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Tambores étnicos:
Uma abordagem étnico-histórica do carimbó no Pará (Vigia, Marajó,
Belém) sob influência africana
Área de Conhecimento
Educação para Relações Étnico-Raciais
Linha de Pesquisa:
Formação para Relações Étnico Raciais e Povos Tradicionais
Carlos Amilcar de Azevedo Picanço1
Karina Borges Cordovil2
Patrícia Norat Guilhon3
Resumo
Este trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem etno-histórica sobre o carimbó,
manifestação cultural do Estado do Pará. Propomo-nos demonstrar, por meio de
pesquisa documental e bibliográfica, a forte herança africana presente nesta,
corroborando-se de fato a presença negra da Amazônia, que durante algum tempo foi
lhe negada na historiografia tradicional. Através de análises, percebemos, enquanto
objeto de estudo, que o carimbo como um valioso instrumento foi diretamente
influenciado pela cultura africana. Para tanto, utilizamo-nos de Vicente Salles, que a
partir da década de 60, evidencia tal influencia no carimbó. Não se pretende com isso
demonstrar as origens, mas demonstrar a forte contribuição cultural africana na dança
do carimbó fruto de uma miscigenação.
Palavras-chaves: etno-histórica, carimbó, herança africana.
_______________________________________
1 Licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú-CE. Graduado em Serviço social pela
Universidade da Amazônia. Concluinte do Curso de Especialização em Educação para Relações Étnico-
Raciais – IFPA; E-mail: [email protected] 2 Licenciada e Bacharel em História pela Universidade Federal do Pará. Concluinte do Curso de
Especialização em Educação para Relações Étnico-Raciais – IFPA; E-mail: [email protected] 3 Orientadora do Artigo. graduada em Historia pela Universidade Federal do Pará (1997). Atualmente é
auxiliar do Centro Federal de Educação Tecnológica e assessora de direção de sede do Centro Federal de
Educação Tecnológica do Pará. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia da
Religião, atuando principalmente nos seguintes temas: repouso espírito santo, carismáticos, carimática
catolicismo, círio de nazaré e catolicismo. Mestrado em Antropologia (Conceito CAPES 4). Universidade
Federal de Pernambuco, UFPE, Brasil. Título: Espetáculo da Cura, Orientador: Roberto Mota. Bolsista do(a):
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E-mail: [email protected].
2
1. A presença africana na Amazônia: a contribuição cultural da África no
carimbó.
“O carimbó não morreu está de volta outra vez,
(...), o carimbó nunca morre, quem canta o
carimbó sou eu, (...), sou cobra venenosa osso
duro de roer, (...) sou cobra venenosa, cuidado
vou te morder, (...) no ritmo de pau e corda, onde
tambores vem tocar, (...), mexe o coração da
gente música raiz do Pará, (...), não me interessa
me imita, mas que fique por aí, (...) quando eu
paro o carimbó todo mundo pede bis, (...).”
(Mestre Verequete).
1.1 Apontamentos para a presença negra na Amazônia
Ao negro durante muito tempo, seja na bibliografia, seja na historiografia, foi
negada sua presença na Amazônia, bem como toda a sua influencia. Em meados da
década de 60 através de autores principalmente como Vicente Salles, pode-se perceber
um olhar diferenciado para com a presença de negros na Amazônia e nas suas mais
diversas manifestações culturais, a exemplo, do carimbó, dança característica do Estado
do Pará.
O autor destaca a influência negra na Amazônia, especificamente no Pará, nos
mais diversos aspectos destes agentes sociais:
“Aqui também a cultura do negro se derramou no folclore1 – nos uso e
costumes, na alimentação e culinária, na lúdica adulta e infantil, nas
crendices e superstições, nos cultos e devoções populares, na literatura
oral e no artesanato, enfim em todas as objetivações materiais e
espirituais do nosso povo – mas na cosmovisão pode conter-se
igualmente numa só palavra” (Vicente Salles. A Província do Pará.
Caderno. Domingo nº 5. Belém, 21 de Janeiro de 1996. Página 7.)
Salles (1996. p. 7), ressalta a forte contribuição cultural legada pelos negros a
nossa sociedade. Assume, portanto uma postura folcloristas no artigo citado acima ao
criticar a tradição dos estudos lingüísticos, que pouparam uma análise da fala cotidiana
regional, nos quais negaram termos de origem africana sem quase aprofundamento.
1 Folclore: Vem do Inglês folklore, que significa saber de um povo; Conjunto das tradições, conhecimentos ou crenças populares expressas em provérbios, contos ou canções.
Conjunto das canções populares de uma época ou região. Estudo e conhecimento das tradições de um povo, expressas nas suas lendas, crenças, canções e costumes (Dicionário
Aurélio).
3
Seu interesse pela lingüística referencia nosso trabalho, porque nos proporciona
uma leitura, principalmente no que diz respeito ao folclore ao mencionar a presença
africana presente nas letras de músicas, nas falas, na literatura e em outros mecanismos,
nos quais mencionam a utilização de termos, fonéticas, semânticas, que foram
incorporados da África. Tão presente nas falas regionais.
Dá ênfase ao conteúdo simbólico, ou seja, ao sentido a semântica, a fonética de
cada palavra estudada de provável origem africana (povos de língua iorubanas,
sudanesas, bântus etc.), segundo Salles esse legado linguístico foi deixada de lado
durante algum tempo por estudiosos da língua, registra as divergências entre
filólogos/etimólogos no sentido de enfatizar o preconceito existente na época para com
influência de palavras africanas fazerem parte do cotidiano de homens e mulheres2.
