Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Escola de Música Licenciatura em Música
Teatro Musical na Educação Básica: relato de um estágio com adolescentes no Ensino Fundamental II
Anna Cristina da Silva Leandro
Natal/RN Nov/2014
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Escola de Música Licenciatura em Música
Teatro Musical na Educação Básica: relato de um estágio com adolescentes no Ensino Fundamental II
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Música.
Anna Cristina da Silva Leandro
Orientador: Prof. Dra. Amélia Martins Dias Santa Rosa
Natal/RN Nov/2014
Agradecimentos
Ao meu Deus e Senhor, refúgio nas dificuldades e meu amigo, a quem devo
o dom da vida e que me guia por todos os caminhos. A Ele todo o meu
agradecimento sincero por mais uma etapa vencida, já que sem Ele eu não
conseguiria nem ao menos respirar.
À minha mãe Nadja, presente de Deus para mim, que me guia e me conforta
em todos os problemas e se alegra com a minha alegria. Mãe, obrigada por ser
minha luz! Obrigada por sempre ter se doado pela minha felicidade, muitas vezes
abrindo mão da sua, pelos beijos carinhosos às 23h todos os dias. Sem a senhora, a
realização do sonho de ingressar e terminar um curso de graduação não teria sido
possível. Obrigada por sonhar junto comigo e me apoiar em todos os momentos!
À minha avó Francisca, que desempenha o papel de referência enquanto
mãe e mulher e que me deu os primeiros princípios de caráter. Obrigada por ser a
melhor e mais bonita avó do mundo, por sempre cuidar dos detalhes para que a
minha vida seja sempre mais bonita e mais doce. Obrigada por ser essa mulher
guerreira que me inspira a viver!
Ao meu irmão Gustavo, que mesmo quieto e calado, me transmite paz,
carinho e o apoio necessário para esse momento de finalização de uma grande
etapa. Obrigada, meu amor!
À minha tia e madrinha Nadege, por sempre estar ao meu lado sendo
também minha mãe. Obrigada pelos ensinamentos sempre dados com uma pitada
de carinho e por sempre apoiar as decisões que tomei. Tia, obrigada por ser essa
grande mulher em minha vida!
À Pedro Lucas, que mesmo sem saber se tornou peça fundamental para a
minha felicidade e tranquilidade. Obrigada por ser esse bebê lindo que traz a
delicadeza que uma casa cheia de adultos precisa. O seu olhar doce me mantém
viva!
Aos demais familiares que sempre torceram e me apoiaram em muitos
momentos sendo a base necessária para a minha construção pessoal e profissional.
À minha orientadora Amélia, que se tornou bem mais que uma professora da
universidade, mas sim o meu exemplo enquanto docente e também enquanto
pessoa. Tenho o prazer de conviver com você dentro e fora da Escola de Música e
isso me trouxe mais aprendizado e segurança para a minha formação. Obrigada por
todos os conselhos valiosos e por ter se doado para garantir a melhor formação
possível para mim. Tudo o que eu construí a partir de 2011 enquanto profissional foi
principalmente graças a você. E muita coisa que aprendi no âmbito pessoal também
foi graças a você. Muito obrigada por ser essa mulher/educadora completa, que
ensina mesmo quando não quer ensinar e que conforta quando precisamos de colo.
Você é a melhor orientadora do mundo!
À minha irmã-gêmea/amiga/confidente Nayara, por todo o apoio desde o seu
ingresso na licenciatura. Obrigada por ser meu porto seguro em muitos momentos e
por segurar tantas barras junto comigo nesses últimos dois anos. Obrigada por todos
choros e risos, por todas as brigas e momentos especiais. Você se tornou essencial
para a conclusão dessa etapa e de muitas outras, e sem você muita coisa não teria
acontecido. Obrigada mil vezes, Naná!
Ao meu companheiro de estágios e de turma Allyson, por toda a caminhada
que passamos juntos durante esses quatro anos, principalmente esse último estágio.
Obrigada por todas as partituras, todas as provas, todos os conhecimentos
adquiridos juntos, enfim, tudo o que passamos. Obrigada pelo apoio sempre dado
com um sorriso no rosto.
Aos meus amigos da faculdade que mesmo estando em outras turmas, se
tornaram especiais e essenciais durante a minha estadia nas aulas. Genildo, André,
Letícia, Bárbara, Jullian, Pâmela, Maurício, Hiago e muitos outros, obrigada pelo
carinho e atenção sempre.
À minha amiga-irmã Ingrid, que esteve comigo desde o momento de
preparação para a entrada na faculdade até a conclusão, sempre com palavras de
carinho e apoio e confiando no meu trabalho. Obrigada por todos os momentos de
conversa, por todos os conselhos e todas as alegrias partilhadas. Você é a minha fã
número 1 desde muito tempo e vai ser por toda a vida! Obrigada por tudo!
Às minhas amigas de colégio Ágata, Katyanna, Mariana, Jenifer, Danielle,
Letícia, Mikaely, Luiza, Heliziária, Raíssa e Brenda que sempre torceram pelo meu
sucesso e finalização dessa etapa importante.
À Escola de Música por ter sido a minha segunda casa durante todo esse
tempo.
A todos os professores, desde a Educação Básica até a faculdade, que
participaram ativamente da minha formação e me trouxeram a força de vontade para
seguir a carreira de professora.
Ao FLOCA, principalmente à professora supervisora do estágio Catarina,
pela confiança e apoio durante as aulas de estágio, e por partilhar conosco os
desafios e as soluções mais adequadas para o contexto de ensino que estávamos
inseridos.
Aos meus alunos de estágio e realizadores do musical: Abner, Alice, Ana
Clara, Daniel, Gustavo, Jessica Estefane, Jessica Nathalia, José Victor, Juliana,
Julia, Kathyucy, Kevin, Lourival, Luana, Lucas, Luiz Eduardo, Maria Santana, Maria
Letícia, Maria Valéria, Marleniry, Mauricio, Milena, Nicolas, Pedro Henrique da Silva,
Pedro Henrique Garcia, Silas, Tales, Vitória, Gomes, Vitória Rayane, Wildemberg,
Yasmin e Witeny. Não tenho mais palavras para agradecê-los, meus queridos.
Vocês tornaram um sonho realidade! Obrigada mais uma vez!
E a todos que torceram e que direta ou indiretamente participaram da minha
vida e me ajudaram em algum momento. Tenho plena consciência de que sozinha
não teria conseguido.
À todos, muito obrigada!
RESUMO
Este trabalho trata do Teatro Musical como ferramenta pedagógica utilizada nas aulas de estágio com jovens. A experiência aconteceu dentro do estágio supervisionado IV, realizado na Escola Estadual Desembargador Floriano Cavalcanti - FLOCA, com alunos do 9º ano C do turno matutino. Entre uma das atividades ocorridas nas aulas ministradas, foi criado e montado um musical a partir do processo colaborativo. O musical foi apresentado no auditório do FLOCA para alunos de diversas turmas da escola. Diante do sucesso das etapas de criação e da apresentação do musical foi possível perceber o êxito do Teatro Musical como ferramenta pedagógica para o ensino de música dentro da educação básica com os jovens desta turma, que trouxe resultados artísticos interessantes e também deu aos jovens a motivação para participarem do seu próprio processo de ensino e aprendizagem. Foi utilizada a metodologia em formato de Relato de Experiência para a escrita desta monografia. Palavras-chave: Teatro Musical, Educação Básica, Estágio, Jovens, Processo Colaborativo.
ABSTRACT
This work deals with the musical theater as a pedagogical tool used in training classes with young people. The experiment took place within the supervised stage IV, held in the Escola Estadual Desembargador Floriano Cavalcanti - Floca with 9th graders C the morning shift. Among one of the activities occurring in the classes, a musical was created and assembled from the collaborative process. The musical was presented in Floca auditorium for students from different school classes. Due to the success of the stages of creation and presentation of the musical was possible to see the success of the musical theater as a pedagogical tool for music education in the basic education to the youth of this class, which brought interesting artistic results and also gave young people the motivation to participate in their own teaching and learning. The methodology was used in Experience Report format for writing this monograph
Keywords: Musical Theatre, Elementary Education, Training, Youth, Collaborative
Process.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Ensaio com as meninas ....................................................................... 34
Figura 2 - Ensaio com os meninos ...................................................................... 34
Figura 3 - Início da coreografia das meninas ...................................................... 36
Figura 4 - Passagem da música final ................................................................... 39
Figura 5 - Conversa com os alunos ..................................................................... 42
Figura 6 - Aquecimento no dia da apresentação ................................................. 43
Figura 7 - Ensaio geral da cena com as meninas ............................................... 44
Figura 8 - Ensaio geral da cena com os meninos ............................................... 44
Figura 9 - Ensaio geral da música e coreografia das meninas ............................ 45
Figura 10 - Ensaio geral música e coreografia dos meninos ............................... 45
Figura 11 - Auditório lotado pelos alunos e professores do FLOCA .................... 47
Figura 12 - Cena inicial dos meninos e meninas ................................................. 47
Figura 13 - Música e coreografia das meninas .................................................... 48
Figura 14 - Música e coreografia dos meninos .................................................... 48
Figura 15 - Música e coreografia da turma inteira ............................................... 49
Figura 16 - Aplausos ao final da apresentação ................................................... 49
Figura 17 - A banda ............................................................................................. 50
Figura 18 - Conversação depois da apresentação .............................................. 50
Figura 19 - Foto final com a turma ...................................................................... 51
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Lista de músicas sugeridas pelos estagiários .....................................29
Tabela 2 – Lista de músicas com alterações feitas pelos meninos e meninas .....30
Tabela 3 – Lista de músicas com alterações feitas pelas meninas .......................31
Tabela 4 – Lista de Músicas com o repertório final da apresentação ...................35
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................. 13 1 – Contribuições Teóricas ........................................................................................ 16 2 - Processo de construção do Musical “Identidade 9ºC” .......................................... 21
2.1. Primeiras inserções no Colégio FLOCA ................................................................. 21
2.2 Delimitando o contexto do estágio ........................................................................... 22
2.3. Conhecendo a turma ................................................................................................. 23 2.4. Vivenciando o gosto musical .................................................................................... 25
2.5. Propondo uma atividade de canção ....................................................................... 26 2.6. Iniciando o processo criativo .................................................................................... 27
2.7. A Criação dos arranjos musicais para o Sarau Literário da Escola ................... 28
2.8. O início dos ensaios .................................................................................................. 30
2.9. Decisão pelo Teatro Musical .................................................................................... 31
2.10. Passagem do repertório ......................................................................................... 33 2.11. Inserindo os primeiros movimentos ...................................................................... 35
2.12. Construção das coreografias ................................................................................. 37 2.13. Ensaios extras .......................................................................................................... 39
2.14. A criação das Cenas ............................................................................................... 40
2.15. O grande dia: a apresentação ............................................................................... 42
3 - Impressões finais sobre a experiência ................................................................ 52
3.1 Nosso aprendizado enquanto docentes .................................................................. 52 3.2. O aprendizado dos alunos ........................................................................................ 55
Considerações Finais ................................................................................................ 57
Referências ............................................................................................................... 59
13
Introdução
A experiência docente do estágio supervisionado é, para mim, o momento
mais importante do curso de Licenciatura em Música. É no estágio que vamos
colocar em prática tudo o que aprendemos no decorrer do curso, tanto nas
disciplinas, quanto nos projetos de extensão e formação continuada que
participamos. É nele que vamos encarar a educação de frente, com todos os seus
desafios e também com todas as suas conquistas. É a concretização do nosso “ser
professor”.
