Paleogentica e paleoepidemiologia de Ascaris sp. (Linnaeus, 1758) e
Trichuris sp. (Roederer, 1761)
por
Daniela Leles de Souza
Tese apresentada com vistas obteno do ttulo de Doutor em Cincias na
rea de Sade Pblica.
Orientador principal: Prof. Dr. Adauto Jos Gonalves de Arajo
Segunda orientadora: Profa. Dra. Alena Mayo Iiguez
Rio de Janeiro, julho de 2010.
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Esta tese, intitulada
Paleogentica e paleoepidemiologia de Ascaris sp. (Linnaeus, 1758) e
Trichuris sp. (Roederer, 1761)
apresentada por
Daniela Leles de Souza
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Alexandre Ribeiro Bello Prof. Dr. Marcelo Luiz Carvalho Gonalves
Prof. Dr. Francisco Incio Pinkusfeld Monteiro Bastos Prof. Dr. Luiz Fernando Rocha Ferreira da Silva
Prof. Dr. Adauto Jos Gonalves de Arajo Orientador principal
Tese defendida e aprovada em 26 de julho de 2010.
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A U T O R I Z A O
Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a
reproduo total ou parcial desta tese, por processos fotocopiadores.
Rio de Janeiro, 26 de julho de 2010.
________________________________
Daniela Leles de Souza
CG/Fa
Servio de Gesto Acadmica - Rua Leopoldo Bulhes, 1.480, Trreo Manguinhos-RJ 21041-210
Tel.: (0-XX-21) 2598-2730 ou 08000230085
E-mail: [email protected] Homepage: http://www.ensp.fiocruz.br
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Catalogao na fonte Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica Biblioteca de Sade Pblica
S729 Souza, Daniela Leles de
Paleogentica e paleoepidemiologia de Ascaris sp. (Linnaeus, 1758) e Trichuris sp. (Roederer, 1761). / Daniela Leles de Souza. Rio de Janeiro : s.n., 2010.
218 f. il., tab., mapas
Orientador: Arajo, Adauto Jos Gonalves de Iiguez, Alena Mayo
Tese (Doutorado) Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2010
1. Ascaris - parasitologia. 2. Ascaris gentica. 3. Trichuris - parasitologia. 4. Trichuris - gentica. 5. Doenas parasitrias - histria. 6. Paleopatologia. I. Ttulo.
CDD 22.ed. 616.9
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus orientadores Dr. Adauto Arajo e Dra. Alena Mayo Iiguez pela
amizade, incentivo pesquisa, pelas incontveis contribuies durante a realizao desta
tese e artigos dela resultantes, pessoas sem as quais esta tese no existiria.
Dra. Ana Carolina Paulo Vicente por ceder os laboratrios para realizao dos
experimentos e pelas contribuies na pesquisa.
Koko Otsuki (Rosa) no somente pelo apoio tcnico, mas principalmente pelo
carinho, pela amizade e por ser no Rio de Janeiro meu lao familiar escolhido.
equipe do laboratrio do Centro de Sade Germano Sinval Faria ENSP-
FIOCRUZ, Ary Carmo, Simone M.S. Lopez e Selma R. Lima, por cooperar com as
anlises parasitolgicas das amostras do Rio de Janeiro.
Aos Dr. Filipe Anbal Carvalho-Costa e Dr. Mrcio Neves Bia pela viagem
proporcionada cidade de Santa Isabel do Rio Negro no Estado do Amazonas,
oportunidade indescritvel, e que permitiu discusses enriquecedoras desta tese, sem as
quais no poderia ter feito se l no estivesse estado.
equipe de ps-graduao em medicina tropical do IOC-FIOCRUZ: Adriano G.
Silva, Carlos Jos C. Moreira, Lauren H. Jaeger, Joanna G. Valverde, Patrcia P. Martins e
Viviane F. Meneses, pela coleta e cooperao na anlise parasitolgica das amostras de
Santa Isabel do Rio Negro-AM, e moradores da cidade pela receptividade com nosso grupo
de pesquisa.
Dra. Sheila Mendona pela oportunidade nica na participao da escavao do
stio arqueolgico Cubato-I-SC, Brasil e pelos esclarecimentos sobre o stio que foram de
suma importncia para interpretao dos resultados obtidos.
6
Ao Dr. Ondemar Dias e Jandira Neto pela incrvel oportunidade na participao da
coleta do material da Igreja da S, localizada na Praa XV na cidade do Rio de Janeiro,
Brasil; e a Laura da Piedade, arqueloga responsvel pela coleta do material e que nos
esclareceu aspectos relevantes para pesquisa do material.
Ao Dr. Jackson Victor de Arajo do Departamento de Veterinria da Universidade
Federal de Viosa (UFV) pela anlise de fungos no solo do stio arqueolgico Cubato I-
SC, Brasil.
A Dra. Maria de Lurdes Rodrigues e Anderson S. Dias pela receptividade e por to
prontamente nos disponibilizarem algumas das amostras sunas usadas neste estudo.
Aos Dr. Alexandre Belo e Dr. Srgio Miranda Chaves pelas sugestes poca da
qualificao do projeto de Doutorado.
Aos colegas dos laboratrios do LGMM e Paleoparasitologia, tanto aos que ainda l
esto quanto aos que j rumaram a novas empreitadas, pela amizade e sugestes nos
trabalhos e apresentaes resultantes desta tese.
ENSP e meus professores por contribuir na minha formao acadmica.
s Instituies financiadoras dessa pesquisa: CAPES, IOC-FIOCRUZ, ENSP-
FIOCRUZ, FAPERJ e CNPq por tambm me conceder a bolsa de estudos.
Finalmente minha famlia e amigos queridos que mesmo no citados
nominalmente foram primordiais por sempre me impulsionarem a concretizar meus
sonhos.
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RESUMO
Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura so os helmintos intestinais de maior prevalncia na populao mundial e tambm no material arqueolgico. Porm, na Amrica do Sul pr-colombiana, o encontro de ovos de A. lumbricoides raro. Recentemente um estudo de diagnstico paleoparasitolgico molecular apontou para um sub-diagnstico de Ascaris sp. na Amrica do Sul. No registro arqueolgico de parasitos intestinais predominam achados de ovos de Trichuris sp. ao invs de Ascaris sp. Isto parece contraditrio, em virtude do nmero de ovos eliminados por cada parasito. Os objetivos desta pesquisa foram: avaliar marcadores moleculares para o diagnstico de Ascaris sp. e Trichuris sp. em material moderno pela caracterizao molecular destes parasitos; caracterizar geneticamente isolados de stios arqueolgicos sul americanos para verificar a real paleodistribuio destes parasitos em uma perspectiva paleoepidemiolgica e compar-la com a epidemiologia moderna destas infeces; avaliar os fatores envolvidos na paleodistribuio encontrada. As amostras foram submetidas ao diagnstico por microscopia ptica, seguida da extrao do DNA, PCR e sequenciamento nucleotdico. Na avaliao dos marcadores moleculares, a regio ITS1 de Ascaris sp. apresentou variao intra-indivduo, o que descartou seu uso com fins taxonmicos e diagnsticos. A caracterizao molecular dos genes mitocondriais cox1 e nad1 de Ascaris sp. mostrou infeco cruzada de gentipos entre as espcies humana e suna, o que denota a necessidade de monitoramento das populaes avaliadas assim como de outras regies brasileiras para que a infeco no venha a se tornar uma zoonose em potencial no Brasil. Foi possvel o diagnstico molecular de Trichuris sp. pelo gene ribossomal 18S DNA. A anlise paleogentica mostrou que h subdiagnstico para ambas as infeces na Amrica do Sul pr-colombiana. Este o primeiro diagnstico paleoparasitolgico molecular de T. trichiura em material sul americano. Estes so tambm os primeiros registros de recuperao de DNA de parasitos intestinais em material de stio arqueolgico do tipo sambaqui e tambm do perodo colonial brasileiro. Comparando-se a paleoepidemiologia molecular de Ascaris sp. com a epidemiologia molecular moderna foi possvel notar que h hapltipos antigos que ainda esto presentes hoje, no entanto a maioria dos hapltipos caracterstica ao material arqueolgico. Observou-se que h hapltipos comuns ao Velho e Novo Mundo, contudo, h tambm especificidades regionais. Os resultados da anlise gentica claramente apontam para uma pobre preservao dos ovos no material arqueolgico, principalmente de Ascaris sp. Os fatores principais envolvidos nessa paleodistribuio, seriam fatores tafonmicos que proporcionaram a quebra maior de ovos de Ascaris sp. do que de Trichuris sp., e evidncias de consumo de plantas vermfugas pelos povos pr-histricos, as quais teriam maior ao sobre Ascaris sp. do que Trichuris sp. Palavras-chaves: paleoparasitologia, paleoepidemiologia, coprlitos, ascarase, trichurase, DNA antigo, diagnstico molecular.
8
ABSTRACT
Ascaris lumbricoides and Trichuris trichiura are the intestinal helminths with higher prevalence in the world today as it was in the past. However, in pre-Columbian South America the findings of A. lumbricoides eggs are rare. Recently a study of paleoparasitological molecular diagnosis showed a sub-diagnosis of Ascaris sp. in South America. In the archeological material, eggs of Trichuris sp. are more common compared with Ascaris sp. eggs. This is contradictory taking into account the number of eggs eliminated by each parasite. The aims of this research was: to evaluate molecular markers for Ascaris sp. and Trichuris sp. diagnosis in modern material; genetic characterization of the samples South American archeological sites aiming the paleodistribution of these parasites in a paleoepidemiological perspective; compare results with the modern epidemiology of these infections; evaluate the factors involved in paleodistribution. Extraction of DNA, PCR and nucleotide sequencing were performed after microscopy. In the evaluation of the molecular markers Ascaris sp. ITS1 region showed intra-individual variation. Therefore, this region to taxonomical and diagnoses studies was discarded. With the molecular characterization of Ascaris sp. cox1 and nad1 mitochondrial genes it was possible to identify cross infection of genotypes between human and pig hosts. Results showed that surveillance field works in modern populations are necessary to verify the zoonotic potential of this infection in Brazil. The molecular diagnosis of Trichuris sp. by ribossomal 18S DNA gene was possible. The paleogenetic analysis showed that there is subdiagnosis for both infections in pre-Columbian South America. This is the first paleoparasitological molecular record of T. trichiura in South American samples. These are also the first recovery of DNA of intestinal parasites in "sambaqui" archeological site, and also of the Brazilian colonial period. Molecular paleoepidemiology of Ascaris sp. infection compared with modern molecular epidemiology showed that there are ancient haplotypes still present today. However, most of the haplotypes are characteristic of the archaeological material. It was observed that there are common haplotypes both to the Old World and to the New World, but showing regional specificities. The results of the genetic analysis clearly pointed to a poor preservation of eggs in archeological material, mainly of Ascaris sp. Taphonomy may be the main factor involved in paleodistribution, breaking more eggs of Ascaris sp. than Trichuris sp. Evidences of consumption of vermifuge plants by prehistoric groups should also have influence, as some plants should have more efficacy eliminating Ascaris sp. than Trichuris sp. Key-words: paleoparasitology, paleoepidemiology, coprolites, ascariasis, trichuriasis, ancient DNA, molecular diagnosis.
