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“SOLDADOS DA PRODUÇÃO” EM BUSCA DE SEUS DIREITOS:
A MOBILIZAÇÃO DE GUERRA E OS CONFLITOS
TRABALHISTAS NAS CIDADES DE PELOTAS, PORTO ALEGRE
E SANTA MARIA (1939-1945).
SOARES, Tamires Xavier
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Maria
E-mail: [email protected]
Resumo
A Segunda Guerra Mundial foi deflagrada em 1939 e se estendeu até 1945, porém
desde seu início os trabalhadores brasileiros começaram a sentir seus impactos, seja no
aumento da carestia de vida, ou nos decretos-lei criados pelo governo brasileiros, que
acabavam retirando ou flexibilizando direitos trabalhistas conquistados pela classe
trabalhadora. É certo que tais impactos foram sentidos com mais intensidade após o
Brasil declarar guerra ao Eixo, porém as fontes nos apontam que mesmo antes de 1942
já haviam indícios de uma campanha que transformaria as fábricas em “campos de
batalha” e os operários em “soldados da produção”. Deste modo, este artigo pretende
analisar os impactos da guerra no âmbito das relações trabalhistas e de que formar a
Justiça do Trabalho e os trabalhadores estavam lidando com os decretos-lei criados em
nome do estuado de guerra.
Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial, Decretos-lei, Trabalhadores.
A questão trabalhista tem ganho espaço nos Programas de Pós-Graduação
brasileiros, porém os períodos mais pesquisados compreendem principalmente os anos
anteriores a 1937, ou então posteriores a 1945. O Estado Novo, foi por muito tempo
visto como um limbo na questão das lutas de classe. No entanto, esta perspectiva tem
sido modificada, trabalhos como de Gláucia Konrad (2006), Alexandre Fortes (2004),
Clarice Speranza (2012), Maria Célia Paoli (1987), Fernando Teixeira da Silva (1992),
2
Hélio Costa (1995), entre outros, têm demonstrando o quanto este período foi de luta e
resistência.
Porém, ainda são escassas as pesquisas que abordam as implicações da
Segunda Guerra Mundial nesse contexto. Para Alexandre Fortes isso ocorre, pois,
“fatores domésticos continuam a preponderar nas explicações sobre os processos
inovadores ocorridos naquela primeira metade dos anos 1940”. Desta forma, “a análise
dos efeitos da Guerra sobre as relações de trabalho no país tende a ficar diluída num
debate mais geral sobre o legado de Getúlio Vargas”. (FORTES, 2015, p. 1). Este artigo
está ligado a uma pesquisa de doutorado, que encontra-se em fase inicial, a qual tem por
objetivo compreender os conflitos e os impactos que a Segunda Guerra Mundial gerou
no âmbito do trabalho nas cidades de Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria.1
A Segunda Guerra Mundial teve início em 1939, no entanto, embora o Brasil
tenha mantido uma política de neutralidade nos primeiros anos, o povo brasileiro
acabou sendo afetado indiretamente com a escassez alguns produtos como a farinha de
trigo2, o açúcar branco3, a carne de rês verde4, o ferro, a borracha, o combustível, entre
outros. Além disso, os decretos-lei, n. 8.567, de 19 de janeiro de 1942 e o n. 9.080, de
20 de março de 1942 nomearam algumas empresas como de “interesse militar” e
criaram o cargo de “Diretor Técnico” para atuar nestas. Ao total o decreto citou sete
empresas: a Fábrica Electro-Aço Altona, em Santa Catarina; a Companhia Brasileira de
Cartuchos, Laminação Nacional de Metais e Companhia Nitro-Química Brasileira,
todas em São Paulo; Fábrica Lindau & Comp. e Amadeu Rossi, ambas no Rio Grande
do Sul e a indústria civil Aliança Comercial de Anilinas Limitada, sediada no Rio de
Janeiro. Tais decretos demonstravam a preocupação do governo com a produção de
certos setores que interessavam ao país, e também davam indícios do que mais adiante
seria chamado de batalha da produção.