A cada estágio enfrentamos desafios diferentes. Cada etapa da vida tem sua
forma de aprendizado, seus prós e contras. Temos que estudar muito mais que
atividades que expliquem melhor determinados conteúdos: é essencial saber as
características psicológicas de cada idade, mergulhar no contexto em que os alunos
estão inseridos para entender seus comportamentos, suas potencialidades e que
aprendizado vai realmente fazer diferença na vida dele.
Diante disso, esta monografia trata de uma experiência vivida no estágio
que culminou na construção de um musical. Inserida em um estágio com
adolescentes dentro da educação básica, tive o desafio de decidir de que forma iria
trabalhar música com aqueles alunos de maneira que viesse contribuir tanto na
formação musical, artística e educacional deles, como na minha própria formação
docente.
A construção de um musical apareceu de forma inusitada como proposta
dos próprios alunos para a nossa prática musical naquele período. A minha
sugestão inicial era o rearranjo de músicas do universo musical deles como forma de
conhecimento e demonstração dos seus gostos musicais.
A decisão pelo Teatro Musical me deixou muito feliz e realizada, já que pude
unir o estágio final da minha graduação com a prática do teatro musical, com a qual
me identifico bastante para a escrita da minha monografia.
Tenho contato direto com o Teatro Musical desde 2012, quando foi criado o
projeto de extensão Companhia Livre de Teatro Musical na Escola de Música da
UFRN, coordenado pela professora Dra. Amélia Dias Santa Rosa, que tem como
suas principais atividades a criação e montagem de espetáculos musicais
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principalmente através do processo colaborativo. Desde então, a Companhia tem
participação ativa na minha formação pessoal, profissional e artística. Ao longo da
construção do nosso primeiro espetáculo com a companhia, pude perceber o meu
crescimento em âmbitos artísticos (afinação, independência das vozes, postura de
palco etc) e em âmbitos pessoais (aprendi a lidar com a diferença de pensamentos
dos outros, a explanar minha opinião diante do grupo etc).
Tive, dentro e fora da Companhia, a experiência docente em Teatro Musical,
tanto conduzindo o grupo durante um semestre onde a professora Amélia precisou
se ausentar quanto em uma oficina ministrada fora da UFRN, proporcionando assim,
vivências docentes significativas para a minha formação profissional.
Assim, a Companhia Livre de Teatro Musical se tornou grande aliada ao
curso de Licenciatura na minha formação enquanto professora de música. E,
portanto, comungo com Santa Rosa (2006) quando afirma que o Teatro Musical
aparece como uma importante ferramenta educacional, já que desenvolve nos seus
participantes o desenvolvimento artístico, a construção da sua identidade e o
desenvolvimento da autonomia (SANTA ROSA, 2006).
Esses requisitos são importantes dentro de uma sala de aula com jovens
que querem dialogar, se expressar e ter voz ativa dentro do contexto educacional. E
já que a área da Educação Musical vem cada vez mais se comprometendo com a
Educação Básica através dos estudos sobre práticas pedagógicas eficientes para
esse contexto educacional, o presente trabalho aborda uma ferramenta importante
que pode ser trabalhada com os adolescentes e jovens.
Diante do exposto o objetivo deste trabalho é relatar a experiência vivida
dentro do estágio supervisionado IV que culminou na criação de um musical através
do processo colaborativo.
Portanto, a metodologia utilizada para a escrita dessa monografia foi a do
Relato de Experiência. Utilizando da forma de observação participante, onde o grupo
tinha conhecimento de que estava fazendo parte de uma pesquisa e que eu tinha
acesso a muitas informações quando pedia a cooperação do grupo, observei e
relatei todas as etapas do processo de construção do musical e refleti a importância
de cada uma delas para os alunos e para a minha prática docente. Não foi realizada
nenhuma entrevista direta com os participantes.
Esta monografia está dividida em cinco partes: introdução, três capítulos e
considerações finais.
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O primeiro capítulo aborda uma contextualização do processo no qual
estamos inseridos, analisando fontes que são referenciais sobre os temas
abordados tais como Música na Educação Básica, Desafio de ensino de Música para
os Jovens, Teatro Musical como ferramenta educacional, a fim de entendermos um
pouco mais sobre as práticas relatadas.
Já no segundo capitulo descrevemos todo o processo das aulas desde os
primeiros momentos até a decisão e construção do musical “Identidade 9ºC”, as
estratégias que foram utilizadas para que a construção fosse bem sucedida, e quais
as etapas pontuaram essa criação.
No terceiro e último capítulo, faremos as reflexões sobre as impressões
finais da experiência. Refletiremos sobre a importância que este trabalho teve para
os alunos, para mim enquanto docente e para a área da Educação Musical.
Nas considerações finais refletiremos sobre as discussões apresentadas nos
capítulos anteriores e quais os encadeamentos que esse trabalho traz para o futuro
tanto dos professores de música quanto para os alunos.
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1 – Contribuições Teóricas
A Educação Musical está em constante processo de crescimento em relação
a conhecimentos sobre como atuar dentro da escola básica. Muitos são os trabalhos
que permeiam a temática buscando soluções para problemas a fim de garantir
melhor qualidade para o ensino dentro da sala de aula. Dentro dos estágios
supervisionados, nos deparamos com diversos contextos de ensino e em cada um
deles, é necessário conhecimentos sobre a forma de aprendizado dos alunos.
Dessa forma, torna-se indispensável discutir sobre diferentes formas de melhorar o
ensino e buscar ferramentas metodológicas eficientes para o ensino de Música nos
diferentes contextos.
A partir de 2008, com a Lei 11.769/08, a música passa a ser conteúdo
obrigatório, mas não exclusivo, do ensino da arte na educação básica. A Lei trouxe
um momento histórico para o cenário da educação musical, entretanto, não é
somente com ela que vamos ganhar espaço dentro da escola. Essa conquista
depende, em grande parte, da forma como atuamos no cotidiano escolar, trazendo
práticas significativas que concretizem na sala de aula a verdadeira educação.
(PENNA, 2012, p.169)
Para os educadores musicais a realidade da escola básica é um desafio
não oferecem as mesmas condições de trabalho das escolas especializadas em
música (PENNA, 2012, p.150). O número de turmas, a quantidade de alunos por
sala, a estrutura física e os recursos são completamente diferentes nas duas
realidades, fazendo com o que o educador musical tenha necessidade de se
adequar e garantir o melhor ensino possível para todos os seus alunos, seja qual for
a realidade que ele esteja inserido e que diferentes vivências musicais ele traz
consigo.
Diante disso, torna-se necessária a inserção do professor em sala de aula,
buscando cada vez mais ganhar seu espaço através de práticas pedagógicas
eficazes e diferenciadas.
Nesse sentido, entendemos que um importante passo para o preparo do
futuro professor para a inserção dentro da sala de aula são os Estágios
Supervisionados. O Estágio Supervisionado é o momento em que o futuro professor
vai colocar em prática tudo o que foi aprendido na teoria dentro da sua graduação. É
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o momento em que o discente se torna docente e aprende na prática as dificuldades
e alegrias existentes no cotidiano escolar. Vai muito além de um simples
cumprimento de leis acadêmicas: é uma oportunidade de crescimento tanto pessoal
quanto profissional. É o momento mais importante do curso para o futuro professor e
serve de experiência para ele sair da universidade um educador com muitas
habilidades e bem preparado.
Segundo Buchmann (2008) os objetivos e necessidades em relação a essa
atividade são basicamente: relacionar as questões teóricas e práticas; buscar a
integração entre as instituições envolvidas (universidade e escola) e visar a
formação do professor para que este tenha uma atuação profissional transformadora
quando partir para o mercado de trabalho.
Diante disso, torna-se necessária a prática do estágio em diferentes
contextos com diferentes faixas etárias para que o aluno da licenciatura possa
usufruir de maior variedade de problemas e buscar soluções diferentes que o
construam enquanto docente.
No Estágio Supervisionado IV, contexto sobre o qual estamos escrevendo,
trabalhamos com a faixa etária dos jovens. No contexto social em que o jovem está
inserido, existe um pré-julgamento negativo das práticas juvenis como um todo,
causando assim a marginalidade dos jovens perante a sociedade. Nesse momento
da vida em que o corpo e a mente estão em transformação e ao mesmo tempo, os
jovens são deixados de lado pela sociedade, eles sentem a necessidade de se
agrupar para poderem expressar-se livremente e construir sentimentos de pertença
a algum grupo, que se torna elemento fundamental para a formação da identidade e
construção da autonomia (DAYRELL, 2003 apud SANTA ROSA, 2012).
Quando se trata de alunos jovens, percebemos uma fase de muitas
experimentações, onde eles buscam se apropriar de uma linguagem própria e
gostos musicais variados.
Dessa maneira, o ensino da arte, especificamente o da música, pode
trabalhar com o fazer e o executar musical utilizando diversas possibilidades, meios
e materiais.
Diante disso, torna-se necessário refletir sobre como tornar o ensino da
música prazeroso e provocativo para que o jovem tenha cada vez mais prazer de
estar na escola para assistir aula.
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Para Tenti Fanfani (2011) existem algumas características que os espaços
de ensino precisam ter para se tornar o mais adequado possível para o jovem. São
essas: ser uma instituição que valoriza e considera as expectativas e conhecimentos
dos jovens; ser uma escola que favorece e dá lugar ao protagonismo do jovem; ser
um ambiente que não se limita a ensinar, mas também a motivar, mobilizar e
desenvolver conhecimentos significativos para as pessoas; ser um espaço flexível a
tempos, sequencias e metodologias diversos para garantir o ensino para todos; e ser
uma instituição que forma pessoas e cidadãos.
Nesse caso, as práticas artísticas são tidas como uma possibilidade de
espaço para os jovens expressarem todos os seus desejos e dúvidas. O papel das
artes na vida dos jovens está longe de ser apenas uma experiência estética, mas
pode ter função formadora mais ampla e de aproximação da escola com o mundo
juvenil.
Uma alternativa que pode aproximar os jovens da educação é usar o
processo colaborativo nas aulas. Processo Colaborativo é um processo de criação
que busca prescindir de qualquer hierarquia pré-estabelecida entre os criadores do
espetáculo teatral. (ABREU, 2004) Em outras palavras, o ator, dramaturgo e diretor
não têm papéis separados e funções determinadas. Todos eles são responsáveis
em colocar suas ideias e talento a serviço da criação e montagem do espetáculo e
todos participam ativamente de todas as etapas até chegar à apresentação.
