UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAacute
NUacuteCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZOcircNICOS PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTAacuteVEL DO TROacutePICO UacuteMIDO
ROSELENE DE SOUZA PORTELA
POLIacuteTICAS HABITACIONAIS EM CIDADES AMAZOcircNICAS BELEacuteM E SAtildeO LUIS NA PERSPECTIVA COMPARATIVA
BeleacutemPa 2011
ROSELENE DE SOUZA PORTELA
POLIacuteTICAS HABITACIONAIS EM CIDADES AMAZOcircNICAS BELEacuteM E SAtildeO LUIS NA PERSPECTIVA COMPARATIVA
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Sustentaacutevel do Troacutepico Uacutemido do Nuacutecleo de Altos Estudos Amazocircnicos Universidade Federal do Paraacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Ciecircncias
Desenvolvimento Socioambiental
Orientadora Profordf Drordf Edna Maria Ramos de Castro
BeleacutemPa 2011
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo de publicaccedilatildeo (CIP) (Biblioteca do NAEAUFPA)
____________________________________________________________________________
Portela Roselene de Souza Poliacuteticas habitacionais em cidades amazocircnicas Beleacutem e Satildeo Luis na perspectiva comparativa
Roselene de Souza Portela orientadora Edna M Ramos de Castro
2011 305 f il 30 cm Inclui Bibliografias
Tese (Doutorado)
Universidade Federal do Paraacute Nuacutecleo de Altos Estudos Amazocircnicos Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Sustentaacutevel do Troacutepico Uacutemido Beleacutem 2011
1 Poliacutetica urbana - Beleacutem (PA) 2 Poliacutetica urbana
Satildeo Luis (MA) 3 Planejamento urbano -Beleacutem (PA) 4 Planejamento urbano - Satildeo Luis (MA) 5 Impacto ambiental - Beleacutem (PA) 6 Impacto ambiental
Satildeo Luis (MA) 7 Segregaccedilatildeo ambiental - Beleacutem (PA) 8 Segregaccedilatildeo ambiental
Satildeo Luis (MA) I Castro Edna M Ramos de orientadora II Tiacutetulo
CDD 21 ed 30223209811
____________________________________________________________________________
ROSELENE DE SOUZA PORTELA
POLIacuteTICAS HABITACIONAIS EM CIDADES AMAZOcircNICAS BELEacuteM E SAtildeO LUIS NA PERSPECTIVA COMPARATIVA
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Sustentaacutevel do Troacutepico Uacutemido do Nuacutecleo de Altos Estudos Amazocircnicos Universidade Federal do Paraacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Ciecircncias
Desenvolvimento Socioambiental
Banca Examinadora
Profordf Drordf Edna Maria Ramos de Castro Orientadora NAEAUFPA
Prof Dr Saint-Clair Cordeiro da Trindade Junior Examinador interno NAEAUFPA
Prof Dr Thomas Hurtienne Examinador interno NAEAUFPA
Prof Dr Joseacute Julio Lima Examinador externo PPGAUUFPA
Prof Dr Gilberto de Miranda Rocha Examinador externo PPGGEOUFPA
Aos sujeitos coletivos que buscam na luta cotidiana a diminuiccedilatildeo das desigualdades sociais e o direito agrave cidade
AGRADECIMENTOS
A Deus fonte de luz esperanccedila amor e que estaacute sempre comigo nos momentos de inseguranccedila e desacircnimo me dando forccedila para vencer todos os obstaacuteculos
A Profordf Drordf Edna Castro com quem aprendi muito pelo incentivo nos momentos difiacuteceis pelas criacuteticas e contribuiccedilotildees valiosas que foram fundamentais para a elaboraccedilatildeo dessa tese
Ao Prof Dr Saint-Clair Trindade Junior que sempre me apoiou incentivando-me a superar limitaccedilotildees e a descobrir perspectivas mais amplas de anaacutelise
Aos membros da banca examinadora pelas criacuteticas e importantes contribuiccedilotildees no momento da defesa da tese
A todos os professores do NAEA pela imensuraacutevel contribuiccedilatildeo que ofereceram para ampliaccedilatildeo da minha concepccedilatildeo de mundo
A todos os colegas do curso em especial Andreacuteia Rosana Everaldo Charles Laura Ximenes e Laura Nogueira com os quais vivenciei momentos primorosos de aprendizado de alegrias de dificuldades e de amizade que ultrapassaram os espaccedilos de sala de aula
A minha matildee Francisca Portela que com todo seu esforccedilo sempre me incentivou nessa caminhada
Ao meu pai e aos meus irmatildeos Carlos Augusto Raimir e Raimar que me acompanharam e incentivaram nessa jornada
Ao Dion Monteiro pelo seu apoio carinho compreensatildeo e incentivo constante principalmente nas horas difiacuteceis de elaboraccedilatildeo desse trabalho
As lideranccedilas comunitaacuterias que fazem parte do Foacuterum de Reforma Urbana dos municiacutepios Beleacutem e Satildeo Luis sujeitos sociais importantes na construccedilatildeo desse trabalho por colaborarem com as entrevistas e pelas importantes contribuiccedilotildees oferecidas agrave realizaccedilatildeo da pesquisa de campo e aos movimentos sociais de luta pelo direito agrave cidade
Aos teacutecnicos das Secretarias de Habitaccedilatildeo dos municiacutepios Beleacutem e Satildeo Luis que sempre se colocaram a disposiccedilatildeo facilitando o acesso agraves informaccedilotildees e aos documentos pertinentes a Poliacutetica Habitacional
Aos funcionaacuterios do NAEA pelo apoio e incentivo de diversas formas
A todos que direta ou indiretamente contribuiacuteram para a concretizaccedilatildeo dessa tese
O direito agrave cidade se manifesta como forma superior dos direitos direito agrave liberdade agrave individualizaccedilatildeo na socializaccedilatildeo ao habitat
e ao habitar O direito agrave obra (agrave atividade participante) e o direito agrave apropriaccedilatildeo (bem distinto do direito agrave propriedade)
estatildeo implicados no direito agrave cidade
Henri Lefebvre
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar os modelos de gestatildeo das poliacuteticas habitacionais implementadas em cidades amazocircnicas mais especificamente em Beleacutem (PA) e Satildeo Luis (MA) assim como os impactos na organizaccedilatildeo espacial das cidades e a relaccedilatildeo com o padratildeo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial existente ressaltando os desafios colocados para a gestatildeo urbana das duas cidades e como o Estado tem atuado no enfrentamento dos problemas sociais Mais do que uma forma espacializada da exclusatildeo pretende-se uma abordagem soacutecioespacial que procure avaliar o potencial de transformaccedilatildeo atrelado agraves praacuteticas cotidianas da cidade as quais podem ser reconhecidas como legiacutetimas nas poliacuteticas puacuteblicas Para tanto procurou-se fazer por meio de uma construccedilatildeo teoacuterica o resgate da poliacutetica habitacional no Brasil e na Amazocircnia Nesse sentido fez-se necessaacuterio analisar a construccedilatildeo do espaccedilo urbano e da moradia que baseado na loacutegica capitalista concentradora e excludente influenciou no desenvolvimento urbano das duas cidades amazocircnicas acarretando em um processo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial O estudo foi conduzido pelo meacutetodo comparativo que permite identificar as diferenccedilas e semelhanccedilas entre as experiecircncias de gestatildeo de poliacuteticas habitacionais em dois municiacutepios da Regiatildeo Amazocircnica Beleacutem e Satildeo Luis enfocando o processo de planejamento e gestatildeo da poliacutetica habitacional e a dinacircmica dos atores sociais percebendo suas contradiccedilotildees e estrateacutegias de intervenccedilatildeo Os procedimentos metodoloacutegicos adotados foram a pesquisa bibliograacutefica documental e o levantamento de dados estatiacutesticos entrevistas com teacutecnicos e gestores das instituiccedilotildees governamentais ligados aos programas ou projetos habitacionais e observaccedilatildeo direta Dentre os resultados da anaacutelise dos dados pode-se dizer que independente do modelo de gestatildeo (tecnocraacutetica ou participativa) a poliacutetica habitacional natildeo tem avanccedilado estruturalmente demonstrando que as accedilotildees implementadas por meio dos programasprojetos natildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo do padratildeo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial
Palavras-Chave Espaccedilo Urbano Poliacutetica Habitacional Segregaccedilatildeo Amazocircnia Beleacutem Satildeo Luis
ABSTRACT
This work analyzes the management models of housing policies implemented in the Amazon s cities particularly in Beleacutem (PA) and Satildeo Luiacutes (MA) as well as the impacts on the city spatial organization and the relation with the existent social and spatial segregation Emphasis is given to the challenges faced by urban management in the two cities and how the State deals with social problems We intend to go beyond spatial exclusion forms and use a social and spatial approach in order to evaluate the potential transformation that might be linked to daily practices in the city which ought to be acknowledged as legitimate actions by public policies In order to achieve our goal we use a theoretical construction to gather information on housing policy in Brazil and in the Amazon region It is therefore necessary to analyze the urban space construction and housing based on the capitalist logic which had a great concentrating and excluding influence in the urban development of the two Amazon cities resulting in a social and spatial segregation process The study was carried out through a comparative method allowing us to identify the differences and similarities between two management experiences in the housing policies applied in two municipalities of the Amazon region Beleacutem and Satildeo Luiacutes The study focuses on housing policy planning and management processes targeting social contradictions and intervention strategies Therefore the methodological procedures used in this work are bibliographic and documental research statistical data collection interviews with experts and management staff from governmental institutions related to housing programs or projects and direct observation The results lead us to conclude that regardless the management model used (technocratic or participative) the housing policy has not shown structural advances Therefore the actions implemented by programsprojects did not contribute to reduce the social and spatial segregation pattern and did not change the housing concept in those two cities
Key Words Urban Space Housing Policy Segregation Amazocircnia Beleacutem Satildeo Luiacutes
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Fotografia 1
Moradia com condiccedilotildees precaacuterias (Canal da Quintino
Beleacutem-PA) 104
Graacutefico 1
Contrataccedilotildees do FGTS Programas por faixas de renda (em )
1995 a
2003
130
Graacutefico 2
Composiccedilatildeo do Deacuteficit Habitacional por Situaccedilatildeo do Domiciacutelio
segundo Regiotildees Metropolitanas (RMs)
Brasil
2007
144
Graacutefico 3
Deacuteficit Habitacional Urbano (1) por Faixas de Renda Meacutedia Familiar
Mensal (2)
Brasil
2007
145
Mapa 1
Bairros que compotildeem o municiacutepio de Beleacutem 165
Fotografia 2
Canal do Reduto (entre a Rua 28 de Setembro e a Praccedila Magalhatildees
Beleacutem-PA)
171
Fotografia 3
Av Tito Franco (hoje Av Almirante Barroso)
Preacutedio da Escola de
Agronomia
Beleacutem-PA
179
Fotografia 4
Casas de madeira construiacutedas sobre estacas (Vila da Barca
Beleacutem-PA) 185
Mapa 2
Regiatildeo Metropolitana de Satildeo Luiacutes 199
Fotografia 5
Faacutebricas em aacutereas proacuteximas ao centro (Satildeo Luis-MA) 206
Fotografia 6
Pontes Governador Newton Bello e Governador Joseacute Sarney (Satildeo Luis-
MA)
212
Fotografia 7
Palafitas no Rio Anil (Satildeo Luis-MA) 218
Fotografia 8
Condomiacutenios de alto padratildeo (Lagoa Jansen
Satildeo Luis-MA) 218
Fotografia 9
Organograma estrutural da Secretaria Municipal de Habitaccedilatildeo 251
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Relaccedilatildeo das Instituiccedilotildees Habitacionais no Brasil periacuteodo de 1930 a 1968 111
Quadro 2
Os periacuteodos da poliacutetica habitacional no Brasil 117
Quadro 3
Conjuntos habitacionais estatais produzidos pelos IAPs 1962-1965 120
Quadro 4
Programas Habitacionais implementados no Governo FHC 128
Quadro 5
Princiacutepios da nova Poliacutetica de Habitaccedilatildeo 157
Quadro 6
Principais elementos da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia (1953 a
1988)
181
Quadro 7
Ocupaccedilotildees no periacuteodo de 1961 agrave 1990 215
Quadro 8
Relaccedilatildeo dos Assentamentos hierarquizados (Satildeo Luis-MA) 240
Quadro 9
Demonstrativo das sobreposiccedilotildees de atribuiccedilotildees entre os oacutergatildeos
municipais diretamente vinculados a questatildeo habitacional
252
Quadro 10
Projetos executados pelo poder puacuteblico municipal (periacuteodo 1997
2001) 255
Quadro 11
Projetos de Urbanizaccedilatildeo executados pelo governo estadual 257
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Populaccedilatildeo residente por situaccedilatildeo do domicilio (1940-1996) no Brasil 106
Tabela 2
Unidades Habitacionais construiacutedas pela COHABPa na RMB (1965-
1989)
121
Tabela 3
Deacuteficit Habitacional (1) e Percentual em Relaccedilatildeo aos Domiciacutelios Particulares Permanentes por Situaccedilatildeo do Domiciacutelio segundo Regiotildees Geograacuteficas Unidades da Federaccedilatildeo e Regiotildees Metropolitanas (RMs)
Brasil
2007
142
Tabela 4
Populaccedilatildeo da Regiatildeo Metropolitana de Beleacutem 167
Tabela 5
Crescimento Populacional e Urbanizaccedilatildeo no Brasil e na Regiatildeo Norte
1940-2000
176
Tabela 6
Crescimento Populacional do municiacutepio de Satildeo Luiacutes 198
Tabela 7
Crescimento Demograacutefico da Cidade de Satildeo Luiacutes (XVII-1940) 207
Tabela 8
Evoluccedilatildeo Demograacutefica do Municiacutepio de Satildeo Luiacutes 1940-1970 208
Tabela 9
Conjuntos habitacionais produzidos pela Cohab-MA 1967-1970 214
Tabela 10
Conjuntos habitacionais estatais produzidos por meio da Cohab e
Cooperativas 1971-1980
219
Tabela 11
Domiciacutelios particulares com rendimento nominal mensal domiciliar per
capita
2010
232
Tabela 12
Nuacutemero de assentamentos precaacuterios em Beleacutem
2007 237
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES E SIGLAS
ALUMAR Alumiacutenio do Maranhatildeo SA
AMs Associaccedilotildees de Moradores
ASCOM Assessoria Comunitaacuteria
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional de Reconstruccedilatildeo e Desenvolvimento
BNH
CAEMA
CBB
CCs
CDPs
CEBs
CEF
CELMAR
Banco Nacional de Habitaccedilatildeo
Companhia de Aacutegua e Esgoto do Maranhatildeo
Comissatildeo de Bairros de Beleacutem
Centros Comunitaacuterios
Comitecircs Democraacuteticos Populares
Comunidades Eclesiais de Base
Caixa Econocircmica Federal
Celulose do Maranhatildeo SA
CEPAL Comissatildeo Econocircmica para Ameacuterica Latina e Caribe
CF Constituiccedilatildeo Federal
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CMN Conselho Monetaacuterio Nacional
CODEM Companhia de Administraccedilatildeo do Desenvolvimento da Aacuterea Metropolitana de
Beleacutem
CODOMAR Companhia de Docas do Maranhatildeo
COGEP Coordenadoria Geral de Planejamento
COHAB-Ma Companhia de Habitaccedilatildeo Popular do Maranhatildeo
COHAB-Pa Companhia de Habitaccedilatildeo do Estado do Paraacute
CONDUMA Conselho de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
COSANPA Companhia de Saneamento do Estado do Paraacute
COTS Caderno de Orientaccedilatildeo do Trabalho Teacutecnico Social
CTM Cadastro Teacutecnico Multifinalitaacuterio
CURA Comunidades Urbanas para Recuperaccedilatildeo Acelerada
CUT Central Uacutenica dos Trabalhadores
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DESO Departamento Social
DNOS Departamento Nacional de Obras e Saneamento
DPPH Departamento de Programas e Projetos Habitacionais
ELETROBRAS Centrais Eleacutetricas Brasileiras SA
FADS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FASE Federaccedilatildeo de Oacutergatildeos para Assistecircncia Social e Educacional
FBP Frente Beleacutem Popular
FCP Fundaccedilatildeo da Casa Popular
FEMECAM Federaccedilatildeo Metropolitana de Centros Comunitaacuterios e Associaccedilotildees de Moradores
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
FHC Fernando Henrique Cardoso
FINANSA Financiamento de Saneamento
FMRU Foacuterum Metropolitano de Reforma Urbana
FNHIS Fundo Nacional de Habitaccedilatildeo de Interesse Social
FNRU Foacuterum Nacional de Reforma Urbana
GEBAM Grupo Executivo para a Regiatildeo do Baixo Amazonas
GETAP Grupo de Trabalho de Assessoria e Planejamento
GETAT Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
IACP Instituto de Aposentados e Pensionistas do Comeacutercio
IAPs Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IFCH Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas
IMPUR Instituto Municipal da paisagem Urbana
INCRA Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
IPASE Instituto de Pensionistas e Aposentados Servidores do Estado
IPEA Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
IPLAN Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
LI Letras Imobiliaacuterias
LOM Lei Orgacircnica do Municiacutepio
MBES Ministeacuterio do Bem-Estar Social
MCMV Programa Minha Casa Minha Vida
MHU Ministeacuterio da Habitaccedilatildeo Urbanismo e Meio Ambiente
MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana
MPO Ministeacuterio do Planejamento e Orccedilamento
MSUs Movimentos Sociais Urbanos
NAEA Nuacutecleo de Altos Estudos Amazocircnicos
OGU Orccedilamento Geral da Uniatildeo
ONGs Organizaccedilotildees Natildeo-governamentais
OP Orccedilamento Participativo
PAC Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento
PAEG Programa de Accedilatildeo Econocircmica do Governo
PAH Plano de Assistecircncia Habitacional
PAI Plano de Accedilatildeo Imediata
PAIH Plano de Accedilatildeo Imediata para a Habitaccedilatildeo
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PCN Projeto Calha Norte
PDDES Plano Decenal de Desenvolvimento Econocircmico e Social
PDU Plano Diretor Urbano
PGC Programa Grande Carajaacutes
PETROBRAS Companhia de Petroacuteleo Brasileiro SA
PIB Produto Interno Bruto
PLANASA Plano Nacional de Saneamento
PLANHAP Plano Nacional de Habitaccedilatildeo Popular
PMB Prefeitura Municipal de Beleacutem
PMBU Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una
PMDB Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNH Plano Nacional de Habitaccedilatildeo
Polamazocircnia Programa de Poacutelos Agropecuaacuterios e Agrominerais da Amazocircnia
PPA Plano Plurianual de Accedilatildeo
PRB Programa de Recuperaccedilatildeo das Baixadas
PROTERRA Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e Estimulo agrave Agroinduacutestria do Norte e
Nordeste
PT Partido dos Trabalhadores
PTTS Projeto de Trabalho Teacutecnico e Social
RMB Regiatildeo Metropolitana de Beleacutem
SABs Sociedades de Amigos do Bairro
SBPE Sistema Brasileiro de Poupanccedila e Empreacutestimo
SCI Sociedades de Creacutedito Imobiliaacuterio
SCH Sociedade Comunitaacuteria Habitacional
SEAC Secretaria Especial de Accedilatildeo Comunitaacuteria
SECON Secretaria Municipal de Economia
SEDURB Secretaria Executiva de Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado do Paraacute
SEGEP Secretaria Municipal de Coordenaccedilatildeo Geral do Planejamento e Gestatildeo
SEHAB Secretaria Municipal de Habitaccedilatildeo
SEMTHURB Secretaria Municipal de Terras Habitaccedilatildeo Urbanismo e Fiscalizaccedilatildeo Urbana
SEMTUR Secretaria Municipal de Serviccedilos Urbanos
SEPURB Secretaria de Poliacutetica Urbana
SERFHAU Serviccedilo Federal de Habitaccedilatildeo e Urbanismo
SESAN Secretaria Municipal de Saneamento
SEURB Secretaria Municipal de Urbanismo
SFH Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo
SFI Sistema Financeiro Imobiliaacuterio
SFS Sistema Financeiro de Saneamento
SNHIS Sistema Nacional de Habitaccedilatildeo de Interesse Social
SNPLI Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado
SOPREN Sociedade de Preservaccedilatildeo aos Recursos Naturais e Culturais da Amazocircnia
SPDDH Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SPVEA Superintendecircncia do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia
SUDAM Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUDENE Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUFRAMA Superintendecircncia da Zona Franca de Manaus
UFMA Universidade Federal do Maranhatildeo
UFPA Universidade Federal do Paraacute
UNAMA Universidade da Amazocircnia
UNIPOP Universidade Popular
ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 17
2 QUESTAtildeO URBANA E HABITACIONAL NO BRASIL CONTEMPORAcircNEO
27
21 A PRODUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO E DA MORADIA
27
22 AGENTES PRODUTORES E CONSUMIDORES DO ESPACcedilO E O PAPEL DO
ESTADO 38
23 A QUESTAtildeO HABITACIONAL NO PLANEJAMENTO E GESTAtildeO DE CIDADES
53
24 CONCEPCcedilOtildeES DE PLANEJAMENTO E GESTAtildeO DE CIDADES 75
25 O DIREITO Agrave CIDADE E O DIREITO Agrave MORADIA
88
3 POLIacuteTICA HABITACIONAL NO BRASIL E NA AMAZOcircNIA
102
31 TRAJETOacuteRIA DA POLIacuteTICA HABITACIONAL
102
32 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS HABITACIONAIS REALIDADE OU UTOPIA
135
33 A POLIacuteTICA HABITACIONAL E A LEGISLACcedilAtildeO URBANIacuteSTICA
147
4 BELEacuteM-PA E SAtildeO LUIS-MA CIDADES DAS DESIGUALDADES
162
41 CONSTRUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO EM BELEacuteM E A QUESTAtildeO
HABITACIONAL
163
42 CONSTRUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO EM SAtildeO LUIS E A QUESTAtildeO
HABITACIONAL
197
5 A QUESTAtildeO HABITACIONAL EM BELEacuteM E SAtildeO LUIS EXCLUSAtildeO SOCIAL
SEGREGACcedilAtildeO ESPACIAL E GESTAtildeO URBANA
229
51 PROGRAMASPROJETOS HABITACIONAIS AVALIACcedilAtildeO DOS MODELOS
ADOTADOS
246
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
280
REFEREcircNCIAS 294
17
1 INTRODUCcedilAtildeO
Durante a vigecircncia do regime autoritaacuterio (1964-1985) as poliacuteticas puacuteblicas
promovidas pelo Estado brasileiro se caracterizavam por um lado pela centralizaccedilatildeo
decisoacuteria e financeira na esfera federal cabendo aos estados e municiacutepios o papel de
executores das poliacuteticas formuladas centralmente Por outro lado agrave medida que os recursos
eram controlados pelo governo federal tendia a estabelecer-se uma articulaccedilatildeo entre governos
estaduais e municipais baseada na troca de favores de cunho clientelistas
Outra caracteriacutestica era a exclusatildeo da sociedade civil do processo de formulaccedilatildeo das
poliacuteticas da implementaccedilatildeo dos programas e do controle da accedilatildeo governamental que
representou um padratildeo natildeo-democraacutetico de articulaccedilatildeo EstadoSociedade e de gestatildeo
hierarquizada reforccedilando a tendecircncia ao comprometimento das metas de equumlidade assim
como introduziu no sistema um crescente deacuteficit de accountability e de responsabilidade
puacuteblica (DINIZ 1996)
O paradigma que norteou a constituiccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social no Paiacutes foi o
do Estado do Bem-Estar (Welfare State) implantado nos paiacuteses capitalistas ocidentais no poacutes-
guerra onde a provisatildeo de bens e serviccedilos puacuteblicos era de inteira responsabilidade do Estado
dada agrave insuficiecircncia das respostas oferecidas pelo mercado e diante da fragilidade da
sociedade civil frente aos enormes desafios na aacuterea da reproduccedilatildeo social
A revisatildeo desse modelo embora tenha sido proposta pelas agecircncias multilaterais de
financiamento
como o Banco Mundial
no final dos anos 1950 soacute foi efetivada no final da
deacutecada de 1970 e iniacutecio dos anos 1980 atraveacutes da definiccedilatildeo de uma agenda de reforma do
Estado sob a eacutegide neoliberal que se traduziu na transferecircncia de responsabilidade com a
produccedilatildeo direta de bens e serviccedilos de consumo coletivo do acircmbito do Estado para o mercado
e a sociedade civil
Isto se refletiu na desarticulaccedilatildeo da capacidade de governar por parte dos Estados na
Ameacuterica Latina Grande parte da capacidade de planejamento e da competitividade das
economias nacionais foi drasticamente reduzida Os recursos destinados agraves poliacuteticas sociais e
agrave remuneraccedilatildeo do funcionalismo puacuteblico tecircm sido reduzidos progressivamente
No entanto a crise que atingiu o Paiacutes desde o iniacutecio da deacutecada de 1980 e as
alteraccedilotildees na economia capitalista mundial em que se destacam a reestruturaccedilatildeo produtiva e a
globalizaccedilatildeo redefiniu os termos da inserccedilatildeo do Brasil no cenaacuterio internacional Novos
desafios foram colocados aos atores que haviam participado da formulaccedilatildeo da agenda
democraacutetica e estavam engajados com a efetivaccedilatildeo da reforma Na reformulaccedilatildeo dessa
18
agenda natildeo se pretendia o desmantelamento do Estado mas sim uma reforma da accedilatildeo estatal
voltada agrave busca da eficiecircncia da eficaacutecia e da efetividade dessa accedilatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se um marco no tocante a discussatildeo sobre a
governabilidade do sistema poliacutetico e participaccedilatildeo popular Fomentada pelos movimentos e
demais organizaccedilotildees sociais ganhou relevacircncia a discussatildeo sobre descentralizaccedilatildeo
administrativa principalmente a reflexatildeo sobre uma nova cultura poliacutetica alicerccedilada na noccedilatildeo
de direitos do cidadatildeo e da necessidade de incorporaccedilatildeo deste no processo de planejamento e
gestatildeo de planos programas e projetos
Nessa conjuntura a nova cultura poliacutetica que comeccedila a emergir a partir das
discussotildees travadas entre as organizaccedilotildees sociais partidos poliacuteticos intelectuais e parte das
igrejas aponta para novas formas de articulaccedilatildeo do Estado com a sociedade civil e com o
setor privado visando agrave garantia da eficiecircncia atraveacutes da descentralizaccedilatildeo que natildeo significa
apenas a transferecircncia de atribuiccedilotildees mas eacute vista sobretudo como redistribuiccedilatildeo de poder
favorecendo a democratizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e Sociedade e a democratizaccedilatildeo de
acesso aos serviccedilos
No Brasil os movimentos sociais tiveram e tecircm papel fundamental no processo de
redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes Nos anos de 1970 e 1980 emergiram novos movimentos sociais
que se organizaram como espaccedilo de accedilatildeo reivindicatoacuteria construindo uma cultura
participativa e autocircnoma colocando novos temas na agenda puacuteblica entre eles o da Reforma
Urbana Em meio a muitos embates esses agentes coletivos multiplicaram-se fortaleceram-se
e tornaram-se propositivos Satildeo hoje reconhecidos como legiacutetimos interlocutores no cenaacuterio
brasileiro (GOHN 1985)
O reconhecimento da importacircncia da participaccedilatildeo popular nos programas e projetos
vinculados agraves poliacuteticas puacuteblicas aqui centradas nas aacutereas de desenvolvimento urbano tem se
tornado um consenso e no entanto natildeo se tem uma clareza sobre como e em que grau de
intensidade seria necessaacuterio para que se atinja ao objetivo de garantir a sustentabilidade das
intervenccedilotildees advindas da execuccedilatildeo de programas de desenvolvimento urbano nas cidades
Nesse sentido a concepccedilatildeo de participaccedilatildeo popular se relaciona com os processos
que visam superar os mecanismos de exclusatildeo social presentes no tecido social atraveacutes da
conquista de espaccedilos onde seja garantida a participaccedilatildeo da sociedade na gestatildeo da cidade
(SADER PAOLI 1988 p 59)
Assim a luta pela participaccedilatildeo popular no acircmbito do planejamento e gestatildeo de
poliacuteticas urbanas no decorrer da histoacuteria brasileira trouxe em seu contexto o constante
enfrentamento da exclusatildeo social propondo uma maior democratizaccedilatildeo da sociedade e
19
buscando intervir no processo de decisatildeo das poliacuteticas urbanas visando dessa maneira uma
melhor distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos
Na Amazocircnia esse processo natildeo foi diferente Desde o periacuteodo militar que os
movimentos populares passaram a se organizar tendo como objetivo pressionar as estruturas
poliacuteticas vigentes ao niacutevel das agecircncias estatais e privadas fazendo frente aos inuacutemeros
problemas provocados pela accedilatildeo autoritaacuteria dos oacutergatildeos estatais e privados e que afetavam as
condiccedilotildees de vida das classes populares na regiatildeo (CRUZ 1994)
Foi um periacuteodo marcado por fortes modificaccedilotildees nos espaccedilos urbano e rural da
regiatildeo que contou com a intervenccedilatildeo direta e centralizada do Estado que desde a deacutecada de
1950 vinha consolidando um modelo nacional-desenvolvimentista introduzindo assim a
Amazocircnia no circuito propriamente capitalista Com isso ocorreu um significativo processo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo regional manifestando-se ao niacutevel da estruturaccedilatildeo do sistema urbano
da regiatildeo e de uma urbanizaccedilatildeo intensiva e crescente do municiacutepio de Beleacutem entre outros
poacutelos urbanos regionais (CASTRO ACEVEDO MARIN 1987)
Nos anos 1960 aleacutem dos projetos agro-pecuaacuterios os governos federal e estadual
investiram na criaccedilatildeo de infraestrutura como a construccedilatildeo da rodovia Beleacutem-Brasiacutelia que
facilitou o ingresso de grande contingente migratoacuterio estimulado pela promessa de terras
abundantes e de faacutecil acesso tendo em vista a garantia da forccedila de trabalho necessaacuteria agrave
implantaccedilatildeo dos grandes projetos (SOUZA 1992)
Em Beleacutem esse fenocircmeno gerou por um lado uma pressatildeo demograacutefica sobre as
aacutereas urbanizadas de cotas altas estimulando a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e por outro uma
ocupaccedilatildeo desordenada das baixadas sem infraestrutura por uma camada popular com
baixo poder aquisitivo A ocupaccedilatildeo irregular a falta de uma infraestrutura sanitaacuteria e o
descaso de sucessivas administraccedilotildees municipais com a qualidade dos programas e projetos
de poliacuteticas urbanas completavam o quadro de agravamento da miseacuteria social e da degradaccedilatildeo
ambiental passando a se constituir em importantes moacuteveis de lutas urbanas
Nesse sentido as lutas pelos serviccedilos baacutesicos de infraestrutura sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo implementaram um haacutebito de construir um poder pela base na praacutexis cotidiana
dando origem agrave constituiccedilatildeo de novos sujeitos sociais coletivos e natildeo mais individualizados
Contrariando a praacutetica dos anos anteriores em que a sociedade seguia fielmente as orientaccedilotildees
dos grupos oligaacuterquicos
Constituindo-se sujeitos coletivos as organizaccedilotildees de bairros em 1978 unificaram-
se na luta pela posse da terra e por moradia lanccedilando a Campanha pelo Direito de Morar que
envolveu vaacuterios bairros como Jurunas Sacramenta etc Essa praacutetica vai culminar com o
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fortalecimento das organizaccedilotildees e com a criaccedilatildeo da Comissatildeo de Bairros de Beleacutem (CBB)
em 1979 (CRUZ 1994)
Os Movimentos Populares atingiram conquistas importantes ateacute 1982 quando
acontecem mudanccedilas na conjuntura poliacutetica do Paiacutes atraveacutes das eleiccedilotildees diretas para
governador e deputados na qual o grande vencedor foi o Partido do Movimento Democraacutetico
Brasileiro (PMDB) que venceu as eleiccedilotildees na maioria das capitais brasileiras Com isso
mudou-se tambeacutem o comportamento do Estado que passaraacute a tratar a organizaccedilatildeo popular
como um instrumento a seu serviccedilo
O Estado passou a orientar seus agentes a realizarem reuniotildees nos bairros e a contar
com a participaccedilatildeo dos moradores nas decisotildees tomadas tentando ainda utilizar-se das
organizaccedilotildees de bairros para viabilizar suas poliacuteticas por meio de cooptaccedilatildeo e da criaccedilatildeo de
entidades fantasmas com o objetivo de enfraquecer a luta social
Em Satildeo Luiacutes a partir da deacutecada de 1960 ocorreu um dinamismo acelerado de
crescimento populacional em virtude de vaacuterios beneficiamentos realizados na cidade tais
como construccedilatildeo das duas pontes sobre o rio Anil barragem do Bacanga construccedilatildeo da 1ordf
etapa do porto de cargas gerais do Itaqui e asfaltamento da BR-135 Aleacutem desses
acontecimentos as deacutecadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela instalaccedilatildeo de grandes
capitais industriais como as empresas Alumiacutenio do Maranhatildeo SA (ALUMAR) a Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) e a Celulose do Maranhatildeo SA (CELMAR) que favoreceram o
surgimento de ocupaccedilotildees irregulares palafitas e favelas
A cidade de Satildeo Luis passa entatildeo a sofrer modificaccedilotildees profundas destacando-se o
significativo aumento das ocupaccedilotildees de terras para a construccedilatildeo de moradias Os processos
migratoacuterios campocidade se intensificam Milhares de famiacutelias se dirigem para Satildeo Luiacutes em
busca de melhores condiccedilotildees de vida e emprego No entanto grande parte dessas famiacutelias
migrante natildeo encontra emprego fixo e bem remunerado e as formas de sobrevivecircncia
baseiam-se nos serviccedilos domeacutesticos e no mercado informal
Segundo Luz (2004) a deacutecada de 1960 eacute marcada por um intenso debate em torno
dos programas governamentais voltados para a modernizaccedilatildeo conservadora do Maranhatildeo O
Estado passa a ser o facilitador
por meio de instrumentos juriacutedicos poliacuteticos e econocircmicos
da criaccedilatildeo de condiccedilotildees sociais favoraacuteveis para as grandes empresas investirem na regiatildeo com
condiccedilotildees miacutenimas de terra farta e matildeo-de-obra barata Para garantir que o processo natildeo
tivesse obstaacuteculos a sua efetivaccedilatildeo levou-se a cabo um amplo processo de modernizaccedilatildeo da
economia cujo traccedilo principal estava baseado nos grandes projetos e no apoio irrestrito das
elites locais e nacionais ao grande capital nacional e estrangeiro
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Para isso o Estado inicia a abertura de vaacuterias aacutereas de expansatildeo urbano-industrial
destacando-se a aacuterea hoje compreendida pelo eixo ItaquiBacanga No governo Sarney (1966-
1970) esta aacuterea eacute eleita como um espaccedilo estrateacutegico para o processo de modernizaccedilatildeo
conservadora pelo plano de governo denominado Maranhatildeo Novo Aleacutem dos projetos
industriais e da construccedilatildeo do Porto do Itaquiacute a regiatildeo seria contornada pela construccedilatildeo de
conjuntos habitacionais para a matildeo-de-obra requerida pelas induacutestrias que iriam se implantar
na regiatildeo
A expansatildeo urbana da cidade de Satildeo Luiacutes em direccedilatildeo agrave regiatildeo Industrial do Itaqui
estava articulada com o processo de remoccedilatildeo de famiacutelias das regiotildees alagadas pelos rios
Bacanga e de outras aacutereas destinadas para construccedilatildeo do Anel Viaacuterio Aeroporto Internacional
do Tirirical e de outras regiotildees atingidas pelo processo de implantaccedilatildeo dos grandes projetos e
de renovaccedilatildeo urbaniacutestica de Satildeo Luiacutes
A remoccedilatildeo de famiacutelias das aacutereas de interesse do governo tinha o objetivo de abrir
espaccedilo para garantir a modernizaccedilatildeo urbaniacutestica da cidade dotaacute-la de infraestrutura necessaacuteria
para a implantaccedilatildeo dos grandes projetos
a exemplo da Barragem do Bacanga bem como
dos interesses do capital imobiliaacuterio e mercantil
a exemplo das aacutereas valorizadas do entorno
da cidade e da regiatildeo comercial da KennedyAreinha Satildeo FranciscoRenascenccedila Olho
D aguaAraccedilagi
A segregaccedilatildeo urbano-espacial de Satildeo Luis consolidou-se no Plano Diretor de 1977 o
qual previa de um lado a construccedilatildeo de um nuacutecleo residencial destinado para as famiacutelias de
melhor poder aquisitivo de outro se previa uma seacuterie de intervenccedilotildees estatais com o objetivo
de criar aacutereas e zonas para a implantaccedilatildeo de projetos industriais e de recuperaccedilatildeo de aacutereas que
seriam destinadas para as classes populares
Sendo assim Luz (2004) argumenta que a urbanizaccedilatildeo da cidade de Satildeo Luiacutes eacute o
resultado de um processo de desenvolvimento capitalista no qual o Estado - nos niacuteveis
federal estadual e municipal - esteve empenhado desde o iniacutecio em articular-se para criar as
condiccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e juriacutedicas necessaacuterias ao processo de acumulaccedilatildeo de capital
no Estado ao mesmo tempo em que estabeleciam em segundo plano as poliacuteticas para atender
agraves demandas sociais
Gistelinck (1988) enfatiza que a questatildeo do deacuteficit habitacional e da falta de
infraestrutura baacutesica motiva um intenso debate pela necessidade de poliacuteticas puacuteblicas para
atender as demandas criadas pelo processo de modernizaccedilatildeo econocircmica e industrial de Satildeo
Luis
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A criaccedilatildeo dos oacutergatildeos de gestatildeo e execuccedilatildeo da poliacutetica habitacional tanto no plano
federal quanto estadual eacute um claro sinal da importacircncia da poliacutetica urbana na estrateacutegia do
governo para o enfrentamento da questatildeo social que se agudizava nas cidades brasileiras
Todavia os poucos recursos destinados para a populaccedilatildeo de baixa renda foram
marcados pelo clientelismo eou por accedilotildees urbanas de caraacuteter pontual e segregador a exemplo
dos programas de remoccedilatildeo de favelas e palafitas
Dentro deste contexto histoacuterico eacute possiacutevel se inferir que em Beleacutem-Pa e em Satildeo Luis-
Ma ocorreram nas uacuteltimas deacutecadas mudanccedilas nas relaccedilotildees entre o Estado e os movimentos
sociais no que diz respeito ao processo de participaccedilatildeo na poliacutetica urbana como por exemplo
os projetos de habitaccedilatildeo implementados pelo governo municipal nas aacutereas consideradas de
baixadasalagadas das cidades Entretanto estas alteraccedilotildees permitiram a participaccedilatildeo somente
de alguns segmentos que foram incorporados agraves discussotildees
A emergecircncia dos movimentos sociais permitiu a constituiccedilatildeo de canais de
interlocuccedilatildeo com o poder puacuteblico capazes de legitimar socialmente as demandas populares
gerou uma disputa na cena puacuteblica pela formulaccedilatildeo de uma nova agenda poliacutetica de
intervenccedilotildees puacuteblicas e garantiu a participaccedilatildeo popular no processo de implementaccedilatildeo das
poliacuteticas de habitaccedilatildeo que se desenvolveram nas referidas cidades
Esse debate se constitui num importante instrumento para a avaliaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de habitaccedilatildeo que foram implementadas na medida em que possibilita lanccedilar luz
sobre algumas dimensotildees que se julgam fundamentais na discussatildeo dos limites e desafios de
tais poliacuteticas entre as quais se destacam a caracterizaccedilatildeo das desigualdades no acesso a
habitaccedilatildeo como expressatildeo das desigualdades sociais e ambientais
Deste modo o presente trabalho intitulado Poliacuteticas Habitacionais em Cidades
Amazocircnicas Beleacutem e Satildeo Luiacutes na perspectiva comparativa teve por objetivo analisar os
modelos de gestatildeo das poliacuteticas habitacionais implementadas em cidades amazocircnicas assim
como os impactos na organizaccedilatildeo espacial das cidades e a relaccedilatildeo com o padratildeo de
segregaccedilatildeo soacutecioespacial existente
Mais do que uma forma espacializada da exclusatildeo pretende-se uma abordagem
soacutecioespacial que procure avaliar o potencial de transformaccedilatildeo que possa estar atrelado agraves
praacuteticas cotidianas da cidade as quais podem ser reconhecidas como legiacutetimas nas poliacuteticas
puacuteblicas
Para tanto eacute imprescindiacutevel repensar a participaccedilatildeo do Estado no conjunto das
praacuteticas sociais voltadas para o enfrentamento das vaacuterias dimensotildees da exclusatildeo natildeo apenas
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pela participaccedilatildeo na partilha do excedente gerado pelo modelo econocircmico mas tambeacutem pelo
reconhecimento de suas formas alternativas de relaccedilotildees sociais e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos
Nesse sentido a pesquisa visou responder as seguintes indagaccedilotildees 1) Qual a
concepccedilatildeo de gestatildeo que tem norteado as poliacuteticas habitacionais implementadas em Beleacutem-Pa
e Satildeo Luiacutes-Ma 2) Qual a relaccedilatildeo existente entre governo e sociedade civil no processo de
planejamento e gestatildeo das poliacuteticas habitacionais nos referidos municiacutepios 3) Os modelos de
gestatildeo adotados tecircm contribuiacutedo para a reduccedilatildeo da segregaccedilatildeo soacutecioespacial
O estudo foi conduzido pelo meacutetodo comparativo que permite identificar as
diferenccedilas e semelhanccedilas entre as experiecircncias de gestatildeo de poliacuteticas habitacionais em dois
municiacutepios da Regiatildeo Amazocircnica Beleacutem-Pa e Satildeo Luis-Ma enfocando o processo de
planejamento e gestatildeo da poliacutetica habitacional e a dinacircmica dos agentes sociais percebendo
suas contradiccedilotildees e estrateacutegias de intervenccedilatildeo
O ferramental metodoloacutegico utilizado teve como base a dimensatildeo poliacutetico-
institucional Desse modo para se fazer a anaacutelise dos modelos de gestatildeo das poliacuteticas
habitacionais implementadas em Beleacutem-Pa e em Satildeo Luiacutes-Ma fez-se imprescindiacutevel buscar
informaccedilotildees nas instituiccedilotildees responsaacuteveis a fim de compreender as accedilotildees do poder puacuteblico
municipal seus interesses estrateacutegias e os resultados alcanccedilados na implementaccedilatildeo da
poliacutetica habitacional nos referidos municiacutepios visando encontrar possiacuteveis semelhanccedilas e
identificaccedilotildees ainda que um pouco diferenciadas quanto agrave forma de produccedilatildeo do espaccedilo
urbano
Para Santos (1996 p 36) quando se pensa nas simultaneidades definidoras do
espaccedilo a discussatildeo natildeo se limita agrave organizaccedilatildeo agrave proposiccedilatildeo ou instituiccedilatildeo de regras mas
tambeacutem natildeo escapa delas Se o modo de produccedilatildeo organiza e produz um espaccedilo a praacutetica
neste mesmo espaccedilo o subverte e o transforma sendo impossiacutevel pensar a organizaccedilatildeo do
espaccedilo sem perceber como ele eacute usado sem percebecirc-lo como impregnado de sujeitos ativos e
por isso poliacuteticos
Assim eacute importante destacar que na anaacutelise das poliacuteticas habitacionais seraacute levada
em conta a forma como eacute percebido e vivido o espaccedilo urbano reconhecendo seu potencial
poliacutetico enquanto elemento que pode determinar eou influenciar o modo como se pensa a
poliacutetica puacuteblica
Massey (2008) argumenta que quando se analisa as poliacuteticas implementadas no
espaccedilo urbano idealiza-se o potencial poliacutetico do espaccedilo como uma genuiacutena multiplicidade de
trajetoacuterias e potencialmente de vozes na enunciaccedilatildeo de atores sociais em suas accedilotildees
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cotidianas quando se apropriam subvertem e transformam as regras e instituiccedilotildees
incorporando e transcendendo o espaccedilo da poliacutetica
Assim os procedimentos metodoloacutegicos para a coleta de dados que nortearam esse
trabalho foram desenvolvidos em trecircs etapas a) pesquisa bibliograacutefica (com o objetivo
construir um referencial de anaacutelise dos eixos que fundamentam o trabalho planejamento e
gestatildeo democraacutetica poliacuteticas puacuteblicas poliacuteticas habitacionais) documental e levantamento de
dados estatiacutesticos b) entrevistas com teacutecnicos e gestores das instituiccedilotildees governamentais
ligados aos programas ou projetos habitacionais e c) observaccedilatildeo direta que se deu por meio
da presenccedila da pesquisadora nas reuniotildees e em vaacuterios foacuteruns onde aconteceram os debates e
as deliberaccedilotildees acerca dos programas ou projetos habitacionais no intuito de observar as
dinacircmicas dos agentes sociais envolvidos
A estrateacutegia metodoloacutegica adotada para a anaacutelise da poliacutetica habitacional foi
apreendida de modo a conjugar dois niacuteveis de informaccedilatildeo em primeiro lugar por meio do
diagnoacutestico habitacional das referidas cidades em segundo se processou uma avaliaccedilatildeo das
poliacuteticas habitacionais com base no levantamento dos programas e projetos desenvolvidos
nas cidades e dos instrumentos de ordenamento no campo da administraccedilatildeo puacuteblica Vale
ressaltar que esses dois momentos satildeo indissociaacuteveis uma vez que existe uma
complementaridade entre os dados de um e de outro possibilitando ampliar a compreensatildeo
sobre a realidade estudada
A avaliaccedilatildeo das poliacuteticas habitacionais teve como base a anaacutelise contextual e
documental sendo que a avaliaccedilatildeo nesse caso se sustentou na anaacutelise de trecircs elementos
institucionais1 normativos2 e operacionais3
Eacute importante enfatizar que nessa tese natildeo se preeeee ot eneme sesee
ei
ele
moeeo e
otrecircs
a
gundo
trecircs e
normativos0914 T76783F1 2048 76783691201155920 09dee operacativos0914 T76783F1 2048 76783585171191490 09p0914 T76783F1 2048 76783593071191490 09l0914 T76783F1 2048 76783597491191490 09a0914 T76783F1 2048 76783604301191490 09n0914 T76783F1 2048 76783612181191490 09o0914 T76783F1 2048 76783620071191490 09se
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artigos documentos mapas etc que pudessem fornecer subsiacutedios teoacutericos e metodoloacutegicos
ao estudo aleacutem de informaccedilotildees estatiacutesticas referentes aos resultados alcanccedilados com os
Projetos de Habitaccedilatildeo
Assim a pesquisa bibliograacutefica foi efetuada nas bibliotecas Central da Universidade
Federal do Paraacute (UFPA) e da Universidade Federal do Maranhatildeo (UFMA) do Instituto de
Filosofia e Ciecircncias Humanas (IFCHUFPA) do Nuacutecleo de Altos Estudos Amazocircnicos
(NAEAUFPA) da Secretaria Municipal de Coordenaccedilatildeo Geral de Planejamento e Gestatildeo de
Beleacutem (SEGEP) da Secretaria de Planejamento do Municiacutepio de Satildeo Luis entre outros
Na pesquisa documental foram investigados documentos relacionados agraves poliacuteticas
habitacionais implementadas em Beleacutem-Pa e em Satildeo Luis-Ma bem como documentos
referentes aos Projetos Habitacionais Essa pesquisa assemelhou-se agrave pesquisa bibliograacutefica
A diferenccedila entre ambas estaacute na natureza das fontes Enquanto a pesquisa bibliograacutefica se
utiliza fundamentalmente das contribuiccedilotildees dos diversos autores sobre determinado assunto a
pesquisa documental vale-se de materiais que natildeo receberam ainda um tratamento analiacutetico
A pesquisa documental e o levantamento de dados estatiacutesticos foram realizados nos
arquivos bibliograacuteficos e cartograacuteficos da Companhia de Saneamento do Paraacute (COSANPA)
Companhia de Habitaccedilatildeo do Estado do Paraacute (COHAB) Companhia de Desenvolvimento
Metropolitano de Beleacutem (CODEM) na Secretaria Municipal de Habitaccedilatildeo (SEHAB) e na
Secretaria Executiva de Desenvolvimento Urbano e Regional (SEDURB) na Secretaria
Municipal de Terras Habitaccedilatildeo Urbanismo e Fiscalizaccedilatildeo Urbana (SEMTHURB) na
Companhia de Aacutegua e Esgoto do Maranhatildeo (CAEMA) Companhia de Habitaccedilatildeo do
Maranhatildeo (COHAB-Ma) entre outros Aleacutem de consultas agraves notiacutecias dos jornais de grande
circulaccedilatildeo em Beleacutem e em Satildeo Luis foi realizada tambeacutem consulta ao acervo bibliograacutefico e
fotograacutefico das aacutereas em estudo
A consulta aos arquivos dessas instituiccedilotildees foi relevante para a presente pesquisa
pois elas tiveram uma atuaccedilatildeo significativa em todo o processo de planejamento e
implementaccedilatildeo das poliacuteticas habitacionais e hoje continua fornecendo-lhe suporte teacutecnico-
institucional
O trabalho de campo faz-se indispensaacutevel Conforme Oliveira (1996) a importacircncia
deste atraveacutes do olhar ouvir e escrever constituem-se como momentos necessaacuterios e
estrateacutegicos para a compreensatildeo do fenocircmeno que se quer estudar especialmente no que diz
respeito ao exerciacutecio da pesquisa empiacuterica e agrave interpretaccedilatildeo de seus resultados
Com relaccedilatildeo agraves entrevistas foram realizadas com teacutecnicos e gestores das Secretarias
de Habitaccedilatildeo das cidades pesquisadas com a finalidade de conhecer os modelos de gestatildeo das
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poliacuteticas habitacionais implementados em Beleacutem-Pa e em Satildeo Luis-Ma assim como entender
a importacircncia atribuiacuteda agrave questatildeo habitacional pelos diferentes agentes sociais analisar a
importacircncia e as repercussotildees da participaccedilatildeo popular nos projetos habitacionais buscando
entender as estrateacutegias adotadas pelos setores populares e sua possiacutevel contribuiccedilatildeo ou natildeo
para o desenvolvimento dos mesmos elucidar o papel dos planos diretores na efetivaccedilatildeo do
planejamento urbano identificar os limites e desafios das poliacuteticas habitacionais
desenvolvidas nas referidas cidades comparando suas dinacircmicas composiccedilotildees articulaccedilotildees e
accedilotildees que direcionam e satildeo direcionadas pelos governos municipais
Esse momento constitui-se em uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o entrevistado e os
recursos da entrevista foram utilizados tanto nos seus aspectos quantitativos como
qualitativos haja vista que satildeo complementares De acordo com Cardoso (1986 p 96) a
oposiccedilatildeo entre qualitativo e quantitativo natildeo corresponde a modos opostos e inconciliaacuteveis de
ver a realidade Satildeo modos diversos de resgatar a vida social e chegar a iluminar aspectos natildeo
aparentes e natildeo conscientes para os atores envolvidos
Apoacutes a coleta dos dados foram realizadas a interpretaccedilatildeo dos mesmos e a elaboraccedilatildeo
dessa tese que estaacute estruturada da seguinte maneira
O primeiro capiacutetulo descreve a introduccedilatildeo da pesquisa
No segundo capiacutetulo objetivou-se realizar uma siacutentese teoacuterica das principais ideacuteias
que nortearam o debate sobre a questatildeo urbana e habitacional no Brasil abordando a
produccedilatildeo do espaccedilo urbana e da moradia enfocando quem satildeo os agentes produtores desse
espaccedilo com destaque ao papel do Estado uma vez que se compreende esse agente como
fundamental na intervenccedilatildeo organizaccedilatildeo e gestatildeo das cidades assim como ressaltar o
planejamento urbano o direito agrave cidade e o direito agrave moradia
No terceiro capiacutetulo analisou-se a poliacutetica habitacional no Brasil e na Amazocircnia
enfatizando a trajetoacuteria da poliacutetica habitacional a fim de identificar as intervenccedilotildees urbanas
governamentais e as principais caracteriacutesticas do processo de ocupaccedilatildeo territorial assim como
a legislaccedilatildeo urbaniacutestica e a participaccedilatildeo dos agentes sociais nas poliacuteticas puacuteblicas
habitacionais
No quarto capiacutetulo buscou-se delinear as principais caracteriacutesticas das poliacuteticas
municipais de Beleacutem e Satildeo Luiacutes ressaltando as desigualdades soacutecio-espaciais decorrentes do
processo de construccedilatildeo do espaccedilo urbano nas duas cidades e por fim no quarto capitulo
analisou-se os programasprojetos habitacionais que foram identificados durante a pesquisa
documental nas secretarias municipais
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2 QUESTAtildeO URBANA E HABITACIONAL NO BRASIL CONTEMPORAcircNEO
21 A PRODUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO E DA MORADIA
Refletir sobre a produccedilatildeo do espaccedilo urbano e nele a da moradia no contexto da
sociedade capitalista requer a necessidade de compreendecirc-lo como uma construccedilatildeo histoacuterica
caracterizando-se em uma condiccedilatildeo necessaacuteria para reproduccedilatildeo do capital e dos diversos
grupos sociais
Sendo assim eacute fundamental uma apreensatildeo de autores que se preocuparam em
investigar o urbano articulando-o ao modo de produccedilatildeo capitalista e agrave dinacircmica dos agentes
que lutam na cidade pela produccedilatildeo de sua existecircncia
O espaccedilo urbano pode ser entendido aqui como um processo construiacutedo
historicamente por agentes que produzem e consomem esse espaccedilo como um produto social
fragmentado e articulado permeado de siacutembolos e tambeacutem como um campo de lutas tendo
a cidade como sua forma que expressa natildeo soacute a localizaccedilatildeo e arranjo de lugares expressa um
modo de vida Esse modo de vida natildeo estaacute ligado somente ao modo de produccedilatildeo econocircmica
embora sofra seus efeitos mas estaacute ligado a todas as esferas da vida social cultural
simboacutelica psicoloacutegica ambiental religiosa e educacional
O urbano pode ser entendido como um modo de vida ligado a certa divisatildeo do
trabalho uma forma social enquanto a cidade seria a materializaccedilatildeo dessa forma (HARVEY
1980)
Trindade Junior (1998) ressalta que o espaccedilo eacute socialmente produzido e esta
produccedilatildeo ocorre paralelamente com a produccedilatildeo de bens materiais necessaacuterios agrave sobrevivecircncia
do homem Portanto a produccedilatildeo do espaccedilo urbano pode ser interpretada como uma dimensatildeo
real e concreta onde se realiza a vida humana e como uma dimensatildeo abstrata que ocorre de
modo diferenciado no tempo e no lugar ganhando materialidade por meio do territoacuterio
A cidade pode ser vista entatildeo como um conjunto de apropriaccedilotildees e usos que a
valoram diferentemente na qual as combinaccedilotildees dinacircmicas produzidas assumem tanto valores
de uso quanto de troca que iratildeo se relacionar dialeticamente entre si A cidade eacute tambeacutem por
excelecircncia lugar ou espaccedilo do estar junto
Para Harvey (1993) as modificaccedilotildees impliacutecitas das relaccedilotildees sociais e as diferentes
apreensotildees cognoscitivas do espaccedilo geograacutefico bem como a ideacuteia de supressatildeo ou ampliaccedilatildeo
dos espaccedilos de lazer podem levar a inuacutemeras modificaccedilotildees do imaginaacuterio coletivo e das
relaccedilotildees culturais no espaccedilo urbano
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Na visatildeo desse autor a produccedilatildeo do espaccedilo significa coexistecircncia e sobreposiccedilatildeo de
relaccedilotildees sociais Significa tambeacutem materialidade de processos sociais aparentemente
naturais que satildeo estruturados com base em interesses e praacuteticas individuais e coletivas sendo
guiados por um conjunto de disposiccedilotildees duradouras subjacente a tais praacuteticas e processos
Para entender estes processos eacute preciso compreender os mecanismos que consubstanciam as
praacuteticas sociais que materializadas balizam o espaccedilo urbano Este espaccedilo eacute formado por
uma praacutexis social que tem como pano de fundo um sistema econocircmico (e poliacutetico) complexo
e criativo que se renova constantemente se reinventando inclusive em suas proacuteprias crises
naquilo que ficou conhecido como destruiccedilatildeo criativa (HARVEY 2005 p 58)
Aleacutem disso o autor argumenta que a produccedilatildeo do espaccedilo urbano com fins para o
desenvolvimento baseado na acumulaccedilatildeo do capital expressa a caracteriacutestica peculiar de
permanente mudanccedila de suas praacuteticas e processos materiais de reproduccedilatildeo social assim como
os significados de tempo e espaccedilo que tambeacutem se modificam e essas transformaccedilotildees podem
ter consequumlecircncias para a organizaccedilatildeo da vida diaacuteria
O capital se representa sob a forma de uma paisagem fiacutesica criada agrave sua proacutepria imagem criada como valores de uso favorecedores da acumulaccedilatildeo progressiva do capital A paisagem geograacutefica daiacute resultante eacute a gloacuteria que coroa o desenvolvimento capitalista precedente Mas ao mesmo tempo ela expressa o poder da matildeo-de-obra morta sobre a matildeo-de-obra viva e como tal aprisiona e inibe o processo de acumulaccedilatildeo dentro de um conjunto de restriccedilotildees fiacutesicas especiacuteficas [] O desenvolvimento capitalista portanto tem que negociar um caminho muito estreito entre a preservaccedilatildeo dos valores de troca dos investimentos de capital passado no meio ambiente construiacutedo e a destruiccedilatildeo do valor desses investimentos a fim de abrir um novo espaccedilo para acumulaccedilatildeo No capitalismo portanto haacute uma luta perpeacutetua em que o capital constroacutei uma paisagem fiacutesica apropriada agrave sua proacutepria condiccedilatildeo em determinado momento do tempo simplesmente para ter que destruiacute-la geralmente durante situaccedilotildees de crise num momento posterior do tempo O fluxo e refluxo temporal e geograacutefico do investimento no meio ambiente construiacutedo soacute podem ser entendidos em termos desse processo (HARVEY 1993 p 127)
Uma contribuiccedilatildeo teoacuterica e conceitual importante para a anaacutelise do espaccedilo urbano eacute a
obra de Pierre Bourdieu o qual propotildee uma abordagem socioloacutegica sobre habitus posiccedilotildees
sociais e estrateacutegias que visam superar a dicotomia entre objetividade e subjetividade para
anaacutelise das relaccedilotildees entre indiviacuteduos e os grupos e estruturas nos quais estatildeo implicados
Partindo da premissa de que as regularidades da sociedade se processam mediante a
interiorizaccedilatildeo das estruturas objetivas na subjetividade dos indiviacuteduos Bourdieu (2001 p
115) argumenta que
29
A relaccedilatildeo entre estruturas e accedilotildees individuais natildeo ocorre de modo mecacircnico como afirmam os objetivistas nem de modo consciente conforme apontam os subjetivistas mas de um modo dialeacutetico por meio de um sistema de disposiccedilotildees duraacuteveis que uma vez constituiacutedos no processo de socializaccedilatildeo passam a orientar as praacuteticas dos indiviacuteduos que por sua vez tendem a refletir as caracteriacutesticas das estruturas em que foram forjadas as disposiccedilotildees
Para tanto Bourdieu (2001 p 65) utiliza o conceito de habitus para explicar a
mediaccedilatildeo entre as estruturas objetivas e as subjetivas o qual pode ser compreendido como
uma capacidade infinita de engendrar produtos
pensamentos percepccedilotildees expressotildees accedilotildees
cujos limites satildeo fixados pelas condiccedilotildees histoacuterica e socialmente situadas de sua produccedilatildeo
permitindo tanto operar atos de conhecimento praacutetico fundados no mapeamento e no
reconhecimento de estiacutemulos condicionais e convencionais a que os agentes estatildeo dispostos a
reagir como tambeacutem [] engenderar sem posiccedilatildeo expliacutecita de finalidades nem caacutelculo
racional de meios estrateacutegias adaptadas e incessantemente renovadas situadas poreacutem nos
limites das construccedilotildees estruturais de que satildeo o produto e que as definem
As condiccedilotildees associadas numa classe particular de condiccedilotildees de existecircncia produzem habitus um sistema de disposiccedilotildees duraacuteveis e transferiacuteveis estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes quer dizer como princiacutepios que geram e organizam praacuteticas e representaccedilotildees que podem ser adaptadas objetivamente aos seus resultados sem pressupor um fim objetivo consciente ou um domiacutenio expresso das operaccedilotildees necessaacuterio para o atingir Objetivamente regulador e regulado sem ser de qualquer forma o produto de obediecircncia a regras o habitus pode ser orquestrado coletivamente sem ser o produto da accedilatildeo organizatoacuteria de um condutor (BOURDIEU 2001 p 53)
Nesse sentido o habitus seria um conhecimento adquirido e um capital pelo qual se
indica a disposiccedilatildeo incorporada de um agente os princiacutepios geradores e organizadores de suas
praacuteticas captadas quando da sua accedilatildeo traduzindo-se na forma com que um determinado
grupo interioriza seu comportamento dentro de determinado espaccedilo social Neste caso o
espaccedilo social e o espaccedilo fiacutesico passam a ser um soacute
O espaccedilo social eacute definido como um conjunto de posiccedilotildees distintas e coexistentes
exteriores umas agraves outras definidas umas em relaccedilatildeo agraves outras por sua exterioridade muacutetua e
por relaccedilotildees de proximidade de vizinhanccedila ou de distanciamento e tambeacutem por relaccedilotildees de
ordem como acima abaixo e entre (BOURDIEU 1996 p 18)
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Bourdieu tambeacutem desenvolveu o conceito de capital simboacutelico o qual natildeo se baseia
unicamente no econocircmico mas fundamentalmente se expressa por outros tipos de capitais4
o cultural o social o poliacutetico o religioso e o esteacutetico reconhecendo a dimensatildeo simboacutelica
enquanto produtora e reprodutora da dominaccedilatildeo que estaacute por traz dos processos de
diferenciaccedilatildeo social
Sendo assim a hierarquia das posiccedilotildees sociais se constitui de acordo com o volume e
com a estrutura do capital possuiacutedo pelos indiviacuteduos e grupos que se distribuem nas diversas
posiccedilotildees do espaccedilo social
Satildeo essas accedilotildees humanas que atuam diretamente na construccedilatildeo transformaccedilatildeo e
reconstruccedilatildeo do espaccedilo Desse modo um conjunto de accedilotildees sociais que compreendem
produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de bens materiais representam praacuteticas econocircmicas em
determinado momento histoacuterico assim como o estabelecimento de relaccedilotildees entre os homens
na sociedade corroboram decisivamente para a construccedilatildeo do arranjo econocircmico social
cultural e poliacutetico do espaccedilo
Segundo Spoacutesito (2004) as praacuteticas econocircmicas modificam o espaccedilo em sua ampla
condiccedilatildeo de valor de troca ou seja as formaccedilotildees sociais em sua evoluccedilatildeo passam de uma
situaccedilatildeo de simples ocupaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo (adaptaccedilatildeo passiva) para uma
situaccedilatildeo de transformaccedilatildeo cada vez mais ampla e profunda desse espaccedilo (adaptaccedilatildeo ativa)
Essa transformaccedilatildeo compreende natildeo apenas a produccedilatildeo de bens materiais como tambeacutem a
adequaccedilatildeo do meio ambiente circundante agraves necessidades individuais familiares
comunitaacuterias e das formaccedilotildees sociais em seu conjunto
Para Castells (1983 p 181) o espaccedilo eacute um produto material de uma dada formaccedilatildeo
social Eacute determinado pelas forccedilas produtivas e pelas relaccedilotildees de produccedilatildeo que se originam
delas Analisando o espaccedilo urbano enquanto expressatildeo da estrutura social o referido autor
argumenta que a organizaccedilatildeo do espaccedilo pode ser entatildeo compreendida a partir da determinaccedilatildeo
das formas espaciais e diz que todo espaccedilo urbano eacute o espaccedilo aonde vai se configurar o
processo relativo agrave forccedila de trabalho e sua reproduccedilatildeo
Entretanto Lojkine (1981) afirma que tal anaacutelise baseia-se em equiacutevocos e que reduz
o urbano agrave forccedila de trabalho Dentre os equiacutevocos estatildeo a confusatildeo entre processo
teacutecnica
de trabalho e processo social
de produccedilatildeo confusatildeo entre a unidade imediata de produccedilatildeo e
4 Bonnewitz (2005 p 53-54) sintetiza quatro tipos de capital apresentados por Bourdieu que satildeo 1) capital econocircmico que satildeo diferentes fatores de produccedilatildeo e conjunto dos bens econocircmicos 2) capital cultural satildeo as qualificaccedilotildees intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela famiacutelia podendo se apresentar objetivados tais como nos bens culturais incorporados por exemplo no vocabulaacuterio e institucionalizados a exemplo dos tiacutetulos acadecircmicos 3) capital social se constitui pelas relaccedilotildees sociais e pelas redes de sociabilidade 4) capital simboacutelico composto pelo reconhecimento social honra e prestiacutegio
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a divisatildeo societal do trabalho no conjunto de uma formaccedilatildeo social confusatildeo entre forccedilas
produtivas e forccedilas produtivas materiais
Este autor entende o espaccedilo urbano a partir do contexto das lutas de classes
considerando o urbano como um dos lugares decisivos dessa luta enfatizando a principal
contradiccedilatildeo entre a exigecircncia de desenvolvimento do trabalho vivo e a loacutegica de acumulaccedilatildeo
do trabalho cristalizado que tende a restringir ao maacuteximo esse desenvolvimento em funccedilatildeo de
suas necessidades imediatas
Conforme Lojkine (1981) a cidade eacute o reflexo de uma nova modalidade de conflito
de classes uma vez que o espaccedilo urbano eacute organizado de maneira desigual O acesso aos
serviccedilos de infraestrutura urbana transportes coletivos e equipamentos de lazer varia de
acordo com os diferentes grupos sociais evidenciando um processo de segregaccedilatildeo
soacutecioespacial
Para ele existem trecircs tipos de segregaccedilatildeo
1 Uma oposiccedilatildeo entre o centro onde o preccedilo do solo eacute mais alto e a periferia onde
o preccedilo do solo eacute mais baixo5
2 Uma separaccedilatildeo crescente entre as zonas e moradias reservadas agraves camadas
sociais de maior poder aquisitivo e as zonas de moradia popular
3 Um esfacelamento generalizado das funccedilotildees urbanas disseminadas em zonas
geograficamente distintas especializadas zona de escritoacuterios zona industrial
zona de moradia etc
Mediante a reflexatildeo sobre tais conceitos (Castells e Lojkine) pode-se afirmar que o
urbano eacute historicamente construiacutedo enquanto espaccedilo de reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho do
capital e das proacuteprias classes sociais
A cidade torna-se assim espaccedilo destinado agrave industrializaccedilatildeo aos serviccedilos
especializados e ao crescimento do capital acarretando na concentraccedilatildeo demograacutefica e no
desenvolvimento desordenado
da cidade gerado pela necessidade de reproduccedilatildeo do capital
5 O conceito de centro utilizado nesse trabalho pode ser definido como ponto central da gestatildeo do territoacuterio centro de decisatildeo e poder Cabe destacar que a apropriaccedilatildeo e uso do solo estatildeo atrelados agraves diferenciaccedilotildees de renda sendo que determinaraacute a acessibilidade ao espaccedilo por ser diretamente vinculada agrave lei do mercado Nesse sentido a discussatildeo sobre centro e periferia natildeo deve desprezar elementos necessaacuterios a compreensatildeo de que uma aacuterea perifeacuterica natildeo eacute apenas aquela distante da aacuterea central de uma determinada cidade Devem ser levados em consideraccedilatildeo vaacuterios aspectos como fiacutesicos econocircmicos sociais e culturais que satildeo determinantes para que se compreenda as condiccedilotildees sociais e modo de vida dos moradores seja da regiatildeo central ou da perifeacuterica Para Spoacutesito (2004 p 116) o conceito de periferia urbana deve ter em vista as transformaccedilotildees que esses espaccedilos vecircm passando no seu conteuacutedo soacutecioespacial tais como os conjuntos habitacionais implantados pelo poder puacuteblico para grupos de menor poder aquisitivo loteamentos clandestinos produzidos pelas praacuteticas de autoconstruccedilatildeo e condomiacutenios fechados para grupos de maior renda e a implantaccedilatildeo de shopping centers Assim sendo esta pluralizaccedilatildeo da paisagem e dos conteuacutedos da periferia urbana revela novas praacuteticas soacutecioespaciais novas formas de diferenciaccedilatildeo e segregaccedilatildeo urbana e por fim aponta para uma fragmentaccedilatildeo territorial e social da cidade
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uma vez que o modo de vida capitalista eacute determinado pela dinacircmica das forccedilas produtivas
articuladas com a produccedilatildeo e reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho Dessa maneira pode-se dizer
que o urbano se constitui em espaccedilo de reproduccedilatildeo do capital e tambeacutem em espaccedilo de
reproduccedilatildeo de classes sociais por meio de confrontos soacutecio-poliacuteticos decorrentes da
divergecircncia de seus interesses
Portanto o urbano eacute representado por uma infraestrutura que propicia a produccedilatildeo
circulaccedilatildeo troca e consumo de mercadorias e serviccedilos aleacutem de ser produto da accedilatildeo e
interaccedilatildeo de diversas forccedilas sociais que possuem perspectivas antagocircnicas as quais satildeo
modeladas pela luta de classes causando conflitos e interesses para aleacutem do local de trabalho
passando para o local de moradia e aacutereas de consumo coletivo
Bourdieu (2001) ao tratar da dimensatildeo simboacutelica das lutas esclarece que as lutas
entre dominantes e dominados se daacute em um campo de forccedilas que podem ser expressos em
trecircs campos campo social campo de poder e campo poliacutetico
Pode-se descrever o campo social como um espaccedilo multidimensional de posiccedilotildees tal que qualquer posiccedilatildeo atual pode ser definida em funccedilatildeo de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variaacuteveis pertinentes os agentes distribuem-se assim nele na primeira dimensatildeo segundo o volume global do capital que possuem e na segunda dimensatildeo segundo a composiccedilatildeo do seu capital
quer dizer segundo o peso relativo das diferentes espeacutecies no conjunto de suas posses [] essas espeacutecies satildeo os poderes que definem as probabilidades de ganho num campo determinado (BOURDIEU 2001 p 134-135)
Em relaccedilatildeo ao campo de poder Bourdieu (2001 p 139) o definido como
Relaccedilotildees de forccedila entre as posiccedilotildees sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de forccedila social
ou de capital
de modo que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopoacutelio do poder entre os quais possuem uma dimensatildeo capital as que tecircm por finalidade a definiccedilatildeo de forma legiacutetima de poder
Campo poliacutetico para ele (2001 p 164) eacute ao mesmo tempo campo de forccedilas e
campo de lutas que tecircm em vista transformar as relaccedilotildees de forccedilas que confere a este campo a
sua estrutura em dado momento
Assim sendo enquanto resultado das relaccedilotildees e da accedilatildeo dos homens o espaccedilo
urbano adquire formas que refletem de modo geral as determinaccedilotildees que satildeo hegemocircnicas na
sociedade Esse espaccedilo eacute uma conjuntura histoacuterica e uma forma social que recebe sentido dos
processos sociais que se exprimem por meio dele ou seja por meio das relaccedilotildees estabelecidas
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entre as diferentes instacircncias de uma estrutura social a econocircmica a poliacutetica a ideoloacutegica
cultural e a conjuntura de relaccedilotildees sociais que dela resulta
Da mesma forma Lefebvre (1991 p 128) ressalta que
O espaccedilo possui no modo de produccedilatildeo o mesmo status ontoloacutegico que o capital ou o trabalho porque tanto as relaccedilotildees de posse quanto agraves de exteriorizaccedilatildeo material (a produccedilatildeo de espaccedilo) estatildeo unidas nas relaccedilotildees de propriedade que formam a essecircncia do modo capitalista de produccedilatildeo O espaccedilo eacute apenas parte das forccedilas e meios de produccedilatildeo constitui tambeacutem um produto dessas mesmas relaccedilotildees tornando o design espacial diferente de qualquer outro fator social ou mercadoria aleacutem da haver um espaccedilo de consumo ou um espaccedilo como aacuterea de impacto para o consumo coletivo haacute tambeacutem o consumo de espaccedilo ou o proacuteprio espaccedilo como objeto de consumo
Milton Santos (1991 p 71) afirma que o espaccedilo natildeo eacute nem uma coisa nem um
sistema de coisas senatildeo uma realidade relacional coisas e relaccedilotildees juntas
O espaccedilo deve ser considerado como um conjunto indissociaacutevel de que participam de um lado certo arranjo de objetos geograacuteficos objetos naturais e objetos sociais e de outro a vida que os preenche e os anima ou seja a sociedade em movimento [] um conjunto de objetos e de relaccedilotildees que se realizam sobre estes objetos natildeo entre estes especificamente mas para as quais eles servem de intermediaacuterios Os objetos ajudam a concretizar uma seacuterie de relaccedilotildees O espaccedilo eacute resultado da accedilatildeo dos homens sobre o proacuteprio espaccedilo intermediado pelos objetos naturais e artificiais
Sendo assim compreende-se que a produccedilatildeo do espaccedilo urbano e da moradia satildeo
determinados pelas relaccedilotildees sociais que se constituem no modo de vida capitalista e
determinantes da dinacircmica soacutecioespacial
Harvey (1980 p 5) argumenta que o espaccedilo urbano pode ser compreendido como
uma relaccedilatildeo contiacutenua entre processos sociais e formas espaciais constituiacutedos historicamente
Logo a gecircnese do espaccedilo urbano eacute analisada da seguinte forma o espaccedilo natildeo eacute absoluto
relativo ou relacional em si mesmo mas pode transformar-se em outro dependendo das
circunstacircncias O problema da correta conceituaccedilatildeo do espaccedilo eacute resolvido atraveacutes da praacutetica
humana em relaccedilatildeo a ele
Com o padratildeo de modernizaccedilatildeo fordista o capital instaurou-se natildeo somente por meio
da induacutestria mas tambeacutem nas relaccedilotildees de produccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do ambiente construiacutedo As
categorias analiacuteticas envolvidas na produccedilatildeo e na apropriaccedilatildeo do espaccedilo urbano satildeo o Estado
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o capital o trabalho e a terra6 como mercadoria Estas categorias podem ser melhor
identificadas quando verificam-se os fenocircmenos e processos advindos com a modernizaccedilatildeo o
ecircxodo rural a urbanizaccedilatildeo intensa e acelerada a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e o processo de
favelizaccedilatildeo e periferizaccedilatildeo da classe trabalhadora entre outros (HARVEY 1980)
Esses fenocircmenos podem ser reconhecidos assim como em outras cidades nas
cidades de Beleacutem e Satildeo Luis que sofrem com os efeitos da intensa especulaccedilatildeo imobiliaacuteria
acarretando na valorizaccedilatildeo de espaccedilos privilegiados os quais possuem mais investimentos em
infraestrutura serviccedilos e transportes
Para ele as novas configuraccedilotildees desenvolvidas no espaccedilo urbano e na moradia nas
uacuteltimas deacutecadas estatildeo diretamente relacionadas a um novo momento da estruturaccedilatildeo da
sociedade capitalista no qual o desejo exacerbado por acumulaccedilatildeo somado agrave necessidade de
reproduccedilatildeo das classes sociais contribuiu para o processo de descentralizaccedilatildeo das aacutereas
centrais deslocando-se para outros espaccedilos longiacutenquos da cidade como zonas baixadas
favelas etc instigados pelo processo de renovaccedilatildeo urbana
Castells (1996) ressalta que a globalizaccedilatildeo vem alterando profundamente as
estruturas produtivas as relaccedilotildees teacutecnicas e sociais de produccedilatildeo e os padrotildees organizacionais
e locacionais colocando novas questotildees e recolocando tambeacutem velhos desafios nos quais as
desigualdades e as possibilidades de desenvolvimento permanecem no centro desse novo
cenaacuterio Esse processo eacute resultado e condicionante das aceleradas e radicais mudanccedilas
tecnoloacutegicas determinadas pela competiccedilatildeo capitalista sob a lideranccedila da tecnologia da
informaccedilatildeo e da sociedade do conhecimento
A globalizaccedilatildeo permitiu e induziu a generalizaccedilatildeo dos novos meios de comunicaccedilatildeo
e controle (informaacutetica telemaacutetica internet TV a cabo sistemas online etc) que vecircm
facilitando e barateando os transportes e as comunicaccedilotildees potenciando o aumento do fluxo de
informaccedilotildees econocircmicas cientiacuteficas tecnoloacutegicas culturais e poliacuteticas expandindo o
comeacutercio internacional e inter-regional de bens alterando a natureza da produccedilatildeo consumo e
comeacutercio de serviccedilos inclusive possibilitando o crescimento do comeacutercio de serviccedilos agrave
distacircncia aumentando o fluxo de capitais e de pessoas especialmente financeiro construccedilatildeo
de imoacuteveis entre outros portanto acelerando a integraccedilatildeo mundial
6 A terra condiccedilatildeo fundamental para a reproduccedilatildeo do capital por meio de benfeitorias e mudanccedila no uso (passando entatildeo a solo urbano) se transforma em uma mercadoria especial Ao solo passa a ser atribuiacuteda uma condiccedilatildeo utilitarista (mascarando o trabalho) de meio e condiccedilatildeo para reproduccedilatildeo do capital O espaccedilo tambeacutem passou a incorporar esse utilitarismo sendo por vezes condiccedilatildeo indispensaacutevel para a economia urbana (HARVEY 2005)
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Estas tendecircncias refletem as profundas mudanccedilas ocorridas na dinacircmica capitalista
definindo o redirecionamento das unidades produtivas no qual novos espaccedilos satildeo explorados
para a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de novos equipamentos e infraestrutura que favoreccedilam a
concorrecircncia capitalista aleacutem da abertura de novos mercados o que produz novas
contradiccedilotildees entre o processo de produccedilatildeo social do espaccedilo urbano e da moradia e sua
apropriaccedilatildeo privada
As transformaccedilotildees do espaccedilo urbano nesse novo contexto decorrem das inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas e sociais como a fragmentaccedilatildeo das classes sociais decorrentes da relaccedilatildeo de
dominaccedilatildeo-subordinaccedilatildeo capitalista Destarte se por um lado as novas atividades produtivas
os empreendimentos imobiliaacuterios o crescimento populacional as poliacuteticas puacuteblicas ineficazes
tecircm ocasionado o adensamento e a intensificaccedilatildeo do uso de determinados espaccedilos por outro
lado tecircm propiciado a saiacuteda de uma grande parcela da populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo e
de atividades econocircmicas para outros espaccedilos degradados
O proacuteprio espaccedilo dotado de atributos locacionais em contiacutenua ressignificaccedilatildeo eacute incorporado agrave difusatildeo de inovaccedilotildees tornando-se novo em alguns lugares e velhos em outros Por meio da propriedade privada eacute submetido a praacuteticas espaciais como seletividade esterilizaccedilatildeo antecipaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo que visam agrave sua valorizaccedilatildeo diferenciada na qual o novo e o velho estatildeo presentes em setores distintos O novo espaccedilo valorizado constitui-se ainda que natildeo exclusivamente em local para novas formas espaciais abrigando novas funccedilotildees (CARDOSO 2003 p 51)
A dinacircmica soacutecioespacial sofreu profundas alteraccedilotildees com a nova fase de
internacionalizaccedilatildeo do capital uma vez que o processo de renovaccedilatildeo urbana criou novas
bases espaciais de produccedilatildeo por meio da substituiccedilatildeo e ruptura das estruturas preexistentes
estimulando o mercado imobiliaacuterio e as parcerias entre os setores puacuteblico e privado
De acordo com Carlos (2001) o redirecionamento das formas espaciais produtivas
iraacute provocar a configuraccedilatildeo do espaccedilo urbano por meio da mobilidade social Este
deslocamento eacute justificado principalmente pelos novos locais de instalaccedilatildeo das induacutestrias que
procuram pontos estrateacutegicos (proacuteximos de terminais rodoviaacuterios e mariacutetimos estradas
pavimentadas etc) facilitando assim o escoamento da produccedilatildeo e reduzindo os custos de
operaccedilatildeo
Dessa maneira a intensificaccedilatildeo e extensificaccedilatildeo da urbanizaccedilatildeo satildeo provocadas por
um consumo voraz e crescente do espaccedilo uma vez que para atender agraves necessidades
crescentes do capital satildeo revistas as legislaccedilotildees ambientais e de uso do solo introduzindo
mudanccedilas que visam atender interesses de classes sociais especiacuteficas aleacutem do avanccedilo da
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destruiccedilatildeo de florestas por meio da ampliaccedilatildeo das fronteiras agriacutecolas e expansatildeo das
monoculturas intensivas como da cana e soja provocando o aumento da exclusatildeo social e da
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida de grandes contingentes populacionais que buscam os
centros urbanos
As novas configuraccedilotildees dos espaccedilos urbanos na atualidade satildeo justificadas pelos agentes sociais condicionadores do espaccedilo Entre eles merecem destaque o Estado e os promotores imobiliaacuterios A atuaccedilatildeo do Estado no espaccedilo se efetiva com o processo de renovaccedilatildeo urbana que estaacute vinculado agrave necessidade de remodelar espaccedilos deteriorados em aacutereas condizentes com a arquitetura moderna Esta renovaccedilatildeo em geral acontece com o remanejamento de famiacutelias cabendo ao poder puacuteblico efetivar esta accedilatildeo [] As zonas atingidas pela renovaccedilatildeo passam por um processo de valorizaccedilatildeo devido agrave incorporaccedilatildeo de infraestrutura tornando-se propiacutecia agrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria As famiacutelias que residiam nestes espaccedilos no entanto acabam por abandonaacute-los por natildeo possuiacuterem condiccedilotildees de pagar o ocircnus da valorizaccedilatildeo que se processa com o aumento dos impostos e taxas de serviccedilos urbanos (CARLOS 2001 p 64)
Cabe ressaltar que a accedilatildeo do Estado se processa de acordo com as diretrizes do
capital intervindo no espaccedilo urbano e na questatildeo habitacional para suprir as necessidades do
mesmo estabelecendo a renovaccedilatildeo ou abertura de novos espaccedilos que satildeo fragmentados e
intensificam a segregaccedilatildeo soacutecioespacial pois o uso do solo torna-se cada vez mais valorizado
Dessa maneira muitas famiacutelias que moram em aacutereas mais centrais satildeo pressionadas
pelo capital imobiliaacuterio a vender seu imoacutevel o que acaba constituindo-se em uma estrateacutegia
de sobrevivecircncia pois a renda adquirida com a venda do imoacutevel por um valor mais alto gera
uma oportunidade de ganho financeiro jaacute que poderaacute servir para compra de outro imoacutevel por
um preccedilo menor em um local mais distante que sofre com a falta de infraestrutura serviccedilos
etc e o restante da renda seraacute o lucro para ser investido em outras transaccedilotildees financeiras
Atraveacutes da poliacutetica de renovaccedilatildeo urbana o Estado capitalista valoriza simultaneamente vaacuterios interesses De um lado via expulsatildeo dos pobres residentes em corticcedilos junto ao centro da cidade redirecionando a segregaccedilatildeo residencial e viabiliza o capital imobiliaacuterio que tem oportunidade de realizar bons negoacutecios em aacutereas onde o preccedilo da terra eacute pela proximidade do centro bastante elevado eacute a renovaccedilatildeo urbana (CORREcircA 1989 p 28)
Carlos (2001) analisa o processo de renovaccedilatildeo urbana como uma accedilatildeo do Estado por
intermeacutedio do poder local ao intervir no processo de produccedilatildeo da cidade que reforccedila a
hierarquia de lugares criando novas centralidades e expulsando para periferia os antigos
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habitantes criando um espaccedilo de dominaccedilatildeo Com isso impotildee sua presenccedila em todos os
lugares agora sob controle e vigilacircncia (direta ou indireta)
Assim sendo o espaccedilo produzido assume a caracteriacutestica de fragmentaccedilatildeo em
decorrecircncia da accedilatildeo dos empreendedores imobiliaacuterios e da generalizaccedilatildeo do processo de
mercantilizaccedilatildeo do espaccedilo homogecircneo (pela dominaccedilatildeo imposta pelo Estado ao espaccedilo) e
hierarquizado (pela divisatildeo espacial do trabalho)
Entatildeo a estruturaccedilatildeo do espaccedilo urbano depende das accedilotildees econocircmicas sociais
culturais e poliacuteticas uma vez que a cidade eacute resultado de intervenccedilotildees puacuteblicas e privadas que
atuam no espaccedilo urbano por meio de investimentos infraestruturais e organizacionais
regulamentando os diversos interesses de poder e de classe estabelecendo estrateacutegias sociais e
poliacuteticas muitas vezes geradoras de segregaccedilotildees e exclusotildees sociais
Percebe-se assim que a accedilatildeo do Estado perpetua as contradiccedilotildees engendradas pelo
processo de reproduccedilatildeo capitalista agrave medida que atende aos interesses da classe dominante