Temos o exemplo abaixo, de uma canção chula - espécie de dança e música
popular de origem portuguesa – adaptado ao estilo musical marajoara, ao qual foi
adequada para o batuque3
de Belém por Satiro Ferreira em 1937, o qual invoca termos
de provável influência africana, denominando-o de Babaçuê4:
“Marajó já teve fama/ já teve fama/ de gado e cavalaria (bis)/ Hoje já
viv‟isplorado / Viv‟isplorado/ pelos piratas da Vigia/ (...) Vaqueiro de
Sant‟Helena/ Tem cavalo mas não tem sela/ Agora quérim fazer / da
camisa da marcela/ Im cima daquela serra/ Passa boi e passa boiada,/
Também pássum as mulatinhas/ Dos cabelos(s) cacheados (...) Êsse
catú catú/ Aruáia maranhão angugêrê/ Acuã (i) arirú (bis).” (Vicente
Salles. A Província do Pará. Caderno. Domingo nº 5. Belém, 21 de
Janeiro de 1996. Página 7).
Nesse sentido, embora poucos comprovam a influência africana nas músicas
paraenses, Salles (1995, Página: 5), afirma que:
“não se pode considerar desprezível a contribuição do negro na
Amazônia, embora não se possa testemunhar a sobrevivência de um
culto puramente africano (...) onde a incorporação dos chamados
encantados5 caboclos criou um batuque extremamente sincretizado
6,
2 Estudo da língua em toda a sua amplitude, e dos documentos escritos que servem para documentá-la. Crítica textual. (Dicionário Aurélio).
3 Designação comum a certas danças africanas e brasileiras acompanhadas de cantigas e de instrumentos de percussão; Baile popular ao som de instrumentos de percussão;
batucada. O ato de bater repetidamente, de martelar, de fazer barulho; Culto, relacionado com o Babaçuê, que incorpora ao ritual Jejê-Nagô elementos rituais e entidades dos
candomblés de caboclo, da pajelança, do catimbó e da umbanda. (Dicionário Aurélio).
4 Culto Jeje-Nagô mesclado com ritos e panteão do candomblé de caboclo, da pajelança, do catimbó e da umbanda. (Dicionário Aurélio).
5 Encantados: Qualquer dos seres supostamente animados de poderes sobrenaturais que, na crença de indígenas e caboclos brasileiros, habitam a Terra ou o céu; Designação
genérica das entidades cultuadas nos candomblés de caboclo. (Dicionário Aurélio).
4
modernizado, ou atualizado com a influência do candomblé7 baiano e
da umbanda8 do Rio de Janeiro. E certamente, a influência foi
recíproca. E tanto a pajelança9, herança indígena como o batuque,
contribuição do negro, tiveram de enfrentar ao longo do tempo a
intolerância reinante e a repressão policial, presente nos Códigos de
Posturas Municipais de Belém de 1848”. (Vicente Salles. A Influencia
da cultura afro nos costumes paraenses. A Província do Pará. Belém,
17de Dezembro de 1995. Caderno 3. Domingo. Página: 5).
Ressalta-se a questão da crítica realizada por Salles ao descaso de alguns
estudiosos da língua, quanto ao registro de vocábulos e expressões africanos no
linguajar regional, pelo que parece tais vocábulos de origem africana foram esquecidos
durante algum tempo, mas que ganhou força com estudos voltados para questões
raciais, dái a importância de Ignácio Moura Batista, que em 1900, que menciona a
influência africana nos falares regionais contemplando as esferas culturais como
demonstra o excerto abaixo:
“Provieram os sambas, batuques e carimbos (danças ao tambor), com
que se recreavam nas festividades religiosas e profanas dos antigos
núcleos coloniais, chegando mesmo à primitiva civilização das vilas e
cidades. Ninguém lhes pode negar um certo cunho poético nas
canções populares com que o mestiço à marimba ou ao tambor, se
deliciava afadigado pelos trabalhos do eito. Muitas superstições e
lendas, os lobisomens, os curupiras e as matinta-pereras, viera pelo
consórcio do que tinha saído das costas africanas e do centro
misterioso da Amazônia Conquistadores e conquistados, senhores e
escravos, fundiram-se pouco a pouco, num trabalho de três séculos
para constituir um povo semibárbaro e semicivilizado”, (Vicente
Salles. A Influencia da cultura afro nos costumes paraenses. A
Província do Pará. Belém, 26 de Novembro de 1995. Caderno 3.
Domingo. Página: 3).
6 Fusão de crenças e práticas religiosas distintas e por vezes opostas, com reinterpretação de seus elementos.
7 Religião de origem africana que se estabeleceu no Brasil, introduzida por escravos principalmente da Nigéria e do Benina, e em que se cultuam os orixás, divindades iorubas.
8 Sincretismo religioso que integra cultos afro-brasileiros e, mais recentes, grupos de influências exotéricas, cabalísticas.
9 Ritual realizado por um pajé visando determinado objetivo, como cura, previsão de acontecimentos etc.
5
1.2 Apontamentos para a presença negra no carimbó.
Entre os autores, destaca-se José Veríssimo, do qual nega que o termo batuque
ser originário da África. Em contraposição tem-se uma aproximação de Salles a uma
perspectiva de Barbosa Rodrigues, que em 1842, escreve:
“O que resiste ao tempo e ainda se vê é o elemento africano fundido
ao nacional”. (Vicente Salles. A Influencia da cultura afro nos
costumes paraenses. A Província do Pará. Belém. 17.12.1995.
Caderno 3. Domingo. Página: 5).
Rodrigues em 1842 observa que a presença africana, principalmente nas
canções, nos festejos têm a forte utilização de instrumentos de percussão, afirmando ter
afinidade cultural com africanos, seja na forma de conduzir as danças por ter um caráter
mais rítmico e relação às danças ameríndias, seja pelo manuseio de tais instrumentos:
“(...) pelos sítios no interior da Província, por ocasião de alguma festa
religiosa, forma-se o jongo10
ou batuque com o gamba e o krakachá.
As posições, os movimentos da dança e as modulações do canto
menos vivo e estrepitoso do que entre os negros, são contudo
acompanhados pela música. O tapuio pelo seu caráter triste e moleza
natural modificou a mínima erótica e o bambolear do corpo, que o
negro imprime com fogo nas suas danças e aceitou apenas a música,
porque ruidosa e monótona quadrava com seus usos e recorda o seu
antigo torokaná11
(...)”. (Vicente Salles. A Influencia da cultura afro
nos costumes paraenses. A Província do Pará. Belém, 17 de Dezembro
de 1995. Caderno 3. Domingo. Página: 5).