Esse processo vem sendo utilizado desde a década de 1970 e ano após ano
vem sendo melhorado e discutido, já que se revelou como uma forma de criação
eficiente, rica e satisfatória em relação aos resultados artísticos alcançados.
Ainda segundo Abreu (2004):
O processo colaborativo é dialógico, por definição. Isso significa que a confrontação e o surgimento de novas ideias, sugestões e críticas não só fazem parte do seu modus operandi como são os motores de seu desenvolvimento. Isso faz do processo colaborativo uma relação criativa baseada em múltiplas interferências. (ABREU, 2004, p.08)
Desse modo, o processo colaborativo poderá ser utilizado como método de
criação quando o grupo estiver aberto a criar um espetáculo que represente suas
ideias e suas características, sem ter um líder que pensa e os demais só executem.
O processo colaborativo consegue preservar a individualidade artística dos
participantes e criar uma identidade para o grupo e para o espetáculo.
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Outra forma de trabalhar a autonomia e a interação dos jovens na sua
formação é utilizar o Teatro Musical como ferramenta pedagógica, que pode
trabalhar em conjunto com o processo colaborativo ou não. O Teatro Musical é um
gênero artístico que engloba, no mesmo evento, música, teatro e dança. (SANTA
ROSA, 2012). Por isso, chama a atenção e a curiosidade do público de diversas
faixas etárias. Nos últimos anos, vem sendo praticada em grande escala tanto no
âmbito profissional quanto educacional, se mostrando assim, um excelente campo
de pesquisa.
Existem grandes diferenças entre a elaboração do musical profissional e
escolar, tanto no processo de criação quanto nos resultados obtidos. Quando a
elaboração do musical é feita profissionalmente, o desenvolvimento pessoal do ator
é colocado de lado, já que existe uma produção, agentes financiadores e fins
lucrativos. Já quando é feita dentro do ambiente escolar, o desenvolvimento musical,
artístico e humano dos participantes está em foco, para que ao final de tudo, além
de desenvolver a música, a dança e o teatro, tenham desenvolvido também a
autoafirmação perante a sociedade. (DIAS; SANTA ROSA, 2008). Sendo assim, o
Teatro Musical dentro da escola torna-se uma importante ferramenta educacional,
principalmente quando estamos falando de jovens e adultos em busca de
autonomia. .
Quanto ao aprendizado dos jovens, Santa Rosa (2012) afirma que os alunos
desenvolveram a sua autonomia através: da necessidade de pensar coletivamente;
da independência na busca por informações e elementos que contribuíssem para a
elaboração do musical; do aprendizado sobre a importância do compromisso com o
grupo, sabendo que não podiam faltar ou desistir; da vivencia do prazer de aprender
e o estímulo para comparecer as aulas mesmo sem cunho obrigatório; da
compreensão dos sentimentos de realização e vitória vivenciados na apresentação.
Desse modo, acreditamos que o Teatro Musical pode atingir tais resultados
também dentro da Escola Básica, dentro do contexto escolar que estamos inseridos,
para proporcionar aos alunos melhoras significativas no seu aprendizado.
Já quanto os aprendizados docentes, Santa Rosa (2012) compreende que
aprender a ouvir as opiniões e desejos dos alunos tornou-se um desafio para a sua
prática pedagógica e que é possível compartilhar e aprender com os jovens e suas
necessidades. O verdadeiro papel do professor é ser um mediador, que não tem
respostas para tudo e que busca aprender com os alunos. Dessa forma, a
20
aprendizagem dos alunos tente a mostrar resultados muito mais significativos. E
esses aprendizados docentes são importantes para a nossa formação enquanto
alunos de estágio supervisionado, para que possamos ingressar no mercado de
trabalho mais seguros do que podemos fazer para desenvolver nossas aulas.
Portanto, a criação de um musical é uma ação pedagógica transformadora
tanto para a formação dos alunos quanto para a formação dos professores. É
necessário ampliação das suas aplicabilidades e de seus estudos, para que a
contribuição seja cada vez mais significativa para a educação musical dos jovens.
21
2 - Processo de construção do Musical “Identidade 9ºC”
2.1. Primeiras inserções no Colégio FLOCA
A Escola Estadual Desembargador Floriano Cavalcanti (FLOCA) está
localizada no bairro de Mirassol, em Natal/RN. Sua atividade principal é de Ensino
Fundamental II no turno matutino, Ensino Médio no vespertino, bem como o EJA no
turno noturno.
A minha relação com a escola começou ainda em 2013. O grupo no qual eu
faço parte, a Companhia Livre de Teatro Musical - CLTM, fez sua apresentação de
final de ano na escola, para a apreciação dos alunos. Foi um convite do PIBID
Música/UFRN, que atua no FLOCA, para a Companhia, que é um projeto de
extensão da Escola de Música da UFRN.
A apresentação trouxe ao grupo em geral e principalmente a mim, muitas
emoções: primeiro, estávamos saindo da nossa “casa” e indo apresentar em uma
estrutura diferente daquilo que já tínhamos apresentado; segundo, o público também
era diferente. Apresentar um espetáculo que fala sobre o amor em muitas formas
para jovens e adolescentes não aparentava ser uma tarefa fácil. Confesso que achei
que não iríamos agradá-los.
Entretanto, a plateia mostrou-se atenta e participativa durante toda a
apresentação e os aplausos duraram muito mais tempo do que eu esperava. Muitas
pessoas do grupo saíram emocionadas com tanto reconhecimento, inclusive nossa
diretora e idealizadora do projeto. Conseguimos alcançá-los enquanto espetáculo e
fomos elogiados por toda a organização do evento.
Assim, quando no primeiro semestre do ano seguinte fui estagiar na mesma
instituição, senti que já estava um pouco familiarizada. O meu Estágio
Supervisionado Curricular Obrigatório III (ensino fundamental II), foi realizado em
uma turma de 9º ano do FLOCA. A prática docente era partilhada com um colega,
também estagiário da Licenciatura em Música.
A professora supervisora determinou os conteúdos que trabalharíamos em
nossas regências. Assim, nosso trabalho foi desenvolver uma metodologia
adequada para a turma compreender determinados conteúdos musicais,
principalmente através de vivências. A avaliação foi feita através de uma prova
22
escrita, que elaboramos junto com a professora supervisora, de acordo com os
conteúdos abordados, tais como Propriedades do Som, Ritmo/Pulso/Andamento.
No entanto, senti falta de uma forma de avaliação mais continuada, pois
alguns alunos que eram participativos nas aulas não tiveram bons rendimentos na
prova, e que eu tinha certeza de que sabiam os conteúdos. Para Libâneo (1994) a
avaliação é uma tarefa didática necessária e que deve acompanhar todo o processo
de ensino e aprendizagem. “A avaliação é uma tarefa complexa que não se resume
a realização de provas e atribuição de notas” (LIBÂNEO, 1994, p.195). Senti
necessidade de trabalhar a avaliação através de observações da participação dos
alunos nas aulas, não somente com a prova.
Também não obtivemos proximidade com os alunos ao final das aulas.
Apesar de alguns terem trazido lembranças para nós, a maioria não criou nenhum
laço maior, nem mesmo um aceno nos corredores. Considero importante criar laços
baseada em minha própria experiência como aluna. É maravilhoso encontrar algum
professor e saber que eles nos reconhecem graças ao contato que tivemos durante
determinado tempo. Sinto que é importante para eles também o fato de
reconhecermos que parte da nossa educação se deve a eles. Enquanto professora,
gostaria de estar presente na lembrança dos meus alunos como parte importante da
vida deles.
2.2 Delimitando o contexto do estágio
No segundo semestre de 2014, matriculada no meu último estágio, o Estágio
Supervisionado Curricular Obrigatório IV (Ensino Médio), voltei ao FLOCA. Foi um
prazer enorme receber a notícia de que mais um estágio seria realizado lá. Eu já
conhecia a estrutura da escola, as características dos alunos de forma superficial, já
tinha contato próximo com a professora supervisora, que neste semestre atuaria
também como a professora da disciplina na universidade. Desde o início eu sabia
que seria um estágio marcante na minha formação.
Apesar de a caracterização do Estágio Supervisionado IV ser a atuação
docente no Ensino Médio, o campo de trabalho em Natal é muito restrito. Poucas
escolas em Natal têm aula de música no Ensino Médio, como os Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN‟s, então, fica
complicado distribuir tantos estagiários em tão poucas escolas. Como a professora
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do Estágio na Universidade é a professora de música do FLOCA, ela optou por nos
levar para atuar na mesma instituição. Entretanto, os alunos estavam livres para
atuar em outras escolas que obtivesse aula de música com professores formados na
área e dentro da característica do estágio IV.
A minha prática docente foi realizada em outra turma de 9º ano no FLOCA.
A turma era formada por 35 alunos, distribuídos em 18 meninas e 17 meninos, com
faixa etária de 13 a 15 anos. Tinha duas aulas semanais de 50 minutos cada,
distribuídas uma na terça e outra na quinta feira. Dividi a regência das aulas com o
mesmo companheiro de estágio do semestre anterior.
As aulas de música aconteciam em uma sala própria, já que na instituição
cada professor tem a sua sala e os alunos que migram de sala em sala de acordo
com seus horários.
Diferentemente do estágio anterior, a professora supervisora nos deixou
livres para a escolha dos conteúdos a serem trabalhados. Desde então,
determinamos que buscaríamos maior aproximação com os alunos e, para isto,
dedicaríamos mais tempo às atividades de integração. Segundo a pesquisa de
mestrado de Santa Rosa (2006), o aquecimento é parte essencial na prática coral e
tem por objetivos principais promover a auto apresentação de todos os integrantes
da turma, estimulando a integração entre eles. Além disso, busca estimular a
expressividade e criatividade dos alunos e o desenvolvimento das suas habilidades
artísticas como afinação, ritmo, expressão corporal, concentração e prontidão.
Diante disso, achamos importante começar a aula, mesmo que não seja
necessariamente uma prática coral, com os aquecimentos e integrações, para que
no final do estágio, possamos conhecer cada aluno pelo nome e características
próprias, facilitando inclusive, no processo de avaliação.
2.3. Conhecendo a turma
Algumas aulas estavam destinadas somente para observação. Tivemos a
oportunidade de presenciar uma manhã inteira de aulas, inclusive de outras áreas,
para observar o comportamento dos alunos e caracterizá-los para melhor
fundamentar nossas escolhas para conteúdos e avaliação. Em alguns encontros, a
professora de música pediu que levássemos algumas atividades de integração, para
24
que eles se acostumassem com a nossa presença e maneira de atuar, tornando
assim, a proximidade bem maior desde antes.
Os alunos reagiram de maneira natural. O contato com estagiários já é algo
comum no ambiente do FLOCA, tanto na aula de música quanto em outras
disciplinas. A nossa presença não os deixou intimidados como em alguns outros
contextos. Conseguimos atuar de maneira tranquila e ter o respeito de todos quando
propúnhamos alguma atividade. Conseguimos também perceber as diferentes
personalidades dentro da turma. Existem os alunos estudiosos, quietos e que
procuram sentar mais na frente, os agitados que conversam a aula inteira e sentam
geralmente atrás, os casais de namorados, as amigas inseparáveis, o aluno que
sempre senta sozinho ou em cada aula está em um grupo diferente.
