TÍTULOS DE CRÉDITO
TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
INTRODUÇÃO
O direito patrimonial de uma pessoa física ou jurídica em relação a outra pode
ou não estar representado por instrumentos jurídicos. Uma sentença judicial, por exemplo,
pode impor ao demandado o dever de ressarcir o autor por prejuízos sofridos. Os contratos
geram obrigações e atribuem direitos aos contratantes. A declaração de vontade pode
acarretar obrigações a seu subscritor. As ações, debêntures e outros valores mobiliários
emitidos por sociedades anônimas atribuem a seus detentores diversos direitos. Os títulos
de crédito, tais como a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e a duplicata, podem
obrigar o devedor a pagar determinada quantia em dinheiro ou atribuir direitos em favor de
credores.
Embora tenha caráter representativo, o título de crédito não se confunde com
a obrigação, que é um vínculo pessoal existente entre devedor e credor que tem por objeto
uma prestação ou contraprestação. O título de crédito, como o próprio nomen juris sugere,
titulariza o crédito de alguém, denominado credor, em relação outrem, denominado
devedor.
Etimologicamente crédito deriva da expressão latina creditu, que significa
confiança, consideração, fé, segurança. No âmbito do Direito, conforme lição de André Gide,
crédito "é o alargamento da troca", ou "a troca no tempo, em Lugar de ser no espaço". As
formas mais comuns de crédito são a venda a prazo e o empréstimo, e são seus elementos
o consumo ou a obtenção da coisa vendida ou emprestada (como, por exemplo, um bem
móvel) e a espera da prestação ou coisa nova destinada a substituí-Ia (por exemplo, o
dinheiro).
Na lição de José Maria Withaker, título de crédito "é o documento capaz de
realizar imediatamente o valor que representa". Para Cesare Vivante, "título de crédito é o
documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”. O
Código Civil Brasileiro de 2002 foi inspirado na definição de Vivante, como se observa do
texto do art. 887:
"Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei."
O título de crédito possibilita melhor utilização do capital, na medida em que
o beneficiário, em regra, pode convertê-lo em dinheiro, mediante a transferência a outrem
por tradição, se emitido ao portador, ou por endosso, se emitido na forma nominativa. A
circulabilidade ou negociabilidade, aliás, é uma das principais características do título de
crédito.
Os títulos de crédito têm força executiva (executividade), equiparando-se ao
contrato assinado por duas testemunhas, a transação referendada pelo Ministério Público, a
certidão de dívida ativa da Fazenda Pública, o contrato de hipoteca, o contrato de seguro de
vida e outros (CPC, art. 585). Portanto, em caso de inadimplemento do devedor quanto ao
pagamento, o credor não está obrigado a propor uma ação de conhecimento, geralmente
demorada e dispendiosa, para obter uma sentença condenatória favorável, podendo ajuizar
diretamente uma ação de execução ou pedir o cumprimento da sentença ou acórdão.
Em regra, o pagamento com título de crédito não representa novação
(substituição) ou dação em pagamento (recebimento de prestação diversa), no que toca à
relação negocial original. A emissão e entrega do título de crédito, salvo estipulação
contratual em sentido contrário, têm natureza pro solvendo (sem caráter extintivo da
obrigação), e não pro soluto (com caráter extintivo). Assim, se alguém compra um bem e
paga com cheque ou nota promissória, somente haverá extinção da obrigação se o título de
crédito for pago. Vale dizer: somente o pagamento extingue a obrigação. Se não houver
pagamento, permanece a relação causal, ou, conforme tem decidido nossos tribunais, as
relações contratual e cambial subsistem (RT 744/249). A entrega do título, todavia, pode ser
pro soluto se houver contrato estipulando que a entrega do título de crédito (por exemplo,
cheque visado ou administrativo) representa extinção da obrigação ou quitação da dívida.
Nesse caso, se houver inadimplemento restará apenas uma obrigação a ser cumprida, que é
o pagamento da cártula. A entrega do título, assim, opera a novação da dívida, conforme
arts. 360 e 361 do Código Civil de 2002. A questão, contudo, não é pacífica, havendo
decisões em sentidos opostos.
Quanto à legislação aplicável, necessário se faz acentuar que o Código Civil
contém o Título VIII (arts. 887/926), que pode ser considerado uma "Teoria Geral dos Títulos
de Crédito". Em verdade, o CC/02 contém dispositivos que se aplicam apenas
supletivamente ao direito cambiário, ou seja, se não houver regra específica na legislação
especial.
Estão em vigor, em consonância com o enunciado do art. 903 do próprio
Código Civil e com o princípio de hermenêutica "lex speciali derogat lex generali", os
diplomas referentes à:
01) LETRA DE CÂMBIO (Decreto n. 2.044/1908 e Decreto n. 57.663/1966 - Lei Uniforme de Genebra);
02) NOTA PROMISSÓRIA (idem);
03) CHEQUE (Lei n. 7.357/1985);
04) DUPLICATA COMERCIAL (Lei n. 5.474/1968);05) Duplicata de Serviços (idem);
06) CONHECIMENTO DE DEPÓSITO DE MERCADORIAS (Decreto. 1.102/1903);07) WARRANT (idem);08) Conhecimento de transporte ou frete (Decreto n. 19.473/1930 e Decreto-Lei n. 116/1967);09) Conhecimento de transporte aéreo e marítimo (art. 575, Código Comercial);10) Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas (Lei 9.611/98);
11) LETRA IMOBILIÁRIA (Lei 4.380/64);
12) LETRAS HIPOTECÁRIAS (Lei n. 7.684/1988);
13) CÉDULA HIPOTECÁRIA (Decreto-Lei n. 70/1966 e Resolução BACEN 228, de 04 de julho de 1972); 14) Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI (Lei n. 9.514/1997);
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15) Letra de Crédito Imobiliário – LCI (arts. 12 e ss da Lei n. 10.931/2004);16) Cédula de Crédito Imobiliário – CCI (arts. 12/25 da Lei n. 10.931/2004);17) Certificado de Cédula de Crédito Imobiliário (art. 43 da Lei n. 10.931/2004);18) Cédula de Crédito Bancário (arts. 26/45 da Lei n. 10.931/2004);
19) CERTIFICADO DE DEPÓSITO BANCÁRIO (Lei n. 4.728/1965); 20) Certificado de depósito em garantia (idem);
21) AÇÕES DE SOCIEDADES POR AÇÕES (Lei 6.404/76);22) Certificados de Depósitos de Ações (idem);23) Partes Beneficiárias (idem);24) Certificados de Depósitos de Partes Beneficiárias (idem);25) Debênture (idem);26) Certificado de Depósito de Debênture (idem);27) Cédula de Debênture (idem);28) Bônus de Subscrição de Ações (idem);29) Certificado Bônus de Subscrição de Ações (idem);
30) Commercial Paper (Instrução CVM 134, de 01/11/90 com alterações introduzidas pela Instrução CVM 293, de 15/10/98);
31) CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL (Decreto-Lei n. 413/1969); 32) Nota de Crédito Industrial (idem);33) Certificados de Energia Elétrica (Instrução CVM nº 267, de 01 de agosto de 1997);
34) CÉDULA DE CRÉDITO À EXPORTAÇÃO (Lei 6.313/75, Resolução BACEN 7.586, de 25 de outubro de 1977);35) Nota de Crédito à Exportação (idem);
36) CÉDULA E NOTA DE CRÉDITO COMERCIAL (Lei n. 6.840/1980); 37) Bilhete de mercadoria (Lei nº 165-A, de 1890);38) Certificado de Investimento (Resolução BACEN 145 de 14 de abril de 1970);
TÍTULOS DE CRÉDITO RURAIS39) Cédula rural pignoratícia (Decreto-Lei n. 167/1967); 40) Cédula rural hipotecária (idem);41) Cédula rural pignoratícia e hipotecária (idem);42) Nota de crédito rural (idem);43) Nota promissória rural (idem);44) Duplicata rural (idem);45) Nota de Produto Rural – CPR (Lei 8.929/94);46) Cédula de Produto Rural (Lei n. 8.929/1994); 47) Certificado de depósito agropecuário - CDA - e warrant agropecuário - WA (Lei n. 11.076/2004); 48) Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio, Letra de Crédito do Agronegócio, Certificado de Recebíveis
do Agronegócio (Lei nº 11.076/2004);49) Nota Comercial do Agronegócio (Instrução CVM nº 422, de 20 de setembro de 2005).
Apesar de não haver na legislação especial qualquer distinção, os títulos de
crédito são divididos pela doutrina em duas categorias: os próprios, que representam
créditos e se encaixam perfeitamente no regime cambiário, admitindo o saque, endosso,
aval e protesto; e os impróprios, que nem sempre representam créditos e não se
enquadram perfeitamente no regime cambiário.
Entre os títulos de crédito próprios destacam-se a letra de câmbio, a nota
promissória, o cheque e a duplicata; entre impróprios encontram-se o conhecimento ou
certificado de depósito e o warrant, que se referem à posse e propriedade de mercadorias
ou produtos agropecuários depositadas em armazéns gerais ou estabelecimentos, e o
conhecimento de transporte, que se refere à posse e propriedade de mercadorias
transportadas.
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PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
Do conceito adotado pelo Código Civil, derivado da doutrina de Cesare
Vivante, extraem-se os princípios do direito cambiário, que são a cartularidade, a
literalidade e a autonomia.
CARTULARIDADE
O título de crédito é o documento necessário para que sejam exercidos os
direitos nele constantes. O credor, em regra, deve ter a posse da cártula qual são lançadas
as informações necessárias para exercer seus direitos, em especial para receber o valor ou
executar judicialmente a dívida em caso de inadimplemento. O "documento" referido no
texto legal pode ser o papel (cártula) ou outro suporte material no qual possam ser lançados
os atos cambiais (saque, aceite, endosso, aval etc.). Numa ação de execução, por exemplo,
o requerente deve apresentar o título de crédito original, e não a cópia, até porque ele tem
que provar que não o transferiu.
As cópias autenticadas não podem substituir o título original, exceto em casos
específicos, como, por exemplo, quando a cártula está sendo utilizada em inquérito policial
por crime de estelionato (art. 171 do Código Penal). A posse é necessária, também, para
que o novo credor tenha condições de exercer o direito de regresso contra outros co-
responsáveis pelo pagamento.
Apenas em casos excepcionais o título de crédito original não é mostrado. A
duplicata pode ser cobrada se o devedor a reteve indevidamente, desde que esteja
protestada por indicações e seja provada a entrega da mercadoria (Lei n. 5.474/1968, art.
15, II – duplicata não aceita, que tenha sido protestada por indicação; que esteja
acompanhada do documentos hábil da entrega e recebimento da mercadoria, e que a
negativa do aceite não esteja no prazo, nas condições e pelos motivos do art. 7º e 8º da
Lei).
LlTERALIDADE
O título de crédito vale pelo que nele está literalmente escrito. O credor não
pode exigir mais e nem o devedor está obrigado a pagar mais do que consta da cártula.
Salvo exceções contidas em leis especiais, os atos cambiais não são válidos se lançados em
documento distinto do título. Se alguém, por exemplo, endossa uma nota promissória num
documento, público ou privado, distinto do título, tal ato não será válido.
Dos títulos de crédito existentes, apenas a duplicata admite o legítimo
possuidor do título em documento distinto (art.9°, §1°, lei n. 5.474/1968). A duplicata tem
regime diverso, pois pode ser encaminhada ao devedor em caso de cobrança bancária, além
de ser possível ao credor emitir a triplicata.
Nos termos do art. 890 do Código Civil, "consideram-se não escritas no título
a cláusula de juros, a proibitiva de endosso, a excludente de responsabilidade pelo
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pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de termos e formalidade
prescritas, e a que, além dos limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e
obrigações." O credor, todavia, pode requerer, em ações judiciais, o pagamento de juros e
correção monetária, não constantes do título de crédito, em caso de inadimplemento do
devedor, em razão do Código de Processo Civil (art. 219) e ao próprio Código Civil (art. 884),
que veda o enriquecimento ilícito do devedor. Há títulos impróprios, tais como a cédula de
crédito industrial e cédula de crédito comercial, que admitem a cláusula de juros.
AUTONOMIA
O título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal
e autônomo, nele mencionado. A autonomia constitui a principal característica do título de
crédito. As obrigações dos títulos de crédito são autônomas, de modo que a ineficácia de
uma não contamina a outra. Se alguém endossa um título a um menor de 18 anos, que
também o endossa a outrem, o fato do último endosso ser nulo não significa que o primeiro
também o seja. O credor (endossatário) pode cobrar o valor do devedor principal e do
primeiro endossante.
Igualmente não há nulidade do título em razão do vício do negócio que gerou
a emissão do título. Assim, se "A" vendeu um automóvel a "B" e recebeu uma nota
promissória, poderá transferir o título por endosso a "C". Se "B" devolver o bem por vício
redibitório (defeito), ainda assim "A" estará obrigado a efetuar o pagamento a C, caso este
venha a lhe cobrar o valor do título. "A" poderá, posteriormente, receber o total do título ou
parte deste, dependendo do caso, de S, que é o devedor principal.
O princípio da autonomia, em verdade, envolve dois aspectos diversos e
importantes, também chamados de sub-princípios, quando o título é transferido: a abstração
e a inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé.
ABSTRAÇÃO
Quando posto em circulação, o título de crédito desvincula-se da relação
jurídica que lhe deu causa, da obrigação a que lhe deu origem, não podendo o devedor
deixar de pagar o valor devido, sob pena de ser executado pelos terceiros de boa-fé. O
devedor não pode deixar de pagar o valor do título ainda que tenha devolvido o bem, caso o
título tenha circulado. É evidente que se o título não foi colocado em circulação pode o
devedor se recusar a pagar e depositar a quantia em juízo para que seja discutido o negócio
judicialmente, numa ação anulatória, por exemplo. A abstração, portanto, consiste na
desvinculação do título em relação ao negócio fundamental, em caso de circulabilidade da
cártula. É o aspecto substancial (material) do princípio da autonomia.
INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ
É o aspecto processual do princípio da autonomia. Por esse sub-princípio, não
podem ser alegadas em processos judiciais matérias não relacionadas aos possuidores de
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boa-fé do título. As relações do devedor com o anterior possuidor, assim, não serão
conhecidas pelo juiz, em caso de execução do título. Se o exeqüente possui legitimamente o
título, ele nada tem a ver com os problemas do executado com os devedores anteriores.
Somente podem ser apresentadas pelo executado nos autos da ação de embargos do
devedor ou em eventual exceção de pré-executividade as matérias pertinentes a ele e ao
exeqüente.
Da mesma forma, o devedor principal, se executado, não pode se beneficiar
de matérias que digam respeito a ele e a outros coobrigados do título, como, por exemplo, o
primeiro endossatário, salvo se o exeqüente não estiver agindo de boa-fé. Nesse último caso
qualquer matéria pode ser alegada.
O Código Civil de 2002 claramente adotou o sub-princípio da inoponibilidade
das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. Nos termos do seu art. 915, "o devedor,
além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver com o portador, só poderá
opor a este as exceções relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da
própria assinatura, defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e
à falta de requisito necessário ao exercício da ação". O art. 916 estabelece que "as
exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente
poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé".
Para que se caracterize a má-fé não é necessário que o executado prove o
conluio ou o dolo entre o anterior possuidor e exeqüente, mas apenas que este último sabia
dos vícios.
TITULOS DE CRÉDITO ELETRONICOS
Os títulos de crédito na forma documentada ("papelizada") surgiram na Idade
Média com a função de facilitar o comércio e sobreviveram às diversas mudanças
econômicas e políticas.
Atualmente, pelo menos nos países onde a informática encontra-se em
desenvolvimento, o papel tem sido trocado pelo meio magnético. A troca de informações
tem sido realizada de modo eletrônico ou virtual, e não corpóreo. Na maioria dos
estabelecimentos mercantis o consumidor pode, por exemplo, comprar produtos e pagar
com cartões de crédito, sendo que alguns destes estão interligados a bancos. A operação
débito-crédito, em alguns casos, é realizada instantaneamente, sem o uso de papel. É
possível, ainda, comprar e vender via Internet ou subscrever eletronicamente faturas de
compra e venda de produtos ou de serviços.
O Código Civil permite que seja emitido título de crédito por computador ou
meio técnico equivalente (art. 889, § 3°). A regra é válida, por enquanto, para a chamada
"duplicata virtual", que não se materializa numa cártula (papel). Trata-se de título
sustentado em dados constantes no microcomputador e no livro de registro de duplicatas do
credor. Sua cobrança pode ser realizada mediante o envio de informações através de
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mensagem eletrônica (internet/modem) a uma instituição financeira, que por sua vez emite
um "boleto" pagável em qualquer agência bancária. Se o devedor não efetuar o pagamento,
o próprio banco, desde que autorizado, pode enviar eletronicamente os dados ao
Tabelionato de Protestos, que efetiva a notificação e, se for o caso, o protesto por indicações
da duplicata (art. 8° da Lei n. 9.492/1997). O instrumento de protesto e o documento
assinado que prova a entrega da mercadoria ou a prestação de serviços, fazendo presumir o
aceite, constituem título executivo extrajudicial.
Em síntese, está em curso a chamada desmaterialização dos títulos, que
deverá mitigar ou acabar com o princípio da cartularidade, pois os títulos não serão mais
"documentos" escritos, valendo apenas as informações virtuais. A autonomia poderá ter
algum sentido, na medida em que as obrigações virtuais assumidas gerarão efeitos
jurídicos.
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CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
São várias as classificações dos títulos de crédito, sendo que as mais
importantes se referem ao modelo, forma, emissão, circulação e conteúdo.
MODELO
Quanto ao modelo, os títulos de crédito são classificados em duas espécies:
I. Livres: não têm modelo estabelecido na lei, como as notas promissórias e letras de
câmbio.
