1
artigo | joão paulo bachur
1
janeiro – abril 2020issn 2238-3875
v.10.01
sociologia & antropologia
Sociologia & Antropologia destina-se à
apresentação, circulação e discussão
de pesquisas originais que contribuam
para o conhecimento dos processos
socioculturais nos contextos
brasileiro e mundial. A revista está
aberta à colaboração de especialistas
de universidades e instituições de
pesquisa, e publicará trabalhos
inéditos em português e em inglês.
Sociologia & Antropologia ambiciona
constituir-se em um instrumento de
interpelação consistente do debate
contemporâneo das ciências sociais
e, assim, contribuir para o seu
desenvolvimento.
Sociologia & Antropologia.
Revista do PPGSA
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia
Largo de São Francisco de Paula 1 sala 420
20051-070 Rio de Janeiro RJ
t.+55 (21) 2224 8965 ramal 215
sociologiaeantropologia.com.br
revistappgsa.ifcs.ufrj.br
Publicação quadrimestral
Triannual publication
Solicita-se permuta
Exchange desired
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitora
Denise Pires de Carvalho
Vice-Reitor
Carlos Frederico Leão Rocha
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
Diretora
Susana de Castro Amaral Vieira
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
Coordenação
Rodrigo Santos
Felícia Picanço
INDEXADORES
EBSCOHOST
PROQUEST
SCIELO
SCOPUS
SEER/IBICT
DIRETÓRIOS
DOAJ
CLASE
SUMÁRIOS.ORG
CATÁLOGOS LATINDEX
PORTAL DE PERIÓDICOS CAPES
S678
Sociologia & Antropologia. Revista do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. – v. 10, n.1
(jan.– abr. 2020) – Rio de Janeiro: PPGSA, 2011–
Quadrimestral
ISSN 2238-3875
1. Ciências sociais – Periódicos. 2. Sociologia –
Periódicos. 3. Antropologia – Periódicos. I.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia.
CDD 300
sociologia & antropologia
volume 10 número 1janeiro –abril de 2020
quadrimestralissn 2238-3875
ppgsa programa de pós-graduação em sociologia e antropologia ufrj universidade federal do rio de janeiro, brasil
Conselho Editorial
Alain Quemin
(Université Paris 8, Saint-Denis, France)
Anete Ivo
(Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil)
Brasilio Sallum Junior
(Universidade de São Paulo, Brasil)
Carlo Severi
(École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, France)
Charles Pessanha
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Cristiana Bastos
(Universidade de Lisboa, Portugal)
Edna Maria Ramos de Castro
(Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil)
Elide Rugai Bastos
(Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil)
Ernesto Renan Freitas Pinto
(Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil)
Gabriel Cohn
(Universidade de São Paulo, Brasil)
Guenther Roth
(Columbia University, New York, United States)
Helena Sumiko Hirata
(Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, France)
Heloísa Maria Murgel Starling
(Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil)
Huw Beynon
(Cardiff University, Wales, United Kingdom)
Irlys Barreira
(Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil)
Jeffrey C. Alexander
(Yale University, New Haven, CT, United States)
João de Pina Cabral
(University of Kent, United Kingdom)
José Sergio Leite Lopes
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
José Maurício Domingues
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro/IESP, Brasil)
José Vicente Tavares dos Santos
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil)
Josefa Salete Barbosa Cavalcanti
(Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil)
Leonilde Servolo de Medeiros
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Brasil)
Lilia Moritz Schwarcz
(Universidade de São Paulo, Brasil e Princeton University, New
Jersey, United States)
Manuela Carneiro da Cunha
(University of Chicago, Illinois, United States)
Mariza Peirano
(Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil)
Maurizio Bach
(Universität Passau, Bavaria, Germany)
Michèle Lamont
(Harvard University, Cambridge, Massachusetts, United States)
Patrícia Birman
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil)
Peter Fry
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Philippe Descola
(Collège de France, Paris, France)
Renan Springer de Freitas
(Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil)
Ruben George Oliven
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil)
Sergio Adorno
(Universidade de São Paulo, Brasil)
PRODUÇÃO EDITORIAL
Projeto gráfico, capa e diagramação
a+a design e produção
Glória Afflalo
Preparação e revisão de textos
Maria Helena Torres
Apoio
© Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia / UFRJ
Direitos autorais reservados: a reprodução integral de artigos
é permitida apenas com autorização específica; citação
parcial será permitida com referência completa à fonte.
CORPO EDITORIAL
Editores
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Antonio Brasil Jr. (Editor Responsável)
Marco Antonio Gonçalves
Comissão Editorial
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
André Botelho
Elina Pessanha
Glaucia Villas Bôas
Maria Laura Cavalcanti
José Ricardo Ramalho
Editor Associado
Maurício Hoelz (UFRRJ)
Assistentes Editoriais
Julia O'Donnell
Rodrigo Santos
Staff
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Júlia Kovac
Tayná Mendes
APRESENTAÇÃO
O primeiro número do volume 10 de Sociologia & Antropologia concretiza os
primeiros dez anos da revista. Um balanço sistemático de nossa experiência
intelectual na editoração científica foi publicado na última edição, no artigo
“Tão longe, tão perto: Sociologia & Antropologia no limiar de uma década”, assi-
nado por André Botelho, Antonio Brasil Jr. e Maurício Hoelz – o editor respon-
sável nos últimos dois anos, o atual editor responsável e o editor associado de
S&A, respectivamente. Para a próxima etapa, também contamos com o trabalho
editorial de Marco Antonio Gonçalves e com a assistência editorial de Julia
O’Donnell e Rodrigo Santos. Registre-se aqui nosso profundo agradecimento
aos colegas editores, que construíram uma trajetória ímpar na publicação das
ciências sociais brasileiras; e também a toda a equipe de profissionais muito
competentes que transforma os textos de nossos autores em comunicação cien-
tífica pública e de qualidade.
Abre o número uma série de textos sobre o legado e os alcances heurís-
ticos contemporâneos da obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann, um dos
mais desafiadores (e incontornáveis) autores do último terço do século XX.
Iniciamos com a discussão de alguns desafios do atual cenário “pós-luhman-
niano”, entrevistando dois dos principais autores que aclimataram a teoria dos
sistemas sociais ao contexto latino-americano: o brasileiro Marcelo Neves e o
chileno Aldo Mascareño, que responderam por e-mail a um roteiro comum de
perguntas elaborado por Sergio Pignuoli Ocampo e Antonio Brasil Jr. Em segui-
da, publicamos quatro artigos de autores latino-americanos que buscaram
aprofundar temas de fronteira no interior do programa sistêmico. “Lineamien-
tos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en América
Latina”, de Hugo Cadenas e Aldo Mascareño, rediscute o conceito de “diferen-
ciação funcional” de Luhmann à luz de uma análise histórico-evolucionária do
contexto americano; Marco Estrada Saavedra, em “¿Qué hay de político en los
movimientos sociales?”, interpela a literatura corrente sobre os movimentos
sociais com base em um conceito sistêmico do “político”; em “A performativi-
dade da exclusão e as lutas por inclusão: questões distributivas a partir da
teoria de sistemas sociais”, João Paulo Bachur propõe uma reinterpretação te-
órico-discursiva da forma inclusão/exclusão orientada para o conflito; e, por
fim, Juan Pablo Gonnet, em “Orden social, interacción y sociedad en Luhmann:
perspectivas de método para la integración del conocimiento sociológico”, su-
gere, via Luhmann, ultrapassar uma visão dualista das relações entre interação
e sociedade e entre abordagens micro e macrossociológicas.
Dando sequência, mais cinco artigos: “Stefan Zweig in exile: a cosmo-
politan citizen’s interpretation of Brazil”, de Marcos Chor Maio e Alejandra
Josiowicz, analisa a interpretação da sociedade brasileira feita por Zweig em
Os editores (PPGSA/UFRJ)so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 5 –
6, j
an
. – a
br.,
2020
6
apresentação | os editores
Brasil, país do futuro, no interior de diferentes contextos intelectuais nacionais
e transnacionais, situando ainda a experiência cosmopolita e no exílio do autor.
Claudia Barcellos Rezende, em “Sentidos da maternidade em narrativas de par-
to no Rio de Janeiro”, propõe uma interpretação das narrativas de parto entre
mulheres brancas de camadas médias no Rio de Janeiro, perscrutando a con-
formação de uma configuração subjetiva que valoriza a corporalidade da ma-
ternidade. Jorge Mattar Villela, em “Memória e thanasimologia política no ser-
tão de Pernambuco”, investiga, por meio da análise de um ancestral de uma
extensa família, como as famílias sertanejas criam histórias de si mesmas,
incluindo seus monumentos, personagens célebres e formas de ritualização.
Em “Stasis, motion and acceleration: the senses and connotations of time in
Raízes do Brasil and Sobrados e Mucambos (1936)”, Sergio Tavolaro discute as
noções de tempo no ensaísmo da década de 1930 de Sérgio Buarque de Holan-
da e Gilberto Freyre, mostrando como essas noções podem interpelar critica-
mente a imaginação sociológica sobre a modernidade e sua temporalidade. Por
fim, Renan Springer de Freitas, em “The sociology of knowledge and its move-
ments”, discute os movimentos analíticos feitos pela sociologia do conheci-
mento tanto como disciplina acadêmica especializada quanto de forma “in-
trauterina”, isto é, no interior de diferentes disciplinas, buscando a marca dis-
tintiva comum a ambas.
Logo em seguida, em nossa seção de memória, publicamos um texto de
Renato Ortiz dedicado a Maria Isaura Pereira de Queiroz, que produziu obras
de referência nas ciências sociais brasileiras em diferentes campos do conhe-
cimento – sociologia política, sociologia rural, sociologia da cultura, estudos
sobre cultura popular, para citar alguns –, além de ter formado várias gerações
de pesquisadores. E, dando continuidade ao nosso esforço de recuperar a me-
mória das ciências sociais no Rio de Janeiro e, mais especificamente, na Uni-
versidade Federal do Rio Janeiro (antiga Universidade do Brasil), publicamos
entrevista feita por Thiago Lopes da Costa com Alzira Alves de Abreu, que re-
lembra momentos fundamentais do funcionamento do Instituto de Ciências
Sociais, à luz de sua participação na pesquisa seminal sobre os grupos multi-
bilionários, nacionais e estrangeiros, com atuação no Brasil.
O número se encerra com duas resenhas: de Medio siglo de sociología en
Argentina. Ciencia, profesión y política (1957-2007) (2018), de Juan Pedro Blois, es-
crita por Paola Bayle; e de O retorno da sociedade: política e intepretações do Brasil
(2019), de André Botelho, escrita por Mariana Chaguri.
Ótima leitura!
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 5
– 6
, ja
n. –
abr
., 20
20
PRESENTATION
The editors (PPGSA/UFRJ)
The first issue of volume 10 of Sociologia & Antropologia concretizes the first ten
years of the journal. A systematic review of our intellectual experience in sci-
entific publishing appeared in the previous issue in the article “So far, so near:
Sociologia & Antropologia on the threshold of a decade,” co-authored by André
Botelho, Antonio Brasil Jr. and Maurício Hoelz – the chief editor over the last
two years, the current chief editor and the associate editor of S&A, respec-
tively. For the next stage, we also count on the editorial work of Marco Antonio
Gonçalves and the editorial assistance of Julia O’Donnell and Rodrigo Santos.
Here we express our profound thanks to these editor colleagues, who con-
structed a trajectory unparalleled in the publication of the Brazilian social sci-
ences, and also to the entire team of highly competent professionals who trans-
form the texts written by our authors into high-quality public scientific com-
munications.
The issue opens with a series of texts on the legacy and the contempo-
rary heuristic applications of the work of the German sociologist Niklas Luh-
mann, one of the most challenging (and inescapable) authors of the final third
of the twentieth century. We begin with the discussion of some challenges of
the current ‘post-Luhmannian’ scenario, interviewing two of the main authors
who have acclimatized social systems theory to the Latin American context:
the Brazilian Marcelo Neves and the Chilean Aldo Mascareño, who replied by
e-mail to a similar list of questions compiled by Sergio Pignuoli Ocampo and
Antonio Brasil Jr. After this interview, we publish four articles by Latin American
authors working on deepening exploratory themes within the systemic program.
“Guidelines for an evolutive sociology of functional differentiation in Latin
America,” by Hugo Cadenas and Aldo Mascareño, rediscusses Luhmann’s concept
of “functional differentiation” in light of a historical-evolutionary analysis of
the American context; Marco Estrada Saavedra in “The systemic concept of the
political. An outline” examines the current literature on social movements based
on a systemic concept of ‘politics.’ In “The performativity of exclusion and
struggles for inclusion: distributive questions based on social systems theory,”
João Paulo Bachur proposes a theoretical-discursive reinterpretation of the in-
clusion/exclusion form oriented towards conflict. Finally, Juan Pablo Gonnet, in
“Social order, interaction and society in Luhmann: methodological approaches
to the integration of sociological knowledge,” suggests, via Luhmann, goes be-
yond a dualist view of the relations between interaction and society and be-
tween micro and macrosociological approaches.
The issue continues with another five articles. “Stefan Zweig in exile: a
cosmopolitan citizen’s interpretation of Brazil,” by Marcos Chor Maio and Ale-
jandra Josiowicz, analyses the interpretation of Brazilian society made by Zweig
in Brasil, país do futuro, shifting between diverse national and transnational soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
– 8
, ja
n. –
apr
., 20
20
8
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
– 8
, ja
n. –
apr
., 20
20presentation | the editors
intellectual contexts, while also situating the author’s cosmopolitan experi-
ences and exile. Claudia Barcellos Rezende, in “Meanings of motherhood in
childbirth narratives in Rio de Janeiro,” proposes an interpretation of childbirth
narratives among white middle-class woman in Rio de Janeiro, investigating
the emergence of a subjective configuration that valorises the corporality of
maternity. In “Memory and political thanasimology in the Pernambuco back-
lands,” Jorge Mattar Villela, through the analysis of the ancestor of an extend-
ed family, investigates how families from the sertão region of Brazil create his-
tories of themselves, including their monuments, celebrated figures and ritual
forms. In “Stasis, motion and acceleration: the senses and connotations of time
in Raízes do Brasil and Sobrados e Mucambos (1936),” Sergio Tavolaro discusses
notions of time in the 1930s essayism of Sérgio Buarque de Holanda and Gil-
berto Freyre, showing how these notions can critically interrogate the socio-
logical imagination of modernity and its temporality. Finally, Renan Springer
de Freitas, in “The sociology of knowledge and its movements,” discusses the
analytic movements made by the sociology of knowledge both as a specialized
academic discipline and as an ‘intrauterine’ form within other disciplines, seek-
ing to identify the distinctive feature common to both.
Next, in our memory section, we publish a text by Renato Ortiz dedi-
cated to Maria Isaura Pereira de Queiroz, who produced various reference works
in the Brazilian social sciences in diverse fields of knowledge – political sociol-
ogy, rural sociology, the sociology of culture, studies of popular culture, to cite
some – as well as having trained various generations of researchers. And con-
tinuing our effort to reconstruct the memory of the social sciences in Rio de
Janeiro and more specifically at the Federal University of Rio Janeiro (formerly
the University of Brazil), we publish an interview made by Thiago Lopes da
Costa with Alzira Alves de Abreu, who recalls crucial moments from the func-
tioning of the Institute of Social Sciences, based on her own participation in
the seminal research on national and foreign multibillionaire groups operating
in Brazil.
The issue closes with two book reviews: Medio siglo de sociología en Argen-
tina. Ciencia, profesión y política (1957-2007) (2018), by Juan Pedro Blois, is reviewed
by Paola Bayle; and O retorno da sociedade: política e intepretações do Brasil (2019),
by André Botelho, is reviewed by Mariana Chaguri.
Good reading!
ENTREVISTA
ARTIGOS
15
75
99
129
155
179
201
sociologia & antropologia
volume 10 número 1janeiro-abril 2020quadrimestralissn 2238-3875
O CENÁRIO “PÓS-LUHMANNIANO” E A AMÉRICA LATINA:
ENTREVISTAS COM MARCELO NEVES E ALDO MASCAREÑO
Sergio Pignuoli Ocampo e Antonio Brasil Jr.
LINEAMIENTOS PARA UNA SOCIOLOGÍA EVOLUTIVA DE LA
DIFERENCIACIÓN FUNCIONAL EN AMÉRICA LATINA
Hugo Cadenas e Aldo Mascareño
EL CONCEPTO SISTÉMICO DE LO POLÍTICO. UN ESBOZO
Marco Estrada Saavedra
A PERFORMATIVIDADE DA EXCLUSÃO E AS LUTAS POR
INCLUSÃO: QUESTÕES DISTRIBUTIVAS A PARTIR DA TEORIA DE
SISTEMAS SOCIAIS
João Paulo Bachur
ORDEN SOCIAL, INTERACCIÓN Y SOCIEDAD EN LUHMANN.
PERSPECTIVAS DE MÉTODO PARA LA INTEGRACIÓN DEL
CONOCIMIENTO SOCIOLÓGICO
Juan Pablo Gonnet
STEFAN ZWEIG IN EXILE: A COSMOPOLITAN CITIZEN’S
INTERPRETATION OF BRAZIL
Alejandra Josiowicz e Marcos Chor Maio
SENTIDOS DA MATERNIDADE EM NARRATIVAS DE
PARTO NO RIO DE JANEIRO
Claudia Barcellos Rezende
MEMÓRIA
RESENHAS
MEMÓRIA E THANASIMOLOGIA POLÍTICA NO SERTÃO DE
PERNAMBUCO
Jorge Mattar Villela
STASIS, MOTION AND ACCELERATION: THE SENSES
AND CONNOTATIONS OF TIME IN RAÍZES DO BRASIL AND
SOBRADOS E MUCAMBOS (1936)
Sergio B. F. Tavolaro
THE SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE AND ITS MOVEMENTS
Renan Springer de Freitas
PEQUENA HOMENAGEM A UMA GRANDE SENHORA
Renato Ortiz
O INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E A SOCIOLOGIA NO RIO
DE JANEIRO: ENTREVISTA COM ALZIRA ALVES DE ABREU
Thiago da Costa Lopes
SENTIDOS EN PUGNA: LA INSTITUCIONALIZACIÓN DE LA
SOCIOLOGÍA EN LA UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES
Medio siglo de sociología en Argentina. Ciencia, profesión y política
(1957-2007). (2018). Juan Pedro Blois. Buenos Aires: EUDEBA.
Paola Adriana Bayle
O SOCIAL, O POLÍTICO E A FORÇA DAS IDEIAS
O retorno da sociedade. Política e interpretações do Brasil. (2019).
André Botelho. Petrópolis: Vozes.
Mariana Miggiolaro Chaguri
221
243
267
291
299
327
333
INTERVIEW
ARTICLES
15
75
99
129
155
179
201
volume 10 number 1january-april 2020triannualissn 2238-3875
sociologia & antropologia
THE ‘POST-LUHMANNIAN’ SCENARIO AND LATIN AMERICA:
INTERVIEWS WITH MARCELO NEVES AND ALDO MASCAREÑO
Sergio Pignuoli Ocampo and Antonio Brasil Jr.
GUIDELINES FOR AN EVOLUTIONARY SOCIOLOGY OF
FUNCTIONAL DIFFERENTIATION IN LATIN AMERICA
Hugo Cadenas and Aldo Mascareño
THE SYSTEMIC CONCEPT OF THE POLITICAL. AN OUTLINE
Marco Estrada Saavedra
THE PERFORMATIVITY OF EXCLUSION AND STRUGGLES FOR
INCLUSION: DISTRIBUTIVE QUESTIONS BASED ON SOCIAL
SYSTEMS THEORY
João Paulo Bachur
SOCIAL ORDER, INTERACTION AND SOCIETY IN LUHMANN.
METHODOLOGICAL APPROACHES TO THE INTEGRATION OF
SOCIOLOGICAL KNOWLEDGE
Juan Pablo Gonnet
STEFAN ZWEIG IN EXILE: A COSMOPOLITAN CITIZEN’S
INTERPRETATION OF BRAZIL
Alejandra Josiowicz e Marcos Chor Maio
THE MEANINGS OF MOTHERHOOD IN CHILDBIRTH NARRATIVES
IN RIO DE JANEIRO
Claudia Barcellos Rezende
221
243
267
291
299
327
333
MEMORY
REVIEWS
MEMORY AND POLITICAL THANASIMOLOGY IN THE
PERNAMBUCO BACKLANDS, BRAZIL
Jorge Mattar Villela
STASIS, MOTION AND ACCELERATION: THE SENSES AND
CONNOTATIONS OF TIME IN RAÍZES DO BRASIL AND SOBRADOS
E MUCAMBOS (1936)
Sergio B. F. Tavolaro
THE SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE AND ITS MOVEMENTS
Renan Springer de Freitas
HOMAGE TO A GREAT WOMAN
Renato Ortiz
THE INSTITUTE OF SOCIAL SCIENCES AND SOCIOLOGY IN RIO DE
JANEIRO: INTERVIEW WITH ALZIRA ALVES DE ABREU
Thiago da Costa Lopes
MEANINGS IN DISPUTE: THE INSTITUTIONALIZATION OF
SOCIOLOGY IN THE UNIVERSITY OF BUENOS AIRES
Medio siglo de sociología en Argentina. Ciencia, profesión y política
(1957-2007). (2018). Juan Pedro Blois. Buenos Aires: EUDEBA.
Paola Adriana Bayle
THE SOCIAL, THE POLITICAL AND THE FORCE OF IDEAS
O retorno da sociedade. Política e interpretações do Brasil. (2019). André
Botelho. Petrópolis: Vozes.
Mariana Miggiolaro Chaguri
ENTREVISTA
O CENÁRIO “PÓS-LUHMANNIANO” E A AMÉRICA LATINA: ENTREVISTAS COM MARCELO NEVES E ALDO MASCAREÑO
Sergio Pignuoli Ocampo l
Antonio Brasil Jr.ll
1 Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET),
Universidad de Buenos Aires (UBA), Instituto de Investigaciones Gino
Germani (IIGG), Buenos Aires, Argentina
https://orcid.org.0000-0002-9918-0931
11 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Departamento de
Sociologia e Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-8653-668X
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 1
5 –
72 ,
jan
. – a
br.,
2020
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1011
Este número de Sociologia & Antropologia traz um conjunto de textos dedicados
à discussão sistemática do legado teórico do sociólogo alemão Niklas Luhmann,
elaborados na América Latina. Vale, porém, a provocação: o que significa essa
reflexão em um cenário claramente “pós-luhmanniano”, como o nosso mundo
contemporâneo?
Para nos ajudar a responder a essa questão, entrevistamos por e-mail
Marcelo Neves, professor da Faculdade de Direito na Universidade de Brasília,
e Aldo Mascareño, pesquisador sênior do Centro de Estudios Públicos em San-
tiago do Chile. Passamos aos dois um roteiro comum de perguntas, incluindo
desde temas ligados a suas trajetórias até os desafios atuais de pensar os apor-
tes da teoria dos sistemas sociais no contexto latino-americano. Os dois auto-
res refletiram extensamente sobre as principais contribuições de Luhmann e
de suas próprias obras – que, aliás, foram fundamentais para a aclimatação do
programa sistêmico na região – para o enfrentamento dos fenômenos que de-
safiam a imaginação sociológica no presente.
Antes de seguirmos para as entrevistas, gostaríamos de abordar breve-
mente o que entendemos por cenário “pós-luhmanniano” e por que o padrão
de recepção dos textos de Luhmann na América Latina pode contribuir decisi-
vamente em uma agenda de pesquisa que atualize o legado de Luhmann em
sentido criativo e sensível às transformações sociais em curso.
Cumpre ressaltar que o qualificativo “pós-luhmanniano” servia para in-
dicar, tempos atrás, pesquisadores ou linhas de pesquisa interessados nos tra-
16
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
16
balhos de Luhmann, mas que guardavam em relação à sua obra certa distância
crítica. Portanto, pós-luhmanniano sugeria então uma fuga do programa de
pesquisa elaborado pelo renomado sociólogo de Bielefeld. Nesse sentido, o pre-
fixo pós- adotava o significado do prefixo ex-, uma vez que introduzia uma
quebra de relações – e uma saída não muito bem resolvida – com o programa
de investigação, por assim dizer, original, e não uma relação de simples poste-
rioridade ou de sucessão descomplexada. Aqui, interessa-nos recuperar a eti-
mologia do prefixo pós- e fazer valer literalmente o adjetivo pós-luhmanniano
não para identificar necessariamente um grupo de pesquisadores, e sim para
descrever o cenário contemporâneo.
O tempo mostra uma passagem evidente: transcorreram mais de 35 anos
desde a publicação de Soziale Systeme e mais de 20 anos desde a aparição de Die
Gesellschaft der Gesellschaft, sem falar nos demais livros e artigos deixados por
Luhmann. Um simples passar de olhos nas agendas científica e política basta-
ria para assumir que o mundo social mudou consideravelmente desde então.
Para não ir mais longe, fenômenos como a comunicação digital, a mudança
climática global e de origem antrópica e as extremas desigualdade e exclusão
sociais revelam que as afirmações do autor sobre a comunicação entre máqui-
nas interconectadas, os riscos ecológicos e os limites da reinclusão social nas
condições da diferenciação funcional sem dúvidas são precursoras, mas resul-
tam insuficientes para a pesquisa. Até porque o volume da pesquisa sociológi-
ca nesses campos não para de crescer – e seria um erro ignorá-las. Essa questão
se agrava ainda mais quando notamos que teríamos que revirar os textos do
autor para encontrar pistas sobre os demais fenômenos que desafiam a imagi-
nação sociológica no presente, como os novos extremismos, a irrupção da nova
onda dos movimentos raciais e de gênero, as novas formas de guerra entre
potências globais completamente teledirigidas, a chamada pós-verdade etc. Por
fim, a questão da atualidade se torna decisiva quando nos damos conta de que
a ciência não é mais a mesma: a cibernética de segunda ordem, a biologia da
autopoiese, o construtivismo do observador podem ter-se tornado anacrônicos
em face das neurociências, da nanotecnologia dos materiais orgânicos e inor-
gânicos, do avanço da interdisciplinaridade – como no caso das chamadas data
science e da network theory, com inegáveis consequências para a própria socio-
logia – e da possibilidade de uma “interdisciplina sem disciplina”.
Já no campo específico da pesquisa social e da sociologia, a sensação é
de que permanece pouco daquilo que Luhmann magistralmente interpelou. A
urgência da teoria se transformou em instrumentalismo conceitual e na busca
de caixas de ferramentas dóceis e autorizadas; o trabalho de campo reserva
cada vez menos espaço para o empírico, priorizando a tecnificação quali- ou
quantitativa dos dados; o problema da representatividade e da validade chegou
a planos antes insuspeitáveis devido à aparição de novos métodos de pesquisa
digital (questionários online, simulações multiagente, análise de sentimentos
17
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
17
em mídias sociais, processamento de grande volume de dados não parametri-
zados ou data mining). Em resumo: nem o mundo, nem a ciência, nem a socio-
logia são os mesmos que Luhmann interpelou. Por isso falamos de um cenário
pós-luhmanniano.
Para deixar mais claro: o cenário pós-luhmanniano não é um lugar em
que o programa de Niklas Luhmann careça de vigência. O ponto é mais simples,
mas ainda mais nevrálgico que isso: trata-se apenas de partir do fato de que o
legado de Luhmann já não supõe o contexto histórico, científico e disciplinar
de Luhmann. De modo que a magnífica heurística positiva disponível em seus
trabalhos – associada aos extraordinários avanços que realizou o autor no cam-
po da teoria geral dos sistemas, teoria dos sistemas sociais, teoria da socieda-
de, sociologia das organizações, teoria da modernidade e da sociedade mundial,
por exemplo – já não pode ser assumida ou aplicada sem mais. Dirk Baecker já
alertou sobre esse problema no âmbito da teoria da sociedade e assinalou que,
frente à complexidade da sociedade futura, é possível que a complexidade da
Systemtheorie não seja suficiente. Do mesmo modo, Rudolf Stichweh, Alfons
Bora e Urs Stäheli, entre outros, identificaram diferentes necessidades de cor-
reção e/ou complementação dos argumentos originais de Luhmann. Os diag-
nósticos convergem para um mesmo ponto: legado e vigência já não corres-
pondem a esse cenário, colocando o legado de Luhmann em um horizonte
problemático, pois seu tratamento não pode ser apenas positivo, mas antes
forçosamente reflexivo, centrado em indagações críticas e em novos desenvol-
vimentos.
Essa situação não impõe necessariamente uma atitude defensiva ou a
passagem direta a uma heurística negativa: também é possível observar o ce-
nário como uma oportunidade para expandir o programa. Na recepção de Luh-
mann – pelo menos no campo mais organizado da teoria sociológica –, há duas
grandes tradições: uma reducionista ou “crítica” e outra celebratória ou “luh-
manniana”. A primeira procurou reduzir a proposta de Luhmann a posições
amplamente questionadas na pesquisa social. Nessa vasta bibliografia, obser-
vam-se diversas tentativas de reduzir o programa de Luhmann ao funcionalis-
mo, ao coletivismo, à macrossociologia, ao biologicismo, ao positivismo, ao
eurocentrismo e/ou ao conservadorismo político. Essa recepção malogra seu
objetivo posto que omite as duras críticas dirigidas pelo sociólogo de Bielefeld
em relação a essas posições, segmentando as referências textuais de Luhmann
de maneira bastante questionável e/ou interessada de acordo com seus obje-
tivos. Por não justificar essas problemáticas reduções, essa tradição oscila en-
tre diversas formas de reducionismo. A oportunidade de expandir o programa
requer esforços críticos muito mais elaborados que os oferecidos até o momen-
to por uma tradição que simplesmente menospreza o legado de Luhmann in-
correndo em falácias interpretativas. Em oposição à tradição crítica, a tradição
celebratória ou luhmanniana goza de considerável superioridade. A simples
18
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
18
vocação de tomar ao pé da letra os textos de Luhmann é suficiente para mostrar
os reducionismos imperantes nas “críticas” e para assumir positivamente a
investigação social, incluída a aplicação da sociologia luhmanniana em traba-
lhos empíricos.
De todo modo, chama a atenção a perseverante vigência da tradição
crítica, a despeito das fortes réplicas feitas pela tradição luhmanniana. Sem
desconsiderar seu afinco, a última não conseguiu, nem remotamente, dissolver
a primeira, que goza de excelente saúde nos dias que correm. Essa situação,
que vem de longa data, foi assumida pela recepção luhmanniana nos termos
de uma luta da “ilustração sistêmica” contra o “obscurantismo” da recepção
mais disseminada, sendo então o problema predominante nela a correta com-
preensão do autor. Essa narrativa fortalece a heurística negativa do programa:
“Luhmann não é isto, Luhmann não é aquilo…”. O preço, entretanto, é muito
alto, pois se retira mobilidade à heurística positiva. Responde-se rapidamente
às críticas, mas o mesmo não ocorre com os novos problemas que oferece o
mundo social. Trata-se de um programa de pesquisa robusto e monolítico, imu-
ne às “críticas” e que combate o “obscurantismo”; ele reage lentamente à dinâ-
mica do entorno e levanta suspeitas a quaisquer questionamentos à teoria dos
sistemas, sendo então resistente à renovação de seu fundamento operativo.
Dentro do novo cenário pós-luhmanniano, uma eventual – e utópica –
vitória final da “ilustração” será insuficiente ou, ainda pior, irrelevante. Os de-
safios trazem consigo os novos problemas e exigem a demonstração da vigên-
cia do legado frente a eles – e isso não será proporcionado nem sequer pelo
esforço mais exegético que conseguisse demonstrar o que disse Luhmann em
cada detalhe de seu valioso legado. Os novos desafios colocam essa tradição
em uma situação incômoda e inédita até agora: indicar o que pode oferecer a
pesquisa em sistemas aos novos focos de atenção e aos problemas a eles asso-
ciados. Sintomático e agravante do quadro é o fato de que a “ilustração sistê-
mica” chega tarde à discussão sobre a vigência do legado. Faz mais de uma
década que o emergente sistemismo realista crítico, com novos autores como
Dave Elder-Vass, Poe Yu-ze Wan e John Mingers, propõe literalmente que “The
future success of social systems theory depends on being able to move beyond
Luhmann” (Elder-Vass, 2007: 409). É certo que esse novo programa carrega cer-
to lastro ainda da tradição reducionista – que, em muitos ou quase todos os
sentidos, empobrece o debate sistêmico – e que as réplicas luhmannianas que
recebeu têm sido incisivas – como dito, a heurística negativa tonificada até a
hipertrofia permite à Systemtheorie replicar assim. Há, contudo, um ponto que
passou despercebido: a disputa não é pelo legado, e sim pela vigência – e o
troféu é o futuro, ou seja, o tempo. Para além de seu evidente desacerto inter-
pretativo, o novo sistemismo realista propõe à Systemtheorie uma disputa de
novo tipo. Os contendores não são mais nem “ilustrados” nem “críticos”, e a
disputa não é pelo legado, mas por recursos e tempo. A Systemtheorie possui
19
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
19
recursos que permitam sustentar sua vigência como programa de investigação
no tempo? Ela os possui no presente? Ou os terá no futuro? Onde estão? No
legado de Luhmann e em sua exegese? A pergunta sobre a vigência presente e
futura desloca a luta em torno da ilustração sistêmica e expõe a razão pela qual
a tradição luhmanniana, tal qual a tradição reducionista, perde também a opor-
tunidade de problematizar a relação entre o legado e a vigência que oferece o
cenário pós-luhmanniano.
O sistemismo realista e os programas que virão no futuro não se inte-
ressam em desmontar “criticamente” a obra de Luhmann. Sua disputa é pelo
futuro e, em face dessa questão, as réplicas “ilustradas” serão insuficientes e
até mesmo desacertadas. Ainda que refinemos a interpretação do conceito de
comunicação entre máquinas interconectadas, não esgotaremos a análise das
formas de comunicação digital; por mais que busquemos nos textos maiores
ou menores de Luhmann, a neurociência arrasa a concepção de sistema ner-
voso do autor e mostra os vários problemas programáticos de sua aposta inter-
disciplinar, bem como fenômenos tais quais a financeirização dos não paga-
mentos – dotando-os de capacidade de enlace –, a descentralização das decisões
jurídicas, a aparição dos problemas de veracidade na codificação da informação
gerada pelos mass media, a valorização da prosperidade como continuum entre
imanência e transcendência religiosas etc. Nesse estado de coisas, se a respos-
ta aos novos desafios recorresse à necessidade de uma melhor interpretação,
a tradição luhmanniana cairia em um erro histórico, a saber, apostar na con-
versão do legado de Luhmann em um clássico das ciências sociais. Quer dizer,
os luhmannianos seriam aqueles que assumiriam que a teoria já está pronta e
que se trata só de refinar sua intepretação – e, caso necessário, bastaria anexar
outros territórios para ampliar o reino etc. (Luhmann 1983, 1984, 1986). Isso
acabaria segmentando o programa, limitando sua problemática e fazendo com
que a heurística negativa primasse sobre a positiva. Converteria, ainda, em
dogmatismo a ortodoxia e a custódia do legado de Luhmann, imobilizando-o
talvez em poucas décadas. Em outras palavras, a hipóstase da Systemtheorie em
uma prima philosophia da pesquisa social não consolidará nenhum novo para-
digma, e sim erigirá – em caso irônico de equivocada práxis sistêmica – Luh-
mann em um obstáculo epistemológico dentro do cenário pós-luhmanniano. É
inegável que uma interpretação densa será muito mais proveitosa que uma
interpretação falaciosa do legado, mas o que é decisivo aqui é que a interpre-
tação da palavra já não basta para sustentar a vigência do legado luhmanniano
num cenário pós-luhmanniano.
Um aspecto singular do novo cenário está na melhor posição relativa e
nas vantagens comparativas que nele assume a recepção latino-americana. Há
décadas os(as) pesquisadores(as) da região interessados(as) em dialogar com a
obra de Luhmann operam em chave de crítica e reformulação. Desde Miguel
Chávez, Marcelo Neves, Darío Rodríguez, Fernando Robles e Marcelo Arnold, dis-
20
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
20
cípulos e colaboradores de Luhmann em Bielefeld, ou ainda tradutores notáveis
como Javier Torres Nafarrate, até os jovens alunos e professores dos nossos cur-
sos atuais na universidade, passando por nomes como Aldo Mascareño, Jorge
Galindo, Marco Ornelas, Ignacio Farias, entre muitos outros – em todos eles a
pergunta central é: qual a vigência da Systemtheorie para a América Latina? Que
tipos de crítica e de reelaborações devem ser feitos aos argumentos originais
diante de problemas e situações estranhas a eles? Nesse sentido, as tarefas que
o cenário pós-luhmanniano generalizou e tornou incontornáveis são parte do
trabalho habitual dos pesquisadores sistêmicos latino-americanos, ou, para
dizê-lo com outras palavras, são constitutivas da recepção latino-americana,
que não só está habituada a elas, mas também opera reflexivamente sua própria
acumulação do conhecimento.
Isso não significa que não existam desafios consideráveis a enfrentar
desde e a partir da América Latina para a disputa em torno da vigência do lega-
do. Podemos ajudar a visibilizar alguns deles mediante breve exploração biblio-
métrica, que permite detectar, numa leitura a distância (nos termos de Franco
Moretti, 2013), alguns padrões e regularidades da recepção latino-americana. A
despeito de suas limitações – as ferramentas e os dados disponíveis permitem
apenas a análise da produção em artigos, deixando fora a volumosa quantida-
de de livros dedicados à teoria dos sistemas na região –, a pesquisa bibliomé-
trica permite capturar certas dinâmicas da comunicação científica por meio de
uma quantidade imensa de informações (Leydesdorff, 2001).
Um desses desafios – como sugere a imagem abaixo, elaborada a partir
dos dados dos 1.126 artigos que citam (pelo menos uma vez) algum texto de
Niklas Luhmann na base SciELO de revistas científicas entre 2002 e 2019 (até
outubro) – é a necessidade de maior integração entre os(as) pesquisadores(as)
da região.1 Se a distribuição dos artigos dos cinco países da coleção SciELO que
mais citam Luhmann (Brasil, Chile, Colômbia, México e Argentina) pelas 20
principais palavras-chave é relativamente equilibrada, embora não exatamen-
te simétrica – o que mostra amplo potencial de comunicação entre os países –,
por outro lado, a publicação em revistas científicas parece muito segmentada
por critérios de idioma. Os autores com afiliação em instituição brasileira pu-
blicam basicamente no Brasil e em português, e os autores localizados nos
outros quatro países publicam preferencialmente em suas revistas locais, porém
com maior integração (com a notável exceção dos autores na Argentina, que
publicam basicamente fora de seu país no contexto das revistas indexadas na
Base SciELO). A publicação científica em revistas é a que tem potencial para a
circulação mais rápida, se comparada aos livros e às publicações de papers em
congressos, até mesmo pela hegemonia do paradigma da “ciência aberta” na
região. Acreditamos, portanto, que há muito o que avançar por aqui – e este
número de S&A procura justamente fortalecer os canais de comunicação “sis-
têmica” na América Latina.
21
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
21
Figura 1
Three fields plot: palavras-chave (20 mais frequentes), afiliação institucional por
país (cinco com mais artigos) e revistas (20 com mais artigos)
Fonte: SciELO/WoS (2002-2019).
Visualização: Bibliometrix.
22
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
22
Outro dado que chama a atenção para o padrão da recepção latino-ame-
ricana – seu espírito heterodoxo e de revisão crítica do legado – diz respeito às
relações mais importantes de cocitação no interior desse conjunto de 1.126
artigos da coleção SciELO. Como era de esperar, o autor mais citado junto a
Niklas Luhmann é Jürgen Habermas, seguido de (nesta ordem) Talcott Parsons,
Humberto Maturana, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Max
Weber, Marcelo Neves, Aldo Mascareño e Ulrich Beck, para ficarmos nas dez
cocitações de mais peso. Chama a atenção a relevância de Humberto Maturana
– reconhecida pelo próprio Luhmann – mas igualmente a presença de Marcelo
Neves e Aldo Mascareño, sinalizando justamente o lugar da recepção criativa
latino-americana nesse conjunto de trabalhos, que vai acumulando reflexiva-
mente um estoque de conhecimentos. Não por acaso, buscamos por meio das
entrevistas que compõem este número de S&A entender melhor o percurso
formativo desses dois autores, vetores fundamentais para a aclimatação da
teoria dos sistemas sociais na região.
Por outro lado, observando os dados de cocitação no nível das obras
citadas (mínimo de cinco citações), encontramos um padrão de relação que
sugere algumas partições. À esquerda, os dois grupos mais densos de obras
citadas (em verde e em rosa), em sua maioria do próprio Luhmann, apontam
para um intenso compartilhamento de referências sistêmicas, polarizado gros-
so modo no eixo vertical entre os temas da teoria social e da complexidade
(acima) e a discussão do sistema jurídico (abaixo) – não por acaso, Sistemas
sociais é o livro mais citado e o maior betweener entre esses dois grupos. Já à
direita, surgem dois outros grupos de referências, um mais próximo e outro
mais remoto. O grupo em laranja associa fortemente alguns textos de Luhmann,
como Sociologia do risco, a referências centrais na discussão sobre risco e mo-
dernidade, como Urich Beck e Anthony Giddens. O grupo em azul, mais distan-
te, conecta os trabalhos de Luhmann sobre confiança com a problemática das
redes e do capital social (particularmente com os trabalhos de Granovetter,
Putnam e Coleman). A topologia da rede de cocitações gerada indica forte den-
sidade no compartilhamento das referências sistêmicas entre si e maior rare-
fação das ligações entre as obras fundamentais de Luhmann e aquelas ligadas
aos temas da modernidade e risco e aos das redes sociais e confiança – prova-
velmente, esses dois campos na América Latina fazem um uso basicamente
instrumental da teoria dos sistemas, hipótese que teria que ser investigada
mais a fundo. Seja como for, o padrão de cocitação no nível das obras ilustra
bem o desafio de “traduzir” melhor a capacidade de interpelação da obra de
Luhmann para outros domínios da pesquisa social e, mais ainda, de mostrar
sua produtividade para a exploração dos fenômenos empíricos.
23
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
23
Como já dito, o lugar e o sentido que a teoria dos sistemas ocupará no
futuro dependem de uma série de operações e disputas cujo desenlace é total-
mente contingente. Podemos dizer, no entanto, que o potencial de comunicação
entre o repertório sistêmico e as ciências sociais na América Latina é bastante
considerável não só pelo espírito “heterodoxo” que anima a nossa recepção, mas
também pelo interesse crescente que sua obra vem despertando. Em levanta-
mento ainda em curso sobre a coleção “Ciências Humanas” da SciELO/Brasil,2
Luhmann sempre esteve entre os 150 autores mais citados nas referências de
um universo de quase 50 mil artigos de diferentes áreas do conhecimento, no
período que vai de 2002 a 2019. E, mais significativo ainda, entre 2014 e 2016 as
citações de Luhmann atingiram o pico de 155 citações, colocando-o como o 50o
autor mais mencionado (à frente de, por exemplo, Marcel Mauss). Se voltarmos
aos 1.126 artigos de toda a coleção SciELO que citam pelo menos uma vez algum
texto de Luhmann, encontramos a seguinte curva temporal, que revela um cres-
cimento bastante expressivo nos últimos anos:
Figura 2
Rede de cocitação de referências
bibliográficas (frequência mínima=5x)
Fonte: SciELO/WoS (2002-2019).
Visualização: VOSViewer e Gephi.
24
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
24
Este número especial de S&A procura, portanto, cumprir um duplo papel.
De um lado, adensar as discussões em curso que exploram as potencialidades do
legado de Luhmann no atual cenário pós-luhmanniano, ou seja, sua vigência, fin-
cando-se naquilo que reputamos como o melhor de nossa recepção latino-ameri-
cana – não dogmática e atenta aos fenômenos empíricos à primeira vista estra-
nhos ao universo original de problemas da teoria dos sistemas sociais. As duas
entrevistas aqui reunidas, feitas a partir de um roteiro básico similar com Marcelo
Neves e Aldo Mascareño, iluminam de modo poderoso esse ponto. De outro lado,
servir como vetor de maior integração da comunidade de especialistas na teoria
dos sistemas na região, publicando quatro artigos que desafiam o senso comum
dos não especialistas – que ainda a consideram uma teoria “ensimesmada”, ma-
crossociológica e avessa à pesquisa – e que expandem a agenda teórica e empírica
da teoria. Hugo Cadenas e Aldo Mascareño trazem uma perspectiva histórico-evo-
lucionária da diferenciação funcional no continente americano, mostrando a ne-
cessidade de descentrar a sociologia latino-americana tanto de sua visão do pre-
sente quanto do nacionalismo metodológico. Marco Estrada Saavedra interpela a
literatura sobre movimentos sociais a partir de um conceito sistêmico do “político”
e da introdução da distinção a política/o político a fim de “desestatizar” nossa
concepção do fenômeno, abrindo-o a novos horizontes. João Paulo Bachur nos ofe-
Figura 3
Evolução temporal dos 1.126 artigos que citam Luhmann (pelo menos uma vez)
Fonte: SciELO/WoS (2002-2019).
120
100
80
60
40
2012
20
15
3742
50
65
5760
69
83
79
93
103
110
100105
26
020
02
12
20
03
20
20
04
15
20
05
37
20
06
42
20
07
50
20
08
65
20
09
57
20
10
60
20
11
69
20
12
83
20
13
103
20
14
93
20
15
110
20
16
79
20
17
100
20
18
105
20
19
26registro
25
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
25
rece uma autorreflexão crítica desde dentro da teoria dos sistemas, examinando
programaticamente como a forma inclusão/exclusão pode ser incorporada a uma
teoria do conflito orientada para questões distributivas. Por fim, Juan Pablo Gonnet
discute, a partir de Luhmann, a possibilidade de se superar uma visão disjuntiva
das ordens interacional (microssociológica) e da sociedade (macrossociológica),
brindando-nos com uma perspectiva metodológica para a integração do conheci-
mento sociológico. Como podemos ver, os artigos, ao conectar a teoria dos siste-
mas – na perspectiva da América Latina – aos problemas mais caros da teoria so-
ciológica, terão a chance de sensibilizar os pesquisadores das ciências sociais que,
até aqui, permaneceram indiferentes às potencialidades do programa sistêmico.
ENTREVISTA COM MARCELO NEVES
Sobre a trajetória acadêmica e a recepção da teoria dos
sistemas sociais
Sociologia & Antropologia. Como tomou contato com a obra de Luhmann? Como
observa a recepção da Teoria dos Sistemas Sociais (TdSS), ou da perspectiva dos
sistemas sociais, na América Latina (AmLat)? Quais são, em sua opinião, os desen-
volvimentos da TdSS mais inovadores na região, incluindo o seu próprio trabalho?
Marcelo Neves. Meu primeiro contato com a obra de Niklas Luhmann ocorreu
por intermédio de meu professor de sociologia do direito, na Faculdade de
Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco, Cláudio Souto, em
1981, quando eu cursava o mestrado em direito naquela instituição. No início
da década de 1980, Luhmann proferiu algumas palestras no Recife a convite de
Cláudio Souto. Em uma dessas palestras, ele tratou da autopoiese dos sistemas
sociais e foi questionado pelo meu orientador de mestrado, Lourival Vilanova,
que era vinculado ao modelo de input/output da tradição sociológica americana
dos anos 1950 e 1960. Foi um debate de alto nível em uma tarde iluminada lá
no prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE, no auditório do
Departamento de Sociologia. Eu fiquei impressionado, mas tinha certa restrição
à aplicação irrestrita do modelo de autopoiese do direito nas condições histó-
ricas modernas coloniais ou neocoloniais dos países periféricos.
Cláudio Souto foi orientando de Luhmann no seu doutorado em socio-
logia na Universidade de Bielefeld, concluído em 1982.3 Contudo, na busca de
uma lei geral do social, Souto apresentou sua própria teoria sociológica, que
apontava para a semelhança como orientação básica de um composto siv (sen-
timento, ideia e vontade) perante outro composto siv e, portanto, como catali-
sadora primária da vida social. Tornou-se amigo de Luhmann, porém não seguiu
sua teoria dos sistemas sociais.
26
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
26
É por isso que meu entendimento da recepção da obra de Luhmann no
Brasil não decorreu dessa aproximação inicial intermediada por Cláudio Souto,
mas sim de obras publicadas a partir da década de 1980, disseminadas espe-
cialmente pela USP, sobretudo pelo espaço bacharelesco do Largo de São Fran-
cisco. Essa recepção inicial parecia-me problemática e com um quê de colonia-
lismo cultural. Apenas se procurava repetir bem o que Luhmann dizia. Em um
primeiro momento, ainda estudante, esse caráter controverso da recepção não
me levou a uma crítica mais forte ou radical. Mas, posteriormente, minhas
objeções a essa postura estimularam meu projeto de tese de doutorado, que se
desenvolveu principalmente para apontar os limites da teoria luhmanniana
nos contextos periféricos da sociedade mundial. Durante meu doutorado na
Alemanha, entre 1987 e 1991, que concluí sob a orientação de Karl-Heinz Ladeur
(Universidade de Bremen) e coorientação de Niklas Luhmann (Universidade de
Bielefeld), foi-se tornando cada vez mais claro que aquela recepção inicial da
teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann, especialmente no que concer-
ne ao direito, era superficial, colonizada e de um ecletismo ingênuo, típico da
retórica bacharelesca. Por exemplo, juntava-se Luhmann com Hannah Arendt
sem qualquer intermediação, como se tudo que viesse de celebridades acadê-
micas pudesse ser compatível entre si.
Posteriormente, a partir da década de 2000, surgiu uma recepção da TdSS
luhmanniana mais satisfatória na América Latina. As obras de Darío Rodríguez
e Aldo Mascareño no Chile são exemplos relevantes de reflexão sobre o mode-
lo de Luhmann, sem se reduzirem a uma mera repetição ou discussão exegéti-
ca. No Brasil, apareceram trabalhos como o de Orlando Villas Bôas Filho, João
Paulo Bachur, Maurício Palma e, sobretudo, de Pablo Holmes,4 que esboçam uma
reflexão autônoma sobre a teoria luhmanniana. Em diálogo crítico com a teoria
da evolução de Luhmann, cabe citar o brilhante trabalho de Fábio Portela.5 No
entanto, no geral, sua recepção no Brasil permanece muito orientada por um
modelo bacharelesco ou exegético, no qual as disputas retóricas sobre a semân-
tica luhmanniana sobressaem, sem problematização e contextualização do
debate no contexto brasileiro e latino-americano.
S&A. Ao longo de sua destacada trajetória, que desafios, obstáculos e surpresas
enfrentou por parte de colegas e estudantes? Notou alguma mudança ao longo
do tempo? Em relação aos obstáculos, qual foi o mais difícil de enfrentar? Con-
sidera que alguns obstáculos foram facilmente superados e outros ainda não?
No seu entender, quais são os desafios que enfrentará a perspectiva de sistemas
sociais em um futuro próximo na região?
M.N. Minha trajetória acadêmica não foi linear. Além da minha estada de dou-
torado na Alemanha (1987-1991), em um determinado momento, em 1996, por
exemplo, deixei o Brasil e permaneci na Alemanha e Europa em geral por cerca
27
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
27
de sete anos, até 2003. Quando voltei, tive certa dificuldade de me reinserir na
vida universitária e acadêmica.
Foi com os alunos que tive menos dificuldades. Algumas vezes, irritava-
me quando o aluno não admitia que certas ideias e conceitos foram desenvol-
vidos por mim. Uma aluna na Faculdade de Direito do Recife foi bem sincera,
dizendo-me mais ou menos o seguinte: “Professor, eu pensei que os pares con-
ceituais de subintegração/sobreintegração e subcidadania/sobrecidadania fos-
sem de Luhmann, pois eu pensava que nós aqui não podíamos criar conceitos
e teorias. Foi você mesmo quem desenvolveu esses conceitos? Nunca podia
imaginar.”
Tive, sim, problemas com alguns colegas, principalmente quando voltei
do meu doutorado para o Brasil em 1991 e quando retornei ao Brasil em 2003.
Havia uma incompreensão da minha obra e certas maledicências resultantes
de uma mentalidade provinciana em certos espaços universitários. Com o tem-
po, também em virtude das traduções das obras tardias de Luhmann para o
português, espanhol e inglês, esse estado de coisas foi-se modificando. Não
dava mais para negar que Luhmann levou a sério minhas críticas, como se
extrai de diversas obras dele posteriores ao meu doutorado. Aquela situação
anterior esvaeceu-se e uma nova geração surgiu na década de 2010, que passou
a ter certa consideração por minha obra. Os que mantêm os comentários anti-
gos de desprezo não são hoje mais levados a sério.
Mas, ainda em finais dos anos 2000, houve situações de deboche, como
o motivo da rejeição de artigo de minha autoria por uma revista de ciências
sociais brasileira (2008). Um parecerista disse que eu não entendia bem de
Luhmnan nem de Habermas (com quem dialogava no meu texto), imputando-
me confusão sobre os conceitos desses autores (eu admitiria a rejeição por
outro motivo). É interessante que, alguns anos antes (2001), eu fora convidado
pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Johann Wolfgang Go-
ethe, em Frankfurt am Main, para ministrar, na qualidade de professor cate-
drático substituto [Vetretungsprofessor], cursos sobre a teoria dos sistemas sociais
(Luhmann) e a teoria do discurso (Habermas). Lecionei sobre esses temas du-
rante dois semestres naquela universidade, deparando-me então com um co-
mentário brincalhão de Jürgen Habermas, já aposentado, em um jantar informal
com a presença de Karl-Otto Apel e Hauke Brunkhorst: “você é o único que está
dando um curso sobre minha teoria neste semestre na universidade. Precisa
um brasileiro vir aqui para isso?” Também já havia sido convidado para publi-
car três verbetes sobre “mundo da vida”, “evolução” e sobre o debate “Habermas/
Luhmann” no Habermas-Handbuch (em português, Manual Habermas).6 E já se
destacavam com frequência citações de minha obra por Luhmann e Habermas,
assim como por membros de seus círculos teóricos na Alemanha e outros pa-
íses da Europa.7 Mas, enfim, o trabalho foi publicado em renomado periódico
alemão.8 Suponho que sua rejeição pelo parecerista resultou de que o artigo
28
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
28
não apenas repetia exegética e obedientemente esses autores, mas desenvolvia
um diálogo crítico com eles.