Por notar toda essa diferença de comportamento dos alunos, decidimos
começar a trabalhar baseados no gosto musical deles. Perceber a diversidade e a
identidade musical da turma nos traria melhor forma de atuação, melhor percepção
do que os alunos gostariam de aprender e compartilhar conosco. O mundo dos
jovens é muito amplo e cheio de ideias e pensamentos, principalmente sobre o
futuro. Conhecer e entender o gosto musical deles faz com o que saibamos o que
trazer de significativo para a aprendizagem deles. Santa Rosa afirma (2012):
[...] o papel das artes na vida dos jovens não está apenas em estabelecer o seu contato com o „belo‟, tampouco em propiciar emoções e experiências estáticas, mas pode ter uma função formadora mais ampla podendo ser um forte elemento de ligação entre o mundo da escola e o mundo dos jovens. A arte permite ao sujeito lidar com suas potencialidades criativas que podem ser expressas através do uso do corpo, da voz, da escrita. (SANTA ROSA, 2012, p. 29)
Diante disso, é nosso papel enquanto educadores musicais de trazer a
música como ferramenta de ligação dos alunos com a escola, trazendo atividades
que os deixem motivados e se sentindo parte das aulas.
Assim, nos primeiros encontros, atividades que envolviam o aprendizado dos
nomes deles foram bastante exploradas. Determinar um pulso e falar o nome dentro
dele de diversas maneiras, foi fazendo com que nós conseguíssemos memorizar
alguns nomes ao decorrer das aulas e ao mesmo tempo desenvolver atividades de
pulsação. Segundo Manffioletti e Rodrigues (1995), essa prática aproxima e torna o
ensino mais eficaz e pessoal em todas as idades. O fato de o professor saber o
25
nome de seus alunos dá a eles um sentimento de pertencimento à aula muito maior.
“[...] Saber o nome de alguém é distingui-lo num conjunto, para estabelecer com ele
uma relação mais próxima” (MAFFIOLETTI; RODRIGUES,1995 apud SANTA ROSA,
2006, p.56)
2.4. Vivenciando o gosto musical
Em paralelo a isso, também baseados nos jovens e sua cultura, buscamos
abordar a relação da música com os aparelhos tecnológicos, principalmente o
celular. Nos corredores e no pátio da escola, é difícil não se deparar com algum
aluno com fones de ouvido escutando música no celular. Alguns entram nas salas
de aula ainda com eles, e torna-se um desafio para os professores fazer com que
eles se desvinculem deles na hora da aula.
Bozzetto nos leva a refletir sobre a presença acentuada da música no
cotidiano dos jovens. Hoje em dia não é necessário parar perto de um aparelho para
ouvir música: pode-se caminhar por todos os lados com ela. Isso intensifica a ligação
dos jovens com a música e dá ao celular funções diferentes de somente ligar e
receber chamadas. “Para os jovens, o aparelho celular tornou-se muito mais que um
telefone, virando um item definidor de sua personalidade e do grupo social ao qual
pertencem” (BOZZETTO, 2009, p.65) Através dos toques diferentes dos celulares,
cada jovem imprime sua personalidade e seus gostos, já que dentro da escola eles
são obrigados a se vestir iguais.
Isso nos trouxe a ideia de tomar conhecimento do gosto musical deles
utilizando o toque do celular de cada um. A atividade consistia em cada um mostrar
seu toque de celular para identificar o gênero e que instrumentos estavam tocando
em cada música. Depois, fizemos uma atividade de percepção com alguns celulares,
fazendo com o que tocassem e a turma identificasse de qual aluno era aquele
determinado toque. Foram necessárias praticamente duas aulas para ouvir e
classificar os diferentes gêneros musicais que apareceram e sondar se eles tinham a
consciência das diferenças entre cada um deles.
A atividade foi muito bem aceita. Foi um diferencial e algo que eles não
estavam esperando. Achei que teriam muitos que não iriam mostrar, mas foram
bastante receptivos tanto a mostrar o seu quanto a prestar atenção no dos colegas.
26
Um fato interessante foi o pré-julgamento que fizemos do gosto musical dos
alunos. Por se tratar de jovens de uma escola pública, acreditávamos que iríamos
encontrar somente músicas midiáticas que muitas vezes não tem conteúdo e
somente uma “batida” boa para dançar. O fato de aparecer bandas renomadas de
rock internacional e nacional, misturados a bandas atuais, porém, com músicas
calmas e letras românticas nos deixaram surpresos, mudando radicalmente a nossa
impressão sobre este fenômeno.
2.5. Propondo uma atividade de canção
Além de conhecer o universo musical que os alunos estavam inseridos,
achamos importante trazer uma música para eles cantarem na aula. Era um teste
para observar se estavam abertos para as canções ou se a prática musical a ser
desenvolvida partiria apenas de ritmos, percussão corporal e instrumentos de
bandinha rítmica ou flauta. A música escolhida apareceu como um insight em uma
aula que assisti dias antes da aula com a turma. O refrão da música “Pais e Filhos”
foi escolhido por ser de uma banda que tem uma ligação muito forte com os jovens,
ter uma letra poética que passaria alguma mensagem e ter uma melodia simples que
seria fácil ensinar caso não a soubessem.
Mais uma vez, formos surpreendidos. Os alunos começaram tímidos e sem
querer cantar, mas pedi que se esforçassem já que o objetivo da atividade era
trabalhar o ato de cantar. Aos poucos, foi ganhando mais intensidade e consegui
distinguir vozes femininas de masculinas. A atividade foi feita com eles ainda
sentados e quando percebi que todos estavam cantando, introduzi palmas marcando
o pulso. Tive a ideia na hora de pedir que levantassem e saíssem cantando da sala
e para minha surpresa, essa parte também foi realizada. Foi um momento bonito e
interessante para todos nós.
A atividade Canção foi importante para diagnosticar o nível de habilidades
musicais que os alunos tinham em relação à afinação, aprendizagem da execução
melódica, rítmica e expressividade musical. Tais habilidades são importantes para a
construção de um saber musical mais efetivo e a busca pelo aperfeiçoamento dessa
prática vai permear o trabalho musical desenvolvido nas aulas de estágio.
27
2.6. Iniciando o processo criativo
Depois do sucesso da atividade de canção, eu e meu colega nos
perguntamos o que seria interessante acontecer nas aulas de música para que os
alunos pudessem se expressar e se sentir parte da aula. Como afirma Santa Rosa:
[...] é possível perceber a necessidade da criação de propostas pedagógicas capazes de abarcar conteúdos e experiências que estejam de acordo com as suas necessidades, contemplando as suas subjetividades através do uso da arte, em busca de promover um maior envolvimento e aproximação entre o jovem e o espaço educacional (SANTA ROSA, 2012, p. 31).
Diante disso, decidimos optar por trabalhar com eles o processo de criação
de arranjos musicais, já que o processo criativo auxilia para que o aluno busque na
música um apoio para as suas descobertas sonoras e encontre um canal de
expressão onde ele possa aprender a compartilhar, sugerir e defender ideias,
obtendo também resultados que estimulem suas habilidades individuais. (FINK,
2001)
Entretanto, essa vivência de criação seria importante para nós enquanto
professores, já que nossas aulas sempre partiam de algo que os alunos iriam imitar
e reproduzir e dessa reprodução é que avaliávamos se o conteúdo musical tinha
sido absorvido. Desta vez, decidimos sair da nossa própria zona de conforto e
conduzir um processo de criação musical com os alunos.
Essa decisão foi comum graças ao fato de meu companheiro também ter
tido a experiência de participar do processo criativo do mesmo musical que
participei, onde os integrantes participavam ativamente da criação e que me inspirou
a trabalhar este aspecto com estes alunos. Portanto, tive a certeza de que nossas
opiniões e maneira de conduzir o grupo seriam parecidas e que o trabalho de um só
iria somar o trabalho do outro.
Em nossos planejamentos, surgiu a ideia de rearranjar músicas do universo
musical deles próprios, pois já tínhamos tido contato prévio com esse repertório e
garantiria melhor envolvimento dos mesmos, já que eram músicas do seu mundo.
Para começar a incentivar o processo criativo, trouxemos uma atividade para
a criação de sequencia rítmica com sons pré-estabelecidos. Cada aluno recebeu
dois pedaços de folha para que desenhassem uma mão e um pé em cada um.
Determinamos que o som do pé seria uma batida do pé no chão e o som da mão
28
seria uma palma. Em seguida, dividimos grupos para que criassem sequencias
rítmicas com os sons estabelecidos. Os grupos, que foram escolhidos por eles
mesmos, foram bastante criativos e trouxeram sequencias interessantes. A única
coisa que não funcionou foi a sincronia do grupo. As sequencias foram executadas
cada um em uma pulsação diferente e sentimos que seria um conteúdo a se
trabalhar antes de começar o processo criativo dos arranjos em si.
Com isso, realizamos uma atividade do método “O Passo” para tentar
sincronizá-los de maneira mais eficaz. Como trabalha na construção de bases para a
execução de ritmos e sons (CIAVATTA, 2009), entendemos que seria uma boa
maneira de trabalhar com os alunos a pulsação. A atividade não durou muito tempo,
mas, depois de realizada, sentimos um resultado sonoro muito melhor nas
execuções das sequencias rítmicas da aula anterior.
Em seguida, propusemos a execução das sequências juntamente com uma
canção. Escolhemos uma canção “Marcha Soldado” do folclore brasileiro para
facilitar. As sequências seriam apresentadas aos demais alunos da classe e pedi
permissão para gravar também. Cada grupo iria à frente da sala e apresentaria sua
sequencia. Essa proposta deixou os alunos entusiasmados, principalmente com a
gravação. As meninas estavam mais eufóricas, mas os meninos também
participaram bem.
2.7. A Criação dos arranjos musicais para o Sarau Literário da Escola
Houve uma grande notícia para nós: a professora da turma nos avisou de
um Sarau Literário a se realizar em conjunto com a professora de Português e que
coincidiria no final da nossa regência. Então, ela nos propôs uma apresentação
como finalização do trabalho. Até então, as apresentações dos arranjos das músicas
iriam se resumir à sala de aula com o registro em gravações. Agora, tínhamos que
realizar uma apresentação para o público da escola em um evento, onde outros
grupos de diversas turmas também iriam se apresentar. Essa apresentação iria
acontecer no auditório da Escola, que contem um palco e cadeiras em formato de
plateia.
Quando exposto para a turma a ideia de apresentação de arranjos para
músicas escolhidas por eles mesmos a fim de mostrar à comunidade escolar o gosto
musical deles e também a capacidade de mudar e recriar que a música tem, não
29
observamos negação. Alguns meninos foram convencidos apenas pelo não
acontecimento de provas ao final do bimestre, já que a avaliação seria feita no
processo de criação e apresentação dos arranjos.