II. Vinculados: têm modelo previsto em lei, como o cheque e duplicata, que seguem os
padrões legais.
FORMA
A forma se refere às situações jurídicas geradas pelo título de crédito,
havendo, também, duas espécies:
I. Ordens de pagamento: representam determinações de pagamento e sua emissão gera,
em regra, 03 (três) situações jurídicas: a de quem dá a ordem (sacador ou emitente), a de
quem recebe a ordem (sacado); e a de quem se beneficia da ordem (tomador, portador ou
beneficiário). Às vezes, o sacador é também o beneficiário (por exemplo, o correntista pode
emitir e descontar um cheque seu). O banco é o sacado e correntista é o emitente (sacador)
e também o beneficiário (tomador). A letra de câmbio também pode ser emitida em favor do
sacador. A duplicata também é uma ordem de pagamento, mas sua emissão gera apenas
duas situações jurídicas (sacador e sacado).
II. Promessa de pagamento: gera apenas 2 (duas) situações jurídicas: quem promete
pagar (sacado) e quem vai se beneficiar (tomador ou beneficiário). A nota promissória e a
cédula de crédito bancário são exemplos de promessas de pagamento.
HIPÓTESES DE EMISSÃO
Há três hipóteses de emissão de títulos de crédito:
I. Causais - só podem ser emitidos se houver uma causa explícita na lei, como, por
exemplo, a duplicata, que representa uma fatura de venda de produto ou prestação de
serviços, ou o warrant; que representa o depósito de mercadorias em armazéns gerais.
II. Não-causais (abstratos): não necessitam de qualquer causa, como o cheque ou a nota
promissória.
II. Limitados: não podem ser emitidos em determinadas situações, como, por exemplo, a
letra de câmbio, que pode representar operações bancárias, mas não a compra e venda
mercantil. A lei n. 5.474/1968, neste caso, exige a emissão de duplicata (art. 2°).
CIRCULAÇÃO
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Há também duas espécies:
II. Ao portador. não indicam o nome do beneficiário e são transferidos por mera tradição.
Atualmente, apenas os cheques de até R$ 100,00 (cem reais) podem ser emitidos ao
portador (art. 69 da Lei n. 9.069/1995).
II. Nominativos: são aqueles que têm a indicação do beneficiário. Os nominativos podem
ser "à ordem" e "não à ordem" Os "nominativos à ordem" são transferidos por endosso,
enquanto os "nominativos não à ordem" somente são transferidos por cessão civil de
crédito. Esses títulos devem estar acompanhados da cessão civil de crédito, ou seja, por
documento em separado que transfira o crédito. Pela cláusula "não à ordem" o emitente do
título procura impedir a sua circulação.
Nos termos do art. 921 do Código Civil, considera-se "título nominativo o
emitido em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente". Para Fábio Ulhoa
Coelho, a classificação legal "é imprestável", pois, "além de não existir título de crédito
nenhum, no direito brasileiro, que atenda aos requisitos para se considerar nominativo,
confunde, nos títulos ao portador, efeito com conceito da classe (o título ao portador é o que
não identifica o credor e por isso se transfere pela simples tradição)".
Ao tratar dos títulos nominativos possivelmente o legislador pátrio foi
influenciado pelo sistema italiano, que possui títulos cuja transferência somente se
aperfeiçoa após o registro nos livros do devedor. A propósito do tema, ensina Cesare
Vivante o seguinte: "Os títulos nominativos são títulos de crédito averbados a uma pessoa
determinada, quer seja um indivíduo ou uma pessoa coletiva, cuja transmissão só é perfeita
com a cooperação do devedor que intervém registrando nos seus livros a transferência
realizada, e substituindo o título retirado por outro equivalente, averbado ao novo possuidor,
a quem é entregue. A esta categoria pertencem os títulos nominativos da Dívida Pública, do
Crédito Predial, do Crédito Agrário, as obrigações ferroviárias, uma grande parte das ações
nominativas das sociedades anônimas".
A legislação cambiária em vigor no Brasil, desde a revogação do Decreto-lei n.
427/1969 pelo Decreto-lei n. 1.700/1979, não exige qualquer registro para que os títulos de
crédito nominativos próprios (letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata) tenha
validade ou força executiva. O art. 921 do Código Civil, que se refere a qualquer título de
crédito, talvez possa ser aplicado às sociedades anônimas, que negociam ações,
debêntures, commercial paper (notas promissórias), bônus de subscrição e outros valores
mobiliários no mercado de capitais, e estão obrigadas a manter escrituração relativa aos
registros e transferências (Lei n. 6.404/1976, arts. 100/102). Aplica-se, neste caso, a lei
especial, em substituição à lei geral – art. 903.
CONTEÚDO
Os títulos de crédito podem ser classificados conforme os direitos que
atribuem a seu titular:
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I. Atributivos de direitos reais: são títulos que representam direitos sobre determinada
coisa, como, por exemplo, o conhecimento de depósito e warrant, que se referem à posse e
propriedade de mercadorias depositadas em armazéns gerais ou estabelecimentos
depositários, o conhecimento de frete, relativo à propriedade de mercadorias transportadas,
e as cautelas de penhor, que se referem a bens empenhados.
II. Atributivos de créditos: são títulos que conferem ao credor o direito ao recebimento de
determinada quantia em dinheiro do devedor, como, por exemplo, a letra de câmbio, o
cheque e a duplicata.
III. Atributivos de direitos diversos: são títulos que atribuem direitos de diversas índoles,
como exemplo, as debêntures, que representam empréstimos, e as ações das sociedades
anônimas, que atribuem em favor do acionista, entre outros, direitos de voto e de
recebimento de dividendos.
ESPÉCIES DE TÍTULOS DE CRÉDITO
Os títulos de crédito conferem a seu titular um direito perante o emitente ou
outras pessoas coobrigadas.
Entre os títulos de crédito próprios destacam-se a letra de câmbio, a nota
promissória, o cheque e a duplicata.
Entre os títulos de crédito impróprios merecem destaque o conhecimento de
depósito e warrant, o conhecimento de transporte, a letra imobiliária, letra e cédula
hipotecária, as cédulas de crédito comercial e industrial.
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TÍTULOS DE CRÉDITO EM ESPÉCIE
A) LETRA DE CÂMBIO
A letra de câmbio é o título mais completo que existe, pois comporta todas as
situações cambiárias, tais como o saque, aceite, endosso e aval, e também é o mais antigo,
sendo conhecido desde o século XI da Era Cristã. Muitas regras aplicáveis à letra de câmbio
são também pertinentes aos demais títulos de crédito próprios, principalmente à nota
promissória e ao cheque.
A – B – C Sacador Sacado Tomador (credor)
É uma ordem de pagamento em que A dá para B, para que este pague a C. (A
é credor de B e devedor de C), portanto, há duas relações de débito e crédito.
I) NOÇÕES GERAIS
A letra de câmbio é conhecida mundialmente e suas regras são comuns na
maioria dos países. Trata-se de título que, originariamente, era usado para negociar
produtos entre cidades européias, com a compensação de valores entre os banqueiros que
as recebiam.
Pode-se dizer que a letra de câmbio possuiu três períodos: o italiano, o
francês e o alemão, sendo que em cada um deles houve avanços.
O chamado período italiano (séculos XI a XII) é considerado embrionário.
Trata-se de época em que predominavam os feudos e burgos, o Estado era fraco e o
comércio era realizado através das moedas próprias de cada região.
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Assim, se alguém pretendesse comprar alguma coisa fora de seu local de
origem, mas não quisesse correr o risco de ser assaltado ou perder o dinheiro durante a
viagem, poderia depositar determinada quantia em uma casa bancária e receber em troca
uma carta (lettera). Essa carta era entregue ao banqueiro do Lugar onde a compra seria
efetivada. Após, os bancos faziam a compensação de cartas (letteras). A expressão "letra",
portanto, é derivada de "lettera" (carta) e "câmbio" da expressão "cambio" (troca).
No período francês, que teve início em 1673 com a Ordonnance sur le
Commerce de Terre, do Rei Luís XV, a letra de câmbio foi aperfeiçoada com a possibilidade
do aceite pelo sacado, a cláusula à ordem e o endosso. Entretanto, naquela época exigia-se
que o sacador, para emitir o título, tivesse provisão de fundos (créditos) junto ao sacado
antes do protesto.
O período alemão teve início em 1848 com a Allgemeine Deutsche
Wechselordnung (Lei Geral Alemã sobre Letras de Câmbio), que não mais exigiu que o
sacador possuísse fundos junto ao sacado do título, sobretudo em razão da independência
do título quanto a relação negocial, bem como por ser a provisão uma relação extracartular.
No Brasil, a letra de câmbio foi inicialmente adotada pelo Código Comercial de
1850 (arts. 354/427), que foi inspirado no Code de Commerce francês, de 1808.
Posteriormente, o sistema relativo aos títulos de crédito do Código Comercial foi revogado
pelo Decreto n. 2.044/1908, que até hoje está parcialmente em vigor.
O desenvolvimento mais importante do título em exame, contudo, se deu no
Século XX, com a assinatura, em 07 de junho de 1930, na cidade de Genebra, Suíça, por
vários países1, da "Convenção para a adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e
Notas Promissórias", conhecida por "Lei Uniforme de Genebra" (LUG). Apesar de participar
de sua elaboração, o Brasil somente aderiu à referida Convenção em 26 de agosto de 1942,
através de Nota de Legação encaminhada a Berna, dirigida ao Secretário da Liga das
Nações.
Em 1966, foi editado o Decreto n. 57.663/1966, determinando a sua aplicação
em todo território nacional. Contudo, surgiu, uma controvérsia sobre o direito aplicável, pois
havia entendimento no sentido de que o Governo deveria ter encaminhado ao Congresso
Nacional um projeto de lei, pois o Decreto n. 2.044/1908 tinha status de lei. O Supremo
Tribunal Federal, contudo, entendeu que a LUG era aplicável no Brasil, nos termos do
Decreto n. 57.663/1966.
Alguns dispositivos não entraram em vigor porque, quando subscreveu a
Convenção, o Brasil assinalou algumas "reservas", ou seja, não aceitou aplicar totalmente a
1 Subscreveram a Convenção de Genebra a Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Colômbia, Dinamarca, Equador, Espanha, Finlândia, França. Grécia, Hungria, Itália, Iugoslávia, Japão, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Polônia, Portugal, Suécia, Suíça, Tchecoslováquia e Turquia.
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LUG. Assim, foi criado um sistema híbrido, sendo que se encontram em vigor o Decreto n.
2.044/1908 (parcialmente) e o Decreto n. 57.663/1966, além do Código Civil.
Em princípio, vigora a Lei Uniforme sobre Letra de Câmbio e Nota Promissória
(Anexo I), cuja aplicação foi determinada pelo Decreto n. 57.663/1966. O Código Civil é
aplicado apenas subsidiariamente se não houver regra específica na legislação especial.
Mas, em razão das reservas subscritas pelo Brasil em 1930, não vigoram
alguns dispositivos do texto original. Assim, o art. 10 do Anexo I (reserva do art. 3° do Anexo
II), o qual previa que não poderiam ser opostas ao portador quaisquer matérias sobre o
preenchimento posterior irregular da letra de câmbio, não vigora no Brasil, pois aplica-se o
art. 3° do Dec. n. 2.044/1908 e, por isso, a letra de câmbio ou nota promissória deve ser
preenchida imediatamente.
Contudo, nada impede que tal preenchimento seja feito a posteriori pelo
credor de boa-fé, nos termos do acordo entre as partes, conforme súmula 387 do Supremo
Tribunal Federal: “A cambial emitida ou aceita com omissões ou em branco, pode ser
completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou protesto". O Código Civil (art. 891),
repetindo o teor da súmula, estabelece que "o título de crédito, incompleto ao tempo da
emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados".
Segundo a jurisprudência, o título incompleto deve ser preenchido, de boa-fé,
antes da execução, sob pena desta não ser possível. Sobre o tema, veja-se a seguinte
decisão: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO C/C REPETIÇÃO DE
INDÉBITO E REPARAÇÃO DE DANO. NOTA PROMISSÓRIA. SENTENÇA IMPROCEDENTE. TRANSAÇÃO. DIVIDA
RENEGOCIADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CAUSA DA EMISSÃO DO TÍTULO. PREENCHIMENTO POSTERIOR .
POSSIBILIDADE. SUMULA 387, STF. MÁ-FÉ DO PORTADOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PROVA
TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO DECORRENTE DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PROTESTO. DANO MORAL.
IMPROPRIEDADE. DIREITO DO CREDOR. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 14ª C. Cível - AC 0524295-1 - Londrina -
Rel.: Des. Edson Vidal Pinto - Unânime - J. 10.12.2008).
O art. 41, alínea 3ª, do Anexo I (reserva do art. 7° do Anexo II da LUG), que
possibilitava o pagamento da letra de câmbio ou nota promissória através de moeda
estrangeira. No Brasil, o art. 1°, inciso II, do Decreto n. 2.044/1908, estabelecia como
requisitos essenciais de saque da letra de câmbio e nota promissória a indicação da "soma
de dinheiro a pagar e a espécie de moeda", enquanto o art. 25 do mesmo diploma admitia o
pagamento "na moeda indicada". Assim, era possível o pagamento de letra de câmbio ou
nota promissória em moeda estrangeira.
Através do Decreto n. 23.501/1933, foi suspensa a eficácia dos §§ 1° e 2° do
Código Civil de 1916, ficando proibido o pagamento dos títulos em moeda que não fosse
corrente do Brasil. Por força do Decreto n. 857/1969, ficou proibido definitivamente o
pagamento de título de crédito em moeda estrangeira, salvo algumas exceções do art. 2°.
13
Assim, a letra de câmbio e a nota promissória referentes a operações
internacionais poderiam ser emitidas em moeda estrangeira, mas deveriam ser pagas em
moeda nacional. A Medida Provisória n. 1.540-29, de 02/10/1997 revogou os §§ 1° e 2° do
art. 957 do Código Civil de 1916. Por seu turno, o Código Civil de 2002 (art. 318) considera
nulo o pagamento de dívidas em ouro ou em moeda estrangeira.
Em síntese, considerando a adoção da reserva (art. 7°, Anexo II da LUG) e a
superveniência dos diplomas citados, o título de crédito em exame pode ser emitido em
moeda estrangeira, caso isso seja estipulado entre as partes em contratos internacionais,
mas o pagamento deve ser efetivado através de moeda nacional, após conversão (art. 41,
primeira alínea, da LUG, Decreto n. 857/1969 e Código Civil de 2002, art. 318). Sobre o
tema, inclusive, já se decidiu o seguinte:
CAMBIAL - Nota promissória expressa em moeda estrangeira - Mútuo - Contrato de repasse de crédito celebrado com estabelecimento de crédito do exterior - Nulidade inexistente - Inteligência do art. 20, IV e V, do Dec.-lei 857/69 (STF - RT 611/245).
Embargos do devedor. Contrato de compra e venda de imóvel. Notas promissórias indexadas em dólar americano. Possibilidade. Títulos assinados em branco. Preenchimento posterior em conformidade com o pacto celebrado. 1. É possível a indexação de contrato em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado em moeda nacional. 2. "A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto." (Súmula 387, STF). Apelação não-provida. (TJPR - 15ª C.Cível - AC 0448248-2 - Foz do Iguaçu - Rel.: Des. Hamilton Mussi Correa - Unânime - J. 14.11.2007)
Também em razão de reserva, o art. 38 da LUG estipula o prazo de até 02
(dois) dias para que os títulos sejam apresentados para pagamento, após o vencimento. No
Brasil os títulos devem ser apresentados no próprio dia do vencimento, conforme art. 20 do
Decreto n. 2.044/1908.
Permanecem em vigor os seguintes artigos do Decreto n. 2.044/1908, em
razão de omissão da LUG ou de reservas subscritas pelo Brasil:
I) art. 3°, referente a títulos sacados de forma incompleta; II) o art. 10, que trata da pluralidade de sacados; III) o art. 14, que permite o aval antecipado; IV) o art. 19, II, que trata do vencimento da letra de câmbio ou nota promissória em decorrência de falência (reserva do art. 10, Anexo II); V) o art. 29, que trata dos requisitos do instrumento de protesto; VI) o art. 33, que trata da responsabilidade civil do Oficial do Tabelionato de Protestos, pois no Brasil aplica-se a Lei n. 9.492/1.997 (art. 38); VII) o art. 36, que trata da ação de anulação de títulos de crédito; VIII) o art. 48, relativo a títulos prescritos; IX) o art. 54, I, referente à expressão "nota promissória", em razão da reserva do art.19, anexo II.
14
II) ELEMENTOS DA LETRA DE CÂMBIO
a) SAQUE DA LETRA DE CÂMBIO
O saque é o ato cambial de criação do título de crédito. Quem pratica o saque
é o sacador (emitente), que dá uma ordem para que outrem, chamado sacado, pague
determinada quantia a um terceiro, chamado tomador (ou beneficiário). Permite-se o saque
em favor do próprio sacador, ou seja, beneficiando aquele que emitiu a cambial contra o
sacado.
A doutrina distingue a criação (ato de preenchimento e assinatura do título
pelo sacador) da emissão (ato de entrega do título ao tomador) da cambial. Somente se
houver saque é que o título surtirá efeito no mundo jurídico. A distinção somente é
pertinente se, por exemplo, houver furto ou roubo da letra de câmbio antes da entrega ao
tomador, pois é possível que o sacador tenha se arrependido do saque.
O sacador deve atentar para os requisitos legais da letra de câmbio, que são
classificados essenciais e não-essenciais, conforme sejam ou não imprescindíveis à sua
validade.