O mesmo autor faz referência à utilização de instrumentos, que na sua
concepção são tipicamente africanos como segue a transcrição abaixo:
“(...) O Karimbó e o gambá, tambor africano, que se toca com os
dedos das mãos e o krakachá ou kanzá do Sul, colmo de taquara
dentado sobre o qual se passou pontalete, que produz o som que
parece mesmo dizer krakachá, krakachá, são instrumentos puramente
africanos, mas que o indígena aceitou. O que não quis foi a kissanga, o
urucungo12
e a marimba13
”. (Vicente Salles. A Influencia da cultura
10
Dança de roda, espécie de samba, que se movimenta em sentido anti-horário, acompanhado por tambores ditos de jongo, como, p. ex., o candongueiro3, o caxambu, mas sua
coreografia difere em cada localidade; só é dançado à noite. (Dicionário Aurélio).
11 Tambor, feito de um toro de madeira, com que, em grande parte da zona tropical sul-americana, os índios dão sinais às tabas vizinhas. (Dicionário Aurélio).
12 Berimbau. (Dicionário Aurélio).
6
afro nos costumes paraenses. A Província do Pará. Belém. 17 de
Dezembro de 1995. Caderno 3. Domingo. Página: 5).
Ao afiliar-se “à classe dos etnógrafos e folcloristas apocalípticos”, Salles
menciona que Barbosa Rodrigues com medo do “desaparecimento” e do
“esquecimento” da utilização de determinados termos da língua africana, representante
da cultura popular e da grande importância da contribuição do negro, vai registrar esses
termos vindos da África.
Ilustração 1: O tambor que empresta o nome se refere à apropria do nome deste
instrumentos à manifestação cultural paraense, denominada de carimbó.
Em 1962, o casal Leacock, recolheu trechos de batuques no Pará, que
demonstram a influência que este recebeu com o ingresso do encantado africanizado
(1972. pág. 351) recolheu o seguinte trecho: „Graças a Deus, já cheguei Olha, Tango no
Pará! Da Borboleta, onde eu moro, Olha, Tango do Pará! Alguma coisa neste mundo,
Alguma coisa eu vou contar Olha, Tango do Pará‟14
.
Sobre o Tangurupará, descreve Franz Kreüther Pereira em sua obra “Painel de
Lendas & Mitos da Amazônia”
“Tanguru-Pará funciona como o vigia da mata, e quando pressente um
perigo ou inimigo qualquer, seja gente ou animal, solta o seu assovio
fino, agudo, vibrante, e todos os animais, não só aves, como
quadrúpedes se previnem e se acautelam‟. Essa é a razão pelo qual o
pio do Tanguru-Pará não pode ser imitado, mas a imaginação fabulosa
do indígena, atestando sua aguda observação das coisas da natureza,
dá-nos essa beleza de história.” (ORICO, Osvaldo. Mitos ameríndios e
crendices amazônicas. R. de Janeiro: Civilização, 1975).
13
Instrumento de percussão, que consiste numa série de lâminas de madeira ou de metal, graduadas em escala, percutidas com duas baquetas, e dispostas sobre cabaças ou
tubos de metal, que funcionam como caixa de ressonância. (Dicionário Aurélio).
14 Vicente Salles. A Influência da Cultura Afro nos Costumes Paraenses. A Província do Pará. Belém, 26 de Novembro de 1996. Caderno 3. Domingo. Página: 6.
7
Sobre o excerto acima vale ressaltar a importância do guardião da floresta
recebendo a influência direta da cultura indígena, mas que mesclada ao batuque
africanizado. Em 1973, Orlando Pereira, produz um RLP, no qual afirma ser o carimbó,
originário da „umbanda do Pará‟. (Salles, Vicente. A Província do Pará. A Influência da
Cultura Afro nos Costumes Paraenses. Belém, 14 de Junho de 1996. Caderno 3.
Domingo. Página: 3).
Neste sentido, nota-se que nas letras de músicas de Orlando Pereira, quanto à
coletada pelo casal Leacock, percebe-se que:
“Comparando os documentos obtidos em diferentes épocas nota-se a
manutenção do verso septissilábico e a forma estrófica quadra
intercalada de refrão. Está claro que a transformação do Tangurupá,
ave, evocado no conto indígena, ou encantado na pajelança cabocla,
em Tango-do-Pará, não é apenas simples confusão verbal: exprimem
certamente a africanização do mesmo encantado e conseqüentemente
a sua metamorfose em „índio‟ dotado de poderes especiais para
trabalhar na esquerda, ou seja, pertencente à falange dos Exus15
,
conforme o teu Axé!”.
O trecho acima, nos remete à influência que as letras sofreram com a
africanização do encantado, que em vez de indígena, torna-se africano.
Segundo Vicente Salles, Renato Almeida, afirma em 1942, que a invocação do
termo Tangurupará, nas letras de músicas de músicas „revela a influência catimboseira‟:
“(...) o contrário é que devemos admitir, pois o encantado da
pajelança, de nítida inspiração amazônica, deve efetivamente ter
migrado para o Nordeste. Os mecanismo da dinâmica cultural
estabelecem o princípio da reciprocidade. Aliás, Câmara Cascudo e
Mário de Andrade reconhecem que há muita influência da Amazônia
no catimbó16
nordestino, conforme respectivamente Meleagro e
Música de feitiçaria no Brasil”. (Salles, Vicente. A Província do Pará.
A Influência da Cultura Afro nos Costumes Paraenses. Belém, 14 de
Junho de 1996. Caderno 3. Domingo. Página: 3).
