Revista Eletrônica Theologia Faculdade Palotina - FAPAS
THEOLOGIA Ano 2008, Volume 1, No.1
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A COMUNHÃO TRINITÁRIA COMO FUNDAMENTO DA VOCAÇÃO DO SER
HUMANO, DA IGREJA E DA SOCIEDADE À COMUNHÃO
Tiago Antônio Backes.1 Daniel de Lima Mello2
RESUMO
O que entendemos por comunhão trinitária? Em que a comunhão trinitária influi ou pode influir em nossas vidas? Será de fato o ser humano vocacionado à comunhão? E se é, como ela se realiza? E a Igreja, obra da Trindade, como torna real e visível sua vocação de ícone da Trindade? E a sociedade, poderá ela também chegar a ser comunidade dos homens inspirada na Trindade? Para tanto, quais os valores que a humanidade precisa adotar? Os autores procuram responder a estas e outras interrogações. Palavras-chaves: Comunhão Trinitária. Vocação. Ser humano. Igreja. Comunidade.
INTRODUÇÃO
Em que e como a comunhão trinitária influi ou pode influir na vocação do ser
humano, na Igreja e na sociedade? É procurando responder a esta pergunta que nos
propomos a desenvolver o tema.
Diz Leonardo Boff, que “a Trindade é a melhor comunidade”. Nosso trabalho
expõe sinteticamente alguns elementos acerca da comunhão trinitária, ou seja, da
perfeita comunhão entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Após este breve capítulo introdutório, procuraremos mostrar que o ser humano
também é chamado à comunhão. Para isto, faremos uso dos mais diversos materiais: as
Sagradas Escrituras, os Documentos do Vaticano II, o Catecismo da Igreja Católica, e
algumas obras de importantes teólogos da área do estudo em questão.
Visto isso, no terceiro capítulo buscaremos entrever que a Igreja, como fiel
seguidora de Deus, é ou deve ser ícone da Trindade para a humanidade.
1 Acadêmico do VI semestre de Teologia da FAPAS. 2 Acadêmico do VIII semestre de Teologia da FAPAS.
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Por fim, no último capítulo, daremos enfoque à sociedade como comunidade dos
homens que deve se inspirar na Trindade. Buscaremos para este fim elencar alguns
aspectos próprios da Trindade que são úteis para a construção de uma nova humanidade,
alicerçada no amor.
1 FUNDAMENTAÇÃO DA COMUNHÃO TRINITÁRIA
1.1 A Comunhão Trinitária
“Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).
Nossa fé nos faz crer que Deus Trindade é um Deus comunhão. E é comunhão
exatamente porque é Trindade de Pessoas.
Pai, Filho e Espírito Santo vivem em comunidade por causa da comunhão. A comunhão é expressão do amor e da vida. Vida e amor, por sua própria natureza, são dinâmicas e transbordantes. Sob o nome de Deus devemos entender, portanto, sempre a Tri-unidade, a Trindade como união do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Boff, 1986, p. 15).
Por ser três, Deus evita toda solidão, separação e exclusão. Como diz Leonardo
Boff:
Se Deus fosse um só, haveria a solidão e a concentração na unidade e unicidade. Se Deus fosse dois, uma díade (Pai e Filho somente), haveria a separação (um é distinto do outro) e a exclusão (um não é o outro) ... A Trindade permite a identidade (o Pai), a diferença da identidade (o Filho) e a diferença da diferença (o Espírito Santo) (Idem, 1986, p. 13).
Para explicar esta comunhão entre as Pessoas da Trindade, a teologia cristã criou
a expressão pericórese (grego), que em latim é traduzida como circumincessio ou
circuminsessio.
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Pericórese, usada para expressar a perfeita comunhão entre as três Pessoas da
Trindade, significa
a relacionalidade típica do Deus trinitário como amor que se comunica e ajuda a entrever no Deus-Comunhão o ícone de comunidade dos homens chamada a fazer da experiência humana familiar, social, pessoal, um reflexo da circulação pericorética do amor do Deus de Jesus Cristo (Dicionário Teológico Enciclopédico, 2003, p. 587-8).