9
SUMRIO
RESUMO
ABSTRACT
pginas
1INTRODUO................................................................................................................... 11 1.1Parasitos intestinais transmitidos pelo solo ......................................................................... 11 1.1.2 Ascaris sp....................................................................................................................... 12 1.1.3 Trichuris sp.. .................................................................................................................. 17 1.1.4 Associao Ascaris sp. e Trichuris sp. ............................................................................ 21 1.2 Diagnstico parasitolgico tradicional e suas limitaes.................................................... 21 1.3 Diagnstico molecular de helmintos .................................................................................. 22 1.3.1 Epidemiologia molecular de Ascaris sp. ......................................................................... 23 1.3.2 Epidemiologia molecular de Trichuris sp. ...................................................................... 27 1.4 Paleoparasitologia ............................................................................................................. 27 1.4.1 Paleodistribuio de Ascaris sp. e Trichuris sp. por microscopia ptica. ......................... 32 1.4.2 Paleodistribuio de Ascaris sp. e Trichuris sp. por diagnstico molecular ..................... 37 2. OBJETIVOS ..................................................................................................................... 41 2.1 Objetivo geral ................................................................................................................... 41 2.2 Objetivos especficos......................................................................................................... 41 3 MATERIAIS E MTODOS .............................................................................................. 42 3.1 Avaliando a variabilidade intra-indivduo de Ascaris sp. ................................................... 42 3.1.1 Amostras fecais atuais .................................................................................................... 42 3.1.2 Metodologia ................................................................................................................... 42 3.2 Caracterizao dos genes mitocondriais cox1 e nad1 de Ascaris sp. do Brasil.................... 44 3.2.1 Amostras atuais .............................................................................................................. 44 3.2.2 Metodologia ................................................................................................................... 45 3.3 Diagnstico molecular de Trichuris sp. em amostras modernas. ........................................ 48 3.4 Diagnstico molecular de Ascaris sp. e Trichuris sp. em material arqueolgico................. 49 3.4.1 Amostras........................................................................................................................ 50 3.4.2 Metodologia ................................................................................................................... 52 3.5 Avaliando o paradoxo Ascaris sp. e Trichuris sp. no material arqueolgico ....................... 58 4 RESULTADOS .................................................................................................................. 59 4.1 Avaliando a variabilidade intra-indivduo de Ascaris sp. ................................................... 59 4.2 Caracterizao dos genes mitocondriais cox1 e nad1 de Ascaris sp. do Brasil.................... 62 4.3 Diagnstico molecular de Trichuris sp. ............................................................................. 73 4.4 Diagnstico molecular de Ascaris sp. e Trichuris sp. em material arqueolgico................. 75 4.5 Avaliando o paradoxo Ascaris sp. e Trichuris sp. no material arqueolgico ....................... 94
10
5 DISCUSSO ...................................................................................................................... 103 5.1 Detectada variabilidade intra-indivduo na regio ITS1 de Ascaris sp. do Brasil ................ 103 5.2 A caracterizao gentica dos genes mitocondriais cox1 e nad1 de Ascaris sp. isolados de humanos e sunos do Brasil mostrou hapltipos comuns a ambos hospedeiros......................... 107 5.3 Diagnstico molecular de Trichuris sp. ............................................................................ 111 5.4 Paleoepidemiologia molecular de Ascaris sp. e Trichuris sp. ............................................ 112 5.5 Mudanas epidemiolgicas nas infeces por Ascaris sp. e Trichuris sp.: uma histria evolutiva contada pelos achados arqueolgicos ....................................................................... 123
6 CONCLUSES .................................................................................................................. 138
7 ASPECTOS TICOS......................................................................................................... 142
8 REFERNCIAS ................................................................................................................. 143
ANEXOS
11
1 INTRODUO
1.1 Parasitos intestinais transmitidos pelo solo
Tambm conhecidos como geohelmintos, so os parasitos intestinais que tm seu
ciclo de transmisso diretamente ligado a uma passagem obrigatria pelo solo em
condies ideais de temperatura (20oC a 30oC) para manuteno de seu ciclo de vida e
consequentemente infectarem um determinado hospedeiro. Os principais geohelmintos que
infectam a espcie humana so os nematides intestinais Ascaris lumbricoides, Trichuris
trichiura, Strongyloides stercoralis e os ancilostomdeos Ancylostoma duodenale e
Necator americanus. Estima-se que aproximadamente 1,2 bilhes de pessoas estejam
infectadas por A. lumbricoides em todo mundo, 70 milhes por S. stercoralis e 800 e 700
milhes por T. trichiura e ancilostomdeos, respectivamente (Cromptom 1999, Keiser e
Utzinger 2008). Embora estes parasitos tenham preferncia por locais mais quentes e
midos, ou seja, as regies tropicais e subtropicais, atualmente, devido rpida disperso
do homem pelos mais diversos ambientes se pode dizer que tais parasitos tm uma
distribuio cosmopolita, encontrando-se dispersos em praticamente todas as partes do
globo terrestre. A intensidade da infeco um fator chave na sintomatologia e gravidade
da doena causada por estes parasitos, quando estabelecida. Sendo assim, a maior parte da
populao portadora assintomtica da infeco. No entanto, nos chamados grupos de
risco como, por exemplo, crianas, principalmente em condies scio-econmicas
desfavorecidas, altas cargas parasitrias podem se instalar e os fatores desencadeadores de
doena aparecer (Rey 2008). At recentemente, modelos de projeo do quadro das
doenas no mundo previam que a maioria dos pases, incluindo os de economia perifrica,
teria passado ou estaria na chamada fase de transio epidemiolgica onde
12
principalmente as doenas crnico-degenerativas advindas do envelhecimento da
populao e mudanas comportamentais substituiriam as doenas infecciosas, tais como as
causadas por geohelmintos. No entanto, as altas prevalncias destas infeces, juntamente
com uma viso de complexidade, mostram que embora a transio epidemiolgica seja
uma realidade, as doenas infecciosas permanecem com altas prevalncias na populao. A
viso de complexidade tenta explicar a emergncia e reemergncia das infeces
transmissveis outrora controladas, levando em considerao o aumento da pauperizao,
ondas migratrias, mudanas demogrficas, comportamento social, explorao de novos
nichos, transporte e domiciliao de animais selvagens, mudanas climticas, degradao
ambiental e perda de biodiversidade, viagens internacionais, ecoturismo, mudanas na
agricultura, novas tecnologias mdicas, sem deixar de mencionar os fatores intrnsecos ao
parasitismo (Sabroza et al. 1992, Sabroza e Walter-Towers 2001, Daszak et al. 2001, Ellis
e Wilcox 2009). Como as infeces causadas por geohelmintos tm ciclo de transmisso
fecal-oral, condies de saneamento bsico e higiene pessoal so essenciais para o controle
destas infeces, assim como a maioria dos fatores acima mencionados. Portanto, a
manuteno destas infeces em nveis to elevados tem sido favorecida principalmente
nos pases em desenvolvimento onde principalmente a falta de saneamento bsico,
aumento populacional, pauperizao e desigualdades sociais so condies permanentes
(Simes 2002).
1.1.2 Ascaris sp.
O parasito
Ascaris lumbricoides (Linnaeus 1758) um parasito intestinal do filo
Nemathelminthes, classe Nematoda, superfamlia Ascaridoidea, famlia Ascarididae,
13
caracterstico da espcie humana e de alguns outros primatas do gnero Pan sp., Gorilla
sp., Hilobates sp., Macaca sp., Papio sp. e Colobus sp., Alouatta sp. (Stuart et al. 1990,
Mutani et al. 2003, Hope et al. 2004, Jones-Engel et al. 2004, Gillespie et al. 2005, Eckert
et al. 2006, Lim et al. 2008, Rey 2008, Teichoreb et al. 2009). Toxocara canis outro
parasito de importncia para infeco humana que tambm se encontra nesta famlia.
Dentre os parasitos intestinais A. lumbricoides o de maior prevalncia na populao
mundial, infectando bilhes de pessoas em todo mundo (OLorcain e Holland 2000).
Por este parasito se encontrar tambm em primatas no humanos, possvel
considerar que este tenha sido adquirido filogeneticamente pela espcie humana, ou em
outras palavras, um ancestral comum aos primatas no humanos e humanos o transferiu
para espcie humana nos primrdios da relao destas espcies (Confalonieri 1988). No
entanto, esta ainda apenas uma hiptese, pois ainda no est esclarecido o papel do
hospedeiro suno na origem da infeco humana a poca da domesticao do porco (Sus
scrofa scrofa e/ou Sus domestica), uma vez que Ascaris spp. de origem humana e suna so
muito semelhantes. Sendo assim, supe-se que o Ascaris sp. existente em sunos possa ter
passado para espcie humana ou esta possa ter transferido o parasito para os sunos na
poca da domesticao do porco, a qual ocorreu aproximadamente 10.000 anos (Loreille e
Bouchet 2003).
Breves dados sobre a morfologia dos vermes adultos e ovos
Ascaris sp. so vermes longos, cilndricos e com extremidades afiladas. As fmeas
so maiores que os machos medindo de 200 a 350 mm de comprimento e de 3 a 6 mm de
circunferncia, tendo a parte posterior retilnea ou ligeiramente encurvada. Os machos
medem de 150 a 300 mm de comprimento e 2 a 4 mm de circunferncia, tendo a
extremidade caudal encurvada (OLorcain e Holland 2000, Rey 2008). Esse tamanho pode
variar de acordo com o nmero de parasitos que o hospedeiro alberga; quanto mais
14
parasitos, menores so em tamanho (Rey 2008). Ovos frteis medem entre 60 e 70 m de
comprimento por 40 e 50 m de largura, possuindo uma casca externa mamilonada muito
resistente a condies adversas, porm alguns ovos se apresentam descorticados (sem a
casca externa), mas ainda assim identificveis. (OLorcain e Holland 2000, Quils et al.
2006).
Ciclo biolgico
A infeco contrada via fecal/oral, pela ingesto de ovos frteis eliminados com
as fezes. A formao da larva se d no meio externo e as condies timas de temperatura
para sua formao so de 20 a 30oC, aps mais uma semana h a primeira muda e as larvas
se tornam infectantes. Aps a ingesto desses ovos h ecloso das larvas de segundo
estdio que iro ganhar a mucosa intestinal e penetrar na circulao sangunea ou linftica
aonde chegaro ao corao e sero levadas ao pulmo, onde sofrero a segunda muda. As
larvas, agora de terceiro estdio e com sexo j reconhecvel, ganham os alvolos
pulmonares e realizam a terceira muda. As larvas de quarto estdio chegam aos
bronquolos onde so arrastadas juntamente com o muco pelos movimentos ciliares da
mucosa, ento sobem pela traquia e laringe para serem deglutidas com as secrees
brnquicas e alcanarem o estmago e intestino. No intestino as larvas sofrem a quarta e
ltima muda que as transformam em adultos jovens. Ao final de dois meses e meio as
fmeas comeam a ovipor (Figura 1) (Rey 2008).
15
Figura 1: Esquema do ciclo biolgico de Ascaris lumbricoides.
Legenda: Vermes adultos. Oviposio pelas fmeas e passagem dos ovos para as fezes. Ovos infrteis tambm podem ser ingeridos, mas no so infectantes. Ovos frteis embrionados tornam-se infectantes aps algumas semanas. Dependendo de condies ambientais timas os ovos larvados podem ser ingeridos. Ecloso das larvas. Invaso da mucosa intestinal, e carreamento das larvas pelo sistema porta, as quais ganham circulao e chegam aos pulmes. Maturao das larvas nos pulmes, penetrao das cavidades alveolares, chegada aos brnquios. Asceno pela traquia e laringe, e deglutio. Ao ganharem o intestino se desenvolvem em vermes adultos. De 2 a 3 meses so requeridos entre a ingesto dos ovos infectantes e a oviposio pelas fmeas adultas. Vermes adultos podem viver entre 1 e 2 anos.