O Brasil só rompeu sua política de neutralidade, aproximando-se dos Aliados,
em 22 de agosto de 1942, após ataques de submarinos alemães a cinco navios
1 Essas três cidades contam com um grande volume de processos da Justiça do Trabalho ajuizados
durante a década de 40, porém a partir das descobertas que existem 6 caixas de arquivo com processos
trabalhistas referentes a cidade de Rio Grande, 2 caixas de Santana do Livramento, 3 caixas de São
Gabriel e 1 caixa de São Leopoldo, estamos pensando em alargar nossa análise. 2 Para mais ler, PUREZA, 2009. 3 Para mais ler, CYTRYNOWICZ, 2002. 4 Para mais ler, SILVA, 2014.
3
brasileiros que navegavam em águas nacionais. Entretanto, desde janeiro de 1942, o
governo brasileiro já sinalizava para tal decisão, uma vez que, em dezembro de 1941,
diante do ataque japonês ao porto de Pearl Harbor, o Brasil declarou solidariedade ao
“irmão da América”, e logo após, em janeiro de 1942, rompeu relações diplomáticas
com os países que compunham o Eixo, ou seja, Alemanha, Itália e Japão.
Após a declaração brasileira de guerra à Alemanha e Itália5, em 1942, o
governo brasileiro optou pela formação de dois front’s, um interno e outro externo. O
front externo era formado por soldados e enfermeiras que, voluntariamente ou por meio
de convocações, seriam enviados para a frente de batalha. Já, o front interno era
composto por todos os brasileiros, que, mobilizados tinham o dever de proteger o Brasil
dos espiões nazifascistas, se mantendo preparados para ataques dos inimigos a alvos
civis e também, garantir suprimentos como fardas, armamento e alimentação aos
soldados que haviam sido enviados para o campo de batalha.
Para que a criação desses front’s fosse possível, o governo brasileiro implantou
diversas medidas, entre elas, a criação de vários decretos-lei, como por exemplo o de
número 4.328, elaborado no dia 23 de maio de 1942, o qual previa que os bancários
deveriam trabalhar das 11h:30min. às 17h:30min., com um intervalo de trinta minutos
para descanso, haja vista que, devido as implicações da guerra havia uma crise do
transporte.
Os decretos-lei também faziam referência a jornada de trabalho, como por
exemplo o n. 4.639, de agosto de 1942, o qual permitia que as “empresas de serviços
públicos ou que a produção interessem à defesa nacional, estendessem suas jornadas de
trabalho para dez horas”, também previa acréscimo de 20% sobre a remuneração normal
das últimas horas trabalhadas, e se houvesse “necessidade imperiosa”, a mesma poderia
estender a duração do trabalho além do limite fixado na lei, “seja para fazer face a
motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços
inadiáveis cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”. (Decreto-lei n. 4.639,
1942). O decreto-lei 6.688, de julho de 1944 seguia a mesma linha do decreto-lei 4.639,
pois estabelecia que fábricas de fio natural ou sintético, tecelagens, malharias ou de
5 A declaração de guerra foi feita aos países agressores, ou seja, Alemanha e Itália, uma vez que o Japão,
até 1942, não havia atacado embarcações brasileiras. (KOIFMAN; ODA, 2013)
4
acabamento têxtil, seriam consideradas de interesse nacional, equiparados aos de
interesse militar. Este decreto foi dividido em sete capítulos e trinta artigos, porém, aqui
iremos nos deter no terceiro.
Em suma, o capítulo três previa: jornada de trabalho normal de 10 horas diárias
para as fábricas de interesse nacional, pagas as duas últimas horas com acréscimo não
inferior a 20% sobre a remuneração normal; permissão do regime de trabalho contínuo,
assegurado aos trabalhadores por turmas de revezamento, o descanso semanal; trabalho
noturno feminino, porém este não podia exceder 8 horas; o direito a férias poderia ser
convertido em indenização paga em dobro; permissão para que mulheres e
trabalhadores com mais de 16 anos realizassem serviços noturnos (entre 22h e 5h da
manhã).