Podemos perceber isto claramente nas Escrituras. Em Jo 10, 30 Jesus diz: “Eu e o
Pai somos um”. E em Jo 14, 11 acrescenta: “Estou no Pai, e o Pai em mim”. Desta
pericórese-comunhão faz parte também o Espírito Santo, que está presente em todos os
momentos da vida de Jesus: na Encarnação (Mt 1, 18), no Batismo (Lc 3, 22), na
tentação no deserto (Lc 4, 1-13), em suas ações libertadoras (Mt 12, 28).
Como mostram as Escrituras, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são
três Sujeitos que dialogam entre si, se amam, se relacionam intimamente. Cada pessoa é para as outras Pessoas, jamais somente para si, é com as outras Pessoas e nas outras Pessoas. O amor eterno que as pervade e constitui, as une numa corrente vital tão infinita e completa que emerge a unidade entre elas (Boff, 1986, p. 175).
Assim, podemos afirmar com o autor, que “a Trindade é a melhor comunidade”.
1.2 O Ser Humano: Vocacionado à Comunhão
A perfeita pericórese-comunhão existente entre as Pessoas da Trindade não fica
restrita à própria Trindade. Ela se abre para fora, convidando os seres humanos e todo o
universo a se inserirem na vida divina.
Confirma isto o apóstolo João, quando em seu Evangelho deixa gravadas as
palavras de Jesus na chamada Oração Sacerdotal:
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[...] a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que eles estejam em nós, ... para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como tu me amaste (Jo 17, 21-23).
O ser humano é, portanto, vocacionado à comunhão. O homem foi criado por
Deus à Sua imagem e semelhança. “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem,
como nossa semelhança’” (Gn 1, 26s).
Ser criado à imagem e semelhança de Deus, no Antigo Testamento, significa
dizer que
o homem, em nome de Deus e perante Ele, é responsável pelo mundo. E, enquanto interlocutor de Deus, parte ativa da história que o Senhor iniciou e que deseja levar a termo. Não é preciso ver a imagem de Deus nesta ou naquela qualidade, mas achamo-nos diante da determinação fundamental do homem, que abrange todas as suas dimensões devido ao germe divino que nele habita (Ladária, 1998, p. 51-2).
No Novo Testamento, a idéia da imagem assume um rosto cristológico e
escatológico. Jesus é o novo Adão.
Na ressurreição do Senhor se nos abre o plano definitivo de Deus para nós; ser homens é, portanto, passar da condição de Adão à de Cristo; chegar a ser imagem do homem celeste não é, segundo Paulo, algo marginal à nossa condição humana, mas uma determinação definitiva de tal condição (Idem, 1998, p. 52).
E o Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dogmática Gaudium et Spes3, põe
no centro da concepção cristã do homem a condição de ser criado à imagem e
semelhança de Deus. Evidencia a capacidade humana de conhecer e amar o Criador, a
capacidade de relacionar-se com Deus. De entrar em comunhão com Ele. A isso se soma 3 No nº 12 da Constituição Gaudium ET Spes lemos: “A Sagrada Escritura ensina que o homem foi criado ‘à imagem de Deus’, capaz de conhecer e amar o seu Criador, e por este constituído senhor de todas as criaturas terrenas, para as dominar e delas se servir, dando glória a Deus” (cf. Gaudium et Spes, nº 12).
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o domínio sobre o mundo e sobre a criação, para que a governe e use glorificando a
Deus.4
E mais ainda! Além de ser criado à imagem e semelhança do Criador, a criatura
humana é “a única criatura sobre a terra, querida por Deus por si mesma” (GS 24).