criando mecanismos para quebrar as barreiras que impedem o avanccedilo do progresso ao
implementar infraestrutura e favorecer a liberaccedilatildeo de aacutereas necessaacuterias agrave reproduccedilatildeo do
capital Destarte a renovaccedilatildeo urbana pode ser caracterizada como um conjunto de estrateacutegias
que levam agrave segregaccedilatildeo e agrave hierarquia do espaccedilo alterando a forma de determinadas aacutereas da
cidade promovendo a transformaccedilatildeo da vida urbana modificando sua estrutura e funccedilatildeo
A contradiccedilatildeo do espaccedilo natildeo vem de sua forma racional tal qual se depreende nos matemaacuteticos ela vem do conteuacutedo praacutetico e social especificamente do conteuacutedo capitalista Com efeito esse espaccedilo da sociedade capitalista se quer racional enquanto praacutetica ele eacute comercializado fragmentado vendido em parcelas Eacute assim que ele eacute ao mesmo tempo global e pulverizado Ele parece loacutegico e ele eacute absolutamente recortado Essas contradiccedilotildees explodem no plano institucional Nesse plano se descobre que a burguesia tem um duplo poder sobre o espaccedilo inteiro agrave exceccedilatildeo dos direitos da coletividade e do Estado-e secundariamente pela globalidade a saber o conhecimento a estrateacutegia a accedilatildeo do Estado Haacute conflitos inevitaacuteveis entre esses dois aspectos e notadamente entre o espaccedilo abstrato (concebido ou conceitual global ou estrateacutegico) e o espaccedilo imediato percebido vivido fragmentado e vendido No plano institucional essas contradiccedilotildees aparecem entre os planos gerais do planejamento e os projetos parciais dos mercados do espaccedilo (LEFEBVRE 1991 apud CARLOS 2001 p 237- 238)
Por meio do zoneamento e do planejamento urbano o Estado impotildee e administra
limitaccedilotildees ao mercado imobiliaacuterio ao promover em determinados espaccedilos urbanos serviccedilos
como aacutegua energia esgoto transporte puacuteblico escolas e postos de sauacutede aleacutem de garantir
infraestrutura que contribui indiretamente para o aumento do valor de uso das moradias
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Portanto como esclarece Harvey (1996) a compreensatildeo da dinacircmica com que se
processam as grandes intervenccedilotildees urbanas e das modificaccedilotildees estruturais geradas por elas eacute
fundamental para a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para a sustentabilidade
urbana O contexto global da perda de capacidade de regulaccedilatildeo da economia por parte do
poder puacuteblico da financeirizaccedilatildeo e desterritorializaccedilatildeo do capital bem como a intensificaccedilatildeo
da sua concentraccedilatildeo satildeo fenocircmenos que afetam de maneira geral todas as grandes cidades
poreacutem os efeitos satildeo muito particulares
Assim a raacutepida transformaccedilatildeo do espaccedilo urbano e da questatildeo habitacional no Brasil
no periacuteodo compreendido pelas trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX e na primeira do seacuteculo
XXI induz a questionamentos quanto a questatildeo dos modelos de poliacuteticas puacuteblicas
implementadas assim como os padrotildees da segregaccedilatildeo soacutecioespacial que ora se observa na
estrutura intra-urbana das grandes cidades brasileiras incluindo Beleacutem e Satildeo Luis
Para tanto torna-se imprescindiacutevel refletir sobre a dinacircmica de ocupaccedilatildeo do solo
bem como a interaccedilatildeo dos diferentes agentes que atuam na produccedilatildeo e consumo do espaccedilo
urbano clarificando os aspectos relacionados agrave atuaccedilatildeo do capital imobiliaacuterio e agraves
precariedades soacutecio-espaciais a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo como carecircncia
de infraestrutura e serviccedilos urbanos especulaccedilatildeo expulsatildeo de suas terras entre outras uma
vez que a questatildeo habitacional estaacute condicionada tanto pelas mudanccedilas na economia do paiacutes
quanto pelos mecanismos que produzem a estrutura urbana e a distribuiccedilatildeo dos equipamentos
e serviccedilos na cidade
22 AGENTES PRODUTORES E CONSUMIDORES DO ESPACcedilO E O PAPEL DO ESTADO
Ao comeccedilar a discutir sobre os agentes produtores do espaccedilo urbano faz-se
necessaacuterio resgatar a concepccedilatildeo de espaccedilo urbano desenvolvida por Correcirca (1993) a qual
considera o espaccedilo urbano como espaccedilo construiacutedo no contexto da cidade capitalista como
produto social resultado da accedilatildeo histoacuterica de agentes que produzem e consomem esse espaccedilo
Eis o que eacute o espaccedilo urbano fragmentado e articulado reflexo e condicionante social um conjunto de siacutembolos e campo de lutas Eacute assim a proacutepria sociedade em uma de suas dimensotildees aquela mais aparente materializada nas formas espaciais Eacute o produto social resultado de accedilotildees acumuladas atraveacutes do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaccedilo (CORREcircA 1993 p 9)
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Dessa maneira a apropriaccedilatildeo e o uso do solo nas cidades capitalistas podem ser
compreendidos pela proacutepria dinacircmica da sociedade que traz em si diversas contradiccedilotildees
estabelecidas nos conflitos existentes entre as exigecircncias do capital e as demandas da
sociedade uma vez que as relaccedilotildees econocircmicas determinam as diretrizes do modo de
produccedilatildeo e a estrutura urbana se constitui pelas accedilotildees dos grupos sociais
De acordo com Correcirca (1993) os processos espaciais definem a organizaccedilatildeo espacial
desigual e mutaacutevel da cidade capitalista Nela o processo espacial eacute concebido como as forccedilas
por meio da qual o movimento de transformaccedilatildeo social compreendido como o proacuteprio
processo se efetiva espacialmente redefinindo a espacialidade da sociedade
Ainda segundo o autor as agentes que produzem socialmente o espaccedilo urbano satildeo
responsaacuteveis pela configuraccedilatildeo da organizaccedilatildeo do espaccedilo das cidades distinguindo-se como
1) Proprietaacuterios dos meios de produccedilatildeo caracterizam-se como os grandes proprietaacuterios industriais e das grandes empresas comerciais portanto como grandes consumidores de espaccedilos Estes espaccedilos satildeo produzidos em torno do interesse de expansatildeo da produccedilatildeo garantidos por meio de terrenos amplos e baratos que satisfaccedilam suas necessidades de circulaccedilatildeo de mercadoria e acabam por interferir no modelamento das cidades
2) Proprietaacuterios fundiaacuterios satildeo os proprietaacuterios de terra que se empenham em obter a maior renda fundiaacuteria de suas propriedades seja no uso comercial ou residencial Portanto sua accedilatildeo se daacute em torno do aumento contiacutenuo da renda fundiaacuteria que obtecircm de suas propriedades Para tanto seus esforccedilos direcionam-se no sentido de garantir infraestrutura urbana para seus terrenos exercendo pressatildeo junto ao poder puacuteblico no processo de definiccedilatildeo das leis de uso do solo e na garantia dos benefiacutecios infraestruturais Significa dizer que estes estatildeo mais preocupados com o valor de troca da terra e natildeo de seu uso
3) Promotores imobiliaacuterios eacute um conjunto de agentes que exercem accedilotildees de compra financiamento estudo teacutecnico construccedilatildeo ou produccedilatildeo fiacutesica de novas habitaccedilotildees transformaccedilatildeo do capital mercadoria em capital dinheiro7 Sua atuaccedilatildeo espacial na cidade tem caraacuteter excludente pois favorece a produccedilatildeo de habitaccedilotildees para satisfazer a demanda solvaacutevel da populaccedilatildeo desta forma criando e reforccedilando a segregaccedilatildeo soacutecioespacial
4) Estado enquanto agente modelador do espaccedilo urbano capitalista atuando na organizaccedilatildeo espacial da cidade como grande industrial consumidor de espaccedilo e de localizaccedilotildees especiacuteficas proprietaacuterio fundiaacuterio e promotor imobiliaacuterio sem deixar de ser tambeacutem um agente de regulaccedilatildeo do uso do solo e alvo dos chamados Movimentos Sociais Urbanos Sua accedilatildeo mais visiacutevel se daacute por meio da implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentos puacuteblicos na elaboraccedilatildeo de normas vinculadas ao uso do solo para os quais dispotildee de um conjunto de instrumentos como o direito de desapropriaccedilatildeo a regulamentaccedilatildeo do uso do solo e outros
7 Sobre as funccedilotildees atribuiacutedas aos promotores imobiliaacuterios ver Topalov (1974)
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5) Grupos sociais excluiacutedos satildeo parcelas da populaccedilatildeo que natildeo possuem no que concerne agrave moradia acesso aos bens e serviccedilos produzidos socialmente e eacute na produccedilatildeo de favela em terrenos puacuteblicos ou privados ocupados que esses grupos tornam-se agentes modeladores produzindo seu proacuteprio espaccedilo na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros agentes A produccedilatildeo do espaccedilo eacute uma forma de resistecircncia e de estrateacutegia de sobrevivecircncia (CORREcircA 1993 p 23-24)
Cada um dos agentes a quem o autor se refere desenvolve um papel ativo na
construccedilatildeo do espaccedilo urbano e da moradia tendo como vieacutes a dinacircmica da acumulaccedilatildeo
capitalista considerando que accedilotildees implementadas satildeo em funccedilatildeo dos interesses dominantes
garantindo a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de produccedilatildeo e portanto a contradiccedilatildeo da luta de classes
Harvey em sua obra A justiccedila social e a cidade argumenta que a aquisiccedilatildeo de terras
e as melhorias implementadas no espaccedilo urbano e habitacional satildeo compreendidas como
mercadorias na sociedade capitalista contemporacircnea
portanto possuem um valor de uso e
um valor de troca
mercadorias estas que natildeo podem ser deslocadas pois tecircm uma
localizaccedilatildeo fixa e que satildeo essenciais uma vez que natildeo se pode viver sem uma habitaccedilatildeo (um
abrigo de qualquer espeacutecie) que ocupa um espaccedilo na cidade (HARVEY 1980 p 157)
Para ele o importante eacute analisar o papel dos agentes do mercado imobiliaacuterio na
determinaccedilatildeo dos valores da terra e para isso destaca os principais grupos que compotildee esse
mercado
1) Moradores cuja situaccedilatildeo familiar ou pessoal (assim como a localizaccedilatildeo da moradia) iraacute determinar o valor de uso da habitaccedilatildeo
o valor de troca apareceraacute em dois momentos na compra e venda da residecircncia e nas reformas e reparos que aumentam esse valor
2) Imobiliaacuterias atores que operam no mercado imobiliaacuterio para obter valor de troca Seu lucro se daacute no processo de compra e venda de habitaccedilotildees e na prestaccedilatildeo de serviccedilos como intermediaacuterias Para as imobiliaacuterias o valor de uso estaacute no volume de transaccedilotildees realizadas das quais obtecircm o valor de troca
3) Proprietaacuterios de terrenos urbanos os proprietaacuterios profissionais ou seja aqueles que adquirem terrenos para vendecirc-los por um preccedilo mais elevado e vecircem na habitaccedilatildeo um meio de troca e natildeo um valor de uso para si mesmo
4) Incorporadoras e a induacutestria da construccedilatildeo atores envolvidos na criaccedilatildeo de novos valores de uso que garantam os subsiacutedios de seus valores de troca Da mesma maneira que as imobiliaacuterias estatildeo interessadas no valor de uso para outrem desde que obtenham valor de troca para si mesma
5) Instituiccedilotildees financeiras estatildeo interessadas em obter valores de troca por meio de financiamentos que promovem a criaccedilatildeo de valores de uso
6) Instituiccedilotildees governamentais interferem no mercado imobiliaacuterio dando apoio agraves instituiccedilotildees financeiras incorporadores e agrave induacutestria da construccedilatildeo garantindo lucros e eliminando alguns riscos Esse suporte
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governamental ao mercado imobiliaacuterio eacute uma das maneiras de assegurar a produccedilatildeo de valores de uso (provisatildeo de moradia para populaccedilatildeo de baixa renda) e valores de troca promovendo melhoria urbana (bens de consumo coletivo) ou implementando leis de zoneamento controle e planejamento do uso do solo urbano (HARVEY 1980 p 139-141)
No processo urbano e da cidade se relacionam diferentes agentes que possuem
estrateacutegias proacuteprias com objetivos e agendas diversas que geram conflitos entre eles e
estrateacutegias comuns que os unem como a apropriaccedilatildeo da renda da terra por meio de praacuteticas
espaciais interligadas nas quais se articulam e se validam arranjos institucionais formas
legais sistemas poliacuteticos e administrativos aleacutem de hierarquias de poder Desse processo
emanam experiecircncias percepccedilotildees leituras simboacutelicas e aspiraccedilotildees
Harvey (1996 p 52) ressalta que o poder de reorganizar a vida urbana estaacute em uma
coalizatildeo de forccedilas na qual o Estado tem apenas o papel de coordenador e de agilizar as
intervenccedilotildees urbanas O poder de organizar o espaccedilo contudo adveacutem do complexo de forccedilas
mobilizadoras por diversos agentes sociais
Na produccedilatildeo do espaccedilo urbano diversos agentes interferem direta ou indiretamente
estabelecendo agraves vezes relaccedilotildees de conflitos de interesses engendrados em torno do espaccedilo
social
local dos valores sociais de uso e do desdobramento de relaccedilotildees sociais no espaccedilo
e
em torno do espaccedilo abstrato
enquanto espaccedilo de desenvolvimento imobiliaacuterio e
administraccedilatildeo governamental por exemplo
que tem acarretado na fragmentaccedilatildeo e na
criaccedilatildeo de guetos hierarquizados representando com sua espacialidade a hierarquia econocircmica
e social
(HARVEY 2005)
A partir da compreensatildeo de que a sociedade eacute produto da inter-relaccedilatildeo entre habitus
e campo Bourdieu (2001) enfatiza que os agentes sociais satildeo dotados de um habitus inscritos
nos corpos pelas experiecircncias passadas
Estes sistemas de esquemas de percepccedilatildeo apreciaccedilatildeo e accedilatildeo permitem operar os atos de conhecimento praacutetico fundados sobre a descoberta e o conhecimento dos estiacutemulos condicionais e convencionais aos quais podem reagir e engendrar sem fins expliacutecitos nem caacutelculo racional de meios de estrateacutegias adaptadas e renovadas continuamente mas de acordo com as exigecircncias estruturais das quais satildeo o produto e que as definem (BOURDIEU 2001 p 166)
De acordo com Bourdieu (1996) os agentes sociais constroem o mundo social e
individual e coletivamente a partir de uma estrutura objetiva de distribuiccedilatildeo de diferentes
tipos de capital (formas de poder) sejam eles fiacutesicos culturais ou simboacutelicos cuja eficiecircncia
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varia de forma contingente e localizada A accedilatildeo dos agentes sobre essas estruturas objetivas
constitui o campo social dentro do qual ocorrem disputas entre os agentes possuidores de
meios e fins diferenciados e um habitus adquirido por sua socializaccedilatildeo preacutevia ou por aquela
praticada dentro do proacuteprio campo
Nessa perspectiva compreende-se que o espaccedilo urbano torna-se um campo de luta
onde se instaura uma luta dos diferentes agentes pelo espaccedilo pelo solo urbano estabelecendo-
se portanto um conflito entre espaccedilo abstrato e o espaccedilo vivido fragmentado pelas
estrateacutegias dos diferentes agentes sociais percebido pelo individuo por meio de sua vida
cotidiana
Cabe inferir que o acesso agrave moradia nas cidades natildeo se daacute de forma igualitaacuteria e pode
ser comparaacutevel a ocupaccedilatildeo sequumlencial de um teatro aonde aqueles que chegam primeiros
adquirem os melhores lugares bem como os que tecircm mais dinheiro Aos pobres cabem os que
sobram
(HARVEY 1980 p 144)
Nesse sentido pode-se afirmar que no processo histoacuterico de ocupaccedilatildeo e uso do
espaccedilo urbano o solo eacute disputado entre os diferentes agentes econocircmicos e classes sociais
pois se considera que a terra na sociedade capitalista atende as demandas tanto de reproduccedilatildeo
do capital como de reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho e da dimensatildeo simboacutelica uma vez que
essa disputa se daacute por diferentes usos como habitacional cultural religioso comercial e de
serviccedilos industrial etc e mediante diferentes vantagens locacionais e infraestruturais
estabelecendo uma hierarquia de preccedilos que faz do mercado imobiliaacuterio a grande expressatildeo
da segregaccedilatildeo soacutecioespacial Aleacutem dos espaccedilos existentes esse mercado imobiliaacuterio vai
determinar e criar a futura localizaccedilatildeo da classe trabalhadora
Como observa Santos (1991 p 31)
Eacute assim que se criam nas cidades as infraestruturas a que Manuel Lemes chama de extensores urbanos como a aduccedilatildeo de aacutegua os esgotos a eletricidade o calccedilamento que ao mesmo tempo revalorizam diferencialmente os terrenos impotildeem um crescimento maior agrave superfiacutecie urbana e mediante o papel da especulaccedilatildeo asseguram a permanecircncia de espaccedilos vazios Como estes ficam agrave espera de novas valorizaccedilotildees as extensotildees urbanas reclamadas pela pressatildeo da demanda vatildeo mais uma vez dar-se em aacutereas perifeacutericas O mecanismo de crescimento urbano torna-se assim um alimentador da especulaccedilatildeo a inversatildeo puacuteblica contribuindo para acelerar o processo
Kowarick (1988) ressalta que a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria pode ser demonstrada
tambeacutem quando as aacutereas centrais com zonas estagnadas ou decadentes recebem
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investimentos em serviccedilos ou infraestruturas baacutesicas ou seja uma melhoria urbana de
qualquer tipo repercute imediatamente no preccedilo dos terrenos
Assim a intervenccedilatildeo do poder puacuteblico por meio dos planos de reurbanizaccedilatildeo
contribui para consolidar uma nova configuraccedilatildeo espacial que visa estimular ao mercado
imobiliaacuterio para as camadas de maior poder aquisitivo enquanto os pobres satildeo expulsos para
aacutereas mais distantes A estes na medida em que os espaccedilos urbanos satildeo seletivamente
valorizados com o encarecimento dos alugueacuteis e a remoccedilatildeo ou esgotamento de espaccedilos em
favelas mais proacuteximas das aacutereas centrais resta-lhes outras favelas afastadas ou os loteamentos
perifeacutericos A formaccedilatildeo da periferia pode ser compreendida entatildeo como resultante de []
aglomerados distantes dos centros clandestinos ou natildeo carentes de infraestrutura onde
passa a residir crescente quantidade de matildeo-de-obra necessaacuteria para fazer girar a maquinaria
econocircmica (KOWARICK 1988 p31)
De acordo com Low-Beer (1983 p 33) Marx analisa historicamente a renda
proveniente da terra considerando as relaccedilotildees sociais do homem nos diferentes modos de
produccedilatildeo como no feudalismo a renda eacute obtida pelo proprietaacuterio como pagamento na
forma direta de bens produzidos (diacutezimos) ou horas trabalhadas na terra do senhor [] no
capitalismo a renda da terra eacute parte da mais-valia gerada no processo produtivo
A propriedade privada do solo significa o domiacutenio de uma condiccedilatildeo especifica para a realizaccedilatildeo do processo de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de mercadorias cujo cerne eacute o lucro A aquisiccedilatildeo de terras para gerar renda passa a ser considerada como um investimento e eacute dado agrave terra o status de meio de produccedilatildeo apesar de ser na realidade um fator de produccedilatildeo [] natildeo se trata de qualquer rendimento derivado de terra e sim aquela fraccedilatildeo ou remuneraccedilatildeo da qual se apossa o proprietaacuterio obtida pela cessatildeo deste bem a terceiros para que estes venham extrair algo da terra (LOW-BEER 1983 p 34)
Correcirca (1993 p 84) procura analisar a renda da terra a partir da constituiccedilatildeo da
remuneraccedilatildeo que se obtecircm em razatildeo de
a) propriedade da terra que autoriza o proprietaacuterio extrair uma remuneraccedilatildeo independentemente de qualquer outra coisa
trata-se da renda absoluta b) localizaccedilotildees privilegiadas que incidem na diminuiccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo em razatildeo por exemplo da proximidade do porto ou de vias ferroviaacuterios ou de transportes ou no aumento das vendas pela localizaccedilatildeo junto ao centro ou subcentros comerciais intra-urbanos
trata-se da renda diferencial que implica em superlucro c) localizaccedilotildees seletivas por exemplo em aacutereas de amenidades que possuem e conferem status ao seu possuidor
trata-se da renda de monopoacutelio que implica tambeacutem em superlucro
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Sendo assim a produccedilatildeo da habitaccedilatildeo que envolve relaccedilotildees de produccedilatildeo consumo e
troca na qual atuam diferentes agentes pode ser considerada como mercadoria pois a proacutepria
moradia e todos os seus componentes
terra material de construccedilatildeo infraestrutura etc
mesmo tendo um valor de uso possuem um valor de troca e por isso apresentam um
significado ligado agrave loacutegica do mercado aleacutem de ser uma mercadoria que pode ser comprada e
vendida a moradia relaciona-se ao processo de capitalizaccedilatildeo que ela representa uma vez que
o preccedilo da terra eacute influenciado por fatores como
a) Localizaccedilatildeo (acessibilidade acesso a infraestrutura e serviccedilos urbanos)
b) Caracteriacutesticas fiacutesicas do terreno (referem-se agrave dificuldade ou facilidade de se
construir no terreno por fatores topograacuteficos hidroloacutegicos etc)
c) Legislaccedilatildeo existente e seus limites (SMOLKA 1983)
Topalov (1974 p 15-17) analisa o processo de formaccedilatildeo dos preccedilos dos terrenos e
destaca como importante os seguintes conceitos sobre renda fundiaacuteria no meio urbano
a) Renda Absoluta caracteriza-se como determinante dos preccedilos desde que haja
na propriedade privada uma condiccedilatildeo natildeo reproduziacutevel da produccedilatildeo
a terra
agriacutecola a jazida o solo suporte da atividade nas localizaccedilotildees necessaacuterias a
essas Confere ao proprietaacuterio o poder de impedir a sua utilizaccedilatildeo ateacute que as
condiccedilotildees econocircmicas propiciem a sua valorizaccedilatildeo de onde se pode retirar o
excedente
b) Renda Diferencial tem por origem a desigualdade de produtividade do
trabalho nos diversos ramos de produccedilatildeo na qual a desigualdade das
produtividades individuais natildeo provecircm sempre das caracteriacutesticas internas
das empresas em concorrecircncia mas da caracterizaccedilatildeo das condiccedilotildees externas
de suas atividades de acordo com as localizaccedilotildees
c) Renda de Monopoacutelio eacute determinada pelas condiccedilotildees de mercado e estaacute
baseada na natildeo reprodutibilidade de certas mercadorias pelo capital fazendo
sua oferta ser limitada pois natildeo eacute mais determinado pelas condiccedilotildees de
produccedilatildeo de mercadorias mas pelas de sua circulaccedilatildeo isto eacute pela sua
procura A partir de entatildeo fixa-se duravelmente um sobrelucro de monopoacutelio
do qual beneficiam os ofertantes da mercadoria considerada
Destarte pode-se afirmar que a renda diferencial do solo urbano eacute essencialmente
uma renda de localizaccedilatildeo devido agraves condiccedilotildees fiacutesicas do espaccedilo mas tambeacutem devido agraves
condiccedilotildees criadas pelos homens e suas atividades que determinam as relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
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Segundo Smolka (1983 p 205) uma das caracteriacutesticas do incorporador imobiliaacuterio
eacute a de promover o empreendimento certo no lugar certo para o consumidor certo ou seja
Estado ao promover melhorias urbanas por meio de infraestrutura construccedilatildeo de
equipamentos de uso coletivo etc atua como gerador de renda diferencial valorizando o solo
urbano e ao mesmo tempo o empreendedor imobiliaacuterio usufruindo-se da situaccedilatildeo constroacutei
moradias neste solo valorizado e as vende por preccedilo elevado
Assim somente as pessoas com maior poder aquisitivo teratildeo acesso a esta habitaccedilatildeo
O acesso agrave terra assume entatildeo um caraacuteter segregativo em funccedilatildeo do poder de renda e as
classes de menor poder aquisitivo excluiacutedas do acesso agrave mercadoria habitaccedilatildeo alteram a
dinacircmica da proacutepria cidade ao produzir novos espaccedilos de moradia na forma de favelas
ocupaccedilotildees coletivas de terrenos vazios etc
Nesse sentido a produccedilatildeo de moradia se daacute em funccedilatildeo de quem pode compraacute-la e
nem sempre em funccedilatildeo de quem precisa dela A localizaccedilatildeo privilegiada isto eacute o acesso faacutecil
agrave infraestrutura e aos serviccedilos urbanos a acessibilidade ao terreno bem como as
caracteriacutesticas de seu entorno iratildeo influenciar sobre o preccedilo da terra uma vez que a produccedilatildeo
do espaccedilo urbano e da moradia natildeo ocorre de maneira uniforme A demanda por terrenos
acontece de acordo com a necessidade da atividade que vai se desenvolver nestes e tem como
um dos determinantes a expansatildeo urbana enquanto fator de valorizaccedilatildeo do preccedilo em funccedilatildeo
de variaacuteveis como a quantidade e a qualidade de serviccedilos e equipamentos urbanos
Todas as atividades capitalistas urbanas se desenvolvem sobre a base de objetos imobiliaacuterios de edifiacutecios produtos do trabalho passado presos a uma localizaccedilatildeo determinada Cada localizaccedilatildeo daacute acesso de uma maneira que eacute especifica a um conjunto de valores de usos complexos nascidos na cidade (TOPALOV 1974 p 22)
Conforme afirmam Ribeiro e Cardoso (1996 p234) a terra teraacute seu preccedilo regulado
pelas condiccedilotildees de competiccedilatildeo entre os vaacuterios capitais e pelas possibilidades de lucratividade
propiciadas pelas diversas localizaccedilotildees no espaccedilo urbano
A localizaccedilatildeo eacute um valor de uso produzido e contecircm a capacidade de aglomerar e de
combinar socialmente meios de produccedilatildeo e meios de reproduccedilatildeo de uma formaccedilatildeo social
Dessa forma eacute possiacutevel dizer que a terra corresponde aos investimentos feitos na ou sobre a
mesma demandando certa parcela de capital e que pode ser considerada enquanto produto do
trabalho humano e natildeo como accedilatildeo da natureza
A diversidade de construccedilotildees habitacionais que vatildeo desde a construccedilatildeo de mansotildees
ateacute as autoconstruccedilotildees e habitaccedilotildees em favelas pode-se a uma produccedilatildeo diferenciada das
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cidades e refere-se agrave capacidade diferente de pagar tanto pela casaterreno quanto pelos
equipamentos e serviccedilos coletivos Portanto os que desfrutam de determinada renda ou
salaacuterio podem morar em aacutereas bem servidas de equipamentos e serviccedilos e aqueles que natildeo
desfrutam moram em locais deteriorados e haacute tambeacutem os que natildeo moram que vivem em
baixo de pontes viadutos em praccedilas pontos de ocircnibus natildeo tecircm um teto fixo
Villaccedila (2001) ao utilizar as anaacutelises de Marx sobre valor de uso e valor de troca
argumenta que o processo de valorizaccedilatildeo da terra urbana leva em consideraccedilatildeo que existe
uma determinada fraccedilatildeo do valor do terreno urbano que natildeo proveacutem de investimentos
puacuteblicos fazendo-se necessaacuterio entender o valor de uso da localizaccedilatildeo que decorre da
aglomeraccedilatildeo humana e sofre variaccedilatildeo nos diversos pontos da cidade Sendo assim eacute possiacutevel
compreender o valor da terra no espaccedilo urbano associado ao conceito de localizaccedilatildeo a terra-
localizaccedilatildeo
da qual a terra urbana eacute a mais oacutebvia manifestaccedilatildeo enquanto produto do trabalho
humano tem tanto valor de uso como valor de troca Seu valor eacute determinado pelo tempo de
trabalho socialmente necessaacuterio para produzi-la (VILLACcedilA 2001 p 10)
Considerando-se a importacircncia da localizaccedilatildeo na garantia de acessibilidade aos
benefiacutecios urbanos o valor de uso de cada terreno eacute diferente em funccedilatildeo de sua localizaccedilatildeo
Logo seus preccedilos que satildeo determinados pelo valor das mercadorias produzidas por seu
intermeacutedio e pela propriedade monopolista da terra aleacutem da oferta de melhores vantagens
locacionais8 de acesso agrave cidade tambeacutem se diferenciam e satildeo alvos de disputa entre os
diversos agentes capitalistas
Dentro desse contexto nota-se que o espaccedilo urbano e a habitaccedilatildeo ganham conotaccedilatildeo
de mercadoria devido agrave sua apropriaccedilatildeo privada e assumem qualidade de troca pela
caracteriacutestica da obtenccedilatildeo de lucro e acumulaccedilatildeo servindo ao interesse do capital agrave medida
que eacute produzido e reproduzido como mercadoria o que leva a modificaccedilatildeo de sua estrutura
criando novas formas e funccedilotildees perdendo seu valor de uso na qual a reproduccedilatildeo da vida
social perde sua razatildeo de ser esfacelando os laccedilos afetivos de vizinhanccedilas e outros
A contradiccedilatildeo entre o processo de produccedilatildeo social do espaccedilo e sua apropriaccedilatildeo privada estaacute na base do entendimento do processo de reproduccedilatildeo espacial Isto porque em uma sociedade fundada sobre a troca a apropriaccedilatildeo do espaccedilo ele proacuteprio produzido como mercadoria liga-se cada vez mais agrave forma de mercadoria servindo agraves necessidades de acumulaccedilatildeo por meio das mudanccedilasreadaptaccedilotildees de usos e funccedilotildees dos lugares que tambeacutem se reproduzem sob a lei reprodutiacutevel a partir de estrateacutegias da reproduccedilatildeo em
8 As vantagens locacionais satildeo o complexo de elementos que formam os benefiacutecios urbanos no que diz respeito ao acesso aos locais de trabalho compras lazer aos serviccedilos de infraestrutura como aacutegua energia esgoto pavimentaccedilatildeo coleta de lixo e ainda serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo cultura entre outros
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determinados momentos da histoacuteria do capitalismo Este se estende cada vez mais ao espaccedilo global criando novos setores de atividades produtivas Cada vez mais o espaccedilo produzido como mercadoria entra no circuito da troca atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de modo a viabilizar a reproduccedilatildeo A possibilidade de ocupar o espaccedilo sempre crescente o que explica a emergecircncia de uma loacutegica associada a uma forma de dominaccedilatildeo do espaccedilo que se reproduz ordenando e direcionando a ocupaccedilatildeo fragmentando e tornando os espaccedilos trocaacuteveis a partir de operaccedilotildees que se realizam no mercado Desse modo o espaccedilo eacute produzido e reproduzido como mercadoria reprodutiacutevel (CARLOS 2001 p 15-16)
Conforme enfatiza Carlos (2001 p 18) o processo de transformaccedilatildeo do espaccedilo
urbano natildeo estaacute limitado apenas agrave mercantilizaccedilatildeo desse espaccedilo mas a divisatildeo e organizaccedilatildeo
do trabalho que produz comportamentos e valores que induzem ao consumo exacerbado e
condicionam as diretrizes da vida cotidiana as quais satildeo estabelecidas pelos vaacuterios conflitos
que se intensificam com a imposiccedilatildeo de novos padrotildees culturais em detrimento dos antigos
padrotildees de relacionamento ou seja os antigos laccedilos de sociabilidade vatildeo se desfazendo e as
relaccedilotildees entre as pessoas se tornam cada vez mais distantes sendo substituiacutedas por relaccedilotildees
profissionais e ou institucionais Assim o espaccedilo possiacutevel de ser sentido pensado
apropriado e vivido pelo indiviacuteduo por meio do corpo perde sua essecircncia perde sentido de
lugar e se transforma em natildeo-lugar
O espaccedilo torna-se entatildeo dominado subalternizado pela classe dominante pois ao
se apropriar das vantagens e dos recursos do espaccedilo urbano a referida classe utiliza-o de
acordo com os seus interesses levando a cidade a ser pensada e utilizada como espaccedilo de
reproduccedilatildeo do capital aleacutem de implementar a divisatildeo social do espaccedilo urbano
Tomando-se como base novamente as concepccedilotildees teoacutericas de Lojkine (1981) e
Castells (1983) eacute possiacutevel elucidar como se processa a divisatildeo social do espaccedilo urbano Para
Lojkine (1981) a divisatildeo soacutecioespacial se daacute a partir de uma divisatildeo mais geral do territoacuterio
(cidadecampo) sendo que a primeira eacute concebida como a zona de comando econocircmico e
poliacutetico e que exerce o poder enquanto que a segunda pode ser considerada como uma zona
de execuccedilatildeo e de reproduccedilatildeo limitada da forccedila de trabalho
Castells (1983) entende a divisatildeo social do espaccedilo como um processo de luta
concernente ao conjunto da produccedilatildeo social Esta luta natildeo eacute vista em sua especificidade
(singular) mas opotildee os grupos formados pela inserccedilatildeo diferenciada dos indiviacuteduos
(particularidade) nos diversos componentes da estrutura social (totalidade) intensificando a
segregaccedilatildeo soacutecioespacial
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de lazer e de esporte equipamentos e serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo e habitaccedilatildeo para as chamadas classes populares (RODRIGUES 1998 p 20)
Historicamente o estudo acerca do papel do Estado capitalista passa pela discussatildeo
apresentada por Engels (1982) o qual argumenta que a cidade de Atenas era a forma mais
pura e mais claacutessica para se compreender o surgimento do Estado afirmando que o mesmo
tem sua gecircnese fundamentalmente dos antagonismos de classe desenvolvidos no interior da
sociedade
O Estado segundo o autor eacute definido como um produto da sociedade Era necessaacuterio
um poder que aparentemente estava acima da sociedade para tentar atenuar as lutas de
classes e principalmente para manter a ordem ou seja quando a sociedade atinge um
determinado grau de desenvolvimento de suas forccedilas produtivas tornam-se inevitaacuteveis as
contradiccedilotildees sociais que contribuem para a divisatildeo da sociedade em classes sociais Satildeo estas
contradiccedilotildees que justificam o surgimento do Estado
Logo como o Estado nasce para amenizar os conflitos de classes acaba tornando-se
a forccedila materializada de poder ou seja o braccedilo direito
da classe economicamente e
politicamente dominante adquirindo novos meios para a repressatildeo e exploraccedilatildeo da classe
oprimida
A concepccedilatildeo materialista de Estado enquanto produto das relaccedilotildees concretas
estabelecidas entre os homens rompe com o paradigma formal abstrato cuja concepccedilatildeo o
coloca como se fosse algo constituiacutedo independente da vontade dos homens e desvinculado
das lutas sociais travadas ao longo da histoacuteria Ao contraacuterio o Estado eacute produto das relaccedilotildees
sociais objetivas
Marx (1983) considera o Estado como elemento necessaacuterio agrave acumulaccedilatildeo de capital e
percebe a justa relaccedilatildeo existente entre a dimensatildeo econocircmica e a dimensatildeo poliacutetico-
ideoloacutegica considerando-o como instrumento de dominaccedilatildeo
A classe que possui o domiacutenio material possui tambeacutem o domiacutenio espiritual ou seja o controle ideoloacutegico poliacutetico-juriacutedico sobre as demais classes subjugadas a ela A classe dominante por esta forma determina todo o conteuacutedo de uma eacutepoca histoacuterica Mas para garantir sua dominaccedilatildeo natildeo a faz diretamente mas atraveacutes de um poder coercitivo o qual desempenha o papel de reproduzir a dominaccedilatildeo da classe hegemocircnica e garantir a sua manutenccedilatildeo Este poder se materializa naquilo que se conhece como Estado (MARX ENGELS 1995 p56-57)
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Para Poulantzas (apud LOJKINE 1981) o Estado natildeo estaacute uacutenica e exclusivamente a
serviccedilo da classe dominante poreacutem este eacute a condensaccedilatildeo material e especiacutefica de uma relaccedilatildeo
entre forccedilas de classe e fraccedilotildees de classe
A autonomia do Estado no regime capitalista eacute a forma da dominaccedilatildeo de classe o Estado capitalista comporta inscreve em suas proacuteprias estruturas um jogo que permite dentro dos limites do sistema certa garantia dos interesses econocircmicos de algumas classes dominadas Isso faz parte de sua funccedilatildeo na medida em que essa garantia eacute conforme agrave dominaccedilatildeo hegemocircnica das classes dominantes Eacute essa autonomia do poder poliacutetico institucionalizado que permite agraves vezes atingir o poder econocircmico das classes dominantes sem jamais ameaccedilar-lhes o poder poliacutetico Pode-se perguntar se o que fica claro de um lado ( como o Estado pode ser ao mesmo tempo Estado povo-naccedilatildeo assegurando a coesatildeo do conjunto da formaccedilatildeo social e Estado que organiza a predominacircncia de uma classe ) natildeo faz ainda aumentar a dificuldade e a confusatildeo quando se tenta aplicar essa proposiccedilatildeo teoacuterica agrave relaccedilatildeo Estado-classes sociais Surgem a nosso ver duas dificuldades principais Por natildeo ter sido especificado e sobretudo por natildeo ter sido de fato distinguido de uma total independecircncia entre dois sistemas fechados o princiacutepio de autonomia que fundamenta a anaacutelise de Estado proposta por Poulantzas - natildeo permite pensar a relaccedilatildeo Estado-classes dominantes a natildeo ser atraveacutes da noccedilatildeo de bloco no poder noccedilatildeo que implica um certo equiliacutebrio estaacutetico entre vaacuterias classes dominantes (mesmo se uma delas a fraccedilatildeo hegemocircnica representa todas as classes dominantes) - natildeo permite pensar a relaccedilatildeo entre Estado e luta de classes a natildeo ser como dominaccedilatildeo intangiacutevel atraveacutes de variaccedilotildees secundaacuterias de uma classe hegemocircnica sobre classes dominadas (POULANTZAS apud LOJKINE 1981 p 80)
As anaacutelises de Poulantzas tambeacutem satildeo reforccediladas por Souza (2002 p 27-28) ao
enfatizar que
O Estado eacute atravessado por diversos interesses eacute como se houvesse diversos vetores de forccedila (para fazer uma analogia com algo que se aprende nas
aulas de Fiacutesica) onde o vetor resultante seraacute o produto da interaccedilatildeo de forccedilas distintas agraves vezes antagocircnicas O resultado final em mateacuteria de perfil de governo (e o mesmo se aplica agraves casas legislativas) tende a ser conservador mas natildeo precisa necessariamente ser sempre assim Eacute por esta razatildeo que uma sociedade capitalista marcada por conflitos contradiccedilotildees e desigualdades tende a promover accedilotildees de planejamento estatal que normalmente facilitam a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais (por exemplo a segregaccedilatildeo residencial as diferenccedilas de infraestrutura entre bairros pobres e bairros ricos etc) Mas eacute por isso tambeacutem que mesmo no que se refere ao planejamento estatal natildeo pode dizer que ele esteja condenado a ser sempre algo com um conteuacutedo antipopular Tudo dependeraacute da correlaccedilatildeo de forccedilas que se estabelecer na sociedade a qual acabaraacute determinando o perfil da accedilatildeo do aparelho de Estado
51
A correlaccedilatildeo de forccedilas estabelecidas na sociedade acaba por assim se dizer
determinando as accedilotildees do Estado Um exemplo das novas formas de atuaccedilatildeo desse agente
modelador do espaccedilo urbano estaacute na forma de incorporar novos instrumentos estrateacutegicos
utilizados na execuccedilatildeo do planejamento de uso e ocupaccedilatildeo do solo urbano com a inclusatildeo de
uma parcela maior da populaccedilatildeo na decisatildeo do planejamento da cidade e os temas prioritaacuterios
de investimentos como os orccedilamentos participativos (conforme seraacute apresentado no capitulo
III desse trabalho)
A anaacutelise de Poulantzas eacute corroborada por Correcirca (1993 p 26) ao afirmar que accedilatildeo
do Estado eacute marcada pelos conflitos de interesses dos diversos integrantes da sociedade de
classes bem como das alianccedilas entre eles No entanto suas accedilotildees tendem a privilegiar os
interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que a cada momento estatildeo
no poder
Eacute importante ressaltar que a atuaccedilatildeo do Estado se processa em trecircs esferas a federal
a estadual e a municipal sendo esta uacuteltima de suma importacircncia para anaacutelise do objeto de
estudo desse trabalho pois esta esfera eacute que detecircm o poder sobre o uso do solo e que
determina onde pode
e o que pode
ser construiacutedo em uma determinada aacuterea
Eacute no niacutevel municipal no entanto que estes interesses se tornam mais evidentes e o discurso menos eficaz Afinal a legislaccedilatildeo garante agrave municipalidade muitos poderes sobre o espaccedilo urbano poderes que advecircm ao que parece de uma longa tradiccedilatildeo reforccedilada pelo fato de que numa economia cada vez mais monopolista os setores fundiaacuterio e imobiliaacuterio menos concentrados constituem-se em feacutertil campo de atuaccedilatildeo para as elites locais (CORREcircA 1993 p 26)
O poder municipal apresenta simultaneamente duas caracteriacutesticas ambiacuteguas na
garantia do uso e apropriaccedilatildeo do espaccedilo urbano a saber ao mesmo tempo em que atende agraves
necessidades sociais proporcionando meios de acessos aos equipamentos de consumo
coletivo infraestrutura e serviccedilos propicia a atividade econocircmica dinamizada pelo setor
imobiliaacuterio que tem como principal objetivo a lucratividade
Portanto na sociedade de classes observam-se diferenccedilas sociais no que diz respeito
ao acesso de bens e serviccedilos produzidos socialmente pois as intervenccedilotildees estatais longe de
suprimir as contradiccedilotildees de classes satildeo consideradas paliativas uma vez que natildeo conseguem
abranger a demanda da maioria da populaccedilatildeo no que tange agraves obras de habitaccedilatildeo saneamento
e serviccedilos
52
Nesse sentido na conjuntura atual a crise habitacional eacute marcada pelas contradiccedilotildees
de classes que podem ser evidenciadas pelas peacutessimas condiccedilotildees de habitaccedilatildeo ineficiecircncia ou
escassez de poliacuteticas puacuteblicas que contemplem as reais necessidades dos segmentos excluiacutedos
voltadas agrave habitaccedilatildeo intensificaccedilatildeo do mercado imobiliaacuterio especulaccedilotildees expulsatildeo das terras
ocupadas entre outros Assim o espaccedilo urbano longe de se tornar o locus da reproduccedilatildeo da
vida torna-se distante dos reais interesses da populaccedilatildeo intensificando a segregaccedilatildeo
soacutecioespacial
Essa crise habitacional estaacute presente quando se considera a capacidade de pagar dos
compradores pela casaterreno De acordo com Engels (1988 p 125) quando analisa a crise
de moradia na Alemanha em 1872
Uma sociedade natildeo pode existir sem crise habitacional quando a maioria dos trabalhadores soacute tem seu salaacuterio ou seja o indispensaacutevel para sua sobrevivecircncia e reproduccedilatildeo quando melhorias mecacircnicas deixam sem trabalho massas operaacuterias quando crises industriais determinam de um lado a existecircncia de um forte exerciacutecio de desempregados e de outro jogam repetidamente na rua grande massa de trabalhadores quando os proletaacuterios se amontoam nas ruas das grandes cidades quando o ritmo da urbanizaccedilatildeo eacute tanto que o ritmo das construccedilotildees de habitaccedilatildeo natildeo a acompanha quando enfim o proprietaacuterio de uma casa na sua qualidade de capitalista tem o direito de retirar de sua casa os alugueacuteis mais elevados Em tal sociedade a crise habitacional natildeo eacute um acaso eacute uma instituiccedilatildeo necessaacuteria
Assim sendo para Castells (1983 p 185) a crise da moradia trata-se de uma
defasagem necessaacuteria socialmente definida da habitaccedilatildeo e a produccedilatildeo de moradia e
equipamentos residenciais Diante do exposto ressalta-se que esta crise vincula-se agrave loacutegica
do capital imobiliaacuterio pois a crise leva agrave procura contribuindo para a elevaccedilatildeo dos preccedilos
dos imoacuteveis promovendo a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria
Um exemplo dessa situaccedilatildeo eacute o grande nuacutemero de anuacutencios em jornais de casas
terrenos apartamentos ou seja imoacuteveis em geral para vender ou alugar ofertados pelo capital
imobiliaacuterio que eacute destinado a pessoas que possuem determinada renda para compraacute-los ou
alugaacute-los A dificuldade de morar adequadamente natildeo eacute vivenciada pelos grandes empresaacuterios
ou executivos pois eles podem pagar por essa mercadoria que se tornou tatildeo escassa e cara
Segundo Rodrigues (2001) a crise habitacional se agudiza por trecircs fatores pelo
processo de empobrecimento da classe trabalhadora pela vinculaccedilatildeo da poliacutetica urbana agraves
exigecircncias dos mecanismos financeiros internacionais e pela apropriaccedilatildeo elevada da renda da
terra dos lucros e dos juros na produccedilatildeo das cidades
53
Ao analisar a crise financeira do capitalismo Harvey (2009 p 271) esclarece que ao
longo dos uacuteltimos 30 anos houve muitas crises financeiras e que muitas delas tiveram origem
na urbanizaccedilatildeo mais precisamente na propriedade urbana Destacando a recente crise nos
Estados Unidos diz que foi mais uma crise urbana na qual a classe capitalista para fazerem
mais dinheiro comprou ativos financeiros o que elevou os preccedilos da propriedade imobiliaacuteria
Isso natildeo torna uma cidade melhor torna-a antes mais cara Aleacutem disso para construir
condomiacutenios de luxo e casas exclusivas os capitalistas tecircm de empurrar os pobres para fora
de suas terras
tecircm de tirar o nosso direito agrave cidade
Sendo assim observa-se que o baixo investimento em poliacuteticas puacuteblicas direcionadas
agrave habitaccedilatildeo somado agrave especulaccedilatildeo dos agentes imobiliaacuterios provoca o processo de
segregaccedilatildeo soacutecioespacial obrigando o Estado a adotar certas medidas de intervenccedilatildeo puacuteblica
objetivando mediar os conflitos sociais e se manter no poder
23 A QUESTAtildeO HABITACIONAL NO PLANEJAMENTO E GESTAtildeO DE CIDADES
As cidades satildeo historicamente construiacutedas pela accedilatildeo de diversos agentes que
produzem e consomem equipamentos serviccedilos e trabalho sendo que o acesso a esses bens e
serviccedilos produzidos coletivamente natildeo se daacute de forma coletiva Assim sendo o
desenvolvimento capitalista traz em seu bojo um cenaacuterio urbano caracterizado pela
segregaccedilatildeo soacutecioespacial
A cidade enquanto reflexo da sociedade capitalista apresenta-se tal qual estaacute
estruturado essa formaccedilatildeo econocircmica e social Tomando-se como exemplo a questatildeo
habitacional pode-se afirmar que o espaccedilo da sociedade capitalista eacute fortemente dividido em
aacutereas segregadas o que demonstra a existecircncia de aacutereas nobres destinadas agraves classes mais
abastadas economicamente Estas aacutereas satildeo urbanizadas e equipadas com serviccedilos coletivos
Assim o constante processo de elevaccedilatildeo dos custos de uso do solo urbano impede o acesso do
cidadatildeo mais pobre
Em contrapartida as classes de baixo poder aquisitivo passam a morar em aacutereas
localizadas proacuteximas ao nuacutecleo central poreacutem deterioradas ou inadequadas agrave urbanizaccedilatildeo tais
como morros de difiacutecil acesso e margens inundaacuteveis de riachos ou coacuterregos Essas
populaccedilotildees caracterizam-se por possuiacuterem insuficientes condiccedilotildees de habitaccedilatildeo e uma enorme
carecircncia de serviccedilos urbanos predominando assim a ausecircncia de poliacuteticas puacuteblicas que
garantam a essas aacutereas formas de habitabilidade adequada
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Dessa maneira a segregaccedilatildeo soacutecioespacial demonstra que o sistema capitalista lanccedila
seus tentaacuteculos de exploraccedilatildeo para aleacutem da esfera de produccedilatildeo marcando tambeacutem
presenccedila nos locais de reproduccedilatildeo da classe trabalhadora
Portanto o urbano constitui ao mesmo tempo espaccedilo de reproduccedilatildeo do capital e
tambeacutem espaccedilo de reproduccedilatildeo das classes sociais A luta contra a exploraccedilatildeo travada no
acircmbito da faacutebrica estende-se para os locais de moradia e consumo coletivo da classe
trabalhadora exigindo um processo de resistecircncia ao sistema de dominaccedilatildeo
Kowarick (1980 p 59) referiu-se ao processo de exploraccedilatildeo capitalista dizendo que
A espoliaccedilatildeo urbana eacute o somatoacuterio de extorsotildees que se opera atraveacutes da inexistecircncia ou precariedade de serviccedilos de consumo coletivo que se apresentam como necessaacuterios em relaccedilatildeo aos niacuteveis de subsistecircncia e que agudizam ainda mais a dilapidaccedilatildeo que se realiza no acircmbito das relaccedilotildees de trabalho
Sendo assim a questatildeo urbana e no seu interior a questatildeo habitacional eacute um dos
grandes desafios posto ao Estado uma vez que a questatildeo da moradia voltada para os
segmentos de baixo poder aquisitivo integra as accedilotildees governamentais em seus diversos niacuteveis
de atuaccedilatildeo com diferentes graus de intensidade e amplitude
Com o advento da Revoluccedilatildeo Industrial pode-se observar praacuteticas relativas ao
saneamento nas cidades Entretanto eram intervenccedilotildees pontuais como construccedilatildeo de
aquedutos galerias de esgoto etc que atendiam parcialmente as necessidades imediatas da
populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo ou eram destinadas aos segmentos privilegiados no
intuito de proporcionar uma melhor condiccedilatildeo de vida Estas intervenccedilotildees natildeo se constituiacuteram
em um planejamento mais amplo das cidades pois estavam associados a uma preocupaccedilatildeo de
organizaccedilatildeo fiacutesica das construccedilotildees urbanas
A intensificaccedilatildeo do processo de industrializaccedilatildeo provocou o enchimento das
cidades a aglomeraccedilatildeo de gente de cheiros feacutetidos de detritos animais a falta de
infraestrutura a maacute circulaccedilatildeo do ar Estes problemas sociais colocaram a tona a necessidade
de uma intervenccedilatildeo estatal mais efetiva nas cidades
De modo geral as peacutessimas condiccedilotildees de higiene fizeram o Estado pensar e executar
as accedilotildees voltadas agrave busca de soluccedilotildees concretas de higienizaccedilatildeo da sociedade O que fez
surgir a legislaccedilatildeo sanitaacuteria considerada a precursora da moderna legislaccedilatildeo urbaniacutestica
demonstrando a necessidade de se criar instrumentos de controle adequados agrave realidade
urbana e seus conflitos o que vai acarretar posteriormente nas discussotildees sobre o
planejamento urbano
55
No caso brasileiro as intensas transformaccedilotildees na estrutura soacutecio-econocircmica
resultaram em expressivo crescimento urbano ao longo do seacuteculo XX redesenhando a
ocupaccedilatildeo no territoacuterio nacional e no contexto intra-urbano das cidades
Nos anos 1930 com o iniacutecio da industrializaccedilatildeo as empresas investiram em
construccedilatildeo de moradias para seus operaacuterios (vilas operaacuterias) situadas proacutexima agraves faacutebricas
cujas residecircncias eram alugadas ou vendidas aos operaacuterios
No entanto com a intensificaccedilatildeo da industrializaccedilatildeo verifica-se o agravamento da
questatildeo habitacional uma vez que cresce rapidamente o nuacutemero de trabalhadores e aumenta a
pressatildeo sobre a oferta de habitaccedilatildeo popular Terrenos destinados anteriormente agraves vilas
operaacuterias comeccedilam a valorizar e com a aceleraccedilatildeo do fluxo migratoacuterio aumenta o excedente
da forccedila de trabalho nas cidades Nesse sentido as empresas transferem a responsabilidade
para o Estado dos custos relacionados agrave habitaccedilatildeo transporte e serviccedilos de infraestrutura
urbana Desse momento em diante as vilas operaacuterias tendem a desaparecer e a questatildeo da
moradia passa a ser resolvida pelas relaccedilotildees econocircmicas do mercado imobiliaacuterio (RIBEIRO
1996)
Destarte a raacutepida concentraccedilatildeo de produccedilatildeo e de populaccedilatildeo nas aacutereas urbanas dos
paiacuteses em desenvolvimento (como o Brasil) tem gerado grandes problemas dentre os quais
podem ser citados dispersatildeohiperconcentraccedilatildeo deacuteficit habitacional crescimento perifeacuterico
alto custo dos equipamentos urbanos etc
As demandas dos agentes representantes dos interesses capitalistas (capital
imobiliaacuterio proprietaacuterios fundiaacuterios e proprietaacuterios dos meios de produccedilatildeo) satildeo tratadas com
prioridade pelo poder puacuteblico em detrimento das necessidades das camadas populares
(CORREcircA 1993 p 32)
Na construccedilatildeo da configuraccedilatildeo espacial os diversos agentes sociais mantecircm relaccedilotildees
que podem ser definidas como relaccedilotildees de poder que se reproduzem por meio das aspiraccedilotildees
e necessidades de uma sociedade de classes e que faz da sociedade urbana um campo de lutas
onde os interesses se resolvem pelo jogo econocircmico e poliacutetico das forccedilas sociais
(GOOTTDIENER 1993)
Nesse sentido os interesses e objetivos da sociedade eacute que definiratildeo tanto os
processos quanto as formas que materializam uma relaccedilatildeo sociedade-espaccedilo O Estado
emerge como principal agente social no sentido de intervir e direcionar os possiacuteveis
interesses objetivos conflitos e contradiccedilotildees derivados dessa relaccedilatildeo Uma das formas com
que o Estado interveacutem sobre o espaccedilo nacional eacute instituindo poliacuteticas puacuteblicas sobretudo as
territoriais No entanto estas poliacuteticas se vinculavam ao papel do Estado enquanto planejador
56
Este enfatizava o recorte regional levando a efeito planos programas e projetos de
desenvolvimento
Assim o espaccedilo modificado natildeo eacute resultado natural de evoluccedilatildeo sociocultural da
humanidade eacute na verdade um produto intencional e natildeo-intencional de uma ordem
estabelecida Por isso partindo da compreensatildeo de que ao ser apropriado pelo homem o
espaccedilo eacute territorializado por este por meio de suas accedilotildees transformando-o a fim de melhor
adequaacute-lo agraves suas necessidades Este espaccedilo passa a ter tambeacutem valor de troca aleacutem do valor
de uso
Nesse sentido constitui-se em territoacuterio no qual o sistema capitalista pressupotildee
divisotildees do trabalho superpostas
e que pode ser analisado a partir de seus usos do seu
movimento conjunto e de suas partes reconhecendo as respectivas complementaridades
(SANTOS 2002 p 14) o que remete agrave questatildeo da divisatildeo territorial do trabalho levando a
perceber o territoacuterio natildeo como um mero palco no qual as coisas acontecem mas sobretudo
interagindo como agente ativo na sociedade
Partindo desse pressuposto verifica-se que a concentraccedilatildeo tanto populacional quanto
de atividades produtivas nas aacutereas centrais natildeo eacute realizada de forma aleatoacuteria mas como parte
de um processo analiacutetico construiacutedo pelos agentes produtores do espaccedilo urbano a partir das
necessidades mutaacuteveis da reproduccedilatildeo econocircmica e social
As aacutereas urbanas de todo mundo satildeo consideradas locais privilegiados para geraccedilatildeo de emprego para a inovaccedilatildeo e para ampliar as oportunidades econocircmicas Os centros urbanos revelam enorme agilidade na construccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees no plano da economia da poliacutetica da cultura conectando zonas rurais pequenas meacutedias e grandes cidades No marco destas transformaccedilotildees uma parcela significativa da populaccedilatildeo mundial passou a ter acesso a um niacutevel de consumo e de riqueza sem precedentes (FERREIRA 1997 p 64)
Sendo assim o planejamento urbano torna-se um fator crucial em termos sociais
fiacutesicos econocircmicos e poliacuteticos Estes aspectos podem ser analisados concomitantemente
quando se anseia urbanizar uma aacuterea Entretanto o que ocorre normalmente eacute um tratamento
secundaacuterio em relaccedilatildeo ao aspecto social quando natildeo este eacute visto como consequumlecircncia dos
demais principalmente do econocircmico
Para Maricato (1996) o Estado brasileiro investiu de forma desigual e diferenciada
em equipamentos coletivos necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo do capital e da forccedila de trabalho
privilegiando nos seus investimentos a acumulaccedilatildeo e gerando a exclusatildeo de amplas parcelas
da sociedade do mercado de bens de consumo individual e de bens e serviccedilos de consumo
57
coletivo (creches escolas transporte sauacutede saneamento) e as necessidades suscitadas pelo
modo de vida urbana no tempo da informaacutetica e das telecomunicaccedilotildees ampliam e
aprofundam as desigualdades sociais originadas no processo de acumulaccedilatildeo e reforccediladas pela
poliacutetica urbana
A poliacutetica urbana eacute posta em segundo plano face ao ideaacuterio da homogeneizaccedilatildeo
modernizante na qual Estado afasta-se de sua funccedilatildeo claacutessica de provedor de serviccedilos baacutesicos
coletivos deixando a atuaccedilatildeo para as forccedilas de mercado como solucionadoras da crise urbana
Contudo esse afastamento gera um deacuteficit urbano tendo em vista que a natildeo intervenccedilatildeo
estatal provoca a precariedade das condiccedilotildees de trabalho e de vida urbana
A intervenccedilatildeo estatal no urbano eacute a forma mais elaborada mais desenvolvida da
resposta capitalista agrave necessidade de socializaccedilatildeo das forccedilas produtivas (LOJKINE 1981 p
168) As poliacuteticas urbanas implementadas pelo Estado capitalista representam contra-
tendecircncias que visam regular e atenuar os efeitos negativos
no niacutevel do funcionamento
global das formaccedilotildees sociais
da segregaccedilatildeo e da mutilaccedilatildeo capitalista dos equipamentos
urbanos constituindo um produto das contradiccedilotildees urbanas resultantes das relaccedilotildees entre
classes sociais antagocircnicas que se manifestam nos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano
Ao longo do seacuteculo XX o planejamento urbano teve sempre uma conotaccedilatildeo de
ordem racionalidade e eficiecircncia Com a industrializaccedilatildeo e a crescente urbanizaccedilatildeo o Estado
passaria a intervir na cidade com o propoacutesito de organizar o territoacuterio a fim de garantir o
processo econocircmico e ampliar as condiccedilotildees de aglomeraccedilatildeo Tendo por base um
planejamento racional da distribuiccedilatildeo da populaccedilatildeo e de suas atividades a intervenccedilatildeo puacuteblica
se daria por meio de investimentos em infraestrutura e da regulaccedilatildeo da produccedilatildeo privada do
ambiente construiacutedo (CARDOSO 2003 p 7)
Para Oliveira (1982 p 41) a industrializaccedilatildeo vai impor um padratildeo de urbanizaccedilatildeo
aparentemente superior ao ritmo da industrializaccedilatildeo Com uma economia fundada na
agricultura de exportaccedilatildeo e com um mercado interno pouco significativo a industrializaccedilatildeo
restringida implicaria em um papel diferenciado do Estado que segundo Cardoso (2003) ao
priorizar o desenvolvimento econocircmico deixaria de estabelecer miacutenimos sociais universais O
que viria ocasionar em relaccedilatildeo ao urbano a disputa de investimentos em infraestrutura entre
grupos sociais e a dificuldade da legislaccedilatildeo urbaniacutestica impor seus padrotildees de forma
universal
Para entender o processo de urbanizaccedilatildeo faz-se necessaacuterio esclarecer alguns
aspectos estruturais de sua organizaccedilatildeo com a intensificaccedilatildeo da industrializaccedilatildeo a partir de
58
1930 e a organizaccedilatildeo das cidades e das classes sociais surgidas com o modo de produccedilatildeo
capitalista
O processo de reforma urbaniacutestica no Brasil se inicia nos primoacuterdios do seacuteculo XX
as intervenccedilotildees urbaniacutesticas deste periacuteodo foram baseadas em modelos europeus do
Urbanismo Modernista os quais prezavam pelo embelezamento das avenidas centrais
colocaccedilatildeo de praccedilas parques e a higienizaccedilatildeo com a construccedilatildeo de instrumentos de
saneamento
De base conservadora e positivista as reformas urbaniacutesticas importadas da Europa
representam de forma bastante arbitraacuteria um modelo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial e de
favelizaccedilatildeo que perdura de maneira anaacuteloga ateacute os dias atuais Todas estas intervenccedilotildees
tinham por resguardo a idealizaccedilatildeo de uma cidade ideal mas de acordo com o interesse da
classe dominante De modo que as questotildees sociais eram totalmente ignoradas ao mesmo
tempo em que parte da sociedade era negligenciada
Com as fortes mudanccedilas no processo de ocupaccedilatildeo e produccedilatildeo do solo urbano
decorrentes da industrializaccedilatildeo que se iniciava no Brasil a partir da deacutecada de 1930 o
planejamento se adapta as novas necessidades do espaccedilo urbano
Na deacutecada de 1930 o Paiacutes ainda possuiacutea uma economia agroexportadora e era
fortemente marcada pelo modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees valorizando a induacutestria
nacional e promovendo paralelamente o ecircxodo de numerosos contingentes humanos
provenientes das aacutereas rurais em direccedilatildeo agraves cidades em busca de melhores condiccedilotildees de vida
e de trabalho
Isto provocou o aumento da taxa de urbanizaccedilatildeo e ainda contribuiu para o
desenvolvimento de um grande exeacutercito industrial de reserva necessaacuterio ao desenvolvimento
da induacutestria formado pela populaccedilatildeo que procurava nos centros urbano-industriais novas
perspectivas para suas vidas
Dentre as proposiccedilotildees centrais da estrateacutegia de desenvolvimento nacional se
destacam a intervenccedilatildeo do Estado na provisatildeo de infraestrutura o protecionismo de
determinados ramos industriais e a supervalorizaccedilatildeo das taxas de cacircmbio visando beneficiar
as importaccedilotildees de insumos
Neste sentido a economia industrial que se constituiu no Brasil baseou-se numa
forma de intervenccedilatildeo puacuteblica destinada a propiciar uma accedilatildeo relativamente integrada do
capital estatal associado a capitais privados
ora nacionais ora estrangeiros Do ponto de vista
econocircmico ocorriam periodicamente dois movimentos alternados ora de crescimento
econocircmico ora crise e de endividamento (interno e externo)
59
O Estado assume com mais vigor intervenccedilotildees no mercado de trabalho e na
provisatildeo de infraestrutura e serviccedilos puacuteblicos numa atuaccedilatildeo que lhe conferiu matizes de
Estado do Bem-Estar Desde cedo se caracterizou pelo apoio ao ideaacuterio desenvolvimentista
tendo na induacutestria sua locomotiva e no Estado o seu planejador e impulsor (FIORI 1992 p
06) Visando assegurar o processo interno de acumulaccedilatildeo e produccedilatildeo capitalista pautou sua
atuaccedilatildeo na implementaccedilatildeo de poliacuteticas econocircmicas como instrumento de promoccedilatildeo desse
desenvolvimento As elites nacionais assumiram o projeto desenvolvimentista impulsionado
pela industrializaccedilatildeo
O modelo baacutesico de intervenccedilatildeo adotado pelo Estado foi de promotor da economia e regulador Como promotor teve um papel decisivo no financiamento dos grandes blocos de investimento e na produccedilatildeo direta de insumos principalmente por meio da criaccedilatildeo de infraestrutura Como regulador atuou no sentido de centralizar e normatizar as principais aacutereas da atividade produtiva nacional regulamentando os serviccedilos de utilidade puacuteblica criando instacircncias poliacutetico-administrativas de coordenaccedilatildeo e planejamento setorial e elaborando planos de auto-suficiecircncia energeacutetica (LOW-BEER 2002 p 70)
A Grande Depressatildeo Mundial deu margem para que os governos estendessem suas
accedilotildees agrave economia capitalista Essa intervenccedilatildeo governamental difundiu-se nas economias
nacionais em detrimento do mito do mercado isto eacute do mercado como grande regulador da
economia Neste sentido cabia aos governos das naccedilotildees colocarem em praacutetica a nova teacutecnica
de planejar O planejamento foi adotado pelos governos de economia capitalista subsidiada
pelas noccedilotildees do keynesianismo que primeiramente orientaram o governo de Rossevelt nos
Estados Unidos As ideacuteias keynesianas foram difundidas para outras naccedilotildees como foacutermula de
atingir o desenvolvimento econocircmico e social (RODRIGUES 1998)
Segundo Fiori (1992) depois que o pensamento liberalconservador foi deposto pelo
keynesianismo e pelo avanccedilo dos social-democratas novos caminhos se abriram para a
presenccedila do Estado ativo e interventor cuja marca principal era o pleno emprego o controle
da economia e o Estado de Bem-Estar Social Este funcionou por cerca de 30 anos pois na
deacutecada de 1970 o mesmo se demonstrava incapaz de responder aos novos desafios colocados
para a sociedade novas tecnologias e financcedilas desaceleraccedilatildeo do crescimento econocircmico e
crises fiscais
Enquanto na Europa se tinha o Estado Keynesiano na Ameacuterica Latina introduziu-se
com o pensamento da CEPAL um Estado desenvolvimentista que pregava a superaccedilatildeo da
crise por meio da industrializaccedilatildeo conduzida pelo Estado Entre as suas estrateacutegias estavam o
60
controle do cacircmbio para promover uma industrializaccedilatildeo pautada na substituiccedilatildeo de
importaccedilotildees a produccedilatildeo de insumos e de infraestruturas de transporte e comunicaccedilatildeo o
financiamento de atividades privadas nacionais e a articulaccedilatildeo entre os capitais privados
nacionais e internacionais
Sendo assim o Estado Nacional assumiu a responsabilidade de formar dentro do
sistema capitalista existente natildeo soacute uma rede de oacutergatildeos com o objetivo de acelerar o
desenvolvimento econocircmico brasileiro mas inclusive tentando transformar-se num Estado
empresaacuterio inovador e em menor intensidade banqueiro Isto natildeo significa que o Estado
tenha em si substituiacutedo o empresaacuterio nem que a classe empresarial tenha sido passiva mas
que sua atuaccedilatildeo ao criar instituiccedilotildees e tomar a si a responsabilidade crescente pelas decisotildees
econocircmicas foi fundamental para a mudanccedila de rumo que a economia brasileira conheceu a
partir de 1930 (FONSECA 2003)
O governo de Vargas percebendo a necessidade de transformaccedilatildeo nas accedilotildees estatais
adotou uma funccedilatildeo coordenadora como fica claro na passagem abaixo
Na eacutepoca em que os fins sociais satildeo preponderantemente econocircmicos em que se organiza de maneira cientiacutefica a produccedilatildeo e o pragmatismo industrial eacute elevado a limites extremos assinala-se a funccedilatildeo do Estado antes e acima de tudo como elemento coordenador desses muacuteltiplos esforccedilos devendo sofrer por isso modificaccedilotildees decisivas (VARGAS apud LOW-BEER 2002 p 73)
A partir daquele momento o governo de Vargas passou a investir na modernizaccedilatildeo
da economia brasileira via revisatildeo das legislaccedilotildees que regiam tanto as relaccedilotildees sociais como
as econocircmicas e na criaccedilatildeo de novos oacutergatildeos que tinham por objetivo planejar e concretizar as
poliacuteticas puacuteblicas de planejamento da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo
Dessa forma criaram-se as instituiccedilotildees que tinham como objetivo o desenvolvimento
econocircmico do Brasil de tal forma que dado o impulso inicial o proacuteprio funcionamento
destas instituiccedilotildees contribuiria para construccedilatildeo de um processo contiacutenuo de desenvolvimento
separando a figura pessoal de Vargas bem como de seu governo do processo nacional
desenvolvimentista
Segundo Teixeira (1998) o iniacutecio do planejamento governamental estaacute associado ao
governo de Vargas quando se registraram os primeiros esforccedilos de racionalizaccedilatildeo da
distribuiccedilatildeo de recursos e de centralizaccedilatildeo do comando da poliacutetica econocircmica brasileira A
partir da Segunda Guerra Mundial a ideologia e teacutecnica do planejamento tornaram-se
fundamentais agraves naccedilotildees capitalistas nos momentos em que tiveram de planejar seu
61
desenvolvimento As ideacuteias de planejamento foram aplicadas agrave Ameacuterica Latina e a outros
paiacuteses em desenvolvimento Num primeiro instante a ideacuteia de planejamento apresentava-se no
Brasil carregada de um cunho nacionalista que caracterizava o governo de Getuacutelio Vargas
entre 19301945 Nesta ocasiatildeo para operacionalizaacute-lo houve uma seacuterie de transformaccedilotildees a
niacutevel institucional
Datam dessa eacutepoca vaacuterios empreendimentos estatais como a Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD) fundada em 1942 (resposta nacionalista aos interesses estrangeiros na
exploraccedilatildeo de mineacuterio) a Companhia Nacional de Aacutelcalis criada em 1943 para evitar a
paralisaccedilatildeo das induacutestrias que utilizavam carbonato de soacutedio no caso de escassez do produto
(BAER 1995) Tambeacutem se expandiu o setor de navegaccedilatildeo e em 1943 foi criada a Faacutebrica
Nacional de Motores que acabou fabricando de tratores a geladeiras passando por motores e
carros tendo sido vendida a um grupo privado estrangeiro em 1968
Silva (1989) ressalta que ateacute a deacutecada de 1940 as intervenccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo
agrave questatildeo urbana eram mais de cunho sanitarista para o controle de focos de doenccedilas Todas
as medidas do Estado levado pelo interesse econocircmico e poliacutetico e pelo desenvolvimento da
induacutestria soacute contribuiacuteram para a segregaccedilatildeo soacutecioespacial da cidade
A partir da segunda metade do seacuteculo XX com a industrializaccedilatildeo e maior entrada do
capital estrangeiro no Paiacutes por meio das multinacionais surge uma nova oportunidade para os
empresaacuterios os quais viam na classe meacutedia um novo mercado a ser explorado
A consolidaccedilatildeo do Estado desenvolvimentista e regulador durante as deacutecadas de
1950 e 1960 deu-se com a integraccedilatildeo das ideacuteias de progresso e bem-estar social agraves bases
ideoloacutegicas para a implementaccedilatildeo de um grande projeto de industrializaccedilatildeo (SANTOS 1996)
tomando o planejamento estatal realizado por uma elite tecnocraacutetica como instrumento de
orientaccedilatildeo e de definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas nacionais bem como a capacidade do Estado
de impor de cima para baixo seus planos programas e projetos ao conjunto da sociedade
O desenvolvimento era pensado em termos nacionais podendo ser conduzido
preferencialmente pelos governos centrais Desenvolvimento era acima de tudo expandir a
produccedilatildeo interna e a oferta de bens e serviccedilos padronizados para o mercado domeacutestico
esperando que os efeitos multiplicadores dos investimentos sobre a geraccedilatildeo de renda e
emprego produzissem os resultados desejados em termos de equumlidade Esse era o modelo
hegemocircnico de industrializaccedilatildeo dos paiacuteses retardataacuterios respaldado pelas experiecircncias da
Franccedila Alemanha Japatildeo e Uniatildeo Sovieacutetica dentre outras (FIORI 1992)
Os frutos desse modelo no entanto variaram de um Paiacutes para o outro como resultado
de suas caracteriacutesticas proacuteprias No caso brasileiro a industrializaccedilatildeo em marcha forccedilada
62
especialmente a partir do Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) contribui para
acentuar desigualdades intra e inter-regionais na alocaccedilatildeo de recursos bem como no perfil de
distribuiccedilatildeo de renda entre os diferentes segmentos sociais Aliado a isso a raacutepida
urbanizaccedilatildeo concentrou pessoas e mazelas sociais nas cidades incrementando a demanda por
habitaccedilatildeo transportes saneamento e outros bens coletivos
Naquela eacutepoca os investimentos do Estado direcionavam-se para a criaccedilatildeo de
infraestrutura para esse novo empresariado e aleacutem disso diminuiu-se ainda mais os gastos
com a classe de menor poder aquisitivo Aumenta-se tambeacutem a exploraccedilatildeo da forccedila de
trabalho e intensifica-se a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria como forma de acumulaccedilatildeo de capital o
que agrava o problema urbano para a classe trabalhadora pois o acesso ao solo urbano
infraestruturado eacute condiccedilatildeo primordial para o acesso agrave vida digna
Na deacutecada de 1950 e os anos de 1960 o Paiacutes passa por um periacuteodo caracterizado pela
aceleraccedilatildeo do processo de urbanizaccedilatildeo As cidades principalmente as maiores
completamente despreparadas tornam-se o destino de grandes fluxos migratoacuterios originados
no campo ou nas pequenas cidades Aleacutem disso as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas na induacutestria
automobiliacutestica e na construccedilatildeo civil aumentam a eficiecircncia da produccedilatildeo ampliando o
nuacutemero de carros nas ruas e possibilitando a verticalizaccedilatildeo nas cidades (ROLNIK 2002 p
217)
A partir de 1955 durante a gestatildeo do Presidente Kubitschek comeccedilaram a ser
fundadas as bases do modelo econocircmico que foi seguido durante as duas deacutecadas seguintes
Foram criadas empresas estatais em setores baacutesicos como accedilo petroacuteleo energia eleacutetrica e
transportes aleacutem de instituiccedilotildees bancaacuterias como o Banco do Estado de Satildeo Paulo o reforccedilo
do Banco do Brasil e a instituiccedilatildeo de agecircncias de fomento ao desenvolvimento como o Banco
do Nordeste do Brasil (BNB)
criado em 1953 principal agente financeiro da
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
Vale observar que foi naquele periacuteodo que se iniciou a preocupaccedilatildeo com a questatildeo
regional Naquela eacutepoca foram criados o Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia em
1951 e posteriormente a Superintendecircncia do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia
(SPVEA) em 1953 aleacutem da criaccedilatildeo da Companhia de Petroacuteleo Brasileiro SA
(PETROBRAacuteS) e das Centrais Eleacutetricas Brasileiras SA (ELETROBRAacuteS)
Segundo Rodrigues (1998) em 1956 o Governo de Juscelino Kubistschek criou um
Conselho de Desenvolvimento com atribuiccedilotildees de formular planos e programas realizar
pesquisas econocircmicas acompanhar e controlar as medidas adotadas A primeira accedilatildeo do
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Conselho foi a elaboraccedilatildeo do Programa de Metas cuja implementaccedilatildeo colocou aquele oacutergatildeo
no centro do processo de tomada de decisatildeo de poliacutetica econocircmica
Com o Plano de Metas de JK o planejamento governamental passou a ser visto como
um instrumento importante para o alcance do desenvolvimento econocircmico e para solucionar
os graves problemas provenientes da pobreza Assim o planejamento foi rapidamente
disseminado e adotado de forma sistematizada e intencional recebendo o apoio tanto dos
partidos poliacuteticos de diversos matizes ideoloacutegicos como dos empresaacuterios e militares
(TEIXEIRA 1998)
O Programa de Metas (1957-1960) elaborado durante o Governo Juscelino Kubitschek representou uma transformaccedilatildeo qualitativa nas relaccedilotildees entre Estado e economia Comeccedila a ganhar forccedila a concepccedilatildeo de planejamento enquanto uma teacutecnica neutra capaz de adequar racionalmente os melhores meios aos diversos fins determinados Portanto o conceito de planejamento e desenvolvimento econocircmico passou a se identificar cada vez mais ganhando adesotildees ou mesmo tornando-se consensuais entre os diversos setores da sociedade (SANTOS JUNIOR 1995 p 28)
Rodrigues (1998) afirma que foi no Governo de Juscelino Kubitschek (1955-1960)
que o Estado estreitou os laccedilos da economia no qual todos os esforccedilos e recursos foram
colocados a serviccedilo do processo de industrializaccedilatildeo do Paiacutes A partir daiacute a poliacutetica
governamental tem tratado de orientar-se de acordo com as condicionantes econocircmicas
definindo setores e investimentos necessaacuterios Mesmo no governo de Jacircnio Quadros havia
uma disposiccedilatildeo para continuar apostando na teacutecnica do planejamento Em seu governo foi
criada a Comissatildeo de Planejamento Nacional em 1961 posteriormente transformada em
Ministeacuterio do Planejamento e Coordenaccedilatildeo econocircmica em 1964 no governo militar
Nos anos 1960 de acordo Ribeiro e Cardoso (2003 p 125) o planejamento assume
um [] papel estrateacutegico-desenvolvimentista e os planejadores passam a ser os
racionalizadores da gestatildeo da cidade Tal afirmaccedilatildeo poderia conduzir agrave conclusatildeo de que as
pessoas envolvidas nesse trabalho teriam uma visatildeo limitada da realidade contudo eacute
importante lembrar que a presenccedila do Estado de exceccedilatildeo predomina contribuindo para um
perfil tecnicista apoliacutetico objetivo do planejador urbano
A nacionalidade ainda estaacute em pauta mas muda o discurso Agora a urbanizaccedilatildeo eacute
fator necessaacuterio para a modernizaccedilatildeo sem o qual natildeo se constroacutei a naccedilatildeo Entretanto a
questatildeo urbana eacute vinculada ao desenvolvimento e natildeo ao social A eficiecircncia e a
racionalidade da produccedilatildeo industrial aplicadas agrave cidade atendem agraves ideacuteias defendidas na eacutepoca
(RIBEIRO CARDOSO 2003 p 129)
64
Para Cruz (1994 p 04) eacute somente na segunda metade da deacutecada de 1960 que pela
primeira vez foi reconhecida a necessidade do governo central intervir diretamente nas
cidades apesar de natildeo haver uma proposta estruturada de poliacutetica urbana nacional
Naquele periacuteodo o Estado se vecirc pressionado a atender agraves carecircncias geradas pelo
processo produtivo e a continuar criando condiccedilotildees para a acumulaccedilatildeo capitalista visto que
ambos fatores fazem parte dos investimentos para o processo de desenvolvimento econocircmico
capitalista
Conforme Nunes e Jacobi (1993 p 36) as organizaccedilotildees populares emergiram com a
consolidaccedilatildeo das bases da economia urbano-industrial e do consequumlente desenvolvimento do
capitalista monopolista no Paiacutes uma vez que a partir da deacutecada de 1950 este modelo passou
a exigir a concentraccedilatildeo fiacutesica das unidades produtivas do mercado consumidor da forccedila de
trabalho e dos serviccedilos relacionados com a sua produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
O processo de industrializaccedilatildeo implantado no Brasil alterou significativamente o
espaccedilo urbano das cidades Estas passaram a demonstrar uma seacuterie de problemas sociais
decorrentes das contradiccedilotildees deste padratildeo de acumulaccedilatildeo que podem ser explicitadas
principalmente na crescente demanda por serviccedilos coletivos e pelos conflitos entre classes
oriundos do processo de exclusatildeo das camadas mais pobres na garantia dos direitos poliacuteticos
bem como dos direitos sociais
Ribeiro (1992) ressalta que esses conflitos fomentaram a emergecircncia nos centros
urbanos de formas de organizaccedilatildeo popular expressados nos chamados movimentos sociais
que satildeo formas de organizaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo inscritas como elos ativos entre os processos de
reproduccedilatildeo social e a esfera poliacutetica em busca de melhores condiccedilotildees de sobrevivecircncia e dos
direitos de cidadania
Ateacute o iniacutecio da deacutecada de 1960 os movimentos sociais estavam relacionados com a
tendecircncia revolucionaacuteria do proletariado ou seja dos sindicatos como por exemplo as
Sociedades de Amigos do Bairro (SAB s) em Satildeo Paulo que surgiram para organizar e
estruturar as demandas da sociedade civil por melhorias sociais e urbanas
Desse modo o Estado passou a intervir mais diretamente no espaccedilo urbano pois de
acordo com Gohn (1991) a intervenccedilatildeo estatal no urbano tem a ver com a criaccedilatildeo de
condiccedilotildees gerais para a acumulaccedilatildeo do capital concentrando assim sua accedilatildeo na regulaccedilatildeo
das formas de produccedilatildeo e para a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho por meio da poliacutetica social
de benefiacutecios urbanos na qual o Estado procura atenuar a contradiccedilatildeo entre as necessidades
de reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho e os interesses da acumulaccedilatildeo do capital via distribuiccedilatildeo
via salaacuterios indiretos
65
A partir da deacutecada de 1960 foram implementados vaacuterios planos no intuito de
garantir as condiccedilotildees gerais da produccedilatildeo e reproduccedilatildeo do capital por meio de um discurso
teacutecnico-administrativo o qual legitimava a dominaccedilatildeo do Estado por meio da suposta
eficiecircncia e eficaacutecia de um modelo de planejamento que atenderia ao interesse geral
Visando obter apoio das classes populares urbanas o populismo desempenhou um duplo papel legitimando as reivindicaccedilotildees urbanas por um lado e assumindo um papel de provedor geral das necessidades por outro [] Foi no periacuteodo janista que o poder puacuteblico deu certa atenccedilatildeo agraves necessidades imediatas da sociedade civil obtendo ao mesmo tempo um certo apoio da mesma que acabou por identificar o Estado como o alvo a ser atingido pela proacutepria pressatildeo popular (NUNES JACOBI 1993 p 37)
Segundo Souza (1990) de 1964 a 1974 a poliacutetica do Estado Nacional brasileiro foi
sobretudo uma poliacutetica de resistecircncia e opressatildeo agraves camadas populares e se expressou por
meio de prisotildees suspensatildeo dos direitos poliacuteticos cassaccedilatildeo de mandatos controle poliacutetico e
repressivo das organizaccedilotildees populares e sobretudo arrocho salarial O Estado se afastou cada
vez mais das camadas populares pelas medidas arbitraacuterias que tomou ante a problemaacutetica
urbana
O golpe militar de marccedilo de 1964 foi resultado do profundo descontentamento dos grupos econocircmicos que desejavam manter as estrateacutegias tiacutepicas do modelo baseado na exportaccedilatildeo de produtos manufaturados e na expansatildeo do mercado interno contraacuterio ao fortalecimento do grupo nacionalista que defendia o desenvolvimento baseado na expansatildeo do mercado interno Como consequumlecircncia das divergecircncias instalou-se uma crise econocircmica profunda com reflexos na reduccedilatildeo da capacidade produtiva e no crescimento das reivindicaccedilotildees sociais (LOW-BEER 2002 p 81)
O agravamento da crise poliacutetica dos governos de Jango e Jacircnio e a crise final do
regime populista com o golpe militar em 1964 liquidaram os movimentos poliacuteticos
revolucionaacuterios exterminando eou exilando muito dos seus participantes Mesmo com esta
repressatildeo vaacuterios liacutederes comunitaacuterios se arriscaram atuando na clandestinidade contra a
poliacutetica de repressatildeo vigente atraveacutes das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e agentes
pastorais9 Estes canais aleacutem de valorizarem a participaccedilatildeo popular em organizaccedilotildees com as
discussotildees sobre as condiccedilotildees de vida dos moradores proporcionaram o desenvolvimento de
formas democraacuteticas de participaccedilatildeo de base e a formaccedilatildeo de lideranccedilas
9 A igreja por meio do seu movimento de renovaccedilatildeo a Teologia da Libertaccedilatildeo tornou-se no periacuteodo autoritaacuterio um canal de expressatildeo da luta dos movimentos sociais pelos Direitos Humanos e pelas reivindicaccedilotildees populares ao abrir espaccedilos fiacutesicos e de orientaccedilatildeo espiritual-ideoloacutegica para as massas (GOHN 1991)
66
Segundo Haddad (1996) foi a partir de 1965 que as atividades de planejamento
governamental tornaram-se mais sistecircmicas no Brasil sob diferentes aspectos Em 1965 o
Governo Federal introduziu em sua administraccedilatildeo uma sistemaacutetica de planejamento que
procurou coordenar objetivos de um programa de estabilizaccedilatildeo de curto prazo (Programa de
Accedilatildeo Econocircmica do Governo (PAEG)) com as metas de um plano de meacutedio e de longo prazo
(Plano Decenal de Desenvolvimento) para o Paiacutes como um todo