Porém, a ampliação da jornada de trabalho não era novidade para os
trabalhadores. Em sua pesquisa sobre o estado de São Paulo, Roney Cytrynowicz
afirmou que: “um levantamento realizado pela própria CETEX6 em 1944 mostrou que
em São Paulo, os operários da indústria têxtil já cumpriam, na média, as jornadas mais
longas do país, como 13h30 nas seções de tecelagem (12h no país), ou seja, em muito
excedentes da jornada fixada pala CLT.”. (CYTRYNOWICZ , 2002, p. 203).
Com o intuito de garantir a arrecadação de fundos para guerra, o governo
brasileiro criou o decreto-lei n. 4.789, de outubro de 1942, conforme previsto no artigo
6º deste, a partir de 1943 os empregadores ficariam obrigados ao “recolhimento
compulsório, mês a mês, nos institutos e caixas de aposentadoria e pensões respectivos,
de importância igual a três por cento do montante dos salários ou ordenados ou
comissões que tiverem de pagar aos associados desses institutos”. (Decreto-lei n. 4.789,
1942).
Os sindicatos também sofreram implicações em decorrência da guerra, prova
disso foi a criação do decreto-lei 4.637, de agosto de 1942, o qual determinava que estes
deveriam colaborar com os poderes públicos enquanto durasse o estado de guerra. Para
isso, era solicitado que as entidades sindicais dos empregadores e dos empregados
mantivessem contato para que, ambas conseguissem conciliar os dissídios decorrentes
6 Comissão Executiva Têxtil.
5
de contratos de trabalho. Além disso, a partir de então os trabalhadores súditos do Eixo7
estavam proibidos de participar de assembleias ou reuniões, não poderiam ter acesso a
sede dos sindicatos e seus direitos eleitorais foram suspensos.
Glaucia Konrad, em sua tese de doutorado intitulada Os trabalhadores e o
Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho
(1937-1945), apresenta cartas escritas por trabalhadores para Getúlio Vargas e ao
interventor do Estado na época, Osvaldo Cordeiro de Farias. Os imigrantes alemães e
italianos, Hans Nicolai, Marta Mehnert e Fidelis Mastrascusa em carta endereçada ao
presidente Vargas, explicavam que estavam “devidamente legalizados na Repartição
Central de Polícia do Rio Grande do Sul” e que eram estudantes do Instituto de Ensino
Comercial do Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre. Entretanto, o
decreto-lei n. 4.637 lhes impedia de frequentar a sede do sindicado, local onde tinham
aula. O Departamento Nacional do Trabalho em resposta, alegou que as medidas
previstas pelo decreto-lei que se referiam as limitações “de direitos políticos da vida
sindical”, não falavam nada sobre restrições aos serviços de assistência dos sindicatos,
deste modo, os imigrantes estavam liberados para frequentar as aulas8.
(KONRAD,2006, p. 243).
Outro decreto-lei criado no contexto de guerra foi o n. 4.638 de, 31 de agosto
de 1942, através do qual, o governo federal criou uma exceção para a Lei 62, de 5 de
junho de 1935. De acordo com essa, o trabalhador que permanecesse na mesma empresa
por dez anos ou mais adquiria estabilidade, ou seja, não podia ser demitido sem abertura
prévia de um inquérito administrativo para apuração de falta grave ou força maior.
Entretanto, considerando o estado beligerante do país, o decreto permitia a rescisão de
contratos de trabalho de empregados alemães, italianos e japoneses.
O decreto-lei n. 4.902, de 31 de outubro de 1942, tratava sobre as obrigações
que as empresas teriam com os funcionários convocados, entre essas estava “o
pagamento mensalmente de 50% (cinquenta por cento) do vencimento, ordenado, ou
salário do funcionário durante o tempo em que o mesmo permanecer convocado”.