Um deboche mais recente em relação a minha obra marca-se por deso-
nestidade intelectual e irresponsabilidade acadêmica. Um sociólogo populista
atribuiu a minha teoria e à de Luhmann um “racismo mal disfarçado de cultu-
ralismo”, imputando-me uma teoria afirmativa de uma “singularidade” da “so-
ciedade brasileira”. Mas, como esclareci a esse respeito no posfácio à edição
brasileira de minha tese de doutorado,9 a teoria dos sistemas sociais parte de
um conceito de sociedade mundial (portanto, algo como “sociedade brasileira”
não existe) e trata de seus problemas estruturais, consistindo, de certa manei-
ra, em um modelo anticulturalista e radicalmente contrário à vinculação do
conceito de sociedade a uma determinada singularidade cultural. E há algo de
disparatado nesse sociólogo populista. Não a minha, mas sim a sua obra é
marcada por uma constante e desesperada busca da “singularidade brasileira”
e mesmo da “singularidade cultural brasileira”, como demonstrei no texto ora
citado (nota 7), ao apontar várias passagens de sua obra em que esse conceito
é motor retórico básico, assim como que a distinção entre sociedades (como
comunidades regionais ou nacionais) “avançadas” ou “atrasadas” sobressai em
seus textos. Esse tipo de populismo sociológico é nefasto porque joga na de-
turpação da obra dos outros para ganhar audiência e disseminar desinformação,
no limite das fake news, que persuade os mais desinformados, com mais difi-
culdade de estudar a fundo a obra censurada. É um desserviço à ciência e ao
debate acadêmico.
No plano institucional, no mesmo contexto, também houve obstáculos.
A seleção acadêmico-profissional com jogos de cartas marcadas levou-me a ser
preteridos em dois concursos públicos de maneira altamente controvertida.
Apesar disso, as duas teses por mim apresentadas tiveram ampla recepção
internacional e estão “andando o mundo”.10 Outro caso estranho foi minha
demissão de uma instituição universitária sem qualquer fundamento ou “jus-
ta causa”. Houve protesto internacional organizado por colegas da Alemanha
e do Brasil, assinado por figuras como Jürgen Habermas.11 Por fim, fui vencedor
em reclamação na justiça trabalhista, obtendo pagamento por danos morais e
retratação da instituição.12
Hoje, apesar de todas as dificuldades de se trabalhar na universidade
brasileira, especialmente no governo atual, trabalho com certa estabilidade e
tranquilidade na UnB.
Nesse novo contexto, tenho procurado desenvolver um trabalho em tor-
no da TdSS de uma forma heterodoxa. Acho que, na América Latina, ainda
prevalece uma postura dogmática ingênua sobre conceitos como diferenciação
funcional, autopoiese e Constituição como acoplamento estrutural, sem que
se considerem os problemas e contextos específicos com que nos deparamos.
Isso, parece-me, precisa ser mudado, mas os horizontes não são favoráveis por
29
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
29
causa da própria postura colonizada de grande parte dos cientistas sociais e
juristas no Brasil. Precisaríamos revolucionar o nosso modo de pensar e en-
frentar criticamente, sem simplesmente os negar, os “grandes” autores do Oci-
dente hegemônico.
S&A. Como observa a evolução da recepção em língua espanhola/portuguesa
da obra de Niklas Luhmann? Quais foram suas características no passado? Como
a observa na atualidade? Como projetaria essa recepção para os próximos anos?
O que distingue e o que assemelha essa recepção da obra de Luhmann em re-
lação à recepção na Alemanha (ou em língua alemã)? E qual a especificidade
dessa recepção na AmLat com relação a outros meios acadêmicos relevantes,
especialmente os de língua inglesa e francesa?
M.N. Eu remeto parte dessa pergunta à resposta que dei à primeira pergunta.
Como disse, na década de 1980, essa recepção no Brasil foi bacharelesca e su-
perficial, enfim, lastimosa. A partir dos anos 2000, surgiram trabalhos mais
interessantes que permitem falar de uma recepção com certa criatividade. Mas
ainda prevalece um estilo exegético na recepção, especialmente no Brasil. A
pergunta é tipicamente uspiana: “Quem melhor entendeu Luhmann no Brasil?”
Isso é suficiente para a maioria. Mas é desastroso para o desenvolvimento da
TdSS no Brasil.
Diferentemente, na Alemanha, há uma recepção mais reflexiva. Entre-
tanto, um dos problemas dos discípulos de Luhmann na Alemanha, incluído o
destacado Rudolf Stichweh, é que eles se apegam à primeira fase da teoria de
Luhmann, na qual o primado da diferenciação funcional na sociedade mundial
era assumido sem qualquer questionamento. Com as obras da década de 1990,
após o prefácio que Luhmann fez ao livro de minha tese de doutorado,13 há uma
relativização desse primado e do conceito de autopoiese dos sistemas sociais,
considerando que o metacódigo “inclusão/exclusão” cortaria transversalmente
todos os sistemas funcionais e códigos sistêmicos. Stichweh chega a afirmar
que Luhmann, com a introdução desse conceito, teria rejeitado o primado da
diferenciação funcional,14 o que Luhmann jamais afirmou. Este, ao contrário
de mim, insistiu sempre no “primado” no plano da sociedade mundial,15 embo-
ra admitisse seus limites e ausência no nível de “peculiaridades regionais”.16
Não considerava, porém, que aquilo tratado por ele, por assim dizer, como uma
exceção subalterna que obstaculizava a diferenciação funcional no plano “re-
gional”, constitui a maioria dos contextos de comunicação na sociedade mun-
dial, a saber, a África, a América Latina, grande parte da Ásia e, mesmo, setores
da Europa Oriental. Assim, parafraseando o próprio Luhmann, que no final do
Direito da sociedade, após citar minha obra, recua estrategicamente, para dizer
que talvez se comprove que a existência de um sistema jurídico autônomo “não
seja nada mais que uma anomalia europeia”,17, eu diria, contra os discípulos
30
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
30
ortodoxos de Luhmann na Alemanha, que o primado da diferenciação funcional
é uma “anomalia” ou exceção do Ocidente hegemônico na sociedade mundial.
Na França, a recepção de Luhmann foi prejudicada pela força não apenas
científica, mas também política, da obra de Pierre Bourdieu. Paradoxalmente,
essa obra poderia ter levado a um debate interessante com a teoria luhman-
niana, mas tal alternativa não vingou, prevalecendo a indiferença em relação
à obra de Luhmann. É claro que há figuras como Jean Clam, mas ele é antes um
filósofo do que um cientista social, estando concentrado fortemente na relação
entre Luhmann e Heidegger. André-Jean Arnaud tentou disseminar a obra de
Luhmann na França, organizando dois dossiês na Droit et Société,18 mas a reper-
cussão não foi a que seria de esperar diante da relevância da obra de Luhmann.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, apesar de haver boas traduções,
o caráter um tanto “hermético” e “complicado” dos trabalhos de Luhmann tem
prejudicado a recepção da TdSS. Cabe referência a Chris Thornhill, mas, no seu
caso, a TdSS entra intermediada pelo modelo de Carl Schmitt, que me parece
incompatível com a diferenciação luhmanniana entre política e direito. De cer-
ta maneira, a recepção da TdSS no espaço acadêmico anglo-americano foi mui-
to marcada pela obra de Gunther Teubner. Em geral, os ingleses e americanos
fazem ciências sociais com uma linguagem muito próxima da linguagem ordi-
nária do cotidiano, o que dificulta o interesse pelas traduções de Luhmann em
amplos setores acadêmicos.
S&A. Em relação à tradução, que papel ela desempenhou nos diferentes mo-
mentos de recepção da TdSS na AmLat? Que obras ainda inéditas em espanhol
e em português considera que deveriam ser traduzidas e que potenciais mu-
danças essas obras gerariam na recepção de Luhmann aqui? Que outros auto-
res e autoras deveriam ser traduzidos para enriquecer a recepção da TdSS na
nossa região?
M.N. As primeiras traduções de Luhmann no Brasil foram muito ruins. Por exem-
plo, as traduções de Sociologia do direito e de Legitimação pelo procedimento (esta
revista por um catedrático da FD/USP) são desastrosas. Não conheço as mais
recentes em português. No México e no Chile, as traduções de Javier Torres
Nafarrate e Darío Rodríguez são satisfatórias, pois se trata de trabalhos reali-
zados por especialistas na obra de Luhmann. Ainda assim, discordo de certas
opções tomadas nessas traduções. Destaque-se a tradução do código binário
do direito “Recht/Unrecht” por “direito/não direito”. “Não direito” está fora do
direito, remete ao ambiente do sistema jurídico. “Recht/Unrecht” foi traduzido
no inglês corretamente como “lawfull/unlawfull” ou como “legal/ilegal”. No por-
tuguês, preferi usar “lícito/ilícito”, considerando também o ilícito relativo como
descumprimento de prestações contratuais. “Legal/ilegal” seria mais restrito
na tradição jurídica eurocontinental, embora em traduções francesas também
31
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
31
se traduza o código binário do direito, nos termos luhmannianos, por “légal/
illégal”.19 Optei, como disse, por “lícito/ilícito” (que também foi a solução de
Alberto Febbrajo e Reinhard Schmidt em italiano: “lecito/illecito”20), a saber, “con-
forme ao direito/desconforme ao direito”, pois se trata de valoração positiva e
negativa de comportamentos no interior do sistema jurídico.21
Dentre as traduções de que sinto falta em língua portuguesa e espanho-
la, destaco a de Política da sociedade.22 Essa tradução poderia esclarecer muitos
aspectos da obra luhmanniana em relação ao Estado como centro do sistema
político regional ou territorialmente segmentado. Também contribuiria para a
compreensão da democracia levada a sério por Luhmann, sobressaindo a ideia
de que o povo fecha o sistema político.23
Parece-me que muitos outros autores deveriam ser traduzidos para o
espanhol e o português no âmbito da teoria dos sistemas. Além das obras de
Gunther Teubner, algumas delas já traduzidas, seriam relevantes, por exemplo,
as traduções dos trabalhos de Karl-Heinz Ladeur, Andreas Fischer-Lescano, Al-
fons Bora, Rudolf Stichweh, Elena Esposito e Armin Nassehi, embora haja um
número crescente de textos sendo traduzidos. No campo de diálogo com a te-
oria dos sistemas, seria importante a tradução de Hauke Brunkhorst (na socio-
logia) e de Christian Joerges (no direito).
S&A. Como o senhor observa a carreira da distinção inclusão/exclusão (e suas
relações com o par modernidade central/modernidade periférica) na recepção
dos textos de Luhmann na AmLat, um processo que centralmente passou pela
leitura de seus trabalhos (e das ressonâncias que ele produziu nos textos tardios
de Luhmann)? O senhor considera que ele contribuiu para o avanço de leituras
heterodoxas da TdSS na região?
M.N. O que apresentei na minha tese de doutorado (1991), publicada em 1992
na Alemanha, foi uma crítica à teoria de Luhmann que prevalecia até o fim da
década de 1980: relação inseparável, na sociedade moderna como sociedade
mundial, entre o primado da diferenciação funcional e o “princípio da inclusão”.
Neguei isso argumentando que, por força de processos coloniais, neocoloniais
e imperialistas no interior da sociedade moderna (mundial), houve uma bifur-
cação entre centros hegemônicos e periferias subalternas que tornava insus-
tentável a TdSS de Luhmann nos termos de então. Conforme minha teoria,
seria plausível o primado da diferenciação funcional e do princípio da inclusão
nos centros hegemônicos, mas, nas periferias subalternas, a exclusão seria
estrutural e primária, o que minaria a diferenciação funcional. É claro que não
neguei a exclusão nos centros dominantes, como alguns críticos apressados
chegaram a afirmar. A exclusão nos centros seria secundária, não constituiria
uma “preferência estrutural”. Ao contrário do que imputou equivocadamente
à minha obra outro crítico, ‘modernidade periférica/modernidade central’ não
32
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
32
é uma dicotomia ontológica baseada em um conceito essencialista de região.
Trata-se, conforme o gosto, de algo próximo a um “tipo ideal” no sentido de
Max Weber, de uma “redução” nos termos de Guerreiro Ramos ou de um “es-
quematismo” conforme Luhmann. Ordena o material de conhecimento. Adver-
ti que não há pura periferia nem puro centro na realidade. Pode-se falar até de
semiperiferias. Além do mais, considerei a contingência do conceito ao me
referir a tendências paradoxais à periferização do centro.24 Recentemente, nos
meus novos estudos sobre “transdemocracia”, tenho enfatizado que o “lixo” da
exclusão jogado dos centros nas periferias por meio do colonialismo, neocolo-
nialismo e imperialismo tende a retornar sem qualquer reciclagem, apontando
especialmente para o drama dos refugiados e a tragédia do chamado “terroris-
mo”.25 Enfim, a distinção conceitual modernidade central/modernidade perifé-
rica pode até perder o seu sentido de diferença na sociedade mundial em um
futuro não remoto, mas isso pode significar que a exclusão estrutural se es-
praiará, além de fronteiras e sem distinção, por toda a sociedade mundial.
A esse respeito, minha obra não teve uma recepção que me pareça ade-
quada no Brasil e na América Latina. Houve, em parte, má compreensão e de-
turpação. A recepção que houve foi difusa, tendo ocorrido principalmente no
âmbito acadêmico do direito. Quanto à sociologia brasileira, o fechamento em
discussões sobre teorias europeias ou norte-americanas, de um lado, e a busca
de uma singularidade da “sociedade brasileira”, de outro, torna minha obra não
interessante, embora ela seja mais sociológica do que jurídica. Na América
Latina, exceções são Darío Rodríguez e Javier Torres Nafarrate, sociólogos que
compreenderam e levaram a sério a minha obra, fazendo uma avaliação que
me parece justa academicamente.26 Não gostaria de esquecer a contribuição de
Pedro Henrique Ribeiro sobre a relação entre o meu modelo e o de Luhmann,
discutindo “como a ‘condição periférica’ da América Latina impulsionou des-
locamentos na teoria dos sistemas”.27 As críticas, ao contrário, têm sido, em
regra, equivocadas e até mesmo desonestas, constituindo uma exceção a re-
cepção crítica por Aldo Mascareño,28 que merece consideração e respostas aca-
demicamente respeitosas; por exemplo: deve-se ter cuidado com a afirmação
de que eu teria sustentado “que na América Latina não haveria, de fato, dife-
renciação funcional”, pois, no próprio texto que ele citou de minha autoria para
embasar sua assertiva, eu apenas afirmava que não houve “uma adequada rea-
lização da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciação
funcional” em contraponto à ideia de Luhmann de “plena” realização da dife-
renciação funcional,29 ou seja, como em toda a minha obra, somente estava a
argumentar que não prevaleceu o primado da diferenciação funcional na mo-
dernidade periférica.30
33
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
33
Acerca das propostas da teoria dos sistemas para a
sociologia da América Latina
S&A. Qual é, no seu entender, a contribuição que a perspectiva dos sistemas
sociais poderia oferecer à sociologia da AmLat, entendida como a sociologia
que não apenas se dedica a estudar a região, mas igualmente a sociologia nela
produzida?
M.N. A teoria dos sistemas sociais oferece algo muito relevante para o pensa-
mento social, a saber, o seu artefato teórico básico apropriado à hipercomple-
xidade e hipercontingência da sociedade mundial hodierna, assim como à du-
pla contingência como catalisadora dos sistemas sociais. A sociologia domi-
nante na América Latina, especialmente no Brasil, ainda parte de modelos que
supõem o conceito de sociedade regional ou nacional, na qual o sistema polí-
tico seria central e apto a controlar a contingência e a complexidade da socie-
dade. Além disso, em grande parte, ela se desenvolve a partir de um conceito
de sociedade nacional como comunidade com identidade cultural. Entretanto,
sem entrar aqui na discussão sobre o caráter problemático do conceito de cul-
tura, pode-se falar que é difícil recorrer à identidade cultural para caracterizar
a sociedade e mesmo para compreender o Estado como megaorganização po-
lítica territorial. Na sociedade mundial e também no interior de cada Estado,
há uma diversidade de culturas tanto na conexão com grupos quanto na rela-
ção com os sistemas sociais. A teoria dos sistemas sociais afasta-se desse mo-
delo corrente na sociologia latino-americana e brasileira e abre um campo mais
complexo para a teoria social, que, sem dúvida, leva a muitas desilusões ali-
mentadas pelos modelos sociológicos mais simples do main stream.
S&A. Diante do atual leque de pontos de vista de investigação sobre a AmLat,
considerando tanto as perspectivas mais consolidadas quanto as mais recentes
(como, por exemplo, os vieses pós-coloniais e suas variantes), o senhor acredi-
ta que é factível um diálogo entre a TdSS e essas outras perspectivas que en-
focam espacialmente fenômenos regionais? Dialogar, por certo, não significa
aqui estabelecer consensos, e sim elaborar uma agenda de temas comuns e
aprofundar conjuntamente sua problematização. Em caso afirmativo, quais
seriam, no seu entender, os eixos comuns mais produtivos para esse diálogo?
Em caso negativo, quais seriam as razões para a impossibilidade de elaborar
uma agenda comum?
M.N. Em primeiro lugar, cabe esclarecer que há vários pós-colonialismos no âm-
bito dos estudos sociais. Em sua dissertação, Maria Eduarda Dantas procurou
criativamente classificar minha teoria como uma variante dos modelos pós-co-
loniais ou descoloniais.31 Sem dúvida, há afinidades. Porém, um dos aspectos
34
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
34
que me afasta de muitas perspectivas pós-coloniais é a ênfase na cultura e na
identidade nacional de povos. Afirma-se a luta em favor de uma identidade na-
cional ou cultural diante do colonizador opressor, não se considerando satisfato-
riamente as estruturas de dominação presentes e os conflitos no interior dos
respectivos Estados. O espaço político de cada Estado constitui uma arena de
muitas disputas não somente de natureza política em sentido estrito, mas tam-
bém de perfil cultural e epistemológico. Não há uma cultura ou uma identidade
nacional brasileira, indiana, estadunidense, francesa etc. Trata-se de uma ideo-
logia simplificadora. A identidade brasileira estaria nos malufistas ou nos seto-
res do MST? A teoria tem de desvelar a complexidade da sociedade mediante
reflexão, ao contrário da ideologia, que simplifica a realidade para possibilitar a
ação. Há interdependência: a teoria sem ideologia é paralisante, a ideologia sem
teoria é inconsequente e rasteira. Parece-me, porém, que no pós-colonialismo
identitário, que despreza, por exemplo, os direitos humanos em virtude da ori-
gem (europeia!) deles, a dimensão teórica perde o seu significado. Seria o mesmo
que dizer que o futebol não deveria interessar aos brasileiros porque a sua ori-
gem é britânica. Entretanto, assim como o futebol, os direitos humanos perten-
cem à sociedade mundial, envolvendo mesmo aqueles que os rejeitam.
Não obstante, há autores pós-coloniais que não se vinculam ao identi-
tarismo cultural, mas apontam para críticas contundentes a questões estrutu-
rais de imposição de modelos políticos e jurídicos dos centros hegemônicos
nas periferias subalternas. Um exemplo que permite um diálogo com a TdSS
na minha versão é a obra de Partha Chatterjee. O subtítulo de um dos seus livros
é sugestivo: “Reflexões sobre política popular na maioria do mundo”.32 Na lin-
guagem da TdSS, o que ele propõe é uma teoria política para a maior parte dos
contextos comunicacionais da sociedade mundial. O que proponho na minha
obra é, similarmente, uma teoria social (relacionada, principalmente, aos sis-
temas jurídico e político) para a maior parte da sociedade mundial, sem negar
que tal situação é inseparável dos centros hegemônicos, parte minoritária des-
sa sociedade. No modelo do primado da diferenciação funcional e do princípio
da inclusão, sustentado por Luhmann, sobretudo na fase anterior à minha tese
de doutorado, e mantido incólume por discípulos destacados como Rudolf Sti-
chweh, a teoria social parte da reflexão de contextos minoritários da sociedade
mundial (“uma anomalia europeia”?!) e pretende estender essas reflexões a
essa sociedade como um todo. Partha Chatterjee, nesse particular, está próximo
de mim, especialmente quando estabelece a distinção entre sociedade civil (eu
diria, dos incluídos) e “população governada” (eu diria, dos excluídos) tratada
como objeto na experiência do que chamo de países periféricos. Pablo Holmes
tem apontado em seus estudos para essa proximidade entre minha obra e a de
Partha Chatterjee.33 É claro que há diferenças, sobretudo no que diz respeito
aos pressupostos teóricos e ao contexto social que serve de ponto de partida
para as teorias: no meu caso, o Brasil; no de Chatterjee, a Índia. Mas o diálogo
35
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
35
é possível na busca de reflexões mais robustas sobre as assimetrias gritantes
na sociedade mundial.
S&A. A TdSS possui uma ambição de generalidade teórica que, à primeira vista,
se colocaria acima das experiências históricas específicas. Contudo, como se
sabe, há uma longa tradição teórica, na AmLat, que propõe justamente que a
tensão entre teoria e história seria decisiva para a criatividade teórica na região.
Como a TdSS ajudaria a recolocar esse problema?
M.N. A TdSS de Niklas Luhmann é uma teoria geral do social, ou melhor, uma
metateoria da sociedade. Ela não pode dar conta por si só de abordagens his-
tóricas mais particulares. Entretanto, o seu artefato conceitual, trabalhado de
forma reflexiva e sem dogmatismo, pode servir para pesquisas históricas mais
específicas. Uma das minhas orientandas de doutorado, Nathaly Mancilla Ór-
denes, está trabalhando interessantemente sobre a regulação do distrito de
Diamantina no século XVIII a partir do conceito de diferenciação funcional do
direito. Por sua vez, Gilberto Pedrosa, em doutorado na Universidade de Frank-
furt am Main e no Instituto Max Planck de História do Direito Europeu, sob a
orientação de Thomas Duve, vem desenvolvendo tese pioneira sobre a “Globa-
lização precoce e o status jurídico do trabalho forçado”, considerando, à luz do
conceito de sociedade mundial, a atuação econômica desdiferenciante da Com-
panhia das Índias Ocidentais durante seu domínio territorial do Nordeste e
Norte brasileiros no século XVII. Já na sociologia do direito, Edvaldo Moita, sob
minha orientação e a de Alfons Bora, em regime de cotutela entre a UnB (direi-
to) e a Universidade de Bielefeld (sociologia), está concluindo promissora tese
de doutorado sobre o trabalho de vendedores ambulantes na cidade de Forta-
leza, em que problematiza, com base em vasto material empírico, modelos
simplistas de diferenciação funcional do direito. Nada impede que modelos
teóricos abstratos alimentem pesquisas empíricas mais concretas, que, por sua
vez, podem não apenas retroalimentar a teoria, mas também levá-la à neces-
sidade de fazer revisões. Isso ocorreu, por exemplo, na metateoria luhmannia-
na em face de minha tese de doutorado, que, embora não seja histórica, mas
jurídico-sociológica e com pretensão teórica mais abrangente, levou à neces-
sidade de revisão do modelo sistêmico dos anos 1980, como reconheceu Luh-
mann expressamente em seu prefácio ao meu livro decorrente do doutorado:
Isso [a intepretação sociológica de Neves] remete a problemas para os quais nem
a teoria marxista de classes, ou de proveniência pós-marxista, nem a concepção
usual de diferenciação funcional da sociedade sabem dar uma resposta. Essas
teorias são, por isso, refutadas? Mas como, senão por outra teoria?
Talvez a constelação de fatos aqui esboçada já permita perceber que outras dis-
tinções se sobrepõem às teorias de nossa tradição, construídas de maneira de-
masiadamente simples.34
36
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
36
Sobre o conceito de região da sociedade mundial
S&A. O senhor considera que a AmLat poderia ser tratada como uma região da
sociedade mundial? Qual seria o nível operativo do conceito de região nas re-
lações com os sistemas funcionais e em relação ao conceito de sociedade mun-
dial? Dada a importância da diferenciação segmentária de Estados nacionais
nos quadros do sistema político mundial, como deveriam ser tratados os Esta-
dos nacionais a partir de uma perspectiva sistêmica para a AmLat?
M.N. Não há um conceito de região tout court na teoria luhmanniana. Não há
como diferenciar uma região sem mais como sistema. Quando Luhmann fala
em regiões ele está se referindo a territórios delimitados como base geográfica
de sistemas políticos segmentados espacialmente na forma de Estados. O Bra-
sil, como qualquer outro Estado, é o centro de um sistema político segmentado
regionalmente (ou territorialmente) na sociedade mundial. Regiões em um sen-
tido mais amplo como América Latina, Europa Ocidental e África Subsaariana
só são consideradas relevantes para a teoria dos sistemas enquanto englobem
unidades políticas territoriais semelhantes quanto à formação histórica e ao
contexto social. Em Luhmann, a geografia não é tão importante, como bem
arguiu Rudolf Stichweh, apontando para uma “necessidade de correção”.35 En-
tretanto, a segmentação política em territórios ou regiões do globo terrestre é
muito relevante para o modelo luhmanniano.
Daí por que não se deve desconsiderar o papel relevante das megaorga-
nizações territoriais chamadas “Estados” no âmbito da teoria dos sistemas so-
ciais. Certo, há uma ênfase na diferenciação funcional, mas a segmentação
territorial em Estados é transversal aos sistemas funcionais e pode ter efeitos
tanto positivos quanto negativos no desempenho dos sistemas funcionais da
sociedade mundial. A TdSS luhmanniana não se empolga com a linguagem do
“fim do Estado”. Por exemplo, a relevância e os efeitos danosos dos EUA para
inclusão e os direitos humanos na sociedade mundial foram expressamente
salientados por Luhmann.36 E quem pode negar, senão um dogmático, o quan-
to a ação estatal pode impactar os sistemas funcionais no plano global e regio-
nal. E, ao contrário dos modelos de soft law, que enfatizam a transnacionalida-
de do direito, o hard law e a hard policy dos Estados ainda impactam primordial-
mente os sistemas jurídico e político, mas também as condições de reprodução
de outros sistemas sociais não segmentados territorialmente.
S&A. Por que o conceito de “alopoiese” permitiria/habilitaria uma melhor iden-
tificação de regiões que o conceito de autopoiese? É possível identificar pro-
cessos alopoiéticos em outras regiões, especialmente nas regiões habitualmen-
te associadas ao “primeiro mundo”? Haveria alopoiese, por exemplo, nos siste-
mas funcionais da ciência, da arte, dos esportes? O conceito de alopoiese per-
37
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
37
mitiria articulações com o conceito de classe social? Com quais variantes
deste último o senhor considera que teria mais afinidade e com quais teria
menos afinidade?
M.N. O próprio Luhmann admitiu com base em minha obra que, no caso de
“corrupção extrema” no sentido sistêmico, surge uma situação em que não cabe
mais falar de “fechamento autopoiético” do direito.37 Só há autopoiese porque
podem ocorrer fatores alopoiéticos. Luhmann chega a afirmar que a sabotagem
de código ou corrupção no sentido sistêmico seria um “problema moral” na
sociedade mundial, mas ele afirma que se trata de uma “patologia”38 (ironica-
mente, afirmei que, na modernidade periférica, seria uma “patologia da nor-
malidade”, utilizando uma expressão de Erich From em relação à psicanálise
da sociedade contemporânea39). Além disso, como já considerado acima, ele
reduz a alopoiese a “peculiaridades regionais”, como se fosse algo excepcional,
embora se contradiga quando se refere a “uma anomalia europeia” em relação
à autopoiese do sistema jurídico. Na verdade, eu tratei de processos alopoiéti-
cos do direito na periferia como marca estrutural. É claro que sempre há sabo-
tagem de código ou corrupção em sentido sistêmico, inclusive na modernidade
central (no que vocês chamam “primeiro mundo”). O que eu disse é que os
processos alopoiéticos do direito estatal, segmentado territorialmente, decor-
rentes de injunções bloqueantes da política, da economia e das boas relações,
eram estruturais, implicando uma tendência à generalização com apoio dos
próprios agentes estatais vinculados à aplicação e à execução do direito como
o judiciário e a polícia. Em outras palavras, autopoiese do direito é o funciona-
mento efetivo do Estado de direito ou do rule of law. É claro que na Dinamarca,
na Alemanha e principalmente nos EUA há quebras das regras do jogo jurídico,
mas elas são eventuais ou estruturais setorizadas, não quebrando a autonomia
do sistema jurídico como um todo. Nas condições de reprodução periférica, essa
situação tem tendências à generalização na relação entre a megaorganização
Estado e os particularismos advindos de uma sociedade civil excludente. Daí
por que eu relacionei a alopoiese do sistema jurídico às formas assimétricas
de exclusão “por baixo” e “por cima”, nos termos dos pares conceituais “so-
breintegração/subintegração” e “sobrecidadania/subcidandania”40. Mas sempre
admiti que a prevalência eventual de tendências à paradoxal periferização dos
centros pode tornar irrelevante essa distinção entre primado da autopoiese nos
centros hegemônicos e primado da alopoiese nas periferias subalternas.
Quanto à arte, ciência e esportes, a situação é mais problemática. Como
não são sistemas diferenciados segmentariamente em territórios, seria difícil
definir com precisão o que seria o primado de processos autopoiéticos nos
centros hegemônicos e o primado da alopoiese nas periferias subalternas. Se-
riam necessárias pesquisas mais específicas. O caminho que vislumbro é o da
relação desses sistemas com o sistema político no plano estatal: em que me-
38
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
38
dida a política científica, artística e esportiva pode impactar a autonomia da
ciência, da arte e dos esportes de forma mais marcante na modernidade peri-
férica? Mas também caberia considerar a relação desses sistemas com o direi-
to estatal: em que medida a carência da liberdade artística, científica e espor-
tiva pode impactar a autonomia da arte, da ciência e dos esportes nas periferias
subalternas? É claro que essas questões exigem pesquisas mais aguçadas sobre
os níveis de diferenciação funcional em uma sociedade mundial assimétrica.
(Mas me parece equivocado arguir, por exemplo, que a “alta qualidade” estéti-
ca da obra artística, como a de Fernando Bottero e a de Francisco Brennand, é
uma prova da autonomia da arte nas periferias subalternas. A arte clássica
grega e a romana, a arte medieval e mesmo a de povos arcaicos são, com fre-
quência, reconhecidas como de “alta qualidade” estética, mas isso não pode
levar à conclusão de que houve autonomia operacional da arte e primado da
diferenciação funcional nas respectivas sociedades.)
Com o tempo, porém, eu me afastei da diferença entre autopoiese e
alopoiese. Embora sem a rejeitar em termos absolutos, convenci-me de que são
conceitos que mais complicam do que esclarecem problemas sociais relevantes.
Hoje trabalho mais com níveis estruturais de diferenciação sistêmico-funcional
em uma sociedade mundial assimétrica. Ela vai desde uma situação de forte
falta de diferenciação − como no Burundi, onde, por exemplo, em 3 de feverei-
ro de 2018, após uma partida informal de futebol (“pelada”) entre o time da
cidade de Kiremba e o do presidente do país, Pierre Nkurunziza (Haleluya FC),
dois funcionários desse município foram presos sob acusação de “conspiração
contra o presidente” porque o seu time jogou duramente contra o time do che-
fe de Estado, alegando-se arbitrariamente que Nkurunziza fora espancado por
jogadores de Kiremba em disputas de bola (usualmente, os adversários facili-
tavam a vitória da equipe do presidente, que organizava as partidas)41 − a uma
situação de extrema diferenciação − como na Alemanha, onde o ministro-pre-
sidente de Schleswig Holstein, Uwe Barschel, em 1987, após se comprovar que
espionou seu adversário político e, portanto, violou as regras dos jogos jurídico
e político, foi sujeito à persecução jurídica, entrou em desgraça política e caiu
no desprezo moral, suicidando-se em um hotel na Suíça.42 Há um momento,
portanto, em que a diferença quantitativa é tão enorme, que cabe reconhecer
o caráter qualitativo digno de um esquematismo como centro e periferia da
sociedade mundial. Tudo isso, porém, é inseparável de problemas de exclusão
versus inclusão: onde há mais desigualdade e exclusão, os bloqueios dos siste-
mas funcionais tendem a acentuar-se; quando há mais inclusão e menos desi-
gualdade, a corrupção em sentido sistêmico tende a reduzir-se.
Nesse particular, a questão das classes sociais me parece relevante. Ao
contrário de Luhmann, entendo que a questão de classe é fundamental tanto
para alicerçar quanto para minar a diferenciação social. Para mim, o sistema
econômico mundial capitalista tem tendências desdiferenciantes, exploradoras
39
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
39
e destrutivas da democracia como “autopoiese”, do sistema político fechado
pelo povo e do Estado de direito como “autopoiese” do sistema jurídico fecha-
do pela Constituição. Há um trabalho de doutorado em andamento, de Douglas
Elmauer, sob a orientação de Andreas Fischer-Lescano, que trata dessa “reifi-
cação” dos demais sistemas sociais pela lógica do capital.
Mas há uma diferença, parece-me. O Estado democrático de direito dos
centros hegemônicos faz uma concorrência forte ao imperialismo e expansio-
nismo do sistema econômico capitalista na sua reprodução nas respectivas
regiões estatais. Nas periferias subalternas, o Estado é muito frágil para se
contrapor à força destrutiva da economia capitalista, que mina os direitos bá-
sicos e compromete inteiramente o eventual procedimento democrático.
A respeito de classe no sistema econômico capitalista, eu poderia de-
senvolver uma tese simplista e agradar muitos ideólogos com jargões marxis-
tas: nos setores de inclusão haveria “classe para si”, enquanto nos setores de
exclusão haveria apenas “classe em si”.43 Mas isso não me parece convincente
nem satisfatório no nível da reflexão. Também não considero que os excluídos
se confundem com “Lumpen” ou “Lumpenproletariado” como um “exército in-
dustrial de reserva” (no sentido ideológico negativo da tradição marxista44). Para
mim, enquanto no Estado democrático de direito dos centros hegemônicos,
onde ainda há o primado da inclusão, a luta de classes foi domesticada na
forma de conflito ou disputa trabalhista, nas periferias subalternas, onde há o
primado da exclusão, a luta de classes não foi domesticada, permanecendo
com potencial muito mais radical para pôr em xeque o próprio capitalismo em
seu caráter desdiferenciante e opressor das diversas esferas discursivas, como
arte, ciência, direito e política. Nesse sentido, há um potencial “revolucionário”
nas periferias subalternas, que está sob controle nos centros hegemônicos da
sociedade mundial.
Para concluir, gostaria de acrescentar que não se pode tratar o primado
da diferenciação funcional como uma panaceia para esclarecer todas as ques-
tões, problemas, reflexões e pesquisas no âmbito da teoria dos sistemas sociais.
Indo além de Luhmann, sem negar a noção de hipercomplexidade e hipercon-
tingência, cabe dizer que não há esse primado, mas sim, relevantemente, dife-
renciação funcional em concorrência com outras diferenciações, como a seg-
mentar (em Estados, sobretudo) e hierárquica (em classes, sobretudo), e com
outras diferenças, como exclusão/inclusão e centro/periferia da sociedade
mundial. Sem dúvida, a diferenciação funcional está sempre presente, direta
ou indiretamente, na sociedade mundial. Porém, em determinados processos,
contextos e setores da sociedade mundial, ela tem o primado, enquanto, em
outros, ela se subordina ou é minada por outras formas de diferenciação e di-
ferenças.
A esse respeito, cabe recuperar uma passagem de Luhmann sobre a pro-
priedade:
40
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
40
O esquematismo ter/não ter se torna autônomo na medida em que ele não sig-
nifique para os contextos funcionais extraeconômicos, a saber, que não trans-
firam as desigualdades de propriedade para outros subsistemas da sociedade –
portanto, que não se celebrem missas mais frequentemente para os proprietários,
que não se reservem aos proprietários melhores chances de educação, melhores
chances processuais no sistema jurídico, melhores chances de serem eleitos
para cargos políticos, melhores chances de tratamento em casos de doença etc.,
do que para os não proprietários.45
Enfim, considerando esse trecho, não seria de indagar: o pleno primado
da diferenciação funcional, com a ampla autonomia da arte, da ciência, da
política democrática, dos direitos, do sistema de saúde e dos esportes não exi-
giria uma superação do capitalismo como sistema econômico global? Portanto,
a ideia de um socialismo como sistema econômico da sociedade mundial seria
digna de consideração, embora nos termos contingentes, não essencialistas, de
um futuro aberto, insuscetível de profecia.
41
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
41
REPORTAJE A ALDO MASCAREÑO
Acerca de la trayectoria académica y la recepción de la
teoría de sistemas sociales
Sociología & Antropología. ¿Cómo tomó contacto con la obra de Luhmann?
¿Cómo observa la recepción de la Teoría de Sistemas Sociales (TdSS) o de la
perspectiva de sistemas sociales en América Latina (AmLat)? ¿Cuáles son en
su opinión los desarrollos de la TdSS más innovadores en o desde la región,
incluyendo su proprio trabajo?
Aldo Mascareño. Mi trayectoria siempre estuvo marcada por profesores direc-
tamente relacionados con Niklas Luhmann. Lamentablemente, yo no alcancé
a tener un vínculo directo con él, pues en 1997, cuando llegué a Alemania a
realizar mi doctorado, Luhmann ya no estaba públicamente disponible – segu-
ramente se encontraba dando los últimos retoques a su obra La sociedad de la
sociedad.
Mi primer contacto con el pensamiento luhmanniano fue a inicios de
los años 1990 a través de mi profesor y amigo Darío Rodríguez quien en la dé-
cada de 1980 había hecho su doctorado con Niklas Luhmann sobre la transfor-
mación neocorporativista de las organizaciones chilenas a fines de los años
1960, unos años antes del golpe militar de Pinochet. Darío Rodríguez, amplia-
mente conocido en América Latina por sus investigaciones sistémicas y sus
análisis organizacionales, fue quien me mostró por primera vez la teoría de
Luhmann. Otro profesor y amigo, Miguel Chávez, quien trabajó durante varios
años junto a Luhmann en Bielefeld, me formó en el empleo y aplicación de la
teoría de sistemas sociales a la realidad contemporánea. Con ellos, Luhmann
quedó para mí como un “libro abierto” para la búsqueda de la comprensión de
la sociedad mundial en el cambio de siglo.
En Alemania, durante mis estudios doctorales, mi profesor fue Helmut
Willke. Con él aprendí a distinguir entre la teoría de sistemas y su autor Niklas
Luhmann. Sin duda, Luhmann es un maestro para todos; de esos con quienes
uno se puede topar solo una vez en la vida. Pero su teoría es una oferta de
comunicación y, como tal, queda expuesta no para reproducirla, sino para des-
plegarla en todos los vértices que Luhmann abrió. Esa ya no era tarea de Luh-
mann, sino de todos quienes trabajamos en este ámbito intelectual. Solo ello
puede mantener a la teoría viva y en sintonía con los tiempos que corren. Creo
que este es el mensaje que Luhmann quería transmitir: no dejar que la teoría
se transformara en un clásico. Además de su conocimiento y colaboración, esta
es justamente la principal enseñanza que me legó el profesor Helmut Willke.
En América Latina, especialmente en países como Chile, Brasil, México,
Colombia, la teoría de sistemas ha tenido una muy buena recepción. A dos
42
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
42
décadas del siglo XXI, ya se cuentan tres generaciones de intelectuales que en
distintos países del continente despliegan la teoría de Luhmann: los que pri-
mero lo conocieron y estudiaron con él; mi generación que llegó posteriormen-
te a Alemania a estudiar teoría de sistemas; y la generación más joven que hoy
estudia y trabaja en el ámbito sistémico en distintos países de la región y tam-
bién en Europa.
En la generación joven de América Latina cuento fácilmente unos quin-
ce nombres entre hombres y mujeres que hoy siguen desplegando la teoría de
sistemas sociales sobre temas como la desigualdad, la inclusión/exclusión, los
problemas socioecológicos, los nuevos movimientos sociales, la educación su-
perior, los procesos sociopolíticos y constitucionales de la sociedad mundial, y
sobre sus problemas financieros, mediáticos y semánticos. Más los despliegues
en teoría general, entre otros. Es decir, gran parte del catálogo luhmanniano
está bien cubierto por las nuevas generaciones de intelectuales latinoamerica-
nos interesados en la teoría de sistemas.
En cuanto a los desarrollos más innovadores de la teoría de sistemas en
América Latina, uno debiera entender que son siempre los últimos y de los
intelectuales más jóvenes. Pero sin duda los más consolidados y visitados son
los que se relacionan con el proceso de diferenciación funcional en América
Latina. Aquí quiero mencionar al gran colega brasileño Marcelo Neves, que fue
el primero en desarrollar esta veta de análisis con su teoría de la constitución
simbólica, la modernidad periférica y la alopoiesis de sistemas como el derecho.
Esta es una teoría que se ha sostenido en el tiempo y que ha tenido innovado-
res desarrollos.
Mi propia interpretación del proceso de diferenciación funcional en Amé-
rica Latina intenta ser una respuesta a la tesis de Luhmann y Stichweh de que
la diferenciación se habría originado en Europa una única vez y desde ahí se
habría expandido al “resto del mundo”. Sostengo que si la diferenciación fun-
cional se origina en el siglo XVI − especialmente en sistemas como la religión,
la economía, la política y el derecho −, los españoles y portugueses que llegaron
a América originalmente no pueden haber traído con ellos la diferenciación
funcional. Su experiencia social en Europa no es la de la diferenciación funcio-
nal, sino la de una sociedad estratificada, monárquica y estamental, que era
muy similar – en términos de principios de diferenciación – al modelo que ya
existía en América en el período tardío de las grandes culturas amerindias,
organizadas sobre un esquema estratificado en los centros y segmentario en
relación con las periferias.
Entonces, no se puede decir simplemente que la diferenciación funcio-
nal llegó a América con la conquista. Más bien, esta se desarrolló en el encuen-
tro desigual entre americanos y europeos y, tanto en América como en Europa,
lo desplegaron en conjunto. Creo que esto es innovador, pues siempre hemos
aceptado que lo que llamamos la conquista trajo consigo una política diferen-
43
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
43
ciada, una economía diferenciada, un derecho diferenciado, cuando en realidad
la diferenciación se construyó históricamente en la relación. No es inducida;
es endógena a la relación entre americanos y europeos desde el siglo XVI en
adelante.
El corolario de esto reside en entender que en el proceso de diferencia-
ción funcional de América Latina hay tendencias históricas paradójicas: unas
que operan en dirección de la diferenciación de sistemas y otras – que he lla-
mado concéntricas – que buscan mantener el orden jerárquico de la sociedad
estamental desde la que emerge el proceso de diferenciación funcional en Amé-
rica y el mundo. Con ello se conforman redes de estratificación y reciprocidad
basadas en la interacción que capturan rendimientos funcionales emergentes.
Por esto, el concepto de desdiferenciación juega para mí un rol central, pues
tal como he tratado de entenderla, la desdiferenciación no es permanente, es
episódica: hay momentos de desdiferenciación, momentos que podríamos lla-
mar con Neves alopoiéticos. Pero sigo sosteniendo que esta no es una condici-
ón permanente del proceso de diferenciación en América entre los siglos XVI
y XXI, menos ahora que América Latina es una región de la sociedad mundial.
Otros despliegues interesantes de la teoría de Niklas Luhmann en la
región son los que muestran la relación entre el debate constitucional y los
nuevos movimientos sociales. En esto, Marcelo sigue teniendo una posición
central con su teoría del transconstitucionalismo. Dentro del ámbito sistémico
también me parecen muy innovadores los aportes de mi colega brasileño Ger-
mano Schwartz, quien en los últimos años viene desarrollando una muy fuer-
te y exhaustiva investigación sobre el rol constituyente de los nuevos movi-
mientos sociales a escala global y con especial énfasis en América Latina. El
trabajo de Germano tiene la particularidad de incluir análisis comparativos con
movimientos sociales de otras regiones, y eso permite ver a América Latina
muy vívidamente como una región más entre otras. Una región que tiene pro-
blemas similares a Europa, Medio Oriente y Asia, pero que también tiene sus
particularidades, como toda región de la sociedad mundial.
Otra área en la que la teoría de sistemas ha comenzado a realizar apor-
tes destacados en América Latina es la socioecología. Las teorías socioecológi-
cas (Folke, Scheffer, Gunderson, Holling) son tributarias de la teoría general de
sistemas complejos. Por ello, la integración con la teoría de sistemas sociales
es una cuestión de “aire de familia”. En este campo quiero destacar el ingente
y original trabajo que está desarrollando la colega chilena Anahí Urquiza, con
investigación empírica y teórica en sistemas socioecológicos. La integración
que hace de ambos universos teóricos abre nuevas perspectivas tanto para la
teoría de sistemas como para la aproximación de sistemas socioecológicos. No
se trata solamente de una expansión de lo que Luhmann sostuvo en Comunica-
ción ecológica, sino de “tomarse en serio” el medioambiente como un espacio
indisolublemente unido a la observación social, que opera en conjunto con
44
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
44
dinámicas críticas, de incubación, propagación socioambiental de efectos y
consecuencias con largos períodos de recomposición.
No quiero dejar de mencionar el ámbito de la elaboración conceptual de
la teoría de sistemas. En foros y encuentros internacionales, a menudo tengo
la impresión de que una parte no menor de los colegas europeos que trabajan
en teoría de sistemas entienden que la teorización sistémica está concluida
con el enorme despliegue que desarrolló Niklas Luhmann. Pero el hecho de que
en América Latina observemos en nuestros análisis varios elementos que no
calzan perfectamente con algunas formulaciones conceptuales de la teoría de
sistemas original, propicia para los “sistémicos latinoamericanos” una oportu-
nidad y una inclinación que no se les presenta a los colegas europeos. Esta es
pensar en términos sistémicos operaciones sociales que observamos empírica
e históricamente en nuestra región y para las cuales requerimos de reconcep-
tualizaciones. Creo que eso nos ha dado a los latinoamericanos la posibilidad
de aportar con interesantes conceptos a la teoría. Ya he mencionado las con-
tribuciones de Neves, Schwartz y Urquiza en este ámbito. También creo desta-
cable el trabajo de Pablo Holmes en cuestiones constitucionales y de governan-
ce; de Sergio Pignuoli en temas epistemológicos de teoría de sistemas; de Jorge
Galindo en modernización; de Hugo Cadenas en desigualdad; de Leandro Ro-
dríguez en circulación de conocimiento; de Patricia Herrera en derechos huma-
nos; de Artur Stamford en decisión jurídica; de Gabriela Azócar en sistemas
socioecológicos; de Antonio Brasil Jr. en a la recuperación de la tradición de
pensamiento latinoamericano que dialoga con la teoría de sistemas; y por su-
puesto, el invaluable trabajo teórico y de traducción al español de la obra de
Luhmann realizado por Javier Torres.
Vistas las cosas de este modo, la teoría de sistemas está más viva que
nunca en América Latina, tanto por la amplitud generacional de quienes tra-
bajan con ella y por la investigación empírica que llevan adelante, como por el
despliegue y actualización conceptual que resulta de ello. Me parece que es la
teoría que presenta en mayor grado una comunidad de intelectuales que no
solo trabajan bajo su influencia, sino que se conocen y comparten en distintos
espacios. La situación puede ser parecida a lo que fue el marxismo latinoame-
ricano en los años 1960. Quién lo iba a decir.
S&A. En las experiencias que ha tenido en su destacada trayectoria, ¿qué de-
safíos, qué obstáculos y qué sorpresas enfrentó de parte de colegas y de estu-
diantes? ¿Ha notado cambios al respecto a lo largo del tiempo? Dentro de los
obstáculos que encontró, ¿cuál fue el más duro que le tocó enfrentar, ¿cuál fue
el que mejor logró sortear o eludir y cuál considera que no logró vencer? A su
entender, ¿cuáles son los desafíos que afrontará la perspectiva de sistemas
sociales en un futuro cercano dentro de la región?
45
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
45
A.M. A mi juicio, el mayor obstáculo que un intelectual sistémico enfrenta en
América Latina consiste en lo profundamente arraigados que están en el mundo
intelectual y político de la región lo que Luhmann llama obstáculos epistemológicos.
En realidad, estos obstáculos no son un problema puramente conceptual. Toda la
vida social se organiza prácticamente desconociendo esto obstáculos; siendo
ciega a ellos. Es decir, fuera de la teoría de sistemas no parece haber alternativa a
pensar que la sociedad se compone de hombres, que social significa consenso
entre personas, que la sociedad son países, y que podemos observar todo esto
desde afuera sin ensuciarnos las manos. Mostrar eso a colegas y a estudiantes, y
comportarme en mi vida cotidiana intentando superar estos obstáculos, creo que
es el mayor desafío al que siempre se enfrenta un pensador sistémico.
Vivimos en una región donde desafiar estas premisas se vuelve inme-
diata e irreflexivamente un problema político. Por una parte, esto puede ser
influjo del marxismo latinoamericano y de su instalación política como “teoría
moralmente correcta”. Por otra, puede ser parte de la recepción esquemática
de la teoría de Jürgen Habermas, quien a mi juicio y junto con Hauke Brunkhorst,
son los teóricos no-sistémicos más sistémicos después de Luhmann, quienes
en todo caso se apartan de él cuando entran en modo kantiano. Pero creo tam-
bién que hay una razón práctica para esto: es la profunda desigualdad social
existente en América Latina, aquella que tanto Gino Germani como la teoría
de la dependencia, entre otros, describieron de manera magistral.
Si seguimos observando la desigualdad e injusticias en América Latina
cegados por los obstáculos epistemológicos, lo que observamos es un mundo
en el que el principal problema es que hay malas y buenas personas, que nunca
se ponen de acuerdo, que solo los gobiernos de los países latinoamericanos
tienen la responsabilidad en el estado de cosas que enfrentamos, y que la tarea
de los intelectuales es criticar lo que observan. Este es un programa intelectu-
al que ya no rinde para comprender la complejidad en la que vivimos. Superar
este gran desafío observando América Latina desde la teoría de sistemas sig-
nifica entender que el principal problema hoy no es la explotación o la falta de
consenso, sino la profunda e inmanente indiferencia de los sistemas sociales
frente a lo que acontece en cada región.
Si seguimos asumiendo que la realidad la hacen las personas, dejamos
de ver que a la autopoiesis de los sistemas sociales no le importa el destino de
las personas, sino que solo le importa que se comunique en el registro respec-
tivo. Que en tanto haya algunos que compren, los miles de excluidos no son
relevantes. Que en tanto haya algunos que participen políticamente, la desa-
fección política puede mantenerse por largo tiempo. Que en tanto existan de-
cisiones jurídicas que reproduzcan el sistema, el acceso de todos a los mismos
estándares de justicia no es un problema central para los sistemas sociales.
El principal desafío que enfrentamos hoy en América Latina y en distin-
tas regiones del mundo es la indiferencia de los sistemas. No se puede insistir
46
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
46
poco en esto. El pensamiento tradicional puede seguir apoyándose en la dis-
tinción capital/trabajo esperando que tras ella aparezcan personas moralmen-
te compelidas a llegar a consensos para evitar la explotación de otros y del
medioambiente, pero la indiferencia sistémica indica que hay lógicas evolutivas
para las cuales las miserias de las personas y los países no son un dato signi-
ficativo.
Entonces, el desafío a enfrentar de nuestra sociedad es, primero, lograr
observar estas lógicas sistémicas transnacionales y, segundo, buscar el modo
de introducir en esos sistemas formas de operación que reduzcan la indiferen-
cia del sistema. Es cierto que la crítica sirve a esto, pero es simplemente una
observación de segundo orden que, en la mayoría de los casos, apela a una
racionalidad que es rechazada por la indiferencia del sistema, lo que solo pue-
de incrementar esa crítica. Se requiere más bien de operaciones de primer
orden para superar esta indiferencia. Intervenciones contextuales, sistemas de
deliberación, negociaciones, transformaciones procedimentales, conflictos e
incluso las crisis son mecanismos más eficientes que la crítica para hacer ver
al sistema lo que no ve, y para reorientarlo desde adentro.
Para un/a teórico/a de sistemas esto tiene que ser una actitud cotidiana.
Pues es ella o él quién mejor sabe de la alta indiferencia con que funcionan los
sistemas sociales. El teórico de sistemas tiene que ser un interventor por ex-
celencia. La ceguera de los sistemas lleva, más temprano que tarde, al colapso;
los sistemas entran en un bloqueo conductual que les impide su adecuación al
entorno. Actuar sistémicamente (comunicar y operar) para sacar a los sistemas
de ese lock in es una responsabilidad que no se puede eludir. La crítica ya no es
suficiente. De lo que se trata es de transformar la indiferencia sistémica en
observación, en una systemische Aufklärung, para con ello atacar las causas mo-
dernas de la desigualdad y la injusticia.
S&A. ¿Cómo observa la evolución de la recepción en lengua española/portu-
guesa de la obra de Niklas Luhmann? ¿Cuáles fueron sus características en el
pasado? ¿Cómo la observa en la actualidad? ¿Cómo proyecta que lo será en el
futuro cercano? ¿Qué distingue y qué asemeja a esta recepción de la obra de
Luhmann respecto de la que tuvo o tiene lugar en Alemania o, en un sentido
más amplio, en lengua alemana? ¿Y cuál es su especificidad en relación con la
recepción de dicha obra en otros medios académicos relevantes, especialmen-
te en lengua inglesa y en lengua francesa?
A.M. La traducción de la obra de Luhmann al español ha jugado un rol central
en la conformación de una comunidad académica latinoamericana de teoría
de sistemas. Tuvimos la traducción de Sistemas sociales temprano, en 1991 − al
inglés fue en 1995 −, y la traducción de La sociedad de la sociedad en 2007 − al
inglés fue en 2012. También El derecho de la sociedad (2002) ha sido muy influyen-
47
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
47
te en América Latina; esto permitió el fuerte desarrollo de la sociología sisté-
mica del derecho en la región. Creo que todo esto es decisivo en el interés de
muchos académicos jóvenes – insatisfechos analíticamente con el marxismo
y con la teoría de la acción comunicativa – por aprender teoría de sistemas y
aplicarla a la región latinoamericana.
Gracias a esta obra de traducción, la teoría de sistemas es hoy un “medio
de comunicación simbólica y diabólicamente generalizado” en América Latina.
Tomo la distinción de comunicación simbólica y diabólica de La economía de la
sociedad, libro que traduje yo mismo al español en 2017. Es simbólica porque
ha logrado conformar una comunidad académica que sigue creciendo en la
región; y es diabólica porque separa a esa comunidad de otras que la observan
como no comprometida, conservadora o promotora incluso del status quo. Ya
he señalado que la crítica me parece una herramienta válida para atacar la
indiferencia de los sistemas; pero ella por sí sola es inútil, es profundamente
conservadora, pues sigue presa de los obstáculos epistemológicos y de la cre-
encia de que por criticar no se tiene responsabilidad en los problemas. La crí-
tica peca siempre de falta de autología.
Simbólica y diabólica es también la traducción de la obra de Luhmann,
pues, por un lado, la abre a una multiplicidad de interpretaciones, y por otro, las
reúne bajo el rótulo “teoría de sistemas”. Esa es justamente la riqueza de la co-
municación sistémica en América Latina: ya no es dependiente de dos o tres di-
vulgadores que tengan una interpretación más o menos ortodoxa (o heterodoxa)
de la obra. Para la libertad de interpretación − para la libertad en general − no hay
nada mejor que la contingencia de la comunicación. Hoy los libros de Luhmann
están disponibles en español para quien quiera ver las operaciones regionales por
medio de estos potentes lentes que aumentan la capacidad de observación.