Desta forma as macro-regiotildees brasileiras particularmente a Norte e a Nordeste
passaram a dispor de uma atuaccedilatildeo efetiva de organismos de planejamento do
desenvolvimento regional (as superintendecircncias) e de instituiccedilotildees de financiamento para
administrar incentivos fiscais e financeiros a partir das diretrizes de um Plano Diretor de
meacutedio prazo Assim alguns governos estaduais avanccedilaram a organizaccedilatildeo de sistemas de
planejamento que de certa forma tentavam reproduzir em escala subnacional o arranjo
institucional do sistema de planejamento do governo federal
Nos casos do Nordeste e do Norte foram criados e preservados alguns programas
especialmente no que se refere aos estiacutemulos fiscais e financeiros e voltados para a
implantaccedilatildeo de infraestrutura econocircmica como as rodovias e a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de
energia eleacutetrica
Nesse sentido o PAEG (1965-1966) que propugnava o crescimento econocircmico e o
emprego a reduccedilatildeo das taxas de inflaccedilatildeo a correccedilatildeo dos deacuteficits da balanccedila de pagamentos o
aumento das obras puacuteblicas e a instituiccedilatildeo de um programa habitacional foram criadas vaacuterias
instituiccedilotildees como o Banco Central o Conselho Monetaacuterio Nacional o Banco Nacional da
Habitaccedilatildeo (BNH) as Sociedades de Creacutedito Imobiliaacuterio e o Serviccedilo Federal de Habitaccedilatildeo e
Urbanismo (SERFHAU) aleacutem do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS)
O BNH adotava uma estrateacutegia de atuar tambeacutem no desenvolvimento urbano
financiando aleacutem da habitaccedilatildeo e saneamento planos de renovaccedilatildeo urbana transportes e
equipamentos comunitaacuterios Para Bierrenbach (1987 p 48) o BNH foi criado com o
objetivo de favorecer as camadas populares e funcionar como um antiacutedoto ao
descontentamento decorrente do fechamento dos canais de participaccedilatildeo poliacutetica e econocircmica
Entretanto esses objetivos tinham os princiacutepios organizacionais caracteriacutesticos do mercado
capitalista
O Plano Decenal de Desenvolvimento Econocircmico e Social (PDDES)
1967 a 1976
continha um capiacutetulo especiacutefico sobre as questotildees urbanas no qual foi estabelecida uma
regionalizaccedilatildeo
as Regiotildees Programa e os Poacutelos de Desenvolvimento Urbano aleacutem de
67
instituir um Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado (SNPLI) a ser conduzido
pelo SERFHAU e pelo IPEA
Com os governos militares a questatildeo urbana foi tratada de forma diferente e houve
bastante investimento para o melhoramento da urbanizaccedilatildeo das cidades No entanto a
preocupaccedilatildeo natildeo era com a problemaacutetica social causada pela urbanizaccedilatildeo desordenada mas
sim com a legitimaccedilatildeo de uma forma de governo ditatorial e com a organizaccedilatildeo espacial das
cidades para atender agraves exigecircncias crescentes da economia como produccedilatildeo circulaccedilatildeo e
consumo do capitalismo
No Brasil poacutes-1964 a posiccedilatildeo das poliacuteticas urbanas no contexto das prioridades
governamentais caracterizava-se pela implementaccedilatildeo de um novo conceito de eficiecircncia no
qual os interesses econocircmicos prevaleceram sobre os interesses sociais Como reflexo disto
as poliacuteticas governamentais nas aacutereas de bem-estar social tais como sauacutede saneamento
educaccedilatildeo habitaccedilatildeo e outros tiveram pequeno destaque na agenda governamental Deste
modo o perfil de desigualdade social dominante permaneceu o que somado agrave compressatildeo
salarial e ao desemprego configurou um crescente agravamento das condiccedilotildees gerais das
camadas populares (JACOBI 1989)
Em meados da deacutecada de 1970 o mercado interno - cuja expansatildeo foi limitada pelo
modelo concentrador de renda - comeccedilava a mostrar suas limitaccedilotildees (e exaustatildeo) forccedilando a
mudanccedila em direccedilatildeo a uma poliacutetica orientada para a exportaccedilatildeo aliada a uma capitalizaccedilatildeo
baseada no endividamento crescente Tais poliacuteticas se tornaram o exemplo perfeito do binaacuterio
estado intervencionistacrescimento econocircmico O modelo de atuaccedilatildeo estatal - e que residiu
na base do milagre brasileiro - comeccedilou a mostrar sua fragilidade principalmente quando o
envolvimento do Estado na economia tem mais aspectos negativos que positivos (LOW-
BEER 2002)
Nesse momento como reflexo da postura autoritaacuteria instalada visando o controle
dos movimentos sociais e principalmente o fortalecimento das forccedilas produtivas foi preciso
reforccedilar a atuaccedilatildeo poliacutetica com uma atuaccedilatildeo centralizadora e de planejamento do
desenvolvimento baseado num capitalismo moderno Tambeacutem nessa altura passou a
integrar a pauta da atuaccedilatildeo puacuteblica o planejamento do espaccedilo e a formulaccedilatildeo das poliacuteticas de
reordenamento territorial e urbano com a funccedilatildeo de mecanismos indutores do
desenvolvimento
Naquele periacuteodo o planejamento assume uma forma centralizada despolitizada e
ditatorial jaacute que os planos e projetos passam a ser bandeiras de justificativas de accedilotildees do
Estado no entanto foram elaboradas sem a mediaccedilatildeo representativa dos interesses populares
68
e se dirigiam sobretudo as questotildees geneacutericas distanciando-se da problemaacutetica proacutepria de
cada contexto (SOUZA 1990 p 111)
No entanto as condiccedilotildees objetivas de inchaccedilo e periferizaccedilatildeo das cidades e da
pauperizaccedilatildeo de suas camadas populares favoreceram que as lideranccedilas e organizaccedilotildees
populares formadas com propoacutesitos religiosos tornassem o uacutenico canal de expressatildeo das
reivindicaccedilotildees por melhores condiccedilotildees de vida
Mesmo nessa fase do regime autoritaacuterio o governo se preocupava em passar no seu
discurso uma imagem positiva para a sociedade no tocante a participaccedilatildeo das classes
populares Todavia o conjunto de poliacuteticas implementadas deixa em evidecircncia que a
participaccedilatildeo efetiva natildeo acontecia na realidade Como ressalta Gohn (1985 p 98) o Estado
elabora atraveacutes da poliacutetica denominada planejamento participativo um discurso no qual todas
as diferenccedilas existentes entre os grupos de indiviacuteduos na sociedade satildeo eliminadas
Ao final da deacutecada de 1970 as praacuteticas e as instituiccedilotildees de planejamento eram
instrumentos de legitimaccedilatildeo do regime poliacutetico autoritaacuterio que pretendia encarnar a imagem
de um governo orientado apenas pelos princiacutepios da racionalidade e da competecircncia teacutecnica
Para Correcirca (1989) o planejamento foi apresentado como um processo racional de
tomada de decisotildees para buscar otimizar recursos ou para melhorar a condiccedilatildeo de vida agrave
sociedade indicado tambeacutem como um processo que visa agrave organizaccedilatildeo das estruturas fiacutesicas
do espaccedilo da cidade representadas por usos e ocupaccedilotildees do solo e pelas infraestruturas que
lhe datildeo suporte utilizando para isso vaacuterios instrumentos urbaniacutesticos como por exemplo o
zoneamento
Nesse contexto o planejamento e a gestatildeo das cidades10 se restringiram aos criteacuterios
e procedimentos de administraccedilatildeo atribuindo ao gestor a competecircncia teacutecnica para
solucionar os problemas urbanos mediante agrave utilizaccedilatildeo de instrumentos normativos tais
como coacutedigos de postura de obras de edificaccedilotildees e de uso do solo que contraditoriamente
acirraram as desigualdades soacutecio-espaciais
No Brasil do ponto de vista da poliacutetica urbana o que se observou no planejamento sob o regime autoritaacuterio foi o agravamento dos problemas urbanos gerados pela expansatildeo industrial pelos intensos fluxos migratoacuterios e pelo crescimento populacional superior agrave absorccedilatildeo da matildeo-de-obra nas cidades No projeto desenvolvimentista e modernizador em curso naquele
10 Para Marcelo Souza (2002) a gestatildeo eacute a administraccedilatildeo dos recursos (de todos os tipos) e dos problemas aqui e agora (presente e futuro de curto prazo) o planejamento eacute a preparaccedilatildeo para o futuro (de meacutedio e longo prazo sobretudo) com o objetivo de evitar ou minimizar problemas e melhor explorar potencialidades Mesmo em uma era de imediatismo e de dificuldades de planejamento no setor puacuteblico natildeo eacute sensato abrir matildeo de se pensar tambeacutem o planejamento
69
periacuteodo o planejamento urbano passou a ocupar o papel de racionalizar as administraccedilotildees municipais e de resolver os problemas urbanos entendidos na eacutepoca como decorrentes do desenvolvimento econocircmico (SANTOS JUNIOR 1995 p 30)
Matus (1996) e Teixeira (1998) afirmam que o modelo de planejamento e gestatildeo
adotado na Ameacuterica Latina e em especial no Brasil foi do tipo normativo tradicional Isto
provocou muitas vezes uma ineficaacutecia das poliacuteticas governamentais
O planejamento normativo tradicional tem como princiacutepio fundamental o argumento
de que quem planeja eacute o governo Este ator estaacute fora ou acima da realidade planejada e
portanto natildeo coexiste nessa realidade com outros atores que tambeacutem planejam (MATUS
1996 p 65) Eacute um instrumento eminentemente teacutecnico que desconsidera a presenccedila de outros
atores interessados no processo de definiccedilatildeo do planejamento puacuteblico tais como associaccedilotildees
sindicatos empresas etc
Nesse sentido ocorre uma centralizaccedilatildeo de poder de decisatildeo de forma autoritaacuteria e
burocraacutetica nas matildeos dos governantes pois se avalia que tudo que for definido e
implementado pelo Estado seraacute aceito por esses atores sem qualquer tipo de questionamento
O uacutenico aspecto que eacute considerado basicamente eacute o econocircmico cujo comportamento eacute
totalmente previsiacutevel
O planejador tradicional dominado pelo economicismo assume que accedilatildeo eacute sinocircnimo de comportamento no estilo da teoria econocircmica eacute a base da teoria do planejamento Essa eacute uma deformaccedilatildeo economicista proveniente do modo especial e artificial como estaacute construiacuteda a teoria econocircmica Esta eacute via de regra uma teoria do comportamento econocircmico segundo a hipoacutetese de que o mundo eacute regido por leis sociais de alcance similar ao das leis naturais Consequumlentemente o economista tende a raciocinar sobre uma base de comportamentos estaacuteveis que obedecem a leis Para ele natildeo existem processos criativos No entanto a teoria moderna do planejamento refere-se a um tipo especial de accedilatildeo humana ou accedilatildeo social Trata-se da accedilatildeo intencional e reflexiva por meio da qual o autor da accedilatildeo espera alcanccedilar conscientemente determinados resultados E o fundamento dessa accedilatildeo eacute um juiacutezo complexo que foge agraves prediccedilotildees [] tem uma interpretaccedilatildeo situacional e a intenccedilatildeo do autor As accedilotildees ultrapassam os limites daquilo que eles afirmam fazer (MATUS 1996 p 157)
Este tipo de paradigma de planejamento urbano teve (e ainda tem) papel relevante
pois foi um instrumento que fez parte das accedilotildees do aparelho estatal o qual buscava nos
diagnoacutesticos a realidade em que se desejava intervir a fim de transformaacute-la em uma realidade
futura desejaacutevel segundo os padrotildees e normas dominantes
70
Todavia a implementaccedilatildeo desse tipo de planejamento tornou-se problemaacutetica pois
natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo em saber qual a representaccedilatildeo que a sociedade civil a ser atingida
pelo planejamento tem de sua condiccedilatildeo de vida mas sim o que dela pensam os planejadores
A sociedade geralmente eacute afastada desse processo muitas vezes natildeo eacute sequer escutada quanto
mais convidada a participar na escolha de alternativas ou de tomada de decisatildeo Ainda assim
delineia-se e potildee-se em praacutetica planos de intervenccedilatildeo da realidade Para contornar resistecircncias
satildeo implementados esquemas de manipulaccedilatildeo onde as vantagens e benefiacutecios dos planos
programas e projetos sociais satildeo alardeados tentando transformar os objetivos do
planejamento em aspiraccedilotildees das camadas populares e a adoccedilatildeo de esquemas de repressatildeo ou
a combinaccedilatildeo de ambos (CORREcircA 1989)
Bandeira (1999) ressalta que a falta de participaccedilatildeo da sociedade civil eacute uma das
principais causas do fracasso de poliacuteticas programas e projetos de diferentes tipos A ausecircncia
de uma interaccedilatildeo entre os segmentos da sociedade tende a fazer com que muitas das accedilotildees
puacuteblicas sejam mal planejadas tornando-se incapazes de alcanccedilar totalmente os objetivos
propostos Aleacutem disso quando tratada apenas como objeto e natildeo como um dos sujeitos do
processo de gestatildeo e implementaccedilatildeo dessas accedilotildees a sociedade tende a natildeo se identificar com
elas
Como consequumlecircncia dessa falta de envolvimento da comunidade muitos programas e projetos governamentais concebidos e implantados de cima para baixo natildeo sobrevivem agraves administraccedilotildees responsaacuteveis pelo seu lanccedilamento Acabam por ser substituiacutedos por outros igualmente efecircmeros num ciclo pateacutetico que envolve grande desperdiacutecio de recursos e soacute contribui para aumentar o desperdiacutecio em relaccedilatildeo agrave eficaacutecia das accedilotildees do setor puacuteblico (BANDEIRA 1999 p 12)
Contrapondo-se ao planejamento normativo tradicional o paradigma do
planejamento estrateacutegico situacional eacute lanccedilado como alternativa para se fazer planejamento na
Ameacuterica Latina
No planejamento estrateacutegico situacional o ator que planeja estaacute dentro da realidade
e que aiacute coexiste com outros atores que tambeacutem planejam (MATUS 1996 p 67) Ou seja
natildeo existe apenas um uacutenico ator mas sim uma multiplicidade de atores (governo partidos
sindicatos movimentos sociais etc) que planejam
Dessa forma Matus (1996) concebe a ideacuteia de planejamento como um jogo de
conflitos e cooperaccedilatildeo onde o Estado natildeo tem assegurado sua capacidade de controlar a
realidade planejada uma vez que depende da accedilatildeo do outro Natildeo existe um diagnoacutestico uacutenico
71
e nem uma verdade objetiva pois como satildeo vaacuterios atores que coexistem na realidade haacute
vaacuterias explicaccedilotildees da realidade
Nesse sentido o conceito de planejamento que guia este trabalho estaacute relacionado a
um processo de permanente reflexatildeo e anaacutelise dos fatores e condicionantes que permitem
alcanccedilar resultados desejados pelos agentes sociais envolvidos de acordo com a concepccedilatildeo de
Bezerra e Arauacutejo (1999 p 8)
O planejamento eacute concebido como um processo ordenado e sistemaacutetico de decisatildeo que antecipa o futuro e define accedilotildees que viabilizam objetivos que se pretendem alcanccedilar incorporando e combinando uma dimensatildeo poliacutetica e uma dimensatildeo teacutecnica resultando num processo essencialmente teacutecnico e poliacutetico Dessa forma o planejamento como parte do processo poliacutetico de tomada de decisotildees sobre o futuro e as accedilotildees constitui-se um espaccedilo privilegiado de negociaccedilatildeo entre os atores sociais confrontando e articulando seus interesses e suas alternativas para a sociedade No decorrer desse processo quando se negociam as escolhas e as prioridades os atores sociais podem se organizar e constituir alianccedilas e acordos poliacuteticos Tal abordagem parte do princiacutepio de que o futuro eacute incerto e resulta da construccedilatildeo social decorrente da accedilatildeo dos atores sociais organizados que implementam medidas e se movem na criaccedilatildeo de novas condiccedilotildees de estruturaccedilatildeo da realidade
Sendo assim a participaccedilatildeo eacute um dos pressupostos fundamentais para a realizaccedilatildeo
dos projetos que atinjam seus objetivos Participaccedilatildeo entendida como acesso efetivo dos
envolvidos ao planejamento das accedilotildees agrave execuccedilatildeo das atividades e ao acompanhamento e
avaliaccedilatildeo das mesmas
Daiacute a importacircncia do planejamento participativo que possa promover a articulaccedilatildeo
entre os agentes sociais fortalecendo a coesatildeo da comunidade e melhorar a qualidade das
decisotildees tornando mais faacutecil alcanccedilar os objetivos comuns
O planejamento participativo pode inscrever-se em uma concepccedilatildeo de democracia11
que entenda o cidadatildeo como parte ativa da sociedade reconhecendo o direito de exercer a
cidadania em seu caraacuteter integral ou seja o poder de deliberar questotildees que se tornam
fundamentais para influir na transformaccedilatildeo da cidade
Entretanto segundo Teixeira (1998) verifica-se que as accedilotildees de planejamento do
Estado Brasileiro ateacute este momento tecircm se caracterizado de forma hegemocircnica como accedilotildees
de gabinete totalmente desprovidas da participaccedilatildeo social e poliacutetica dos setores populares o
11 O conceito de democracia utilizado neste trabalho estaacute pautado na visatildeo de Demo (1995) que caracteriza a democracia como um sistema poliacutetico no qual o acesso ao poder pretende ser majoritariamente regulado ou administrado natildeo imposto por minorias ou seja organizado em prol das minorias natildeo de oligarquias onde haja uma igualdade de oportunidades para todos os segmentos sociais bem como a universalidade dos direitos sociais a todos os cidadatildeos
72
que demonstra que se tiveram muitos planos e pouco planejamento vaacuterios planos de
desenvolvimento foram divulgados alguns executados e destes poucos lograram ecircxito
Portanto a ausecircncia de participaccedilatildeo da sociedade principalmente dos setores
populares fez com que as iniciativas governamentais de planejamento sempre carecessem de
credibilidade e representatividade poliacutetica
No I Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Meacutedici (19711974) o
planejamento era compreendido como um instrumento de racionalidade e eficiecircncia Esse
plano foi colocado em praacutetica visando a contornar a problemaacutetica urbana e a expansatildeo dos
grandes centros urbanos No entanto o objetivo imediato do plano era a elevaccedilatildeo da taxa do
PIB numa tentativa de combate a inflaccedilatildeo e dar continuidade agrave implementaccedilatildeo da poliacutetica
desenvolvimentista do Paiacutes (BIERRENBACH 1987)
Concretizou-se o processo de centralizaccedilatildeo poliacutetica e tributaacuteria que tirou dos
municiacutepios a competecircncia de saneamento baacutesico Criou-se assim o Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA) que definiu metas setoriais para todo Paiacutes bem como
instrumentos institucionais e financeiros para implantaccedilatildeo de projetos pelas empresas
estaduais de saneamento baacutesico e pelo BNH
Dentro de um contexto contraditoacuterio de crescimento econocircmico definido de
milagre econocircmico e de aumento das tensotildees sociais geradas pela repressatildeo e queda do
padratildeo de vida da sociedade que se implementou no governo Geisel (19751978) o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND) Este plano apontou a necessidade das poliacuteticas
sociais terem objetivo proacuteprio e natildeo mais vinculados agrave poliacutetica econocircmica Explicitou-se
que a distribuiccedilatildeo de renda causa a pobreza absoluta haja vista que muitas famiacutelias natildeo
possuem o miacutenimo admissiacutevel quanto agrave alimentaccedilatildeo sauacutede educaccedilatildeo e habitaccedilatildeo No
entanto o Estado natildeo estabelece prioridades setoriais de forma clara na conduccedilatildeo das
poliacuteticas sociais (BIERRENBACH 1987)
Dessa maneira as poliacuteticas adotadas concentravam-se nos pesados investimentos
puacuteblicos em infraestrutura baacutesica Os esforccedilos concentraram-se no financiamento da
construccedilatildeo civil principalmente o segmento habitacional O instrumento fundamental foi o
Sistema Financeiro da Habitaccedilatildeo (SFH) formalmente destinado a prover moradia para as
classes populares mas de fato um meio de financiamento para as classes meacutedia e alta Apesar
de natildeo cumprir com sua destinaccedilatildeo social o sistema contribuiu para girar o capital
dinamizando a economia
Souza (1990) destaca que em 1975 se criou o Programa de Centros Urbanos cuja
finalidade era promover a integraccedilatildeo social nas cidades atraveacutes do desenvolvimento de
73
atividades comunitaacuterias Estimulou-se em niacutevel municipal a criaccedilatildeo de projetos locais de
accedilatildeo comunitaacuteria como meio do Estado se fazer presente junto agraves camadas populares
A estrateacutegia geral do governo tinha como objetivo manter elevadas as taxas de
crescimento econocircmico Todavia tornava-se mais difiacutecil conjugar objetivos de crescimento
econocircmico com o controle social de diversos segmentos sociais haja vista que apesar de toda
repressatildeo aos chamados movimentos sociais e populares aos poucos e timidamente se
organizavam e reivindicavam seus direitos garantidos por meio do discurso do proacuteprio poder
do Estado
Em 1976 foi formulada a Poliacutetica Nacional de Desenvolvimento Urbano
compreendendo um conjunto de programas estrateacutegicos o Programa de Regiotildees
Metropolitanas o Programa de Capitais e Cidades de Porte Meacutedio o Programa de Cidades de
Pequeno Porte o Programa de Nuacutecleos Urbanos de Apoio e o Programa de Cidades
Histoacutericas destinados a reforccedilar as regiotildees metropolitanas e a definiccedilatildeo de poacutelos secundaacuterios
de desconcentraccedilatildeo urbana Foram instituiacutedas tambeacutem as primeiras normas de uso e ocupaccedilatildeo
do solo de zoneamento industrial os arcabouccedilos juriacutedicos de normatizaccedilatildeo da propriedade
das edificaccedilotildees e de desapropriaccedilatildeo
Contudo as crises econocircmicas desencadeadas em meados dos anos 1970 e a
insatisfaccedilatildeo da sociedade civil eclodiram no movimento que revelou as diversas contradiccedilotildees
de interesses e a heterogeneidade dos agentes sociais exigindo uma reforma institucional e
constitucional para a restituiccedilatildeo dos direitos e da democracia sugerindo outra forma de
governo diferente daquela conjuntura (SANTOS JUNIOR 1995)
Para Fiori (1992) o esgotamento da estrutura desenvolvimentista veio da combinaccedilatildeo
da desaceleraccedilatildeo da taxa de investimentos unida com hiperinflaccedilatildeo e incapacidade de
endividamento externo o que levou a um estrangulamento fiscal da possibilidade de gasto
puacuteblico e a exaustatildeo do regime autoritaacuterio com dificuldades para implementar um regime
democraacutetico
Assim no final da deacutecada de 1970 o que se percebia no cenaacuterio urbano era uma
profunda crise que provocou a reorganizaccedilatildeo dos movimentos populares como por exemplo
o movimento sindical com as grandes greves dos operaacuterios da induacutestria automobiliacutestica e
metaluacutergica em Satildeo Paulo e os movimentos de bairro que tinham suas reivindicaccedilotildees
baseadas nos problemas oriundos da falta de bens e equipamentos urbanos
Estas organizaccedilotildees populares ultrapassaram o imediato de suas reivindicaccedilotildees
articulando-se com importantes setores da classe operaacuteria e do movimento social em geral
ganhando assim significado social e poliacutetico pois suas formas de organizaccedilatildeo e praacuteticas
74
associativas a natureza dos direitos reivindicatoacuterios e seus mecanismos de mobilizaccedilatildeo
surgiram como caracteriacutesticas dotadas de sentido poliacutetico
Neste contexto emergem os chamados novos movimentos sociais que segundo
Cardoso (1983 p 224) eram apresentados como um traccedilo inovador da participaccedilatildeo popular
pela sua espontaneidade e seu senso de justiccedila que garantem ao mesmo tempo sua
independecircncia das elites e dos partidos poliacuteticos e a justeza de suas demandas decididas entre
iguais
Para Gohn (1985) o novo nos movimentos populares estava na sua forma de
articularem as demandas e na expressividade que estas passam a ter no cotidiano da vida O
novo estava tambeacutem na sintonia entre as carecircncias e o apelo agrave participaccedilatildeo que as
demandavam
Nessa perspectiva a transformaccedilatildeo de necessidades e carecircncias em direitos que se
opera dentro dos movimentos sociais pode ser vista como um amplo processo de revisatildeo e
redefiniccedilatildeo do espaccedilo de cidadania (SCHERER-WARREN 1993 p 54) Eacute por meio desse
processo que eles passaram a negar o modelo poliacutetico existente bem como as formas de
planejamento e gestatildeo de poliacuteticas urbanas apontando novos caminhos para as relaccedilotildees
societaacuterias ou seja para uma nova cultura poliacutetica no Paiacutes
Eacute nesse sentido que se entende o surgimento dos movimentos populares como
sujeitos na produccedilatildeo do espaccedilo urbano e de uma transformaccedilatildeo sentida como necessaacuteria
Haddad (1996) argumenta que a partir do iniacutecio dos anos 1980 constatou-se que os
diferentes sistemas de planejamento passaram por um processo de desmonte institucional por
causa de fatores circunstanciais e doutrinaacuterios Os fatores circunstanciais estatildeo relacionados agrave
falecircncia financeira do estado brasileiro e os fatores doutrinaacuterios ao avanccedilo da ideologia
neoliberal no continente Latino-Americano
A crise fiscal e financeira do Estado brasileiro afetou os emergentes sistemas de
planejamento (nacional estadual e municipal) por diferentes motivos a reduccedilatildeo na
disponibilidade global de recursos financeiros para promover programas e projetos a perda na
capacidade de captaccedilatildeo de financiamentos externos para esses programas e projetos as
dificuldades para definir contrapartidas financeiras para o aporte dos empreacutestimos junto agraves
instituiccedilotildees multilaterais de fomento (BID Banco Mundial etc)
Nesse contexto os projetos econocircmicos e sociais de meacutedio e longo prazo satildeo
substituiacutedos pelas preocupaccedilotildees de curto prazo de ajustamento da economia e da sociedade
aos movimentos da conjuntura do equiliacutebrio das contas puacuteblicas dos compromissos de
75
pagamento da diacutevida externa num primeiro momento e da diacutevida externa e interna num
segundo momento
Com o atual modelo capitalista de globalizaccedilatildeo da economia e ideaacuterio neoliberal
regendo a poliacutetica governamental a questatildeo urbana vem se agravando drasticamente e com
ela a questatildeo habitacional principalmente aquela referenciada aos extratos mais
empobrecidos
O periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Estado brasileiro caracterizou-se pela
instabilidade poliacutetica pois pairavam sobre as instituiccedilotildees as influecircncias deixadas pelo
arbitraacuterio regime militar Esse periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo tornou-se histoacuterico sobretudo
para a participaccedilatildeo popular pois com as campanhas das diretas jaacute vaacuterias manifestaccedilotildees
populares se fizeram presentes nas principais capitais do Paiacutes atingindo seu aacutepice na
promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que restabeleceu os direitos poliacuteticos e civis
garantindo o associativismo e a restituiccedilatildeo da autonomia dos Estados e Municiacutepios
Esse processo de abertura poliacutetica trouxe consigo transformaccedilotildees importantes na
conduta dos movimentos populares que passam a atuar mais diretamente na sociedade civil
com o objetivo de pressionar o poder puacuteblico para a abertura de canais que possibilitem uma
maior participaccedilatildeo nas decisotildees Como consequumlecircncia esses movimentos conseguiram obter
resultados no atendimento de suas reivindicaccedilotildees e ampliaram sua influecircncia poliacutetica e social
junto agraves populaccedilotildees que representam legitimando assim a accedilatildeo das lideranccedilas comunitaacuterias
Neste contexto o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) se
desenvolveu como instrumento de participaccedilatildeo poliacutetica e veiacuteculo de pressatildeo das classes
populares contra sua exclusatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e objeto de articulaccedilatildeo das entidades da
sociedade civil tendo a funccedilatildeo social da cidade e a gestatildeo democraacutetica como prioridade
prevalecendo o direito agrave cidade
24 CONCEPCcedilOtildeES DE PLANEJAMENTO E GESTAtildeO DE CIDADES
A redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e Sociedade Civil no Brasil no final dos
anos 1970 implicou na construccedilatildeo com muitos entraves de uma esfera societaacuteria autocircnoma
Os agentes sociais que emergiram na sociedade civil agrave revelia do Estado criaram novos
espaccedilos e formas de participaccedilatildeo e relacionamento com o poder puacuteblico Estes espaccedilos foram
construiacutedos tanto pelos movimentos populares como pelas diversas instituiccedilotildees da sociedade
76
civil que articularam demandas e alianccedilas de resistecircncia popular e lutas pela conquista de
direitos civis e sociais
Os movimentos sociais natildeo soacute tiveram papel relevante no estabelecimento de estruturas democraacuteticas fundamentais propiacutecias agrave participaccedilatildeo popular mas tambeacutem exerceram um impacto substancial sobre as formaccedilotildees normativas do eleitorado e portanto sobre a arena poliacutetica formal Ao gerarem novos elementos de conhecimento e de cultura muitos movimentos imprimiram sua marca e orientaram sua accedilatildeo pela defesa de praacuteticas pautadas pela sua autonomia pela necessidade de tornar visiacutevel a sua capacidade de auto-organizar-se e de desenvolver a democracia direta transformando as carecircncias do seu entorno de moradia em praacuteticas reivindicatoacuterias (JACOBI 1990 p 125)
De acordo com Gohn (2000 p 310) nos anos 1980 a temaacutetica da participaccedilatildeo
popular era um ponto de pauta na agenda poliacutetica das elites ocasionando em dois fenocircmenos
de um lado a crise de governabilidade das estruturas de poder do Estado desgastadas e
deslegitimadas pelo autoritarismo de outro a legitimidade das demandas expressas pelos
movimentos sociais
novos ou velhos
e a conquista de espaccedilos institucionais
Nos anos 1990 a agenda poliacutetica das elites se modifica em funccedilatildeo de problemas
internos e das alteraccedilotildees que a globalizaccedilatildeo e as novas poliacuteticas sociais internacionais
passaram a impor ao mundo capitalista
Com a globalizaccedilatildeo a internacionalizaccedilatildeo da economia a reestruturaccedilatildeo produtiva a
revoluccedilatildeo tecnoloacutegica e a hegemonia do setor financeiro ocorreram grandes mudanccedilas na
esfera econocircmica e no acircmbito poliacutetico-institucional das cidades mundiais O poder municipal
passou a incorporar novas funccedilotildees como a provisatildeo de habitaccedilatildeo e infraestrutura antes
atribuiacutedas ao Estado Naccedilatildeo
De acordo com Low-Beer (2002) hoje nos primeiros anos do seacuteculo XXI observa-
se um desenho totalmente novo das poliacuteticas puacuteblicas e do planejamento governamental fruto
principalmente das transformaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas ocorridas nas uacuteltimas deacutecadas do
seacuteculo passado Com a intenccedilatildeo de subsidiar novas reflexotildees acerca do tema de modo muito
sucinto a autora identifica cinco pontos que caracterizam as novas tendecircncias em curso
1 A dimensatildeo ambiental adquiriu enorme relevacircncia sendo que o conceito e
os criteacuterios de desenvolvimento sustentaacutevel passaram a ser considerados
condiccedilatildeo sine qua non para o desenvolvimento econocircmico e social
incluindo temas como a preservaccedilatildeo dos recursos naturais dentre os quais
se destaca a aacutegua como bem essencial agrave vida
77
2 As poliacuteticas de infraestrutura (saneamento energia comunicaccedilotildees etc)
deixaram de ser consideradas estritamente como insumos para o
desenvolvimento industrial-econocircmico e se tornaram fatores essenciais para
a reduccedilatildeo da pobreza e das desigualdades sociais
3 O leque de temas incluiacutedos nas poliacuteticas denominadas sociais adquiriu
maior amplitude incorporando aleacutem das tradicionais educaccedilatildeo e sauacutede as
poliacuteticas de geraccedilatildeo de renda e trabalho
4 Observa-se a ampliaccedilatildeo do papel da Sociedade Civil nas poliacuteticas puacuteblicas
com o reforccedilo gradativo da accedilatildeo de indiviacuteduos empresas e organismos natildeo-
governamentais paralelamente ou em conjunto com a accedilatildeo estatal
participando nas decisotildees de investimento na gestatildeo e avaliaccedilatildeo dos
programas sociais
5 O conceito de sustentabilidade vem se impondo tambeacutem no planejamento
urbano substituindo as poliacuteticas setoriais pelo enfoque integrado de
desenvolvimento metropolitano que articula as poliacuteticas habitacionais com
os investimentos em saneamento baacutesico transportes geraccedilatildeo de renda e
trabalho estimulando a melhoria da qualidade de vida nas aacutereas urbanas do
Paiacutes
A competitividade a descentralizaccedilatildeo de recursos e a crise fiscal contribuiacuteram para
que as cidades viessem a adotar um perfil empresarial o que incluiu uma relaccedilatildeo direta com
agecircncias multilaterais de financiamento e com as agendas urbanas internacionais Igualmente
nos discursos e accedilotildees das administraccedilotildees municipais passou a ser comum a colocaccedilatildeo do
desenvolvimento econocircmico como elemento fundamental para o desenvolvimento social
Harvey (1996) nos chama atenccedilatildeo para o fato de que o empreendedorismo eacute
resultante do papel da urbanizaccedilatildeo na dinacircmica social e que eacute de fundamental importacircncia natildeo
perder de vista a conexatildeo desses dois elementos com o desenvolvimento econocircmico visto que
esse nexo possibilita a apreensatildeo das mudanccedilas radicais proporcionadas pela reestruturaccedilatildeo
radical em andamento nas distribuiccedilotildees geograacuteficas da atividade humana e na dinacircmica
poliacutetico-econocircmica do desenvolvimento geograacutefico desigual dos tempos mais recentes
(HARVEY 1996 p 86) Satildeo portanto elementos essenciais sem os quais natildeo se tem a
compreensatildeo real de como a dinacircmica poliacutetico-econocircmica interferem nos rumos e decisotildees
governamentais nas cidades
78
O empreendedorismo eacute sustentado pela relaccedilatildeo puacuteblico-privada e a parceria se realiza com o intuito de integrar interesses e atrair recursos para tornar a cidade mais atrativa e competitiva entre elas Com essa simbiose entre o puacuteblico e o privado as antigas reivindicaccedilotildees de acircmbito local acabam sendo associadas agraves necessidades de atraccedilatildeo de capital para o interior das cidades empreendedoras Assim a parceria torna-se uma accedilatildeo de natureza empresarial e o centro da gestatildeo torna-se muito mais voltada para a economia local desviando-se dos interesses do territoacuterio e os investimentos satildeo convergidos para poliacuteticas e obras pontuais deixando para um segundo plano os problemas da cidade de um modo geral (HARVEY 1996 p 87)
O contexto de um mundo globalizado bem como de avanccedilos do estado neoliberal
sugerem uma reflexatildeo sobre os instrumentos do planejamento e da gestatildeo localizados no
acircmbito do municiacutepio visto que ao questionar os governos tradicionais e o modelo de
planejamento tradicional os adeptos do neoliberalismo conduziram uma reflexatildeo voltada ao
papel que os governos locais podem desempenhar no contexto do capitalismo globalizado
(MALATO 2006)
Para Lojkine (1981) um novo padratildeo produtivo tendo por referecircncia a ampliaccedilatildeo
das forccedilas produtivas bem como novos padrotildees de informaccedilatildeo levaram a sociedade
contemporacircnea a engendrar uma complexidade tal que provocou mudanccedilas na forma de
organizaccedilatildeo de empresas e Estado A isto ele chama de revoluccedilatildeo informacional e a discussatildeo
localizada no acircmbito municipal se daacute em funccedilatildeo do papel que as cidades vecircm representando
ou seja como agente poliacutetico e econocircmico nos processos de desenvolvimento e ampliaccedilatildeo do
atual sistema produtivo
Ao discutir sobre a importacircncia do papel da cidade no sistema de produccedilatildeo
capitalista Lefebvre (2001 p 49) argumenta que cabe a cidade um papel histoacuterico por
aglutinar populaccedilatildeo meios de produccedilatildeo o capital as necessidades e os prazeres Logo ela
carece da administraccedilatildeo de poliacutecia e impostos dentre outros bem como pode ser
organizada Todas essas necessidades e outras que vatildeo sendo criadas na dinacircmica da
sociedade advecircm da expansatildeo provocada pela via da urbanizaccedilatildeo que acabou por concentrar
nos espaccedilos urbanos tanto as forccedilas produtivas quanto a forccedilas de trabalho ao mesmo tempo
em que excluiacutea populaccedilotildees inteiras do direito a propriedade e proporcionava a concentraccedilatildeo
de poder poliacutetico e econocircmico em matildeos de pequenos grupos no interior destas cidades
O local ganha uma importacircncia estrateacutegica no novo sistema teacutecnico-econocircmico pois
pode atuar em trecircs acircmbitos principais como na produtividade e competitividade econocircmica
na integraccedilatildeo soacutecio-cultural e na representaccedilatildeo e gestatildeo poliacutetica Para o governo local se
tornar eficiente precisa assumir o papel de promotor do desenvolvimento da cidade junto aos
79
consumidores da cidade de forma a criar condiccedilotildees propiacutecias agrave atuaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos
ou privados (via planejamento campanhas poliacuteticas compensaccedilotildees econocircmicas)
Dessa maneira dois modelos diferentes um privilegiando a questatildeo social e o outro
o econocircmico teriam a cidade como objeto por meio de seus planos Entretanto por
circunstacircncias e interesses envolvidos natildeo seria raro que apenas parte do plano fosse
cumprida ou entatildeo que sua implementaccedilatildeo viesse a se realizar somente em parte da cidade
(MARICATO 2000) bem como que atos normativos relacionados ao uso e a ocupaccedilatildeo do
solo desconsiderassem diretrizes de planejamento apresentando elementos casuiacutesticos em
seus objetivos normalmente associados a grupos restritos como no caso do setor imobiliaacuterio
A gestatildeo urbana e os investimentos puacuteblicos tecircm aprofundado a concentraccedilatildeo de renda e a desigualdade A representaccedilatildeo da cidade em que parte toma lugar do todo tem uma funccedilatildeo natildeo apenas de encobrir privileacutegios mas tambeacutem de um papel econocircmico ligado agrave geraccedilatildeo e captaccedilatildeo da renda imobiliaacuteria [] O quadro macroeconocircmico determina a produccedilatildeo e a apropriaccedilatildeo do ambiente construiacutedo
tanto pela definiccedilatildeo da capacidade de investimentos dos governos municipais quanto na ligaccedilatildeo da produccedilatildeo imobiliaacuteria agraves regras de rentabilidade do capital financeiro (MARICATO 2000 p 165-170)
Oliveira (2001) ressalta que com o enfraquecimento das poliacuteticas puacuteblicas e a
pressatildeo pelas novas exigecircncias da acumulaccedilatildeo do capital colocando agraves cidades novas
demandas surgiu o planejamento estrateacutegico de cidades com ecircnfase na accedilatildeo [local]
(planejamento
pauta em accedilatildeo) (OLIVEIRA 2001 p 179) Formulado a partir de
referecircncias ligadas agrave gestatildeo empresarial visando agrave adaptaccedilatildeo do espaccedilo urbano agraves
caracteriacutesticas de flexibilidade e dinamismo da economia globalizada este modelo tem sido
consolidado por meio dos planos estrateacutegicos apresentados como instrumentos da
administraccedilatildeo urbana
Natildeo eacute a primeira vez que para efeito de seu planejamento a cidade toma como protoacutetipo a empresa privada de fato todo o urbanismo modernista teve como modelo ideal a faacutebrica taylorista com sua racionalidade funcionalidade regularidade e produtos estandartizados [] Agora poreacutem os planejadores se espelham na empresa enquanto unidade de gestatildeo e negoacutecios [] a cidade eacute instaurada como agente econocircmico que atua no contexto de um mercado no qual encontra a regra e o modelo do planejamento e execuccedilatildeo de suas accedilotildees (VAINER 2000 p 85)
Elegendo a eficaacutecia como elemento legitimador das poliacuteticas puacuteblicas o
planejamento estrateacutegico de cidades visa associar tendecircncias de desenvolvimento econocircmico
80
ao curto prazo e aos conceitos de mercado Embora sua iniciativa esteja relacionada agrave
sociedade civil e aos setores privados o poder puacuteblico tem presenccedila marcante com um papel
significativo nas atuaccedilotildees puacuteblico-privadas projetadas sobre um suposto quadro de
cooperaccedilatildeo da sociedade o qual ao agrupar pares comuns tende a minimizar ou a contornar
divergecircncias (OLIVEIRA 2001 p 43)
Assim sendo a participaccedilatildeo da sociedade ou de parte dela eacute entatildeo apontada como
elemento fundamental para o sucesso do plano contando para isso com o despertar de um
sentimento citadino de pertencimento agrave cidade despolitizado e vinculado agrave valorizaccedilatildeo da
imagem local
A participaccedilatildeo dos agentes econocircmicos e sociais junto ao poder puacuteblico na
elaboraccedilatildeo e definiccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees representa um diferencial entre a metodologia
catalatilde do Plano Estrateacutegico e a metodologia tradicional americana baseada na identificaccedilatildeo
de forccedilas fraquezas oportunidades e ameaccedilas assim como no processo de estabelecimento de
estrateacutegias frente a essas questotildees segundo objetivos definidos
Combinando crescimento econocircmico
como promotor da integraccedilatildeo social
e desenvolvimento urbano o plano parte de alguns pressupostos baacutesicos como a crenccedila [] no futuro da cidade como centro terciaacuterio qualificado o crescente protagonismo poliacutetico das administraccedilotildees locais a cooperaccedilatildeo puacuteblico-privada no financiamento de grandes intervenccedilotildees urbaniacutesticas e a necessidade de construir ou modificar a imagem da cidade para projetaacute-la no exterior atraveacutes do marketing que enfoque sobretudo um principal produto de venda como por exemplo turismo ou cultura (SILVA 2001 p 80)
O modelo estrateacutegico foi fundamentado na competiccedilatildeo entre cidades seja no contexto
regional nacional ou internacional Seus planos ganharam feitios pragmaacuteticos amarrando
recursos agraves accedilotildees aparentemente mais factiacuteveis (SILVA 2001 p 80) Abrangendo temas de
cunho econocircmico institucional social e fiacutesico-territorial suas propostas tecircm tido forte
ingerecircncia sobre a esfera administrativa projetando-se em parte sob o espaccedilo construiacutedo
Segundo Ribeiro (2003 p 18) a adoccedilatildeo do planejamento estrateacutegico no setor
puacuteblico eacute uma das expressotildees da incorporaccedilatildeo dos criteacuterios de mercado na gestatildeo
governamental Tendo como objetivo o crescimento econocircmico da cidade baseando-se na
atraccedilatildeo de investimentos o planejamento estrateacutegico natildeo tem como finalidade o ordenamento
do territoacuterio ou a implementaccedilatildeo de uma poliacutetica urbana uma vez que a dimensatildeo espacial eacute
apenas um de seus meios e natildeo o seu fim
O planejamento em deacutecadas passadas representava a racionalidade tecnocrata o que
tornava inadequado para sua gestatildeo A constataccedilatildeo do esgotamento e das possibilidades dos
81
instrumentos claacutessicos de gestatildeo urbana exigiu de forma paulatina agrave chamada do Estado para
assumir um papel fundamental na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio social Sob este enfoque o
desenvolvimento urbano adquire e se traduz mais como um aspecto setorial do
desenvolvimento econocircmico sob a eacutegide do Estado
Maricato (2000 p 101) enfatiza a importacircncia do planejamento puacuteblico para a
conquista de um futuro melhor para as cidades brasileiras apoiada na crenccedila de que nada
pode substituir o papel do Estado na garantia da equalizaccedilatildeo de oportunidades A natureza e a
localizaccedilatildeo dos investimentos governamentais em primeiro plano e privados em segundo
regula quem e quantos teratildeo direito agrave cidade
Assim o planejamento urbano eacute um instrumento de governabilidade de governance
e da proacutepria gestatildeo do territoacuterio Ele se caracteriza como um processo constituiacutedo de um
conjunto de teacutecnicas de origens interdisciplinares aplicado agrave gestatildeo do planejamento urbano
enquanto atividade de avaliaccedilatildeo propostas e controle territoacuterio das cidades
Governanccedila eacute a capacidade governativa em sentido amplo envolvendo a capacidade de accedilatildeo estatal na implementaccedilatildeo das poliacuteticas e na consecuccedilatildeo das metas coletivas [] Governabilidade entretanto refere-se as condiccedilotildees sistecircmicas mais gerais sob as quais se daacute o exerciacutecio do poder em uma dada sociedade tais como as caracteriacutesticas do regime poliacutetico a forma de governo as relaccedilotildees entre os poderes (DINIZ 1996 p 196)
A participaccedilatildeo popular no planejamento e na gestatildeo (no processo orccedilamentaacuterio na
elaboraccedilatildeo de planos e poliacuteticas puacuteblicas etc) pode ser vista como algo crucialmente
relevante a introduccedilatildeo consistente de elementos de democracia direta aleacutem de serem
importantes em si mesmos certamente contribuiraacute para maior transparecircncia e eventualmente
para menor corrupccedilatildeo menos clientelismo menos desperdiacutecio e reduccedilatildeo dos niacuteveis de
desigualdade soacutecioespacial
Bandeira (1999) ressalta que a participaccedilatildeo pode ser compreendida como um
instrumento importante para promover a articulaccedilatildeo entre os agentes sociais fortalecendo a
coesatildeo da sociedade e para melhorar a qualidade das decisotildees tornando mais faacutecil alcanccedilar
os objetivos de interesse comum No entanto as praacuteticas natildeo podem ser encaradas como
procedimentos infaliacuteveis capazes de sempre proporcionar soluccedilotildees adequadas para problemas
de todos os tipos
82
Para Carvalho (2000) participar da gestatildeo democraacutetica da cidade12 significa
participar do governo da sociedade disputar espaccedilo no Estado nos processos de definiccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas significa questionar o monopoacutelio do Estado como gestor da coisa
puacuteblica significa construir espaccedilos puacuteblicos natildeo estatais afirmando a importacircncia do controle
social sobre o Estado da gestatildeo participativa da co-gestatildeo dos espaccedilos de interface entre
Estado e sociedade civil
Desse modo Gohn (2000) afirma que os movimentos sociais estatildeo operando na
construccedilatildeo de uma sociedade igualitaacuteria e contra as injusticcedilas sociais tais como as
experiecircncias de planejamento do orccedilamento participativo as parcerias entre organizaccedilotildees
populares ONGs e oacutergatildeos puacuteblicos em programas na aacuterea do chamado Terceiro Setor -
puacuteblico natildeo estatal
A autora considera que a participaccedilatildeo dos movimentos sociais nos espaccedilos
interinstitucionais eacute fundamental porque na correlaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas existentes eles
expressam interesses de maiorias organizadas que lutam pela democratizaccedilatildeo do acesso aos
bens e serviccedilos puacuteblicos e natildeo pela apropriaccedilatildeo privada de privileacutegios lucros
Nas uacuteltimas deacutecadas vem-se firmando um novo paradigma que destaca a maior
participaccedilatildeo popular13 nos processos decisoacuterios como um novo padratildeo de governabilidade
atraveacutes da expansatildeo da esfera puacuteblica com a formaccedilatildeo de parcerias entre as esferas estatais
privadas e societaacuterias
Na Ameacuterica Latina a luta pela conquista de espaccedilos para aumentar a participaccedilatildeo
popular eacute sem duacutevida um dos aspectos mais desafiadores para a anaacutelise sobre os alcances da
democracia nas relaccedilotildees entre o Estado e os Movimentos Sociais
A anaacutelise dos processos existentes estaacute permeada pelos condicionantes da cultura
poliacutetica tanto do Brasil como dos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina marcados por tradiccedilotildees
estadistas centralizadoras patrimonialistas e portanto por padrotildees de relaccedilatildeo clientelistas
meritocraacuteticos e de interesses criados entre Sociedade Civil e Estado Entretanto estes
condicionantes natildeo tecircm sido necessariamente um fator impeditivo para a emergecircncia de uma
12 O conceito de gestatildeo democraacutetica que norteia esse estudo estaacute pautado na compreensatildeo de que a sociedade civil se reconhece como principal agente poliacutetico em um processo contiacutenuo de participaccedilatildeo e decisatildeo sobre os assuntos de interesse puacuteblico Assim a gestatildeo democraacutetica compreende tambeacutem uma gestatildeo participativa sem paternalismo no intuito de deselitizar as poliacuteticas puacuteblicas facilitando o acesso aos bens e serviccedilos destinados normalmente a uma elite uma minoria 13 Neste trabalho a participaccedilatildeo popular eacute entendida como a capacidade de apropriaccedilatildeo pelos cidadatildeos do direito de construccedilatildeo democraacutetica possibilitando desde a abertura de espaccedilos de discussatildeo dentro e fora dos limites da comunidade ateacute a definiccedilatildeo de prioridades elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de accedilatildeo e estabelecimento de canais de diaacutelogo com o poder puacuteblico no intuito de garantir a participaccedilatildeo efetiva da sociedade civil na gestatildeo democraacutetica da cidade
83
diversidade de formas de participaccedilatildeo dos setores populares em que com frequumlecircncia muitas
se situam no escopo das praacuteticas no contexto das tradiccedilotildees anteriormente descritas enquanto
outras as contradizem abertamente (JACOBI 1999)
O planejamento participativo aponta para a necessidade dos governos da sociedade
civil e dos setores produtivos buscarem a construccedilatildeo de espaccedilos institucionais onde a gestatildeo
implementaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas sejam compartilhadas pelos agentes sociais
envolvidos
Outro avanccedilo importante foi a regularizaccedilatildeo do Plano Diretor como um instrumento
baacutesico da poliacutetica de desenvolvimento e de planejamento para viabilizar a Reforma Urbana
para as cidades com mais de vinte mil habitantes Entretanto a regulamentaccedilatildeo dos
mecanismos para a ordenaccedilatildeo das cidades natildeo mereceu destaque no texto constitucional
ficando para ser regularizado pelas leis orgacircnicas dos municiacutepios e pelo proacuteprio Plano Diretor
de cada local (DE GRAZIA 1990)
Nessa perspectiva emergiram modelos de planejamento e gestatildeo orientados pelo
ideaacuterio da reforma urbana enquanto reforma institucional e social que se tornou referecircncia ao
alcance da cidadania
Santos Junior (1995) ressalta que o planejamento e a gestatildeo da cidade baseados na
concepccedilatildeo de reforma urbana pressupotildee o exerciacutecio da cidadania apreendidas em dois
significados como direito de acesso aos bens que garantam condiccedilotildees de vida urbana digna
culturalmente dinacircmica e condizente com os valores eacuteticos humanitaacuterios mas tambeacutem como
direito dos cidadatildeos agrave informaccedilatildeo e agrave participaccedilatildeo poliacutetica na conduccedilatildeo dos destinos da
cidade
A mudanccedila nas relaccedilotildees sociais que se instaurou naquela fase teve como um dos
principais fundamentos a reflexatildeo sobre a funccedilatildeo social dentro da perspectiva do processo de
gestatildeo nos projetos de habitaccedilatildeo A redefiniccedilatildeo do papel do Estado que se dispotildee a pactuar
com os diversos agentes sociais contrariando os modelos de planejamento e gestatildeo
tecnocraacuteticos tambeacutem revela uma mudanccedila nas concepccedilotildees de cidade e de urbano
De fato em diversos municiacutepios a intervenccedilatildeo do Estado junto aos movimentos
populares se dirigiu no sentido de criar novas formas de relaccedilatildeo entre o Estado e Sociedade
Civil ao niacutevel da gestatildeo urbana compreendendo as poliacuteticas puacuteblicas como elementos de
construccedilatildeo e instrumentalizaccedilatildeo da cidadania na accedilatildeo concreta dos agentes sociais envolvidos
(JACOBI 1990)
A participaccedilatildeo popular se transforma no referencial de ampliaccedilatildeo das possibilidades
de acesso dos setores populares dentro de uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade
84
civil e de fortalecimento dos mecanismos democraacuteticos mas tambeacutem de garantia da execuccedilatildeo
eficiente de programas de compensaccedilatildeo social no contexto das poliacuteticas de ajuste estrutural e
de liberalizaccedilatildeo da economia e de privatizaccedilatildeo do patrimocircnio do Estado Entretanto o que se
observa eacute que no geral as propostas participativas ainda permanecem mais no plano da
retoacuterica do que na praacutetica
As transformaccedilotildees nas praacuteticas de planejamento e gestatildeo de poliacuteticas urbanas tornam
legiacutetima a participaccedilatildeo popular estando direta ou indiretamente associadas agrave necessidade de
imprimir tambeacutem maior eficiecircncia agrave accedilatildeo governamental
A participaccedilatildeo popular se enquadra no processo de redefiniccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado dentro da perspectiva de redistribuir o poder em favor dos sujeitos sociais que
geralmente natildeo tecircm acesso
De um lado a participaccedilatildeo eacute identificada com os argumentos da democratizaccedilatildeo que
tecircm como referecircncia o fortalecimento dos espaccedilos de socializaccedilatildeo de descentralizaccedilatildeo do
poder e de crescente autonomizaccedilatildeo das decisotildees portanto enfatizando a importacircncia de um
papel mais autocircnomo dos sujeitos sociais O outro enfoque aborda a participaccedilatildeo a partir da
criaccedilatildeo de espaccedilos e formas de articulaccedilatildeo do Estado com os sujeitos sociais configurando
um instrumento de socializaccedilatildeo da poliacutetica reforccedilando o seu papel como meio para realizar
interesses e direitos sociais que demandam uma atuaccedilatildeo puacuteblica (JACOBI 1999)
A institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular eacute permeada de dificuldades decorrentes
da heterogeneidade dos grupos comunitaacuterios e associativos o que torna complexos os
problemas de representaccedilatildeo criando tensotildees quanto aos criteacuterios de escolha acirrando a
concorrecircncia e trazendo agrave tona a pressatildeo dos grupos organizados no sentido de reforccedilo das
praacuteticas neocorporativas Isso provoca frequumlentemente um esvaziamento dos mecanismos de
decisatildeo coletiva
A participaccedilatildeo popular na gestatildeo urbana pressupotildee instrumentos e mecanismos de
controle social podendo ser assegurada agrave participaccedilatildeo de setores e membros representativos
das camadas populares e de seus interesses em todas as instacircncias do poder puacuteblico por meio
de conselhos paritaacuterios reguladores fiscalizadores e deliberativos
Os Conselhos como forma apartidaacuteria de exercer poliacutetica podem ser considerados
como um novo sistema de organizaccedilatildeo social para o exerciacutecio poliacutetico tornando-se mais
um espaccedilo de discussatildeo dos problemas cotidianos de uma comunidade podendo constituir-se
como um avanccedilo para o exerciacutecio da democracia na medida em que essa nova forma de
exercer poliacutetica ameniza a centralizaccedilatildeo do poder poliacutetico nos partidos
85
Nesse sentido Souza (2002 p 333-335) destaca trecircs argumentos relevantes sobre a
importacircncia da participaccedilatildeo na gestatildeo democraacutetica da cidade
1- Uma ampla participaccedilatildeo pode contribuir para minimizar certas fontes de distorccedilatildeo quando os especialistas decidem em nome da maioria natildeo se tem chances de monitorar ou controlar o processo de gestatildeo o que pode acarretar numa probabilidade maior de corrupccedilatildeo ou de erros de avaliaccedilatildeo 2- Ao participar de uma decisatildeo o cidadatildeo se sente muito mais responsaacutevel pelo seu resultado o que eacute importante para o amadurecimento poliacutetico 3- A participaccedilatildeo eacute um direito inalienaacutevel participar no sentido essencial de exercer a autonomia eacute a alma mesma de um planejamento e de uma gestatildeo que vislumbra se uma cidade democraacutetica rompendo com o sistema de dominaccedilatildeo
No bojo dessas discussotildees satildeo poucas as experiecircncias de gestatildeo democraacutetica da
cidade que de fato ampliam o potencial participativo Aqui destacam-se duas experiecircncias
que demonstram os processos de gestatildeo de poliacuteticas puacuteblicas implementadas no Brasil a
primeira experiecircncia (Curitiba) eacute pautada na gestatildeo teacutecnico-pragmaacutetica de matriz neoliberal
e a outra (Porto Alegre) eacute baseada na gestatildeo democraacutetica-participativa
Na cidade de Curitiba o modelo de planejamento e gestatildeo da cidade adotado visou
promover uma modernizaccedilatildeo e o enxugamento do Estado atraveacutes do pragmatismo e
eficiecircncia teacutecnica onde a participaccedilatildeo popular se refere a legitimaccedilatildeo dos projetos jaacute
elaborados pois na visatildeo dos representantes do governo uma participaccedilatildeo mais ampla soacute
levaria a discussotildees interminaacuteveis o que impossibilitaria uma accedilatildeo raacutepida e eficiente do poder
puacuteblico (FREY 1996)
Frey (1996) ressalta que o sistema poliacutetico-institucional vigente em Curitiba era de
uma democracia exclusivamente representativa onde o poder de decisatildeo ficava restrito agrave
deliberaccedilatildeo de um corpo tecnocraacutetico Outro ponto de destaque era uma forte hierarquizaccedilatildeo
administrativa uma tendecircncia ao
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86
Nesse sentido Vainer (2000) destaca que o modelo de planejamento estrateacutegico de
cidades baseado nos conceitos e teacutecnicas do planejamento empresarial estrutura-se
basicamente sobre a articulaccedilatildeo de trecircs analogias constitutivas a) a cidade mercadoria b) a
cidade empresa e c) a cidade paacutetria Assim ver a cidade como empresa significa
essencialmente concebecirc-la e instauraacute-la como agente econocircmico que atua no contexto de um
mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo de planejamento e execuccedilatildeo de
suas accedilotildees (VAINER 2000 p 48)
Dentro desse contexto as cidades satildeo tidas como espaccedilos rivais que aguccedilam uma
competitividade de mercado de investimentos industriais de investimentos comerciais e de
serviccedilos o que possibilita um controle da iniciativa privada em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos
espaccedilos puacuteblicos (SANCHEZ 1997)
Em contraposiccedilatildeo a esse modelo surge a gestatildeo democraacutetico-participativa ou gestatildeo
poliacutetico-ideoloacutegica como argumenta Frey (1996) cujo objetivo eacute fomentar a participaccedilatildeo
popular e promover uma reestruturaccedilatildeo nos mecanismos decisoacuterios atraveacutes de uma proposta
de inversatildeo de prioridades de igualdade de oportunidades na proposiccedilatildeo e decisatildeo entre os
agentes sociais de transparecircncia na socializaccedilatildeo das informaccedilotildees bem como de rompimento
com estruturas autoritaacuterias e tecnoburocrata na relaccedilatildeo do governo com a sociedade civil
Em Porto Alegre as experiecircncias reforccedilam uma concepccedilatildeo de democracia que
articula representaccedilatildeo poliacutetica e participaccedilatildeo direta como resposta possiacutevel agrave privatizaccedilatildeo
prevalecente na gestatildeo da coisa puacuteblica O discurso predominante acentua a importacircncia da
convergecircncia de praacuteticas da socializaccedilatildeo da poliacutetica do caraacuteter oscilante da participaccedilatildeo da
importacircncia da institucionalidade da convivecircncia com o sistema representativo existente e da
necessidade de governar para toda a cidade
A anaacutelise do caso de Porto Alegre mostra que o desafio para se garantir a eficaacutecia e
continuidade de poliacuteticas puacuteblicas eacute o reforccedilo dos meios para envolver a sociedade e manter o
seu interesse para dimensionar adequadamente os arranjos institucionais A sua
descontinuidade reforccedila o argumento de que gestatildeo democraacutetica e participaccedilatildeo popular
requerem uma forma combinada de fortalecimento das formas de organizaccedilatildeo da sociedade
civil uma mudanccedila na correlaccedilatildeo de forccedilas uma transformaccedilatildeo qualitativa dos padrotildees de
gestatildeo enfim um processo real de democratizaccedilatildeo do Estado e da sua gestatildeo (JACOBI 1996)
Jacobi (1996) defende que a efetiva participaccedilatildeo da sociedade civil nos processos
decisoacuterios como eacute o caso do Orccedilamento Participativo vem se constituindo como um
mecanismo ampliado de engajamento da sociedade na gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas
requerendo um esforccedilo crescente de institucionalizaccedilatildeo da possibilidade de atendimento das
87
demandas em bases negociadas Trata-se de processar demandas e pressotildees e de implementar
mecanismos formais que contemplem tanto os setores organizados e mobilizados
estimulando sua adequaccedilatildeo agrave institucionalidade a partir do respeito agrave autonomia e agrave auto-
organizaccedilatildeo como de envolvimento dos setores desorganizados
A experiecircncia do Orccedilamento Participativo em Porto Alegre estaacute diretamente
vinculada a capacidade que a administraccedilatildeo local teve de criar canais legiacutetimos de
participaccedilatildeo combinando elementos da democracia representativa e de democracia
participativa
Nesse contexto a participaccedilatildeo popular adquire uma praacutetica de ruptura com o
corporativismo territorialmente determinado com ecircnfase numa loacutegica direcionada por uma
abordagem universal da cidade criando para os setores populares uma opccedilatildeo viaacutevel e
altamente competitiva de participaccedilatildeo poliacutetica alternativa agraves praacuteticas clientelistas (JACOBI
1996)
Isto estaacute sendo estabelecido dentro de uma loacutegica que natildeo estaacute apenas permeada pelo
imediatismo e o utilitarismo mas por uma radicalizaccedilatildeo da democracia que alargando os
direitos de cidadania no plano poliacutetico e social constroacutei efetivamente novas relaccedilotildees entre
governantes e governados Este processo de gestatildeo atraveacutes do ingresso da cidadania
organizada na maacutequina do Estado possibilita conhecer seu funcionamento e seus limites e
estimula a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de co-responsabilizaccedilatildeo e de disputa visando produzir
consensos cada vez mais qualificados
Mas apesar da sua repercussatildeo positiva esses processos participativos apresentam
limitaccedilotildees e estas residem nas contradiccedilotildees associadas agraves dificuldades de ampliar a
participaccedilatildeo e agrave dependecircncia em relaccedilatildeo agraves autoridades municipais para estruturar a dinacircmica
de funcionamento
Nesse sentido Souza (2002 p 387-388) observa que existem trecircs obstaacuteculos
vinculados agrave participaccedilatildeo popular
1- problemaacutetica da implementaccedilatildeo refere-se agraves diversas dificuldades que uma administraccedilatildeo progressista tem de enfrentar para implementar suas poliacuteticas tais como boicotes patronais escassez de recursos incompetecircncia gerencial e outras 2- problemaacutetica da cooptaccedilatildeo diz respeito agrave deformaccedilatildeo do esquema participativo atraveacutes da instrumentalizaccedilatildeo da sociedade civil por parte das forccedilas poliacuteticas do Estado 3- problemaacutetica da desigualdade tem a ver com as dificuldades para a participaccedilatildeo voluntaacuteria pois em geral natildeo se dispotildee de muitos recursos para participar como dinheiro para se locomover
88
A realidade brasileira eacute marcada por baixa institucionalizaccedilatildeo na qual a maioria da
sociedade pouco se mobiliza para utilizar os instrumentos da democracia participativa que
visam romper com o autoritarismo social que prevalece Os setores organizados que
interagem e pressionam representam iniciativas fragmentaacuterias que natildeo atingem o cerne de
uma sociedade refrataacuteria a praacuteticas coletiva
O desafio existente eacute o de superar as barreiras soacutecio-institucionais e fortalecer as
poliacuteticas puacuteblicas pautadas pela inclusatildeo da noccedilatildeo de interesse geral Esta se concretiza na
medida em que o tema da cidadania eacute assumido como um ponto central para a
institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos cidadatildeos em processos decisoacuterios de interesse puacuteblico
(JACOBI 1990)
A reconstituiccedilatildeo do processo de participaccedilatildeo dos movimentos sociais organizados no
niacutevel do executivo e legislativo municipais permite em primeiro lugar ampliar os dados para
uma anaacutelise mais aprofundada sobre o processo de reconhecimento na construccedilatildeo de novos
sujeitos coletivos e na ampliaccedilatildeo dos espaccedilos puacuteblicos Estes elementos possibilitam a
construccedilatildeo de uma institucionalidade ampliada cujos reflexos poderiam nos levar a superar o
ciclo de fluxos e refluxos normalmente presentes nas lutas pela superaccedilatildeo de carecircncias
imediatas
O planejamento participativo aponta para a necessidade dos governos da sociedade
civil e dos setores produtivos buscarem a construccedilatildeo de espaccedilos institucionais onde a gestatildeo
implementaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas sejam compartilhadas pelos agentes sociais
envolvidos
Eacute preciso construir formas de participaccedilatildeo cidadatilde em que o ambiente signifique o
conjunto de diferentes elementos da produccedilatildeo e do consumo com formas alternativas de
participaccedilatildeo da sociedade civil na construccedilatildeo de uma sociedadecidade sustentaacutevel
25 O DIREITO Agrave CIDADE E O DIREITO Agrave MORADIA
A cidade como cenaacuterio onde se desenvolve a acumulaccedilatildeo de capital que deteacutem os
meios de produccedilatildeo e que abriga a forccedila de trabalho constitui-se como espaccedilo de lutas de
classes no qual o direito agrave cidade se coloca como um dos agentes motores dessa luta
A nova forma de relaccedilatildeo entre Estado e Movimentos Sociais no Brasil poacutes-1964
levanta um conjunto de questotildees vinculadas agrave formulaccedilatildeo intencional de poliacuteticas agrave questatildeo
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da crise de governabilidade ao processo de tomada de decisotildees agrave dinacircmica dos movimentos
sociais suas articulaccedilotildees e accedilotildees bem como seu papel na transformaccedilatildeo da sociedade
A reflexatildeo sobre essa temaacutetica nos remete a um desafio de compreender as
ambiguumlidades conflitos e especificidades da relaccedilatildeo entre Estado e classes populares a partir
das contradiccedilotildees do capitalismo monopolista avanccedilado que desloca o centro do conflito de
classes do ambiente das relaccedilotildees industriais para o cenaacuterio do espaccedilo urbano e social
O espaccedilo urbano capitalista
fragmentado e articulado reflexo condicionante social cheio de siacutembolos e campo de lutas
eacute um produto social resultado de accedilotildees acumuladas atraveacutes do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem espaccedilo Satildeo agentes sociais concretos e natildeo um mercado invisiacutevel ou processos aleatoacuterios atuando sobre um espaccedilo abstrato A accedilatildeo desses agentes eacute complexa derivado da dinacircmica de acumulaccedilatildeo de capital das necessidades mutaacuteveis de reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de produccedilatildeo e dos conflitos de classe que dela emergem (CORREcircA 1993 p 11)
Desse modo o urbano pode ser compreendido como produto social historicamente
determinado refletindo o modo de produccedilatildeo vigente A distinccedilatildeo possiacutevel de ser feita entre a
cidade e o urbano resume-se em que a primeira refere-se ao particular ao concreto ao
interno e o segundo corresponde ao geral ao abstrato ao externo ou seja agraves teacutecnicas aos
valores sociais e interesses econocircmicos agrave organizaccedilatildeo e ao controle social da vida coletiva
(SANTOS 1991 p 69)
Para Bourdieu (1996) todas as sociedades se apresentam como espaccedilos sociais
que satildeo entendidos como estruturas de diferenccedilas que natildeo se pode compreender sem se
construir o princiacutepio gerador que funda essas diferenccedilas na objetividade Ele considera que o
princiacutepio gerador eacute o da estrutura de distribuiccedilatildeo das formas de poder ou dos tipos de
capital eficiente no universo social considerado
Segundo ele as formas de poder e os tipos de capital podem variar dependendo dos
lugares e dos momentos Portanto os agentes individuais ou coletivos podem ocupar
posiccedilotildees diferentes no espaccedilo social ao longo do tempo e em funccedilatildeo de suas capacidades de
mobilizaccedilatildeo de recursos simboacutelico eou materiais
Nesse sentido o espaccedilo social pode ser representado como um campo Esta noccedilatildeo
eacute a forma como Bourdieu concebe as instituiccedilotildees de maneira relacional e natildeo como
substacircncia ou seja como configuraccedilotildees de relaccedilotildees entre agentes individuais e coletivos
Assim ratificando o conceito de campo apresentado anteriormente cita-se Bourdieu (1996 p
50)
90
Ao mesmo tempo como campo de forccedilas cuja necessidade se impotildee aos agentes que nele se encontram envolvidos e como campo de lutas no interior do qual os agentes se enfrentam com meios e fins diferenciados conforme sua posiccedilatildeo na estrutura do campo de forccedilas contribuindo assim para a conservaccedilatildeo ou a transformaccedilatildeo de sua estrutura
Campo de forccedilas pode ser entendido como a existecircncia de relaccedilotildees entre dominantes
e dominados marcadas por uma distribuiccedilatildeo desigual dos recursos E campo de luta no
sentido da existecircncia de um confronto entre os agentes sociais para conservar ou transformar
as relaccedilotildees de forccedila (BOURDIEU 1996) O espaccedilo social num determinado momento
histoacuterico eacute portanto composto por diferentes campos que ocupam posiccedilotildees diferenciadas em
seu interior
Nesse sentido o Estado capitalista aleacutem de expressar os interesses das classes
hegemocircnicas eacute um condensador de forccedilas sociais expressando portanto as contradiccedilotildees
das classes que determinam a emergecircncia dos conflitoslutas urbanas e dos Movimentos
Sociais Urbanos (MSU s) como espaccedilo alternativo de expressatildeo popular tendo em vista a
repressatildeo das accedilotildees sindicais e partidaacuterias
Segundo Jacobi (1989) a concepccedilatildeo pautada na polarizaccedilatildeo da relaccedilatildeo
EstadoMovimentos Sociais Urbanos tende a negar um dado cada vez mais presente na
dinacircmica das sociedades capitalistas ou seja o de que o Estado se bem age para assegurar a
reproduccedilatildeo do capital tambeacutem se concretiza em domiacutenios de accedilatildeo funcionalmente vinculados
agrave reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho esfera vinculada agrave accedilatildeo dos movimentos sociais
O Estado assume o papel de articulador e organizador da sociedade independentemente de sua condiccedilatildeo de suporte de certas relaccedilotildees de dominaccedilatildeo adotando o papel de fiador de relaccedilotildees sociais Trata-se de um Estado que tem de exercer funccedilotildees contraditoacuterias de acumulaccedilatildeo e de legitimaccedilatildeo para criar as bases de um consenso atraveacutes da accedilatildeo das suas instituiccedilotildees (JACOBI 1989 p 4)
A accedilatildeo do Estado eacute contraditoacuteria pois se por um lado eacute incontestaacutevel que defenda os
interesses do setor dominante por outro sua atuaccedilatildeo pode e eacute muitas vezes direcionada para
atender agraves demandas populares pois aleacutem de sua funccedilatildeo de acumulaccedilatildeo exerce tambeacutem a
funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo Para tal atende aos interesses em curto prazo das classes dominadas
contrariando os interesses econocircmicos das dominantes garantindo no entanto que a estrutura
de poder seja mantida (ABELEacuteM 1988)
91
As contradiccedilotildees entre classes sociais satildeo fundamentais para a compreensatildeo da accedilatildeo
estatal no urbano atraveacutes da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas pois expressam a correlaccedilatildeo
de forccedilas entre os diversos segmentos sociais e os seus diferentes interesses
Complementando esse raciociacutenio Castells (1983) situa a emergecircncia dos
Movimentos Sociais Urbanos14 (MSU s) a partir das contradiccedilotildees urbanas geradas pelo
desenvolvimento do capitalismo frente agraves novas e crescentes necessidades postas agrave
reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho Estes movimentos satildeo compreendidos como um sistema de
praacuteticas sociais contraditoacuterias que colocam em questatildeo a ordem estabelecida a partir de
contradiccedilotildees especiacuteficas da problemaacutetica urbana Esta problemaacutetica urbana concorre para a
criaccedilatildeo de um processo de politizaccedilatildeo do cotidiano tendo em vista a accedilatildeo contraditoacuteria do
Estado
Touraine (1994 p 46) exprime sua visatildeo sobre o surgimento dos atores sociais e de
seu papel no contexto da sociedade complexa os atores natildeo satildeo mais definidos pela situaccedilatildeo
social (na oacutetica da luta de classes) pelo papel desempenhado numa estrutura econocircmica ou
mais global como as castas
As accedilotildees coletivas mais visiacuteveis formam-se em primeiro lugar em oposiccedilatildeo agraves forccedilas econocircmicas e poliacuteticas que procuram impor a ideologia da globalizaccedilatildeo isto eacute o desaparecimento dos atores sociais e das culturas nos fluxos de produccedilatildeo do consumo e da comunicaccedilatildeo de massa que se estende ateacute os limites do mundo (TOURAINE 1994 p 135)
Moiseacutes (1990) assinala que as formas de participaccedilatildeo social e poliacutetica dos setores
populares urbanos desenvolvidas durante o processo de metropolizaccedilatildeo das cidades
brasileiras especialmente em Satildeo Paulo na deacutecada de 1950 demonstraram que
Essas classes natildeo satildeo apenas objeto da vontade dos grupos dominantes (e do Estado) mas tambeacutem atores dotados de percepccedilatildeo proacutepria de sua situaccedilatildeo e de seus interesses Frequumlentemente essa percepccedilatildeo foi uacutetil para projetar formas organizadas de accedilatildeo coletiva que se expressavam atraveacutes de movimentos sociais cuja eficaacutecia tem relaccedilatildeo com os resultados praacuteticos imediatos (atendimento das reivindicaccedilotildees urbanas) mas tambeacutem com o desenvolvimento de uma nova forccedila social e poliacutetica na vida da cidade (MOISEacuteS 1990 p 14)
Deste mesmo ponto de vista Ribeiro (2003) argumenta que os aspectos relacionados
ao processo endoacutegeno do surgimento da questatildeo urbana no Brasil estavam na reorganizaccedilatildeo
14 Neste trabalho o termo MSU se refere agraves organizaccedilotildees populares imprimidas no chamado movimento popular urbano
92
da ordem soacutecioespacial Esta foi uma necessidade da acumulaccedilatildeo do capital jaacute que se poderia
reorganizar o modo de vida dos trabalhadores para impor o assalariamento e reorganizar o
territoacuterio para que surgisse uma economia de aglomeraccedilatildeo criando assim condiccedilotildees
favoraacuteveis agrave expansatildeo do modo de vida capitalista
Os movimentos populares no final da deacutecada de 1970 tornaram-se imprescindiacuteveis
para a transformaccedilatildeo da arena poliacutetica brasileira principalmente pela organizaccedilatildeo de
associaccedilotildees tais como a de moradores de bairro como forma de reivindicarem uma melhoria
da qualidade de vida dentro de um quadro de profundas desigualdades sociais e degradaccedilatildeo
ambiental e das condiccedilotildees de vida
A luta pela participaccedilatildeo popular no processo de planejamento e gestatildeo de poliacuteticas
urbanas no Brasil ganhou forccedilas com a elaboraccedilatildeo da Nova Constituiccedilatildeo Federal iniciada em
1986 na qual vaacuterios movimentos sociais partidos poliacuteticos sindicatos igrejas e outros
articularam-se no intuito de defender a Emenda Popular15 da Reforma Urbana
As discussotildees elaboraccedilatildeo e defesa da Emenda Popular da Reforma Urbana natildeo se
constituiacuteram em tarefa faacutecil devido agrave complexidade dos formatos organizativos envolvidos e
suas diferentes dinacircmicas trajetoacuterias e perspectivas (RIBEIRO 1994)
A Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 procurou institucionalizar a participaccedilatildeo da
sociedade civil organizada na gestatildeo de poliacuteticas puacuteblicas por meio de conselhos
comunitaacuterios nas aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede assistecircncia social planejamento urbano dentre
outras Isto se caracterizou como um acontecimento marcante para os movimentos sociais
pois serviu como instrumento para avaliar o grau de coesatildeo abrangecircncia e articulaccedilatildeo destes
movimentos jaacute que se constituiu num momento iacutempar de formulaccedilatildeo de novas leis para o
Paiacutes (RIBEIRO 1991)
Em seus artigos 182 e 183 a CF estabeleceu as diretrizes para uma nova poliacutetica
urbana e exigiu uma legislaccedilatildeo nova que fixasse os direitos e deveres do cidadatildeo nas cidades
brasileiras Esse direito foi consolidado e ampliado no Estatuto da Cidade Lei nordm
102572001 que se refere agrave gestatildeo democraacutetica da cidade na qual a participaccedilatildeo popular
assume papel relevante
Entre as 16 diretrizes constantes dos vaacuterios artigos do Estatuto merece especial
destaque as duas primeiras a garantia do direito agrave cidade sustentaacuteveis e o direito agrave terra
urbana a moradia ao saneamento ambiental agrave infraestrutura urbana ao transporte e aos
15 Esta Emenda Popular contou com cerca de 200000 assinaturas e contribuiu para a incorporaccedilatildeo do capiacutetulo da poliacutetica urbana no interior da Constituiccedilatildeo
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serviccedilos puacuteblicos ao trabalho e ao lazer para as presentes e as futuras geraccedilotildees (OLIVEIRA
2001 p 02)
A participaccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute prevista em todas as dimensotildees da poliacutetica urbana ou
seja desde a formulaccedilatildeo do Plano Diretor na fase de sua negociaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo na Cacircmara
ateacute sua implementaccedilatildeo e posteriores revisotildees16 Outro meio democraacutetico de participaccedilatildeo na
gestatildeo da cidade se daacute a partir da constituiccedilatildeo de oacutergatildeos colegiados de poliacutetica urbana
debates audiecircncias consultas puacuteblicas conferecircncias planos e projetos de lei de iniciativa
popular referendos e plebiscitos
O direito agrave moradia tambeacutem eacute reconhecido nos incisos XIV e XV que fixa como
diretriz urbana a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbanizaccedilatildeo de aacutereas ocupadas por camadas
populares mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanizaccedilatildeo uso e ocupaccedilatildeo do
solo e das normas ediliacutecias com vistas a permitir a reduccedilatildeo dos custos e o aumento da oferta
dos lotes e unidades habitacionais (OLIVEIRA 2001 p 07) Em diversas passagens da
Constituiccedilatildeo nota-se a perspectiva da questatildeo da moradia como objeto das poliacuteticas puacuteblicas
(art 21) uma vez que esse direito eacute fundamental agrave ordem social e econocircmica da solidariedade
e da redistribuiccedilatildeo17
De acordo com De Grazia (2003) colocada em novas bases a luta pela Reforma
Urbana assim como a luta pela moradia digna objetivava a garantia do direito agrave cidade por
meio de mudanccedilas significativas na qualidade de vida com a implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas voltadas para o conjunto das camadas populares Para isso elaborou trecircs princiacutepios
baacutesicos para referenciar sua praacutetica
1- Direito agrave Cidade e agrave Cidadania entendido como uma nova loacutegica que universalize o acesso aos equipamentos e serviccedilos urbanos a condiccedilotildees de vida urbana digna e ao usufruto de um espaccedilo culturalmente rico e diversificado e sobretudo em uma dimensatildeo poliacutetica de participaccedilatildeo ampla dos habitantes das cidades na conduccedilatildeo de seus destinos 2- Gestatildeo Democraacutetica da Cidade entendida como forma de planejar produzir operar e governar as cidades submetidas ao controle e participaccedilatildeo social destacando-se como prioritaacuteria a participaccedilatildeo popular 3- Funccedilatildeo Social da Cidade e da Propriedade entendida como a prevalecircncia do interesse comum sobre o direito individual de propriedade o que implica no uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaccedilo urbano (DE GRAZIA 2003 p 54)
16 O Plano Diretor foi considerado como um instrumento baacutesico a ser elaborado pelos governos municipais como condiccedilatildeo para a adoccedilatildeo de instrumentos supostamente capazes de contribuir para promover a funccedilatildeo social da terra urbana e da cidade princiacutepio baacutesico do texto constitucional sobre a poliacutetica urbana 17 Com a aprovaccedilatildeo da emenda constitucional em 2000 o direito agrave moradia ficou expressamente reconhecido entre os direitos sociais no artigo 6ordm ratificando que soacute podem existir direitos e liberdades fundamentais com a garantia a dimensatildeo social da moradia sauacutede educaccedilatildeo trabalho entre outros
94
Esses novos princiacutepios diferente dos propostos em 1960 estatildeo baseados numa
leitura das cidades cujo padratildeo de produccedilatildeo ocupaccedilatildeo e gestatildeo satildeo marcados pela
mercantilizaccedilatildeo do solo da moradia do transporte de massa e dos demais equipamentos e
serviccedilos urbanos
O Estado por sua vez tem tradicionalmente apoiado esses interesses por meio de
poliacuteticas controles e mecanismos reguladores e discriminatoacuterios um modo de ver e fazer a
cidade no qual distribui os homens desigualmente no espaccedilo e que subordina os direitos
poliacuteticos os direitos individuais a cidadania aos modelos de uma racionalidade econocircmica A
distribuiccedilatildeo dos equipamentos e serviccedilos eacute geralmente realizada conforme o lugar onde
melhor satildeo atendidos os criteacuterios de rentabilidade e de retorno do capital investido Esse
modelo excludente deu origem agrave imensa segregaccedilatildeo existente nas cidades em todo o Paiacutes
(DE GRAZIA 2003)
Os princiacutepios da Reforma Urbana ao contraacuterio queriam enfatizar as seguintes
concepccedilotildees
- As cidades satildeo produzidas pelo confronto pela luta e pela apropriaccedilatildeo entre diversos agentes econocircmicos e sociais - As poliacuteticas e instrumentos juriacutedicos ou urbaniacutesticos devem levar em conta a cidade real reconhecendo a desigualdade e o conflito existente entre os produtores e consumidores do espaccedilo urbano - O Estado eacute obrigado a assegurar os direitos urbanos - A necessidade de uma regulaccedilatildeo puacuteblica da produccedilatildeo privada formal e informal do meio ambiente construiacutedo eacute necessaacuterio um controle social do uso do solo - Submissatildeo do direito da propriedade agrave sua funccedilatildeo social - Introduz a noccedilatildeo da necessidade do acesso igualitaacuterio aos bens e serviccedilos urbanos e ao direito agrave cidade atraveacutes de instrumentos e mecanismos redistributivos - O controle social e a participaccedilatildeo da sociedade civil organizada satildeo condiccedilotildees baacutesicas para a conquista dos direitos de novas poliacuteticas puacuteblicas que incorporem os excluiacutedos e de novas referecircncias para as cidades Atraveacutes do exerciacutecio do controle do Poder Puacuteblico as organizaccedilotildees participam da gestatildeo das cidades daiacute o nome de Gestatildeo Democraacutetica da Cidade - Reconhecer a cidade na sua totalidade e repensar o planejamento a partir da negociaccedilatildeo dos agentes que produzem e se apropriam do espaccedilo urbano - Assumir a estrateacutegia da construccedilatildeo de uma nova eacutetica urbana contraacuteria agrave concepccedilatildeo que pensa a cidade como mercado tendo em vista a transformaccedilatildeo da sociedade - O fortalecimento dos sujeitosatores sociais e poliacuteticos como condiccedilatildeo baacutesica para a construccedilatildeo e implementaccedilatildeo das estrateacutegias propostas (DE GRAZIA 2003 p 56)