7 Súdito do Eixo era a nomenclatura oficial utilizada para referir-se a alemães, italianos e japoneses. 8 Caso apresentado na tese de Glaucia Konrad foi encontrado ANRJ/FGCPR, Série Ministério do
Trabalho, Lata 404, 35985-942/SC – 1171. GM 12172- 42. Parecer do ministro do Trabalho Marcondes
Filho, em 6 de novembro de 1942.
6
(Decreto-lei n. 4.902, 1942). O decreto-lei n. 5.612, de 24 de junho de 1943, previa
algumas mudanças nos outros artigos do decreto-lei n. 4.902, porém mantinha o
pagamento de metade do salário aos convocados.
No Rio Grande do Sul, as fábricas Lindau e Forjas Taurus, Amadeo Rossi,
Eletro Aço Plangg, Abramo Eberle e Gazola Travi foram mobilizadas. Entretanto, as
minas de carvão do Rio Grande do Sul, não foram consideradas oficialmente de
interesse militar ou nacional, porém, por meio de portaria lançada em 11 de março de
1943, no Diário Oficial da União, os trabalhadores da produção e transporte de carvão
foram considerados “mobilizados”. De acordo com Clarice Speranza, tal medida não
declarava as minas do Rio Grande do Sul “interesse militar”, apenas “visada impedir o
abandono de trabalho, coibindo a transferência de trabalhadores entre as empresas”
(SPERANZA, 2012, p. 116).
Segundo Glaucia Konrad, “a palavra de ordem para o momento era “disciplina
e muito trabalho, haja o que houver” (KONRAD, 2006, p. 256). Todavia, Angela de
Castro Gomes acredita que se tratava de um momento político especial, visto que os
trabalhadores “de um lado, eram forçados a trabalhar em condições em que não tinham
vigência de vários direitos sociais já garantidos por lei, e de outro, eram conclamados a
assumir um papel central na “batalha da produção” desencadeada justamente pelo
homem cujo maior título era de ter outorgado estes direitos sociais” (GOMES, 2013, p.
225).
Em geral, o período da guerra, 1939 a 1942, foi bastante ambíguo no que se
refere as questões trabalhistas. Haja vista que, ao mesmo tempo em que se elaboravam
decretos-lei em nome do esforço de guerra, ora flexibilizando ora retirando os direitos
trabalhistas já conquistados pelos trabalhadores. Também era elaborada e implantada, a
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, na qual estes direitos permaneciam
garantidos.
A CLT, foi criada em 1943, como parte de uma perspectiva populista de
governo. Entretanto, Ângela de Castro Gomes prefere utilizar a expressão “trabalhismo”
ao invés de populismo, tendo em vista a carga pejorativa que tal termo carrega. Além
disso, para a autora, a CLT veio para coroar os esforços de implementação deste projeto
de governo. (GOMES, 2002)
7
Daniel Aarão Reis (2007) também defende a não utilização do populismo. Para
o autor, a utilização do conceito de populismo não possibilita a compreensão do
processo histórico brasileiro. Desta forma, Reis defende a utilização do conceito
trabalhismo, sendo este a forma nacional do que o autor chama da tradição nacional-
estatista.
Para Jorge Ferreira, o trabalhismo foi um projeto implantado pelo Estado a
partir de 1942, que atendia interesses comuns do Estado e dos trabalhadores. Além
disso, estavam presentes:
Ideias, crenças, valores e códigos comportamentais que circulavam entre
os próprios trabalhadores muito antes de 1930. Compreendido como um
conjunto de experiências políticas, econômicas, sociais, ideológicas e
culturais, o trabalhismo expressou uma consciência de classe, legítima
porque histórica [...]. (2013, p. 103)
Todavia, não existe um consenso entre historiadores sobre a não utilização do
termo populismo. Por exemplo, Alexandre Fortes (2007), não utiliza o termo
trabalhismo, pois acredita que essa troca não rende muitos frutos. Visto que “estaríamos
diante de um fenômeno totalizador”, no qual compreende que os comunistas, socialistas
e anarquistas teriam sido vencidos pelo estado ditatorial de Vargas, estando nas mãos
deste último a constituição da classe operária.