Fonte: modificado de CDC. http://www.dpd.cdc.gov/dpdx
Distribuio geogrfica
A. lumbricoides um parasito de distribuio cosmopolita, ocorrendo
principalmente em pases de ambiente temperado e tropical. Altas prevalncias de Ascaris
sp. esto relacionadas principalmente a condies de subdesenvolvimento e falta de
saneamento bsico e/ou fatores ligados ao tipo de agricultura. Estima-se que 73% das
16
infeces por A. lumbricoides estejam na sia, 12% na frica e 8% na Amrica Latina
(OLorcain e Holland 2000).
Patologia
Na maioria das vezes a ascarase assintomtica, no trazendo maiores
complicaes. A ao patognica pode ser desenvolvida durante a migrao das larvas,
podendo ocorrer hemorragias, pneumonia difusa ou lobar e crises de asma (Rey 2008).
Casos mais graves esto relacionados a localizaes ectpicas das larvas podendo atingir o
sistema nervoso. J no intestino os sintomas mais comuns so dores abdominais, nuseas,
perda de apetite, emagrecimento, irritabilidade; quadros de obstruo intestinal podem
ocorrer quando altas cargas parasitrias esto presentes (OLorcain e Holland 2000).
Porm, esses casos mais graves so muito raros e acometem na maioria das vezes crianas
que se apresentam mal nutridas e com outros problemas associados (Rey 2008).
Tratamento
A maioria dos antihelmnticos eficaz contra esse parasito, tais como pirantel,
mebendazol, levamisol e piperazina (Rey 2008). No entanto, a diminuio da prevalncia,
no s de A. lumbricoides como de outros parasitos intestinais, est mais estreitamente
associada s melhorias no saneamento bsico que vm ocorrendo ao longo dos anos. Este
fato tem permitido a no aquisio de verminoses ou mesmo que os indivduos no
venham a se reinfectar (Simes 2002).
Importncia para sade coletiva
Estima-se que A. lumbricoides infecte 1/4 da populao mundial (Crompton 1999).
Em sunos encontra-se a espcie Ascaris suum (Goeze 1782), muito semelhante
morfologicamente e molecularmente a A. lumbricoides. Ainda hoje se discute se estas
espcies so realmente diferentes (Anderson 2001). Regies endmicas que usam como
fertilizantes fezes de sunos tais como a China, tm apontado interesse em entender
17
principalmente a epidemiologia molecular da infeco, pois infeces cruzadas entre as
espcies de Ascaris sp. humanos e sunos tm sido registradas, o que pode representar um
problema para os programas de controle da ascarase (OLorcain e Holland 2000, Peng et
al. 2003, 2005, 2007). Uma vez que a resistncia a anti-helmnticos nas espcies animais
vem aumentando progressivamente, h a preocupao da aquisio de isolados resistentes
medicao pela populao humana e consequentemente o potencial do surgimento de
uma zoonose nestas regies (Anderson 2001, Coles et al. 2006).
E, no obstante, os conhecidos fatores comuns maioria das outras helmintases, os
quais em sua maioria seriam evitveis com medidas preventivas de baixo custo, continuam
a sobrecarregar os sistemas de sade, acarretando gastos maiores, pois por muitas vezes os
pacientes j se encontrarem em um estgio agravado da doena. Alm de sintomas no to
evidentes fisicamente, mas que afetam, por exemplo, o rendimento escolar de crianas e
nos adultos o desempenho no trabalho (OLorcain e Holland 2000).
1.1.3 Trichuris sp.
O parasito
O gnero Trichuris sp. (Roederer 1761), Filo Nemathelminthes, Classe Nematoda,
Superfamlia Trichuroidea, compreende mais de 70 espcies, as quais j foram encontradas
em diversos grupos de mamferos: marsupiais, artiodtila, carnvoros, roedores, insetvoros
e primatas. T. trichiura um nematide intestinal da famlia Trichocephalidae e infecta
principalmente a espcie humana e outros grandes primatas (Gotoh 2000, Gotoh et al.
2001, Hahn et al. 2003, Gillespie et al. 2004, Legesse e Erko 2004, Kalema-Zikusoka et al.
2005, Chapman et al. 2005, Weyher et al. 2006, Levecke et al. 2007, Reichard et al. 2007,
Gillespie e Chapinan 2008, Crdon et al. 2008, Rey 2008). Trichuris suis um parasito
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intestinal encontrado em sunos, semelhante ao T. trichiura, mas no to semelhantes entre
si quanto o so A. lumbricoides e A. suum. Sendo assim, considera-se que este parasito
tenha sido adquirido pela espcie humana pelo contato com primatas no humanos, ou
seja, filogeneticamente adquirido (Confalonieri 1988). T. trichiura tambm est entre os
parasitos intestinais de maior prevalncia na populao mundial (Rey 2008).
Breves dados sobre a morfologia dos vermes adultos e ovos
Os vermes adultos medem de 3 a 5 cm de comprimento, os machos so um pouco
menores que as fmeas e a parte posterior do macho enrolada em espiral. A parte anterior
mais delgada e longa que a caudal, aparentando um chicote. Na parte anterior est a boca,
que provida de um estilete e esfago, e na posterior intestino e rgos reprodutores. O
tamanho dos ovos varia entre 50 e 55m de comprimento por 22 a 23m de largura. O ovo
tem um aspecto bem caracterstico no formato de um barril, composto por trs cascas
interrompidas e vedadas por dois plugs em cada extremidade. Por vezes os ovos se
apresentam com somente um ou nenhum dos plugs, mas este fato no impede o
diagnstico (Rey 2008).
Ciclo biolgico
Quando os ovos ganham o solo, em condies ideais de temperatura, que variam
entre o mnimo de 10oC a um timo de temperatura em torno de 35oC, h a formao das
larvas e estas aps determinado tempo passam a ser infectantes para o homem. Aps
ingesto destes ovos h ecloso e liberao das larvas na luz do intestino. As larvas
penetram o ceco, onde ficam por algum tempo. Aps completado o desenvolvimento, os
vermes adultos se fixam mucosa. Completado o ciclo, os ovos aparecem nas fezes e esto
prontos para ganharem o solo e darem incio a um novo ciclo (Figura 2) (Stephenson et al.
2000, Rey 2008).
19
Figura 2: Esquema do ciclo biolgico de Trichuris trichiura.
Legenda: Ovos contidos nas fezes ganham o solo. Os ovos se desenvolvem no solo. Embrionamento do ovo. Ovos se tornam infectantes. Depois da ingesto, os ovos passam ao intestino delgado, onde h ecloso das larvas. Maturao e estabelecimento das larvas assim como dos adultos no intestino. Os vermes adultos vivem no ceco e ascendem ao clon intestinal aonde se fixam com a poro anterior na mucosa. A fmea inicia a oviposio em 60 a 70 dias aps a infeco que pode chegar a 20.000 ovos por dia. Vermes adultos podem viver aproximadamente um ano.
Fonte: modificado de CDC. http://www.dpd.cdc.gov/dpdx
Distribuio geogrfica
Devido similaridade de hbitat fora do hospedeiro com o parasito Ascaris sp.
pode-se dizer que a distribuio de T. trichiura segue o mesmo padro daquele. As maiores
prevalncias para populao infantil so encontradas principalmente na China, ndia e
20
outros pases asiticos; Amrica Latina; Caribe e Oriente Mdio (Stephenson et al. 2000).
Patologia
A maioria dos pacientes assintomtica. Os casos mais graves esto principalmente
ligados carga parasitria, que ir depender de condies como a imunidade do indivduo,
questes de ordem nutricional, dentre outras. Em infeces consideradas intensas uma
fmea pode eliminar at 20.000 ovos. Geralmente a populao parasitria dentro do
hospedeiro no passa de dez indivduos, mas h registros de at 1.000 vermes. Mesmos em
casos sintomticos, geralmente o quadro no passa de dores abdominais e diarrias. Porm
h registros de casos de prolapso retal, e por este parasito viver aderido ao intestino
condies de anemia podem ser potencializadas (Stephenson et al. 2000, Rey 2008).
Tratamento
Geralmente os anti-helmintcos mebendazol e pamoato de oxantel tm sido usados
no combate a esta helmintase (Rey 2008). Porm, h estudos que mostram que em doses
nicas mebendazol, pomoato de oxantel e albendazol no so eficientes no combate a esta
parasitose quando comparada infeco causada por A. lumbricoides e ancilostomdeos
(Keiser e Utzinger 2008).
Importncia para sade coletiva
Exceto pelos fatores inerentes ao potencial zoontico da infeco por A. suum,
ainda no observado para T. suis, pode-se dizer que a trichurase determina os mesmos
problemas causados por qualquer helmintase, com o agravante de ser mais resistente
medicao.
21
1.1.4 Associao Ascaris sp. e Trichuris sp.
A. lumbricoides e T. trichiura so uma das associaes parasitrias mais
encontradas em todo o mundo. Isto provavelmente se deve pelo mecanismo de transmisso
e metabolismo semelhantes, ocupao de nichos muito prximos fora do hospedeiro,
grande quantidade de ovos eliminados, resistncia de seus ovos, ou, ainda, pela estratgia
evolutiva adotada por cada um desses parasitos. No entanto, so fatores primordiais na
manuteno da alta prevalncia desta associao assim como sua disperso pelo mundo, a
alta densidade demogrfica, principalmente nos pases em desenvolvimento aonde as
condies de saneamento bsico so precrias e as condies ambientais adequadas ao
ciclo evolutivo do parasito (Rey 2008, Stephenson et al. 2000, OLorcain e Holland 2000).
1.2 Diagnstico parasitolgico tradicional e suas limitaes.
Tradicionalmente o diagnstico parasitolgico para Ascaris sp. e Trichuris sp.
feito pela microscopia ptica, pelo encontro de ovos dos parasitos no exame direto das
fezes. No entanto, para o diagnstico de Ascaris sp. existem limites no nvel de espcie.
Como mencionado anteriormente, A. lumbricoides (parasito de humanos) e A. suum
(parasito de sunos) so muito semelhantes. A distino entre estas duas espcies ainda
controversa. Ocorre que os ovos de A. suum e A. lumbricoides so indistinguveis
morfologicamente. Ainda se discute se estas espcies podem se tratar de uma nica
espcie, e por estas limitaes o diagnstico molecular tem sido proposto (Anderson 2001,
Peng et al. 2007).
22
1.3 Diagnstico molecular de helmintos.
Com o surgimento das ferramentas de diagnstico molecular veio tambm o
interesse em se aplicar estas tcnicas ao estudo dos parasitos intestinais. As tcnicas
moleculares passaram ento a ser aplicadas principalmente no sentido de distinguir
espcies crpticas e/ou muito intimamente relacionadas. Estudos filogenticos tm sido
usados para averiguar a origem, disperso e relaes entre determinados grupos de
parasitos. No entanto, no universo dos parasitos intestinais, ainda pequeno o nmero de
genes e de genomas completos de helmintos disponveis (Lukes et al. 2005). O estudo de
genomas pode proporcionar um conhecimento profundo de parasitos patognicos, assim
como dos mecanismos de resistncia do parasito e/ou de interao com o hospedeiro que
facilitem o parasitismo, e assim contribuir para o desenvolvimento de medicamentos e/ou
outras aes que sejam mais eficazes no combate a estes helmintos. Hoje as abordagens de
transcriptoma e protemica so essenciais ao entendimento destes mecanismos.