Todos esses princiacutepios provocaram uma verdadeira revoluccedilatildeo urbana conforme
Vainer (2000 p 99) cujas caracteriacutesticas seriam reduzir as desigualdades e transferir recursos
95
materiais e simboacutelicos para os explorados e oprimidos fortalecer a constituiccedilatildeo de sujeitos
coletivos conscientes enfraquecendo as coalizotildees locais dominantes Nesse sentido a
revoluccedilatildeo urbana aponta para uma accedilatildeo processual de transformaccedilatildeo da cidade e dos agentes
populares para a reconfiguraccedilatildeo da cidade para a redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees de poder de que a
cidade eacute simultaneamente campo e objeto
Para Vainer (2000) a cidade eacute um espaccedilo fundamental da luta econocircmica poliacutetica e
cultural palco privilegiado dos movimentos reivindicatoacuterios assumindo uma posiccedilatildeo
estrateacutegica na constituiccedilatildeo de identidades e da construccedilatildeo de alianccedilas poliacuteticas
Dessa forma a organizaccedilatildeo da sociedade civil pode perpassar por dentro do Estado
alterando as administraccedilotildees estaduais e municipais possibilitando a consolidaccedilatildeo de projetos
participativos e de interesses coletivos Assim a constituiccedilatildeo de conselhos eacute relevante na
atuaccedilatildeo dos processos decisoacuterios jaacute que eacute capaz de encaminhar accedilotildees conjuntas da sociedade
com o Estado orientado pelas proposiccedilotildees do direito agrave cidadania e agrave cidade
Lefebvre (1991) ressalta o direito agrave vida urbana como uma condiccedilatildeo de um
humanismo e de uma democracia renovados Esse direito surge como uma proposta radical
de resistecircncia agrave massificaccedilatildeo imposta pela sociedade burocraacutetica de consumo dirigido
Atraveacutes das instituiccedilotildees e ideologias exercem-se pressotildees e repressotildees sobre a vida cotidiana
no sentido de impor agrave sociedade formas e ritmos de vida impeditivos da reflexatildeo e
consequumlentemente da contestaccedilatildeo desse modo de vida
O autor destaca tambeacutem dois relevantes obstaacuteculos ao alcance do direito agrave cidade e
o direito agrave moradia primeiro a ausecircncia de participaccedilatildeo da sociedade na gestatildeo urbana
devido ao alto grau de concentraccedilatildeo das decisotildees nas matildeos de administradores e teacutecnicos da
elite dirigente que controla a cidade e segundo a forma como estatildeo organizadas as cidades
expressando a estrutura de classe onde a propriedade e o mercado impedem que seja
alcanccedilada a funccedilatildeo social da cidade
Garantir o valor de uso da cidade constituiacute-se em tarefa primordial para a garantia da plena apropriaccedilatildeo dos recursos urbanos por todos os habitantes superando o estado de alienaccedilatildeo e massificaccedilatildeo da sociedade burocraacutetica de consumo dirigido atraveacutes da ruptura dos coacutedigos da propriedade privada e do mercado (LEFEBVRE 1991 p 161)
Dessa forma o direito agrave cidade e o direito agrave moradia transcendem agrave elaboraccedilatildeo
juriacutedica e diz respeito agrave vida em sociedade a democratizaccedilatildeo do espaccedilo urbano agrave accedilatildeo
participativa ainda que haja tensotildees e conflitos Ademais nesse processo emergem novas
96
concepccedilotildees de cidade que perpassam a elaboraccedilatildeo do conteuacutedo poliacutetico dos movimentos
sociais
Aleacutem dos canais de participaccedilatildeo e de gestatildeo democraacutetica criados a partir dos anos
1980 emergiram muacuteltiplas accedilotildees que objetivavam transformar o espaccedilo urbano em lugar de
praacuteticas sociais onde a prioridade eacute pela apropriaccedilatildeo da cidade em detrimento da hegemonia
do valor de troca da cidade-mercadoria
Trata-se de uma superaccedilatildeo pela e na praacutetica trata-se de uma mudanccedila de praacutetica social O valor de uso subordinado ao valor de troca durante seacuteculos pode retornar para primeiro plano Como Pela e na sociedade urbana partindo dessa realidade que ainda resiste e que conserva em noacutes a imagem do valor de uso a cidade Que a realidade urbana esteja destinada aos usuaacuterios
e natildeo aos especuladores aos promotores capitalistas aos planos teacutecnicos (LEFEBVRE 1991 p 128)
Nesse sentido o direito agrave moradia pode ser entendido como um direito agrave moradia
digna natildeo se limitando agrave sua condiccedilatildeo edificada de habitaccedilatildeo correspondendo ao direito de
viver com dignidade seguranccedila e paz Os elementos essenciais para este atendimento satildeo de
acordo com Meirinho e Bertol (2010 p 3)
A seguranccedila incluindo a seguranccedila juriacutedica da posse a disponibilidade e o faacutecil aceso aos serviccedilos (educaccedilatildeo sauacutede assistecircncia social) e agrave infraestrutura custo acessiacutevel agrave moradia (gastos com a moradia tem de ser proporcional agrave renda) habitabilidade (condiccedilotildees fiacutesicas e de salubridade adequadas) acessibilidade (moradia adequada para todos) localizaccedilatildeo (adequada inserccedilatildeo na cidade favorecendo o acesso ao emprego transporte puacuteblico serviccedilos de sauacutede escolas cultura e lazer) adequaccedilatildeo ambiental (caracteriacutesticas fiacutesicas que garantam a salubridade adequado saneamento ambiental disponibilidade de amenidades paisagiacutesticas naturais ou produzidas pela accedilatildeo humana) adequaccedilatildeo cultural (respeito agrave diversidade cultural e aos padrotildees oriundos dos usos e costumes das comunidades e grupos sociais) e o respeito e construccedilatildeo de valores psiacutequicos como o pertencimento e a proteccedilatildeo
O Estatuto da Cidade reconhece a gestatildeo democraacutetica que se daria por meio da
sociedade civil de associaccedilotildees representativas dos vaacuterios segmentos da comunidade de
conselhos de participaccedilatildeo orccedilamento participativo audiecircncias puacuteblicas na formulaccedilatildeo
execuccedilatildeo e acompanhamento de planos programas e projetos de desenvolvimento urbano
Insere tambeacutem a cooperaccedilatildeo entre os governos a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade no processo de urbanizaccedilatildeo em atendimento ao interesse social
97
Como resposta agrave determinaccedilatildeo constitucional e para viabilizar a gestatildeo democraacutetica
das diretrizes urbaniacutesticas vaacuterios municiacutepios criaram os Conselhos de Desenvolvimento
Urbano Estes conselhos satildeo instrumentos de representaccedilatildeo da sociedade civil na gestatildeo de
sua poliacutetica urbana Representam um dos canais de comunicaccedilatildeo entre a sociedade civil e a
administraccedilatildeo local no que diz respeito agrave poliacutetica urbana no municiacutepio Satildeo instacircncias
participativas referente ao planejamento da cidade definiccedilatildeo composiccedilatildeo e
acompanhamento da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e intervenccedilotildees diversas tais como
planos diretores poliacuteticas setoriais de transporte e meio ambiente programas de urbanizaccedilatildeo
de favelas etc (SOUZA 2002 p 359)
A institucionalizaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre sociedade civil e Estado por meio de
conselhos sejam setoriais (sauacutede educaccedilatildeo etc) ou comunitaacuterios (para a elaboraccedilatildeo do plano
de governo das obras puacuteblicas) por exemplo eacute o que caracteriza este novo nas
administraccedilotildees puacuteblicas Configura-se assim uma estreita correlaccedilatildeo entre descentralizaccedilatildeo
poliacutetica e eficiecircncia administrativa principalmente no que concerne agrave transparecircncia das accedilotildees
governamentais
Para tal eacute necessaacuterio que ocorram investimentos na mudanccedila da cultura poliacutetica o
que implicaria em participaccedilatildeo na disputa de interesses que definem a apropriaccedilatildeo da cidade
Eacute o direito de ir e vir que assumido como uma das mais fortes expressotildees poliacuteticas da
experiecircncia urbana poderaacute unificar produccedilatildeo e reproduccedilatildeo trabalho e consumo e por fim a
cidade historicamente construiacuteda e o urbano como modo de vida Compreende-se ainda que
a postulaccedilatildeo e a defesa deste direito viraacute permitir a afirmaccedilatildeo de outra escala para a
concepccedilatildeo da funccedilatildeo social e da gestatildeo democraacutetica da cidade a escala da metroacutepole
O direito agrave cidade se manifesta como forma superior dos direitos direito agrave liberdade agrave individualizaccedilatildeo na socializaccedilatildeo ao habitat e ao habitar O direito agrave obra (agrave atividade participante) e o direito agrave apropriaccedilatildeo (bem distinto do direito agrave propriedade) estatildeo implicados no direito agrave cidade [] Mudariam a realidade se entrassem para a praacutetica social direito ao trabalho agrave instruccedilatildeo agrave educaccedilatildeo agrave sauacutede agrave habitaccedilatildeo aos lazeres agrave vida Entre esses direitos em formaccedilatildeo figura o direito agrave cidade (natildeo agrave cidade arcaica mas agrave vida urbana agrave centralidade renovada aos locais de encontro e de trocas aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais etc) A proclamaccedilatildeo e a realizaccedilatildeo da vida urbana como reino do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domiacutenio do econocircmico (do valor de troca do mercado e da mercadoria) e por conseguinte se inscrevem nas perspectivas da revoluccedilatildeo sob a hegemonia da classe operaacuteria (LEFEBVRE 1991 p143)
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Dessa maneira o avanccedilo e a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular como condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave proacutepria viabilizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas alteram o conteuacutedo e praacuteticas de
programas e projetos ao mesmo tempo que impotildee novas exigecircncias aos grupos poliacuteticos que
estatildeo no poder
Sendo assim as praacuteticas sociais que constroem cidadania representam a possibilidade
de se constituir num espaccedilo privilegiado para cultivar a responsabilidade pessoal a obrigaccedilatildeo
muacutetua e a cooperaccedilatildeo voluntaacuteria A ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica ocasiona uma demanda agrave
sociedade para obtenccedilatildeo de uma maior influecircncia sobre o Estado tanto como sua limitaccedilatildeo
assumindo que a autonomia social supotildee transcender as assimetrias na representaccedilatildeo social
assim como modificar as relaccedilotildees sociais em favor de uma maior auto-organizaccedilatildeo social
A institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular eacute permeada de dificuldades decorrentes
da heterogeneidade dos grupos comunitaacuterios e associativos o que torna complexos os
problemas de representaccedilatildeo criando tensotildees quanto aos criteacuterios de escolha acirrando a
concorrecircncia e trazendo agrave tona a pressatildeo dos grupos organizados no sentido de reforccedilo das
praacuteticas neocorporativas Isso provoca frequumlentemente um esvaziamento dos mecanismos de
decisatildeo coletiva
Destarte a abertura poliacutetica possibilitou a construccedilatildeo de processos sociais e
institucionais que adquiriram visibilidade por meio da mobilizaccedilatildeo de sujeitos poliacuteticos em
muitos municiacutepios realizando emendas populares para as Constituiccedilotildees Estaduais Leis
Orgacircnicas e Planos Diretores aleacutem de organizarem foacuteruns regionais articuladores da
sociedade civil como por exemplo o Foacuterum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) que se
fortalece a partir desse contexto e passa a ser um articulador dos agentes urbanos no Brasil
Torna-se necessaacuterio portanto ressaltar a participaccedilatildeo da sociedade civil no processo
de gestatildeo do espaccedilo urbano pois este segmento conseguiu implementar as suas lutas pelo
direito agrave cidade e agrave cidadania nas poliacuteticas puacuteblicas
Esses movimentos resistiram e enfrentaram os governos militares por meio do apoio
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Catoacutelica e lutaram pela
redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes constituindo-se em importante articulaccedilatildeo para mobilizar
organizar e propor mudanccedilas recriando identidades poliacuteticas e culturais
A mobilizaccedilatildeo coletiva aleacutem de uma seacuterie de estrateacutegias de accedilatildeo configura-se como
[] um processo de desenvolvimento de condiccedilotildees materiais psicossociais e poliacuteticas
(PRADO 2002 p 60) que permite a constituiccedilatildeo de identidades poliacuteticas Nesse processo
alguns elementos emergem como estruturas mediadoras fundamentais para a construccedilatildeo e
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adequaccedilatildeo do universo que apoacuteia a coesatildeo do grupo e a identidade de suas praacuteticas discursivas
e de accedilatildeo
Nesse sentido Castells (2006) ressalta que a construccedilatildeo de identidade dos sujeitos
sociais eacute um processo de construccedilatildeo de sentido a partir de um atributo cultural poliacutetico
social ou de um conjunto coerente de atributos que tecircm prioridade sobre todas as outras
fontes Assim um mesmo indiviacuteduo ou o mesmo ator coletivo pode ter vaacuterias identidades
A identidade natildeo eacute totalmente determinada agrave nascenccedila por fatores exoacutegenos eacute
(re)construiacuteda ao longo da vida como resultado de muacuteltiplos processos temporais de inserccedilatildeo
e interaccedilatildeo e como tal pode ser vista como uma reconstruccedilatildeo permanente flexiacutevel e
dinacircmica e natildeo como uma preacute-construccedilatildeo essencialista
Dessa forma considera-se que a identidade de cada um pode ser eventualmente
segmentada em fraccedilotildees relevantes por exemplo a identidade eacutetnica nacional regional de
classe profissional ou familiar mas tambeacutem eacute proveniente dos grupos de sociabilidade em
que se encontra inserido do bairro que se habita ou da comunidade de interesses a que se
encontra associado
Assim o que fundamenta as novas identidades eacute a experiecircncia de vida comum que
reuacutene o grupo e seu modo democraacutetico de funcionamento que garante a autenticidade do
grupo Tratada deste modo a formaccedilatildeo de identidades novas parece produto apenas de
vivecircncia de carecircncias comuns que explicitam para todos os membros do grupo uma mesma
condiccedilatildeo de dominaccedilatildeo
Castells (2006) argumenta em sua obra O Poder da Identidade a dominacircncia do
espaccedilo de fluxos e a dialeacutetica entre esse espaccedilo e o espaccedilo de lugares que levaram agrave
obsolescecircncia as antigas instituiccedilotildees e organizaccedilotildees da sociedade civil as identidades
legitimadoras construiacutedas em torno do Estado democraacutetico e do contrato social entre capital e
trabalho18 Da mesma forma propiciam o surgimento de identidades de resistecircncia19 que
recusam-se ser apanhadas de roldatildeo pelos fluxos globais poderiam sob determinadas
circunstacircncias e por meio de processos especiacuteficos a cada contexto institucional e cultural
ser cristalizados em identidades de projetos os verdadeiros agentes da mudanccedila capazes de
reconstruir uma nova sociedade civil e por uacuteltimo um novo Estado (CASTELLS 2006 p
423)
18 Nesse sentido para Castells o movimento trabalhista e os partidos poliacuteticos encontram-se ultrapassados como agentes autocircnomos de transformaccedilatildeo social 19 Tanto os movimentos tradicionalistas como o fundamentalismo religioso e os movimentos de auto-afirmaccedilatildeo nacionalista quanto os movimentos sociais ativistas contraacuterios agrave globalizaccedilatildeo como os ambientalistas pertencem a esta forma de identidade
100
Uma vez que para Castells o espaccedilo de fluxos constitui a nova forma espacial de
praacuteticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede tanto os lugares quanto o
poder tecircm suas loacutegicas e seus significados absorvidos na rede Agora o poder deixando de
concentrar-se nas instituiccedilotildees organizaccedilotildees ou mecanismos simboacutelicos de controle
apresenta-se inscrito nos coacutedigos culturais mediante os quais as pessoas e as instituiccedilotildees
representam a vida e tomam decisotildees inclusive poliacuteticas (CASTELLS 2006 p 424)
Giddens (2002) compreende o termo identidade como um termo essencialmente
moderno e que se refere a articulaccedilatildeo que o sujeito faz de diversas forccedilas presentes na
sociedade atual sociedade esta caracterizada pela pluralidade de escolha e pelo
individualismo exacerbado Pode-se entatildeo dizer que a identidade surge da negociaccedilatildeo com o
contexto sendo necessaacuterio o entendimento da loacutegica deste contexto ou seja a compreensatildeo
da concepccedilatildeo de mundo atual no qual se estatildeo inseridos
Essa discussatildeo teve iniacutecio com o reconhecimento de que em uma sociedade
tradicional a identidade social dos indiviacuteduos eacute limitada pela proacutepria tradiccedilatildeo pelo
parentesco pela localidade A modernidade caracterizada como uma ordem poacutes-tradicional
ao romper com as praacuteticas e preceitos preestabelecidos enfatiza o cultivo das potencialidades
individuais oferecendo ao indiviacuteduo uma identidade moacutevel mutaacutevel
Eacute nesse sentido que na modernidade o Eu torna-se cada vez mais um projeto
reflexivo pois aonde natildeo existe mais a referecircncia da tradiccedilatildeo descortina-se para o indiviacuteduo
um mundo de diversidade de possibilidades abertas de escolhas O indiviacuteduo passa a ser
responsaacutevel por si mesmo e o planejamento estrateacutegico da vida assume especial importacircncia
Para De Grazia (2003) a nova forma de ver a cidade de forma participativa foca na
desigualdade de investimentos que haacute entre os seus diversos locais pois as obras de
infraestrutura equipamentos urbanos e serviccedilos estatildeo localizados onde haacute maior concentraccedilatildeo
de capital decisotildees e atividades comerciais desprezando portanto outros locais da cidade
principalmente os locais de moradia da populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo que satildeo as
periferias baixadas favelas morros etc
A cidade eacute portanto palco da luta entre o capital e o trabalho Esta se daacute em torno do
ambiente construiacutedo e vivido o qual tem interesses conflitantes e que estabelecem um campo
de poder o capital imobiliaacuterio os proprietaacuterios da terra a induacutestria da construccedilatildeo o Estado e
a forccedila de trabalho conforme discutido no capiacutetulo anterior
O campo de poder (que natildeo deve ser confundido com o campo poliacutetico) natildeo eacute um campo como os outros ele eacute espaccedilo de relaccedilotildees de forccedilas entre os
101
diferentes tipos de capital ou mais precisamente entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital eacute posto em questatildeo isto eacute especialmente quando os equiliacutebrios estabelecidos no interior do campo entre instacircncias especificamente encarregadas da reproduccedilatildeo do campo do poder (BOURDIEU 2001 p 52)
De acordo com Netto (2001) Marx identificou que as relaccedilotildees sociais dentro de
cada sociedade baseiam-se a partir do modo de produccedilatildeo existente e que a histoacuteria de todas
as sociedades sempre esteve fundada na luta de classes esta anaacutelise foi feita por meio do
materialismo histoacuterico dialeacutetico
A cidade passa a ser entatildeo compreendida como a reproduccedilatildeo das divisotildees sociais
natildeo uniforme pois na medida em que se reproduz cria e recria novos espaccedilos consolida
velhos bairros e constituem novos assumindo formas diversas muacuteltiplas interligadas com a
dinacircmica dos atores sociais
Destarte o campo das lutas em torno da habitaccedilatildeo e das condiccedilotildees de vida urbana
em geral ao mesmo tempo em que eacute um espaccedilo da luta de classes eacute tambeacutem espaccedilo
privilegiado de cooptaccedilatildeo e do exerciacutecio da hegemonia burguesa expressando as contradiccedilotildees
do modo de produccedilatildeo capitalista Aleacutem disso expressa a relevacircncia cultural dos grupos
sociais e manifesta as diversas formas de apreender o espaccedilo ou seja a forma como um grupo
apreende o espaccedilo natildeo quer dizer que este espaccedilo tenha o mesmo significado para todos os
grupos
Para tanto eacute necessaacuterio entender algumas discussotildees que permeiam a produccedilatildeo do
espaccedilo urbano e da moradia como o seu papel como produto das relaccedilotildees sociais a
influecircncia da dimensatildeo espacial na produccedilatildeo da moradia entre outros Assim nos capiacutetulos
seguintes seratildeo apresentados elementos dessa poliacutetica em especial a habitacional
implementada no Brasil que se daacute pelo resultado das relaccedilotildees e mobilizaccedilotildees estabelecidas
entre os agentes pelas instituiccedilotildees que podem facilitar ou impedir o acesso dos agentes aos
espaccedilos decisoacuterios pelo processo de decisatildeo no qual se estabelecem coalizotildees e escolhas e
tambeacutem pelos produtos da poliacutetica resultante Assim ao se falar de poliacutetica fala-se em grande
medida de representaccedilatildeo de interesses e por conseguinte de formulaccedilatildeo das poliacuteticas que
implementam ou bloqueiam tais interesses
102
3 POLIacuteTICA HABITACIONAL NO BRASIL E NA AMAZOcircNIA
31 TRAJETOacuteRIA DA POLIacuteTICA HABITACIONAL
Para se entender a problemaacutetica habitacional torna-se fundamental relacionaacute-la com a
sociedade em que se vive e com suas dinacircmicas estruturadas socialmente Portanto eacute
necessaacuterio se reportar agraves relaccedilotildees sociais baacutesicas e agrave organizaccedilatildeo do sistema produtivo pois
no modo de produccedilatildeo capitalista no qual a produccedilatildeo eacute socializada e a apropriaccedilatildeo eacute privada e
concentradora tem-se uma complexa divisatildeo social do trabalho caracterizando um sistema
social estratificado
Nesse sentido pode-se dizer que habitar eacute uma necessidade baacutesica de todo ser
humano independente de qual seja o tipo de sociedade Dessa forma vale ressaltar que a
habitaccedilatildeo eacute compreendida nesse trabalho como algo aleacutem da casa do abrigo do ambiente
fiacutesico mas a interaccedilatildeo desta com a cidade com o conjunto de seus equipamentos serviccedilos
espaccedilos puacuteblicos e lugar de reinvenccedilatildeo de praacuteticas e relaccedilotildees sociais Vale ressaltar que a
cidade concentra um conjunto de processos de trabalho e de produccedilatildeo de empregados
assalariados e do mercado informal cuja anaacutelise eacute essencial na compreensatildeo das diferenccedilas
entre as cidades
Entatildeo afirma-se que a habitaccedilatildeo tem um conteuacutedo poliacutetico social econocircmico e
espacial e possui diversas caracteriacutesticas e formas espaciais diferentes concretizando uma
produccedilatildeo diferenciada da cidade
A cidade capitalista possui condiccedilotildees gerais para a produccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo
e do trabalho evidenciando as contradiccedilotildees inerentes ao capitalismo principalmente nas
relaccedilotildees construiacutedas a partir da apropriaccedilatildeo privada dos bens socialmente produzidos
configurando uma divisatildeo social e territorial do trabalho conforme argumenta Lojkine (1981
p 16)
As formas de urbanizaccedilatildeo satildeo formas de divisatildeo social (e territorial) do trabalho elas satildeo o cerne da contradiccedilatildeo atual entre as novas exigecircncias do progresso teacutecnico
essencialmente em mateacuteria de formaccedilatildeo ampliada das forccedilas produtivas humanas
e as leis de acumulaccedilatildeo de capital
Sendo assim o espaccedilo urbano construiacutedo expressa o modo de vida capitalista e a luta
de classes sociais que compotildeem sua estrutura social uma vez que esse espaccedilo se redefine a
partir da crescente articulaccedilatildeo e complexidade do processo produtivo o qual possibilita o
desenvolvimento dos meios de distribuiccedilatildeo circulaccedilatildeo e troca de mercadorias Dessa maneira
103
o espaccedilo urbano torna-se tambeacutem a proacutepria mercadoria uma vez que dele se obteacutem mateacuteria
prima e forccedila de trabalho
Com o surgimento da faacutebrica enquanto unidade produtiva e a complexidade da divisatildeo teacutecnica e social do trabalho daiacute decorrente o urbano se redefine ante as exigecircncias de concentraccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo e da forccedila de trabalho num soacute lugar e consequumlentemente a forccedila de trabalho passa a exigir certas condiccedilotildees para sua reproduccedilatildeo tais como habitaccedilatildeo alimentaccedilatildeo transporte energia assistecircncia agrave sauacutede lazer comunicaccedilotildees saneamento em geral etc Por outro lado a faacutebrica enquanto unidade de acumulaccedilatildeo de capital tambeacutem coloca uma seacuterie de outras condiccedilotildees que satildeo necessaacuterias para sua reproduccedilatildeo tais como transporte de mateacuterias-primas energia comunicaccedilatildeo saneamento unidades de apoio agrave produccedilatildeo como escritoacuterios bancos transporte para escoamento da produccedilatildeo unidades de distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo etc (SILVA 1989 p 23)
Para Blay (apud SILVA 1989 p 20) a mercadoria moradia eacute entendida dentro da
teoria das necessidades sociais em um sistema econocircmico regido livremente pela procura e
oferta e que suscita uma problemaacutetica chave se de um lado existe grande oferta da
mercadoria moradia por outro grande parcela da populaccedilatildeo natildeo dispotildee de renda suficiente
para adquiri-la pois as habitaccedilotildees apresentam um elevado valor agregado e com isso a
populaccedilatildeo de renda baixa natildeo possui condiccedilotildees de comprar ou alugar uma casa com
condiccedilotildees miacutenimas de habitabilidade
Esse cenaacuterio acarreta no processo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial que se daacute a partir da
complexificaccedilatildeo e divisatildeo social do trabalho gerada pelas poliacuteticas puacuteblicas seletivas do
Estado e pela auto-segregaccedilatildeo da classe de maior poder aquisitivo que se isola em
condomiacutenios e loteamentos fechados Vale ressaltar que esses locais natildeo satildeo mais exclusivos
das classes mais abastarda mas estendendo-se agraves outras camadas da sociedade (funcionaacuterios
puacuteblicos profissionais liberais comerciantes entre outros) que adquirem seus lotes em aacutereas
muradas dotando de seguranccedila particular (cercas eleacutetricas vigilante portotildees eletrocircnicos entre
outros) sob o pagamento de uma taxa (condomiacutenio)
Diante disso uma grande parcela da populaccedilatildeo natildeo possui local para morar quando
natildeo moram em locais de difiacutecil acesso com condiccedilotildees precaacuterias transformando a questatildeo da
moradia em um problema social e urbaniacutestico pela inadequabilidade habitacional conforme
fotografia 1
Eacute importante enfatizar que podem ser levadas em consideraccedilatildeo quando se pensa na
questatildeo da moradia as diferentes classes e fraccedilotildees de classes que estatildeo envolvidas em uma
luta simboacutelica na produccedilatildeo e reproduccedilatildeo da cidade as quais objetivam a definiccedilatildeo do mundo
104
social em conformidade com seus interesses formando um campo das posiccedilotildees sociais
passando a integrar a paisagem urbana do capital como parte necessaacuteria de um espaccedilo social
complexo e repleto de contradiccedilotildees
Fotografia 1
Moradia com condiccedilotildees precaacuterias (Canal da Quintino
Beleacutem-PA)
Fonte Beleacutem (2007)
Sendo assim a questatildeo habitacional brasileira eacute um fenocircmeno que se insere no
desenvolvimento do sistema capitalista e sempre apresentou um cunho marcadamente
excludente refletindo as diversas fases da relaccedilatildeo entre o Estado e as fraccedilotildees de classes
A poliacutetica habitacional como poliacutetica puacuteblica voltada agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave
moradia foi compreendida inicialmente de acordo com Frey (1996) como uma poliacutetica de
bem estar e gradativamente mudou do discurso universalista dos direitos fundamentais para
a loacutegica dos mercados articulando-se de maneira inovadora com os novos padrotildees de
acumulaccedilatildeo capitalista
Para o autor na fase de expansatildeo material do sistema capitalista no seacuteculo passado o
fundo puacuteblico constituiacutea-se na principal fonte de financiamento da poliacutetica habitacional No
Estado de Bem-Estar Social o direito agrave moradia era um dos elementos que faziam parte dos
custos da reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho e a ideologia da casa proacutepria era uma forma de
controle social aleacutem disso a intervenccedilatildeo estatal foi marcada por uma poliacutetica puacuteblica
105
centralizada isto eacute defendia a universalizaccedilatildeo da poliacutetica sem levar em consideraccedilatildeo as
especificidades de cada regiatildeo
De acordo com Bonduki (1994 p 26) o primeiro evento desencadeador do problema
habitacional no Brasil foi a passagem do escravismo para o trabalho livre no qual o preccedilo da
terra se definiu originalmente como uma forma de impedir no momento histoacuterico da ascensatildeo
do capitalismo o acesso do trabalhador agrave terra Essa constataccedilatildeo surge a partir do
entendimento de que a terra urbana e suas construccedilotildees satildeo mercadorias na economia
capitalista possuindo um valor de uso e um valor de troca
No contexto histoacuterico da economia cafeeira as moradias alugadas nos principais
centros urbanos eram mais utilizadas como a forma predominante de habitaccedilatildeo popular Ateacute
os anos 1920 os centros urbanos reuniam um grande contingente de trabalhadores que
moravam em locais alugados em geral em corticcedilos20 Os outros espaccedilos como as vilas21
eram destinados aos trabalhadores que possuiacuteam uma qualificaccedilatildeo e a classe meacutedia
O Estado tinha uma atuaccedilatildeo limitada pois incentivava a produccedilatildeo privada de
moradias para os trabalhadores de baixo poder aquisitivo geralmente voltadas para a locaccedilatildeo
aleacutem de atuar de forma repressiva em situaccedilatildeo de insalubridade aplicando a lei de
higienizaccedilatildeo (produccedilatildeo de casas higiecircnicas) e de restriccedilatildeo aos corticcedilos por forccedila policial
(BONDUKI 1994)
Assim a urbanizaccedilatildeo brasileira nasceu marcada por reformas urbanas por obras de
saneamento e embelezamento que expulsaram a populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo para as
afastadas do centro das cidades como soluccedilatildeo para eliminar epidemias e higienizar os
espaccedilos
Ao mesmo tempo obras paisagiacutesticas eram realizadas nas aacutereas centrais para
favorecer a consolidaccedilatildeo do mercado imobiliaacuterio capitalista que estava surgindo Os
problemas urbanos os males e distuacuterbios sociais eram tratados como responsabilidade do
excessivo tamanho e densidade populacional das cidades e natildeo como fruto do modelo de
industrializaccedilatildeo que estava em desenvolvimento
O fator que garantia a construccedilatildeo das diversas formas de moradias de aluguel eacute que
esse negoacutecio se tornou importante investimento para os diversos agentes econocircmicos que
naquela eacutepoca dispunham de capital e de pequenas poupanccedilas
20 Corticcedilo denominaccedilatildeo geneacuterica da habitaccedilatildeo coletiva que incluiacutea desde uma seacuterie de cocircmodos ao longo de um corredor ou em volta de um paacutetio e dormitoacuterios improvisados no fundo de um bar ou armazeacutem ateacute as casas de cocircmodos e respectivos porotildees (BONDUKI 1986) 21 As vilas se constituiacuteam em conjuntos de pequenas casas unifamiliares germinadas (SILVA 1989)
106
Vivia-se a fase aacuteurea da economia cafeeira e Satildeo Paulo era o centro comercial e bancaacuterio que geria o cafeacute A induacutestria embora jaacute fosse significativa e reunisse um largo contingente de trabalhadores era ainda incipiente e instaacutevel marcada por crises constantes subordinando-se ao capital cafeeiro [] Num periacuteodo em que a inflaccedilatildeo era insignificante o investimento em casas operaacuterias garantia juros de 12 a 15 ao ano considerado na eacutepoca um excelente rendimento aleacutem de possibilitar o usufruto da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria (BONDUKI 1994 138-139)
Com o processo de industrializaccedilatildeo que intensificou a urbanizaccedilatildeo das cidades uma
seacuterie de transformaccedilotildees na estrutura urbana comeccedilaram a surgir na estrutura industrial e na
forma de atuaccedilatildeo do poder puacuteblico provocando o crescimento econocircmico das cidades
modificaccedilotildees no padratildeo de habitaccedilatildeo popular e a concentraccedilatildeo desordenada de pessoas na
busca de produtos e serviccedilos nos corticcedilos favelas baixadas com precaacuterias condiccedilotildees de
moradia
A explosatildeo demograacutefica provocou um excedente da populaccedilatildeo que natildeo encontra emprego suficiente na zona rural Assim o pessoal dessa zona vai procurar trabalho em outros lugares seja nas regiotildees de plantaccedilotildees onde se tornam assalariados agriacutecolas seja diretamente nas cidades (SANTOS 1991 p 24)
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (2000) a populaccedilatildeo
urbana brasileira em 1940 era de 3124 Em 1950 esse quadro passou para 3616
conforme apontam os dados da tabela 1 demonstrando um aumento de aproximadamente
5 naquele periacuteodo
Tabela 1
Populaccedilatildeo residente por situaccedilatildeo do domicilio (1940-1970) no Brasil Ano Total Urbana Rural
1940 41236315 12880182 3124 28356133 6876 1950 51914397 18782891 3616 33161506 6384 1960 70070457 31303034 4468 38767423 5532 1970 93139037 52084984 55 93 41054053 4407
Fonte IBGE Censo Demograacutefico (2001)
Nota-se que nas deacutecadas seguintes (1960 e 1970) houve o aumento da taxa de
populaccedilatildeo residente nos centros urbanos saltando para 55 93 no ano de 1970 Pode-se
dizer que isso se deu em virtude do processo de industrializaccedilatildeo ocorrido nas deacutecadas de
1940 a 1980 as quais foram marcadas pelo intenso crescimento do mercado com elevadas
107
taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acarretando em uma complexa divisatildeo
social do trabalho Aleacutem desses elementos ocorreu um acelerado processo de urbanizaccedilatildeo
com grandes deslocamentos populacionais originando alteraccedilotildees profundas na estrutura
demograacutefica
Esse provocou tambeacutem uma grande retirada da populaccedilatildeo pobre das aacutereas de
interesses econocircmicos e fez com que esta se deslocasse para as aacutereas sem infraestrutura
agravando ainda mais o quadro de pobreza Em contrapartida as fraccedilotildees de classes com maior
poder aquisitivo pressionavam o Estado a reorganizar o espaccedilo urbano tendo em vista a
fluidez das mercadorias neste espaccedilo e a higiene do mesmo uma vez que os corticcedilos locais
onde os trabalhadores viviam estavam localizados geograficamente proacuteximos das classes
dominantes e eram considerados locais de focos de epidemias
Assim cabe destacar que a produccedilatildeo do espaccedilo urbano eacute desigual pois esse espaccedilo eacute
fruto de uma produccedilatildeo capitalista que se produz desigualmente e eacute materializada pela divisatildeo
do trabalho e se sustenta a partir das relaccedilotildees simboacutelicas estabelecidas
Estava claro que diante do novo padratildeo de desenvolvimento econocircmico que se esboccedilava e do crescimento raacutepido da populaccedilatildeo o corticcedilo passaria a representar um perigo para a sauacutede puacuteblica seja pelas condiccedilotildees de insalubridade que apresentava seja por expressar uma imagem contrastante com a faacutebrica enquanto unidade produtiva que se firmava Dessa forma natildeo era compatiacutevel com o novo modelo econocircmico que necessitava desobstruir a aacuterea central da cidade para a circulaccedilatildeo do capital e localizaccedilatildeo da classe dominante emergente forccedilando o estabelecimento de uma poliacutetica de segregaccedilatildeo dos setores populares acentuando-se principalmente a partir da deacutecada de 30 e 40 com o amadurecimento do modelo econocircmico de caraacuteter urbano-industrial (SILVA 1989 p 36)
Uma das medidas intervencionistas adotadas pelo Estado poacutes-1930 foi a criaccedilatildeo e
regulamentaccedilatildeo das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs)22 em
1937 Com o agravamento progressivo das condiccedilotildees habitacionais nos centros urbanos os
trabalhadores pressionaram o Estado para que este atendesse suas reivindicaccedilotildees
Assim os IAPs identificados como vias institucionais responsaacuteveis pelo
atendimento das necessidades dos trabalhadores na questatildeo da moradia assumiram esta
atribuiccedilatildeo objetivando garantir a legitimidade do poder estatal
22 Os IAPs tiveram fundamental importacircncia na provisatildeo do creacutedito imobiliaacuterio uma vez que deixaram de ter exclusivamente a atribuiccedilatildeo de previdecircncia social e assistecircncia meacutedia para incorporarem a funccedilatildeo de provedor de moradia
108
Contudo esta foi a primeira intervenccedilatildeo concreta estatal no setor da habitaccedilatildeo
popular embora tenha obedecido a criteacuterios de clientelismo poliacutetico na distribuiccedilatildeo das
poucas unidades que foram produzidas
Eacute importante destacar que em 1923 foram criadas as Caixas de Aposentadoria
constituiacutedas pelos empregados de uma empresa que organizaram uma caixa comum de
assistecircncia com fundos especiacuteficos objetivando financiar a construccedilatildeo de habitaccedilotildees aos seus
associados Entretanto suas accedilotildees somente se concretizaram em 1930 (SILVA 1989)
Segundo Bonduki (1997) a Fundaccedilatildeo da Casa Popular (FCP) criada em 01 de maio
de 1946 constituiu-se no primeiro oacutergatildeo nacional direcionado agrave produccedilatildeo de habitaccedilotildees
populares e estava vinculada ao Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio A escolha do
dia do trabalhador para fundar a FCP foi considerada reveladora ao alcance poliacutetico que se
pretendia com tal medida pois foi uma forma do governo enfrentar os problemas de habitaccedilatildeo
das faixas de trabalhadores que recebiam baixos salaacuterios
A FCP visava propiciar a construccedilatildeo ou aquisiccedilatildeo da casa proacutepria em zona urbana
ou rural para as classes populares aleacutem de coordenar as accedilotildees dos IAPs e tinha como fonte
de recursos a cobranccedila de taxas sobre as transaccedilotildees imobiliaacuterias Poreacutem esses dois oacutergatildeos
(IAPs e FCP) foram extintos com a criaccedilatildeo do Banco Nacional de Habitaccedilatildeo (BNH) em
1964
Segundo Rodrigues (2001) de 1937 a 1964 os IAPs construiacuteram 279 conjuntos em
um total de 47789 moradias e financiadas 72236 habitaccedilotildees Embora os nuacutemeros sejam
modestos demonstram uma nova forma de accedilatildeo do Estado ou seja como o Estado interfere
diretamente na produccedilatildeo da habitaccedilatildeo Jaacute a FCP de 1946 a 1964 construiu 19 mil unidades
pouco mais de 900 unidades por ano concentradas principalmente na regiatildeo sudeste do paiacutes
Estes resultados demonstram que a FCP limitou-se a construir em locais que os recursos
permitiam e os interesses econocircmicos determinavam
A deacutecada de 1940 foi marcada por uma grave crise de habitaccedilatildeo pois esta crise natildeo
se deu pela falta de moradias higiecircnicas e salubres a preccedilos acessiacuteveis que os trabalhadores
poderiam alugar mas pela carecircncia absoluta de moradias
Essa crise foi estrutural embora agravada por fatores conjunturais provocados pela
guerra Bonduki (1994) destaca vaacuterios fatores que explicam esse fenocircmeno tais como a
proacutepria dinacircmica do desenvolvimento capitalista no Brasil que cria novas e mais atraentes
formas de investimento do capital fazendo a rentabilidade crescer as altas taxas de inflaccedilatildeo
levam os investidores a perderem interesse em investir no aluguel de moradias que em outros
periacuteodos eram investimentos rentaacuteveis e a conjuntura da guerra provoca no mercado
109
imobiliaacuterio a aceleraccedilatildeo da especulaccedilatildeo e os imoacuteveis urbanos sofrem uma valorizaccedilatildeo sem
precedentes
A Lei do Inquilinato agravou ainda mais a situaccedilatildeo uma vez que congelou os preccedilos
dos alugueacuteis em 1942 e se configurou em uma intervenccedilatildeo direta do governo de Getuacutelio
Vargas na produccedilatildeo do espaccedilo urbano e da moradia ou seja o Estado passou a intervir nos
diversos setores da economia operando na fixaccedilatildeo de preccedilos na distribuiccedilatildeo dos ganhos e
perdas entre as diversas fraccedilotildees de classes e na regulamentaccedilatildeo da reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho
Os aumentos elevados do valor dos alugueacuteis que subiam em magnitudes superiores
aos salaacuterios dos trabalhadores visavam desestimular a construccedilatildeo de moradias para alugar e
instigar a construccedilatildeo de moradias para venda que em geral natildeo eram acessiacuteveis aos
trabalhadores de menor poder aquisitivo levando-os a recorrer agrave autoconstruccedilatildeo e agrave
favelizaccedilatildeo (SILVA 1989)
Atraveacutes da autoconstruccedilatildeo que a maioria da populaccedilatildeo trabalhadora resolve seu problema de moradia principalmente nas grandes cidades brasileira e de modo geral na Ameacuterica Latina A construccedilatildeo de casas se prolonga por muitos anos absorvendo a maior parte do tempo livre da famiacutelia A construccedilatildeo eacute realizada nos fins-de-semana e em parte das feacuterias [] A autoconstruccedilatildeo eacute executada nos periacuteodos que deveriam ser destinados ao descanso do trabalhador para repor as energias mas na verdade descansa-se trabalhando carregando pedras Este eacute o lema do autoconstrutor por vaacuterios anos [] Em linhas gerais a autoconstruccedilatildeo eacute um processo de trabalho extremamente penosos com elevados custos individuais que caem sobre os setores mais pauperizados Haacute um alongamento da jornada de trabalho que repercute na acumulaccedilatildeo de capital jaacute que permite pagar salaacuterios mais baixos e ao mesmo tempo desgasta rapidamente a capacidade produtiva da forccedila de trabalho sem o miacutenimo descanso necessaacuterio (RODRIGUES 2001 p 30-32)
De acordo com Durham (2000 apud RODRIGUES 2001) eacute comum as famiacutelias de
menor poder aquisitivo construir suas casas com ajuda muacutetua Muitas vezes os filhos se casam
e vatildeo anexando cocircmodos agrave construccedilatildeo original caracterizando a coabitaccedilatildeo A autoconstruccedilatildeo
eacute um processo aacuterduo que requer o esforccedilo de toda a famiacutelia surgindo como um meio de se
obter um imoacutevel Esta alternativa foi utilizada pelos governos como opccedilatildeo viaacutevel e de baixo
custo para minimizar o deacuteficit habitacional mas eacute uma proposta questionaacutevel tanto pelo
sacrifiacutecio imposto pela situaccedilatildeo quanto pelo aspecto caoacutetico das periferias dos grandes e
meacutedios centros urbanos
110
Aleacutem disso Bourdieu (2001) enfatiza que existem outras racionalidades aleacutem da
racionalidade econocircmica e que neste caso podem ser enquadradas tanto para os laccedilos sociais
de uma favela quanto para a autoconstruccedilatildeo na qual famiacutelias se unem para conseguir a casa
proacutepria Dessa maneira a construccedilatildeo de uma moradia representa uma troca de daacutedivas entre
os grupos sociais familiares ou amigos que se unem nesse processo
A partir da deacutecada de 1950 seguiu-se um decliacutenio das construccedilotildees relacionadas agrave
viabilidade econocircmica financeira a inflaccedilatildeo tornava irrisoacuterias as prestaccedilotildees fixas pagas nos
planos de financiamento e natildeo possibilitava novos investimentos o congelamento dos
alugueacuteis a crise da previdecircncia com o esvaziamento progressivo das reservas do sistema
previdenciaacuterio (RODRIGUES 2001)
Silva (1989) argumenta que no periacuteodo do segundo governo Vargas (1951-1954)
houve uma forte pressatildeo dos trabalhadores por melhores salaacuterios ficando a questatildeo
habitacional renegada a segundo plano uma vez que as poliacuteticas implementadas demonstram
a pouca importacircncia que foi dada a essa problemaacutetica
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) com os grandes projetos
industriais em especial os automobiliacutesticos sob a loacutegica da integralizaccedilatildeo do territoacuterio com a
abertura de estradas para circulaccedilatildeo de mercadorias e comunicaccedilatildeo a urbanizaccedilatildeo eacute acelerada
e marcada pelo desenvolvimento econocircmico aleacutem disso intensificaram as desigualdades
regionais do Paiacutes pois as regiotildees mais distantes do centro financeiro como os estados da
regiatildeo Amazocircnica sofreram menor implementaccedilatildeo de instrumentos urbaniacutesticos
aprofundando a divisatildeo social e territorial do trabalho Em relaccedilatildeo a questatildeo habitacional as
accedilotildees concretas natildeo foram executadas o que agravou ainda mais as condiccedilotildees de vida da
populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo
Nessa conjuntura de efervescecircncia poliacutetica e de decliacutenio econocircmico a questatildeo habitacional para o governo de Joatildeo Goulart foi contemplada quase tatildeo-somente pelo planejamento governamental A distacircncia entre as necessidades sociais e a falta de recursos para sanar a carecircncia de habitaccedilotildees populares fizeram com que o quadro se agravasse dado o intenso processo de urbanizaccedilatildeo a que as grandes cidades vinham se submetendo (SILVA 1989 p 46)
Vale destacar no quadro 1 a relaccedilatildeo das principais instituiccedilotildees habitacionais ateacute a
criaccedilatildeo do Banco Nacional de Habitaccedilatildeo (BNH) suas caracteriacutesticas e os respectivos
governos
111
Quadro 1
Relaccedilatildeo das Instituiccedilotildees Habitacionais no Brasil periacuteodo de 1930 a 1968
Instituiccedilotildees Caracteriacutestica Governo Instituto de Aposentadorias
e Pensotildees (IAPs) O Brasil deu os primeiros passos intervindo na oferta de moradia
Getuacutelio Vargas (1930-1945)
Fundaccedilatildeo da Casa Proacutepria (FCP)
Visava atender a populaccedilatildeo que natildeo participava do mercado formal
Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)
Plano de Assistecircncia Habitacional (PAH)
A principal inovaccedilatildeo consistia na proporccedilatildeo entre a prestaccedilatildeo do financiamento e o salaacuterio miacutenimo
Juscelino Kubitschek (1956-1961)
Banco Nacional de Habitaccedilatildeo (BNH)
Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo (SFH)
Tinham como objetivos coordenar a poliacutetica habitacional dos oacutergatildeos puacuteblicos e orientar a iniciativa privada estimulando a construccedilatildeo de moradias financiar a aquisiccedilatildeo da casa proacutepria eliminaccedilatildeo das favelas
Castello Branco (1964-1967)
Fonte BRASIL (2004)
A partir de meados dos anos de 1960 eacute possiacutevel perceber uma atuaccedilatildeo mais efetiva
do Estado sobre o espaccedilo urbano com a criaccedilatildeo de todo o aparato institucional voltado para a
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo do espaccedilo urbano e da moradia
Por meio do projeto desenvolvimentista a intervenccedilatildeo estatal expandiu a induacutestria e
construiu uma sociedade de consumo predominantemente urbana provocando a dispersatildeo
das cidades Aleacutem da implantaccedilatildeo de hidreleacutetricas portos aeroportos dutos e canais
apoiados em financiamentos externos a expansatildeo da rede de energia de estradas e de
comunicaccedilatildeo foram um meio de eliminar as barreiras agrave circulaccedilatildeo de capital e as poliacuteticas
urbanas tinham vultosos investimentos e deu respaldo agrave urbanizaccedilatildeo como estrateacutegia de
desenvolvimento do territoacuterio
Em 1964 foi criado o Banco Nacional de Habitaccedilatildeo (BNH) por meio da Lei nordm
4380 de 21 de agosto de 1964 que institui tambeacutem o Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo
(SFH) com a grande inovaccedilatildeo da correccedilatildeo monetaacuteria nos contratos imobiliaacuterios aleacutem das
Sociedades de Creacutedito Imobiliaacuterio (SCI) as Letras Imobiliaacuterias (LI) e o Serviccedilo Federal de
Habitaccedilatildeo e Urbanismo (Serfhau) Este tinha por meta baacutesica promover a elaboraccedilatildeo e a
implantaccedilatildeo de planos de desenvolvimento local e integrado de acordo com o planejamento
nacional e regional e ainda colaborar com os governos municipais na execuccedilatildeo do
planejamento local e integrado inclusive na organizaccedilatildeo de serviccedilos de natureza municipal
assistindo-os em assuntos de seu interesse e realizar estudos relacionados com as migraccedilotildees
internas (BRASIL 2004)
Os objetivos do BNH e SFH eram de coordenar a poliacutetica habitacional dos oacutergatildeos
puacuteblicos e o financiamento para o saneamento difundir a propriedade residencial entre as
112
classes de menor poder aquisitivo reduzir o preccedilo da habitaccedilatildeo pelo aumento da oferta da
economia de escala na produccedilatildeo proporcionar melhorias sanitaacuterias agrave populaccedilatildeo redistribuir
regionalmente os investimentos aumentar a eficiecircncia da aplicaccedilatildeo dos recursos estaduais e
municipais orientar a iniciativa privada estimulando a construccedilatildeo de moradias populares
financiar a aquisiccedilatildeo da casa proacutepria propiciando a melhoria do padratildeo habitacional e do
ambiente eliminar as favelas aumentar o investimento da induacutestria de construccedilatildeo civil criar
poacutelos de desenvolvimento para melhorar as condiccedilotildees de vida nas aacutereas rurais e estimular a
poupanccedila privada e o investimento (RODRIGUES 2001)
Em 1968 foi criado o Sistema Financeiro de Saneamento (SFS) e o Financiamento
de Saneamento (FINANSA) com subprogramas voltados para a implantaccedilatildeo ou melhoria de
sistemas de abastecimento de aacutegua de esgotos ou de drenagem e poluiccedilatildeo hiacutedrica
De acordo com Ministeacuterio das Cidades (2004) os recursos para o SFH seriam
oriundos principalmente de uma contribuiccedilatildeo compulsoacuteria de empresaacuterios e trabalhadores
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS)23 voltado para a produccedilatildeo de habitaccedilatildeo
popular do Sistema Brasileiro de Poupanccedila e Empreacutestimo (SBPE)24 destinado a classe
meacutedia e dos lucros dos reembolsos de creacuteditos concedidos Este novo sistema implicou em
um processo de centralizaccedilatildeo o qual eliminou a praacutetica de construccedilatildeo de habitaccedilatildeo popular
por parte de instituiccedilotildees privadas e puacuteblicas como por exemplo sindicatos e institutos
previdenciaacuterios que constituiacuteam formas de alternativas de produccedilatildeo de habitaccedilatildeo
Esse novo modelo da poliacutetica habitacional eacute implementado como um conjunto de
caracteriacutesticas que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepccedilatildeo
dominante de poliacutetica habitacional nos anos que se seguiram pois passou a apresentar um
caraacuteter mais amplo e global emergindo com o propoacutesito de diminuir o deacuteficit habitacional e
gerar novos empregos com o aumento de construccedilotildees legitimando assim o poder estatal e
criando condiccedilotildees para reproduccedilatildeo do capitalismo
Como a induacutestria de construccedilatildeo civil utiliza matildeo-de-obra em larga escala incentivar a induacutestria de construccedilatildeo eacute tambeacutem tentar atenuar a crise econocircmica Ao mesmo tempo difunde mais a ideologia da casa proacutepria contribui para a estabilidade social e torna os proprietaacuterios aliados da ordem A poliacutetica habitacional assume um modelo empresarial num momento em que eacute crucial para o novo regime dar provas de que eacute capaz de
23 O FGTS foi criado por meio da Lei nordm 5107 de 14 de setembro de 1966 e eacute composto por contas vinculadas em nome dos trabalhadores nas quais as empresas depositam mensalmente valor equivalente a 85 das remuneraccedilotildees que lhes satildeo pagas ou devidas (BRASIL 2004 p 22) 24 SBPE era constituiacutedo pelas Caixas Econocircmicas Federal e Estaduais pelas Sociedades de Creacutedito Imobiliaacuterio (SCI) e pelas Associaccedilotildees de Poupanccedilas e Empreacutestimos (BRASIL 2004 p 13)
113
atacar problemas sociais resolvendo a questatildeo da moradia Eacute preciso ocupar os vazios deixados com o fechamento poliacutetico (RODRIGUES 2001 p 57)
Com a criaccedilatildeo do BNH surgiram em todo o Paiacutes oacutergatildeos com a finalidade de
executar a poliacutetica habitacional como as Companhias de Habitaccedilatildeo (Cohab) no Paraacute25
Amazonas e Maranhatildeo26 que tinham como finalidade estudar as questotildees relacionadas agrave
habitaccedilatildeo de interesse social e executar essas poliacuteticas voltadas agraves famiacutelias de menor poder
aquisitivo
As Cohabs e outros oacutergatildeos semelhantes surgiram com o objetivo de apoiarem o SFH
executando o papel de agentes financeiros e promotores estabelecendo-se na qualidade de
sociedades de economia mista com capital originaacuterio constituiacutedo majoritariamente por
recursos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo dos oacutergatildeos de gestatildeo e execuccedilatildeo da poliacutetica habitacional tanto no plano
federal quanto estadual eacute um claro sinal da importacircncia da poliacutetica urbana na estrateacutegia do
regime militar para o enfrentamento da questatildeo social que se agudizava nas cidades
brasileiras Embora o BNH e as Cohabs tenham surgido com um discurso que enfatizava o
caraacuteter social e o atendimento prioritaacuterio agraves famiacutelias de menor poder aquisitivo na praacutetica
esses oacutergatildeos desenvolveram poliacuteticas que acentuaram as desigualdades sociais e a segregaccedilatildeo
do espaccedilo urbano
Para Maricato (1996) a accedilatildeo do BNH natildeo se limitou apenas agrave habitaccedilatildeo pois acabou
ampliando significativamente suas intervenccedilotildees Passou a atuar no setor de desenvolvimento
urbano sendo considerado como um dos mais expressivos agentes financeiros do processo de
desenvolvimento urbano coordenando a poliacutetica habitacional e o financiamento para o
saneamento Esse banco financiou obras de infraestrutura urbana melhorou o sistema viaacuterio e
pavimentou ruas das cidades bem como aperfeiccediloou a rede de energia eleacutetrica de transportes
e de comunicaccedilatildeo incentivou a educaccedilatildeo a cultura e o desenvolvimento da induacutestria da
construccedilatildeo civil melhorou os serviccedilos puacuteblicos financiou planos e estudos para elaboraccedilatildeo
25 No Paraacute a Cohab instituiacuteda pela Lei Estadual nordm 3282 de 13 de abril de 1965 era uma empresa de economia mista e tinha as seguintes finalidades planejar e executar os programas de habitaccedilatildeo popular adquirir vender e urbanizar os terrenos a serem utilizados em programas habitacionais produzir e comercializar unidades habitacionais de interesse social exercer atividades de construccedilatildeo civil apoiar programas e projetos de desenvolvimento comunitaacuterio comprar e vender materiais de construccedilatildeo visando apoiar as metas do Plano Nacional de Habitaccedilatildeo Popular (ALVES 1997) 26 Em 1966 foi instituiacuteda a Companhia de Habitaccedilatildeo Popular do Maranhatildeo (Cohab-MA) por meio da Lei nordm 2367 com o objetivo de promover a execuccedilatildeo de projetos habitacionais destinados agrave recuperaccedilatildeo ou erradicaccedilatildeo de aglomerados de sub-habitaccedilotildees e tambeacutem ao atendimento da demanda de habitaccedilatildeo de baixo custo destinadas agraves famiacutelias de baixo poder aquisitivo (entre um e trecircs salaacuterios miacutenimos)
114
de legislaccedilatildeo e projetos dentre outros Pode-se entatildeo afirmar que o BNH foi um dos
importantes promotores das transformaccedilotildees urbanas no Brasil
De 1964 a 1984 foram financiadas pelo BNH 4 milhotildees e 369 mil unidades sendo 2
milhotildees e 557 mil na faixa de interesse social o que representou 585 do total de unidades
financiadas Na faixa do SBPE foram financiadas 1 milhatildeo e 812 mil unidades No entanto
quando se considera os valores de financiamentos verificou-se que a maior porcentagem de
recursos foi canalizada para a faixa do SBPE (RODRIGUES 2001)
Entretanto esse modelo da poliacutetica habitacional se transforma em um instrumento de
repressatildeo por meio dos programas de remoccedilatildeo de favelas e passa a atender a nova classe
meacutedia surgida no contexto do desenvolvimento capitalista jaacute que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas natildeo eram eficientes eou suficientes para atender toda demanda
Outro fator relevante eacute que a produccedilatildeo privada tambeacutem natildeo atendia a demanda
habitacional aleacutem do que seu custo era significativamente superior a realidade financeira de
muitos trabalhadores e o aumento populacional nas grandes cidades agravava ainda mais o
problema habitacional no Brasil
Naquela eacutepoca dizia-se que o deacuteficit habitacional seria de 15 milhotildees de unidades
um dado geneacuterico que tinha como objetivo convencer a opiniatildeo puacuteblica da necessidade de um
nuacutemero absurdo de novas construccedilotildees e de angariar recursos para o setor As accedilotildees eram
determinadas pela cuacutepula do poder central com pouca ou nenhuma participaccedilatildeo popular
Destarte a prioridade da poliacutetica habitacional se desloca com o decorrer do tempo
nos primeiros anos os investimentos privilegiam as classes populares para legitimar o novo
regime e no periacuteodo de 1970 a 1975 o segmento popular passa para segundo plano uma vez
que o BNH redimensionou sua clientela e promoveu uma mudanccedila no cenaacuterio das cidades
por meio das verticalizaccedilotildees das edificaccedilotildees voltadas para atender aos funcionaacuterios puacuteblicos
teacutecnicos de niacutevel superior e trabalhadores qualificados
Em 1971 foi lanccedilado o Plano Nacional de Habitaccedilatildeo Popular (PLANHAP) com o
intuito de se reaproximar da produccedilatildeo de moradias para as classes de menor poder aquisitivo
Entretanto natildeo obteve ecircxito
Tambeacutem em 1971 foi criado o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA)
elaborado para regular e propiciar maior dinamismo aos planos e obras e o BNH passou a
funcionar como banco de segunda linha e eacute transformado em empresa puacuteblica Em 1972 foi
criado o Projeto Comunidade Urbana para Recuperaccedilatildeo Acelerada (CURA) Todos esses
planos programas e projetos demonstram a consolidaccedilatildeo de um modelo econocircmico
115
caracterizado pela modernizaccedilatildeo da economia pela concentraccedilatildeo da renda nas classes altas e
meacutedias e a marginalizaccedilatildeo das classes populares (MARICATO 1996 34)
Vale ressaltar que havia uma desarticulaccedilatildeo entre as accedilotildees dos oacutergatildeos responsaacuteveis
pela construccedilatildeo das casas populares e os encarregados dos serviccedilos urbanos bem como a
construccedilatildeo de grandes conjuntos como forma de baratear o custo das moradias geralmente
feitos em locais distantes e sem infraestrutura e por uacuteltimo o seu modelo financeiro que se
revelou inadequado em uma economia com processo inflacionaacuterio (BRASIL 2004 p10)
Bonduki (1994 p 320) acrescenta que quando o BNH buscou reduzir o custo da
moradia para tentar atender a populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo ao inveacutes de alterar o
processo de gestatildeo e produccedilatildeo que encarecia o produto final apoiando iniciativas que a
populaccedilatildeo jaacute vinha promovendo optou por rebaixar a qualidade da construccedilatildeo e tamanho da
unidade financiando moradias cada vez menores mais precaacuterias e distantes
O Promorar instituiacutedo no final do ano de 1979 tinha como bandeira de luta a
urbanizaccedilatildeo das favelas objetivando
a) Erradicar as sub-habitaccedilotildees destituiacutedas de condiccedilotildees miacutenimas de serviccedilos conforto e salubridade especialmente as que compotildeem aglomerados conhecidos por palafitas mocambos e favelas b) Priorizar a erradicaccedilatildeo de sub-habitaccedilotildees componentes de aglomerados que por sua situaccedilatildeo crocircnica socialmente criacutetica devem merecer preferecircncia na programaccedilatildeo dos governos estaduais c) Propiciar a permanecircncia das populaccedilotildees beneficiadas nas aacutereas onde anteriormente se localizavam apoacutes a eliminaccedilatildeo das sub-habitaccedilotildees d) Promover a recuperaccedilatildeo de assentamentos de submoradias sujeitas a inundaccedilotildees mediante a utilizaccedilatildeo de sistemas de aterro (SILVA 1989 p 77)
Todavia Silva (1989 p 77) ressalta que o Promorar demonstrou-se autoritaacuterio no
desenvolvimento da poliacutetica habitacional uma vez que impocircs agrave populaccedilatildeo as aacutereas de
remanejamento sem dialogo com a mesma derrubou barracos sem oferecer nenhuma
indenizaccedilatildeo obrigou as famiacutelias a comprarem uma casa muitas vezes em piores condiccedilotildees
do que a que foi demolida
Foram executados vaacuterios programas habitacionais que determinavam a forma como a
populaccedilatildeo poderia habitar sem nem mesmo ouvi-la Esse processo baseado na centralizaccedilatildeo
das decisotildees resultou muitas vezes em programas inadequados ou ineficazes agrave situaccedilatildeo
social do paiacutes Extensos conjuntos habitacionais obrigavam famiacutelias diferentes a viverem da
mesma forma gerando problemas de poacutes-ocupaccedilatildeo Habitaccedilotildees sem nenhuma particularidade
116
esteacutetica ou funcional eram construiacutedas como uma saiacuteda para o deacuteficit habitacional como se
apenas a quantidade fosse solucionar o problema
No periacuteodo de 1970 a 1980 relacionados agrave crise econocircmica mundial que se agravou
no Brasil acarretando em uma profunda reestruturaccedilatildeo produtiva como privatizaccedilotildees
parcerias entre puacuteblico e privado desregulamentaccedilatildeo e liberalizaccedilatildeo do Estado os recursos do
BNH tornam-se mais escassos decorrendo principalmente da inadimplecircncia dos mutuaacuterios
que foram contemplados com a casa proacutepria do aumento do valor das prestaccedilotildees mensais e
da diminuiccedilatildeo dos recursos oriundos do FGTS mediante o aumento do desemprego e a
retirada dos fundos por parte dos trabalhadores que ficaram desempregados Isto afetou
fortemente o setor habitacional
O aumento da inadimplecircncia deveu-se basicamente a natildeo correspondecircncia entre os
criteacuterios de reajuste salarial das prestaccedilotildees jaacute que a partir de 1983 a poliacutetica salarial passou
a reajustar os salaacuterios por faixa salarial onde os setores de baixo salaacuterio eram corrigidos
pelos iacutendices inflacionaacuterios e aplicados aos setores meacutedios e altos um redutor de reajuste
Poreacutem o valor das prestaccedilotildees continuou a ser corrigido segundo criteacuterio uacutenico sempre em
iacutendices superiores ao aumento meacutedio dos salaacuterios dos mutuaacuterios de renda mais elevada
acarretando inevitavelmente na inadimplecircncia dos mutuaacuterios (CARVALHO 1991 p52)
Segundo Valenccedila (2001) a reduccedilatildeo nos investimentos do Governo Federal voltados
agrave habitaccedilatildeo associados agraves altas taxas de inadimplecircncia contribuiacuteram ainda mais para a crise
do SFH e aleacutem disso a crise econocircmica abalou fortemente a sustentaccedilatildeo do governo militar
abrindo espaccedilo para os movimentos sociais que reivindicavam a reabertura poliacutetica e
melhores condiccedilotildees sociais inclusive com relaccedilatildeo agraves questotildees urbanas e de moradia
Desde 1980 que no Brasil 686 da populaccedilatildeo segundo dados da Fundaccedilatildeo IBGE moram na cidade Esse fato cada vez mais exige uma accedilatildeo positiva do Estado no ato da construccedilatildeo da moradia Dessa forma o Estado Brasileiro ao promover a distribuiccedilatildeo e gestatildeo dos equipamentos de consumo coletivo indispensaacuteveis agrave reproduccedilatildeo da vida nas cidades - no caso particular a moradia - tem contribuiacutedo tambeacutem para a expansatildeo urbana criando condiccedilotildees favoraacuteveis para que outros setores da sociedade ligados diretamente ao capital se reproduziam Eacute o caso das empresas de transportes empreiteiras etc (RODRIGUES 2001 p 59)
Valenccedila (2001) faz uma revisatildeo histoacuterica das poliacuteticas habitacionais desenvolvidas
pelos sucessivos governos brasileiros desde o final do periacuteodo militar ateacute o final dos anos
1990 montando um panorama a partir do quadro 2
117
Quadro 2
Os periacuteodos da poliacutetica habitacional no Brasil
Periacuteodo Caracteriacutesticas Final dos anos 1970 ateacute 1983
Crises econocircmica e financeira abalam a principal fonte de recursos do SFH a renda da populaccedilatildeo
Governo Figueiredo (1979-85) adota medidas tanto econocircmicas quanto de poliacutetica habitacional que deram iniacutecio a crise do sistema
1983-1986
Governo Figueiredo toma medidas emergenciais
como o Bocircnus do BHN
para
solucionar problemas imediatos do SFH mas a crise se agrava
Ao final do periacuteodo o Governo Sarney (1985-89) patrocina dois foacuteruns de discussatildeo com a sociedade civil o grupo de trabalho sobre reformulaccedilatildeo do SFH - GTRSFH organizado pelo MDU e o debate nacional promovido juntamente pelo IAB e o MDU
Mutuaacuterios do BNH politicamente engajados deixam de pagar prestaccedilotildees e iniciam accedilotildees na justiccedila contra aumentos excessivos
Em 1986 sem grandes justificativas o governo federal fecha o BNH (interesse do poder executivo e de conglomerados financeiros em ter acesso agraves somas vultuosas das cadernetas de poupanccedila e FGTS que eram manipuladas apenas pelo sistema SFH-BNH)
1986-1990
Com o fechamento do BNH a poliacutetica habitacional eacute deixada de lado
O SFH continuou ainda operando minimamente
Eacute criada a Secretaria Especial de Accedilatildeo Comunitaacuteria ligada diretamente agrave Presidecircncia (clientelismo)
Poliacutetica habitacional aceacutefala e sem normas claras
1990-1992
Governo Collor confisca as cadernetas de poupanccedila por 18 meses e prejudica seriamente o SFH
Ministeacuterio da Accedilatildeo Social atraveacutes da Secretaria Nacional de Habitaccedilatildeo tendo como oacutergatildeo operador a Caixa Econocircmica Federal
CEF lanccedila programa habitacional para a aacuterea social mas devido agrave grande participaccedilatildeo da iniciativa privada muitas unidades habitacionais produzidas natildeo havia sido comercializada ateacute 1994 (preccedilo incompatiacutevel com a renda do puacuteblico-alvo)
A partir de 1992 recessatildeo e comprometimento do FGTS paralisam aprovaccedilotildees para projetos habitacionais
1993-1998
Governo Itamar Franco (1994-94) administraccedilatildeo da crise e reforma da CEF
Primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-98) criaccedilatildeo da Secretaria de Poliacutetica Urbana (SEPURB) que junto ao Ministeacuterio do Planejamento e Orccedilamento propotildeem a administram a poliacutetica habitacional tendo como oacutergatildeo executor a CEF Principais programas Proacute-Moradia Proacute-Credi e PAR (operaccedilatildeo dos sistemas de caderneta de poupanccedila e FGTS)
Fonte Valenccedila (2001 p 36)
A partir de 1986 quando ocorreu a extinccedilatildeo do BNH a Caixa Econocircmica Federal
(CEF) ficou com a atribuiccedilatildeo de desenvolver a poliacutetica habitacional do Paiacutes e o sistema
habitacional brasileiro passou a vivenciar intensas crises que acarretaram em um alto
endividamento desse sistema e na incapacidade de implementaccedilatildeo de novos projetos
A crise do SFH e a extinccedilatildeo do BNH criaram um hiato em relaccedilatildeo agrave poliacutetica
habitacional no Paiacutes com a desarticulaccedilatildeo progressiva da instacircncia federal a fragmentaccedilatildeo
institucional a perda de capacidade decisoacuteria e a reduccedilatildeo significativa dos recursos
disponibilizados para investimento na aacuterea (BRASIL 2004 p 10)
118
A esse respeito Azevedo (1996) contextualiza que no acircmbito institucional o
governo Sarney tomou diversas medidas que inicialmente indicavam uma intenccedilatildeo
reformadora Entretanto essas medidas demonstraram um retrocesso na adoccedilatildeo das poliacuteticas
habitacionais uma vez que a forma como foi decretada a extinccedilatildeo do BNH causou surpresa
para as entidades envolvidas na reformulaccedilatildeo do SFH jaacute que ocorreu de maneira abrupta e
sem margem para contrapropostas Esse procedimento se chocava com as declaraccedilotildees de
intenccedilotildees e encaminhamentos anteriores feitos pelo proacuteprio governo
Arretche (apud BONDUKI 2008) enfatiza as divergecircncias entre setores do governo
pela disputa em administrar os vultosos recursos envolvidos em investimentos na aacuterea
habitacional e de saneamento baacutesico assim como a estrateacutegia do governo federal em um
momento de reestruturaccedilatildeo poliacutetica para ampliar suas possibilidades de barganha junto aos
governos estaduais como elementos que contribuiacuteram para a extinccedilatildeo do BNH
Bonduki (2008 p 74) ressalta que
Dentre os erros praticados se destaca a opccedilatildeo por grandes conjuntos na periferia das cidades o que gerou verdadeiros bairros dormitoacuterios a desarticulaccedilatildeo entre os projetos habitacionais e a poliacutetica urbana e o absoluto desprezo pela qualidade do projeto gerando soluccedilotildees uniformizadas padronizadas e sem nenhuma preocupaccedilatildeo com a qualidade da moradia com a inserccedilatildeo urbana e com o respeito ao meio fiacutesico Indiferente agrave diversidade existente num paiacutes de dimensotildees continentais o BNH desconsiderou as peculiaridades de cada regiatildeo natildeo levando em conta aspectos culturais ambientais e de contexto urbano reproduzindo agrave exaustatildeo modelos padronizados
Esse panorama revela o papel do Estado enquanto agente promotor da segregaccedilatildeo e
de exclusatildeo de uma grande parcela da populaccedilatildeo ao direto agrave cidade aleacutem de consolidador da
especulaccedilatildeo imobiliaacuteria ao garantir o acesso agrave moradia apenas a classe meacutedia em detrimento
das classes de menor poder aquisitivo por meio de subsiacutedios oriundos do FGTS que de certa
forma satildeo provenientes dos trabalhadores
Eacute importante destacar que o BNH foi criado objetivando responder agrave forte crise de
moradia ocorrida pelo intenso processo de urbanizaccedilatildeo Para tanto era necessaacuterio
implementar uma poliacutetica de financiamento capaz de estruturar o setor da construccedilatildeo civil
habitacional
Esse fato desvelou o papel econocircmico da poliacutetica habitacional uma vez que
dinamizou a economia por meio da geraccedilatildeo de emprego e fortaleceu o setor da construccedilatildeo
civil transformando-se em um dos elementos centrais da estrateacutegia dos governos militares
119
Azevedo (1996 p 83) aponta as principais diferenccedilas na conduccedilatildeo dos programas
habitacionais apoacutes a mudanccedila do oacutergatildeo operador
a) apesar das duas instituiccedilotildees tratarem-se de bancos o BNH era considerado uma agecircncia financeira de vocaccedilatildeo social enquanto a CAIXA tinha uma atuaccedilatildeo mais comercial com maior preocupaccedilatildeo em equiliacutebrio de investimentos retorno de capital entre outros ressaltando que nessa nova situaccedilatildeo a questatildeo habitacional passou a ser tratada de forma setorial b) o novo arcabouccedilo normativo imposto pelo Conselho Monetaacuterio Nacional e complementado pela CAIXA dificultou o acesso das Cohabs aos financiamentos habitacionais diminuindo expressivamente sua produccedilatildeo e consequumlentemente restringindo a capacidade das administraccedilotildees municipais e estaduais de atuar em investimentos habitacionais por outro lado facilitando o acesso agrave iniciativa privada neste setor c) a nova posiccedilatildeo das Cohabs no arranjo da poliacutetica habitacional passando de agentes promotores a oacutergatildeos assessores acarretou em enfraquecimento das companhias elevaccedilatildeo da faixa de renda das famiacutelias beneficiadas pelos programas habitacionais (acima de cinco salaacuterios miacutenimos) e desaceleraccedilatildeo dos programas alternativos
A incorporaccedilatildeo das atividades do BNH agrave CEF fez com que a questatildeo habitacional
passasse a depender de uma instituiccedilatildeo em que essa questatildeo embora importante fosse
objetivo setorial Do mesmo modo ainda que considerada como agecircncia financeira de
vocaccedilatildeo social a Caixa possui como eacute natural paradigmas institucionais de um banco
comercial como a busca de equiliacutebrio financeiro retorno do capital aplicado etc
(AZEVEDO 1996 p 84)
Em 1987 foi criado o Ministeacuterio da Habitaccedilatildeo Urbanismo e Meio Ambiente (MHU)
cujo objetivo era a gestatildeo das poliacuteticas de transportes urbanos e a incorporaccedilatildeo da CEF
estando a poliacutetica habitacional e urbana sob a responsabilidade do referido ministeacuterio
(BRASIL 2004)
Segundo Azevedo (1996 p 17) no primeiro ano apoacutes a extinccedilatildeo do BNH as
Cohabs financiaram 113389 casas populares Poreacutem durante o primeiro semestre de 1988
esse nuacutemero caiu para 30646 unidades Essa reduccedilatildeo ocorreu devido agraves mudanccedilas da
poliacutetica habitacional a partir da Resoluccedilatildeo nordm 1464 de 26 de fevereiro de 1988 do Conselho
Monetaacuterio Nacional (CMN) que sob a alegaccedilatildeo da necessidade de controle das diacutevidas dos
estados e municiacutepios criou medidas restritivas ao acesso a creacuteditos por parte das Cohabs
No que diz respeito ao Maranhatildeo entre os anos de 1962 e 1965 foram construiacutedas
752 unidades habitacionais em sete municiacutepios maranhenses das quais 624 ou 8298
concentraram-se na capital especialmente na aacuterea central conforme quadro 3
120
Quadro 3
Conjuntos habitacionais estatais produzidos pelos IAPs 1962-1965
Municiacutepio Conjunto habitacional Nordm de unidades Satildeo Luiacutes Joseacute Bonifaacutecio A Silva 536
Nossa Sra das Graccedilas 40 Bancaacuterios 48
Caxias Caxias I 30 Caxias II 30
Codoacute Codoacute 10 Carolina Carolina 10 Pedreiras Pedreiras 20 Bacabal Bacabal 20 Timon Timon 08
Total 752 Fonte MARANHAtildeO STDUCPH Diagnoacutestico Habitacional do Estado do Maranhatildeo Satildeo Luiacutes 1988 p 66
A execuccedilatildeo de programas habitacionais por meio da Cohab assumiu papel central
na poliacutetica urbana do Governo Sarney No periacuteodo de 1967 a 1971 foi planejada a construccedilatildeo
de 7000 unidades habitacionais e o financiamento de melhorias habitacionais de outras 7000
unidades habitacionais deficientes na cidade de Satildeo Luiacutes (PEMAS 2004)
Entretanto em funccedilatildeo do jogo poliacutetico e dos interesses econocircmicos das elites que
deram sustentaccedilatildeo ao projeto de modernizaccedilatildeo conservadora as atuaccedilotildees da Cohab tiveram
um alcance limitado no sentido de resolver os graves problemas sociais que se acentuavam na
cidade
De acordo com Luz (2004) na deacutecada de 1970 as aacutereas de palafitas se ampliaram
principalmente em direccedilatildeo agrave regiatildeo do Satildeo Francisco Ilhinha Lagoa da Jansen e para os
manguezais da margem esquerda do Rio Anil proacuteximos dos bairros do Caratatiua Alemanha
Vinhais e Ipase No mesmo periacuteodo foi ampliada a frente de expansatildeo urbana em direccedilatildeo a
Regiatildeo do ItaquiBaganga aleacutem disso novos bairros como Vila Nova Saacute Viana Novo Vila
Embratel Anjo da Guarda e Itaquiacute experimentaram um raacutepido crescimento populacional em
funccedilatildeo da chegada de milhares de famiacutelias expulsas da terra ou deslocadas de suas moradias
para implantaccedilatildeo de grandes projetos no interior da ilha
Em resposta ao agravamento das condiccedilotildees de vida na cidade bem como em uma
estrateacutegia de buscar apoio poliacutetico junto agrave populaccedilatildeo o governo lanccedilou no final de 1979 o
Programa de Erradicaccedilatildeo de Moradias Subnormais o Promorar que seraacute melhor apresentado
no capiacutetulo IV (DIAGNOacuteSTICO HABITACIONAL 1987 p 34)
121
Vale ressaltar que os poucos recursos destinados para a populaccedilatildeo de baixa renda
foram marcados pelo clientelismo eou por accedilotildees urbanas de caraacuteter pontual e segregador a
exemplo dos programas de remoccedilatildeo de favelas e palafitas
Em relaccedilatildeo ao Estado do Paraacute pode-se observar que no periacuteodo de 1965 a 1989 a
CohabPa implementou vaacuterios programas habitacionais na Regiatildeo Metropolitana de Beleacutem
(RMB) cujo nuacutemero de unidades habitacionais construiacutedas ateacute o ano de 1989 foi de 22949
conforme tabela 2
Tabela 2
Unidades Habitacionais construiacutedas pela COHABPa na RMB (1965-1989) Nome do Conjunto Ano Nordm Unid Habitacional Municiacutepio
Nova Marambaia I 1965 834 Beleacutem Ananindeua 1971 118 Ananindeua Nova Marambaia II 1972 376 Beleacutem Nova Marambaia III 1973 332 Beleacutem Icoaraci I 1973 296 Beleacutem Icoaraci II 1976 554 Beleacutem Icoaraci III 1976 350 Beleacutem Cidade Nova I 1976 600 Ananindeua Cidade Nova II 1976 1000 Ananindeua Cidade Nova III 1977 461 Ananindeua Cidade Nova IV 1978 2005 Ananindeua Cidade Nova V 1978 3173 Ananindeua Profilurb I 1978 756 Ananindeua Cidade Nova VI 1979 4000 Ananindeua Cidade Nova VII 1980 700 Ananindeua Guajaraacute I 1981 1948 Ananindeua Promorar 1981 1481 Beleacutem Cidade Nova VIII 1986 1879 Ananindeua Cidade Nova IX 1986 120 Ananindeua Cidade Nova (2ordf etapa) 1987 87 Ananindeua Cidade Nova VIII (2ordf etapa) 1988 1109 Ananindeua Catalina 1989 770 Ananindeua
TOTAL 22949 Fonte Alves (1997)
As unidades habitacionais construiacutedas pela CohabPa embora natildeo tenham sido
suficientes para cobrir o deacuteficit habitacional expressivo existente na RMB refletem o
processo de transformaccedilatildeo do uso do solo o qual estaacute articulado intimamente com o mercado
122
de terras e com a segregaccedilatildeo soacutecioespacial expressando as desigualdades de acesso aos
recursos materiais luacutedicos e simboacutelicos da cidade
Na RMB desencadeou-se um padratildeo de urbanizaccedilatildeo alicerccedilada na reproduccedilatildeo de
eixos de expansatildeo horizontal que foi fortemente impulsionado pelo planejamento econocircmico
e territorial e particularmente pelas poliacuteticas de financiamento para a produccedilatildeo habitacional e
de infraestruturas
Destarte a atividade do capital imobiliaacuterio propocircs uma forma de produccedilatildeo do espaccedilo
baseada em uma necessidade de extrair lucro do solo urbano estabelecendo uma relaccedilatildeo
proacutepria entre a ocupaccedilatildeo do solo demandas de mercado e especulaccedilatildeo Dessa maneira atua
sobre o ambiente construiacutedo e depara-se com questotildees que extrapolam o campo econocircmico
Entatildeo os loteamentos ou os conjuntos habitacionais passam a ter tambeacutem um valor
simboacutelico uma vez que o espaccedilo fiacutesico eacute construccedilatildeo do imaginaacuterio individual e coletivo
Smolka (1983 p 140) argumenta que a mediaccedilatildeo do mercado imobiliaacuterio eacute elo
criacutetico do padratildeo de segregaccedilatildeo residencial cujo padratildeo eacute definido por vaacuterios processos que
vatildeo desde a substituiccedilatildeo dos moradores por meio de transaccedilotildees atomizadas de compra e
venda de imoacuteveis usados ateacute as incorporaccedilotildees imobiliaacuterias
conversotildees de uso do solo
visando lucro Esse conjunto de processos assevera a hegemonia da lei do mercado na
determinaccedilatildeo de importantes fenocircmenos que estatildeo diretamente associados agrave geraccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de padrotildees de segregaccedilatildeo residencial tais como a mobilidade eou migraccedilotildees
intra-urbana e a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo de vizinhanccedilas
De acordo com Trindade Junior (1998) essa eacute a realidade vivenciada na RMB a
qual demonstra a consolidaccedilatildeo da cidade dispersa sendo esta a dimensatildeo espacial do processo
de reproduccedilatildeo do capital com a reafirmaccedilatildeo das divisotildees de mercados e com escalas de
atuaccedilatildeo diferenciadas na qual as empresas de menor forccedila de accedilatildeo tendem a continuar na
dependecircncia direta dos programas de financiamento do Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo na
Aacuterea de Expansatildeo em especial na direccedilatildeo do Municiacutepio de Ananindeua e do distrito de
Icoaraci sob pena de natildeo confirmarem sua permanecircncia no mercado Ao passo que atraveacutes
do programa de lotes urbanizados accedilatildeo prioritaacuteria da CohabPa hoje e do processo ainda
crescente de ocupaccedilotildees urbanas confirme-se a tendecircncia de maior adensamento urbano dos
Municiacutepios de Marituba Benevides e tambeacutem do distrito de Icoaraci
Nesse sentido ao se analisar a produccedilatildeo de unidades habitacionais tanto no Estado
do Maranhatildeo quanto no Estado do Paraacute nota-se que a disponibilidade de creacutedito a juros
voltado para a produccedilatildeo de imoacuteveis novos permitiu agrave classe meacutedia constituir novos bairros e
123
ampliar a fronteira urbana gerando aleacutem da expansatildeo horizontal o gradual esvaziamento dos
centros tradicionais
Aleacutem disso os investimentos na produccedilatildeo de moradias para a populaccedilatildeo de menor
poder aquisitivo foram reduzidos natildeo alterando o processo de gestatildeo e rebaixando a
qualidade da construccedilatildeo e o tamanho das unidades habitacionais
No acircmbito nacional cabe destacar que em marccedilo de 1989 foi extinto o Ministeacuterio
do Bem-Estar Social (MBES) e criou-se a Secretaria Especial de Accedilatildeo Comunitaacuteria (SEAC)
sob competecircncia do Ministeacuterio do Interior As atividades financeiras desse Sistema estavam
vinculados ao Ministeacuterio da Fazenda
O modelo institucional adotado pelo SEAC privilegiava a iniciativa de estados e
municiacutepios deixando de estabelecer prioridades alocativas o que permitiu maior autonomia
desses governos e o gerenciamento da poliacutetica habitacional
O Programa Nacional de Mutirotildees Habitacionais da SEAC foi um programa
alternativo lanccedilado pelo governo Sarney com o intuito de atender as famiacutelias com renda
mensal ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos Para tanto teria como financiamento os recursos de verba
orccedilamentaacuteria a fundo perdido geralmente em parceria com prefeituras ou estados
acompanhado por grupos constituiacutedos por representantes da comunidade assistida
denominados Sociedade Comunitaacuteria Habitacional (SCH) (AZEVEDO 1996)
No entanto a utilizaccedilatildeo dos recursos do FGTS em quantidade que superava suas
reais disponibilidades financeiras afetou as possibilidades de expansatildeo do financiamento
habitacional levando a sua suspensatildeo temporaacuteria
Para Azevedo (1996 p 83) a experiecircncia da SEAC eacute relevante para se compreender
a poliacutetica habitacional brasileira pois num periacuteodo inferior a dois anos (aproximadamente de
1988 a 1990) o oacutergatildeo que pretendia construir 550000 novas moradias alcanccedilou um terccedilo
disto ainda assim superando a produccedilatildeo realizada pelas Cohabs no mesmo periacuteodo Por
meio de programas tradicionais na CEF que natildeo chegou a 150000 unidades tornando-se
uma experiecircncia importante pois foi a primeira vez na trajetoacuteria da poliacutetica popular
brasileira que um programa alternativo apresentou melhor desempenho quantitativo do que os
convencionais
Contudo alguns fatores satildeo destacados para explicar a natildeo plenitude na execuccedilatildeo
dessas medidas o baixo financiamento unitaacuterio aliado agrave inflaccedilatildeo crescente a maacute utilizaccedilatildeo
dos recursos o processo inflacionaacuterio a dependecircncia exclusiva de verbas orccedilamentaacuterias aleacutem
da inexistecircncia de uma poliacutetica clara de prioridades para alocaccedilatildeo de recursos e as accedilotildees
clientelismo (VALENCcedilA 1999 apud AZEVEDO 1996)
124
Com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 haacute uma institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo da
sociedade civil organizada na gestatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em especial da habitacional O
processo de descentralizaccedilatildeo e a reforma do Estado estabelecem uma redefiniccedilatildeo de
competecircncias passando a ser atribuiccedilatildeo dos Estados e Municiacutepios a gestatildeo dos programas