Sobre a contribuição do negro para com a cultura amazônica, destacou
especificamente as modinhas, as canções, as músicas, Salles (1996) comenta que
“não se pode considerar desprezível a contribuição do negro na
Amazônia, embora não se possa testemunhar a sobrevivência de um
culto puramente africano (...) onde a incorporação dos chamados
15
Orixá que tem a função mítica de mensageiro; que leva os pedidos e oferendas dos homens e mulheres aos Orixás; quem traduz as linguagens humanas para a das
divindades; que tem o poder de comunicar e ligar; O senhor das porteiras, da força que percorre esses caminhos; Orixá que possibilita brincadeiras e prazeres aos seres
humanos, permita a ti a comunicação plena para que teus desejos e sonhos sejam alcançados conforme a tua fé, força e ancestralidade. (Dicionário Aurélio).
16 Termo de origem africana que se refere aos cultos da religião afro-descendente, ou seja, negra.
8
encantados caboclos criou um batuque extremamente sincretizado,
modernizado, ou atualizado com a influência do candomblé baiano e
da umbanda do Rio de Janeiro. E certamente, a influência foi
recíproca. E tanto a pajelança, herança indígena como batuque,
contribuição do negro, tiveram de enfrentar ao longo do tempo a
intolerância reinante e a repressão policial, Código de Posturas
Municipais de Belém. 1848”. (Salles, Vicente. A Província do Pará. A
Influência da Cultura Afro nos Costumes Paraenses. Belém, 14 de
Junho de 1996. Caderno 3. Domingo. Página: 3.)
Ainda por volta de 1848, Belém recebe a visita de Henry Battes e Wallace, que
andando pela região, ou melhor, pelas ruas da cidade, observaram grande quantidade de
pessoas transitando nestas, bem como seus aspectos físicos e materiais, dos quais foram
descritos e transcritos em seus diários de viagens
“Nas poucas ruas perto do porto, entre edifícios altos, tristonhos, com
aspecto de convento, perambulavam soldados indolentes, metidos em
velhas fardas e levando descuidadamente ao ombro os mosquetões,
padres ociosos, negros carregando à cabeça talhas de barro vermelho,
índias de aspecto tristonho, com os filhos nus escanchados nos
quadris, e várias outras amostras da vida multicor do lugar (...) Ele
notou no meio da classe pobre mestiça, algumas mulheres bonitas,
com as roupas em desalinho, descalças ou de chinelas, mas com
brincos ricamente trabalhados e colares de grandes contas de ouro.
Tinha olhos negros muito expressivos cabeleiras notavelmente
densas. Observou que o misto de desalinho, riqueza e formosura
dessas mulheres estava em perfeita harmonia com o resto do cenário,
pois era igualmente impressionante a mistura das riquezas naturais e
da pobreza humana.” (Salles, Vicente. A Província do Pará. Henry W.
Bates e o negro no Grão-Pará. Belém, 27 de Agosto de 1990.
Caderno 2. Domingo. Página: 9.)
Surpreende-se do número de negros encontrados nas ruas de Belém, do qual
descreveu diversas atividades em que o mesmo estava inserido, entre os quais
destacamos, o hábito deste de tocar violão, fazer modinha, tocar batuque, descrição dos
folguedos entre outros. Afirma então que
“o negro era a figura humana marcante na paisagem urbana e Bates foi
muito gentil os paraenses afirmando que quese não havia preconceito
de cor nesta parte do Brasil.” (Vicente Salles. A Província do Pará.
Caderno 2. Nº 9. Belém. Domingo, 26 e Segunda-feira 27 de Agosto
de 1990. Henry W. Bates e o negro no Grão-Pará).
Dentre as várias manifestações religiosas descritas em sua obra Battes,
menciona os folguedos relacionando-o diretamete ao negro, incluíndo-se suas devoções
9
aos Santos, bem como a utilização de instrumentos musicais, que se remetem também à
questão do negro, que para Battes teve influência direta. Principalmente em Serpa,
Itacoatiara, Amazonas.
“Os negros têm um santo de sua cor, S. Benedito, faziam sua festa
separado, passando a noite inteira cantando e dançando com a música
de um cumprido tambor: o gambá, e do Caracaxá. O tambor era um
tronco oco, com uma das extremidades coberta de pele, e era tocado
pelo músico que ficava escanchado em cima dele e batia na pele com
um dos dedos. O caracaxá é um tubo de bambu, cheio de dentes, que
produz som rascante quando se esfrega uma vara dura sobre os dentes.
Nada podia exceder em triste monotonia esta música, bem como o
canto e a música que se prolongavam sem esmorecimento pela noite a
dentro (...) Pouco antes, ao que parece nas terras da Ilha de
Tupinambarana, assistia na festa de N. S. da Conceição, onde
observou as danças, todas do mesmo tipo, diversas variedades de
landu, como grafou danças eróticas, semelhante ao fandango, que
primitivamente tinha aprendido como portugueses (...) em 1851 Battes
instalou-se em Santarém, observou costumes de brancos, índios e
negros, a música, a modinha,os instrumentos musicais em voga (...)
Os negros representavam nas ruas grande espetáculo semidramático
no tempo do Natal. Os índios uma vez por ano também faziam suas
danças e mascaradas. Os brancos preferiam o que vinha de fora. Havia
um pequeno grupo de músicas, dirigidos por um mulato alto, magro e
maltrapilho, que era entusiasta por sua ‟arte‟, que „costumava
frequentemente fazer serenatas aos amigos nas noites de luar, frescas e
claras, da estação seca, tocando marchas e músicas de dança, de
autores franceses e italianos, com muito gosto‟ ”. (Vicente Salles. A
Província do Pará. Caderno 2. Nº 9. Belém. Domingo, 26 e Segunda-
feira 27 de Agosto de 1990. Henry W. Bates e o negro no Grão-Pará).
Salles, afirma que “não é possível condensar todas as passagens da presença do
negro e do mulato na obra do naturalista, mas é possível perceber que a lúdica negra
havia se espalhado vastamente”17
.
17
Op.cit. 1990 (caderno 2, número 9)
10
Ilustração 2: A imagem acima tem como título “a pureza do ritmo no terreiro”, remete-se as
manifestações das rodadas de carimbo , que ocorria principalmente nos interiores, a exemplo de
Vigia.