Diz o CIC5 em seus números 356, 357 e 359:
De todas as criaturas visíveis, só o homem é ‘capaz de conhecer e amar o seu Criador’; ele é ‘a única criatura na terra que Deus quis em si mesma’; só ele é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e o amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental da sua dignidade (356). Por ser à imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas alguma coisa, mas alguém. É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunhão com seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor, que ninguém mais pode dar em seu lugar. Deus criou tudo para o homem, mas o homem foi criado para servir e amar a Deus e para oferecer-lhe toda a criação (357). Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado. Jesus Cristo é a máxima prova do amor do Pai pelos seres humanos. É só n’Ele que o homem descobre sua vocação sublime. Em Cristo Deus Pai ‘nos reconciliou consigo e uns com os outros e nos arrancou da escravidão e do pecado’ (GS 22). Por sua morte e ressurreição a vida e a morte são santificadas e recebem um novo sentido. É Ele quem nos revela nossa vocação divina (359).
Portanto, segundo a fé cristã, “o homem é imagem do Deus trinitário”. (Forte,
1987, p. 170). O homem tem rosto e vocação divina.
Ele é imagem do Deus Trindade. Pela gratuidade do amor de Deus Pai, o ser
humano é constituído fonte de amor, de forma a ser capaz de amar e expressar o seu
amor. Como bem expressou Santo Afonso Maria de Ligório: “Homem, diz o Senhor,
4 Gn 1, 26: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança; que eles dominem os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos e todos os répteis”. 5 CIC: Catecismo da Igreja Católica.
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considera que fui o primeiro a amar-te. Ainda não estavas no mundo, o mundo nem
sequer existia e eu já te amava. Desde que sou Deus, eu te amo” (Idem, 1987, p. 171).6
O é também enquanto criado por meio do Filho, em vista dele e nele. No Filho o
ser humano aprende a receber com gratidão o amor, sem nunca querer tê-lo só para si,
entendendo que necessita do amor dos outros para viver.
Por fim, o homem revela em si a presença do Espírito Santo.
o Espírito imprime na criatura humana certo reflexo daquilo que ele é no mistério de Deus. Como entre o Amante e o Amado ele é o eterno vínculo de unidade e juntamente o que lhes funda a infinita abertura do amor, assim no homem ele é Espírito de unidade e de saída de si (Idem, 1987, p. 172).
Assim: amado por Deus, o homem é convidado à liberdade no amor. O
verdadeiro amor que não é egoísta, não é excludente, mas é includente.
1.3 A Igreja: Ícone da Trindade
Tertuliano criou uma expressão que explica em poucas palavras o que significa
dizer que a Igreja é ícone da Trindade. Dizia ele: “Onde estão o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, aí também se encontra a Igreja que é o corpo dos Três” (Boff, 1986, p. 137).7
A Igreja, por assim dizer, é expressão aqui na terra da comunhão entre as Pessoas
da Trindade. Assim como estas vivem em íntima união, também a comunidade dos
homens, que formam a Igreja, são chamados a viver. E isto acontece quando a
comunidade se constrói sobre três pilares: “a fé, o culto e a organização em vista da
coesão interna, da caridade e da missão” (Idem, 1986, p. 137).
Esses três pilares não são partes distintas que compõe a Igreja, “mas a única e
mesma Igreja que se desdobra nestes três momentos concretos de sua realização
histórica. [...] Ela efetivamente se torna uma figura e analogia da Trindade, fazendo-a
como que palpável aos olhos dos homens” (Idem, 1986, p. 137-138).
6 Cf. Ligório apud Forte, 1987, p. 171. 7 Cf. Tertuliano apud Boff, 1986, p. 137.
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A partir dessa vivência, a Igreja se torna verdadeiramente a Igreja do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. Poderemos então dizer com Bruno Forte:
do Pai pelo Filho no Espírito vem a Igreja: obra das missões divinas, é ela o lugar de encontro entre o céu e a terra, em que a história trinitária, por livre iniciativa de amor, passa para a história dos homens e esta é assumida e transformada no movimento da vida divina (Forte, 1987, p. 189).