sociais e dentre eles o de habitaccedilatildeo seja por iniciativa proacutepria seja por adesatildeo a algum
programa proposto por outro niacutevel de governo seja por imposiccedilatildeo Constitucional (BRASIL
2004 p 10)
Conforme foi citado no capiacutetulo anterior o ideaacuterio da reforma urbana corresponde a
uma reforma social estrutural com uma muito forte e evidente dimensatildeo espacial tendo por
objetivo melhorar a qualidade de vida da populaccedilatildeo especialmente de sua parcela mais pobre
e elevar o niacutevel de justiccedila social tendo como objetivos coibir a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria
reduzir o niacutevel de disparidade socioeconocircmico-espacial intra-urbano democratizar o
planejamento e a gestatildeo do espaccedilo urbano (SOUZA 2002 p112-113)
De acordo com Maricato (1997 p 311) as principais propostas apresentadas na
referida emenda foram
Em relaccedilatildeo agrave propriedade imobiliaacuteria urbana
instrumentos de regularizaccedilatildeo de aacutereas ocupadas Captaccedilatildeo da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria Aplicaccedilatildeo da funccedilatildeo social da propriedade Proteccedilatildeo urbaniacutestica ambiental e cultural Em relaccedilatildeo agrave poliacutetica habitacional
programas puacuteblicos habitacionais de regularizaccedilatildeo de aacutereas ocupadas Aluguel ou prestaccedilatildeo da casa proacutepria proporcional agrave renda familiar Agecircncia nacional e descentralizaccedilatildeo na gestatildeo da poliacutetica Em relaccedilatildeo aos transportes e serviccedilos pppa
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direito fundamental da pessoa humana que soacute pode ser assegurada a partir da efetivaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional comprometida com a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo
Entretanto durante a vigecircncia do governo Collor no periacuteodo de 1990 a 1992
ocorreu um agravamento no desenvolvimento das poliacuteticas habitacionais gerada pelo confisco
das cadernetas de poupanccedila acarretando na estagnaccedilatildeo da mesma e do FGTS visto que parte
do dinheiro que era investido em poupanccedila estava destinado ao SFH
Nesse periacuteodo o Estado reduziu sua participaccedilatildeo no mercado de terras diminuindo
os gastos sociais e a forma de movimentaccedilatildeo de capital deixando a cargo dos especuladores
imobiliaacuterio a produccedilatildeo de moradias o que acarretou no monopoacutelio fundiaacuterio e provocou o
agravamento da crise no setor habitacional
Conforme Azevedo (1996 p 84) houve uma banalizaccedilatildeo da poliacutetica habitacional
por conta da dissociaccedilatildeo das atividades de saneamento e desenvolvimento urbano e sua
transformaccedilatildeo em uma poliacutetica distributiva agora vinculada ao novo Ministeacuterio da Accedilatildeo
Social Portanto a alocaccedilatildeo das unidades construiacutedas tanto pelos programas populares
convencionais como pelos alternativos de autoconstruccedilatildeo continuou sendo feita por criteacuterios
aleatoacuterios
Dois exemplos podem ser destacados para ratificar a argumentaccedilatildeo da autora
primeiro no final dos anos de 1990 o governo brasileiro criou o Programa Carta de Creacutedito
que teve por objetivo proporcionar o financiamento de construccedilatildeo sob a forma associativa
propiciando uma nova maneira de morar na qual as pessoas satildeo agrupadas e coordenadas por
entidades organizadas que constroem os conjuntos habitacionais e condomiacutenios fechados
(AZEVEDO 1996 p 85)
O financiamento individual ficou mantido na faixa de doze salaacuterios miacutenimos com tratamento diferenciado para os mutuaacuterios com renda familiar de ateacute seis salaacuterios miacutenimos sob o discurso da redistribuiccedilatildeo de renda Com relaccedilatildeo agrave taxa de juros praticados pelo Programa variava de 3 a 9 de acordo com as diferentes faixas de renda (AZEVEDO 1996 p 85)
Segundo o governo Collor lanccedilou em maio de 1990 o Plano de Accedilatildeo Imediata para
a Habitaccedilatildeo (PAIH) que previa a construccedilatildeo de 245 mil unidades habitacionais em 180 dias
para famiacutelias de ateacute cinco salaacuterios miacutenimos com recursos do FGTS e se desenvolveria em
trecircs vertentes programa de moradias populares (produccedilatildeo de novas unidades) programa
de lotes urbanizados (com ou sem cesta baacutesica de materiais) e programa de accedilatildeo municipal
para habitaccedilatildeo popular (unidades acabadas e lotes urbanizados) (AZEVEDO 1996 p 85)
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Contudo fazendo uma avaliaccedilatildeo do PAIH percebe-se que vaacuterias metas natildeo foram
cumpridas como o prazo estimado de 180 dias prolongou-se por mais de 18 meses 210 mil
unidades habitacionais construiacutedas a valores significativamente maiores que os previstos
inicialmente aleacutem disso a alocaccedilatildeo de recursos natildeo atendeu aos percentuais definidos pelo
Conselho Curador do FGTS para os diversos estados da Federaccedilatildeo
Outro fator importante eacute que as parcerias das empresas privadas fizeram com que as
unidades habitacionais ficassem mais caras e a camada de menor poder aquisitivo que era
tida como puacuteblico-alvo passou a ser excluiacuteda por sua incapacidade do pagamento um dos
motivos que contribuiu para a insatisfaccedilatildeo da populaccedilatildeo ocasionando no impeachment do
presidente Collor27
No periacuteodo de 1992 a 1994 durante o governo de Itamar Franco houve uma
modificaccedilatildeo do cenaacuterio econocircmico por meio do controle da inflaccedilatildeo e fortalecimento da
economia com o Plano Real e a gestatildeo da poliacutetica puacuteblica de habitaccedilatildeo ganha novos rumos
por meio da implantaccedilatildeo dos Programas Habitar Brasil (voltado para os municiacutepios de mais
de 50 mil habitantes) e Morar Municiacutepio
(destinado aos municiacutepios de menor porte) que se
apresentaram como alternativas para a produccedilatildeo de moradias Estes programas na aacuterea de
habitaccedilatildeo popular agora sob o controle do Ministeacuterio do Bem-Estar Social exigiam a
participaccedilatildeo de Conselhos Gestores Estaduais de Poliacutetica Puacuteblica de Habitaccedilatildeo e para os
investimentos poderiam ter uma contrapartida dos governos locais
Segundo Azevedo (1996 p 88) do ponto de vista poliacutetico os programas
apresentaram um avanccedilo quanto agrave gestatildeo da poliacutetica habitacional atraveacutes dos conselhos e a
constituiccedilatildeo de fundos especiacuteficos para a habitaccedilatildeo Do ponto de vista operacional de
reduccedilatildeo do deacuteficit habitacional tiveram pouca efetividade
Em 1995 com o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) ocorreu a
consolidaccedilatildeo da poliacutetica neoliberal com incentivo a privatizaccedilatildeo e a habitaccedilatildeo passou a ser
tratada no acircmbito da poliacutetica de desenvolvimento urbano integrada agrave poliacutetica urbana e agrave
poliacutetica de saneamento ambiental articulando accedilotildees com os estados e municiacutepios a fim de
garantir o uso e ocupaccedilatildeo do solo urbano e a funccedilatildeo social das cidades empreendendo uma
reforma mais efetiva nesse setor promovendo uma ampla reorganizaccedilatildeo institucional com a
extinccedilatildeo do Ministeacuterio do Bem Estar Social e com a criaccedilatildeo da Secretaria de Poliacutetica Urbana
(SEPURB) no acircmbito do Ministeacuterio do Planejamento e Orccedilamento (MPO) esfera que ficaria
27 O impeachment de Collor foi fruto da articulaccedilatildeo de vaacuterios movimentos sociais dentre eles o Movimento pela Eacutetica na Poliacutetica Movimento dos Caras-Pintadas (composto basicamente por estudantes secundaristas e universitaacuterios) e por meio da organizaccedilatildeo da sociedade civil
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responsaacutevel pela formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo aleacutem de
defender uma poliacutetica fundiaacuteria urbana adequada de modo a desestimular a formaccedilatildeo de
estoques de terras para fins especulativos (OLIVEIRA 2001)28
No Brasil desenvolveu-se um intenso processo de globalizaccedilatildeo financeira e
produtiva internacional que foi marcado por uma ideologia denominada de neoliberalismo
que pregava a reduccedilatildeo do papel do Estado ao miacutenimo e a liberalizaccedilatildeo do mercado ao
maacuteximo provocando a reduccedilatildeo da intervenccedilatildeo estatal nas poliacuteticas sociais natildeo sendo mais
entendido como o provedor de serviccedilos puacuteblicos mas como promotor e regulador
(BONDUKI 2008)
Neste sentido propotildee que os programas habitacionais
aleacutem de flexiacuteveis para atender a diferentes setores sociais
sejam pensados de forma integrada aos de saneamento ambiental infraestrutura social e transporte urbano Esta mudanccedila de inflexatildeo da poliacutetica habitacional
que deixa de ser vista apenas como uma poliacutetica assistencialista
registra um enfoque de poliacuteticas puacuteblicas que abre maiores possibilidades de accedilotildees integradas e muito mais efetivas no campo do habitat (AZEVEDO 1996 p 92)
No campo da habitaccedilatildeo popular as propostas eram apoiar programas geradores de
tecnologia simplificada que possibilitassem a construccedilatildeo de moradias de qualidade a custo
reduzido privilegiar as formas associativas e cooperativas de produccedilatildeo de habitaccedilotildees e
incentivar programas de assistecircncia teacutecnica aos oacutergatildeos entidades e organizaccedilotildees
comunitaacuterias comprometidas com soluccedilotildees locais e integradas de interesse social Os
princiacutepios adotados como novos referenciais pelo menos na retoacuterica eram flexibilidade
descentralizaccedilatildeo diversidade reconhecimento da cidade real entre outros (BONDUKI
2008)
Bonduki (2008) argumenta que foram retomados os financiamentos de habitaccedilatildeo e
saneamento com base nos recursos do FGTS Tambeacutem foram criadas novas linhas de
financiamento habitacional tendo como base os projetos propostos pelos governos estaduais e
municipais com sua concessatildeo estabelecida a partir de um conjunto de criteacuterios teacutecnicos de
projeto e ainda da capacidade de pagamento dos governos locais
28 No Paraacute de acordo com Holanda (2011) em 1995 a Cohab passou por uma reestruturaccedilatildeo institucional com o objetivo de retomar os financiamentos na aacuterea habitacional passando a executar accedilotildees voltadas agrave instrumentalizaccedilatildeo do planejamento urbano por meio da elaboraccedilatildeo de bases cartograacuteficas e investimentos em urbanizaccedilatildeo de aacutereas ocupadas e loteamentos aleacutem da produccedilatildeo de habitaccedilotildees em pequena escala destinada ao atendimento de servidores puacuteblicos estadual pois a produccedilatildeo de habitaccedilotildees para servidores foi uma estrateacutegia encontrada pela COHAB-PA para viabilizar novos empreendimentos visto que nesse periacuteodo os programas habitacionais de FHC se mostravam bastante restritivos e produzi para servidores puacuteblicos facilitava a aprovaccedilatildeo de projetos junto agrave CEF jaacute que os descontos das parcelas do financiamento eram realizados na folha de pagamento mensal ou seja os riscos de inadimplecircncia eram miacutenimos
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Foram instituiacutedos vaacuterios programas direcionados a questatildeo habitacional no governo
de FHC conforme demonstrado no quadro 4
Quadro 4- Programas Habitacionais implementados no Governo FHC Programas Accedilotildees
Proacute-Moradia
Antigo Morar Municiacutepio era financiado com recursos do FGTS e voltado ao atendimento da melhoria nas condiccedilotildees de moradia de famiacutelias com renda mensal de ateacute 3 salaacuterios miacutenimos e na aquisiccedilatildeo ou produccedilatildeo de lotes urbanizados materiais de construccedilatildeo produccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo de conjuntos habitacionais Deveria ser pleiteados por oacutergatildeos da administraccedilatildeo estadual ou municipal adimplentes junto ao governo federal e ter capacidade de endividamento
Carta de Creacutedito Individual
Visava melhorias das condiccedilotildees de moradia de famiacutelias com renda mensal de ateacute 12 salaacuterios miacutenimos por meio das modalidades de aquisiccedilatildeo de unidade habitacional (avaliada no maacuteximo em R$ 8 mil) ou lote urbanizado (valor maacuteximo de R$ 10 mil) conclusatildeo reforma ou ampliaccedilatildeo de imoacutevel usado Utilizava recursos do FGTS e das cadernetas de poupanccedila
Carta de Creacutedito Associativa
Com recursos do FGTS objetivava a construccedilatildeo de unidades habitacionais (valor maacuteximo de R$ 315 mil) ou lote urbanizado (valor maacuteximo de R$ 8 mil) por meio da concessatildeo de financiamento a pessoas fiacutesicas agrupadas em condomiacutenios ou organizadas por sindicatos cooperativas ou associaccedilotildees voltadas agrave produccedilatildeo habitacional
Apoio agrave produccedilatildeo de habitaccedilotildees
Apoiava a induacutestria da construccedilatildeo civil na produccedilatildeo de ateacute 500 unidades habitacionais utilizando recursos do FGTS e era voltado para o atendimento de famiacutelias da classe meacutedia e alta Teve um desempenho piacutefio
Habitar Brasil BID
Era financiado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tinha como objetivo propiciar melhoria das condiccedilotildees de habitabilidade de aacutereas degradas e era voltada para o poder puacuteblico municipal
Programa de Arrendamento Residencial (PAR)
Programa considerado inovador que concedia empreacutestimo agraves empresas privadas para produccedilatildeo habitacional no intuito de atender as famiacutelias entre trecircs e seis salaacuterios miacutenimos Utilizava um mix de recursos formado pelo FGTS e recursos de origem fiscal
Fonte Valenccedila (2001) Cardoso (2003) Azevedo (2007) Bonduki (2008)
Em 1997 foi criado o Sistema Financeiro Imobiliaacuterio (SFI) por meio da Lei Federal
nordm 9 512 inspirado na experiecircncia norte-americana que operava com recursos da iniciativa
privada tanto nacional como internacional Este Sistema gerava maior seguranccedila aos
investidores imobiliaacuterios atraveacutes da chamada alienaccedilatildeo fiduciaacuteria uma vez que a propriedade
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soacute era passada ao mutuaacuterio apoacutes a quitaccedilatildeo do valor do imoacutevel o que propiciava ao
financiador a agilidade na retomada dos bens no caso de inadimplecircncia
Isto demonstra a ineficiecircncia do mesmo como modelo de financiamento agrave
estruturaccedilatildeo de poliacuteticas habitacionais pois natildeo combateu o problema do deacuteficit habitacional
dada suas especificidades em conceder creacutedito imobiliaacuterio agrave famiacutelias de maior poder
aquisitivo
O Proacute-Moradia e o Programa Habitar Brasil buscavam-se beneficiar 677100
famiacutelias investindo R$ 52 bilhotildees sendo R$ 4 bilhotildees de recursos do FGTS e R$ 12 milhatildeo
da contrapartida de estados e municiacutepios (SEPURB 1996a 1996b apud AZEVEDO 1996
p24)
Todavia 1996 e 2000 o desempenho do governo no que diz respeito agrave poliacutetica de
habitaccedilatildeo popular stricto sensu pode ser considerado piacutefio ficando aqueacutem do inicialmente
planejado pois para o programa Proacute-Moradia foram investidos cerca de R$ 830 milhotildees
em recursos do FGTS para a construccedilatildeo de 155219 unidades residenciais a um custo meacutedio
unitaacuterio de R$ 540000 No mesmo periacuteodo com recursos a fundo perdido do OGU foram
alocados no Morar Melhor Habitar Brasil em torno de R$ 860 milhotildees que resultaram na
construccedilatildeo de 294595 moradias com custo unitaacuterio meacutedio de R$ 292000
(CAIXA 2000
apud AZEVEDO 1996 p 24)
Bonduki (2008) argumenta que os programas citados acima embora pudessem
expressar uma renovaccedilatildeo na maneira como a questatildeo da habitaccedilatildeo passou a ser tratada pelo
Governo Federal rompendo a riacutegida concepccedilatildeo herdada dos tempos do BNH de fato natildeo
conseguiu se efetivar como nova poliacutetica gerando um conjunto de efeitos perversos do ponto
de vista social econocircmico e urbano
O financiamento para aquisiccedilatildeo de imoacuteveis usados que absorveu 42 do total de recursos destinados agrave habitaccedilatildeo (cerca de 93 bilhotildees) eacute um programa com escasso impacto natildeo gerando empregos a atividade econocircmica O financiamento para material de construccedilatildeo embora tenha o meacuterito de apoiar o enorme conjunto de famiacutelias de baixa renda que auto-empreende a construccedilatildeo da casa proacutepria e de gerar um atendimento massivo (567 mil beneficiados no periacuteodo a de maior alcance quantitativo) tende a estimular a produccedilatildeo informal de moradia agravando os problemas urbanos Ademais o baixo valor do financiamento e a ausecircncia de assessoria teacutecnica natildeo permitem que as famiacutelias beneficiadas alcancem condiccedilotildees adequadas de habitabilidade (BONDUKI 2008 p 80)
Eacute importante observar que apesar do avanccedilo no desenvolvimento das poliacuteticas
habitacionais os programas executados mantiveram ou ateacute mesmo acentuaram o caraacuteter
130
tradicional das poliacuteticas implementadas no Brasil isto eacute de um atendimento privilegiado agraves
camadas de renda meacutedia e alta
De acordo com Bonduki (2008 p 80) referente aos anos de 1995 e 2003 observa-se
que 7884 do total dos recursos foram destinados a famiacutelias com renda superior a 5 salaacuterios
miacutenimos sendo que apenas 85 foram destinados para a baixiacutessima renda (ateacute 3 salaacuterios
miacutenimos) e onde se concentram 832 do deacuteficit quantitativo conforme graacutefico 1
Graacutefico 1
Contrataccedilotildees do FGTS Programas por faixas de renda (em )
1995 a 2003
Fonte Bonduki (2008)
Em 2003 inicia-se o Governo Lula Neste governo inicialmente havia uma
preocupaccedilatildeo com a questatildeo habitacional sendo que vaacuterios instrumentos e oacutergatildeos foram
criados objetivando atender agrave demanda habitacional no territoacuterio brasileiro tais como o
Ministeacuterio das Cidades que integralizou a questatildeo habitacional do saneamento e dos
transportes (mobilidade) levando em consideraccedilatildeo o uso e a ocupaccedilatildeo do solo29 o Sistema
Nacional de Habitaccedilatildeo de Interesse Social (SNHIS) criado por meio da Lei nordm 1112430 que
tambeacutem instituiu o Fundo Nacional de Habitaccedilatildeo de Interesse Social (FNHIS) e seu
29 Foram criadas as Secretarias Nacionais de Habitaccedilatildeo de Saneamento de Mobilidade Urbana e de Programas Urbanos pertencentes ao Ministeacuterio das Cidades 30 Essa lei eacute resultado do projeto apresentado por iniciativa popular em novembro de 1991 e condensa as expectativas de diversas organizaccedilotildees da sociedade civil que atuam no setor da habitaccedilatildeo popular
131
respectivo Conselho Nacional31 centralizando os recursos orccedilamentaacuterios dos programas de
Urbanizaccedilatildeo de Assentamentos Subnormais e de Habitaccedilatildeo de Interesse Social com o intuito
de possibilitar subsiacutedio habitacional para famiacutelias de baixo poder aquisitivo
O SNHIS pretende entre outros objetivos viabilizar para a populaccedilatildeo de menor
poder aquisitivo o acesso agrave terra urbanizada e agrave habitaccedilatildeo digna e sustentaacutevel Cabe a esse
Sistema a centralizaccedilatildeo de todos os programas e projetos destinados agrave habitaccedilatildeo de interesse
social dando-lhes maior coerecircncia e mais eficiecircncia (BONDUKI 2008)
O FNHIS eacute composto por recursos do Orccedilamento Geral da Uniatildeo (OGU) do Fundo
de Apoio ao Desenvolvimento Social (FADS) dotaccedilotildees recursos de empreacutestimos externos e
internos contribuiccedilotildees e doaccedilotildees de pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas entidades e organismos de
cooperaccedilatildeo nacional e internacional e de receitas de operaccedilotildees realizadas com recursos do
proacuteprio Fundo Tem como objetivo centralizar e gerenciar recursos orccedilamentaacuterios para os
programas estruturados no acircmbito do Sistema como aquisiccedilatildeo construccedilatildeo conclusatildeo
reforma locaccedilatildeo social e arrendamento de unidades habitacionais produccedilatildeo de lotes
urbanizados para fins habitacionais regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica de aacutereas de interesse
social e a implantaccedilatildeo de saneamento baacutesico infraestrutura e equipamentos urbanos
(AZEVEDO 2007)
A poliacutetica de habitaccedilatildeo desenvolvida no governo Lula tem como objetivos
i)universalizar o acesso agrave moradia digna ii) promover a urbanizaccedilatildeo regularizaccedilatildeo e inserccedilatildeo urbana de assentamentos precaacuterios iii) fortalecer o papel do Estado na gestatildeo da poliacutetica e na regulaccedilatildeo dos agentes privados dentro de um novo modelo com desconcentraccedilatildeo de funccedilotildees e articulaccedilatildeo de accedilotildees para possibilitar a participaccedilatildeo de amplos segmentos da sociedade na sua implantaccedilatildeo iv) tornar a questatildeo habitacional uma prioridade nacional v) democratizar o acesso a terra urbanizada e ao mercado secundaacuterio de imoacuteveis vi) ampliar a produtividade e melhorar a qualidade na produccedilatildeo habitacional e vii) incentivar a geraccedilatildeo de emprego e renda (BRASIL 2004 p 6)
No entanto Bonduki (2008 p 97) diz que mesmo levando em conta o avanccedilo que
representou a criaccedilatildeo do Ministeacuterio das Cidades faz-se necessaacuterio ressaltar que uma das suas
debilidades eacute sua fraqueza institucional uma vez que a CEF agente operador e principal
agente financeiro dos recursos do FGTS eacute subordinada ao Ministeacuterio da Fazenda
31 No mecircs de outubro do mesmo ano foi realizada a 1ordf Conferecircncia Nacional das Cidades com 2500 delegados em um processo de mobilizaccedilatildeo social que buscava a consolidaccedilatildeo das bases da atuaccedilatildeo do governo visando ainda a criaccedilatildeo e composiccedilatildeo do Conselho Nacional de Habitaccedilatildeo instalado em 2004
132
Em tese o Ministeacuterio das Cidades eacute o responsaacutevel pela gestatildeo da poliacutetica habitacional mas na praacutetica a enorme capilaridade e poder da Caixa presente em todos os municiacutepios do paiacutes acaba fazendo que a decisatildeo sobre a aprovaccedilatildeo dos pedidos de financiamentos e acompanhamento dos empreendimentos seja de sua responsabilidade (BONDUKI 2008 p 97)
O Plano Nacional de Habitaccedilatildeo (PNH) tinha como objetivo planejar as accedilotildees
puacuteblicas e privadas em meacutedio e longo prazo para equacionar as necessidades habitacionais
do Paiacutes no prazo de quinze anos sendo concebido como um plano estrateacutegico de longo prazo
articulado com propostas operacionais a serem implementadas a curto e meacutedio prazo
(BONDUKI 2008)
Contudo observa-se entatildeo que a nova Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo (PNH) natildeo
conseguiu implantar seus aspectos mais relevantes pois sem subsiacutedios significativos
prevaleceu a visatildeo bancaacuteria da CEF sem alteraccedilotildees substanciais na concessatildeo do creacutedito
Aleacutem disso os programas que foram lanccedilados para atender a populaccedilatildeo de menor poder
aquisitivo beneficiaram os financiamentos agrave populaccedilatildeo com maior poder aquisitivo
permanecendo o aspecto segregador dos governos anteriores
Bonduki (2008) ressalta que o FNHIS reiterado na 1ordf Conferecircncia Nacional das
Cidades encontrou forte oposiccedilatildeo na equipe econocircmica e foi aprovado apenas em 2005 e
instalado em julho de 2006 Em vez de ser institucionalizado como um fundo financeiro foi
instituiacutedo como um fundo orccedilamentaacuterio limitado a cumprir seu papel O governo entretanto
comprometeu-se a aportar R$ 1 bilhatildeo por ano para subsidiar os programas habitacionais
No Estado do Paraacute com a implementaccedilatildeo do Programa Cheque Moradia32 a partir
de 2003 houve uma retomada de accedilotildees para a populaccedilatildeo na faixa de renda de ateacute trecircs salaacuterios
miacutenimos Este programa beneficiou 19834 famiacutelias e foi inspirado na experiecircncia de outros
estados brasileiros e financiamento proacuteprio (HOLANDA 2011)
No segundo governo de Lula foi lanccedilado o Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento
(PAC) o qual estabeleceu um conjunto de regras compromissos de accedilatildeo e diretrizes de
governo objetivando o crescimento econocircmico de 5 ao ano no periacuteodo de 2007 a 2010
com a implantaccedilatildeo de grandes obras de infraestrutura assim como incluiu um programa de
caraacuteter social a Urbanizaccedilatildeo de Assentamentos Precaacuterios prevendo recursos orccedilamentaacuterios
vultosos para o setor da habitaccedilatildeo
32 De acordo com Holanda (2011) o Programa Cheque Moradia tinha como objetivo viabilizar a compra de materiais de construccedilatildeo para produccedilatildeo e melhorias habitacionais visando o atendimento de famiacutelias com renda de ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos inicialmente voltado apenas a funcionaacuterios puacuteblicos estaduais depois ampliado para alcanccedilar as famiacutelias em situaccedilatildeo de risco e aquelas com moradias atingidas em casos de sinistro
133
O PAC inaugurou uma nova fase na poliacutetica econocircmica retomando a temaacutetica do
crescimento na agenda do paiacutes que havia permanecido ausente nas uacuteltimas deacutecadas Esse
Programa estaacute dividido em trecircs eixos de infraestrutura logiacutestica (rodoviaacuteria ferroviaacuteria
portuaacuteria hidroviaacuteria e aeroportuaacuteria) energeacutetica (geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
petroacuteleo gaacutes natural e energias renovaacuteveis) e social e urbana (Luz para todos saneamento
habitaccedilatildeo recursos hiacutedricos metrocircs) A previsatildeo do investimento total eacute de R$ 503 9 bilhotildees
(AZEVEDO 2007)
Em 2008 a crise econocircmica iniciada no setor imobiliaacuterio americano chegou ao
Brasil gerando incertezas Nessa conjuntura a decisatildeo governamental de investir com vigor
no setor habitacional (cerca de 34 bilhotildees) culminou com um pacote maturado
inicialmente no Ministeacuterio da Fazenda cunhado como emergencial e anticiacuteclico buscou o
apoio do setor privado para evitar o aprofundamento do desemprego
(BONDUKI 2008 p
89)
Em 2009 o governo federal implantou o Programa Minha Casa Minha Vida
(MCMV) sob responsabilidade do Ministeacuterio das Cidades e executado pela CEF tendo como
meta construir 1 milhatildeo de moradias Sua finalidade era de criar mecanismos de incentivo agrave
produccedilatildeo e compra de novas unidades habitacionais pelas famiacutelias com renda mensal de ateacute
10 salaacuterios miacutenimos
Para atingir sua meta foram divididos em trecircs grupos primeiro famiacutelias de baixa
renda que ganham de 0 a 3 salaacuterios miacutenimos as quais concentram quase 90 do deacuteficit
habitacional estando previsto R$ 16 bilhotildees para a construccedilatildeo de 400 mil unidades segundo
grupo que inclui as famiacutelias com renda mensal entre 3 a 6 salaacuterios miacutenimos estavam tambeacutem
previstas 400 mil unidades habitacionais e por fim o grupo que inclui as famiacutelias com renda
mensal entre 6 a 10 salaacuterios miacutenimos para o qual estavam previstas 200 mil unidades
(ROLNIK 2010)
Esse Programa atende a todos os municiacutepios com mais de 100 mil habitantes e
regiotildees metropolitanas Para tanto os empreendimentos podem ser implementados por
agentes puacuteblicos ou privados de forma independente ou em parceira Os paracircmetros para a
promoccedilatildeo de empreendimentos satildeo os mesmos em todo o Brasil variando apenas o valor
maacuteximo das unidades habitacionais que eacute estabelecido por Unidade da Federaccedilatildeolocalidade
(BRASIL 2010)
O MCMV apoacuteia a produccedilatildeo de imoacuteveis novos em construccedilatildeo ou em lanccedilamento
Apoacutes a conclusatildeo do empreendimento as habitaccedilotildees satildeo vendidas a famiacutelias indicadas pelo
poder puacuteblico local Estas famiacutelias tecircm que cumprir as condiccedilotildees estabelecidas no programa
134
nomeadamente estar enquadradas na faixa de rendimento familiar estabelecida (BRASIL
2010)
Para Rolnik (2010) o governo ao disponibilizar 34 bilhotildees para a construccedilatildeo sem
nenhuma intervenccedilatildeo em termos urbaniacutesticos e fundiaacuterios desencadeou um processo
inflacionaacuterio resultando em um aumento consideraacutevel no preccedilo dos terrenos
O que eu tenho apontado eacute que muito provavelmente o subsiacutedio vai parar no bolso do proprietaacuterio do terreno Eu dou dois ou trecircs meses para os empresaacuterios dizerem que natildeo estaacute dando mais para fazer casas de 60 e 70 mil (reais) Agora eles jaacute estatildeo dizendo que natildeo daacute para fazer de 50 mil E natildeo eacute porque a casa custa 50 mil reais Eacute porque a terra custa isso Quer dizer que o nosso dinheiro foi diretamente para o bolso dos proprietaacuterios do terreno (ROLNIK 2010 p 2)
Entretanto Rolnik (2010) argumenta que no primeiro ano (entre marccedilo de 2009 e
marccedilo de 2010) foram contratados e portanto jaacute estatildeo prontos para serem construiacutedos 408
mil imoacuteveis O programa estaacute de fato avanccedilando bastante mas alguns problemas jaacute
aparecem e aponta como o principal deles o natildeo cumprimento da meta em atender as
famiacutelias de 0 a 3 salaacuterios miacutenimos onde se concentra o maior deacuteficit habitacional
Para essa faixa o programa oferece um subsiacutedio integral Ou seja o governo subsidia os imoacuteveis e estabelece um valor maacuteximo para que as construtoras os produzam Por sua vez o custo para os compradores eacute de ateacute 10 da renda mensal sendo no miacutenimo R$ 5000 200 mil unidades deste tipo foram contratadas ateacute agora O problema eacute que quase todas essas unidades foram contratadas em cidades e regiotildees de menor deacuteficit O que estaacute acontecendo eacute que em Satildeo Paulo e nas demais capitais e regiotildees metropolitanas onde realmente estaacute concentrada a demanda da faixa de renda entre 0 e 3 salaacuterios miacutenimos as construtoras estatildeo encontrando muita dificuldade de produzir para o Minha Casa Minha Vida em funccedilatildeo do preccedilo dos terrenos Todas elas reclamam que o preccedilo do terreno estaacute muito caro (ROLNIK 2010 p 2)
A autora diz ainda que eacute para a faixa de 3 a 6 salaacuterios miacutenimos que o programa estaacute
atendendo de fato beneficiando as grandes construtoras que lanccedilam seus produtos em aacutereas
com infraestrutura e serviccedilos O problema eacute que o programa natildeo estaacute conseguindo atender
com preferecircncia os que mais precisam que satildeo os moradores das grandes cidades que estatildeo
indo hoje adensar favelas e construir nas lajes
Cardoso (2009) tambeacutem aponta alguns problemas do Programa MCMV tais como a
distribuiccedilatildeo de recursos federais eacute feita agrave margem do SNHIS injetando muito recurso
financeiro no sistema mas sem o controle social democraacutetico sobre sua utilizaccedilatildeo privilegia
135
as empresas de construccedilatildeo civil aumentou o valor dos imoacuteveis e dos terrenos nas grandes
cidades e regiotildees metropolitanas ou seja toda a disponibilidade de creacutedito estaacute refletindo no
preccedilo do terreno e com isso torna-se difiacutecil produzir uma unidade de R$ 50 mil 60 mil reais
que eacute o valor total da unidade fixado para a faixa de renda mais baixa os recursos satildeo
repassados diretamente agraves empreiteiras dificultando o controle sobre os mesmos natildeo existe
um controle urbaniacutestico acarretando em construccedilatildeo nas aacutereas com precariedade de
infraestrutura distantes da malha urbana e por fim a poliacutetica de habitaccedilatildeo estaacute separada da
poliacutetica de gestatildeo do solo
Percebe-se a reproduccedilatildeo das situaccedilotildees que o BNH havia construiacutedo na deacutecada de
1970 conjuntos de baixa qualidade em uma periferia distante e natildeo inseridos na malha
urbana Aleacutem disso cabe destacar que o mercado imobiliaacuterio tem ditado as regras ao sistema
habitacional uma vez que produz e comercializa um bem escasso que eacute a terra controlando
as leis de mercado pois quando aumenta a demanda o preccedilo da terra aumenta Assim os
imoacuteveis ou terrenos tecircm seus valores aumentados aumentando tambeacutem o excedente para
proprietaacuterios de terra Ao natildeo atender as camadas populares o Programa MCMV acaba
contribuindo para o aumento da segregaccedilatildeo soacutecioespacial
Portanto diante da anaacutelise das poliacuteticas habitacionais implementadas no Brasil em
especial na regiatildeo Amazocircnica observa-se que a poliacutetica urbana e a habitacional tecircm seguido
um modelo excludente que se perpetua ao longo do tempo uma vez que os programas satildeo
planejados de cima para baixo desconsiderando as relaccedilotildees sociais vivecircncias especificidades
de cada regiatildeo entre outros reforccedilando a loacutegica da divisatildeo territorial e social do trabalho
32 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS HABITACIONAIS REALIDADE OU UTOPIA
Ao iniciar o debate acerca das poliacuteticas puacuteblicas parte-se da reflexatildeo de que toda
poliacutetica pode ter objetivos bem definidos metas accedilotildees planos e princiacutepios que possam
garantir o bom funcionamento das instituiccedilotildees administrativas dos governos nas trecircs esferas
aleacutem de alcanccedilar o bem-estar a sociedade e o interesse puacuteblico
No item anterior foi destacada a trajetoacuteria da poliacutetica habitacional no Brasil a partir
da concepccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas como um conjunto de accedilotildees coletivas que se configuram
em um compromisso puacuteblico visando dar conta de determinada demanda em diversas aacutereas
Satildeo mecanismos de regulaccedilatildeo social cujo objetivo eacute diminuir as desigualdades sociais
erradicar a pobreza e garantir os direitos sociais da populaccedilatildeo
136
A noccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica eacute concebida segundo Raichellis (2007 p 34-38) como
uma linha de accedilatildeo coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei
Diz ainda que a poliacutetica puacuteblica comeccedilou a ser implementada como mecanismo de
enfrentamento das sequumlelas da questatildeo social assim ela eacute convertida em poliacuteticas setoriais e
se configura como mecanismo na mediaccedilatildeo dos conflitos sociais
No que diz respeito agrave incorporaccedilatildeo dos direitos sociais no estatuto legal verifica-se
sua importacircncia pois passa a se inscrever como poliacuteticas sociais que satildeo os instrumentos para
a efetivaccedilatildeo desses direitos jaacute que estas natildeo podem deixar de existir quando haacute troca de
governantes cuja atribuiccedilatildeo eacute do Estado diferentemente dos programas de governo cuja
execuccedilatildeo de accedilotildees depende do governo em questatildeo
Corroborando com esse debate Netto (2001) argumenta que as poliacuteticas sociais tecircm
como alvo as questotildees sociais geradas dentro da sociedade capitalista ou seja o objetivo
principal da poliacutetica eacute conceder benefiacutecios para inserir parte da populaccedilatildeo no mercado de
trabalho e melhorar as condiccedilotildees de vida da mesma O que assegura condiccedilotildees apropriadas
para o desenvolvimento do proacuteprio sistema seja pela reproduccedilatildeo social do trabalhador seja
pelas possibilidades de consumo
Partindo dessa reflexatildeo pode-se afirmar que o Estado atende prioritariamente aos
interesses do capital Apesar disso mesmo que em um menor grau de satisfaccedilatildeo precisa
atender as necessidades do trabalhador
Sendo assim as accedilotildees desenvolvidas pelo Estado buscam uma compatibilidade entre
as duas categorias mediando a relaccedilatildeo contraditoacuteria entre o capital e o trabalho na qual
regula as desigualdades sociais que satildeo geradas pelo desenvolvimento do sistema capitalista
ou seja atende as necessidades sociais baacutesicas de quem natildeo estaacute inserido nos serviccedilos sociais
poreacutem sem interferir no processo de acumulaccedilatildeo de capital Elaborando entatildeo as poliacuteticas
sociais para responder essa contradiccedilatildeo
As poliacuteticas puacuteblicas sociais satildeo criadas para compensar as desigualdades proacuteprias do mercado de forma tal que como se fossem homeostado se torna necessaacuterio que estas sejam tatildeo desiguais quanto o mercado mas em sentido contraditoacuterio [] Essas poliacuteticas satildeo concebidas numa perspectiva tradicional como concessotildees por parte do Estado para redistribuir os escassos recursos sociais Nesta perspectiva as poliacuteticas sociais aparecem de forma naturalizada ou seja natildeo satildeo associadas aos interesses e necessidades do sistema capitalista (PASTORINI 1997 p 84)
Outro fator importante do avanccedilo para o campo dos direitos sociais a ser destacado
refere-se agrave descentralizaccedilatildeo e democratizaccedilatildeo da gestatildeo e execuccedilatildeo da poliacutetica habitacional
137
com a criaccedilatildeo dos Conselhos em acircmbito nacional estadual e municipal que satildeo mecanismos
de participaccedilatildeo e controle social e satildeo instacircncias de deliberaccedilatildeo sobre accedilotildees dessa poliacutetica
voltados para ampliaccedilatildeo das condiccedilotildees de cidadania cuja representatividade eacute do governo e da
sociedade civil
A definiccedilatildeo constitucional da habitaccedilatildeo como poliacutetica puacuteblica geradora de direitos possibilitou que sua construccedilatildeo fosse acompanhada por mecanismos institucionais de democratizaccedilatildeo e de controle social como satildeo os conselhos e as Conferecircncias instrumentos que se inserem no campo de definiccedilatildeo da responsabilidade puacuteblica Ao mesmo tempo conceber a habitaccedilatildeo nesta perspectiva natildeo implica diluir a responsabilidade estatal por sua conduccedilatildeo Ao contraacuterio situaacute-la no campo dos direitos remete agrave ativa intervenccedilatildeo do Estado para garantir sua efetivaccedilatildeo dentro dos paracircmetros legais que a definem (RAICHELIS 2007 p 39)
Ao se tratar a poliacutetica habitacional como direito social torna-se evidente a maneira
regressiva pela qual se desenvolveram os mecanismos de proteccedilatildeo social agrave moradia
conduzida pelo Estado ao longo anos Se por um lado a legislaccedilatildeo brasileira afirma a
garantia de atendimento aos seus cidadatildeos por outro lado compreende-se uma elevada
parcela da populaccedilatildeo que sequer possui o direito de sobrevivecircncia pela violaccedilatildeo constante de
seus direitos dificultando qualquer possibilidade de acesso agrave moradia digna (AZEVEDO
2007)
A habitaccedilatildeo eacute uma necessidade baacutesica do ser humano eacute parte das suas condiccedilotildees de
sobrevivecircncia e portanto elemento importante no processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo da
sociedade ao mesmo tempo uma mercadoria como qualquer outra ou seja possui um valor
de uso e de troca e sua produccedilatildeo segue a loacutegica do mercado
Entender a questatildeo da moradia na sociedade capitalista significa descobrir as
contradiccedilotildees inerentes ao acesso agrave moradia Tal compreensatildeo deve antes de mais nada
procurar desvendar o significado da terra e sua propriedade isto eacute de um bem natural que natildeo
pode ser reproduzido e assim sendo natildeo pode ser criado pelo trabalho
Para se ter acesso a uma moradia eacute preciso ocupar um pedaccedilo de terra sendo que
para isso eacute necessaacuterio pagar por ele Esse pagamento pode ser com a aquisiccedilatildeo de um lote
urbanizado ou natildeo por meio de aluguel troca de um imoacutevel por outro etc cujo valor eacute
ajustado natildeo soacute de acordo com a lei da oferta e da procura como tambeacutem por meio da
especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Portanto sua origem estaacute na propriedade privada da terra e na sua
condiccedilatildeo de mercadoria dentro do modo de produccedilatildeo capitalista
138
A propriedade privada da terra eacute condiccedilatildeo fundamental para o desenvolvimento do
capital imobiliaacuterio tendo seu valor de uso modificado pela atribuiccedilatildeo de infraestrutura
equipamentos e serviccedilos puacuteblicos aleacutem de suas caracteriacutesticas especificas como a
construtibilidade morfologia entre outros (MARICATO 1996)
Deste modo Rodrigues (2001) afirma que diferentemente do mercado de compra e
venda de outras mercadorias no mercado de terras a lei da oferta e da procura natildeo funciona
da mesma forma ou seja soacute funcionava quando novos terrenos entram nesse mercado e
quando eacute instalada infraestrutura adequada Assim o preccedilo da terra eacute definido segundo a
localizaccedilatildeo dos terrenos que embora com dimensotildees semelhantes possuem preccedilos
diferentes Essa diferenciaccedilatildeo proporciona ao dono da terra uma renda extra propiciada pela
produccedilatildeo social
Segundo a autora a terra eacute uma mercadoria que tem preccedilo que eacute vendida no
mercado e que natildeo eacute reproduziacutevel ou seja tem um preccedilo que independe de sua produccedilatildeo Eacute
uma mercadoria sem valor no sentido de que seu preccedilo natildeo eacute definido pelo trabalho na sua
produccedilatildeo mas pelo estatuto juriacutedico da propriedade da terra pela capacidade de pagar dos
seus possiacuteveis compradores
Para os trabalhadores a possibilidade de extrair alguma renda de sua propriedade
por meio do aluguel ou da sua valorizaccedilatildeo com a implementaccedilatildeo de obras de infraestrutura
em seu entorno mesmo quando se trata de um simples embriatildeo de alvenaria sem
revestimento eacute motivo de grande seguranccedila e sensaccedilatildeo de progresso pessoal pois representar
uma forma segura de investimento
Nesse sentido a aquisiccedilatildeo do imoacutevel ou de um terreno se daacute natildeo em funccedilatildeo da
necessidade de uso mas com vistas agrave venda futura ou aluguel transforma-o em capital
imobiliaacuterio
Como ressalta Engels (1988 p 185)
Ainda que o aluguel natildeo represente extraccedilatildeo de mais valia uma vez que [] eacute a transferecircncia de um valor jaacute produzido a propriedade da casa natildeo determina a classe social ela modifica parcialmente agrave medida que aleacutem do seu valor de uso pode se transformar em capital o que diferencia seu proprietaacuterio dos demais de sua classe O uso da moradia como investimento a torna objeto de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria o que leva ainda mais o seu preccedilo
Em principio o salaacuterio recebido pelo trabalhador deveria ser suficiente para
satisfazer agraves suas necessidades baacutesicas mas natildeo o eacute especialmente no que se refere agrave
139
moradia cuja natureza especifica torna-a um bem caro e de difiacutecil acesso principalmente em
situaccedilotildees de crise com especulaccedilatildeo imobiliaacuteria
Na composiccedilatildeo dos salaacuterios
preccedilo da forccedila de trabalho
haacute uma parte destinada a
cobrir os gastos necessaacuterios agrave satisfaccedilatildeo dessa necessidade ou seja o custo da moradia Na
medida em que este aumenta aqueles tambeacutem deveriam fazecirc-lo o que entretanto natildeo ocorre
porque implica em diminuiccedilatildeo do lucro e afeta o processo de acumulaccedilatildeo capitalista
Destarte como se trata de um bem de consumo necessaacuterio agrave reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho cuja satisfaccedilatildeo inadequada tem efeitos sobre o processo de produccedilatildeo o problema da
habitaccedilatildeo torna-se questatildeo social levando a intervenccedilatildeo do Estado no setor
Entatildeo solucionar o problema da moradia no Brasil natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois a
terra no modo de produccedilatildeo capitalista mesmo natildeo sendo uma mercadoria produzida
socialmente tem um preccedilo e atribui ao seu proprietaacuterio o direito de auferir uma renda por
posse
Partindo de uma visatildeo socioeconocircmica em que a cidade se constitui no locus da
reproduccedilatildeo do capital a urbanizaccedilatildeo passou a ser vista como um conjunto de relaccedilotildees
sociais que reflete as relaccedilotildees estabelecidas na sociedade como totalidade constituindo-se
assim em um conjunto complexo de relaccedilotildees sociais assumindo novas dinacircmicas a partir
dos estaacutegios do desenvolvimento capitalista e isso configura importantes aspectos de
interesse geral (HARVEY 1996 p 89)
De acordo com Azevedo (1996) ao se analisar a questatildeo habitacional a relaccedilatildeo com
outras poliacuteticas urbanas eacute um dos aspectos a ser considerado Em funccedilatildeo da interdependecircncia
da moradia com outras esferas nem sempre um simples incremento dos programas de
habitaccedilatildeo eacute a soluccedilatildeo mais indicada para melhorar as condiccedilotildees habitacionais da populaccedilatildeo
com menor aquisitivo Isso porque esses programas podem ser inviabilizados caso natildeo sejam
integradas a eles outras poliacuteticas urbanas como de transporte energia eleacutetrica esgotamento
sanitaacuterio e abastecimento de aacutegua
Nesse sentido pode-se afirmar que o problema habitacional urbano no Brasil atinge
hoje grandes proporccedilotildees e estaacute intimamente relacionado ao processo de degradaccedilatildeo fiacutesica e
social das cidades tendo como resultados do seu modelo de crescimento a ocupaccedilatildeo
descontiacutenua definida pela praacutetica especulativa e a produccedilatildeo de espaccedilos com padrotildees muito
diferenciados e desiguais
Eacute resultado da loacutegica excludente que determina a dinacircmica urbana na qual as
famiacutelias de baixo poder aquisitivo adotam inuacutemeras estrateacutegias de sobrevivecircncia tais como
ocupaccedilatildeo de terreno irregular seguida da autoconstruccedilatildeo da moradia como no caso das
140
baixadas aquisiccedilatildeo locaccedilatildeo ou cessatildeo da posse de imoacuteveis construiacutedos em favelas e
assentamentos similares coabitaccedilatildeo moradia em domiciacutelios improvisados como no caso dos
moradores de rua Enfim a maior parte das estrateacutegias citadas resulta na formaccedilatildeo de
assentamentos habitacionais precaacuterios que geralmente concentram problemas relativos agrave
insalubridade condiccedilotildees inadequadas de acessibilidade e irregularidades urbaniacutesticas
O desenvolvimento capitalista ao provocar uma imensa e abrupta expansatildeo do
tecido urbano no Paiacutes gerou aumento da concentraccedilatildeo de riqueza de poder e da propriedade
e consequumlentemente aprofundou a miseacuteria
Eacute nesse cenaacuterio que se expressa a questatildeo do deacuteficit de moradia Nesse sentido a
primeira questatildeo a ser discutida diz respeito ao proacuteprio conceito de deacuteficit habitacional No
sentido tradicional ela induz equivocadamente agrave expectativa de enfrentar o problema da
moradia de forma setorial Aleacutem disso camufla uma complexa realidade por meio de uma
quantificaccedilatildeo padronizada atemporal e neutra
Para a Fundaccedilatildeo Joatildeo Pinheiro (BRASIL 2009) o deacuteficit habitacional eacute entendido
como a noccedilatildeo mais imediata e intuitiva de necessidade de construccedilatildeo de novas moradias para
a soluccedilatildeo de problemas sociais e especiacuteficos de habitaccedilatildeo detectados em certo momento a
partir do conceito mais amplo de necessidades habitacionais
O conceito de deacuteficit habitacional estaacute ligado diretamente agraves deficiecircncias do estoque de moradias Engloba aquelas sem condiccedilotildees de serem habitadas devido agrave precariedade das construccedilotildees ou em virtude de desgaste da estrutura fiacutesica Elas devem ser repostas Inclui ainda a necessidade de incremento do estoque devido agrave coabitaccedilatildeo familiar forccedilada (famiacutelias que pretendem constituir um domicilio unifamiliar) aos moradores de baixa renda sem condiccedilotildees de suportar o pagamento de aluguel e aos que vivem em casas e apartamentos alugados com grande densidade de pessoas Inclui-se ainda nessa rubrica a moradia em imoacuteveis e locais com fins natildeo residenciais O deacuteficit habitacional pode ser entendido portanto como deacuteficit por reposiccedilatildeo do estoque 33 e deacuteficit por incremento de estoque 34 (BRASIL 2009 p 15)
33 O deacuteficit por reposiccedilatildeo do estoque refere-se aos domiciacutelios ruacutesticos aos quais deveria ser acrescida parcela devida agrave depreciaccedilatildeo dos domiciacutelios Tradicionalmente utilizando o conceito do IBGE os domiciacutelios ruacutesticos satildeo aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada Em decorrecircncia das suas condiccedilotildees de insalubridade esses tipos de edificaccedilatildeo proporcionam desconforto e trazem risco de contaminaccedilatildeo por doenccedilas aos seus moradores (BRASIL 2009 p 15) 34 O deacuteficit por incremento de estoque contempla os domiciacutelios improvisados parte da coabitaccedilatildeo familiar e dois tipos de domiciacutelios alugados os fortemente adensados e aqueles em que famiacutelias pobres (renda familiar ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos) pagam 30 ou mais da sua renda familiar para o locador O conceito de domiciacutelios improvisados engloba todos os locais e imoacuteveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa (imoacuteveis comerciais embaixo de pontes e viadutos carcaccedilas de carros abandonados barcos e cavernas entre outros) o que indica claramente a carecircncia de novas unidades domiciliares (BRASIL 2009 p 16)
141
O deacuteficit habitacional eacute composto pelos seguintes indicadores habitaccedilotildees precaacuterias
coabitaccedilatildeo familiar e ocircnus excessivo com aluguel Desses o grande responsaacutevel pelos altos
iacutendices brasileiros de ausecircncia de moradia eacute a coabitaccedilatildeo familiar e esse fato eacute observado
em todas as regiotildees do paiacutes principalmente em Satildeo Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro
Cearaacute Pernambuco e Paraacute Jaacute as habitaccedilotildees precaacuterias satildeo mais comuns na zona rural e o
ocircnus excessivo com aluguel eacute caracteriacutestico das aacutereas de grande adensamento urbano em
destaque o estado de Satildeo Paulo Esse uacuteltimo indicador eacute reflexo direto das dificuldades do
mercado imobiliaacuterio em se adequar agraves necessidades da populaccedilatildeo
(FJP 2008 p36)
Outro indicador utilizado pela Fundaccedilatildeo no desenvolvimento de sua metodologia de
pesquisa eacute a inadequaccedilatildeo de moradias Esta eacute classificada como domiciacutelios com carecircncia de
infraestrutura com adensamento excessivo de moradores com problemas de natureza
fundiaacuteria cobertura inadequada sem unidade sanitaacuteria domiciliar exclusiva ou em alto grau
de depreciaccedilatildeo (BRASIL 2009)
Com base nos dados da Fundaccedilatildeo (BRASIL 2009) alguns dados satildeo importantes
para se entender a real situaccedilatildeo da habitaccedilatildeo social no Brasil que expressa de forma niacutetida a
pobreza no Paiacutes Estima-se que em 2007 o deacuteficit habitacional eacute de 6273 milhotildees de
domiciacutelios dos quais 5180 milhotildees ou 826 estatildeo localizados nas aacutereas urbanas (conforme
tabela 3) Relativamente corresponde a 111 do estoque de domiciacutelios particulares
permanentes do paiacutes sendo 108 nas aacutereas urbanas e 129 nas rurais35 Eacute importante
observar que em 16 anos (entre 1991 e 2007) houve um acreacutescimo de 257 e um
crescimento de 29 ao ano do deacuteficit habitacional e que 862 do deacuteficit urbano
concentram-se nas famiacutelias de baixa renda
35 Esses nuacutemeros podem conflitar com os dados apresentados em 2006 pois a Fundaccedilatildeo Joatildeo Pinheiro considerou apenas uma parcela das famiacutelias conviventes como carente de moradias o que representa uma queda de 1662 milhatildeo de domiciacutelios nas estimativas entre esses dois anos
142
Tabela 3 - Deacuteficit Habitacional (1) e Percentual em Relaccedilatildeo aos Domiciacutelios Particulares Permanentes por Situaccedilatildeo do Domiciacutelio segundo Regiotildees Geograacuteficas Unidades da Federaccedilatildeo e Regiotildees Metropolitanas (RMs)
Brasil
2007
ESPECIFICACcedilAtildeO
DEacuteFICIT HABITACIONAL PERCENTUAL DOS DOMICIacuteLIOS PARTICULARES PERMANENTES
Total Urbana
Rural Total Urbana
Rural Total Rural de
Extensatildeo Urbana
Total Rural de Extensatildeo Urbana
NORTE 652684
487357
165327
4782
167
162
184
141
Rondocircnia 52472
42561
9911
3072
116
136
71
108
Acre 21063
17263
3800
-
126
141
84
-
Amazonas
146268
117496
28772
1530
186
189
174
455
Roraima 16379
14458
1921
-
147
159
93
-
Paraacute 317089
223645
93444
180
171
156
223
83
RM Beleacutem 92734
90817
1917
180
165
165
144
83
Amapaacute 30449
28853
1596
-
202
203
180
-
Tocantins 68964
43081
25883
-
182
154
262
-
NORDESTE 2144384
1461669
682715
6216
150
139
182
74
Maranhatildeo 461396
240415
220981
1742
295
220
467
111
Piauiacute 139318
76157
63161
-
169
147
205
-
Cearaacute 314949
227096
87853
-
139
128
181
-
RM Fortaleza 124282
119970
4312
-
129
128
170
-
Rio Grande do Norte 117647
85191
32456
1375
140
137
150
59
Paraiacuteba 122166
98034
24132
-
122
122
119
-
Pernambuco 281486
224956
56530
2065
117
119
110
66
RM Recife 133059
129892
3167
-
122
122
133
-
Alagoas 123245
89128
34117
1034
148
151
142
80
Sergipe 73499
60907
12592
-
130
130
129
-
Bahia 510677
359784
150893
-
129
131
124
-
RM Salvador 141025
138946
2079
-
137
137
123
-
SUDESTE 2335415
2222957
112458
9398
93
95
61
59
Minas Gerais 521085
465206
55879
-
88
91
67
-
RM Belo Horizonte 129404
129171
233
-
85
86
12
-
Espiacuterito Santo 101124
90079
11045
-
94
101
61
-
Rio de Janeiro 478901
471872
7029
889
91
93
44
50
RM Rio de Janeiro 378797
376139
2658
-
95
95
106
-
Satildeo Paulo 1234306
1195800
38506
8509
96
98
58
60
RM Satildeo Paulo 628624
611936
16688
7594
103
104
78
59
SUL
703167
617333
85834
-
79
83
60
-
Paranaacute 272542
240825
31717
-
83
86
67
-
RM Curitiba 91444
85007
6437
-
89
91
72
-
Santa Catarina 145363
125297
20066
-
76
79
63
-
Rio Grande do Sul 285261
251211
34050
-
78
83
53
-
RM Porto Alegre 136030
128784
7246
-
97
97
100
-
CENTRO-OESTE
436995
390447
46548
217
105
108
83
31
Mato Grosso do Sul 76027
63762
12265
-
105
101
127
-
Mato Grosso 86679
66363
20316
-
98
100
91
-
Goiaacutes 167042
155119
11923
-
92
96
58
-
Distrito Federal 107248
105202
2046
217
146
151
53
31
BRASIL 6272645
5179763
1092882
20613
111
108
129
71
Total das RMs 1855399
1810662
44737
7774
105
105
89
57
Demais Aacutereas 4417246
3369101
1048145
12839
114
110
131
84
143
Fonte Dados baacutesicos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios (Pnad) 2007 Nota no caacutelculo do deacuteficit habitacional o componente coabitaccedilatildeo familiar inclui apenas as famiacutelias conviventes que declararam intenccedilatildeo de constituir novo domiciacutelio
Como mostram os nuacutemeros da acima a regiatildeo Nordeste apresenta valores
expressivos em relaccedilatildeo ao deacuteficit habitacional perdendo somente para a regiatildeo Sudeste que
possui deacuteficit habitacional de 2335415 A regiatildeo Norte encontra-se em quarto lugar em
relaccedilatildeo agraves demais regiotildees do paiacutes Entretanto as especificidades das regiotildees Norte e Nordeste
revelam uma grande heterogeneidade intra-regional demonstrado pelo percentual relativo do
estoque dos domiciacutelios particulares permanentes no Norte encontram-se alguns estados com
deacuteficits superiores agrave meacutedia nacional (111) como por exemplo Amazonas (186) e Paraacute
(171) e no Nordeste os estados do Maranhatildeo (295) e Piauiacute (169) apresentam meacutedias
elevadas em relaccedilatildeo ao nacional
Esse quadro de carecircncia habitacional demonstra que o Nordeste possui o pior
desempenho em relaccedilatildeo a regiatildeo Sul que apresenta percentual de domiciacutelios equivalente a
79 melhor meacutedia nacional Isto pode ser explicado pelo volume de recursos
financeiros
teacutecnicos e administrativos
investidos nas regiotildees sul e sudeste
Tambeacutem pode ser levada em consideraccedilatildeo a forma diferenciada que se deu a
urbanizaccedilatildeo nas regiotildees do Paiacutes acarretando em problemas de adensamento escassez de
terras elevaccedilatildeo do preccedilo da terra baixo desenvolvimento econocircmico das cidades como
Beleacutem e Satildeo Luis e ainda pouca capacidade administrativa dos governos municipais
Outro fator que se destaca eacute a falta de uma poliacutetica habitacional especifica para essas
regiotildees uma vez que o financiamento para construccedilatildeo de moradia tem sido inexpressivo e
uma grande parcela da populaccedilatildeo constroacutei suas casas por meio do autofinanciamento e
autoconstruccedilatildeo
Essas situaccedilotildees satildeo agravadas pela escassez de serviccedilos de infraestrutura falta de
oportunidades de emprego falta de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria entre outros fatores que
contribuem para o aumento da exclusatildeo social e da segregaccedilatildeo espacial da populaccedilatildeo pobre
nas aacutereas de baixadas e de assentamentos precaacuterios
Do total do deacuteficit habitacional (6273 milhotildees aproximadamente) a maior parcela
das estimativas eacute composta pela coabitaccedilatildeo familiar (393) seguido pelo ocircnus com aluguel
(322) as habitaccedilotildees precaacuterias representam 23 e o adensamento excessivo dos domiciacutelios
alugados 55 conforme graacutefico 2
144
Graacutefico 2
Composiccedilatildeo do Deacuteficit Habitacional por Situaccedilatildeo do Domiciacutelio segundo Regiotildees
Metropolitanas (RMs)
Brasil - 2007
Fonte Dados baacutesicos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios (Pnad) (2007)
Esse quadro evidencia que as poliacuteticas habitacionais devam ser diversificadas de
acordo com cada regiatildeo do Paiacutes para que suas diretrizes possam ser bem sucedidas A
coabitaccedilatildeo eacute responsaacutevel pela maior parte do deacuteficit portanto requer medidas para que novas
famiacutelias que se formem tenham acesso agrave casa proacutepria
Fica demonstrado tambeacutem que a maior parte do deacuteficit habitacional corresponde a
famiacutelias com ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos (aproximadamente 90) o que define o caraacuteter
eminentemente social dos programas a serem desenvolvidos Eacute importante destacar que entre
os anos 2000 e 2007 houve uma significativa reduccedilatildeo do deacuteficit habitacional para as famiacutelias
de renda mensal de trecircs a cinco salaacuterios miacutenimos Do deacuteficit habitacional 894
correspondem agraves famiacutelias com renda mensal inferior a trecircs salaacuterios miacutenimos e 797 estatildeo
concentradas nas regiotildees Nordeste e Sudeste conforme graacutefico 3
145
Graacutefico 3
Deacuteficit Habitacional Urbano (1) por Faixas de Renda Meacutedia Familiar Mensal (2)
Brasil - 2007
Fonte Dados baacutesicos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios (Pnad) (2007) Nota sm salaacuterio miacutenimo (1) Inclusive rural de extensatildeo urbana (2) Exclusive sem declaraccedilatildeo de renda
Os indicadores sobre o niacutevel e a distribuiccedilatildeo da renda em todo o territoacuterio brasileiro
os dados da PNADIBGE de 1996 e 2000
evidenciavam que a pobreza absoluta atingia por
volta de 34 da populaccedilatildeo Esse percentual correspondia aproximadamente a 52 milhotildees de
pessoas vivendo nessa situaccedilatildeo Vaacuterios estudos sinalizam que a pobreza no Brasil eacute mais
elevada nas regiotildees Nordeste (53) e Norte (40) e menor nas regiotildees Sul (18) e Sudeste
(oscilando entre 25 e 30 conforme o estado considerado) e desponta com maior nitidez
nos espaccedilos urbanos
Eacute nesse cenaacuterio de desigualdades soacutecio-espaciais que se evidencia a questatildeo
habitacional dos recortes territoriais em estudo ou seja nas regiotildees metropolitanas
amazocircnicas Nessas aacutereas urbanas o deacuteficit de moradia eacute elevado a exemplo do que acontece
no paiacutes e cidade vem seguindo a loacutegica da desigualdade capitalista estampando-se por meio
de uma verdadeira segregaccedilatildeo soacutecioespacial36
Para esta abordagem valer-se-aacute da definiccedilatildeo de Santos (2002) acerca do espaccedilo isto
eacute o espaccedilo submetido ao desenvolvimento das forccedilas produtivas sobremaneira com o papel
desempenhado pela ciecircncia e pelas teacutecnicas tornou-se essencialmente social O autor nos
chama a atenccedilatildeo para o fato de que
36 Compreende-se que a segregaccedilatildeo
tanto social quanto espacial
eacute uma caracteriacutestica importante das cidades As regras que organizam o espaccedilo urbano satildeo basicamente padrotildees de diferenciaccedilatildeo social e de separaccedilatildeo (CALDEIRA 2000 p 211) Para Carlos (1994 p 12) o processo de produccedilatildeo do espaccedilo urbano eacute desigual
isso se evidencia claramente atraveacutes do uso do solo
e decorre do acesso diferenciado da sociedade agrave propriedade privada e da estrateacutegia das empresas que produzem sobre o solo o que faz surgir a segregaccedilatildeo espacial
146
Se a Geografia deseja interpretar o espaccedilo humano como o fato histoacuterico que ele eacute somente a histoacuteria da sociedade mundial aliada agrave sociedade local pode servir como fundamento agrave compreensatildeo da realidade espacial e permitir a sua transformaccedilatildeo a serviccedilo do homem Pois a Histoacuteria natildeo escreve fora do espaccedilo e natildeo haacute sociedade a-espacial O espaccedilo ele mesmo eacute social (SANTOS 2002 p 81)
Segundo o autor o espaccedilo pode ser compreendido de acordo com sua totalidade
estudando-se os seus elementos em conjunto destacando-se neste universo o homem agente
fundamental no fornecimento de trabalho e dessa forma de criaccedilatildeo de infraestruturas
teacutecnicas e sociais no territoacuterio O que vale dizer o trabalho historicamente materializado e
geografizado pela accedilatildeo antroacutepica (SANTOS 2002) Assim os estudos referentes ao tema
proposto natildeo poderatildeo prescindir das relaccedilotildees sociais
Para concluir a cidade apresenta uma grande variedade de situaccedilotildees para a
populaccedilatildeo gerando diferentes formas de apropriaccedilatildeo do espaccedilo urbano e consequumlentemente
produzindo uma segregaccedilatildeo soacutecioespacial aleacutem de demonstrar que a poliacutetica habitacional
voltada para atingir a populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo eacute uma utopia
De forma geral a segregaccedilatildeo social no espaccedilo eacute resultante das inter-relaccedilotildees entre os
agentes responsaacuteveis pela estruturaccedilatildeo urbana sendo relevantes o poder puacuteblico (Estado) e o
capital imobiliaacuterio (Mercado) Isso porque a forma como estes agentes organizam a ocupaccedilatildeo
no e do espaccedilo acaba por gerar desiguais oportunidades de apropriaccedilatildeo dos recursos urbanos
pela populaccedilatildeo que passa a se organizar segundo uma hierarquia social decorrente desta
inter-relaccedilatildeo
Nesse sentido entende-se a segregaccedilatildeo soacutecioespacial como o movimento de
separaccedilatildeo das classes sociais num determinado espaccedilo urbano no qual um dos fatores
determinante para tal segregaccedilatildeo eacute o preccedilo da propriedade que por natildeo disponibilizarem de
recursos financeiros satildeo obrigadas a ir para a periferia onde os acessos a serviccedilos baacutesicos
(como transporte sauacutede saneamento baacutesico seguranccedila lazer etc) natildeo satildeo na maioria das
vezes garantidos pelo Estado quando natildeo praticamente desprovida dos mesmos
Para aleacutem da atuaccedilatildeo diferenciada dos agentes modeladores do espaccedilo haacute outros
elementos que contribuem para a formaccedilatildeo da segregaccedilatildeo como a maacute distribuiccedilatildeo de renda e
o descumprimento das leis para beneficiamento de interesses de determinados segmentos
sociais
Assim as classes populares por natildeo terem o auxiacutelio do Estado em programas ou
projetos habitacionais buscam algumas alternativas para morar Como uma forma de
representaccedilatildeo dessa realidade destaca-se o caso de Beleacutem-Pa e Satildeo Luiacutes-Ma onde as classes
147
empobrecidas se agrupam em vaacuterias modalidades de moradia Destacam-se as ocupaccedilotildees as
modalidades dos corticcedilos e das palafitas como formas de moradia extremamente precarizadas
sem qualquer disponibilidade de equipamentos e serviccedilos baacutesicos o que ocasiona a
fragilidade da sauacutede dessas pessoas
Observa-se tambeacutem como expressatildeo das classes trabalhadoras as modalidades de
moradia que satildeo os conjuntos habitacionais e os preacutedios reformados do governo onde estes
possuem estrutura equipamentos e serviccedilos mais acessiacuteveis em comparaccedilatildeo as trecircs
modalidades citadas anteriormente mas natildeo perdendo de vista que ainda assim constituem-se
como uma forma precaacuteria de moradia pois natildeo disponibiliza o espaccedilo fiacutesico necessaacuterio para a
adequada morada de uma famiacutelia
33 A POLIacuteTICA HABITACIONAL E A LEGISLACcedilAtildeO URBANIacuteSTICA
A poliacutetica habitacional se inscreve dentro da concepccedilatildeo de desenvolvimento urbano
integrado no qual a habitaccedilatildeo natildeo se restringe a casa incorpora o direito agrave infraestrutura
saneamento ambiental mobilidade e transporte coletivo equipamentos e serviccedilos urbanos e
sociais buscando garantir o direito agrave cidade
A cidade eacute entendida nesse trabalho como um centro de gestatildeo do territoacuterio eacute um
local onde as pessoas se organizam e interagem com base em interesses e valores diversos
formando grupos de afinidade e de interesse menos ou mais bem definidos territorialmente
com base na identificaccedilatildeo entre certos recursos cobiccedilados e o espaccedilo ou na base de
identidades territoriais que os indiviacuteduos buscam manter e preservar (SOUZA 2002 p 28)
Eacute um lugar geograacutefico no qual se instala a superestrutura poliacutetico-administrativo da
sociedade e supotildee a existecircncia de um sistema de classes sociais de um sistema poliacutetico de
um sistema institucional de investimento e de um sistema de troca com o exterior
(CASTELLS 1983)
Essas conceituaccedilotildees permitem visualizar um ambiente de cidades cuja intensidade
das atividades realizadas das interaccedilotildees entre os diversos componentes o consumo do
espaccedilo ultrapassam da simples categoria funcional do espaccedilo fiacutesico para a real efetivaccedilatildeo das
funccedilotildees da cidade
Isto significa dizer que existe uma estrita relaccedilatildeo entre os mecanismos que regulam o
uso e a ocupaccedilatildeo do solo urbano e os que regulam a produccedilatildeo de moradias Portanto torna-se
necessaacuterio refletir sobre o estabelecimento de regras e normas que determinam a legislaccedilatildeo
148
urbaniacutestica voltada para a regulamentaccedilatildeo e controle das accedilotildees dos produtores e
consumidores do espaccedilo urbano e da moradia e ao mesmo tempo para a promoccedilatildeo da
diminuiccedilatildeo das desigualdades soacutecio-espaciais
Entretanto algumas experiecircncias tecircm demonstrado que a legislaccedilatildeo urbaniacutestica ao
definir formas de apropriaccedilatildeo do espaccedilo que devem ser permitidas ou proibidas acaba por
agir como um delimitador de fronteiras de poder reforccedilando a loacutegica do mercado Isto
porque ao regular a produccedilatildeo do espaccedilo urbano a legislaccedilatildeo pode conferir significados e
gerar certa divisatildeo ou classificaccedilatildeo dos territoacuterios urbanos acirrando as desigualdades soacutecio-
espaciais uma vez que eacute fruto da relaccedilatildeo que se estabelece entre os agentes que atuam na
produccedilatildeo imobiliaacuteria na cidade (ROLNIK 2002 p13)
Como instrumento do planejamento (conforme foi apresentado no capiacutetulo anterior)
a legislaccedilatildeo urbaniacutestica segundo Matos (1988 p 50) tem como uma de suas finalidades
atuar em prol da paz social isto eacute objetiva reduzir determinados conflitos entre os diversos
agentes que atuam no espaccedilo urbano
Fazendo uma breve contextualizaccedilatildeo histoacuterica da legislaccedilatildeo pode-se observar que
uma das primeiras tentativas de regulamentar o uso do solo foi em 1850 com a Lei das Terras
(Lei nordm 601 de setembro de 1850) estabelecendo que soacute quem podia pagar era reconhecido
como proprietaacuterio juridicamente definido em lei (RODRIGUES 2001 p 19) impedindo
assim o acesso a terra pelos trabalhadores livres Essa lei atribuiu agrave terra um valor de troca
tornando-a assim uma mercadoria do modo de produccedilatildeo capitalista inacessiacutevel a populaccedilatildeo
de menor poder aquisitivo
No seacuteculo XX mais precisamente em 1916 foi criado o Coacutedigo Civil o qual definiu
explicitamente a propriedade da terra levando em consideraccedilatildeo o uso da terra e das
habitaccedilotildees o qual se preocupava com as moradias dos operaacuterios (vilas operaacuterias conforme
abordado no item anterior)
Jaacute na deacutecada de 1960 o Serfhau foi instituiacutedo como o organismo federal orientador
da estruturaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais urbanas e de planejamento urbano em consonacircncia agraves
regras impostas pelo Estado naquele periacuteodo
Sob a coordenaccedilatildeo e financiamento do Serfhau os planos diretores entatildeo
denominados de planos de desenvolvimento local integrado foram elaborados para as cidades
de meacutedio e grande porte Coerente com a concepccedilatildeo de um sistema articulado e integrado
nacionalmente nas esferas locais a proposta de um sistema de planejamento local integrado
que visava tornar mais racionais os investimentos objetivando o desenvolvimento urbano
149
Natildeo obstante aos esforccedilos agrave eacutepoca realizados a avaliaccedilatildeo desse processo indica os
baixos resultados apresentados dado que natildeo se alcanccedilou a implantaccedilatildeo dos sistemas locais
de planejamento nem mesmo a execuccedilatildeo de intervenccedilotildees sugeridas pelos planos elaborados
aleacutem disso demonstram um distanciamento entre os agentes de elaboraccedilatildeo dos planos
atribuiacutedo a empresas privadas de consultoria
e os agentes executores localizados nas
administraccedilotildees municipais e na ausecircncia de demandas ou reivindicaccedilotildees de accedilotildees puacuteblicas
dessa natureza (ROLNIK 2002)
Nos anos 1970 a poliacutetica urbana pautava-se no planejamento tecnocraacutetico propondo
apenas o planejamento para uma parte da cidade dita formal ou legal Sendo assim as favelas
e os loteamentos irregulares eou clandestinos permaneceram excluiacutedos
Pode-se dizer que ateacute entatildeo a desigualdade social foi ratificada pelas normas
juriacutedicas favorecendo a segregaccedilatildeo soacutecioespacial jaacute que tenderam a expulsar a populaccedilatildeo de
menor poder aquisitivo para os locais mais distantes dos centros urbanos propiciando o
aparecimento de espaccedilos irregulares
Com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federativa do Brasil em 1988 novos rumos
foram dados a legislaccedilatildeo urbaniacutestica Nos artigos 182 e 183 do capiacutetulo da Poliacutetica Urbana
foi redefinido o papel da cidade destacando-se a funccedilatildeo social da cidade e da propriedade
urbana
Art 182
A poliacutetica de desenvolvimento urbano executada pelo poder puacuteblico municipal conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes sect 1ordm O Plano Diretor aprovado pela Cacircmara Municipal eacute obrigatoacuterio para as cidades com mais de 20 mil habitantes eacute o instrumento baacutesico da poliacutetica de desenvolvimento e de expansatildeo urbana sect 2ordm A propriedade urbana cumpre sua funccedilatildeo social quando atende agraves exigecircncias fundamentais de ordenaccedilatildeo da cidade expressas no plano diretor [] Art 183
Aquele que possuir como sua aacuterea urbana de ateacute 250 msup2 por cinco anos ininterruptamente e sem oposiccedilatildeo utilizando-a para sua moradia ou de sua famiacutelia adquirir-lhe-aacute o domiacutenio desde que natildeo seja proprietaacuterio de outro imoacutevel urbano ou rural (BRASIL 1998)
A funccedilatildeo social da propriedade diz respeito a garantia do exerciacutecio da posse sobre
um imoacutevel ou terreno natildeo visando a limitaccedilatildeo da concepccedilatildeo de propriedade mas assegurando
os direitos sociais bem como o interesse coletivo
De acordo com Rolnik (2002) o direito de uma dada propriedade urbana passa a ser
reconhecido a partir de regras legais municipais definida por suas potencialidades de uso e o
150
seu conteuacutedo econocircmico seria atribuiacutedo pelo Estado mediante a correlaccedilatildeo dos interesses
sociais envolvidos
Para tanto a Constituiccedilatildeo estabeleceu o plano diretor municipal como instrumento
obrigatoacuterio do cumprimento da funccedilatildeo social pela propriedade urbana Cabe ainda destacar o
estabelecimento do artigo 24 sect1ordm 3ordm que determina o Estado como executor da competecircncia
legislativa plena ou seja os Estados poderiam legislar sobre o desenvolvimento urbano ateacute
que a Lei Federal fosse promulgada Entretanto nenhuma accedilatildeo foi efetivada (PASTORINNI
1997)
Ao instrumentalizar a gestatildeo urbana por meio de uma legislaccedilatildeo especiacutefica
instituiacuteram-se novos paracircmetros de accedilatildeo direcionados pela descentralizaccedilatildeo da poliacutetica urbana
que passou a ser executada pelo poder municipal assim como ocorreu nas demais poliacuteticas
sociais
O estabelecimento do Estatuto da Cidade pela Lei Federal nordm 10257 de 10 de julho
de 2001 regulamentou os artigos 182 e 183 da CF e apresentou uma seacuterie de instrumentos
voltados ao combate da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria ao aumento da oferta de aacutereas para habitaccedilatildeo
popular ou de equipamentos indispensaacuteveis agrave vida urbana e que objetivam facilitar a
urbanizaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria em favelas ou em loteamentos irregulares e
clandestinos representando um avanccedilo institucional ao tratamento da questatildeo urbana
historicamente marcada pela carecircncia de diretrizes e princiacutepios que fossem integrados e
articulados ao desenvolvimento urbano
O referido Estatuto estaacute estruturado em cinco capiacutetulos quais sejam as diretrizes
gerais (capiacutetulo I) os instrumentos da poliacutetica urbana (capiacutetulo II) o plano diretor (capiacutetulo
III) a gestatildeo democraacutetica da cidade (capiacutetulo IV) e por fim as disposiccedilotildees gerais
No artigo 5ordm haacute o estabelecimento de que a lei municipal poderaacute determinar o
parcelamento a edificaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo compulsoacuterios para as aacutereas delimitadas pelo plano
diretor No caso de natildeo cumprimento as penas aplicaacuteveis compreendem a aplicaccedilatildeo do
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo (art
7ordm) e a desapropriaccedilatildeo do imoacutevel com pagamento mediante tiacutetulos da diacutevida puacuteblica (art
8ordm)
Um aspecto relevante que se pode destacar do Estatuto da Cidade eacute a gestatildeo
democraacutetica da cidade na qual a participaccedilatildeo de vaacuterios segmentos da sociedade nos processos
decisoacuterios contribui para a garantia do direito agrave cidade e por conseguinte da moradia
151
O Estatuto da Cidade ao prever um capiacutetulo dedicado agrave gestatildeo democraacutetica evidencia que sem a compreensatildeo mais profunda dos processos e conflitos em jogo na questatildeo urbana dificilmente se atenderaacute aos princiacutepios constitucionais de direito de todos agrave cidade da funccedilatildeo social da propriedade e da justa distribuiccedilatildeo dos benefiacutecios e ocircnus decorrentes do processo de urbanizaccedilatildeo (OLIVEIRA 2001 p 16)
Dessa forma essas estrateacutegias para implantaccedilatildeo de gestotildees democraacuteticas para as
cidades satildeo praacuteticas que renegam a tradiccedilatildeo centralizadora e excludente de gestatildeo estatal que
foi vivenciada ateacute entatildeo redefinindo os papeacuteis de Estado e sociedade civil apontando para
ampliaccedilatildeo de co-gestatildeo entre puacuteblico e privado aumentando a possibilidade de minimizar os
efeitos negativos da burocratizaccedilatildeo estatal e da mercantilizaccedilatildeo da sociedade
A Sociedade Civil organizada os movimentos populares devem autonomamente elaborar na medida do possiacutevel (contra) propostas de planejamento Tais propostas podem ser coadjuvantes dos esforccedilos oriundos das proacuteprias administraccedilotildees progressistas ou podem mesmo dialeticamente calibraacute-los reafirmando a independecircncia dos movimentos sociais perante o Estado ou o(s) partido(s) (SOUZA 1992 p 134)
Especificamente no que se refere a essas novas estrateacutegias que buscam a
descentralizaccedilatildeo participaccedilatildeo e autonomia no acircmbito do setor de planejamento urbano eacute
interessante e sobretudo importante a realizaccedilatildeo de uma reflexatildeo teoacuterica sobre a conjuntura
poliacutetica institucional que combine em um maior controle social sem desconsiderar o poder
local
Segundo De Grazia (2003) o Estatuto da Cidade enfatiza o papel do Estado nesse
novo cenaacuterio poliacutetico no que se refere ao planejamento do espaccedilo urbano por meio da
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ressaltando que
O poder puacuteblico precisa entender que enquanto continuar se omitindo em relaccedilatildeo a sua obrigaccedilatildeo de fiscalizar o uso adequado das aacutereas puacuteblicas natildeo ocupadas e que enquanto continuar natildeo implantando uma poliacutetica urbana e habitacional que democratize o acesso agrave terra urbana mediante agora os proacuteprios instrumentos previstos no Estatuto da Cidade continuaraacute sendo o principal responsaacutevel pela existecircncia de cidades desordenadas injustas e desumanas (De GRAZI 2003 p 64)
Vale ressaltar que o processo de urbanizaccedilatildeo do Paiacutes foi realizado por meio de
planejamentos que atendiam aos interesses poliacuteticos e econocircmicos das classes de maior poder
aquisitivo sendo desenvolvidos de forma isolada do processo de gestatildeo sem a interlocuccedilatildeo
com a sociedade
152
O Estatuto da Cidade natildeo eacute um modelo ideal e uacutenico de legislaccedilatildeo para
democratizaccedilatildeo da questatildeo urbana mas haacute que se considerar o avanccedilo em relaccedilatildeo a
implementaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na discussatildeo sobre os problemas da cidade visto que
natildeo havia nenhum instrumento que propiciasse isso
O Estatuto regulamentou e normatizou a garantia da participaccedilatildeo popular por meio
de conselhos oacutergatildeo colegiados de poliacutetica urbana nos niacuteveis nacional estadual e municipal
debates audiecircncias e consultas puacuteblicas conferecircncias sobre assuntos de interesse urbano e
iniciativa popular de projeto de lei e de planos programas e projetos de desenvolvimento
urbano
Esses instrumentos satildeo espaccedilos puacuteblicos de diaacutelogo entre os diversos interesses provenientes da sociedade civil de proposiccedilotildees partindo dos diversos setores de avaliaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de decisotildees referentes aos investimentos puacuteblicos e privados nas cidades (INSTITUTO POacuteLIS 2005 p 194)
Nesse contexto o Estatuto da Cidade estabelece que lei regulamentadora do plano
diretor seja discutida e aprovada com a participaccedilatildeo da sociedade civil Isto porque o referido
plano possibilitaraacute o planejamento das cidades de forma articulada considerando toda a
infraestrutura urbana necessaacuteria para a garantia de sua plena funccedilatildeo social possibilitando
assim melhores condiccedilotildees de moradia Destarte a partir dos princiacutepios da funccedilatildeo social e a
gestatildeo democraacutetica da cidade pode ser embasada a luta pelo direito agrave cidade
Os planos diretores foram institucionalizados na deacutecada de 1970 em meio a um
raacutepido processo de urbanizaccedilatildeo das cidades No entanto possuiacuteam uma visatildeo tecnocraacutetica do
processo de elaboraccedilatildeo das estrateacutegias de regulaccedilatildeo urbaniacutestica descartando a articulaccedilatildeo
entre habitaccedilatildeo e infraestrutura e quem deveriam ter acesso a eles
Atualmente os planos diretores respondem agraves reivindicaccedilotildees dos movimentos de luta
pela reforma urbana conforme seraacute apresentado no item posterior e inserem-se no processo
de elaboraccedilatildeo dos instrumentos de participaccedilatildeo popular citados anteriormente
O plano diretor pode conter orientaccedilotildees para a poliacutetica de desenvolvimento e de
ordenamento da expansatildeo urbana dos municiacutepios incluindo em seu escopo as determinaccedilotildees
das poliacuteticas nacionais de preservaccedilatildeo cultural e ambiental de turismo de mobilidade urbana
habitaccedilatildeo e outros
O objetivo fundamental do Plano Diretor eacute estabelecer como a propriedade cumpriraacute sua funccedilatildeo social de forma a garantir o acesso agrave terra urbanizada e
153
regularizada reconhecer a todos os cidadatildeos o direito agrave moradia e aos serviccedilos urbanos (BRASIL 2005 p 15)
Nesse sentido o plano diretor pode considerar as contradiccedilotildees e carecircncias dos
municiacutepios a escassez e o alto custo das aacutereas vazias aleacutem da diversidade de interesses dos
diversos agentes produtores e consumidores do espaccedilo urbano estabelecendo prioridades na
gestatildeo dos recursos disponiacuteveis Pode representar tambeacutem um reflexo da poliacutetica adotada nos
municiacutepios para resgatar a melhoria das condiccedilotildees de vida determinando diretrizes nas aacutereas
de habitaccedilatildeo meio ambiente uso do solo infraestrutura transporte e outros
No que diz respeito a poliacutetica habitacional o Estatuto da Cidade e os planos
diretores municipais prevecircem
A garantia do direito a cidades sustentaacuteveis entendido como o direito agrave terra urbana agrave moradia ao saneamento ambiental agrave infraestrutura urbana ao transporte e aos serviccedilos puacuteblicos ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras geraccedilotildees [] a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbanizaccedilatildeo das aacutereas ocupadas por populaccedilatildeo de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanizaccedilatildeo uso e ocupaccedilatildeo do solo e edificaccedilatildeo consideradas a situaccedilatildeo socioeconocircmica da populaccedilatildeo e as normas ambientais (BRASIL 2006 p 36)
Os planos diretores municipais podem estabelecer diretrizes que contenham as
orientaccedilotildees gerais para a elaboraccedilatildeo da poliacutetica habitacional municipal tomando como base
os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade como Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS) Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Usucapiatildeo urbana Concessatildeo de uso especial entre outros
instrumentos que tenham interface direta com a questatildeo habitacional
As ZEIS fruto das lutas dos movimentos sociais de assentamentos irregulares pela
natildeo remoccedilatildeo pela melhoria das condiccedilotildees urbaniacutestica e pela regularizaccedilatildeo fundiaacuteria
permitem inserir assentamentos irregulares agrave malha urbana tornando-os regulares
juridicamente possibilitando a introduccedilatildeo de serviccedilos e de infraestrutura regulando o
mercado de terras aumentando a arrecadaccedilatildeo do municiacutepio Aleacutem disso permitem que
terrenos natildeo edificados natildeo utilizados ou subutilizados sem destinaccedilatildeo social sejam
transformados em aacutereas para programas habitacionais
Em relaccedilatildeo agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar sua importacircncia na
valorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano uma vez que os agentes produtores e consumidores dos
espaccedilos irregulares natildeo apresentam poder aquisitivo suficiente para adquirir um imoacutevel
regular No entanto o processo de regularizaccedilatildeo assegura natildeo apenas a seguranccedila de ser
154
proprietaacuterio mas tambeacutem o risco da expulsatildeo pelo capital imobiliaacuterio e pelo ocircnus que tem que
ser pago advindo como saneamento (ROLNIK 1997 p 50)
A regularizaccedilatildeo fundiaacuteria pode ser definida como
Conjunto de poliacuteticas e medidas juriacutedicas urbaniacutesticas ambientais e sociais promovidas pelo poder puacuteblico por razotildees de interesse social ou interesse especiacutefico que visem adequar os assentamentos informais aos princiacutepios legais de modo a garantir o reconhecimento do direito social de moradia o pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da propriedade urbana e o direito social ao meio ambiente equilibrado (ROLNIK 1997 p 73)
Segundo Rolnik (1997 p 75) garantir o direito agrave moradia implica em formalizar o
endereccedilo do morador fornecendo a ele serviccedilos por correio infraestrutura saneamento baacutesico
financiamentos etc Entatildeo regularizar e registrar a aacuterea ocupada poderaacute legitimar o acesso a