REQUISITOS ESSENCIAIS
Para que os títulos de crédito tenham validade, necessário se faz que estejam
presentes, principalmente quando sacados (emitidos), os requisitos essenciais intrínsecos
(ou subjetivos) e extrínsecos (ou formais).
São requisitos intrínsecos aqueles relativos a qualquer ato jurídico, previstos
no art. 104 do Código Civil: I) agente capaz; II) objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III) forma prescrita ou não defesa em lei. A emissão (saque) e os demais atos
cambiais constituem manifestações da vontade de credores e devedores, de modo que
devem obedecer a tais requisitos.
São requisitos extrínsecos aqueles previstos na Lei Cambial, sem os quais o
documento não será considerado título de crédito. De acordo com o art. 1 ° da LUG, a letra
de câmbio deve conter:
I. a expressão "letra de câmbio" inseria no texto, na língua empregada para sua redação. É
o que se convencionou chamar de “cláusula cambiária”, que é a identificação do tipo de
título de crédito que se quer gerar. Embora a tradução para o português da LUG trate
apenas da "letra" (arts. 1°, 2° e 3° da LUG), no Brasil somente tem sido admitido o título que
conste a expressão "letra de câmbio". Em verdade, houve erro de tradução dos textos
originais genebrinos, que estavam em inglês e francês.
Para Luiz Emygdio Franco da Rosa Jr., contudo, deve ser admitido como válido
o título que contenha apenas a expressão "letra", pois não se pode exigir do homem comum
que conheça os textos originais de 1930, em inglês e francês.
15
II. ordem incondicionada de pagar quantia determinada. Se houver condição, não será uma
letra de câmbio. A jurisprudência, na maioria dos casos, tem admitido a letra de câmbio
indexada (por exemplo, em antigas Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional- ORTNs),
pois, para se obter a "quantia determinada" basta uma mera conversão. O extinto Tribunal
de Alçada Civil de São Paulo decidiu favoravelmente a essa tese:
"CAMBIAL - Nota promissória - Valor do débito expresso em ORTN -Possibilidade -Título executivo hábil (1° TACivSP - RT 579/113).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua vez, concluiu que: "CAMBIAL -
Nota promissória - Emissão em ORTN - Descaracterização - Embargos à execução acolhidos" (TAMG -
RT 604/188).
Se a letra é emitida à vista ou a certo termo da vista (do aceite), pode-se
cobrar juros (art. 5° da LUG). Essa regra conflita com o disposto no art. 890 do Código Civil,
relativo a todos os títulos de crédito, que, expressamente, proíbe a cláusula de juros:
"Art. 890. Consideram-se não escritas no título a cláusula de juros , a proibitiva de endosso, a excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de termos e formalidade prescritas, e a que, além dos limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e obrigações" (grifos nossos)
Tendo em vista que o próprio Código Civil (art. 903) estabelece que
permanecem em vigor as "disposições diversas" previstas em leis especiais, prevalece o
texto da LUG, de modo que na letra de câmbio e na nota promissória pode constar a
cláusula de juros, se houver consenso entre as partes.
Havendo divergência entre os números e o extenso do valor devido, prevalece
o valor escrito por extenso, exceto se ficar claro que houve rasura, quando então o devedor
ou coobrigado não deve pagar a importância.
III. o nome do sacado, ou seja, daquele que deve pagar o valor do título, e a
quem a ordem é dada pelo sacador. Por força da lei n. 6.268/1975 (art. 3°), também deve
constar a identificação do sacado pelo número de sua carteira de identidade (Registro Geral
- RG), de sua inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do Ministério da Fazenda, do
título de eleitor ou de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
IV. a pessoa a quem deve ser paga a letra (tomador). Não existe letra de câmbio ao portador.
V. data do saque.
VI. a assinatura do sacador de próprio punho ou por procurador com poderes
expressos. Não é permitida a rubrica mecânica (só em cheque e duplicata).
O sacador é garantidor do aceite e do pagamento, de modo que responderá,
como coobrigado, se o sacado não apuser sua assinatura ou não pagar.
É possível estipular em contratos a chamada "cláusula mandato" pela qual um
terceiro fica autorizado a emitir o título (por exemplo, A pode emitir em favor de B uma letra
de câmbio contra C). Mas, de acordo com a jurisprudência, em contratos bancários de
16
mútuo não pode ser procurador do cliente o próprio banco ou empresa coligada. É o que
determina a súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça: É nula a obrigação cambial assumida
por procurador do mutuário vinculada ao mutuante, no exclusivo interesse deste". Esse
entendimento, aliás, é devido ao disposto no art.51, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor.
REQUISITOS NÃO ESSENCIAIS (SUPRÍVEIS OU EQUIVALENTES)
Alguns requisitos podem ser supridos por informações constantes do próprio
título, de modo que não são considerados essenciais à sua validade. São eles:
I. Época do pagamento: à sua falta, considera-se o título pagável à vista.
II. Lugar do pagamento: à sua falta considera-se pagável no lugar mencionado ao lado do
nome do sacado, ou seja, o endereço deste. Também pode ser designado o endereço de um
terceiro (por exemplo, um determinado banco) como lugar do pagamento. É a "letra de
câmbio domiciliada".
III. Lugar do saque: à sua falta, considera-se que o título foi emitido no Lugar mencionado ao
lado do nome do sacador (emitente).
Se não houver nenhum endereço, o título não será uma letra de câmbio,
exceto se completado oportunamente, antes da execução ou protesto, pelo credor de boa-fé
(art. 3° do Decreto n. 2.044/1908, art. 891 do Código Civil e Súmula 387 do Supremo
Tribunal Federal).
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b) ACEITE
É o ato praticado pelo sacado da letra de câmbio, pelo qual concorda em
cumprir a ordem que o sacador lhe dirigiu. Trata-se de ato cambial que depende
exclusivamente da vontade do sacado, que não está obrigado a aceitar a ordem, ainda que
seja devedor do sacador.
O aceite é efetivado com a assinatura da cambial no anverso (face), mas nada
impede que seja aposto no verso, desde que devidamente identificado (por exemplo, o
sacado escreve "aceito pagar" e assina).
A recusa do aceite é lícita, mas se a dívida realmente existir estará
automática e antecipadamente vencida, se não coincidir com a data do vencimento
convencional (à vista). O tomador (beneficiário) pode protestar o título e cobrar o valor do
sacador, que passa a ser coobrigado do título em razão da recusa.
O ato pelo qual o beneficiário (ou detentor em nome deste) submete o título a
aceite ao sacado é chamado de apresentação.
Nos termos do art. 56 da LUG, pode haver aceite por intervenção, pelo qual
um terceiro (estranho ao título ou coobrigado), mediante anuência do portador da letra,
intervém para aceitá-lo pelo sacado que o recusou.
ESPÉCIES DE ACEITE
O aceite pode ser total ou parcial.
Considera-se total o aceite quando o sacado concorda em pagar o valor
constante no título, sendo, portanto, o aceite comum, e parcial (ou qualificado) quando o
sacado não concorda com algum aspecto do título.
Há dois tipos de aceite parcial: o limitativo, pelo qual o sacado concorda em
pagar uma parte do valor do título (por exemplo, título de R$ 100.000,00 e o sacado
somente concorda em pagar R$ 80.000,00), responsabilizando-se pelo que aceitou; e
modificativo, pelo qual o sacado altera as condições do título (local e data do vencimento,
por exemplo).
Nos dois casos ocorre o vencimento antecipado do título, sendo que no aceite
limitativo o beneficiário pode:
I. cobrar na data da recusa parcial tudo do sacador, que cobrará do aceitante, no
vencimento;
II. cobrar na data da recusa do aceite uma parte do sacador e outra do aceitante;
III. cobrar, no dia do vencimento, uma parte do sacador e o restante do aceitante. Se o
sacado não aceitar, o título também se vence antecipadamente.
CLÁUSULA NÃO-ACEITÁVEL
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É a cláusula que o sacador pode inserir na cártula para que o tomador
(beneficiário) não a apresente ao sacado, antes do vencimento do título. Com essa cláusula,
portanto, não há vencimento antecipado da letra de câmbio (art. 22 da LUG).
CANCELAMENTO DO ACEITE
Após aceitar a letra de câmbio, o aceitante (sacado) pode, antes de devolvê-la
ao tomador, riscar seu aceite. Neste caso, após a devolução do título ao tomador ou ao seu
representante, ocorrerá o vencimento antecipado do título (art. 29 da LUG).
PRAZOS DE APRESENTAÇÃO PARA O ACEITE
O título deve ser apresentado para aceite conforme o vencimento, que pode
ser à vista ou a prazo. Assim, devem ser obedecidos os seguintes prazos (arts. 21/23 da
LUG):
I. à vista - é a letra de câmbio paga sem qualquer prazo, ou seja, contra-apresentação.
Neste caso não é necessário o efetivo aceite, pois o título é apresentado apenas para
pagamento imediato ou em até um ano contado do saque.
II. a certo termo da vista - é aquela cambial que se vence a partir de um certo prazo que
começa a ser contado do aceite (por exemplo, letra de câmbio vencível após 2 anos do
aceite). Neste caso, o título é apresentado duas vezes: uma para aceite e outra para
pagamento. O título deve ser apresentado no prazo máximo de um ano, se não houver
prazo menor ou maior estipulado pelo sacado r, pois ao contrário a cambial perderá efeito
como título executivo (art. 34 da LUG). Nesse caso, não é cabível a cláusula "não aceitável",
pois se fosse possível o título não teria termo inicial de vencimento.
III. a certo termo da data - é aquela cambial que se vence em determinado termo a partir
do saque. Neste caso, a apresentação da cambial deverá ser feita até o vencimento.
IV. a data certa - é aquela que se vence numa data do calendário e também deve ser
apresentada até a data do vencimento.
PRAZO DE RESPIRO
O sacado pode pedir ao beneficiário que o título lhe seja apresentado
no dia seguinte, para que possa decidir quanto ao aceite ou, dependendo do caso, também
sobre o pagamento (art. 24 da LUG). Neste caso, o prazo para eventual protesto passará a
contar desta última data.
RETENÇÃO INDEVIDA DO TÍTULO
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O título não deve ser deixado com o devedor, pois este pode alegar que já
efetuou o pagamento. Mas se o sacado retém indevidamente (antes de aceitar ou pagar,
quando lhe é apresentado), o tomador poderá requerer ao juiz que decrete a sua prisão
administrativa (art. 885 do Código de Processo Civil), pelo prazo máximo de 90 dias (art.
886). O devedor poderá ser solto a qualquer tempo, se o título for devolvido, for pago o seu
valor, se não se iniciar a ação penal dentro do prazo legal (art. 305 do Código Penal),
quando o requerente desistir do pedido ou quando não for proferido julgamento dentro de
90 dias da execução do mandado.
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c) ENDOSSO
NOÇÕES
Endosso é o ato de transferência de título de crédito nominativo à ordem. O
endosso efetiva a transferência do crédito e, evidentemente, da própria cártula. Todos os
títulos com cláusula "à ordem" ou sem a cláusula "não à ordem" são passíveis de
transferência por endosso.
Os títulos de crédito com a cláusula "não à ordem" transferem-se por cessão
civil de crédito, ou seja, contrato escrito. Essa cláusula, de natureza civil (e não cambial)
pode ser escrita pelo sacador ou pelo tomador (beneficiário), para evitar a circulação do
título, mas mesmo assim é possível a transferência. Se for inserida a cláusula pelo
endossante, o endossatário fica proibido de apor novo endosso.
Se houver cessão, o sacador ou o endossante o que inseriu a cláusula não à
ordem somente é garantidor do pagamento ao tomador ou endossatário, respectivamente.
O pagamento, portanto, não será garantido pelo sacador e endossante ao cessionário, que
poderão, contudo, ser cobrados. O cessionário dependerá mesmo dos termos do contrato de
cessão civil (arts. 295 e 296 do Código Civil).
Podem ser apontadas duas diferenças entre o regime cambiário e o regime da
cessão civil:
I) havendo endosso, o endossante responde pela existência do crédito e pela solvência do
devedor (pois é coobrigado do título de crédito), enquanto o cedente (tomador ou
endossatário proibido de endossar) responde apenas pela existência do crédito (ou seja, que
não existe falsidade) em relação ao cessionário, que poderá executar o sacado ou
endossante (art. 15 da LUG);
II) o sacado ou endossante, em razão do sub-princípio da inoponibilidade das exceções
pessoais aos terceiros de boa-fé, não pode alegar em relação ao endossatário defesas não
pertinente.s a este, enquanto na cessão, que é uma relação entre o cedente e o cessionário
de natureza civil, o sacado ou endossante, se executado, poderá alegar qualquer matéria
nos seus embargos (por exemplo, que o negócio foi rescindido).
O endosso introduz duas novas figuras no título de crédito:
I) endossante - que transfere o título e o crédito;
II) endossatário - que é o beneficiário do endosso, que também pode se tornar endossante
se quiser transferir o título, exceto se inserida a cláusula não à ordem.
Veja-se o quadro comparativo adiante:
ATO SOLENE DE TRANSMISSÃO
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ENDOSSO CESSÃO CIVIL DE CRÉDITOAto unilateral, que se impõe forma escrita Ato bilateral, que pode se concluir de qualquer
formaNo verso do título o credor deve assinar: a) sem escrever nada em cima; b) ou pode o credor original (endossante) assinar e escrever “a ordem”.
No verso do título o credor original deve: a) escrevendo “não a ordem” (cedente).
Efeitos: serve para transmitir o título e todos os direitos nele incorporados; quem transmite o título também se torna garantidor solidário. O endossante responde pela existência do crédito e pela solvência do devedor (pois é coobrigado do título de crédito)
Efeitos: serve apenas para transmitir o título. O cedente (tomador ou endossatário proibido de endossar) responde apenas pela existência do crédito (ou seja, que não existe falsidade) em relação ao cessionário, que poderá executar o sacado ou endossante (art. 15 da LUG);
Em razão do sub-princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, não pode alegar em relação ao endossatário defesas não pertinentes a este, apenas diretamente contra o endossante que lhe transferiu o título.
Relação entre o cedente e o cessionário de natureza civil, o sacado ou endossante, se executado, poderá alegar qualquer matéria nos seus embargos (por exemplo, que o negócio foi rescindido). Art. 294, CC/02.
Há duas espécies de transferência que não geram a obrigação cambiária de
pagamento do valor ao credor do título, pois são consideradas cessões civis de crédito:
I. endosso com cláusula não à ordem: é o endosso (mencionado anteriormente) pelo
qual o endossante não se responsabiliza pelo pagamento do valor aos credores do
endossatário (cessionários) que se sucederem (art. 11 da LUG).
II. endosso tardio ou póstumo: é aquele efetivado após o protesto por falta de
pagamento ou após a expiração do prazo para protesto. Neste caso, o endosso também
funciona como simples cessão civil de crédito. O protesto pode ser requerido por falta de
pagamento, após o vencimento do título, em dois dias úteis (art. 44 da LUG), ou após a
apresentação para aceite, em caso de recusa do sacado (art. 20 da LUG).
EFEITOS DO ENDOSSO
O endosso produz dois efeitos: I) toma o endossatário credor do título, com a
transferência da sua propriedade; II) toma o endossante co-devedor do título. O endossante
responde pelo título, juntamente com o devedor principal (sacado) e coobrigados (sacador,
outros endossantes e avalistas).
Com o endosso, quem transmite o título está se obrigando pelo pagamento
(bonitas) e também responde pela existência do crédito (veritas), conforme anteriormente
mencionado.
FORMA E LOCAL de APOSIÇÃO DO ENDOSSO
O endosso deve ser aposto no verso (atrás do título), bastando o endossante
assinar ou assinar e escrever o nome do endossatário (por exemplo, "pague-se" ou "pague-
se a José Manoel), conforme se tratar de endosso em branco ou em preto, respectivamente.
O endosso também pode ser aposto no anverso (na parte frontal) do título.
Neste caso, o endossante deve indicar o ato cambiário, através de alguma expressão (por
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exemplo, "pague-se" ou "pague-se a João de Tal"), pois o aval e o aceite também são
apostos no anverso do título.
MODALIDADES DE ENDOSSO
O endosso pode ser "em branco" ou "em preto".
O endosso em branco é aquele que não identifica o endossatário,
consistindo apenas na simples assinatura do endossante ou na sua assinatura com alguma
expressão indicadora.
Para Rubens Requião, todavia, o endosso em branco não é mais cabível no
direito brasileiro, em razão do disposto no art. 19 da Lei n. 8.088/1990, o qual determina
que "todos os títulos, valores mobiliários e cambiais serão emitidos sempre sob a forma
nominativa, sendo transmissíveis somente por endosso em preto". Além disso, ensina o
saudoso professor, apesar de o Código Civil admitir o endosso em branco (arts. 913 e 921),
a legislação especial continua prevalecendo.
Para Fábio Ulhoa Coelho, o endosso em branco ainda existe no direito
cambiário brasileiro, pois o art. 1° da Lei n. 8.021/1990, que impede a emissão de títulos ao
portador, não revogou a Lei Uniforme de Genebra, principalmente porque o Brasil não
denunciou a Convenção de 1930.
Embora a tese de Rubens Requião seja decorrente da lei citada, é impossível
controlar a seqüência de transferências do título que tenha endosso em branco. Isto porque
o endossatário de uma cambial com endosso em branco poderá transferi-la por mera
tradição, e então não ficará na situação de coobrigado. Ademais, a Lei Uniforme de
Genebra, que é especial, admite o endosso em branco (art. 14, primeira alínea). Se houver
endosso em branco, no momento do pagamento ou execução é obrigatório identificar o
último beneficiário, conforme a LUG.
O endosso em preto é aquele que identifica o endossatário (por exemplo,
"pague-se a Walter dos Santos"). Neste caso, o endossatário também pode transferir a
cambial mediante outro endosso, se não houver cláusula "não à ordem".