Os historiadores Fernando Teixeira da Silva e Hélio Costa, acreditam que o
sistema populista designava o que era politicamente possível, no entanto não impedia a
existência de diversos projetos políticos nem mesmo substituía a ação das classes
sociais. Os trabalhadores não eram massa de manobra, eles impunham limites à
exploração política e econômica. “Ao contrário da adesão cega e ativa, podia funcionar
um pragmático realismo com elevado senso de cálculo em torno dos retornos e
benefícios possíveis”. (SILVA; COSTA, 2014, p. 225).
Para o brasilianista Jonh French, havia um “abismo”, entre o que a CLT previa
e a realidade cotidiana dos trabalhadores brasileiros. Desta forma, para o autor, a
legislação só passou a ser aplicada “na medida em que os trabalhadores lutaram para
transformar a lei de um ideal imaginário em uma realidade futura possível. ” (FRENCH,
2002, p.10). Ou seja, o direito foi encarado pelos trabalhadores brasileiros como uma
forma de luta “por dentro” do sistema.
8
Deste modo, partimos do princípio que tanto a Justiça do Trabalho quanto a
legislação trabalhista representavam meios de resistências legais, pelos quais os
trabalhadores poderiam requerer seus direitos, além de denunciar abusos cometidos
pelos patrões, para isso, buscamos o referencial de E. P. Thompson.
No livro Senhores e Caçadores, Thompson analisa a criação e aplicação da
primeira legislação inglesa, no século XVIII, a qual punia com pena de morte,
indivíduos que ultrapassassem os limites da floresta real de Windsor para pescar, caçar
ou roubar animais. Segundo Thompson, embora as leis sejam formadas por interesse,
ideologia e lógica da classe dominante, estas acabam alcançando uma autonomia
limitada, pois existe uma retórica de justiça, perante a qual todas as pessoas são iguais.
Assim, a lei (concordamos) pode ser vista instrumentalmente como
mediação e reforço das relações de classe existentes e,
ideologicamente, como sua legitimadora. Mas devemos avançar um
pouco mais em nossas definições. Pois se dizermos que as relações de
classe existentes eram mediadas pela lei, não é o mesmo que dizer que
a lei não passava da tradução dessas mesmas relações, em termos que
mascaravam ou mistificavam a realidade. (THOMSPSON, 1986 p.
353)
Portanto, a lei segundo o autor é um meio legal de luta que a classe dominada
dispõe, tornando-se desta forma um campo de conflito social no qual o trabalhador
como agente ativo irá agir de acordo com a conjuntura.
Conforme Maria Célia Paoli, a legislação trabalhista e sindical significou um
novo “cenário para luta entre os grupos e as classes sociais”. E a partir disto, “os atores
em luta colocaram no centro do drama a questão das formas da participação social e
política nos destinos da sociedade, isto é, a questão do acesso aos direitos de trabalho,
de vida, de expressão de seus interesses” (PAOLI, 1987, p. 70).Cria-se desta forma uma
“crença simbólica nos direitos”, e, em vista disto, “a formação da classe operária
brasileira não pode ser entendida sem considerar-se a intervenção legal do Estado nas
relações de trabalho cotidianas” (PAOLI, 1988 apud FRENCH, 2002, p.10) , uma vez
que o fazer-se da classe trabalhadora ocorre através da luta, da experiência de
exploração vivenciada diariamente. (THOMPSON, 1987). Abaixo vamos analisar um
dos processos trabalhistas ajuizados em Porto Alegre, em 1944, que faz referência a
dois decretos-lei criados em meio ao estado de guerra no Brasil.
9
Processo trabalhista
Em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, o porto-alegrense Alexandre
Specht Filho foi incorporado ao serviço militar, porém por ter sido considerado incapaz
momentaneamente resolveu procurar emprego. Em maio de 1943, foi admitido na
indústria de João Dalegrave, porém, após um mês e uma semana de trabalho, Alexandre
foi convocado para o serviço militar. Tendo em vista, que os decretos-lei n. 4.092 e o n.