novos direitos promovendo com isso a elaboraccedilatildeo de novos projetos de organizaccedilatildeo
urbaniacutestica aleacutem de possibilitar a recuperaccedilatildeo ambiental dessa aacuterea
Outro instrumento a usucapiatildeo urbana eacute uma forma de se adquirir a propriedade de
um imoacutevel sobre o qual foi exercida posse contiacutenua pelo tempo miacutenimo determinado em lei
aleacutem de outras exigecircncias previstas para cada tipo de usucapiatildeo prescrito na legislaccedilatildeo
brasileira
Esse instrumento apesar de ter como objetivo transformar um possuidor em um
proprietaacuterio valoriza a posse da terra por meio do exerciacutecio desta [] o possuidor pode
adquirir o imoacutevel daquele que era dono mas natildeo exercia atividades sobre o terreno ou seja
natildeo cumpria com a funccedilatildeo social da propriedade Outro aspecto relevante desse instrumento
eacute a possibilidade de recorrer ao mesmo de modo coletivo (ROLNIK 1997 p 55)
Portanto a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria a usucapiatildeo urbana e outros instrumentos satildeo
ferramentas utilizadas na atual Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo objetivando garantir o direito agrave
moradia regular Assim novos dispositivos legais da reforma urbana passaram a ser
instrumentos de intervenccedilatildeo das administraccedilotildees puacuteblicas municipais
Para enfrentar um quadro de carecircncia uma poliacutetica habitacional tem que fazer parte
de uma poliacutetica de desenvolvimento urbano que garanta a integralidade das accedilotildees Dessa
maneira a poliacutetica habitacional no governo Lula trouxe portanto avanccedilos significativos
Dentre eles o marco institucional representado pelo Ministeacuterio das Cidades e a nova relaccedilatildeo
estabelecida entre o governo e a sociedade representada pelas Conferecircncias da cidade
As atribuiccedilotildees do Ministeacuterio das Cidades de acordo com a atual Poliacutetica Nacional de
Habitaccedilatildeo podem ser assim entendidas
155
I
definir as diretrizes prioridades estrateacutegias e instrumentos da Poliacutetica
Nacional de Habitaccedilatildeo dentre eles o Plano Nacional de Habitaccedilatildeo II
elaborar o marco legal da Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo e do Sistema Nacional de habitaccedilatildeo III
elaborar criteacuterios e regras para aplicaccedilatildeo dos
recursos no Sistema Nacional de Habitaccedilatildeo incluindo a poliacutetica de subsiacutedios IV
coordenar a implementaccedilatildeo do Sistema Nacional de Habitaccedilatildeo V
orccedilamentos planos de aplicaccedilatildeo e metas anuais e plurianuais dos recursos a serem aplicados em habitaccedilatildeo VI- oferecer subsiacutedios teacutecnicos agrave criaccedilatildeo de fundos e respectivos conselhos estaduais do Distrito Federal regionais e municipais com o objetivo de incentivaacute-los a aderirem ao SNHIS VII
firmar termos de adesatildeo ao SNHIS com Estados e Municiacutepios VIII
instituir sistema de informaccedilotildees para subsidiar a formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo acompanhamento e controle das accedilotildees no acircmbito do SNH incluindo cadastro nacional de beneficiaacuterios das poliacuteticas de subsiacutedios IX
gerir o Fundo Nacional de Habitaccedilatildeo de Interesse Social ouvido o Conselho do fundo (BRASIL 2004 p 13-14)
A Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo como uma forma estrateacutegica vincula a poliacutetica
urbana agrave fundiaacuteria cabendo a poliacutetica fundiaacuteria subsidiar a poliacutetica urbana na realizaccedilatildeo de
programas habitacionais nos municiacutepios O que para tanto remete a necessidade da
elaboraccedilatildeo de planos diretores municipais nos quais a propriedade urbana possa cumprir sua
funccedilatildeo social Aleacutem de accedilotildees de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e de acesso a terra urbanizada
(ROLNIK 1997)
Essa poliacutetica habitacional tem como estrateacutegia o fortalecimento institucional sendo
efetiva nos estados e municiacutepios de acordo com
Incentivar a cooperaccedilatildeo entre os niacuteveis federal estadual e municipal buscando instituir mecanismos indutores de adesatildeo ao Sistema Nacional de Habitaccedilatildeo Estimular a criaccedilatildeo estruturaccedilatildeo eou fortalecimento de oacutergatildeos especiacuteficos de formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo das poliacuteticas estaduais e municipais de Habitaccedilatildeo Estimular a criaccedilatildeo de estrutura institucional de acordo com as peculiaridades locais com o objetivo de articular as poliacuteticas setoriais e de desenvolvimento urbano Estimular a criaccedilatildeo de fundos e conselhos estaduais regionais e municipais afetos agraves questotildees urbanas e habitacionais Apoiar a elaboraccedilatildeo de planos diretores municipais com ecircnfase na aplicaccedilatildeo dos instrumentos de reforma urbana em consonacircncia com o Estatuto da Cidade Apoiar a elaboraccedilatildeo de planos habitacionais compatiacuteveis com os planos diretores municipais Apoiar a capacitaccedilatildeo de teacutecnicos e o desenvolvimento institucional dos oacutergatildeos responsaacuteveis pela poliacutetica habitacional no acircmbito estadual e municipal (BRASIL 2004 p 9)
Diante do exposto acima pode-se concluir que de fato as poliacuteticas puacuteblicas visam agrave
efetivaccedilatildeo do direito agrave moradia fundamentam-se na concretizaccedilatildeo do direito de propriedade
a partir de intervenccedilotildees em aacutereas irregulares ocupadas construccedilatildeo ou financiamento da
compra da casa proacutepria entre outros
156
No entanto observa-se que os projetos de renovaccedilatildeo urbana voltam-se cada vez mais
ao atendimento dos interesses do mercado imobiliaacuterio e financeiro atuando
fundamentalmente em benefiacutecio da classe de maior poder aquisitivo e do capital Esses
projetos procuram atrair novas atividades econocircmicas por meio da construccedilatildeo de centros
comerciais e de turismo shopping centers centros de convenccedilotildees edifiacutecios comerciais etc
Para Rolnik (1997 p 75) essas intervenccedilotildees proporcionam e reforccedilam uma
reestruturaccedilatildeo social e espacial nas grandes cidades provocando por outro lado um novo
ordenamento territorial acirrando as exigecircncias competitivas do mercado imobiliaacuterio que
procuram impor seus interesses nas grandes transformaccedilotildees urbaniacutesticas arquitetocircnicas e de
infraestrutura Tal situaccedilatildeo impotildee uma maior atuaccedilatildeo do poder puacuteblico atraveacutes da legislaccedilatildeo
urbaniacutestica na regulamentaccedilatildeo dos usos e da ocupaccedilatildeo territorial para que o desenvolvimento
urbano ocorra com sustentabilidade garantindo a qualidade de vida para a populaccedilatildeo
Nesse sentido pode afirmar que natildeo haacute uma neutralidade do Estado por conseguinte
das normatizaccedilotildees juriacutedicas uma vez que refletem interesses poliacuteticos e econocircmicos de
grupos distintos as accedilotildees desse Estado satildeo visando administrar esses interesses E para tanto
esse Estado estabelece criteacuterios para adotar accedilotildees que garantam sua legitimidade e que natildeo
interfiram nesse modo de produccedilatildeo
Bourdieu (2001) afirma que as produccedilotildees simboacutelicas funcionam como instrumento
de dominaccedilatildeo porque contribuem para integraccedilatildeo real das classes dominantes distinguido-as
de outras classes para a desmobilizaccedilatildeo das classes dominadas para a legitimaccedilatildeo da ordem
estabelecida mediante a hierarquizaccedilatildeo
O que reafirma a concepccedilatildeo de poliacutetica social proposta por Pastorini (1997) como o
produto de uma correlaccedilatildeo entre o Estado a classe que deteacutem o capital e a classe trabalhadora
excluiacuteda que envolve perdas e ganhos entre todos os envolvidos Essa correlaccedilatildeo eacute refletida
nos princiacutepios da Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo Como mostra o quadro 5
157
Quadro 5
Princiacutepios da nova Poliacutetica de Habitaccedilatildeo
Princiacutepios Finalidades Moradia digna como direito e vetor de inclusatildeo social
Garantir padratildeo miacutenimo de qualidade infraestrutura baacutesica transporte coletivo e serviccedilos sociais
Funccedilatildeo social da propriedade urbana Implementar instrumentos de reforma urbana possibilitando melhor ordenamento e maior controle do uso do solo de forma a combater a especulaccedilatildeo e garantir acesso a terra urbanizada
Questatildeo habitacional como uma poliacutetica de Estado
Legitimar o poder puacuteblico como agente indispensaacutevel na regulaccedilatildeo urbana e do mercado imobiliaacuterio no que se refere a provisatildeo de moradia e regularizaccedilatildeo de assentamentos precaacuterios
Gestatildeo democraacutetica Possibilitar a participaccedilatildeo dos diferentes segmentos da sociedade assim como o controle social e transparecircncia nas decisotildees e procedimentos
Subordinaccedilatildeo das accedilotildees em habitaccedilatildeo agrave poliacutetica urbana de modo atrelado com as demais poliacuteticas sociais e ambientais
Discutir a questatildeo urbana a partir da integraccedilatildeo das poliacuteticas
Fonte Poliacutetica Nacional de Habitaccedilatildeo (2004)
Ao elaborarformular as poliacuteticas habitacionais o Estado acaba por acirrar os
processos de exclusatildeo social e segregaccedilatildeo soacutecioespacial pois o planejamento habitacional
nas condiccedilotildees atuais reforccedila as tendecircncias segregacionistas e excludentes na urbanizaccedilatildeo
brasileira (SANTOS 2002 p 203)
Dessa forma o Estado acaba definindo alguns fatores segregadores tais como aponta
Azevedo (2007 p 71)
Localizaccedilatildeo
geralmente distante dos centros urbanos ou vazios urbanos em aacutereas inadequadas para o desenvolvimento urbano racional
tamanho e qualidade das habitaccedilotildees
pequenas construiacutedas com material de baixa qualidade na maioria das vezes
infraestrutura
inexistente ou de qualidade precaacuteria
e no financiamento
exigecircncias tantas que a maior parte da populaccedilatildeo natildeo alcanccedila fazendo com que poucos tenham acesso ao projeto [] Apenas uma minoria dos setores populares lograraacute ser inserida nos programas governamentais de habitaccedilatildeo popular
Rolnik (2002) ressalta que a elaboraccedilatildeo de leis e de instrumentos urbaniacutesticos como
por exemplo a Legislaccedilatildeo Especial de Habitaccedilatildeo e de Interesse Social voltados para a
formulaccedilatildeo das poliacuteticas habitacionais com a intenccedilatildeo de facilitar aprovaccedilatildeo de projetos de
159
De acordo com Maricato (2000) a intensificaccedilatildeo da dualidade entre cidade formal e
cidade informal tem sido uma constante na estrutura das cidades brasileiras O ritmo do
crescimento dos loteamentos irregulares das favelas e dos corticcedilos nas periferias das grandes
cidades eacute bastante intenso sobretudo nas aacutereas de ocupaccedilatildeo o que tem reforccedilado a funccedilatildeo
estrutural da informalidade na composiccedilatildeo do espaccedilo urbano
Fernandes (1998 p 36) destaca que a habitaccedilatildeo informal sofre com a ausecircncia de
seguranccedila da posse o que deixa o exerciacutecio do direito agrave moradia em risco permanente de
despejo ou deslocamento forccedilado Sendo assim eacute de suma importacircncia que a legislaccedilatildeo deva
prever instrumentos juriacutedicos e urbaniacutesticos que reconheccedilam o direito das pessoas de
permanecer no local onde residem com seguranccedila e proteccedilatildeo independentemente da forma
com que eacute exercida a posse
Encontra-se em curso portanto uma mudanccedila significativa nas concepccedilotildees
tradicionais de regulaccedilatildeo urbaniacutestica logo das proacuteprias noccedilotildees de legalidade e ilegalidade
Tais mudanccedilas visam principalmente respaldar e instrumentalizar o poder puacuteblico para
intervir nessas aacutereas de forma a melhorar as condiccedilotildees de salubridade e habitabilidade
buscando-se desnaturalizar as relaccedilotildees de poder respaldadas na propriedade privada e na terra
urbana enquanto reserva de valor que cristalizaram a desigualdade e a segregaccedilatildeo
soacutecioespacial
Neste sentido pode-se compreender o papel da legislaccedilatildeo urbaniacutestica como
instrumento que vem ganhando relevacircncia na tentativa de regular e controlar a dinacircmica de
atuaccedilatildeo do mercado imobiliaacuterio no meio urbano Acredita-se que a busca de cidades mais
justas e democraacuteticas menos segregadas passa pela adoccedilatildeo de poliacuteticas que regulem a
ocupaccedilatildeo e o uso do solo criando instrumentos capazes de articular os interesses em torno do
processo de produccedilatildeo apropriaccedilatildeo e consumo do espaccedilo urbano com os objetivos de se criar
espaccedilos socialmente mais justos e tecnicamente organizados
Pode-se buscar o direito de propriedade para todos e natildeo a prevalecircncia do direito de
propriedade para alguns ou seja aquele que reconhece a propriedade apenas como
mercadoria
Esses fatos tornam as duas cidades amazocircnicas em cidades com suas dimensotildees
espaciais produto da dualidade pois eacute dividida em cidade legal e cidade ilegal haja vista que
os que natildeo tecircm condiccedilotildees para manter e se manterem na cidade legal procuram alternativas
de sobrevivecircncia resultando em ocupaccedilatildeo de aacutereas consideradas informais e ilegais (como as
aacutereas de baixadas ) nas quais decorrem em irregularidades que geram uma seacuteria
consequumlecircncia ao cenaacuterio urbano
160
Para Rolnik (1997) a cidade legal e a cidade ilegal satildeo situaccedilotildees que coexistem o
tempo todo uma vez que dentro da cidade ideal primeiro o habitante adquire o lote depois
contrata o profissional registra o projeto executa a obra e legaliza a construccedilatildeo junto aos
oacutergatildeos competentes para que as pessoas possam residir Na cidade real ocorre justamente o
contraacuterio primeiro chegam as pessoas constroem-se os barracos lutam pela infraestrutura
pelos lotes e pela propriedade
Conforme Souza (2002 p 51) a informalidade e a ilegalidade da ocupaccedilatildeo tecircm sido
uma das marcas no processo de urbanizaccedilatildeo contemporacircnea ampliando-se particularmente
na uacuteltima deacutecada quando haacute um retorno intensivo de ocupaccedilotildees do tipo favelas
Fernandes (1998) classificaram as informalidades e ilegalidades em dois grupos um
relacionado agrave falta de tiacutetulo de propriedade ou de posse legalmente reconhecido outro
relacionado ao descumprimento de normas de construccedilatildeo na cidade Nesse sentido os
assentamentos informais podem ocorrer por ocupaccedilatildeo direta (organizados por movimentos
sociais em terras puacuteblicas ou privadas) ou por mercados informais (lotes clandestinos vendas
ilegais negociaccedilotildees no mercado informal)
A discussatildeo sobre a cidade ilegal dialoga com uma determinada percepccedilatildeo sobre o
direito urbaniacutestico e em determinados momentos a partir do ponto de vista da regulaccedilatildeo
urbaniacutestica Em uma sociedade regida pela loacutegica da mercadoria a legalidade tambeacutem se
transforma de direito em mercadoria atuando de forma elitizante e excludente
Desse modo a exclusatildeo social manifesta-se no proacuteprio fenocircmeno da segregaccedilatildeo
espanotcial uma vez que separando as aacutereas de moradia na cidade por classes sociais distintas
coloca de fora das melhores condiccedilotildees de habitabilidade as populaccedilotildees mais pobres o que
resulta em acessos diferenciados agraves benfeitorias e ao conforto urbano
Segundo Buarque (1999) existe uma ilegalidade proveniente da impossibilidade de
cumprir com as imposiccedilotildees da cidade mercadoria e existe a ilegalidade fruto da intenccedilatildeo de
burlar a lei para apropriaccedilatildeo de vantagens individuais ou de grupos Dentro desse contexto a
cidade ilegal refere-se a um processo de inclusatildeo-exclusatildeo decorrente de uma determinada
regulaccedilatildeo juriacutedico-urbanistica Assim a dualidade legal-ilegal regular-irregular define-se a
partir de um aparato juriacutedico formal
Portanto a cidade legal eacute fruto de um projeto no qual todos os itens de consumo
coletivo de equipamentos e de serviccedilos encontram-se presentes Eacute construiacuteda pelos agentes
formalmente instituiacutedos A instituiccedilatildeo de regulamentaccedilatildeo para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas
cidades eacute o reconhecimento da inadequaccedilatildeo da regulaccedilatildeo urbaniacutestica agraves necessidades da
populaccedilatildeo de mais baixa renda
161
A partir desse enfoque seratildeo analisadas nos capiacutetulos seguintes as contradiccedilotildees na
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo do espaccedilo urbano assim como os conflitos que se desenrolam nas
cidades de Beleacutem e Satildeo Luis levando em conta que o espaccedilo urbano engloba a materialidade
e a subjetividade o real e o imaginado de forma interligada apontando duas consideraccedilotildees
importantes ao debate
a) o papel do Poder Puacuteblico na produccedilatildeo do espaccedilo urbano atraveacutes das poliacuteticas
habitacionais
b) neste processo de produccedilatildeo do espaccedilo urbano ressalta-se a importacircncia do
processo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial
162
4 BELEacuteM-PA E SAtildeO LUIS-MA CIDADES DAS DESIGUALDADES
Conforme foi apresentado anteriormente no Brasil segundo Villaccedila (2001) o
processo de urbanizaccedilatildeo foi marcado por uma intensa concentraccedilatildeo de investimentos em
algumas regiotildees Esse processo foi responsaacutevel pela marginalizaccedilatildeo de alguns lugares onde
se concentra a camada da populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo da cidade Essas regiotildees satildeo
desprovidas pelas accedilotildees do Estado Basta uma volta pela cidade
e nem precisa ser uma
metroacutepole
para constatar a diferenciaccedilatildeo entre os bairros tanto no que diz respeito ao perfil
da populaccedilatildeo quanto agraves caracteriacutesticas urbaniacutesticas de infraestrutura de conservaccedilatildeo dos
espaccedilos e equipamentos puacuteblicos etc
Cabe ressaltar que a segregaccedilatildeo soacutecioespacial eacute uma realidade vivenciada pelas
pessoas que residem nas periferias das grandes cidades uma vez que a localizaccedilatildeo das
moradias de diferentes classes sociais natildeo se daacute de forma aleatoacuteria ou por escolha proacutepria De
fato essas localizaccedilotildees satildeo direcionadas por diferentes fatores sejam econocircmicos sociais
ambientais culturais ou poliacuteticos o que geram diferentes padrotildees de uso e ocupaccedilatildeo do solo
urbano
Para Santos (2002) o poder puacuteblico torna-se estimulante da especulaccedilatildeo do solo ao
fomentar a produccedilatildeo de espaccedilos vazios dentro das cidades mostra-se inoperante para resolver
problemas de moradia e empurra a maioria da populaccedilatildeo para precaacuterias habitaccedilotildees nas
periferias Assiste-se ao crescimento e aparecimento de inuacutemeros assentamentos ocupaccedilotildees e
favelas que ocupam aacutereas aleatoriamente sem nenhum tipo de (re)organizaccedilatildeo de
conhecimentos geograacuteficos ambientais ou infraestrutura
Nesse sentido a dificuldade do acesso a terra tem sido fator determinante de
desigualdades sociais e diferenciaccedilotildees entre as classes sociais37 Os elevados preccedilos do solo
determinam a segregaccedilatildeo social por estratos de renda infligindo ocircnus sociais inversamente
proporcionais agrave capacidade de pagamento de quem os suporta
Entretanto essas desigualdades sociais natildeo satildeo reflexos apenas dos planos materiais
e objetivos dos indiviacuteduos mas tambeacutem dos planos subjetivos e psicoloacutegicos ou seja satildeo
muacuteltiplas as dimensotildees que os diferentes processos de desigualdades sociais afetam a vida e o
cotidiano da populaccedilatildeo tais como econocircmica cultural poliacutetica social psicoloacutegica etc
37 Para Maricato (2001) ao diferenciar os lugares o preccedilo da terra passa a ser fundamental e determinante sobre a acessibilidade e possibilidade de localizaccedilatildeo no espaccedilo intraurbano das diferentes classes sociais Da mesma forma o espaccedilo produzido com estas caracteriacutesticas tambeacutem passa a reproduzir tais condiccedilotildees de desigualdade social
163
Eacute importante resgatar que conforme discutido nos capiacutetulos anteriores aleacutem do
preccedilo da terra urbana do setor imobiliaacuterio-construtor e do Estado eacute preciso considerar o
conjunto da composiccedilatildeo social do capital e a forma como se reparte o trabalho excedente do
necessaacuterio ou seja quando a oferta de empregos eacute insuficiente ou os salaacuterios satildeo muito
baixos dificultando a aquisiccedilatildeo de uma moradia digna que disponha de saneamento baacutesico
comeacutercio e lazer (KOWARICK 1988)
Sendo assim eacute importante destacar que o processo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial pode
ser compreendido em sua dinacircmica marcada pela desigualdade contradiccedilatildeo e exclusatildeo trata-
se portanto de um processo estruturador da proacutepria produccedilatildeo do espaccedilo urbano
A seguir procurar-se-aacute apresentar o processo de construccedilatildeo do espaccedilo urbano e a
questatildeo habitacional em Beleacutem e em Satildeo Luiacutes partindo da perspectiva que entender o
processo de urbanizaccedilatildeo na Amazocircnia eacute um fenocircmeno mais geral que abrange redes
socioeconocircmicas e culturais complexas agentes sociais que fazem a cidade que lutam em
posiccedilotildees de classe diferente e que satildeo os artiacutefices da apropriaccedilatildeo e da produccedilatildeo do espaccedilo da
construccedilatildeo dos direitos agrave cidade
41 CONSTRUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO EM BELEacuteM E A QUESTAtildeO HABITACIONAL
A construccedilatildeo do espaccedilo urbano na Amazocircnia teve como elemento significativo
desde o periacuteodo colonial as determinaccedilotildees das poliacuteticas nacionais e internacionais O
processo de urbanizaccedilatildeo foi consequumlecircncia de formas especiacuteficas do desenvolvimento do
capitalismo para essa regiatildeo Essa forma se evidenciou nas relaccedilotildees econocircmicas estabelecidas
para apropriaccedilatildeo das riquezas naturais
Assim na Amazocircnia cujo siacutembolo maior eacute a floresta tropical regiatildeo com
caracteriacutesticas geograacuteficas climaacuteticas e ambientais peculiares as poliacuteticas de
desenvolvimento tecircm provocado substanciais transformaccedilotildees na vida econocircmica social e
cultural de seus habitantes com a utilizaccedilatildeo da ciecircncia e tecnologia para modernizar e
incorporar economicamente os recursos naturais hidrograacuteficos e da floresta tropical ao mundo
globalizado
Em maior ou menor grau o processo recente de desenvolvimento eacute resultante da
accedilatildeo ou omissatildeo da elite regional
governantes poliacuteticos fazendeiros empresaacuterios e
intelectuais amazocircnicos
que diretamente eou associada a interesses externos tem ajudado
164
a promover a modernizaccedilatildeo na regiatildeo a partir de objetivos estritamente econocircmicos e
localizados o que tem contribuiacutedo para o crescimento dos problemas sociais e da degradaccedilatildeo
ambiental
Nesse sentido pode-se afirmar que o avanccedilo do capitalismo na regiatildeo amazocircnica
conduziu a uma transformaccedilatildeo natildeo apenas na estrutura fundiaacuteria mas tambeacutem no aspecto
social levando o camponecircs a disputar desigualmente com empresas nacionais e estrangeiras
as terras que ocupa (COSTA 1980)
O papel do Estado nesse contexto aparece de suma importacircncia jaacute que facilitou e
reforccedilou a penetraccedilatildeo do capital nacional e internacional na regiatildeo transformando-a num
cenaacuterio que combina modernizaccedilatildeo e exclusatildeo social cujos princiacutepios norteadores eram o
patrimonialismo e o clientelismo
Mediante esse contexto analisar-se-aacute a cidade de Beleacutem como um espaccedilo de inter-
relaccedilotildees urbanas portanto tendo como fundamento as contradiccedilotildees sociais (derivadas das
relaccedilotildees sociais conflituosas relaccedilotildees de classe) e pressupondo o papel fundamental da praacutexis
das praacuteticas urbanas
A cidade de Beleacutem fundada em 1616 no periacuteodo colonial com o nome de Santa
Maria de Beleacutem do Gratildeo Paraacute a partir da ocupaccedilatildeo das terras indiacutegenas pelos portugueses e
da construccedilatildeo do Forte de Preseacutepio (hoje denominado de Forte do Castelo)38 Seu relevo eacute
baixo com boa parte do territoacuterio situado em aacutereas de baixadas ou seja as vaacuterzeas e igapoacutes
das bacias hidrograacuteficas39 que recortam a cidade determinando assim no seu interior a
existecircncia de diversas faixas de terras abaixo da cota de 04 metros que recebem as influecircncias
do rio e do oceano Estas aacutereas sujeitas a inundaccedilotildees a maior parte do ano satildeo proacuteximas aos
canais nas quais se instalaram vaacuterios migrantes e a populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo e se
constituem objeto de accedilotildees de saneamento e de habitaccedilatildeo de interesse social
O aglomerado metropolitano de Beleacutem eacute constituiacutedo espacialmente por dois
conjuntos fisiograacuteficos distintos aacuterea continental e conjunto insular A aacuterea continental
localiza-se na regiatildeo metropolitana e a insular abrange aproximadamente 39 ilhas das quais
as mais importantes satildeo as de Mosqueiro (1911 Kmsup2) e CaratateuaOuteiro (318 Kmsup2)
ambas interligadas ao continente por meio de pontes (Mapa 1)
38 Abrange uma aacuterea de 5058231 kmsup2 cujo centro estaacute localizado aproximadamente a 1ordm 20 de latitude sul e 48ordm 30 de longitude oeste de Greenwich possuindo um clima quente e uacutemido com precipitaccedilatildeo meacutedia anual alcanccedilando os 2834 mm Situa-se numa peniacutensula contornada ao sul pelo rio Guamaacute a oeste pela Baiacutea do Guajaraacute e Baiacutea do Marajoacute ao norte pelo furo do Maguari e a leste a cidade limita-se com os municiacutepios de Ananindeua Marituba Santa Baacuterbara e Santo Antocircnio do Tauaacute (SEGEP 1999) 39 Bacia do Una Bacia do Comeacutercio Tamandareacute e Satildeo Joseacute Bacia da Estrada Nova Bacia do Tucunduba e Bacia das Almas e Reduto (RODRIGUES 2000 p 125)
165
Mapa 1
Bairros que compotildeem o municiacutepio de Beleacutem
Fonte SEGEP (2001)
166
Na parte continental aacuterea mais densamente ocupada inserem-se os conjuntos
urbaniacutesticos das cidades que compotildeem a Regiatildeo Metropolitana de Beleacutem (RMB) principal
poacutelo concentrador de atividades secundaacuterias e terciaacuterias irradiadoras de fluxo e intercacircmbios
com todo o territoacuterio paraense
A RMB que abrange uma aacuterea de 18277 Kmsup2 com uma populaccedilatildeo de 2040843 de
habitantes (quase um terccedilo da populaccedilatildeo do Estado do Paraacute)40 foi instituiacuteda pelo governo
federal por meio de Lei complementar nordm 14 de junho de 1973 e complementada pelas Leis
nordm 20 de 1974 e nordm 27 de 1975
Naquela eacutepoca a RMB era constituiacuteda pelos municiacutepios de Beleacutem e Ananindeua
Isto se deveu a uma estrateacutegia geopoliacutetica de induccedilatildeo de desenvolvimento na regiatildeo pois
Beleacutem era um poacutelo regional de articulaccedilatildeo entre diferentes regiotildees do Estado assim como
com o Amapaacute e o Maranhatildeo (CARDOSO LIMA 2006)
Com a Constituiccedilatildeo de 1988 atribui-se aos estados a responsabilidade de instituir
regiotildees metropolitanas aglomeraccedilotildees urbanas e microrregiotildees O governo estadual por meio
da Lei complementar nordm 27 de outubro de 1995 instituiu a RMB com a inclusatildeo dos
municiacutepios de Beleacutem Ananindeua Marituba e Benevides Em 19 de dezembro de 1996 o
municiacutepio de Santa Baacuterbara foi incluiacutedo na RMB (SEPLAN 1998) Mais recentemente na
RMB foi incluiacutedo o municiacutepio de Santa Izabel
Na tabela 4 pode ser evidenciado que o processo de crescimento e consolidaccedilatildeo da
RMB foi baseado na expansatildeo perifeacuterica espraiamento da mancha urbana e paulatina
transformaccedilatildeo de aacutereas rurais em urbanas Este fato eacute demonstrado com os dados de
crescimento de Beleacutem que na deacutecada de 1990 foi menor do que o apresentado pelo
municiacutepio de Ananindeua tornando-se o segundo municiacutepio em importacircncia na RMB e
apresentando uma intensa conurbaccedilatildeo com Beleacutem Os demais municiacutepios (Benevides
Marituba e Santa Baacuterbara) aleacutem de apresentarem populaccedilatildeo menor possuem maior
quantidade de aacutereas consideradas rurais
Aleacutem disso cabe destacar que os fatores geograacuteficos tiveram grande importacircncia no
processo de ocupaccedilatildeo urbana da RBM na medida em que as aacutereas de terra firme foram sendo
ocupadas pelas camadas de maior renda restando somente agraves aacutereas alagadas para a populaccedilatildeo
de menor poder aquisitivo Essas caracteriacutesticas geograacuteficas tecircm papel fundamental na forma
como as questotildees socioespaciais estatildeo imbricadas nas questotildees habitacionais bem como na
40 Dados do IBGE Censo Demograacutefico 2010
167
forma como a populaccedilatildeo de baixa renda busca suprir suas necessidades de moradia na cidade
(PINHEIRO et al 2007)
Tabela 4
Populaccedilatildeo da Regiatildeo Metropolitana de Beleacutem
Nome do Municiacutepio
Ano 1991
Ano 1996
Ano 2000
Ano 2010
TCA 1991-1996
TCA 1996-2000
TCA 1991-2000
TCA 2000-2010
Ananindeua 88151 341257 392947 471744 311 36 181 - Beleacutem 1244689
1144312
1280614
1392031 -17 29 04 - Benevides 68465 28130 35350 51663 -163 59 -71 - Marituba 0 49239 75448 108251 - 113 - - Santa Baacuterbara
0 11549 11375 17154 - -04 - -
Marituba se tornou municiacutepio no ano de 1996 sendo assim tem-se os nuacutemeros da populaccedilatildeo a partir desse ano TCA Taxa de Crescimento Anual Dados ainda natildeo disponiacuteveis do Censo IBGE 2010 Fonte IBGE (2010)
Na histoacuteria da expansatildeo urbana de Beleacutem a fundaccedilatildeo da cidade teve como objetivo
impedir a tentativa de ingleses franceses e holandeses de se estabelecerem na regiatildeo
A ocupaccedilatildeo da Amazocircnia pela colonizaccedilatildeo portuguesa foi movida por interesses poliacuteticos de fincar pontos avanccedilados com fortificaccedilotildees em lugares estrategicamente relevantes distantes para demarcar a presenccedila portuguesa nessa regiatildeo do norte [] presidida pelos interesses econocircmicos o que pode ser visto [] no modo de produccedilatildeo e de exploraccedilatildeo da matildeo-de-obra praticada nos povoados das missotildees religiosas espalhadas no territoacuterio do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo (CASTRO 2008 p 17)
A colonizaccedilatildeo dessa regiatildeo antes ocupada pelos iacutendios deu-se em um primeiro
momento ainda quando o Brasil era colocircnia de Portugal com o principal objetivo de proteger
o imenso territoacuterio da invasatildeo de outros povos e na tentativa de detectar as possibilidades de
exploraccedilatildeo dos recursos florestais Foram os missionaacuterios e sertanistas os primeiros a
desenvolverem atividades econocircmicas logo no inicio da colonizaccedilatildeo catequizando iacutendios e
colhendo as especiarias (drogas do sertatildeo) para a coroa portuguesa
Com a chegada dos portugueses foram vaacuterios os grupos sociais dentre eles o grupo
indiacutegena que se revoltaram em diversas situaccedilotildees e em diferentes capitanias contra o
domiacutenio que o Governo de Portugal e seus representantes na colocircnia impunham sobre a
populaccedilatildeo bem como lutavam pela posse do territoacuterio
168
Em 07 de janeiro de 1619 houve a primeira revolta dos povos indiacutegenas contra essa
opressatildeo e o assalto agraves suas terras41 Os Tupinambaacutes que moravam agraves margens do rio
Guamaacute e Paraacute invadiram a cidade de Beleacutem com a finalidade de expulsar os lusitanos da
regiatildeo (BEZERRA NETO 1999)
No entanto segundo Bezerra Neto (1999 p 19)
[] os colonos refugiados no Forte do Preseacutepio abriram fogo contra os indiacutegenas matando muito deles e fazendo com que fossem obrigados a bater em retirada deixando Beleacutem destruiacuteda Assim na ocupaccedilatildeo da regiatildeo os portugueses fizeram suas guerras contra as populaccedilotildees nativas quase sempre exterminando-as e subjugando-as ao seu domiacutenio
A produccedilatildeo do espaccedilo urbano de Beleacutem iniciou-se em torno do forte do Preseacutepio
expandindo-se para o sul com a abertura das primeiras ruas acompanhando o litoral ao longo
da Baiacutea do Guajaraacute No entanto o crescimento do nuacutecleo urbano em direccedilatildeo ao sul foi
interrompido pelo igarapeacute do Piri que era longo e tortuoso (CORREcircA 1989)
A situaccedilatildeo topograacutefica do Piri impedia a continuidade do traccedilado urbano tornando-
se ponto de referecircncia da divisatildeo da cidade em dois bairros um a oeste do Piri o bairro da
Cidade (hoje denominado de Cidade Velha) e outro a leste o bairro da Campina (hoje
Comeacutercio) (TRINDADE JUNIOR 1997) O espaccedilo produzido limitava-se aos primeiros
arruamentos com seus preacutedios fortes igrejas e conventos Tambeacutem recebeu as suas primeiras
edificaccedilotildees civis feitas com materiais simples predominantemente a taipa e a taipa de pilatildeo
Inicialmente esse espaccedilo urbano produzido foi organizado levando em consideraccedilatildeo
os terrenos de cotas mais altas deixando grandes aacutereas desocupadas formadas por terrenos
alagaacuteveis ou alagados de cotas baixas Na sua expansatildeo os acidentes hiacutedricos foram sendo
contornados o que provocou uma formaccedilatildeo irregular da cidade acompanhando a topografia
Os principais agentes produtores do espaccedilo desde o periacuteodo colonial eram a
burocracia os comerciantes as ordens religiosas e a camada pobre da populaccedilatildeo
(RODRIGUES apud TRINDADE JUNIOR 1997) A base econocircmica da cidade repousava no
comeacutercio na agricultura de subsistecircncia e no extrativismo
A exploraccedilatildeo das drogas do sertatildeo as atividades agriacutecolas e a economia gomiacutefera que tinham nas vias fluviais o principal meio de circulaccedilatildeo configuraram a existecircncia de uma rede urbana dendriacutetica que definiu a cidade de Beleacutem como cidade primaz ratificada a cada momento por sua posiccedilatildeo estrateacutegica no contexto regional que inclusive marcou o caraacuteter
41 Pode-se dizer que essa situaccedilatildeo foi a primeira manifestaccedilatildeo popular ocorrida em Beleacutem
169
poliacutetico-militar de ocupaccedilatildeo inicial da regiatildeo pelos portugueses (TRINDADE JUNIOR 1998 p 98)
Castro (2008 p 17) ressalta que o surgimento das cidades coloniais tiveram duas
motivaccedilotildees primeiro o avanccedilo da organizaccedilatildeo do sistema extrativista do transporte de
mercadorias do processo de catequese e segundo a dominaccedilatildeo de indiacutegenas para o trabalho
servil A respeito da matildeo-de-obra para o trabalho servil Bezerra Neto (1999 p 57) declara
que
A matildeo-de-obra escrava indiacutegena e africana constituiacutea a base dos trabalhadores da proviacutencia O contingente de cativos africanos no nuacutecleo urbano de Beleacutem e em seu entorno era bastante expressivo chegando a representar 35 da populaccedilatildeo no final da segunda metade do seacuteculo XVIII A eles somavam-se os habitantes brancos que representavam cerca de 52 dos moradores e finalmente os pobres livres pretos iacutendios e mesticcedilos que perfaziam um total de 13 dos indiviacuteduos
Na economia colonial o extrativismo vegetal sempre foi um importante moacutevel de
ocupaccedilatildeo e povoamento pois agrave procura por produtos nativos centenas de pessoas adentravam
na floresta e os vilarejos iam surgindo agraves margens dos rios caracterizando o chamado padratildeo
dendriacutetico de urbanizaccedilatildeo Isso influenciou a formaccedilatildeo de diferentes modos de vida
estrateacutegias de sobrevivecircncia e de trabalho condiccedilotildees de vida e a propagaccedilatildeo de haacutebitos e
valores culturais
que atravessaram geraccedilotildees condicionando os modos de vida nas cidades
espaccedilos de construccedilatildeo das praacuteticas sociais e poliacuteticas (SANTOS 1980)
A expansatildeo da cidade nos seacuteculos XVIII e XIX decorreu de uma economia agriacutecola
em plantaccedilotildees de cacau e cana-de-accediluacutecar nos arredores de Beleacutem em engenhos produtores de
accediluacutecar aguardente e mel aleacutem da agricultura de roccedilas olarias engenhos de pilar arroz de
atividades comerciais e criaccedilatildeo de gado vaccum Contava ainda com faacutebrica de farinha e uma
de chocolate
Nota-se que um dos fatores que influenciaram na forma de ocupaccedilatildeo da cidade de
Beleacutem foi o ambiental pois a ocupaccedilatildeo das margens dos rios que contornavam Beleacutem por
instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas incentivou a populaccedilatildeo a povoar as aacutereas alagadas e
perifeacutericas da cidade
Nesse periacuteodo percebeu-se a preocupaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas com as vaacuterzeas
especialmente do Piri que em virtude da forma de ocupaccedilatildeo comeccedilava a apresentar os
efeitos da poluiccedilatildeo e da falta de higiene assim como a viabilizaccedilatildeo do crescimento da cidade
que foram utilizados como argumentos para justificar o ensecamento a terraplenagem e
170
drenagem da baixada do Piri (TRINDADE JUNIOR 1997) Isso fez com que surgisse um
plano de aproveitamento do Piri (FERREIRA 1995)
Esse plano previa o aproveitamento da rede hidrograacutefica de Beleacutem em sua totalidade
tornando-a navegaacutevel Tratava-se de aproveitar as formas naturais do siacutetio urbano para
solucionar os problemas de saneamento e drenagem da cidade ou seja ao inveacutes de aterrar os
rios e igarapeacutes que percorriam Beleacutem era melhor embelezaacute-los e dar-lhes uma proteccedilatildeo
militar segura Entretanto em 1803 foi iniciado o trabalho de ensecamento do Piri
contrariando assim os planos de Gronfelts Com o aterramento do Piri ocorreu a integraccedilatildeo
fiacutesica entre os bairros da Cidade e da Campina (TRINDADE JUNIOR 1997)
Segundo Correcirca (1989 p 80) as obras do Piri foram realizadas num periacuteodo em que
tanto a regiatildeo como a cidade passavam por um decliacutenio econocircmico aproveitando-se assim a
ociosidade da matildeo-de-obra escrava A partir de 1778 a Amazocircnia passou por uma
estagnaccedilatildeo devido agrave extinccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e agrave emergecircncia de uma
situaccedilatildeo mundial desfavoraacutevel ao mercado dos produtos tropicais em geral agrave agricultura e ao
extrativismo de exportaccedilatildeo Com isso Beleacutem sofreu os efeitos do decliacutenio econocircmico aleacutem
de ter vivenciado fortes confrontos poliacuteticas decorrentes da Cabanagem (1835 - 1840)42
A Cabanagem foi entre as muitas manifestaccedilotildees ocorridas no Periacuteodo Regencial
este considerado de transiccedilatildeo devido agrave transferecircncia do poder das elites portuguesas para as
elites nacionais (ricos proprietaacuterios de terras) a manifestaccedilatildeo de caraacuteter popular que reuniu os
habitantes pobres das cidades e vilarejos ribeirinhos iacutendios negros e mesticcedilos denominados
cabanos
Devido a situaccedilatildeo de miseacuteria das classes populares que natildeo viam os seus anseios
atendidos a conjuntura de crise econocircmica por qual passava o Brasil e a pressatildeo das elites
nacionais o movimento poliacutetico social conseguiu se expandir no Paraacute e mobilizar adesotildees
crescentes no meio dos segmentos sociais pobres Entretanto esses grupos sociais e eacutetnicos
que aderiu em massa agrave revolta na tentativa de encontrar uma saiacuteda para sua situaccedilatildeo
perceberam que poderiam lutar por outros ideais jaacute que o movimento tomou dimensotildees mais
ampla de autodeterminaccedilatildeo
Os chefes cabanos declararam a autonomia da proviacutencia do Paraacute e formaram um
governo revolucionaacuterio em defesa de sua liberdade No entanto foram derrotados e
duramente massacrados
42 Ateacute esse periacuteodo ocorreram vaacuterias revoltas agitaccedilotildees e motins contra a miseacuteria das camadas populares e a opressatildeo dos iacutendios e negros
171
O governo do primeiro ministro portuguecircs Marquecircs de Pombal continuou com o
processo de ocupaccedilatildeo territorial tendo como marco a construccedilatildeo de um reduto (pequena
praccedila de guerra) agraves proximidades do antigo convento de Santo Antocircnio Esse reduto ajudava
a garantir a proteccedilatildeo da cidade jaacute que sua localizaccedilatildeo era estrateacutegica junto agrave baiacutea Assim
surgiu o nome do bairro do Reduto e do igarapeacute que existia laacute (denominado anteriormente de
Igarapeacute da Faacutebrica) Esse Igarapeacute (Fotografia 2) foi aterrado o que possibilitou a abertura de
ruas e caminhos passando desse modo a ligar o nuacutecleo da cidade agraves aacutereas adjacentes
tornando-se definitivamente inseridas ao espaccedilo urbano belenense (TRINDADE JUNIOR
1997)
Fotografia 2
Canal do Reduto (entre a Rua 28 de Setembro e a Praccedila Magalhatildees
Beleacutem-PA)
Fonte Acervo Beleacutem da Saudade (sd)
Segundo Ferreira (1995) foi a partir de 1860 que as diferenciaccedilotildees soacutecio-espaciais
intra-urbanas comeccedilam a se evidenciar cada vez mais pelo incremento dos elementos
formadores da heterogeneidade do espaccedilo produzido e da sua valorizaccedilatildeo em Beleacutem Ou seja
a cidade jaacute havia se expandido ocupando uma aacuterea que permitiu a diversificaccedilatildeo das
localidades dentro da mesma no que se refere agraves diferenccedilas de acesso e de instalaccedilatildeo de
infraestrutura urbana
A cidade possuiacutea quatro distritos principais Cidade Campina Trindade e Nazareacute
nas quais estavam circunscritas natildeo apenas as aacutereas compreendidas no marco urbano mas
tambeacutem as povoaccedilotildees rurais e ribeirinhas localizadas em seu entorno Outras localidades
172
como Benevides Castanhal Barcarena e Santa Izabel (hoje municiacutepios independentes) faziam
parte dos marcos administrativos de Beleacutem (CANCELA 2007)
As atividades terciaacuterias foram intensificadas no bairro da Campina e no contiacuteguo
bairro do Reduto e implantadas algumas das primeiras induacutestrias de Beleacutem De acordo com
Cancela (2007) frente a liquidez da economia a expansatildeo das aacutereas de ocupaccedilatildeo e os projetos
de urbanizaccedilatildeo os Distritos ganharam novos significados
A Cidade Velha primeiro bairro da capital com suas ruas estreitas passou a ser visto como um lugar insalubre e pantanoso natildeo recomendado para as pessoas de posse Seus moradores mais antigos comeccedilaram a se mudar para as ruas e avenidas mais largas da Estrada de Nazareacute Satildeo Jerocircnimo e as travessas adjacentes O mesmo ocorreu com a Campina conhecida como segundo bairro da Cidade Parte de sua aacuterea compreendia as principais
ruas do comeacutercio de Beleacutem Nela concentrava-se um bom nuacutemero de lojas armazeacutens bancos e casas de aviamento localizados nos arredores das avenidas Joatildeo Alfredo 15ordm de Novembro 13ordm de Maio e Boulevard Castilho Franccedila Tambeacutem em suas ruas encontraacutevamos casas particulares entrecruzadas com corticcedilos hoteacuteis casas de pasto estacircncias oficinas de trabalho com quartos para morada pequenas manufaturas coleacutegios cocheiras e vacarias (CANCELA 2007 p 57-58)
Com a migraccedilatildeo intensa de nordestinos e estrangeiros estimulada pela economia da
borracha a cidade cresceu e se expandiu novas ruas e estradas como eram algumas delas
chamadas surgiram ou foram ampliadas A exemplo disto Cancela (2007) cita as Estradas de
Satildeo Braacutes da Joseacute Bonifaacutecio e do Entroncamento assim como as travessas da Rua do Jurunas
que formavam o 4ordm Distrito a Rua Grande da Pedreira as travessas do Marco da Leacutegua e do
siacutetio da Sacramenta que vieram a compor os receacutem criados 5ordm e 6ordm Distritos
O periacuteodo que compreende a segunda metade do seacuteculo XIX ateacute as primeiras deacutecadas
do seacuteculo XX caracterizou-se pelo predomiacutenio da economia da borracha na Amazocircnia
produzindo-se grandes excedentes direcionados ao mercado mundial Novas elites com
concepccedilotildees de urbano seguindo os modelos europeus direcionaram o processo de
reurbanizaccedilatildeo da cidade de Beleacutem transformando os espaccedilos e os costumes da cidade de
acordo com o que se produzia entatildeo no espelho que representava a cidade de Paris
Houve um crescimento populacional no bairro da Campina avanccedilando para o
interior Aleacutem disso vale destacar o calccedilamento de grande parte de suas ruas e agraves funccedilotildees
econocircmicas e poliacutetico-administrativas que Beleacutem passou a exercer no periacuteodo aacuteureo da Belle
Eacutepoque com a exploraccedilatildeo da borracha
173
As mudanccedilas nos serviccedilos de infraestrutura oferecidos na capital paraense que nos ajudam a entender as alteraccedilotildees pelas quais a cidade vinha passando tornam-se siacutembolos de modernidade de progresso de que algo grande e civilizado estaacute acontecendo inserindo Beleacutem no cenaacuterio das urbes mais contemporacircneas Todavia a forma de uso e vivecircncia desses serviccedilos mostrava-se diferenciado para os diversos segmentos sociais e estavam distantes do dia-a-dia de muita gente O custo da energia eleacutetrica os bonds precaacuterios de terceira linha a incipiente rede de encanamento impondo a continuidade do abastecimento de aacutegua nos poccedilos puacuteblicos para boa parte da populaccedilatildeo foram situaccedilotildees ainda encontradas na capital da belle eacutepoque que deslindaram a dificuldade das mudanccedilas chegarem ao conjunto da populaccedilatildeo A mesma dificuldade podia ser vivida para quem procurava uma casa para morar Com o crescimento da cidade e a intensa migraccedilatildeo a demanda em torno de moradia acentuou-se A compra de imoacuteveis tornou-se um dos investimentos mais rentaacuteveis da elite local Muitos deles eram comprados para arrendamento Os alugueacuteis eram altos e as possibilidades de morada restritas ou distanciadas dos locais de trabalho e de transporte (CANCELA 2007 p 60)
Durante o ciclo da borracha Beleacutem expandiu-se com extrema rapidez seguindo os
limites colocados pela existecircncia de muitas terras cortadas por igarapeacutes eou permanentemente
alagadas Esse periacuteodo da histoacuteria da cidade precisa ser destacado porque foram muitas as
transformaccedilotildees ocorridas no espaccedilo urbano
Castro (2008) argumenta que com a ascensatildeo da economia gomiacutefera a produccedilatildeo e
troca de mercadorias estendeu-se por um territoacuterio maior abrindo novas aacutereas de
povoamento
A rede que organizava a produccedilatildeo e a circulaccedilatildeo preacute-existente foi a base da produccedilatildeo inicial da borracha pois em todas as bocas de igarapeacutes e de rios com recursos e possibilidade de exploraccedilatildeo localizava-se um posto ou comeacutercio que tinha a funccedilatildeo de canalizar a produccedilatildeo agroextrativista trazida das terras interiores e de drenaacute-las para os portos de cidades maiores base da extensa rede de aviamento [] A funccedilatildeo econocircmica de circulaccedilatildeo e gestatildeo da produccedilatildeo a partir da cidade eacute a chave para o entendimento da formaccedilatildeo da rede urbana na Amazocircnia (CASTRO 2008 p 17-18)
A regiatildeo amazocircnica tornou-se interessante para o mercado exterior pois a borracha
transformou-se de droga do sertatildeo em mateacuteria-prima estrateacutegica para as induacutestrias de
pneumaacuteticos dos EUA e Europa configurando-se na quase uacutenica fonte de riqueza desta parte
do Brasil o que provocou segundo Cancela (2007 p 23-24) o periacuteodo de maior expressatildeo
poliacutetica cultural e soacutecio-econocircmico da regiatildeo Amazocircnica gerando condiccedilotildees materiais e de
vida nunca antes experimentadas propiciando novos espaccedilos vitais para a naccedilatildeo aleacutem da
revitalizaccedilatildeo de seu organismo social e financeiro
174
Com o aparecimento da vulcanizaccedilatildeo em 1839 descoberta por Charles Goodyear e
principalmente a invenccedilatildeo dos pneumaacuteticos por Dunlop em 1888 como tambeacutem a invenccedilatildeo
do automoacutevel e a massificaccedilatildeo do uso da bicicleta onde a borracha constituiacutea-se na mateacuteria-
prima fundamental satildeo os fatores responsaacuteveis pela grande corrida
agraves fontes fornecedoras
dessa mateacuteria-prima notadamente para a Amazocircnia que possuiacutea grandes densidades de
seringueiras Esta regiatildeo entatildeo tornou-se a principal fornecedora mundial43
Desta forma Beleacutem que ateacute entatildeo vinha passando por um processo de ocupaccedilatildeo
lenta baseada em atividades bem definidas (coleta extrativa das drogas do sertatildeo e uma
agricultura paralela) comeccedila a sofrer transformaccedilotildees importantes Sua principal atividade
econocircmica passa a basear-se no extrativismo gomiacutefero e um grande esforccedilo em busca da nova
riqueza eacute estabelecido fazendo aparecer novas vilas e povoados e fortalecendo outras cidades
de forma mais expressiva como Manaus
Vale ressaltar que o desenvolvimento dessa atividade provocou um crescimento
populacional e migratoacuterio especialmente a imigraccedilatildeo nordestina para a regiatildeo sendo um
fator importante para o crescimento da economia da borracha uma vez que havia a disposiccedilatildeo
matildeo-de-obra necessaacuteria agrave extraccedilatildeo do laacutetex44 nas matas amazocircnicas por um custo baixo
Analisando a historiografia pode-se afirmar que a elite mercantil formada em sua
maioria por estrangeiros passou a conquistar cada vez mais espaccedilo minimizando a influecircncia
exercida pelas famiacutelias tradicionais locais que construiacuteram suas riquezas a partir do comeacutercio
de terras e da criaccedilatildeo de animais (gado)
Os novos grupos sociais redefiniram as relaccedilotildees de influecircncia e de poder em Beleacutem
a ampliaccedilatildeo do setor de serviccedilos redimensionando a oferta de trabalho a exemplo das
profissotildees liberais e dos trabalhos temporaacuterios
(CANCELA 2007 p 59) provocando uma
alteraccedilatildeo no poder aquisitivo dos antigos proprietaacuterios de terra e dos comerciantes que
trabalhavam com exportaccedilotildees Esses grupos em particular foram os mais beneficiados
porque aleacutem de fortalecerem seu domiacutenio sobre as atividades econocircmicas mais lucrativas
ampliaram seu poder de pressatildeo e de influecircncia sobre a atuaccedilatildeo dos governos
estadual e
municipal
em funccedilatildeo de um volume maior de recursos arrecadados com o incremento das
exportaccedilotildees (SANTOS 1980)
43 Essa fase tem como pano de fundo a chamada segunda Revoluccedilatildeo Industrial caracterizada pelo excepcional progresso tecnoloacutegico da induacutestria quiacutemica da siderurgia e da eletricidade aleacutem da consolidaccedilatildeo do capital financeiro que proporcionou o surgimento das grandes corporaccedilotildees industriais 44 O laacutetex eacute um produto da seringueira tambeacutem denominada hevea brasiliensis que se destaca particularmente por sua elasticidade e impermeabilidade
175
Outro fator importante a ser destacado eacute a implantaccedilatildeo de infraestruturas que
facilitariam de maneira significativa o transporte dos produtos das cidades de Beleacutem e
Manaus para o exterior Estas cidades eram portuaacuterias e se constituiacuteram em porta de entrada
para a Amazocircnia pois possuiacuteam posiccedilatildeo privilegiada no escoamento da produccedilatildeo do Meacutedio
Amazonas e seus afluentes tornando-as com isso mais competitiva Os seringais eram os
lugares de produccedilatildeo e a cidade o lugar de comeacutercio A borracha representa o momento mais
importante da formaccedilatildeo da rede urbana ainda que incipiente com o povoamento e a
formaccedilatildeo de cidades em funccedilatildeo dos fluxos econocircmicos (CASTRO 2008 p 18)
Beleacutem constituiacutea-se num porto privilegiado por sua posiccedilatildeo geograacutefica servindo de entreposto aos navios que chegavam ou saiacuteam da regiatildeo amazocircnica transportando mercadorias e pessoas Durante muito tempo a borracha produzida no Amazonas e no Acre saiacutea do Brasil pelas aacuteguas belenense Mesmo apoacutes a diminuiccedilatildeo da produccedilatildeo da borracha em terras paraenses a capital continuou com um volume alto de negoacutecios em seu porto particularmente em funccedilatildeo das partidas de borracha advindas do Acre (CANCELA 2007 p 62)
Com a abertura dos portos a navios estrangeiros a atratividade de Beleacutem cresceu
muitas empresas fecharam suas portas em Manaus e se mudaram para a cidade portuaacuteria do
Paraacute intensificando o processo de urbanizaccedilatildeo da cidade
Castro (2008) ressalta que o modelo de povoamento baseia-se nos ciclos econocircmicos
e na loacutegica do trabalho escravo nas fazendas no interior e nas cidades nas quais se realizam
o escoamento da produccedilatildeo caracterizando o padratildeo campo-cidade
A respeito disso Lefebvre (1991 p 31-32) argumenta que a separaccedilatildeo entre a cidade
e o campo toma lugar entre as primeiras e fundamentais divisotildees do trabalho (a bioloacutegica e a
teacutecnica) Ela corresponde agrave separaccedilatildeo entre o trabalho material e o trabalho intelectual pois agrave
cidade cabem funccedilotildees de organizaccedilatildeo direccedilatildeo atividades poliacuteticas militares e elaboraccedilatildeo do
conhecimento
Nesse sentido Castro (2008) argumenta que as cidades tinham a funccedilatildeo de organizar
o mercado fluxos de comeacutercio exportaccedilatildeo entre outros e destaca que ateacute 1940 a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira estava no campo sendo que somente em 1960 haacute uma
transformaccedilatildeo do movimento demograacutefico com fluxos migratoacuterios do campo para as cidades
decorrente do processo de industrializaccedilatildeo a qual se constitui um novo processo de
acumulaccedilatildeo do capital conforme demonstrado na tabela 5
176
Tabela 5 - Crescimento Populacional e Urbanizaccedilatildeo no Brasil e na Regiatildeo Norte 1940-2000 Ano Brasil Regiatildeo Norte
Populaccedilatildeo Urbano Populaccedilatildeo Urbano 1940 41236315 3120 1462420 2770 1950 51944397 3620 1844655 3150 1960 70070457 4470 2561782 3750 1970 93139037 5590 3603860 4510 1980 119002706 6760 5880268 5170 1991 150367800 7500 9337150 5780 2000 169799170 8100 12900704 6987 Fonte IBGE Censos demograacuteficos de 1940 a 2000 (apud CASTRO 2008)
Dessa forma as poliacuteticas desenvolvimentistas impostas pelo governo federal nesse
periacuteodo fruto do processo de expansatildeo da fronteira capitalista no paiacutes para a regiatildeo
amazocircnica resultaram num processo de desarticulaccedilatildeo da atividade extrativa causando
enormes danos soacutecio-econocircmicos e ambientais agraves populaccedilotildees tradicionais
O aumento das aacutereas desflorestadas da Amazocircnia e os resultados desse processo tais
como a erosatildeo do solo e a poluiccedilatildeo das aacuteguas tecircm evidenciado a necessidade de reflexatildeo
sobre as formas tradicionais de uso da terra paralelo agrave formulaccedilatildeo de perspectivas que
combinem tanto a preservaccedilatildeo dos recursos naturais quanto agrave elevaccedilatildeo e regularidade do
niacutevel de renda dos extrativistas
Para Trindade Junior (1997) coube principalmente ao Estado controlado pela elite
regional a tarefa de direcionar a atividade econocircmica de replanejar a cidade bem como de
criar mecanismos de controle da vida social de seus habitantes de forma a adequar a
organizaccedilatildeo do espaccedilo urbano agraves exigecircncias trazidas pelo novo momento econocircmico
Esse novo momento aleacutem de gerar um crescimento populacional significativo45
acarretou em uma seacuterie de medidas voltadas para a (re)estruturaccedilatildeo do espaccedilo urbano jaacute que a
cidade passou a ter maiores dimensotildees e relevacircncia enquanto locus de acumulaccedilatildeo e
conservaccedilatildeo da riqueza gerada pela produccedilatildeo gomiacutefera
Dessa maneira a riqueza acumulada associada agrave aquisiccedilatildeo de terras deixou sua
marca na construccedilatildeo de um conjunto arquitetocircnico
teatro palaacutecios palacetes dentre outras
edificaccedilotildees
que realccedilou as influecircncias de estilos e traccedilos proacuteprios da arquitetura francesa
Tambeacutem haacutebitos culturais passaram a tomar como referecircncia valores e comportamentos
45 Na condiccedilatildeo de um dos maiores centros dinacircmicos de exportaccedilatildeo do laacutetez Beleacutem que em 1850 exibia cerca de 20000 habitantes chega em 1900 com cerca de 100000 habitantes Em 1920 eram 236402 os que habitavam esse municiacutepio Em grande medida esse incremento populacional na ordem de 1082 deveu-se ao deslocamento em massa de nordestinos para a regiatildeo norte (RODRIGUES 2000)
177
tiacutepicos dos franceses mais abastados Por sua beleza arquitetocircnica e por seu modo de vida
Beleacutem ficou conhecida como Paris n Ameacuterica 46
Pode-se afirmar que a intervenccedilatildeo no espaccedilo urbano da cidade marcou
historicamente o processo segregatoacuterio que atualmente ainda evidencia-se em Beleacutem Logo
o desenvolvimento urbano foi uma condiccedilatildeo necessaacuteria e estabelecida no periacuteodo de
desenvolvimento industrial no seacuteculo XX na maioria das capitais brasileiras e em Beleacutem natildeo
foi diferente
Ao longo desses anos a cidade principalmente um nuacutecleo mais central onde
residiam as famiacutelias mais tradicionais e poderosas passou a contar com uma seacuterie de
melhoramentos tais como ampliaccedilatildeo da rede de iluminaccedilatildeo puacuteblica de abastecimento de
aacutegua e esgotos de telefonia e de transportes coletivos
os bondes
A grande expectativa era de que a partir desse momento a cidade pela criaccedilatildeo de
uma melhor infraestrutura urbana atraiacutesse novos comerciantes e investidores interessados em
dinamizar as atividades produtivas tradicionais e gerar novas Contudo a mesma cidade que
ostentava o luxo e o ouro proveniente dos negoacutecios bem sucedidos envolvendo a borracha
por exemplo tambeacutem era marcada pela evidecircncia de um fenocircmeno ainda bastante atual
a
periferizaccedilatildeo das camadas pobres e sua consequumlente deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees gerais de
vida
Nesse periacuteodo ocorreram vaacuterios conflitos tipicamente urbanos como protesto contra
o aumento dos impostos o aumento de preccedilos dos produtos consumidos pelas classes
populares melhorias salariais melhores condiccedilotildees de vida e de moradia e outros As elites
dominantes respondiam a essas manifestaccedilotildees via controle social por meio de poliacuteticas e leis
restritivas a trabalhadores imigrantes criando programas sociais integrativos etc
A estrateacutegia de segregaccedilatildeo e de valorizaccedilatildeo espaciais passou a ser tatildeo eficiente que
as pessoas que natildeo possuiacuteam recursos para reformar suas casas e adaptaacute-las aos modelos
concebidos eram direta ou indiretamente levadas a se mudar para aacutereas afastadas do centro
urbano que eram locais muitas vezes sem saneamento baacutesico como por exemplo as aacutereas de
vaacuterzeas poreacutem estas ainda apresentavam nessa eacutepoca ocupaccedilatildeo inexpressiva
Os setores urbanos habitados pelas camadas populares ou de menor poder aquisitivo
e portanto que mais precisavam de melhorias e saneamento ficaram desprovidas de novos
investimentos em infraestrutura urbana uma vez que a maior parte dos recursos financeiros
46 Tambeacutem podem ser destacadas as expressivas construccedilotildees de luxo e modernizaccedilatildeo da cidade tais como a do Palaacutecio Lauro Sodreacute do Coleacutegio Gentil Bittencourt Teatro da Paz (1878) Palaacutecio Antocircnio Lemos e o do Mercado do Ver-o-Peso (1901)
178
estaduais e municipais era destinada ao atendimento dos segmentos sociais ligados ao luxo e
aos gastos que o comeacutercio da borracha propiciava (FERREIRA 1995)
Beleacutem avanccedilou o seacuteculo XX como outras cidades brasileiras com problemas de
administraccedilatildeo e de infraestrutura de poliacuteticas puacuteblicas e de investimentos A formaccedilatildeo de
novos nuacutecleos urbanos e o inchamento dos jaacute existentes seguiu uma loacutegica que atraiu
repentinamente trabalhadores oriundos das mais diversas localidades expulsando-os para a
periferia das cidades tornando seu assentamento e suas condiccedilotildees gerais de vida cada dia
mais difiacuteceis
Com as ocupaccedilotildees irregulares a falta de uma infraestrutura sanitaacuteria e o descaso de
sucessivas administraccedilotildees municipais com a qualidade dos programasprojetos de poliacuteticas
urbanas completou-se o quadro de agravamento da miseacuteria social e da degradaccedilatildeo ambiental
passando a se constituir em importantes moacuteveis de lutas urbanas
Na deacutecada de 1940 ocorreu a apropriaccedilatildeo de grandes extensotildees de terras situadas
nas imediaccedilotildees do limite da Primeira Leacutegua Patrimonial47 de Beleacutem por parte de instituiccedilotildees
puacuteblicas tais como Correios Companhia de Saneamento do Estado do Paraacute (COSANPA)
Universidade Federal do Paraacute (UFPA) e Aeroporto e militares (Marinha Exeacutercito e
Aeronaacuteutica) que passaram a se constituir em um obstaacuteculo agrave expansatildeo da malha urbana
Essa extensa aacuterea apropriada pelas instituiccedilotildees ficou conhecida como cinturatildeo institucional
(FERREIRA 1995)
Com esse impedimento de crescimento seguindo o espigatildeo principal a Av Tito
Franco (hoje denominada de Av Almirante Barroso) (Fotografia 3) as camadas populares
passaram a ocupar as aacutereas de cotas baixas da cidade que satildeo conhecidas como aacutereas de
baixadas nas quais a implantaccedilatildeo de equipamentos coletivos eacute dificultada e quando existe eacute
extremamente precaacuteria
47 Aacuterea de terra de aproximadamente uma leacutegua (contada a partir do marco de fundaccedilatildeo da cidade) doada em 1627 pelo Governo e Capitatildeo Geral do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo Paraacute ao Conselho Municipal de Beleacutem ficando a partir desse momento sob o Jus Domini do Governo desse Municiacutepio O limite da Primeira Leacutegua localiza-se no atual bairro do Marco assim chamado por ter sido nele onde foi fixado um marco desse limite (Av Almirante Barroso com a Av Dr Freitas) (CRUZ apud TRINDADE JUNIOR 1997)
179
Fotografia 3
Av Tito Franco (hoje Av Almirante Barroso)
Preacutedio da Escola de Agronomia
Beleacutem-PA
Fonte Acervo Beleacutem da Saudade (sd)
Conforme citado anteriormente as baixadas48 satildeo aacutereas alagadas ou alagaacuteveis que
segundo estudo publicado em 1976 correspondiam a 40 da aacuterea urbana do municiacutepio de
Beleacutem (SUDAM apud TRINDADE JUNIOR 1997) abrangendo mais de 45 da populaccedilatildeo
distribuiacuteda nos diversos bairros da cidade Essas aacutereas ficaram conhecidas principalmente a
partir da deacutecada de 1960 por serem espaccedilos de moradia das camadas sociais de baixo poder
aquisitivo (TRINDADE JUNIOR 1997)
De acordo com Pinheiro et al (2007) agrave medida que os igarapeacutes foram aterrados
surgiram outros bairros compondo a 1ordf Leacutegua Patrimonial A rigor as baixadas se
constituiacuteram tambeacutem em aacutereas onde ocorreram os maiores conflitos fundiaacuterios entre os anos
de 1960 e 1970 aleacutem das principais intervenccedilotildees puacuteblicas da poliacutetica habitacional marcada
pelas estrateacutegias de remoccedilatildeo e reassentamento Pode-se dizer que essas estrateacutegias tecircm sido o
principal objetivo das poliacuteticas habitacionais ateacute os dias atuais
Cabe destacar a existecircncia de trecircs grandes vetores de periferizaccedilatildeometropolizaccedilatildeo da
pobreza relacionados agrave questatildeo da moradia no periacuteodo de 1960 a 1990 que segundo Pinheiro
et al (2007 p 159) constata-se uma reproduccedilatildeo simultacircnea de subespaccedilos fiacutesicos e sociais
48 Trindade Junior (1997) tomando como referecircncia a concepccedilatildeo de espaccedilo de Santos considera as baixadas
enquanto espaccedilos segregados socialmente excluiacutedos com deficiecircncia e insuficiecircncia de equipamentos urbanos e comunitaacuterios
como espaccedilo sem cidadatildeos independentemente das condiccedilotildees do siacutetio urbano Nesse sentido para as pessoas que habitam esses espaccedilos eacute negado o direito agrave cidadania e os meios de consumo coletivo satildeo ausentes ou insuficientes
180
marcados pela segregaccedilatildeo e pobreza urbana entre os quais trecircs se destacam as baixadas
invasotildees de terras e conjuntos habitacionais 49
Esses trecircs grandes vetores relacionados agrave questatildeo da moradia das lutas e
mobilizaccedilotildees pelo direito de morar na RMB satildeo
1) As ocupaccedilotildees coletivas na aacuterea central da RMB basicamente nas chamadas aacutereas de baixadas restritas ao municiacutepio de Beleacutem nas deacutecadas de 1960 e 1970 e em menor volume nas deacutecadas de 1980 e 1990
2) As ocupaccedilotildees na chamada aacuterea de transiccedilatildeo apoacutes o centro expandido do municiacutepio de Beleacutem formaccedilatildeo de bairros com famiacutelias removidas das aacutereas urbanizadas no centro de Beleacutem
3) A aacuterea de expansatildeo urbana no sentido nordeste da RMB envolvendo primeiramente os municiacutepios de Ananindeua e ilhas e posteriormente os demais municiacutepios que compotildeem a RMB Em Ananindeua e distritos de Beleacutem (Icoaraci e Outeiro) destacam-se as invasotildees a conjuntos habitacionais (PINHEIRO et al 2007 p 159)
Com relaccedilatildeo aos movimentos populares surgiram nesse periacuteodo vaacuterios movimentos
que organizaram mobilizaccedilotildees manifestaccedilotildees mais radicais atos puacuteblicos manifestos de
todos os tipos reivindicando equipamentos coletivos urbanizaccedilatildeo de aacutereas segregadas e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria
Segundo a Comissatildeo de Bairros de Beleacutem (1984) as vitoacuterias alcanccediladas pelos
Comitecircs foram isenccedilatildeo das deacutecimas (imposto predial) instalaccedilatildeo de postos de abastecimento
de gecircneros alimentiacutecios de 1ordf necessidade instalaccedilatildeo de cooperativas nos bairros limpeza de
ruas abastecimento de aacutegua e fornecimento de energia eleacutetrica e isenccedilatildeo de taxas escolares
Entretanto em 1947 haacute um endurecimento do regime que governava o Paiacutes com uma
perseguiccedilatildeo a toda iniciativa de luta e resistecircncia das camadas populares com isso os
Comitecircs Democraacuteticos Populares (CDP) foram desativados
O modelo autoritaacuterio-centralizador de poliacuteticas puacuteblicas regionais que se
desenvolveram na Amazocircnia (Quadro 6) a partir da deacutecada de 1950 com o objetivo de
integrar a regiatildeo ao Centro-Sul resultou em significativas alteraccedilotildees nos padrotildees soacutecio-
espaciais de ocupaccedilatildeo urbana em Beleacutem
49 Historicamente podem-se indicar dois grandes eixos de ocupaccedilatildeo urbana a BR-316 em direccedilatildeo aos municiacutepios de Ananindeua Marituba Benevides e Santa Baacuterbara e a rodovia Augusto Montenegro em direccedilatildeo aos distritos de Icoaraci Outeiro Val-de-Cans Tenoneacute e Ilhas (PINHEIRO et al 2007)
181
Quadro 6
Principais elementos da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia (1953 a 1988)
Ano Programas Projetos e Oacutergatildeos Executores Objetivos
1953
SPVEA
Superintendecircncia do Plano de Valorizaccedilatildeo
Econocircmica da AmazocircniaPresidecircncia da Repuacuteblica
Elaborar planejamentos quumlinquumlenais para valorizaccedilatildeo econocircmica da Amazocircnia
1958
Rodovia Beleacutem-Brasiacutelia (BR-010)Ministeacuterio dos Transportes DNER
Implantar um eixo pioneiro para articular a Amazocircnia Oriental ao resto do paiacutes
1960
Rodovia Cuiabaacute-Porto Velho (BR-364)Ministeacuterio dos Transportes DNER
Implantar um eixo pioneiro para articular a porccedilatildeo meridional da Amazocircnia
1966 SUDAM
Superintendecircncia do Desenvolvimento da AmazocircniaMinisteacuterio do Interior
Coordenar e supervisionar programas e planos regionais decidir sobre a redistribuiccedilatildeo de incentivos fiscais
1967 SUFRAMA
Superintendecircncia da Zona Franca de ManausMinisteacuterio do Interior
Integrar a porccedilatildeo ocidental da Amazocircnia mediante criaccedilatildeo de um centro industrial e agropecuaacuterio e isenccedilatildeo de impostos
1968 Comitecirc Organizador dos Estados Energeacuteticos da AmazocircniaMinisteacuterio das Minas e Energia
Supervisionar estudos referentes ao aproveitamento do potencial energeacutetico
Incentivos FiscaisSUDAM Promover investimentos na regiatildeo por meio de deduccedilotildees tributaacuterias significativas
1970
PIN
Programa de Integraccedilatildeo Nacional Estender a rede rodoviaacuteria e implantar projetos de colonizaccedilatildeo oficial nas aacutereas de atuaccedilatildeo da SUDENE e SUDAM
Proterra
Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e Estimulo agrave Agroinduacutestria do Norte e Nordeste
Promover a capitalizaccedilatildeo rural
Incra
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma AgraacuteriaMinisteacuterio do Interior
Executar a estrateacutegia de distribuiccedilatildeo controlada de terra
1974
Polamazocircnia
Programa de Poacutelos Agropecuaacuterios e Agrominerais da AmazocircniaMinisteacuterio do Interior Agricultura e Transporte
Concentrar recursos em aacutereas selecionadas visando o estiacutemulo de fluxos migratoacuterios elevaccedilatildeo do rebanho e melhoria da infraestrutura urbana
1980
Getat
Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins Gebam
Grupo Executivo para a Regiatildeo do Baixo Amazonas SGCSPR
Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria discriminaccedilatildeo de terras e distribuiccedilatildeo de tiacutetulos
PGC
Programa Grande Carajaacutes SeplanPR
Explorar de forma integrada em grande escala recursos minerais e agroflorestais da regiatildeo
1981 PolonoroesteMinisteacuterio da Agricultura Transportes e Interior
Pavimentar a BR-364 promover a colonizaccedilatildeo
1985 PCN Projeto Calha Norte SGCSNPR
Oficialmente assegurar a soberania nacional fiscalizar a circulaccedilatildeo e assistir iacutendios
1987 Projeto 2010Ministeacuterio das Minas e Energia Eletronorte
Implantar rede hidreleacutetrica para estimular o desenvolvimento industrial da regiatildeo
1988 Programa Nossa NaturezaMinisteacuterio do Interior SA-DENPR
Oficialmente rever legislaccedilatildeo ambiental para a regiatildeo e zoneamento agroecoloacutegico na Amazocircnia
Fonte Becker (1994)
Com a construccedilatildeo da rodovia Beleacutem-Brasiacutelia facilitou-se a inserccedilatildeo de grande
contingente migratoacuterio estimulado pela promessa de terras abundantes e de faacutecil acesso tendo
em vista a garantia da forccedila de trabalho necessaacuteria agrave implantaccedilatildeo dos grandes projetos
182
Desse modo a Amazocircnia consolidava seu papel como fronteira de expansatildeo da
acumulaccedilatildeo por meio da implantaccedilatildeo de projetos destinados agrave exploraccedilatildeo de recursos
minerais agrave extraccedilatildeo de recursos naturais (como os projetos de empresas madeireiras) agraves
produccedilotildees agropecuaacuterias e agro-industriais agraves linhas de montagem industrial etc (SOUZA
1992 p 21-22)
Para Becker (1994) a fronteira natildeo eacute um fenocircmeno isolado Ela eacute definida em
relaccedilatildeo a um espaccedilo estruturado e sua potencialidade alternativa eacute circunscrita a limites
impostos pela formaccedilatildeo social em que se situa A expansatildeo da fronteira amazocircnica soacute pode
portanto ser compreendida a partir da inserccedilatildeo do Brasil no sistema capitalista global do poacutes-
Segunda Guerra Mundial em que o capitalismo atua no espaccedilo planetaacuterio mas os Estados
Nacionais conservam sua funccedilatildeo de controle e hierarquizaccedilatildeo constituindo-se agentes
primordiais na produccedilatildeo do novo espaccedilo
Assim o crescimento da cidade de Beleacutem e das demais capitais amazocircnicas
expressa por um lado a criaccedilatildeo de novas atividades urbanas pelo Estado e pelas empresas
privadas e por outro a profunda decadecircncia e transformaccedilatildeo das atividades agropecuaacuterias e
extrativistas que passam a desencadear correntes migratoacuterias no sentido rural-urbano
definindo formas marcantes de apropriaccedilatildeo do espaccedilo da cidade e de constituiccedilatildeo de sua
paisagem como por exemplo a produccedilatildeo de favelas (CORREcircA 1989)
Segundo Trindade Junior (1997) a produccedilatildeo do espaccedilo belenense eacute influenciada por
programas de renovaccedilatildeo urbana e pelo papel das camadas populares Nesse sentido os
principais agentes do processo de produccedilatildeo do urbano passam a ser aleacutem das camadas
populares o Estado e o capital imobiliaacuterio que exerceram uma accedilatildeo mais expressiva na
organizaccedilatildeo espacial
De acordo com a CODEM (1987) o crescimento demograacutefico que ocorreu em
Beleacutem desde a deacutecada de 1950 deu origem a quatro tipos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo a
verticalizaccedilatildeo a ocupaccedilatildeo dos centros de quadras por meio da propagaccedilatildeo de vilas e
passagens50 aumentando a densidade populacional das terras firmes ou terraccedilos e substituindo
a vegetaccedilatildeo pelas construccedilotildees urbanas a ocupaccedilatildeo das aacutereas aleacutem do cinturatildeo institucional
por meio de conjuntos habitacionais de induacutestrias e de habitaccedilotildees perifeacutericas de baixo padratildeo
construtivo e a ocupaccedilatildeo das planiacutecies de inundaccedilatildeo da cidade
50 Vilas conjunto de pequenas habitaccedilotildees independentes em geral idecircnticas ou de mesmo padratildeo habitacional e disposta de modo a formar rua ou praccedila no interior de quadras Passagens denominaccedilatildeo aplicada agraves vias com largura compreendida entre 4 e 8 metros (CODEM 1987)
183
Com a ultrapassagem do cinturatildeo institucional a malha urbana se expandiu para a
Segunda Leacutegua Patrimonial51 seguindo o eixo das rodovias BR-316 e Augusto Montenegro
ocupando aacutereas vizinhas (Ananindeua Marituba e Benevides)
Entretanto mesmo com a ultrapassagem do cinturatildeo os investimentos urbanos e os
empregos ficaram restritos agraves aacutereas centrais principalmente nos bairros de Nazareacute e
Comeacutercio na Primeira Leacutegua Patrimonial Assim o capital imobiliaacuterio ganhou importacircncia e
avanccedilou os processos de verticalizaccedilatildeo nessas aacutereas Esse processo exigiu a ampliaccedilatildeo e a
renovaccedilatildeo de serviccedilos urbanos e de infraestrutura aumentando ainda mais a valorizaccedilatildeo
desses espaccedilos em detrimento do restante da cidade onde se ampliaram as necessidades de
infraestrutura urbana principalmente nas baixadas
As baixadas satildeo caracterizadas segundo Trindade Junior (1997 p 28) de acordo
com as condiccedilotildees socioeconocircmicas de seus habitantes e satildeo configuradas pela precariedade de
moradia e dos equipamentos coletivos
A populaccedilatildeo dessas aacutereas caracteriza-se pela falta de qualificaccedilatildeo profissional e baixo niacutevel socioeconocircmico enfrentando consequumlentemente seacuterios problemas de empregos e subempregos acrescendo-se a isso grande nuacutemero de elementos que compotildeem os grupos familiares residindo em reduzidos cocircmodos habitaacuteveis sem condiccedilotildees de higiene e conforto refletindo-se essa situaccedilatildeo na sauacutede da comunidade
Trindade Junior ressalta que outras caracteriacutesticas podem ser somada as condiccedilotildees
socioeconocircmicas tais como
1) Aacutereas de habitaccedilatildeo subnormal desordenadamente distribuiacutedas e que obstruem natildeo o raro o escoamento hiacutedrico em face do deficiente sistema de macro drenagem existente
2) Com um sistema viaacuterio deficiente o que impossibilita o desenvolvimento do traacutefego normal da cidade e prejudica os serviccedilos de transporte coletivo destinado ao atendimento dessas populaccedilotildees
3) A circulaccedilatildeo interna de pedestres nas aacutereas de baixadas se faz de forma precaacuteria em geral atraveacutes de estivas de madeira quase sempre em peacutessimo estado de conservaccedilatildeo
4) O transporte coletivo que atende as baixadas se limita a circular dada a falta de condiccedilotildees para traacutefego interno em sua periferia obrigando os moradores de tais aacutereas a realizar por vezes grandes deslocamentos diaacuterios a peacute ateacute os pontos de ocircnibus
5) A impossibilidade de implantaccedilatildeo de sistemas de aacutegua potaacutevel de esgotos sanitaacuterios e de coleta de lixo
51 Corresponde a outra leacutegua acrescentada agrave Primeira Leacutegua Patrimonial no final do seacuteculo XIX doadas pelo Governo do Estado mas que diferentemente da outra doaccedilatildeo natildeo chegou a ser delimitada (TRINDADE JUNIOR 1998 p 104)
184
6) A impossibilidade de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica atraveacutes de redes de alta tensatildeo e por fim
7) A carecircncia de equipamentos urbanos de educaccedilatildeo e sauacutede obriga o deslocamento da populaccedilatildeo que deles necessita para aacutereas de cotas mais altas (ABELEacuteM apud TRINDADE JUNIOR 1997 p 28)
O referido autor argumenta tambeacutem que as baixadas satildeo consideradas espaccedilos sem
cidadatildeos pois o valor do homem estaacute relacionado ao local onde habita ao qual eacute negado o
direito agrave cidadania Seu valor como produtor consumidor cidadatildeo depende da sua
localizaccedilatildeo no territoacuterio Seu valor vai mudando [] para melhor ou para pior em funccedilatildeo das
diferenccedilas de acessibilidade (TRINDADE JUNIOR 1997 p 29)
As baixadas foram ocupadas por famiacutelias de baixo poder aquisitivo oriundas do
interior do Estado e de outros Estados em especial do Nordeste que seja pela expulsatildeo
acarretada pelas secas ou pelo processo de expansatildeo capitalista na Amazocircnia e seus discursos
ideoloacutegicos de oportunidade de emprego e melhores condiccedilotildees de vida deslocaram-se para a
cidade em busca de satisfazer agraves suas necessidades emprego e de moradia ocupando as aacutereas
alagadas bastante segregadas com grande densidade demograacutefica e com base na
autoconstruccedilatildeo de moradias (tipo palafitas) em terrenos puacuteblicos eou improacuteprias para
ocupaccedilatildeo edificada
Sendo assim essas famiacutelias migrantes ou natildeo para sobreviver na cidade buscaram
soluccedilotildees de moradia principalmente sobre o alagado ou em trechos distantes passando o
cinturatildeo institucional ampliando a periferia da cidade Assim construiacuteram casas de madeira
sobre estacas (Fotografia 4) cujo acesso era possiacutevel por meio de estivas (pontes de madeira)
ou aterravam as aacutereas com material fornecido pela Prefeitura ou conseguindo por ela proacutepria
tais como caroccedilo de accedilaiacute bagaccedilo de cana serragem de madeira e casca de castanha-do-paraacute
185
Fotografia 4 - Casas de madeira construiacutedas sobre estacas (Vila da Barca
Beleacutem-PA)
Fonte SEHAB (2010)
Tambeacutem procuravam resolver sua necessidade por serviccedilos de forma alternativa por
meio de ligaccedilotildees clandestinas de energia e aacutegua e na grande maioria das vezes de utilizaccedilatildeo
dos igarapeacutes como esgoto e depoacutesito de lixo Estes fatores criaram uma situaccedilatildeo em que as
condiccedilotildees de habitabilidade estavam muito baixas dos paracircmetros miacutenimos satisfatoacuterios
gerando um quadro de pobreza doenccedilas e baixa perspectiva de vida agravados pela ausecircncia
de efetivas accedilotildees governamentais voltadas ao enfrentamento da segregaccedilatildeo social
O migrante ao chegar a cidade vecirc dissipada sua ilusatildeo de liberdade de opccedilatildeo pelo emprego que mais lhe convecircm ou agrada Na verdade natildeo eacute apenas o direito e opccedilatildeo que natildeo tem muitas vezes natildeo encontra nenhuma chance de obter um emprego no mercado formal de trabalho Recorre entatildeo ao mercado informal de qualquer forma a cidade lhe oferece maiores vantagens do que o campo em termo de oportunidade de educaccedilatildeo assistecircncia meacutedica e tambeacutem de trabalho desempenhando diversas atividades nas quais geralmente tem a participaccedilatildeo de toda a famiacutelia (ABELEacuteM 1989 p 21)
Destarte a partir do crescimento acelerado da cidade em direccedilatildeo agraves alagadas
agravam-se os problemas sociais a escassez de terras na aacuterea central o seu alto custo e a
consequumlente especulaccedilatildeo imobiliaacuteria a proliferaccedilatildeo de doenccedilas e as pressotildees exercidas pela
populaccedilatildeo principalmente na eacutepoca de chuvas foram fatores que conduziram o poder puacuteblico
a intervir de forma sistemaacutetica inicialmente por meio da instalaccedilatildeo do Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) com o objetivo de intervir nas baixadas por meio
de um programa de construccedilotildees de canais iniciado em 1962 na bacia da Tamandareacute
estendendo-se ateacute 1967 Nessa mesma deacutecada tiveram iniacutecio as obras de saneamento do
186
Canal das Almas (atual Av Visconde de Souza Franco) como parte do programa de combate
agraves doenccedilas endecircmicas (TRINDADE JUNIOR 1997)
Na deacutecada de 1970 percebeu-se o crescimento e a expansatildeo urbana do municiacutepio por
meio de unidades imobiliaacuterias cadastradas em sua aacuterea urbana segundo levantamento do
Cadastro Teacutecnico Multifinalitaacuterio (CTM)52 naquele ano estavam cadastrados 120000
unidades habitacionais e em 2000 existiam 362064 cadastros (CODEMCTM) o que reflete
na taxa de urbanizaccedilatildeo a qual atinge cerca de 9953 segundo dados de Censo2000
Historicamente o fluxo migratoacuterio da referida deacutecada trouxe consequumlecircncias
negativas no que concerne a questatildeo da moradia no municiacutepio de Beleacutem uma vez que as
aacutereas alagadas conhecidas como baixadas foram ocupadas proporcionando uma condiccedilatildeo de
moradia subumana
O principal motivo de ocupaccedilatildeo desses espaccedilos foi a necessidade de moradia e o
faacutecil acesso a cidade aleacutem da ausecircncia de taxas e tributos jaacute que nessas aacutereas os serviccedilos e
equipamentos urbanos satildeo quase que inexistentes acarretando no agravamento da segregaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo do espaccedilo urbano
Entretanto faz-se necessaacuterio enfatizar que a urbanizaccedilatildeo amazocircnica natildeo eacute fruto
somente da migraccedilatildeo para a regiatildeo eou aumento do nuacutemero de cidades mas estaacute vinculada a
outros dois fatores 1) refere-se ao modo de integraccedilatildeo econocircmica do espaccedilo e 2) trata-se da
ordem ideoloacutegica e cultural responsaacutevel pela introduccedilatildeo na regiatildeo de normas e costumes
Constata-se assim que houve uma ampla intervenccedilatildeo econocircmica na regiatildeo gerando
transformaccedilotildees nos contextos sociais poliacuteticos econocircmicos e culturais produzindo uma nova
(re)configuraccedilatildeo do espaccedilo amazocircnico Esse processo de ocupaccedilatildeo causou a modificaccedilatildeo do
padratildeo de circulaccedilatildeo existente vinculada agrave rede dendriacutetica (BECKER 1994)
A abertura da malha rodoviaacuteria e fluvial implicou na multiplicaccedilatildeo de povoados e
vilarejos na regiatildeo amazocircnica Nesse sentido Beleacutem e Manaus assumiram a posiccedilatildeo de
metroacutepoles regionais A poliacutetica de incentivos fiscais atraiu empresas transnacionais para a
regiatildeo intensificando o fluxo migratoacuterio que formaram nuacutecleos de povoamento proacuteximo aos
grandes investimentos e as margens das estradas Todavia as induacutestrias que se instalaram na
regiatildeo natildeo absorveram o grande contingente populacional acarretando no aumento do
desemprego e consequumlentemente da pobreza na regiatildeo
52 TCM eacute um sistema de dados municipais de natureza alfanumeacuterica e graacutefica (mapas e imagens) organizados de maneira a possibilitar a visualizaccedilatildeo de informaccedilotildees por meio de mapas temaacuteticos tabelas e relatoacuterios que reuacutene dados baacutesicos essenciais ao planejamento e acompanhamento da gestatildeo municipal
187
Nesse sentido iniciou-se em Beleacutem uma seacuterie de pressotildees para desapropriaccedilatildeo seja
para fins de programas de governo de renovaccedilatildeo urbana seja para atender a pressotildees da
populaccedilatildeo que reclamava pelo direito de morar seja para atender a interesses de proprietaacuterios
(ABELEacuteM 1988)
Segundo Abeleacutem (1988) inicialmente a luta pela posse de terra urbana em Beleacutem se
deu de forma isolada e a populaccedilatildeo envolvida reagia em cada caso sem plena consciecircncia de
que seus problemas eram comuns agrave moradores de outros bairros como era o caso da aacuterea dos