Deste momento em diante, passamos a trabalhar na criação dos arranjos
musicais. O primeiro passo foi a definição do repertório. Para isso, pedimos que
escrevessem duas músicas favoritas em pedaços de papéis e nos entregassem,
para que nós avaliássemos o repertório. Com a lista em mãos, separamos as
músicas por gênero e vimos que a maioria dos meninos preferia o gênero rock e pop
rock tanto internacionais quanto nacionais e as meninas preferiam músicas com
conteúdos mais românticos e variantes entre pop rock e até mesmo reggae. Houve
também a inserção de artistas midiáticos, porém, com outras músicas que não estão
tanto na mídia.
Depois da avaliação das músicas que eles escreveram, sugerimos um
repertório com cinco músicas. Duas estariam em formato pot-pourri (Show das
poderosas, de Anitta e Mulher de Fases, de Raimundos) e seriam cantadas pelas
meninas e meninos respectivamente; uma seria a música cantada somente pelas
meninas (Apenas mais uma canção de amor, Rosa de Saron); outra seria a música
dos meninos (Te levar, Charlie Brown Jr) e por último, o refrão de Pais e Filhos,
sugerido por nós anteriormente, e que seria cantada por todos juntos, ficando o
repertório estruturado da seguinte maneira:
1. Apenas mais uma canção de amor Rosa de Saron Meninas
2. Te Levar Charlie Brown Jr. Meninos
3. Show das Poderosas/Mulher de Fases Anitta/Raimundos Pot-pourri / Meninos
e Meninas
4. Refrão de Pais e Filhos Legião Urbana Todos Tabela 01: Lista de Músicas sugeridas pelos estagiários.
Na mesma aula, tanto os meninos quanto as meninas mudaram as suas
músicas para melhor adaptação de repertório. Os meninos sentiram mais dificuldade
em entrar em um consenso, mas chegaram a uma conclusão: trocaram “Te levar”
por “Aonde estiver” de NX Zero e as meninas trocaram “Apenas mais uma canção
de amor” por “Sem você”, também de Rosa de Saron, ficando, portanto, da seguinte
maneira:
30
1. Sem você Rosa de Saron Meninas
2. Aonde estiver NX Zero Meninos
3. Show das Poderosas/Mulher de Fases Anitta/Raimundos Pot-pourri / Meninos
e Meninas
4. Refrão de Pais e Filhos Legião Urbana Todos Tabela 02: Lista de Músicas com alterações feitas pelos meninos e meninas
A criação teria como base a voz e a percussão corporal, já que não exigiria o
uso de instrumentos e eram práticas musicais já incorporadas por eles. Então
sugerimos rearranjar as músicas já definidas no repertório para eles cantarem e se
eles quisessem, colocaríamos instrumentos para eles próprios executarem.
O fato de os alunos terem a oportunidade de escolher o que iriam cantar
trouxe para eles maior segurança e afinidade para realizar a apresentação.
2.8. O início dos ensaios
Daí em diante, as aulas passaram a ter formato de ensaio de coral.
Começavam com aquecimento corporal, seguido de aquecimento vocal e integração.
As integrações agora eram voltadas para o trabalho de precisão, repetição de
movimentos, lateralidade e trabalho em grupo.
Como os alunos não eram muito habituados a trabalhos de aquecimento,
tanto corporais quanto vocais e por termos um tempo reduzido de aulas, acabamos
optando por um momento mais rápido de aquecimento para poder explorar as
criações e passagem de repertório.
Decidimos começar a criação pela última música, já que eles sabiam a letra
e a melodia. Então, sugerimos o formato de coral tradicional com meninas em duas
fileiras na frente e meninos em duas fileiras atrás. Foi sugerido pelos meninos mexer
a cabeça de um lado para o outro e a partir disso, a música ganhou mais energia e
pudemos perceber que os alunos estavam dispostos a utilizar o corpo. Quanto à
parte vocal, percebemos que os meninos conseguiram afinar mais facilmente,
enquanto algumas meninas ainda estavam cantando fora do tom. A repetição trouxe
melhoras e com isso a afinação foi alcançada, tornando o processo musical muito
mais bonito.
Para dinamizar o trabalho, propusemos a divisão de meninos e meninas
para a passagem das músicas dos grupos. Os meninos ficaram com meu colega
fora da sala, em um local amplo na escola. As meninas ficaram dentro da sala de
31
aula comigo. De inicio, elas já mudaram novamente a música. Optaram pela música
“Fica do meu lado” da banda Onze:20, por considerarem uma música mais
conhecida pelos próprios alunos da escola, alterando mais uma vez a estrutura do
repertório:
1. Fica do meu lado Onze:20 Meninas
2. Aonde Estiver NX Zero Meninos
3. Show das Poderosas/Mulher de Fases Anitta/Raimundos Pot-pourri / Meninos
e Meninas
4. Refrão de Pais e Filhos Legião Urbana Todos Tabela 03: Lista de Músicas com alterações feitas pelas meninas
A maioria das meninas já conheciam a música, porém, esta se tornou um
desafio para mim, pois eu não a conhecia, dificultando o meu processo de correção
na execução musical. Passamos o refrão algumas vezes, mas eu não pude trazer
nenhuma contribuição. Como ainda restavam alguns minutos até o fim da aula,
resolvi conversar com elas sobre como seria essa apresentação e o que ela teria de
atrativo para o público.
O fato de mudarem para uma música que eu não conhecia fez ampliar meu
repertório musical, bem como conhecer a banda que está fazendo sucesso entre os
jovens. Esse conhecimento pode me auxiliar não só nesse contexto, mas também
em outras experiências educacionais. Também foi válido para que eu conseguisse
aprender uma letra e melodia em curto espaço de tempo para poder passar as
orientações para as alunas, melhorando minha percepção musical e desenvolvendo
minhas habilidades artísticas.
2.9. Decisão pelo Teatro Musical
Quando começamos a conversa, decidi comentar sobre a apresentação da
Companhia Livre de Teatro Musical no FLOCA no ano anterior. Falei que
precisaríamos de inovações para que o público gostasse da nossa apresentação,
principalmente por ser um público jovem e citei o formato de Teatro Musical proposto
pela Companhia. Para a minha surpresa, muitas meninas tinham assistido a
apresentação e gostado muito do espetáculo. Algumas relataram ter se emocionado
e que queriam fazer algo parecido. Esse relato me proporcionou a certeza de que
tínhamos feito um bom trabalho e que o espetáculo chamou a atenção deles. Pude
32
comprovar a fala da professora Ana Maria dos Santos (2000) ressaltada pelas
professoras Leila Dias e Amélia Dias Santa Rosa (2007) quando diz que as práticas
de coros performáticos de incluir movimentos corporais, práticas de teatro e dança
ao ato de cantar “têm como objetivo ampliar o nível de expressão e motivação dos
coristas através da integração entre as linguagens artísticas, além de provocar um
maior interesse e envolvimento da plateia”. (DIAS e SANTA ROSA, 2007, p. 02,
grifo meu).
Fiquei muito feliz e empolgada, porque a partir daí, muitas ideias surgiram
para a performance junto com cenas e com figurinos variados. Não estávamos
decidindo nada tão específico, então deixei o turbilhão de novidades invadirem a
nossa conversa e as meninas mostrarem que estavam dispostas não só a cantar,
mas também dançar e atuar.
Entretanto, a conversa tinha sido somente com as meninas, que desde o
início das nossas aulas se mostraram mais ativas para as atividades que propomos.
Ainda tinha que saber como tinha sido a reunião do meu colega com os meninos.
Para a minha surpresa novamente, ele também descobriu muitas coisas
interessantes sobre os eles. Alguns cantavam nas igrejas que frequentavam e um
fazia parte de um grupo de dança. A maioria dos meninos também se mostraram
receptivos a um formato diferente para garantir mais sofisticação à apresentação.
Saímos da aula com a certeza de que a apresentação teria o formato de Teatro
Musical. Sendo assim, a execução do repertório não seria somente através do canto.
Passaríamos a utilizar também o movimento corporal e a interpretação teatral para
compor a nossa apresentação.
Decidimos também que toda a construção do musical seria feita através de
Processo Colaborativo, que segundo ABREU (2004) é um processo que conta com a
participação de todo o grupo para a criação do espetáculo. E que vem “revelando-se
uma forma de criação eficiente, rica e satisfatória do ponto de vista dos resultados
artísticos alcançados” (ABREU, 2004, p.01). Além do mais, o fato de poder atuar na
construção do espetáculo constrói no participante uma postura atuante em relação à
tomada de decisões que é fundamental em qualquer situação da vida. O processo
colaborativo ainda tem se revelado uma ferramenta importante na construção de um
espetáculo que represente as ideias de todos que o constroem (ABREU 2004).
33
Portanto, o processo colaborativo aparece como fundamental na nossa
prática docente, tendo em vista que pretendemos garantir aos alunos não só
aprendizagem musical e artística, mas formadora de pensamentos e de autonomia.
2.10. Passagem do repertório
Com as músicas definidas e a ideia de formato de Teatro Musical para a
apresentação, o primeiro passo seria passar o repertório. Dividimos a turma
novamente em meninas e meninos e cada um de nós ficou com um grupo. As
meninas ficaram comigo na sala de aula e eu trouxe a letra da música impressa para
elas. Contei com o auxílio de uma amiga para tocar o instrumento harmônico, que foi
um Ukulele e a música seria tocada em reggae.
Comecei pedindo que elas repetissem o som que eu fizesse. Variei sílabas
entre grave e agudo, longo e curto, forte e fraco. A maioria achou engraçado, mas
fez sem grandes problemas. Não optei por ouvi-las separadamente uma por uma, já
que tínhamos pouco tempo para a passagem do repertório. Era apenas mais uma
espécie de sondagem sobre o grau de dificuldade que tinham para diferenciar sons.
As meninas tiveram bons resultados e conseguiram me imitar de maneira
satisfatória. Com isso, pude perceber que não seria tão complicado melhorar a
afinação delas.
Em seguida, começamos a passar pelo refrão da música “Fica do meu lado”
e optei por baixar o tom para ficar numa região mais agradável para as meninas.
Passei várias vezes com o grupo todo e corrigi alguns problemas de afinação.
Depois pedi para cantarem em grupos de quatro meninas, para tentar distinguir
quem ainda estava com problemas de afinação. Quando identifiquei quem era, tentei
ajuda-las cantando mais perto para que ouvissem a minha afinação e pedi que elas
ouvissem umas às outras, para tentarem cantar o mais uniformemente possível.
Quando fomos passar as duas estrofes, que tem exatamente a mesma
melodia, o problema foi a letra. Algumas meninas sabiam, mas outras não, então
tiveram que recorrer ao recurso do papel. Isso as deixou um pouco presas e sem
soltar a voz. Como o tempo já estava acabando, preferi deixá-las cantando com o
papel para conseguir passar a música inteira e ao final pedi que ouvissem a música
e decorassem as estrofes, para que na aula seguinte não precisasse ficar olhando a
letra. Ao final da aula, o resultado sonoro ficou muito bom.