Chamada a ser eficaz expressão da Trindade, a Igreja é também convocada a se
estruturar à imagem da Trindade: “una na diversidade, comunhão de carismas e
ministérios diversos suscitados pelo único Espírito, a Igreja vive daquela circulação do
amor de que a vida trinitária é, além de fonte, modelo incomparável” (Idem, 1987, p.
189).
Isto quer dizer que para ser fiel ao seu título de imagem da Trindade, a Igreja,
por um lado, necessita valorizar a diversidade dos dons e serviços que há dentro dela,
incentivando a sua participação na vida das comunidades; por outro lado, impedir que
haja uma divisão que leve à impossibilidade da unidade.
A Igreja, estruturada segundo a exemplaridade trinitária, deverá manter-se distante tanto de uma uniformidade que achate e mortifique a originalidade e a riqueza dos dons do Espírito, quanto de toda contraposição lacerante, que não resolva na comunhão com o Crucificado a tensão entre carismas e ministérios diversos, em uma recepção fecunda e recíproca das pessoas e das comunidades na unidade da fé, da esperança e do amor (Idem, 1987, p. 190).
Por fim, a Trindade é a grande meta da Igreja. É ela a única razão do seu existir.
“A Igreja não tem a sua consumação no tempo presente, mas a espera e prepara até o dia
em que venha novamente o seu Senhor” (Idem, 1987, p. 190).
Enquanto realiza sua missão aqui na terra e espera ansiosamente a vinda em
plenitude do Reino, a Igreja encontra o alimento para a caminhada na Eucaristia,
memorial da Páscoa do Senhor.
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“No memorial eucarístico a Trindade passa para a Igreja, e a Igreja passa para a
Trindade: o movimento do amor trinitário vem suscitar e assumir o dinamismo do amor
eclesial. A Trindade entra no tempo [...] e o tempo entra na Trindade” (Idem, 1987, p.
193).
1.4 A Sociedade: Comunidade dos Homens Inspirada na Trindade
Vivemos em uma época de contrastes. O século XX registrou duas guerras
mundiais, há conflitos locais; a invenção da bomba atômica fez estragos materiais e
espirituais, enchendo a humanidade de medo e terror; o racismo, as ideologias, o
fanatismo religioso devastam povos e levam milhões de pessoas ao exílio, à fome,
desgraça e morte; os excluídos ou subjugados de outras épocas criam novas formas de
poder e levam o pânico àqueles que vivem no modelo de sociedade que os deixou nesta
situação.
Diante destes exemplos, a convivência humana parece cada vez mais fadada ao
fracasso. Com todos os seus avanços científicos, que ampliam seu poder sobre o mundo,
o homem de hoje deveria viver em situação de harmonia consigo, com os outros e com a
natureza. O que se vê, porém, é o contrário. O ser humano perdeu os valores da vida e
da dignidade.
Frente à esta realidade, faz-se urgente um processo de conversão, que leve o ser
humano a compreender qual é a sua vocação mais profunda, vocação sublime de
cooperador de Deus na obra da Redenção.
Portanto, para que isto se torne possível, é indispensável que a sociedade
encontre um novo modelo de convivência humana. E este modelo é a Trindade.
É verdade que esta não é uma tarefa nada fácil, levando-se em conta que em
nossa cultura dominante imperou ao nível da pessoa o predomínio do indivíduo, de seu desempenho isolado, de seus direitos compreendidos sem a relação com a sociedade. O monoteísmo a-trinitário das Igrejas, a ideologia da subjetividade, da unidade/identidade acabaram por reforçar e também por refletir esta distorção (Boff, 1986, p. 186).
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Olhando para a sociedade dita moderna, com seus dois grandes modelos:
capitalismo e socialismo, vemos que a comunhão trinitária não encontra neles espaço.