ESPÉCIES DE ENDOSSO
Existem várias espécies de endosso, alguns proibidos e outros criados em
razão do desenvolvimento da atividade bancária.
I. endosso pleno (próprio ou translatício) - é o endosso comum, em preto ou em branco,
pelo qual o endossante transfere a propriedade do crédito e o respectivo título (art. II da
LUG).
23
II. endosso-procuração (ou endosso-mandato) - é uma espécie de endosso impróprio
que apenas confere ao endossatário o direito de cobrar o valor do título do devedor. O
endossante continua sendo proprietário do crédito (art. 18 da LUG e art. 917 do CC/02).
III. endosso-caução (ou pignoratício) - é um endosso impróprio que não transfere a
propriedade do título, representando penhor dos direitos nele constante. Trata-se de
endosso que apenas garante o pagamento de uma obrigação contratual contraída pelo
endossante perante terceiro. Se houver cumprimento da obrigação pelo endossante-
devedor, o título deverá ser devolvido pelo endossatário (por exemplo, banco concede um
empréstimo e exige que a sociedade empresária lhe entregue títulos de crédito para
garantir o pagamento). Somente haverá apropriação do crédito se o endossante-devedor
não cumprir a obrigação original (art. 19 da LUG).
IV. endosso ao portador: discrimina, pague-se ao portador. Ex: Pague-se ao portador,
Alexandre Silva. Obs: o endosso em branco é diferente ao portador. Se o deixei em branco
como fazer para que ele circule ao portador ou nominativo? Para ser sempre ao portador,
deve estar escrito “ao portador.”
V - endosso condicional - é considerado como não-escrito (por exemplo, "pague-se, se for
entregue a mercadoria"). O título é transferido e a condição é tida como se não existisse,
sendo que o valor pode ser cobrado normalmente no vencimento (art. 12 da LUG).
VI. endosso limitado (ou parcial) - é o que transfere parte do valor da cambial ao
endossante. É proibido o endosso limitado, ao contrário do aceite limitativo que apenas
acarreta o vencimento antecipado do título.
24
d) AVAL
CONCEITO
Aval é o ato cambiário pelo qual uma pessoa, denominada avalista (ou dador
de aval), garante o pagamento de um título de crédito em favor de outrem, que é o
avalizado. Todo aquele que pode cobrar do avalizado, também pode cobrar do avalista. O
avalista é devedor do título "da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada" (art. 32 da
LUG). Obviamente, deveria constar no texto referido a expressão "avalizada", e não
"afiançada".
Podem ser avalizados o sacador, o sacado, o endossante e o avalista. Cada
avalista responde pelo seu avalizado, e não pelos demais coobrigados.
O aval é garantia formalmente dependente, pois deve constar no anverso ou
no verso do título, neste caso com uma expressão indicadora (por exemplo, "por aval" ou
"bom para aval"), e substancialmente autônoma, pois o avalista deve pagar, se os demais
coobrigados não pagarem.
O aval difere da fiança. A fiança é dada para garantir obrigações constantes
em contratos, enquanto o aval é prestado para garantir obrigações cambiárias. A fiança
segue a sorte da obrigação principal, enquanto o aval é obrigação autônoma. Se a obrigação
é nula (por exemplo, contraída por incapaz) a fiança é nula. Se uma obrigação do título é
nula (por exemplo, endosso dado por menor) o aval não será nulo.
Apesar das diferenças, a fiança e o aval dependem da autorização do cônjuge
(art. 1.647, III, do Código Civil). Trata-se de novidade, pois até 2003 somente a fiança
dependia da outorga do cônjuge. Inclusive, caso não obtida a autorização, qualquer um dos
cônjuges pode demandar a rescisão dos contratos de fiança ou a invalidação do aval (art.
1.642, IV).
Ainda sobre o aval, estabelece o Código Civil o seguinte:
"Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação, ao emitente ou devedor final.
§ 1º Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados anteriores.
§ 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma."
Tais regras, em síntese, repetem as normas constantes em leis especiais.
FORMA E LOCAL DE APOSIÇÃO DO AVAL
25
O aval pode ser aposto:
a) no anverso (face) do título - é a regra geral, bastando a assinatura. Pode também ser
indicado com a expressão "por aval", em branco ou em preto. Aliás, qualquer assinatura
aposta na frente do título, que não seja do sacador nem do sacado, é considerada aval;
b) no verso - é forma facultativa, mas o ato. cambiário deve ser identificado (por exemplo,
"por aval", se em branco, ou "por aval de José da Silva", se em preto). Isso porque o verso é
local próprio do endosso.
O Código Civil de 2002 estipula o seguinte:
"Art. 898. O aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.
§ 1º Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assinatura do avalista.
§ 2º Considera-se não escrito o aval cancelado."
Trata-se de regras que reproduzem o sistema válido para a letra de câmbio,
nota promissória, cheque e duplicata.
MODALIDADES DE AVAL
O aval na letra de câmbio pode ser "em branco" ou "em preto":
I. Aval em preto: identifica o avalizado (por exemplo, "por aval a João da Silva"), no verso ou
anverso do título.
I. Aval em preto: identifica o avalizado (por exemplo, "por aval a João da Silva"), no verso
ou anverso do título.
II. Aval em branco: garante o pagamento do título, mas não identifica o avalizado. Basta a
simples assinatura no anverso ou assinatura e a expressão "por aval", no verso ou anverso.
Na letra de câmbio e na nota promissória, quando não indicado o avalizado, considera-se
que o aval foi dado em favor do sacador (arts. 31 e 77 da LUG).
No cheque, considera-se que o aval foi prestado em favor do emitente, que é
o sacador (art. 30, parágrafo único, Lei n. 7.357/1985). Na duplicata, se não for indicado o
favorecido, considera-se que o aval foi concedido em favor daquele abaixo de cuja firma o
avalista lançar a sua, e nos demais casos entende-se que foi prestado em favor do
comprador, que é o devedor final do título (art.12 da Lei n. 5.474/1968).
AVAL ANTECIPADO
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O aval antecipado é aquele obtido antes do aceite, ou seja, antes do sacado
aceitar, ou antes do endosso, isto é, antes da assinatura do endossante e antes do título ser
transferido ao endossatário.
No primeiro caso, subsiste o aval como garantia autônoma, até porque o título
já estará em poder do beneficiário. No segundo caso, de acordo com Rubens Requião, não é
válido se o título não for endossado, pois nenhuma obrigação acarreta ao portador da
cambial, que, inclusive, é o credor.
AVAL LIMITADO (OU PARCIAL)
A LUG admite o aval de parte do crédito (art. 30), sendo que o avalista
responde pelo que avalizou. O Código Civil, contudo, proíbe tal espécie de aval:
"Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.
Parágrafo único. É vedado o aval parcial."
A LUG (art. 30), relativa à letra de câmbio e nota promissória, e a Lei do
Cheque (art. 29), que são especiais, permitem a aval parcial, pelo qual o avalista responde
apenas por parte do valor do título. Assim, a regra supra do Código Civil não é aplicável a
tais títulos.
AVAIS SIMULTÂNEOS E SUCESSIVOS
Em qualquer título de crédito pode haver vários avais superpostos (um acima
do outro), sendo necessário aferir a quem foram prestados. Os avais em preto superpostos
podem ser simultâneos (co-avais), se os avalistas garantirem a obrigação de um devedor ou
coobrigado do título, ou sucessivos, se os avalistas garantirem a obrigação de um devedor
ou coobrigado e tiverem as suas obrigações também garantidas por aval. Os avalistas
simultâneos podem ser instados a ratear o total devido, se o avalizado não efetuar o
pagamento, enquanto os avalistas sucessivos garantem o pagamento do título em favor do
seu avalizado (são avalistas de avalistas).
Mas é possível que os avais sejam em branco, gerando dúvidas sobre quem
foi beneficiado. Nos termos da súmula 189 do STF, "avais em branco e superpostos
consideram-se simultâneos e não sucessivos". Destarte, se houver vários avais em branco
superpostos, os diversos avalistas responderão pela total da dívida e aquele que pagou
pode tentar cobrar proporcionalmente as partes devidas pelos demais.
Há entendimento no sentido de que a súmula citada somente seria aplicável á
duplicata (em que os avais em branco beneficiam aquele abaixo de cuja firma o avalista
lançar a sua ou o devedor final, nos demais casos), pois em tal título poderia haver confusão
27
sobre o beneficiário dos avais superpostos em branco. Ocorre que a qualificação dos
mesmos avais como simultâneos têm importância para os diversos co-avalistas, de modo
que se trata de questão que diz respeito a todos os títulos de crédito.
Avais simultâneos são, portanto, aqueles prestados por duas ou mais pessoas
em favor do mesmo devedor. Se Manoel e Joaquim prestam aval em branco na mesma letra
de câmbio, são ambos avalistas do sacador (emitente) Antonio. Se um deles pagar a dívida
ao tomador (beneficiário), pode cobrar a metade do outro ou o total de Antonio, em função
da solidariedade. Em outras palavras, nos avais simultâneos os avalistas são coobrigados e,
por isso, devem a mesma proporção da dívida entre eles.
A Súmula 189 do STF, que reproduz o art. 35 da LUG, foi editada porque havia
quem entendesse que os avais em branco superpostos eram sucessivos e não simultâneos
(Magarinos Torres, Whitaker e Pontes de Miranda).
PAGAMENTO DO TÍTULO PELO AVALISTA
Os avalistas dos coobrigados na letra de câmbio, nota promissória e duplicata
somente podem ser executados em caso de inadimplência do devedor, antes da ocorrência
da prescrição e se o título estiver devidamente protestado (salvo cláusula "sem despesa",
também chamada "sem protesto"), no prazo previsto em lei (arts. 43, 44 e 77 da LUG e art.
13 §4° da lei n. 5.474/1985). Em relação ao cheque, a declaração de insuficiência de fundos
da câmara de compensação basta para garantir os direitos do beneficiário ou endossatário
contra o avalista (art. 47, 11, lei n. 7.357/1985), sendo facultativo o protesto.
O devedor principal e seus avalistas podem ser executados
independentemente do protesto. Assim, o protesto é realmente necessário na letra de
câmbio e nota promissória para o credor garantir direitos contra o sacador, endossantes e
seus avalistas, bem como em caso de pedido de falência. No último caso, é necessário tirar
o protesto por impontualidade para fim falimentar (art. 94 §3° da lei n. 11.101/2005).
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO CAMBIÁRIO
Em regra, o crédito representado por título é exigível a partir do vencimento.
Existem duas espécies de devedores da letra de câmbio: o principal, que é o sacado-
aceitante, e os coobrigados, que são o sacador, os endossantes e os avalistas.
Para se tornar exigível o crédito cambiário contra o devedor principal e seu
avalista, basta o vencimento do título. Em relação aos demais coobrigados, necessário se
faz a recusa do pagamento do devedor principal, cuja prova é realizada mediante um ato
formal denominado protesto.
Se não houver protesto regular (por exemplo, fora do prazo), o credor do
título não pode propor ações contra o coobrigado, mas somente contra o devedor principal e
seu avalista. O coobrigado que paga um título, todavia, tem direito de regresso contra os
28
anteriores, ou seja, aqueles que se comprometeram antes dele, mas não contra os
posteriores.
29
e) VENCIMENTO DO TÍTULO
Considera-se vencimento a ocorrência de alguma causa jurídica que acarreta
a exigibilidade de crédito representado por um título.
ESPÉCIES DE VENCIMENTO
Há duas espécies de vencimento:
I) ordinário - é o prazo estipulado no próprio título (como, por exemplo, em 30 dias da data
da vista). O vencimento ordinário pode ser à vista, a certo termo da vista (aceite), a certo
termo da data (saque) e a data certa (dia do calendário comum).
II) extraordinário - ocorre em razão da falência ou recusa do aceite pelo sacado (art. 43 da
LUG e art. 19, II, do Decreto n. 2044/1908).
No caso de falência, é necessário verificar quem faliu para se saber se há
vencimento de uma ou de todas as obrigações. O vencimento é antecipado em relação a
todas as obrigações se quem faliu foi o devedor principal (sacado), de modo que o credor do
título poderá habilitar seu crédito no processo falimentar ou executar outros coobrigados. Se
quem faliu foi um coobrigado (sacador ou endossante) ou seu avalista, o vencimento se
opera em relação a este.
CONTAGEM DOS PRAZOS DE VENCIMENTO
São adotadas as seguintes normas em relação ao vencimento:
I. O prazo mensal conta-se pelo mês. Destarte, se o prazo de vencimento é de dois meses
contados a certo termo da data (saque) ou da vista (aceite), é necessário verificar em qual
dia iniciou-se a contagem. Assim, se o saque ou o aceite ocorreu em 2 de março, considera-
se vencido o título no mesmo dia do mês de maio.
II. Meio mês significa o lapso de 15 (quinze) dias. Por isso, se o vencimento ocorreu em 2
(dois) meses e meio, é necessário contar o mesmo dia do segundo mês, mais 15 (quinze)
dias.
III. Início, meio e fim do mês devem ser entendidos como 01, 15 e último dia do mês (art. 36
da LUG).
FALTA DE DATA DE ACEITE NA CAMBIAL A CERTO TERMO DE VISTA
Se o aceitante não apuser data de aceite na cambial a certo termo de vista
(aceite), três alternativas são cabíveis:
I. O credor de boa-fé pode simplesmente datar a cambial (Súmula 387 do Supremo Tribunal
Federal e art. 891 do Código Civil).
30
II. O credor pode optar pelo protesto por falta de aceite . O sacado (aceitante), que não datou
o título, será intimado pelo Tabelionato de Protestos para vir praticar o ato e se não
aparecer ou não o fizer considera-se a data do protesto como termo a quo do vencimento.
III. O credor poderá aguardar um ano da data do saque e passar a contar o prazo de
vencimento. Isso porque a lei considera que o aceite ocorreu no último dia possível para
apresentação, que é de 1 (um) ano da data saque.
31
f) PAGAMENTO
Pagamento é o ato pelo qual são extintas algumas ou todas as obrigações da
cambial. Se o pagamento é feito pelo sacado, todas as obrigações são extintas. Se o
pagamento é feito por um coobrigado, são extintas as obrigações dele e dos coobrigados
posteriores. Assim, se, por exemplo, houver cinco endossantes, caso o terceiro pague o
quarto e quinto ficam desobrigados.
PRAZO DE PAGAMENTO
A data do pagamento varia de acordo com o país em que tal ato deve ser
efetuado. A cambial a ser paga no Brasil deve ser honrada no dia do vencimento. Se não for
dia útil (dia em que não há expediente bancário), considera-se como data do vencimento o
primeiro dia útil subseqüente (art. 20 do Decreto n. 2.044/1908 e art. 12, §2° da Lei n.
9.492/1997).
A cambial a ser paga no exterior deve ser apresentada no dia do vencimento
ou nos dois dias posteriores, úteis ou não (art. 38 da LUG). Há, contudo, entendimento no
sentido de que tanto a letra pagável no Brasil como aquela pagável no exterior devem ser
apresentadas para pagamento no dia do vencimento ou nos dois dias úteis posteriores.
Se a cambial não for apresentada no dia do vencimento, qualquer coobrigado
pode depositar em juízo o valor, respondendo o credor pelas despesas.
CAUTELAS NO PAGAMENTO
Em razão do princípio da literalidade cabe ao devedor exigir a quitação do
credor, no próprio título. Por força do princípio da cartularidade, aquele que pagou também
deve exigir a entrega do título no momento do pagamento. Isso porque a inobservância de
tais cautelas pode levar o credor, que não quitou e não devolveu a cártula, a endossar o
título, por má fé ou erro, obrigando o devedor a efetuar um novo pagamento, em razão do
princípio da autonomia cambial.
O pagamento parcial é cabível, desde que feito pelo aceitante, não podendo
ser recusado pelo credor, que continuará na posse da cártula após lançar a quitação parcial.
Todos os demais coobrigados podem ser cobrados em relação ao que faltar, se o título for
protestado.
Se quem efetuou o pagamento total foi um coobrigado, seu nome e os nomes
dos coobrigados posteriores podem ser riscados.
32
O pagamento pode ser recusado pelo devedor se ocorrer justa causa, como,
por exemplo, quando ele souber do extravio do título ou da falência do credor. Neste caso,
se o devedor pagar, pode ser demandado pela massa falida.
LOCAL DO PAGAMENTO
A obrigação cambiária tem natureza quesível (quérable), de modo que o
credor deve procurar o devedor para a satisfação de seu crédito, até porque o título pode
ser transferido a várias pessoas mediante endosso, sendo impossível ao devedor, às vezes,
saber a quem deve efetuar o pagamento.
A jurisprudência, contudo, já considerou legal o costume pelo qual a
instituição financeira credora convida o devedor a efetuar o pagamento em uma de suas
agências. Neste caso, a dívida toma-se portável (portable), pois o devedor tem a obrigação
de procurar o credor em seu domicílio.
33
g) PROTESTO
PRESSUPOSTOS
O cumprimento inequívoco das obrigações é extremamente importante para o
direito cambiário, devendo seus atos ser demonstrados de maneira inequívoca, como, por
exemplo, a negativa de apresentação de um aceite ou para pagamento, posto que tal prova
somente poderia ser colhida judicialmente.
Como o direito cambiário requer celeridade e efeitos instantâneos, nos
problemas relativos à circulação da letra, determina-se a realização de atos perante o
serventuário, com fé pública. O protesto constitui precisamente um ato oficial e público que
comprova a exigência a exigência do cumprimento daquelas obrigações cambiárias,
constituindo-se em prova plena.
DEFINIÇÃO
É tratado no art. 28 Decreto 2.044/1908, com a Lei n. 9.492, de 10 de
setembro de 1997, definindo o protesto como sendo “ato formal e solene destinado a provar
inadimplência e descumprimento de obrigação originada de títulos e outros documentos”,
confirma a natureza clássica do protesto de títulos, bem como na Lei 9.492/97 (Lei de
Protestos).