Contudo, segundo uma atualizao da reviso feita por Lukes et al. (2005) observa-se que
dois dos helmintos intestinais de maior prevalncia na populao mundial, A. lumbricoides
e T. trichiura, dentre muitos outros, ainda no contam com informaes gentica de seu
genoma mitocondrial completo disponveis ou em andamento nos bancos internacionais de
sequncias (Tabela 1).
23
Tabela 1: Helmintos parasitos humanos de importncia na rea da sade coletiva e a representatividade dos seus genomas mitocondriais completos depositados no GenBank.
Genomas mitocondriais completos Helmintos 2005 Janeiro de 2010
Vermes filiformes Taenia saginata No Sim Hymenolepis nana No No Taenia solium Sim Sim Diphyllobothrium latum No Sim Echinococcus sp. Sim Sim Vermes cilndricos Ascaris lumbricoides No No Ancilostomdeos Sim Sim Trichuris trichiura No No Enterobius vermicularis No Sim Wuchereria bancrofti No No Strongyloides stercoralis Sim Sim Onchocerca volvulus Sim Sim Brugia malayi Sim Sim Loa loa No No Trichinella sp. Sim Sim Dracunculus medinensis No No Trichostrongylus orientalis No No Trematoda Schistosoma sp. Sim Sim Paragonimus westermani Sim Sim Opisthorchis sp. No Sim Clonorchis sinensis No Sim Fasciola hepatica Sim Sim Fasciolopsis buski No No Total 23 (100%) 10 (43, 4%) 15 (65,2%) Fonte: modificado de Lukes et al. 2005.
1.3.1 Epidemiologia molecular de Ascaris sp.
Embora mais de 100 milhes de pessoas estejam infectadas por A. lumbricoides na
Amrica Latina, a maioria dos estudos moleculares para Ascaris sp. foram conduzidos na
China, pas com os maiores ndices de prevalncia para a parasitose tanto em humanos
quanto sunos (OLorcain e Holland 2000, Anderson 2001, Peng et al. 2007). Este
crescente interesse em estudos de epidemiologia molecular de Ascaris sp., deve-se tambm
24
a relatos de infeco cruzada na Amrica do Norte e Dinamarca (Anderson 2001, Nejsum
et al. 2005). Quando a espcie humana adquire um parasito de espcies animais selvagens
e/ou domsticas e estabelece infeco, configura-se um quadro zoontico (Rey 2008). Em
especial nas espcies animais, devido principalmente a alta frequncia e doses de anti-
helmnticos empregadas, a resistncia a estes medicamentos tem aumentado (Larsen 1999,
Mota et al 2003). Com isto, pesquisadores tm aventado o potencial zoontico da ascarase
e a possvel aquisio de isolados resistentes a anti-hemnticos pela populao humana, o
que traria grandes implicaes para os programas de controle da ascarase (Anderson 2001,
Criscione et al. 2007b, Scott 2008).
Estudos envolvendo a epidemiologia molecular de Ascaris sp. com o objetivo de
distinguir as espcies do hospedeiro humano e suno tm sido propostos por Anderson
desde 1993. Efetivamente, Zhu et al. (1999) empregando PCR-RFLP (Polimerase Chain
Reaction -Restriction Fragment Length Polymorfism), identificaram perfis de restries
diferentes para Ascaris sp. de origem humana e suna usando como alvo molecular a regio
nuclear ITS1 (Internal Transcribed Spacer 1) (Figura 3).
Figura 3: Esquema dos genes rRNA e regies espaadoras da maioria dos nematides.
18S 5.8S
RNT 3400
28S ITS2 ITS1 1700
150 ~1000
Tamanho (pb)
Legenda. ITS1 e 2: regio espaadora interna transcrita 1 e 2. RNT: regio terminal no transcrita. 18S 5.8S, e 28S: genes rRNA 18S, 5.8S e 28S, respectivamente. Fonte: modificado de Dorris et al. (1999).
25
Peng et al. (2003), usando o mesmo alvo molecular, encontraram cinco gentipos
do parasito (G1-G5) na espcie humana e suna em diferentes provncias chinesas. O
gentipo classificado como G1 foi o mais prevalente na espcie humana (69,5%) enquanto
G3 foi mais prevalente em sunos (82,4%). Os gentipos classificados como G4 e G5
foram encontrados somente na espcie humana, mas com baixa prevalncia, de 0,4 e 0,6%,
respectivamente. J o gentipo G2 no mostrou ter afinidade maior por um ou outro
hospedeiro, sendo a percentagem dos achados de 25,5% e 15,2%, na espcie humana e
suna, respectivamente. Porm a maioria destas pesquisas usou larvas e/ou vermes adultos,
material este de difcil acesso no Brasil para anlise parasitolgica de rotina, onde
normalmente somente fezes esto disponveis. Sendo assim, Leles (2007) e Leles et al.
(2009) (Anexo I) propuseram um protocolo de diagnstico molecular para Ascaris sp. em
fezes, onde ressaltam a falta de estudos moleculares com este parasito na Amrica do Sul.
O estudo, alm de estabelecer uma metodologia de diagnstico, realiza a genotipagem que
teve como resultado a caracterizao do novo gentipo G6 para regio ITS1. Os mesmos
autores encontraram alta variabilidade intra-indivduo em isolados de Ascaris sp. do Brasil
usando como alvo a regio ITS1 e salientam os problemas de trabalhar com este alvo,
dependendo do objetivo da pesquisa (Leles et al. 2010a, Anexo II).
Outros marcadores moleculares tm sido propostos para o estudo da epidemiologia
molecular de Ascaris sp (Figura 4). Marcadores mitocondriais como cytochrome c oxidase
subunit 1 (cox1) e NADH dehydrogenase subunit 1 (nad1) foram usados por Peng et al.
(2005) em amostras provenientes de seis provncias chinesas, aonde os autores
encontraram para o gene cox1, dez diferentes hapltipos de Ascaris sp. no hospedeiro
humano (H1-H10) e dez em sunos (P1-P10). Para nad1, 11 diferentes hapltipos de
Ascaris sp. foram encontrados no hospedeiro humano (H1-H11) e 15 em sunos (P1-P15).
No entanto, ainda assim foi encontrado um hapltipo comum entre as espcies do
26
hospedeiro humano e suno para o gene cox1. Leles et al. (2010b) (Anexo III) usando estes
mesmos marcadores moleculares em amostras da Amrica do Sul tambm mostraram a
existncia de hapltipos comuns ao hospedeiro humano e suno.
Microssatlites tambm tm sido propostos para estudo da epidemiologia molecular
de Ascaris sp. e tm demonstrado que hibridizao entre Ascaris sp. da populao humana
e suna tem ocorrido, o que a longo prazo trar implicaes para os programas de controle
da ascarase (Criscione et al. 2007a, 2007b).
Figura 4. Genoma mitocondrial de Ascaris suum. Forma circular e tamanho de 14.284 pb (nmero de acesso no Genbank X54253). Contm 12 genes proticos (cox1-3, nad1-6, nad4L, cob, atp6), dois genes ribossomais e 20 genes transportadores. A seta indica o sentido da transcrio. Fonte: modificado de Okimoto et al. (1992); Hu e Gasser (2006).
27
1.3.2 Epidemiologia molecular de Trichuris sp.
Estudos envolvendo o gnero Trichuris sp. como, T. vulpis, T. suis, T. skrjabini, T.
muris e T. arvicolae tm proposto as regies Internal Transcribed Spacer 1 (ITS1) e
Internal Transcribed Spacer 2 (ITS2) como diagnstica de espcie, a regio tem mostrado
alta divergncia entre as espcies do gnero Trichuris sp. (Cutillas et al. 2002, 2004, 2007).
At pouco tempo atrs, para T. trichiura existia apenas uma sequncia para o gene
18S depositada no GeneBank (nmero de acesso: DQ118536), o que no permitiria
estudos mais robustos, uma vez que essa regio mais conservada, especialmente em
espcies proximamente relacionadas como T. trichiura e T. suis. Apenas recentemente
foram depositadas no GeneBank as primeiras sequncias de ITS de T. trichiura (Cutillas et
al. 2009). Os autores mostraram que, apesar de relacionados, isolados de T. trichiura de
primatas no humanos e isolados de T. suis de porcos domsticos e selvagens so
geneticamente diferentes e facilmente distinguveis pela tcnica de PCR-RFLP.
Pode-se dizer que ainda so incipientes os estudos com T. trichiura, dado o
pequeno nmero de isolados estudados e informao gentica disponvel, e ainda no
existem estudos usando a regio ITS como alvo molecular em T. trichiura isolados de
humanos.
1.4 Paleoparasitologia
Paleoparasitologia a cincia que estuda os parasitos em material paleontolgico e
arqueolgico (Ferreira et al. 1979). Em um sentido mais abrangente, a paleoparasitologia
estuda as relaes parasito-hospedeiro, assim como a origem e evoluo das infeces,
traando um cenrio paleoepidemiolgico (Arajo et al. 2003). Os primeiros parasitos
28
recuperados em material antigo foram ovos de Schistosoma haematobium encontrados nos
rins de mmias egpcias datadas de 3.200 AP (Antes do Presente) (Ruffer 1910). Com o
desenvolvimento da tcnica de reidratao em fosfato trissdico por Callen e Cameron
(1960), os coprlitos (fezes dessecadas ou fossilizadas) passariam a ser estudados.
Diversos tipos de materiais preservados nos stios arqueolgicos so potencialmente fonte
de informao para os estudos paleoparasitolgicos, tais como coprlitos, sedimentos,
latrinas, fossas, corpos artificial ou naturalmente mumificados, artefatos que guardam
vsceras preservadas, esqueletos, dentre outros. A paleoparasitologia nasce no Brasil no
final da dcada de 70, constituindo hoje um consolidado grupo de pesquisa no pas. Outros
grupos de pesquisa em paleoparasitologia tm se espalhado pelo mundo, como nos Estados
Unidos da Amrica, Frana, Coria, Japo, dentre outros, os quais tambm tm contribudo
enormemente para esta rea de pesquisa.
A paleoparasitologia tem relatado achados de parasitos no Velho e Novo Mundo,
quer por evidncias diretas ou indiretas. As evidncias diretas constituem-se no achado de
vestgios dos parasitos, como ovos de helmintos ou suas larvas (por exemplo, Ascaris sp.,
Trichuris sp. Enterobius sp., Capillaria sp., ancilostomdeos dentre outros), cistos de
protozorios, antgenos ou ainda fragmentos de DNA preservados do parasito (Figura 5).
Figura 5. Ovos de parasitos. A: Ascaris lumbricoides. B: Trichuris trichiura. C: Taenia sp. Fonte: Matsui et al. 2003.
A B C
29
As evidncias indiretas constituem-se, por exemplo, na observao de leses sseas
caractersticas ocasionadas por algumas infeces como as deixadas pela tuberculose em
estgio avanado ou sfilis terciria, hansenase, dentre outras. Ou mesmo quelas
sugestivas da infeco, como, por exemplo, as deixadas pelos povos do Peru e Bolvia em
cermicas mochica huacos, que representam figuras antropomrficas com mutilaes de
nariz e outros desenhos sugestivos de leishimaniose tegumentar (Altamirano-Enciso et al.