Correios no bairro da Marambaia cuja luta pela desapropriaccedilatildeo iniciou-se em 1970 e o de
expulsatildeo dos moradores das terras da Aeronaacuteutica no bairro da Sacramenta em 1972 A
partir daiacute os conflitos se alastraram por vaacuterios bairros de Beleacutem
Os anos 1970 foram marcados em escala nacional por uma forte crise poliacutetica que se abateu sobre o regime militar em vigecircncia o que proporcionou a abertura de mais espaccedilos para a sociedade civil se organizar trazendo para o cenaacuterio poliacutetico atores que passam a redefinir-se a reconhecer-se mutuamente a decidir e a agir em conjunto apresentando-se como novo sujeito social no interior dos movimentos sociais (CRUZ 1994 p 65)
Foi nesse cenaacuterio de conflitos sociais oriundos da segregaccedilatildeo soacutecioespacial e de luta
pela moradia que surgiram as organizaccedilotildees comunitaacuterias e movimentos em defesa da reforma
urbana nos quais foram gerados processos de reivindicaccedilotildees coletivas em torno do direito de
morar
Essas reivindicaccedilotildees em Beleacutem ganharam expressividade a partir da deacutecada de
197053 devido agraves vaacuterias formas de organizaccedilatildeo popular que passaram a surgir reivindicando
demandas especiacuteficas como saneamento baacutesico creches escolas transportes postos de
sauacutede habitaccedilatildeo dentre outras
Dessa forma a luta pela posse de terra e pelos serviccedilos baacutesicos de infraestrutura
sauacutede e educaccedilatildeo implementou formas de constituiccedilatildeo e empoderamento pela base na praacutexis
cotidiana dando origem agrave constituiccedilatildeo de novos agentes sociais coletivos e de identidades
Conforme Souza (1990) de 1964 a 1974 a poliacutetica do Estado Nacional brasileiro foi
sobretudo uma poliacutetica de resistecircncia e opressatildeo agraves camadas populares e se expressou por
meio de prisotildees suspensatildeo dos direitos poliacuteticos cassaccedilatildeo de mandatos controle poliacutetico e
53 A participaccedilatildeo popular sempre esteve presente desde a colocircnia portuguesa ateacute hoje na Amazocircnia com as manifestaccedilotildees e demandas de accedilotildees ou poliacuteticas governamentais por parte dos grupos sociais excluiacutedos por exemplo em Beleacutem Nessa perspectiva todas as mobilizaccedilotildees e movimentos sociais satildeo formas de participaccedilatildeo popular que se diferenciam segundo as questotildees reivindicatoacuterias definidas pela conjuntura poliacutetica social e econocircmica que se encontram os atores sociais envolvidos
188
repressivo das organizaccedilotildees populares e sobretudo arrocho salarial O Estado se afastou cada
vez mais das camadas populares pelas medidas arbitraacuterias que tomou ante a problemaacutetica
urbana
No entanto as condiccedilotildees objetivas de periferizaccedilatildeo das cidades e da pauperizaccedilatildeo de
suas classes populares favoreceram que as lideranccedilas e organizaccedilotildees populares formadas com
propoacutesitos religiosos tornassem-se o uacutenico canal de expressatildeo das reivindicaccedilotildees por
melhores condiccedilotildees de vida frente agrave poliacutetica de exclusatildeo adotada na eacutepoca que alijava um
nuacutemero significativo da sociedade devido agrave negligecircncia do Estado em desenvolver sua
funccedilatildeo ou seja gestar poliacuteticas sociais de consumo coletivo
A igreja catoacutelica passou a incentivar a organizaccedilatildeo de moradores em Beleacutem
conscientizando-os de seus direitos e fomentando a atuaccedilatildeo poliacutetica das bases contribuindo
dessa forma para o fortalecimento das organizaccedilotildees populares54
Aleacutem da igreja catoacutelica outros atores colaboraram para a fomentaccedilatildeo das
organizaccedilotildees populares em Beleacutem tais como a Federaccedilatildeo de Oacutergatildeos para Assistecircncia Social
e Educacional (FASE)55 que desenvolveu trabalho de cunho educativo nos bairros
favorecendo assim a reorganizaccedilatildeo de grupos e setores marginalizados e a Sociedade
Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH)56 que passou a dar apoio e a incentivar
os movimentos populares contribuindo dessa forma para a ampliaccedilatildeo das perspectivas de
luta
Dentro desse contexto a sociedade comeccedilou a se organizar por meio dos Centros
Comunitaacuterios (CCs) e Associaccedilotildees de Moradores (AMs) de vaacuterios bairros de Beleacutem que
passaram a dotar uma poliacutetica de mobilizaccedilatildeo com o objetivo de lutar contra a situaccedilatildeo de
exclusatildeo a qual estavam submetidos
As principais lutas desenvolvidas pelas organizaccedilotildees populares no periacuteodo de 1970 a
1979 foram marcadas pela articulaccedilatildeo dessas por meio de Encontros de Comunidades que
oportunizaram as lideranccedilas trocarem experiecircncias de trabalho e decidirem os rumos de suas
54 Com o surgimento de vaacuterias Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ala progressista da igreja catoacutelica houve uma emergecircncia e proliferaccedilatildeo de organizaccedilotildees comunitaacuterias pois aleacutem de contribuir no processo de formaccedilatildeo poliacutetica das lideranccedilas passaram a ser consideradas como canteiros de onde os movimentos sociais colhiam as lideranccedilas bem como espaccedilo para denuacutencia e questionamentos das praacuteticas poliacuteticas autoritaacuterias implementadas pelo regime militar 55 A FASE foi fundada no ano de 1964 e teve num primeiro momento o papel fundamental de prestar assessoria teacutecnica aos grandes projetos de desenvolvimento na Amazocircnia posteriormente passou a promover assessoria poliacutetico-pedagoacutegica a vaacuterias organizaccedilotildees populares atraveacutes da capacitaccedilatildeo de lideranccedilas em vaacuterios bairros de Beleacutem (CRUZ 1994) 56 A SPDDH surgiu no ano de 1977 e era composta por setores heterogecircneos da sociedade como exigecircncia da luta contra a falta de informaccedilatildeo da sociedade sobre os seus direitos poliacuteticos e sociais como tambeacutem das arbitrariedades e abusos sobre os direitos humanos no governo ditatorial da eacutepoca
189
lutas pela posse de terra por aterro por construccedilatildeo de escolas por aacutegua postos de sauacutede
entre outros
A realizaccedilatildeo desses encontros permitiu uma maior conscientizaccedilatildeo dos movimentos
populares que promoveram a ruptura com a imediaticidade passando a executar uma poliacutetica
de reivindicaccedilatildeo em acircmbito maior frente agrave poliacutetica adotada pelo Estado
Em 1973 a intervenccedilatildeo puacuteblica nas baixadas eacute retomada por meio de uma proposta
global que visava intervir no conjunto formado pelas bacias hidrograacuteficas Assim foi
necessaacuteria a assinatura de um convecircnio entre o DNOS a Superintendecircncia de
Desenvolvimento da Amazocircnia (SUDAM) e o Governo do Estado que deu origem agrave
Monografia das Baixadas de Beleacutem (TRINDADE JUNIOR 1997)
No ano de 1976 a Prefeitura Municipal de Beleacutem (PMB) o DNOS a SUDAM e o
Governo do Estado firmaram outro convecircnio instituindo-se desse modo o Programa de
Recuperaccedilatildeo das Baixadas (PRB) que tomou duas direccedilotildees complementares uma
compreendeu o Plano Global que envolve estudos levantamentos e projetos visando atingir
todas as aacutereas de baixadas e a outra o Plano de Accedilatildeo Imediata (PAI) visando viabilizar as
obras do DNOS no Igarapeacute Satildeo Joaquim na aacuterea do Una Este uacuteltimo seria uma experiecircncia
piloto de orientaccedilatildeo para outras obras de drenagem urbana (TRINDADE JUNIOR 1997)
O Programa de Recuperaccedilatildeo das Baixada transferiu os moradores da aacuterea do Barreiro
para o Conjunto Promorar e Providecircncia Entretanto esta populaccedilatildeo teve suas moradas
financiadas pelo Sistema Nacional de Habitaccedilatildeo e como natildeo puderam arcar com os custos
desse sistema acabaram retornando agrave aacuterea de baixadas
Abeleacutem (1989) ressalta que o Programa foi executado sem que as famiacutelias pudessem
decidir o seu destino natildeo sendo ouvidas nos aspectos relativos agrave remoccedilatildeo ao novo local de
moradia o que demonstra o niacutevel de imposiccedilatildeo do planejamento urbano sobre a camada pobre
da sociedade residente naquela aacuterea de baixada fator este que posteriormente levou ao
fracasso do programa Segundo Trindade Junior (1997) a partir desse momento foram
realizadas vaacuterias intervenccedilotildees do poder puacuteblico em aacutereas alagadas sendo no entanto de
caraacuteter esparso e natildeo globalizantes
Nesse sentido percebe-se que apesar dos avanccedilos dos movimentos populares uma
total ausecircncia da participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisotildees em relaccedilatildeo a tais projetos
evidenciando assim outros interesses em jogo principalmente o econocircmico jaacute que os
benefiacutecios sociais tidos como justificativa primeira do programa tinham na verdade papel
secundaacuterio
190
Ambas experiecircncias em que pese os benefiacutecios em infraestrutura para as aacutereas
atingidas a intervenccedilatildeo esteve pautada pela accedilatildeo racionalizadora do planejamento ficando a
populaccedilatildeo na condiccedilatildeo de objeto e natildeo de sujeitos das accedilotildees desenvolvidas [] A poliacutetica
urbana implementada tendeu a reforccedilar a supremacia do espaccedilo abstrato sobre o espaccedilo social
contribuindo para a reproduccedilatildeo das desigualdades sociais
(SOUZA 1992 p 75)
Em 1977 os conflitos pela posse de terra se acirraram entre moradores Estado
latifundiaacuterios urbanos e imobiliaacuterios devido ao aumento do nuacutemero das ocupaccedilotildees de terras
principalmente nos bairros da Cremaccedilatildeo Jurunas Terra Firme Pedreira Sacramenta Benguiacute
Marco e Una sendo que estes conflitos provocaram a expulsatildeo derrubada de casas repressatildeo
policial e prisotildees57 Essa experiecircncia levou os movimentos populares a se organizarem ainda
mais e lutarem em defesa de um pedaccedilo de terra para morar
Constituindo-se em sujeitos coletivos os movimentos populares unificaram-se na
luta pela posse da terra lanccedilando a Campanha pelo Direito de Morar que envolveu vaacuterios
bairros da cidade como Jurunas e Sacramenta Essa praacutetica culminou com o fortalecimento
das organizaccedilotildees e com a criaccedilatildeo da Comissatildeo de Bairros Pobres de Beleacutem que mais tarde
passou a ser chamada de Comissatildeo de Bairros de Beleacutem (CBB) em 28 de janeiro de 1979 E
era uma entidade federativa que formaliza a articulaccedilatildeo dos centros comunitaacuterios e
associaccedilotildees de moradores voltada para os problemas da terra e contra a violecircncia policial
Como se vecirc o movimento popular de Beleacutem desde seu surgimento apoacutes o golpe militar realizaram accedilotildees articulando formas de organizaccedilatildeo mais permanente com outros em termos de campanhas e movimentos mais gerais buscando fortalecer a concretizaccedilatildeo de suas demandas (CRUZ 1994 p 85)
De acordo com Cruz (1994) a CBB58 possuiacutea maior inserccedilatildeo nos bairros onde as
contradiccedilotildees sociais e os conflitos eram mais expliacutecitos Sua principal bandeira de luta era
pelo direito de morar Desse modo passou a coordenar grandes mobilizaccedilotildees e atos puacuteblicos
para encaminhar as lutas por melhores condiccedilotildees de vida
Esse fato ocasionou em um aumento significativo na estruturaccedilatildeo do movimento
popular em Beleacutem Os sujeitos sociais que emergiram nesse momento histoacuterico ganharam
mais legitimidade e representatividade poliacutetica nas lutas pelo direito agrave cidade e agrave cidadania
57 Outro movimento importante nessa eacutepoca foi a revolta ou guerra da poeira que emergiu em vaacuterias ruas de Beleacutem para evitar o tracircnsito de carros e coletivos que levantavam poeira provocando problemas de sauacutede aos moradores (CBB 1984) 58 A estrutura interna da CBB foi concebida inicialmente atraveacutes de trecircs representantes por bairro participantes da luta que integraram sua composiccedilatildeo por dois anos ateacute que se realizasse um Congresso para eleger sua diretoria A CBB congregava cerca de 50 entidades comunitaacuterias naquela eacutepoca (CRUZ 1994)
191
Os movimentos populares ultrapassaram o imediatismo de suas reivindicaccedilotildees transformando
suas carecircncias em direitos de cidadania e ganhando significado de uma luta pela reabertura do
social como uma nova alternativa poliacutetica desencadeando formas de atuaccedilatildeo poliacutetica e
ampliando o espaccedilo da cidadania no acircmbito social e poliacutetico Esse processo eacute intermediado
pelo Estado e por diversos agentes de produccedilatildeo do espaccedilo urbano mediante contradiccedilotildees e
ambiguumlidades
Num outro enfoque Cruz (1994) remonta que a luta pelo direito de morar em Beleacutem
interferiu no processo de organizaccedilatildeo espacial da cidade a partir de uma loacutegica proacutepria dos
moradores com os processos desencadeados por meio das diferentes lutas originadas nos
locais de moradia especificamente nas ocupaccedilotildees59
Nessa luta a relaccedilatildeo com o Estado foi alterada passando os teacutecnicos estaduais a
realizarem reuniotildees no proacuteprio bairro e a contar com a participaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo da
sociedade nas demarcaccedilotildees dos lotes nas decisotildees a serem tomadas nos pagamentos a serem
efetivados (ABELEacuteM 1989)
Apesar das vitoacuterias diversos conflitos continuavam latentes permanecendo vaacuterias
questotildees pendentes em quase todos os bairros Os movimentos populares permaneciam se
organizando lutando em busca de soluccedilatildeo para os seus problemas que no primeiro momento
eram mais restritos a questotildees da posse da terra depois passaram a ser mais amplo tais como
aacutegua energia escola60 posto de sauacutede vias de acesso feiras supermercados e saneamento
baacutesico Sendo assim esses movimentos populares de Beleacutem partiram para um trabalho mais
abrangente conscientizando a sociedade da necessidade de participaccedilatildeo e exigindo do
governo natildeo soacute soluccedilotildees imediatas mas tambeacutem a participaccedilatildeo na gestatildeo da cidade mesmo
que dentro de certos limites
Todavia o Estado passou a utilizar-se das organizaccedilotildees de bairros para viabilizar
suas poliacuteticas por meio da cooptaccedilatildeo e da criaccedilatildeo de entidades fantasmas com o objetivo
de enfraquecer a luta social passando a tratar as organizaccedilotildees populares como um
instrumento a seu serviccedilo incentivando controlando dividindo e apaziguando-as na medida
em que centralizavam o encaminhamento das demandas e atendiam agraves solicitaccedilotildees sem no
entanto nada mudar estruturalmente
59 Apoacutes vaacuterios anos lutando pelo Direito de Morar os movimentos populares unificados com a CBB conseguiram relevantes vitoacuterias como por exemplo a desapropriaccedilatildeo de trecircs aacutereas na Sacramenta (Ferro Costa que foi negociada com a Companhia de Administraccedilatildeo do Desenvolvimento da Aacuterea Metropolitana de Beleacutem (CODEM) por meio do pagamento simboacutelico de cinco mil cruzeiros na eacutepoca aacuterea pertencente agrave Aeronaacuteutica que foi negociada com o Banco Nacional de Habitaccedilatildeo (BNH) e aacuterea pertencente ao governo municipal) que retratou a importacircncia da organizaccedilatildeo para o ecircxito das lutas servindo assim de incentivo para os demais bairros 60 Essa luta desdobrou-se na campanha Escola para Todos
192
Sendo assim evidencia-se que a presenccedila do Estado por meio de poliacuteticas puacuteblicas
de cunho assistencialista orientada e proposta pelo Governo Federal levou ao fortalecimento
das praacuteticas de cooptaccedilatildeo e clientelismo Nesse momento as accedilotildees pelo governo serviram
mais como estrateacutegias poliacuteticas do que proporcionaram melhoria da qualidade de vida da
populaccedilatildeo
Em 20 de outubro de 1985 surgiu a Federaccedilatildeo Metropolitana de Centros
Comunitaacuterios e Associaccedilotildees de Moradores (FMCCAM) atualmente identificada pela sigla
FEMECAM como forma de articular as entidades comunitaacuterias dissidentes da CBB e outras
novas criadas com o incentivo do governo
Essa federaccedilatildeo era apoiada pelo Estado fruto da cooptaccedilatildeo e do clientelismo e usava
o discurso da participaccedilatildeo e democratizaccedilatildeo do governo afirmando que havia necessidade de
um gerenciamento mais eficiente do movimento popular nas reivindicaccedilotildees junto ao governo
pois a CBB aleacutem de natildeo estar correspondendo tinha uma preocupaccedilatildeo mais poliacutetica-
partidaacuteria (MORAES 1997)
Desde o I Congresso a Federaccedilatildeo sempre teve muito apoio dos oacutergatildeos estatais e municipais de entidades particulares e de algumas empresas Por exemplo no I Congresso noacutes tivemos um apoio muito grande do governo do Estado e da Prefeitura Municipal na gestatildeo Coutinho Jorge que nos deram muito apoio Do Governo do Estado recebemos um carro com motorista a nossa disposiccedilatildeo para realizarmos o nosso trabalho a Prefeitura arcou com os cartazes a parte da alimentaccedilatildeo a outra foi o governo do Estado atraveacutes do pagamento do local para a realizaccedilatildeo do congresso aleacutem do apoio das empresas de ocircnibus que deslocaram a cada bairro de Beleacutem um veiacuteculo para conduzir as congressistas (CRUZ 1994 p 111)
Esse tipo de posicionamento reflete o interesse que o Estado materializado pelas
administraccedilotildees puacuteblicas tem de se legitimar bem como a falta de maturidade da entidade em
questionar as accedilotildees e estrateacutegias do Estado
Segundo Pinheiro et al (2007) a partir da deacutecada de 1980 com os projetos de macro
e microdrenagem das bacias hidrograacuteficas o Estado avanccedilou na intervenccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de saneamento e reestruturaccedilatildeo urbana das baixadas acarretando a remoccedilatildeo de seus
moradores para aacutereas mais distantes do nuacutecleo urbano e a oferta de novos espaccedilos
infraestruturados ao mercado imobiliaacuterio
Aleacutem disso com a falta de investimento em poliacuteticas de habitaccedilatildeo popular ampliam-
se o deacuteficit habitacional e os conflitos fundiaacuterios pela terra de morar As famiacutelias expulsas das
baixadas e os imigrantes de outros municiacutepios encontram na praacutetica das ocupaccedilotildees coletivas
193
terras ociosas a alternativa para suprir a carecircncia de moradia indicando um segundo vetor de
periferizaccedilatildeo da populaccedilatildeo de menor poder aquisitivo (PINHEIRO et al 2007)
No acircmbito municipal em 1986 foi criada a Secretaria Municipal de Saneamento
(SESAN) com o objetivo de sanear e drenar as aacutereas de baixadas passando a desenvolver
accedilotildees que visavam natildeo mais projetos de remoccedilatildeo e abertura de canais e sim uma tentativa de
melhorar as condiccedilotildees de vida nas aacutereas alagadas por meio dos serviccedilos de drenagem
macrodrenagem terraplanagem revestimentos asfaacutelticos calccediladas e outros Nesse contexto
desenvolveu-se o Projeto Comunidades Urbanas para Recuperaccedilatildeo Acelerada (CURA) que
foi executado nos bairros do Marco e Pedreira (TRINDADE JUNIOR 1997)
A partir de 1987 foi desenvolvido pela PMB o Programa de Recuperaccedilatildeo das
Baixadas (PRB) sendo eleita como prioritaacuteria a Bacia do Una Esse programa possuiacutea um
prazo inicial de quatro anos e incluiacutea obras viaacuterias e de saneamento em uma aacuterea de 3644
hectares envolvendo nove bairros de Beleacutem (TRINDADE JUNIOR 1997)
Eacute nesse cenaacuterio que a CBB passou a se preocupar em redimensionar sua intervenccedilatildeo
poliacutetica pois comeccedilou a admitir a importacircncia em ocupar os espaccedilos institucionais como por
exemplo o Comitecirc de Assessoria ao Programa de Macrodrenagem da Bacia do Una
procurando interferir no desenvolvimento do programa apresentando propostas com base nos
debates desenvolvidos junto agraves suas entidades (CRUZ 1994)
Por sua vez a FEMECAM tambeacutem procurou rever sua postura e estrateacutegia junto ao
governo jaacute que percebeu que com a mudanccedila nas administraccedilotildees municipal e estadual nem
sempre teve reconhecida sua importacircncia como interlocutora
Nesse sentido as duas entidades buscaram uma intervenccedilatildeo mais forte na defesa das
causas populares e principalmente frente as novas demandas que exigem maior qualificaccedilatildeo
do movimento popular com o objetivo de proporem alternativas em relaccedilatildeo agrave accedilatildeo estatal e
para a continuaccedilatildeo da luta por uma cidade democraacutetica
Na deacutecada de 1990 os movimentos ligados agrave luta pela moradia em Beleacutem tiveram
conquistas importantes conseguindo se engajar na luta pela reforma urbana participando na
elaboraccedilatildeo do Plano Diretor da Cidade aleacutem de estarem agrave frente na defesa e nas negociaccedilotildees
de leis de Poliacuteticas Habitacionais e de Desenvolvimento Urbano demonstrando a importacircncia
dessas poliacuteticas para a melhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo e principalmente
buscando garantir a participaccedilatildeo popular na gestatildeo de controle das poliacuteticas puacuteblicas
O Plano Diretor de Beleacutem elaborado em 1991 e tornado lei em 1993 (Lei nordm 7603
de 13011993) definiu e traccedilou diretrizes agrave poliacutetica urbana e ao sistema de planejamento e
gestatildeo da cidade Aleacutem disso teve como pressuposto baacutesico a implementaccedilatildeo de instrumentos
194
que pudessem combater a pobreza urbana buscando alternativas de desenvolvimento que
superassem suas contradiccedilotildees colocando a sociedade civil como agente principal desse
processo
O Plano Diretor garantiu conquistas importantes tais como solo criado imposto
predial e territorial progressivo no tempo e no espaccedilo usucapiatildeo especial do imoacutevel urbano
zonas especiais de interesse social (ZEIS) fundo de desenvolvimento urbano transporte
coletivo saneamento e a participaccedilatildeo popular viabilizada por meio da regulamentaccedilatildeo do
Conselho de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (CONDUMA) dos Conselhos
Setoriais e dos Conselhos Regionais
De acordo com Moraes (1997) no final de dezembro de 1991 iniciaram-se debates
em torno do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una (PMBU) suscitados por vaacuterias
entidades do movimento popular sindical e categorias profissionais
A partir desse momento os movimentos populares tomam como pontos de
discussotildees o Plano Diretor Urbano (PDU) e o Projeto de Macrodrenagem aleacutem de dar iniacutecio a
mobilizaccedilotildees que visavam agrave obtenccedilatildeo de maiores informaccedilotildees acerca de outros projetos de
urbanizaccedilatildeo das baixadas de Beleacutem anunciadas pelo poder puacuteblico estadual e municipal61
O movimento popular sentiu-se desafiado a buscar uma estrateacutegia de intervenccedilatildeo que fosse aleacutem das iniciativas ateacute aquele momento efetivadas Constatou-se a necessidade de articular os diversos atores sociais que atuam no enfrentamento da questatildeo urbana como associaccedilotildees de moradores entidades de assessoria sindicatos federaccedilotildees de bairros com o objetivo de redimensionar suas accedilotildees unificando-as e potencializando-as em favor das classes populares [] Duas grandes questotildees passaram a orientar as accedilotildees desenvolvidas pelo movimento popular de Beleacutem a) fazer com que o projeto do Plano Diretor em tramitaccedilatildeo na Cacircmara Municipal voltasse a ser discutido com a populaccedilatildeo antes de sua aprovaccedilatildeo b) intervir no Projeto de Macrodrenagem do Una dada sua efetivaccedilatildeo em curso sem maiores esclarecimentos e sem participaccedilatildeo dos moradores das aacutereas atingidas (SOUZA 1992 p 64)
Diante desse contexto foi instalado no dia 08 de fevereiro de 1992 o Foacuterum
Metropolitano de Reforma Urbana (FMRU) possuindo sua origem vinculada agrave necessidade
de uma intervenccedilatildeo mais qualitativa dos setores populares no processo de elaboraccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo do PDU de Beleacutem assim como discutir o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do
Una e o seu processo de remanejamento de famiacutelias
61 O governo estadual estava anunciando o Projeto Comunidade com Dignidade com o objetivo de urbanizar as aacutereas de ocupaccedilatildeo de Beleacutem e Ananindeua O governo municipal estava iniciando em 1991 a execuccedilatildeo do Projeto de Microdrenagem da Bacia do Tucunduba atingindo um grande nuacutemero de famiacutelias (FMRU 1992)
195
O Foacuterum configurou-se como uma rede de articulaccedilotildees de diversas entidades urbanas
e visava ser um espaccedilo de debates poliacutetico de proposiccedilatildeo alternativa agraves poliacuteticas puacuteblicas e de
lutas pela Reforma Urbana62 onde as diversas organizaccedilotildees da sociedade civil se uniram pela
conquista de seus direitos baacutesicos como moradia saneamento transporte energia educaccedilatildeo
sauacutede e que nesse momento apontavam para uma reestruturaccedilatildeo geral do espaccedilo urbano
fundamentada numa participaccedilatildeo popular efetiva
Para Ferreira (2004) a necessidade da sua articulaccedilatildeo se fez por dois motivos
primeiro pela possibilidade de se tentar a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor Urbano de Beleacutem antes
da revisatildeo acordada anteriormente com a Cacircmara de Vereadores de apreciaccedilatildeo por parte dos
movimentos sociais o atendimento de suas demandas segundo pela necessaacuteria socializaccedilatildeo
com a sociedade civil dos projetos previstos para serem implementados no campo do
saneamento baacutesico nas aacutereas da Bacia do Una tanto pelo governo estadual quanto municipal
O manifesto de criaccedilatildeo do FMRU foi assinado por 21 entidades (associaccedilotildees de
moradores centros comunitaacuterios CBB FEMECAM sindicatos CUT FASE entre outros)
tendo por objetivos os seguintes pontos
1) Lutar pela aprovaccedilatildeo do anteprojeto de Lei do Plano Diretor de Beleacutem 2) Lutar pelo acesso agraves informaccedilotildees contidas nos projetos de macro e micro drenagem do poder puacuteblico 3) Propor alternativas ao processo de ocupaccedilatildeo urbana que atenda aos interesses da populaccedilatildeo e soluccedilotildees alternativas que priorizem a equidade nas futuras accedilotildees de ocupaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do espaccedilo urbano amazocircnico e regional 4) Democratizar o territoacuterio atraveacutes de maior acesso a terra 5) Distribuir equumlitativamente a habitaccedilatildeo os bens naturais materiais e os serviccedilos urbanos 6) Lutar pela gestatildeo democraacutetica do espaccedilo urbano 7) Respeitar e estimular as praacuteticas culturais e histoacutericas das identidades construiacutedas pela populaccedilatildeo 8) Garantir o uso ecologicamente equilibrado e socialmente justo do meio ambiente 9) Priorizar o transporte coletivo nas suas diversas modalidades 10) Efetivar uma poliacutetica de habitaccedilatildeo e saneamento que garanta construccedilatildeo de habitaccedilotildees populares realizaccedilatildeo de urbanizaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria em aacutereas de baixa renda estabelecimento de mecanismos que garantam condiccedilotildees miacutenimas de infraestrutura aacutegua potaacutevel remoccedilatildeo e tratamento dos esgotos sanitaacuterios e sistema de limpeza 11) Lutar por uma ampla e real participaccedilatildeo popular em todos os projetos e accedilotildees pertinentes agrave reestruturaccedilatildeo urbana (FMRU 1992 p 55)
62 Na perspectiva dos setores populares envolvidos no FMRU a reforma urbana eacute entendida como garantia da cidade para todos (funccedilatildeo social da cidade) na qual a sociedade civil possa intervir em sua construccedilatildeo e ordenamento (gestatildeo democraacutetica da cidade) com equidade de acesso agrave habitaccedilatildeo e infraestrutura urbana (redistribuiccedilatildeo de renda) (SOUSA 1998)
196
Nesse sentido o FMRU passou entatildeo a compor o cenaacuterio poliacutetico municipal
cumprindo funccedilotildees natildeo mais somente reivindicatoacuterias mas funccedilotildees de agente de pressatildeo de
coordenador do processo e de mediador entre os interesses que surgiram nas discussotildees em
torno do Plano Diretor e do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una (FERREIRA 2004)
O FMRU incorporou a concepccedilatildeo de ser necessaacuterio a participaccedilatildeo efetiva da populaccedilatildeo nos centros de decisatildeo de seus destinos natildeo apenas no campo reivindicatoacuterio mas tambeacutem no sentido de propor alternativas agraves poliacuteticas puacuteblicas o que exigia uma atuaccedilatildeo qualificada por parte desses movimentos (FMRU 1992 p 72)
No tocante a questatildeo habitacional nos uacuteltimos anos dos seacuteculos XX e XXI a atuaccedilatildeo
governamental foi voltada para a urbanizaccedilatildeo e o saneamento baacutesico de aacutereas de baixadas
com a reassentamento remoccedilatildeo eou remanejamento de famiacutelias que residem nessas aacutereas
objetivando ampliar o estoque de terras infraestruturadas para o mercado imobiliaacuterio assim
como a ampliaccedilatildeo de investimentos para melhorar as condiccedilotildees de habitaccedilatildeo nas aacutereas
alagadas que dependem de urbanizaccedilatildeo como a realizaccedilatildeo de infraestrutura fiacutesica obras de
drenagem recuperaccedilatildeo e abertura de canais Aleacutem disso outra accedilatildeo do poder puacuteblico diz
respeito ao processo de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de aacutereas de ocupaccedilatildeo
Segundo Pinheiro et al (2007) o processo de ocupaccedilotildees coletivas visando agrave soluccedilatildeo
de moradia tornou-se bastante evidente na RMB uma vez que o problema da moradia se
agravou face ao constante aumento dos preccedilos das terras urbanas dos alugueacuteis e dos baixos
salaacuterios e tambeacutem pela falta de investimento puacuteblico (setor habitacional) para a faixa salarial
de ateacute cinco salaacuterios miacutenimos
Dessa forma as classes populares foram cada vez mais levadas a ocupar aacutereas
ociosas nas periferias Estas ocupaccedilotildees coletivas de terras para moradia passaram a
representar um foco de resistecircncia da sociedade civil frente ao autoritarismo imprimindo
inuacutemeras transformaccedilotildees nas relaccedilotildees entre Estado e as classes populares que de forma
organizada e coletiva ergueram suas casas (autoconstruccedilotildees) e conquistaram o direito de
morar legitimando as contradiccedilotildees da realidade urbana e colocando o urbano como espaccedilo
socialmente produzido na correlaccedilatildeo de forccedilas da sociedade (PINHEIRO et al 2007)
197
42 CONSTRUCcedilAtildeO DO ESPACcedilO URBANO EM SAtildeO LUIS E A QUESTAtildeO HABITACIONAL
A cidade se constitui em um produto da economia de mercado assim como um local
de acumulaccedilatildeo de capital e onde as condiccedilotildees para a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho podem
mais plenamente ser realizadas Conforme ressaltado por Correcirca (1989) os processos sociais
produzem forma movimento e conteuacutedo sobre o espaccedilo urbano organizando a produccedilatildeo
espacial das metroacutepoles
Essa organizaccedilatildeo caracteriza-se por usos da terra diferenciados tais como o da aacuterea
central aacutereas industriais e aacutereas residenciais diversas e pelas interaccedilotildees como fluxo de
capital migraccedilotildees diaacuterias entre local de residecircncia e local de trabalho entre outros Aleacutem
disso a cidade tem um caraacuteter poliacutetico
Para Harvey (1980) a cidade eacute a expressatildeo concreta de processos sociais na forma de
um ambiente fiacutesico construiacutedo sobre o espaccedilo geograacutefico Corroborando com essa ideacuteia
Souza (2002) diz que a cidade eacute o concreto o conjunto de redes eacute a materialidade visiacutevel do
urbano enquanto este eacute o abstrato entretanto eacute o que daacute sentido e natureza agrave cidade
De acordo com Lefebvre (2001) o urbano expressa determinada formaconteuacutedo
derivada de contextos histoacuterico-espaciais especiacuteficos Isso implica entender o urbano
transcendendo o campo das determinaccedilotildees econocircmicas ou seja concebecirc-lo como condiccedilatildeo
meio e produto ao mesmo tempo manifestaccedilatildeo dos conflitos entre as necessidades do capital
em seu processo de (re)produccedilatildeo e as necessidades da sociedade como um todo
Corroborando com esse pensamento Carlos (1994 p 24) afirma que o urbano deve
ser pensado em suas muacuteltiplas dimensotildees
[] se de um lado o espaccedilo eacute condiccedilatildeo tanto da reproduccedilatildeo do capital quanto da vida humana de outro ele eacute produto e nesse sentido eacute trabalho materializado Ao produzir suas condiccedilotildees de vida a partir das relaccedilotildees capital-trabalho a sociedade como um todo (na cotidianidade de seu processo de trabalho) produz o espaccedilo geograacutefico e com ele um modo de vida de pensar de sentir Assim pensar o urbano significa tambeacutem pensar a dimensatildeo do humano
Reportando-se tambeacutem a discussatildeo sobre o uso do solo urbano especialmente no
que diz respeito ao capital incorporador pode-se afirmar que em Satildeo Luiacutes a produccedilatildeo de
moradia eacute processada por esse tipo de capital principalmente nas uacuteltimas deacutecadas uma vez
que os capitalistas incorporadores articulam a compra de terreno com a finalidade de valorizaacute-
lo a partir da alteraccedilatildeo do seu uso Aleacutem disso eles articulam agentes imobiliaacuterios agentes
198
financeiros e promotores de venda levando em conta as estruturaccedilotildees e transformaccedilotildees do
espaccedilo por conta da urbanizaccedilatildeo e implicaccedilotildees soacutecio-econocircmicas das mobilidades das
construccedilotildees com consequumlecircncias segregativas
Para uma primeira aproximaccedilatildeo do problema da moradia na cidade de Satildeo Luiacutes
torna-se necessaacuterio uma contextualizaccedilatildeo histoacuterica do processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo do
espaccedilo urbano
A Ilha de Satildeo Luiacutes ou a Ilha do Maranhatildeo localiza-se no domiacutenio da Amazocircnia em
uma das suas porccedilotildees mais orientais a oeste do Meridiano de 44ordm W na parte norte do Estado
do Maranhatildeo e limita-se ao norte com o Oceano Atlacircntico ao sul com o Estreito dos
Mosquitos e Baiacutea do Arraial a leste com a Baiacutea de Satildeo Joseacute e a oeste com a Baiacutea de Satildeo
Marcos (RIOS 2005)
Com pouco mais de 830 kmsup2 ocupando 57 da ilha de Satildeo Luiacutes encontra-se entre
os pequenos municiacutepios em extensatildeo territorial no entanto possui a maior aglomeraccedilatildeo
humana e urbana do Estado com 1011891 habitantes e uma densidade demograacutefica superior
a 100 habkmsup2 sendo portanto o mais populoso e densamente povoado municiacutepio
maranhense conforme tabela 6 (IBGE 2010)
Tabela 6 - Crescimento populacional do municiacutepio de Satildeo Luis
Recenseamento Populaccedilatildeo Residente
Total Urbana Rural 1960 158292 137820 (871) 20472 (129) 1970
265486
205413 (773)
60073 (227)
1980 449877 404252 (898) 45625 (102) 1991 695199 246213 (355) 448986 (645) 2000 870028 837584 (963) 32444 (037) 2010 1011891 955620 (945) 56271 (055)
Fonte IBGE
Censo demograacutefico (2010)
A Regiatildeo Metropolitana de Satildeo Luiacutes eacute composta de quatro municiacutepios de acordo
com a Lei Complementar nordm 038 de 12 de janeiro de 1998 Satildeo Luiacutes Satildeo Joseacute de Ribamar
Paccedilo do Lumiar e Raposa conforme mapa 2
199
Mapa 2
Regiatildeo Metropolitana de Satildeo Luiacutes
Fonte GEPLAN (2000)
200
De acordo com Diniz (2007) centrados em um territoacuterio insular os municiacutepios de
Satildeo Luiacutes Paccedilo do Lumiar Satildeo Joseacute de Ribamar e Raposa embora politicamente
independentes constituem uma aacuterea contiacutenua na qual se desenvolve o maior fluxo de relaccedilotildees
econocircmicas e poliacutetica-administrativas do Estado
No processo de regionalizaccedilatildeo Satildeo Luiacutes pertence agrave Mesorregiatildeo do Norte
Maranhense na microrregiatildeo da aglomeraccedilatildeo urbana de Satildeo Luiacutes O aglomerado urbano da
Ilha do Maranhatildeo representa uma conurbaccedilatildeo cuja capital do Estado Satildeo Luiacutes eacute a cidade
poacutelo e exerce maior influecircncia pois desenvolve em torno de si uma expressiva rede de
relaccedilotildees soacutecio-econocircmicas aleacutem de oferecer um estoque consideraacutevel de equipamentos
urbanos que a torna um centro regional bastante atraente para outros centros menores
Na aacuterea rural o municiacutepio possui uma agricultura voltada agrave produccedilatildeo destinada ao
abastecimento de parte da demanda da capital Existem ainda pequenos estabelecimentos
agriacutecolas destinados agrave produccedilatildeo de gratildeos para a subsistecircncia Parte da aacuterea eacute destinada ao
Distrito Industrial com induacutestrias implantadas nos gecircneros de bebidas alimentaccedilatildeo produtos
metaluacutergicos ceracircmica e o complexo portuaacuterio (ALUMAR Itaqui CVRD) para exportaccedilatildeo
de mineacuterios de ferro e manganecircs alumiacutenio primaacuterio alumina ferro gusa e outros produtos e a
importaccedilatildeo industrializada mineacuterio de alumiacutenio (bauxita) mateacuterias-primas em geral e
combustiacutevel (RIOS 2005)
As alteraccedilotildees que vecircm ocorrendo na estrutura socioeconocircmica do municiacutepio tecircm sua
origem na implantaccedilatildeo de grandes projetos industriais que forccedilaram o aparecimento de
induacutestrias sateacutelites e o revigoramento de serviccedilos de apoio agraves atividades industriais
O Governo Estadual e a Prefeitura desenvolveram programas de revitalizaccedilatildeo do
Centro Histoacuterico da cidade no intuito de fortalecer a induacutestria do turismo que tem suas raiacutezes
histoacutericas como forte vetor de atraccedilatildeo considerado recentemente pela UNESCO como
Patrimocircnio Cultural da Humanidade
Para Rios (2005) o periacutemetro definido pelos tombamentos em niacutevel federal e
estadual compreende cerca de 35000 imoacuteveis em sua maioria de natureza civil e associados
aos periacuteodos colonial e imperial
Considerada como centro poliacutetico-administrativo do Estado a cidade Satildeo Luiacutes
destaca-se tambeacutem no setor financeiro comercial industrial turiacutestico e mais recentemente
portuaacuterio Nesse sentido examinar a questatildeo urbana requer verificar os diversos fatores que
contribuem para sua dinacircmica uma vez que a urbanizaccedilatildeo apresenta um caraacuteter contraditoacuterio
pois eacute dominada pelas relaccedilotildees sociais de uma sociedade desigual que produz e reproduz no
201
espaccedilo urbano as disparidades de renda a exploraccedilatildeo econocircmica a exclusatildeo dentre outras
mazelas comuns agrave sociedade capitalista
A primeira fase da histoacuteria do Maranhatildeo reporta as lutas pelo territoacuterio e a ilha de
Satildeo Luiacutes constitui-se em uma arena privilegiada onde elas se desenrolam A ocupaccedilatildeo urbana
de Satildeo Luiacutes se iniciou com a formaccedilatildeo de um povoado mariacutetimo fronteiro agrave baiacutea de Satildeo
Marcos no divisor de aacuteguas dos rios Anil e Bacanga Esse povoado que deu origem a cidade
de Satildeo Luiacutes surgiu nos primeiros anos do seacuteculo XVII como afirmaccedilatildeo do expansionismo
colonizador francecircs com objetivo de estabelecer na regiatildeo a Franccedila Equinocial (DINIZ
2007)
A localizaccedilatildeo do povoado foi escolhida em funccedilatildeo da sua posiccedilatildeo estrateacutegica pois
fica em frente a baiacutea de Satildeo Marcos passagem quase que obrigatoacuteria para o acesso agrave Ilha e ao
continente aleacutem de oferecer condiccedilotildees para o ancoramento de embarcaccedilotildees e defesa aos
ataques por via mariacutetima
A implantaccedilatildeo da cidade pelos franceses ocorre por meio da construccedilatildeo de um forte
e de algumas casas toscas formando um pequeno nuacutecleo urbano que teria a funccedilatildeo de servir
de entreposto comercial para a Franccedila instituir em definitivo um sistema de exploraccedilatildeo das
riquezas locais
A implantaccedilatildeo de benfeitorias que se iniciava revela algumas das praacuteticas que
materializaram a presenccedila e atuaccedilatildeo do Estado enquanto agente social pois satildeo essas
operaciones concretas que contribuyen a modelar la cuidad (CAPEL 1974 p 19)
Essas operaccedilotildees visando modelar a cidade satildeo resultado do movimiento de
valorizacioacuten extensiva del espacio em que o processo de colonizaccedilatildeo implica a agregacioacuten
de una cuantidad de espacio y todo lo que conteacuten lo que en la praacutectica significa una adicioacuten
de factores de produccioacuten fuerza de trabajo recursos naturales y tierras en general (CAPEL
1974 p 20)
Assim a cidade de Satildeo Luiacutes foi fundada em 08 de setembro de 1612 pelos
franceses Daniel de La Touche e Franccediloise de Rasilly Todavia foi conquistada e incorporada
ao domiacutenio portuguecircs em 1615 Para tanto entre outras medidas os portugueses traccedilaram o
plano urbaniacutestico para implantaccedilatildeo da cidade com a definiccedilatildeo do arruamento e orientaccedilotildees
para o seu desenvolvimento
Esse plano que pautou o modelo e a ocupaccedilatildeo urbana de Satildeo Luiacutes ateacute meados dos
anos sessenta do seacuteculo XX foi elaborado pelo engenheiro-mor do Brasil o portuguecircs
Francisco Frias de Mesquita em 1616 Sua concepccedilatildeo urbaniacutestica com arruamento uniforme
e traccedilado octogonal seguindo a orientaccedilatildeo dos pontos cardeais tinha origem renascentista e
202
obedecia aos padrotildees estabelecidos pelas Leis das Iacutendias conforme determinava a Coroa
Espanhola que agravequela eacutepoca controlava o Reino Portuguecircs (ESPIRITO SANTO 2002)
O processo de colonizaccedilatildeo pelos portugueses tinha como objetivo expandir
preservar e controlar as novas colocircnias que eram estabelecidas no setor setentrional em que os
grandes rios se constituiacuteram em porta de entrada Nesse caso se configura o interesse do
Estado portuguecircs articulado aos detentores do capital (grupos econocircmicos ligados ao
comeacutercio) que iniciaram uma seacuterie de accedilotildees como a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia instalaccedilatildeo de
fortes e nuacutecleos de povoamento (por exemplo em Beleacutem no ano de 1616) ampliaccedilatildeo de
benfeitorias jaacute implantadas enfatizar a funccedilatildeo poliacutetico-administrativa-militar e o domiacutenio de
novos fatores de produccedilatildeo (terra mateacuteria-prima matildeo-de-obra escrava) bem como assegurar o
incipiente comeacutercio (ANDRADE 1984) Contudo a cidade sucumbiu ainda no decorrer do
seacuteculo XVII ao domiacutenio holandecircs
Entretanto assim como acontecera com os franceses tambeacutem os holandeses foram expulsos pelos portugueses decorridos trecircs anos da ocupaccedilatildeo em 1645 Eacute quando se inicia de fato e em definitivo a colonizaccedilatildeo portuguesa da antiga Upaon-Accedilu ou Ilha Grande segundo a denominaccedilatildeo tupinambaacute para a Ilha de Satildeo Luiacutes (RIOS 2005 p 216)
Cabe ressaltar que Satildeo Luiacutes tambeacutem esteve sob dominaccedilatildeo holandesa entre os anos
de 1641 a 1644 Periacuteodo de grande turbulecircncia caracterizado por inuacutemeras revoltas e
envolvendo sangrentas lutas entre conquistadores e conquistados Naquela eacutepoca a estrutura
urbana da cidade possuiacutea cerca de 600 casas e se constituiacutea em proacutespero arraial produzindo e
exportando uma boa quantidade de produtos agriacutecolas accediluacutecar fumo algodatildeo entre outros O
que certamente aguccedilava a cobiccedila dos exploradores
A ocupaccedilatildeo portuguesa desenvolveu entre 1650 e 1750 as primeiras atividades
econocircmicas organizadas Essas atividades permitiram a acumulaccedilatildeo de renda por pequenos
grupos de famiacutelias que alternavam a moradia entre a casa grande do latifuacutendio e a residecircncia
na cidade
Elevou-se agrave categoria de cidade no ano de 1677 e no decorrer dos seacuteculos seiscentos e setecentos chegou a disputar com Beleacutem o posto de principal ponto de contato direto da vasta regiatildeo Norte do Brasil a qual compreendia consoante a geopoliacutetica de entatildeo as terras que iam do Oeste do Cearaacute ateacute a longiacutenqua Amazocircnia com o impeacuterio portuguecircs (RIBEIRO JUNIOR 2001 p 60)
203
De acordo com Diniz (2007) foram edificadas algumas residecircncias e
estabelecimentos comerciais em pontos diversos da cidade e com a prosperidade das
atividades econocircmicas uma aglomeraccedilatildeo de edificaccedilotildees com melhores qualidades
arquitetocircnicas comeccedilou a se formar em torno do Largo do Carmo (atual Praccedila Joatildeo Lisboa)
para mais tarde se estender em direccedilatildeo ao Desterro e agrave Praia Grande
Nesse periacuteodo eram precaacuterias as condiccedilotildees de serviccedilos puacuteblicos e infraestrutura
urbana Somente no final do seacuteculo XVIII eacute que foram melhoradas as condiccedilotildees urbaniacutesticas
poreacutem inexistia um plano a ser obedecido e a cidade crescia de forma desordenada
Naturalmente a cidade desenvolveu-se em torno desse nuacutecleo histoacuterico que sofreu
um forte surto desenvolvimentista notadamente nos seacuteculos XVIII e XIX periacuteodo de apogeu
econocircmico da Proviacutencia do Maranhatildeo por conta da produccedilatildeo de algodatildeo e accediluacutecar Esse
desenvolvimento econocircmico e cultural que se manteve ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX produziu o
que hoje eacute considerado o maior e mais homogecircneo conjunto urbano e arquitetocircnico do
periacuteodo colonial brasileiro integrando a lista de Patrimocircnio Histoacuterico Nacional63 desde 1955
Em meados do seacuteculo XVIII Satildeo Luis se constituiu num centro comercial
expressivo com fluxo razoaacutevel de mercadorias importadas Atraveacutes dos navios de grande
porte chegavam artigos os mais refinados vindos da Europa a fim de atender o requinte da
burguesia maranhense Do mesmo modo saiam da cidade grandes carregamentos de
produtos cultivados como arroz algodatildeo entre outros (DINIZ 2007)
A partir de entatildeo o Estado implementou accedilatildeo sob a forma de capital empreendedor
criando instituiccedilotildees no sentido de incrementar a economia e por conseguinte viabilizar os
seus interesses
Integrado ao sistema mundial de comeacutercio por meio da exportaccedilatildeo de arroz do algodatildeo e de materiais regionais o Maranhatildeo canalizou para Satildeo Luiacutes e Alcacircntara os principais portos de escoamento determinando uma circulaccedilatildeo de riquezas que promoveu um florescimento cultural e urbano significativo para as duas cidades (ESPIRITO SANTO 2002 p 162)
Com a raacutepida expansatildeo da cultura algodoeira a Proviacutencia passou por um processo de
enriquecimento que de forma indireta veio a melhorar o aspecto arquitetocircnico da Capital
Edificaccedilotildees com melhores estruturas e acabamento satildeo construiacutedas nos espaccedilos onde hoje
existem as ruas Grande Santana Afogados e suas transversais
como tambeacutem na zona
63 Esse imponente conjunto urbano com seus becos ladeiras e escadarias eacute composto por cerca de 5000 edificaccedilotildees entre essas belos exemplares revestidos de azulejos coloniais Essa caracteriacutestica fez com que fosse denominada de a Pequena Vila dos palaacutecios de porcelana ainda no seacuteculo XIX pelo viajante francecircs Aveacute-Lallemant (1859)
204
comercial da Praia Grande Nesse periacuteodo duas obras monumentais foram construiacutedas o
Palaacutecio dos Leotildees (atual sede do Governo Estadual) e o Teatro Arthur Azevedo
Data desta eacutepoca o conjunto urbaniacutestico de caraacuteter civil que compotildee o Centro Histoacuterico da capital maranhense e se constitui um dos mais representativos e ricos exemplares traccedilados urbanos e a tipologia arquitetocircnica produzidos pela colonizaccedilatildeo portuguesa no Brasil Na realidade a tipologia arquitetocircnica que corresponde aos seacuteculos XVIII e XIX difere significativamente das casas em taipa e madeira que caracterizam os edifiacutecios de caraacuteter civil do seacuteculo XVII constituem-se soacutelidas construccedilotildees de alvenaria de pedra e argamassas com oacuteleo de peixe serralheira e cantarias de lioz de origem europeacuteia emadeira de lei De qualquer maneira os mais representativos exemplares da arquitetura de Satildeo Luiacutes datam sobretudo da segunda metade do seacuteculo XIX Trata-se dos sobrados de fachadas revestidas em azulejos portugueses que se sobressaem como um dos aspectos mais peculiares da construccedilatildeo civil maranhense (RIOS 2005 p 216)
Ainda tendo como sustentaacuteculo a cultura algodoeira a economia maranhense se
expandia de tal forma que chegou a alcanccedilar posiccedilatildeo expressiva na economia brasileira no
iniacutecio do seacuteculo XIX Os efeitos deste fenocircmeno repercutiram significativamente sobre a
cidade de Satildeo Luiacutes As rendas da administraccedilatildeo aumentaram a populaccedilatildeo urbana se
incrementou e os logradouros puacuteblicos e os serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo receberam
tratamento mais adequado Em 1820 cerca de 20000 habitantes residiam na cidade de Satildeo
Luiacutes o que na eacutepoca representava a quarta concentraccedilatildeo urbana do Paiacutes (RIOS 2005)
Ao longo do seacuteculo XIX a cidade ganhou novo calccedilamento ocorreram a
implantaccedilatildeo do Cais da Sagraccedilatildeo (antigo Passeio Puacuteblico hoje Avenida Beira-Mar) e a
reurbanizaccedilatildeo das principais praccedilas Aleacutem disso sucessivas legislaccedilotildees
os Coacutedigos de
Posturas
determinam a expansatildeo do modelo urbaniacutestico em malha ortogonal e com
dimensotildees e larguras preestabelecidas que chegam a ocupar os atuais limites do Centro
Histoacuterico (ESPIRITO SANTO 2002)
Segundo Diniz (2007) a populaccedilatildeo teve uma participaccedilatildeo importante devido ter sido
incumbida de construir as calccediladas de suas casas Essas medidas foram aos poucos sendo
reformuladas e aperfeiccediloadas pois os moradores erguiam suas calccediladas sem qualquer
harmonia com os padrotildees naturais das ruas Diante disso as autoridades estabeleceram novas
regras para a pavimentaccedilatildeo e calccedilamento das vias
Esse processo de melhorias urbanas sempre esteve voltado para o embelezamento da
aacuterea nobre da cidade (centro) destinava-se especialmente agraves ruas do Trapiche Satildeo Joatildeo
Palma Paz Remeacutedios locais escolhidos pela burguesia como moradia enquanto que as
205
famiacutelias podres estavam sempre afastadas do nuacutecleo central e consequumlentemente natildeo eram
beneficiadas pelo sistema de serviccedilos
Nota-se nesse sentido que o interesse do capital seleciona e direciona a intervenccedilatildeo
do Estado em termos de alocaccedilatildeo de infraestrutura e reproduccedilatildeo do espaccedilo assim como a
reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais pois as concessotildees de terras eram dadas agraves pessoas brancas
livres e que dispunham de maior capital Estas representavam a nobreza eou a emergente
classe burguesa Jaacute para a populaccedilatildeo de natildeo-brancos (iacutendios e negros) restava morar em aacutereas
mais afastadas em relaccedilatildeo agrave Praia Grande
No processo de urbanizaccedilatildeo desse periacuteodo destaca-se a construccedilatildeo do Cais da
Sagraccedilatildeo pois foi uma das obras mais importantes ateacute entatildeo realizada Esta obra levou vaacuterios
anos para ser concluiacuteda (1841 a 1909) e tinha como objetivo solucionar o problema de erosatildeo
da barreira onde se encontrava a Praccedila do Palaacutecio a qual constantemente sofria os efeitos do
processo erosivo provocado pelo mar (DINIZ 2007)
Dessa maneira torna-se evidente que a cidade de Satildeo Luiacutes foi produzida pela
associaccedilatildeo entre o capital mercantil e o Estado Este se expressa pelas alteraccedilotildees realizadas
sobre o espaccedilo urbano tendo em vista o crescimento horizontal e a construccedilatildeo de canais
No final do seacuteculo XIX e inicio do seacuteculo XX o grande centro maranhense conheceu
um surto industrial consideraacutevel com a expansatildeo das induacutestrias tecircxteis e as de derivados de
babaccedilu uma vez que o ciclo de algodatildeo sofreu significativa alteraccedilatildeo acarretando em seacuterias
dificuldades na sua comercializaccedilatildeo internacional
No uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX com o surto da industrializaccedilatildeo no Estado a maior parte das induacutestrias se estabelece na capital Estas induacutestrias geravam empregos diretos para cerca 300 operaacuterios nuacutemero significativo para uma cidade que na eacutepoca chegava a 45000 habitantes (DINIZ 2007 p 168)
A cidade entatildeo para assumir nova feiccedilatildeo de mercantil-administrativa para
industrial Surge o primeiro grande bairro o Anil formado em torno da faacutebrica Rio Anil
(Companhia de Fiaccedilatildeo e Tecidos Rio Anil) situado a 9 km do centro da cidade Em aacutereas
proacuteximas ao centro as faacutebricas Companhia Fabril Maranhense (conhecida como Santa Isabel)
e Companhia de Fiaccedilatildeo e Tecidos Maranhense (conhecida como Camboa) provocaram o
surgimento de formaccedilotildees urbanas nos seus arredores (Fotografia 5) Aleacutem dessas destacam-
se a Companhia de Fiaccedilatildeo e Tecidos Cacircnhamo Companhia de Fiaccedilatildeo e Tecelagem Satildeo Luiacutes
Companhia Progresso Maranhense e a Induacutestria Maranhense (RIOS 2005)
206
Fotografia 5
Faacutebricas em aacutereas proacuteximas ao centro (Satildeo Luiacutes-MA)
Fonte Acervo Puacuteblico Municipal (2009)
Vale ressaltar que a ascensatildeo da induacutestria tecircxtil ocorreu em funccedilatildeo de preacute-condiccedilotildees
existentes tecnologia relativamente simples mais ou menos estabilizada de faacutecil manejo e
inteiramente contida nos equipamentos disponiacuteveis no mercado internacional tamanho da
planta miacutenima e volume inicial de investimentos acessiacuteveis agrave economia brasileira de entatildeo
(RIBEIRO JUNIOR 2001 p 65) De acordo com Diniz (2007) as faacutebricas serviram como
nuacutecleos de crescimento e expansatildeo urbana pois ao redor das mesmas surgiram sub-
habitaccedilotildees ou seja as vilas operaacuterias
No final do seacuteculo XIX em funccedilatildeo do surto industrial a cidade eacute dotada dos
primeiros serviccedilos urbanos significativos a Companhia de Aacuteguas e a Companhia Telefocircnica
Em 1920 satildeo implantados os serviccedilos de energia eleacutetrica e de bondes por concessatildeo da
Companhia Inglesa ULLEN
Para Diniz (2007) a cidade adentra o seacuteculo XX com uma municipalidade
desestruturada para enfrentar os problemas da expansatildeo urbana da capital Natildeo existia uma
planta atualizada de todos os pontos da cidade e nem um plano de expansatildeo no qual
estivessem delineados os futuros arruamentos uma vez que natildeo havia preocupaccedilatildeo das
autoridades no que tange ao alinhamento das habitaccedilotildees que ficavam em aacutereas proacuteximas ao
centro Estas eram feitas sem nenhum criteacuterio teacutecnico pela proacutepria populaccedilatildeo
Entre 1920 e 1940 a populaccedilatildeo cresceu a taxas mais baixas Verifica-se na tabela 7
que a cidade levou quase dois seacuteculos para dobrar de populaccedilatildeo Nesse periacuteodo a
administraccedilatildeo municipal investiu em demandas de serviccedilos puacuteblicos com a aplicaccedilatildeo de
207
recursos em urbanizaccedilatildeo saneamento sauacutede educaccedilatildeo transporte e energia ainda que os
recursos aplicados natildeo atendessem a real necessidade de infraestrutura urbana vigente
Vale ressaltar que os equipamentos urbanos foram incrementados tanto em funccedilatildeo da
dinacircmica econocircmica decorrente da localizaccedilatildeo de unidades produtivas industriais tecircxteis
quanto devido ao lento crescimento horizontal da cidade que possibilitou ao poder puacuteblico
municipal aplicar mais recursos na estruturaccedilatildeo da cidade de Satildeo Luiacutes o que todavia foi
viabilizado apenas no Centro Histoacuterico ateacute a Vila do Anil ou seja ao longo do Corredor
Centro-Anil (DINIZ 2007)
Tabela 7
Crescimento Demograacutefico da Cidade de Satildeo Luiacutes (XVII-1940) Periacuteodo Nuacutemero de Habitantes
Fins do seacuteculo XVII 10000 Fins do seacuteculo XVIII 17000 1820 20000 1835 25000 1868 30000 1872 31604 1890 35000 1920 42000 1940 58735
Fonte SERFHAU (1970)
Em 1936 foi fundado o Mercado Central da cidade formado por vaacuterios armazeacutens no
qual se comercializavam artigos diversos Este mercado funcionava como alternativa para
vendas em atacado aleacutem disso se constituiu um concorrente do mercado da Praia Grande e
ao comeacutercio realizado no Portinho A expansatildeo desse novo centro comercial desencadeou
investimentos no setor da construccedilatildeo civil expandindo o Plano Urbano Central Assim com a
implantaccedilatildeo da Companhia do Comeacutercio elevou-se o valor do lote urbano restringindo o
acesso da populaccedilatildeo com menor poder aquisitivo ao periacutemetro urbano (RIBEIRO JUNIOR
2001)
Entre os anos 1950 e 1960 o ritmo de crescimento populacional urbana voltou a
crescer e a aacuterea urbana da cidade se expandiu com mais intensidade no eixo Centro-Anil
Nesse periacuteodo novos bairros surgiram enquanto outros se adensaram com a ocupaccedilatildeo das
aacutereas disponiacuteveis Foi o caso do Matadouro (hoje Liberdade) Monte Castelo Joatildeo Paulo
Cavaco (Faacutetima) Caratatiua Jordoa e Sacaveacutem (DINIZ 2007)
208
No final da deacutecada de 1950 um novo quadro urbano comeccedilou a se formar Com a
abertura de vias rodoviaacuterias para o interior do Estado e a integraccedilatildeo com os estados vizinhos
a populaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes aumentou seu ritmo de crescimento (tabela 8)
Tabela 8
Evoluccedilatildeo Demograacutefica do Municiacutepio de Satildeo Luiacutes 1940-1970
Ano Divisatildeo por Zona
Total Urbana Rural 1940 58735 26854 85589 1950 79731 40054 119785 1960 137820 20472 158292 1970 205413 60073 265486
Fonte IBGE Censos Demograacuteficos do Maranhatildeo (195019601970)
Grande parte desse contingente populacional era formado pelo processo migratoacuterio
de pessoas que provinham das aacutereas rurais e de outros estados do nordeste por causa do
fenocircmeno da seca Esses fatores acarretaram em uma ocupaccedilatildeo desordenada de aacutereas as
margens dos rios Anil e Bacanga
Essa complexidade do processo migratoacuterio pode ser compreendida a partir da
reestruturaccedilatildeo produtiva que com mudanccedilas nas formas de inserccedilatildeo no mercado de trabalho
torna-se elemento fundamental para o entendimento da nova configuraccedilatildeo espacial da
migraccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo uma vez que o fluxo migratoacuterio de nordestinos se daacute pela procura de
trabalho numa regiatildeo em que sabem que sua matildeo de obra eacute extremamente necessaacuteria
Os outros fatores que intensificaram o processo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial foram a
falta de investimento do poder puacuteblico tanto estadual como municipal em aacutereas mais
afastadas do centro da cidade a instalaccedilatildeo de empresas provenientes do sul do Paiacutes na regiatildeo
ausecircncia de uma reforma agraacuteria estadual entre outros
A cidade entatildeo se tornou incapaz de incorporar todo esse contingente populacional
em suas atividades econocircmicas pois simultaneamente outro fato negativo para a economia
se tornava evidente com a paralisaccedilatildeo das induacutestrias tecircxteis Tal fato aleacutem de enfraquecer o
ritmo de industrializaccedilatildeo contribuiu para o aumento do desemprego (DINIZ 2007)
Nas uacuteltimas cinco deacutecadas com o decliacutenio das faacutebricas e as constantes crises da economia maranhense a cidade tem sofrido pressotildees econocircmicas muito fortes refletindo-se no enfraquecimento do comeacutercio local dando ecircnfase ao aparecimento de um tipo de atividade comercial caracterizada por baixos investimentos e menor especializaccedilatildeo nos produtos o setor informal da
209
economia ou circuito inferior Por outro lado apesar do decliacutenio no setor agro-exportador surgiram novas perspectivas econocircmicas que viriam a alterar significativamente o panorama soacutecio-econocircmico da cidade (DINIZ 2007 p 169)
Sendo assim com o decliacutenio das induacutestrias tecircxteis e por conseguinte o aumento do
desemprego o Estado passou a atuar como investidor no espaccedilo urbano na medida em que se
tornou responsaacutevel pela circulaccedilatildeo de capital fazendo com que a cidade continuasse a ter no
comeacutercio um dos fatores de sua existecircncia A cidade assumiu dessa maneira a funccedilatildeo de
comercial industrial administrativa e residencial (ANDRADE 1984 p 103)
O baixo poder aquisitivo da populaccedilatildeo as limitaccedilotildees em investimentos puacuteblicos
municipais principalmente nas aacutereas mais carentes e a ausecircncia de um planejamento
adequado dotaram o crescimento da cidade de aspectos negativos em relaccedilatildeo agrave urbanizaccedilatildeo e
aos serviccedilos baacutesicos
Parte do Centro Histoacuterico teve entatildeo sua funccedilatildeo residencial substituiacuteda pelo comeacutercio e serviccedilos A aacuterea sob a tutela da legislaccedilatildeo federal uma vez que foi tombada como Patrimocircnio Histoacuterico sofreu um esvaziamento mais acentuado agravado pela instalaccedilatildeo da funccedilatildeo administrativa federal estadual e municipal em edifiacutecios da aacuterea afastando cada vez mais a populaccedilatildeo residente (ESPIRITO SANTO 2002 p 37)
Dessa forma vaacuterios movimentos sociais urbanos comeccedilaram a surgir objetivando a
organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo residente nas aacutereas mais afastadas do centro da cidade no intuito de
reivindicar a presenccedila do Estado em especial no que se refere aos meios de consumo coletivo
como aacutegua energia postos de sauacutede etc culminando em 1959 com a fundaccedilatildeo da Uniatildeo de
Moradores do Lira que foi a primeira organizaccedilatildeo popular de Satildeo Luiacutes Este fato incentivou
a partir de 1960 o surgimento de outras uniotildees e associaccedilotildees de moradores a exemplo
Madre de Deus Floresta Coreacuteia Nossa Senhora da Vitoacuteria Satildeo Vicente e Satildeo Francisco
Com efeito o governo estadual criou em 1959 a Sociedade de Melhoramentos e
Urbanismo de Satildeo Luiacutes (SURCAP) com a finalidade de planificar a cidade Entretanto este
objetivo natildeo se concretizou e se resumiu ao desmembramento dos Serviccedilos de Aacutegua Luz
esgoto Traccedilatildeo e Prensa de Algodatildeo (Saelta) resultando no corte setorial uma vez que foram
instituiacutedos os respectivos oacutergatildeos (LUZ 2004)
Vale notar que por oito anos (1953-1961) natildeo houve registro de investimentos na
aacuterea habitacional Tal situaccedilatildeo foi modificada entre 1962 e 1965 uma vez que a accedilatildeo do
Estado enquanto produtor do espaccedilo foi ampliada e incrementada na medida em que o
210
Instituto de Aposentados e Pensionistas do Comeacutercio (IAPC) e o Instituto de Pensionistas e
Aposentados dos Servidores do Estado (IPASE) foram inseridos nesse contexto
Entatildeo a partir da segunda metade da deacutecada de 1960 a iniciativa de incorporar Satildeo
Luiacutes no processo desenvolvimentista da sociedade moderna que aos poucos se consolidava
contou com uma seacuterie de medidas implementadas em conformidade com os planos e projetos
governamentais
O crescimento urbano de Satildeo Luiacutes nesse periacuteodo se deu no sentido sudeste
acompanhando o eixo rodoviaacuterio da cidade que tambeacutem coincide com a localizaccedilatildeo do
aeroporto Essa estreita faixa de terra delimitada pelas zonas alagadiccedilas dos rios Anil e
Bacanga na verdade eacute o eixo rodoviaacuterio principal da ilha com trecircs grandes avenidas Getuacutelio
Vargas Joatildeo Pessoa e Kennedy Naturalmente ali foram localizadas as principais atividades
comerciais e inuacutemeras aacutereas residenciais abrigando os bairros mais populosos Destarte
formou-se inclusive um centro de serviccedilos secundaacuterio no bairro do Joatildeo Paulo com o
agrupamento de vaacuterias atividades comerciais em torno do mercado desse bairro (LUZ 2004)
A partir de 1967 essa tendecircncia comeccedilou a se inverter em decorrecircncia da construccedilatildeo da barragem do Bacanga ligando o centro ao Porto do Itaqui e da ponte Satildeo Francisco sobre o rio Anil (1970) no sentido da orla mariacutetima
praias Essas obras possibilitaram a ocupaccedilatildeo das terras situadas na margem direita do Rio Anil e na margem esquerda do rio Bacanga promovendo uma profunda alteraccedilatildeo no processo de ocupaccedilatildeo do solo no Municiacutepio e induzindo o surgimento de novos eixos viaacuterios novas aacutereas residenciais aleacutem de centros comerciais e de serviccedilos que passaram a rivalizar com os centros tradicionais (DINIZ 2007 p 171)
Segundo argumenta Luz (2004 p 20) ao assumir o governo do Estado em 1966
Joseacute Sarney criou o Grupo de Trabalho de Assessoria e Planejamento (GETAP) ligando-o
diretamente ao Gabinete do Governo e atribuindo-lhe amplos poderes em relaccedilatildeo agraves demais
secretarias O GETAP elaborou o Programa de Emergecircncia para 1966 e propocircs medidas
poliacuteticas e econocircmicas de modernizaccedilatildeo que deram as bases para o plano de Governo
conhecido como Maranhatildeo Novo marcando nesse sentido a introduccedilatildeo de mecanismos
que alterariam profundamente o cenaacuterio espacial maranhense
Nesse sentido a preocupaccedilatildeo em melhorar e ampliar a malha rodoviaacuteria e
ferroviaacuteria em conformidade com a futura implantaccedilatildeo de grandes projetos industriais tais
como Alumiacutenio do Maranhatildeo SA (ALUMAR) Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
Companhia de Docas do Maranhatildeo (Codomar) e Celulose do Maranhatildeo SA (CELMAR)
contribuiacuteram para uma maior proximidade entre os municiacutepios do interior e a capital
211
maranhense na medida em que as populaccedilotildees rurais movidas pela necessidade de melhores
condiccedilotildees de vida deslocavam-se em grandes quantidades ao longo das deacutecadas de 1970 e
1980 por novas vias pavimentadas e por ferrovias em direccedilatildeo as cidades com melhores
infraestruturas destacando-se Imperatriz e Satildeo Luis
A vinda para a capital do Estado significava na maioria das vezes natildeo o abandono
da terra pelo atrativo urbano mas uma decisatildeo em que prevalecia efetivamente a necessidade
conforme se observa na fala de Ribeiro Junior (2001 p 105) sempre se coloca em debates
que as pessoas vecircm para a cidade com o sonho de morar bem arranjar um bom emprego
mudar de vida Mas na maioria das vezes vem-se para sobreviver 64
A situaccedilatildeo logo se agravava com a permanecircncia do desemprego e a falta de
qualificaccedilatildeo profissional suficiente para o ingresso no mercado de trabalho restando na
maioria das vezes a opccedilatildeo por atuar no setor informal do terciaacuterio ou na construccedilatildeo civil65
Assim todos esses eventos proporcionaram agrave cidade vaacuterias mudanccedilas sendo uma
delas o aumento do contingente populacional Este crescimento populacional desordenado
trouxe problemas de habitaccedilatildeo sauacutede seguranccedila e favoreceu o surgimento de ocupaccedilotildees
irregulares palafitas e favelas
Sobre isso Gomes (1992 p115-116) destaca
Satildeo Luiacutes eacute incapaz de incorporar a vida econocircmica esse acreacutescimo populacional resultando dai uma enorme expansatildeo de palafitas que em 1969 atingiram aproximadamente o nuacutemero de 7000 abrigando uma populaccedilatildeo estimada de 40000 pessoas em condiccedilotildees infra-humanas [] Assim entre 1950 e 1970 a populaccedilatildeo da Capital aumenta de aproximadamente 80 alojando-se sobretudo na zona suburbana pela ocupaccedilatildeo bastante desordenada das aacutereas utilizaacuteveis nas fraldas do espigatildeo constituiacutedo pelo divisor de aacuteguas dos rios Bacanga e Anil
64 Segundo Ribeiro Junior (2001 p 104) ao final dos anos 1970 na pesquisa efetuada pelo governo estadual com o objetivo de analisar a populaccedilatildeo de 07 focos de pobreza da cidade que agregavam 181176 pessoas (Bacanga = 59278 Rio Anil = 56370 Alto do Anil = 25156 Anjo da Guarda = 35212 Vila Vicente Fialho = 3059 Nova Divineacuteia = 1414 Corticcedilos do Centro de Satildeo Luiacutes = 687) deixava claro que a grosso modo em todas as aacutereas de populaccedilatildeo predominantemente pobre excetuando-se a aacuterea de Corticcedilos do Centro predominava a procedecircncia rural entre os que moravam anteriormente em outro lugar fora da ilha 65 De forma cada vez mais intensa o espaccedilo urbano de Satildeo Luiacutes tendeu a ser alterado projetando o setor de construccedilatildeo civil na qual de acordo com Ribeiro Junior (2001) se consolidou efetivamente a partir de obras como o Porto do Itaquiacute o Anel Viaacuterio a Ponte Joseacute Sarney a Barragem do Bacanga a substituiccedilatildeo da velha rede de esgoto do Centro da Cidade (originaacuteria da deacutecada de 1920) a Avenida Meacutedici (hoje Africanos) Ponte Bandeira Tribuzi a 3ordf ponte sobre o rio Anil obra iniciada em 1974 e concluiacuteda em 1980 o aterramento da Ponta D areia ligando o bairro do Satildeo Francisco agrave praia que leva aquele nome transpondo o Igarapeacute
da Jansen a pavimentaccedilatildeo da aacuterea litoracircnea
Calhau Ponta D areia e Olho D aacutegua ligando essas aacutereas a certos bairros da cidade perifeacutericos ou centrais e a construccedilatildeo de inuacutemeros conjuntos habitacionais fizeram da deacutecada de 1970 um periacuteodo de fenocircmeno e expansatildeo da construccedilatildeo civil em Satildeo Luiacutes
212
Foi a partir de entatildeo que o processo de favelizaccedilatildeo da periferia se acentuou e em
1969 Satildeo Luiacutes contava com cerca de 7000 casas tipo palafitas onde habitavam em
condiccedilotildees subumanas algo em torno de 40000 pessoas representando 17 da populaccedilatildeo
urbana (ANDRADE 1984)
Por satildeo Luiacutes natildeo ter nenhum Plano Diretor ateacute a deacutecada de 70 que regulamentasse o uso e ocupaccedilatildeo do solo facilitou o surgimento de vaacuterias palafitas principalmente em aacutereas de mangues em decorrecircncia das mesmas estarem proacuteximas o Centro [] Assim por falta de uma poliacutetica do solo e pela populaccedilatildeo migrante natildeo poder pagar aluguel e transporte a deacutecada de 60 eacute marcada por um processo intenso de ocupaccedilatildeo dos mangues para construccedilatildeo de palafitas que passam abrigar essa populaccedilatildeo proacutexima ao mercado de trabalho (ANDRADE 1984 p 37)
O crescimento urbano criava algumas necessidades para facilitar a integraccedilatildeo das
aacutereas jaacute ocupadas e viabilizar o acesso a outras aacutereas para a habitaccedilatildeo Sendo assim a
construccedilatildeo de pontes era uma alternativa importante para esses ajustamentos
Desse modo no final da deacutecada de 1960 foram construiacutedas as pontes Governador
Newton Bello e Governador Joseacute Sarney ambas sobre o rio Anil e a Barragem do Bacanga
sobre o rio do mesmo nome (Fotografia 6) Estas obras permitiram a expansatildeo da cidade nas
direccedilotildees norte e oeste provocando o aparecimento de grandes conjuntos habitacionais para as
classes de menor poder aquisitivo loteamentos isolados e a regularizaccedilatildeo de aacutereas ocupadas
na faixa litoracircnea
Fotografia 6
Pontes Governador Newton Bello e Governador Joseacute Sarney (Satildeo Luiacutes-MA)
Fonte INPE (1999)
213
Com a construccedilatildeo da ponte Governador Newton Bello foi encurtado o percurso para
o bairro do Olho D aacutegua onde jaacute existiam algumas residecircncias de classe meacutedia e foram
implantados os conjuntos habitacionais Ipase Maranhatildeo Novo e Cohama Jaacute com a
construccedilatildeo da ponte Governador Joseacute Sarney foram implantados os conjuntos habitacionais
do BASA Renascenccedila e os loteamentos Satildeo Francisco e IPEM do Calhau aleacutem de propiciar a
ocupaccedilatildeo espontacircnea das aacutereas proacuteximas agrave cabeceira da Ponte por moradores de baixa renda
(RIBEIRO JUNIOR 2001)
A Barragem do Bacanga facilitou o acesso ao Porto do Itaquiacute com o encurtamento
no seu trajeto em 22 km e contribuiu para o assentamento de famiacutelias de baixo poder
aquisitivo no loteamento Anjo da Guarda
Ateacute o iniacutecio da deacutecada de 1970 as ocupaccedilotildees concentravam-se principalmente nas proximidades dos rios Anil e Bacanga natildeo se estendendo muito aleacutem dos arredores do centro Posteriormente outras localidades da cidade passam a ser palco desse processo formando aacutereas com ampla concentraccedilatildeo de populaccedilatildeo carente como o Itaquiacute-Bacanga
assim conhecido apoacutes a inauguraccedilatildeo oficial do Porto do Itaquiacute em 1971 (DINIZ 2007 p 171)
Sendo assim nesse processo de produccedilatildeo do espaccedilo urbano observa-se a accedilatildeo dos
agentes sociais Estado Imobiliaacuterios e Incorporadores interessados na reproduccedilatildeo do capital
por meio da valorizaccedilatildeo da cidade
Para dar seguimento ao eixo viaacuterio da ponte Governador Joseacute Sarney foi construiacuteda a Avenida Colares Moreira que propiciou crescimento urbano da aacuterea do bairro do Satildeo Francisco com a construccedilatildeo dos conjuntos habitacionais (Basa Jardim Satildeo Francisco e Renascenccedila) aleacutem dos modernos edifiacutecios comerciais e de prestaccedilatildeo de serviccedilos que valorizaram e aumentaram consideravelmente o preccedilo do solo (ANDRADE 1984 p 23)
Portanto a construccedilatildeo de tais pontes significou maiores possibilidades de se
materializar a reproduccedilatildeo do espaccedilo urbano e do capital haja vista a valorizaccedilatildeo das terras
localizadas nos mencionados setores o que tornou bastante oportuno o investimento puacuteblico e
privado em novas vias de acesso assim como em demais equipamentos urbanos
Vale ressaltar que a Cohab-MA construiu entre os anos 1967 e 1970 trecircs conjuntos
habitacionais que representaram 2438 unidades residenciais (505 relativas ao Anil I 516
concernentes ao Anil II e 1417 decorrentes do Anil III) tendo como investimento total US$
2742060 (dois milhotildees setecentos e quarenta e dois mil e sessenta doacutelares) gerando 9752
empregos diretos conforme tabela 9
214
Tabela 9
Conjuntos habitacionais produzidos pela Cohab-MA 1967-1970
Ano Conjunto Habitacional Nordm de Unidades
Valor do Investimento (US$)
Nordm de Empregos
1967 Anil I 505 694950 2020 1969 Anil II 516 712270 2064 1970 Anil III 1417 1334840 5668
Total 2438 2742060 9752 Fonte Luz (2004 p 65)
Nesse sentido a atuaccedilatildeo do Estado visou estruturar a cidade mais precisamente no
que diz respeito agrave ampliaccedilatildeo das vias de acesso por meio da articulaccedilatildeo das esferas estaduais
e federal desencadeando um processo de valorizaccedilatildeo das terras nos setores nortenordeste e
oeste e reorientandoincentivando a reproduccedilatildeo do capital e do espaccedilo urbano
Aleacutem disso sua atuaccedilatildeo tambeacutem pode ser caracterizada como agente promotor
imobiliaacuterio uma vez que possibilitou a construccedilatildeo de unidades habitacionais por intermeacutedio
dos IAPs e Cohab aquecendo dessa forma a economia mediante a quantia de capital
investido e a geraccedilatildeo de empregos impulsionando o poder de atraccedilatildeo da cidade que por seu
turno natildeo estava preparada para tal
Destarte a partir de 1970 foram definidas novas perspectivas de crescimento da
cidade com a decisatildeo do Governo Federal em escoar o mineacuterio da Serra dos Carajaacutes pelo
porto de Satildeo Luiacutes e de implantar um complexo sideruacutergico na Ilha Foram entatildeo implantados
novos loteamentos e construiacutedos grandes conjuntos habitacionais em vaacuterios locais da Ilha sob
o incentivo do BNH conforme verificado no quadro 7
215
Quadro 7
Ocupaccedilotildees no periacuteodo de 1961 agrave 1990
Ocupaccedilatildeo Ano Famiacutelias Sujeitos e Forccedilas poliacuteticas Saacute Viana 1961 1200 Igreja Catoacutelica Estudantes e Poliacutecia Militar Redenccedilatildeo 1966 600 IgrejaArcebispado Governo do Estado e Poliacutecia Militar Santa Cruz 1967 2000 Poliacutecia Militar e Prefeitura Coroado 1969 1000 Igreja Catoacutelica Prefeitura e Poliacutecia Militar
Vila Palmeira 1969 4000 Governo do Estado Vila Nova 1972 1000 Governo do Estado
Coroadinho 1977 3000 Igreja Catoacutelica e Prefeitura Vila Padre Xavier
1980 800 Igreja Catoacutelica Partidos de Esquerda (MDB) e Governo do Estado
Vera Cruz 1980 300 Partidos de Esquerda (MDB) Governo do Estado Lideranccedilas Comunitaacuterias e Igreja
Satildeo Bernardo 1981 2000 Igreja Catoacutelica Partidos de Esquerda (MDB PDT PT) ASP e Governo do Estado
Joatildeo de Deus 1981 3000 Igreja Catoacutelica Partidos de Esquerda (MDB PDT PT) ASP e Governo do Estado
Bom Jesus 1982 3000 Igreja Catoacutelica COHAB Caacuteritas FASE SMDDH Prefeitura e Partidos de Esquerda (PMDB PCdoB PT)
Vila Itamar 1983 2000 Igreja Catoacutelica COHAB Caacuteritas FASE SMDDH Prefeitura e Partidos de Esquerda (PMDB PCdoB PT)
Vila Mauro Fecury II
1990 4000 Construtora Igreja Catoacutelica Poliacutecia Militar e Prefeitura
Vila Satildeo Luiacutes 1990 1300 Construtora Igreja Catoacutelica Poliacutecia Militar e Prefeitura TOTAL 29200
Fonte Luz (2004 p 69)
Assim eacute introduzida a preocupaccedilatildeo com o ordenamento do processo de expansatildeo
urbana que se traduz nos primeiros esboccedilos de articular um planejamento viaacutevel agrave cidade de
Satildeo Luiacutes Nesse sentido a Prefeitura Municipal de Satildeo Luiacutes realizou uma seacuterie de estudos e
de propostas urbaniacutesticas no sentido de fornecer elementos teacutecnicos para instrumentar o
Poder Puacuteblico no processo de planejamento e desenvolvimento urbano da cidade
Esses estudos culminaram na elaboraccedilatildeo do Plano Diretor de Satildeo Luiacutes de 1977
constituindo-se em instrumentos importantes para o conhecimento da realidade social urbana
e ambiental de Satildeo Luiacutes bem como para determinar as diretrizes do uso e ocupaccedilatildeo territorial
do sistema viaacuterio e transportes do Municiacutepio e seu zoneamento urbano
De acordo com Ribeiro Junior (2001) esses estudos66 apontaram os problemas que
possivelmente a cidade enfrentaria em decorrecircncia da transformaccedilatildeo na sua estrutura urbana
66 Dentre os estudos cabe destaque 19671968
Pesquisa sobre o Desenvolvimento Urbano de Satildeo Luiacutes 19671968
Desenvolvimento Urbano da Aacuterea do Itaqui 1971 - Estudo de Viabilidade Teacutecnico-Econocircmica do
216
e econocircmica frente aos investimentos anunciados Entre eles estatildeo o esvaziamento do centro
histoacuterico e o avanccedilo da ocupaccedilatildeo urbana nas aacutereas de manguezais
Em 1973 surgiu a primeira proposta concreta de erradicaccedilatildeo das palafitas com o
Programa de Despalafitaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes67 por meio de assinatura de convecircnio entre a
Prefeitura Municipal de Satildeo Luiacutes e o BNH no valor de 10 milhotildees de cruzeiros Seria dado agrave
cidade um crescimento urbaniacutestico disciplinado e a complementaccedilatildeo de infraestrutura e
saneamento total dos bairros sob intervenccedilatildeo como a construccedilatildeo de calccediladas e a implantaccedilatildeo
de equipamentos comunitaacuterios
Posteriormente outros projetos foram elaborados na tentativa de controlar o
crescimento desordenado
da cidade Sendo que no governo de Joatildeo Castelo iniciado em 15
de marccedilo de 1979 ter-se-ia pela frente entre outras metas a de solucionar o problema
habitacional em Satildeo Luiacutes que jaacute despontava nesse principio de deacutecada como fator expressivo
de atraso social e reflexo direto do mau planejamento das administraccedilotildees anteriores
(RIBEIRO JUNIOR 2001)
Eacute importante destacar que as intervenccedilotildees municipais e estatais no espaccedilo urbano de
Satildeo Luiacutes natildeo representaram a possibilidade de acesso agrave moradia para uma parte da populaccedilatildeo
isso porque as unidades habitacionais natildeo atenderam agrave demanda e os planos e projetos
relativos agrave urbanizaccedilatildeo foram desvirtuados e natildeo efetivados uma vez que a Surcap acabou se
apresentando como uma empresa imobiliaacuteria possibilitando a accedilatildeo de apropriadores de terras
Diniz (2007) argumenta que no final da deacutecada de 1970 o Estado do Maranhatildeo
apresentou um desenvolvimento econocircmico relevante graccedilas agrave implantaccedilatildeo dos capitais
industriais Esse surto industrial trouxe na deacutecada seguinte mudanccedilas significativas na
estrutura soacutecioespacial da cidade causadas especialmente pelo aumento do contingente
populacional que duplicou nesse periacuteodo
A implantaccedilatildeo desses grandes projetos e o comeacutercio paralelo surgido em decorrecircncia dessas novas instalaccedilotildees podem ter sido os fatores motivadores do crescimento populacional em Satildeo Luis na deacutecada de 1980 Segundo dados estatiacutesticos do IBGE em 1980 Satildeo Luiacutes apresentava um contingente populacional de 449887 habitantes o que correspondia a pouco mais de 12 da populaccedilatildeo estadual concentrada na zona urbana (DINIZ 2007 p 170)
Desenvolvimento Decenal e Plano Diretor dos Portos de Itaqui e Mucuripe 1972 - Estudo de um Estaacutedio para a Cidade de Satildeo Luiacutes 1972
Plano de Desenvolvimento Turiacutestico do Maranhatildeo 19721974
Programa de Recuperaccedilatildeo de Aacutereas Alagadas
Projeto Kennedy e Bares 19721975
Estudos de Viabilidade para Implantaccedilatildeo da Central de Abastecimento de Satildeo Luiacutes 1977
Plano Diretor de Satildeo Luiacutes (LUZ 2004) 67 O Plano objetivava a recuperaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo das aacutereas alagadas de Satildeo Luiacutes abrangendo um total de 8 mil palafitas (RIBEIRO JUNIOR 2001)
217
Paralelamente a isso se acelerou tambeacutem a ocupaccedilatildeo desordenada por contingentes
populacionais de menor poder aquisitivo nas aacutereas alagadiccedilas e nos manguezais Esse
crescimento se direcionou segundo trecircs vetores
1) Em direccedilatildeo ao norte da Ilha compreendendo a orla mariacutetima e as aacutereas situadas
entre os conjuntos habitacionais recentemente implantados
2) Em direccedilatildeo a parte leste acompanhando a ligaccedilatildeo rodoviaacuteria com os outros dois
municiacutepios da Ilha
3) Em direccedilatildeo sul acompanhando a ligaccedilatildeo rodo-ferroviaacuteria da Ilha com o
continente (LUZ 2004)68
Pode-se notar tambeacutem a forte ocorrecircncia de zonas palafitadas principalmente agraves
margens do Rio Anil e nas aacutereas sujeitas a inundaccedilotildees pelo fluxo das mareacutes (Fotografia 7)69
Ao longo da orla mariacutetima existe uma predominacircncia de residecircncias de alto padratildeo com fraco
adensamento e glebas com grandes aacutereas de especulaccedilatildeo (Fotografia 8)
68 Segundo Luz (2004) a Ilha de Satildeo Luiacutes encontra-se dividida em quatro setores bem definidos por meio de dois corredores viaacuterios o primeiro do Porto Itaqui ateacute Satildeo Joseacute de Ribamar atravessando a Ilha no sentido oeste-leste e o segundo do Olha D aacutegua ateacute o Estreito dos Mosquitos uacutenica ligaccedilatildeo da Ilha com o continente e que se desenvolve no sentido norte-sul Setores o setor noroeste
se caracteriza pela predominacircncia de conjuntos habitacionais do padratildeo de classe meacutedia a alta vaacuterios loteamentos aleacutem da parte da zona central da cidade de Satildeo Luiacutes o setor nordeste
se caracteriza pela presenccedila de alguns conjuntos habitacionais populares nas proximidades dos eixos viaacuterios quase toda aacuterea apresenta caracteriacutesticas rurais e encontra-se comprometida com grandes loteamentos o setor sudeste
eacute caracterizado por vastas glebas com atividades rurais muitos povoados grandes aacutereas institucionais alguns loteamentos e conjuntos habitacionais populares Grande parte deste setor estaacute reservado a atividade industriais onde jaacute se encontram instaladas a maioria das induacutestrias de porte meacutedio de Satildeo Luiacutes O setor sudoeste embora apresente caracteriacutesticas rurais se encontra em fase de transiccedilatildeo com a cessatildeo das terras para o uso industrial Neste setor estatildeo instaladas as grandes induacutestrias o complexo portuaacuterio o Campus Universitaacuterio do Bacanga e a reserva florestal Nas proximidades do centro de Satildeo Luiacutes eacute notada a presenccedila de alguns conjuntos habitacionais populares e aglomeraccedilotildees urbanas com residecircncias de baixo padratildeo assentadas desordenadamente 69 Paulatinamente avanccedilava-se nas ocupaccedilotildees tomando a direccedilatildeo das aacutereas perifeacutericas da capital na proporccedilatildeo em que aumentavam o nuacutemero de famiacutelias vindas do interior do Estado englobando novas caracteriacutesticas ao mapa habitacional da ilha
218
Fotografia 7
Palafitas no Rio Anil (Satildeo Luiacutes-MA)
Fonte PEMAS (2004)
Fotografia 8
