18%
Cidade da Esperança
Cidade Alta
Alecrim
Lagoa Nova
Bom Pastor
Barro Vermelho
Quintas
Candelária
Outros bairros
34
Figura 6 - Ponto de lixo no Início da Avenida Amintas Barros, no bairro do Bom
Pastor.
Fonte: GRILO, 2012.
Figura 7 - Carroceiros despejando lixo em frente à Subestação da CHESF.
Fonte: CAMPELLO, 2012.
35
Figura 8 - Carroceiro manejando lixo em frente à Subestação da CHESF.
Fonte: A própria autora, 2012.
A disposição final ambientalmente incorreta dos resíduos indica um modo de
vida insalubre e ausência de consciência e educação ambiental por parte dos
carroceiros. Essas atitudes geram inúmeros problemas ambientais e de saúde
pública, pois expõe o meio ambiente a danos, como a contaminação do solo e da
água, e torna o homem vulnerável a doenças transmitidas por vetores encontrados
no lixo.
O gráfico abaixo demonstra, a partir das respostas obtidas, que 94% dos
respondentes não pertencem à Associação dos Carroceiros de Natal, em detrimento
aos 6% de carroceiros que indicaram estar associados à mesma. Essas respostas
demonstram o baixo nível de participação e organização social dos carroceiros e a
consequente ausência de representação dos interesses dos mesmos perante o
poder público. A Associação dos Carroceiros existe desde o ano de 1985, mas não é
uma instância atuante no atendimento das demandas, apesar da existência de um
líder e de um espaço físico para reuniões. Pode-se inferir, portanto, que o não
36
funcionamento da associação está ligado à falta de conhecimento da existência da
mesma por parte dos carroceiros e à ausência de cultura política e de noções de
associativismo desses trabalhadores informais.
Gráfico 8 - Pertence à Associação dos Carroceiros de Natal?
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
Concernente à utilização de animais ungulados (animais de casco, ex.:
cavalo, zebra, asno) na tração das carroças, verifica-se que 59% dos carroceiros (20
pessoas) possuem apenas um único animal para desenvolver a atividade de coleta,
frete e/ou transporte de resíduos e rejeitos. Em média, os animais transportam,
segundo informações dos entrevistados, de 150 a 250 kg de carga, excluindo-se a
massa corpórea do carroceiro e o peso estimado da carroça (em torno de 150 kg). A
porcentagem de 59% pode ser um indicativo da ausência de condições financeiras
por parte desses trabalhadores informais para compra e sustento de um maior
número de animais, fato que pode ocasionar um desgaste físico significativo e
fragilidades à saúde do equídeo, devido à sobrecarga transportada e ao exaustivo
trabalho de tração, realizado, geralmente, por um único animal.
6%
94%
Sim
Não
37
Gráfico 9 - Quantos animais possui?
Fonte: URBANA. Elaboração própria.
A situação dos animais utilizados na tração de carroças, submetidos a
evidentes maus-tratos por parte dos carroceiros, foi alvo de uma Ação Civil Pública,
movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, contra o
município de Natal, datada de 2012. Essa ação é decorrente da reclamação de uma
organização não governamental de defesa aos animais, a qual alegou a
necessidade de proteger os equíneos dos estresses ocasionados pela má
alimentação, dos açoites contínuos por parte dos carroceiros, da sobrecarga de
trabalho e de peso carregado nas carroças, entre outros malefícios à saúde e bem-
estar do animal. Além disso, há a proibição do código Sanitário de Natal (Art. 204)
em se criar e manter animais ungulados em áreas urbanas, com exceção de
“animais para atividades militares e animais em exposição, atividades desportivas,
cívicas, religiosas ou de lazer e diversão pública, organizadas por associações
próprias devidamente legalizadas, em conformidade com as normas técnicas
pertinentes” (NATAL, 1999).
59% 26%
9% 6%
1 animal
2 animais
3 animais
4 animais
38
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo geral proposto por esse trabalho foi o de realizar um estudo sobre
a precarização da atividade laborativa desenvolvida pelos catadores – carroceiros do
bairro do Bom Pastor, Nata/RN. Inicialmente realizou-se uma revisão da literatura
para compreender o papel do catador na indústria de reciclagem e o processo de
exclusão social que acomete esses indivíduos. Percebeu-se, no decorrer do estudo,
que o trabalho desenvolvido pelos catadores de materiais recicláveis ainda é
bastante estigmatizado e desenvolve-se em contraponto com o conceito de trabalho
decente.
No município de Natal, aliada à contribuição dos munícipes, a ausência de um
serviço regular e de qualidade de coleta de resíduos sólidos urbanos incentiva o
surgimento de um número cada vez maior de trabalhadores informais que realizam a
atividade de coleta, transporte e disposição final dos resíduos, de forma incorreta e
em locais inapropriados. Como alternativa inicial à resolução do problema, o
município, juntamente com a URBANA e ONGs de defesa aos animais, realizaram o
cadastramento dos carroceiros residentes nas quatro zonas administrativas da
cidade.
Analisando o perfil socioeconômico e a atuação de parte dos carroceiros
residentes no bairro do Bom Pastor, o que se percebeu foi a ausência de
capacitação profissional e de educação ambiental dos mesmos, de forma a
conscientizá-los de seu papel no meio em que trabalham e na sociedade. A baixa
escolaridade desses trabalhadores informais pode ter resultado na falta de melhores
oportunidades de emprego e de perspectivas do futuro. O município, por sua vez,
pretende coibir o uso de carroças de tração animal até o ano de 2014, ano de
ocorrência dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, porém essa decisão esbarra em
uma questão de cunho social e econômico.
De acordo com o Art. 15 da PNRS, um dos conteúdos mínimos a constar na
elaboração de planos estaduais e municipais de gestão de resíduos sólidos são
metas que visem, além da extinção e recuperação de lixões, a inclusão e
emancipação econômica de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis. Dessa
forma, demonstra-se a necessidade de se abranger a legislação vigente à parcela
39
excluída e marginalizada de trabalhadores informais, os carroceiros, os quais sofrem
com a iminente ameaça de proibição do uso de carroças de tração animal em sua
rotina diária de trabalho.
Diante disso, surge a necessidade de atrelar a Ação Civil Pública a políticas
públicas que forneçam perspectivas de mudança aos carroceiros, principalmente no
que concerne à questão da assistência social, direito garantido pelo artigo 203 da
Constituição Federal de 1988.
Nota-se, portanto, que a atividade desenvolvida pelos carroceiros poderia
interferir positivamente na rede formal de coleta de resíduos sólidos, se houvesse a
incorporação dos mesmos às Associações e Cooperativas de Catadores de
Materiais Recicláveis presentes na cidade de Natal; se houvesse a promoção de
cursos de capacitação profissional, de educação ambiental e de noções de
associativismo (de forma a organizar e formalizar a atuação dos carroceiros na
capital potiguar); mas atualmente a atividade continua a acarretar diversos
transtornos ao trânsito, à saúde pública e ao meio ambiente.
O poder público, deve, portanto pensar políticas públicas que garantam um
emprego decente e de qualidade, que respeite os direitos trabalhistas e promovam o
desenvolvimento pessoal e profissional dos catadores. Deve-se buscar soluções
efetivas e não somente paliativas, para garantir aos carroceiros o desenvolvimeto do
trabalho de catação de forma organizada e formalizada ou pensar em novas
possibilidades de trabalho e de obtenção de renda, de modo a promover a inserção
social desses trabalhadores e a garantia de uma condição de vida digna.
40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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