Como bem explica CENEVIVA, “ato formal e solene corresponde à atuação,
sob responsabilidade do delegado, marcado pelo rigoroso respeito aos procedimentos
previstos em lei, para a exteriorização do inadimplemento do devedor”.
O protesto é o ato formal, pelo qual se salvaguardam os direitos cambiários,
solenemente feito perante oficial público.
PONTES DE MIRANDA, há tempos já dissertava sobre o assunto, frisando
sempre que “o protesto é declaração solene ao público, de caráter probatório”. É preciso,
sempre, submeter a eficácia do protesto ao respeito da forma legal e, ainda, do anúncio
explícito aos terceiros, como pressuposto de sua validade e meio eficaz de prova.
Como se trata de um ato formal, de fé pública, realizado por um oficial
público, o protesto somente será contestado nos mesmos casos em que seria qualquer
outro ato notarial. Isto porque o protesto será lavrado apenas se não contiver vícios.
Destarte, qualquer ação contra ato oficial será ordinária.
O termo descumprimento está vinculando à obrigação de fazer ou de não
fazer e, quando se refere à inadimplência, se refere à obrigação de pagar. Ambos
correspondem à não-satisfação, pelo obrigado, do modo, do tempo e do lugar pelos quais se
comprometeu.
REQUISITOS
34
O protesto sempre e só tem origem em instrumento escrito, no qual a
dívida esteja expressa e cuja existência se comprove com seu exame extrínseco, estranho
aos elementos negociais que o integram, encontrados nas dezenas de títulos de crédito
reconhecidos pelo direito brasileiro. O instrumento será título (referindo-se ao previsto nas
leis comerciais ou processuais vigentes) ou outro documento, quando a dívida não apenas
esteja nele caracterizada, mas de cuja verificação resulte a clara informação de seu
descumprimento.
Ver o art. 22, Lei 9.492/97.
Ao serventuário do protesto cumpre analisar apenas os aspectos formais do
título de crédito, não os de fundo, como prescrição ou decadência.
ESPÉCIES
Para entender-se com melhor clareza o protesto cambial, deve-se analisar as
modalidades do protesto, que, segundo a maioria doutrinária são duas: a do protesto
necessário ou obrigatório e a do protesto facultativo. Alguns autores o dividem ainda,
em protesto especial, para fins de falência, e em protesto para determinar o
vencimento extraordinário da obrigação cambial.
O protesto necessário ou obrigatório é aquele indispensável para a
manutenção do direito de regresso contra o sacador, endossantes e seus avalistas, não em
relação ao sacado (aceitante) ou de seu avalista. (Art. 43, LUG – no caso de recusa de
aceite, a letra de cambio vence antecipadamente, provado pelo protesto.)
Luiz Ricardo da Silva, assim conceitua o protesto necessário: “É o protesto na
sua concepção mais ampla, ou seja, aquele protesto com a natureza jurídica de ato
probatório e de pressuposto processual . É o protesto indispensável para que o portador
assegure o exercício de seu direito de regresso contra todos os coobrigados no título, desde
que apresentado de forma regular e tempestivamente.”
Protesto necessário ou obrigatório, assim, é aquele que não visa apenas
comprovar a falta ou recusa de aceite ou pagamento, ou seja, no que tange à sua natureza
jurídica, não apresenta o caráter exclusivamente probatório, mas dependendo da hipótese
em que venha a se enquadrar, tem como escopo conservar ou resguardar os direitos
cambiários, ou ainda, embasar o pedido de falência. Esta espécie de protesto se configura
nas hipóteses em que o instituto apresenta, também, o caráter de pressuposto processual,
sendo considerado, pela legislação, imprescindível à prática deste ato específico.
PARIZATTO, entre outros autores, entendem que “o protesto a rigor e como se
sabe é uma medida facultativa, colocada ao alcance do credor, que pode ou não levar o
título a protesto. Ninguém pode ser forçado a perpetrar qualquer ato sem ou contra a sua
vontade, assim, não consideram correta a expressão protesto obrigatório, pois, a referência
35
ao protesto necessário seria a mais ajustada, uma vez que na sua falta, estariam
prejudicados os direitos do portador do título”.
REQUIÃO cataloga os seguintes casos de protesto necessário na Lei Uniforme
de Genebra (Decreto 57.663, de 24 de janeiro de 1966):
a) falta de aceite ou de pagamento, para conservar os direitos do portador contra o sacador
e contra os outros coobrigados, a exceção do aceitante (arts. 44 e 53, al. 2);
b) pagável a certo termo de vista, em que houver falta de data, para o efeito de
constatar essa omissão, e o portador conservar os seus direitos de regresso contra os
endossantes e contra o sacador (art. 25);
c) pessoa indicada por intervenção, para aceitar ou pagar, não o fazer, para exercer o seu
direito de ação antes do vencimento, contra o que fez a indicação (art. 56, al. 2);
d) sendo a letra aceita, nem paga por intervenientes, para conservar o direito de regresso
contra aquele que tiver indicado as pessoas para pagarem em caso de necessidade (art.
60);
e) de exemplares, para o portador poder exercer seu direito de regresso, quando o que
enviar ao aceite uma das vias, e a pessoa em cujas mãos se encontrar não entregue essa
via ao portador legítimo doutro exemplar, para poder exercer o seu direito de ação (art. 66);
f) caso de cópia, e a pessoa em cujas mãos se encontre o título original se recusar a
entregá-lo ao legítimo portador da cópia, para exercer o seu direito de ação contra as
pessoas que tenham endossado ou avalizado a cópia (art. 68, al. 2).
PRAZOS
I) Protesto por falta de pagamento: art. 20, do Decreto 2.044/1908 – dia da apresentação é
dia do vencimento, sob pena de perder o direito de regresso contra o sacador, endossadores
e seus avalistas. No caso de recusa do pagamento, deve ser entregue ao protesto no
primeiro dia útil seguinte.
II) Protesto por falta de aceite: art. 44, alínea 2, LUG, deve ser feita nos prazos fixados para
a apresentação do aceite, respeitando-se o prazo de respiro, contra o sacado ou aceitante,
assegurando o credor seu direito de regresso contra o sacador, endossadores e seus
avalistas.
O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da
protocolização do título ou documento de dívida, excluindo-se o dia da protocolização e
incluindo-se o do vencimento, considerando-se não útil o dia em que não houver expediente
bancário para o público ou aquele em que este não obedecer ao horário normal (art. 12, Lei
9492/97).
36
Quando a intimação for efetivada excepcionalmente no último dia do prazo ou
além dele, por motivo de força maior, o protesto será tirado no primeiro dia útil subseqüente
(art. 13, da lei acima citada).
Ocorre, porém, que se o sacador da letra de câmbio inserir a cláusula “sem
protesto” ou “sem despesas”, ou outra cláusula equivalente, ficará dispensado o
portador de efetuar o protesto para que possa cobrar de todos os coobrigados cambiais.
Se tal cláusula, no entanto, tiver sido inserida por um endossante ou avalista,
o portador somente estará dispensado do protesto em relação àquele endossante ou
avalista. Para efetuar a cobrança dos demais coobrigados, deverá, sim, efetuar o protesto
do título (art. 46 da Lei Uniforme).
O artigo 44, inciso II do Decreto n. 2.044/08 (Lei interna), considerava não
escrita a cláusula “sem protesto”, mas o artigo supracitado, da Lei Uniforme validou-a no
nosso sistema. Porém, esta cláusula não dispensa o portador da apresentação do título no
prazo estabelecido, nem tampouco dos avisos a dar. A prova contra a inobservância do
prazo caberá àquele que queira se prevalecer contra o portador, conforme previsto na
continuação do artigo 46 da LUG.
Assim, entende-se ab-rogada a disposição contida no art. 44, n. II, do Decreto
n. 2.044/1908 (Lei interna), considerando não escrita a cláusula proibitiva do protesto e
excludente da responsabilidade por despesas. É evidente, porém, que a cláusula em apreço
tem efeitos meramente cambiais, sendo portanto inócua para fins de quebra, quando o
protesto é, como já vimos, imprescindível.
As normas contidas no artigo 46 da LUG estendem-se à Nota Promissória pelo
disposto no artigo 77 do mesmo regramento. Já o artigo 25 da Lei 5.474, de 18 de julho de
1968 (Lei das Duplicatas), é que permite a inserção desta cláusula nas duplicatas e
triplicatas. E, ainda, o artigo 50 da Lei 7.357, de 2 de setembro de 1985 (Lei do Cheque), é
que trata do assunto relativamente aos cheques. Nesse último ordenamento, há disposição
expressa de substituição do protesto, mesmo sendo este considerado insubstituível pela
esmagadora maioria de doutrinadores. Sem dúvida, é uma exceção à regra.
Trata-se de uma evolução positiva no direito brasileiro, tendo em vista que a
dispensa da obrigatoriedade do protesto equivale à abolição de um instrumento de pressão,
pois o artigo 1º da Lei de Protestos reforça a tese de que o protesto é uma forma coercitiva
de resguardar direitos quanto ao título ou documento de dívida apresentado para protesto.
Porém, há que se admitir que na prática, o objetivo mister do portador que
leva o título à protesto, na maioria dos casos, é o recebimento da obrigação, sem que sejam
necessárias outras providências legais, em razão do interesse de qualquer das partes em
buscar a solução do impasse sem ter que recorrer ao judiciário, seja por meio de um
processo executivo, seja por ação monitória.
37
Nota-se, assim, que somente em alguns casos o protesto necessário pode ser
dispensado, como por exemplo, quando houver a cláusula “sem protesto”, expressa no
título pelo sacador, endossante ou avalista, e somente para fins cambiais. Para fins de
falência o protesto é imprescindível, conforme preceitua o artigo 94, § 3º, da Lei 11.101/05.
O protesto facultativo é aquele que tem função meramente probatória,
porque o credor não necessita da prática deste ato para exigir em juízo a obrigação
constante no título cambial, ou seja, o credor somente executa o ato de protesto com a
simples finalidade de comprovar a impontualidade ou mora do devedor, já que é tirado para
outra finalidade que não a de promover ação regressiva contra co-obrigados.
O protesto, nesta modalidade, é realizado como medida probatória de falta de
cumprimento de determinada obrigação firmada em título de crédito ou outros documentos
de dívida, pressupondo-se que esse tenha vencido e não tenha sido pago pelo devedor,
tratando-se de ato extrajudicial realizado pelo Tabelionato de Protestos, sem qualquer
dependência do órgão judiciário.
Necessária se faz a distinção entre protesto facultativo e protesto necessário
(ou obrigatório), concluindo que “o protesto é obrigatório quando a lei o exige para
resguardo de direitos cambiais e para o pedido de falência; é facultativo quando o
credor pode exigir o cumprimento da obrigação, sem ele, em Juízo”.
O protesto especial para fins de falência está previsto no artigo 94, § 3º,
da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências), que dispõe o
seguinte: “Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: § 3º. Na hipótese do inciso I do
caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma
do parágrafo único do artigo 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos
respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação
específica.”
Atualmente, embora previsto em lei, a necessidade de tal protesto para dar
procedência ao pedido de quebra, foi amplamente superado pela jurisprudência, pois, na
prática, são poucos os magistrados que o exigem.
O atual regramento em comento, dispensou a existência de um livro especial
nos tabelionatos de protesto, não dispensando, contudo, a sua obrigatoriedade para fins
falimentares. Tal modalidade, na prática, consta tanto na intimação como no instrumento de
protesto, que se trata de protesto para fins de falência, conforme requerimento do
apresentante.
Esta modalidade de protesto e, a próxima, não é partilhada pela maioria da
doutrina, que o incluem na modalidade do protesto necessário.
O protesto para determinar o vencimento extraordinário da obrigação
cambial está previsto no artigo 19, inciso II do Decreto 2.044/08.
38
Quando é decretada a falência do devedor, todas as suas dívidas são
consideradas vencidas; trata-se de vencimento antecipado ou extraordinário. Estando, pois,
o título vencido, poderá o portador realizar o protesto baseado neste vencimento
extraordinário, com a finalidade de exercer o direito regressivo contra os coobrigados, não
necessitando ficar atrelado a praticar o ato de protesto ao vencimento normal do título.
Como se percebe, trata-se de protesto necessário para evitar prejuízo
evidente e para garantir seus direitos regressivos contra os coobrigados sem ter que
esperar até o vencimento normal do título.
Não obstante, vale ressaltar que o protesto é um ato facultativo, que não cria
direitos, pois o direito é preexistente, uma vez que este se nasce no momento que se
assume a obrigação. Assim sendo, o protesto é certamente um meio de prova do exercício
de um direito cambiário, apto a demonstrar a falta ou recusa do aceite ou do pagamento, e
que constitui o devedor em mora, assegurando ao credor o exercício do direito regressivo
contra os coobrigados.
Como o protesto é uma forma coercitiva de resguardar direitos quanto ao
título ou documento apresentado a protesto. Cabe mais uma vez ressaltar que o objetivo
principal do portador que leva o título a protesto, na maioria dos casos, é o recebimento da
obrigação, para evitar qualquer procedimento judicial.
Resta evidenciado que o escopo dos credores é a solução do conflito de
interesses, com o recebimento do que lhes é devido, assim, é evidente que, quando os
credores utilizam dos serviços de protesto não objetivam a lavratura e registro do protesto.
Objetivam o recebimento da obrigação.
Ocorre também, que da falta ou da recusa, quer do aceite, quer do
pagamento, resultam para o portador e para os demais coobrigados graves conseqüências.
Daí a necessidade de uma prova acima de qualquer dúvida daquela falta ou recusa: essa
prova é o Protesto.
A importância desta prova se faz necessária para assegurar o direito
regressivo contra os coobrigados e também para comprovar a impontualidade do devedor.
Outro aspecto que merece alusão é o fato de que o protesto aqui elencado
não se confunde com protesto judicial, tratado nos artigos 867 e seguintes do CPC,
destinado a “prevenir responsabilidade, prover à conservação e ressalva de seus direitos, ou
manifestar qualquer intenção de modo formal” de quem o formula.
Outra característica da lei é o consentimento do protesto de outros
documentos de dívida, além dos títulos de crédito.
Portanto, tem-se que a referida Lei criou, de forma inovadora, a possibilidade
de que não apenas títulos cambiais e cambiariformes fossem protestados, mas também
outros documentos representativos de obrigação.
39
Até o advento da Lei 9.492/97, a regulamentação de “quais títulos poderiam
ser protestados” se dava através do disposto no art. 882 do Código de Processo Civil, ao
prever: “Art. 882 – O protesto de títulos e contas judicialmente verificadas far-se-á nos casos
e com observância da lei especial.”
Assim o protesto somente era possível em razão de uma obrigação
descumprida em títulos cambiais, como a nota promissória e a letra de câmbio; em títulos
cambiariformes, como a duplicata e o cheque; e em contas verificadas judicialmente, nas
quais implicava o protesto especial para fins de falência.
Com relação ao protesto dos títulos cambiais e cambiariformes, pode-se
apresentar dezenas de cártulas, todas reguladas por leis especiais como, por exemplo, além
dos títulos já citados, a cédula de crédito e a nota de crédito industrial (Decreto-Lei n.
413/69), a cédula de crédito e a nota de crédito comercial (Lei 6.840/80), a cédula de
crédito e a nota de crédito à exportação (Lei 6.313/75), a cédula de produto rural (Lei
8.929/94), a cédula de crédito e a nota de crédito rural (Decreto-Lei 167/67) e a Warrant
(Decreto 1.102/1903). A letra de câmbio e a nota promissória têm sua regulamentação
acerca do protesto no Decreto 2.044/1908 e na Lei Uniforme de Genebra. Já o protesto do
cheque está previsto na Lei 7.357/85, enquanto que a duplicata, na Lei 6.458/77.
Outros exemplos poderiam ser citados, mas todos estes tipos de títulos têm
sua normatização em relação ao protesto preconizados na Lei 9.492/97, bem como em
Instruções Normativas das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados que regulam a
procedimentalização do instituto.
A Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, em seu artigo 11, inciso I, já
citava o termo “documentos de dívida”, porém, apenas se referindo aos títulos de crédito,
enquanto que na Lei em estudo, ficou clara a intenção do legislador em demonstrar que,
além dos títulos de crédito, abriu espaço para o protesto de outros documentos de dívida.
Em suma, a Lei trata de conceituar o que vem a ser o protesto, de forma
sucinta e atual, levantando o que talvez seja a maior novidade no que tange a protesto, qual
seja, o fato de se protestarem outros documentos de dívida.
Do lugar do protesto
O lugar do protesto é determinado pelo título que se pretenda protestar,
assim, a letra de câmbio deve ser protestada no lugar do aceite ou do pagamento, e na
ausência destes, no lugar do domicílio do sacado. A Nota Promissória deve ser protestada no
lugar do pagamento e na sua indefinição, no local onde foi sacada, ou seja, emitida. O
Cheque deve ser levado a protesto no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente e a
Duplicata deve ser protestada na praça de pagamento.
Sustação e cancelamento de protesto
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Existem dois instrumentos a favor dos devedores em relação ao uso nocivo do
instituto do protesto. Marcelo Bertoldi assevera que “Como dissemos antes, hoje o protesto,
além das funções probatória e conservatória de direitos, trata-se de poderoso instrumento
de cobrança colocado nas mãos do credor, que, ao levar o título a protesto, pode gerar para
o devedor sérios transtornos quanto à obtenção de novos créditos na praça, na medida em
que torna público o fato de ter inadimplido uma obrigação cambiária”.