El trabajo de Johannes Schmidt y André Kieserling con el Luhmanns Archiv
en Bielefeld ha sido extraordinario. En las últimas dos décadas, a partir de los
manuscritos de Luhmann han aparecido nuevos libros de su autoría, especial-
mente de sus etapas tempranas. Por ejemplo, Kontingenz und Recht (Contingen-
cia y derecho), Politische Soziologie (Sociología política), Die Politik der Gesellschaft
(La política de la sociedad), Ideenevolution (Evolución de las ideas), Macht im
System (Poder en el sistema), por nombrar algunos. Aquí hay un gran desafío
de traducción al español para las generaciones más jóvenes.
Recientemente traduje Macht im System al español. Es un libro que data
de fines de los años 1960 y en el que ya se pueden ver muchos elementos de la
posterior teoría general de Luhmann puestos en juego para analizar el medio
poder: las limitaciones del pensamiento clásico, la diferenciación entre poder,
influencia y autoridad, las dimensiones del sentido, la generalización simbóli-
ca, la reflexividad, la diferenciación y la decisión. Es un libro que seguramente
motivará varias lecturas de la actual situación política latinoamericana en di-
versos ámbitos.
48
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
48
Entre los libros clásicos de Luhmann que no han sido traducidos al es-
pañol está el volumen con Jürgen Habermas Theorie der Gesellschaft oder Sozial-
technologie? (¿Teoría de la sociedad o tecnología social?). Algunos pasajes de
este texto están en inglés, pero creo que por su relevancia no solo en el debate
Luhmann-Habermas, sino para el propio auto-esclarecimiento de la posición
luhmanniana, la traducción de esta obra es importante. Lo mismo cuenta para
Rechtssoziologie (Sociología del derecho), traducido al inglés como A sociological
theory of law, 2014. Es un libro de 1972 en el que Luhmann construye por pri-
mera vez sistemáticamente su teoría del derecho y en el que la diferencia entre
expectativas normativas y cognitivas juega un rol preponderante.
Otros autores que debieran ser traducidos al español son, sin duda, Hel-
mut Willke, Rudolf Stichweh, Elena Esposito, Urs Stäheli, Gunther Teubner, Chris
Thornhill, Poul Kjaer. Ellos ampliaron el campo temático y heurístico de la te-
oría de sistemas y lo siguen haciendo hoy. Libros clave al respecto son: Ironie
des Staates (La ironía del Estado, Willke), Die Weltgesellschaft (La sociedad mun-
dial, Stichweh), Die Konstruktion der Zeit in der zeitlosen Gegenwart (La construc-
ción del tiempo en la actualidad atemporal, Esposito), Sinnzusamenbrüche (Quie-
bres de sentido, Stäheli), Constitutional fragments (Fragmentos constitucionales,
Teubner), A sociology of transnational constitutions (Una sociología de las consti-
tuciones transnacionales, Thornhill), Constitutionalism in the global realm (Cons-
titucionalismo en el ámbito global, Kjaer).
S&A. ¿Considera que su concepto de Jung-Luhmannianer mantiene vigencia?
¿Por qué? ¿Introduciría alguna variable regional para actualizarlo o potenciar-
lo? ¿En qué ámbitos de investigación y en qué medios académicos hubo más
Jung-Luhmannianer?, y, evaluándolos de manera retrospectiva, ¿cuál es su ba-
lance acerca de esa postura hacia la obra de Luhmann y hacia los desarrollos
Luhmann inspired?
A.M. Todo lo dicho en estas páginas, y lo que creo hacer en mi vida académica,
− y algunas veces fuera de ella − es justamente buscar ser un jung Luhmannianer.
La distinción entre alt y jung Luhmannianer tenía su origen en una diferencia
que yo podía observar entre colegas y estudiantes en los años 2000, y que cap-
turaba de manera provocadora la diferencia entre alt y jung Hegelianer en el
debate marxista. Siempre me pareció un error interesarse en la teoría de Luh-
mann considerándola algo así como “una descripción de la sociedad moderna
altamente abstracta y que mantenía una posición de observación apolítica y
anormativa frente a los hechos”. Varias veces escuché esta formulación de par-
te de profesores y de parte de estudiantes, especialmente de aquellos descol-
gados del marxismo que buscaban ahora un “pensamiento del Absoluto” (Spa-
emann) con el cual renovar su idea de totalidad. Esta formulación de la teoría
49
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
49
de sistemas era también la misma que impulsaba Habermas y que hacía ver a
Luhmann simplemente como un pensador conservador del siglo XX.
Quienes veían a Luhmann de este modo eran para mi alt Luhmannianer.
La distinción no tiene que ver con una cuestión de edad, por supuesto, sino de
comprensión de la teoría de sistemas. Los jung Luhmannianer son quienes pen-
samos que esa “descripción abstracta de la sociedad moderna” es – como lo
dice Luhmann por cierto – comunicación en la sociedad. Somos quienes pen-
samos que no se puede describir la sociedad sin construirla y transformarla en
la misma descripción; quienes pensamos que la norma es un producto de la
sociedad de la cual no podemos escapar y que, por tanto, la diferencia no es
entre descripción y normatividad, sino entre descripción y contingencia, o en-
tre norma y cognición. Jung Luhmannianer somos, por tanto, quienes pensamos
que hay una política sistémica que no está prefigurada normativamente, sino
que se construye en la operación del sistema, por ella y, eventualmente, contra
ella.
Viendo las cosas de este modo, jung Luhmannianer deben sentirse todos
aquellos que asumen que la teoría de sistemas es una teoría de la diferencia,
que es autológica, y cuyo pathos último no es, por supuesto, la defensa del sis-
tema ni nada que se le parezca, sino la mantención de la apertura de posibili-
dades contingentes. Jung Luhmannianer es quien asuma que, a pesar de que
podemos describir el funcionamiento de los sistemas, no hay ningún funda-
mento en la evolución de la sociedad para que esos sistemas existan y se man-
tengan tal como están; el impulso se lo dan ellos mismos. La contingencia es
valor propio de la sociedad moderna. Un jung Luhmannianer tiene que sospechar
cada vez que la comunicación de un sistema indique que algo es necesario o
que su transformación es imposible. Ese tipo de comunicaciones es únicamen-
te una formulación del sistema para sostener su propia necesidad; la misma
que se disuelve en contingencia cuando la descripción muestra que, a falta de
fundamento, la recursión es lo que cuenta.
En honor a la contingencia, confieso que puede ser mi sesgo, pero me
parece que la mayor parte de los teóricos latinoamericanos de sistemas operan
como jung Luhmannianer. Ya hay pocos que consideren que la teoría no se com-
promete políticamente, que es solo una herramienta de descripción, o que no
tiene interés en la normatividad. Por supuesto la normatividad de la teoría de
sistemas no puede encontrarse en la vinculación con el pesado legado kantia-
no, o con un comunitarismo neoaristotélico inadecuado a la época de Twitter,
sino en la defensa de la contingencia de opciones ante los intentos sistémicos
por ocultarla tras necesidades e imposibilidades que, en último término, tienen
estatuto de invención. Esto es lo que veo en la mayor parte del pensamiento
sistémico latinoamericano. Y si esto es cierto, entonces me parece que el ba-
lance entre los alt y los jung Luhmannianer es positivo para los jóvenes.
50
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
50
Acerca de las propuestas de la teoría de sistemas para
la sociología de América Latina
S&A. ¿Cuál es, a su entender, el aporte que la perspectiva de sistemas podría
hacer a la sociología de América Latina, entendida ésta como la sociología que
se dedica a estudiar esta región, pero también como la sociología que se hace
en la región?
A.M. El aporte de la teoría de sistemas a la sociología latinoamericana ya es
claro: es la investigación de una región en términos de su proceso de diferen-
ciación funcional y de cómo ese principio de diferenciación se interpenetra con
las otras formas de diferenciación (estratificación, centro/periferia, segmenta-
ción) en la perspectiva de una sociedad mundial. Ninguna región del mundo
hoy puede ser investigada con prescindencia de la existencia de una sociedad
mundial.
De nuevo, para que quede totalmente claro, sociedad mundial es una
unidad de diferencias. En tal sentido, estudiar América Latina, o cualquier re-
gión de la sociedad mundial, es estudiar la sociedad mundial, no por el solo
hecho de que la región es parte de esa sociedad, sino porque aquello que acon-
tece históricamente en la región no es comprensible sin el análisis de sistemas
transnacionales y transregionales. Los efectos son complejos. La historia de la
región no es entendible como historia latinoamericana, sino como historia glo-
bal. Cuando la teoría de sistemas de América Latina estudia la circulación de
conocimientos, los problemas socioecológicos, las transformaciones constitu-
cionales, los procesos de diferenciación, hace un aporte a la historia y a la
sociología global.
S&A. Dentro del menú actual de perspectivas de investigación sobre América
Latina, y en vistas de las que cuentan con mayor recorrido en nuestra región
tanto como de aquellas otras más recientes, por caso la perspectiva post-colo-
nial y sus variantes ¿Considera factible el diálogo de la teoría de sistemas so-
ciales con estas u otras posturas concentradas en fenómenos regionales? Por
cierto, dialogar no significa aquí establecer consensos, sino elaborar una agen-
da de temas comunes y profundizar conjuntamente su problematización. En
caso afirmativo ¿Cuáles serían a su entender los ejes comunes más productivos
para ese diálogo? En caso negativo ¿Cuáles serían las razones de la imposibili-
dad de elaborar una agenda común?
A.M. El diálogo de la teoría de sistemas con otras teorías es siempre posible,
pero no creo que haya que desarrollar para ello una agenda común. Hay, en
todo caso, ejes que permiten ese diálogo. Por ejemplo, cuando se analizan las
relaciones entre regiones de la sociedad mundial, la teoría de la dependencia
51
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
51
o la teoría de sistemas-mundo de Wallerstein son buenas candidatas históricas
para el diálogo con la teoría de sistemas. O cuando se analizan las relaciones
que permiten el despliegue de la diferenciación funcional a nivel global, las
teorías postcoloniales y decoloniales son otras candidatas. El grupo Desigual-
dades de Sergio Costa en Berlín, la perspectiva plural de inspiración marxista
de José Mauricio Domingues y la crítica a la modernización de Kathya Araujo
me parecen muy interesantes para este vínculo, por ejemplo. O cuando quere-
mos conocer las particularidades históricas de regiones nacionales o transna-
cionales, la nueva historia de las prácticas sociopolíticas en América Latina
(Ossa, Jaksic, Gallo, Breña, Quintero, Sábato, Ternavasio, entre otros) y la histo-
ria global son aliados imprescindibles.
A mi parecer, sin embargo, tiene que haber ciertas condiciones previas
en las teorías y en los grupos que las practican para establecer este diálogo.
Primero, las teorías deben tener una aproximación interdisciplinaria a sus temas
de investigación. La teoría de sistemas es inmanentemente interdisciplinaria:
biología, sistemas complejos, historia, evolución estructural y de las ideas, te-
oría de la comunicación, sociología, son sus componentes fundamentales. En
tal sentido, la teoría de sistemas es una teoría abierta que está en muy buen
pie para emprender distintos tipos de diálogo, incluso con teorías no sociales,
como la evolución biológica, la ingeniería de sistemas complejos, las teorías
ecológicas. La pregunta es si otras teorías sociales están en condiciones de
entablar este diálogo, o si están políticamente cooptadas por alguna opción que
le atribuye a la teoría de sistemas una “intencionalidad política” determinada.
Segundo, y en relación con lo anterior, me parece que para que exista
un diálogo entre teorías, los grupos que las llevan adelante deben estar des-
provistos de cualquier forma de dogmatismo. Esta ausencia de dogmatismo no
la veo en las teorías marxistas en general, que siguen insistiendo en que la
distinción capital/trabajo es la clave interpretativa de la sociedad del siglo XXI.
Tampoco la veo en el postcolonialismo, el cual no puede salirse de la distinci-
ón entre centro opresor y periferia oprimida, ni en la aproximación haberma-
siana, que sigue pensando en que hay un mundo mejor después del consenso,
como si el universo se detuviera ahí.
Los nexos con otras teorías generales me parecen un ejercicio puramen-
te de compabilización conceptual, como el que desarrolla Armin Nassehi con
la teoría de campos de Bourdieu. Una excepción es el trabajo en la intersección
de Luhmann y Latour que ha llevado adelante Ignacio Farías en Alemania, aquí
hay aún mucho que explorar; o el de Niels Akerstrom Andersen con Luhmann
y Foucault en problemas de governance y teoría general de las organizaciones
modernas.
En mi propia experiencia de los últimos cinco años investigando proce-
sos de crisis social, me parece que quienes están más abiertos a un diálogo
interteórico − y deseosos de él − son las teorías no sociales, como la teoría de
52
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
52
sistemas dinámicos complejos o las teorías ecológicas. Estas aportan al diálo-
go un background teórico extenso y profundo que se remonta hasta la teoría de
las catástrofes de René Thom y que alcanza a la reciente teoría de las transi-
ciones críticas en sistemas complejos de Scheffer. Por otro lado, estas teorías
son universales en el sentido que se aplican también al ámbito físico y natural,
además del social, y ofrecen algo que a la teoría de sistemas de Luhmann le ha
faltado desde sus inicios: una metodología acorde con sus premisas teóricas,
basada en teoría de grafos, de modelamiento de sistemas dinámicos o de mo-
delamiento de agentes. Especialmente en una época de big data y de entrela-
zamientos cada vez más complejos entre sociedad, tecnología y mundo físico-
natural, la conexión con estas teorías y campos de análisis es central para re-
novar las aproximaciones interdisciplinarias y para expandir la teoría de sis-
temas más allá del uso de fuentes históricas y cualitativas.
En tercer lugar, otra condición para el diálogo interteórico es un reque-
rimiento que va más allá de la inclinación por una aproximación interdiscipli-
nar y la ausencia de dogmatismo en los círculos científicos con los que se
pretenda dialogar. Se trata de una condición sistémica que en América Latina
está subdesarrollada. Me refiero al financiamiento de fondos genuinamente
interdisciplinares que puedan sostener una investigación científica de este tipo
en el tiempo. Por investigación interdisciplinar no me refiero al simple diálogo
entre disciplinas afines como sociología y politología, por ejemplo. Me refiero,
más bien, a la vinculación de una socióloga de sistemas con una ingeniera de
sistemas, o de un sociólogo de sistemas con físicos, matemáticos y ecólogos.
Esto puede resolverse a nivel de temas, focos de investigación, teorías genera-
les y complementaciones metodológicas.
Para este tipo de interdisciplinariedad, que es la que a mi juicio mayores
rendimientos teóricos, metodológicos, cognitivos y aplicados reporta, las con-
diciones del sistema científico latinoamericano son subcomplejas. Aún persis-
te institucionalmente una separación entre ciencias sociales y naturales que
hace difícil dedicar fondos y tiempo a estos esfuerzos mayores. Y más aún,
subsisten criterios de evaluación unilaterales que no motivan a la investigaci-
ón interdisciplinar; fondos por disciplinas, esquemas de productividad diferen-
ciados, paneles de evaluación “interdisciplinarios” en los que cada evaluador
juzga desde su disciplina sin capacidad de observar el aporte de las demás a
un resultado emergente, exigencias de tiempos equivalentes para esfuerzos
interdisciplinares complejos y para investigaciones unidisciplinares, entre otros.
Con ello, no hay mayores incentivos al diálogo interdisciplinar serio, de largo
aliento, como todo esfuerzo científico verdadero requiere.
Solo basta imaginarse cuántos rendimientos obtendríamos de este diá-
logo de la sociología sistémica con otras áreas del conocimiento a distintos
niveles, rendimientos de alta relevancia para la governance de América Latina
y que interesan especialmente a las políticas nacionales. Primero, rendimientos
53
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
53
en conocimiento original para la producción científica global; segundo, rendi-
mientos en áreas clásicas de policy making como el desarrollo de medicamentos,
procedimientos educativos, la construcción de infraestructura básica y de se-
gunda generación, organización urbana; tercero, rendimientos en áreas hoy
cruciales como el cambio climático, sus impactos y su management en las di-
versas zonas socioecológicas de América Latina; y cuarto, rendimientos en la
preparación para enfrentar los crecientes problemas sociotécnicos en áreas
urbanas, en el ámbito del trabajo, en el de la medicina, en el de los transgénicos,
en el de las tecnologías de comunicación.
Por más que me esfuerzo, no veo a las teorías postcoloniales ni decolo-
niales aportando en esto una visión sociológica. Tampoco al marxismo, a la
teoría de la acción comunicativa o a la teoría de Bourdieu. Seguramente, sin
dejar de crear conocimiento para sus campos, prima en ellas fundamentalmen-
te la operación de segundo orden de la crítica. Y a pesar de que todas compar-
tirían la unidad de teoría y praxis, no se ensucian las manos con las operacio-
nes de primer orden de la sociedad moderna. La teoría de sistemas, en cambio,
está hecha a la medida de esta doble exigencia, como observación de segundo
orden que produce conocimiento, y como teoría de la intervención de primer
orden en los sistemas sociales de la sociedad moderna.
S&A. La TdSS se caracteriza por una pretensión de generalidad teórica que, a
primera vista, se ubica arriba de las experiencias históricas específicas. Como
se sabe, hay una larga tradición teórica en América Latina que propone que la
tensión entre teoría y historia es decisiva para la creatividad teórica en la re-
gión ¿Cómo ayudaría la TdSS a reubicar ese problema?
A.M. Cualquier teoría se ubica por sobre experiencias históricas específicas. Por
eso se trata de teorías y, especialmente, de teorías generales. Pero el problema
no es dónde se ubica la teoría, sino cómo ella es construida. Si lo es desde la
unidad o desde la diferencia.
Las teorías de la unidad son generalmente modelos que arrancan de una
premisa normativa que se da por sentada − petitio principii −, que no se pone en
discusión. La construcción de teoría en estos casos es para “demostrar” la ne-
cesidad del principio seleccionado. Ejemplos de esto son la teoría de Habermas,
cualquier forma de marxismo y de filosofía de la historia y la economía clásica,
entre otras. Las teorías de la diferencia, en cambio, parten de una diferencia a
la que subyace una paradoja, y la despliegan para mostrar justamente cómo el
mundo se esfuerza por ocultar esa paradoja mediante complejas construccio-
nes sociales históricas. El resultado es que no hay principio que fundamente
lo social, sino solo paradojas que le dan vida. La construcción de teoría en estos
casos muestra la forma en que el mundo se comporta para llenar el vacío de
su incompletitud última. Ejemplos aquí son la teoría de Jacques Derrida, la
54
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
54
transitividad latouriana, el emergentismo de Archer (cuando se lo despoja del
fundamento de la persona humana), y por cierto la teoría de sistemas de Niklas
Luhmann.
Las teorías de la unidad usan la historia para ordenarla de forma tal que
el movimiento histórico sea la constatación del principio normativo que está
en la base de la teoría. Un ejemplo de esto es la teoría de la diferenciación de
sistema y mundo de vida de Habermas. Después de reconstruir la historia de
este modo, no queda otra opción que pensar en la ética del discurso como
única solución a la “colonización del mundo de la vida”. Otros ejemplos simi-
lares en su forma son las filosofías de la historia como la kantiana, o los mo-
delos histórico-culturales como los de Spengler o Toynbee.
Las teorías de la diferencia, en cambio, arrancan de la historia y observan
cómo se despliega en ella justamente la diferencia. Esto es justamente lo que
hace Niklas Luhmann. Es cierto que Sistemas sociales es un libro de teoría ge-
neral, pero ningún otro libro de Luhmann lo es. Incluso La sociedad de la sociedad
es un libro profundamente histórico en sus cuatro subteorías: la de los medios
de comunicación − de difusión y simbólicamente generalizados −, la teoría de
la evolución, la teoría de la diferenciación y la teoría de las autodescripciones.
Me cuesta pensar en un libro de Luhmann que no sea un libro “de historia”.
Todas las monografías de sistemas sociales están plagadas de información his-
tórica original en muchos casos.
La reconstrucción de los sistemas funcionalmente diferenciados no se
hace a partir de un modelo analítico tipo AGIL, sino a partir de la historia. De
esto resulta una teoría de sistemas profundamente historizada en la que: a)
hay sistemas que se diferencian históricamente primero como la religión, la
política, y la economía; y otros que lo hacen después, como el derecho, los
medios de difusión, el arte, la ciencia; b) hay algunos sistemas que cuentan en
su núcleo con medios de comunicación simbólicamente generalizados como
el dinero en la economía y el poder en la política, y otros que no desarrollan
históricamente medios muy precisos, como el arte, la religión o la educación;
c) hay sistemas que tienen una doble codificación histórica como la economía:
primero propiedad y luego dinero, y otros que funcionan prácticamente sin
medio, justamente como los medios de difusión; d) hay sistemas que han ubi-
cado a los individuos como referencia en su centro, como la educación o la
intimidad, y otros en los que los individuos son un dato casi irrelevante en la
operación sistémica, como la economía; e) hay sistemas que históricamente se
diferencian de manera fuerte en codificación, programación y medio, como la
ciencia, y otros que operan desde sus inicios en términos de una comunicación
flotante, como la moral; f) hay semánticas que se acoplan históricamente de
un modo indisociable al sistema, como la semántica del Estado con la política
y del mercado con la economía, y otras que se acoplan de manera débil a varios,
como la semántica de la justicia. La lista se puede continuar indefinidamente.
55
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
55
¿Alguien puede pensar solo después de esto que la teoría de sistemas no es a
la vez historia?
Lo que hace Luhmann en Sistemas sociales es abstraer los resultados de
sus análisis históricos de los que ya había hecho en política, religión, ciencia,
derecho, intimidad, moral, educación, arte, economía, y de los que seguía ha-
ciendo en estos campos. Si alguien piensa que por ello la teoría de sistemas es
ahistórica es o porque leyó Sistemas sociales en diagonal, o porque simplemen-
te no es capaz de leer observaciones de segundo orden.
Este mismo modelo luhmanniano de continuo diálogo entre teoría e his-
toria es el que siguen todos los teóricos de sistemas de América Latina que he
mencionado más arriba. Si no lo hicieran, si no lo hiciéramos, no existiría algo
reconocible como una teoría de sistemas de América Latina. No existiría este
número especial ni esta entrevista. Para la teoría de sistemas es la historia de
la sociedad la que manda, no la teoría. Así sucede con las teorías de la diferencia.
Acerca del concepto de región de la sociedad mundial
S&A. ¿Considera que América Latina puede ser tratada como una región de la
sociedad mundial? ¿Cuál sería el nivel operativo del concepto de región en
relación con los sistemas funcionales y en relación con el concepto de sociedad
mundial?
A.M. Esta pregunta me parece crucial para el análisis sistémico contemporáneo.
Creo que yo mismo en mis escritos no la he podido resolver satisfactoriamen-
te. Intentaré hacerlo en esta ocasión.
Sobre la base de la inmanencia de la historia en la teoría de sistemas
que he mencionado más arriba, una primera consideración es que las regiones
tienen límites históricos de sentido. Creo que es un error entender que, por
ejemplo, la región América Latina es un espacio meramente geográfico y que
como tal − o porque tal − debe ser considerado sin más una región de la socie-
dad mundial. La denominación América Latina emerge en el siglo XX como
autodescripción en la comunicación, y cuando una autodescripción es recur-
siva en la comunicación, la comunicación de los sistemas comienza a referir a
ella en estos términos y a orientar sus operaciones según esta autodescripción.
Esto puede coincidir o no con límites geográficos, pero siempre coincidirá con
denominaciones históricas de sentido.
Si América Latina es una denominación en la comunicación a la que los
sistemas pueden referir y si esta denominación gana en redundancia, una se-
gunda consideración entonces, es que resulta difícil abstraerse en términos
operacionales de la identidad regional que se forma. Esto hace que en múltiples
comunicaciones la referencia sea América Latina. Solo a modo de ejemplo, en
56
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
56
el siglo XIX se habló de la “barbarie” americana, para diferenciarla de los modos
de vida “civilizados” que se desarrollaban en las incipientes áreas urbanas y
que reproducían estilos de vida europeos. En el siglo XX se habló del subdesar-
rollo latinoamericano (Prebisch), o de la dependencia de la región respecto de
centros europeos y americanos (Cardoso & Faletto), o de América Latina como
una zona de modernización caracterizada por asincronías y democracias con
participación limitada (Germani). En el siglo XXI se habla de un “nuevo consti-
tucionalismo latinoamericano” que parece recoger en términos constitucionales
(transconstitucionales) muchas de las exclusiones históricas presentes en la
región.
Todas estas autodescripciones de la región sin duda tuvieron y tienen
efectos en la operación de sistemas. La política buscó a tal punto la civilización
de la barbarie que el genocidio de pueblos indígenas y la eliminación de sus
tradiciones se consideró una tarea estatal nacional en varios o todos los países
de la región. La economía se orientó a tal punto a la superación del subdesar-
rollo en el siglo XX que creó, en acoplamiento con la política, uno de los pro-
gramas más ambiciosos de independencia económica regional de que se tenga
registro en la historia global: la industrialización sustitutiva de importaciones.
Y el derecho hoy, también en acoplamiento con la política, parece tener
un programa regional que busca expiar las culpas del pasado latinoamericano
incluyendo todo tipo de derechos en el nivel constitucional, como si esta infla-
ción de compromisos de valor restituyera expectativas normativas de los acto-
res muertos, y como si ella no fuese a transformarse en el futuro en una defla-
ción que llevará a la región a autoritarismos y democracias iliberales, como ya
se puede advertir en los casos de Venezuela y Bolivia. Es decir, el éxito de la
autodescripción regional América Latina efectivamente implica operaciones
en distintos sistemas sociales, con consecuencias históricas claras en lo que
ya ha acontecido, y con consecuencias futuras impredecibles en lo que está por
venir.
Una tercera consideración de América Latina como región de la sociedad
mundial tiene que ver con la confirmación sistémica de las distinciones. Amé-
rica Latina se reafirma como tal en las operaciones políticas, en cada encuen-
tro regional, en distintos foros internacionales, en cada reunión de empresarios
regionales, en sociedades científicas de distinto tipo de alcance regional (no
solo en los encuentros de intelectuales sistémicos), en operaciones religiosas
referidas a la organización de la “iglesia latinoamericana” (cualquiera sea su
denominación), en operaciones jurídicas como las de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, en operaciones económicas como las de Mercosur. En
todas estas operaciones sistémicas América Latina puede no significar exacta-
mente lo mismo, pero esa es justamente la gracia de la comunicación sistémi-
ca de sentido: que no precisa de literalidad, sino del pragmatismo de la acep-
tación − o el rechazo − de la comunicación para continuar con ella.
57
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
57
Una cuarta consideración es un argumento que tomo directamente de
Luhmann en La sociedad de la sociedad. Este se asocia a la forma en que interac-
túan los principios de diferenciación en la sociedad moderna. Sin diferencia-
ción funcional no hay posibilidad siquiera de pensar en una sociedad mundial,
pero ella tampoco es comprensible en un sentido histórico únicamente como
diferenciación funcional. Esto sería dogmatismo sistémico (alt Luhmannianer).
Los principios de segmentación centro/periferia y estratificación, se acoplan
de modos distintos. Sus formas de acoplamiento emergen y cambian históri-
camente y dan origen a la denominación y operación de regiones, en las que
no solo la región implicada se reconoce a sí misma y remite sus comunicacio-
nes, sino que es reconocida también por otras regiones en las que acontece lo
mismo de otro modo.
Luhmann argumenta esto en relación a cómo los centros de la sociedad
mundial, típicamente centros urbanos que adensan operaciones funcionales,
producen fluctuaciones a las cuales luego las periferias (incluidos otros centros)
tienen que adaptarse por medio de autoorganización. Esto genera segmentaci-
ón en regiones, por ejemplo, para locación de capitales en la economía, regiones
donde es más rentable invertir o donde determinados empleos muestran ven-
tajas comparativas; para el desarrollo de reacciones fundamentalistas a proce-
sos de secularización en la religión, como Medio Oriente; para el surgimiento
de poderes regionales ante el derrumbe de poderes mundiales, como aconteció
con la disolución de la Unión Soviética; para la especialización de la investiga-
ción científica en distintas zonas socioecológicas del globo, como acontece con
la ciencia antártica, investigación subsahárica, ciencia amazónica, investigaci-
ón astronómica en zonas de cielos claros, entre otros.
Todo ello indica que la región América Latina es una región entre otras
de la sociedad mundial. Es una distinción segmentaria con consecuencias ope-
rativas para el funcionamiento de los sistemas, tal como lo son, incluso con
mayor fuerza, los Estados nacionales.
S&A. Dada la importancia de la diferenciación segmentaria de Estados nacio-
nales en el marco del sistema político mundial ¿Cómo deberían tratarse los
Estados nacionales desde una perspectiva sistémica para América Latina?
A.M. El sistema político de la sociedad mundial opera funcionalmente por me-
dio de la codificación del poder y de la implementación de programas políticos,
pero se autoorganiza a través de la distinción segmentaria de Estados nacio-
nales y, como lo he afirmado recién, también por la distinción segmentaria de
regiones de la sociedad mundial. Aunque esta aún no alcanza el nivel de espe-
cificación político-jurídico que han logrado los Estados nacionales desde Wes-
tfalia en la región europea, desde los procesos de independencia del siglo XIX
en la región latinoamericana.
58
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
58
Este modo de funcionamiento no es distinto en América Latina. En al-
gunos momentos históricos los Estados nacionales latinoamericanos parecen
haberse encontrado en una mayor sintonía ideológica, por ejemplo, con gobier-
nos populares a fines de los años 1960 e inicios de la década de 1970; en otros
han manifestado mayor antagonismo entre ellos como en la época de gobiernos
militares; o incluso indiferencia, como en la época del auge de modelos neoli-
berales. Sin embargo, no creo que haya que medir las relaciones entre Estados
nacionales en América Latina únicamente por la ideología política de sus go-
biernos eventuales, ni por las declaraciones de amistad o antagonismo que se
expresen en la esfera pública o en foros internacionales – aunque insultarse
mutuamente es una de las pocas cosas que los gobernantes aún pueden ma-
nejar con cierta autonomía.
Los Estados nacionales operan en una relación de cooperación y com-
petencia que es típica de las regiones emergentes de la sociedad mundial. Co-
operación por medio de tratados y acuerdos internacionales y competencia a
través de los mismos. Cooperación en cuestiones económicas y de seguridad
de fronteras especialmente, y competencia por la atracción de inversiones, ac-
tividades comerciales, turismo y oportunidades de negocios. Los Estados tienen
siempre esta tensión entre autonomía e interdependencia: la autonomía con-
tribuye a su reafirmación como Estados frente a otros segmentos iguales, y la
interdependencia colabora en la formación y operación de la región. Esta es
materia preferida de politólogos y la teoría de sistemas haría bien en acercar-
se a estas investigaciones, a veces áridas, para reconstruir sistémicamente una
observación más global de los regímenes de governance de los Estados latinoa-
mericanos.
Lo que me parece más interesante de investigar desde el punto de vista
de la teoría de sistemas son las transformaciones del Estado latinoamericano
en el siglo XX. Me refiero a tres momentos particulares: el desarrollismo (po-
pulista o democráticamente guiado), el Estado burocrático autoritario (O’Donnell)
de los regímenes militares, y la versión latinoamericana del Estado mínimo en
los regímenes neoliberales. En términos de historia de la sociedad mundial
estas fases se corresponden con la crisis económica de 1929 (inicio de fase
desarrollista), con el auge de la Guerra Fría (fase burocrático-autoritaria) y con
la posterior reacción a ella (fase neoliberal).
Habla también a favor de la construcción de una región latinoamericana
el hecho de que los Estados de la zona hayan pasado por estas fases más o
menos paralelamente. En cada caso hay operaciones estructurales y semánticas
que hacen oscilar la región entre distintos atractores, y que organizan las re-
laciones de cooperación y competencia, de autonomía e interdependencia de
modos distintos.
Cabe preguntarse, por supuesto, si con la crisis del modelo neoliberal
(soluciones privadas a problemas públicos) y la expansión del denominado
59
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
59
nuevo constitucionalismo, los Estados latinoamericanos entran en una nueva
fase con particularidades operativas y semánticas compartidas. Este parece ser
el caso. Se trataría de una fase en la que en términos de sociedad mundial se
enfrenta una crisis generalizada de la democracia representativa. Una época
en la que hay más derechos a disposición de los individuos por el éxito de la
semántica de derechos humanos en la segunda mitad del siglo XX, pero tam-
bién en la que, por las mismas razones, las trasgresiones a esos derechos y el
incumplimiento de ellos (en términos de expectativas normativas) se hacen
más visibles no solo para los afectados, sino para todos quienes observan en
distintas regiones de la sociedad mundial.
El despliegue y desenlace de esto está por verse, pero desde Parsons en
adelante sabemos que los procesos inflacionarios de compromisos de valor
como los del nuevo constitucionalismo latinoamericano regularmente derivan
en deflación de los mismos y en absolutismo de valores, es decir, en la imposici-
ón de determinadas construcciones normativas por medio de mecanismos co-
ercitivos guiados desde el Estado por una política autoritaria o, al menos, ili-
beral, que limita drásticamente el pluralismo de valores. Rusia ha seguido esta
trayectoria en la actualidad. Ningún país latinoamericano alcanza aún este
nivel de “perfección”, pero Venezuela y Bolivia han hecho lo imposible por acer-
carse. Está por verse el decantamiento de la situación democrática en Brasil y
también en Chile en las próximas décadas.
S&A. Su concepto de desdiferenciación ¿es parte de la teoría o de la metodolo-
gía de la teoría de la sociedad? ¿Lo considera un concepto relativo a sistemas
o a medios? ¿Ha explorado articulaciones entre su propuesta y otras versiones
del concepto de desdiferenciación? ¿Considera factible una articulación del
concepto de desdiferenciación con el concepto de clase social, y con cuál de
las variantes de este último considera que habría más afinidad y/o con cuál
menos afinidad? ¿Considera que los fenómenos de desdiferenciación tienen
especificidades regionales, por ejemplo, estos fenómenos se dan de una mane-
ra en América Latina y de otra en diferentes regiones de la sociedad mundial?
A.M. Aunque no es empleado sistemáticamente en la construcción teórica, el
concepto de desdiferenciación es de Niklas Luhmann. En Grundrechte als Insti-
tution (Los derechos fundamentales como institución, original de 1965), Luh-
mann lo emplea para dar cuenta de la función de los derechos fundamentales.
Los derechos fundamentales constituyen una limitación a la concentración de
poder en la burocracia estatal y a los riesgos de desdiferenciación que ello impli-
ca para los otros sistemas sociales. Su función es evitar la politización (desdi-
ferenciación) de la sociedad de manera tal de proteger a los individuos para
que ellos dispongan de garantías de libertad comunicativa y suficiente moti-
vación frente a comunicaciones de otros sistemas sociales además de la polí-
60
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
60
tica. El concepto es empleado también en La sociedad de la sociedad, pero en
sentidos y argumentos marginales.
Ha sido mi pretensión − es decir, así lo he intentado − introducir el con-
cepto de desdiferenciación en el nivel de la teoría a la misma altura de los
conceptos de acoplamiento estructural e interpenetración. Para esto había que dar-
le al concepto un estatuto teórico. Mientras que el acoplamiento estructural
supone un préstamo de complejidad entre sistemas − la Constitución es el caso
prototípico −, y la interpenetración queda reservada para la relación de con-
ciencia y sociedad por medio de la comunicación, entendí la desdiferenciación
como un evento en el que la operación de un sistema utiliza elementos de la
complejidad de otro unilateralmente (una red de ellos generalmente) para re-
producir su propia complejidad, impidiendo al sistema afectado emplear esa
red de elementos en operaciones propias. Esta es una definición altamente
abstracta que tiene una base histórica.
Los sistemas más proclives a poner en movimiento eventos de desdife-
renciación son los que evolutivamente han acoplado de manera estricta ope-
ración sistémica y medio simbólico, especialmente la política y la economía.
En el primer caso se puede hablar de politización, en el segundo de monetari-
zación. Los Estados totalitarios del siglo XX, como la Alemania nazi y la Unión
Soviética, y con menor intensidad el Estado desarrollista latinoamericano, es-
pecialmente en su versión populista, y el Estado burocrático-autoritario fueron
altamente proclives a la politización de la sociedad. Establecieron criterios
políticos en la economía, en la educación, en la ciencia, en los medios, en el
arte que impidieron a estos sistemas desplegar con autonomía su propia auto-
poiesis. No es que estos sistemas no pudieran funcionar con criterios propios,
sino que debían responder a ciertos estándares (finalidades, objetivos) defini-
dos políticamente que les impedían el empleo pleno de su potencial operativo.
Estos estándares servían fundamentalmente a la reproducción de la compleji-
dad política: fijación de precios, diseño e implementación de programas edu-
cativos y científicos ideológicamente orientados, propaganda en los medios,
promoción de ideales políticos en el arte, entre otros.
La monetarización, por su parte, es propia de los ordenamientos deno-
minados neoliberales. El ejemplo extremo es el caso de Chile, donde el Estado
autoritario, como reacción a la politización de las décadas de 1960 e inicios de
1970, cede su capacidad de coordinación del orden social a las operaciones
económicas, al mercado. La desdiferenciación se produce aquí especialmente
por la monetarización de los servicios sociales, de la salud, de la educación
básica y superior, de las pensiones, del transporte, y de los servicios básicos
como agua y electricidad. Se controla con ello el acceso al sistema privado y se
indexa la calidad y oportunidad de los rendimientos al pago monetario. Nue-
vamente, no es que los sistemas funcionales no tengan capacidad de operación,
pero quedan supeditados al metacódigo privado/público, donde lo privado se
61
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
61
ejerce en relación al pago y lo público, siempre mayoritario, queda circunscrito
a operaciones de baja calidad y tiempos de espera indefinidos especialmente
en el ámbito de la salud.
No solo la política y la economía pueden mantener eventos de desdife-
renciación prolongados, otros sistemas con alta integración de codificación y
medio simbólico también pueden realizarlo. La judicialización, por ejemplo,
consiste en una inflación de las operaciones jurídicas para resolver problemas
políticos. Los Estados de bienestar europeos en particular, han experimentado
estas formas de desdiferenciación que inmovilizan las operaciones funcionales
porque el sistema jurídico no da abasto para resolver problemas que requieren
decisiones políticas o económicas autónomas. A esto se le ha llamado euroes-
clerosis.
Algo similar puede acontecer con eventos de desdiferenciación de la
ciencia sobre la política: la decisión puramente técnica de cuestiones que re-
quieren una profunda consideración política por sus consecuencias eventuales
cuenta como una desdiferenciación de operaciones políticas por parte de ope-
raciones científicas. Sin ir más lejos, las revueltas políticas de los últimos años
en Brasil, Ecuador y Chile se iniciaron por alzas en el transporte público deci-
didas por paneles o estándares técnicos que no consideraron las posibles con-
secuencias políticas. Por cierto, no basta un alza en el transporte público para
incubar una crisis, pero sí basta para desatarla cuando cae como último grano
de arena en un sistema críticamente autoorganizado.
Una de las consecuencias más relevantes de los eventos de desdiferen-
ciación es su acumulación en espacios regionales a distinto nivel. Puesto que
las desdiferenciaciones quiebran las barreras de convertibilidad entre sistemas,
es decir, impiden el funcionamiento de límites de contención a los efectos de
rebalse (límites de contención como planes de garantías explícitas de atención
en salud, disposiciones legales o constitucionales por el derecho a la educaci-
ón o pensiones dignas, prevenciones morales de trato igualitario, ideales polí-
ticos de justicia y solidaridad), ellas producen acumulaciones sistemáticas de
inclusión y exclusión frente a las que los sistemas funcionales afectados por
los procesos de desdiferenciación difícilmente pueden reaccionar.
Como lo ha anticipado Luhmann en una de sus pocas predicciones acer-
ca del futuro de la sociedad mundial, esto forma – muchas veces inadvertida-
mente, pero de modo recursivo – zonas de inclusión y zonas de exclusión a
nivel subnacional, nacional, regional y global. La operación es la misma en
todas las regiones, pero, por condiciones históricas, cada región experimenta
las acumulaciones de inclusión y exclusión de modos diversos, aunque com-
parables. En las zonas de inclusión, el acceso, calidad y oportunidad de los
rendimientos son aceptables para la mayoría de la población; en las zonas de
exclusión el acceso, calidad y oportunidad tienen lugar de forma precaria, de
modo que el rendimiento de sistemas funcionales es insuficiente para repro-
62
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
62
ducir las necesidades sociales y en muchos casos biopsicológicas de las perso-
nas. Marcelo Neves ha llamado a estos grupos subincluidos: tienen deberes,
pero no derechos.
Creo que, si algún rendimiento puede tener hoy el concepto de clase
social en conexión con el concepto de desdiferenciación en el marco de la te-
oría de sistemas sociales, es justamente en la observación de los distintos tipos
de inclusión y exclusión que la desdiferenciación de sistemas − y la indiferen-
cia de la diferenciación − produce a diversos niveles regionales. Por supuesto,
no solo en América Latina, sino en distintas regiones del globo.
La inclusión y la exclusión no son dos estados en equilibrio. Lo intere-
sante de trabajar con distinciones es que siempre se puede hacer una re-entry
de la distinción en la distinción, justamente para captar las sutilezas empíricas
y las paradojas con las que opera la diferencia entre inclusión y exclusión en
vida real. Eso abre la distinción a muchas variantes de alcance universal. Por
ejemplo: a) inclusión en la exclusión, es decir, operar en una situación de inclu-
sión dependiente de condiciones ilegítimas, como los círculos de redes de nar-
cotráfico que tienen acceso a rendimientos (inclusión) bajo condiciones ilega-
les (exclusión); b) exclusión en la inclusión, esto es tener un acceso limitado a
rendimientos frente a los cuales otros tienen un acceso mayor, por ejemplo, por
razones monetarias o en base a preferencias políticas; c) autoexclusión y autoin-
clusión, una decisión, de la mayor autonomía y reflexividad individual, de ex-
cluirse de determinados rendimientos sociales, por ejemplo, no asistir a la
iglesia, o de incluirse en ellos cuando las condiciones lo hagan aconsejable, por
ejemplo, participar de elecciones políticas en casos donde se sienta que algo
se juega; d) inclusión por riesgo e inclusión por peligro, una situación que general-
mente tiene lugar en contextos de decisiones organizacionales o de funciona-
miento de tecnologías complejas; en ellas quien toma la decisión se autoincluye
en una situación riesgosa, pero quien no participa de la decisión y es afectado
por las potenciales consecuencias queda incluido bajo condiciones de peligro
y, a la vez, excluido del proceso decisional; e) inclusión compensatoria, estas son
regularmente las transferencias y servicios del Estado a la población de meno-
res recursos para que superen la línea de pobreza; se trata de una inclusión
precaria, pero legítima que se debe distinguir de la inclusión en la exclusión;
y f) la mencionada subinclusión, es decir, la exigencia de deberes estatales, pero
sin la posibilidad de ejercer derechos de todo ciudadano; esta regularmente
ocurre en zonas de exclusión desde donde el Estado se ha retirado como pre-
sencia operativa y simbólica y ha cedido su espacio a grupos que monopolizan
el uso de la violencia (como redes de narcotráfico, delincuencia o crimen orga-
nizado).
¿Pueden ser estas distintas formas de inclusión y exclusión las “nuevas”
clases sociales de la diferenciación funcional? Si el concepto de clase social es
desprovisto de su carga semántica asociada a la distinción capital/trabajo pue-
63
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
63
de ser, pero no alcanzo a ver, seguramente por mi propia ceguera sistémica, por
qué esto habría de ser teórica, analítica, o incluso empíricamente necesario. El
concepto de clase social presupone la existencia de una sociedad estratificada
en la que el problema principal es la explotación. La distinción inclusión/ex-
clusión, por su parte, presupone la operación de sistemas funcionales transna-
cionales en un contexto de sociedad mundial, y si esto es así, entonces el pro-
blema principal ya no es la explotación, sino la indiferencia de (todos) los siste-
mas sociales en relación a qué persona se incluye o es excluida de los rendi-
mientos funcionales.
Esto no significa que las clases sociales dejen de existir por el simple
hecho de aplicar otra distinción. Pero si con esa otra distinción se observa un
problema más fundamental – el de la indiferencia de la diferenciación funcio-
nal –, es teóricamente parcial y políticamente irresponsable no advertirlo y
seguir operando como si un grupo de capitalistas organizados oprimiera a tra-
bajadores indefensos bajo las condiciones de un capitalismo salvaje del siglo
XIX. Las formas de opresión actuales son mucho más sutiles, complejas y po-
derosas que eso. Operan naturalizando necesidades e imposibilidades, es decir,
eliminando contingencia. Por cierto, las condiciones de explotación siguen
existiendo en sweatshops y constelaciones similares, especialmente, y aunque
no solo allí, en la región asiática, pero la verdadera revolución mundial eman-
cipatoria de hoy tendría que ser contra la diferenciación funcional y no contra
el capital. ¿Pero quién la haría?
En el siglo XX la indiferencia también cautivó a los trabajadores. Por muy
“poderosos” que parezcan los capitalistas y por muy “poderosos” que parezcan
los trabajadores cuando se “organizan”, el poder es un medio simbólicamente
generalizado que ni ellos ni nadie puede capturar en su totalidad, aunque, como
lo he dicho, la desdiferenciación crea las condiciones para creer que esto sería
posible.
Recebidas em 3/2/2020 | Aprovadas em 10/3/2020
64
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
64
Sergio Pignuoli Ocampo es doctor en ciencias sociales de la Universi-
dad de Buenos Aires. Actualmente se desempeña como investigador de
carrera del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
con sede en el Instituto de Investigaciones Gino Germani y como do-
cente regular de la cátedra “Niklas Luhmann y la sociología de la mo-
dernidad”. Desarrolla investigación en teoría sociológica, teoría y epis-
temología de sistemas sociales y teoría de la comunicación y es inves-
tigador responsable del PICT 2015-0071: “La tensión entre diadismo y
dualismo en las teorías sociológicas contemporáneas. Un estudio siste-
mático de los programas de Luhmann, Latour, Habermas, Schütz, Gar-
finkel, Giddens y Archer”, financiado por BID y ANPCyT.
Antonio Brasil Jr. é professor adjunto do Departamento de Sociologia e
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro. Editor de Sociologia & Antropologia.
Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE/Faperj). É autor de
Passagens para a teoria sociológica (2013).
65
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
65
NOTAS
1 A escolha da base SciELO se deveu a duplo critério. De um
lado, sua capilaridade na América Latina, incorporando
grande parte de suas revistas qualificadas; de outro, a
existência de metadados estruturados e passíveis de ma-
nipulação por meio de ferramentas computacionais. Vale
lembrar, no entanto, que essa base é seletiva em seu regi-
me de indexação e, portanto, não nos traz uma imagem
exaustiva da produção científica da região. Registre-se,
por exemplo, a ausência da Revista MAD (Revista del Magís-
ter en Análisis Sistémico Aplicado a la Sociedad), central na
reflexão sobre o programa sistêmico na América Latina.
2 Trata-se de um projeto levado a cabo por Lucas Carvalho
(UFF) e Antonio Brasil Jr. (UFRJ), cujos resultados prelimi-
nares ainda não foram publicados.
3 Sua tese foi publicada posteriormente na Alemanha: Sou-
to, Cláudio. Allgemeinste wissenschaftliche Grundlagen des
Sozialen. Wiesbaden: Franz Steiner, 1984.
4 Villas Bôas Filho, Orlando. Teoria dos sistemas e direito bra-
sileiro. São Paulo: Saraiva, 2009; Bachur, João Paulo. Às
portas do labirinto: para uma recepção crítica da teoria social
de Niklas Luhmann. São Paulo: Azougue, 2010; Palma, Mau-
rício. Technocracy and selectivity: NGOs, the UN Security Coun-
cil and Human Rights. Baden-Baden: Nomos; Holmes, Pablo.
Verfassungsevolution in der Weltgesellschaft: Differenzierungs-
probleme des Rechts und der Politik im Zeitalter der Globalen
Governance. Baden-Baden: Nomos, 2013.
5 Portela, Fábio. Constitution: the evolution of a darwinian so-
cietal structure. Baden-Baden: Nomos, 2020 [no prelo].
6 Neves, Marcelo. “Systemtheorie”; “Evolution”, “Systeme
und Lebenswelt”. In: Habermas-Handbuch. Stuttgart/Wei-
mar: Metzler, 2009, p. 61-65, 315-317, 364-376.
7 Cf., a título ilustrativo, Luhmann, Niklas. Das Recht der Ge-
sellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993, p. 25, 81, 194,
478-9, 584; Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 1997, tomo 1, p. 169; tomo 2, p. 632, 787,
806, 810; Die Politik der Gesellschaft, Frankfurt am Main: Suh-
rkamp, p. 356, 428, 458; “Inklusion und Exklusion”. In: Luh-
mann, Niklas. Soziologische Aufklärung 6. Opladen: West-
deutscher Verlag, p. 237-264 (p. 261); Habermas, Jürgen.
66
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
66
Wahrheit und Rechtfertigung: Philosophische Aufsätze. Frank-
furt am Main: Suhrkamp, 1999, p. 229 [trad. bras.: Verdade
e justificação: ensaios filosóficos, São Paulo: Loyola, 2004, p.
223]; Zur Verfassung Europas. Ein Essay. Berlin: Suhrkamp,
2011, p. 33; Müller, Friedrich. Demokratie in der Defensive,
Berlin: Duncker & Humblot, 2001, p. 28, 63, 66, 78; Wer ist
das Volk? Berlin: Duncker & Humblot, p. 44-45, 47, 50, 52
[trad. bras.: Quem é o povo? São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 88-89, 91, 95, 99]; Teubner, Gunther; Fischer-Lescano,
Andreas. Regime-Kollisionen. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
2006, p. 109; Ladeur, Karl Heinz. Der Staat gegen di Gesellschaft,
Tübingen: Mohr, 2007; Brunkhorst, Hauke. Solidarität .
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2002, p. 109, 125-127, 132,
135, 153, 155, 160, 165-166, 200; Fischer-Lescano, Andreas.
Globalverfassung. Frankfurt am Main: Velbrück Wissens-
chaft, 2005, p. 30, 50, 55, 59, 144, 273-274; Möllers, Christo-
ph. Gewaltengliederung. Tübingen: Mohr Siebeck, 2005, p. 40,
56-57; Buckel, Sonja. Subjektivierung und Kohäsion. Frankfurt
am Main: Velbrück, 2007, p. 37, 52, 62, 73, 228; Grimm, Die-
ter. “Integration durch Verfassung: Absichten und Aussich-
ten im europäischen Konstitutionalisierungsprozess”. Le-
viathan 32/4, 2004, p. 448-463 (p. 454); Peters, Anne. “Com-
pensatory constitutionalism: the function and potential of
fundamental international norms and structures”. Leiden
Journal of International Law 19, 2006, p. 579-610 (p. 608); Has-
semer, Winfried. “Das Symbolische am symbolischen Stra-
frecht”. In: Festschrift für Claus Roxin zum 70. Geburtstag am
15. Mai 2001. Org. por Bernd Schünemann. Berlin: de Gruy-
ter, 2001, p. 1001-1019 (p. 1003); Buckel, Sonja; Christensen,
Ralf; Fischer-Lescano, Andreas (orgs.). Neue Theorien des
Rechts. Stuttgart: Lucius & Lucius, 2006, p. 20-21; Brodocz,
André. Die Symbolische Dimension der Verfassung. Wiesbaden:
Westdeutscher Verlag, 2003, passim.
8 Neves, Marcelo. “Verfassung und Öffentlichkeit: Zwischen
Systemdifferenzierung, Inklusion und Anerkennung”. Der
Staat, 47, 2008, p. 477-510 [versão brasileira: “A constitui-
ção e esfera pública: entre diferenciação sistêmica, inclu-
são e reconhecimento”. In: Melo, Claudineu de; Benevides,
Maria Victoria & Bercovici, Gilberto (orgs.). Direitos huma-
nos, democracia e república: homenagem a Fábio Konder Com-
parato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 653-688; também
in: Dutra, Roberto & Bachur, João Paulo (orgs.). Dossiê Nik-
67
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
67
las Luhmann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 105-
147] [trad. ital.: “Costituzione e sfera pubblica: tra diffe-
renziazione sistemica, inclusione e riconoscimento”. So-
ciologia e politiche sociali, 14/2, 2011: Costituzioni societarie:
politica e diritto oltre lo Stato. Org. por Riccardo Prandini e
Gunther Teubner. Milano: Franco Angeli, p. 79-110].
9 Neves, Marcelo. “Posfácio à edição brasileira (2018): Cons-
titucionalismo periférico 26 anos depois”. In: Constituição
e direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e
uma intepretação do caso brasileiro. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2018, p. 367-435 (378-389).
10 Neves, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF
Marins Fontes, 2009 [trad. ingl.: Transconstitutionalism. Ox-
ford: Hart, 2013; trad. ital.: Transcostituzionalismo. Mace-
rata: Quodlibet, 2020 (no prelo)]; “Transconstitutionalism”.
Encyclopedia of the philosophy of law and social philosophy. Ber-
lin: Springer, 2018; Zwischen Themis und Leviathan: Eine Sch-
wierige Beziehung – Eine Rekonstruktion des demokratischen
Rechtsstaats in Auseinandersetzung mit Luhmann und Habermas.
Baden-Baden: Nomos, 2000 [versão brasileira: Entre Têmis
e Leviatã: uma relação difícil: o Estado democrático de direito a
partir e além de Luhmann e Habermas. 3 ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2012; 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008;
1 ed. 2006]; “From consent to dissent: the democratic cons-
titutional State beyond Habermas”. In: Ungureanu, Camil;
Günther, Klaus & Joerges, Christian (orgs.). Jürgen Habermas,
v. 2, Adelshot: Ashgate, 2011, p. 99-132.
11 Capriglione, Laura; Takahashi, Fábio. “FGV demite e cau-
sa polêmica internacional: Dispensa do professor Marce-
lo Neves leva intelectuais como Juergen Habermas a as-
sinar lista contra decisão”. Folha de S. Paulo, 12 jan. 2006.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/coti-
dian/ff1201200617.htm>; Erdelyi, Maria Fernanda. “Apoio
Internacional. Acadêmicos querem reverter demissão de
professor da FGV”. Conjur, 6 jan. 2006. Disponível em: <htt-
ps://www.conjur.com.br/2006-jan-06/academicos_rever-
ter_demissao_professor_fgv>.
12 Cf. <https://www.conjur.com.br/2013-out-08/fundacao-ge
tulio-vargas-reconhece-bom-desempenho-professor-mar-
celo-neves>.
13 Luhmann, Niklas. “Zur Einführung”. In: Neves, Marcelo.
Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moder-
68
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
68
ne: Eine theoretische Betrachtung und eine Interpretation des
Falls Brasilien. Berlin: Duncker & Humblot, 1992, p. 1-4 [trad.
bras.: “Prefácio à edição alemã”. In: Neves, Marcelo. Cons-
tituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem
teórica e uma intepretação do caso brasileiro. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2018, p. XVII-XXII].
14 Stichweh, Rudolf. “Inklusion/Exklusion, funktionale Dif-
ferenzierung und die Theorie der Weltgesellschaft”. So-
ziale Systeme: Zeitschrift für soziologische Theorie 3. Opladen:
Leske + Budrich, p. 123-136 (p. 132).