2003) (Figura 6).
Os achados mais antigos de parasitos em material antigo datam do cretceo inferior,
ou seja, aproximadamente 100 milhes de anos atrs, tais como cistos de protozorios e
ovos de helmintos em um coprlito de dinossauro encontrado na Blgica (Poinar e Boucot
2006). Larvas de nematdeos tambm j foram encontradas em coprlito de hiena na Itlia
datado de 1,5 milhes de anos por grupo de pesquisa brasileiro (Ferreira et al. 1993).
Sianto et al. (2009) fizeram uma reviso das zoonoses no passado pelos achados de
Figura 6: Cermica da regio andina, com mutilaes de nariz e boca sugestivas de leishimaniose tegumentar. Fonte: Pessoa 1948.
30
parasitos de animais em coprlitos humanos. Os autores mostraram que muitas das
zoonoses hoje existentes estavam presentes no passado, sugerindo que estes dados,
somados a estudos de emergncia e reemergncia de doenas, podem servir para traar
cenrios futuros de disseminao das doenas infecciosas. Gonalves et al. (2003) fizeram
uma extensa reviso dos achados de parasitos de humanos por microscopia ptica no
Velho e Novo Mundo (Tabela 2). Estes dados mostram o potencial da paleoparasitologia
na reconstruo de cenrios paleoepidemiolgicos e como aporte na compreenso de
infeces atualmente existentes, assim como na predio de outros cenrios, como
aumento, diminuio, desaparecimento ou o aparecimento de infeces parasitrias.
Tabela 2: Achados de parasitos em material arqueolgico humano no Velho e Novo mundo.
Novo Mundo Velho Mundo *Achados de parasitos em material
arqueolgico humano Perodo
pr-contato
Perodo ps-
contato
Perodo pr-
contato
Perodo ps-
contato Ancilostomdeos + + + + Ascaris lumbricoides + + + + Trichuris trichiura + + + + Enterobius vermicularis + - + - Stronyloides stercoralis ? - + - Trichonstrongylus sp. + + - - Fasciola sp. ? + - ? Shistosoma sp. - - + + Dricrocoelium sp. - ? + - Opisthorchiformes + - + - Paragonimus sp. - + + + Taenia sp. - + + + Diphyllobothrium sp. + + + + Hymenolepis sp. + - - - Acanthochepala + - - - Entamoeba sp. + - - - Giardia duodenalis + - + + Chilomastix mesnili - - + - Cryptosporidium parvum + - - - Cyclospora cayetanenis + - - - Isospora belli + - - - Sarcocystis hominis + - - - Echinoccus granulosus + + + ? Trichinella spiralis + - - -
31
Novo Mundo Velho Mundo *Achados de parasitos em material
arqueolgico humano Perodo
pr-contato
Perodo ps-
contato
Perodo pr-
contato
Perodo ps-
contato Dracunculus medinensis - - + - Vermes filariformes - - + - Total 26 17 9 16 8 Fonte: modificado de Gonalves et al. (2003). *: coprlitos, sedimentos, material de fossas e latrinas, material coletado de mmias e artefatos funerrios. ?: diagnstico incerto.
A paleoparasitologia tem rompido fronteiras e conseguido o reconhecimento
internacional de outras cincias, ao propor alternativas da entrada da espcie humana nas
Amricas (Arajo et al. 2008a). Este trabalho aponta de forma incontestvel vias
transocenicas de entrada do homem nas Amricas, ao demonstrar que achados de
geohelmintos em material pr-colombiano no poderiam ter vindo com a espcie humana
pelo estreito de Bering, uma vez que este apresentava temperaturas muito abaixo da
necessria para a manuteno e transmisso destes parasitos.
A aplicao de tcnicas de biologia molecular anlise parasitolgica, constituindo
a paleoparasitologia molecular, tambm denominada por outros autores de
paleomicrobiologia, permitiu a recuperao de parasitos antes no identificveis
microscopia ptica (Drancourt e Raoult 2005). A partir da reviso feita por Drancourt e
Raoult (2005) para estudos envolvendo diagnstico molecular de helmintos em material
antigo, observa-se que somente um helminto foi acrescentado recentemente lista proposta
pelos autores, T. trichiura (Oh et al. 2010). Contudo, embora nesta listagem de 2005 no
contivesse o parasito A. lumbricoides, j havia um trabalho publicado por Loreille et al.
(2001) onde caracterizaram molecularmente este parasito em material proveniente da
Blgica, datado da Idade Mdia. Os outros dois nicos trabalhos envolvendo diagnstico
molecular de helmintos em material arqueolgico acrescentados a esta lista so de grupos
de pesquisa do Brasil (Iiguez et al. 2006, Leles et al. 2008). As ferramentas de
32
diagnstico molecular tm procurado elucidar grandes catstrofes ocorridas ao longo da
histria, responsveis por dizimar populaes, tais como a Peste de Atenas. Estudos de
paleoparasitologia molecular tm apontado a bactria Salmonela sp., como possvel
responsvel pela Peste da Atenas (Papagrigorakis et al. 2006), embora mais estudos devam
ser realizados. A abordagem molecular tem ainda permitido estudos filogenticos de
muitos parasitos, abordando sua origem, evoluo e disperso (Ujvari 2008).
Ncleos de pesquisa em biologia molecular que usam material arqueolgico como
fonte de pesquisa tm se consolidado no Brasil, como o de Paleogentica na Universidade
Federal do Par, destinado ao trabalho com DNA humano antigo, e o de Paleoparasitologia
Molecular na Fundao Oswaldo Cruz, destinado ao estudo de DNA antigo de diversos
parasitos, com publicaes que mostraram a recuperao de DNA antigo de parasitos como
Enterobius vermicularis, Trypanosoma cruzi, Ascaris sp., HTLV e mais recentemente
Mycobacterium tuberculosis. (Iiguez et al. 2006, Lima et al. 2008, Fernandes et al. 2008,
Leles et al. 2008, Orellana 2008, Iiguez et al. 2009).
1.4.1 Paleodistribuio de Ascaris sp. e Trichuris sp. por microscopia ptica.
A associao Ascaris sp. e Trichuris sp., assim como atualmente, uma das mais
encontradas em material antigo pelo diagnstico ao microscpio ptico, possivelmente
pelos mesmos motivos que a faz to prevalente ainda hoje, mas principalmente pela
resistncia dos ovos de ambos parasitos. At o momento, o achado mais antigo para
Ascaris sp. pertence ao stio Arcy-sur-Cure, Frana datado de 30.000 anos. (Loreille e
Bouchet 2003). J para Trichuris sp. o achado mais antigo foi encontrado no stio Kruger
Cave na frica do Sul e data de aproximadamente 10.000 anos. Neste stio tambm se
encontra o segundo achado mais antigo de Ascaris sp., que corresponde a associao A.
33
lumbricoides e T. trichiura mais antiga encontrada at agora, embora seja importante
ressaltar que h incerteza quanto origem humana do material deste stio arqueolgico
(Evans et al. 1996).
No entanto, quando se observam perodos de tempo e localidades especficas no
passado, a distribuio desses parasitos se apresenta de maneira distinta. No perodo pr-
colombiano achados de A. lumbricoides so raros na Amrica do Sul (Gonalves et al.
2003, Leles et al. 2004). O achado mais antigo est datado de 2.277 AC 181 em
Huarmey Valley, Peru (Patrucco et al. 1983), seguido do achado pertencente ao stio
arqueolgico Gruta do Gentio II, Brasil datado de 3.490 120 430 70 AP (Gonalves
et al. 2003). Achados de ovos de Ascaris sp. em sedimento arqueolgico, contidos em
cavidade plvica de restos humanos recuperados no distrito El Potrero de Santa Luca,
Andalgal-Catamarca, Argentina datados de 470 200 AC a 310 90 AD tambm foram
relatados (Pau et al. 2005). E, mais recentemente, achados em esqueleto de colonizador
espanhol datado do sculo XVI no stio arqueolgico Nombre de Jesus na regio da
Patagnia, Argentina (Fugassa et al. 2006). Neste contexto, porm, fica difcil estabelecer
se a infeco foi adquirida no continente sul americano.
Ainda assim, quando se comparam achados em vestgios arqueolgicos de T.
trichiura e A. lumbricoides na Amrica do Sul, a ascarase inexpressiva se comparada
trichurase (Figuras 7A e B).
Quanto ao perodo colonial, principalmente no que se refere Amrica do Sul, os
achados so incipientes, tornando difcil qualquer suposio quanto distribuio e
prevalncias das ascarase e trichurase. Contudo, para Trichuris sp. h um aspecto que
desperta interesse, sua possvel associao com um quadro clnico chamado maculo ou
mal del culo. Este quadro clnico era caracterizado por prolapso retal e presena de
vermes fixados mucosa intestinal. poca havia relatos inclusive do tratamento do
34
maculo com plvora, pimenta, dentre outros. Entretanto, o termo verme em portugus
seiscentista poderia se referir diferentes organismos ou parasitos, como helmintos, larvas
de insetos e outros. Porm, importante ressaltar que este quadro clnico era muito comum
no Brasil colonial, uma vez que a grande maioria dos cronistas do perodo se referia a ele
(Guanabarinus et al. 2001). Sendo assim, a documentao histrica, ainda no muito
explorada pela paleoparasitologia poderia ser utilizada como outra ferramenta na busca de
novos achados, no s de Trichuris sp. como de outros parasitos, contribuindo para a
construo e/ou remodelao de cenrios paleoepidemiolgicos.
35
Figura 7A: Paleodistribuio de Ascaris lumbricoides por diagnstico ao microscpio ptico (30.300 AP 1.930 AD).
Legenda: diagnstico por microscopia ptica. AP: Antes do Presente. AD: Anno Dommini.
36
Figura 7B: Paleodistribuio de Trichuris trichiura por diagnstico ao microscpio ptico (8.300 AC 1.930 AD).
Legenda: diagnstico por microscopia ptica. AP: Antes do Presente. AD: Anno Dommini.
37
1.4.2 Paleodistribuio de Ascaris sp. e Trichuris sp. por diagnstico molecular.
Considerando o paradoxo dos achados de A. lumbricoides e T. trichiura no material
arqueolgico revelados pelos achados por microscopia ptica, Leles (2007) props o uso de
ferramentas de diagnstico molecular como alternativa para identificar se problemas de ordem
metodolgica estariam envolvidos ou se Ascaris sp. realmente no estaria presente e/ou em
prevalncias muito baixas na Amrica do Sul. Esta seria uma excelente abordagem, uma vez
que seria capaz de identificar a presena do parasito pela recuperao de fragmentos do seu
DNA, mesmo que os ovos do parasito no estivessem sendo observados. O primeiro trabalho
com DNA antigo de Ascaris sp. foi feito por Loreille et al. (2001). Os autores descrevem a
recuperao de DNA de ovos isolados em amostra de latrina da Idade Mdia no stio
arqueolgico "Place d'Armes em Namur, Blgica. No entanto, na pesquisa supracitada, de
100 a 300 ovos de Ascaris sp. foram isolados para extrao do DNA e, consequentemente,
para deteco molecular do parasito. Porm, ovos de Ascaris sp. na Amrica do Sul so raros
ou no so encontrados. Sendo assim, a metodologia proposta por Loreille et al. (2001) no se
aplicaria s amostras arqueolgicas do continente sul americano. Desta maneira, Leles et al.