5.6129 já estavam em vigência, o pagamento de metade do salário foi feito pelo
empregador até dezembro de 1943. Considerando o atraso no recebimento de seus
salários, Alexandre ajuizou um processo trabalhista10 na 1ª Junta de Conciliação e
Julgamento de Porto Alegre, requerendo o pagamento dos salários atrasados,
totalizando a importância de CR$ 282,00.
O reclamado João Dalegrave afirmou que o trabalhador havia sido demitido
antes de ser convocado, tendo trabalhado por apenas dezessete dias na empresa, deste
modo, não poderia ser considerado funcionário. Além disso, o empregador argumentou
que o funcionário sabia da convocação e lhe escondeu tal informação no momento da
admissão na indústria. Por sua vez, Alexandre defendeu-se argumentando novamente
que trabalhou para reclamada durante um mês e uma semana, ademais, explicou que ao
ser convocado pelo exército comunicou seu patrão mostrando-lhe a “notícia publicada
na imprensa”. A proposta de conciliação, foi negada por ambas as partes.
Após a apresentação das testemunhas e efetuada uma diligência na delegacia
junto à 8ª Circunscrição de Recrutamento Militar, ficou comprovada a versão dos fatos
apresentada pelo trabalhador. Portanto, no dia 12 de agosto de 1944, por unanimidade
de votos, a reclamação de Alexandre foi julgada procedente sendo a empresa condenada
a pagar a Alexandre, a importância de CR$ 2.231.80, “relativa à 50%, dos salários
normais e a continuar pagando os mesmos salários, de acordo com os preceitos emitidos
nos decretos-lei nº. 4.902 de 5/11/1942 e 5.612 de 26/06/1943”. (PROCESSO n. 785-
44, 1944, p. 36).
9 Esses decretos-lei previam que em caso de convocação militar, as empresas deveriam pagar 50% do
salário durante o período que os trabalhadores estivessem atendendo ao chamado da pátria. 10 O processo judicial trabalhista citado foi ajuizado na 1ª Junta de Conciliação de Julgamento de Porto
Alegre, em 8 de dezembro de 1943. Encontra-se microfilmado, disponível para pesquisa no Memorial da
Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul.
10
Não conformado com a decisão da primeira instância, João Dalegrave recorreu
ao Conselho Regional do Trabalho (CRT), pedindo anulação da decisão tomada pelos
membros da Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de Porto Alegre. Os membros do
CRT julgaram o recurso procedente, anulando a decisão da JCJ, sob a alegação que “a
decisão proferida11, apreciava matéria alheia a reclamatória, pois aplicou ao caso as
combinações dos decretos-lei 4.902, e 5.612” (PROCESSO n. 785-44, 1943, p.45).
Desta forma, a reclamação deveria ser julgada novamente pela JCJ.
Cumprindo as determinações do CRT, uma nova audiência ocorreu no dia 22
de fevereiro de 1945. Para os membros da Junta de Conciliação e Julgamento de Porto
Alegre, a reclamação, embora tenha sido mal redigida, pleiteava o recebimento de 50%
dos salários vencidos após a convocação, de acordo com os decretos-lei n. 4.902 e n.
5.612. Considerando isto, a JCJ de Porto Alegre reiterou sua decisão, condenando a
reclamada apagar a importância de CR$: 2.231.80 ao funcionário.
Entretanto, João Dalegrave recorreu outra vez ao Conselho Regional do
Trabalho, o qual considerou que o novo julgamento proferido pela 1ª Junta de
Conciliação e Julgamento de Porto Alegre não atendeu a decisão anterior expedida pelo
Conselho. Portanto, ordenou que o processo trabalhista fosse julgado novamente,
considerando apenas o pedido de Cr$ 282,00 feito pelo reclamante. A nova audiência
foi marcada para o dia 7 de junho de 1945, na qual a solicitação de Alexandre, referente
ao pagamento de metade do salário de 47 dias, foi julgada procedente.