15 Cf., por exemplo, em sua obra tardia, Luhmann, Niklas.
Die Gesellschaft der Gesellschaft, tomo 2, p. 743; Das Recht
der Gesellschaft, p. 572.
16 Luhmann, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft, tomo 2,
p. 810.
17 Luhmann, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 584-586.
18 Droit et Société : Revue Internationale de Théorie du Droit et de
Sociologie Juridique, 11/12 (1989), 47 (2001).
19 Luhmann, Niklas. “Le droit comme système social” (trad.
franc. de Michel van de Kerchove]. Droit et Société, 11/12,
p. 53-66, espec. p. 56-57.
20 Niklas Luhmann. Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen
Theorie. Frankfurt: Suhrkamp, 1984, p. 510-511 [trad. ital.
de A. Febbrajo e R. Schmidt: Sistemi sociali. Fondamenti di
una teoria generale. Bologna: il Mulino, p. 579-580].
21 Luhmann, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 69.
22 Luhmann, Niklas. Die Politik der Gesellschaft. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 2000.
23 Luhmann, Niklas. Die Politik der Gesellschaft, p. 265.
24 Neves, Marcelo. Symbolische Konstitutionalisierung. Berlin:
Duncker & Humblot, 1998, p. 153-159. [versão brasileira:
A constitucionalização simbólica. 3 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2011, p. 191-200].
25 Neves, Marcelo. “From transconstitutionalism to trans-
democracy”. European Law Journal, 3/5, 2017, p. 380-394.
26 Rodríguez Mansilla, Darío & Torres Nafarrate, Javier. In-
troducción a la teoría de la sociedad de Niklas Luhmann. Ciudad
de México: Herder/Universidad Iberoamericana, p. 437ss.
27 Ribeiro, Pedro Henrique. “Luhmann ‘fora do lugar’? Como
69
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
69
a ‘condição periférica’ da América Latina impulsionou
deslocamentos na teoria dos sistemas”. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, 28/83, 2013, p. 105-123.
28 Mascareño, Aldo A. Die Moderne Lateinamerikas. Weltgesells-
chaft, Region und funktionale Differenzierung. Bielefeld: trans-
cript Verlag; p. 24, 75, 108-111, 136, 161, 175, 203, 209;
“Grenzen der Kontrolle: Institutionalisierung und Infor-
malisierung des Raums. Das Beispiel Lateinamerika”. In:
Goeke, Pascal; Lippuner, Roland & Wirths, Johannes
(orgs.). Konstruktion und Kontrolle: Zur Raumordnung sozialer
Systeme. Wiesbaden: Springer VS, 2015, p. 145-176 (p. 147-
148); Mascareño, Aldo A. & Carvajal, Fabiola. “The Diffe-
rent Faces of Inclusion and Exclusion”. Cepal Review, 116,
2015, p. 127-141 (p. 138).
29 Mascareño, Aldo. “Grenzen der Kontrolle: Institutionali-
sierung und Informalisierung des Raums. Das Beispiel La-
teinamerica”, p. 147-148 (grifo meu). Cf. Neves, Marcelo.
“Die Staaten im Zentrum und die Staaten and der Periphe-
rie: Einige Probleme mit Niklas Luhmanns Auffassung von
den Staaten der Weltgesellschaft”. Soziale Systeme: Zeitsch-
rift für Soziologische Theorie, 12/2, 2006, p. 247-273 (p. 257)
[versão brasileira: “Os Estados no(s) centro(s) e os Estados
na(s) periferia(s): alguns problemas com a concepção de
Estados da sociedade mundial em Niklas Luhmann”. Revis-
ta de Informação Legislativa, 52/206, 2015, p. 111-136 (p. 121):
“efetivação suficiente” em vez de “adäquate Realisierung”
da ed. alemã]. Na sua citação Mascareño retira as expres-
sões “realização da” [“Realisierung der”] e “sistêmica” [“Sys-
tem-“] do meu original. Para a ideia da “diferenciação fun-
cional plenamente desenvolvida” como caraterística da
sociedade moderna (mundial), cf., por exemplo, Luhmann,
Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 192.
30 Cf. também Neves, Marcelo. “Posfácio à edição brasileira
(2018): Constitucionalismo periférico 26 anos depois”, p.
368-378.
31 Dantas, Maria Eduarda. Constitucionalismo periférico e teoria
dos sistemas sociais: por uma interpretação pós-colonial da te-
se da constitucionalização simbólica. Dissertação de Mestra-
do em ciência política. IPOL/Universidade de Brasília.
32 Chatterjee, Partha. The politics of the governed. Ref lections
on popular politics in most of the world. New York: Columbia
University Press, 2004.
70
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
70
33 Holmes, Pablo. “A sociedade civil contra a população: uma
teoria crítica dos constitucionalismos brasileiros de 1988”
(inédito); Holmes, Pablo & Dantas, Maria Eduarda. “A so-
ciedade mundial desde a periferia: Sociologia constitu-
cional em Marcelo Neves” (inédito).
34 Luhmann, “Zur Einführung”, p. 3 [trad. bras.: “Prefácio à
edição alemã”, p. XXI].
35 Stichweh, Rudolf. “Evolutionary theory and the theory of
worldsSociety”. Soziale Systeme 13, 2007, p. 528-542, espec.
p. 528-529.
36 Luhmann, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 579-580.
37 Luhmann, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 81-82.
38 Luhmann, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft, tomo 2,
p. 1043.
39 Neves, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 45.
40 Neves, Marcelo. Verfassung und Positivität des Rechts in der
peripheren Moderne, p. 78-79, 94ss. [trad. bras.: Constituição
e direito na modernidade periférica, p. 109-110, 132ss.]; “Entre
subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente”.
Dados – Revista de Ciências Sociais, 37/2, 1994, p. 253-276.
41 Cf. as seguintes reportagens: <https://www.bbc.com/
sport/football/43265299>; <https://www.uol.com.br/espor-
te/futebol /ult imas-noticias/2018/03/05/presidente-do
burundi-se-irrita-em-jogo-de-futebol-e-prende-adversa-
rios.htm>;<https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_ /
id/4051899/presidente-de-pais-organiza-pelada-e-dois
jogadores-rivais-acabam-na-cadeia-por-marcarem-politi-
co-de-verdade>; <https://www.thesun.co.uk/sport/foot-
ball /5 717008/burundi-officials-jailed-after-president-
roughed-up-in-game/>; <https://face2faceafrica.com/ar-
ticle/two-buru ndi-officials-arrested-president-nkurun-
ziza-roughed-game>, acesso em 26 jan. 2020.
42 Sommer, Theo. “Die verlorene Ehre des Uwe Barschel”. Die
Zeit Online, 4 dez. 1987. Disponível em: <https://www.zeit.
de/1987/50/die-verlorene-ehre-des-uwe-barschel/kom-
plettansicht>, acesso em 24 jan. 2020.
43 Distinção que remete a Marx, Karl. Das Elend der Philosophie.
Antwort auf Proudhons Philosophie des Elends [1847]. In: Max-
Engels-Werke (MEW), v. 4. 5 ed. Berlin: Dietz Verlag, 1977,
p. 63-182 (p. 180-181) [original francês: Misère de la philo-
71
entrevistas com marcelo neves e aldo mascareño | sergio pignuoli ocampo e antonio brasil jr.
71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Elder-Vass, Dave. (2007). Luhmann and emergentism:
competing paradigms for social systems theory?. Philoso-
phy of the Social Sciences, 37/4, p. 408-432.
Leydesdorff, Loet. (2001). The challenge of scientometrics: the
development, measurement, and self-organization of scientific
communications. [sl]: Universal-Publishers.
Luhmann, Niklas. (1986). The theory of social systems
and its epistemology: reply to Danilo Zolo’s critical com-
ments. Philosophy of the Social Sciences, 16/1, p. 129-134.
Luhmann, Niklas. (1984). Soziale Systeme. Frankfurt: Suh-
rkamp.
Luhmann, Niklas. (1983). Insistence on systems theory.
Social Forces, 61/4, p. 987-998.
Moretti, Franco. (2013). Distant reading. London/New York:
Verso Books.
sophie. Réponse à la Philosophie de la misère de Proudhon. Pa-
ris: A. Franck, 1847; 3 ed. Paris: V. Giard/E. Brière, 1896, p.
242]. Advirta-se que, em Marx, não consta explicitamen-
te a expressão classe em si [Klasse an sich], mas apenas
a expressão classe para si mesma [classe pour ele-même,
Klasse für sich selbst].
44 Marx, Karl. Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte [1852].
In: Marx-Engels-Werke (MEW), v.8. Berlin: Dietz Verlag, 1960,
p. 111-207, passim; Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie,
v. I [1867]. In: Marx-Engels-Werke (MEW), v. 23. Berlin: Dietz
Verlag, 1962, espec. p. 657 ss.; Marx, Karl & Engels; Frie-
drich. Die deutsche Ideologie: Kritik der neuesten deutschen
Philosophie in ihren Repräsentanten Feuerbach, B. Bauer
und Stirner [1845-1846]. In: Marx-Engels-Werke (MEW). v. 3. 5
ed. Berlin: Dietz Verlag, 1978, p. 8-530, passim; Manifest der
Kommunistischen Partei. In: Marx-Engels -Werke (MEW), v. 4. 5
ed. Berlin: Dietz Verlag, 1977, p. 459-493, espec. p. 472.
45 Luhmann, Niklas. Rechtssystem und Rechtsdogmatik. Stutt-
gart: Kohlhammer, 1974, p. 71.
72
o cenário “pós-luhmanniano” e a américa latinaso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 15
– 72
, ja
n. –
abr
., 20
20
72
O CENÁRIO “PÓS-LUHMANNIANO” E A AMÉRICA
LATINA: ENTREVISTAS COM
MARCELO NEVES E ALDO MASCAREÑO
Resumo
Em finais de 2019, entrevistamos por e-mail os professores
Marcelo Neves e Aldo Mascareño, sugerindo-lhes um eixo
comum de perguntas sobre suas trajetórias e sobre os prin-
cipais desafios envolvidos na tarefa de aclimatar a teoria
dos sistemas sociais de Niklas Luhmann ao contexto lati-
no-americano. Além das duas entrevistas, fizemos uma su-
cinta apresentação do que denominamos cenário “pós-luh-
manniano” e do potencial da recepção latino-americana
para a renovação do legado sistêmico no presente, incluin-
do breve exploração bibliométrica de alguns padrões dessa
recepção.
THE ‘POST-LUHMANNIAN’ SCENARIO AND LATIN
AMERICA: INTERVIEWS WITH
MARCELO NEVES AND ALDO MASCAREÑO
Abstract
At the end of 2019, we interviewed by email Professors
Marcelo Neves and Aldo Mascareño, presenting them with
a similar list of questions on their intellectual trajectories
and the principal challenges involved in the task of adapt-
ing Niklas Luhmann’s social systems theory to the Latin
American context. As well as the two interviews, we pro-
vide a brief presentation of what we call the ‘post-Luh-
mannian’ scenario and the potential for its Latin American
reception to renew the systemic legacy in the present, in-
cluding a short bibliometric exploration of some of the
patterns evident in this reception.
Palavras-chave
Niklas Luhmann;
Marcelo Neves;
Aldo Mascareño;
América Latina;
teoria dos sistemas.
Keywords
Niklas Luhmann;
Marcelo Neves;
Aldo Mascareño;
Latin America;
systems theory.
ARTIGOS
INTRODUCCIÓN 1
El problema de la diferenciación funcional en América Latina ha sido visitado
con regularidad desde las teorías de la modernización (Germani, 1962; 1981).
En este marco conceptual, que en última instancia responde a una estilización
de las categorías weberianas y parsonianas relativas al surgimiento de la so-
ciedad moderna, la región de América Latina era vista, fundamentalmente, me-
diante una distinción que destacaba la completitud de los países o regiones
desarrolladas y la incompletitud latinoamericana. Se miraba una transición
evolutiva, pero se la pensaba fundamentalmente en términos unilineales. No
es que no hubiese espacio para estados intermedios o líneas alternativas de
desarrollo. Estos se presentaban en múltiples variedades: desde formaciones
híbridas, como la democracia con participación limitada, hasta variantes evo-
lutivas que coexisten en una misma temporalidad, como todo el análisis que
hacía referencia a la asincronía institucional, es decir, a expectativas y com-
portamientos que, en el marco de la teoría, correspondían a épocas distintas,
como por ejemplo el afán de lucro frente al comportamiento ritual.
El marxismo tampoco dejó de lado la diferenciación funcional en Amé-
rica Latina, aun cuando la llamó clásicamente ‘división del trabajo’, con lo cual
logró pensarla a través de una conceptualización histórica, pero no en términos
evolutivos (e.g. Mariategui, 2007). Para dicho enfoque, el problema era cómo
incluir a los “indígenas” en la división del trabajo si estos no eran ni proletarios
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
LINEAMIENTOS PARA UNA SOCIOLOGÍA EVOLUTIVA DE LA DIFERENCIACIÓN FUNCIONAL EN AMÉRICA LATINA
Hugo Cadenas l
Aldo Mascareño ll
1 Universidad de Chile, Facultad de Ciencias Sociales, Departamentos de
Antropología y de Trabajo Social, Santiago de Chile, Chile.
https://orcid.org/0000-0003-2499-2430
11 Centro de Estudios Públicos, Santiago de Chile, Chile
https://orcid.org/0000-0002-5803-863X
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1012
76
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
76
ni burgueses, ya que la teoría europea obligaba a su inserción en alguno de los
lados de la distinción. De todos modos, se los sabía explotados y sin conciencia
de clase. Se sabía también que migraban del campo a la ciudad y que ahí se
convertían en marginalizados o, si tenían suerte y lograban educarse, en alie-
nados miembros de una sociedad burguesa que nunca los consideraría propios
(Jaguaribe, 1976). Todo ello importaba para considerar las condiciones que Amé-
rica Latina ofrecía para la revolución. Parecía que el pueblo estaba enfrentado
consigo mismo y había que unirlo; las razas estaban desencontradas (Ribeiro,
2008); la situación de explotación era demasiado moderna para quienes la vi-
venciaban por medio del ritual en vez de por la división del trabajo. En este
sentido, el marxismo fue más bien inofensivo. La única experiencia de unión
exitosa fue la chilena entre los años 1970 y 1973, pero esta tuvo lugar bajo
condiciones de ascenso de clases bajas, producto de una legislación social am-
pliada con condiciones estructurales y políticas relativamente estables, las
mismas que hicieron fracasar el proyecto con el golpe militar de 1973.
De manera subsidiaria a la teoría de la modernización y al marxismo, la
teoría de la dependencia representó una variante progresista. Tampoco podía
llegar a extremos, porque su marco institucional eran las Naciones Unidas – a
través de Cepal – y ya se veían los límites del marxismo en América Latina con
el populismo brasileño y argentino. El análisis de Fernando Henrique Cardoso y
Enzo Faleto (1990) reconocía el aporte de las teorías de la modernización, pero
las consideraba incompletas por la falta de “componente histórico”, con el que
se entendía un concepto marxista de historia, una especie de filosofía de la
historia que enfatizaba el rol de actores sociales y relaciones clásicas de poder
como causalidad entre ellos: alguien detenta el poder y lo emplea frente a otro
que no lo tiene, o lo tiene en menor medida, para conseguir sus propios intere-
ses. Con esta teoría del poder de fondo, la teoría de la dependencia pretendía
explicar las desigualdades y la dependencia entre centros europeos y america-
nos y la periferia latinoamericana. Es decir, América Latina se encontraba en
una posición subordinada a los centros mundiales, básicamente, “porque tenía
menos poder”. Con ello se producía una explicación de tipo circular: la periferia
era dependiente de los centros porque los centros la dominaban. De ello sacaban
consecuencias que no dejaban de ser sugestivas y empíricamente fundadas, co-
mo la reproducción de la distinción centro/periferia al interior de las periferias,
o como los límites de la autonomía en términos de conocimiento y tecnología
que hacían fracasar la industrialización de la periferia. Sin embargo, la teoría
estaba impedida de un acercamiento evolutivo o histórico que no significara
historia en el sentido marxista del término: actores en disputa anclados en re-
laciones de producción, orientación a una finalidad, asimetrías de poder y sub-
valoración moral de todo lo que no se leyera bajo estas categorías.
El cuarto momento de las teorías latinoamericanas, uno que ha perdu-
rado hasta la actualidad en distintas formas, es el de las teorías culturalistas
77
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
77
de la identidad. De estas hay para todos los gustos y bolsillos. Aquí la diferen-
ciación funcional y la evolución de la sociedad moderna se pierden en la alie-
nación, mientras la identidad adquiere un núcleo categorial fundamental e
inamovible desde la conquista (Morandé, 1987), o queda oculta como estructura
sobre la que se sustenta un desarrollo económico y modernidad epitelial, don-
de la identidad – de todos modos móvil – mueve la agencia en un sentido u otro
(Larraín, 2004), o permanece como imposición colonial que produce una herida
epistemológica, obligando a “volver a las raíces” para poder ser cerrada (Mig-
nolo, 2005).
Cada una de estas versiones tiene derivados. Las teorías de la moderni-
zación como alienación creen que se puede pensar a América Latina como fun-
cionalmente diferenciada, pero lo hacen en los términos europeos, sin apropia-
ción histórica del proceso y sin realmente pensarlo evolutivamente. Por otro
lado, creen que se puede hablar de la diferenciación de sistemas en América
Latina y al mismo tiempo mantener a la persona y la familia como núcleo irre-
ductible de la sociedad, en el modo del catolicismo más ingenuo (Valenzuela &
Cousiño, 2015). Las teorías del desarrollo, en tanto, han pasado de los obstáculos
estructurales al desarrollo económico (Fajnzylber, 1983; Véliz, 1970), al desarro-
llo humano, y a diagnosticar – nuevamente con la convicción tibia de las Nacio-
nes Unidas – un malestar en la sociedad (PNUD, 1998). Por su parte, el poscolo-
nialismo y el decolonialismo se han transformado en el reducto de un marxismo
epistemológico (Grosfoguel, 2007) cargado de nativismo metodológico, al que
Marx seguramente habría catalogado de socialismo utópico.
De manera alternativa a la mayoría de estas teorías, en este artículo nos
interesa combinar dos elementos que generalmente han estado ausentes en
las interpretaciones de la región latinoamericana del siglo XX antes mencio-
nadas. Por un lado, un componente evolutivo e histórico entendido en el sen-
tido de prácticas que producen eventos, cuya concatenación asociativa en tér-
minos de redes complejas puede conducir a transformaciones evolutivas o
transiciones históricas (Sewell, 2005; Pombeni, 2016) y, por otro, un sentido
sociológico sustentado en el principio de la diferenciación funcional como for-
ma de organización social predominante en el actual momento evolutivo de la
sociedad mundial (Luhmann, 2012). En este sentido, buscamos ofrecer linea-
mientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en la región
latinoamericana. En este sentido, nos alineamos con esfuerzos desarrollados
previamente en el marco de una teoría sistémica de América Latina (Neves,
1992; Mascareño, 2010, 2012; Cadenas, 2012a, 2012b). Nuestra hipótesis ahora
es que la diferenciación funcional se desarrolla en América en coevolución con
el proceso de diferenciación funcional en otras regiones de la sociedad mundial.2
Es decir, en el momento en que se produce el encuentro entre la sociedad en
América y la sociedad europea, esto es, en el siglo XVI, ninguna de las dos so-
ciedades regionales tiene predominio de la diferenciación funcional, sino de la
78
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
78
estratificación. Por tanto, la diferenciación funcional no llegó con la empresa
de conquista, sino que tuvo que desarrollarse – en su forma particular en Amé-
rica – en conexión con las prácticas sociales desplegadas en conjunto por am-
bas poblaciones. La modernización de América – y en particular de América
Latina – no es, así, una alienación o un asesinato epistemológico, como las
teorías de la identidad y las teorías decoloniales argumentan; tampoco es una
historia que tenga un fin necesario en la revolución o una donde el pueblo sea,
como un todo, objeto de explotación y la burguesía una arquetípica clase do-
minante – ya la historia del populismo latinoamericano invierte esta mirada.
Del mismo modo, tampoco la evolución de América puede reducirse a etapas
de desarrollo o estados de modernización; esta sería una aproximación muy
restringida, limitada a la observación político-económica de un proceso evolu-
tivo que no puede si no abarcar a la sociedad como un todo.
Para desplegar este argumento, dividimos esta aproximación en dos par-
tes fundamentales. En la primera sección damos cuenta de los elementos cen-
trales de una teoría de la diferenciación funcional de las sociedades modernas.
Para esto nos basamos principalmente en la teoría de sistemas sociales. En la
segunda sección ofrecemos los lineamientos principales de la evolución de la
diferenciación funcional en América. Finalmente, ofrecemos algunas conclu-
siones de lo expuesto y perspectivas de trabajo futuro.
LA DIFERENCIACIÓN FUNCIONAL LUHMANNIANA Y SUS ALTERNATIVAS
La teoría de la diferenciación funcional es el aporte más relevante de Niklas Luh-
mann (2012) para la sociología de la modernidad. Si bien se la puede relacionar
nominalmente con la antigua teoría sociológica organicista de la diferenciación
iniciada por Comte – replanteada en varios aspectos luego por Spencer, Durkheim
y finalmente por Parsons, donde lo social se entiende como análogo a lo biológico
– se trata de una propuesta radicalmente distinta a las de sus predecesores. Luh-
mann reformula estos conceptos para una teoría sistémica de la modernidad que
no precisa abandonar todo lo relacionado con el organicismo biológico, pero que
inevitablemente le quita protagonismo dentro de un entramado conceptual que
recibe aportes de diversas disciplinas y formas de entendimiento.
Diferenciación funcional significa que no hay partes ni todo del cual se
distingan, sino una constante reproducción de un sistema social en sí mismo.
Cada subsistema diferenciado es el sistema total visto desde su propia pers-
pectiva, por tanto, el sistema total no es una unidad descompuesta en partes,
sino un horizonte compartido para cada sistema. Esto vale para todas las formas
evolutivas que adquiere la diferenciación: segmentación, estratificación, centro/
periferia y diferenciación funcional. La función es un esquema de atribución
causal en problemas definidos por cada subsistema y sus soluciones asociadas
– con lo cual se reemplaza algún tipo de necesidad de un todo que se deba
mantener por la contingencia de soluciones propuestas.
79
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
79
Evolutivamente la diferenciación funcional caracteriza la estructura de
la sociedad moderna en al menos cuatro aspectos:
— Inclusión universalista en sistemas funcionales y exclusión particula-
rista por medio de organizaciones. Cada sistema funcional supone un
horizonte social abierto a todos (para enfermarse, demandar derechos,
participar políticamente, informarse, pagar), pero sin garantizar la par-
ticipación efectiva que queda en manos de organizaciones.
— Codificación de todos los eventos posibles del mundo en valores binarios
en cada sistema funcional (pagar/no pagar, conforme derecho/no con-
forme a derecho, enfermo/no enfermo). Se trata de esquemas de obser-
vación que destacan un lado de estos códigos en cada sistema y en los
cuales los valores negativos no representan opuestos exclusivos al valor
positivo, sino que operan como entorno indistinto en cada selección de
un valor.
— Generalización social de problemas autoproducidos por los sistemas
funcionales a lo ancho de la sociedad y medios simbólicos para proba-
bilizar la aceptación de estos problemas y sus soluciones.
— Asincronía operacional de cada sistema social respecto de su entorno.
Sistemas funcionales que definen internamente horizontes temporales
de operación de manera independiente a la temporalidad definida en
otros sistemas del entorno, sean estos otros sistemas funcionales, orga-
nizaciones o interacciones.
Modernidad es sinónimo de la emergencia de este nuevo tipo de dife-
renciación en un medio hasta entonces dominado por formas como la segmen-
tación, la estratificación y centro/periferia. La diferenciación funcional no re-
emplaza, desplaza o suprime las formas anteriores, sino que esta se despliega
paulatina y heterogéneamente, facilitando u obstaculizando la operación de
las formas preexistentes. Es infructuoso sostener la hegemonía absoluta de la
diferenciación funcional por sobre las demás formas, ya sea en América o en
cualquier región del mundo.
La diferenciación funcional significa problemas importantes para seg-
mentos, centros, periferias y estratos respecto de los esquemas de igualdad e
inclusión establecidos. Por un lado, la segmentación logra adaptarse en parte
al código de inclusión particularista de la estratificación, como familias o agru-
paciones que se reconocen como totalidades iguales, pero en un entorno que
reconoce y legitima las desigualdades. En los espacios de inclusión moderna
universalista, por su parte, proliferan las indefiniciones para los segmentos –
como puede verse en las cuestiones de género o envejecimiento, o en las rela-
ciones políticas entre Estados – mientras que las organizaciones se conducen
con fluidez buscando oportunidades en un entorno segmentado.
80
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
80
La estratificación, por su parte, se ajusta a la diferenciación funcional
gracias a que hay estratos que logran reproducirse parasitariamente en orga-
nizaciones, pero sus fronteras están permanentemente amenazadas, ya sea por
la propia dinámica funcional o por cuestiones más domésticas como las difi-
cultades para el control de las alianzas matrimoniales. El enorme esfuerzo que
significa crear y mantener la diferenciación estratificada hace que su repre-
sentatividad se vea dramáticamente reducida. En suma, por una parte, la dife-
renciación funcional es una pesada carga para las formas anteriores y estas
son obstáculos para el despliegue de la primera; pero, por otra parte, en las
zonas de interpenetración entre formas hay también simbiosis bien arraigadas,
como convertibilidades de medios y espacios de libertad para variaciones evo-
lutivas.
Luhmann (2012) estudió prolíficamente la diferenciación funcional eu-
ropea y su repercusión mundial, destacando por sobre todo los modos en que
esta alcanzó un primado social estructural en ámbitos como la economía, la
política, el derecho, la ciencia, el arte, la religión, los medios de masas, a la par
de la diferenciación entre sistemas organizacionales e interacciones en un pla-
no distinto. Entre las innovaciones más revolucionarias, la diferenciación fun-
cional se entremezcla con referencias particularistas a personas, grupos, fami-
lias o territorios y las mueve hacia un universalismo abstracto e incluyente. La
consecuencia directa es la formación de una sociedad mundial.
Evolutivamente, la emergencia de la diferenciación funcional fue un re-
sultado más bien casual de eventos aleatorios que produjeron desviaciones
morfogenéticas acumulativas en las estructuras y semánticas sociales de los
siglos XII a XV especialmente en Europa, pero también en América. Tales des-
viaciones acumularon presiones en tantos ámbitos que se vieron finalmente
desbordadas paulatina y escaladamente en sus capacidades. La diferenciación
funcional no es entonces sinónimo de mejoramiento o bienestar, sino una for-
ma plagada de riesgos y paradojas (Luhmann, 2012).
La cuestión acerca del alcance mundial de estas transformaciones re-
quiere algunas explicaciones adicionales. En primer lugar, está lo que podemos
llamar efecto ambiental. La nueva forma de diferenciación significó un cambio
en el entorno en otras regiones, una variación posible de selección para abordar
sus propios problemas internos siguiendo o traduciendo el modo foráneo. En
segundo lugar, está el proceso endógeno; la diferenciación funcional como res-
puesta a problemas estructurales y semánticos análogos o equivalentes a los
observados en la versión europea, con sus también semejantes efectos multi-
dimensionales.
En cualquiera de los dos casos, no sin dificultad se estabilizaron las
nuevas formas, mientras que hubo ámbitos que no se diferenciaron funcional-
mente. Ni siquiera Europa, observa Luhmann (2012), atestiguó la generalización
social de ciertos códigos como la moral o la estabilización de funciones para
81
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
81
sistemas como la educación; mientras en el entorno despuntaba la diferencia-
ción funcional jurídica, artística, religiosa, científica, económica o política. Con
esto, debiese quedar claro que la diferenciación funcional no es una forma
perfecta y como proceso permanece inacabado.
A pesar de esto, la sociología latinoamericana, como hemos visto pre-
viamente, ha gustado de observar su modernidad como una versión incomple-
ta de un supuesto modelo europeo original y se ha ubicado a sí misma en el
lado desfavorecido de su propia codificación del mundo; como una teoría de
dependencia, subdesarrollo, subordinación y, hoy especialmente, colonización.
Una diferenciación funcional realizada a medias o simplemente impuesta par-
cialmente por la fuerza. Pero si, como hemos destacado, la diferenciación fun-
cional se reconoce dentro de un marco evolutivo que destaca transformaciones
y no reniega de formas que pueden ser vistas como incompletas, imperfectas
o movilizadas por cuestiones internas y externas, el punto de comparación,
entonces, se desvanece o a lo menos se pierde de vista.
Lo que quisiéramos desarrollar a continuación es una alternativa a la
tendencia general. Sostendremos que la diferenciación funcional latinoameri-
cana no es una deformación de un plan original – pues dicho plan nunca tuvo
lugar – sino que se describe de mejor modo como una trayectoria de la diferen-
ciación funcional que, como la europea y relacionada con ella, posee lados
claros y oscuros. Reconocemos así los efectos empíricos mundiales de esta
forma de diferenciación y las presiones que ejerce, pero atendemos también a
los plexos que produce empíricamente en regiones del mundo como la latinoa-
mericana que posee, por su parte, su propia trayectoria estructural y semánti-
ca, y que ha puesto en marcha a su manera sus transformaciones.
LA TRAYECTORIA LATINOAMERICANA DE LA DIFERENCIACIÓN
FUNCIONAL
El concepto de trayectoria de la diferenciación funcional dialoga con teorías
como la de las modernidades múltiples (Eisenstadt, 2000) y la sociedad mundial
(Stichweh, 2000). Basándose en categorías como rutas hacia y a través de la
modernidad, Göran Therborn (1996) ha sostenido la tesis de las modernidades
entrelazadas [entangled modernities], destacando la presencia de redes de comu-
nicación y transferencias simbólicas no lineales en la constitución de la socie-
dad mundial. Esta idea es de particular importancia, pues con ella se puede
apoyar la objeción de que la diferenciación funcional ha sido un orden induci-
do – si no impuesto – en América o el resto del mundo.
Stichweh (2013) ha sostenido que hay tres mecanismos fundamentales
para la constitución de la sociedad mundial: difusión, descentralización e interre-
lación de sistemas funcionales. Mientras los dos primeros conducen a la tradi-
cional visión de la modernidad que hemos criticado previamente, el último
permite, en cambio, una perspectiva distinta. Si nos centramos en la difusión,
82
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
82
el diagnóstico comparativo será el de las desviaciones y corrupciones del mo-
delo original; al atender a la descentralización, por su parte, la mirada se diri-
girá hacia la diáspora de instituciones europeas y los diversos significados
asociados a ellas. Si, en cambio, enfatizamos en las interrelaciones, nos dirigi-
remos hacia concepciones relacionales y no hacia un modelo original como
estándar evaluativo.
De este modo, la hibridación estructural y semántica es la clave para
descifrar las múltiples trayectorias de la diferenciación funcional y entender
el modo en que las clásicas promesas de la modernización – firmemente arrai-
gadas en la autonomía de los sistemas funcionales (libertad de prensa, repre-
sentatividad y participación democrática, mercados libres y Estado de derecho)
– se organizan en diferentes combinaciones de expectativas en distintas regio-
nes del mundo, sufren vaivenes significativos y se adaptan situacionalmente
a estas variaciones. Pueden ser tanto selecciones evolutivas menores como
planificaciones a gran escala las que amplifiquen cambios importantes, como
muestran los procesos actuales de monetización en Chile, Argentina o Brasil,
o de politización en Venezuela, Bolivia o Ecuador, con sus inestabilidades y
resistencias (Kingstone, 2018); así como los conservadores en Estados Unidos
presionan por cerrar fronteras y restringir el comercio, y en parte de Europa
crece la alternativa que ofrece la extrema derecha para gobernar con una de-
mocracia más bien mínima (Hedges, 2019). No parece entonces paradojal que
China se convierta en defensora tanto del libre mercado como de la censura
informativa, o que Rusia sea a la vez aliado y enemigo de Occidente (Lukin,
2018).
Como las demás trayectorias de la diferenciación funcional, la latinoa-
mericana se puede caracterizar en periodos relativamente marcados por ten-
dencias favorecidas por cuestiones internas y externas. Caracterizaremos estos
periodos sumariamente como: pluralismo, centralización, Estados nación in-
cluyentes y excluyentes, y redes incrustadas de inclusión y exclusión.
PRIMER PERIODO: PLURALISMO
La conquista de América fue una empresa sangrienta; no hay duda de ello. Se
pueden discutir los números de muertes causadas por las guerras entre con-
quistadores y nativos o las epidemias desatadas en dicho periodo, pero el hecho
fundamental sigue en pie. No obstante, si consideramos el proceso desde un
punto de vista de sociología evolutiva, podemos apreciar interesantes correla-
ciones entre los momentos evolutivos de América y de Europa:
— En primer lugar, el corporativismo de la monarquía ibérica del siglo XV
se ajustaba bastante bien al pluralismo étnico de América. Las altas
culturas prehispánicas estaban organizadas en formas de diferenciación
estratificadas, rodeadas de periferias laxamente acopladas y grupos seg-
83
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
83
mentados. Los virreinatos fundados por los españoles presentaban una
estructura similar: centros con instituciones comerciales (tribunales de
consulados), legales (audiencias) y políticas (cabildos); y periferias orga-
nizadas en municipalidades (Mirow, 2004).
— En segundo lugar, municipalidades que eran prácticamente reinos en sí
mismos. Estas pretendían el control de territorios sin eliminar necesa-
riamente su diversidad. Si bien se relacionaban hacia arriba con las es-
tructuras jerárquicas del gobierno colonial, también construían hacia
abajo redes de cooperación relativamente independientes entre nativos,
sus líderes y seguidores, con sus propias expectativas cognitivas y nor-
mativas (Tau, 2015).
— En tercer lugar, hubo un cierto espacio para la libertad y el pluralismo,
no debido a fuertes ideas liberales puestas en práctica en América, sino
por la imposibilidad estructural y semántica de ocupar todo el territorio
(Adorno, 2008).
A partir de lo anterior se pueden establecer algunas consecuencias. Pri-
mero, no hubo un choque de formas de diferenciación entre América Latina y
las monarquías europeas. No se trató de una sociedad funcionalmente diferen-
ciada imponiendo sus estructuras a sociedades segmentarias, sino de un ajus-
te de formas equivalentes de diferenciación segmentada, estratificada y de
centro/periferia. Segundo, si se acepta lo anterior, la diferenciación funcional
no proviene exclusivamente de Europa, sino que también se desarrolla en Amé-
rica, en sus relaciones comerciales, legales, religiosas y políticas con y dentro
de las colonias. Tercero, si la diferenciación funcional en América se desarrolla
en relaciones, entonces las prácticas sociales americanas y las europeas tienen
que producir eventos de ajuste mutuo que se conforman en redes de distintas
escalas. Cuarto, las acciones de estas redes pueden institucionalizarse en sis-
temas sociales funcionalmente diferenciados o pueden hacerlo en formas mul-
tiescalares estratificadas que apoyan o disputan los rendimientos de las insti-
tuciones nacientes de la diferenciación funcional. Y quinto, si todo lo anterior
es plausible, entonces un determinado tipo de pluralismo tuvo lugar en Amé-
rica en el encuentro con los ibéricos.
No se trató, por cierto, (no podía tratarse) de un pluralismo moderno en
el cual las diversas formas adoptaron relaciones semi-igualitarias entre sí. Se
trató aquí de una ficción de igualdad en el intercambio, hasta el momento en
que hubo que ejercer el poder político por medio de los impuestos o la ocupa-
ción y desplazamiento físico de la población. El pluralismo del siglo XVI tiene
que ver, por un lado, con formas jurídicas que reconocen autonomía a las co-
lonias, no tanto por un principio moral, sino porque la extensión territorial es
tan vasta que es imposible una ocupación de hecho. Por otro lado, ese pluralis-
mo se asocia con la variedad de principios de diferenciación que se interrela-
84
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
84
cionan de modos fuertes e igualitarios entre sí, tanto por el lado americano
como por el lado europeo: existe un principio de segmentación (sociedades
tribales, virreinatos, municipalidades), uno de centro y periferia (religiosa, eco-
nómica y políticamente organizado, tanto por el lado americano como por el
europeo; con una creencia con pretensión universal, impuestos y fuerzas de
ataque y defensa en ambos casos) y un principio de estratificación (estamental
por el lado americano, monárquica por el lado europeo). En ese marco de rela-
ciones complejas comienza a tener lugar la diferenciación funcional para am-
bas sociedades regionales.
A este respecto, cabe mencionar algunos ejemplos de condensaciones
tempranas de operaciones funcionales y de red en América Latina:
— En la economía, aparecen exaptaciones relacionadas con la necesidad
de acuñar monedas a nivel local para recaudar impuestos a un nivel
regional. El intercambio económico ya existía ciertamente antes en Amé-
rica, por ejemplo, usando el cacao como un medio análogo al dinero en
distintos intercambios de red. Aparecen monedas acuñadas posterior-
mente en asentamientos mineros y para el comercio regional del siglo
XVI (Bulmer-Thomas, 2003).
— Las relaciones financieras aparecen también en el siglo XVI, junto con
los créditos entregados por las municipalidades a los nativos para la
producción agraria (Bulmer-Thomas, 2003).
— En términos religiosos, las llamadas congregaciones de franciscanos, do-
minicanos y jesuitas concentran las funciones de evangelización. Las
misiones jesuitas en particular resultan muy interesantes, pues tienden
a preservar las estructuras y semánticas sociales tradicionales de los
evangelizados mientras promueven paralelamente la cristiandad (Gon-
zález & Pupo-Walker, 2008).
Sin embargo, el despegue más importante de la religión en América La-
tina es la religiosidad popular. La falta de clérigos, la reproducción de creencias
como forma de resistencia a los poderes coloniales y el hecho que la mayoría
de los clérigos prefirieran trabajar con europeos crearon un vívido espacio pa-
ra la comunicación de la religiosidad popular entrelazada complejamente con
la cristiandad del siglo XVI.
— En lo jurídico, los “indios” – y todas las denominaciones semejantes
dadas a una pluralidad de grupos étnicos nativos – fueron incluidos en
el estatus de personas miserables, como viudas, huérfanos y gente rural.
Se les consideró como vasallos de la corona, pero libres y dicha libertad
– reconocida tempranamente en el 1500 – fue la base para preservar sus
propias costumbres y leyes. De este modo, el sistema legal americano
85
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
85
se desarrolló originalmente más como un pluralismo legal que una es-
tructura centralizada (Duve & Pihlajamäki, 2015).
— En lo político, como señalamos previamente, los virreinatos y munici-
palidades establecieron la infraestructura para el funcionamiento de las
relaciones jerárquicas de poder con las metrópolis, así como también
redes con los locales (Bethell, 1985).
Visto de este modo, no existe una forma mecánica de traslación de las
prácticas de la diferenciación funcional desde Europa hacia América. No podía
haberla, pues Europa no era una sociedad con predominio de la diferenciación
funcional en el siglo XVI, sino con predominio de la estratificación. Incluso
para Europa este es un siglo de apogeo de las formas renacentistas. Un siglo
en el que se realizan múltiples avances en ciencia y política (Smith, 1982; 2007)
que preparan el camino hacia el proceso de diferenciación funcional, especial-
mente durante del siglo XVII conocido en la historiografía europea como el
siglo de la crisis (Parker, 2013; Trevor-Ropper, 1999).
Visto desde la perspectiva americana, la situación no era muy distinta
en términos evolutivos. Las sociedades maya y azteca se encontraban en su
período posclásico con alto desarrollo científico y la centralización política de
un Estado imperial centro-periférico y claramente estratificado solo compara-
ble al imperio mesopotámico de la Antigüedad. América no estaba poblada “por
unos cuantos indios”. Incluso se renovaba evolutivamente en eventos catas-
tróficos como la sobrepoblación maya del período clásico al posclásico (Culbert,
2003) o el incendio de la ciudad de Teotihuacán como protesta ante la opulen-
cia de los centros, que concluye con el período clásico y da inicio al posclásico
propiamente azteca (Millon, 2003).
Cuando las cosas se plantean de este modo no es fácil aceptar que, con
baratijas y espejos más una supuesta racionalidad instrumental superior, los
europeos dominaron y subyugaron a los americanos; más aún si se piensa que
los europeos que llegaban inicialmente a América no eran necesariamente los
más dotados racionalmente (Saldaña & Madrigal, 2007).
SEGUNDO PERIODO: CENTRALIZACIÓN
El pluralismo americano se desarrolló a lo largo de dos siglos hasta las reformas
borbónicas del siglo XVIII. El objetivo era concentrar las tendencias centrífugas
hacia una estructura burocrática jerárquica que tenía a España como el centro
y a América en la periferia (Weber, 2004). Con ello, el proceso de diferenciación
funcional comienza a sufrir un contraproceso de centralización, especialmen-
te alrededor del poder administrativo del Estado.
Esto no es solo una particularidad del Imperio Español. El colonialismo
en general (el inglés, el francés) operó mediante una pretensión de control de
la diferenciación funcional que había sido impulsada, en diversas regiones, por
86
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
86
el propio colonialismo. El intento de control tomaba modelos distintos: un
pluralismo jurídico en el caso español, una inclusión política y simbólico-mo-
nárquica en el caso inglés de la Commonwealth, y un modelo republicano es-
tatal en el caso francés (cuyos mejores ejemplos son Argelia y Córcega).
En cualquier caso, los tres modelos son apoyados por las armas. Su impor-
tancia la entendían bien las reformas borbónicas. Mediante ellas se podía con-
trarrestar la descentralización y fragmentación del poder que producían las re-
des, en el marco plural de formación de la diferenciación funcional en los prime-
ros dos siglos del proceso de coevolución, entre la región americana y la europea.
Así, en el caso americano, las medidas borbónicas incluyeron, entre otras cosas:
— Organización centralizada de una fuerza militar para defender las posi-
ciones ganadas frente a otros poderes coloniales y para avanzar en la
ocupación del territorio.
— Expulsión de los jesuitas de América para poder concentrar las desig-
naciones educativas y religiosas.
— Introducción de la “libertad de comercio” con la Corona para disolver
las economías locales y corporaciones.
— Organización de la economía mediante un sistema de impuestos cen-
tralizado.
— Ampliación de las audiencias, excluyendo a los criollos de su participa-
ción (Véliz, 1981).
Hay un relativo consenso entre los historiadores en que a las reformas
borbónicas les faltó coherencia y efectividad (Mirow, 2004). Estas reformas favo-
recieron a las elites españolas, pero alienaron a los criollos y a los nativos acos-
tumbrados a las expectativas de un funcionamiento descentralizado de las es-
tructuras corporativas. El creciente antagonismo entre las elites españolas y los
poderes locales condujo a las guerras de independencia a inicios del siglo XIX y,
con ello, a la construcción de los Estados nacionales en América Latina.
TERCER PERIODO: ESTADOS NACIONALES INCLUYENTES Y EXCLUYENTES
Las guerras de independencia en América Latina fueron más bien producto de
las pugnas por controlar el Estado, entre los poderes regionales organizados
en redes y las metrópolis europeas, que de las reformas borbónicas (Dawson,
2010). En este sentido, el proceso de construcción de los Estados prestó más
interés a la concentración de poder político y recursos económicos que a es-
tablecer instituciones de bienestar. Una ciudadanía más bien formal, expresa-
da en constituciones y discursos de inclusión política, contrastaba con una
limitada experiencia de inclusión institucional.
La construcción elitista de la experiencia institucional fue terreno fértil
para el crecimiento de las redes en dos direcciones. Por un lado, procurando
87
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
87
asegurar posiciones privilegiadas en la política y en la emergente economía de
exportaciones. Por el otro, fomentando la inclusión política y económica por
medio de redes con caudillos locales y a través de las haciendas (Carmagnani,
2004).
El Estado-nación se convirtió así en un Estado multinivel. Mientras los
niveles superiores estaban destinados solamente a terratenientes, empresarios
y a la primera generación de clases medias educadas, los inferiores incluían
“indígenas”, campesinos, sirvientes, inquilinos y a un emergente proletariado
urbano surgido de la economía de exportaciones. Este periodo ha sido llamado
modernización oligárquica (Larraín, 2004). En los inicios del siglo XX, las capas
inferiores fueron incluidas semánticamente como pueblo (Mascareño, 2012)
La más importante consecuencia de las reformas borbónicas, especial-
mente para la construcción de los Estados nacionales latinoamericanos, fue
una marcada centralización en la operación de sistemas funcionales que ya se
había venido anticipando desde las reformas borbónicas. Esta tendencia cen-
tralizadora tiene varias expresiones codificadas:
— Espacialmente, introduce la distinción entre áreas metropolitanas y pe-
riferias.
— Estructuralmente, favorece la toma de decisiones centralizada, exclu-
yendo los nodos locales de participación política.
— Socialmente, produce diferentes redes multiescalares, ya sea para repro-
ducir secuencias de inclusión o para presionar por inclusión en los cen-
tros.
— Semánticamente, se distingue entre civilización en centros urbanos y
barbarie en las periferias.
— Normativamente, se promueven valores europeos, más específicamente
valores de carácter universalista y de origen francés, como vía exclusiva
para convertirse en sociedades modernas.
La centralización, no obstante, no elimina la pluralidad estructural de-
sarrollada en América a lo largo de dos siglos, sino que la transforma en redes
que se disputan rendimientos operacionales.
CUARTO PERIODO: REDES ANCLADAS DE INCLUSIÓN Y EXCLUSIÓN
Como lo hemos presentado en la introducción de este artículo, existen varias
teorías sociológicas relativas a la trayectoria de América Latina, especialmente
en los siglos XIX y XX. Por ejemplo, la teoría del desarrollismo de la CEPAL de
fines de los años 1940 que distinguió, desde un punto de vista económico, re-
giones desarrolladas funcionalmente diferenciadas de zonas subdesarrolladas
(Larraín, 2004); la teoría de la modernización de Gino Germani (1981) que ana-
lizó la asincronía entre un polo moderno, funcionalmente diferenciado, y otro
88
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
88
tradicional; la teoría latinoamericana de la dependencia que reintrodujo la
distinción centro/periferia en la periferia, enfatizando así la dominación y ex-
plotación de clase en zonas subdesarrolladas, adoptando un punto de vista más
político (Cardoso & Faleto, 1990); la versión católica-esencialista de la identidad
latinoamericana, para la cual la reflexividad de la diferenciación funcional en-
cubre el sustrato pre reflexivo genuinamente católico de amor y comunalidad he-
redado de la España colonizadora (Morandé, 1987); la teoría de la modernidad
periférica de Marcelo Neves (1992), en la cual la autonomía sistémica parece ser
más bien una experiencia excepcional en América Latina; y el argumento pos-
colonial que busca recuperar prácticas y símbolos precoloniales, y enfatizando
el derecho a la coexistencia epistemológica de las diferencias, tal como sostie-
ne el enfoque de Walter Mignolo (2005).
Frente a estas interpretaciones, no buscamos encontrar el justo medio.
Basta con señalar que la diferenciación funcional contemporánea en América
Latina se presenta bajo presiones constantes de redes estratificadas multiescala-
res que actúan como atractores extraños para las operaciones funcionales, pro-
duciendo así bifurcaciones críticas de inclusiones y exclusiones respecto de los
rendimientos sistémicos. Dichas redes han coevolucionado con la diferenciación
funcional y no deben ser concebidas como meras prácticas tradicionales, es-
tructuras subdesarrolladas, o simples formas parasitarias de organización so-
cial – por supuesto, tampoco como fuente de la verdadera identidad latinoa-
mericana.
Estas redes estratificadas son formas más bien modernas de organización
social que presentan diferentes posibilidades de conectividad en cada una de
sus escalas (Hoevel & Mascareño, 2016). Ellas crean ejes de acumulación, dis-
tribución y asignación de recursos que pueden sobrepasar marcos sistémicos,
infiltrar sus barreras de convertibilidad y producir bifurcaciones inesperadas
de inclusiones y exclusiones (Cadenas, 2012a).
No obstante, lo anterior no significa que en la región latinoamericana
no tengan lugar medios simbólicos diferenciados, operaciones autónomas, aco-
plamientos estructurales relativamente estabilizados e interdependencias fun-
cionales. Más bien significa que las interrelaciones entre escalas de las redes
ofrecen diferentes modos de inclusión y justificaciones para la exclusión en
múltiples situaciones sociales.
En algunos casos estas redes conllevan efectos acumulativos de exclu-
siones e ilegalidades. Conocidos son los casos de corrupción política de Lava
Jato en Brasil o de Soquimich en Chile; la distorsión de precios descubierta en
las colusiones entre grandes empresas del retail en Colombia y también Chile;
la estructuración de partidos políticos con base en redes multiescalares de
inclusiones en el caso del peronismo argentino investigado por Javier Auyero
(2000, 2012); las redes de favores entre policías y delincuentes, también en
Argentina, analizadas por Matias Dewey (2011); los llamados tribunales crimina-
89
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
89
les compuestos de miembros de las más grande red delictiva de São Paulo, en
Brasil (Feltran, 2010); los grandes cárteles de droga en Colombia o México; o la
cartelización del Estado venezolano desde 2000 en adelante (Altez, 2019). La
lista podría ampliarse significativamente.
Estas redes también pueden operar como mecanismos de inclusión par-
ticularista con efectos menos dramáticos, como las redes de apoyo entre la
población más pobre y los servicios públicos de asistencia – promovidas inclu-
so como políticas públicas que reconocen estas estructuras como una oportu-
nidad a explotar; en las redes de contactos y conocidos que mueven oportuni-
dades de empleo y privilegios en burocracias estatales o empresas privadas –
pero que no son autosuficientes, en tanto se demanda un mínimo de compe-
tencias; o en los propios entrelazamientos que organizaciones establecen para
fortalecer la posición de intereses gremiales o de otro tipo en entornos de
competitividad.
En síntesis, en primer término, la trayectoria latinoamericana de la di-
ferenciación funcional ofrece un amplio rango de posibilidades actuales para
la adaptación de expectativas cognitivas. Se puede aprender que determinadas
acciones ilegales operan como mecanismos de inclusión cuando las alternati-
vas procedimentales no lo hacen. También la justificación para cambios de
regímenes políticos se vuelve un argumento moral: “puesto que la sociedad
excluye a los pobres, ellos estarían en su derecho de actuar distinto”; o el caso
de los políticos: “nuestros opositores son ricos, de modo que se justifica recibir
dinero de las empresas que regulamos para equilibrar la representatividad po-
lítica”. Estos no son problemas exclusivos de estructuras normativas débiles,
sino de equilibrios múltiples para reducir la brecha entre expectativas y vivencias
actuales.
Segundo, desde el punto de vista de las estructuras normativas, las ex-
pectativas muestran más bien una deflación. Como señaló Parsons (1968), la
deflación de los compromisos de valor se produce por expectativas incumplidas.
Como consecuencia, la unidad en deflación busca compromisos reales y casti-
ga duramente el incumplimiento. En otras palabras, mientras más deflación
sufren los compromisos de valor, más violentos serán los conflictos y reaccio-
nes que cabe esperar. Esto podría explicar en parte la permanente inestabilidad
política de la región y la prevalencia de la violencia como modo de resolución
de conflictos.
Tercero, en lugar de zonas de inclusión y exclusión, en América Latina
se presentan redes ancladas en relaciones funcionales que acumulan, distri-
buyen y asignan recursos materiales y simbólicos provistos por sistemas fun-
cionales. Como hemos visto previamente, estas redes pueden tomar control de
las barreras de convertibilidad entre sistemas y transformarse en porteros acti-
vos de rendimientos sistémicos.
90
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
90
Cuarto, como ha señalado Stichweh (2000), la exclusión en distintas re-
giones de la sociedad mundial se relaciona con el debilitamiento de la función
de promoción de la inclusión por parte de los Estados de bienestar. Este último
intercede cuando los sistemas funcionales estabilizan o refuerzan las exclu-
siones. Lo anterior es doblemente cierto para América Latina. Por un lado, los
Estados latinoamericanos han tenido siempre problemas para controlar la acu-
mulación de recursos materiales y simbólicos, produciendo una especie de
sobreinclusión de grupos y redes en los escalones superiores, como en el caso
de las elites. Las elites controlan entonces el Estado y los problemas de acu-
mulación permanecen sin solución. Por otro lado, la extensión estructural, la
profundidad histórica y complejidad semántica de las exclusiones en América
Latina sobrepasan las capacidades de los Estados, y cuando esto ocurre, se abre
un espacio a las redes estratificadas para cumplir o suplir la función de pro-
moción de la inclusión del Estado de bienestar – se trata de redes con expec-
tativas similares, pero con una concepción diferente de la legalidad y con jus-
tificaciones distintas a las de los Estados de bienestar para la inclusión y la
exclusión social.
CONCLUSIONES
En este artículo hemos desplegado dos argumentos centrales interrelacionados.
El primero indica que el modo predominante de organización social de la so-
ciedad mundial, la diferenciación funcional, no ha sido una imposición de la
sociedad europea sobre la americana, pues en el momento del encuentro de
ambas sociedades regionales a fines del siglo XV, tanto en América como en
Europa existe un predominio de la estratificación combinada con formas fuer-
tes de segmentación y de organización centro-periférica. La consecuencia de
este argumento es que la diferenciación funcional tuvo que desarrollarse en la
interrelación de ambas sociedades regionales, por lo que ella no es un fenóme-
no ‘más europeo’ de lo que es americano.
El segundo argumento indica que la pluralidad de principios de organi-
zación social que tiene lugar en el tránsito del siglo XV al siglo XVI, hace que
las redes de interacción adquieran en América una presencia fundamental pa-
ra la construcción del orden social. Esto es visible desde la fase original plura-
lista hasta el modelo actual de institucionalización de redes multiescalares e
instituciones de la diferenciación funcional con pretensión de autonomía ope-
rativa. De este modo, no se debe entender las redes como una forma necesa-
riamente antagónica a las instituciones de la diferenciación funcional; ambas
se apoyan y se disputan mutuamente los recursos (sociales, naturales, simbó-
licos) para la reproducción de su propia lógica y, por cierto, para la reproducción
de su propia integración.
Puesto que la mayor parte de las teorías sociológicas sobre América la
observan y analizan, en el mejor de los casos, desde el período de independen-
91
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
91
cia de los Estados nacionales (esto es, desde unas décadas antes de que co-
mience a denominarse América Latina), no pueden observar ninguno de los
hechos que sintetizamos en los dos argumentos anteriores. Estas teorías asu-
men que la sociedad americana nace a la vida global cuando en ella surge el
Estado moderno, lo que muestra su claro nacionalismo metodológico como
principio de investigación social. Por otro lado, las teorías que logran despren-
derse de este principio analítico y van a las raíces de la modernidad americana,
como la de Pedro Morandé (1987), consideran que, al alcanzar la diferenciación
funcional un cierto predominio en la organización de la región, este constituye
una alienación de las “verdaderas” formas de organización que tenían lugar
hace ya aproximadamente 530 años, con lo que quedan en una misma posición
que las teorías poscoloniales o decoloniales, para las que cerrar la herida co-
lonial significa nada menos que eliminar la evolución.