No capitalismo, tudo acontece a partir do Uno: “intenta-se criar um só capital
total, um só mercado, um só mundo de consumidores, uma só visão legítima do mundo,
uma só forma de relacionamento com a natureza, uma só maneira de encontrar-se com o
Absoluto” (Boff, 1986, p. 188).
De forma diferente, mas também errônea, no socialismo não há espaço para a
comunhão trinitária porque seu modelo “social burocraticamente imposto não gera uma
sociedade de iguais dentro das diferenças respeitadas, mas a coletivização com traços de
massificação” (Boff, 1986, p. 188).
Portanto, fica claro que estes modelos não servem para uma sociedade que deseja
viver inspirada na Trindade.
Para viver segundo a Trindade, a comunidade humana precisa aprender a cultivar
valores como a solidariedade, a liberdade, a participação, a igualdade/assimetria, a
identidade/alteridade, o diálogo, o pluralismo, a subsidiariedade, a abertura ao novo,
uma nova forma de relação homem-mulher e de vida familiar.
Procuraremos a partir daqui destacar brevemente estes aspectos para uma
vivência trinitária da sociedade.8
Solidariedade: é um dos pontos fundamentais para que a humanidade possa viver
em verdadeira comunhão. Destaca Cambón que o Papa João Paulo II em sua Encíclica
Sollicitudo Rei Socialis ressalta este tema ao afirmar que
A prática da solidariedade no interior de cada sociedade é válida quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que contam mais, (...) hão de sentir-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por seu lado, os mais fracos, na mesma linha de solidariedade, (...)fazer o que lhes compete para o bem de todos (Sollicitudo Rei Socialis, 1988, p. 69).
8 Este esquema segue o apresentado por Cambón, 2000, p. 67 – 106.
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Liberdade: a humanidade somente poderá viver em estado de solidariedade
quando todos forem livres. E ser livre a partir da ótica trinitária significa viver em
comunhão. “A verdade da liberdade é o amor: eu sou livre e sinto-me livre quando abro
minha vida aos outros e a divido com eles, e quando os outros me abrem sua vida e a
dividem comigo” (Cambón, 2000, p. 72). Quando isto acontece “o outro não é um
obstáculo à minha liberdade e, sim, trinitariamente, sua possibilidade e complemento”
(Cambón, 2000, p. 72).
Participação: assim como na Trindade as três Pessoas participam, cada uma a seu
modo, de tudo que Deus opera na humanidade, a participação é condição necessária para
a sociedade que quer viver conforme o estilo trinitário. E “promover a participação
significa levar em conta o outro em todas as circunstâncias, colocar-se do seu lado, isto
é, considerar as coisas também do ponto de vista do outro, segundo os seus legítimos
interesses” (Cambón, 2000, p. 74).
Igualdade / assimetria: como na Trindade nenhuma das Pessoas é maior que a
outra, e ao mesmo tempo todas são distintas entre si, uma sociedade que queira viver nos
moldes da Trindade precisa “construir igualdades que levem em conta as diferenças”
(Cambón, 2000, p. 77), tendo sempre presente a assimetria com que Deus se manifesta
aos seres humanos.
Identidade / alteridade: da mesma forma como a Trindade soube sair de si sem
perder sua identidade, em uma sociedade trinitária deve haver lugar para que cada
indivíduo valorize a existência do outro e lhe dê espaço, reconhecendo toda legítima
alteridade.
Diálogo: tão importante para o relacionamento humano, é no diálogo entre as
Pessoas da Trindade que encontramos as diretrizes para o diálogo humano. Dialogar
conforme a Trindade é “saber deixar de lado, enquanto se escuta o outro, todo o nosso
mundo interior de experiências e conhecimentos. É o único modo de entrarmos em
sintonia com o outro e captarmos o que ele realmente está desejando expressar...”
(Cambón, 2000, p. 84).