Assim sendo, o principal meio de se evitar o uso nocivo do protesto é o da
sustação do protesto, que se trata de instrumento judicial de natureza acautelatória que
tem por finalidade afastar o protesto seja porque o título é inexigível, seja porque ele possua
algum vício que torne imprópria a sua cobrança, no entanto, como sua natureza é
acautelatória, seu exercício só é possível dentro dos 03 (três) dias de que dispõe o devedor
para pagar, haja vista que após esse prazo o Tabelião lavrará o instrumento de protesto.
O cancelamento do protesto será possível por duas vias distintas,
administrativa ou judicial. Se utilizará a via administrativa, ou seja, requerimento de
cancelamento do protesto junto ao próprio Tabelionato quando após o protesto o devedor o
paga, devendo comparecer ao cartório com o título resgatado ou carta de anuência do
credor para que seja efetuada a baixa na restrição de credito constante dos arquivos
cartorial.
A segunda possibilidade diz respeito ao pedido judicial de cancelamento de
protesto, fato possível se verificadas as mesmas razões de sustação de protesto
anteriormente abordada, mas que não exercitadas no prazo de 03 (três) próprios da
sustação.
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h) AÇÃO CAMBIAL
Trata-se de ação que pode ser proposta contra o devedor principal e seu
avalista ou contra os coobrigados, ou ainda contra estes e aqueles, simultaneamente.
Evidentemente que se o credor pretender acionar os coobrigados deverá obter o protesto do
título oportunamente (salvo cláusula "sem despesa"). Se não houver protesto, a execução
somente é cabível contra o aceitante e seu avalista.
O credor, contudo, deve observar os prazos prescricionais para a propositura
da execução (art. 70 da LUG), que são:
I) 03 anos, a contar do vencimento, para a ação contra o aceitante e seu avalista;
II) 01 ano, a contar do protesto ou do vencimento, se o título contiver cláusula "sem
despesa", para exercício do direito contra os coobrigados (sacador, endossante e avalistas
destes);
III) 06 meses a contar do pagamento ou do ajuizamento da execução, para o exercício do
direito de regresso por qualquer um dos coobrigados.
Se não forem obedecidos estes prazos, a cambial valerá apenas como prova
numa ação ordinária de cobrança ou monitória contra o sacado aceitante. Mas contra o
avalista, se não for proposta a ação na época certa, não terá este mais responsabilidade
pelo pagamento do título.
Concluindo esta etapa, na Letra de Câmbio, na Nota Promissória e na
Duplicata, teremos como prazo prescricional da Ação Cambial Executiva, 03 anos do
vencimento. Após esse prazo, teremos, ainda, mais 03 (três) anos para intentar as ações de
enriquecimento sem causa, ordinária de cobrança e monitória.
Após esses três anos, tem-se somente mais 02 (dois) anos para a ação
ordinária de cobrança e a monitória, completando-se os cinco anos (Código Civil, artigo 206,
§ 5º. "prescreve em cinco anos: I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas
constantes de instrumento público ou particular".)
É importante salientar mais uma coisa: o protesto não é mais uma condição
sine qua non (necessária) ao intento da ação cambial executiva. Porém, é necessário não
se esquecer que, se não forem protestados os títulos cambiais, dentro dos prazos legais
(Cheque, dentro do prazo de apresentação; Letra de Câmbio e Nota Promissória, dentro de
dois dias úteis do vencimento – art. 44, alínea 03 - e a Duplicata, dentro de 30 dias do
vencimento), o portador perderá o direito à execução dos endossantes e respectivos
avalistas. Continuando com o direito de execução em face do devedor (sacado ou emitente)
e seus avalistas, e em face do sacador (credor) e seus avalistas.
Outra observação interessante é a novidade que o Código Civil
trouxe, em seu artigo 202, III – que trata da interrupção do prazo prescricional
pelo protesto.
Há que se distinguir, contudo, o pagamento extrajudicial do judicial. Quando o
pagamento é extrajudicial, o coobrigado que pagar exclui a responsabilidade dos
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posteriores (por exemplo, A, tomador, endossou a B, que endossou C, que endossou a D; se
B pagar, exclui a responsabilidade de C e de D). O coobrigado que pagou pode cobrar o
valor proporcional dos coobrigados com responsabilidade solidária (por exemplo, havendo
vários avalistas, um deles paga o valor total). Na execução judicial o credor pode acionar
todos aqueles que assinaram o título como devedores principais ou coobrigados.
Após o prazo prescricional, o credor somente pode propor ações cognitivas
(cobrança ou monitória), chamadas de causais, pois deverá provar a causa que deu origem
ao crédito.
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B) NOTA PROMISSÓRIA
NOÇÕES GERAIS
Desde a Roma antiga eram conhecidos títulos derivados de simples
promessas de pagamento. Os gregos tinham o chamado chirographo. A partir do fim idade
média (1673), surgiram na França os billets de change ou billets a ordre, originando as
notas promissórias.
A nota promissória é um título de crédito que consiste numa promessa de
pagamento que alguém, denominado promitente (emitente, sacador ou subscritor), faz a
outrem, denominado beneficiário.
A nota promissória difere da letra de câmbio, que é uma ordem de pagamento
emitida pelo sacador, contra o sacado e em favor do tomador. Com o saque da nota
promissória, surgem apenas duas situações jurídicas:
I) daquele que promete pagar, que é o emitente (promitente, sacador ou subscritor);
II) daquele se beneficia da promessa (beneficiário).
Contudo, as normas relativas à letra de câmbio são aplicáveis, no que couber,
à nota promissória (arts. 75/78 do Decreto n. 57.663/1966).
A nota promissória não tem aceite, pois o promitente é equiparado ao
aceitante, sendo que a simples assinatura já o obriga ao pagamento. A nota promissória
"nasce" aceita.
REQUISITOS ESSENCIAIS E NÃO-ESSENCIAIS (Supríveis)
São requisitos essenciais da nota promissória:
I. a denominação nota promissória na língua utilizada para sua emissão;
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II. a promessa pura e simples de pagar quantia determinada. Não é cabível qualquer
condição, como, por exemplo, que o pagamento será realizado se for entregue determinado
bem.
III. o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deva ser paga (nome do beneficiário).
Não se admite nota promissória ao portador.
IV. a data do saque (emissão).
V. o local do saque ou a menção de um lugar ao lado do nome do emitente.
VI. assinatura do subscritor (sacador), o número de seu CPF (cadastro de pessoas físicas) ou
o número de sua CTPS (carteira de trabalho e previdência social), conforme art. 3° da Lei n.
6.268/1975.
São requisitos não essenciais ou supríveis da nota promissória:
I. a época do pagamento - caso não conste nenhuma data no título, considera-se que este
deve ser pago à vista.
II. o lugar de pagamento - não constando endereço certo, considera-se o domicílio do
subscritor, que também é o da emissão.
REGRAS APLICÁVEIS
São aplicáveis à nota promissória as mesmas regras da letra de câmbio (arts.
75/78 da LUG), com as exceções abaixo:
I. Não se aplicam à nota promissória o aceite, recusa do aceite e cláusula não-aceitável, que
não se coadunam com o título.
II. O subscritor da nota promissória é tido como devedor principal, sendo o protesto
facultativo contra ele.
III. A ação de execução do portador em face do subscritor e seu avalista prescreve em 3
anos e em 1 ano em face dos endossantes. A ação entre os endossantes prescreve em 6
meses.
IV. O aval em branco favorece o subscritor.
Aplicam-se, portanto, as normas sobre endosso, aval, pagamento, protesto
por falta de pagamento e ação cambial.
NOTA PROMISSÓRIA A CERTO TERMO DE VISTA
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De acordo com o art. 78 da LUG, é possível o saque de nota promissória a
certo termo de vista, cujo termo a quo de vencimento conta-se da data do visto dado pelo
subscritor (promitente). Se o subscritor recusar-se a dar o visto, o tomador pode protestar o
título. Se não for aposta a data do visto,o título também poderá ser protestado por falta de
data (art. 25).
Esta nota promissória deve ser apresentada para visto do promitente em até
um ano contado da sua data (saque), salvo prazo maior ou menor estipulado pelo sacador
no próprio título. O endossante pode apenas reduzir tal prazo, e não aumentá-la (art. 23 da
LUG).
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C) CHEQUE
NOÇÕES GERAIS
O cheque nasceu na Idade Média e somente em Florença (Itália), no século XV,
havia mais de 80 casas bancárias. Na Inglaterra, no século XVII, o cheque passou a ser
conhecido como cheque-mandato, como se fosse uma letra de câmbio emitida pelo
depositante contra um banco, em favor de um beneficiário. Os americanos adotaram o sistema
inglês.
A origem da palavra "cheque" é controvertida. Há quem diga que se trata de
expressão que surgiu a partir do verbo inglês to check (conferir, examinar). Outros dizem que
nasceu da palavra francesa echequier, que quer dizer "tabuleiro de contagem de dinheiro".
Hoje, na França, cheque é chamado de "cheque". No Brasil, a partir de 1860, foram criados os
títulos denominados "mandatos ao portador", e somente a partir de 1890 foi utilizada a
expressão "cheque" (Lei n. 149-B /1890).
O cheque é uma ordem de pagamento à vista, dirigida contra um banco e em
favor de um beneficiário ou do próprio sacador. O emitente (sacador) deverá possuir suficiente
provisão de fundos depositados em mãos do sacado (banco) ou decorrentes de contrato de
abertura de crédito. O cheque, a exemplo da letra de câmbio e da nota promissória, é um título
executivo extrajudicial (art. 585, I, do Código de Processo Civil).
REGIME ATUAL DO CHEQUE
No Brasil, o cheque está regulamentado pela lei n. 7.357/1985 e por normas do
Banco Central do Brasil.
São partes neste título de crédito o emitente (sacador ou passador), o sacado
(banco) e o tomador (beneficiário ou portador). O sacado não tem nenhuma responsabilidade
pela solvência do sacador, em caso de insuficiência de fundos. Aliás, a lei proíbe que o banco
aceite (art. 6°), endosse (art. 18, §1°) ou avalize este título (art. 29).
De acordo com a Lei n. 7.357/1985 (art. 32), o cheque é pagável à vista, sendo
ineficaz qualquer cláusula em sentido contrário. Mas os tribunais já decidiram que, nas
relações consumeristas uma vez recebido o cheque pós-datado, caso haja desconto em prazo
menor, o empresário responde pelos prejuízos causados ao consumidor.
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O cheque, por ser um título de modelo vinculado; tem tamanho padronizado: a)
comprimento: 17,5 cm, admitindo-se tolerância de mais ou menos 1 mm; b) largura de 8 cm,
admitindo-se também 1 mm de diferença para mais ou para menos.
São admitidas no cheque as cláusulas "não à ordem" (art. 8°, 11) e "sem
despesa" (art. 49), a exemplo dos outros títulos próprios. Não é admissível, contudo, o endosso
parcial (art. 18 da Lei n. 7.357/1985 e art. 912, parágrafo único do Código Civil).
FUNÇÃO ECONÔMICA
O cheque funciona meio e prova de Pagamento e título de crédito.
EMISSÃO DO CHEQUE
Para que um cheque seja emitido validamente, alguns requisitos deverão ser
observados, quais sejam:
I. a denominação "cheque" inscrita no contexto do título e expressa na língua utilizada para sua
emissão (art. 1°, I). .
II. a ordem incondicional de pagar quantia determinada (art. 1°, II) – não pode haver condições
para o pagamento e também a falta de fundos não desnatura o cheque como título de crédito.
Se a quantia for indicada em algarismos e por extenso, prevalece a última em caso de
divergência. Se a quantia for indicada mais de uma vez, em algarismos ou por extenso,
prevalece aquela que for menor (art. 12).
III. a identificação do banco sacado, que já vem impressa (art.1°, III) - não é válido o cheque
emitido contra não-banqueiro. Somente são Instituições Financeiras (Bancos) aqueles
autorizados pelo BACEN.
IV. o local do pagamento ou a indicação de um ou mais lugares ao lado do nome do sacado ou,
ainda, a menção de um local ao lado do nome do emitente (art. 1°, IV).
V. data da emissão (art. 1°, V) – não é necessário indicar o mês por extenso, segundo Fábio
Ulhoa Coelho, em razão da revogação expressa do Decreto n. 22.393/1933 pela atual Lei do
Cheque. Mas, segundo o mesmo autor, é recomendável que se escreva a data por extenso
para evitar falsificação. Para Fran Martins, o mês deve ser escrito por extenso.
VI. assinatura do sacador ou seu mandatário com poderes especiais, admitindo-se o uso de
chancela mecânica ou processo equivalente (art. 10, inciso VI, e parágrafo único). O sacador
deve ser identificado pelo número de seu CPF, ou CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas), se pessoa jurídica, RG (Registro Geral da Secretaria de Segurança do Estado),
título eleitoral ou carteira profissional (Resolução n. 2.537/1998 do Banco Central do Brasil).
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Há apenas um requisito não-essencial, que é o local da emissão, sendo que na
sua falta considera-se aquele endereço existente ao lado do nome do sacador (emitente). Há
quem entenda, contudo que ,o local de pagamento também seria não-essencial, tendo em vista
o disposto no art. 2°, I, da Lei n. 7.357/1985. Essa tese não prevalece, pois o cheque deve
conter o endereço de um estabelecimento bancário onde possa ser cobrado (art. 1°, IV).
MODALIDADES DE EMISSÃO
I. Nos termos da Lei n. 8.021/90, o cheque pode ser emitido:
01) Ao portador - para títulos de valor até R$ 100,00 (art. 69 da Lei n. 9.069/1995).
02) Nominativos - para títulos de valor superior a R$ 100,00. O cheque pode ser "não à ordem",
sendo transferível mediante cessão civil de crédito, ou "à ordem", transferível por endosso. O
art. 17 da Lei n. 9.311/1996, que instituiu a CPMF - Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira, e o art. 90,
§1° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (EC 42/2003) admitiram,
temporariamente, até 31/12/2007, apenas um endosso no cheque nominativo à ordem.
ESPÉCIES DE CHEQUES
São espécies de cheques:
I. Cheque visado: é aquele título do cliente em que o banco sacado lança "visto" de suficiência
de fundos, a pedido de emitente ou portador legítimo (art. 7° da Lei n. 7.357/1985). Somente o
cheque nominativo não endossado permite tal ato. Neste caso, o banco deve reservar o
numerário, debitando-o da conta do emitente. Se o banco não reservar o valor da conta do
emitente, responderá pelo pagamento mesmo assim, por ter desobedecido a um comando
legal. Em razão do "visto", o banco está obrigado ao pagamento do valor do título, mas se não
o fizer o credor poderá ingressar com uma ação declaratória. O banco, todavia, poderá cobrar
o valor ou propor ação regressiva contra o emitente, caso seja obrigado a pagar o valor.
Os efeitos do visamento somente são produzidos durante o período de
apresentação do título. Após a expiração do prazo de apresentação ou se o título for entregue
para inutilização, o banco deverá estornar a reserva, devolvendo o valor à conta do emitente.
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II. Cheque administrativo (bancário ou de tesouraria): é cheque emitido pelo banco contra
um de seus estabelecimentos. Sacador e sacado são a mesma pessoa jurídica (banco). O
cheque, enfim, é emitido em favor de uma pessoa física ou jurídica, mas contra o próprio banco
(art. 9°, III), podendo ser endossado uma vez.
Tal espécie de cheque é usada geralmente para pagamento de bens de alto
valor (por exemplo, imóveis ou veículos) ou títulos de crédito em Cartório, antes ou depois do
protesto (exceto quando se tratar de ME e EPP, conforme art. 73, inciso II,da Lei
Complementar n. 123/2006).
O traveller check, utilizado por viajantes, é uma espécie de cheque
administrativo. Trata-se de uma ordem de pagamento à vista, que um banco emite contra outro
estabelecimento ou contra si. Este cheque é assinado duas vezes pelo credor, na aquisição,
perante a instituição financeira, e na liquidação, no local de destino do viajante.
III. Cheque cruzado: destina-se a possibilitar, a qualquer tempo, a identificação da pessoa em
favor de quem foi liquidado, pois obrigatoriamente deve ser depositado. Resulta da aposição de
duas listras (traços), no anverso (frente), com a designação, ou não, de um banco.
O cheque cruzado "em branco" (geral) é aquele em que não consta a
designação de banco algum entre os traços. Pode ser depositado em qualquer banco ou
destinado ao próprio banco (por exemplo, para pagamento de imposto).
O cheque cruzado "em preto" (especial) é aquele em que constam os traços e o
nome do banco. Tal cheque somente pode ser depositado no banco designado nos traços (por
exemplo, para transferência de uma conta para outra, evitando-se extravio). Se o correntista
não tiver conta no banco indicado, deverá contratar os serviços da instituição mencionada no
cruzamento. Se ele não quiser abrir uma conta, deverá pedir a substituição do título por outro
sem o cruzamento em preto.
IV. Cheque para se levar em conta: é aquele que somente pode ser depositado em conta-
corrente do beneficiário, não podendo ser pago em dinheiro, ainda que o beneficiário não tenha
conta no banco e o título não esteja cruzado. Se for nominativo, tal cheque poderá ser
transmitido por endosso. O emitente ou portador deve inserir a cláusula "para ser creditado em
conta" (e o número da conta), exclusivamente no anverso e na transversal.
APRESENTAÇÃO DO CHEQUE PARA PAGAMENTO – art. 33
O cheque deve ser apresentado à instituição financeira para cobrança no prazo
legal, que é de 30 dias da emissão, se da mesma praça (o lugar da emissão coincide com o da
agência), ou em 60 dias, se de praça diversa (o lugar da emissão não coincide com o da
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agência). Não importa se as cidades são da mesma câmara de compensação (art. 11 da
Resolução n. 1.682/1990 do Banco Central).