Por el contrario, nuestras argumentaciones se apoyan en la evolución
para proponer, en un plano metodológico, lo que queremos denominar sociolo-
gía evolutiva. En ciertos lugares Niklas Luhmann ha sostenido que la diferen-
ciación funcional es el principio de diferenciación predominante en la sociedad
mundial contemporánea; en otros se ha hecho la pregunta si la diferenciación
funcional no es más bien una anomalía europea. Una sociología evolutiva de-
biera poder esclarecer este problema. En lo que hemos sostenido en este artí-
culo, para el caso de América y Europa en el tránsito del siglo XV al XVI, la di-
ferenciación funcional emerge en relaciones económicas, jurídicas, políticas,
religiosas, educativas, y muchas más entre distintas regiones del mundo.
El caso del intercambio entre América y Europa puede ser particular;
más similar a la relación entre Asia y Europa que, por ejemplo, a la relación
entre África y Europa. La diferencia es que, al momento del contacto, la socie-
dad africana se organiza predominantemente por un principio de segmentación
antes que por centros y periferias o por estratificación. Asia, América y Europa
son evolutivamente similares hacia los siglos XV y XVI, lo que hace que puedan
reconocerse mutuamente en cuanto a formas de orden social y emprender un
camino conjunto en la formación evolutiva de la diferenciación funcional. En
cambio, la particularidad africana de mantener un principio predominante de
segmentación hasta entrado el siglo XIX hace imposible la participación común,
salvo como suplemento en el comercio global de esclavos y en la explotación
extractivista indiscriminada de recursos naturales sin oposición, como sí acon-
tece en el caso americano – aun cuando no en el asiático por un desarrollo
hipertrófico de la administración del Estado como centro del sistema político
(en otras palabras, gobiernos autocráticos o totalitarios).
Una sociología evolutiva es una sociología de la formación global de la
sociedad mundial. En ese sentido, el componente histórico es fundamental.
Pero, al contrario de la historia, una sociología evolutiva no analiza períodos
aislados, sino que siempre debe tener en perspectiva la transición de un mo-
92
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
92
mento evolutivo a otro; debe considerar los eventos históricos y las prácticas
sociales como elementos de un orden mayor en el cual se entrecruzan de ma-
neras complejas diversos principios de diferenciación social. Asimismo, una
sociología evolutiva no puede hacerse regionalmente, como si la evolución so-
cial pudiese formarse endógenamente en espacios aislados. Una sociología
evolutiva es sociología evolutiva de la sociedad mundial. Solo de ese modo se
pueden observar las diferencias y similitudes que dan pie a la consolidación o
al colapso de ciertas formaciones sociales, a su superación o a su permanencia
dinámica en un horizonte temporal indefinido. Por ello, analizar la diferencia-
ción funcional en América es también analizarla en su vínculo con Europa; tal
como observar la europea debe ser ponerla en relación con otras regiones de
la sociedad mundial, como la región americana.
La sociología en América Latina ha llegado, a lo más, a entender que la
historia es un elemento relevante de la comprensión científico social del pre-
sente. Esta carta pueden jugarla tanto el marxismo como las teorías de la mo-
dernización; las teorías de la identidad tanto como el desarrollismo. Sin em-
bargo, porque esas teorías no alcanzan el nivel de abstracción para comprender
el horizonte evolutivo en el que la historia tiene lugar, no pueden darse cuen-
ta de la originalidad de los procesos americanos en su relación con Europa
durante los últimos cinco siglos y medio. De ahí que hayan propagado la im-
presión de que la sociedad americana es un reflejo de la sociedad europea o
un intento de emulación fallido de sus formas de organización social, una in-
completitud o una ausencia. Por el contrario, en este artículo hemos sostenido
que la historia de la diferenciación funcional en la sociedad mundial surgió, al
menos, en una interrelación entre Europa y América. Investigaciones futuras,
y probablemente desde otras regiones, deberán analizar si esto es una particu-
laridad del vínculo entre Europa y América o si la descentralización de la evo-
lución es el estándar de la sociedad mundial.
Recibido en 5/9/2019 | Aprobado en 7/1/2020
93
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
93
Hugo Cadenas es doctor en sociología por la Universidad Ludwig Maximilian de
Múnich, Alemania. Profesor de los departamentos de Antropología y Trabajo
Social de la Universidad de Chile. Sus áreas de interés son la teoria sociológica y
antropológica, sociologia del derecho, desigualdad social, ética y medioambiente.
Entre sus últimas publicaciones se cuentan: “Sistemas y sistema mundo: la
crisis teórica en Immanuel Wallerstein” (Estudios Públicos, 2019); “Un modelo
conceptual para los comités de ética: síntesis sociológicas preliminares” (Acta
Bioethica, 2019); “Radcliffe-Brown, Alfred R. (1881-1955)” (The Blackwell
Encyclopedia of Sociology, 2019).
Aldo Mascareño es doctor en sociología por la Universidad de Bielefeld,
Alemania. Investigador senior del Centro de Estudios Públicos y profesor de la
Universidad Adolfo Ibáñez, Chile. Sus áreas de interés son la teoria sociológica,
sociologia del derecho, derecho mundial y teorías de la complejidad. Entre sus
últimas publicaciones se cuentan: “Ética de la contingencia para mundos
incompletos” (Diferencias, 2019); “Constituent crises. The power of contingency”
(Revista Brasileira de Sociologia do Direito, 2019); “La crisis como control de
hipertrofia” (Revista Direito Mackenzie, 2018).
94
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
94
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adorno, Rolena. (2008). Cultures in contact: Mesoamerica,
the Andes, and the European written tradition. In: Gon-
zalez, Roberto & Pupo-Walker, Enrique (eds.). The Cam-
bridge History of Latin American Literature. Cambridge: Cam-
bridge University Press, p. 33-57.
Altez, Rogelio. (2019). Poder, negocios y destrucción. Los
apagones de Venezuela en marzo de 2019 y la carteliza-
ción del Estado. Estudios Públicos, 156.
Auyero, Javier. (2012). Poor people’s lives and politics: the
things a political ethnographer knows (and doesn’t know)
after 15 years of fieldwork. New Perspectives on Turkey, 46,
p. 95-127.
Auyero, Javier. (2000). The logic of clientelism in Latin
America: an ethnographic approach. Latin American Re-
search Review, 35/3, p. 55-81.
Bethell, Leslie. (1985). Colonial Latin America. The Cambrid-
ge History of Latin America. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press.
Bulmer-Thomas, Victor. (2003). The economic history of La-
tin America since independence. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press.
Cadenas, Hugo. (2012a). La desigualdad de la sociedad.
Diferenciación y desigualdad en la sociedad moderna.
Persona y sociedad, 26/2, p. 51-77.
Cadenas, Hugo. (2012b). Algunas tendencias de la dife-
renciación del derecho en Chile. Revista de Ciências Sociais,
2/1, p. 72-107.
Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (1990). De-
pendencia y desarrollo en América Latina. Ciudad de México:
Siglo XXI.
NOTAS
1 Los autores agradecen los valiosos comentarios y sugeren-
cias de los revisores anónimos de la revista al artículo.
2 Hablamos aquí de “América” para identificar la región de
América Latina en el período previo a la generalización
de su designación como “América Latina” en el tránsito
del siglo XIX al XX.
95
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
95
Carmagnani, Marcello. (2004). El otro Occidente. Ciudad de
México: Fondo de Cultura Económica.
Culbert, Thomas P. (2003). The collapse of classic Maya
civilization. In: Yoffee, Norman & Cowgill, George (eds.).
The collapse of ancient states and civilizations. Tucson: The
University of Arizona Press, p. 69-101.
Dawson, Alexander. (2010). Latin America since independen-
ce: a history with primary sources. London: Routledge.
Dewey, Matías. (2011). Fragile States, robust structures:
illegal police protection in Buenos Aires. GIGA Working
Papers, 169.
Duve, Thomas & Pihlajamaki, Heikki (eds.). (2015). New
horizons in Spanish colonial law. Frankfurt: Max Planck Ins-
titute for European Legal History.
Eisenstadt, Shmuel. (2000). Multiple modernities. Daeda-
lus, 129/1, p. 1-29.
Fajnzylber, Fernando. (1983). La industrialización trunca de
América Latina. Ciudad de México: Editorial Nueva Imagen.
Feltran, Gabriel. (2010). Crime e castigo na cidade: os re-
pertórios da justiça e a questão do homicídio nas perife-
rias de São Paulo. Caderno CRH, 23/58, p. 59-73.
Germani, Gino. (1981). The sociology of modernization. New
Brunswick/London: Transaction Books.
Germani, Gino. (1962). Política y sociedad en una época en
transición. Buenos Aires: Paidós.
Gonzalez, Roberto & Pupo-Walker, Enrique (eds.). (2008).
The Cambridge history of Latin American literature. Cambrid-
ge: Cambridge University Press.
Grosfoguel, Ramón. (2007). The epistemic decolonial turn.
Beyond political-economy paradigms. Cultural Studies,
21/2-3, p. 211-223.
Hedges, Chris. (2019). America: The farewell tour. New York:
Simon & Schuster, Inc.
Hoevel, Carlos & Mascareño, Aldo. (2016). La emergencia
de redes clientelares en América Latina: una perspectiva
teórica. MAD, 34, p. 36-64.
Jaguaribe, Hélio. (1976). Crises e alternativas da América
Latina. São Paulo: Perspectiva.
96
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
96
Kingstone, Peter. (2018). The political economy of Latin Ame-
rica. New York/London: Routledge.
Larraín, Jorge. (2004). Identidad y modernidad en América
Latina. Ciudad de México: Océano.
Luhmann, Niklas. (2012). Theory of society. Stanford: Stan-
ford University Press.
Lukin, Alexander. (2018). China and Russia. The new rappro-
chement. Cambridge: Polity Press.
Mariátegui, José Carlos. (2007). Siete ensayos de interpreta-
ción de la realidad peruana. Caracas: Biblioteca Ayacucho.
Mascareño, Aldo. (2010). Diferenciación y contingencia en
América Latina. Santiago: Ediciones Universidad Alberto
Hurtado.
Mascareño, Aldo. (2012). Die Moderne Lateinamerikas. Bie-
lefeld: transcript Verlag.
Mignolo, Walter. (2005). La idea de América Latina. Barce-
lona: Gedisa.
Millon, René. (2003). The last years of Teotihuacan domi-
nance. In: Yoffee, Norman & Cowgill, George (eds.). The
collapse of ancient states and civilizations. Tucson: The Uni-
versity of Arizona Press, 102-164.
Mirow, Matthew C. (2004). Latin American Law. Austin:
University of Texas Press.
Morandé, Pedro. (1987). Cultura y modernización en América
Latina. Madrid: Ediciones Encuentro.
Neves, Marcelo. (1992). Verfassung und Recht in der periphe-
ren Moderne – Eine theoretische Betrachtung und eine Interpre-
tation des Falls Brasilien. Berlin: Duncker & Humboldt.
Parker, Geoffrey. (2013). Global Crisis. War, climate change,
and catastrophe in the seventeenth century. New Haven: Yale
University Press.
Parsons, Talcott. (1968). On the concept of value-commit-
ments. Social Inquiry, 38/2, p. 135-160.
PNUD. (1998). Informe sobre el desarrollo humano Chile: las
paradojas de la modernización. Santiago: PNUD.
Pombeni, Paolo. (2016). The historiography of transition.
Abingdon: Routledge.
97
artículo | hugo cadenas y aldo mascareño
97
Ribeiro, Darcy. (2008). O povo brasileiro. São Paulo: Com-
panhia de Bolso.
Saldaña, Juan Jose & Madrigal, Bernabe. (2007). Science in
Latin America: a history. Austin: University of Texas Press.
Sewell, William. (2005). Logics of history. Chicago: Univer-
sity of Chicago Press.
Smith, Adam. (2007). The wealth of nations. Hampshire:
Harriman House Ltd.
Smith, Adam. (1982) The history of astronomy. In: Smith,
Adam. Essays on philosophical subjects. Illinois: Liberty
Fund, Inc., p. 33-105.
Stichweh, Rudolf. (2013). Regionale Diversifikation und
funktionale Differenzierung der Weltgesellschaft. Dispo-
nible en: <https://www.fiw.uni-bonn.de/demokratiefors-
chung/personen/stichweh/pdfs/95_stw_regionale-diver-
sifikation-und-funktionale-differenzierung-der-weltge-
sellschaft.pdf>.
Stichweh, Rudolf. (2000). Die Weltgesellschaft. Frankfurt:
Suhrkamp.
Tau, Victor. (2015). Provincial and local law of the Indies.
A research program. In: Duve, Thomas & Pihlajamaki,
Heikki (eds). New horizons in Spanish colonial law. Frankfurt:
Max Planck Institute for European Legal History.
Therborn, Göran. (1996). European modernity and beyond.
The trajectory of European societies 1945-2000. London: Sage.
Trevor-Ropper, Hugh. (1999). The crisis of the seventeenth
century. Indianapolis: Liberty Fund.
Valenzuela, Eduardo & Cousiño, Carlos. (2015). Politización
y monetarización en América Latina. Santiago: IES.
Véliz, Claudio. (1970). Obstacles to change in Latin America.
London: Oxford University Press.
Weber, David. (2004). Spanish Bourbons and wild Indians.
Baylor: Baylor University Press.
98
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 7
5 –
98 ,
ene.
– a
br.,
2020
lineamientos para una sociología evolutiva de la diferenciación funcional en américa latina
98
DIRETRIZES PARA UMA SOCIOLOGIA EVOLUTIVA DE
DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL NA AMÉRICA LATINA
Resumo
Nesse artigo, argumentamos que a diferenciação funcional,
o modo predominante de organização social da sociedade
mundial, não tem sido uma imposição europeia na América,
porque, no momento em que as duas sociedades regionais
entram em contato, isso ainda não tem lugar. A diferencia-
ção funcional é formada na relação entre Europa e América.
Além disso, originam-se redes de múltiplas escalas que co-
evoluem com diferenciação funcional e dão um caráter par-
ticular à diferenciação americana. Com base no conceito de
diferenciação funcional de Niklas Luhmann e em uma aná-
lise histórico-evolucionária do processo de diferenciação na
América, identificamos momentos particulares desse desen-
volvimento e suas características centrais. Concluímos que
a sociologia latino-americana requer uma abordagem evo-
lutiva da sociedade para descentralizar sua visão do presen-
te, escapar do nacionalismo metodológico que a caracteriza
e se transformar na sociologia da sociedade mundial.
GUIDELINES FOR AN EVOLUTIONARY SOCIOLOGY OF
FUNCTIONAL DIFFERENTIATION IN LATIN AMERICA
Abstract
In this article we argue that functional differentiation, the
prevalent form of social organisation in world society, was
not a European imposition on America, since it had yet to
take place at the moment when the two regional societies
came into contact. Functional differentiation emerged from
the relationship between Europe and America. Moreover,
multilayered networks also became formed, co-evolving
with functional differentiation in America and giving a
particular character to American differentiation. Setting
out from Niklas Luhmann’s concept of functional differen-
tiation and a historical-evolutionary analysis of the process
of differentiation in America, we identify particular mo-
ments of this development and its main features. We con-
clude that Latin American sociology requires the adoption
of an evolutionary approach to society to decentralize its
vision from the present, escape the methodological nation-
alism that characterizes it, and transform itself into the
sociology of world society.
Palavras-chave
Diferenciação funcional;
América Latina;
redes;
estratificação;
centro/periferia;
teoria dos sistemas;
Niklas Luhmann.
Keywords
Functional differentiation;
Latin America;
networks;
stratification;
centre/periphery;
systems theory;
Niklas Luhmann.
EL CONCEPTO SISTÉMICO DE LO POLÍTICO. UN ESBOZO
Marco Estrada Saavedra I
INTRODUCCIÓN
Desde mis primeros trabajos y hasta la fecha, la relación entre la acción colec-
tiva y la política ha ocupado buena parte de mis investigaciones (Estrada Saa-
vedra, 1995, 1997, 2007, 2015, 2016). Si tuviera que sintetizar en una pregunta
el problema teórico que encuadra esta relación, la formularía de la siguiente
manera: ¿en qué consiste la dimensión política de los movimientos sociales?
Me gustaría tomar este interrogante como punto de partida para delinear una
sociología de lo político en términos de la teoría de los sistemas sociales de
Niklas Luhmann, que contribuya a una comprensión descentrada de la política
y la aprehensión de su rica y variada fenomenología.
En vista a este objetivo, revisaré cómo los paradigmas centrales en el
estudio de la acción colectiva y los movimientos sociales han tratado su carác-
ter político. Mi tesis es que estos paradigmas empobrecen las dimensiones
políticas del fenómeno al partir de una supuesta diferencia ontológica entre el
Estado y la sociedad. En seguida, esbozaré algunos puntos centrales de la so-
ciología política de Niklas Luhmann con el fin de ofrecer una concepción com-
pleja y dinámica del sistema político y, con ello, de la variedad de relaciones
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 9
9 –
128
, en
e. –
abr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1013
1 El Colegio de México (Colmex), Centro de Estudios Sociológicos,
Ciudad de México, México
https://orcid.org/0000-0003-4353-0514
A Irene Álvarez
–¡Miren!, no sean pendejos, la única postura política de peso es no votar jamás.
Si todos los votantes se pusieran de acuerdo para no ir a las urnas en un
momento dado, entonces sí, ¡qué bárbaro!, sobrevendría sin más el
desmantelamiento del mentidero infame al que a base de habladas, dizque
muy justicieras, nos quieren empujar, y luego así las cosas ¿a quién pondrían
entonces de nueva autoridad?, ¿seguiría el que ya estaba?, ¿o a la fuerza
pondrían a tal o cual?, ¿o entre ellos mismos se harían pelotas solos? En fin,
de eso se trata: sembrar la confusión, que se peleen entre ellos solamente y
que el pueblo, mirando el espectáculo, se dé cuenta por dónde va la cosa.
Daniel Sada
Marco Estrada Saavedra1
100
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
100
que los movimientos podrían entablar, en principio, con dicho sistema en di-
ferentes niveles. Sin embargo, como la concepción del sistema político del so-
ciólogo alemán aún conserva una fuerte impronta estato-céntrica, propondré
introducir la distinción la política/lo político con base en la recuperación de las
discusiones en la filosofía política contemporánea al respecto. Posteriormente,
traduciré estos debates en términos sistémicos.
El diálogo que propongo entre la antropología del Estado, la teoría de
sistemas y la filosofía política es posible en la medida en que todas ellas se
caracterizan por su impronta postontológica. En efecto, parten de la diferencia
y no de la unidad para construir objetos complejos, hétero jerárquicos, descen-
trados, autorreferentes, contingentes, relacionales, radicalmente temporales,
multicausales y abiertos al cambio. Para este tipo de objetos, los principios de
la identidad y contradicción de la lógica no se aplican (Clam, 2002; Gripp-Ha-
gelstange, 2004; y Marchart, 2013).1
LAS DIMENSIONES POLÍTICAS DE LOS MOVIMIENTOS SOCIALES
El estudio de los movimientos sociales y la acción colectiva ha orbitado alre-
dedor de dos paradigmas: el de la estrategia y el de la identidad (Cohen, 1985;
Cohen & Arato, 2000). Se trata de paradigmas (Kuhn, 1979) en tres sentidos
importantes: en primer lugar, porque diferentes comunidades científicas (es-
cuelas o tradiciones) elaboran su trabajo tomándolos como modelos conven-
cionales de hacer investigación empírica y teórica. En segundo término, a dichos
paradigmas les subyacen tipos de acción y racionalidad social distintivos, a
saber: la acción social con arreglo a fines y la acción social con arreglo a valo-
res, para utilizar los términos clásicos de Max Weber. Y, en tercera instancia, en
torno a estos tipos de acción se han elaborado diversos modelos teóricos de los
movimientos y la acción colectiva.2
Para los enfoques agrupados en el paradigma de la estrategia – la movi-
lización de recursos, los constreñimientos estructurales, la estructura política
de oportunidades o la dinámica de la contienda política (Olson, 1965; Tilly, 1978;
Oberschall, 1973; Tarrow, 1997; y McAdam, Tarrow & Tilly, 2001) –, la dimensión
política de los movimientos sociales surge en el momento del establecimiento
de la interacción contenciosa entre el actor movilizado y las autoridades públicas con
el fin de que el primero sea reconocido como un actor legítimo del sistema
político. De este modo, el movimiento puede influir en los procesos y mecanis-
mos del sistema que afectan sus intereses. Se trata de la concepción conven-
cional de la política como la de la lucha por el poder y los recursos en el siste-
ma político.
Por su parte, los enfoques aglutinados en el paradigma de la identidad
– los genéricamente denominados como los de los nuevos movimientos sociales
(Alberoni, 1984; Offe, 1985, 1988; Touraine, 1974, 1995, 1999, 2002; Melucci, 1989,
1996; Habermas, 1988, y 1989) – no consideran la dimensión política de los
101
artículo | marco estrada saavedra
101
movimientos sociales como relevante. Tienen una concepción “metapolítica”
de ellos ya que no es el sistema político-institucional en donde se encuentra
el “significado” de las luchas de los movimientos sociales.3 De hecho, este pa-
radigma no encuentra movimientos sociales como tales en las movilizaciones
y protestas políticas, sino sólo “comportamientos colectivos” en busca de re-
presentación de intereses políticos. En otras palabras, los considera como un
modo inferior de acción colectiva. La “metapolítica” de este paradigma se ex-
presa en que los “auténticos” movimientos sociales orientan sus acciones hacia
la defensa de la “identidad” en la sociedad compleja con el fin de la realización
de la “autonomía del sujeto”, en conflicto con la dominación social. Como en
este tipo de sociedad se considera a la información como el recurso existente
más importante, la dominación social es entendida en términos culturales.
EL MURO ONTOLÓGICO ENTRE EL ESTADO Y LA SOCIEDAD
Al parecer nos enfrentamos con dos versiones irreconciliables sobre las dimen-
siones políticas de los movimientos sociales. Sin embargo, ¿son realmente
opuestas? A pesar de sus diferencias evidentes, en mi opinión, ambos paradig-
mas comparten más de lo que se sospecha, por lo que convergen en sus res-
pectivas formas de reduccionismo en la comprensión de las dimensiones po-
líticas de los movimientos sociales.
Además de sus fundamentos accionalistas, que aquí no voy a tematizar,4
ambos paradigmas abrigan una concepción similar de la sociedad moderna, a
saber: conformada por subsistemas especializados con racionalidades propias:
sociedad, Estado y economía. El quid no es que esta concepción sea errónea – ya
que no lo es necesariamente –, sino que los presupuestos ontológicos con los
que entienden esas divisiones y sus efectos prácticos en las operaciones teó-
rico-metodológicas en la investigación empírica tienden a reificarlos. Así, en-
tonces, estrechan nuestro entendimiento de las dimensiones políticas de los
movimientos sociales.
Con base en las aportaciones de la antropología del Estado (Sharma &
Gupta, 2006; Das & Pole, 2004; Joseph & Nungent, 1994; Krupa & Nugent, 2015;
Migdal, 2011; Agudo Sanchíz & Estrada Saavedra, 2011, 2014; y Agudo Sanchíz,
Estrada Saavedra & Braig, 2017), propongo en seguida un conjunto de críticas
que dan cuenta de los problemas de esta distinción que opera como el punto
ciego de los estudiosos de los movimientos sociales.
Estos paradigmas suponen que hay una suerte de frontera ontológica entre
el Estado (sistema político) y la sociedad (civil), que crea espacios estancos au-
tocontenidos (Mitchell, 1991). En estos predominan tipos de racionalidad pro-
pios: la instrumental y la valorativa-normativa. Así, cuando un actor cruza esta
frontera, por alguna razón, asume la racionalidad y las cualidades del terreno
al que ha ingresado. Por ejemplo, el movimiento social asume, en ese tránsito,
su dimensión política gracias a la interacción contenciosa con la autoridad pú-
102
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
102
blica, en su versión positiva, o a que no logra trascender la lógica del sistema
político-institucional, por lo que sólo defendería intereses particulares, de
acuerdo con la versión negativa. Lo anterior deja ver una concepción lineal y to-
pográfica de la política, es decir, como una actividad en una dirección y en un
espacio específicos. El Estado es representado como una entidad cualitativa-
mente diferente a la “sociedad”. Sus instituciones no serían semejantes a las de
ésta última. No se encontrarían en su mismo nivel, sino por “encima” debido al
potencial de violencia física con el que cuentan para lograr la obediencia sobre
los ciudadanos e imponer su autoridad, a través de la acción coordinada de un
conjunto de aparatos burocráticos encargados de hacer valer leyes, políticas y
ordenamientos en las más variadas esferas de la vida social a lo largo y ancho
de un territorio reclamado por el Estado como suyo. De tal suerte, el Estado es
visto como un actor unitario, centralizado y autónomo. Lo anterior conduce a
observar la protesta social como una manifestación de conflictos entre la sociedad
y el Estado. Debido a ello, se homogeniza también al movimiento social como
una unidad de acción, fuertemente cohesionada, con identidad, intereses, creen-
cias, voluntad y motivaciones compartidas por todos sus integrantes en oposi-
ción al Estado. Sólo así se puede entender que esa relación conflictiva se pre-
sente como una lucha entre el sujeto y el sistema, como expresaría Alain Toura-
ine (2002), o el conflicto entre actores del mundo de vida y el sistema, como lo
denominaría Jürgen Habermas (1988). Finalmente, el supuesto de la división
ontológica entre Estado y sociedad conduce a estandarizar el tipo de conflictos
y relaciones que los movimientos entablan con la variedad de actores del siste-
ma político. Actores políticos que son tan distintos como, por ejemplo, los pre-
sidentes municipales, las élites tecnocráticas, los burócratas a nivel de calle, los
empleados públicos encargados de la aplicación de programas sociales a nivel
local, los intermediarios políticos en relaciones clientelares, los partidos políti-
cos, los parlamentarios, los cabilderos, los líderes de opinión pública, los grupos
de presión, los medios de comunicación, las organizaciones corporativas oficia-
listas, los organismos autónomos del Estado (como las comisiones de defensa
de derechos humanos o los órganos electorales), la policía, el ejército, etcétera.
Esta variedad de actores en el entorno interno del sistema político es simplifi-
cada, de manera burda, con la etiqueta “autoridades públicas” o “sistema polí-
tico-institucional”, así como la hipótesis problemática del enderezamiento de
sus acciones de acuerdo con una única racionalidad compartida.
En síntesis, si se cuestiona la realidad de la demarcación ontológica de
la división Estado/sociedad y la hipótesis de la existencia de racionalidades
correspondientes a cada uno de los términos de esta distinción, entonces po-
dríamos observar las complejas, contingentes y cambiantes relaciones que
entablan Estado y movimiento y dar cuenta de cómo los movimientos pueden
estar en el Estado y el Estado en la sociedad (es decir, los movimientos). Cuan-
do desencializamos y deconstruimos nuestras nociones de Estado y movimiento,
103
artículo | marco estrada saavedra
103
ganamos una concepción más compleja y dinámica de ambos y sus relaciones
mutuas. Al aplanar (Latour, 2010) la idea de Estado, se le puede tratar como una
fuerza social más (Migdal, 2011) entre las existentes en la sociedad (e incluso
allende las fronteras nacionales), que se encuentran en luchas por ordenar la
vida, relaciones, identidades, lealtades, distribución de poder, autoridad y todo
tipo de recursos de la población en su conjunto o de un segmento de ella. En
una palabra, luchan por hacer valer órdenes sociales de dominación (más o
menos extensos, según sea el caso).
Sin embargo, lo anterior no agota las dimensiones políticas de los mo-
vimientos sociales. En realidad, con esta propuesta aún se orbitaría alrededor
de la concepción politicocéntrica propia de ambos paradigmas (y del sentido
común de la mayoría de los científicos sociales). Se necesita dar cuenta, además,
de las dimensiones políticas del movimiento antes y después de la confrontación
con las autoridades públicas, sistema político o Estado, es decir, en el mundo
de vida.5 Lo anterior implica reelaborar la misma noción de movimiento social
y dar cuenta de su complejidad y heterogeneidad internas para romper con la
ilusión de unidad e identidad que propagan ambos paradigmas, por un lado, y
reconocer las diferencias, desigualdades y relaciones de poder y conflictos que
los estructuran internamente, así como las experiencias de proyectos alterna-
tivos de vida individual y colectiva en el mundo de vida, por el otro (Estrada
Saavedra, 2015). Justo aquí encontramos dimensiones de la política que no se
pueden simplificar en el mero reconocimiento como actor integrante de la
polity ni pensarlas en términos de un conflicto por apoderarse de la historicidad
o la reprogramación de códigos societales.
Aún más: hay que tomar en serio el hecho de que muchos conflictos en
los que se involucran los movimientos sociales los enfrentan contra oponentes
y en arenas distintas a los del sistema político. Por lo tanto, es necesario incluir
en el análisis sociológico lógicas, códigos, medios de comunicación simbólica-
mente generalizados y programas propios de los sistemas funcionales (por
ejemplo, el derecho, el arte, la economía, los medios de masas, la religión, etc.)
en los que tiene lugar el antagonismo. Inclusive es de anticiparse que el movi-
miento participa contemporáneamente en conflictos múltiples con actores y
organizaciones de diversos sistemas funcionales. Por esta razón, adopta dife-
rentes formas de acción y comunicación (paralela y/o consecutivamente) en la
consecución de objetivos heterogéneos y en constante revisión y reajuste.
La crítica de la denominada antropología del Estado a la concepción de
una división ontológica entre Estado y sociedad tiene el inconveniente de su-
gerir que no existe diferencia real entre ambos, sino sólo una dispersión de
discursos y prácticas de poder desarticuladas. Concebido así, el Estado correría
el riesgo de convertirse en una mera representación mental o ideológica (Abrams,
1988), y la dominación política en asimetrías de poder discretas y volátiles. Una
conclusión semejante sería inaceptable. El momento de descentramiento y de-
104
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
104
construcción del Estado promovido por esta antropología debe ser llevado a
uno de reconstrucción, mas sin caer en las ilusiones del Estado como un apa-
rato unitario, autónomo e hiperracionalizado (Agudo Sanchíz, 2014; Estrada
Saavedra, 2019).
En la sociología política de Niklas Luhmann se pueden encontrar vías
prometedoras para llevar a cabo este propósito.
LA POLÍTICA DE LA SOCIEDAD
En esta sección, esbozo, de manera muy sintética, la descripción de Niklas
Luhmann del sistema político.6
Como es conocido, el sociólogo alemán concebía a la sociedad moderna
como una sociedad funcionalmente diferenciada y compuesta por una plura-
lidad de sistemas autónomos y especializados en la resolución de problemas
societales (Luhmann, 1998).7
De acuerdo con el sociólogo de Bielefeld, la función de la política consis-
te en la “toma de decisiones vinculantes colectivamente” (Luhmann, 2000a: 84).
Las decisiones políticas no sujetan a la “sociedad” en su conjunto, sino que se
dirigen a y/o crean determinadas “colectividades”, a las cuales vinculan y, en
caso de resistencia, las obligan a obedecer – en una situación extrema inclusi-
ve por medio de la violencia (Nassehi, 2002). En este sentido, el poder es el
medio de comunicación simbólicamente generalizado del sistema político. En otras
palabras, es el instrumento para elaborar, hacer efectivas y comunicar decisio-
nes políticas (Luhmann, 2000a). La existencia de una enorme variedad de po-
sibles cursos de acción en la política hace necesario el poder. En efecto, lo
propio de las decisiones es que son contingentes. Antes de ser tomadas, supo-
nen una pléyade de alternativas más o menos plausibles, más o menos prefe-
ribles. Una vez que se han tomado, las decisiones son presentadas como nece-
sarias e ineludibles – astucia que sólo invisibiliza su radical contingencia como
una mera selección posible entre muchas otras que han sido descartadas (Lu-
hmann, 2000c, en particular el capítulo 4).
Con el objetivo de lograr su aceptación – sobre todo teniendo en cuenta
que en la colectividad política las preferencias político-ideológicas son plurales
y contrarias –, el poder contribuye a reducir las alternativas de respuesta a la
decisión comunicada – obedecer o desobedecer – y señalar los cursos de acción
que los tomadores de decisión en el sistema político prefieren que se sigan. De
esta manera, el poder resuelve de continuo el problema de la doble contingen-
cia social en el sistema. Dicho de otro modo, el poder funciona cuando Ego está
dispuesto a obedecer voluntariamente a Alter, de tal suerte que establece un
vínculo y demuestra su disposición a cooperar en los términos establecidos. El
poder abre un abanico de alternativas, por lo que la decisión de obedecer y
cooperar es, en consecuencia, contingente. Pero, en última instancia, si la acep-
tación de obedecer voluntariamente no se consigue, se puede obligar a com-
105
artículo | marco estrada saavedra
105
portarse de la manera deseada mediante la amenaza del uso de la violencia
física. El empleo de la violencia clausura toda posibilidad de decidir de Ego y,
por tanto, de colaborar libremente (Luhmann, 2012). Este es el significado últi-
mo del carácter colectivamente vinculante de la decisión política. Un “no” a la
comunicación de poder puede conducir a que Ego sufra una sanción, que pue-
de ir desde una multa administrativa8 hasta el encarcelamiento o la pena de
muerte.9 Por lo general, el detentador del poder político institucional tiene un
gran interés en que sus mandatos sean aceptados de manera libre y voluntaria.
De este modo, no sólo fluyen los procesos comunicativos sin mayores escollos,
sino que además se refrenda la legitimidad de la autoridad política. La violen-
cia es la ultima ratio de la autoridad para conseguir obediencia. Su aplicación
representa, sin embargo, un riesgo para el poder. El refinamiento del simbolis-
mo del poder reside justamente en la amenaza de sanciones negativas, no en
el ejercicio de la sanción. La utilización de la coacción física puede ser un
signo palpable de la erosión de la legitimidad del poder político.
Por su parte, el código del sistema político tiene la forma gobierno/oposi-
ción.10 Gracias a él, se logra la clausura operativa del sistema político mediante
la tecnificación de la comunicación inherente a la política. El gobierno observa
la función de la toma de decisiones y la comunicación de órdenes a la adminis-
tración para su aplicación. A su vez, la oposición supervisa y critica las tareas
del gobierno, con lo cual demuestra, al menos discursiva y polémicamente, que
existen alternativas a las propuestas y decisiones gubernamentales. La oposi-
ción se ocupa, también, de disminuir la asimetría de poder existente entre cen-
tro y periferia.11 Así, sirve de zona de contención entre el gobierno y la opinión
pública/pueblo/ciudadanía, con lo cual permite incluir temas y actores de la
periferia del sistema. “El mismo carácter de ‘o esto o aquello’ de la codificación
[gobierno/oposición] funge como restricción” (Luhmann, 2000a: 102). En efecto,
el código restringe las posibilidades de organizar y utilizar el poder, de ubicarse
al mismo tiempo en el gobierno y en la oposición o de quiénes y qué temas
pueden ser incluidos o excluidos en la toma de decisiones políticas.
Por otro lado, el sistema político está diferenciado, internamente, en tres
subsistemas: la política, la administración pública y el público (Luhmann, 2000a:
253ss, 258s y 260ss). La unidad de la diferenciación interna del sistema político
es asegurada y representada simbólicamente por el Estado. En el primer sub-
sistema, encontramos las estructuras, procesos y actores de los poderes ejecu-
tivo y legislativo, pero también de los partidos políticos, que en su conjunto
cooperan en la elaboración de decisiones políticas. En este sentido, la “política”
es la totalidad de “comunicaciones que [sirven] para preparar decisiones colec-
tivamente vinculantes mediante la prueba y evaluación de sus oportunidades
de éxito. Esta actividad supone que ella misma no tiene aún un efecto vincu-
latorio colectivo, pero que, al mismo tiempo, se expone a ser observada y, por
ello, a ser parcialmente fijada” (Luhmann, 2000a: 254).
106
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
106
En la administración pública encontramos, por su parte, el complejo
entramado burocrático que se ocupa de hacer valer leyes, normas, reglamentos,
ofrecer servicios a la ciudadanía y usuarios, así como aplicar todo tipo de po-
líticas y programas públicos resultado de las decisiones políticas (Luhmann,
2010, en particular la tercera parte).
Finalmente, mediante el acoplamiento estructural del sistema político
con los medios de masas con fines de observación de su entorno (externo e
interno),12 el público está conformado por las discusiones que informan temá-
ticamente la opinión pública, y los diferentes roles políticos que los ciudadanos
pueden asumir en dicho sistema (votante, miembro de asociaciones civiles,
manifestante, contribuyente fiscal, beneficiario de programas sociales, peticio-
nario, etcétera).13 En forma de opinión pública, el público funge como filtro de
los temas que más preocupan e interesan a la ciudadanía. Temas que la polí-
tica puede recoger en sus deliberaciones partidistas y parlamentarias y, even-
tualmente, representar políticamente.
La anterior no es la única forma de diferenciación social del sistema
político. Luhmann propone, también, la existencia de la diferenciación centro/
periferia (Luhmann, 2000a: 244ss). De acuerdo con ésta, en el centro del sistema
se encontrarían los poderes ejecutivos y legislativos,14 la burocracia estatal y
los partidos políticos, mientras que en su periferia hallaríamos la ciudadanía,
la opinión pública, los movimientos de protesta,15 las organizaciones no guber-
namentales, los actores de la sociedad civil, los grupos de presión e interés,
entre otros.
Para los fines de nuestra discusión, el valor heurístico de las diferencia-
ciones política/administración/público y centro/periferia consiste en que nos per-
mite observar qué estructuras, procesos y actores políticos participan, de ma-
nera más directa, en la función del sistema político. Gracias a ello podemos
registrar las variaciones y dinámicas de las relaciones de poder al interior del
sistema (Luhmann, 2000a: 255ss) y tomar en cuenta las diferentes cadenas de
comunicación que intervienen, directa o indirectamente, en la elaboración de
decisiones políticas.
Como todo sistema social, el político traza, de manera autónoma, su fron-
tera con su entorno al producir y seleccionar el tipo de comunicaciones que le
es propio– las decisiones políticas – y contribuye a su autopoiesis. En este sen-
tido, Luhmann considera como político todo fenómeno involucrado, directa o
indirectamente, en la elaboración de decisiones colectivamente vinculantes. Por
lo tanto, el proceso de su producción puede iniciar, en principio, en cualquier
punto del centro o la periferia del sistema político o en cualquiera de sus tres
subsistemas especializados. Existe, entonces, un doble “circuito de circulación
del poder”: uno formal (desde el centro e institucional) y, otro, informal (desde
la periferia y no institucional) (Luhmann, 2000a: 258ss y 264).16 De este modo, el
poder asume una forma diferente si inicia su circulación en el centro o la peri-
107
artículo | marco estrada saavedra
107
feria, en la administración pública o la opinión pública del sistema. Por ejemplo,
un movimiento social (periferia) puede elevar, mediante protestas, demandas
(a favor de la protección de la naturaleza o los derechos humanos). Eventual-
mente, éstas son registradas y discutidas temáticamente por la opinión pública
creando un clima de presión sobre partidos de oposición, políticos, parlamen-
tarios y gobierno, que conduzca a tomar una decisión política al respecto. De-
cisión que asumiría la forma de una política o programa público, que la buro-
cracia deberá implementar. Puede suceder, en cambio y para variar el ejemplo
desde otro sentido de este circuito, que la administración pública – el ministerio
de comunicaciones y transportes – detecte que, debido al aumento del volumen
del tráfico aéreo, la capacidad aeroportuaria del país resulta insuficiente para
responder a las necesidades de transporte de personas y mercancías, por lo que
propone al ministro de dicha cartera un plan de modernización de aeropuertos.
El gobierno buscaría implementar dicho plan. Esto requiere, sin embargo, con-
vencer al público (ciudadanía) de la conveniencia del mismo. A la par, el gobier-
no negocia su realización y autorización con la oposición en el parlamento. Dado
el caso, se toma una decisión política en este sentido.
Esta concepción, rompe dos tipos de ilusiones: la estatista o elitista, que
presupone que el poder político se originaría en la punta de la pirámide (centro)
y descendería a su base (periferia); y, por el otro lado, la ilusión republicana,
que alega que el poder político provendría “del pueblo”, que, por medio de
mecanismos de delegación y representación, facultaría a políticos y funciona-
rios a implementar las decisiones populares. Con esta perspectiva descentrada,
se refleja de manera más adecuada la complejidad de la política.
Una consecuencia [de lo anterior] es que la localización del poder cambia de
situación a situación y que únicamente puede ser observado y calculado en el
mismo sistema. Esto es así, porque se debe calcular constantemente la distinción
poder formal/informal, por lo que la comunicación (escrita y oral) debe ser leída,
correspondientemente, de manera doble. Sobre todo, ha de establecerse una
observación de segundo orden, de tal modo que cada observador puede tomar
en cuenta que está siendo observado y cómo está siendo observado. Y, no por
último y complicando aún más la situación, en este sistema de vinculaciones se
utiliza también la distinción inclusión/exclusión (Luhmann, 2000a: 260).
Si partimos de lo anterior, es posible pensar la decisión y el poder polí-
ticos como flujos comunicativos – por tanto, creadores de formas de lo social
–, que circulan en su proceso de elaboración de manera horizontal, vertical,
central, periférica, espiral, contradictoria y/o intermitente. Todo ello sucede en
lugares y momentos múltiples que no están, necesariamente, coordinados y
sincronizados entre sí ni dirigidos o supervisados centralmente.17 Por tanto, los
efectos de estos flujos de decisión y poder – es decir, de condicionar las selec-
ciones y acciones de Ego – tienen alcances y consecuencias diferenciados e
inesperados.
108
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
108
LA FILOSOFÍA DE LO POLÍTICO
Si bien la sociología política de Niklas Luhmann ofrece una ambiciosa y com-
pleja descripción del sistema político de la sociedad, no deja de tener un im-
portante sesgo estato-céntrico al asumir, de manera poco crítica, la semántica
establecida en la evolución de la (auto)descripción del sistema mismo. Esto
conlleva el inconveniente de la sobredeterminación del denominado “centro”
del sistema como el espacio de las operaciones en el que la función de la polí-
tica se realiza de manera fundamental. En efecto, a pesar de que al Estado no
se le otorga un estatus especial en esta sociología, no es fácil quitarse la im-
presión de que él sigue representando la unidad y totalidad del sistema debido
a que dispone del monopolio de la violencia legítima. Por esta razón, la “peri-
feria” y los subsistemas “no centrales” del sistema político no son considerados
como igualmente relevantes en su contribución al cumplimiento de la función
societal de la política. No obstante, si se toma en serio la exigencia de la uni-
versalidad de la teoría de sistemas, entonces, “no hay por qué dar prioridad al
centro político sobre la periferia política en la hétero descripción científica del
sistema político” (Hellmann, 2005: 45).
Aún más, tampoco habría que hipostasiar la lógica de la diferenciación
funcional como la única perspectiva relevante para aprehender la constitución
de los fenómenos políticos en y fuera del sistema político. Hay que tomar en
cuenta, también y dependiendo del caso a estudiar y la pregunta de investiga-
ción, las lógicas de la diferenciación segmentaria, estratificada, centro/perife-
ria o inclusión/exclusión (Holz, 2003; Lehmann, 2003).18
Lo anterior nos obliga a ser más exigentes que Luhmann cuando afirma,
con toda razón, que:
Cuando la autopoiesis del poder ha logrado establecerse y, en consecuencia, se
puede contar con la existencia de diferencias de poder, entonces otras comuni-
caciones pueden poseer también capacidad de enlace, aunque no participen di-
rectamente en la autopoiesis del sistema […] [En consecuencia], no todas las
operaciones políticas versan sobre el manejo y la reproducción del poder políti-
co. Muchas, quizás la mayoría de ellas, tienen que ver con ello sólo de manera
indirecta (Luhmann, 2000a: 90).
Si esto es así, ¿cuál es el alcance real de los rendimientos de la coope-
ración del código, el medio de comunicación y los programas en la producción
de la función de la política, en el entorno interno de este sistema especializado?
¿En qué sentido se pueden considerar como políticas a las comunicaciones que
sólo tangencialmente contribuyen a la elaboración de decisiones políticas? ¿Se
podría afirmar con propiedad que, en el sistema político, hay comunicaciones
“más” políticas que otras? ¿A qué se referiría este “más” y cómo dar cuenta,
heurísticamente, de estos supuestos grados de “politicidad”? Estaríamos ha-
blando de comunicaciones que, sin contribuir formalmente en la elaboración de
las decisiones políticas – por lo que no se les puede considerar vinculantes
109
artículo | marco estrada saavedra
109
colectivamente –, sin embargo, no se les puede dejar de considerar como signi-
ficativas políticamente por sus efectos en y fuera del sistema político.
Para atacar este problema, propongo trazar, a manera de reentry, una dis-
tinción al interior del concepto sistémico de la política y crear la forma la política/
lo político. Con el fin de perfilar el contenido del lado derecho de esta distinción,
echaré mano, a continuación, de las discusiones sobre lo político en la filosofía
política contemporánea (Arendt, 1985, 1992, 1993, 1994; Badiou, 1988, 1985; Casto-
riadis, 2008, 2001, 1995, 1989; Laclau, 2015, 2014, 2008; Laclau & Mouffe, 2011; Le-
fort, 1986, 1991, 1992, 1999; Rancière, 2002, 2004, 2007; Vollrath, 1977, 1987, 2003).19
Pero antes de esto, conviene escuchar lo que Luhmann tiene que decir
sobre la propuesta de introducir una distinción en el concepto sistémico de la
política. Sin rodeos, considera “la distinción entre ‘la política’ y lo ‘político’
como artificial. Es un síntoma de los intentos de rescatar pesos muertos de la
filosofía política de Europa en una época, en la que esta filosofía se enfrenta
con estructuras sociales transformadas radicalmente” (citado en Vollrath, 2003:
21).20 Es verdad que en varios de estos filósofos, no en todos, hay una relectura
y recuperación de la filosofía clásica. Pero su objetivo no consiste en reanimar
la experiencia de la polis ateniense en las condiciones actuales – empresa, por
lo demás, fútil –21 sino en encontrar herramientas (figuras de pensamiento) para
dar cuenta de los déficits con que se aborda en la filosofía22 y la ciencia el fe-
nómeno político, la creciente desafección política entre la ciudadanía y, sobre
todo, tratar de responder filosófica y prácticamente a la transformación pre-
sente de las democracias liberales en regímenes “postdemocráticos” y “postpo-
líticos”.23 En una palabra, estos filósofos buscan encarar el supuesto exilio de la
política en nuestros sistemas políticos contemporáneos.
Quizás ésta intención político-filosófica no alcanzaría a justificar la in-
troducción de la distinción política/político en la sociología política de Niklas
Luhmann. La razón central de la utilización del pensamiento de la “diferencia
política” consiste, fundamentalmente, en que en la teoría sistémica hay sufi-
cientes problemas, ambigüedades y puntos ciegos sobre la determinación de
la política que, para su estudio empírico, en general, y de los movimientos
sociales, en particular, se ha vuelto ineludible reevaluarla y recalibrarla –“sin
consideración a su arquitectura”– para volverla un instrumento de observación
más fino y potente. Aún más, el tufillo “evolucionista”, en el sentido más pe-
yorativo del término, de la teoría de sistemas conduce a Luhmann a no hacer
ninguna consideración sustancial sobre regímenes políticos diferentes al de la
democracia liberal representativa, el cual sirve de modelo para esbozar el sis-
tema político de la sociedad global. Este estrechamiento de la diversidad de regí-
menes políticos a nivel mundial se paga al precio de ignorar cómo funciona
realmente la política en las diferentes regiones del orbe.
Dicho lo anterior, regresemos al argumento central de esta sección. En
las obras de estos filósofos – al menos en relación con lo político –, no se pre-
110
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
110
tende desarrollar un pensamiento sistemático o una teoría acabada. Inclusive
su filosofía puede describirse como “anti sistemática” o “asistemática”, porque
se considera que, salvo en regímenes totalitarios, lo político no puede clausu-
rarse, lo cual se reflejaría en el talante no sistemático de sus respectivas filo-
sofías (Bröckling & Feustel, 2010; y Bedorf, 2010).
Más allá de sus diferencias sobre la determinación concreta de lo polí-
tico – ya sea como un modo especial de discurso o práctica,24 un fenómeno con
un espacio social propio,25 un carácter de evento extraordinario e irruptor,26 un
criterio normativo,27 un acto fundacional28 o un tipo singular de relación29 –, lo
que tienen en común estás filosofías de la “diferencia política” (Bedorf & Rött-
gers, 2010)30 es que caracterizan lo político por su capacidad generativa de pro-
ducir su propio espacio fenoménico, tanto al interior como al exterior de las
instituciones políticas. Asimismo, enfatizan su naturaleza antagónica en el
sentido de iniciar conflictos que redefinen la figura y sentido de relaciones
sociales, la distribución de recursos socialmente valiosos, las identidades in-
dividuales y colectivas e, inclusive, las formas de hacer, pensar o sentir de
actores y colectividades. Estos filósofos identifican la política con el funciona-
miento normal y cotidiano de la administración pública, el debate parlamen-
tario, las luchas partidistas por el ejercicio del poder, las discusiones públicas
o la participación electoral. En comparación con lo anterior, lo político inte-
rrumpe la normalidad de lo políticamente instituido. En otras palabras, es el
momento instituyente que crea formas nuevas de lo social y, por tanto, de or-
denar la política. Para estos pensadores, lo político revela, a manera de dispo-
sitivo disruptivo, la contingencia del orden sociopolítico, es decir, su carencia
de fundamentos naturales, necesarios o racionales, que es lo mismo que decir:
su base en la dominación. En este sentido, como la política carece de esencia,
en principio cualquier tema, relación o identidad social puede ser politizable
(o despotizable). Esto significa, además, que no está definido de antemano quién
puede ser o no un sujeto político. De tal suerte, las fronteras de lo social y lo
político se vuelven ambiguas y pueden ser dislocadas y reorganizadas
Para una recuperación productiva de las discusiones anteriores, hay que
tomar conciencia de que, por razones propias de las prácticas de argumentación
en la filosofía, la distinción la política/lo político es tratada como una dicotomía.
Además, en tanto que la filosofía es considerada como una praxis política, en el
sentido de ser un pensamiento sobre el sentido del estar y ser en el mundo y las
formas de convivencia con los otros, se utiliza la distinción como un criterio
práctico-normativo. En efecto, la retórica de la oposición conceptual conduce a
hipostasiar con frecuencia lo político como la experiencia auténtica de la praxis
política y, en consecuencia, a observar en la política su perversión, decadencia
o corrupción. Por último, ante el espectáculo de la normalidad política realmen-
te existente en nuestras sociedades, los filósofos destacan, de manera polémica,
el carácter extra-ordinario, mesiánico y hasta (proto) revolucionario de lo político.
111
artículo | marco estrada saavedra
111
Para atemperar algunos de los anteriores excesos, se requiere someter
las intuiciones de la filosofía de lo político a una crítica de su “razón escolás-
tica” (Bourdieu, 1999) y colocarlas en la complejidad del mundo social como el
sustrato sociohistórico que media, condiciona y organiza las disputas y los
combates políticos, así como las prácticas y las formas de pensar y evaluar de
los actores sociales involucrados en ellos (Eribon, 2017: 117-146; Bourdieu, 1997:
115-125).
EL CONCEPTO SISTÉMICO DE LO POLÍTICO
En esta última sección quiero traducir, al lenguaje sistémico, las figuras de
pensamiento de la filosofía de lo político para hacerlas productivas para la
sociología política, en general y el estudio de los movimientos sociales, en
particular.
Si partimos de la distinción la política/lo político, del lado izquierdo de la
forma se ubican el conjunto de comunicaciones producidas de acuerdo con la
lógica operativa del código, el medio de comunicación y los programas del
sistema político. En el flanco derecho, se encuentran las comunicaciones que,
si bien están también orientadas a “influir en la toma de decisiones políticas”,
no se ajustan, en sentido estricto, a la lógica sistémico-funcional de la política
o, inclusive, se configuran de acuerdo con otras lógicas de diferenciación social.
En este punto conviene seguir el concepto de participación política de Huntington
y Nelson – “la actividad de ciudadanos particulares orientada a influir en la
toma de decisiones gubernamentales” (1976: 4) – a razón de que incluye la
participación autónoma individual y colectiva, la corporativamente movilizada,
la legal e ilegal, la pacífica y la violenta, la que confirma la legitimidad del ré-
gimen y la que busca subvertirlo revolucionariamente. Hay que enfatizar, no
obstante, que la “influencia” en la toma de decisiones incluye más que la “es-
fera gubernamental” que mencionan estos autores. Se ha de considerar tanto
la influencia en alguno de los subsistemas de la triada política-administra-
ción-público como también, y si es el caso, en otros sistemas funcionales y sus
respectivas organizaciones. Todos ellos son espacios en los que puede ejercerse
esta “influencia” y en los que se encuentran eventuales oponentes y aliados.
En efecto, piénsese en un grupo de pobladores que protesta en contra de la
explotación de minerales de una empresa en las cercanías de su entorno na-
tural; o en un colectivo que quiere censurar una cinta cinematográfica o una
exposición de arte por considerar que ofende su moral o convicciones religiosas.
O, para poner otro ejemplo, imagínese a activistas que se enfrentan en contra
de laboratorios científicos en los que se experimenta con primates. En todos
estos casos, hay que considerar siempre la lógica de los sistemas económico,
del arte o la ciencia, respectivamente, junto con la del sistema político.
Como configuran la unidad de la diferencia de una forma, la política y
lo político comparten el poder como su medio de comunicación. Pero, las comu-
112
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
112
nicaciones de lo político se hallan, desde el punto de vista sistémico-funcional,
más indeterminadas y polémicamente más abiertas que las de la política. Las
bifurcaciones binarias del código (gobierno/oposición), el medio (poder/no po-
der)31 y los programas (derecha/izquierda) del sistema político son desestabili-
zadas por lo político al no reducir sus opciones a la lógica tecnificada del “o
esto o lo otro”. Lo político se caracteriza por transgredir y desplazar los márgenes
de la inclusión/exclusión del orden político-sistémico y, en ciertos casos, pre-
tender inclusive subvertirlo al proponer una nueva gramática para trazar dis-
tinciones, que sean la base de futuras decisiones colectivamente vinculantes.
Si bien el poder está presente, prácticamente, en todo sistema social (in-
teracción, organización o sistema de protesta), únicamente en el sistema políti-
co opera como su medio de comunicación simbólicamente generalizado. Es allí
donde sistemáticamente amplía y estructura el rango de las comunicaciones
(las decisiones políticas) más allá de los actores presentes y en situaciones múl-
tiples, variadas, aún desconocidas y por venir. En este sistema, el poder condi-
ciona las motivaciones y selecciones de los actores políticos y eleva las proba-
bilidades de aceptación de la comunicación, a pesar de la incomodidad que
pueda producir su contenido en sus destinatarios (Luhmann, 1998: 190ss).