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Pluralismo: bem ressalta Vives que “‘a revelação da Trindade manifesta que a
afirmação do ser, em seu nível mais profundo, não é fechamento em si, excludente da
pluralidade, mas comunicação na pluralidade’” (Cambón, 2000, p. 85). A humanidade
tem por essência a característica de ser pluralista, e é a partir desta pluralidade que se
deve procurar construir a unidade.
Subsidiariedade: assim como na Trindade cada uma das Pessoas é o mais
plenamente possível aquilo que é, para que as demais possam ser elas próprias, a
sociedade é chamada a colaborar para que cada um assuma a responsabilidade por quilo
que tem competência para fazer.
Abertura ao novo: segundo Cambón, a Trindade está sempre aberta ao novo,
deixando-se constantemente surpreender. Esta deve ser também a característica da
sociedade humana, “ver a história e olhar o futuro não somente a partir de nossas
experiências do passado, mas abrindo-nos sempre aos novos frutos com que Deus
permanentemente nos surpreende” (Cambón, 2000, p. 94 ).
Relação homem-mulher: infelizmente, a relação homem-mulher ao longo da
história esteve longe de ser trinitária. Atualmente, este grave equívoco tem sido aos
poucos corrigido, buscando-se a comunicação e respeito entre ambas as partes,
compreendendo que o encontro entre homem e mulher consiste “em um reconhecer o
outro como interlocutor que ajuda a manifestar o que cada um é” (Cambón, 2000, p. 98).
Vida familiar: a família é a melhor imagem de Deus, como afirma Puebla: “a
família é imagem de Deus que, em seu mistério mais íntimo, não é uma solidão, mas
família” (Puebla, nº 582).
Poderíamos abordar ainda outros aspectos necessários para a humanidade viver
conforme a Trindade. Acreditamos, porém, que estes aqui brevemente elencados
abarcam todos os demais, mostrando ao mundo que a partir de um modelo de vida
trinitário é possível construir uma nova sociedade, alicerçada no amor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo esta nossa breve pesquisa acerca da comunhão trinitária como
fundamento da vocação do ser humano, da Igreja e da sociedade à comunhão,
vislumbramos o quanto estamos distantes disto e como seríamos felizes e plenamente
realizados se compreendêssemos e vivêssemos conforme a Santíssima Trindade.
Depois de termos abordado esta reflexão da comunhão trinitária a partir da
Bíblia, dos Documentos do Concílio Vaticanos II, do Catecismo da Igreja Católica e
algumas importantes obras de renomados autores, podemos afirmar que o ser humano é
vocacionado à comunhão. Porque, imagem e semelhança de Deus, é chamado à
comunhão trinitária. Também a Igreja, convocada a ser expressão da Trindade, uma
diversidade na unidade.
Com toda a certeza, hoje mais que nunca, necessitamos como grande família
humana de exemplos de convivência fraterna. E os modelos já experimentados do
socialismo e do capitalismo não satisfazem nossos anseios. Nossa grande utopia é viver
uma civilização do amor. Amor que não é disforme, mas uma forma própria: “Deus é
amor” (1Jo 4, 8. 16). Amor de três Pessoas que nos ensinam a sermos comunidade
humana e sermos realmente gente. Afinal, um Deus assim tão humano só poderia ser
mesmo Deus.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1976.
BOFF, Leonardo. A trindade, a sociedade e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1986.
CAMBÓN, Enrique. Assim na terra como na Trindade. São Paulo: Cidade Nova,
2000.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes, 1993.
CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes. São Paulo: Paulus, 2001.
CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE PUEBLA. São Paulo: Paulinas, 1986.
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NETTO, João Paixão e MACHADO, Alda da Anunciação (tradutores). Dicionário
Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003.
FORTE, Bruno. A Trindade como história: ensaio sobre o Deus cristão. São Paulo:
Paulinas, 1987.
JOÃO PAULO II. Sollicitudo Rei Socialis. Petrópolis: Vozes, 1988.
LADÁRIA, Luis. Introdução à Antropologia Teológica. São Paulo: Loyola, 1998.
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