O naturalista Battes, comenta ainda que
“não se contentava em apenas mencionar o que via. Era tentado quase
sempre, a descrever, como acabamos de ver com o landu, gambá, o
caracaxá”. (Salles, Vicente. A Província do Pará. A Influência da
Cultura Afro nos Costumes Paraenses. Belém, 26 de Novembro de
1996. Caderno 3. Página: 6).
Em relação ao olhar de Bates para com os negros, Spix e Martius em sua obra
Viagem Filosófica, escrevem:
“Os mulatos são os mesmos também aqui; é a mesma gente facilmente
excitável, exuberante, pronta para qualquer partida, sem sossego,
visando e efeitos espalhafatosos. Para a música, o jogo e a dança está
o mulato sempre disposto e agita-se insaciável, nos prazeres, com a
mesma leviandade dos seus congêneres do sul, aos sons monótonos,
sussurrantes, do violão, no lascivo lundu e no desenfreado batuque
(...) os escravos faziam no Maranhão, nos dias de guarda e suas
vésperas, uma dança denominada batuque , porque nela usam uma
espécie de tambor, que tem este nome. Esta dança é acompanhada de
uma desconcertada cantoria, que se ouve muito longe (...) Nas
senzalas, nos dias de folgar, praticavam as suas danças no mais puro
estilo africano, enriquecendo o folclore da Amazônia”.(Salles,
Vicente. A Província do Pará. Caderno 2. Nº 9. Belém. Domingo, 26 e
Segunda-feira 27 de Agosto de 1990. Henry W. Bates e o negro no
Grão-Pará.)
Sobre a origem do carimbó não se há um consenso, mas várias possibilidades,
assim, destacaremos diferentes hipóteses, isso de acordo estudiosos sobre o assunto.
Para Veríssimo (1888), o carimbó deu- lhe a impressão de ser parecido com a
dança étnica indígena do grupo dos Maués, que em 1882, denominado de “gambá”.
Estes habitavam a margem esquerda do rio Uariaú, na divisa do Pará com o Amazonas.
Os mesmos dançavam e cantavam comemorativamente, utilizanvam-se de um
instrumento ao qual destaca ser
11
“um cilindro de 1 metro de comprimento feito de madeira oca, em
geral de molongó ou jutaí, com uma pele de boi esticada em uma das
extremidades à guisa do tambor, ficando a outra aberta. Tocam-no
assentados encima, batendo com as mão abertas sobre a pele. A
orquestra compunha-se de dois destes instrumentos, e mais duas
caixas a que chamam de tamborins, fazia um grande barulho pouco
melódico que parecia ser muito apreciado por eles” (Estudo
Brasileiros, Pará. 1889: p. 77).
Vicente Salles (1986) afirma ser o carimbó, especificamente uma dança de
negros, ao qual em outro momento foi denominado de batuque, manifestação proibida
por lei no Pará e Maranhão. Sobre a proibição a mesma encontra-se disposta sob titulo
“Das bulhas e vozeiros”, observado no código de postura de Belém na lei número 1028
de 05/05/1880:
“Código 107: É proibido, sob pena de 30.000 réis de multa. Parágrafo
1: Fazer bulhas, vozeiros e dar altos gritos sem necessidade.
Parágrafo 2: Fazer batuque ou samba. Parágrafo 3: Tocar tambor,
carimbó ou qualquer instrumento que perturbe o sossego durante a
noite etc.” (O Liberal. Belém, 22 de 02 de 1986. Belém–Pará. Pág. 4)
Já Antonio Maciel (1986) assegura a figura do nativo como o possível criador
do carimbó, e posteriormente a participação dos africanos e dos europeus. Menciona
outros elementos para ratificar sua afirmação:
“Através do levantamento que além dos instrumentos utilizados, que
são característicos dos índios, a coreografia da imitação de passos de
animais, os aspectos literários e a ambientação natural da região, são
uns desses indicativos (O Liberal, pág. 4 de 22.02.86 – Belém-Pará).
Neste sentido o autor Maciel contradiz a perspectiva de Salles, afirmando que
“As referências alusivas às origens do carimbó não se sustentam,
porque se limita aos aspectos meramente descritivos fundados na
opinião pessoal, ou porque muitas vezes se contradizem em
posicionamento pouco pertinente”. (O Liberal, pág. 4 de 22.02.86 –
Belém-Pará).
Barbosa Rodrigues18
registrou pela primeira vez o carimbó no seu trabalho
Poranduba amazonense em 1890, afirmando que “o Karimbó é o gambá, tambor
africano, que se toca com os dedos das mãos”, acredita-se que é um instrumento
puramente africano, mas que o „índio aceitou‟ e seus costumes, rituais e danças.
Compartilhando do mesmo pensamento de Barbosa Rodrigues, Chermont,
acredita que
“atabaque, tambor , provavelmente de origem africana. É feito de um
tronco, internamente escavado, de cerca de um metro de comprimento
18
Poranduba Amazonense. 1890. pág. 275.
12
e de 30 centímetros de diâmetro; sobre uma das aberturas se aplica um
couro descabelado de veado, bem entesado. Senta-se o tocador sobre o
tronco, e bate em cadência com um ritmo especial, tendo por vaquetas
as próprias mãos. Usa-se o carimbó na dança denominada batuque,
importada da África pelos negros cativos.” (Glossário. 1906. P. 20.)
Para Morais
“Tambor. Feito de um tronco escavado numa das extremidades.
Nessa parte aberta é colocado o couro curtido de veado. O tocador do
instrumento senta-se-lhe em cima e, com as mãos, zabumba-o nos
batuques, que é uma dança amazônica de origem evidentemente
africana, trazida, de certo, pelos negros cativos dos tempos
coloniais”.19
Mendes, acredita também que o
“Tambor, de origem africana, de couro, de ordinário adaptado sobre o
tronco oco, ou um dos lados de barril”20
.