El medio de comunicación es un lenguaje híper especializado que per-
mite que las comunicaciones que se elaboran con base en él sean significativas
para el sistema funcional en cuestión, es decir, que no sean consideradas como
“ruido” y tengan, en cambio, capacidad de enlace con los flujos comunicativos
sistémicos. Para el caso que nos ocupa, esta capacidad supone que la comuni-
cación de lo político pueda, eventualmente, participar o influir en la configu-
ración de las tomas de decisiones políticas – aun cuando la constitución de sus
comunicaciones y acciones no estén (del todo) tecnificadas, por su grado de
indeterminación, y los canales que se utilizan para este objetivo violenten la
lógica y las expectativas institucionales.
En este sentido, una de las fuentes de poder – pero también de debilidad
– de lo político es la alta contingencia que introduce en los procesos comunica-
tivos institucionales. Esta contingencia es percibida como disruptiva en la me-
dida en que suspende la relativa normalidad de las cadenas de comunicación
de decisiones políticas. Para los procesos e integrantes de la polity, las deman-
das contestarias provenientes del espacio de lo político resultan “maximalistas”,
“poco realistas”, “no negociables”, “irresponsables”, en otras palabras, “intrata-
bles”. Esta contingencia irruptora asume la forma de un conflicto, es decir, un
sistema social que se reproduce con base en una doble contingencia negativa
(Luhmann, 1987: 530-538). El conflicto es la comunicación de contradicciones,
de tal suerte que se endereza a defraudar continuamente las expectativas de
la contraparte. La relación entre Ego y Alter se configura en torno a la rivalidad
y la voluntad de hacerse daño entre sí. Por esta razón, la forma principal de
comunicación de lo político es la negación.
113
artículo | marco estrada saavedra
113
En relación con el poder como medio de comunicación, lo político pue-
de entenderse como un “parásito” sistémico. Me explico. El mundo es un hori-
zonte infinito de posibilidades. El sentido es el medio de la reducción y el
manejo de su complejidad e inabarcabilidad gracias al uso de, por ejemplo,
tipificaciones, esquematismos, codificaciones o programaciones. Las especifi-
caciones de sentido se basan, esencialmente, en el trazo de distinciones, o sea,
en la creación de diferencias. Si bien es cierto que estas distinciones son arti-
ficiales y no reflejan el sustrato de la realidad mundana son, sin embargo, el
principio que permite construir enlaces ulteriores plenos de sentido o cadenas
comunicativas mediante la exclusión de otras posibilidades de constitución de senti-
do, vivencia, experiencia, comunicación y acción. La figura del “parásito” recuerda,
precisamente, la arbitrariedad del origen de esas distinciones instituidas. Su
presencia irruptora disloca la lógica binaria (la forma con dos lados) con la que
opera el sistema (en nuestro caso, el sistema político) trayendo al juego al ter-
cer excluido, es decir, a las posibilidades anteriormente descartadas u otras no
consideradas previamente (cfr. Luhmann, 1987: 122ss y 285).
El conflicto, que la irrupción de lo político inaugura, desnaturaliza la
normalidad imperante y devela la arbitrariedad sobre la que se basa el orden
de la política: la dominación. De este modo, lo político abre un espacio de pon-
deración de otras posibilidades de concebir y organizar lo social y de modificar
expectativas institucionalizadas e iniciar procesos de aprendizaje.
Los conf lictos disuelven la seguridad de la expectativa, desmontan la compleji-
dad reducida y muestran que es posible más que lo meramente actualizado has-
ta ahora […] [El] conf licto retrae al sistema, a la vez, a su estado originario: la
complejidad reducida – como complejidad propia – se desgaja (Bonacker, 2005:
273).32
Por otro lado, lo político supone un proyecto alternativo de un modelo de
organización colectiva de la sociedad (o, al menos, de un segmento poblacional).
En efecto, se trata de un modo particular de dotar de forma a las relaciones
sociales – que no son, en el fondo, sino comunicaciones – a partir de una distinción
que las ordene y pretenda introducirse (negociada o conflictivamente) como
legítima y vinculante para todos los afectados por ella.
El momento de lo político es el de la “demanda contestataria” (Estrada
Saavedra, 2015: 285ss.) que, al inaugurar un conflicto, cuestiona las formas de
orden y, por tanto, de inclusión/exclusión del sistema. Esta demanda se basa en
una interpretación alternativa (en ocasiones contrapuesta) a la manera de en-
marcar y procesar temas y problemas por parte de la política. Así, tiene lugar una
lucha antagónica por imponer hegemónicamente una u otra interpretación sobre
el objeto de disputa. A partir de un trazo distintivo diferente – es decir, una nueva
interpretación – se reordena la parcela en cuestión del mundo social con sus je-
rarquías, formas de acción y comunicación legítimas, pero también con sus ex-
clusiones, categorización de grupos y personas, imágenes de sí mismo, etcétera.
114
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
114
La distinción la política/lo político permite pensar, asimismo, la diferencia
de los espacios y tiempos en los que los fenómenos en su interior se constituyen.
Esto significa que los lugares y momentos institucionales del sistema político
no agotan las formas y procesos espacio-temporales de lo político. No hay coin-
cidencia ni sincronía, punto por punto, en las arenas de conflicto de ambos. De
tal suerte, en cada uno de los lados de la distinción se generan y despliegan
múltiples lógicas comunicativas – o, en términos no sistémicos, prácticas y
discursos – que, empero y eventualmente, pueden traducirse entre sí, pero que,
en su paso de un lado a otro, sufren transformaciones.
Al configurarse en el extrarradio de la ciudadela política, lo político ali-
menta, por otro lado, sus comunicaciones de los lenguajes y experiencias no
tecnificados de la vida cotidiana y de las necesidades, problemas y demandas
que los actores enfrentan en este ámbito de la realidad. En este sentido, lo
político no representa ninguna ruptura con la vida cotidiana y el mundo de
vida. De hecho, es un fenómeno más común y extendido que lo que los filóso-
fos tienden a suponer. Efectivamente, lo político toma con frecuencia las expe-
riencias individuales y colectivas de la vida cotidiana como el sustrato desde
el cual se configura él mismo. Los actores tienen, por lo general, una idea ra-
zonablemente clara acerca de sus problemas y de lo que se requiere hacer para
resolverlos. Sin embargo, las instituciones políticas no están preparadas para
responder a sus necesidades por no encajar en su visión, lógica y recursos
presupuestales. Justo en este desencuentro se gestan las condiciones del con-
flicto político.
CONCLUSIÓN
En este trabajo he afirmado que los paradigmas centrales en el estudio de los
movimientos sociales resultan insuficientes para comprender su dimensión
política. Por esta razón, he propuesto superar este déficit introduciendo la dis-
tinción la política/lo político. Abordar el tema de lo político tomando como pun-
to de entrada a los movimientos sociales, tiene una doble ventaja heurística.
En primer lugar, debido a que los movimientos se pueden ubicar en el interior
o el exterior del sistema político, dependiendo del momento e interés de la
observación, nos vemos obligados a cuestionar la identificación convencional
de la política con lo estatal y a preguntarnos por su eidos. Y, en segundo térmi-
no, los conflictos en los que se hallan involucrados los movimientos fungen
como un dispositivo que develan la arbitrariedad de las distinciones que orde-
nan la vida sociopolítica y que se fundamentan en la naturalización de las
relaciones de dominación. En este sentido, el empleo de la distinción la política/
lo político nos puede ayudar a des-estatizar nuestra concepción del fenómeno
y a acceder a nuevos horizontes de comprensión.
El sociólogo interesado en el estudio empírico de fenómenos políticos
– como los movimientos sociales, por ejemplo – hará bien en tomar conciencia
115
artículo | marco estrada saavedra
115
de que la distinción la política/lo político es únicamente un instrumento heurísti-
co, que demuestra su utilidad al permitir observar dichos fenómenos cruzando,
constantemente, de un lado al otro de la distinción. No tiene por qué perma-
necer en el lado de la política, como prescribe el teórico sistémico, o de lo po-
lítico, como quiere el filósofo. Ninguno de estos flancos ha de tomarse como
más fundamental o auténtico que su contraparte.
Recibido en 19/9/2019 | Revisado en 13/1/2020 | Aprobado en 21/1/2020
Marco Estrada Saavedra es profesor-investigador adscrito al Centro
de Estudios Sociológicos de El Colegio de México. Entre sus últimos
libros se encuentran El uno y los muchos. Voluntad y soberanía en la
filosofía política de Hobbes, Rousseau, Schmitt, Agamben y Arendt (2019) y
Contornos de lo político. Ensayos sociológicos sobre memoria, protesta,
violencia y Estado (2019). También es autor del artículo “The Popular
Assembly of the Peoples of Oaxaca (APPO)” in The Oxford Research
Encyclopedia of Latin American History (2020)
116
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
116
NOTAS
1 Deseo agradecer a David Luján Verón, Gabriel Vommaro,
Sergio Pignuoli Ocampo y a los dictaminadores anónimos
de Sociologia & Antropologia por sus comentarios, sugeren-
cias y críticas hechas a diferentes versiones de este artí-
culo. Me han resultado muy estimulantes.
2 Para un panorama sobre los diversos enfoques en el es-
tudio de los movimientos sociales y la acción colectiva,
véase Hellmann y Koopmans (1998), McAdam, McCarthy,
y Zald (2005) y Snow, Della Porta, Klandermas y McAdam
(2013).
3 Esto es especialmente cierto en la obra de Alain Touraine,
Francesco Alberoni y Alberto Melucci, pero solo parcial-
mente correcto en la de Claus Offe o Jürgen Habermas.
4 Para un tratamiento más detallado sobre los supuestos
ontológicos y epistemológicos de estos paradigmas y pa-
ra una crítica de sus alcances explicativos, véase Estrada
Saavedra (2015), en especial capítulos 1 a 3.
5 Debido a que este tema lo he desarrollado ampliamente
en otras publicaciones (Estrada Saavedra, 1995 y 2015),
aquí no abundaré más al respecto.
6 Para una exposición sinóptica de su sociología política,
consúltese Hellmann (2002, 2004 y 2005). Discusiones crí-
ticas en torno a la concepción luhmanniana del sistema
político, se encuentran en los tomos colectivos editados
por Hellmann y Schmalz-Bruns (2002), y Hellmann, Fisher
y Bluhm (2003).
7 Una introducción comparativa de la descripción de Luh-
mann de los sistemas funcionales de la política, el dere-
cho, la religión, el arte, la educación, los medios de masas,
entre otros, se encuentra en el tomo colectivo editado por
Runkel y Burkart (2005).
8 Por ejemplo, para la persona que viola el reglamento que
prohíbe fumar en locales públicos como los restaurantes.
9 Este podría ser el caso de quien, mediante la desobedien-
cia civil, protesta contra una ley que considera injusta o
de quien comete actos considerados como terroristas por
la legislación penal en cuestión.
10 Al menos esta fue la última versión del código político
ofrecida por Luhmann en su obra póstuma Die Politik der
117
artículo | marco estrada saavedra
117
Gesellschaft. En este mismo libro también se mencionan
el código poder superior/poder inferior y el esquema
izquierda/derecha (Luhmann, 2000a: 88s, 95s y 99ss). So-
bre los déficits y problemas de la concepción del código
político en Luhmann, léase Hellmann (2005), en particu-
lar 29ss.
11 Esta diferenciación la trato más adelante.
12 Cfr. Luhmann (2000b).
13 Para una discusión crítica de los conceptos “público”, “opi-
nión pública” y “espacio público”, revísese Görcke (2003)
y Fuhse (2003).
14 El poder judicial es, en la sociología de Luhmann, parte
del sistema del derecho de la sociedad. Sin embargo, pres-
ta sus servicios al sistema político mediante acoplamien-
tos estructurales, que se pueden ubicar, por ejemplo, en
las operaciones de la suprema corte de justicia o la corte
constitucional.
15 Para la concepción de Luhmann de los “movimientos de
protesta”, véase Luhmann (1996), Hellmann (1996) y Es-
trada Saavedra (2012).
16 Formal e institucional significan aquí, simplemente, vin-
culado a un cargo público, por ejemplo, funcionario o em-
pleado público, diputado, subsecretario de gobierno, etcé-
tera.
17 Sólo hay que imaginar la miríada de decisiones tomadas
constantemente en cualquiera de los subsistemas de la
política para darse cuenta de la complejidad y variedad
interna del sistema político. Tomar conciencia de esto,
nos pone a salvo de la ilusión sobre la existencia de un
control central y panóptico – ¡el soberano en la filosofía
política moderna temprana!– de la política. La inexisten-
cia de un centro supervisor y una racionalidad omnívora
y omnipresente en el sistema, no significa, por supuesto,
que no hay diferencias de poder y capacidad de decisión
al interior de la política.
18 Piénsese, por ejemplo, cómo el clientelismo político abre-
va, a la vez, de lógicas de redes informales y de las dife-
renciaciones sociales de la estratificación y la funcional.
A manera de ejemplo, léase Luján (2017), y Luján y Pérez
(2018). Tomar conciencia de esta multiplicidad de lógicas
118
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
118
coproductoras de los fenómenos políticos debería ser su-
ficiente para evitar el prejuicio de ver en la diferenciación
funcional la clave maestra de explicación de la fenome-
nología política en la sociedad contemporánea.
19 Sobra decir que, en las páginas de este artículo, no me es
posible tratar cada una de estas filosofías con la exten-
sión y el detalle debidos. Sobre la discusión contemporá-
nea en torno a lo político, consúltense Estrada Saavedra
(2002), Marchart (2010), Bröckling & Feustel (2010) y He-
bekus & Völker (2012).
20 El artículo de Luhmann citado lleva el título “Das Ende
der alteuropäischen Politik” (1988), publicado en el Tijds-
chrift voor de Studie van de Verlichtung en va het Vrije Denken,
16e Jaargang, 2/4, p. 249.
21 Más allá de esta polémica, para Arendt, Lefort o Castoria-
dis, los horrores del totalitarismo nazi y comunista fueron
la razón del inicio de sus ref lexiones sobre la naturaleza
de la política y sus posibilidades en condiciones postota-
litarias. En cambio, para pensadores más contemporáneos
como Vollrath, Rancière, Badiou, Mouffe o Laclau, su in-
terés por lo político surge de su crítica al funcionamiento
y organización del orden político de las democracias real-
mente existentes.
22 En especial, la comunitarista, la liberal y la de impronta
kantiana, es decir, las corrientes más inf luyentes en el
discurso filosófico de los últimos 50 años.
23 Sobre el tema, véase Crouch (2015), Blündorn (2013), Mi-
chelsen y Walter (2013), y Offe (2016).
24 Piénsese en la acción y la deliberación mediante inter-
cambio de juicios en Arendt, o en los criterios de moda-
lidad de la acción y de su percepción en Vollrath.
25 Por ejemplo, el espacio público y el espacio de aparición
de Arendt.
26 En las oposiciones policía-política de Rancière y Estado-
política de Badiou, por ejemplo, en la que lo político (que
los franceses denominan “la política”) tiene un carácter
disruptivo del funcionamiento normal de las instituciones.
27 La idea arendtiana de que el fin de la política es la liber-
tad, o también la concepción de la “regla de partición y
distribución” del orden de Rancière, por ejemplo.
119
artículo | marco estrada saavedra
119
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abrams, Philip. (1988) [1977]. Notes on the difficulty of
studying the State. Journal of Historical Sociology, 1/1, p. 58-
89.
Agudo Sanchíz, Alejandro. (2014). El Estado, disgregado y
reconstituido. In: Agudo Sanchíz & Estrada Saavedra
(cords.). Formas reales de dominación del Estado. Perspectivas
interdisciplinarias del poder y la política. Ciudad de México:
El Colegio de México, p. 9-51.
Agudo Sanchíz, Alejandro & Estrada Saavedra, Marco
(coords.). (2014). Formas reales de dominación del Estado.
Perspectivas interdisciplinarias del poder y la política. Ciudad
de México: El Colegio de México.
Agudo Sanchíz, Alejandro & Estrada Saavedra, Marco
(eds.). (2011). (Trans)formaciones del Estado en los márgenes
de América Latina. Imaginarios alternativos, aparatos inaca-
bados y espacios transnacionales. Ciudad de México: El Co-
legio de México/Universidad Iberoamericana.
Agudo Sanchíz, Alejandro; Estrada Saavedra, Marco &
Braig, Mariane (coords.). (2017). Estatalidades diversas y
soberanías disputadas. La reorganización contemporánea del
poder y la autoridad en América Latina. Ciudad de México:
El Colegio de México/Freie Universität Berlin.
28 El momento instituyente y creativo de lo social en Casto-
riadis o la idea del poder como “espacio vacío” en Lefort.
29 Por ejemplo, la relación amigo-enemigo de acuerdo con
Carl Schmitt o, más contemporáneamente, los antagonis-
mos según Laclau y Mouffe.
30 Es decir, la diferencia política/político.
31 Uno se siente tentado a reformular los valores del código,
en términos más clásicos, como dominación/obediencia,
acaso sólo para hacer más visible la violencia subyacente
a toda relación política.
32 Topográficamente hablando, lo político se puede ubicar,
a la vez, por dentro y por fuera del sistema político. Su
lugar es el del umbral, en donde desestabiliza las fronteras
mediante la inclusión de lo excluido.
120
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
120
Alberoni, Francesco. (1984). Movimiento e institución. Ma-
drid: Editorial Nacional.
Arendt, Hannah. (1994). Über die Revolution. München: Pi-
per.
Arendt, Hannah. (1993). Was ist Politik? München: Piper.
Arendt, Hannah. (1992). Vita activa oder Vom tätigen Leben.
München: Piper.
Arendt, Hannah. (1985). Das Urteilen. Texte zu Kants politis-
cher Philosophie. München: Piper.
Badiou, Alain. (1988). L’être et l’événement. Paris: Seuil.
Badiou, Alain. (1985). Peut-on penser la politique? Paris:
Seuil.
Bedorf, Thomas. (2010). Das Politische und die Politik −
Konturen einer Differenz. In: Bedorf, Thomas & Röttgers,
Kurt. Das Politische und die Politik. Berlin: Suhrkamp, p. 13-37.
Bedorf, Thomas & Röttgers, Kurt (2010). Vorwort. In: Be-
dorf, Thomas & Röttgers, Kurt. Das Politische und die Politik.
Berlin: Suhrkamp, p. 7-10.
Blündorn, Ingolfur. (2013). Simulative Demokratie. Neue Po-
litik nach der postdemokratischen Wende. Berlin: Suhrkamp.
Bonacker, Thorsten. (2005). Die Konf liktheorie der auto-
poietischen Systemtheorie. In: Bonacker, Thorsten (Hrsg).
Sozialwissenschatliche Konfliktheorien. Eine Einführung. Wies-
baden: VS Verlag, 3 Auflage, p. 267-292.
Bourdieu, Pierre. (1999). Meditaciones pascalianas. Barcelo-
na: Anagrama.
Bourdieu, Pierre. (1997). Razones prácticas. Sobre la teoría
de la acción. Barcelona: Anagrama.
Bröckling, Ulrich & Feustel, Robert. (2010). Einleitung: Das
Politische denken. In: Bröckling, Ulrich & Feustel, Robert
(eds.). Das Politische denken. Zeitgenössische Positionen. Bie-
lefeld: Transcript, p. 7-18.
Castoriadis, Cornelius. (2008). Poder, política, autonomía.
In: Un mundo fragmentado. La Plata: Terramar Ediciones, p.
87-114.
Castoriadis, Cornelius. (2001). Imaginario e imaginación
en la encrucijada. In: Figuras de lo pensable. Ciudad de Mé-
xico: Fondo de Cultura Económica, p. 93-114.
121
artículo | marco estrada saavedra
121
Castoriadis, Cornelius. (1995). Lo imaginario: la creación
en el dominio histórico social. In Los dominios del hombre.
Las encrucijadas del laberinto. Madrid: Gedisa, p. 64-80.
Castoriadis, Cornelius. (1989). La institución imaginaria de
la sociedad. V.2. El imaginario social y la institución. Barcelo-
na: Tusquets.
Clam, Jean. (2002). Was heisst, sich an Differenz statt an
Identität orientieren? Zur De-ontologisierung in Philosophie und
Sozialwissenschaft. Konstanz: UVK Verlagsgesellschaft.
Cohen, Jean. (1985). Strategy or identity: new theoretical
paradigms and contemporary social movements. Social
Research, 52/4, p. 663-716.
Cohen, Jean & Arato, Andrew. (2000). Sociedad civil y teoría
política. Ciudad de México: FCE.
Crouch, Colin. (2015) [2003]. Postdemokratie. 12 Auf lage.
Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Das, Veena & Poole, Deborah (ed.). (2004). Anthropology in
the margins of the state. Santa Fe: School of American Re-
search Press.
Eribon, Didier. (2017). Rückkehr nach Reims. 16 Auflage. Ber-
lin: Suhrkamp.
Estrada Saavedra, Marco. (2019). Cómo colocarle el an-
zuelo a la ballena. Apuntes sobre la antropología del Es-
tado. In: Estrada Saavedra. Contornos de lo político. Ensayos
sociológicos sobre memoria, protesta, violencia y Estado. Ciu-
dad de México. El Colegio de México, p. 169-190.
Estrada Saavedra, Marco. (2016). El pueblo ensaya la revo-
lución. La APPO y el sistema de dominación oaxaqueño. Ciudad
de México: El Colegio de México.
Estrada Saavedra, Marco. (2015). Sistemas de protestas. Es-
bozo de un modelo no accionalista de los movimientos sociales.
Ciudad de México. El Colegio de México.
Estrada Saavedra, Marco. (2012). Riesgo, miedo y protes-
ta: los movimientos sociales en la obra de Niklas Luh-
mann. In: Estrada Saavedra, Marco (coord.). Protesta social.
Tres estudios sobre movimientos sociales en clave de la teoría
de sistemas de Niklas Luhmann. Ciudad de México: El Cole-
gio de México, p. 23-43.
Estrada Saavedra, Marco. (2007). La comunidad armada re-
belde y el EZLN. Un estudio histórico y sociológico sobre las
122
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
122
bases de apoyo zapatistas en las cañadas tojolabales de la sel-
va lacandona (1935-2005). Ciudad de México: El Colegio de
México.
Estrada Saavedra, Marco. (2002). Die deliberative Rationali-
tät des Politischen. Eine Interpretation der Urteilslehre Hannah
Arendts. Würzburg: Königshausen & Neumann.
Estrada Saavedra, Marco. (1997). ¿Es reformable la teoría
de los actores colectivos?. Revista Mexicana de Sociología,
59/3, p. 25-57.
Estrada Saavedra, Marco. (1995). Participación política y ac-
tores colectivos. Ciudad de México: Universidad Iberoame-
ricana/Plaza y Valdés.
Fuhse, Jan. (2003). Das widerständige Publikum. Zur Re-
levanz von alltäglichen Kommunikationsstrukturen für
die politische Meinungsbildung. In: Hellmann, Karl-Uwe;
Fisher, Karsten & Bluhm, Harald (Hrsg.). Das System der
Politik. Niklas Luhmanns Politische Theorie. Wiesbaden: West-
deutscher Verlag, p. 136-149.
Görcke, Alexander. (2003). Das System der Massmedien,
öffentlche Meinung und Öffentlichkeit. In: Hellmann,
Karl-Uwe; Fisher, Karsten & Bluhm, Harald (Hrsg.). Das
System der Politik. Niklas Luhmanns Politische Theorie. Wies-
baden: Westdeutscher Verlag, p. 121-135.
Gripp-Hagelstange, Helga. (2004). Niklas Luhmann o: ¿en
qué consiste el principio teórico sustentado en la dife-
rencia. In: Luhmann, Niklas. La política como sistema. Edi-
ción y traducción a cargo de Javier Torres Nafarrate. Ciu-
dad de México: FCE/UIA/UNAM, p. 19-41.
Habermas, Jürgen. (1989). Teoría de la acción comunicativa.
Complementos y estudios previos. Madrid: Cátedra.
Habermas, Jürgen. (1988). Teoría de la acción comunicativa, t.
I y II. Madrid: Taurus.
Hebekus, Uwe & Völker, Jan. (2012a). Einleitung. In: He-
bekus, Uwe & Völker, Jan. Neue Philosophien des Politischen.
Zur Einführung. Hamburg: Junius, p. 9-28.
Hellmann, Karl-Uwe. (2005). Spezifyk und Autonomie des
politischen Systems. Analyse und Kritik der politischen
Soziologie Niklas Luhmann. In: Runkel, Gunter & Burkart,
Günter (Hrsg.). Funktionssyteme der Gesellschaft. Beiträge zur
123
artículo | marco estrada saavedra
123
Systemtheorie von Niklas Luhmann. Wiesbaden: VS Verlag
für Sozialwissenchaften, p. 13-51.
Hellmann, Karl-Uwe. (2004). Aristóteles y nosotros. In:
Luhmann, Niklas. La política como sistema. Edición y tra-
ducción a cargo de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de
México: FCE/UIA/UNAM, p. 43-92.
Hellmann, Karl-Uwe. (2002). Einleitung. In: Hellmann,
Karl-Uwe & Schmalz-Bruns, Rainer (Hrsg.). Theorie der Po-
litik. Niklas Luhmanns politische Soziologie. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, p. 11-37.
Hellmann, Kai-Uwe. (1996). Systemtheorie und neue soziale
Bewegungen. Identitätsprobleme in der Risikogesellschaft. Opla-
den: Westdeutscher Verlag.
Hellmann, Karl-Uwe; Fisher, Karsten & Bluhm, Harald.
(2003). Einleitung: Niklas Luhmanns politische Theorie
in der politikwissenschaftlichen Diskussion. In: Hell-
mann, Karl-Uwe; Fisher, Karsten & Bluhm, Harald (Hrsg.).
Das System der Politik. Niklas Luhmanns Politische Theorie.
Wiesbaden: Westdeutscher Verlag, p. 9-18.
Hellmann, Kai-Uwe & Koopmans, Rudolf (Hrsg.). (1998).
Paradigmen der Bewegungsforschung. Entstehung und Etwick-
lung von neuen sozialen Bewegungen und Rechtextremismus.
Opladen/Wiesbaden: Westdeutscher Verlag.
Hellmann, Karl-Uwe & Schmalz-Bruns, Rainer (Hrsg.).
(2002). Theorie der Politik. Niklas Luhmanns politische Sozio-
logie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Holz, Claus. (2003). Politik und Staat. Differenzierungs-
theoretische Probleme in Niklas Luhmanns Theorie des
politischen Systems. In: Hellmann, Karl-Uwe; Fisher,
Karsten & Bluhm, Harald (Hrsg.). Das System der Politik.
Niklas Luhmanns Politische Theorie. Wiesbaden: Westdeuts-
cher Verlag, p. 34-48.
Joseph, Gilbert M. & Nugent, Daniel (eds.). (1994). Everyday
forms of state formation. Revolution and the negotiation of ru-
le in modern Mexico. Durham/London: Duke University
Press.
Krupa, Christopher & Nugent, David (eds.). (2015). State
theory and Andean politics new approaches to the study of ru-
le. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
Kuhn, Thomas. (1979). La estructura de las revoluciones cien-
tíficas. Ciudad de México: FCE.
124
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
124
Laclau, Ernesto. (2015). La razón populista. 3o reimpresión.
Buenos Aires: FCE.
Laclau, Ernesto. (2014). Los fundamentos retóricos de la so-
ciedad. Buenos Aires: FCE.
Laclau, Ernesto. (2008). Debates y combates. Por un nuevo
horizonte de la política. 1o reimpresión. Buenos Aires: FCE.
Laclau, Ernesto & Mouffe, Chantal. (2011). Hegemonía y
estrategia socialista. Hacia una radicalización de la democracia.
3o edic., 1o reimpresión. Buenos Aires: FCE.
Latour, Bruno. (2010). Eine neue Soziologie für eine neue Ge-
sellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Lefort, Claude. (1999). Complications. Paris: Librairie Ar-
thème Fayard.
Lefort, Claude. (1992). Écrire. À l’épreuve du politique. Paris:
Foundation Saint-Simmon/Calmann-Levy.
Lefort, Claude. (1991). L’invention démocratique. Les limits de
la domination totalitaire. Paris: Ed. Fayard.
Lefort, Claude. (1986). Essai sur le politique. Paris: Editions
du Seuil.
Lehmann, Maren. (2003). Anmerkungen zur Differenz
Inklusion/Exklusion. In: Hellmann, Karl-Uwe; Fisher,
Karsten & Bluhm, Harald (Hrsg.). Das System der Politik.
Niklas Luhmanns Politische Theorie. Wiesbaden: Westdeuts-
cher Verlag, p. 163-178.
Luhmann, Niklas. (2012). Macht im System. Berlin: Suhr-
kamp.
Luhmann, Niklas. (2010). Politische Soziologie. Berlin: Suh-
rkamp.
Luhmann, Niklas. (2000a). Die Politik der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (2000b). La realidad de los medios de ma-
sas. Barcelona: Universidad Iberoamericana/Anthropos.
Luhmann, Niklas. (2000c). Organisation und Entscheidung.
Wiesbaden: Westedeutscher Verlag.
Luhmann, Niklas. (1998). Die Gesellschaft der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (1996). Protest. Systemtheorie und soziale
Bewegungen. Herausgegeben und eingeleitet von Kai-Uwe
Hellmann. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
125
artículo | marco estrada saavedra
125
Luhmann, Niklas. (1987). Soziale Systeme. Grundriss einer
allgemeinen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luján, David. (2017). Entre la autonomía y la dependencia.
Lobby, clientelismo político e idea de estado en los con-
textos locales chilenos. Polis, 48, p. 133-154.
Luján, David & Pérez, Aníbal. (2018). Confianza, favor,
lealtad. Clientelismo en dos municipalidades chilenas.
Revista Sociológica, 34, p. 235-168.
McAdam, Doug; McCarthy, John D. & Zald, Mayer N. (eds.).
(2005). Comparative perspectives on social movements. Politi-
cal opportunities, mobilizing structures, and cultural framings.
7th printing. New York: Cambridge University Press.
Marchart, Oliver. (2013). Das unmögliche Objekt. Eine post-
fundamentalistische Theorie der Gesellschaft. Berlin: Suhr-
kamp.
Marchart, Oliver. (2010). Die politische Differenz. Zum Denken
des Politischen bei Nancy, Lefort, Badiou, Laclau und Agamben.
Berlin: Suhrkamp.
McAdam, Doug; Tarrow, Sidney & Tilly, Charles. (2001).
Dynamics of contentions. New York: Cambridge University
Press.
Melucci, Alberto (1996). Challenging codes. Collective action
in the information age. Cambridge: Cambridge University
Press.
Melucci, Alberto. (1989). Nomads of the present. Social mo-
vements and individual needs in contemporary society. London:
Hutchinson radius.
Michelsen, Danny & Walter, Franz. (2013). Unpolitische De-
mokratie. Zur Krise der Repräsentation. Berlin: Suhrkamp.
Migdal, Joel S. (2011). Estados débiles, Estados fuertes. Ciu-
dad de México: FCE.
Mitchell, Timothy. (1991). The limits of the State: beyond
statist approaches and their critics. American Political
Science Review, 85/1, p. 77-97.
Nassehi, Armin. (2002). Politik des Staates oder Politik
der Gesellschaft? Kollektivität als Problemformel des Po-
litischen. In: Hellmann, Karl-Uwe & Schmalz-Bruns, Rai-
ner (Hrsg.). Theorie der Politik. Niklas Luhmanns politische
Soziologie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, p. 38-59.
126
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
126
Oberschall, Anthony. (1973). Social conf lict and social move-
ments. New Jersey: Yale University/Prentice-Hall.
Offe, Claus. (2016). Europa in der Falle. Berlin: Suhrkamp.
Offe, Claus. (1988). Partidos políticos y nuevos movimientos
sociales. Madrid: Editorial Sistema.
Offe, Claus. (1985). New social movements. Challenging
the boundaries of institutional politics. Social Research,
52/4, p. 817-869.
Olson, Mancur, Jr. (1965). The logic of collective action, public
goods and the theory of groups. Cambridge/Massachusetts:
Harvard University Press.
Rancière, Jacques. (2007). El odio a la democracia. Buenos
Aires/Madrid: Amorrortu.
Rancière, Jacques. (2004). Aux bords du politique. Paris: Gal-
limard.
Rancière, Jacques. (2002). Das Unverhnemen. Politik und Phi-
losophie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Runkel, Gunter & Burkart, Günter. (2005). Einleitung: Luh-
mann und die Funktionssysteme. In: Runkel, Gunter &
Burkart, Günter (Hrsg.). Funktionssyteme der Gesellschaft.
Beiträge zur Systemtheorie von Niklas Luhmann. Wiesbaden:
VS Verlag für Sozialwissenchaften, p. 7-11.
Sharma, Aradhana & Gupta, Akhil (eds.). (2006). The an-
thropology of the State. A reader. Oxford: Blackwell.
Snow, David et al. (2013). The Wiley-Blackwell Encyclopedia
of Social and Political Movements. London: Blackwell Publi-
shing.
Tarrow, Sidney. (1977). El poder en movimiento. Los movi-
mientos sociales, la acción colectiva y la política. Madrid:
Alianza Editorial.
Tilly, Charles. (1978). From mobilization to revolution. New
York: McGraw-Hill.
Touraine, Alain. (2002). Le retour de l’acteur. Essai de socio-
logie. Paris: Fayard.
Touraine, Alain. (1999). Sociologie de l’action. Essai sur la
société industrielle. Nouvelle édition, entièrement revue.
Paris: Éditions du Seuil.
127
artículo | marco estrada saavedra
127
Touraine, Alain. (1995). Producción de la sociedad. Ciudad
de México: IIS/UNAM.
Touraine, Alain. (1974). Pour la sociologie. Paris: Éditions
du Seuil.
Vollrath, Ernst. (2003). Was ist das Politische? Eine Theorie
des Politischen und seiner Wahrnehmnung. Würzburg: König-
shausen & Neumann.
Vollrath, Ernst. (1987). Grundlegung einer philosophischen
Theorie des Politischen. Würzburg: Königshausen & Neu-
mann.
Vollrath, Ernst. (1977). Die Rekonstruktion der politischen
Urteilskraft. Stuttgart: Klett Verlag.
128
el concepto sistémico de lo político. un esbozo so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 99
– 12
8 , e
ne.
– a
br.,
2020
128
O CONCEITO SISTÊMICO DO POLÍTICO.
UM ESBOÇO
Resumo
Com base em um diálogo entre as teorias dos movimentos
sociais, a antropologia do Estado, a sociologia política de
Niklas Luhmann e a filosofia política contemporânea, cri-
tica-se, neste artigo, a maneira convencional pela qual se
costuma descrever as dimensões políticas dos movimentos
sociais. Para apreender sua rica e complexa fenomenologia,
propõe-se aqui o esboço de um conceito sistêmico do po-
lítico.
THE SYSTEMIC CONCEPT OF THE POLITICAL.
AN OUTLINE
Abstract
Based on a dialogue between the theories of social move-
ments, the anthropology of the State, the political sociol-
ogy of Niklas Luhmann and contemporary political phi-
losophy, this article criticizes the conventional way in
which the political dimensions of social movements have
tended to be described. As an alternative that allows us to
apprehend the rich and complex phenomenology of these
movements, the author outlines a systemic concept of the
political.
Palavras-chave
Movimentos sociais;
sistemas de protesto;
antropologia do Estado
teoria dos sistemas sociais;
filosofia política
contemporânea;
conflito.
Keywords
Social moviments;
protest systems;
anthropology of the State;
social systems theory;
philosophy of the political;
conflict.
A PERFORMATIVIDADE DA EXCLUSÃO E AS LUTAS POR INCLUSÃO: QUESTÕES DISTRIBUTIVAS A PARTIR DA TEORIA DE SISTEMAS SOCIAIS1
João Paulo Bachur I
1 Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Brasília, DF, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-3657-3965
INTRODUÇÃO
Desde que a forma inclusão/exclusão foi incorporada à teoria sociológica, a
teoria de sistemas passou a contar com a possibilidade de observar fenômenos
variados (e.g. diferenças novas e não somente econômicas, integrações instáveis,
exclusões de diversos tipos), comparando sua perspectiva com os resultados
da pesquisa tradicional sobre desigualdade social. Em vez de derivar todas as
formas de exclusão ou de discriminação de uma base unitária da desigualdade,
a forma inclusão/exclusão de Luhmann oferece uma nova conceitualização que
evita o postulado (pressuposto) de congruência entre as diferentes esferas da
vida. Inclusão no sistema econômico não implica inclusão no sistema político,
jurídico ou científico; ao contrário, a forma inclusão/exclusão destaca a incon-
gruência fundamental entre ambas as posições (Luhmann, 1985, 1995a, 1995b,
1997: 630). A esse respeito, essa forma enfatiza que as desigualdades econômi-
cas não podem explicar todas as diferenças entre grupos e indivíduos (Stichweh,
2005: 45 et seq.).
Ainda assim, muitas questões permanecem, e o status teórico de inclusão/
exclusão ainda é controverso. Particularmente, a referida forma ofuscou um
aspecto central: as questões distributivas (i.e., desigualdades sociais, nos termos
clássicos da sociologia) ainda não foram discutidas a contento pela teoria de
sistemas sociais. Se Luhmann pretendeu com a teoria de sistemas uma expli-
cação universal sobre o social, é preciso encontrar uma forma de nela incorpo-
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 1
29 –
153
, ja
n. –
abr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1014
130
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
130
rar a desigualdade. Nesse sentido, alega-se por vezes que a exclusão estabele-
ce a invisibilização dos excluídos (Opitz, 2008a: 239) e que, desse modo, a ques-
tão a ser explicada é neutralizada (Kronauer, 2010: 133).
O problema talvez esteja no fato de que a teoria de sistemas concebe
conflito, questões distributivas e a forma inclusão/exclusão de modo isolado.
Em primeiro lugar, o debate sobre inclusão/exclusão não faz referência
ao conflito. Há muito tempo é sabido que os conflitos possuem critérios próprios
de exclusão (Nollmann, 1997: 191 et seq.). Mas o modo pelo qual os conflitos
podem desestabilizar e possivelmente reconfigurar os padrões de inclusão e
exclusão em outros sistemas sociais requer uma análise distinta.
Em segundo lugar, o conceito de conflito é normalmente alargado de tal
modo que não guarda mais nenhuma relação direta com as questões distribu-
tivas. A consequência é a descrição de um fenômeno típico da sociedade mo-
derna não compatível ou observável com o aparato conceitual da teoria dos
sistemas.
Em terceiro lugar, a forma inclusão/exclusão limita-se às relações entre
indivíduo e sociedade, uma vez que ela não serve à comparação interpessoal,
tendo em vista o funcionamento não coordenado dos sistemas funcionais au-
topoiéticos. Seu potencial de problematizar criticamente questões distributivas
é, assim, neutralizado. De fato, a forma inclusão/exclusão alega trabalhar de
modo transversal às questões tradicionais de distribuição.
Desse modo, o artigo oferece uma autorreflexão crítica dentro da teoria
de sistemas e examina programaticamente a seguinte questão: como a inclusão
e a exclusão podem ser incorporadas a uma teoria do conflito cujo cerne é cons-
tituído de questões distributivas. Para tanto, será proposta uma reinterpretação
teórico-discursiva da forma inclusão/exclusão orientada para o conflito, de acor-
do com a qual a inclusão e a exclusão poderiam ser descritas como articulações
políticas performativas, no sentido das teorias do discurso contemporâneas.
Confrontações entre a teoria de sistemas e a teoria do discurso são há
muito conhecidas e não se limitam aos problemas da forma inclusão/exclusão
(Stäheli, 2000; Link & Parr, 2004; Bohn, 2001, 2008; Marchart, 2002, 2008, 2010,
2013; Gertenbach, 2008; Opitz, 2008a). No entanto, uma utilização da forma
inclusão/exclusão cujo objetivo seja a possibilidade de teorizar a comparação
interpessoal ainda não foi levada a cabo.
Abordagens em teoria do discurso normalmente referem-se a mecanis-
mos discursivos por meio dos quais a exclusão é executada. Aqueles que não
ganham acesso ao discurso contam como excluídos (Opitz, 2008b: 185). Sem
desconsiderar a importância dessa perspectiva, trata-se aqui, de analisar como
certas reivindicações de inclusão podem ser articuladas discursivamente com
recurso à demarcação de zonas ou campos de exclusão.
O artigo visa, assim, delinear um modelo performativo para a forma
inclusão/exclusão, em cujo cerne estejam questões distributivas. Antes que o
131
artigo | joão paulo bachur
131
modelo seja esboçado, dois aspectos da teoria de sistemas de Luhmann devem
ser discutidos criticamente, a saber, a despolitização do conceito de conflito e
o desenvolvimento de uma teoria da inclusão/exclusão igualmente “pacificada”,
despida de conflito, cujo fundamento é a proibição da comparação interpesso-
al. A confrontação crítica com a teoria de sistemas indica a base sobre a qual
se pode estabelecer uma leitura performativa da forma inclusão/exclusão. O
objetivo dessa leitura consiste na ativação de um potencial crítico da teoria de
sistemas segundo o qual inclusão e exclusão são compreendidas como fatores
da estruturação discursiva dos conflitos distributivos.
A DESPOLITIZAÇÃO DO CONFLITO
A teoria de sistemas de Luhmann dispõe de um conceito ambivalente de con-
flito: é linguisticamente ampliado e politicamente reduzido. Na teoria de sis-
temas, o conflito é definido como o “não” comunicado:
Falaremos, então, de conf lito sempre que uma comunicação for contraditada.
Isso poderia ser formulado também do seguinte modo: quando uma contradição
é comunicada. O conf lito é a autonomização de uma contradição por meio da
comunicação. Assim, um conflito se apresenta apenas quando expectativas são
comunicadas e a não aceitação da comunicação é comunicada de volta. (Luhmann,
1984: 530).
Desse modo, o conflito é a mensagem que recusa uma oferta de comu-
nicação e estrutura um subsistema parasitário no sistema principal, de modo
que a própria integridade do “sistema hospedeiro”, por assim dizer, é ameaça-
da (Luhmann, 1984: 531).
O ganho sociológico dessa definição consiste na teorização do conflito
de modo independente das “condições estruturais” (Dahrendorf, 1990) externas
que estariam situadas além da constituição comunicativa da realidade social,
como se os conflitos pudessem simplesmente ser delas derivados. De acordo
com as suposições da teoria de sistemas, a comunicação é a operação basilar
da sociedade, e nenhuma base extracomunicativa e puramente econômica de-
ve ser pressuposta. O conflito estrutura expectativas, orienta a conduta e per-
mite cálculos de cursos de ação. Trata-se de uma “solução negativa” para o
problema da dupla contingência: “Eu não faço o que você gostaria se você não
fizer o que eu gostaria” (Luhmann, 1984: 531).
No entanto, seria o “não” dito suficientemente agudo para expressar a
dinâmica de todos os conflitos possíveis? Nesse ponto, Luhmann parece aceitar
subliminarmente uma variação das teorias típicas dos atos de fala, em oposição
à sua teoria da comunicação (Luhmann, 1984: 258). No que se refere ao concei-
to de conflito de Luhmann, a recusa oral segue de modo demasiadamente es-
treito a expressão falada. Ainda que a teoria dos atos de fala seja recusada
explicitamente como base de Luhmann (1997: 257 et seq.), o conflito continua
a ser definido intimamente com a expressão da fala. Daí a banalização do con-
132
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
132
flito: “Normalmente, recusas são eventos banais, conflitos nos menores sistemas
que surgem no nível da interação sem consequências sociais de grande alcan-
ce e esvanecem” (Luhmann, 1984: 541). Por conseguinte, um conflito deve surgir
espontaneamente.2 Um evento banal, como uma recusa oral mínima, intensi-
fica-se rapidamente por qualquer motivo e torna-se um conflito, que chega a
um sistema (Luhmann, 1984: 534).
Contudo, as supostas alta arbitrariedade e espontaneidade dos conflitos,
assim como seu caráter banal, não correspondem às características do conflito
político no capitalismo democrático (Streeck, 2011). Está completamente claro
que deve haver uma distância considerável entre banalidades acidentais e a
durabilidade de relações que moldam a conduta dos participantes (Messmer,
2003: 98-99). Mas essa distância não é facilmente reconciliável com o “não” co-
municado. E também está claro que os conflitos devem surgir de modo proces-
sual (Giegel, 1998: 16), se eles consistem apenas de comunicação. Mas a concep-
ção excessivamente verbal do evento da recusa põe em xeque justamente a
capacidade do conceito de conflito de explicar a diferenciação de um sistema
parasitário. Do “não” comunicado não decorre necessariamente uma intensifi-
cação da contradição. Então, como uma recusa banal chega a um conflito?
Wolfgang Ludwig Schneider (1994: 202) propõe um modelo cujo cerne
consiste em um segundo “não”: somente a recusa a uma recusa potencializa a
contradição, precisamente pelo fato de que a ordem interna de um sistema
substitui sua preferência pelo consenso por uma preferência pela recusa (Sch-
neider, 1994: 206). Com base na análise da conversação, outra abordagem en-
fatiza a distinção entre não compreensão e não aceitação, para atribuir exclu-
sivamente a esta o conflito, de modo que uma recusa apenas chega a conflito
se estiver embutida em uma longa cadeia comunicativa (Messmer, 2003: 110).
O objetivo consiste em superar o “não” singular e concretizar, nos termos da
teoria da conversação, a intensificação de recusas. Essa intuição demonstra
que um evento inofensivo de recusa chega a tema público, de modo que a dis-
cussão ganha uma dinâmica própria e produz estabilidade (Nollmann, 1997:
105).
Essas abordagens até podem oferecer soluções técnicas e teóricas plau-
síveis para o problema da intensificação dos conflitos, mas as questões de
distribuição passam despercebidas. No entanto, questões distributivas perten-
cem ao cerne dos conflitos políticos das democracias hodiernas. Sem as levar
em consideração, a teoria de sistemas corre o perigo de perder de vista a espe-
cificidade política do conflito. O “não” comunicado atua como critério de iden-
tificação dos conflitos distributivos e da comunicação marcada pelo dissenso
que ocorre regularmente em uma infinidade de interações cotidianas.
A assimilação do conflito à recusa falada dificulta a distinção entre con-
flitos distributivos e recusas banais. Assim, dado que nem toda recusa oral
estrutura uma discussão pública ou institucional a respeito do alcance das
133
artigo | joão paulo bachur
133
prestações dos sistemas funcionais ou da participação em suas comunicações,
o conceito de conflito resta impreciso para a descrição das lutas políticas. De
um lado, os conflitos só podem ocorrer enquanto comunicação no âmbito da
recursividade operativa de um sistema autopoiético. Um conflito surge neces-
sariamente da comunicação. De outro, é definido exclusivamente no sentido
de uma recusa linguística que sugere a noção de um ato de fala isolado, de
modo que se abre uma fenda entre cada recusa fragmentada a ofertas de co-
municação e discussões acumuladas que possam ter efeitos sobre os sistemas
parciais da sociedade.
Um sistema pode até ser compreendido como a estruturação comunica-
tiva de uma contradição, mas ele não surge necessariamente de modo espon-
tâneo, isto é, como decorrência de uma intensificação relativamente arbitrária
de recusas orais, como afirma Luhmann. Muitos conflitos não resultam arbi-
trariamente de negações banais acidentais; eles são antes deliberadamente
formulados para problematizar determinados temas, por exemplo, questões
distributivas.
Esse estreitamento tem raízes no foco exclusivo no “não” falado assim
como na imputação do acaso como pretensa solução para as questões de dis-
tribuição: “Mas por que ela [a estratificação] persiste de qualquer modo? A res-
posta só pode ser que a diferenciação sistêmica funcional não regula essas
questões. Seus subsistemas são voltados para a resolução de problemas e a
aquisição de recursos.
Nesse ponto, a teoria de sistemas ganha contornos quase hayekianos,
mesmo que a distância entre Hayek e Luhmann não seja apagada. Destaca-se
um importante paralelismo teórico relacionado ao papel do acaso nas questões
de distribuição: tal como Hayek (1976: 107), Luhmann exclui a necessidade de
discutir teoricamente as questões distributivas, posto que o acaso é responsá-
vel pela explicação das desigualdades empíricas. Hayek (1973: 35 et seq.) argu-
menta que o mercado é uma ordem anônima e espontânea, cujo resultado não
pode ser julgado como justo ou injusto, dado que somente a conduta individu-
al pode ser objeto de valorações morais. Por esse motivo, os efeitos distributivos
são abandonados ao acaso. Para Luhmann, o acaso se impõe uma vez que in-
clusão e exclusão devem operar de modo incongruente. As questões distribu-
tivas são assim excluídas operativamente (e não moralmente), mas sendo dei-
xadas ao acaso.3
O acaso impede a conexão entre as questões de distribuição e o conflito,
uma vez que este se limita ao “não” comunicado. Desse modo, o conceito de
conflito de Luhmann é despolitizado. A repolitização do conflito depende de
sua conexão com a forma inclusão/exclusão. Esta, por sua vez, é neutralizada
pelo fato de não permitir uma comparação interpessoal.
134
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
134
A NEUTRALIZAÇÃO DA FORMA INCLUSÃO/EXCLUSÃO
A conceitualização da forma inclusão/exclusão com dois lados (Luhmann, 1995a,
1995b, 1995c) suscitou uma discussão acalorada de tamanhas proporções que
é quase impossível dar conta da literatura crítica correspondente (cf. Göbel &
Schmidt, 1998; Bohn & Hahn, 2002; Stichweh, 2005; Farzin, 2006; Bohn, 2008;
Schroer, 2010; Bachur 2012).
A forma inclusão/exclusão tem uma história de desenvolvimento ímpar.
Enquanto alguns conceitos como “sistema”, “estrutura”, “função”, “expectativa”
foram utilizados e elaborados desde o início, e outros como “autopoiese”, “aco-
plamento estrutural”, “observação de primeira e segunda ordem” emergiram
apenas com a “guinada autopoiética”, a forma inclusão/exclusão foi desenvol-
vida de modo espasmódico. Ao contrário de ambas as orientações, ela teve uma
carreira aos saltos, na qual é possível reconhecer três espasmos: (i) inclusão
como prestação progressiva da diferenciação funcional; (ii) inclusão no sentido
de interpenetração; (iii) inclusão como o lado interno de uma forma de dois
lados.
Ad (i). Luhmann recorre ao conceito de inclusão de Parsons e T. H. Mar-
shall; a inclusão é pensada sem um lado reverso e está relacionada à progres-
são da diferenciação funcional e ao surgimento correlato de uma semântica de
inclusão total amparada nos direitos fundamentais (Luhmann, 1975: 200, 1977:
236-237, 1980a: 332, 1965). Embora o problema da desigualdade empírica já fos-
se reconhecido (Luhmann, 1981: 25), imperava uma combinação harmônica
entre diferenciação funcional e inclusão: “o princípio da inclusão de todos em
todos os sistemas funcionais vale como postulado e, em medida crescente, tam-
bém na realidade” (Luhmann, 1980b: 31, grifos no original).
Ad (ii). A inclusão é conceitualizada tendo como base o conceito de in-
terpenetração, ao passo que a exclusão emerge como individualidade da exclusão
(Luhmann, 1989: 158). Nesse momento, a exclusão ainda não é o lado negativo
da inclusão, mas uma condição de possibilidade da própria inclusão.
Para apreender isso, pretendemos diferenciar inclusão e exclusão. Interpenetra-
ção leva à inclusão, posto que sistemas disponibilizam sua complexidade uns
aos outros, utilizando-as reciprocamente. Mas ela conduz também à exclusão, uma
vez que sistemas em situação de interpenetração têm de se manter como sistemas
autopoiéticos distintos uns dos outros, como condição de possibilidade da própria
interpenetração (Luhmann, 1984: 299, grifos meus).
A participação na comunicação funcionalmente diferenciada não depen-
de mais do pertencimento a um estamento, família, ordem ou classe. A possi-
bilidade de participar da comunicação jurídica, política, científica depende
apenas da maneira pela qual cada sistema parcial disciplina especificamente
seus critérios de participação. A exclusão marca, assim, uma transição no mo-
do de constituição da individualidade, da inclusão para a da exclusão (cf. Bohn,
2006: 49 et seq.).
135
artigo | joão paulo bachur
135
Ad (iii). Por fim, no sentido de George Spencer-Brown (1969), inclusão
designa o lado interno da forma, cujo lado externo é a exclusão (Luhmann,
1995a: 229). Além disso, a distinção entre pessoa e corpo também é introduzida
(Luhmann, 1991) para expressar a diferença entre simbólico e simbiótico. Des-
sa maneira, o lado da exclusão é o terreno do puramente físico, não mediado
simbolicamente:
Os mecanismos simbióticos dos meios de comunicação perdem sua ordenação
simbólica específica. Violência física, sexualidade e satisfação elementar e pul-
sional de necessidades são liberadas e tornam-se imediatamente relevantes sem
ser civilizadas por meio de recursos simbólicos (Luhmann, 1997: 633).
A inclusão assinala o lado interno de uma forma cuja lado externo é a
exclusão; de um lado, há comunicação por meio da marcação de pessoas, do ou-
tro lado, os corpos, enquanto pura materialidade, são comunicativamente ina-
tingíveis e, por isso, irrelevantes. Por fim, Luhmann introduziu outra dimensão, a
saber, a endereçabilidade no âmbito da operação comunicativa de um sistema
(Luhmann, 1995a: 238). Esta refere-se a um fenômeno muito específico, que en-
fatiza a prestação particular da comunicação de marcar pessoas (Fuchs, 1997).
Contudo, no percurso do desenvolvimento da forma inclusão/exclusão,
essas três etapas não foram apresentadas em uma conceitualidade unitária
(Göbel & Schmidt, 1998; Farzin, 2006). Em um momento, exclusão é o lado re-
verso necessário da inclusão, dado que a inclusão só ocorre “quando a exclusão
é possível” (Luhmann, 1997: 621). Em outro momento, impera uma proibição
generalizada da exclusão que bloqueia a convertibilidade de recursos de um
sistema para outro, dado que nenhuma pessoa pode ser excluída da sociedade
(Luhmann, 2000a: 232). Ocorre uma pergunta: “como pode haver inclusão se não
há exclusão?” (Luhmann, 1995b: 146-147). Mas há sim exclusão quando a exclu-
são de um sistema funcional leva à de outros (Luhmann, 1995b: 147). Em suma:
há inclusão justamente quando há exclusão, dado que inclusão e exclusão são
dois lados de uma forma, mas ninguém pode ser excluído da sociedade – logo,
não há exclusão; mas exclusão significa o acúmulo empírico de exclusões dos
sistemas funcionais, então há exclusão. Vê-se que mesmo Luhmann não con-
seguiu burilar o potencial crítico da forma inclusão/exclusão, oscilando de um
lado para outro.