34
Figura 01: Ensaio com as meninas.
Enquanto isso, o meu companheiro de estágio trabalhou com os meninos
em outro espaço fora da sala. Não planejamos nada sobre os momentos separados,
cada um iria fazer da maneira que achasse melhor.
Em conversa com ele depois da aula, soube que alguns meninos não
conheciam a música e que não tinham ouvido em casa. Como ele não trouxe a letra
impressa, o processo foi mais lento. Ele começou passando a letra falada com o
ritmo e quando se certificou que todos sabiam a letra, passou com a melodia. Ele
também precisou baixar o tom para ficar mais confortável para todos.
Ele ainda conseguiu cantar as estrofes com a ajuda dos meninos que
sabiam a música completa para os outros terem uma ideia de como são. Mas com o
grupo todo, ele só conseguiu passar o refrão.
Figura 02: Ensaio com os meninos
35
Usamos a aula seguinte para a passagem do repertório novamente. Dessa
vez, ficamos juntos na sala de aula. As meninas estavam sentadas em um lado da
sala e os meninos em outro. Começamos a passagem do repertório com eles
sentados. Comecei com as meninas, ainda usando a letra impressa para relembrar.
Não tive muitos problemas, mas elas estavam presas ao papel. Com os meninos,
passamos o refrão que era a parte que eles sabiam. Como não tinha letra, fomos
passar a letra falada com o ritmo primeiro e depois passamos para a melodia.
Quando a primeira parte da estrofe dos meninos estava aprendida, voltei a
passar com as meninas, agora tentando não usar o papel. Algumas ainda se
perderam, mas conseguimos passar a música toda.
Quando voltamos aos meninos, passamos a segunda parte da estrofe, e
tentamos juntar com a primeira. Como eles têm que recorrer à memória já que não
têm a letra impressa, precisam de muito mais repetições que as meninas. Quando
garantimos que todos estavam com a estrofe pronta, juntamos com o refrão. A
sonoridade estava bonita.
Voltamos a trabalhar com as meninas, só que dessa vez, pedi que
cantassem de pé e sem o papel novamente. Algumas usavam vez ou outra pra
lembrar uma palavra ou frase, mas tentaram cantar o máximo sem o papel. Saiu
muito bonito e afinado, e como estava sem o papel, saiu muito mais solto.
Diante da aproximação do dia a apresentação, optamos por não fazer mais o
pot-pourri. Portanto, o repertório sofreu sua última alteração e ficou da seguinte
maneira:
1. Fica do meu lado Onze:20 Meninas
2. Aonde estiver NX Zero Meninos
3. Refrão de Pais e Filhos Legião Urbana Todos Tabela 04: Lista de Músicas com o repertório final da apresentação.
2.11. Inserindo os primeiros movimentos
Diante das letras aprendidas, ou pelo menos parcialmente aprendidas,
partimos para a construção dos movimentos. O tempo de aulas é bem curto, então
não poderia mais usar uma aula inteira só para repertório, mesmo eles ainda não
estando muito seguros.
A inserção dos movimentos se torna interessante não só pelo valor estético,
que deixará a apresentação mais rica artisticamente, mas também como forma de
36
adquirir os conhecimentos musicais de forma mais eficiente. Baseados nas ideias de
Dalcroze para a educação musical, entendemos que o movimento corporal tem
papel primário e primordial na experiência musical, "partindo do ser humano e do
movimento corporal estático, ou em deslocamento, para chegar à fruição,
conscientização e expressão musicais." (FONTERRADA, 2005, p. 120). Para ele a
música e o movimento estão intimamente ligados e que o próprio som é uma forma
de movimento. Daí a necessidade de trabalhar as duas áreas em conjunto,
garantindo melhor aproveitamento dos alunos no aprendizado artístico e na
construção do saber.
Começamos pela coreografia da música das meninas, definindo qual seria a
posição inicial. Como costume da música final e também do padrão de posições dos
coros profissionais, elas imediatamente sugeriram que fizéssemos duas filas, com as
meninas maiores atrás das meninas menores. Interferi pedindo que intercalassem
para que cada uma aparecesse completamente para o público. Depois disso, sugeri
que as entradas fossem feitas com metade das meninas de um lado e metade do
outro, cada grupo entrando de um lado do palco diferente. Ensaiamos essa parte da
entrada, com elas dançando livremente no ritmo da música. Elas teriam o tempo da
introdução para entrar e depois começariam a cantar. Depois disso, aguardei que
elas me dessem alguma ideia, porém nada saiu de imediato, então sugeri apenas
algumas trocas da fila de trás pela fila da frente em alguns momentos da música.
Ensaiamos isso algumas vezes, junto com a entrada.
Figura 03: Inicio da coreografia das meninas.
37
Quando passei a ensaiar os meninos, sabia que precisava impor a minha
opinião, já que eles eram mais difíceis de falar e eu precisava definir alguma coisa,
devido ao tempo corrido. Sugeri que a posição inicial deles fosse dois grupos de
meninos bem juntos, com os menores na frente e maiores atrás. Cada grupo ficaria
em uma extremidade do palco. Depois, sugeri que cada grupo entrasse em uma
hora, dividindo os tempos da introdução. E que quando todos estivessem no palco,
começariam a cantar. Ensaiamos essa entrada algumas vezes, já que eles não
acertaram de primeira e estavam um pouco dispersos.
O processo colaborativo não ocorreu de maneira muito eficiente com a
construção das coreografias, principalmente na parte dos meninos. Isso se deu pelo
fato de não serem muito acostumados a essa prática e pela maioria dos alunos
terem timidez. O curto espaço de tempo não nos deixou criar maior afinidade entre o
grupo para que se sentissem a vontade para expressar suas opiniões, então,
tivemos que contar com a participação apenas daqueles alunos que já são
acostumados a falar e deixar suas impressões.
Só conseguimos definir essas partes nessa aula e como precisamos dar
continuidade, fiquei de definir os movimentos com meu colega de estágio e trazer
para a próxima aula.
2.12. Construção das coreografias
Pedimos que os ensaios para a construção das coreografias fosse feito no
auditório onde a apresentação iria acontecer, para termos noção de espaço bem
determinada.
Começamos pela coreografia da música das meninas, enquanto os meninos
ficaram sentados observando. Como estávamos com o tempo corrido, já havia
pensado em movimentos para sugerí-las, porém, alguns foram aceitos e outros não.
As meninas estavam empenhadas em sugerir movimentos que estivessem de
acordo com o gênero da música e trouxeram grande contribuição para a construção
da coreografia.
Decidimos que elas entrariam cantando a música da plateia e só subiriam ao
palco quando tocasse a introdução instrumental da música. No palco, a distribuição
delas estaria como definimos no ensaio anterior, que seriam duas filas com as
meninas de trás intercaladas com as da frente.
38
A construção dos movimentos baseou-se pelos movimentos dos pés e os
braços das meninas foram utilizados uma vez durante a coreografia. Os demais
passos variavam entre movimentos dos pés e alternância da fileira da frente com a
fileira de trás. Essa decisão por não usar muito os braços partiu delas.
Para finalizar a coreografia, sugeri que a posição final contaria com a fileira
da frente sentada no palco e a fileira de trás em pé, atrás delas. Essa posição
deixaria todas elas em evidência.
Com a coreografia pronta, passei uma última vez para fixar a sequencias
dos movimentos, porém, ainda precisava limpar muita coisa. Entretanto, começamos
a trabalhar na coreografia dos meninos e depois faria outras passagens com as
meninas para limpar tudo.
A coreografia dos meninos foi um pouco mais trabalhosa, pois a maioria
deles não estavam habituados a dançar e as sugestões dos movimentos sugeridos
por mim não foram bem aceitos. Entretanto, poucos tinham a iniciativa de sugerir
algo. Por causa disso, as meninas acabaram sugerindo movimentos e ajudando a
montar a coreografia dos meninos. Alguns deles também estavam participativos e
determinados a ajudar a montar e não só a executar.
Optamos por uma coreografia sem muitos passos, com tempos parados
apenas cantando. A posição inicial foi mantida com os dois grupos de meninos cada
um em uma extremidade do palco. Colocamos algumas trocas de lugares dos dois
grupos e também passos para os lados em outros momentos. Também exploramos
o plano baixo com uma parte da coreografia feita com eles abaixados, com um dos
joelhos no chão. O refrão tinha uma parte em que eles pulavam e faziam
movimentos com os braços.
Na posição final, sugeri que fizessem uma fila só na ponta do palco e
olhassem para a plateia fixamente para que todos entendessem que a música
acabou. Também era necessário limpar os movimentos mas a construção da
coreografia também foi feita.
Na música final, como todos estariam no palco, optamos por não ter uma
coreografia muito desenvolvida. Faríamos uma fila com as meninas na frente e uma
fila com os meninos atrás e colocaríamos apenas movimentos de um lado para o
outro. E como última vez do refrão os alunos cantariam e bateriam palmas marcando
o pulso da música.
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A construção das coreografias foi um momento importante onde a
objetividade teve que fazer parte da nossa prática docente. Os alunos estavam
confusos sobre o que fazer nas músicas e passos sugeridos por nós foram
recusados e muitos foram sugeridos, principalmente por parte das meninas. Tivemos
que estar atentos e organizar as ideias para que a coreografia fosse criada o mais
rápido possível.
Figura 04: Passagem da música e coreografia final.
2.13. Ensaios extras
Na última semana de ensaios, nós e a turma chegamos à conclusão de que
precisaríamos de ensaios extras para montar tudo. Até então só tínhamos as
músicas e coreografias feitas, porém precisaríamos de ensaios para limpeza dos
movimentos e a parte teatral ainda não havia sido passada. O melhor horário para
esses ensaios extras seriam na própria manhã de aulas. A solução era pedir aos
outros professores da turma que liberassem suas aulas em função desses ensaios.
Nesse momento, houve uma grande colaboração da escola e dos
professores, que gentilmente cederam seus horários de aulas para que pudéssemos
ensaiar. A turma ficou animada com os ensaios extras porque garantiriam uma
melhor apresentação.
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Diante disso, podemos perceber a integração entre a escola e seus
professores, bem como de os professores uns com os outros. O fato de cederem
suas aulas sem apresentar nenhum obstáculo nos levou a refletir que a escola não
trabalha com cada profissional responsável pela sua área somente, mas que todos
estão preocupados com a educação dos jovens e isso é fundamental para garantir
melhor aprendizado para os alunos e assim, bons cidadãos para a sociedade.
De posse de praticamente a manhã inteira de ensaios durante dois dias,
utilizamos uma manhã para repassar as letras das músicas e limpar os movimentos.
As meninas ainda confundiam as estrofes da música e quando colocávamos o
movimento, a voz praticamente sumia. Passamos várias vezes as coreografias dos
meninos e das meninas, deixando pronto a parte musical e corporal. Além da
presença do meu colega de estágio no violão, o ensaio contou também com a
presença de uma colega tocando bateria e deu um ânimo a mais ao ensaio.