Conclusão
Como frisamos no início deste artigo, a Justiça do Trabalho no Brasil tornou-se
um meio legal de resistência, principalmente durante o Estado Novo, quando o direito a
greve foi negado. A maior parte dos decretos-lei elaborados em meio ao estado de
guerra retiravam ou flexibilizavam os direitos conquistados pela classe trabalhadora.
Contudo, também haviam decretos que asseguravam garantias mínimas aos
trabalhadores, como o caso citado no processo que analisamos anteriormente, que
previa o pagamento de 50% do salário aos trabalhadores convocados.
11 A decisão que a citação está se referindo, é a decisão da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Porto
Alegre.
11
A partir da análise do processo trabalhista ajuizado por Alexandre Specht Filho
percebemos que embora houvessem decretos-lei que tratavam a respeito do pagamento
de metade dos ordenados aos funcionários convocados, os empregadores recorriam a
brechas na legislação. Por exemplo, no caso em questão a empresa tentava provar que o
trabalhador não podia ser considerado funcionário, mentindo sobre o período que esse
trabalhou no estabelecimento.
Outro aspecto que este processo nos indica são as diferentes formas de
compreender as ações que pleiteavam o cumprimento dos decretos-lei recentemente
criados. Uma vez que, na ação pleiteada por Alexandre, não foram citadas as
numerações dos decretos-lei, apenas foi feito o pedido de 50% dos salários.
Considerando esta questão, o juiz de primeira instância, compreendeu que o pedido de
50% dos ordenados estava ligado a vigência dos decretos-lei 4.902 e n. 5.612 e julgou
procedente, porém os membros do Conselho Regional do Trabalho exigiram que os
decretos estivessem explicitamente citados, e, portanto, reconhecia o pedido do
trabalhador apenas sobre os 47 dias de atraso.
Fonte
Processos Trabalhista ajuizado por Alexandre Specht Filho, contra João Dalegrave,
Porto Alegre: 1942.
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Legislação citada
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Decreto-lei 4.328, de 23 de maio de 1942. Disponível em: <<
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4328-23-maio-1942-
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Decreto-lei 4.637, de agosto de 1942. Disponível em: <<
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Decreto-lei 4.638 de, 31 de agosto de 1942. Disponível em: <<
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4638-31-agosto-
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Decreto-lei 4.639, de 31 de agosto de 1942. Disponível em: <<
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Decreto-lei 4.789, de 5 de outubro de 1942. Disponível em: <<
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Decreto-lei 5.248, de 15 de fevereiro de 1943. Disponível em <<
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Decreto-lei 5.689, de 22 de julho de 1943. Disponível em: <<
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Decretos-lei 4.639, de 31 de agosto de 1942. Disponível em: <<
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Decretos-lei 4.902, de 5 novembro de 1942. Disponível em: <<
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4902-31-outubro-
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Decretos-lei 4.902, de 5 novembro de 1942. Disponível em: <<
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1942-415122-publicacaooriginal-1-pe.html>>. Acessado dia 02 de fevereiro de 2015.
Decretos-lei 5.612, de 26 de junho de 1943. Disponível em:
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1943-415739-publicacaooriginal-1-pe.html>>. Acessado dia 02 de fevereiro de 2015.
Decretos-lei 5.612, de 26 de junho de 1943. Disponível em:
<<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5612-24-junho-
1943-415739-publicacaooriginal-1-pe.html>>. Acessado dia 02 de fevereiro de 2015.
Decretos-lei 8.567, de 19 de janeiro de 1942. Disponível em: <<
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-8567-19-janeiro-1942-
459336-publicacaooriginal-1-pe.html>>. Acessado dia 03 de fevereiro de 2015.
Lei 62, de 5 de junho de 1935. Disponível em <<
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-62-5-junho-1935-557023-
publicacaooriginal-77282-pl.html>>. Acessado dia 13 de maio de 2015.
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