Trata-se de título que deve ser apresentado em dia útil, durante o expediente em
que funcionam os estabelecimentos bancários. Em caso de protesto do título, também deve ser
observado o período de funcionamento do respectivo Tabelionato. Não se conta a data da
emissão do título, pois a Lei determina que se aplica o direito comum no cômputo dos prazos
(art. 64).
Se não for apresentado nos prazos referidos, o portador:
I) perde o direito de executar os coobrigados (endossantes e seus avalistas), caso o título seja
devolvido por falta de fundos;
II) perde o direito de executar o emitente do título e seu avalista, se na época própria da
apresentação havia fundos e estes deixaram de existir por culpa não-imputável ao correntista
(por exemplo, intervenção ou falência do banco, confisco do dinheiro etc.). Se o cheque for
apresentado antes do prazo de prescrição, que é de seis meses contados dos prazos acima
mencionados, e houver fundos, é óbvio que deverá ser pago pela instituição financeira.
O pagamento através de cheque tem efeito pro solvendo, ou seja, a extinção da
obrigação só ocorre com a liquidação do título (compensação). Mas, excepcionalmente, pode
ser pactuada a cláusula pro soluto, sendo que em caso de devolução o que vale é o cheque,
cabendo à parte prejudicada executar o título, e não desfazer o negócio.
CHEQUE PÓS-DATADO
O cheque é uma ordem de pagamento à vista, mas, na prática, é utilizado como
um instrumento de documentação do crédito atribuído ao consumidor ou empresário. O cheque
pós-datado (que é chamado fora do campo do direito de "pré-datado") é um desvio da
finalidade do título, pois se trata de título próprio para o pagamento à vista. A pós datação não
é válida segundo a Lei do Cheque, podendo o portador depositá-lo imediatamente:
"Art. 32. O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.”
Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação."
A doutrina e a jurisprudência são convergentes no sentido de que o cheque pós-
datado deve ser pago na data de sua apresentação. Ocorre que, em se tratando de relações
de consumo, o empresário que deposita o título antes do prazo combinado pode ser
responsabilizado pelo descumprimento do contrato, inclusive poderá ser compelido a pagar
juros, correção monetária e despesas.
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Caso o cheque seja devolvido, cabe ainda ação por dano moral, pois o nome do
consumidor pode ser anotado nos arquivos da empresa SERASA S/A, CCF (Cadastro de
Emitentes de Cheques sem Fundos) e SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Tal hipótese está
cristalizada na Súmula 370 do STJ, que possui a seguinte redação:
“Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.”
Além da possibilidade da pós-datação, permitiram as autoridades monetárias
brasileiras o chamado "cheque bancável", que é aquele descontado pelas empresas de
faturização (factoring) ou bancos.
Assim, um empresário pode receber cheques pós-datados de seus clientes e
descontá-Ios, por exemplo, em um banco ou empresa de factoring que por sua vez efetuará
liquidação, em seu favor, nas datas menciona das nos títulos.
As instituições financeiras e de faturização adiantam parte do valor de face dos
cheques, remunerando-se com a diferença.
ASSINATURA FALSA E FALSIFICADA – não conduz à nulidade do cheque,
pela aplicação do princípio da autonomia e da independência das assinaturas, a nulidade de
uma não se estenda às demais – art. 13.
Responsabilidade do sacado – 01) posicionamento radical – faz parte do risco
do negócio bancário, cabendo ao sacado arcar com o prejuízo e 02) posicionamento dominante
– perquire a culpa do correntista ou do banco, admitindo-se a culpa concorrente.
CHEQUE POR PROCURAÇÃO – é possível outorgar mandato para outrem emitir, endossar e
avalizar o cheque.
Assinatura Mecânica – possível.
SUSTAÇÃO DO CHEQUE (ARTS. 35 E 36)
A lei prevê duas hipóteses de sustação do cheque, que são a revogação
(contraordem) e a oposição. Trata-se de comandos do correntista que visam o não pagamento
de cheques cuja licitude e oportunidade não podem ser apreciadas pelo banco. Na prática as
instituições exigem um boletim de ocorrência (BO), mas isso não está previsto em lei, sendo,
portanto, irregular.
Além do BO, o banco ainda tem obrigado o correntista a assinar uma declaração
sobre a revogação ou contra-ordem (alínea 28) ou pagar tarifas decorrentes da operação.
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A revogação ou contraordem (art. 35) é sustação decorrente de ato judicial (por
exemplo, medida liminar) ou extrajudicial (notificação) pelo qual o emitente, com exclusividade,
comunica que o cheque não poderá ser liquidado, por não ter sido apresentado no prazo de
apresentação.
A oposição (art. 36) é ato que pode ser praticado pelo emitente ou beneficiário
em razão de causas justas, como furto ou roubo.
Também pode ser efetivada a oposição pelo emitente em razão de falência do
beneficiário, produzindo efeito após a comunicação ao banco. Se a sustação for injusta (por
exemplo, apenas para impedir que o cheque volte sem fundos ou por descumprimento de
contrato), o emitente pode responder por crime de fraude por meio de cheque (art. 171, §2°, VI,
do CP).
CHEQUE SEM FUNDOS
Considera-se sem fundos o cheque devolvido pela câmara de compensação ou
pelo banco sacado por insuficiência de recursos do sacador. O cheque devolvido por falta de
fundos, nos termos de normas regulamentares do Banco Central, deve ser apresentado mais
uma vez. Contudo, nada impede que a execução se proceda após a primeira devolução. São
três as principais conseqüências da emissão do cheque sem fundos:
I. Penal - a emissão de cheque sem fundos constitui crime previsto no art.171, §2°, inciso VI,
do Código Penal (Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. § 2º -
Nas mesmas penas incorre quem: VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o
pagamento.).
Como só é prevista a figura dolosa, não será punido o sacador que, por
exemplo, não controlou o saldo. Além disso, dispõe a Súmula 554 do Supremo Tribunal
Federal que o pagamento do cheque após o recebimento da denúncia não obsta a ação penal.
Caso o pagamento tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia, não haverá justa causa
para a ação penal, devendo ser rejeitada a peça acusatória.
O cheque pós-datado sem fundos, por sua vez, também não configura o crime,
conforme Súmula 246 do Pretório Excelso (SÚMULA N 246 - COMPROVADO NÃO TER HAVIDO
FRAUDE, NÃO SE CONFIGURA O CRIME DE EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS.), pois neste caso o
título funciona apenas como um instrumento de crédito. Mas, se ficar comprovado o dolo do
agente, o mesmo seria punível, por se constituir em crime de estelionato, conforme art. 171,
caput do Código Penal.
53
II. Civil - a emissão de cheque sem fundos legitima a propositura de ação de execução pelo
credor.
III. Administrativas - nos termos da Resolução do Banco Central n. 1.682/1990, o emitente de
cheque sem fundos fica sujeito ao pagamento da multa devida ao Serviço de Compensação de
Cheques e outros papéis.
Além disso, o emitente pode de ter o seu nome inscrito no CCF (Cadastro de
Emitentes de Cheques sem Fundos), caso o título seja devolvido duas vezes. Os cheques com
suficiente provisão de fundos são compensados gratuitamente e os sem fundos não. A
inscrição do nome no CCF, por emissão de cheque sem fundo, acarreta a rescisão do contrato
e a proibição do emitente abrir novas contas em quaisquer bancos.
PROTESTO DO CHEQUE
Por determinação do art. 6° da Lei n. 9.492/1997, o protesto somente pode ser
tirado se comprovada a apresentação ao banco sacado, exceto se o ato é necessário para
instruir medidas contra a instituição financeira.
O cheque pode ser protestado apenas durante os prazos de apresentação, que
são de 30 ou 60 dias contados da emissão (art. 48 da lei n. 7.357/1985 e art. 41 da LUG).
Segundo Luiz Emygdio F. da Rosa, "deve-se considerar ineficaz a apresentação
do cheque para protesto depois de esgotado o prazo legal, permitindo-se a concessão de
liminar em medida cautelar de sustação de protesto". Em tese, o prejudicado poderá ser propor
ação de indenização, dependendo do caso concreto, em face do Tabelião do Cartório de
Protesto, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.492/1997.
A declaração de insuficiência de fundos do banco ou da câmara de
compensação, em verdade, supre o protesto (art. 47, lI, da Lei n. 7.357/1985). Não há
necessidade de protestar o título para garantir direitos contra o emitente, endossantes e seus
avalistas. No pedido de falência, contudo, o protesto é indispensável, pois a lei falimentar, que
é especial, exige tal ato notarial, caso o fundamento do pedido seja a impontualidade do
devedor. Mesmo que haja cláusula "sem protesto" e o título tenha sido devolvido por falta de
fundos, para pedir a falência é necessária a obtenção do protesto.
AÇÃO CAMBIAL E PRESCRIÇÃO
A ação de execução do cheque prescreve em 06 meses, contados da data de
apresentação (30 ou 60 dias). Serão cobrados juros, despesas com protesto, se houver, e
correção monetária (art. 52).
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O prazo de apresentação é contado dia a dia, e não um e dois meses,
respectivamente.
O prazo de 06 meses é contado pelos meses e não pelos dias.
Se o cheque não for apresentado no prazo próprio, não poderão ser executados
os endossantes e seus avalistas.
Caso o cheque pós-datado seja depositado antes do prazo combinado, será
considerada a data da primeira apresentação ao banco como de emissão, pois, ao contrário,
aquele que descumpriu o contrato ainda seria beneficiado com mais prazo.
Após a prescrição da ação de execução, pode ser proposta pelo credor a ação
cambial de locupletamento (enriquecimento) ilícito, em 02 anos, inclusive contra os
endossantes e seus avalistas (art. 61). A ação citada não tem caráter executivo e sim cognitivo.
Depois da prescrição da ação cambial de locupletamento, somente é possível propor a ação de
cobrança ou monitória, antes da ocorrência da prescrição prevista no Código Civil.
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D) DUPLICATA
NOÇÕES GERAIS
A duplicata é um título de crédito que representa uma fatura de venda de produtos ou
prestação de serviços. Trata-se de título criado pelo direito brasileiro, cuja origem remonta o
Código Comercial de 1850 (art. 219), que impôs aos atacadistas, nas vendas aos retalhistas, a
emissão de "fatura" ou "conta". O documento (fatura ou conta) deveria ser emitido "duplicado".
Esse sistema não foi adotado largamente e, nos anos 1920, durante o I Congresso
das Associações Comerciais, foi sugerida a criação da "duplicata da fatura", sendo que em
1968 o Brasil editou a Lei n. 5.474/1968.
Segundo Tullio Ascarelli, a duplicata é o "príncipe dos títulos do direito brasileiro",
dado o seu largo uso no país e sua influência sobre as legislações de diversos países, que
passaram a adotar sistema semelhante. A Argentina, por exemplo, criou a factura conformada,
que comporta execução sem o aceite do devedor.
Deve ser feita uma distinção entre nota fiscal, fatura e duplicata:
Nota fiscal é o documento que comprova a entrada e a saída de mercadorias de
estabelecimento comercial e acompanha sua entrega ao destinatário, contendo dados que
identifiquem, para fins fiscais, a operação realizada, tais como: nome e identificação fiscal do
emissor e do destinatário da mercadoria, data de realização do negócio, base de cálculo, valor,
etc. É o documento comprobatório da realização de um fato sujeito à fiscalização tributária,
relativo a coisas móveis ou semoventes. Assim, a nota fiscal interessa especialmente ao Fisco,
pois comprova a ocorrência de fato gerador sujeito a recolhimento de tributo.
A fatura nada mais é do que a representação do contrato de compra e venda a prazo
havida entre um empresário e outra pessoa, com a menção das qualidades que a caracterizam
e do seu preço, devendo ser encaminhada ao comprador para conferencia com as mercadorias
remetidas. Pode ser entregue juntamente com estas ou em outro momento, acompanhada da
nota fiscal.
A duplicata pode ser emitida para pagamento a vista ou a prazo inferior ou superior a
30 dias. Quando emitida a prazo, o vencimento é contado da data da entrega dos produtos, do
despacho de mercadorias ou da prestação dos serviços (art. 1° caput, art. 2° §1°, inciso VI, e
art. 3° §2°).
Na fatura deve constar a relação das mercadorias ou das notas fiscais
correspondentes. É possível a emissão de "nota fiscal-fatura", inclusive para vendas à vista.
A emissão da duplicata é facultativa, de modo que o vendedor (empresário) pode, por
exemplo, efetuar a cobrança dos produtos alienados através de nota fiscal com o respectivo
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recibo ou receber outros títulos sacados pelo comprador (cheque ou nota promissória). A
duplicata, contudo, não pode ser emitida para cobrar juros, correção monetária, aluguéis ou
leasing, por ser um título causal.
Caso não emita a duplicata ou receba outros títulos de crédito, o vendedor não poderá
propor eventual ação de execução, se o valor não for pago. O vendedor, todavia, está impedido
de emitir qualquer outro título de crédito, como, por exemplo, uma letra de câmbio beneficiando
a si próprio, para documentar a compra e venda (art. 2°).
O empresário que emitir duplicata está obrigado a escriturar o "Livro de Registros de
Duplicatas" (art. 19 da Lei 5.474/1968), sob pena de responder por crime falimentar, se for
decretada a quebra (art. 186, VI, do Decreto-lei n. 7.661/1945 e art. 178 da Lei n. 11.101/2005).
CAUSALIDADE E MODELO DA DUPLICATA
A duplicata é um título causal, porque para ser emitido depende da ocorrência de uma
causa prevista em lei, que é a emissão de uma fatura representativa da venda de mercadoria
ou prestação de serviços.
É também um título de modelo vinculado, pois deve obedecer ao padrão legal (art. 27
da Lei n. 7.357/1985 e Resolução n. 102/1968 do Banco Central). É possível, contudo, a partir
de uma fatura, serem emitidas várias duplicatas, se o pagamento é parcelado (por exemplo,
duplicata A1, vencível em 12/01; duplicata A2 vencível em 12/02 etc.), mas uma duplicata não
pode representar mais de uma fatura (art. 2° §2°).
REQUISITOS DE EMISSÃO
Os requisitos de emissão estão previstos no art. 2° da Lei de Duplicatas:
I. a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;
II. o número da fatura ou da nota fiscal-fatura, da qual se originou;
III. a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;
IV. o nome e domicílio do vendedor e do comprador;
V. a importância a pagar, em algarismos e por extenso;
VI. a praça de pagamento;
VII. a cláusula à ordem;
VIII. a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-Ia, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;
IX. a assinatura do emitente ou uma rubrica mecânica.
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A emissão da duplicata somente pode ser à ordem, permitindo ao credor (vendedor)
que a endosse (art. 2°, inciso VII, da Lei n. 5.474/1968). Não há, contudo, proibição do endosso
com a cláusula "não à ordem".
ACEITE
A duplicata deve ser encaminhada para aceite, pelo vendedor ao comprador, no prazo
de 30 dias de sua emissão. O aceite é classificado em:
I - ordinário - a duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao
apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação,
devidamente assinada (art. 7° caput).
II - por comunicação - quando resulta da retenção da duplicata, em caso de cobrança
bancária. Neste caso, o título é enviado ao comprador, que o retém e encaminha uma
comunicação escrita ao vendedor, concordando com o aceite. Na prática, o banco envia o título
ao comprador, o qual assina um documento, denominado boleto, que depois é enviado ao
vendedor (art. 7° §1°).
III. por presunção: resulta do recebimento da mercadoria pelo comprador, com a assinatura
do documento comprobatório, geralmente o canhoto da nota fiscal (art. 15, inciso 11, b).
RECUSA DO ACEITE
O aceite da duplicata é obrigatório (definido por lei) e a recusa somente pode ocorrer
nas hipóteses taxativamente previstas, quais sejam: (Rubens Requião entende serem
meramente exemplificativas):
I. avaria ou não-recebimento das mercadorias, quando transportadas por conta e risco do vendedor:
II. vícios de qualidade ou quantidade das mercadorias.
III. divergências nos prazos ou preços ajustados.
Ocorrendo uma dessas hipóteses, ao receber a duplicata o comprador pode devolvê-
Ia sem assinar ou devolvê-Ia acompanhada de declaração de não aceitação, em 10 dias (art.
7° caput).
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Suprimento do aceite:
a) art. 7º, §2º - quando o sacado, recebendo a duplicata, a retém com o consentimento do
credor, tendo declarado por escrito que a reteve, valendo esta declaração como aceite,
independentemente da comprovação da entrega da mercadoria, para efeito de protesto ou
cobrança de título, substituindo a duplicata a que se refere.
b) art. 15 – quando a duplicata não aceita, mas protestada, desde que acompanhada de
qualquer documento comprobatório da entrega ou remessa da mercadoria;
c) art. 15, § 2º - quando a duplicata ou triplicata, não aceita e nem devolvida, desde que o
protesto seja tirado mediante indicações do credor ou do apresentante do título.
ENDOSSO
À duplicata aplicam-se as regras da letra de câmbio, mas o endossante
necessariamente é o emitente (vendedor ou prestador de serviços).
AVAL
O aval na duplicata pode ser em preto, quando identifica o avalizado, ou em branco,
quando não identifica.
Considera-se que o aval em branco é prestado em favor daquele cuja assinatura
constar acima da firma do avalista, beneficiando, assim, o vendedor-endossante, o comprador
e outros. Se não constar nenhuma assinatura acima daquela aposta pelo avalista, considera-se
que o aval em branco foi prestado em favor do devedor final, que é comprador das mercadorias
(art. 12).
O aval dado posteriormente ao vencimento do título produz os mesmos efeitos que o
prestado anteriormente (art. 12, parágrafo único). De acordo com Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.,
o aval concedido na duplicata após o protesto ou após o decurso do prazo para a sua
efetivação, produz os mesmos efeitos cambiários daquele prestado antes.
PROTESTO DA DUPLICATA
A duplicata é protestável por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, no prazo
de 30 dias do vencimento. Em qualquer um desses casos, o vendedor poderá apresentar a
própria duplicata, a triplicata ou simples indicações, na falta de devolução do título (art. 13,
§1°).