O autor, Carlos Roque21
transcreve parte do verbete do „Dicionário Folclórico
da Amazônia‟, elementos recolhidos para sua pesquisa comprovam que o carimbó foi
uma das expressões do lazer do negro em Belém do Pará. Neste sentido verifica em “O
Correio Paraense”, que em Belém em 29 de agosto de 1893, comenta-se sobre o „som
esbodegante de um carimbó captivo‟, isto é, de negros dançando numa barraca ali na rua
João Balbi, no bairro do Umarizal.
Em outro documento jornalístico, chamado O Pará, datado de 28 de julho de
1900 em Belém, noticiava-se a „prisão de Antônio de Moraes e de outros porque
tocavam e dançavam carimbó em sua casa e teriam resistido à ordem de cessar com o
forró‟. Percebe-se neste caso, a questão da repressão policial para com os tocadores de
carimbó, que estavam sob o regime do Código de Leis Municipais no final do século
XIX.
1.3 Informações atuais do carimbó
Pode-se dizer que os folguedos, os batuques favoreceram a interação cultural
entre brancos, negros e índios. E conseqüentemente a miscigenação e formação da
cultura e identidade brasileira. Nas festas religiosas eram e são utilizadas as danças para
alegria dos orixás. Os filhos (as) de santo dançam no ritmo da música, tanto como esta é
executada em festas religiosas, como festas profanas e também ganhou influência do
índio e do europeu.
19
O meu dicionário. Volume 1. pág. 116.
20 op.cit. 1942, p. 36.
21 Dicionário Folclórico da Amazônia, Volume 2, página 442..
13
Com isso se foram criando vários ritmos e tipos de danças em nosso território.
A dança com influência negra é sempre sensual, chegando às vezes a ser até erótica. Os
exemplos são o samba, lundu, carimbó, a lambada entre outros.
A riqueza da cultura do povo africano encontra-se principalmente na sua
musicalidade, da fusão de etnias se formou o povo brasileiro.
Essa contribuição vai dos instrumentos, melodias até ritmo. A força desta
música está no ritmo selvagem que faz o corpo entra em sintonia fazendo assim toda
sensualidade extravasar em movimentos exóticos, os instrumentos ajudaram nesta
polirritmia.
A música popular brasileira é uma mistura das músicas religiosas e profanas do
europeu, e do índio com influência mais profunda do negro.
“Se de nossas melodias, do negro recebemos o calor da inspiração, no
ritmo quente e vibrante de seus instrumentos bárbaros, através dos
quais a sincopa pôde caractezar e encher o corpo melódico de nossa
música. Não importamos da África o caráter sincopado de nossa
música. Ele se fez aqui no acasalamento da melodia autóctone com o
arsenal tonitruante dos instrumentos africanos”. (Vicente Salles e
Marena Isdebski Salles. Carimbó: Trabalho e Lazer do Caboclo.
Revista Brasileira de Folclore. Rio de Janeiro. Ano IX. Nº 25.
Sertembro/Dezembro. 196. p. 261).
Nos rituais religiosos africanos é essencial o uso de instrumentos musicais, já
que nos culto a música é importante.
Esses instrumentos de percussão até os dias atuais ainda não são atualizados,
alguns com modificações, também fizeram adaptações que resultaram na alteração dos
sons.
Os instrumentos construídos de forma primitiva também são muito utilizados
hoje, em cultos religiosos, e no folclore de algumas cidades, o nosso exemplo é o
curimbó, que é um instrumento afro-brasileiro, feito com o tronco de árvore e couro de
animal, para ser tocado o instrumento tem que está na horizontal no chão e o tocador
sentado em cima, esse instrumento é fundamental no folclore do Estado do Pará.
A princípio o carimbó era dançado, em areais relativamente extensas, populosa
e próxima de Belém, porém documento fornecidos por Tó Teixeira, atestando que no
inicio do século passado, o carimbo era dançado pelos pretos do que moravam no bairro
do Umarizal.
E bem verdade que o carimbó vem ganhando um certo reconhecimento na
capital Paraense, isso se deve ao fato de que com o desenvolvimento da região, e com a
melhoria nos meios de transportes, o que permitiu uma melhor comunicação com zona
litorânea do Pará ( ligando Belém as praias de Marudá e Salinópolis à cidade Vigia etc).
14
Em conseqüência, a população urbana de Belém entrou em contacto mais
freqüente com esse ritmo e dança tão peculiar da nossa região e começou a apreciá-lo.
O carimbó tornou-se então foco de interesse num circulo maior de estudiosos.
Como por exemplo, Nunes Pereira, que deu particular atenção ao carimbó dançado ilha
do Marajó nos meses de junho, novembro e dezembro, em Soure, onde um grupo de
dançarinos, que chamava a atenção pelas saias rodadas e coloridas das mulatas que
dançavam alegremente pelo tenreiro, apesar de Nunes Pereira, afirmar que na ilha do
Marajó se dança carimbó em uma época especifica, ou seja, nos meses de junho,
novembro e dezembro.
Em outras regiões do Estado, se dança carimbó em qualquer época do ano. Em
geral dançado aos finais de semana. Com por exemplo na Vigia.
Já no Maranhão a dança esta ligada ao final de festa por estar associado à festa
do Divino, entretanto em algumas localidades do Marajó o carimbó e associado a festa
de São Benedito dia 8 de dezembro, porem não tem ligação com as festividades
religiosas do local, no dia 8 de dezembro, porem não tem qualquer ligação com as
festividades religiosas. É dançado principalmente no período em que se inicia o verão
em nosso Estado, mais especificamente nos meses de novembro e dezembro.
Como podemos ver o carimbó da ilha do Marajó não tem relação alguma com a
festividade religiosa de São Benedito.
Já na cidade de Vigia encontramos uns dos mais tradicionais carimbó da região
que remonta ao século passado. A denominação “Zimba”, também e usada para referi-se
a dança. Denominação esta que mesmo os moradores da cidade, não souberam informa
precisamente o significado dessa palavra, que e utilizada como sinônimo de carimbó.
A Vigia, por ser uma região de pescadores e lavradores, encontra-se uns dos
mais típicos carimbó do nosso Estado.