Condomiacutenios de alto padratildeo (Lagoa Jansen
Satildeo Luiacutes-MA)
Fonte Portela (2010)
Na aacuterea norte da ilha a interligaccedilatildeo entre o centro e a regiatildeo das praias com a
construccedilatildeo da Ponte Joseacute Sarney marcou a formaccedilatildeo de uma aacuterea nobre da cidade (Satildeo
Francisco Renascenccedila Calhau Ponta D areia Satildeo Marcos Olho D aacutegua) onde os negoacutecios
imobiliaacuterios ganharam grande projeccedilatildeo na deacutecada de 1980 caracterizando-se pela
verticalizaccedilatildeo das construccedilotildees
219
Num periacuteodo de menos de 10 anos abrangendo toda a deacutecada de 1970 foram criados
18 conjuntos habitacionais para atender a procura do segmento social de renda meacutedia
conforme tabela 10
Tabela 10
Conjuntos habitacionais estatais produzidos por meio da Cohab e Cooperativas 1971-1980
Ano Entidade Financiadora Conjunto Habitacional Nordm de Unidades 1971 Cohab Sacaveacutem 476 1973 Cohab Radional 366 1975 Cooperativa Cohama 700 1976 Cohab Anil IV 1111 1977 Cooperativa Cohapa 41
1978
Cooperativa Cohaserma 364
Cohapam 100
Cohajap 331
Cohatrac I 875
Cohajoli 50 Cohab Bequimatildeo 1190
Vinhais 1627
Hab Turuacute 767
1979
Cohab Rio Anil 365
Angelim 654 Cooperativa Coharev 160
Cohajapa 38 1980 Cooperativa Cohafuma 482
Total 9697 Fonte Luz (2004 p 70)
A partir da deacutecada de 1980 a ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano de Satildeo Luiacutes deu-se de
maneira acelerada e desarticulada Isso porque o governo federal elaborou o Programa de
Desenvolvimento Integrada da Amazocircnia Oriental como uma poliacutetica territorial regional que
visava agrave implantaccedilatildeo de grandes projetos destinados exclusivamente a mineraccedilatildeo
metalurgia agropecuaacuteria e reflorestamento
Durante toda a segunda metade da deacutecada de 1970 especulava-se sobre as profundas transformaccedilotildees estruturais que a capital do Estado atravessaria na qual Satildeo Luiacutes seria o palco de grandes empreendimentos industriais Tal previsatildeo ao passo que fomentava a euforia de grande parcela da populaccedilatildeo carente e desempregada servia ainda de motivaccedilatildeo para o homem do campo
que via uma razatildeo a mais para abandonar sua terra em busca de oportunidades de trabalho (LUZ 2004 p 68)
220
Muitos outros projetos expuseram a Amazocircnia a novos fluxos migratoacuterios O projeto
Carajaacutes por exemplo estabeleceu um poacutelo de desenvolvimento percorrendo o sul do Paraacute ateacute
a cidade de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo Paralelamente a accedilatildeo madeireira serviu e ainda serve
como ponta de lanccedila para outros projetos como os agropecuaacuterios em torno dos quais se
estabeleceu uma arena de conflitos entre agricultores sem terra e grandes latifundiaacuterios Na
consolidaccedilatildeo dos Grandes Projetos e dos latifuacutendios criou-se um ecircxodo rural onde pequenos
agricultores e outros migraram para diferentes locais principalmente para as cidades
amazocircnicas
A implantaccedilatildeo do Programa Grande Carajaacutes (PGC) e a instalaccedilatildeo de grandes
induacutestrias tiveram um grande impacto na cidade provocando um enorme crescimento
populacional aleacutem disso esses projetos foram implantados sem a participaccedilatildeo da populaccedilatildeo
local natildeo levando em consideraccedilatildeo as peculiaridades econocircmicas sociais e culturais locais e
sem a devida preocupaccedilatildeo com a aplicaccedilatildeo dos recursos financeiros necessaacuterios para
produccedilatildeo de uma infraestrutura que suportasse tal crescimento
Segundo estudos realizados por Castro e Acevedo Marin (1991) e Almeida (1995)
os processos migratoacuterios na Amazocircnia entre as deacutecadas de 1970 e 1980 estiveram fortemente
marcados por intensos fluxos de nordestinos especialmente de maranhenses gauacutechos e
mineiros que contribuiacuteram decisivamente para aumentar o nuacutemero de povoados dos quais
alguns se colocaram como embriotildees de formaccedilatildeo de novos municiacutepios A construccedilatildeo da
Estrada de Ferro na deacutecada de 1980 intensificou a migraccedilatildeo redirecionando os migrantes
nordestinos goianos e mineiros da Transamazocircnica para outras aacutereas do sudeste do Paraacute e
sudoeste do Maranhatildeo O crescimento da populaccedilatildeo atingiu todos os municiacutepios ao longo da
Estrada de Ferro Carajaacutes Cresceu assim a populaccedilatildeo concentrada nas cidades de Marabaacute no
Paraacute Imperatriz e Accedilailacircndia no Maranhatildeo nos antigos povoados de ParauapebasRio Verde
(atualmente cidade de Parauapebas) Km 30 (hoje Curionoacutepolis) e o Km 3 (Eldorado de
Carajaacutes)
situados nas proximidades das aacutereas de lavra da CVRD e dos garimpos
ligados
entre si pela PA-275 e suas vicinais
Heacutebette (2004) em suas investigaccedilotildees ressalta que a aacuterea geograacutefica abrangida pelo
PGC (hidreleacutetrica de Tucuruiacute Poacutelo de Gusa Ferrovia de Carajaacutes
que corta a Ponta da
Madeira a qual atravessa os vales do Parauapebas Itacauacutenas Tocantins Araguaia e corre
paralela aos vales do Pindareacute e do Mearim alcanccedilando a ilha de Satildeo Luiacutes
e exploraccedilatildeo
mineral) sofreu profundas transformaccedilotildees resultantes da pressatildeo de integrar a Regiatildeo Norte
do Paiacutes agrave dinacircmica econocircmica e poliacutetica nacional implementadas a partir dos poacutelos
221
industriais urbanos Aleacutem disso afirma que o PGC exerceu papel redefinidor do aspecto
econocircmico poliacutetico e social da regiatildeo70
Integrar a Amazocircnia ao capitalismo significa inseri-la plena e definitivamente no mercado nacional e internacional nas trocas mediadas pelo dinheiro sob a eacutegide do capital industrial e financeiro Significa transformar seus recursos naturais em valores que pudessem ser incorporados ao circuito das trocas monetaacuterias com a produccedilatildeo industrial nacional e internacional isto eacute se tornar parte integrante da circulaccedilatildeo do capital Isso natildeo podia ser realizado sem a mobilizaccedilatildeo do trabalho que valorize esses recursos (terra mata mineacuterio) isto eacute sem a formaccedilatildeo de um mercado de forccedila de trabalho (HEacuteBETTE 2004 p 62)
Originalmente o PGC foi anunciado como um projeto integrado constituindo o
maior programa de desenvolvimento integrado do mundo que aleacutem da exploraccedilatildeo mineral
incluiacutea projetos agropecuaacuterios silvicultores e de industrializaccedilatildeo Sua implantaccedilatildeo obedeceria
a um zoneamento de acordo com o qual foram definidas as seguintes zonas industriais
Barcarena Marabaacute Serra dos Carajaacutes Satildeo Luiacutes Tucuruiacute e Imperatriz Dos problemas de
ordem fundiaacuteria ficariam encarregados os oacutergatildeos competentes com ecircnfase para o Instituto
Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) Todavia tratou-se de uma integraccedilatildeo
agrave economia capitalista e agrave sociedade burguesa moderna (ALMEIDA 1995)
Vale enfatizar que o PGC ergueu-se como um marco no processo de organizaccedilatildeo do
espaccedilo e definiccedilatildeo do territoacuterio no sudeste paraense e sudoeste maranhense No contraditoacuterio
mega-projeto atuam Estado e iniciativa privada e sob um contexto de avanccedilo de uma nova
etapa do processo de produccedilatildeo capitalista tem conferido agraves empresas multinacionais e
transnacionais hegemonia (CARNEIRO 1994)
Entretanto nota-se que a integraccedilatildeo da fronteira ateacute hoje natildeo proporcionou a
industrializaccedilatildeo capitalista da regiatildeo e que o setor onde se tem dada a acumulaccedilatildeo industrial
e que se desenvolveu foi o da construccedilatildeo (em parte construccedilatildeo habitacional mas sobretudo a
construccedilatildeo de grandes obras puacuteblicas) com a instalaccedilatildeo de grandes firmas construtoras
inclusive de padratildeo internacional (HEacuteBETTE 2004 p 66)
Heacutebette (2004) ressalta que o interesse seletivo do capital se concentrou em torno da
terra da madeira de alguns mineacuterios como manganecircs bauxita e ouro Mas como o interesse
70 O PGC sob responsabilidade da CVRD tinha por objetivo a exploraccedilatildeo das reservas de mineacuterio de ferro ouro e outros minerais em Carajaacutes e dispunha de uma aacuterea geograacutefica que englobava terras situadas entre os rios Amazonas Parnaiacuteba e Xingu ao norte do paralelo 8ordm (oito graus) e compreendia uma aacuterea de cerca de 900 mil kmsup2 incluindo parte do estado do Paraacute Maranhatildeo e Goiaacutes (hoje Tocantins) abrangendo uma proviacutencia mineral extremamente rica e diversificada em recursos (ferro manganecircs cobre bauxita niacutequel ouro) aleacutem disso comporta grande parte da bacia do Araguaia-Tocantins
222
do capital se cruzou com o interesse dos trabalhadores a procura sempre se deu em forma de
uma luta de classes Assim a luta mais conhecida foi pela terra
Dessa forma Castro e Acevedo Marin (1991) argumentam que a luta pela terra eacute
uma questatildeo central quando se analise a realidade social no sudeste do Paraacute uma vez que eacute
marcada por uma dinacircmica econocircmica social e poliacutetica especifica Nessa complexa realidade
competem pelo domiacutenio do espaccedilo e dos recursos naturais atores como empresas de
mineraccedilatildeo (CVRD) pecuaristas Estado madeireiros sem terra assentados posseiros e
garimpeiros Sindicato de Trabalhadores Rurais instituiccedilotildees confessionais
A gestatildeo do territoacuterio de Carajaacutes desvenda a essecircncia logiacutestica dos grandes projetos associados agrave nova ordem cientiacutefico-tecnoloacutegico Carajaacutes eacute um segmento localizado de um conjunto de escala planetaacuteria um espaccedilo transnacional em construccedilatildeo [] Os conflitos e contradiccedilotildees locais e o caraacuteter da gestatildeo da Companhia autocircnoma e baseada no saber teacutecnico-cientiacutefico traduzem-se em dispositivos de controle que fecham o territoacuterio de Carajaacutes transformando-o em verdadeira cidadela (BECKER 1994 p339-340)
Os grupos sociais (sem terra assentados posseiros garimpeiros) foram alijados das
poliacuteticas puacuteblicas e envolvidos em uma luta intensa constituiacuteram uma forccedila de mudanccedila de
forma que organizados ou natildeo ocuparam terras plantaram e deram origem a uma pecuaacuteria
extensiva reestruturando a configuraccedilatildeo espacial
Para muitas famiacutelias ludovicenses a implantaccedilatildeo de grandes complexos industriais
em terras maranhenses iria repercutir como um problema a mais de acordo com o que
Gistelinck (1988 p32) afirma no trecho a seguir
Em 1974 o governo estadual entregou mais de 3000 hectares a CVRD inclusive a praia do Boqueiratildeo a praia dos pescadores e do povo do Anjo da Guarda sem resolver no entanto os problemas habitacionais para os moradores da aacuterea Cinco anos depois mais de 10000 hectares foram entregues a ALUMAR Em torno de 4000 famiacutelias perderam de um dia para o outro o seu sustento da roccedila e da pesca Nos dois casos as famiacutelias foram indenizadas pelas benfeitorias muitas vezes de maneira arbitraacuteria mas natildeo foram criadas novas condiccedilotildees de trabalho adaptados a capacidade da populaccedilatildeo
Tal situaccedilatildeo muito se assemelha ao quadro de desapropriaccedilatildeo de terras das aacutereas do
interior do Estado e que possibilitou a expulsatildeo de inuacutemeras famiacutelias para a capital Com isso
tem-se que os agravantes surgem como desdobramentos da accedilatildeo governamental mal
planejada ou planejada sem considerar os interesses das camadas mais pobres da sociedade
223
Carneiro (1994) sintetiza a disputa pelo controle do territoacuterio na aacuterea de abrangecircncia
do PGC como um palco de transformaccedilotildees ocasionados por conflitos e pelos diferentes
interesses gerados para se definir a gestatildeo do territoacuterio e a resoluccedilatildeo dos interesses contraacuterios
e diversos dos atores presentes no mesmo
Contudo Almeida (1995) adverte que eacute o Estado que impotildee accedilotildees de coerccedilatildeo contra
camponeses na medida em que impulsiona via incentivos fiscais e concessotildees de extensas
aacutereas de terras a grupos empresariais escudados na maior racionalidade econocircmica e
inovaccedilotildees teacutecnicas ocasionando no monopoacutelio da terra nos mecanismos de imobilizaccedilatildeo e
em atos coercitivos como forma de resoluccedilatildeo de conflitos agraacuterios demonstrando a face
autoritaacuteria da modernizaccedilatildeo que tem na violecircncia um elemento inerente agrave disputa pela terra
na fronteira
Nesse sentido a realidade de desorganizaccedilatildeo social que se esboccedilava culminava
inevitavelmente num clima de insatisfaccedilatildeo e protesto reflexo da situaccedilatildeo de crise nacional
em meio ao esgotamento do modelo econocircmico imposto durante o regime militar que se
manifestava na queda do emprego e dos salaacuterios refletindo-se no rebaixamento histoacuterico das
condiccedilotildees de moradia das classes populares em todo o paiacutes
Assim novas tentativas de solucionar o problema habitacional eram implementadas
sem o sucesso esperado pelos oacutergatildeos da administraccedilatildeo puacuteblica Um dos projetos amplamente
propagandeados no final dos anos 1970 foi o PROMORAR que segundo levantamento
realizado pela UFMA em 1981 na eacutepoca de sua implantaccedilatildeo tinha como meta atingir 23
dos habitantes da ilha Sendo que a maioria dessa populaccedilatildeo procedia do interior e 87 tinha
em meacutedia uma renda familiar mensal de dois salaacuterios miacutenimos tratando-se portanto
principalmente de pessoas oriundas do campo desempregadas subempregadas como
biscateiros pedreiros lavadeiras e empregadas domesticas (LUZ 2004)
Os resultados do PROMORAR pouco significaram como soluccedilatildeo do problema habitacional em Satildeo Luis sendo construiacutedas e comercializadas somente 185 unidades habitacionais com baixa qualidade do material utilizado e inuacutemeras deficiecircncias detectadas nas construccedilotildees (LUZ 2004 p57)
Ainda no inicio dos anos 1980 o governo estadual arquitetou a efetivaccedilatildeo de dois
grandes complexos habitacionais para as camadas mais pobres da populaccedilatildeo contando
inclusive com unidades de 01 (um) cocircmodo somente
224
Com a valorizaccedilatildeo das aacutereas nobres foram construiacutedos grandes conjuntos habitacionais tais como a Cidade Operaacuteria (que teve suas obras iniciadas em 1981 numa primeira etapa quando foram levantadas 1500 unidades sendo concluiacuteda em 1987) com 7500 unidades ao todo o Conjunto Jardim Ameacuterica Satildeo Raimundo e o Maiobatildeo (julho82) com 4470 unidades ambos distantes do nuacutecleo central da cidade (16 km e 20 km respectivamente) sendo este uacuteltimo construiacutedo em aacuterea formalmente pertencente ao municiacutepio de Paccedilo do Lumiar (RIBEIRO JUNIOR 2001 p 98)
Uma das preocupaccedilotildees amplamente mencionadas durante a construccedilatildeo da Cidade
Operaacuteria e do Maiobatildeo eacute que ambas estivessem localizadas perto do receacutem-inaugurado
Distrito Industrial de Satildeo Luiacutes para que houvesse a associaccedilatildeo direta de proximidade entre o
local de trabalho e o trabalhador
Outro poacutelo importante que se formou nos uacuteltimos 30 anos foi ao nordeste da Ilha no
sentido de Satildeo Luiacutes aos Municiacutepios vizinhos de Satildeo Joseacute de Ribamar e Paccedilo do Lumiar Essa
regiatildeo se caracteriza por abrigar uma seacuterie de conjuntos habitacionais populares com alta
densidade populacional
A populaccedilatildeo total de Satildeo Joseacute de Ribamar cresceu a uma taxa anual de 736 saltando de 32320 habitantes em 1980 para 70581 em 1991 O municiacutepio de Paccedilo do Lumiar recebeu tambeacutem um forte impacto populacional evoluindo de pouco mais de 17 mil habitantes em 1980 para 53195 habitantes em 1991 com uma taxa anual de 1080 e crescimento relativo de 22176 (o maior entre os municiacutepios do Estado) (MARANHAtildeO 1997 p 27)
Com esse avanccedilo sobre os espaccedilos vazios da ilha surge uma disparidade gritante em
relaccedilatildeo aos dados populacionais das aacutereas urbana e rural de Satildeo Luis principalmente em
relaccedilatildeo agrave infraestrutura dos novos segmentos habitacionais jaacute que muitos conjuntos e bairros
receacutem inaugurados localizavam-se em regiotildees da zona rural mas mantinham perfil
eminentemente urbano uma vez que atividades primaacuterias natildeo eram neles praticadas ou seja
as periferias de Satildeo Luis natildeo eram ocupadas somente pelas camadas mais pobres mas
tambeacutem conjuntos e bairros eram construiacutedos nos arredores da cidade trazendo consigo todo o
conforto e modernidade para suprir a demanda da classe meacutedia71
A partir da deacutecada de 1990 houve uma consolidaccedilatildeo da tendecircncia que se manifestara
outrora como um surto mas que ganhava agora sintomas de permanecircncia e impressotildees de
71 Com a promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica do Municiacutepio (LOM) em abril de 1990 foi definido a zona urbana da cidade compreendendo as aacutereas de edificaccedilatildeo contiacutenua das povoaccedilotildees e as partes adjacentes que possuam meio fio calccedilamento abastecimento de aacutegua rede de iluminaccedilatildeo puacuteblica escola primaacuteria postos de sauacutede e arruamentos (RIBEIRO JUNIOR 2001)
225
descontrole Nesse sentido conveacutem referenciar sobre a continuidade no avanccedilo do
movimento de luta pela posse da terra por meio das ocupaccedilotildees urbanas que saturando as
aacutereas tradicionalmente centrais da cidade ocupavam paulatinamente as periferias a ponto de
adentrar em terras situadas aleacutem das fronteiras da capital do Estado
De 1994 a 2000 inuacutemeras novas ocupaccedilotildees foram criadas em solo ludovicense
marcando um periacuteodo de luta e resistecircncia
aspectos presentes em muitos desses movimentos
de luta pela moradia conforme se constata na argumentaccedilatildeo de Luz (2004 p 78)
Num clima de verdadeira guerra onde a resistecircncia popular tem muitas vezes vencido dando margem agrave formaccedilatildeo de diversos bairros em Satildeo Luiacutes que permanecem precaacuterios por falta de atenccedilatildeo do Estado e do Municiacutepio mas representam a alternativa possiacutevel para aqueles que natildeo podem mais viver no interior
De acordo com Ribeiro Junior (2001) ao se verificar as manchetes de revistas e
jornais da eacutepoca pode-se constatar um amplo panorama da situaccedilatildeo uma vez que a forma
violenta como se desenrolaram os processos de ocupaccedilatildeo explicam a grande repercussatildeo A
exemplo disso tem-se o caso da Cidade Oliacutempica que virou um verdadeiro inferno ontem
pela manhatilde quando a Poliacutecia Militar armada ateacute os dentes invadiu a aacuterea ocupada e
promoveu destruiccedilatildeo espancamentos e prisotildees cenas de horror presenciadas por muitas
crianccedilas que tambeacutem estavam abrigadas na aacuterea
(JORNAL PEQUENO 1997 apud LUZ
2004 p 78)
Esse exemplo chama a atenccedilatildeo entre outros aspectos para um ponto inevitavelmente
discutiacutevel o alarmante deacuteficit de moradias em Satildeo Luiacutes que por sua vez traz como pano de
fundo
a defasagem da estrutura poliacutetica social e econocircmica do Estado Em outras palavras o
que se vecirc na capital maranhense no final do seacuteculo XX traduz-se no descontrole e
incapacidade do Estado em garantir condiccedilotildees de moradia a toda agrave populaccedilatildeo refletindo-se
por meio da proliferaccedilatildeo incontida de ocupaccedilotildees sem a miacutenima infraestrutura
A valorizaccedilatildeo de aacutereas mais proacuteximas do centro da cidade assim como de conjuntos
habitacionais e a consolidaccedilatildeo de aacutereas nobres geraram alta no preccedilo dos alugueacuteis e tornaram
distante para muitos o sonho da casa proacutepria conduzindo as populaccedilotildees de menor poder
aquisitivo cada vez mais para longe do Centro da Ilha
Nesse sentido vai se formando gradualmente uma seacuterie de pequenos
estabelecimentos como quitandas oficinas e lojas que servindo de base de sustento para
inuacutemeras famiacutelias ajudam a compor o quadro espacial dos bairros pobres de Satildeo Luiacutes
226
As atividades alternativas que geralmente se apresentam ao pobre desempregado e
desqualificado natildeo datildeo muitas opccedilotildees de escolha estando o setor do comeacutercio informal entre
as ocupaccedilotildees mais comuns conforme afirma Diniz (2005 p81)
O grande crescimento do setor terciaacuterio informal da economia maranhense deve-se a diversos fatores entre os quais a facilidade de acesso a esse tipo de atividade pois se trata de um negoacutecio que natildeo requer grandes investimentos tampouco necessita de matildeo-de-obra especializada assim como os produtos oferecidos nesse mercado tem boa aceitaccedilatildeo pelos consumidores que na maioria satildeo de classe baixa soacute tendo acesso muitas das vezes a esse tipo de comeacutercio
Principalmente ao longo da deacutecada de 1990 assistiu-se a efetiva incorporaccedilatildeo do
universo das ocupaccedilotildees urbanas ao cotidiano social ludovicense A ocorrecircncia desse
fenocircmeno fez surgir novas linhas de transporte coletivo obedecendo a uma demanda
crescente de usuaacuterios nas aacutereas perifeacutericas
A partir desse quadro do processo de ocupaccedilatildeo territorial de Satildeo Luiacutes pode-se
perceber que nos uacuteltimos anos o Municiacutepio sofreu um acelerado processo de espraiamento
urbano com o consequumlente inchaccedilo populacional levando ao comprometimento da qualidade
do seu espaccedilo urbano
Assim em meio agrave proliferaccedilatildeo de ocupaccedilotildees em direccedilatildeo a periferia da cidade a
organizaccedilatildeo espacial ludovicense convergia para a instabilidade na medida em que a falta de
planejamento espacial gradativamente gerava consequumlecircncias diversas a sociedade
evidenciando o descontrole da situaccedilatildeo por parte da administraccedilatildeo puacuteblica
Nesse sentido levando em consideraccedilatildeo o alto iacutendice de crescimento populacional da
grande Satildeo Luiacutes assim como o conjunto de mudanccedilas em sua organizaccedilatildeo espacial articulou-
se a consolidaccedilatildeo de um perfil soacutecio-econocircmico numa tentativa de sintonia com os padrotildees de
modernidade do mundo capitalista Tal perspectiva pode ser comprovada na evidecircncia da
velha dualidade entre ricos e pobres bairros nobres e ocupaccedilotildees de submoradias sendo esse
aspecto considerado por Ribeiro Junior (2001 p 94) como fator de segregaccedilatildeo em funccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos referidos conjuntos como se refere no trecho a seguir
Cinde-se como de praxe o habitat para os ricos e o habitat para as pobres no complexo urbano revelando-se a estratificaccedilatildeo contida na anaacutelise de Freyre aquele dos Sobrados e Mucambos em equivalecircncia ao existente no rural onde vingavam Casas Grandes e Senzalas unidades pertencentes ao sistema organizacional da civilizaccedilatildeo tropical brasileira contrastante socialmente
227
O crescimento residencial agrave direita do rio Anil (aacuterea da orla mariacutetima) se deu
predominantemente por conjuntos habitacionais de classe meacutedia e meacutedia alta (Satildeo Francisco
Renascenccedila Ponta D Areia Calhau Cohafuma etc) separados por enormes vazios em
virtude da existecircncia de vastos manguezais Nessa regiatildeo inclusive foi localizado o novo
poacutelo administrativo do Governo Estadual com a transferecircncia de diversos oacutergatildeos da
administraccedilatildeo puacuteblica que estavam no centro histoacuterico Do mesmo modo foram instalados
modernos edifiacutecios residenciais shoppings centers e uma seacuterie de serviccedilos
escolas e
universidades particulares comeacutercio especializado etc
para atender essa classe meacutedia que
ali se instalou Atualmente essa eacute a aacuterea de maior dinamismo imobiliaacuterio e econocircmico da
cidade (DINIZ 2007)
Logo se tecircm que a concentraccedilatildeo urbana historicamente composta pelo distrito
central de Satildeo Luiacutes e pelo distrito do Anil era gradativamente suplantada pela acelerada
formaccedilatildeo de nuacutecleos e povoados nos arredores da cidade aproximando-se de maneira
acelerada da fronteira de outros municiacutepios da ilha segundo se observa nos dados de Perfil do
Maranhatildeo (1997 p 27) abaixo
A anaacutelise do Censo Demograacutefico de 1991 segundo a situaccedilatildeo do domicilio permite determinar que a ocupaccedilatildeo da aacuterea urbana de Satildeo Luis jaacute teria alcanccedilado seu ponto de saturaccedilatildeo redirecionando a processo a de ocupaccedilatildeo do territoacuterio para aacutereas rurais do interior da ilha envolvendo os municiacutepios de Satildeo Joseacute de Ribamar e Paccedilo do Lumiar O comportamento da taxa de crescimento populacional desses municiacutepios reitera de modo incontestaacutevel essa tendecircncia enquanto a populaccedilatildeo urbana de Satildeo Luis diminuiu registrando um decliacutenio relativo de 042 sua populaccedilatildeo rural cresceu 12269 passando de 292144 em 1980 para 450158 habitantes em 1991
Atualmente a urbanizaccedilatildeo em Satildeo Luis incrementou ainda mais o processo de
pauperizaccedilatildeo de um grande contingente populacional negando a inserccedilatildeo desse contingente
no mercado formal de trabalho mas ao mesmo tempo transformou os pobres em
consumidores de alimentos e roupas industrializadas de mercadorias eletrocircnicas como raacutedios
e televisores e de serviccedilos puacuteblicos ou privados de transportes energia educaccedilatildeo e sauacutede
Vale destacar que um fator relevante em meio ao processo de ocupaccedilotildees
habitacionais e a iniciativa do poder puacuteblico no intuito de acabar com esse problema eacute que
aleacutem dos impasses burocraacuteticos e o eminente fracasso por falta de planejamento adequado dos
planos de reforma nas moradias o constante crescimento dessas sub-habitaccedilotildees impedia um
alcance maior e definitivo dos projetos jaacute que novos terrenos eram ocupados constantemente
228
formando novos nuacutecleos de palafitas concluindo-se entatildeo que a soluccedilatildeo seria muito mais
estrutural mais orgacircnica e menos paliativa
Outro fator relevante eacute que o espaccedilo urbano de Satildeo Luis assim como em outras
cidades brasileiras organiza-se em funccedilatildeo do preccedilo do solo Os terrenos urbanos tecircm seu
preccedilo regulado pela lei da oferta e da procura assim seus altos preccedilos de venda ou de locaccedilatildeo
selecionam uma clientela restrita empurrando todos os demais pretendentes para terrenos pior
localizados que tecircm preccedilos inferiores
A especulaccedilatildeo imobiliaacuteria vem interferindo de maneira agressiva no processo de
ocupaccedilatildeo e expansatildeo espacial da cidade de Satildeo Luiacutes estabelecendo um novo padratildeo com a
transferecircncia de aacutereas residenciais de alto padratildeo para o subuacuterbio As classes meacutedias e altas
movem-se para condomiacutenios distantes mas equipados com infraestrutura urbana e complexos
comerciais Parque Shalon Ponta do Farol Cohajap Parque Amazonas Santos Dumont
Parque Timbira Cohajoli Jardim dos Faraoacutes Renascenccedila I e II Cohafuma Recanto dos
Vinhais Parque dos Nobres Parque das Bandeiras (DINIZ 2007)
Segundo Diniz (2007) o fenocircmeno das ocupaccedilotildees tornou-se uma constante no dia-a-
dia o surgimento das vilas
a favela maranhense Um sem nuacutemero de terrenos puacuteblicos e
particulares foram e estatildeo sendo precariamente ocupados Vila Cafeteira Vila Itamar Vila
Isabel Vila Mauro Fecury Vila Pavatildeo Filho Vila Kiola Vila Jacarati Vila Brasil Vila
Janaiacutena Vila Santa Clara Jardim Tropical Divineacuteia Satildeo Bernardo Vila Cascavel Todos
esses bairros na aparecircncia satildeo formados por barracos e mocambos construiacutedos com material
de refugo como caixotes taacutebuas soltas folhas de zinco ou satildeo habitaccedilotildees construiacutedas de
palha taipa e adobe
Nessas localidades a pobreza e o aspecto caoacutetico satildeo visiacuteveis Os serviccedilos puacuteblicos
estatildeo ausentes o arruamento eacute desordenado a aacutegua eacute apanhada em uma bica proacutexima ou
atraveacutes de ligaccedilotildees clandestinas a luz eleacutetrica eacute conseguida com o prolongamento dos fios de
um barraco a outro os esgotos satildeo depositados a ceacuteu aberto a coleta de lixo eacute inexistente
(LUZ 2004)
No bojo das contradiccedilotildees e dos conflitos Satildeo Luiacutes se dinamiza estabelece um
processo mais acelerado de urbanizaccedilatildeo A cidade se expande multiplicando a populaccedilatildeo
marginalizada que natildeo podendo comprar terrenos e imoacuteveis deixa a periferia em constante
expansatildeo
229
5 A QUESTAtildeO HABITACIONAL EM BELEacuteM-PA E SAtildeO LUIS-MA EXCLUSAtildeO SOCIAL SEGREGACcedilAtildeO ESPACIAL E GESTAtildeO URBANA
Diante do exposto nos capiacutetulos anteriores pode-se afirmar que as estruturas urbanas
das cidades de Beleacutem e Satildeo Luiacutes sofreram fortes impactos com a ocupaccedilatildeo da regiatildeo
Amazocircnica e com as perspectivas do capitalismo sob a oacutetica de integraacute-las economicamente a
outras regiotildees do paiacutes por meio das construccedilotildees dos eixos rodo e ferroviaacuterios principalmente
com a mineraccedilatildeo e com os investimentos nos projetos industriais consolidados nos governos
militares repercutindo assim na configuraccedilatildeo soacutecioespacial
Nesse sentido baseado na loacutegica capitalista concentrador e excludente o
desenvolvimento urbano adotado nessas duas cidades amazocircnicas influenciou na estruturaccedilatildeo
do espaccedilo urbano expressando-se em uma forma de apropriaccedilatildeo desigual do mesmo o que
acarretou em um processo de segregaccedilatildeo espacial com a exclusatildeo de grandes aacutereas de
habitaccedilatildeo de padrotildees urbaniacutesticos de habitabilidade aceitaacuteveis Esses espaccedilos produzidos no
mercado informal satildeo ocupados agrave revelia das leis e das normas estabelecidas para edificaccedilatildeo
e uso do solo situaccedilatildeo que se agrava pelos processos intensivos de verticalizaccedilatildeo e
densificaccedilatildeo
Conforme observado por Correcirca (1989) visto no capiacutetulo II desta tese o espaccedilo
urbano s0 -009187 2867 5510 Tm(a)Tj000 -009187 2867 5510 Tm(a)Tj000 Tj009187 0 0 -009187 2333 7133 Tm(s)09187 0 0 -0071Tj( )Tj009187 0 0 -0095187 0 0 -00918000 Tj009187 0 0 -009187 2333 7133 Tm2F1 2048 Tf009187 0 0 78 Tm7 0 0 -009187 7539 6809 Tm(t)Tj 0 0(s)Tj( )Tj009187 0 0 -0(r)3 7133 Tm2F1 2048 Tf0091875640 -009187 2333 7133 Tm2F1 204(i)Tj0 -009187 2333 7133 Tm2F1 204(i)Tj0 -07810 Tm(a)Tj000 Tj009187 0 0 -009187 2i2F1 204(i)Tj0 -009187 2333 7133 Tm2E3a
230
Essa configuraccedilatildeo indicada natildeo por um marco legal no territoacuterio mas pela
apreensatildeo do espaccedilo urbano ante aqueles que nele interagem representa a produccedilatildeo de uma
apropriaccedilatildeo do real pelo homem enquanto sujeito situado
Segundo Bourdieu (2001) existe com efeito uma correlaccedilatildeo entre as posiccedilotildees
ocupadas pelos agentes sociais no espaccedilo social e a posiccedilatildeo que ocupam no espaccedilo fiacutesico
Este eacute inclusivamente um fator simboacutelico importante na determinaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do
proacuteprio posicionamento social dos atores Estes tecircm uma posiccedilatildeo mais ou menos prestigiada
consoante ocupem espaccedilos mais ou menos valorizados e pela distacircncia que as separa uns dos
outros
A existecircncia destes espaccedilos sociais como espaccedilos de exclusatildeo de certas camadas da
populaccedilatildeo acaba por contribuir como um dos elementos definidores do modo de vida das
apreciaccedilotildees e representaccedilatildeo social e da forma como os atores sociais das cidades estudadas
encaminham as suas vivecircncias biograacuteficas e estrateacutegias de vida
Eacute na produccedilatildeo das favelas em terrenos puacuteblicos ou privados invadidos que os grupos sociais excluiacutedos tornam-se efetivamente agentes modeladores produzindo seu proacuteprio espaccedilo na maioria dos casos independentemente e a despeito de outros agentes A produccedilatildeo desse espaccedilo eacute antes de mais nada uma forma de resistecircncia e ao mesmo tempo uma estrateacutegia de sobrevivecircncia Resistecircncia e sobrevivecircncia agraves diversidades impostas aos grupos sociais receacutem expulsos do campo ou provenientes de aacutereas urbanas agraves operaccedilotildees de renovaccedilatildeo que lutam pelo direito agrave cidade Resistecircncia e sobrevivecircncia que se traduzem na apropriaccedilatildeo de terrenos usualmente inadequados para outros agentes da produccedilatildeo do espaccedilo encostas iacutengremes e aacutereas alagadiccedilas (CORREcircA 1989 p 30)
Vale destacar tambeacutem que a ineficaacutecia na execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para as
demandas relacionadas ao crescimento urbano fez evidenciar as diferenccedilas sociais na
paisagem urbana na constante disputa pelos melhores espaccedilos que aumentando a demanda
diminuiu a oferta ocasionando no encarecimento do uso do solo nas cidades promovendo
assim elevadas especulaccedilotildees pelas construtoras e empresas imobiliaacuterias
A atividade imobiliaacuteria reflete o papel do espaccedilo tanto como fonte de criaccedilatildeo quanto de realizaccedilatildeo de mais-valia eacute realmente impeacutervia aos ciclos de acumulaccedilatildeo de capital exceto no tocante a mudanccedilas em suas formas de investimento (digamos da habitaccedilatildeo suburbana para os edifiacutecios de escritoacuterios e shopping centers na cidade) e representa um processo mais fundamental da criaccedilatildeo da riqueza [] Os especuladores portanto constituem a vanguarda da expansatildeo metropolitana (GOTTDIENER 1993 p 245-246)
231
Sendo assim como foi ressaltado nos toacutepicos anteriores o processo de ocupaccedilatildeo nas
aacutereas perifeacutericas das cidades estudadas pela populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo acentuou as
contradiccedilotildees do sistema capitalista inseridas no contexto das desigualdades sociais
construiacutedas dentro de uma realidade social mais ampla natildeo fugindo das anaacutelises do processo
acelerado da urbanizaccedilatildeo brasileira a qual estaacute embasada na loacutegica da globalizaccedilatildeo
configurada uma revoluccedilatildeo tecnoloacutegica e informacional determinando natildeo somente as
relaccedilotildees poliacuteticas mas principalmente as relaccedilotildees econocircmicas perpassando pelas relaccedilotildees
sociais e culturais
Os efeitos dessa mundializaccedilatildeo do capital acentuam as diferenccedilas sociais afetando
diretamente as expressotildees da questatildeo social as quais podem ser definidas no acircmbito do modo
capitalista de produccedilatildeo na contradiccedilatildeo capital x trabalho como as expressotildees do processo de
formaccedilatildeo e desenvolvimento da classe operaacuteria e de seu ingresso no cenaacuterio poliacutetico da
sociedade exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado
Eacute a manifestaccedilatildeo no cotidiano da vida social da contradiccedilatildeo entre o proletariado e a
burguesia a qual passa a exigir outros tipos de intervenccedilatildeo mais aleacutem da caridade e
repressatildeo (CARVALHO IAMAMOTO 1983 p 77)
Destarte essas transformaccedilotildees repercutiram em Beleacutem e em Satildeo Luiacutes assim como
em outras cidades brasileira que permeadas das contradiccedilotildees e de desigualdades sociais satildeo
frutos dos deacuteficits sociais acumulados por deacutecadas de governos descomprometidos com os
interesses da maioria da populaccedilatildeo
Nessas cidades se produz e reproduz as desigualdades sociais por meio de um
intenso processo de precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida com o crescimento do desemprego e
do trabalho informal (sem seguridade social) que somados agrave maneira como as cidades foram
constituiacutedas expotildeem as famiacutelias e indiviacuteduos a situaccedilotildees de risco e vulnerabilidades sociais
O cerceamento do acesso aos bens da cidadania relacionados ao emprego aos serviccedilos de proteccedilatildeo social e tambeacutem ao aumento da violecircncia que levam a uma fragilizaccedilatildeo da cidadania entendida como perda ou ausecircncia de direitos e como precarizaccedilatildeo de serviccedilos coletivos O crescente processo de favelizaccedilatildeo o empobrecimento da populaccedilatildeo o desemprego e o trabalho informal satildeo expressotildees da vulnerabilidade urbana no Brasil (KOWARICK 1988 p 15)
A grande maioria da populaccedilatildeo convive com a inseguranccedila social e de renda com a
falta de acesso a equipamentos e serviccedilos puacuteblicos com moradias precaacuterias e distantes do
trabalho Agrave exemplo disso tem-se as duas cidades estudadas as quais apresentam um
232
crescimento populacional baseado na expansatildeo perifeacuterica e no espraiamento da mancha
urbana aleacutem de renda per capita inferior a meacutedia nacional cujo valor eacute de R$ 50000
conforme tabela 11
Tabela 11
Domiciacutelios particulares com rendimento nominal mensal domiciliar per capita
2010
Municiacutepio
Domiciacutelios particulares com rendimento nominal mensal domiciliar per capita
Valor do rendimento nominal mediano mensal domiciliar per capita dos domiciacutelios particulares com rendimento nominal mensal domiciliar per capita
Total
Situaccedilatildeo do domiciacutelio
Total
Situaccedilatildeo do domiciacutelio
Urbana
Rural
Urbana
Rural
Beleacutem
351078
348191
2887
42200
42500
20800
Satildeo Luis
265175
251726
13449
40000
40400
25000
Fonte IBGE (2010)
Os dados demonstram que a renda per capita de Beleacutem (R$ 42200) mesmo inferior
a meacutedia nacional apresenta 55 a mais que a de Satildeo Luis Vale destacar que os programas
habitacionais adotam uma loacutegica que contribui para a concentraccedilatildeo de renda no paiacutes uma vez
que a maior parte dos recursos satildeo dirigidos para as faixas salariais acima de 4 salaacuterios
miacutenimos o que dificulta o acesso das famiacutelias com baixo poder aquisitivo a esses programas
habitacionais e contribui para o aumento do deacuteficit habitacional a exemplo pode-se citar o
Programa Minha Casa Minha Vida Esse quadro eacute revelador das diferenccedilas das desigualdades
sociais e do modelo concentrador de riquezas e poder que fazem parte da formaccedilatildeo histoacuterica
do Paiacutes
De acordo com Harvey (2005) esse processo interdita a efetivaccedilatildeo do direito agrave
cidade principalmente para os mais pobres que satildeo expulsos para locais cada vez mais
distantes pois natildeo possuem meios para acessar os melhores espaccedilos urbanos O
neoliberalismo provocou depressotildees salariais que aprofundaram esse processo de interdiccedilatildeo
do direito agrave cidade Poreacutem o simples aumento dos ganhos salariais no interior da loacutegica do
capital natildeo resolve esse problema Esses aumentos salariais incorporaram os mais pobres na
economia da diacutevida por meio do mercado imobiliaacuterio
Nesse sentido a desigualdade social existente no Paiacutes eacute estrutural e histoacuterica
alicerccedilada no modelo adotado de capitalismo dependente Dessa maneira eacute balizada pela
visatildeo conservadora de que essa distribuiccedilatildeo desigual eacute um fato natural como resultado do
233
fracasso individual de muitos e sucesso individual de poucos e natildeo como produto da forma
como se organiza a sociedade e pelo modelo de exclusatildeo social
Bonduki (1997) argumenta que a desigualdade social tem suas causas nas formas
com que se organizou a sociedade em particular na maneira com que se construiu o Estado
brasileiro marcado pelo patrimonialismo no qual se confundem o interesse puacuteblico e o
privado nas dinacircmicas de exploraccedilatildeo do trabalho impostas pelas elites dominantes desde a
colocircnia e principalmente no contexto absoluto dessas elites sobre o processo de acesso agrave
terra tanto rural quanto urbana
Sendo assim quando se discute a questatildeo habitacional nas cidades amazocircnicas haacute
que se levar em consideraccedilatildeo que natildeo eacute um fato isolado do restante do paiacutes e que estaacute
associado ao processo de urbanizaccedilatildeo no qual as grandes meacutedias e pequenas cidades
brasileiras foram submetidas aleacutem das poliacuteticas desenvolvidas pelo Estado que contribuiacuteram
para o aumento da segregaccedilatildeo soacutecioespacial
Caldeira (2000) identifica trecircs formas de segregaccedilatildeo enquanto padratildeo de
diferenciaccedilatildeo e separaccedilatildeo espacial na primeira forma de expressatildeo os diferentes grupos
sociais se comprimem no espaccedilo da cidade e se diferenciam pelo tipo de moradia a segunda
apresenta a distacircncia como variaacutevel de separaccedilatildeo espacial de ricos e pobres materializando a
relaccedilatildeo centro-periferia Por fim os espaccedilos segregados fortificados por muros e sistemas
diversos de seguranccedila concentrando em geotipos de padratildeo meacutedio e alto as expectativas de
lazer consumo trabalho e residecircncia justificado pelo medo da violecircncia urbana Isto eacute o que
a autora chama de enclaves fortificados tendo como exemplo os modernos condomiacutenios
A segregaccedilatildeo espacial para Castells (1983) eacute compreendida pela agregaccedilatildeo do
espaccedilo em zonas de forte homogeneidade social interna onde predominam as disparidades
entre elas as quais se processam tanto em termo de diferenccedila como em hierarquia Dentro
desta forte homogeneidade social a segregaccedilatildeo eacute entendida como sendo a divisatildeo espacial de
uma determinada populaccedilatildeo em aacutereas especiacuteficas que permitem entendecirc-las e destituiacute-las da
sua composiccedilatildeo social das demais aacutereas de seu entorno
Para Lojkine (1981) a segregaccedilatildeo social eacute analisada pelas contradiccedilotildees existentes
entre o centro (que concentra o trabalho intelectual e o comando) e as zonas perifeacutericas (que
se caracterizam como lugar da execuccedilatildeo das leis e atividades que derivam do centro)
Analisando ambos os autores constata-se que a segregaccedilatildeo eacute a expressatildeo soacutecioespacial do
modo de produccedilatildeo capitalista que fragmenta e ao mesmo tempo articula os espaccedilos O
espaccedilo urbano capitalista neste processo passa a ser o lugar concreto da manifestaccedilatildeo e
articulaccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista
234
Villaccedila (2001) compreende a segregaccedilatildeo como sendo o processo pelo qual as
camadas de renda elevada se concentram em determinadas regiotildees buscando com isto
privileacutegios em atrair os equipamentos urbanos para a regiatildeo segregada
Trazendo as consideraccedilotildees sobre as regiotildees metropolitanas de Villaccedila (2001) para as
cidades onde a condominizaccedilatildeo estaacute cada vez mais presente pode-se afirmar que essa
concentraccedilatildeo se daacute numa nova escala que natildeo eacute nem a regiatildeo geral e nem um bairro mas sim
o condomiacutenio fechado
O que ocorre com os condomiacutenios fechados eacute que se localizam nas periferias urbanas
e convivem muitas vezes com uma vizinhanccedila mais pobre economicamente Neste sentido
Villaccedila (2001) coloca que natildeo existe presenccedila exclusiva de camadas de alta renda em uma
determinada regiatildeo A segregaccedilatildeo natildeo impede a presenccedila e o crescimento de outras camadas
no mesmo espaccedilo
Dessa maneira as abordagens sobre segregaccedilatildeo soacutecioespacial aqui definidas satildeo
oriundas de um processo dialeacutetico ou seja eacute uma soacute independente do contexto a que ela se
refere derivando da luta de classes na qual ao vencedor
cabem as melhores parcelas do
espaccedilo urbano
Cabe entatildeo destacar o estrateacutegico papel das cidades para a consolidaccedilatildeo do capital
enquanto modelo de sociedade Nesta dinacircmica natildeo soacute o acesso ao solo eacute disputado como
tambeacutem o seu valor eacute definido Assim sendo a cidade eacute tambeacutem um complexo mecanismo de
exploraccedilatildeo e exclusatildeo social na qual todos os aspectos da vida social satildeo afetados pelo
desenvolvimento do capitalismo e manifestam seu caraacuteter desigual no processo de
urbanizaccedilatildeo
A respeito disso Harvey (2005) argumenta que nesse novo contexto as grandes
cidades tornaram-se aacutereas estrateacutegicas para investimento privados especialmente quando
concentradoras de funccedilatildeo uacuteltima geraccedilatildeo associados ao capital financeiro agrave comunicaccedilatildeo e a
tomada de decisotildees bem como agrave cultura ao entretenimento e ao turismo
A dinacircmica de investimentos de capitais na produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de espaccedilos
urbanos e a conformaccedilatildeo da economia da diacutevida revelam a crescente mercantilizaccedilatildeo da
cidade que desembocou na crise global atual [] Os impactos dessa crise estatildeo sendo
profundamente desiguais As execuccedilotildees hipotecaacuterias causadas por inadimplecircncias afetam
principalmente os mais pobres que vivem nas partes mais precaacuterias e antigas das cidades
americanas (HARVEY 2009 natildeo paginado)
Na conferecircncia Alternativas ao Neoliberalismo e o Direito agrave Cidade Harvey
(2009) apresentou um mapa da cidade de Cleveland nos Estados Unidos que mostra as aacutereas
235
onde se concentram as execuccedilotildees hipotecaacuterias e os locais de moradia da populaccedilatildeo afro-
americana de Cleveland Essa populaccedilatildeo eacute a maioria dentre os 2 milhotildees de norte-americanos
que perderam suas casas com a crise Segundo ele a crise atual eacute um furacatildeo Katrina
financeiro Como o furacatildeo que arrasou New Orleans em 2005 e afetou principalmente os
bairros mais pobres os impactos da crise urbana e financeira atual recaem sobre os grupos
sociais mais vulneraacuteveis
Contraditoriamente a injeccedilatildeo de recursos puacuteblicos eacute mais para salvar o sistema financeiro e resgatar os agentes do capital do que para garantir os direitos sociais prejudicados pelos efeitos da crise Os bocircnus obtidos pelos altos executivos das instituiccedilotildees financeiras que quebraram e receberam ajuda governamental chegam agrave casa das centenas de bilhotildees de doacutelares e superam em muito os recursos puacuteblicos usados para ajudar aqueles que perderam suas casas Em muitos locais as casas hipotecadas que foram confiscadas satildeo utilizadas em pacotes financeiros e natildeo em poliacuteticas puacuteblicas voltadas para garantir o direito aacute cidade e agrave moradia digna (HARVEY 2009 natildeo paginado)
E conclui dizendo que eacute preciso empreender novas lutas pelo direito agrave cidade pois
as crises sistecircmicas atuais natildeo representam o fim do neoliberalismo
Os governos atuam para proteger as instituiccedilotildees financeiras a qualquer custo Natildeo atuam para efetivar direitos e garantir o bem estar das pessoas [] Diante do dilema de ajudar os bancos e ajudar as pessoas que perderam suas casas os recursos puacuteblicos satildeo usados para salvar os bancos Esses recursos deveriam ser usados para criar um banco de desenvolvimento urbano voltado para financiar poliacuteticas urbanas e habitacionais que fortaleccedilam os direitos a cidades justas democraacuteticas e sustentaacuteveis e moradias dignas (HARVEY 2009 natildeo paginado)
Corroborando com essa ideacuteia Ozoacuterio (sd p 5) enfatiza que o espaccedilo urbano estaacute
subordinado agraves poliacuteticas de modernizaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo e de segmentaccedilatildeo uma vez que
[] a urbanizaccedilatildeo brasileira nasceu marcada por reformas urbanas por obras de saneamento e embelezamento que expulsar
236
formam um mercado proacuteprio de negociaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de lotes nas ocupaccedilotildees onde
aparece a figura de um liacuteder que comanda organiza e planeja a accedilatildeo dos agentes sociais
Evidencia-se tambeacutem uma estreita relaccedilatildeo entre poliacuteticos especuladores e agentes sociais
estabelecendo uma rede complexa de procedimentos legaisilegais que acabam por constituir-
se em um conjunto de normas que regulamentam as transaccedilotildees quanto agraves negociaccedilotildees dos
lotes e edificaccedilotildees (habitaccedilatildeo) estabelecendo assim estrateacutegias de accedilatildeo que satildeo capitalizadas
tanto do lado do Estado quanto do lado dos agentes sociais
Os dados obtidos na pesquisa de campo revelam que nos uacuteltimos estudos feitos nas
cidades de Beleacutem e Satildeo Luiacutes registraram-se 449 e 115 (respectivamente) assentamentos
precaacuterios Estes estudos foram feitos por meio de uma parceria entre a Prefeitura de Beleacutem e o
Instituto IAGUA em Beleacutem e pela Secretaria Municipal de Terras Habitaccedilatildeo Urbanismo e
Fiscalizaccedilatildeo Urbana (SEMTHURB) em Satildeo Luiacutes
Segundo Beleacutem (2007) a estrutura urbana reproduz a mesma realidade das grandes
cidades brasileiras onde o fenocircmeno da segregaccedilatildeo social aprofunda cada vez mais a situaccedilatildeo
de desigualdade e precarizaccedilatildeo da vida social de fraccedilotildees das classes trabalhadoras que se
reproduzem no interior de suas aacutereas perifeacutericas
Sendo assim os estratos sociais de renda mais elevada encontram-se em Beleacutem nos
bairros do Comeacutercio do Reduto de Nazareacute e de Batista Campos bem como partes
expressivas dos bairros da Cidade Velha do Umarizal e do Marco Os estratos considerados
meacutedios apresentam forte tendecircncia locacional linearizada situada ao longo da Avenida
Augusto Montenegro ficando o niacutevel mais baixo do gradiente de renda posicionado tanto nas
baixadas e na periferia continental mais distante incluindo-se os nuacutecleos urbanos do Distrito
de Icoaraci das Ilhas de Outeiro Mosqueiro e Cotijuba (PEMAS 2001 apud BELEacuteM 2007)
De acordo com Beleacutem (2007) a maior densidade demograacutefica estaacute nas aacutereas de
baixadas fato que associado agrave baixiacutessima renda per capita e aos elevados contingentes
populacional fazem destas os locais de agudos problemas e carecircncias sociais Entretanto a
demanda mais recente natildeo estaacute concentrada nas aacutereas de baixadas e sim nos setores onde
estatildeo localizadas as moradias verticalizadas ocupadas por estratos sociais de renda meacutedia e
baixa conforme pode ser observado na tabela 12
237
Tabela 12
Nuacutemero de assentamentos precaacuterios em Beleacutem
2007
Bairro Assentamentos Marco 10
22
Aacuteguas Lindas 9
20
Aacuteguas Negras 9
20
Agulha 2
04
Auraacute 3
07
Bairro da Brasilia e Satildeo Joatildeo do Outeiro 1
02
Barreiro 14
31
Batista Campos 2
04
Benguiacute 10
22
Cabanagem 11
24
Campina 6
13
Canudos 5
11
Castanheira 5
11
Cidade Velha 5
11
Condor 12
27
Coqueiro 13
29
Cremaccedilatildeo 4
09
Cruzeiro 4
09
Curioacute-Utinga 10
22
Faacutetima 6
13
Guamaacute 18
40
Guanabara 3
07
Icoaraci 15
33
Itaiteua 2
04
Jurunas 9
20
Mangueiratildeo 7
16
Maracacuera 15
33
Maracangalha 4
09
Marambaia 15
33
Outeiro 6
13
Paracuri 17
38
Parque Guajaraacute 16
36
Parque Verde 11
24
Pedreira 11
24
Ponta Grossa 5
11
Pratinha 14
31
Sacramenta 20
45
Santana do Auraacute 2
04
Satildeo Braacutes 2
04
Satildeo Clemente 8
18
Souza 3
07
Tapanatilde 27
60
Telegrafo 7
16
Tenoneacute 19
42
Terra Firme 12
27
Uma 13
29
Val de Cans 3
07
Mosqueiro 23
51
Total 449
1000
Fonte Beleacutem (2007)
238
Em Beleacutem satildeo 146359 domiciacutelios existentes nos 449 assentamentos precaacuterios os
quais estatildeo localizados em 48 bairros dos 71 existentes no municiacutepio Os bairros que
apresentam maior nuacutemero de assentamentos precaacuterios satildeo Tapanatilde Sacramenta Tenoneacute
Guamaacute Paracuri Parque Guajaraacute Icoaraci Maracacuera Marambaia Barreiro Pratinha
Coqueiro Una Condor e Terra Firme Nestes bairros aleacutem de apresentarem problemas
infraestruturais como a falta de saneamento baacutesico haacute uma carecircncia de serviccedilos essenciais
como posto de sauacutede escolas entre outros acarretando no aumento da segregaccedilatildeo
soacutecioespacial
Em Satildeo Luiacutes os assentamentos precaacuterios estatildeo concentrados em duas grandes
regiotildees a aacuterea Itaqui-Bacanga localizada no Sul da ilha e as ocupaccedilotildees ao longo do Rio
Anil72 Nestas duas regiotildees estatildeo concentradas cerca de 60 das aacutereas de subnormalidade
identificadas no levantamento feito em 2000 pela SEMTHURB
De acordo com os dados obtidos na Secretaria pela dinacircmica de ocupaccedilatildeo do espaccedilo
urbano do municiacutepio a habitaccedilatildeo subnormal acontece em grandes aacutereas pertencentes ao
poder puacuteblico e em aacutereas de terreno baixo e alagadiccedilo A ocorrecircncia de construccedilotildees
precaacuterias barracos e palafitas em aacutereas de mangues e sem infraestrutura eacute bastante presente e
ocasiona graves problemas de sauacutede para a populaccedilatildeo aleacutem de comprometer o meio
ambiente (entrevista concedida pelo teacutecnico da SEMTHURB 2010)
Com base no Diagnoacutestico da Capacidade Institucional do Municiacutepio de Satildeo Luiacutes
para o Setor Urbano Habitacional (PEMAS 2004) a Secretaria de Planejamento e
Coordenaccedilatildeo Geral de Satildeo Luiacutes realizou em 2002 um levantamento nas Ressacas assim
denominadas as aacutereas de baixada sujeitas a inundaccedilotildees frequumlentes sem as miacutenimas condiccedilotildees
de habitabilidade e constituiacutedas por moradias do tipo palafitas construiacutedas de forma precaacuteria
com madeira de pouca durabilidade com acessos geralmente fraacutegeis e sem estabilidade que
geram situaccedilotildees permanentes de risco sobretudo para as crianccedilas73
Embora natildeo existam dados sistematizados sobre o setor habitacional cabe destacar
que nem todos os assentamentos precaacuterios de Satildeo Luis apresentam situaccedilotildees de risco
precariedade de infraestrutura ou satildeo ocupados por populaccedilatildeo de baixa renda pois segundo a
fala do teacutecnico da SEMTHURB na entrevista concedida em 2009
72 Na Bacia do Rio Anil estaacute localizada a Peniacutensula do Ipase aacuterea selecionada para a intervenccedilatildeo do Programa Habitar Brasil-BID no Subprograma de Urbanizaccedilatildeo de Assentamentos Sub-normais 73 Nas aacutereas que foram ocupadas regularmente a subnormalidade ocorre pela ocupaccedilatildeo de zonas destinadas agrave execuccedilotildees de equipamentos puacuteblicos e aacutereas verdes Haacute ocupaccedilotildees em aacutereas de encosta e sobre linhotildees de transmissatildeo de energia eleacutetrica em alta tensatildeo contudo satildeo situaccedilotildees mais raras
239
A questatildeo fundiaacuteria tem especial peso na definiccedilatildeo da quantidade de assentamentos precaacuterios em funccedilatildeo da peculiaridade do municiacutepio pela sua caracteriacutestica de ilha oceacircnica o municiacutepio tem parcelas importantes do seu territoacuterio caracterizadas como terreno da Uniatildeo e apenas algumas poucas glebas privadas geralmente associadas a antigas sesmarias Existe uma grande quantidade de assentamentos humanos que natildeo satildeo precaacuterios tecircm habitaccedilotildees de bom padratildeo construtivo e acesso a toda infraestrutura mas que satildeo subnormais por conta da irregularidade fundiaacuteria jaacute que ocupam terrenos da Uniatildeo sem a devida legalidade
Conforme apresentado as 115 aacutereas de assentamentos identificadas estatildeo assim
caracterizadas de acordo o diagnoacutestico (PEMAS 2004) e demonstrada no quadro 8
a 76 como favelas sendo 48 assentamentos irregulares e muito precaacuterios
denominados localmente como ocupaccedilatildeo e 28 assentamentos irregulares
ocupados por populaccedilotildees pobres mas jaacute com um niacutevel de consolidaccedilatildeo
denominados localmente como favelas mesmo e
b 39 como outras formas de assentamentos subnormais correspondendo a
assentamentos irregulares de ocupaccedilatildeo espontacircnea caracterizados como
subnormais exclusivamente pela ilegalidade fundiaacuteria jaacute que natildeo satildeo precaacuterios
e estatildeo providos da infraestrutura meacutedia existente na cidade74
74 Nessa estimativa natildeo foram computados dados da populaccedilatildeo residente em corticcedilos pois o Municiacutepio natildeo dispotildee de nenhum estudo que quantifique essas habitaccedilotildees
240
Quadro 8 - Relaccedilatildeo dos Assentamentos Hierarquizados (Satildeo Luiacutes-MA) Item Aacuterea Hierarquia Item Aacuterea Hierarquia
1 Vila Independecircncia 8 59 Sitio do Pica-pau-amarelo 4 2 Vila Roseana COHAFUMA 8 60 Tajaccediluaba 4 3 Vila Mauro Fecury II
8
61 Vila Airton Sena
4
4 IPASE de BaixoApicum 7 62 Vila Ariri 4 5 IPASE de CimaMauro Fecury 7 63 Vila Bacanga 4 6 Irmatildeos Coragem Alemanha
Caratatiua 7 64
Vila Cafeteira 4 7 Vila Bom JesusTravessa Bom
Jesus 7 65
Vila Cristalina 4 8
Vila Satildeo Luis 7 66 Vila dos Nobres Pq
Timbiras 4 9 Vila Verde 7 67 Vila Flamengo 4
10 Japatildeo IPASE de Baixo 6 68 Vila Isabel Bacanga 4 11 Conjunto Rio AnilCabeceira
da ponte
6
69 Vila Itamar
4
12 Vila 25 de Maio Rec Vinhais 6 70 Vila Jackson 4 13 Vinhais Velho 6 71 Vila Jambeiro 4 14 Patildeo-de-Accediluacutecar 6 72 Vila Janaiacutena 4 15 Coroadinho 6 73 Vila Kiola 4 16
Rio do Meio
6
74 Vila Lobatildeo Parque Roseana Sarney
4
17 Salina do Sacaveacutem 6 75 Vila Marinha 4 18
Vila 7 de Setembro 6 76 Vila Menino Jesus de
Praga 4 19 Vila dos Frades 6 77 Vila Natal 4 20 Vila Isabel Cafeteira 6 78 Vila Nice Lobatildeo 4 21 Vila Santa Julia 6 79 Vila Nova Repuacuteblica 4 22 Brasilia do Matadouro 5 80 Vila Padre Xavier 4 23 Camboa 5 81 Vila Pavatildeo Filho 4 24 Feacute-em-Deus 5 82 Vila Primavera 4 25 Fumacecirc 5 83 Vila Riod 4 26 Ilha da Paz
5
84 Vila Satildeo Sebastiatildeo
4
27 Jardim Ameacuterica Aacuterea institucional 5
85 Vila Sarney Filho Distrito Industrial 4
28 Jardim Satildeo Raimundo 5 86 Vila Tancredo Neves 4 29 Liberdade 5 87 Vila Uniatildeo 4 30 Santa Cruz Vera Cruz 5 88 Vila Zeni 4 31 Satildeo Joatildeo da Boa Vista 5 89 Altos do Calhau 4 32 Satildeo Mateus Vila Nova 5 90 Cantinho do Ceacuteu 4 33 Satildeo Raimundo Bacanga 5 91 Divineacuteia 4 34 Tibiri 5 92 Ilhinha Satildeo Francisco 4 35 Vera Cruz
5
93 Joatildeo de Deus
4
36 Vila Cascavel 5 94 Novo Angelim 4 37 Vila Conceiccedilatildeo Coroadinho 5 95 Recanto Fialho 4 38 Vila Embratel 5 96 Satildeo Bernardo 3 39 Vila Mauro Fecury I 5 97 Sol e Mar 3
241
40 Vila Nova 5 98 Vila Brasil 3 41 Vila Palmeira 5 99 Vila Buriti Satildeo Francisco 3 42 Vila Vitoacuteria Sta Baacuterbara 5 100 Vila Conceiccedilatildeo Calhau 3 43
Alto da Esperanccedila Bacanga 4 101 Vila ConceiccedilatildeoJoatildeo de
Deus 3 44 Alto da Esperanccedila Zona Rural 4 102 Vila Cruzado 3 45 Anjo da Guarda 4 103 Vila Fialho 3 46 Barreto 4 104 Vila Luisatildeo 3 47 Bom Jesus 4 105 Vila Magril Sta Baacuterbara 3 48
Cidade Olimpica 4 106 Vila Maruim Igarapeacute da
Jansen 3 49 Gancharia 4 107 Vila Regina 3 50
Jaracati lado direito 4 108 Vila Santo Antonio
Calhau 3 51 Jaracati lado esquerdo
4
109 Argola e Tambor
0
52 Morro do Satildeo Francisco 4 110 Itapera 0 53 Pirapora 4 111 Jardim Tropical 0 54 Primavera Pq Timbiras 4 112 Parque Jair 0 55 Residencial Paraiacuteso 4 113 Rio Grande 0 56 Saacute Viana 4 114 Vila Alegria 0 57 Santa Clara 4 115 Vila Paranatilde 0 58 Santa Efigecircnia 4
Fonte PEMAS (2004) Hierarquia estabelecida segundo criteacuterios de possibilidade de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria insalubridade ou risco de desmoronamento e acessibilidade
Pode perceber a partir desses dados que o problema do deacuteficit habitacional eacute mais
grave nas regiotildees urbanas e uma caracteriacutestica importante dessas aacutereas eacute que boa parte do seu
territoacuterio foi ou eacute ocupado de forma irregular e ilegal Essas praacuteticas ilegais de uso do solo das
cidades acarretam maior vulnerabilidade aos estratos sociais mais pobres pela falta de
seguranccedila da posse
apesar da clareza do texto do Estatuto da Cidade sobre o assunto - tendo
em vista o acesso precaacuterio ou inexistente dessa populaccedilatildeo aos processos poliacuteticos de
governanccedila das cidades e ao planejamento do desenvolvimento urbaniacutestico
A partir dessa perspectiva pode-se considerar essas duas cidades como um espaccedilo
em que se datildeo as questotildees sociais resultantes do atual modo de produccedilatildeo - questotildees que hoje
se apresentam cada vez mais acirradas - sendo espaccedilo de desigualdades conflitos e lutas
Fatos motivados pela sua forma de organizaccedilatildeo espacial histoacuterica cultural social e
econocircmica Como exemplo de suas problemaacuteticas haacute o inchaccedilo populacional o trabalho
informal e as habitaccedilotildees informais que satildeo encobertas pelo discurso do desenvolvimento
econocircmico das cidades
242
A concentraccedilatildeo fiacutesica de usos e atividades e o excesso de verticalizaccedilatildeo nos centros urbanos aliada agrave precariedade de infraestrutura social nas aacutereas de baixada satildeo os mais seacuterios problemas urbanos da cidade Problemas de transporte moradia e saneamento enfrentados pela populaccedilatildeo da cidade satildeo continuamente gerados e agravados pela accedilatildeo dos agentes imobiliaacuterios e pela falta de medidas eneacutergicas do poder puacuteblico incapaz de interferir no crescimento da cidade Tal crescimento desorganizado afeta a vida de todos os habitantes da cidade repercutindo ainda mais negativamente nas camadas empobrecidas que ocupam as periferias A cidade nas duas uacuteltimas deacutecadas sofre com as mazelas da modernidade e isto pode ser percebido nos congestionamentos de veiacuteculos na diminuiccedilatildeo da circulaccedilatildeo de ar no aumento da temperatura e na desfiguraccedilatildeo do centro histoacuterico Os contrastes entre a aacuterea central e seus arredores se tornam extremamente acentuados o custo de habitar a aacuterea central eacute cada vez mais alto sendo impossiacutevel para as famiacutelias de baixa renda continuar mantendo seus imoacuteveis nessas aacutereas tornando-se alvos faacuteceis para o voraz mercado especulativo (BELEacuteM 2007 p 23)
Nesse sentido a accedilatildeo governamental muitas vezes natildeo tem capacidade de planejar e
se antecipar aos problemas vivenciados no espaccedilo urbano e dessa maneira acaba natildeo
controlando a loacutegica da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria tendo como resultado final o acuacutemulo dos
referidos problemas A ausecircncia dessa accedilatildeo planejadora do poder puacuteblico que tenha como
referecircncia central a melhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo faz com que esta atuaccedilatildeo
natildeo seja abrangente tornando sua atuaccedilatildeo pontual focalizada ou seletiva e desta forma
descuidando-se totalmente das problemaacuteticas sociais dentre elas a habitacional (BELEacuteM
2007 p 24)
Um agente urbano que se destaca nesse processo eacute o Estado como regulador ou
produtor de uma poliacutetica urbana e habitacional de massa que de fato nunca existiu como
tampouco existiram as condiccedilotildees para que o capital investisse de forma sistemaacutetica em
habitaccedilatildeo popular A ilegalidade fruto da desigualdade extrema eacute explicada pela necessidade
de moradia e de deacutecadas de omissatildeo do poder puacuteblico na produccedilatildeo fordista Cria-se assim
uma vinculaccedilatildeo clara entre uma determinada ordem urbaniacutestica relaccedilotildees de propriedade
privada e o mercado imobiliaacuterio formal
Uma das ironias dessa trageacutedia cotidiana eacute que exatamente aquele saber teacutecnico que poderia ser usado para democratizar o acesso da populaccedilatildeo mais necessitada a condiccedilotildees mais dignas de habitabilidade acaba por produzir cada vez maior elitizaccedilatildeo e exclusatildeo Se eacute clara a relaccedilatildeo entre cidade formal e relaccedilotildees mercantis sua antiacutetese natildeo eacute verdadeira ou seja a cidade informalmente construiacuteda eacute tambeacutem eacute palco de um ativo mercado imobiliaacuterio (BUARQUE 1999 p 148)
243
Entretanto Buarque (1999) ressalta que a gestatildeo urbana no Brasil contemporacircneo
vem sendo marcada pela confluecircncia de duas forccedilas por um lado pela racionalidade do
planejamento e da regulaccedilatildeo herdada do modernismo formalmente constituiacuteda pelo Estado
eou pelo mercado imobiliaacuterio Por outro lado pela radicalidade das demandas por condiccedilotildees
baacutesicas de urbanidade e reproduccedilatildeo representadas pelos movimentos sociais organizados
As poliacuteticas puacuteblicas podem ser implementadas com o intuito de efetivar o alcance
do direito agrave moradia digna e a maioria das iniciativas do poder puacuteblico poderatildeo estar baseadas
na garantia da propriedade A funccedilatildeo social da propriedade eacute usada como fundamento na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas que buscam promover o direito agrave propriedade para
proporcionar habitaccedilotildees Assim o reconhecimento da moradia como um direito humano eacute de
suma importacircncia para a valorizaccedilatildeo deste direito e para a criaccedilatildeo de estrateacutegias eficientes de
seguranccedila da posse
As poliacuteticas puacuteblicas de renovaccedilatildeo urbana das cidades constituem-se no principal
propulsor para mudanccedila da paisagem e de vida das classes populares residente Entretanto a
urbanizaccedilatildeo do espaccedilo ao causar uma nova dinacircmica na cidade leva tambeacutem a criar
movimentos de enfrentamento diante do Estado por parte dos envolvidos na busca de
minimizar as carecircncias urbanas
De acordo com os princiacutepios da Reforma Urbana a cidade pode ser planejada a partir
da anaacutelise das desigualdades e dos direitos sociais nos quais os conflitos urbanos satildeo vistos
como uma expressatildeo poliacutetica das condiccedilotildees gerais da estrutura socioeconocircmica
Partindo dessa compreensatildeo verifica-se que as poliacuteticas puacuteblicas transformam-se em
uma das principais instacircncias de confronto e contradiccedilotildees entre Estado e classes populares na
garantia de seus interesses diante do espaccedilo urbano
A luta de classe se daacute em torno do poder de Estado que vai garantir a unidade de formaccedilatildeo social isto natildeo quer dizer contudo que os centros do poder as diversas instituiccedilotildees de caraacuteter econocircmico poliacutetico militar cultural etc sejam simplesmente instrumentos oacutergatildeos ou apecircndices do poder das classes sociais Eles possuem a sua autonomia e especificidade estrutural que enquanto tal natildeo pode ser redutiacutevel a uma anaacutelise em termos de poder (ABELEacuteM 1989 p 13)
Em uma sociedade capitalista marcada por profundas desigualdades
socioeconocircmicas o papel do Estado em princiacutepio natildeo eacute o de se contrapor agrave situaccedilatildeo de
injusticcedila estrutural mas o de colaborar para manter as regras do jogo que justamente
criam as disparidades e privaccedilotildees relativas Existe a possibilidade poreacutem de que em
244
determinados momentos se estabeleccedila uma correlaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas que permita que o
Estado exerccedila um papel diferente isso vai depender e muito do grau de conscientizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo da sociedade civil
O Estado capitalista eacute a relaccedilatildeo social em que se condensam as contradiccedilotildees do modo de produccedilatildeo capitalista e as lutas sociais que delas suscitam A funccedilatildeo poliacutetica geral do Estado consiste em dispersar essas contradiccedilotildees e essas lutas de modo a mantecirc-las em niacuteveis tensionais funcionalmente compatiacuteveis com os limites estruturais impostos pelo processo de acumulaccedilatildeo e pelas relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo em que ele tem lugar Natildeo se trata portanto de resolver (superar) as contradiccedilotildees sociais ao niacutevel de estrutura profunda da formaccedilatildeo social em que elas se produzem mas antes de mantecirc-las em estado de relativa latecircncia mediante accedilotildees dirigidas agraves tensotildees problemas questotildees sociais porque as contradiccedilotildees se
manifestam ao niacutevel da estrutura de superfiacutecie de formaccedilatildeo social (SANTOS 1996 p 15-16)
Cabe ressaltar que a gestatildeo urbana pode ser definida aqui como um conjunto de
instrumentos atividades tarefas e funccedilotildees que visam assegurar de modo eficiente eficaz e
com efetividade as accedilotildees que proporcionaratildeo um bom funcionamento da cidade Visa
tambeacutem garantir natildeo somente a administraccedilatildeo da cidade como tambeacutem a oferta dos serviccedilos
urbanos baacutesicos e necessaacuterios para que a populaccedilatildeo e os vaacuterios agentes privados puacuteblicos e
comunitaacuterios muitas vezes com interesses opostos possam desenvolver e maximizar suas
atuaccedilotildees de forma que possibilitem o uso do solo sem exclusatildeo ou segregaccedilatildeo social
[] o sistema institucional e arquitetura organizacional adequados e necessaacuterios para implementar a estrateacutegia e o plano de desenvolvimento local sustentaacutevel mobilizando e articulando os atores (organizaccedilotildees da sociedade) e os agentes (instacircncias puacuteblicas) com seus diversos instrumentos e assegurando a participaccedilatildeo da sociedade no processo para a execuccedilatildeo e o acompanhamento das accedilotildees (BUARQUE 1999 p 64)
Entatildeo a gestatildeo urbana eacute a administraccedilatildeo de determinadas situaccedilotildees dentro de uma
conjuntura com os recursos disponiacuteveis no presente tendo em vista as necessidades
imediatas diferentemente do planejamento que segundo Souza e Rodrigues (2004 p 15) eacute
uma atividade que remete sempre para o futuro eacute a forma que os homens tecircm de tentar
prever a evoluccedilatildeo de um fenocircmeno ou de um processo e a partir desse conhecimento
procurar se precaver contra problemas ou dificuldades ou ainda aproveitar melhor possiacuteveis
benefiacutecios
245
A diferenccedila baacutesica reside no horizonte temporal de cada uma O planejamento tem a ver com o meacutedio e a longo prazos (em se tratando de planejamento urbano o meacutedio prazo pode dizer respeito a um lapso de tempo de poucos anos e o longo prazo a um periacuteodo de muitos anos) jaacute a gestatildeo refere-se ao curtiacutessimo prazo (dias ou seman
mmo e
u
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246
Para Harvey (2005 p 171) governanccedila urbana significa muito mais do que
governo urbano eacute um conjunto de forccedilas que detecircm o poder de reorganizaccedilatildeo da vida
urbana ou seja [] o poder real de reorganizaccedilatildeo da vida urbana muitas vezes estaacute em outra
parte ou pelo menos numa coalizatildeo de forccedilas mais ampla em que o governo e a
administraccedilatildeo urbana desempenham apenas papel facilitador e empreendedor
Outra questatildeo que pode ser analisada nesse processo eacute a tendecircncia contemporacircnea de
gestatildeo puacuteblica pautada na participaccedilatildeo popular descentralizando as decisotildees e
responsabilidades que historicamente estavam concentradas no poder executivo Entretanto
algumas praacuteticas tecircm demonstrado que a participaccedilatildeo popular fica restrita somente agrave consulta
de certos setores sociais
Nesse sentido procurar-se-aacute responder no toacutepico abaixo aos questionamentos
levantados na pesquisa qual a concepccedilatildeo de gestatildeo tem norteado as poliacuteticas habitacionais
implementadas em Beleacutem e em Satildeo Luis Qual a relaccedilatildeo existente entre governo e sociedade
civil no processo de planejamento e gestatildeo das poliacuteticas habitacionais nas referidas cidades
Os modelos de gestatildeo adotados tecircm contribuiacutedo para a reduccedilatildeo da segregaccedilatildeo soacutecioespacial
partindo da anaacutelise dos programas eou projetos habitacionais implementados em Beleacutem e em
Satildeo Luiacutes desde a implantaccedilatildeo das Secretarias Municipais de Habitaccedilatildeo
51 PROGRAMASPROJETOS HABITACIONAIS AVALIACcedilAtildeO DOS MODELOS ADOTADOS
No processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas urbanas emergem conflitos entre os
atores sociais envolvidos que buscam novas formas de fazer valer seus direitos Para tanto
procurou-se analisar os modelos de gestatildeo das poliacuteticas habitacionais implementadas nas duas
cidades amazocircnicas estudadas assim como os impactos na organizaccedilatildeo espacial das cidades e
a relaccedilatildeo com o padratildeo de segregaccedilatildeo soacutecioespacial existente Aleacutem disso buscou-se analisar
as accedilotildees ou programas implementados pelos governos municipais de Beleacutem e Satildeo Luiacutes no
sentido de reduzir as carecircncias habitacionais das referidas cidades e interpretar as conexotildees
entre as praacuteticas governamentais no processo de gestatildeo de poliacuteticas habitacionais e as
necessidades objetivas dos grupos sociais demandantes de tais poliacuteticas
Dessa forma para um melhor entendimento sobre a Poliacutetica Habitacional eacute
importante destacar que a intervenccedilatildeo estatal possui papel essencial pois por meio dessas
poliacuteticas poderaacute regular organizar e coordenar as accedilotildees interventivas no espaccedilo urbano
247
Assim entende-se que toda poliacutetica puacuteblica eacute uma forma de regulaccedilatildeo ou intervenccedilatildeo na
sociedade [] toda poliacutetica puacuteblica eacute um mecanismo de mudanccedila social (SILVA 2001 p
37-38)
Gramsci (2002 p 222) argumenta que o Estado75 eacute dividido em dois sociedade civil
(responsaacutevel por divulgar as ideologias por meio do sistema escolar as igrejas os partidos
poliacuteticos os sindicatos os meios de comunicaccedilatildeo etc) e sociedade poliacutetica (que satildeo os
aparelhos de coerccedilatildeo sob o controle das burocracias-executivas ligado as forccedilas armadas e
policiais) Declara ainda que o Estado natildeo exerce a coesatildeo pura e simples ele utiliza
mecanismos de consenso para legitimar-se para evitar o conflito de classes buscando atender
as demandas existentes das classes subalternas76
O Estado legitima-se natildeo soacute por meio dos aparelhos coercitivos mas pela sua forte
presenccedila na economia no qual o interesse da sociedade se faz presente Em outros termos o
Estado apesar de servir a classe dominante precisa dar resposta agraves exigecircncias da classe
dominada e as demandas apresentadas Segundo Carvalho (1991 p 11) o Estado ao tomar a
responsabilidade pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo das poliacuteticas econocircmicas e sociais responde a
demanda e pressatildeo das classes dominadas por meio de poliacuteticas puacuteblicas sendo estas a forma
concreta da intervenccedilatildeo estatal na realidade social
Oszlak e O Donnell (1976 p 21) destacam um importante conceito sobre o que eacute a
poliacutetica puacuteblica
Um conjunto de accedilotildees e omissotildees que manifestam uma modalidade de intervenccedilatildeo do Estado em relaccedilatildeo a uma questatildeo que chama a atenccedilatildeo o interesse e a mobilizaccedilatildeo de outros atores da sociedade civil Desta intervenccedilatildeo pode-se inferir uma determinada direccedilatildeo uma determinada orientaccedilatildeo normativa que presumivelmente afetaraacute o futuro curso do processo social desenvolvido ateacute entatildeo em torno do tema
Entretanto a poliacutetica puacuteblica natildeo abrange apenas as decisotildees e accedilotildees tomadas pelo
Estado mas tambeacutem a omissatildeo estatal frente a algumas realidades que caso natildeo sofram uma
intervenccedilatildeo direta seja por parte do Estado ou de organizaccedilotildees natildeo-governamentais nunca
teratildeo oportunidade de mudanccedila
75 Denominado de Estado ampliado natildeo existindo separaccedilatildeo entre Estado e sociedade 76 No final do seacuteculo XIX os neoliberais defendiam a concepccedilatildeo de que o Estado deveria intervir minimamente na economia agindo de forma neutra desenvolvendo accedilotildees complementares com o mercado como regulador natural das relaccedilotildees sociais No entanto a crise econocircmica de 1929 nos Estados Unidos atinge a economia mundial agravando a questatildeo social fazendo com que o Estado assumisse a funccedilatildeo de mediador nos conflitos sociais entre as classes dominantes e dominadas
248
O Estado atua por meio de poliacuteticas puacuteblicas e sociais visando a manutenccedilatildeo das
relaccedilotildees sociais atraveacutes da garantia de direitos sociais Para Sposati (2001 p 65) natildeo
devemos esquecer que mediante a poliacutetica social eacute que direitos sociais se concretizam e
necessidades humanas (leia-se sociais) satildeo atendidas na perspectiva da cidadania ampliada
Segundo Faleiros (2006 p 31) as poliacuteticas sociais satildeo forma de mecanismos de
relaccedilatildeo e articulaccedilatildeo de processos poliacuteticos e econocircmicos As poliacuteticas sociais satildeo respostas
e formas de enfrentamento das expressotildees da questatildeo social
De acordo com Sposati (2001 p 87)
[] a poliacutetica social natildeo deve ser somente realizada pelo governo mas tem que ser disputada na populaccedilatildeo para que politicamente mesmo que o segmento que natildeo estaacute sendo imediatamente incluiacutedo que natildeo vai usar aquela escola ou aquele programa entenda e incorpore a necessidade de ter aquela atenccedilatildeo
Nota-se que o processo das poliacuteticas puacuteblicas eacute assumido por uma diversidade de
sujeitos que entram saem ou permanecem no processo sendo estes orientados por diferentes
racionalidades e movidos por diferentes interesses Segundo Silva (2001) dentre os principais
sujeitos estatildeo os grupos de pressatildeo (movimentos sociais e outras organizaccedilotildees) partidos
poliacuteticos ou poliacuteticos individualmente (responsaacuteveis por tomar decisotildees fixar prioridades e
objetivos das poliacuteticas) administradores e burocratas teacutecnicos planejadores e avaliadores
(responsaacuteveis por formular alternativas) e o judiciaacuterio (responsaacutevel por garantir direitos) No
que diz respeito agrave poliacutetica habitacional historicamente vem cedendo a influecircncia de atores
sociais do setor imobiliaacuterio e financeiro
Partindo dessa compreensatildeo verifica-se que as poliacuteticas puacuteblicas transformam-se
numa das principais instacircncias de confronto e contradiccedilotildees entre Estado e classes populares na
garantia de seus interesses diante do espaccedilo urbano
Em uma sociedade capitalista marcada por profundas desigualdades socioeconocircmicas o papel do Estado em princiacutepio natildeo eacute o de se contrapor agrave situaccedilatildeo de injusticcedila estrutural mas o de colaborar para manter as regras do jogo que justamente criam as disparidades e privaccedilotildees relativas Existe a possibilidade poreacutem de que em determinados momentos se estabeleccedila uma correlaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas que permita que o Estado exerccedila um papel diferente isso vai depender e muito do grau de conscientizaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo da sociedade civil (SOUZA RODRIGUES 2004 p 13)
Segundo Rodrigues (1998 p 82) a poliacutetica habitacional nada mais eacute que uma
poliacutetica puacuteblica enquanto estrateacutegia de dominaccedilatildeo burguesa e tambeacutem poliacutetica econocircmica em
249
suas forccedilas sociais operacionais visto que surge no bojo da Reforma Brasileira O Estado
portanto como regulador social aplicador da poliacutetica habitacional distribui de forma
dissociada os equipamentos urbanos acirrando a segregaccedilatildeo soacutecioespacial a qual tem sido
foco de discussatildeo dos movimentos sociais urbanos que por meio de suas mais diversas
formas tem exigido do Estado respostas concretas agraves suas demandas e o exerciacutecio de gestotildees
democraacuteticas que sejam capazes de amenizar as carecircncias sociais tendo na questatildeo da
moradia uma de suas manifestaccedilotildees mais expressivas
Tomando como base o objeto de estudo pode dizer que a poliacutetica habitacional em
Beleacutem era realizada ateacute meados da deacutecada de 1990 por diversos oacutergatildeos da Prefeitura
Municipal de Beleacutem (PMB) uma vez que somente em 1998 que foi criada a Secretaria
Municipal de Habitaccedilatildeo (SEHAB) Estes oacutergatildeos eram a Secretaria Municipal de Coordenaccedilatildeo
Geral do Planejamento e Gestatildeo (SEGEP) criada em 1993 a Companhia de
Desenvolvimento e Administraccedilatildeo da Aacuterea Metropolitana de Beleacutem (CODEM) a Secretaria
Municipal de Urbanismo (SEURB) e a SESAN
A SEGEP era responsaacutevel pelo planejamento do orccedilamento municipal vinculado
diretamente ao Prefeito possuindo em sua estrutura o Departamento de Desenvolvimento
Municipal e o Departamento de Orccedilamento Administraccedilatildeo e Financcedilas Cabia a CODEM
buscar financiamentos para a habitaccedilatildeo principalmente por meio da CEF Aleacutem disso a
CODEM criou a Diretoria de Infraestrutura e Habitaccedilatildeo e o Fundo de Habitaccedilatildeo para o
Municiacutepio que funcionava de maneira independente do Fundo de Desenvolvimento Urbano
Sua atuaccedilatildeo era na regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de interesse social e tambeacutem na administraccedilatildeo da
enfiteuse da Primeira Leacutegua Patrimonial
A SEURB tinha uma atuaccedilatildeo fraca no setor uma vez que era responsaacutevel pelo
controle urbaniacutestico
liberaccedilatildeo de alvaraacutes licenciamentos e fiscalizaccedilatildeo A SESAN era
responsaacutevel pelos projetos e execuccedilatildeo das obras de macrodrenagem em aacutereas prioritaacuterias de
urbanizaccedilatildeo
Embora a SEGEP fosse responsaacutevel por articular as poliacuteticas intersetoriais que
visava buscar a integraccedilatildeo entre as accedilotildees e projetos dos diversos oacutergatildeos natildeo proporcionou de
fato a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional capaz de envolver uma accedilatildeo integrada dos
diferentes setores do poder puacuteblico municipal
Efetivamente os programas e projetos especiacuteficos para a produccedilatildeo habitacional e
melhorias das condiccedilotildees habitacionais natildeo foram de iniciativa municipal A PMB teve sua
accedilatildeo restrita ao apoio institucional para os reassentamentos de famiacutelias em aacutereas de
intervenccedilatildeo dos programas de saneamento e drenagem coordenados pela COSANPA
250
Com a criaccedilatildeo da Secretaria Municipal de Habitaccedilatildeo (SEHAB) por meio da Lei
Municipal nordm 7865 que tem por objetivo promover a poliacutetica municipal de habitaccedilatildeo de
interesse social contribuindo para a melhoria das condiccedilotildees da habitaccedilatildeo e reduccedilatildeo do deacuteficit
habitacional em um contexto de mobilizaccedilatildeo dos movimentos de moradia e de valorizaccedilatildeo
por parte do governo municipal da participaccedilatildeo popular (SEHAB 2011) pode-se afirmar que
haacute um marco na poliacutetica urbana de Beleacutem uma vez que reconhece o direito a moradia como
poliacutetica puacuteblica e representa o fortalecimento da poliacutetica habitacional
De acordo com o entrevistado (teacutecnico da SEHAB)
A SEHAB foi criada em um contexto de mobilizaccedilatildeo dos movimentos de moradia e de valorizaccedilatildeo por parte do governo municipal da participaccedilatildeo popular A expectativa de atendimento das demandas acumuladas com relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de moradia se ampliaram e acabaram por fortalecer a proposta de criaccedilatildeo de uma secretaria especiacutefica para a temaacutetica habitacional uma vez que a inexistecircncia de uma estrutura institucional clara e definida que encaminhasse uma poliacutetica habitacional consistente apresentava-se como grande empecilho para o municiacutepio (entrevista concedida pelo teacutecnico da SEHAB 2009)
A SEHAB visa promover planejar coordenar executar controlar e avaliar as
atividades de poliacutetica habitacional no municiacutepio como oacutergatildeo da administraccedilatildeo direta do
mesmo Conforme organograma institucional da Secretaria (SEHAB 2011) a elaboraccedilatildeo e
implementaccedilatildeo dos Projetos de Obras Fiacutesicas (construccedilatildeo de equipamentos urbanos rede de
drenagem esgoto sanitaacuterio abastecimento de aacutegua equipamentos comunitaacuterios
pavimentaccedilatildeo de ruas e construccedilatildeo de moradias) satildeo de responsabilidade do Departamento de
Programas e Projetos Habitacionais (DPPH)
O Departamento Social (DESO)77 eacute responsaacutevel pelos projetos sociais da referida
secretaria possui uma equipe multidisciplinar composta por Assistente Social Pedagogo
Psicoacutelogo e Historiador objetivando elaborar e implementar os Projetos de Trabalho Social
que se datildeo por meio de trecircs eixos geraccedilatildeo de trabalho e renda educaccedilatildeo soacutecio-poliacutetica e
educaccedilatildeo ambiental
77 Atualmente o quadro teacutecnico do Departamento Social da SEHAB possui duas Assistentes Sociais efetivas trecircs Assistentes Sociais comissionados uma Psicoacuteloga um Historiador e quatro Estagiarias o que na realidade prejudica o desenvolvimento do trabalho uma vez que no ano de 2010 a Secretaria contava com um corpo teacutecnico de doze Assistentes Sociais e dez estagiaacuterios