A aporia emana da fusão de três níveis na formação do conceito, que
não são dissociados, mas que tampouco podem ser reduzidos um ao outro, a
saber: o nível operativo da interpenetração; o nível empírico do acúmulo de ex-
clusões de alguns sistemas funcionais; e o nível discursivo da endereçabilidade
das pessoas. As três dimensões só se tornam completamente claras nos textos
dos anos 1990. Essa composição em três etapas é constitutiva da forma inclusão/
exclusão, de modo que uma aporia é inerente a essa distinção. Uma citação
relativamente longa ilustra esse caráter compósito, com nossas inserções entre
colchetes:
136
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
136
Do ponto de vista da teoria sociológica de sistemas, inclusão/exclusão sempre
significam a inter-relação entre sistemas sociais e sistemas psíquicos, estes
sendo sistemas autônomos e, logo, pertencentes ao ambiente dos sistemas sociais
[nível operacional: interpenetração]. Inclusão e exclusão, assim, indicam a ma-
neira pela qual os sistemas psíquicos enquanto pessoas são endereçados ou le-
vados em consideração nos processos comunicativos dos sistemas sociais [nível
discursivo: endereçabilidade]. [...] O que hoje normalmente se designa com o
conceito de exclusão não é o evento de exclusão única, que não é problemático
na maioria dos casos. Se uma pluralização de participações e afiliações é cara-
terística da sociedade moderna, então é provável que todos os indivíduos sejam
excluídos em alguns aspectos relevantes. Talvez a pessoa não se interesse por
música, ou não seja religiosa ou não acredite na utilidade e relevância social dos
esportes, e assim por diante. Mas a exclusão obviamente torna-se um problema
se ocorre repetidamente nas interações com sistemas sociais plurais e se essas
exclusões forem conectadas sequencialmente [nível empírico: cúmulo de exclu-
sões] (Stichweh, 2002, 103-104).
Mas as relações entre esses eixos conceituais são deveras problemáticas:
a interpenetração é um pressuposto operativo dos sistemas autopoiéticos, en-
quanto o acúmulo de discriminações empíricas é o efeito colateral das opera-
ções dos sistemas funcionais, e a endereçabilidade significa a marcação discur-
siva de pessoas. Além disso, as relações entre os níveis são assimétricas. A dis-
tribuição factualmente desigual de prestações do sistema pode até condicionar
em alguma medida (mas não necessariamente) o modo da endereçabilidade, que,
contudo, é um pressuposto para que as desigualdades venham a ser comunica-
das – diferenças fáticas só adentram a comunicação quando são tornadas visí-
veis e articuladas comunicativamente por meio da vivência e da ação. Em ambos
os casos, a interpenetração é meramente o acoplamento de sistemas fechados
e desconhece nuança ou desigualdade. A interpenetração não pode ter qualquer
efeito sobre a distribuição de prestações do sistema e de oportunidades comu-
nicativas. Isso porque ela é apenas uma condição ecológica, um pressuposto
lógico da coesão operativa e da formação do sistema (Luhmann, 1984: 297). A
interpenetração não pode ser condicionada e também não condiciona coisa al-
guma. Fundamentalmente, o mero fato de que os sistemas da consciência e os
sistemas sociais devem ser acoplados estruturalmente uns com os outros para
que suas operações autopoiéticas possam ocorrer não diz nada sobre o modo
como as pessoas operam como endereço para comunicação no âmbito de siste-
mas funcionais e, menos ainda, sobre a história prévia de acúmulo de vantagens
ou discriminações funcionais. Assim consolida Luhmann uma constituição apo-
rética da forma inclusão/exclusão, de modo que ela pode significar a um só
tempo interpenetração, participação factualmente desigual nas operações dos sistemas
sociais e endereçabilidade discursiva. A irredutibilidade e a autonomia desses três
eixos perfazem a aporia constitutiva da forma inclusão/exclusão.
A inevitabilidade da interpenetração para a continuação da autopoiese
nos sistemas sociais e psíquicos, a discrepância fática de oportunidades de
137
artigo | joão paulo bachur
137
vida assim como o modo pelo qual as pessoas são endereçadas no sistema
expressam diferentes dimensões do social que atendem a legalidades próprias
e que não podem ser aproximadas sem trazer consigo desequilíbrios teóricos.
Entretanto, a teoria de sistemas não desenvolveu esses três eixos de
modo equivalente. Há clara dominância da interpenetração no fato de que as-
pectos empíricos e discursivos da inclusão e da exclusão são discutidos apenas
de modo secundário e de acordo com o modelo da interpenetração. Talvez o
desequilíbrio mais importante esteja no fato de que endereçabilidade e distri-
buição são subliminarmente subordinadas à interpenetração. Assim, tem-se jus-
tamente a neutralização do potencial crítico da forma inclusão/exclusão, pois
a interpretação, enquanto condição operacional para que a comunicação ocor-
ra, impede a comparação interpessoal.
Há muito tempo se conhece a predominância da interpenetração em
relação ao nível empírico: dado que se perdeu a presença interativa da socie-
dade nas interações da sociedade funcionalmente diferenciada, logo, como as
interações não dispõem mais de um index para o pertencimento conforme a
estratificação, é possível sustentar que a diferenciação funcional do sistema
não regula as questões distributivas (Luhmann, 1985: 119). Daí o papel do aca-
so, conforme já discutido. Assim, de acordo com Luhmann, a desigualdade se
reproduz de modo afuncional.
Consideradas meticulosamente, “endereçabilidade” e “interpenetração”
descrevem fenômenos completamente diferentes: enquanto a produção de pes-
soas é uma prestação interna ao sistema, a interpenetração não pertence a sistema
nenhum:
Por isso, deve-se encontrar, para a temática clássica da “relação entre indivíduo
e sociedade”, uma conceitualidade que não recorra a nenhuma das operações
internas dos sistemas em questão: nem ao trabalho intelectual consciente e nem
à comunicação. Propus chamar de interpenetração o acoplamento operativo e es-
trutural aqui em jogo (Luhmann, 1988: 51, aspas e grifo no original).
Logo, interpenetração é um acoplamento estrutural; ela não é nem co-
municação nem consciência, não pertence nem a um e nem a outro. Em con-
traposição, as pessoas surgem apenas na comunicação:
Pessoas podem ser endereços para a comunicação. Elas podem ser pressupostas
como locais de registro para processos sequenciais complexos de comunicação;
a esse respeito são funcionalmente equivalentes à escrita. Elas podem servir
como pontos de atribuição para suposições causais e especialmente para atri-
buição de responsabilidades. Tudo isso, contudo, permanece exclusivamente como
realidade comunicativa sem qualquer efeito determinante sobre os processos da consciên-
cia (Luhmann, 1990: 34, grifos meus).4
Os níveis empírico e discursivo da forma inclusão/exclusão são negli-
genciados de tal modo, que são lidos implicitamente como interpenetração.
Isso tem como consequência o fato de que a forma perde seu caráter crítico, a
138
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
138
capacidade de poder comparar pessoas por meio de uma oposição binária. A
tendência tácita de reduzir inclusão e exclusão unicamente às relações opera-
tivas entre indivíduos e sociedade, sistemas da consciência e sistemas sociais
invalida a aplicação da forma para a comparação interpessoal. Por esse motivo, ale-
ga-se frequentemente que algo como uma exclusão total não pode existir, uma
vez que todos participam da sociedade como um todo – há, então, apenas in-
clusão e a exclusão é subestimada.
Nessa interpretação, a forma ganha uma configuração neutralizada. O
desenvolvimento da forma inclusão/exclusão na teoria de sistemas levou, ao
fim e ao cabo, a um resultado completamente paradoxal: embora não designe
um estado individual (Stichweh, 2002: 106), a compreensão da forma inclusão/
exclusão como interpenetração solapa sua capacidade analítica de estabelecer
uma comparação entre pessoas. Embora o objetivo original da forma inclusão/
exclusão fosse justamente apreender as desigualdades (Nassehi, 2004: 329), ela
acaba subliminarmente por impedir a comparação interpessoal. É justamente
esse desiderato da comparabilidade que é perdido quando a forma só é aplica-
da no âmbito das relações entre indivíduo e sociedade. A revitalização do po-
tencial crítico da forma inclusão/exclusão exige sua utilização referente à com-
paração interpessoal. Para tal, a forma pode ser associada à sociologia do con-
flito, informada por uma leitura da teoria do discurso.
A PERFORMATIVIDADE DA EXCLUSÃO E AS LUTAS POR INCLUSÃO
Nesta seção esboçaremos um modelo performativo para a fórmula inclusão/
exclusão amparado nas teorias do discurso de Butler, Laclau e Mouffe, e que
visa completar a produtividade crítico-política da forma inclusão/exclusão em
situações de conflito.
Neste ponto, deve-se destacar a afinidade entre o conceito de “comuni-
cação” de Luhmann e o conceito de “discurso” das novas teorias do discurso
(Andersen, 2003). O discurso, no sentido de Laclau e Mouffe, não é um modo da
expressão linguística. Não é um ato de fala, uma conversação ou uma conversa
no sentido da filosofia da linguagem ou da linguística, mas uma determinada
caracterização da sociedade que abrange todas as suas dimensões: a linguísti-
ca assim como a extralinguística, a esfera da produção, as instituições, as prá-
ticas e todos os complexos de sentido possíveis (Laclau & Mouffe, 2001).
Laclau e Mouffe partem da separação, proveniente de Foucault, do dis-
cursivo e do não discursivo e utilizam “discurso” para apreender a totalidade do
social. Se levarmos a sério as afirmações segundo as quais a sociedade consiste
apenas de comunicação (Luhmann) e/ou de que cada objeto só pode ser produ-
zido no discurso (Laclau e Mouffe), então a seguinte conclusão se impõe: a de-
sigualdade social também só pode se realizar à medida que se articula comuni-
cativa e/ou discursivamente. Por isso, a contradição é apenas aparente, pois a
articulação discursiva de práticas hegemônicas não supõe mais uma base eco-
139
artigo | joão paulo bachur
139
nômica como fonte da hegemonia (Torfing, 1999: 41). O discurso ganha sua ma-
terialidade própria (Demirović, 2008: 407). As questões de distribuição ganham
em significado à medida que são articuladas discursivamente – e ainda mais
com base na forma inclusão/exclusão no âmbito de um conflito distributivo.
Se a exclusão for mobilizada politicamente como rubrica retórica para
ilustrar problemas distributivos e ao mesmo tempo mediar reivindicações de
inclusão, então trata-se aqui de um conflito específico cujo desdobramento por-
ventura pode transformar os padrões de inclusão dos sistemas funcionais. Nes-
sas circunstâncias, a exclusão produz um efeito performativo: ela cria dois lados
contrapostos, a saber, “incluídos” e “excluídos”, para que a inclusão seja reivin-
dicada. Essa exclusão performativa pode desencadear, por conta disso, uma lu-
ta por inclusão. Por isso, as lutas por inclusão apresentam três características
essenciais: um antagonismo discursivo estruturado pela performatividade retó-
rica da exclusão; a reivindicação por mais inclusão contestada por aqueles que
se veem como já “incluídos”; e a necessidade de uma decisão institucional.
INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO DOIS LADOS DE UM
ANTAGONISMO DISTRIBUTIVO
A performatividade da exclusão designa uma estratégia discursiva em cujo
curso a rubrica da exclusão é politicamente apropriada tendo em vista uma
aplicação retórico-performativa e combativa para ilustrar problemas de distri-
buição de modo antagônico. Em situações conflituosas, pode atuar como críti-
ca da diferenciação funcional e de suas consequências nocivas, se aplicada
estratégica e discursivamente. Enquanto momentos de um antagonismo articulados
discursivamente, inclusão e exclusão podem servir para produzir e ativar pesso-
as e grupos em situações de conflito. É nesse ponto que se pode reativar o
potencial crítico da forma inclusão/exclusão: quando os “excluídos” se apre-
sentam e reivindicam acesso mais amplo aos sistemas funcionais da socieda-
de. Esse fenômeno pode ser descrito como exclusão performativa: pessoas rei-
vindicam mais acesso à educação, saúde, ao sistema político, mobilizando a
rubrica discursiva da exclusão.
Esse enfoque não corresponde à leitura dominante sobre exclusão na
teoria de sistemas. Tradicionalmente, esta é concebida como um “fato negativo”,
uma “não ocorrência” ou um “não evento” (Stichweh, 2000: 96; Nassehi, 2004:
342; Farzin, 2006: 95). De fato, essa perspectiva descreve a execução comunica-
tiva e/ou discursiva de processos de exclusão. Entretanto, sem negar o ganho
dessa perspectiva, pode-se argumentar que a relação indivíduo/sociedade ser-
ve-lhe novamente de base. Assim, a exclusão resulta em inclusão: “No entanto,
desse modo, a exclusão torna-se, na forma da recusa, inclusão, uma vez que,
no momento da recusa, a pessoa concernida é da mais alta relevância para o
sistema social” (Farzin, 2006: 97). Pensemos no exemplo de uma pessoa em
situação de rua nos pedir uma esmola e respondermos “hoje eu não tenho”. Na
140
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
140
interpretação main stream da teoria de sistemas, não podemos considerar o
pedinte excluído da sociedade. Se isso faz sentido na concepção ortodoxa da
teoria, ela precisa ser revista. Pois, assim, o conceito de exclusão perde sua
força crítica: significa apenas aquilo que não pode acontecer para que algo
aconteça. Enquanto pressuposto operativo da formação do sistema, ela parece
apreender muito pouco, uma vez que “o momento da exclusão não é suficientemen-
te descrito como um não evento ou um não aparecimento da pessoa social” (Opitz,
2008a: 242). Assim como antes, impera a interpretação da forma inclusão/ex-
clusão como interpenetração.
Uma leitura discursiva da forma inclusão/exclusão possibilita a produção
de diferenças com a materialização correspondente de pessoas (Fuchs, 1997:
59-60). Dela surgem tanto pessoas quanto marcações de identidade sistemica-
mente geradas que estruturam expectativas e operam como endereços para
atribuições de sentido, assim como corpos. Estes de modo algum estão fora da
sociedade, mas “no exterior”, uma vez que condensam “identidades da exclusão”
(Opitz, 2008a: 246) que, por sua vez, devem ser vistas como unidades que atuam
comunicativamente, na mesma medida que as pessoas. Os “excluídos” não de-
vem ser compreendidos aqui como “não pessoas” (Opitz, 2012: 152), isto é, como
“desintegração da forma” ou “catástrofe da forma” (Fuchs, 2007: 149), pois são poli-
ticamente ativos à medida que se colocam de modo antagônico em relação aos
“incluídos”, mobilizando a forma inclusão/exclusão para a comparação inter-
pessoal. Assim, a performatividade da exclusão abandona o nível geral da re-
lação entre indivíduo e sociedade e passa a marcar diferenças entre indivíduos
(desigualdades articuladas discursivamente).
Judith Butler (1997) esclarece como a exclusão é politicamente represen-
tada. Butler realiza uma reinterpretação da teoria da linguagem de John L. Aus-
tin baseada em Foucault e Derrida, segundo a qual nenhum ato de fala pode
ser completamente soberano: antes de ser um ato de vontade subjetivo, o ato
performativo e/ou ilocutivo pode ser identificado justamente pelo fato de que
uma instabilidade constitutiva lhe é inerente. Esta garante que nenhuma men-
sagem deva impor ou completar forçosamente aquilo que se reivindica por
meio dela, pois todos os enunciados podem ser confrontados e deslegitimados
por enunciados contrários. O enunciado não é uma representação do mundo,
mas um campo de luta (cf. Bachur, no prelo).
A performatividade discursiva é uma ressignificação ininterrupta con-
duzida nas operações comunicativas que produzem sentido (Butler, 1997: 14),
com o pressuposto de que nem o falante/autor nem o contexto podem realizar
uma definição compulsória da linguagem, uma vez que o discurso pode solapar
a força de definição do contexto e/ou do autor (Butler, 1997: 40).
Propomos a interpretação da exclusão como marcação discursiva que, ao
ser enunciada, abre um conflito distributivo e, com isso, cria efetivamente um
campo de excluídos que precisa ser considerado. A performatividade do dis-
141
artigo | joão paulo bachur
141
curso serve de base para a reinterpretação da forma inclusão/exclusão: o lado
da exclusão não é um “fato negativo”, uma “não ocorrência” ou um “não even-
to”, mas indica a oportunidade de ressignificação política da endereçabilidade
no âmbito de uma situação de conflito antagônica na qual se luta por inclusão:
Considere, por exemplo, aquela situação em que sujeitos excluídos de uma vida
emancipada pelas convenções dadas, que regem a definição excludente do uni-
versal, aproveitem a linguagem da emancipação para colocar em movimento
uma ‘contradição performativa’, reclamando estarem incluídos no universal e
expondo assim o caráter contraditório das prévias formulações convencionais
do universal. Esse tipo de discurso aparece a princípio impossível ou contradi-
tório, mas ele constitui uma forma de expor os limites das noções correntes de
universalidade, e constitui um desafio aos standards existentes de inclusão, que
devem se tornar mais expansivos e includentes (Butler, 1997: 89).
Nesses termos, a exclusão é tudo, menos um não evento. É tão consti-
tutiva quanto a inclusão para a produção de identidades no âmbito de discur-
sos antagônicos. O momento da exclusão também deve ser visto como um
evento comunicativo que configura política e discursivamente uma luta por in-
clusão, posto que a exclusão se liga a uma corrente de comunicação e a leva
adiante de modo produtivo. Uma mensagem de recusa que vise executar uma
exclusão não é um ato soberano que converte a exclusão em inclusão, no sen-
tido puramente operativo, como pretendem os luhmannianos ortodoxos. Ela
pode ser replicada sem que o pretenso excluído simplesmente negue ou assu-
ma mimeticamente o status a ele atribuído. Fica aberta ao excluído uma alter-
nativa crítica de apanhar o status excludente para dirigir uma contramensagem
na direção de uma visibilização discursiva das fronteiras entre um “dentro” e
um “fora” na sociedade. Logo, inclusão e exclusão estruturam dois lados de um
agrupamento antagônico, o que abre o caminho para que se possa comparar
pessoas e criticar politicamente tanto problemas quanto padrões de distribuição.
Com isso, a atenção não se volta para a “política da sociedade”, mas
para o político (Stäheli, 2000: 249; Marchart, 2010: 206). À primeira vista, a dis-
cussão sobre o político e a descrição de conflitos distributivos baseada na for-
ma inclusão/exclusão encontram-se em registros distintos, pois o “exterior
constitutivo” da sociedade (Laclau & Mouffe, 2001: 126) não diz respeito ime-
diato à “exclusão constitutiva” do discurso (Stäheli, 2000: 54), mas às condições
de possibilidade do social.5 Apesar disso, algumas sugestões fornecem direções
possíveis para a forma inclusão/exclusão, problematizando-a com pessoas pa-
ra dentro e/ou fora dos sistemas funcionais (Opitz, 2008a; Stäheli, 2008: 114-115;
Opitz, 2012).
Elas não perdem a versão binária de uma forma de dois lados, mas dei-
xam de descrever as condições de possibilidade operativas dos acoplamentos
estruturais e passam a descrever momentos discursivos que marcam posiciona-
mentos diferenciais em uma articulação (Laclau & Mouffe, 2001: 105). Nesse
contexto, “articulação” significa “qualquer prática que estabelece uma relação entre
142
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
142
elementos de modo que sua identidade é modificada como resultado da prática de arti-
culação” (Laclau & Mouffe 2001: 105). Nesse contexto, inclusão e exclusão são mo-
mentos de uma articulação discursiva que geram um antagonismo estruturado
a partir de um conflito distributivo: uns têm mais acesso às prestações de um
determinado sistema social enquanto outros têm menos; estes últimos tomam
a palavra e reivindicam participação – que é resistida pelos já estabelecidos.
INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO MOMENTOS DE UM
CONFLITO DISTRIBUTIVO
Portanto, a forma inclusão/exclusão pode servir para gerar uma oposição biná-
ria objetivando mediar reivindicações de inclusão, exigir e refutar justificações
para discriminações experimentadas empiricamente, assim como produzir e
criticar discursivamente causalidades a esse respeito. Em suma, trata-se de
agrupamentos ad hoc que só podem acontecer discursivamente: a forma inclu-
são/exclusão pode ser aplicada para marcar uma situação de “nós/eles” ou
“mais/menos”, por assim dizer. Por isto a forma é performativa: ela gera aquilo
que ela nomeia – incluídos de um lado, excluídos de outro. A criação dessa
separação é performativa pelo fato de que ambos os polos são construídos no
discurso: não correspondem às fronteiras operativas de um sistema, uma vez
que não se referem à diferenciação “genuína” sistema/ambiente; apesar disso,
eles geram algo como fronteiras “artificiais”, que podem ser problematizadas
posto que implementam marcações retóricas linguístico-políticas.
Especialmente importante para essa perspectiva é o conceito de signi-
ficante vazio: “Um significante vazio é stricto sensu um significante sem um signi-
ficado” (Laclau, 1996: 36). Eles são tão amplamente esvaziados de seus signifi-
cados particulares, que alegam expressar uma unidade imaginária do discurso,
com a consequência de que uma particularidade reivindica paradoxalmente
uma representação universal (Stäheli, 2001: 201). Propõe-se aqui que a inclusão
também pode ocupar a posição de um significante vazio quando traz em seu
bojo uma proibição da exclusão no sentido de Luhmann. Dado que a inclusão
se desdobra justamente ao invisibilizar o lado negativo de si mesma, como se
apenas um dos lados da forma fosse operacional (Ruda, 2008: 212). Entretanto,
desse modo, a teoria de sistemas de Luhmann não apenas neutraliza o lado da
exclusão da forma, como também esvazia o significado do conceito de inclusão.
Em uma luta por inclusão, ambos os significantes postulam ao mesmo
tempo um significado (a participação nas comunicações sistêmicas), de modo
que se instala um paradoxo. A esse respeito, contudo, a “política da reversão
do paradoxo” (Stäheli, 2000) assume um significado ainda mais diferenciado: a
desconstrução da inclusão como significante vazio, de modo que reivindicações de
inclusão podem ser analisadas em uma versão antagônica.
Os posicionamentos atuais e suas classificações contingentes são deter-
minados de modo antagônico e performativo: aqueles que se veem como “in-
143
artigo | joão paulo bachur
143
cluídos” imputam aos “excluídos” a ameaça a sua própria situação; ao passo
que aqueles que se imaginam “excluídos” atribuem aos “incluídos” o impedi-
mento de suas reivindicações de inclusão. Nessas circunstâncias, podem ser
realizados deslocamentos políticos. Assim, abre-se a possibilidade de descrever
os significantes inclusão e exclusão em sua performance para a consolidação de
identidades em conflitos distributivos.
Desigualdade e conflitos distributivos não pressupõem níveis extraco-
municativos, uma vez que diferenças empíricas entre indivíduos só produzem
sentido social ao ser comunicadas. Se a sociedade pode ser caracterizada pela
complexidade e só pode consistir de comunicação, os sistemas funcionais têm
de pôr cada vez mais possibilidades de comunicação à disposição do que são
capazes de realizar. Logo, a formação do sistema deve criar para si algum tipo
de seleção e, por isso, também uma certa distribuição das prestações do siste-
ma. Em todo caso, tal distribuição deve aparecer comunicativamente, pois “a
estrutura [de um sistema] redistribui as oportunidades de comunicação [...]
entre os participantes” (Luhmann, 1984: 565).
De fato, a criação da diferenciação inclusão/exclusão tem de supor “con-
dições médias de vida” (Demirović, 2008: 405) que só podem ser definidas de mo-
do discursivo/comunicativo, mas também sempre conflitivo
O que está em jogo é sempre a hegemonia, ou seja, a dominação dos modos de-
vida de grupos privilegiados que se podem apoiar no assentimento de muitos; e
que só podem estabelecer sua espécie de condução da vida ao excluir os outros
como aberrantes (Demirović, 2008: 405).
Uma luta por inclusão busca deslocar essa linha à medida que os padrões
de inclusão e exclusão são politizados criticamente. Ao contrário do acaso e da
intensificação espontânea, uma luta por inclusão significa a politização deli-
berada dos critérios de acesso aos sistemas funcionais. Assim, a intensificação
do conflito não se dá apenas em uma dimensão quantitativa, mas também
assume um aspecto qualitativo, pois a luta por inclusão insta a uma tomada
oficial de decisão.
O CONFLITO, EM SUA VERSÃO DESPOLITIZADA, NÃO PERMITE O
TRATAMENTO ADEQUADO DE QUESTÕES DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Em regra, em relações hierárquicas dentro de organizações ou em incontáveis
negociações que ocorrem nos sistemas políticos, econômicos e científicos, a
recusa e o dissenso, além de problemáticos, também são estabilizados e até
mesmo regulamentados institucionalmente – e isso para além do “não” dito.
Tanto as recusas como o dissenso pertencem às operações normais da auto-
poiese, e um parasitismo de modo algum está em questão. Mas tais hipóteses
não têm nada a ver com questões de distribuição. De qualquer forma, a teoria
de sistemas tem de conseguir distinguir conflitos distributivos, de um lado, e
o percurso cotidiano e prosaico da comunicação, de outro. A repolitização do
144
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
144
conflito exige que a problematização das “fronteiras do sistema” seja erigida
de acordo com uma regra dentro/fora baseada na forma inclusão/exclusão, pon-
do em marcha uma luta por inclusão que deve ser decidida.
Na perspectiva da teoria de sistemas, todos os conflitos são estruturados
pela diferenciação dos processos comunicativos segundo a qual expectativas
contrapostas e incompatíveis são comunicadas e devem coexistir temporaria-
mente. Quão estável ou precária, efêmera ou duradoura será essa coexistência
depende de como a sociedade mobiliza seus mecanismos de processamento e/
ou resolução de conflitos, mas também da intensidade com a qual esses meca-
nismos podem ser acoplados estruturalmente uns aos outros. A complexidade,
por sua vez, quer dizer que nem todas as reivindicações de inclusão podem ser
realizadas.
Daí a luta por inclusão. Lutas por inclusão descrevem, por conseguinte, a
constituição discursiva de conflitos distributivos em que emergem posições an-
tagônicas referentes à participação desigual nas operações dos sistemas sociais,
com a consequência de que padrões estabelecidos de inclusão e exclusão podem
ser politicamente desestabilizados ou modificados por uma decisão política.
Uma luta por inclusão somente se estabelece se o conflito levar à deses-
tabilização das condições de inclusão no sistema principal ou em outros siste-
mas funcionais. Dota o sistema principal de um antagonismo agudo que esta-
belece a necessidade de uma decisão institucional cujo objeto é uma possível
modificação dos padrões de inclusão e exclusão.
De acordo com Luhmann, conflitos são estruturados em dois aspectos:
ou por meio do direito, ou pelos movimentos de protesto. Todavia, a luta por
inclusão é um híbrido: ela pode até depender de uma mobilização coletiva, mas
visa a uma decisão institucional oficial para tentar modificar os padrões. Ela
torna o sistema político sensível a “constelações da hegemonia” (Reckwitz, 2008:
70) e pode levar a decisões que não se limitam necessariamente às fronteiras
operativas de um único sistema funcional.
Tais decisões podem até ser tomadas pelo aparato do Estado de bem-
-estar (Halfmann, 2002), mas não necessariamente; elas podem decorrer de
acordo tanto com o circuito de poder oficial quanto com o não oficial da polí-
tica (Luhmann, 1984). Podem tanto produzir estruturas ad hoc quanto provocar
modificações permanentes nos padrões de inclusão de um sistema, dependen-
do de quanta tensão a luta produz.
CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS
Na aplicação crítico-política de uma retórica de exclusão, no sentido da estru-
turação de lutas antagônicas por inclusão, a binariedade ganha um significado
ampliado em termos da teoria de sistemas, que ilumina seu potencial crítico.
O modelo de uma teoria performativa da forma inclusão/exclusão em
questões de distribuição afirma que os excluídos de modo algum são politica-
145
artigo | joão paulo bachur
145
mente incapazes; muito pelo contrário, sua força está situada justamente na
possibilidade de tomar a palavra enquanto excluídos para criticar as condições
dadas de inclusão.
Se essa forma é compreendida como interpenetração, então ela não tem
significado algum para a discussão de problemas distributivos. O potencial
crítico que ela tem está situado na orientação para relações interpessoais, na
problematização política das relações entre indivíduos referente à participação nos
sistemas funcionais da sociedade.
A mobilização retórico-política da exclusão tem um significado decisivo
para a constituição de pessoas, grupos e conflitos: lutas por inclusão designam
um tipo autônomo de conflito, cujo motivo de intensificação não é elaborado
apenas comunicativamente. Logo, não se trata da complementação de uma
determinação temática da intensificação do conflito, mas da estruturação per-
formativa de um antagonismo.
A exclusão é apropriada de modo retórico-político para mediar as rei-
vindicações de inclusão. No decorrer dessa articulação discursivo-performati-
va, ambas marcam os lados de uma diferenciação antagônica que serve à es-
truturação de grupos antagônicos e com base na qual se revelam problemas
distributivos.
Tal modelo performativo parece não apenas inaugurar uma perspectiva
complementar à conceitualização da teoria de sistemas da forma inclusão/
exclusão, mas também oferecer a possibilidade de tornar a forma aplicável em
estudos de caso e/ou pesquisas empíricas.
O fato de que os sistemas funcionais regulam seus próprios critérios
de inclusão não invalida seu combate – é neles que se situam a autonomia e a
proeminência do político. A demarcação de fronteiras e a decisão sobre “quem
pertence a qual lado” só podem resultar da problematização conflituosa de cons-
telações hegemônicas. Inclusão e exclusão são, por conseguinte, momentos
discursivos da articulação de um conflito cujo cerne é a demarcação de uma
fronteira interna/externa na sociedade de acordo com uma constelação políti-
ca que agrega de modo constitutivo inclusão, exclusão, conflito e problemas
distributivos.
Recebido em 07/2/2020 | Revisado em 03/3/2020 | Aprovado em 10/3/2020
João Paulo Bachur é doutor em ciência política pela USP, com
pós-doutorado em filosofia pela Universidade Livre de Berlim,
como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt. Professor e
coordenador do programa de pós-graduação stricto sensu em
direito constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público.
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
146
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
146
NOTAS
1 As teses aqui sustentadas foram apresentadas pela pri-
meira vez em 6 de dezembro de 2012 por ocasião da jor-
nada “Die gespaltene Gesellschaft: Sozialwissenschaftli-
che Perspektiven auf alte und neue soziale Ungleichheiten”
[“A sociedade cindida: perspectivas das ciências sociais
sobre velhas e novas desigualdades sociais”], da seção
“Desigualdade social” da Sociedade Austríaca de Sociologia
na Universidade Johannes Kepler, em Linz, Áustria. Ori-
ginalmente escrito em alemão, com o título “Die Perfor-
mativität der Exklusion und die Kämpfe um Inklusion:
Verteilungsfragen anhand einer systemtheoretischen
Unterscheidung”, o texto foi desde então amplamente re-
elaborado. Agradeço a Sérgio Costa, Andreas Fischer-Les-
cano, Marcelo Neves, Regina Kreide, Kolja Moeller e Johan
Horst os solícitos apontamentos a uma versão prévia des-
te texto. Agradeço a Eduardo Altheman C. Santos a tra-
dução do manuscrito original. Pelo apoio financeiro, agra-
deço a Fundação Alexander von Humboldt.
2 Nesse aspecto, a teoria de sistemas e a teoria do agir
comunicativo assemelham-se de modo surpreendente:
“Segundo Luhmann e Habermas, só se observa um confli-
to quando uma comunicação é contraditada. O que decor-
re pode ser compreendido como discurso ou como sistema
social em que conf litos, em regra, atraem para si uma
disputa verbal-linguística, uma vez que, de outro modo, não
poderiam formar nem um discurso nem um sistema so-
cial. O conflito, enquanto fato empírico, dissipar-se-ia tão
rapidamente quanto surgiu” (Bonacker, 1997: 105, grifos
meus).
3 Cf. aqui Bachur (2013).
4 Deve ser mencionado aqui, entretanto, que Luhmann de-
fine “pessoa” no sentido do acoplamento estrutural (Luh-
mann, 1991: 146). Isso representa menos uma guinada de
perspectiva do que uma evidência da preponderância
subliminar da interpenetração.
5 Lê-se de modo muito claro: “Minha compreensão da ex-
clusão não se refere ao problema da inclusão/exclusão
social (tal como elaborado em Luhmann N., 1995), isto é,
trata-se de uma análise anterior à exclusão de pessoas
147
artigo | joão paulo bachur
147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Andersen, Niels Åkerstrøm. (2003). Discursive analytical stra-
tegies: understanding Foucault, Koselleck, Laclau, Luhmann. Bris-
tol: Policy Press.
Bachur, João Paulo. (no prelo). Para uma sociologia da res-
significação. In: Direito e praxis.
Bachur, João Paulo. (2013). O Estado de bem-estar em Hayek
e Luhmann. Tempo Social, 25/2, p. 179-213.
Bachur, João Paulo. (2012). Inclusão e exclusão na teoria de
sistemas sociais: um balanço crítico. BIB, 73/1, p. 55-83.
Bohn, Cornelia. (2008). Inklusion und Exklusion: Theorien
und Befunde. Von der Ausgrenzung aus der Gemeinschaft
zur inkludierenden Exklusion. Soziale Systeme. Zeitschrift für
soziologische Theorie, 14/2, S. 171-190.
Bohn, Cornelia. (2006). Inklusion, Exklusion und die Person.
Konstanz: UVK.
Bohn, Cornelia. (2001). Inklusionsindividualität und Exklu-
sionsindividualität. In: Bohn, Cornelia; Willems, Herbert
(Hg.). Sinngeneratoren: Fremd- und Selbstthematisierung in sozio-
logisch-historischer Perspektive. Konstanz: UVK, S. 159-176.
Bohn, Cornelia & Hahn, Alois. (2002). Patterns of inclusion
and exclusion: property, nation and religion. Soziale Systeme.
Zeitschrift für soziologische Theorie, 8/1, S. 8-26.
Bonacker, Thorsten. (1997). Kommunikation zwischen Konsens
und Konf likt. Möglichkeiten und Grenzen gesellschaftlicher Ratio-
nalität bei Jürgen Habermas und Niklas Luhmann. Oldenburg: BIS/
Uni-Oldenburg.
Butler, Judith. (1997). Excitable speech: a politics of the perfor-
mative. New York/London: Routledge.
Dahrendorf, Ralf. (1990). Class and class conf lict in industrial
society. Stanford: Stanford University Press.
ou grupos” (Stäheli, 1996: 72, nota 9). E também Marchart
(2008: 371): “Esse modo mais fundamental [da exclusão]
normalmente não está associado ao conceito de exclusão
e/ou inclusão, que assume funções de atribuição dentro
da sociedade, mas é apreendido acima de tudo pela lógi-
ca das formas de Spencer-Brown”.
148
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
148
Demirović, Alex. (2008). Reibungen an der Normalität:
Exklusion und die Konstitution der Gesellschaft. Soziale
Systeme. Zeitschrift für soziologische Theorie, 14/2, S. 397-417.
Farzin, Sina. (2006). Inklusion/Exklusion: Entwicklungen und
Probleme einer systemtheoretischen Unterscheidung. Bielefeld:
Transcript.
Fuchs, Peter. (2007). Das Maß aller Dinge. Eine Abhandlung
zur Metaphysik des Menschen. Weilerswist: Velbrück Wis-
senschaft.
Fuchs, Peter. (1997). Adressabilität als Grundbegriff der
soziologischen Systemtheorie. Soziale Systeme. Zeitschrift
für soziologische Theorie, 3/1, S. 57-79.
Gertenbach, Lars. (2008). Ein‚ Denken des Außen: Michel
Foucault und die Soziologie der Exklusion. Soziale Systeme.
Zeitschrift für soziologische Theorie, 14/2, S. 308-328.
Giegel, Hans-Joachim. (1998). Gesellschaftstheorie und Kon-
fliktsoziologie. In: Giegel, Hans-Joachim (Hg.). Konflikt in mo-
dernen Gesellschaften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, S. 9-28.
Göbel, Markus & Schmidt, Johannes F. K. (1998). Inklusion/
Exklusion: Karriere, Probleme und Differenzierung eines
systemtheoretischen Begriffspaars. Soziale Systeme. Zeits-
chrift für soziologische Theorie, 4/1, S. 87-118.
Halfmann, Jost. (2002). Der moderne Nationalstaat als
Lösung und Problem der Inklusion in das politische Sys-
tem. In: Hellmann, Kai-Uwe; Schmalz-Bruns, Rainer (Hg.).
Theorie der Politik: Niklas Luhmanns politische Soziologie.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, S. 261-286.
Hayek, Friedrich August von. (1976). Law, legislation and
liberty II. Chicago: University of Chicago Press.
Hayek, Friedrich August von. (1973). Law, legislation and
liberty I. Chicago: University of Chicago Press.
Kronauer, Martin. (2010). Exklusion: Die Gefährdung des So-
zialen im hoch entwickelten Kapitalismus, 2. Aufl. Frankfurt
am Main/New York: Campus.
Laclau, Ernesto. (1996). Emancipation(s). London/New York:
Verso.
Laclau, Ernesto & Mouffe, Chantal. (2001). Hegemony and
socialist strategy: towards a radical democratic politics, 2. Au-
f l. London/New York: Verso.
149
artigo | joão paulo bachur
149
Link, Jürgen & Parr, Rolf (Hg.). (2004). Foucault mal Luh-
mann: Welche Produkte? KultuRRevolution, 47.
Luhmann, Niklas. (2000a). Die Politik der Gesellschaft (he-
rausgegeben von André Kieserling). Frankfurt am Main:
Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (1997). Die Gesellschaft der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (1995a). Inklusion und Exklusion. In:
Soziologische Aufklärung 6, 2. Aufl. Wiesbaden: VS, S. 226-
251.
Luhmann, Niklas. (1995b). Jenseits von Barbarei. In: Ge-
sellschaftsstruktur und Semantik: Studien zur Wissenssoziolo-
gie der modernen Gesellschaft, Bd. 4. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, S. 138-150.
Luhmann, Niklas. (1995c). Kausalität im Süden. Soziale
Systeme. Zeitschrift für soziologische Theorie, 1/1, S. 7-28.
Luhmann, Niklas. (1991). Die Form‚ Person. In: Soziologis-
che Aufklärung 6, 2. Aufl. Wiesbaden: VS, S. 137-148.
Luhmann, Niklas. (1990). Die Wissenschaft der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (1989). Individuum, Individualität, In-
dividualismus. In: Gesellschaftsstruktur und Semantik: Stu-
dien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft, Bd. 3.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, S. 149-258.
Luhmann, Niklas. (1988). Wie ist Bewußtsein an Kommu-
nikation beteiligt? In: Soziologische Aufklärung 6, 2. Auf l.
Wiesbaden: VS, S. 38-54.
Luhmann, Niklas. (1985). Zum Begriff der sozialen Klasse.
In: Ideenevolution: Beiträge zur Wissenssoziologie (herausge-
geben von André Kieserling). Frankfurt am Main: Suhr-
kamp, S. 72-131.
Luhmann, Niklas. (1984). Soziale Systeme: Grundriß einer
allgemeinen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Luhmann, Niklas. (1981). Politische Theorie im Wohlfahrtss-
taat. München: Olzog.
Luhmann, Niklas. (1980a). Theoretische Orientierung der
Politik. In: Soziologische Aufklärung 3, 4. Aufl. Wiesbaden:
VS, S. 329-335.
150
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
150
Luhmann, Niklas. (1980b). Gesellschaftliche Struktur und
semantische Tradition. In: Gesellschaftsstruktur und Seman-
tik: Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft,
Bd. 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, S. 9-71.
Luhmann, Niklas. (1977). The Differentiation of Society. In:
The Differentiation of Society, Übers. v. Stephen Holmes; Char-
les Larmore. New York: Columbia University Press, S. 229-
254.
Luhmann, Niklas. (1975). Evolution und Geschichte. In:
Soziologische Aufklärung 2, 5. Aufl. Wiesbaden: VS, S. 187-211.
Luhmann, Niklas. (1965). Grundrechte als Institution. Ein Bei-
trag zur politischen Soziologie. Berlin: Duncker & Humblot.
Marchart, Oliver. (2013). Das unmögliche Objekt: Eine postfun-
damentalistische Theorie der Gesellschaft. Berlin: Suhrkamp.
Marchart, Oliver. (2010). Die politische Differenz: Zum Denken
des Politischen bei Nancy, Lefort, Badiou, Laclau und Agamben.
Berlin: Suhrkamp.
Marchart, Oliver. (2008). Ungesellschaftliche Gesellschaf-
tlichkeit: Exklusion und Antagonismus bei Lévi-Strauss,
unter Berücksichtigung von Lacan, Laclau und Luhmann.
Soziale Systeme. Zeitschrift für soziologische Theorie, 14/2, S.
370-396.
Marchart, Oliver. (2002). On drawing a line. Politics and
the significatory logics of inclusion/exclusion. Soziale Sys-
teme. Zeitschrift für soziologische Theorie, 8/1, S. 69-87.
Messmer, Heinz. (2003). Konf likt und Konf liktepisode:
Prozesse, Strukturen und Funktionen einer sozialen Form.
Zeitschrift für Soziologie, 32/2, S. 98-122.
Nassehi, Armin. (2004). Inkusion, Exklusion, Ungleichheit.
Eine kleine theoretische Skizze. In: Schwinn, Thomas
(Hg.). Differenzierung und soziale Ungleichheit: Die zwei So-
ziologien und ihre Verknüpfung. Frankfurt am Main: Huma-
nities Online, S. 323-352.
Nollmann, Gerd. (1997). Konflikte in Interaktion, Gruppe und
Organisation: Zur Konfliktsoziologie der modernen Gesellschaft.
Opladen: Westdeutscher.
Opitz, Sven. (2012). An der Grenze des Rechts: Inklusion/
Exklusion im Zeichen der Sicherheit. Weilerswist: Velbrück
Wissenschaft.
151
artigo | joão paulo bachur
151
Opitz, Sven. (2008a). Die Materialität der Exklusion: Vom
ausgeschlossenen Körper zum Körper des Ausgeschlos-
senen. Soziale Systeme. Zeitschrift für soziologische Theorie,
14/2, S. 229-253.
Opitz, Sven. (2008b). Exklusion: Grenzgänge des Sozialen.
In: Moebius, Stephan; Reckwitz, Andreas (Hg.). Posts-
trukturalistische Sozialwissenschaften. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, S. 175-193.
Reckwitz, Andreas. (2008). Subjekt. Bielefeld: Transcript.
Ruda, Frank. (2008). Alles verpöbelt sich zusehends! Na-
menlosigkeit und generische Inklusion. Soziale Systeme.
Zeitschrift für soziologische Theorie, 14/2, S. 210-228.
Schneider, Wolfgang Ludwig. (1994). Die Beobachtung von
Kommunikation: Zur kommunikativen Konstruktion sozialen
Handelns. Opladen: Westdeutscher.
Schroer, Markus. (2010). Funktionale Differenzierung ver-
sus soziale Ungleichheit: Ein Beitrag zur Debatte über die
Grundstruktur der modernen Gesellschaft. In: Kneer,
Georg; Moebius, Stephan (Hg.). Soziologische Kontroversen:
Beiträge zu einer anderen Geschichte der Wissenschaft vom
Sozialen. Berlin: Suhrkamp, S. 291-313.
Spencer-Brown, George. (1969). Laws of form. New York:
Bantam.
Stäheli, Urs. (2008). System: Unentscheidbarkeit und Dif-
ferenz. In: Moebius, Stephan; Reckwitz, Andreas (Hg.).
Poststrukturalistische Sozialwissenschaften. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, S. 108-123.
Stäheli, Urs. (2001). Die politische Theorie der Hegemonie:
Ernesto Laclau und Chantal Mouffe. In: Brodocz, André;
Schaal, Gary S. (Hg.). Politische Theorien der Gegenwart: Eine
Einführung, Bd. 2. Opladen: Leske/Budrich, S. 193-223.
Stäheli, Urs. (2000). Sinnzusammenbrüche: Eine dekonstruk-
tive Lektüre von Niklas Luhmanns Systemtheorie. Weilerswist:
Velbrück Wissenschaft.
Stäheli, Urs. (1996). From victimology towards parasito-
logy. Recherches sociologiques, 27/2, S. 59-80.
Stichweh, Rudolf. (2005). Inklusion und Exklusion: Studien
zur Gesellschaftstheorie. Bielefeld: Transcript.
152
a performatividade da exclusão e as lutas por inclusãoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 129
– 1
53 ,
jan
. – a
br.,
2020
152
Stichweh, Rudolf. (2002). Strangers, inclusions, and iden-
tities. Soziale Systeme. Zeitschrift für soziologische Theorie,
8/1, S. 101-109.
Stichweh, Rudolf. (2000). Die Weltgesellschaft. Soziologische
Analysen. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
Streeck, Wolfgang. (2011). The crises of democratic capi-
talism. New Left Review, 71, p. 5-29.
Torfing, Jacob. (1999). New theories of discourse: Laclau,
Mouffe and Žižek. Oxford: Blackwell.
153
artigo | joão paulo bachur
153
A PERFORMATIVIDADE DA EXCLUSÃO E AS LUTAS
POR INCLUSÃO: QUESTÕES DISTRIBUTIVAS A PARTIR
DA TEORIA DE SISTEMAS SOCIAIS
Resumo
O artigo oferece uma autorreflexão crítica dentro da teoria
de sistemas e examina programaticamente a seguinte
questão: como a inclusão e a exclusão podem ser incorpo-
radas a uma teoria do conflito cujo cerne é constituído de
questões distributivas. Para tanto, propõe uma reinterpre-
tação teórico-discursiva da forma inclusão/exclusão orien-
tada para o conflito, de acordo com a qual a inclusão e a
exclusão poderiam ser descritas como articulações políti-
cas performativas, no sentido das teorias do discurso con-
temporâneas.
THE PERFORMATIVITY OF EXCLUSION AND
STRUGGLES FOR INCLUSION: DISTRIBUTIVE
QUESTIONS BASED ON SOCIAL SYSTEMS THEORY
Abstract
The article offers a critical self-reflection within the the-
ory of systems and explores the following question: how
can inclusion and exclusion be incorporated into a theory
of conflict whose core is constituted by distributive issues?
To this end, it proposes a theoretical-discursive reinterpre-
tation of the inclusion/exclusion model oriented towards
conflict, in which inclusion and exclusion can be described
as performative political articulations, in the sense of con-
temporary theories of discourse.
Palavras-chave
Conflito;
inclusão;
exclusão;
teoria do discurso;
teoria dos sistemas.
Keywords
Conflict;
inclusion;
exclusion;
theory of discourse;
systems theory.
Juan Pablo Gonnet I
1 Comisión Nacional de Investigaciones Científicas y Estudios Técnicos (CONICET),
Buenos Aires, Argentina
http://orcid.org/0000-0002-1851-9383
ORDEN SOCIAL, INTERACCIÓN Y SOCIEDAD EN LUHMANN. PERSPECTIVAS DE MÉTODO PARA LA INTEGRACIÓN DEL CONOCIMIENTO SOCIOLÓGICO
INTRODUCCIÓN1
Una de las principales contribuciones de la teoría de los sistemas sociales de
Niklas Luhmann radica en la delimitación de un enfoque conceptual capaz de
integrar, conectar y vincular la diversidad y complejidad de la investigación
sociológica existente. En este sentido, la teoría presenta rendimientos que son
altamente relevantes en el ámbito del método al otorgar recursos para la orien-
tación, dirección y coordinación de la investigación social, propiciando cierto
grado de coherencia en su desarrollo.2 Nos gustaría proponer que la valoración
de este aporte no es menor en el contexto de una ciencia social cada vez más
diferenciada y especializada, en la que los riesgos de desconexión, aislamiento
y dispersión se han vuelto cada vez más evidentes.3
Los problemas asociados a la “división del trabajo” en la ciencia no son
nuevos. Los mismos habían sido diagnosticados por Comte y Durkheim hace
más de 100 años. Ambos entendían que este proceso estaba arraigado en la
dinámica misma de la ciencia moderna. Sin embargo, mientras que para el
primero este era un problema inherente a la división del trabajo científico,
para el segundo, no era ese necesariamente el caso. El descubrimiento de pro-
blemas desconocidos y el trabajo sobre ellos es para Durkheim algo deseable,
y hasta fundamental para el desarrollo científico. Si este proceso se transforma
en crecimiento anárquico, desinterés y desintegración, esto se debe a que la
división del trabajo no está generando los tipos de interdependencia sui generis
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 1
55 –
178
, en
e. –
abr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1015
156
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
156
que le son inherentes. Por esta razón, no debemos reprocharle directamente a
la especialización la condición de dispersión. De hecho, el sociólogo francés
rechaza aquellas soluciones que hacen de esta la causa del problema (Durkheim,
2008: 403 y ss). No se trata de ignorar las diferencias sino de reconocerlas e
integrarlas. Durkheim considera que esto sólo es posible a través del desarrollo
de “reglamentaciones” que, siendo sensibles a los resultados de las prácticas
de investigación especializadas, puedan expresar de un modo lo suficiente-
mente preciso el vínculo que guardan entre ellas. Así, no se debe buscar la
restitución de una unidad perdida, sino la expresión de una existente.4 Una
reglamentación adecuada sería aquella que pudiera coordinar las interdepen-
dencias entre las distintas especializaciones, de modo tal de que éstas puedan
reconocer el horizonte en el que adquiere sentido su constitución.
No es otra la conclusión a la que llega Luhmann en relación a este pro-
blema que comenzó a ser gravitante en la sociología a partir de la segunda
mitad del siglo XX. Desde sus primeras obras el teórico alemán muestra una
preocupación permanente por la unidad de la disciplina (Luhmann, 1973, 1986,
1994) y por la necesidad de desarrollar concepciones teóricas que puedan re-
flejar convincentemente la complejidad alcanzada en la comprensión del mun-
do social. Luhmann entiende que el riesgo de desintegración solo puede ser
contenido a partir de un instrumental conceptual respetuoso de la complejidad,
y no a través de la reposición de teorías o condiciones científicas previas. En
conexión con esto, la teoría de los sistemas sociales busca elaborar un esquema
lo suficientemente preciso, pero también flexible y abierto para el desarrollo y
la especialización de la sociología,5 que evite la dispersión, así como las unifi-
caciones restrictivas.
En este trabajo buscamos sistematizar las prestaciones que esta teoría
ofrece en materia de método para la integración de una división particular del
trabajo sociológico que, de modo más o menos explícito, se ha vuelto dominan-
te en la investigación social contemporánea. Nos referimos a aquella que se
establece entre los análisis interaccionistas y los societales del orden social.
Evidentemente, estos desarrollos han sido un aporte relevante para la sociolo-
gía debido a que han puesto en evidencia una situación previa de “indistinción”
entre interacción y sociedad. A pesar de ello, los rendimientos analíticos de
esta maniobra se han vistos resentidos debido a que la distinción ha devenido
en separación (lo micro y lo macro). Así, el tratamiento del problema del orden
social se ha disuelto en perspectivas teóricas aisladas que se mantienen inde-
pendizadas las unas de las otras. Esta situación ejemplifica, claramente, el
problema que advertimos en los párrafos anteriores. La especialización devie-
ne en dispersión cuando la atención a un campo lleva a desconocer las rela-
ciones que este guarda con otro. Frente a este problema, una alternativa difun-
dida ha sido la de la des-diferenciación. Esto es, interacción y sociedad son
interpretadas como dimensiones de un continuo. Se podría decir, como dos
157
artículo | juan pablo gonnet
157
momentos en la producción del orden social. Sin embargo, aquí no se articula
la complejidad sino que se elimina. La especificidad y los límites de los órdenes
sociales interactivos y societales tienden a desvanecerse.
En consecuencia, nos encontramos ante una distinción que es valiosa,
que muestra el avance del conocimiento sociológico, pero cuyo desarrollo pa-
rece condenarnos o a una situación de desintegración o a la reposición de
condiciones científicas previas. En este artículo deseamos mostrar de qué ma-
nera la teoría de los sistemas sociales presenta un enfoque conceptual idóneo
para explotar heurísticamente la relación entre interacción y sociedad. Con
este fin procedemos a una reconstrucción de los diversos modos en que la
distinción es abordada por Luhmann y explicitamos las consecuencias meto-
dológicas que de ellos se derivan.
LA DISTINCIÓN DE NIVELES ANALÍTICOS
Una de las primeras herramientas que nos brinda la teoría de los sistemas
sociales para un tratamiento de los fenómenos interactivos y societales con-
siste en una delimitación precisa de niveles analíticos (Luhmann, 1998a: 27 y
ss.). En el nivel más alto de abstracción se posiciona la teoría general de siste-
mas, desde la cual se observa con pretensión de universalidad todo el espectro
de posibles objetos de investigación que pudiesen asumir características sis-
témicas. Como se ocupa de mostrar Luhmann, en este primer nivel la teoría
tiene un carácter eminentemente interdisciplinario y su desarrollo busca in-
corporar avances y discusiones que, perteneciendo a campos de estudio parti-
culares, puedan tener consecuencias relevantes para la conceptualización de
fenómenos sistémicos más amplios. Un ejemplo de esto es la idea de autopoie-
sis que, abstrayéndose de su directa referencia a procesos biológicos, pudo
convertirse en un principio general para la descripción y caracterización del
funcionamiento de sistemas complejos de diverso tipo (Luhmann, 1990: 2).
Luego, en un segundo nivel analítico podemos distinguir tipos de siste-
mas cuyas diferencias no son relevantes o significativas para el primero. Aquí
tenemos a los sistemas sociales, los psíquicos, las máquinas y los organismos.
A la sociología le competen los primeros, pero esto no quita que pueda nutrir-
se del nivel más general de la teoría (re-especificándola). Lo que no es posible
es la subordinación directa de los sistemas sociales a fenómenos biológicos o
psíquicos y viceversa. Es decir, existe una irreductibilidad de los sistemas en
este segundo nivel. Aquello que es afirmado para los sistemas vivos no puede
ser trasladado automáticamente a los sistemas sociales o psíquicos. Si las pro-
piedades sistémicas son comunes a todos los sistemas, deben registrarse en el
primer nivel. Sin embargo, en este nivel se pueden abordar comparativamente
a las equivalencias funcionales entre sistemas. Por ejemplo, cuando se destaca
que el sentido es una dimensión constitutiva tanto de las operaciones psíquicas
como de las sociales.
158
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
158
En el tercer nivel de análisis ya tenemos la delimitación de sistemas de
un mismo tipo. Es aquí en donde podemos distinguir, en el ámbito de los sis-
temas sociales, a la sociedad y a la interacción. Ciertamente, es posible identificar
otros sistemas sociales, lo que muestra que esta enumeración no es exhausti-
va y puede, eventualmente, ser ampliada. Por ejemplo, Luhmann (2010) encuen-
tra que en la modernidad las organizaciones formales han llegado a constituirse
en un tipo de sistema social específico y diferenciable tanto de la sociedad
como de las interacciones.6 Adicionalmente, Luhmann sienta las bases para dar
lugar a la conceptualización de otros sistemas sociales como, por ejemplo, los
asociados a las dinámicas de protesta. Esto muestra que estamos ante un es-
quema que es evolutivo. Por último, los conflictos también constituyen un tipo
particular de sistema social. A pesar de ello, al considerarlos como formaciones
sistémicas “parasitarias” que se forman al interior de otros sistemas sociales
(Luhmann, 1998a: 351), no se les otorga un lugar especial en este tercer nivel.