Nesse ensaio também gastamos bastante tempo pensando nos figurinos.
Quis deixa-los livres para escolher para que viessem se sentindo bem para a
apresentação. Os meninos foram mais práticos e escolheram calça jeans, tênis e
camisetas de cores diversas. Já as meninas não entravam em acordo de maneira
nenhuma. Umas queriam vestido, outras short e outras calça. Precisei ser mais
enfática e dizer que escolheria por elas e que o que eu escolhesse seria o usado.
Depois de algumas argumentações, decidiram usar short e blusas vermelhas.
2.14. A criação das Cenas
Na outra manhã de ensaios extras, a maior parte do tempo foi dedicada à
criação e ensaio das cenas. Não trouxe um texto pronto, apesar de não termos muito
tempo para ensaios, por conhecer a turma e saber que tinha alguns alunos criativos
e com desenvoltura. Deixei que a criação das cenas fosse processo colaborativo
também com improvisações de textos deles.
A professora de música da escola sugeriu uma sequência de ações que usei
para dar a eles um norte de como as cenas iriam acontecer. Pedi que as cenas
começassem com os grupos de meninas e meninos separados ouvindo seus estilos
musicais. Com a chegada de um novo menino e nova menina no ambiente, cada
grupo iria convencê-los de que seus gostos musicais eram melhores. As músicas
apareceriam depois da fala de cada grupo e ao ouvir as músicas de cada um, eles
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mesmos chegariam à conclusão que ambos os estilos eram bons e que o importante
era o respeito pelo gosto de cada um.
Por sugestão deles, vieram quatro alunos falar o texto final. Toda a
construção do texto foi definição deles próprios. Essa autonomia me deixou surpresa
e muito feliz. Só precisei organizar o que cada um falaria e quem falaria primeiro e
depois. No mais, a construção do texto foi deles. Cada um improvisou e precisamos
ensaiar poucas vezes para fixar o que cada um teria que fazer.
Só precisei interferir em algumas dicas como não dar as costas para a
plateia e em falar forte para que todos ouvissem. No mais, a passagem das cenas foi
tranquila.
Depois de definir o que aconteceria nas cenas e as sequências do que
aconteceria primeiro e depois, fizemos uma passagem geral do espetáculo. Tentei
não fazer nenhuma correção na hora para simular o dia da apresentação. A
passagem foi muito boa, os alunos conseguiram fazer tudo do inicio ao fim. Só
precisei interferir na hora das entradas das músicas que eles ainda estavam
perdidos, mas as coreografias saíram apreciáveis e eu consegui visualizar o
espetáculo por inteiro.
Depois dessa passagem geral, senti a necessidade de conversar com eles.
Pedi que sentassem no chão em roda e comecei a falar o quanto estava ficando
bonito e o quanto estava orgulhosa. Meu companheiro de estágio não pôde ficar até
o final nesse dia, mas falei em nome de nós dois da nossa satisfação e felicidade
com o resultado que estávamos obtendo e que eles estavam de parabéns. Resolvi
falar nesse momento por saber que no dia da apresentação iria ser muito difícil uma
conversa calma, já que todos estariam eufóricos. Nesse momento final, senti que
eles precisavam saber que estávamos confiando no trabalho que eles iriam fazer e
que sabíamos que daria tudo certo.
Falei da importância do trabalho que estávamos realizando tanto para eles
quanto para nós enquanto docentes em formação e que se tornaram especiais na
nossa vida. Eles ficaram felizes e alguns falaram que a nossa presença tinha sido
importante também, que a construção do musical tinha sido maravilhoso e que
esperavam que desse tudo certo no dia seguinte.
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Figura 05: Conversa com os alunos
Depois dessa conversa, passamos mais uma vez todo o espetáculo e o
resultado foi satisfatório, tendo eles mais consciência do que aconteceria antes e
depois e onde deveriam estar.
2.15. O grande dia: a apresentação
A apresentação aconteceu no dia 07 de novembro de 2014 com a previsão
de início para às 8h da manhã. Só houve as apresentações musicais de quatro
turmas que contaram com a presença de estagiários. Por conter o espetáculo com
maior duração, o combinado é que a nossa apresentação seria a última da manhã.
As apresentações foram bastante ricas e distintas. A maioria usou a voz também,
mas apareceram apresentações com flautas, instrumentos de percussão diversos e
um coral com percussão corporal.
Deixamos definido no dia anterior que todos estariam na escola às 7h da
manhã para trocar os figurinos, fazer maquiagem e um ensaio geral. Cheguei um
pouco atrasada, mas, a maioria dos alunos já estavam ali, com as roupas trocadas e
maquiagens feitas. Fomos fazer um aquecimento corporal e vocal, a fim de prepara-
los para a apresentação e diminuir a tensão que estava presente em todos, inclusive
em mim e no meu colega de estágio.
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Reunimos os alunos em círculo para realizar o aquecimento que desta vez,
tinha a função de acalmá-los e ao mesmo tempo deixa-los atentos para a
apresentação. Realizei exercícios de alongamento do corpo, de respiração e usei o
espaço para trabalhar a prontidão deles.
Figura 06: Aquecimento no dia da apresentação.
Mais uma vez fizemos uma breve reunião após o aquecimento para dar
apoio aos que estavam mais nervosos. Dessa vez, meu companheiro de estágio
falou que estava se sentindo muito realizado com o que estava por vir e que ele
tinha certeza que ia ser muito bom. Falou da importância deles para nossa vida e de
como eles ficarão guardados na memória. Os alunos retribuíram o carinho com
abraços e tiramos algumas fotos. Estava sendo um momento muito especial para
todos nós.
Fizemos uma última passagem do espetáculo, que serviu de ensaio geral. A
passagem contou com a utilização apenas do violão enquanto instrumento e eu
foquei nas correções da parte cênica, já que tinha sido uma parte pouco ensaiada.
Os alunos acertaram todas as entradas e a passagem foi mais uma vez produtiva.
Corrigimos apenas algumas questões na cena, para os alunos não darem as costas
para o público e falassem o mais forte possível.
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Figura 09: Ensaio geral da música e coreografia das meninas.
Figura 10: Ensaio geral da música e coreografia dos meninos.
Meu companheiro de estágio cuidou de toda a parte instrumental do
espetáculo. Chamamos dois colegas para completar a banda, formada no final por
duas guitarras, um baixo elétrico e uma bateria. Tudo já estava pronto e fomos
avisados que a programação iria começar.
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O público eram os alunos das próprias turmas, alguns professores da escola
e também contamos com a presença da diretora. Quem estava cuidando da parte do
cerimonial era a própria professora de música que indicava que turma iria se
apresentar em seguida. As apresentações anteriores às nossas não eram muito
longas, onde a maioria das turmas tocou no máximo duas músicas. Quando chegou
nossa vez, deixei as meninas em suas posições na plateia e levei os meninos para
trás do palco, de onde deveriam sair apenas para fazer a música deles e a final. Os
alunos que iriam fazer a cena se posicionaram enquanto a professora de música nos
apresentava e dizia do que se tratava a nossa apresentação. Quando a plateia fez
silêncio, começamos a apresentar.
Os alunos me surpreenderam com a projeção de voz. Estava muito melhor
que todas as passagens gerais. Tive que dar as entradas para as músicas, mas
nada que estragasse a beleza do espetáculo. Ele fluiu perfeitamente com o
envolvimento de toda a plateia, que não queria parar de aplaudir ao final de cada
música e que fazia o silêncio devido na hora das falas.
As apresentações musicais ficaram belíssimas, tanto no quesito afinação
quanto nas coreografias. Eu estava perto do palco cantando junto com eles e
empolgando-os.
Quando cantamos a música final, fomos surpreendidos. Ficou belíssima na
voz dos alunos e com muita verdade. Eles nunca tinham colocado aquela projeção
de voz em nenhum ensaio. Acredito que a energia de estar no palco os contagiou e
eles renderam muito mais do que estávamos esperando.
Depois dos aplausos, a banda continuou tocando a base da música e a
plateia cantou junto conosco. Os alunos desceram do palco cantando até sair do
auditório, junto com a plateia. Foi uma bela finalização do espetáculo como um todo.
Ao sair do auditório, reunimos todos os alunos em uma sala novamente e
desta vez, ninguém segurou a emoção. Todos estavam muito eufóricos e repetindo
que foi maravilhoso. Recebemos muitos elogios dos outros professores e de outros
alunos durante o percurso de saída do auditório para a entrada na sala.
Para concentrar e conseguir falar com todos, induzi a formação da roda, com
o uso de batimentos corporais para eles imitarem. Quando todos estavam prestando
atenção, comecei a falar o quanto a apresentação tinha sido maravilhosa e o quanto
eles estavam de parabéns. Meu companheiro de estágio também disse que estava
orgulhoso e que eles superaram todas as nossas expectativas. Pude observar nos
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olhares de todos que estavam se sentindo muito bem com o resultado. A euforia
estava estampada nos rostos de cada um.
Como não dava para sentar e ter um momento de conversação já que todos
precisavam ir embora logo, perguntei o que eles estavam sentindo e todos
responderam coisas positivas como felicidade, orgulho, dever cumprido, todos ao
mesmo tempo. Depois, tivemos um abraço coletivo e tiramos algumas fotos.
Marcamos para aparecer na próxima aula deles para combinar uma
confraternização.
Figura 11: Auditório lotado pelos alunos e professores do FLOCA.
Figura 12: Cena inicial dos meninos e meninas.
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3 - Impressões finais sobre a experiência
As experiências aprendidas em uma prática docente são muitas e cada
estágio nos traz considerações muito específicas de aprendizado. É necessário um
olhar crítico sobre tudo o que aconteceu para diagnosticar o que aprendemos em
cada etapa do período de realização do estágio.
3.1 Nosso aprendizado enquanto docentes
É interessante pensar que nosso aprendizado começou muito antes de
entrar em sala de aula com os alunos. O fato de termos que pensar também o que
trabalhar com a turma durante o semestre nos fez entrar em uma pesquisa sobre o
mundo dos jovens e aguçar o olhar para a turma no período de observações. Isso
nos trouxe medos, mas também trabalhou em nós a independência de determinar o
conteúdo mais apropriado para a turma. Foi algo inédito na nossa formação e
abraçamos com muito carinho a oportunidade.
A maneira de ver o aprendizado e de aprender é muito diferente para os
jovens. Confesso que sempre achei muito difícil conseguir prendê-los em uma aula,
como acontece com as crianças desde que tenha muita ludicidade, por exemplo. O
fato é que os jovens muitas vezes desacreditam na educação porque quase nunca
são ouvidos. Os seus desejos e dúvidas sobre o mundo não são tirados em casa, já
que muitos pais não tem paciência com seus filhos e também não são tirados na
escola, já que os conteúdos pré-determinados das disciplinas não invadem o
universo juvenil e seus problemas, são conteúdos básicos e igualitários para todos.