(2008) (Anexo IV) propuseram um diagnstico molecular de Ascaris sp. aplicado diretamente
a DNA extrado de coprlitos, o qual se adequaria melhor ao material proveniente da Amrica
do Sul, ao invs da metodologia proposta por Loreille et al. (2001). Para rastrear as amostras
potencialmente positivas para Ascaris sp., mesmo sem a presena dos ovos, escolheram
principalmente as amostras positivas para T. trichiura, levando-se em conta a forte associao
entre estes parasitos. Apesar do limitado nmero de amostras usadas neste trabalho, os autores
apontam para um sub-diagnstico da infeco na Amrica do Sul, mostrando que a abordagem
metodolgica usada pela microscopia no detecta a presena de ovos de Ascaris sp.
38
simplesmente porque estes no esto preservados. Dos cinco stios arqueolgicos do Brasil e
Chile avaliados, quatro tinham amostras positivas para T. trichiura pelo diagnstico ao
microscpio ptico e, destes quatro, trs foram positivos para o diagnstico molecular usando
como alvo molecular um fragmento do gene mitocondrial cytb; alm de uma amostra do Piau
negativa para T. trichiura, que foi positiva para Ascaris sp., mostrando que Ascaris sp. estaria
circulando na Amrica do Sul h pelo menos 8.800 anos (Tabela 3).
Tabela 3: Achados de T. trichiura e A. lumbricoides no perodo pr-colombiano pelo diagnstico por microscpio tico e molecular.
Diagnstico por microscopia tica
Diagnstico molecular
Stios arqueolgicos
Pas
T. trichiura Ascaris sp.
Ascaris sp.
Datao Referncias
Stio do Meio, PI Brasil - - + 880060 AP Gonalves et al. 2003
Lapa Pequena, MG Brasil + - + 8800-7000 AP
Gonalves et al. 2003
Boqueiro Soberbro, MG
Brasil + - - 490585-132560 AP
Ferreira et al. 1982
Vale Huarmey Chile - + NA 4227181 AP Patrucco et al. 1983
Santa Elina, MT Brasil + NA 4000-2000 AP
Gonalves et al. 2003
Gruta do Gentio II, MG
Brasil +/- +? +/- 3490120-43070 AP
Ferreira et al. 1980, 1983
Tuln, San Pedro de Atacama
Brasil + - + 3030-2900 AP
Gonalves et al. 2003
Furna do Estrago Brasil + - NA 2000 AP Ferreira et al. 1989
Vale Huarmey Chile + - NA 950 AP Patrucco et al. 1983
Legenda. NA: no avaliado. ?: diagnstico incerto. AP: antes do presente. Fonte: modificado de Leles et al. (2008).
Sendo assim, um novo cenrio da paleoepidemiologia de Ascaris sp. comeava a ser
traado para Amrica do Sul pelo diagnstico molecular (Figura 8).
39
Figura 8: Paleodistribuio de Ascaris lumbricoides por diagnstico molecular (13.900 AP 360 AP).
Legenda: diagnstico por microscopia ptica; diagnstico molecular. Os stios arqueolgicos onde foi identificada a presena do parasito neste estudo esto indicados por setas. 1: Stio do Meio, PI; 2: Gruta do Gentio II, MG; 3: Lapa Pequena, MG; 4: Tuln, San Pedro de Atacama, Chile. Fonte: Leles 2007. AP: Antes do Presente. AD: Anno Dommini.
Stio do Meio 13900-8800 AP
Gruta do Gentio II 3710-360 AP
Lapa Pequena 8000-7000 AP
Tuln 1080-950 AC
40
Para T. trichiura ainda no se pode traar cenrios de paleodistribuio pelo
diagnstico molecular, pois apenas em janeiro de 2010 surgiu o primeiro trabalho envolvendo
recuperao de DNA antigo deste parasito, proveniente de um nico stio arqueolgico
coreano (Oh et al. 2010).
No entanto, existe uma srie de fatores que podem ser ainda explorados a fim de
esclarecer a paleodistribuio de Ascaris sp. e Trichuris sp. Primeiramente, para dar uma
perspectiva paleoepidemiolgica pesquisa e mais robustez aos achados de Leles et al.
(2008), amostras e stios arqueolgicos adicionais precisam ser includos, assim como outros
alvos moleculares passveis de comparao com a epidemiologia moderna da infeco. O
estudo paleogentico de amostras negativas pela microscopia para Trichuris sp. pode revelar
se o mesmo est ocorrendo para este parasito. Finalmente, tentar elucidar porque os ovos de
Ascaris sp. no esto sendo preservados nas amostras arqueolgicas, principalmente as do
continente sul americano (Leles et al. 2010c, Anexo V).
41
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Verificar a associao parasitria Ascaris sp. e Trichuris. sp. de origem humana na
Amrica do Sul pr-colombiana por diagnstico molecular e discutir os fatores envolvidos
na paleodistribuio encontrada.
3.2 Objetivos Especficos
Avaliar o potencial da regio ITS1 de Ascaris sp. como marcador molecular em
isolados modernos de origem humana do Brasil.
Caracterizar molecularmente regies dos genes cox1e nad1 de Ascaris sp. em isolados
de material fecal de origem humana e suna do Brasil.
Diagnosticar molecularmente T. trichiura em isolados fecais modernos de origem
humana usando como alvo as regies 18S e/ou ITS.
Diagnosticar molecularmente a presena de Ascaris sp. e Trichuris sp. em coprlitos
humanos e/ou sedimentos provenientes de stios arqueolgicos do continente sul
americano.
Buscar os fatores envolvidos na paleodistribuio observada entre Ascaris sp. e
Trichuris sp. por meio de uma reviso sistemtica dos achados em material antigo.
42
3 MATERIAIS E MTODOS
3.1 Avaliando a variabilidade intra-indivduo de Ascaris sp.
3.1.1 Amostras fecais atuais
Nove amostras fecais humanas positivas ao exame parasitolgico para Ascaris sp.
pelos mtodos Kato-Katz (Kato 1960, Katz et al. 1972) e/ou sedimentao espontnea
(Lutz 1919) foram analisadas. Sete da cidade do Rio de Janeiro e 2 da cidade de Santa
Isabel do Rio Negro no estado do Amazonas (Tabela 4).
Tabela 4: Amostras fecais positivas para Ascaris sp. usadas no estudo.
Amostras Localidade DL01 Rio de Janeiro DL02 Rio de Janeiro DL04 Rio de Janeiro DL13 Rio de Janeiro DL15 Rio de Janeiro DL16 Rio de Janeiro DL17 Rio de Janeiro 041-1 Santa Isabel do Rio Negro 104-5 Santa Isabel do Rio Negro
3.1.2 Metodologia
Inicialmente foi feita sedimentao espontnea pelo mtodo de Lutz (1919) para
todas as amostras. Para verificar a variabilidade intra-indivduo, um nico ovo foi isolado
de cada amostra fecal com auxlio de um microscpio ptico (Nikon E200 Eclipse) e
microscpio estereoscpio (Carl Zeiss DL0603). A extrao do DNA e PCR foram feitas
43
segundo protocolo de diagnstico molecular para Ascaris sp. estabelecido por Leles et al.
2009 (Anexo I).
Extrao do DNA: os ovos isolados passaram por prvio tratamento fsico de 5 ciclos de
ferve-congela (98oC/Nitrognio lquido). Em seguida foi adicionado 400l de tampo de
digesto (10 mM NaCl; 10mM Tris HCl pH 8.0; 2 mM EDTA), 100l SDS 10%, 20 l
DTT 1M e 1,2 mg de proteinase K (Iiguez et al. 2002). A reao foi incubada over night
em shaker a temperatura de 55C. Posteriormente foi feita extrao fenol clorofrmio
seguida de purificao em colunas Wizard SV Gel and PCR Clean-Up System
(Promega). Eventualmente os ovos passaram s por tratamento fsico.
PCR: acessou-se a regio ITS1 com os oligonucleotdeos XZ5 forward 5-
TGATGTAATAGCAGTCGGCG-3, XZ1 reverse 5-
GGAATGAACCCGATGGCGCAAT-3 e NC13 reverse 5-GGCTGCGTTCTTCATCAT-
3 (Zhu et al. 1999). A PCR foi realizada em volume final de 50 l (10 X de Tampo: 10
mM Tris-HCl, 50 mM KCl - Invitrogen, pH 8.0); 3 mM MgCl2; 0.2 mM do mix de dNTP;
200 ng para cada oligonucleotdeo; 2.5 U de Taq polimerase Platinum; 3 a 5l ou 20-100
ng do DNA. Toda PCR foi acompanhada de um controle negativo (todos os reagentes
menos o DNA da amostra) e um positivo (verme adulto de Ascaris sp.). As reaes foram
submetidas a um ciclo inicial de 5 minutos a 96oC, seguido de 40 ciclos de 96oC por 30
segundos, 55oC por 45 segundos e 72oC por 1 minuto em termociclador programvel (PTC
100 60 v, MJ Research, Inc). Produtos da PCR foram submetidos eletroforese em gel de
agarose 2%, em seguida corados com brometo de etdio (diluio: 20L de brometo de
etdio [10mg/ml] em 200mL de gua destilada) e visualizados em transluminador.
Sequenciamento nucleotdico: os produtos da PCR amplificados foram purificados em
colunas Wizard SV Gel and PCR Clean - Up System (Promega) seguido de
sequenciamento nucleotdico direto usando Kit comercial Big Dye Terminator v 3. 1 Cycle
44
Sequencing Ready Reaction Kit (Applied Biosystems). Posteriormente, os produtos foram
clonados usando o sistema pGEM-T and pGEM Easy Vector System (Promega) e pelo
menos trs clones de cada amostra sequenciados em ambas as fitas em sequenciador
automtico 3100 Applied Biosystems como descrito pelo fabricante. Os programas
Chromas verso 1.45 (School of Health Science, Griffith University, Queensland,
Australia), BioEdit Sequence Alignment verso 5.0.9 (Department of Microbiology, North
Carolina State University, USA) e DAMBE v4.2.13 foram usados na edio e anlise das
seqncias nucleotdicas. As sequncias nucleotdicas deste estudo foram depositadas no
GenBank (nmeros de acesso: EF153691923, EU63568395 e GQ339794GQ339801).
Todas as seqncias nucleotdicas geradas neste estudo foram alinhadas com auxlio do
programa Bioedit v. 5.0.9 e comparadas a todas sequncias disponveis no GenBank pelo
uso da ferramenta Blast (NCBI), disponvel no stio http://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi.
3.2 Caracterizao dos genes mitocondriais nad1 e cox1 de Ascaris sp. do Brasil
3.2.1 Amostras atuais
Foram selecionadas amostras de regies brasileiras onde h ou houve contato entre
a populao humana e suna. Quarenta e cinco amostras fecais humanas positivas ao exame
parasitolgico para Ascaris sp. pelos mtodos Kato-Katz (Kato 1960, Katz et al. 1972) e/ou
sedimentao espontnea (Lutz 1919) foram selecionadas. Trinta e uma eram provenientes
da cidade de Santa Isabel Rio do Negro, no estado do Amazonas e treze da cidade Rio de
Janeiro. Incluiu-se como controle um verme adulto de A. lumbricoides proveniente de
Angola. Adicionalmente foram avaliadas onze amostras de origem suna, seis amostras
fecais proveniente da regio sul do estado de Minas Gerais, trs vermes adultos do estado
45
do Rio de Janeiro e dois vermes adultos do estado do Esprito Santo, sendo que os vermes
adultos estavam conservados em formol 5% (Tabela 5).