Dança-se o carimbó na Vigia quase sempre sob a orientação de um conhecedor
do brinquedo, pessoa encarregada de promover as festas e brincadeiras na localidade ele
e o elemento associativo para o povo, ausentes de outros meios de diversões, o batuque
atrai a população simples do lugar, caboclos, negros e mestiços, para a dança que se
prolonga durante muitas horas, noite á dentro, terminando quase sempre com o raiar do
dia. Que necessita da autorização da policia para poder organizá-las.
Sem nos prendemos as discussões acerca do processo de interação social, que
não é possível realizar na base de um único elemento folclórico com omissão do
contexto social em que ele se insere, podemos, contudo destacar certo tipo de
representação coletiva no fenômeno.
De fato encontramos uma série de idéias gerais, transmitidas oralmente, e que
se traduzem numa formula de ajustamento do lazer ás atividades do grupo.
15
Assim sendo, o carimbo tem o caráter de canto de trabalho. A cor local também
é extremamente viva, representada pelos elementos naturais, produtos da flora, da
fauna, nome de pessoas, acidentes geográficos, locativos etc.
Toda criatura humana necessita de uma periódica evasão do espírito. Sente
necessidade de compensar horas de trabalho com horas de lazer.
E nesse momento que o povo esquece toda um dia labuta, e talvez o seu
momento supremo. Onde o mesmo extravasa toda a sua alegria, pois o caboclo
paraense, que tanto contribui para a riqueza da região, porém o tempo de folgar para ele
é sagrado.
É nesse momento que o caboclo se sente dono da terra e do lugar onde vivem
tal qual os escravos nos dias de festa na colônia quando os negros se pintavam de
branco, e dançavam ao som de seus batuques imitando seus senhores. Partindo deste
podemos dizer que uma roda de carimbó.
Tem a mesma representação que tinha as festas na colônia para os escravos,
pois se nas festas da colônia, brancos, índios e negro se confraternizavam e gozavam
dos dias de festa e de folga, além, dos dias santos, esquecendo das dificuldades da vida
na colônia.
E ate mesmo na diversão o caboclo lembra-se de seu trabalho, tal qual
faziam os negros quando dançavam nas senzalas entoando seus cantos lembrando de sua
África, dentro desse contexto podemos dizer que o carimbó tem uma estreita relação
com os ritmos e a musicalidade africana, pois muitas músicas entoadas pelo caboclo
fazem alusão a sua lida no campo, na lavoura e nos furos e rios de nossa região.
Ainda segundo Vicente Salles, há uma variedade desse tipo de dança no
carimbó, como por exemplo, a dança Camaleão, a do Jacaré, a do Gambá, a do Bagre, a
do Macaco etc.
Todas elas parecem ter sido modeladas pelo lundum, ou foram incorporadas
pelo batuques, na dupla influência africana, da coreografia e do instrumental básico. O
lundu já é referido, no Pará, por Spix & Martius, por volta de 1820; o casal Agassiz viu-
o dançar no Amazonas em 1865.
José Veríssimo descreveu o lundum de Óbidos em 1882, entre o Maué, no
Amazonas, quando notou certa semelhança do gamba com a coreografia do lundum “a
parte dançante do Gambá consiste em uma espécie de lundum em que o cavalheiro
estalando castanholas com os dedos e sapateando com os pés gira em retorcidas
posições em torno da dama”22
.
O referido autor ainda explica que
22
Luis Câmara Cascudo, Dicionário Folclórico Brasileiro, 7ª, 1988, p. 196.
16
“o lundum era uma dança que admite todas as outras, isto é, na
variedade tinha sua unidade, porém conservava o seu tanto
africano”.23
Para o mesmo, o gamba seria uma possível variante do carimbo, que penetrou
as regiões do Amazonas acima, como mostra os documentos de Salinópolis, coletados
em 1953 no carimbó de Elzo Correia.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, aparece o retumbão de Bragança e
Quatipuru, apontado por Armando Bortallo da Silva como designação local do lundum
e que se aproxima notàvelmente do carimbó.
Todavia, o retumbão parece ser mais caracteristicamente africano do que
muitos carimbós da zona do Salgado.
Quanto ao instrumento principal desta dança, Vicente Chermont de Miranda
(1969) descreve: “É feito de um tronco, internamente escavado, de cerca de um metro
de comprimento e de 0,30 de diâmetro: sobre uma das aberturas se aplica um couro
descabelado de veado, bem entesado. Senta-se o tocador sobre o tronco, e bate em
cadência com um ritmo especial, tendo por vaquetas as próprias mãos. Usa-se o carimbó
na dança denominada batuque importada da África pelos negros cativos”.
Diante da descrição sucinta de Vicente Chermont de Miranda, podemos
afirmar, que ele deixa clara a procedência africana da dança, denominada batuque,
reservando a denominação carimbó apenas ao instrumento.
Atualmente o tambor continua sendo o instrumento base da dança.
Na Vigia, por exemplo aparece também um xeque-xeque, feito de lata onde é
colocado vários matérias tas como seixo, milho etc. e eventualmente, quaisquer
instrumento para acompanhar a dança: cavaquinho, violão, pistão etc.
Tó Teixeira, em 1958, deu-nos o instrumental do carimbó em Belém do inicio
do século, onde o carimbó não era acompanhado com música e sim com dois carimbós,
dois homens sentados em cima, muito cadenciados, um caracaxá, um reco-reco e duas
ou mais cantoras e coro.
Estes, quanto a dimensões, formando a maneira de bater, coincidem
notavelmente com os tambores do gamba descritos por José Veríssimo em 1882, como
vimos anteriormente.
Como podemos perceber o carimbó atual de Vigia, em nada se alterou, tanto
com referência à confecção do instrumento, como às suas dimensões e maneira de
execução.
23
Op. cit 1988, p. 196.
17
Instrumento semelhante ao carimbó é usado no Baixo Amazonas nas rodas de
samba, conforme as indicações de Wagley24
e Eduardo Galvão25
.