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O protesto, no caso de retenção, deve ser procedido por indicações, que são
informações prestadas pelo credor (art. 21, § 3° da Lei n. 9.492/1997). A duplicata deve ser
protestada no mesmo local de pagamento (art. 13, §3°). Geralmente indica-se como praça de
pagamento o domicílio do devedor.
O credor que não tirar o protesto no prazo legal perderá o direito de regresso contra
os endossantes e respectivos avalistas, podendo executar apenas o comprador (sacado) e
seus avalistas.
Atualmente, em razão da desmaterialização dos títulos, a forma mais comum de
protesto é aquela efetivada por indicações. O credor encaminha ao banco, por meio magnético,
as informações necessárias à cobrança do título. O banco, por sua vez, emite uma "guia de
compensação" (boleto), que o devedor recebe e utiliza para pagar o título em qualquer
instituição financeira. Se não for pago o título, o banco encaminha as mesmas indicações por
meio magnético ao Cartório de Protestos. Este último, por seu turno, intima o devedor para
efetuar o pagamento. Se ó devedor pagar, não se efetiva o protesto, mas se não pagar o
protesto é tirado. Com o instrumento de protesto e o comprovante de entrega da mercadoria o
credor pode executar ou mesmo pedir a falência do devedor.
Se o Cartório protestar o título irregularmente, responderá pelos prejuízos causados
por dolo ou culpa (art. 38 da Lei n. 9.492/1997).
TRIPLlCATA
Além da possibilidade do protesto por indicações, o credor ainda pode emitir a
triplicata, que é a segunda via da duplicata. Não se trata de um novo título, mas a
representação da duplicata não devolvida pelo credor, perdida ou extraviada (art. 23 da Lei n.
5.474/1968). A retenção da duplicata pelo devedor não enseja a emissão da triplicata, de
acordo com antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal, mas tem sido admitida pela
doutrina e pelo Superior Tribunal de Justiça, que julga recursos especiais sobre a matéria
atualmente.
AÇÃO CAMBIAL
A execução é a ação cabível para cobrar o valor representado pela duplicata, que é
um título executivo extrajudicial.
Apesar da ação de execução ser a via correta, às vezes o credor deverá juntar outros
documentos para efetivar a cobrança. Depende da situação concreta:
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I - Execução de duplicata com aceite ordinário - se o aceite é ordinário (aposto no próprio
título), basta apresentar a duplicata.
II. Execução de duplicata com aceite por comunicação - se o devedor reteve o título e o credor
não optou pela emissão da triplicata, deverá ser juntada aos autos do processo a comunicação
do comprador sacado relativa ao aceite, que substitui a duplicata (art. 7° §§1° e 2°).
III - Execução de duplicata com aceite presumido - o credor deverá apresentar o instrumento
de protesto e o comprovante de entrega da mercadoria (art.15, II).
O endossante e seu avalista podem ser executados se obedecido o prazo de protesto
e ainda mediante a apresentação do título devidamente protestado.
Nos termos do art. 18 da Lei n. 5.474/1968, a ação de cobrança da duplicata
prescreve:
I - contra o sacado e respectivos avalistas, em 03 (três) anos, contados da data do vencimento
do título.
II. contra endossante e seus avalistas, em 01 (um) ano, contado da data do protesto;
III. de qualquer dos coobrigados contra os demais, em um (01) ano, contado da data em que
haja sido efetuado o pagamento do título.
Ainda de acordo com o mesmo dispositivo, a ação de cobrança poderá ser proposta
contra um ou contra todos os coobrigados, sem observância da ordem em que figurem no
título, e os coobrigados da duplicata respondem solidariamente pelo aceite e pelo pagamento.
DUPLICATA SIMULADA
O saque de duplicata, sem a respectiva compra e venda mercantil, ou prestação de
serviço, constitui-se no crime tipificado no art. 172, do CP, sendo uma modalidade de
estelionato.
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TÍTULOS DE CRÉDITO IMPRÓPRIOS
Os títulos de crédito próprios representam ordem de pagamento ou promessas de
pagamento. Há instrumentos de crédito que apenas utilizam alguns princípios dos títulos de
crédito, sendo conceituados como "impróprios", pois não são promessa ou ordem de
pagamento, e nem sempre representam "créditos".
Há duas categorias de títulos de crédito impróprios, que são os títulos impróprios
representativos de mercadorias e os títulos impróprios bancários.
TÍTULOS IMPRÓPRIOS REPRESENTATIVOS DE MERCADORIAS
São títulos causais que não exprimem uma operação de crédito, mas representam a
titularidade de mercadorias ou bens custodiadas, que se encontram em poder de quem não é
proprietário. São desse tipo o conhecimento de depósito, o warrant e o conhecimento de
transporte.
I. Conhecimento ou certificado de depósito e warrant – São títulos à ordem emitidos sobre
mercadorias depositadas em armazéns gerais. Armazéns gerais são empresas mercantis que
têm por finalidade a guarda e conservação de mercadorias, com a faculdade de emissão,
quando requeridas, dos títulos de crédito acima mencionados.
A emissão dos títulos representativos de mercadorias pelos armazéns gerais permite
uma maior mobilidade delas, uma vez que a sua circulação física é substituída pelos títulos que
as representam. Desta forma, a posse dos títulos representa a posse das mercadorias,
permanecendo o armazém geral na qualidade de simples detentor da mesma.
O conhecimento de depósito representa exclusivamente produtos agrícolas (tais como
milho, soja e outros) depositados por proprietários de produtos em armazéns gerais (Decreto n.
1.102/1903), incorporando o direito de propriedade sobre estes produtos, sendo um título de
representação e legitimação (representa a mercadoria e legitima o titular como seu
proprietário).
O warrant representa as mesmas mercadorias relativas ao conhecimento de depósito,
mas, mediante endosso, constituem penhor sobre as mercadorias em poder do armazém
geral. Enquanto o conhecimento de depósito representa a propriedade dos produtos, o warrant
representa a possibilidade de constituição de penhor para garantir o pagamento de dívida.
Quem adquire o warrant, adquire um direito real de garantia (art. 1431, CC/02). É um título de
crédito causal, consiste em uma promessa de pagamento, conferindo ao seu titular um direito
real de penhor sobre as mercadorias.
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Os títulos em exame devem conter a designação particular (conhecimento de depósito
ou warrant) e os requisitos previstos no art. 15 do Decreto n. 1.102/1903.
O conhecimento de depósito e o warrant são títulos unidos emitidos pelo armazém
geral, mas podem circular autonomamente. No resgate das mercadorias, quem tiver em mãos
o conhecimento de depósito deverá exibir, também, o warrant, sem exceção, caso contrário
não haverá liberação.
Admite-se, contudo, a liberação das mercadorias mediante um depósito que
represente o crédito do credor pignoratício, até porque o valor do warrant será anotado no
verso do conhecimento de depósito, ou após execução do valor dado em penhor.
O conhecimento de depósito e o warrant podem ser penhorados ou arrestados por
dívida do portador. Mas as mercadorias que eles representam não podem sofrer embargo,
penhora, seqüestro ou qualquer embaraço (art. 17 do Decreto n. 1.102/1903).
ENDOSSO: os títulos emitidos pelos armazéns gerais circulam por endosso, sendo
que o Decreto admitia tanto o endosso em preto como o endosso em branco, mas a Lei
8.088/90 modificou tal disposição, vedando o endosso em branco. Além de transferir o título,
transfere a mercadoria representada pelo título.
O endosso do conhecimento de depósito e do warrant podem se dar em conjunto ou
separadamente. Se for em conjunto (caso os títulos sejam negociados juntos), o endosso
confere ao cessionário o direito de livre disposição da mercadoria, pois este transfere a
propriedade integralmente.
O endosso do conhecimento de depósito separado do warrant significa que o portador
do título se torna proprietário de uma mercadoria onerada com o penhor constituído em
garantia do portador do warrant (Decreto nº 1.102/1903, arts. 18 e 19).
O endosso do warrant separado do conhecimento de depósito significa que o portador
é credor pignoratício, não podendo o armazém geral permitir a retirada da mercadoria sem a
prova do pagamento ou de depósito da quantia.
Ainda como titular de um título à ordem poderá endossá-lo, assumindo os
endossadores responsabilidade pessoal e solidária pela dívida, ficando certo que permanece a
garantia do credor.
Além do conhecimento de depósito de mercadorias e do warrant, próprios de produtos
agrícolas, podem ser emitidos, nos termos da Lei n. 11.076/2004, o Certificado de Depósito
Agropecuário (CDA), que é título de crédito representativo de promessa de entrega de
produtos agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico,
depositados em conformidade com a Lei n. 9.973/2000 e o warrant agropecuário (WA), que é
título de crédito que confere direito de penhor sobre o produto descrito no CDA
correspondente.
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O CDA e o WA são títulos unidos, emitidos simultaneamente pelo depositário, a
pedido de depositante, podendo ser transmitidos unidos ou separadamente, mediante endosso.
O CDA e o WA são títulos executivos extrajudiciais e a eles aplicam-se as normas de direito
cambial no que forem cabíveis. Contudo, os endossos devem ser completos, os endossantes
não respondem pela entrega do produto (mas, tão-somente, pela existência da obrigação) e é
dispensado o protesto cambial para assegurar o direito de regresso contra endossantes e
avalistas.
O CDA e o WA são considerados cartulares, no ato da sua emissão, antes de seu
registro em sistema de registro e de liquidação financeira, e após a sua baixa, ou escriturais
(ou eletrônicos), enquanto permanecerem registrados em sistema de registro e de liquidação
financeira (arts. 2 e 3°).
Se o produto for divisível, podem ser emitidas CDA´s e WA’s para as respectivas
partes.
II. Conhecimento de transporte (frete) - trata-se de título emitido por empresas de transporte
por terra, mar e ar que prova o recebimento de mercadoria e a obrigação de entregá-Ia no
lugar de destino (Decretos 19.473/1930 e 24.454/1931).
O conhecimento de transporte negociável pode circular por endosso do
proprietário dos bens. Assim, a retirada da mercadoria transportada deverá ser realizada
mediante a apresentação do título devidamente quitado por seu legítimo possuidor. A lei proíbe
o endosso no título que tiver a cláusula "não à ordem", ou em caso de transporte de cargas
perigosas e de mercadorias destinadas a armazéns gerais (art. 91 do Decreto n. 51.813/1963).
TÍTULOS IMPRÓPRIOS DE CRÉDITO RURAL
São títulos criados pelo Decreto Lei 167/67, que se destinam exclusivamente ao
financiamento de exploração de propriedades rurais, tanto pessoas naturais quanto jurídicas,
tendo o emitente por obrigação comprovar esta aplicação no prazo e na forma exigidos pela
Instituição Financeira concedente do crédito, para o que lhe será facultada a mais ampla
fiscalização.
Tendo a lei, no seu art. 2°, se referido a financiamento realizado por instituição
financeira, que, por definição legal (Lei 4.728/65), são as entidades públicas e privadas
autorizadas pelo Banco Central a operarem o mercado de capitais, segue-se que tais títulos só
poderão ser emitidos por estas Instituições.
Natureza jurídica: São promessas de pagamento em dinheiro, que podem ou não ser
asseguradas por garantia cedularmente constituída, significando que o próprio título incorpora
a garantia pignoratícia ou hipotecária, junto ao crédito resultante do financiamento e cujo
pagamento é prometido na cártula.
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São títulos civis, para aceitarem a hipoteca (que não precisam ter escritura pública,
mas que devem ser levados a registro imobiliário para terem eficácia contra terceiros – art. 30),
líquidos e certos, exigíveis pela soma delas constantes ou do endosso, além de juros, de
comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer por segurança,
regularidade e realização de seu direito.
Aplicam-se à cédula de crédito rural, a nota promissória rural e a duplicata rural, no
que forem cabíveis, as normas do direito cambiário, inclusive quanto ao aval, dispensado o
protesto para assegurar o direito de regresso contra os endossantes e seus avalistas (art. 60),
porém, seus parágrafos explicitam algumas exceções, que não se aplicam às transações
realizadas entre produtores rurais e entre estes e suas cooperativas:
a) o endossatário ou o portador de Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural não tem
direito de regresso contra o primeiro endossante e seus avalistas;
b) É nulo o aval dado em Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, salvo quando
dado pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas;
c) também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando
prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras
pessoas jurídicas;
O Decreto Lei 167/67 refere-se a 03 cédulas (que possuem garantias): cédula rural
pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária e nota de crédito
rural e a 03 notas (que não possuem garantias, mas apenas privilégio especial): nota de
crédito rural, nota promissória rural e duplicata rural.
Ação executiva especial: o art. 41 do DL 167/67 dispõe que tais títulos terão um
procedimento executivo especial, uma vez que, proposta a ação, citado o devedor, e efetuada
a penhora dos bens constitutivos da garantia real em que se funda a cédula rural, de que
permite ao credor, a qualquer tempo, embargada ou não, a venda daqueles bens, observado o
disposto nos arts. 670 e 1116 do CPC, podendo ser levantado o valor desde logo, até o limite
do crédito, desde que oferecida caução idônea.
CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA: Se caracteriza pelo fato de o crédito ser
incorporado no título com a garantia de penhor rural ou de penhor mercantil. O devedor deverá
ser sempre um ruralista ou pecuarista, e a garantia oferecida deverá ser de bens móveis
relacionados com a atividade rural ou comercial, nos termos do art. 1419 e 1431 do CC/02, que
empenha um bem seu em garantia do crédito.
A Lei 492/1937, no seu art. 6°, definiu o rol de bens que podem ser empenhados: I -
colheitas pendentes ou em via de formação, quer resultem de prévia cultura, quer de produção
espontânea do solo; II - frutos armazenados, em ser, ou beneficiados e acondicionados para
venda; III - madeira das matas, preparada para o corte, ou em toras, ou já serrada e lavrada; IV
- lenha cortada ou carvão vegetal; V - máquinas e instrumentos agrícolas.
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CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA: têm as mesmas características da cédula rural
pignoratícia, apenas que a garantia que se constitui é a hipoteca, sobre bem imóvel,
respeitando os princípios da especialidade e publicidade.
CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA E HIPOTECÁRIA: possuem ambas as garantias,
tanto pignoratícia quanto hipotecária.
NOTA DE CRÉDITO RURAL: também é um título de financiamento rural, destituído,
porém de garantia, com privilégio especial, nos termos do art. 964 do CC/02. Distingue-se da
nota promissória e da duplicata rural por ser um papel de financiamento rural, sujeito à
inscrição no Registro de Imóveis, na circunscrição em que esteja situado o imóvel a cuja
exploração se destina o financiamento cedular.
NOTA PROMISSÓRIA RURAL: DL 167/67 e alterações da Lei 6.754/79. São emitidas
pelo comprador, nas vendas a prazo de bens de natureza agrícola, extrativa ou pastoril,
quando efetuadas diretamente por produtores rurais ou por suas cooperativas; nos
recebimentos, pelas cooperativas, de produtos da mesma natureza entregues pelos seus
cooperados, e nas entregas de bens de produção ou de consumo, feitas pelas cooperativas
aos seus associados.
A nota promissória rural emitida pelas cooperativas a favor de seus cooperados, ao
receberem produtos entregues por estes, constitui promessa de pagamento representativa de
adiantamento por conta do preço dos produtos recebidos para venda.
DUPLICATA RURAL - Nas vendas a prazo de quaisquer bens de natureza agrícola,
extrativa ou pastoril, quando efetuadas diretamente por produtores rurais ou por suas
cooperativas, poderá ser utilizada também, como título do crédito, a duplicata rural. Emitida a
duplicata rural pelo vendedor, este ficará obrigado a entregá-la ou a remetê-la ao comprador,
que a devolverá depois de aceitá-la, podendo ser utilizado o suprimento do aceite, desde que o
vendedor comprove a entrega da mercadoria, protestando-a.
CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR): Regulado pela L. 8.929/94, é um título
representativo de uma obrigação com promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem
garantia cedularmente constituída, através do produtor rural ou cooperativa.
Trata-se de título cambial assemelhado, negociável no mercado e que permite ao
produtor rural ou suas cooperativas obter recursos para desenvolver sua produção ou
empreendimento, com comercialização antecipada ou não.
A promessa de entrega de produto rural constante na cédula, não é gratuita e sim a
título oneroso, advindo de relação comercial em que o credor teve anteriormente que suportar
ao pagar pela aquisição do bem prometido pelo emitente do título.
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Essa promessa traduz uma relação contratual em que o credor já satisfez sua parte,
restando ao emitente da CPR a satisfação da promessa assumida.
A CPR presta-se a dinamização do crédito agrícola, de modo que seu objeto não pode
distanciar-se do que prevê a Lei, pois a inclusão de bens de natureza diversa da estabelecida
pela lei, desnatura sua figura, inviabilizando sua aplicação para o fim a que fora criada.
Conclui-se, portanto, que somente produto rural pode ser prometido à entrega por
meio da cédula de produto rural.
Quem pode emitir:
A CPR ingressou no mundo jurídico com a finalidade de alcançar apenas a classe
rural, por essa razão sua emissão está limitada à determinadas pessoas.
Podem emitir a cédula de produto rural o produtor rural e suas associações, inclusive
cooperativas, em favor uns dos outros, ou de terceiros.
Importante notar que o compromisso é para entrega de produto rural, pura e
simplesmente, podendo esse compromisso se originar de uma venda ou de qualquer outra
obrigação anterior, mesmo para pagamento de dívidas pessoais de quem tenha legitimidade
para emiti-la.
Uma outra característica da CPR é a possibilidade de inserir em seu contexto
cláusulas acessórias, as quais poderão constar de documento à parte, com assinatura do
emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.
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