Tabela 5: Amostras deste estudo.
3.2.2 Metodologia
Tratamento prvio das amostras
Fezes: inicialmente as amostras foram codificadas e imediatamente estocadas a 20 oC.
Posteriormente, foi feita sedimentao espontnea das fezes, segundo a tcnica de Lutz
(1919).
Vermes adultos: as amostras foram lavadas trs vezes em soluo de PBS.
Extrao de DNA
As amostras fecais passaram por tratamento fsico de cinco ciclos de ferve-congela
(98oC/Nitrognio lquido). Os vermes adultos foram macerados em nitrognio lquido. Em
seguida, adicionaram-se 400 l de tampo de digesto (10 mM NaCl; 10mM Tris HCl pH
Localidade (n) Hospedeiro Amostras Rio de Janeiro (13) Humano DL01-06; 12-17, 22 Santa Isabel do Rio Negro (31) Humano SI11-12; SI15; SI24; 010.7; 033.5;
040.1; 040.4; 041.1; 043.4; 061.10; 062.1; 071.6; 082.5; 103.4; 104.1-2, 4-5; 113.4; 115.2; 126.5-6; 128.3, 5-6, 8; 152.1; 157.15; 163.6; 164.1
Angola (1) Humano HAn Subtotal de amostras humanas (45) Minas Gerais, Brasil (6) Suno PMG1-6 Esprito Santo, Brasil (2) Suno PES1-2 Rio de Janeiro, Brasil (3) Suno PRJ1-3 Subtotal de amostras sunas (11) Total (56)
46
8.0; 2 mM EDTA), 100l SDS 10%, 20l DTT 1M e 1,2 mg de proteinase K. A reao foi
incubada over night em shaker, temperatura de 55C. Posteriormente, fez-se extrao
fenol clorofrmio, seguida, de purificao em colunas Wizard SV Gel and PCR Clean-
Up System (Promega) ou illustra GFX PCR DNA and Gel Band Purification Kit (GE
Amershan). Adicionalmente, usou-se o Kit comercial QIAamp DNA Stool Min Kit
(Qiagen) com modificaes padronizadas por Leles et al. 2009 (Anexo I). O DNA de
algumas amostras foi quantificado em espectrofotmetro por absorbncia nos
comprimentos de onda 260 nm, 280 nm e 320 nm.
PCR
Usaram-se oligonucleotdeos previamente descritos na literatura especficos para os
genes mitocondriais cox1 e nad1 de Ascaris sp. e alguns desenhados especificamente para
esta pesquisa (Tabela 6). A reao da PCR foi feita de acordo com Peng et al. (2005). Os
oligonucleotdeos foram desenhados com auxlio dos programas Primer 3 e Blast
disponveis nos endereos eletrnicos: http://primer3.sourceforge.net/releases.php e
www.ncbi.nlm.nih.gov/tools/primer-blast. PCR para amplificao de DNA humano
mitocondrial foi realizado para verificar a presena de inibidores (Tabela 6).
47
Tabela 6: Oligonucleotdeos e combinaes usadas nas amplificaes.
*Desenhados para este estudo.
Sequenciamento nucleotdico
Os produtos da PCR foram purificados em colunas Wizard SV Gel and PCR
Clean-Up System (Promega), seguido de sequenciamento nucleotdico direto usando Kit
comercial Big Dye Terminator v 3. 1 Cycle Sequencing Ready Reaction Kit (Applied
Biosystems). Os produtos foram clonados usando o sistema pGEM-T and pGEM Easy
Vector System (Promega). As amostras foram sequenciadas em ambas as fitas em
sequenciador automtico 3100 Applied Biosystems como descrito pelo fabricante. Os
programas Chromas verso 1.45 (School of Health Science, Griffith University,
Queensland, Australia), BioEdit Sequence Alignment verso 5.0.9 (Department of
Microbiology, North Carolina State University, USA), GeneDoc v 2.6.002 e DAMBE v
4.2.13 foram usados na edio e anlise das sequncias nucleotdicas. A divergncia
Oligonucleotdeos
Sequncias
Tamanho dos produtos da PCR em
pares de base (pb)
Referncias
cox1 As-Co1F forward As-Co1R reverse
5-TTTTTTGGTCATCCTGAGGTTTAT-3 5-ACATAATGAAAATGACTAACAAC-3
430 pb
Peng et al. 2005
As-Co1F forward *Cox1R reverse
5-TTTTTTGGTCATCCTGAGGTTTAT-3 5-GCCCGAGAGTCAAGATCCAT-3
200 pb
Peng et al. 2005 *
*Cox1F forward As-Co1R reverse
5-GGATCTTGACTCTCGGGCTTA-3 5-ACATAATGAAAATGACTAACAAC-3
250 pb
Peng et al. 2005 *
nad1 MH5F forward As-NDR reverse
5-TATGAGCGTCATTTATTGGG-3 5-GCATCACAATAGCCAACAAATAC-3
400 pb
Peng et al. 2005
MH5F forward *NAD1R reverse
5-TATGAGCGTCATTTATTGGG-3 5-CAGAAAACCCAATCAAACACA-3
270 pb
Peng et al. 2005 *
*NAD1F forward As-NDR reverse
5-CTCCTCTGAATTCTTCGGAAA-3 5-GCATCACAATAGCCAACAAATAC-3
280 pb
Peng et al. 2005 *
cox2 Paabo A Paabo C
5-ATGCTAAGTTAGCTTTACAG-3 5-ATTCCCCTAAAAATCTTTGA-3
90 pb
Pbo 1990
Asc
ari
s sp
. H
uman
o
48
nucleotdica das sequncias (d) e respectivo desvio padro (SD) foram calculados para
cada gene, para ambos os hospedeiros e tambm para ambas as regies geogrficas do
Brasil usando a distncia p (p-distance) no programa MEGA v.4.1, incluindo todas
sequncias dos genes cox1 e nad1 avaliadas no Genbank. A rvore gentica Neighbor-
Joining (NJ) foi construda no programa MEGA v.4.1 e foi avaliada pela anlise de
bootstrap de 1.000 rplicas. Dados do hospedeiro e origem geogrfica foram includos nas
rvores. As sequncias nucleotdicas deste estudo foram depositadas no GenBank
(nmeros de acesso: GU326948-GU326964).
3.3 Diagnstico molecular de Trichuris sp. em amostras modernas
De 30 a 100 ovos de Trichuris sp. de origem humana foram isolados de fezes com
auxlio de microscpio ptico (Nikon E200 Eclipse) e microscpio estereoscpio (Carl
Zeiss DL0603). Os mesmos procedimentos previamente descritos para ovos isolados de
Ascaris sp. foram aplicados na extrao do DNA de Trichuris sp. Adicionalmente foi feita
extrao de DNA diretamente das fezes seguindo o protocolo padronizado para E.
vermiculares por Iiguez et al. (2003), e para Ascaris sp. por Leles et al. (2009). Para T.
trichiura foram desenhados oligonucleotdeos para o gene ribossomal 18S DNA com base
na nica sequncia disponvel no GenBank (nmero de acesso: DQ118536). Para
amplificao da regio ITS de Trichuris trichiura foram usados inicialmente
oligonucleotdeos universais para nematides (NC5, NC13R e NC2R) e posteriormente
oligonucleotdeos especficos para T. trichiura (Cutillas et al. 2009) (Tabela 7). Os
oligonucleotdeos foram desenhados com auxlio dos programas Primer 3 e Blast
disponveis nos endereo eletrnicos: http://primer3.sourceforge.net/releases.php e
www.ncbi.nlm.nih.gov/tools/primer-blast.
49
Tabela 7: Oligonucleotdeos usados para o diagnstico molecular de T. trichiura.
Oligonucleotdeos
Sequncias
Tamanho dos produtos da PCR em pares de base
(pb)
Referncias
18S TT0926 forward TT1214 forward TT1315 forward TT1334 reverse TT1606 reverse TT1709 reverse
5-TTGCGAAAGCATTTGTCAAG-3 5- CTGCGAGGATTGACAGATCA-3 5-CGAACGAGACTCTGGCCTAC-3 5- GTAGGCCAGAGTCTCGTTCG-3 5- ACGTTTCAACCGATTTCCTG-3 5- GTACAAAGGGCAGGGACGTA-3
120-783 pb
Desenhados para este estudo
ITS NC5 forward NC2 reverse
5-GTAGGTGAACCTGCGGAAGGATCATT-3 5-TTAGTTTCTTTTCCTCCGCT-3
~1000 pb
Gasser et al. 1996
TTF forward TTR reverse
5-CTACGTCCCTGCCCTTTGTA-3 5- TCTTTTCCTCCGCTTAACGAT-3.
905 pb
Cutillas et al. 2009
PCR: a reao da PCR para ambos os alvos moleculares, assim como a ciclagem usada
foram realizadas segundo protocolo proposto por Cutillas et al. (2009). Os produtos foram
sequenciados diretamente conforme descrito nas sesses anteriores.
Foi feita uma anlise das sequncias de ITS do gnero Trichuris sp. disponveis no
Genbank usando-se a ferramenta blast (www.ncbi.nlm.nih.gov/tools/primer-blast) .
3.4 Diagnstico molecular de Ascaris sp. e Trichuris sp. em material arqueolgico
Setenta e uma amostras foram selecionadas nessa etapa de estudo, compreendendo
coprlitos humanos e sedimentos provenientes de diversos stios arqueolgicos, os quais
pertencem coleo do laboratrio de paleoparasitologia da ENSP-FIOCRUZ e
laboratrio de paleogentica anexo ao LGMM/IOC-FIOCRUZ, conforme discriminado
abaixo (Tabela 8A-D). Embora a maioria das amostras usadas tenham sido coletadas por
outros pesquisadores, muito antes da realizao deste estudo, destacam-se as amostras
provenientes da Igreja da S (Tabela 8A) e stio arqueolgico Cubato I (Tabela 8B) que
50
foram coletadas por nosso grupo de pesquisa, seguindo os padres para estudos
paleogenticos (Drancourt e Raoult 2005).
3.4.1 Amostras
Tabela 8A: Localidade, dataes e parasitos encontrados nas amostras arqueolgicas pr-Colombianas do Brasil.
Amostras Descrio *Parasitos Stio Gruta do Gentio II, MG (3.490 +-120 a 430 +- 70 AP)
A22f Coprlito Trichuris sp., ancilostomdeos A24a Coprlito Capilria, acardeo, ancilostomdeos, cestide A05 Coprlito Ancilostomdeo A11 Coprlito Ascardeo? A105 Coprlito Trichuris sp., ancilostomdeos A107 Coprlito Trichuris sp., ancilostomdeos Subtotal 6
Stio Lapa Pequena, MG (8000-7000 AP) A47 Coprlito - A48 Coprlito - Subtotal 2
Stio Boqueiro Soberbo, MG (490585-132560 AP) A213 Sedimento Trichuris sp. A283 Coprlito Trichuris sp. A306 Coprlito Trichuris sp. A308 Coprlito Trichuris sp., ancilostomdeo A319 Coprlito Trichuris sp.? A320 Coprlito Trichuris sp.? Subtotal 6
Stio Barreirinho, MG (NA) A259 Coprlito Trichuris sp. A266 Coprlito Trichuris sp., ancilostomdeos Subtotal 2
Stio Boqueiro da Pedra Furada, PI (8530-7250 AP) A337 Coprlito Ancilostomdeos A338 Coprlito Ascardeo, datao (NA) A352 Coprlito Trichuris sp, ancilostomdeo, datao (NA)
Stio Boqueiro da Pedra Furada, PI (8530-7250 AP) A353 Coprlito Ascardeo, datao (NA) A358 Coprlito Trichuris sp., datao (NA) A360 Coprlito - Subtotal 6
Stio do Meio, PI (13900-8800 AP) 1216 Coprlito/sedimento Oxurdeo
Stio Cubato I, SC (pr-Colombiano) A2280 Sedimento dos forames sacrais - A2082 Sedimento dos forames sacrais - A2083 Sedimento da pelve - A2088 Sedimentos dos forames sacrais - A2091 Sedimento da pelve - A2094 Sedimento da pelve -
Amostras Descrio *Parasitos Stio Cubato I, SC (pr-Colombiano)
Subtotal 6 Total 28 *:Diagnstico por microscopia ptica. AP: anos antes do presente. NA: no avaliada. ? diagnstico incerto. - diagnstico negativo.