E ainda semelhante ao usado no retumbão de Bragança26
e parece também ser
o mesmo apresentado no batuque do Amapá. Extensos verbetes, no Dicionário
Folclórico Brasileiro de Luis Câmara Cascudo, com informações de Bruno de Menezes,
e no Dicionário de Música Brasileira, de Mário de Andrade, 1998 têm-se farta abonação
das práticas citadas acima contra os tocadores de batuque27
.
Na bibliografia dos folcloristas, registro pioneiro nos Estudos de Folclore, de
Luciano Gallet, 1934, BP, 59, e com a grafia „curimbó‟, nos Elementos do Folclore
Musical Brasieliro, e em 1936, de Flausino Vale.
Os dois autores nunca tiveram no Pará e não revelaram as fontes de
informação. Renato Almeida28
, afirma, sem nunca ter visto ou ouvido, que „é samba de
roda, com violas e instrumentos de percussão‟.
Nessa altura dois músicos paraenses já haviam estudado o carimbó e utilizado
suas fórmulas em composições próprias: Waldemar Henrique e Gentil Puget, que
conheceram o carimbó na periferia de Belém.
Ilustração 3: Sob título “a imitação em outro ambiente”, denota que o carimbo está neste contexto
sendo expandido para fora do ambiente interiorano, o que demonstra certa descaracterização
quanto ao carimbo dito de raiz.
Em 5 de fevereiro de 1958, o carimbó foi reintroduzido em Belém por
iniciativa de intelectuais que rodeavam o cônsul Jorge Colman, no Centro Cultural
Brasil-EUA, despertando novo interesse.
24
Uma comunidade amazônica. São Paulo. 1957
25 Santos e Visagens. S. Paulo, 1955.
26 Armando Bordallo da Silva, op. cit., 1959-67.
27 Luis Câmara Cascudo, Dicionário Folclórico Brasileiro, Edição 7ª, 1988, p. 196.
28 História da Música Brasileira, 1942, p. 171.
18
Houve polêmica quanto ao nome: Paulo Maranhão defendeu corimbo. Em
1954 Vicente Salles fez pesquisas e confirmou o carimbó na ilha de Algodoal, praias de
Maracanã, Marapanim, Curuça.
Em 1968, Salles e Marena Isdebski Salles voltam a pesquisar o carimbó,
concentrando-se desta vez no carimbó da Tia Pê, ou zimba, da Vigia.
O resultado da primeira pesquisa sistemática desta expressão, „Carimbó:
trabalho e lazer do caboclo‟ está publicado na Revista Brasileira de Folclore, Rio de
Janeiro, nº 25, 1969, PP. 257-82.
Ilustrado com nove documentos musicais utilizados pelos compositores C.
Guerra-Peixe e E. Mahle em obras corais. Mahle criou ainda Suíte Carimbó, sobre os
mesmo temas, gravados pelo duo pianístico da UFPA Lenora Brito-Eliana Kotscoubey
no CD A Música e o Pará – Obras para piano, 1994.
Na década de 70 dá-se a explosão do carimbó. Integrantes do projeto Rondon
gravam e filmam o carimbó em Irituia e em Capanema.
Em 1971, Manoel Brasil organiza em Marapanim o conjunto “Os Brasilandez”.
Em agosto de 1972 o grupo Bico de Arara, de Curuçá, veio a Belém para
apresentar-se numa promoção especial e ficou mais de 20 dias.
Logo o carimbó se espalhou pela cidade, passando a ser dançado em todos os
bairros.
Em Curuçá faz sucesso o carimbó Bico de Arara de Zeferino Braga Leal, o
Róia. Composto de 8 músicos: o clarinete do „acaba festa‟ Arivaldo Vieira Teixeira,
mais 2 carimbós, viola de 6 cordas, milheiro, ou macaco, espécie de ganzá ou cabeça,
feito de cuia e com cabo de madeira, flauta de bambu, 4 cantantes, um que tirava a
primeira voz os três que respondiam.
No caso de Róia, ele às vezes improvisava, outras tiravam letras memorizadas.
Ele, mestre Lucindo, de Marapanim ou Tia Pê, da Vigia, são figuras lendárias
do chamado autêntico carimbó.
Surgiu em 1972 o 1º LP gravado pelo popular Verequete, com o conjunto
Irapuru, de Icoaraci.
Em 1973, o carimbó ganhou a mídia nacional com os discos de Mestre Cupijó,
de Cametá (o mais eclético, misturou-se carimbó, síria e ritmos caribenhos).
Orlando Pereira, Eli Farias e Pinduca, que encontrou a fórmula do sucesso
como carimbó e Sirimbó do Pinduca (Beverly AMCLP - 5194), ao qual produziu a
maior discografia do gênero e o carimbó se tornou música de consumo.
19
Considerações
Ao que se indica a dança do carimbó, inicialmente como uma manifestação
atribuída aos indígenas por apresentarem alguns elementos, tais como o andar
monótono na dança, a maneira dos tupinambás, recebeu um tipo de variação do batuque
africano, quando os africanos tomaram conhecimento desta manifestação artística,
iniciou-se um aperfeiçoamento na dança.
O entrelaçamento cultural entre negros e índios foi substancialmente
estimulado pelos colonizadores, no que diz respeito à forma com que estes manteram o
segundo sob seu domínio, tendo por base os folguedos em troca de seu trabalho. O
carimbó sofreu a influência também portuguesa com o acréscimo de expressões
corporais, que lembram as danças européias.
Observa-se também a utilização deste mesmo estilo musical por parte de
intelectuais, que perceberam tal instrumento como forma de engajamento de luta de
uma manifestação popular ricamente influenciada pela cultura negra, apesar da
utilização também do carimbó como instrumento de massificação de poder de um
determinado grupo elitista.
Nota-se na realidade um verdadeiro amálgama de culturas, de sons, ritmos,
danças. Buscamos demonstrar não a influência maior de uma determinada cultura em
detrimento da outra, mas a contribuição que os negros deram para a formação do
carimbó, seja no seu gingado, molejo, ritmo, vocábulos, que se remetem à África.
20
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