Ao ler as literaturas aprendemos que os jovens precisam colocar para fora
os seus medos, suas incertezas e ao mesmo tempo, precisam se firmar enquanto
grupo na sociedade. Precisam ter suas opiniões levadas a sério. Também
aprendemos que cada ser humano é único e que merece nossa atenção e nos
desafia a respeitar as suas particularidades. Com o jovem não é diferente.
Precisamos enxergar o mundo existente em cada um, para tornar a aprendizagem
significativa para todos. E conseguimos enxergar exatamente isso na nossa turma, a
necessidade de se expressarem e de interagir com o ensino.
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A fase de observações foi bastante válida para construirmos o perfil da
nossa turma como um todo e assim, determinar o que poderíamos trabalhar de
válido para eles. Sabemos que “a realidade educativa é complexa e imprevisível e,
como tal, o exercício profissional da docência exige muito mais do que aplicação de
conhecimentos teóricos” (MORATO; GONÇALVES, 2009, p.112) e que nesse
sentido “a observação assume uma função importante para o futuro professor poder
se inteirar das situações instáveis e indeterminadas que a realidade da sala de aula
lhe reserva” (MORATO;GONÇALVES, 2009, P. 113). Dessa maneira, entendemos a
fase de observações como parte crucial para a concretização deste trabalho.
Percebemos a turma muito aberta às atividades, entretanto, precisávamos
conquistar a confiança e a credibilidade deles para isso. As primeiras atividades de
sondagem do gosto musical através dos celulares nos ajudaram com essa
conquista. Trazer o universo tecnológico para a aula deixou os alunos surpresos e
ansiosos para o que estava por vir, já que as mídias estão cada vez mais presentes
na vida dos adolescentes (SOUZA, 2009). Esse fator além de nos trazer o universo
musical em que estavam inseridos, trouxe aproximação dos alunos conosco.
A questão de aprendermos os nomes deles foi algo completamente
necessário e positivo. Manfioletti (1995) afirma que para iniciar a integração de uma
pessoa a um grupo começamos pela aceitação da sua pessoa a partir da
identificação do seu nome. Lembro que enquanto aluna sempre me orgulhei quando
um professor me chamava pelo nome e me esforçava mais naquela disciplina por
causa disso. Com a turma do 9º ano C também foi um fator importante, pois
começamos a criar os laços desde os primeiros encontros. A partir de agora não
deixarei de aprender os nomes dos meus alunos em nenhuma circunstância.
Para entender o que eles precisavam aprender, precisamos conhecer o que
estavam ouvindo e o que era importante musicalmente para eles. Sondar o gosto
musical também foi um fator importante e necessário para garantir o sucesso das
aulas. Foi mais uma forma de tratar os alunos segundo as suas individualidades e
adentrar no universo de cada jovem para uniformizar o ensino e garantir melhor
envolvimento deles. Partir do pressuposto do que já conhecem é muito mais
satisfatório para eles e ao mesmo tempo, faz com o que aceitem o que vamos trazer
de novo, já que tiveram a oportunidade de estudar o que gostam.
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A decisão pela criação de arranjos de músicas que eles queriam foi baseada
no fato de deixa-los usar a imaginação e executar algo criado por eles. Para Fischer
(1987) o ato de criação é uma das formas mais abertas de expressão e que o
trabalho artístico oferece muitas possibilidades de desenvolver a criatividade dos
alunos. Mais uma vez falando de minhas experiências, é muito mais prazeroso
executar algo que sei que foi feito por mim e meus colegas em um processo
colaborativo. Existe uma impressão de gostos individuais muito mais aguçada e isso
nos traz alegria na execução. Saber que os aplausos são pela bela execução e pela
criação do que foi executado e que essa criação também é minha faz com o que eu
os receba com muito mais carinho e felicidade. Gostaria que os alunos também
vivenciassem essa experiência.
Quando surgiu a oportunidade do Teatro Musical sugerida por eles próprios,
pude concretizar que são jovens que precisam se expressar e que gostam do fazer
artístico. Para Santa Rosa (2012) a prática artística revela-se como um importante
recurso de educação dos jovens pois eles encontram nela a possibilidade de mostrar
o que desejam. Mesmo alguns meninos que estavam com o pé atrás aos poucos
foram degustando o prazer da criação coletiva e da execução artística através das
três linguagens.
O fator primordial para nosso aprendizado nesse momento foi a condução
da criação. Eram muitas cabeças e muitos pensamentos distintos, que precisavam
de objetividade para se tornar um só e ao mesmo tempo, ao gosto de todos. Essa
mediação nos trouxe desafios e nos fizeram aprender a organizar muitas ideias e
juntá-las em uma só. Entretanto, essa mediação só foi possível graças à confiança
que os alunos já tinham em nós e em nossas decisões. Eles sabiam que
buscávamos o melhor e que nossa experiência a mais nos dava soluções melhores
para os problemas.
Esse trabalho com Teatro Musical trouxe para nós professores mais
proximidade com os alunos. A cada aula, éramos surpreendidos com novas ideias
vindas muitas vezes de alunos que no inicio não estavam interessados nem em
levantar para fazer um alongamento. Consultando meu companheiro de estágio,
concluí que para ele também foi um estágio inovador e com muitos aprendizados.
Para ele:
A proposta de realizar um teatro musical com essa turma certamente foi muito gratificante, principalmente por ver todo o interesse e o
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envolvimento de muitos dos alunos da turma. Pude aprender a trata-los de uma forma em que o professor deve tratar o aluno, tanto para receber respeito deles quanto ser respeitado por eles (...) Pude aprender que mesmo com a simplicidade dos recursos que tínhamos para realizar as aulas, elas se tornaram momentos de muito aprendizado e diversão tanto para os alunos quanto para nós, professores estagiários. Afastar cadeiras para iniciar uma aula nunca foi tão divertido e tão chato ao mesmo tempo. Isso foi muito interessante de poder presenciar” (Estagiário A, 2014).
O trabalho foi muito importante e transformador na nossa carreira docente. O
sentimento que ficou foi o de dever cumprido, de finalização dos estágios
supervisionados em grande estilo. Ainda sinto dificuldades em expressar em
palavras o que esse momento significou para mim enquanto futura professora de
música mas é importante dizer que todas as etapas foram importantes para o
trabalho final acontecer de maneira satisfatória e que a cada aula, os alunos
ensinavam muito mais do que aprendiam conosco.
3.2. O aprendizado dos alunos
Não conseguimos marcar uma confraternização com eles a tempo da
entrega do meu trabalho, mas depois da apresentação, tentei através da observação
decifrar o que estava passando pela cabeça de cada um deles. Os seus olhares me
disseram muito sobre felicidade de ter um trabalho bem executado e criado por eles
sendo tão aplaudido por seus colegas da escola. Perguntei de maneira geral como
tinha sido a experiência e muitos gritaram que foi maravilhoso e que queriam fazer
sempre. Alguns nos pediram para não sair da escola ainda e disseram que vão
sentir muito a nossa falta.
Em pouco tempo da finalização do espetáculo, me deparei com muitos
depoimentos de agradecimentos nas redes sociais. Frases como: “Foi maravilhoso”,
“Um experiência para ficar na memória” e “Parabéns para todos nós” apareceram e
me deixaram com mais certeza de dever cumprido e de que não vamos ser
esquecidos por eles durante a sua trajetória escolar.
Para eles e para nós foi uma experiência espetacular e difícil de ser descrita
em palavras.
Em um momento posterior, nos reunimos com os alunos na sala de aula a
fim de entender como foi esse momento para eles de maneira mais concreta. A
maioria dos alunos citou como importante a possibilidade de expressão artística, que
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é uma maneira de dizer como eles são e mostrar suas potencialidades. Alguns me
confidenciaram que gostariam de seguir carreira artística e que o trabalho
impulsionou essa vontade.
Outro fator importante foi o de participar do processo criativo do espetáculo.
Isso gerou na turma um desejo de participação maior do espetáculo, já que iriam
mostrar literalmente seus gostos musicais e suas visões sobre a arte.
Isso deu a eles a proximidade necessária com o processo de ensino-
aprendizagem da disciplina naquele semestre. E também trouxe uma relação mais
aproximada com a escola como um todo.
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Considerações Finais
A construção do Musical “Identidade 9ºC” foi uma experiência importante e
desafiadora para nós enquanto futuros professores de música. O último estágio veio
como o mais desafiante e prazeroso para nós, já que pudemos exercitar nossa
capacidade de determinar conteúdos através das observações da turma e no final,
tivemos um resultado apresentado e muito bem aplaudido.
Os caminhos até chegar a apresentação final não foram fáceis. Precisamos
conquistar a confiança e o carinho da turma, observar o que seria proveitoso para
eles aprenderem enquanto disciplina artística, conduzir um processo criativo e
ensaiar para ficar bonito esteticamente no palco. Muitas vezes as aflições de fim de
semestre e ao mesmo tempo de conclusão de curso nos deixaram inseguros sobre o
sucesso do estágio em si. Entretanto, os alunos nos motivavam a continuar com um
simples “bom dia” sorridente e o apoio e confiança da professora supervisora
também foi indispensável.
Para a concretização do nosso trabalho, precisamos refletir nas literaturas
sobre diversos temas como a educação básica e a música, a maneira de
aprendizado dos jovens, o processo colaborativo e o Teatro Musical e seu papel na
educação Musical. Foram importantes as conclusões que chegamos através das
leituras para confrontar com o que foi feito na prática. Foi possível observar o que foi
lido em harmonia com o que foi observado na sala de aula e o conhecimento prévio
da teoria nos trouxe soluções mais imediatas para os problemas que iam
aparecendo.
No capítulo 2 de nosso trabalho pudemos descrever sobre cada etapa do
estágio e da criação do Musical e sua importância para a formação musical dos
alunos e nossa formação enquanto professores.
Já no capítulo 3 pudemos refletir o que foi importante para nós e para os
alunos nesse espaço de tempo com a criação desse Musical e o que desencadeará
na nossa formação e na formação deles enquanto artistas e seres humanos.
O relato deste trabalho trouxe uma nova proposta pedagógica para o ensino
de música com jovens dentro da educação básica, que requer poucos recursos
financeiros e que ao mesmo tempo, consegue alcançar o objetivo de integrar o
jovem dentro do ensino de música.
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Os depoimentos dos jovens nas redes sociais e a leitura que fizemos das
suas reações dentro e fora dos palcos nos mostraram felicidade e realização ao
pensar no trabalho executado. Com isso, ficamos gratos pela confiança no nosso
trabalho e realizados com o sucesso desde a criação até a execução do musical.
Com isso, podemos concluir que a área da Educação Musical tem campo de
trabalho para ser estudado com a proposta pedagógica do Teatro Musical e que
ainda existe muito a ser explorado. Podemos trabalhar o Teatro Musical com outras
faixas etárias, com ou sem o processo colaborativo e ir aumentando o número de
conclusões sobre os trabalhos. Assim, podemos garantir mais sucesso nas nossas
aulas de música em diversos contextos e garantir nossa valorização diante da
sociedade.
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