51
Tabela 8B: Localidade, dataes e parasitos encontrados nas amostras arqueolgicas do perodo Colonial do Brasil.
Amostras Descrio *Parasitos Igreja Antiga S-RJ (XVII-XIX)
3 Sedimento do sacro - 4A Sedimento dos forames do sacro - 7A Sedimento dos forames do sacro - 8A Sedimento da pelve - 12B Sedimento do sacro - 14B Sedimento dos forames do sacro - 17H Sedimento dos forames do sacro - 18A Sedimento dos forames do sacro - 20A Sedimento da pelve - 22B Sedimento dos forames do sacro - 23A Sedimento dos forames do sacro - 25B Sedimento dos forames do sacro - 26A Sedimento dos forames do sacro - 28C Sedimento dos forames do sacro - 30 Sedimento da pelve - 32 Sedimento da pelve - 33C Sedimento dos forames do sacro - 34A Sedimento dos forames do sacro - 38 Sedimento da pelve - Total 19 *Diagnstico por microscopia ptica. - diagnstico negativo.
Tabela 8C: Localidade, dataes e parasitos encontrados nas amostras arqueolgicas do Chile e Argentina.
Amostras Descrio *Parasitos Tuln, San Pedro de Atacama, Chile (1080-950 AC)
A710c Sedimento Nematide A711 Sedimento E. vermicularis, T. trichiura A714 Sedimento E. vermicularis, T. trichiura A715 Sedimento Trichostrongylus sp. A722 Sedimento E. vermicularis A724 Sedimento E. vermicularis Subtotal 6
Tilliviche, Chile (4100-1950 AC) A160 Coprlito Ancilostomdeo A173 Coprlito Trichuris sp. A176 Coprlito D. pacificum A180 Coprlito Nematdeo, trematdeo A182 Coprlito Nematdeo, trematdeo Subtotal 5
Nombre de Jesus, Patagnia, Argentina (XVI)
M24 Coprlito humano? datao (~ 6000 AP) - M51 Sedimentos da pelve Trichuris sp., Ascaris sp.? M128 Kit Sedimentos dos forames do sacro Ascaris sp., Capillaria sp. Subtotal 3 Total 14 *Diagnstico por microscopia ptica. AP: anos antes do presente. AC: anos antes de Cristo. NA: no avaliada. ? diagnstico incerto. - diagnstico negativo.
52
Tabela 8D: Localidade, dataes e parasitos encontrados nas amostras arqueolgicas do Velho Mundo usadas como controle positivo.
Amostras Descrio *Parasitos Lbeck, Alemanha (XV)
**A389 Sedimento T. trichiura, A.lumbricoides. Fasciola sp., Diphylobotrium Walraversijde, Blgica (XVI)
**A1380 sedimento T. trichiura, A.lumbricoides **A1384 sedimento T. trichiura, A.lumbricoides Subtotal 3
Espanha (perodo correspondente ao Colonial do Brasil) HM1 sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HM4 Sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HM6 Sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HM8 Sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HM7 Sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HM9 sedimento T. trichiura e A. lumbricoides HG Homem de Gallera
Sedimento pelve T. trichiura e A. lumbricoides
Subtotal 7 Total 10 *Diagnstico por microscopia ptica. AP: anos antes do presente. AC: anos antes de Cristo. NA: no avaliada. ? diagnstico incerto. - diagnstico negativo. ** eventualmente ovos de Ascaris lumbricoides e/ou Trichuris trichiura foram isolados.
3.4.2 Metodologia
Todas as etapas de trabalho com material arqueolgico foram feitas no laboratrio
de paleogentica anexo ao LGMM-IOC, FIOCRUZ, utilizado exclusivamente para
pesquisa com DNA antigo.
Tratamento prvio
Aps medidas de preveno e/ou descontaminao seguindo os critrios de
autenticidade com trabalhos envolvendo DNA antigo (Drancourt e Raoult 2005), as
amostras foram reidratadas e dissolvidas em soluo de Na3PO4 0,5%, com auxlio de um
basto de vidro e becker, depois de fechadas para no contaminao com material
moderno, permaneceram reidratando por 72h.
53
Extrao do DNA
As etapas de digesto, extrao e purificao do DNA foram realizadas usando-se o
protocolos padronizados para os coprlitos por Iiguez et al. (2002, 2006) e Leles et al.
(2008) (Anexo IV), que basicamente consistem no tratamento fsico-fenol clorofrmio e
fsico - Kit QIAamp DNA Stool Min Kit (Qiagen) aqui descritos para amostras modernas.
Exceto pela maior concentrao de proteinase K (2.4mg) e alternncias no perodo e
temperatura de incubao (2h a 55oC ou 1 dia a 37oC ou 1 dia a ToC ambiente).
Purificaes adicionais foram feitas quando necessrio. O DNA foi quantificado em
espectrofotmetro por absorbncia nos comprimentos de onda de 260nm, 280nm para
pureza e 320nm para nucleotdeos livres. Depois o DNA foi submetido a eletroforese em
gel de agarose de alta resoluo (3%) ou eventualmente em gel de poliacrilamida (8%), e
em seguida corados em brometo de etdio (diluio: 20L de brometo de etdio [10mg/ml]
em 200mL de gua destilada).
PCR
Na PCR foram usados oligonucleotdeos previamente descritos na literatura,
especficos para os genes mitocondriais citb, cox1 e nad1 de Ascaris sp. e regio nuclear
18S de Trichuris sp. alm de outros desenhados especificamente para este estudo. PCR
para amplificao de DNA humano mitocondrial (gene citocromo oxidase 2 - cox2 e regio
hipervarivel 1 HVS1) foram realizados para avaliar a qualidade do DNA antigo no
material, assim como averiguar e/ou confirmar a origem humana do material (Tabela 9).
54
Tabela 9: Oligonucleotdeos e combinaes usadas no material arqueolgico.
Oligonucleotdeos
Sequncias
Tamanho dos produtos da PCR em pares de base
(pb)
Referncias
cytb CCRB-Asc1 forward CCRB-Asc2 reverse
5-GTTAGGTTACCGTCTAGTAAGG-3 5-CACTCAAAAAGGCCAAAGCACC-3
142 pb
Loreille et al. 2001
cox1 As-Co1F forward *Cox1R reverse
5-TTTTTTGGTCATCCTGAGGTTTAT-3 5-GCCCGAGAGTCAAGATCCAT-3
~ 200 pb
Peng et al. 2005 *
*Cox1F forward As-Co1R reverse
5-GGATCTTGACTCTCGGGCTTA-3 5-ACATAATGAAAATGACTAACAAC-3
~ 250 pb
Peng et al. 2005 *
nad1 *NAD1F forward *NAD1R reverse
5-CTCCTCTGAATTCTTCGGAAA-3 5-CAGAAAACCCAATCAAACACA-3
150 pb
*
18S *TT1214 forward *TT1709 reverse
5- CTGCGAGGATTGACAGATCA-3 5- GTACAAAGGGCAGGGACGTA-3
496 pb
*
*TT1315 forward *TT1606 reverse
5-CGAACGAGACTCTGGCCTAC-3 5- ACGTTTCAACCGATTTCCTG-3
292 pb *
*TT1214 forward *TT1334 reverse
5- CTGCGAGGATTGACAGATCA-3 5- GTAGGCCAGAGTCTCGTTCG-3
120 pb *
cox2 Paabo A forward Paabo C reverse
5-ATGCTAAGTTAGCTTTACAG-3 5-ATTCCCCTAAAAATCTTTGA-3
92 pb
Paabo 1990
HVS1 L16234 forward H16422 reverse
5-CACATCAACTGCAACTCCAA-3 5-ATTGATTTCACGGAGGATGG-3
188 pb
*
*Desenhados para este estudo.
Alternativamente, fez-se a PCR reconstrutiva previamente PCR convencional,
que consiste basicamente em uma reao de PCR sem os oligonucleotdeos. Esta PCR
proposta inicialmente por Golenberg et al. (1996), tem sido aplicada por Iiguez et al.
(2003) em material arqueolgico no intuito de reconstruir e aumentar as concentraes de
DNA inicial disponvel. A reao da PCR foi realizada em volume final de 50 l (10 X de
Tampo: 10 mM Tris-HCl, 50 mM KCl-Invitrogen, pH 8.0; 3 mM MgCl2; 0.2 mM do mix
de dNTP; 50 a 100 ng para cada oligonucleotdeo; 2.5 U de Taq polimerase Platinum; 5-10
l ou 50-100 ng de DNA). Toda PCR foi acompanhada de um controle negativo da reao
Asc
ari
s sp
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rich
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s sp
.
sP.
55
(todos os reagentes menos o DNA da amostra) e de um controle negativo da extrao de
DNA. As reaes foram submetidas a um ciclo inicial de 5 minutos a 94oC, seguido de 45
a 50 ciclos de 94oC por 20 segundos, 55oC por 30 segundos e 72oC por 45 segundos em
termociclador programvel (PTC 100 60v, MJ Research, Inc). Os produtos da PCR foram
submetidos ao sequenciamento direto e/ou foram clonados para o sequenciamento
nucleotdico dos produtos clonados conforme descrito anteriormente.
As sequncias nucleotdicas do DNA antigo dos parasitos foram comparadas com
as obtidas do material atual e antigo por ns trabalhadas e as disponveis no GenBank.
ndices de similaridade entre as sequncias nucleotdicas e proteicas foram calculados com
auxlio da ferramenta Blast, disponvel no stio (www.ncbi.nlm.nih.gov/tools/primer-blast),
e do programa Gendoc v2.6.002 (usando o cdigo mitocondrial de invertebrados),
respectivamente.
Hibridizao
O Kit Gene Images Alkphos Direct Labelling and Detection System (GE
Healthcare) foi utilizado segundo protocolo dos fabricantes, com algumas modificaes: a
hibridizao foi feita a 55oC, overnight, e o tempo de exposio variou de 1 a 24 horas. Os
alvos moleculares usados como sondas neste ensaio foram os mesmos usados na PCR para
Ascaris sp. e Trichuris sp. em material arqueolgico: Ascaris sp. (cytb, 142 pb; cox1, 200
pb; nad1, 150 pb) e Trichuris sp. (18S, 120 pb).
O esquema de aplicao das amostras foi feito em 3 membranas, assim como dos
controles (Figuras 9, 10 e 11A-B).
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A
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