A pesar de su carácter elemental, este sencillo esquema de tres niveles
resulta esclarecedor para el análisis sociológico. En el plano horizontal, se ob-
serva la irreductibilidad mutua de los distintos sistemas sociales. Luhmann
reconoce que no existe un único sistema social, de hecho, habla de sistemas
sociales. Esto significa que las interacciones, las organizaciones, las sociedades
y las protestas son sistemas autónomos, con estructuras, dinámicas y comu-
nicaciones distinguibles, es decir, no equiparables entre sí. En este movimien-
to, no sólo se destaca la particularidad de los sistemas, sino también su rela-
cionalidad no jerárquica. Así por ejemplo, no es posible explicar a la sociedad
a través de las interacciones, ni tampoco se puede concebir a estas últimas
como epifenómenos de la sociedad. Ambas alternativas colocarían a una de las
formaciones socio-sistémicas en un nivel analítico superior. Adicionalmente,
tampoco resulta adecuado interpretar al vínculo entre interacción y sociedad
de modo dialéctico. Dicha maniobra implicaría una reconducción de la teoría
hacia una des-diferenciación de los sistemas al suponerse la posibilidad de una
relación temporal entre ellos.
En el plano vertical del esquema se nos exige no confundir niveles. Por
ejemplo, deducir del análisis de un sistema social particular conclusiones con
respecto al plano general de los sistemas sociales. Esto ocurre cuando se subor-
dina el problema del orden social al del orden societal, organizacional o interac-
tivo, o cuando el fenómeno del conflicto se reduce a las contradicciones de cla-
se. Es una tentación del análisis especializado olvidar el hecho de que existen
otros sistemas que pueden operar tanto en su interior como en su entorno. De
este modo, se puede reconocer que las interacciones se desarrollan en el marco
de sistemas sociales más amplios como la sociedad y esta última aloja en su
interior tanto sistemas interactivos como organizacionales. Por otra parte, tam-
poco es válido deducir del plano general de los sistemas sociales indicaciones
con respecto a un sistema social particular sin una adecuada re-especificación.
159
artículo | juan pablo gonnet
159
Las soluciones que deben dar las estructuras sistémicas a los problemas de or-
den en la interacción, las organizaciones y la sociedad son diferentes. No toda
negación o desacuerdo que se produce en un encuentro presencial se transforma
en un conflicto organizacional o societal – aunque ciertamente sea un conflicto
social y, por ello, corresponda ser abordado por la teoría general de los sistemas
sociales.
Por último, existe un riesgo más imperceptible del que nos previene la
propuesta luhmanniana relacionado con obviar la consideración del nivel ge-
neral de los sistemas sociales. En esta dirección, a la sociología podría bastar-
le con abordar distintos sistemas evitándose reflexionar en torno al problema
de la unidad de los sistemas sociales. Por ejemplo, cuando se contrasta al orden
de la interacción con el de los órdenes societales o macro-sociales, sólo se
está sugiriendo que cada tipo de sistema procesa en sus propios términos el
problema del orden, siendo irreductible la manera en que lo hace una interac-
ción al modo en que lo hace una sociedad. Sin embargo, si se colocan a las
distinciones entre diversos tipos de sistemas en el nivel de máxima generalidad
del análisis sociológico, la teoría asume una forma dualista. Esta opción impi-
de atender a la unidad de los sistemas sociales y como consecuencia, a sus
relaciones e interdependencias. Luhmann, sin negar la autonomía de los sis-
temas sociales, no se contenta con sostener una dualidad. Lo que sucede es
que la inquietud por la unidad no puede resolverse en el nivel de la diferencia-
ción de los sistemas sociales, sino en el más general que los contiene.
Desde este lugar, queda rebatida la interpretación habitual que hace de
la teoría de los sistemas sociales una perspectiva exclusivamente macrosocio-
lógica. Ciertamente, Luhmann tuvo un interés privilegiado en sus investigacio-
nes por el sistema sociedad (particularmente, por la diferenciación funcional
en la sociedad moderna), pero su perspectiva sociológica no absolutiza ni prio-
riza este objeto. La sociedad constituye un sistema social entre otros. De hecho,
como mostraremos más adelante, un estudio completo de la sociedad como
sistema omniabarcador requiere atender al funcionamiento de otros sistemas
sociales en su interior. La teoría general de los sistemas sociales no es ni macro
ni microsociológica.
Todo esto muestra que la pregunta por el orden social no puede respon-
derse en el plano de la complejidad que se hace presente cuando contemplamos
la diversidad de sistemas sociales. A pesar de ello, el análisis comparativo de
cada uno de estos sistemas específicos puede brindarnos un mejor acceso pa-
ra la comprensión de los sistemas sociales, a la vez que ayudarnos a controlar
la transposición falaz de propiedades entre niveles. La teoría del orden social
debe plantearse al nivel de la teoría general de los sistemas sociales, de modo
tal de ser capaz de contemplar e integrar la contingencia de las formas en que
este es posible; aprehendiendo del modo en que se viabiliza en cada uno de los
sistemas particulares. Lo que emerge de este procesamiento es una teoría mu-
160
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
160
cho más sensible a la complejidad del mundo social; complejidad que esta
distinción de niveles logra preservar.
DOBLE CONTINGENCIA: EL ORDEN SOCIAL MÁS ALLÁ DE LA DISTINCIÓN
SOCIEDAD E INTERACCIÓN
Un descubrimiento significativo de la teoría sociológica de posguerra estuvo
relacionado con el reconocimiento de la interacción como un orden social sui
generis.7 Este hallazgo, lejos de haber dado lugar a una revisión y reconsideraci-
ón de los fundamentos de la teoría del orden social, condujo mayoritariamente
a la detección de déficits e insuficiencias de las perspectivas existentes. Así, en
algunos casos, la teoría sociológica sucumbió a la interacción como el ámbito
privilegiado desde el cual captar al orden social; en otros, se mantuvo una visi-
ón dualista que destacaba la inconmensurabilidad, irreductibilidad y hasta el
antagonismo entre los órdenes societales y los interaccionales; y por último,
propuestas más mesuradas, buscaron vincular dialéctica o agregativamente a
estos dos ámbitos. Luego de un tiempo, parece ser bastante poco lo aprehendido
de este estado de cosas. Siguiendo al esquema bosquejado en el apartado previo,
podríamos decir que las dificultades para integrar el problema de la interacción
se deben, al menos en parte, a la imposibilidad de distinguir satisfactoriamente
niveles analíticos. Los debates se focalizaron en el tercer nivel (el de los distintos
sistemas sociales) y evitaron dar lugar a una revisión del nivel superior (segun-
do nivel). Si la interacción y la sociedad son sistemas sociales, aquella teoría que
los agrupe deberá ser consistente con ambas formaciones.
Luhmann (1976, 1998a) encuentra en la teoría de la doble contingencia
un punto de partida productivo para responder a esta exigencia.8 La doble con-
tingencia describe una situación interactiva en la que dos interlocutores (alter
y ego) reconocen mutuamente que disponen de alternativas de acción cuyo
éxito depende de la acción del otro.9 Sin solución a este problema de indeter-
minación resulta inviable el orden social. Una novedad que aporta Luhmann
tiene que ver con la necesidad de concebir a la doble contingencia como un
problema permanente y no como una condición circunstancial y previa al orden.
Desde este lugar, no existen soluciones definitivas y aseguradas de una vez y
para siempre. El orden social debe lidiar constantemente con aquello que lo
amenaza: con la complejidad social del mundo y con la complejidad del mun-
do social. No hay valores, contratos, dominación o procedimientos intersubje-
tivos que garanticen su vigencia. Toda propuesta de solución debe considerar-
se contingente en el contexto de la doble contingencia y, por tanto, como no
necesaria y posible de otra manera.
Luhmann considera que en el marco de la doble contingencia cualquier
acción o comunicación, intencional o no, tendrá valor informativo para los
comportamientos individuales. En otros términos, cualquier suceso aporta de-
terminación en el horizonte de la indeterminación. Es así como la contingencia
161
artículo | juan pablo gonnet
161
posible se transforma en contingencia limitada a dos alternativas: aceptar lo
sugerido o rechazarlo. El orden social es compatible con ambas. Puede conti-
nuar por el camino de la cooperación y la solidaridad o a través del conflicto y
la negación. En ambos casos, de una manera u otra, se logra lidiar con el pro-
blema de la doble contingencia. El sistema social puede formar estructuras a
partir de aquello que ha sido aceptado y modularlas de un modo normativo o
cognitivo. Es decir, condenando las decepciones o aprendiendo de ellas. Es así
como se entiende que el orden social no requiera de la reproducción de estruc-
turas para su funcionamiento.
Ahora bien, ¿cómo se articula este desarrollo conceptual con la distin-
ción interacción-sociedad? Atentos a nuestra hipótesis, habría que esperar que
se cumplan con las precauciones de método elaboradas en el apartado anterior.
Si se pretende dar respuesta al problema general del orden social, la teoría de
la doble contingencia deberá situarse en un nivel sistémico superior al de aquel
en el que se encuentran los sistemas de interacción y societales. Esto significa
que la teoría deberá poder contemplar las formas en que en cada uno de ellos
es posible el orden, cuidando de no priorizar un sistema por sobre otro.
Para empezar, podemos entender a la diferenciación interacción-socie-
dad como dos formas de reducir la complejidad inscripta en las situaciones de
doble contingencia. Uno debe atender a lo que siempre ha sido, a lo que se
encuentra institucionalizado o es sabido por todos; pero también debe estar
atento a los comportamientos y reacciones de aquellos que se encuentran en
presencia física inmediata. Al ser sensible a la contingencia de las soluciones
con respecto al problema del orden, la teoría de la doble contingencia permite
contemplar tanto aquellas que son propias de los sistemas de sociedad, como
aquellas que se viabilizan en los sistemas de interacción. La teoría nos obliga
a no sucumbir ante las particularidades de un sistema social específico. La
doble contingencia relativiza la preeminencia, tanto de la interacción como de
la sociedad en la explicación del orden social.
Luego, resulta evidente cuan inadecuado es reducir el problema general
del orden social a la realidad de la interacción. El hecho de que la doble con-
tingencia sea presentada como una situación interactiva puede dar lugar a
equívocos en este punto. Como mencionamos, la doble contingencia no debe
ser entendida como una situación previa desde la cual debiera surgir el orden
social; este hecho resulta empíricamente incomprobable. La doble contingencia
no precisa presuponer nada acerca de lo previamente existente. No hay algo
así como un estado de doble contingencia pura o de indeterminación total en
la realidad social.
Por otra parte, si sostuviésemos que el orden social se genera en la in-
teracción deberíamos asumir que este debe reconstituirse en cada momento,
algo que negaría la existencia de la sociedad y sus estructuras. Hasta las reglas
de la interacción tendrían que ser desconocidas. Más allá de esto, si aceptáse-
162
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
162
mos a la interacción como un contexto en donde se “negocia” o se construye
el orden, necesariamente deberíamos afirmar que esto sólo tiene sentido si
dichos rendimientos sobreviven a la desaparición de la interacción. Es decir,
habría que aceptar la distinción interacción/sociedad. De este modo, el teorema
luhmanniano de la doble contingencia es antagónico con la subordinación del
orden social a la interacción.
Por último, tampoco es aceptable la alternativa contraria. Esto es, res-
ponder al problema general del orden a partir de la formación de instituciones
o sistemas societales. Los valores pueden ser útiles para mantener la integra-
ción en un partido político, pero no para la coordinación de una asamblea de
miembros. La diferenciación de roles entre maestro y alumno puede ser signi-
ficativa para la organización del sistema educativo, pero insuficiente para la
organización de una clase. Si esto no fuese así, la doble contingencia dejaría
de ser un problema permanente. El orden social estaría garantizado con ante-
rioridad a toda interacción. Sin embargo, no estamos afirmando que las inte-
racciones problematicen permanentemente a las estructuras sociales o al orden
social. Lo que planteamos es que las interacciones tienen que resolver a su
manera el problema del orden. Al mismo tiempo, a través de las interacciones
la sociedad actualiza el problema de la doble contingencia y se digna a tratar
con la contingencia de sus estructuras.
Es así como la teoría de la doble contingencia logra integrar en su tra-
tamiento al problema del orden de la interacción y al de la sociedad en única
perspectiva, al generalizar el problema del orden social. Desde este lugar, es
inadecuada tanto la subordinación de un orden sistémico a otro, como el esta-
blecimiento de relaciones causales entre ellos. Ambas posibilidades nos llevan
a desconocer la irreductibilidad mutua de los sistemas. Por otra parte, se logra
superar la tesis de la dualidad de órdenes. El planteo de la doble contingencia
muestra que interacción y sociedad se presuponen mutuamente, de manera
que no resulta factible abstraer el análisis del orden de la interacción del de la
sociedad y viceversa.
LA DISTINCIÓN INTERACCIÓN-SOCIEDAD DESDE UNA
PERSPECTIVA SISTEMÁTICA
Dijimos que no todos los tipos de sistema social han estado presentes a lo largo
de la historia. Por ejemplo, las organizaciones formales y los movimientos de
protesta se vuelven preeminentes en la sociedad moderna, siendo excepcional
su identificación en contextos sociales previos. Los sistemas de interacción y
sociedad, en cambio, son constantes en la evolución social, a pesar de que sus
características presenten importantes modificaciones a lo largo de ella. No hay
formación social en la que no se pueda apreciar esta distinción sistémica y, por
tanto, orden social que pueda interpretarse con independencia de ella. La tesis
de la doble contingencia exhibe consistentemente esta inevitabilidad.
163
artículo | juan pablo gonnet
163
Probablemente, la distinción entre sistemas de interacción y sociedad
nunca haya sido totalmente elaborada en la tradición sociológica con anterio-
ridad a la teoría de Luhmann. Al mismo tiempo, resulta evidente que la socie-
dad no es equiparable a una sumatoria de interacciones y estas, por su parte,
presuponen una realidad social que las excede. Sin sistemas societales no hay
interacción. Así y todo, gran parte de las comunicaciones societales se desar-
rollan en y a través de interacciones. El sistema de salud a través de las inte-
racciones entre médico y paciente; el sistema económico por medio de opera-
ciones de compra y venta en comercios; la educación a partir de la relación
entre docente y alumno; y la política en sesiones parlamentarias. Es verdad
que en la actualidad la sociedad cada vez más logra prescindir de las interac-
ciones presenciales; a pesar de ello, aún no es claro si de lo que se trata es de
la emergencia de nuevas modalidades de interacción (por ejemplo, no presen-
ciales y tecnológicamente mediadas) o de una pérdida de protagonismo socie-
tal de la misma.10 Sea como fuere, las sociedades constan de interacciones y
por esta razón, se relacionan inevitablemente con ellas. Esto da lugar a proble-
mas de coordinación que hacen de la distinción entre sistemas un hecho que
no puede ser ni neutralizado ni reducido (Luhmann, 1998a: 373).
Para Luhmann, la sociedad constituye el sistema social más amplio y
abarcativo que incluye todo el campo de lo social. Es un sistema que no deja
nada de lo social fuera suyo. Ninguna operación social existe más allá de los
límites de la sociedad, por lo que nada de lo social puede resultarle ajeno. Es
por esto que la sociedad no puede identificarse solamente a partir de sus es-
tructuras. Inexorablemente incluye aquello que las decepciona o se aparta de
ellas (Luhmann, 2013: 201). De esta manera, queda eliminada la posibilidad de
entender a la sociedad, por ejemplo, a partir de un consenso normativo. Por el
contrario, es en la disyunción entre el comportamiento conforme y el desviado
en donde descansa su unidad.
la sociedad coloca a los individuos ante un esquema opcional. Ella concede como
libertad lo que de ninguna manera puede cambiar: el que la comunicación pue-
da ser continuada a través del sí o del no, por medio de la conformidad o de la
desviación (Luhmann, 1998b: 64).
Gracias a esto, el sistema societal puede integrar a la historia en tanto
que es su producto, pero también a la variación con respecto a ella y así a la
evolución socio-cultural. La sociedad reproduce estructuras, pero también via-
biliza sus transformaciones. El sistema garantiza su continuidad al contemplar
en su horizonte todas las acciones y comunicaciones posibles y, por tanto, con
sentido.
A diferencia de la sociedad, los sistemas de interacción presentan lími-
tes más claramente reconocibles. Estos se caracterizan por la presencia corpo-
ral inmediata de los interlocutores. Quien no está presente no pertenece al
sistema y quien lo está tiene una consideración preferente, no necesariamen-
164
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
164
te al interior del sistema, pero sí con respecto al entorno, es decir, a los que se
encuentran ausentes. Las interacciones son sistemas que se generan por el
tipo de acción recíproca que se establece cuando dos o más individuos se en-
cuentran cara-a-cara y cuando, por esta razón, pueden percibir que son perci-
bidos. Si se lee un libro se participa de la sociedad, pero no necesariamente de
una interacción. Si el libro es leído en una biblioteca o en una sala de espera
de un hospital, además se participará de un sistema interactivo. Las circuns-
tancias combinadas de la presencia física en un tiempo y espacio determinado,
y la alta significancia de los procesos de percepción mutua, hacen que en estos
sistemas exista un exceso de información disponible (no es posible no comu-
nicar) y una capacidad reducida de procesamiento. Por ejemplo, en una inte-
racción solo se puede tratar un tema a la vez y no pueden hablar todos al
mismo tiempo. Por estas características, estamos ante sistemas altamente ex-
puestos a las perturbaciones (contingencias), razón por la cual se precisa de
mecanismos específicos para la coordinación de las acciones en estas circuns-
tancias.
En el marco de estas definiciones, es inevitable reconocer que estamos
ante dos sistemas autónomos que poseen rendimientos sociales distintos. Esto
se puede observar en el hecho de que un mismo acontecimiento puede consti-
tuirse como elemento de la sociedad y de la interacción; en otros términos, pue-
de tener sentidos, consecuencias y horizontes temporales distintos. El otorga-
miento de dinero a alguien que solicita ayuda en la vía pública es una acción
que tiene relevancia tanto societal como interactiva. Coordina el comportamien-
to entre los presentes (responder a una demanda hecha personalmente) y, por
medio del dinero, se coordina con otras interacciones (pasadas y futuras). Más
allá de esta relevancia diferencial, ambos sistemas son fundamentales el uno
para el otro. La interacción es un requisito para la sociedad. Podríamos aventu-
rar que la sociedad depende del éxito de la interacción, aunque evidentemente,
el fracaso de una interacción concreta no constituya una amenaza para las es-
tructuras de la sociedad. Del mismo modo, la sociedad es la única que puede
incrementar las posibilidades de éxito de la interacción, al poder asegurar vín-
culos y conexiones entre ellas. En palabras de Luhmann (1998a: 386):
Los sistemas de interacción continuamente pueden y tienen que ser abandonados
y reiniciados. Esto exige una semántica que los trascienda, una cultura que con-
duzca este proceso en dirección a lo probable y lo acreditado. En este sentido, la
sociedad actúa selectivamente sobre lo que existe como interacción, sin excluir
por ello lo contradictorio y lo divergente. La selección social, por lo tanto, no
determina; seduce por lo fácil y lo complaciente…
A pesar de esto, son las interacciones las que pueden habilitar, como
dijimos, la evolución sociocultural, al permitir un campo de experimentaciones
aprovechables. En relación con ello, resulta apropiado afirmar que la sociedad
es resultado de las interacciones, aunque ella logre aquello que la interacción
165
artículo | juan pablo gonnet
165
no puede: seleccionar interacciones que seleccionan la sociedad. En consecuen-
cia, es posible sostener que sin diferencia con respecto a la interacción no habría
sociedad, y sin diferencia con respecto a la sociedad no habría interacción.
El planteo de Luhmann es consistente con la distinción de órdenes so-
ciales y con la necesidad de no subsumir uno a otro. Incluso la teoría de la
sociedad, que sería aquella que trata el sistema que abarca el todo social, debe
atender al hecho de que la forma en que define sus límites y reduce compleji-
dad no es equivalente al modo en que lo hacen otros sistemas que operan
bajo su égida. Mientras que el orden de la interacción depende de reglas, normas
y procedimientos que son eficaces para la coordinación entre presentes, el
orden de la sociedad descansa en la historia y la transformación de esas reglas.
Dicho esto, la diferencia es elemental para el funcionamiento de los sistemas
sociales, por lo que una teoría del orden social tiene que ser coherente con
ambos lados.
La teoría general de sistemas formula únicamente unos conceptos muy abstrac-
tos y unas condiciones marco para el análisis de la realidad social. Aclara, por
lo menos de manera fundamental, cómo se constituyen los sistemas sociales
mediante procesos de autoselección y trazado de fronteras. Este proceso de cons-
trucción transcurre, sin embargo, bajo condiciones en cada caso peculiares, de
tal manera que surgen tipos de sistema que no se dejan remitir los unos a los
otros. No todos los sistemas sociales se forman de acuerdo a la fórmula interac-
ción, ni todos según la fórmula sociedad […]. Por consiguiente las teorías orde-
nadas a estos tipos de sistema tienen solo un alcance limitado. Ninguna aprehen-
de al conjunto de la realidad social. Ni siquiera lo hace el sistema abarcador de
la sociedad, que contiene en sí, ciertamente, los otros tipos de sistema, pero que
no por ello es ya su prototipo (Luhmann, 2013: 203).
LA DISTINCIÓN INTERACCIÓN-SOCIEDAD DESDE UNA
PERSPECTIVA EVOLUTIVA
Si bien destacamos que la distinción entre sociedad e interacción es constituti-
va en la formación de los sistemas sociales, el grado en que se separan, diferen-
cian, distancian o desacoplan se modifica a lo largo de la evolución. Mientras
que en las sociedades primitivas o arcaicas lo característico es un acoplamiento
fuerte entre estos sistemas, en las sociedades más complejas como la moderna
se desarrollan acoplamientos más laxos. En tal sentido, la dimensión temporal
incorpora una variable adicional al análisis de los vínculos entre los sistemas
sociales. Las relaciones inter-sistémicas se modifican a lo largo de la evolución,
por lo que no podemos dar por sentado el modo en que estas se realizan.
Antes de continuar, es preciso comprender que cuando hablamos de sis-
temas interactivos y societales no estamos denotando realidades mutuamente
excluyentes o entidades separadas en el espacio o tiempo. Toda acción o comu-
nicación que ocurre en una interacción también tiene lugar en la sociedad. En
este sentido, una separación completa de los sistemas no resulta posible. Cuan-
166
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
166
do hablamos de la distinción de sistemas, estamos refiriendo a perspectivas que
definen límites operativos. La identidad sistémica no se recorta en un tipo de
acción, sino a partir del sistema para el cual esa acción constituye un elemen-
to.11 Es así como no resulta incompatible sostener que una misma acción puede
pertenecer simultáneamente a la sociedad y a la interacción en tanto da lugar
a relacionalidades distintas. Lo significativo es que en la interacción se cristali-
za esta diferencia. En una interacción concreta se hace manifiesto el sistema de
la sociedad y el de la interacción. En consecuencia, cuando hablamos de la dife-
renciación entre interacción y sociedad no debemos entenderla como la sepa-
ración de algo que estaba unido, sino que referimos al cambio en las relaciones
entre dos sistemas que operan simultánea y autónomamente.
Luhmann (2013) considera que, en las formaciones sociales arcaicas, la
sociedad se halla constituida más cercanamente a la interacción. En estas, las
estructuras sociales definen y regulan de un modo altamente preciso a las
interacciones entre sus miembros, por ejemplo, a través de pautas rituales
detalladas o de la subordinación completa del individuo a su posición social.
La interacción no pierde autonomía, no deja de ser un sistema, pero sus estruc-
turas se encuentran fuertemente acopladas a las de la sociedad. Por otra parte,
la sociedad es más sensible a lo que acontece en los encuentros sociales pre-
senciales. Cualquier desviación debe ser rápidamente reprimida o controlada.
En este contexto, las interdependencias entre los sistemas son estrechas, algo
que es propio de sociedades poco complejas y con menos capacidad de proce-
sar la contingencia social. Interacción y sociedad se limitan mutuamente.
A medida que el orden social se va complejizando (por ejemplo, con la
formación de grandes centros urbanos, con la división del trabajo y el desarrollo
del individualismo), la sociedad ya no puede regular a las interacciones tan de
cerca, por lo que debe hacer reflexiva su diferencia con respecto a ellas. Si el
sistema societal pretende coordinar sus acciones tiene que, necesariamente,
separarse más contundentemente de la realidad de la interacción. Así, muchas
de las contingencias y desviaciones de las situaciones cara-a-cara no tendrán
mayores consecuencias para el funcionamiento de la sociedad. Sin embargo,
en tanto que la sociedad se reproduce a través de las interacciones, esta garan-
tiza condiciones mínimas para su desarrollo. Por ejemplo, a través de los medios
de comunicación simbólicamente generalizados, la diferenciación de roles o la
disciplina organizacional. En este movimiento, las interacciones a la vez que
se hacen más dependientes de estas condiciones generalizadas, también se
vuelven más independientes debido a que obtienen más grados de libertad en
relación con la sociedad. Esto explica la relevancia que adquieren las normas
de la interacción en las sociedades modernas.12 La interacción ya no necesita
ser sociedad (Luhmann, 2013: 205); debido a esto se desarrollan reglas, meca-
nismos y estructuras específicas para lidiar con la complejidad de las situacio-
nes cara-a-cara.13 Bajo esta circunstancia es de esperar que los problemas de
167
artículo | juan pablo gonnet
167
coordinación presencial no devengan automáticamente en problemas societa-
les, del mismo modo que los conflictos societales puede que no afecten a las
interacciones. De manera que tenemos una mayor complejidad producto del
distanciamiento creciente entre sistemas.14
Veamos algunos de los riesgos de los que nos previene este diagnóstico
evolutivo. En primer lugar, al hacer comprensible la razón por la que el descu-
brimiento del orden de la interacción ha sido posible en sociedades altamente
complejas como la nuestra (en donde la autonomía de los sistemas de interac-
ción se ha vuelto evidente), nos previene de convertir esta notoriedad social en
privilegio analítico. Los problemas de coordinación interactiva no sustituyen a
los de coordinación societal, a pesar de que estos se vean cada vez más limita-
dos para explicar a los primeros. En segundo lugar, al ampliarse la brecha entre
interacción y sociedad, los rastros de esta última serán más difusos en las inte-
racciones concretas. Para ser claros y evitar equívocos: la coordinación del sis-
tema sociedad se realiza en las interacciones, sin embargo, esto no significa que
el orden del sistema interactivo (de mutua presencia) se encuentre resguardado
por las estructuras de la sociedad. Por último, la diferenciación evolutiva entre
sistemas hace totalmente viable que el desorden en uno de ellos no resulte
contradictorio con el orden del otro (Luhmann, 1987: 126). Así, la inestabilidad
que podemos observar en las interacciones no implica, necesariamente, desor-
ganización de la sociedad, y esta última no deviene en desorden interactivo.
CONSECUENCIAS DE MÉTODO PARA EL ANÁLISIS SOCIOLÓGICO
A lo largo del trabajo expusimos los vínculos y relaciones que se establecen
entre interacción, sociedad y orden social, y pusimos en evidencia ciertas exi-
gencias metodológicas que se desprendían de ellos. En este apartado, sistema-
tizamos, integramos y resumimos estos aportes. Proponemos organizar la expo-
sición desagregando de a pares los vínculos que se establecen entre los distintos
niveles y tipos de formación socio-sistémica. A continuación abordamos las
implicancias que la consideración de cada uno de estos ámbitos (interacción,
sociedad y orden social) acarrea para el tratamiento de cada uno de los otros. En
la siguiente tabla exponemos las seis posibilidades que quedan perfiladas.
Interacción Sociedad Orden Social
Interacción x a b
Sociedad c x d
Orden Social e f x
168
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
168
A) Implicancias de la interacción para el análisis de la sociedad
Las interacciones inevitablemente traen aparejadas consecuencias para el aná-
lisis de la sociedad al ser sistemas que funcionan en su interior. Los eventos
interactivos son los elementos de los que consta la sociedad, por lo que es en
las interacciones en donde se reproducen sus estructuras. No obstante, este
proceso no puede ser dado por supuesto en razón de la autonomía y las parti-
cularidades propias de los sistemas de interacción. Al ser sistemas diferencia-
dos de la sociedad, las interacciones pueden dar lugar a resistencias y hasta
poner límites a esas estructuras. Este es el caso, por ejemplo, de los “ajustes
secundarios” en instituciones totales (Goffman, 2001: 190 y ss.) o de las redes
informales en las organizaciones. Adicionalmente, en determinadas circuns-
tancias, las interacciones pueden estimular procesos evolutivos y de cambio
estructural (Münch, 1987). Después de todo, la doble contingencia se regenera
en cada interacción. La precaución metodológica que emerge de estas distintas
posibilidades consiste en evitar que el problema de la interacción sea obturado
por el análisis societal. Cuando el funcionamiento de la sociedad se explica,
meramente, en términos de hegemonía, integración cultural o estructuras de
diferenciación funcional, lo que se está negando es la existencia de otras for-
maciones sistémicas que operan en su interior. En este sentido, sería adecuado
sostener, por ejemplo, que el fenómeno de la diferenciación funcional no ago-
ta la conceptualización de la sociedad (Nassehi, 2011). Estas premisas podrían
contribuir a que los análisis de la sociedad se hagan más permeables a los
numerosos descubrimientos que se han hecho en el ámbito de la interacción.
De igual modo, esto podría convertirse en un estímulo para la actualización y
complejización de la teoría de la sociedad.
B) Implicancias de la interacción para el análisis del orden social
La interacción se configura como la situación elemental de la que inevitable-
mente parte el análisis del orden social, aunque esto no signifique que ella
tenga un privilegio especial en su explicación. Las interacciones presenciales
configuran sistemas, pero también son eventos que pertenecen y reproducen
a otros sistemas. Ahora bien, el análisis del orden social no puede desconocer
que en las interacciones se presentan situaciones de doble contingencia que
deben ser resueltas, por más que reconozcamos que nunca se parte de situa-
ciones totalmente indeterminadas (doble contingencia pura). Como vimos más
arriba, la evolución socio-cultural depende del reconocimiento de este hecho.
El análisis de la interacción nos recuerda que el problema del orden social es
un problema permanente. Es así como las interacciones no pueden ser conce-
bidas como epifenómenos del orden social, o como su mera consecuencia. En
tal dirección, es fundamental atender al modo en que se resuelve el problema
del orden en estas circunstancias. En los encuentros presenciales los interlo-
cutores pueden remitirse a lo existente, a lo previamente disponible, pueden
169
artículo | juan pablo gonnet
169
proponer algo nuevo o utilizar cualquier casualidad como forma de auto-de-
terminación.
C) Implicancias de la sociedad para el análisis de la interacción
Una de las inquietudes que dio lugar al presente ensayo remite a la creciente
valoración o interés que vienen despertando los fenómenos interaccionales en
la sociología y en otras ciencias sociales. Sin embargo, una de las principales
limitaciones de estas indagaciones tiene que ver, justamente, con el olvido del
carácter interactivo de los procesos observados. Estas investigaciones tienden
a omitir la referencia sistémica de sus descubrimientos, lo que como vimos
genera reduccionismos al mismo tiempo que generalizaciones poco controladas.
Se toman como cuestiones de teoría general procesos que tienen una natura-
leza estrictamente interaccional. Error en el que caen también aquellos que
cuestionan los limitados alcances societales de los fenómenos y/o dinámicas
interactivas. En este sentido, es fundamental distinguir sistemas de referencia.
Por otra parte, resulta necesario asumir que las interacciones presuponen a la
sociedad. Esta existe antes y después de que estas desaparezcan. Desde este
lugar, es la sociedad la que viabiliza a las interacciones. Aporta recursos, medios,
roles y expectativas que son valiosas, al menos para la iniciación de los en-
cuentros sociales. Y aunque estos sean insuficientes para resolver las comple-
jidades que se presentan en la realidad de la interacción, no dejan de ser rele-
vantes. De hecho, si fueran suficientes se sabotearía la misma distinción entre
sociedad e interacción. Finalmente, cabe mencionar que el grado de compleji-
dad alcanzado por el sistema sociedad es el que delimita el tipo de interdepen-
dencias que este guarda con la interacción. La diferenciación de la interacción
con respecto a la sociedad es producto de la evolución. En cualquier caso, esto
no significa que la interacción pierda relevancia social o que su operar sisté-
mico carezca de consecuencias que deban ser atendidas y reconocidas.
D) Implicancias de la sociedad para el análisis del orden social
Reconocer a la sociedad como sistema impide concebir al orden social como
producto de procedimientos y/o mecanismos interactivos. Por ejemplo, enten-
derlo como resultado de intercambios, negociaciones, justificaciones pragmá-
ticas, contratos, acuerdos de trabajo, etnométodos, relaciones de reciprocidad
o como un hecho espontáneo. A pesar de que todo análisis general del orden
social parta de la ponderación abstracta de una situación interaccional15 (doble
contingencia), no es posible demostrar ni empírica ni fenomenológicamente la
ausencia de un orden previo (o concomitante) a la misma. En otras palabras,
que no exista sociedad. Hablar de sociedad implica evitar el equívoco de con-
cebir que el orden social sucede al caos o a la lucha de todos contra todos. Aquí
se hace justicia a la observación durkheimiana en torno a las dimensiones
sociales previas que viabilizan cualquier proceso interactivo (“lo no contractu-
170
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
170
al del contrato”). Sin embargo, lo anterior no contradice el reconocimiento de
la autonomía del orden de la interacción. El orden de la sociedad ni lo explica
ni lo garantiza. Por consiguiente, tampoco la explicación de este es suficiente
para dar acabadamente cuenta del fenómeno general del orden social.
E) Implicancias del orden social para el análisis de la interacción
Como mencionamos, el problema del orden social no puede restringirse al tra-
tamiento del problema del orden de la interacción ya que esto significaría com-
prenderlo como un logro situado o situacional que debe hacerse o rehacerse
cada vez que se encuentran dos o más personas. Siendo la interacción un tipo
de sistema específico, la teoría del orden social deberá tener en cuenta el mo-
do en que es posible la coordinación de las acciones en estas circunstancias,
pero no deberá hacer de ello el fundamento general del orden social. Lo que
implica relativizar los alcances sociales de los procedimientos, reglas, recursos
y dispositivos que se actualizan en estos sistemas. Por ejemplo, los “acuerdos
de trabajo” que se producen en el marco de una movilización colectiva no pue-
den ser generalizados como explicaciones suficientes para una teoría del orden
social. Del mismo modo, un conflicto que desata la disolución de una asamblea
universitaria no puede ser tomado como una crisis del orden social. Esta ob-
servación también valdría para el caso de los famosos “experimentos de rup-
tura” (Garfinkel, 2006). Es así como el sistema de interacción deberá ser el mar-
co específico desde el cual se tornen comprensibles aquellos mecanismos or-
ganizadores de estos contextos presenciales. Más allá de estos cuidados, los
análisis de la interacción pueden aportar a la teoría general del orden social.
De hecho, han sido sumamente relevantes para cuestionar a las ampliamente
difundidas tesis de la integración cultural (Archer, 1996).
F) Implicancias del orden social para el análisis de la sociedad
En este último caso, se trata de no permitir que el carácter problemático del
orden social (doble contingencia) sea desactivado por el análisis de la sociedad.
Dijimos que esto es algo fundamental para explicar su dinamismo y evolución.
Ahora bien, esto no debe llevarnos a afirmar que las estructuras societales se
encuentren en permanente transformación. Si tal fuera el caso, el orden social
sería un fenómeno sumamente inestable. Aunque es factible constatar la exis-
tencia de variaciones permanentes en la sociedad, no todas ellas son igualmen-
te atendidas, y mucho menos retomadas en eventos o comunicaciones subsi-
guientes. Sea como fuere, el análisis de la sociedad debe atender a este hecho
porque es constitutivo de ella. Adicionalmente, existen otros sistemas sociales
que se organizan y ordenan de forma autónoma. Es así como la pregunta por
el cómo es posible la sociedad no puede ser equivalente a la pregunta por el
cómo es posible el orden social. El orden de la sociedad no agota el espectro
completo del fenómeno del orden social y el modo en que este es viable. Es
171
artículo | juan pablo gonnet
171
decir, no constituye el nivel de máxima generalidad del análisis sociológico. Un
gesto amable o una señal de cortesía pueden ser suficientes para organizar un
encuentro social, pero claramente, no la sociedad. Con todo, estos ordenamien-
tos son parte de ella y pueden tener consecuencias más o menos relevantes en
sus dinámicas. Como, por ejemplo, cuando las reglas o las normas de la inte-
racción facilitan la reproducción de estructuras que son contradictorias con las
de la sociedad o cuando, a la inversa, las protegen y reafirman.
A MODO DE CIERRE
Al comienzo del trabajo planteamos el problema de la dispersión del conoci-
miento sociológico agudizada por la creación y delimitación casi constante de
nuevos campos de investigación. En conexión con este punto, sostuvimos que
el problema no debía atribuirse a la especialización en sí misma, la cual cons-
tituye una tendencia inevitable del desarrollo de la ciencia y, por tanto, tambi-
én de las ciencias sociales. Desde nuestra perspectiva, el carácter objetable se
encuentra en el hecho de que esta dinámica se desenvuelve de modos teórica
y metodológicamente poco controlados, afectándose el potencial de diálogo e
irritación recíproca entre campos y áreas de investigación. En este artículo
afirmamos que esta situación se expresa paradigmáticamente en la disociaci-
ón entre los análisis interactivos y societales del orden social; entre las pers-
pectivas macro y micro sociológicas. Frente a esto, recuperamos un conjunto
de distinciones que nos brinda la teoría general de los sistemas sociales para
el abordaje de los vínculos entre interacción y sociedad. A partir de ellas, pro-
curamos elaborar algunas indicaciones de método para el análisis general del
orden social y el análisis específico del orden en esos ámbitos. A continuación
resumimos estos aportes.
En primer lugar, recuperamos la distinción de niveles analíticos propues-
ta por Luhmann. Aquí pudimos reconocer que el abordaje de los sistemas so-
ciales se sitúa en un plano de mayor generalidad y abstracción que el de los
sistemas sociales específicos (interacción, sociedad, organización y sistemas de
protesta). En este marco, no sólo resulta inadecuado asumir la preeminencia
analítica de uno de estos sistemas en la explicación general del orden social,
sino que también es incorrecto asumir esta preeminencia en el análisis parti-
cular de un sistema específico. En un caso, la dificultad es la extrapolación
falaz y en el otro, la omisión de interdependencias sistémicas.
En segundo lugar, vimos que la teoría de la doble contingencia, como
respuesta general al problema del orden social, contempla en su tratamiento
tanto la conformación sistémica interactiva como la societal, sin priorizar a
ninguna de ellas. Al no proponerse como una explicación genética, el planteo
no se deja subsumir a una resolución interactiva. Pero al hacer de la doble
contingencia un problema permanente y actualizable en cada interacción, ha-
bilita a contemplar al modo en que el mismo es solucionado en estas instancias.
172
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
172
En tal sentido, se hizo evidente que el fenómeno del orden social atañe a la
sociedad y a la interacción por igual. Podríamos decir, a la coordinación pre-
sencial y a la coordinación entre interacciones.
Por último, la distinción sistemática y evolutiva entre interacción y so-
ciedad nos permitió mostrar que estamos ante dos formas elementales de re-
ducción de complejidad en el sistema social y, por tanto, ante dos formas de
orden distintas. Los sistemas de interacción emergen cuando dos o más perso-
nas se encuentran en presencia corporal inmediata, y los societales son aquellos
que contemplan a todo el campo de ocurrencias sociales. Desde esta clarifica-
ción se vuelven evidentes las interdependencias que se establecen entre ellos.
Los sistemas de interacción pertenecen al sistema sociedad y este se reprodu-
ce a través de eventos interactivos. Por consiguiente, constatamos que no re-
sultan aceptables ni la des-diferenciación, ni la dualidad.
Para culminar, nos gustaría justificar por qué razón creemos que estas
consideraciones de método podrían ser relevantes para las ciencias sociales en
América Latina. Ciertamente, la desconexión del conocimiento sociológico aten-
ta contra la construcción de una mirada lo suficientemente compleja y general
de lo social y de la sociedad en todas partes, pero en la periferia este hecho
acarrea serias dificultades para comprender el modo en que se producen, es-
tabilizan y reproducen las desigualdades regionales que nos afectan y consti-
tuyen. La dispersión de la investigación social de la que hablamos no es priva-
tiva de las ciencias sociales de nuestra región, sin embargo, es probable que las
consecuencias de tal estado de cosas sean más críticas en nuestras latitudes.
En consonancia con esto, los aportes metodológicos presentados pueden resul-
tar pertinentes.
Recibido en 6/8/2019 | Revisado en 26/12/2019 | Aprobado en 2/2/2020
Juan Pablo Gonnet es doctor en ciencias sociales por la
Universidad de Buenos Aires, investigador del CONICET (Comisión
Nacional de Investigaciones Científicas y Estudios Técnicos) y profesor
de teoría sociológica en la Universidad Nacional de Córdoba. Áreas de
interés: teoría de los sistemas sociales, teorías del orden social y
sociología de la moral. Publicaciones recientes: “Orden social y conflicto
en la teoría de los sistemas de Niklas Luhmann” (Cinta de Moebio −
Revista de Epistemología de las Ciencias Sociales, 61) y “La doble
contingencia como clave para la redefinición del concepto de orden
social” (Estudios Sociológicos, 36/106).
173
artículo | juan pablo gonnet
173
NOTAS
1 Quisiera agradecer a los comentarios que Sergio Pignuoli
Ocampo hizo a una versión preliminar de este escrito.
2 En este trabajo partimos del supuesto de que resulta ina-
decuado asumir la distinción teoría/método en términos
dualistas, es decir, como ámbitos autonomizados y escin-
didos en la lógica de la investigación social. Acerca de
este punto, véase Pignuoli Ocampo (2016). Por otra parte,
en relación con esta distinción, nos interesa explotar la
“re-entry” de la teoría en el método.
3 En la actualidad, la especialización adquiere un carácter
auto-propulsado. Cada vez son más frecuentes las publi-
caciones que inauguran (o pretenden inaugurar) nuevos
campos de indagación.
4 “Para que la ciencia sea una, no es necesario que se man-
tenga entera en el campo visual de una sólo y única con-
ciencia − lo cual, por otra parte, es imposible: basta con
que todos los que la cultivan sientan que colaboran en
una misma obra” (Durkheim, 2008: 408).
5 Luhmann (1994: 195) habla de “producción de inseguridad
estructurada”.
6 Esta hipótesis no es definitiva. Luhmann (2013) también
considera que las organizaciones existieron en otros mo-
mentos históricos, siendo su preeminencia o grado de
diferenciación aquello que resulta variable.
7 En este punto, vale hacer una aclaración. Las realidades
interactivas venían siendo materia de estudio sociológico
desde Simmel en adelante. Por ejemplo, se pueden reco-
nocer referencias a la interacción en las obras de Schutz,
Mead, el interaccionismo simbólico y hasta el mismo Par-
sons. Sin embargo, es su distinción sistémica la que se
consolida en este momento, disputándose así el presu-
puesto de continuidad o superposición analítica entre
interacción y sociedad. En este sentido, podemos identi-
ficar a las obras de Goffman (1991) y Garfinkel (2002) co-
mo fundacionales en lo que respecta a esta tesis. Sobre
este tema, véase Rawls (2009). Lo que nos interesa plan-
tear es que en este momento se abre la posibilidad de que
la teoría sociológica mantenga una perspectiva dual en
relación al problema del orden social. Pasamos de la su-
perposición a la desvinculación.
174
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
174
8 Para nuestros propósitos resulta significativo que Luh-
mann (2002: 330) inscriba el planteamiento de este pro-
blema en el contexto histórico de desarrollo de la teoría
sociológica: “La teoría de la doble contingencia debe ser
pensada en un orden que sirve para otro tipo de explica-
ción, es decir, para dar cuenta de cómo es posible el orden
social: ¿cómo se puede romper con la circularidad inhe-
rente de la doble contingencia? Este tipo de preguntas,
que siguen el estilo inaugurado por Kant sobre las condi-
ciones de posibilidad, no son preguntas que puedan res-
ponderse con pruebas empíricas de tipo histórico. Surgen
más bien, y esto puede comprobarse en una sociología del
conocimiento, para que en épocas de transición sirvan de
estímulo heurístico con el fin de que se busque una res-
puesta plausible en lo referente a la complejidad del orden
social”.
9 En este espacio no nos ocuparemos de desarrollar acaba-
damente la temática de la doble contingencia, cuestión
que hemos tratado en otro lugar (Gonnet, 2015, 2017).
También existen otros artículos que han abordado en pro-
fundidad la cuestión (Pignuoli Ocampo, 2013; Vandears-
traeten, 2002).
10 Retomamos este punto en el próximo apartado.
11 “Puesto que en gran medida (no exclusivamente) la co-
municación se realiza como interacción, sería un error
pensar en una diferencia sistema/entorno, o aun suponer
que la sociedad consta de operaciones abstractas y la in-
teracción, en cambio de operaciones concretas (comuni-
cación, acciones). La sociedad no excluye, incluye la in-
teracción. Por lo tanto, no se da una separación entre
distintos tipos de acción: sociales e interaccionales. La
diferencia más bien estructura el campo no diferenciado
de las operaciones elementales. La abstracción se vuelve
entonces, en gran parte, relevante para la interacción en
la interacción, pero no se deriva de la misma, sino de su
sociabilidad y por ello no está disponible localmente”
(Luhmann, 1998a: 377).
12 En esta dirección, Luhmann (1987: 117) sostiene: “…the
society and its primary functional subsystemas will be-
come less dependent upon rules of interaction and will
require an understanding of their own structural condi-
175
artículo | juan pablo gonnet
175
tions. On the other hand, interactions will also become
more dependent on their own autopoietic self-realization,
particularly on something that can be summarized as
‘taking the role of the other’ (Mead) or as adapting to ‘dou-
ble contingency’ (Parsons)”.
13 Goffman (1967) habla de la “moral de la interacción” y del
hecho de que en nuestra sociedad se vuelve cada vez más
inadecuado el invocar el rango, el status o la clase en las
situaciones interactivas (Goffman, 1951).
14 Adicionalmente, cabe señalar que el desarrollo de técnicas
de comunicación como la escritura y la imprenta, al alejar
la acción y la comunicación de la temporalidad y espacia-
lidad limitada de las situaciones presenciales, posibilitan
una separación mayor entre interacción y sociedad (Luh-
mann, 1987: 116).
15 Además de Luhmann, esto es común a Simmel, Schutz,
Mead, Parsons, Blummer, Elster y Garfinkel, entre otros.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Archer, Margaret. (1996). Culture and agency. The place of
culture in social theory. Cambridge: Cambridge University
Press.
Durkheim, Émile. (2008). La división del trabajo social. Bue-
nos Aires: Gorla.
Garfinkel, Harold. (2006). Estudios en etnometodología. Ma-
drid: Anthropos.
Garfinkel, Harold. (2002). Ethnomethodology´s program.
Maryland: Rowman and Littlefield Publishers.
Goffman, Erving. (2001). Internados. Buenos Aires: Amor-
rortu editores.
Goffman, Erving. (1991). El orden de la interacción. In:
Winkin, Yves (ed.). Los momentos y sus hombres. Barcelona:
Paidós, p. 169-205.
Goffman, Erving. (1967). Interaction ritual. Essays on face-
to-face behavior. London: Penguin Books.
Goffman, Erving. (1951). Symbols of class status. The Brit-
ish Journal of Sociology, 2/4, p. 294-304.
176
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
176
Gonnet, Juan Pablo. (2017). La doble contingencia como
clave para una redefinición del concepto de orden social.
Estudios Sociológicos, 36/106, p. 47-72.
Gonnet, Juan Pablo. (2015). Las dos representaciones del
problema del orden social en la teoría sociológica de Nik-
las Luhmann. Athenea: revista de pensamiento e investigación
social, 15/1, p. 249-269. Disponible en <http://dx.doi.
org/10.5565/rev/athenea.1480>.
Luhmann, Niklas. (2013). Interacción, organización, so-
ciedad. Aplicaciones de la teoría de sistemas. In: La mor-
al de la sociedad. Madrid: Editorial Trotta, p. 197-213.
Luhmann, Niklas. (2010). Organización y decisión. Ciudad
de México: Herder.
Luhmann, Niklas. (2002). Introducción a la teoría de los siste-
mas. Madrid: Editorial Anthropos.
Luhmann, Niklas. (1998a). Sistemas sociales. Lineamientos
para una teoría general. Madrid: Editorial Anthropos.
Luhmann, Niklas. (1998b). El concepto de sociedad. In:
Complejidad y modernidad. De la unidad a la diferencia. Ma-
drid: Editorial Trotta.
Luhmann, Niklas. (1994). Los problemas de la investiga-
ción en sociología. Convergencia. Revista de Ciencias Sociales,
7, p. 194-198.
Luhmann, Niklas. (1990). The autpoiesis of social systems.
In: Essays on self-reference. New York: Columbia University
Press, p. 1-21.
Luhmann, Niklas. (1987). The evolutionary differentiation
between society and interaction. In: Alexander, Jeffrey et
al. (eds.) The micro-macro link. Los Angeles: University of
California Press, p. 319-336.
Luhmann, Niklas. (1986). La teoría moderna del sistema
como forma de análisis social complejo. Revista Sociológi-
ca, 1/1, p. 7-24.
Luhmann, Niklas. (1976). Generalized media and the prob-
lem of contingency. In: Explorations in general theory of so-
cial science. Essays in honor of Talcott Parsons. New York: The
Free Press, p. 507-532.
Luhmann, Niklas. (1973). La sociología como teoría de
sistemas sociales. In: Ilustración sociológica y otros ensayos.
Buenos Aires: Editorial Sur.
177
artículo | juan pablo gonnet
177
Münch, Richard. (1987). The interpenetration of microin-
teraction and macrostructures in a complex and contin-
gent institutional order. In: Alexander, Jeffrey et al. (eds).
The micro-macro link. Los Angeles: University of California
Press, p. 319-336.
Nassehi, Armin. (2011). La teoría de la diferenciación fun-
cional en el horizonte de sus críticas. MAD, 24, p. 1-29.
Pignuoli Ocampo, Sergio. (2016). Ref lexiones sobre la dis-
tinción entre teoría y método desde una perspectiva sis-
temática. In: Torres Rivas, Edelberto & Gonnet, Juan Pablo.
(eds.). La teoría social en América Latina. Problemas, tenden-
cias y desafíos actuales. Buenos Aires: CONICET.
Pignuoli Ocampo, Sergio. (2013). Doble contingencia y or-
den social desde la teoría de los sistemas de Niklas Luh-
mann. Sociológica, 28, p. 7-40.
Rawls, Anne. (2009). An essay on two conceptions of so-
cial order. Journal of Classical Sociology, 9/4, p.500-520.
Vandearstraten, Raf. (2002). Parsons, Luhmann and the
theorem of double contingency. Journal of Classical Sociol-
ogy, 2, p. 77-92.
178
orden social, interacción y sociedad en luhmannso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 155
– 1
78 ,
ene.
– a
br.,
2020
178
ORDEM SOCIAL, INTERAÇÃO E SOCIEDADE EM
LUHMANN. PERSPECTIVAS DO MÉTODO PARA A
INTEGRAÇÃO DO CONHECIMENTO SOCIOLÓGICO
Resumo
As análises da interação foram fundamentais para discutir
alguns dos pressupostos mais consolidados da reflexão
sociológica sobre a ordem social e seu funcionamento. No
entanto, essa complexidade foi dissolvida na identificação
de uma dualidade, e mesmo oposição, entre a ordem da
interação e aquela da sociedade. É assim que as pesquisas
dessas áreas sociais tendem a permanecer dissociadas, se-
paradas e desconectadas. Nesse movimento, não apenas a
possibilidade de alcançar um tratamento unificado do pro-
blema da ordem social está bloqueada, mas, ainda pior,
inevitavelmente se opera com visões reducionistas. O ob-
jetivo desse artigo é reconstruir as contribuições que a
teoria geral dos sistemas sociais oferece em termos de
método para evitar esses riscos analíticos.
SOCIAL ORDER, INTERACTION AND SOCIETY IN
LUHMANN. METHODOLOGICAL APPROACHES TO THE
INTEGRATION OF SOCIOLOGICAL KNOWLEDGE
Abstract
Analyses of interaction have been fundamental to debating
some of the most consolidated assumptions of sociological
reflection on social order. However, this complexity has
been dissolved in the identification of a duality, and even
an opposition, between the order of interaction and that
of society. Consequently, inquiries into these social areas
tend to remain dissociated, separated and disconnected.
In the process, not only has the possibility of achieving a
unified treatment of the problem of social order been
blocked, but even worse, reductionist perspectives have
inevitably taken hold. The purpose of this article is to re-
construct the methodological contributions that the gen-
eral theory of social systems offers to avoid these analyti-
cal risks.
Palavras-chave
Interação;
método;
ordem social;
sociedade;
teoria geral dos sistemas
sociais.
Keywords
Interaction;
method;
society;
social order;
general theory of social
systems.
Alejandra Josiowicz I
Marcos Chor Maio II
1 Instituto de Investigaciones en Estudios de Género (IIEG),
Comisión Nacional de Investigaciones Cientificas y Estúdios
Técnicos (CONICET), Buenos Aires, Argentina
https://orcid.org/000-0002-3525-1833
11 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Casa de Oswaldo Cruz (COC),
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde
(PPGHCS), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-5938-5705
STEFAN ZWEIG IN EXILE: A COSMOPOLITAN CITIZEN’S INTERPRETATION OF BRAZIL1
Brazil, land of the future2 was born under the sign of political and intellectual
controversies. The criticisms oscillated between the disinformation and fragil-
ity of the arguments developed in the work to an agreement reached by Stefan
Zweig with Getúlio Vargas’s Estado Novo, inspired by the Austrian writer’s des-
perate pragmatism in search of exile on Brazilian soil with the advance of
Nazism and the Vargas regime’s restrictive immigration policy. Zweig’s inter-
pretation of Brazil was seen as a jingoistic, naive manifesto, another portrait
of the supposed Brazilian natural and racial paradise, images that were wide-
spread in the Brazilian social thought of his time. Other objections to Zweig
included his limited knowledge of Brazilian society. According to his critics, it
was enough to underscore the absence of classics like Casa-grande & senzala by
Gilberto Freyre (1933) or Raízes do Brasil by Sérgio Buarque de Holanda (1936) in
the Austrian author’s work. Zweig’s Brazilian intellectual circle was limited to
the likes of Afrânio Peixoto, the author of the book’s preface, a lettered man,
physician and hygienist whose academic prestige and recognition was in decline
at the beginning of the 1940s. Thus, Zweig had no contact with the dense and
diverse world of Brazilian essayism.3
This article follows a different path by distancing itself from the estab-
lished criticisms of the book Brazil, land of the future. We believe that the analy-
sis of Zweig’s work demands a more nuanced perspective to better situate its
historical significance. It was gestated amid diverse experiences like exile, be-
ing a refugee, being a Jew who dialogues permanently with his culture of origin
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 1
79 –
200
, ja
n. –
apr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1016
180
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
180
in a European setting devastated by Nazism and the destruction of a civiliza-
tional process. We also seek to highlight the connections that link the book,
simultaneously, to the Brazilian, North American and European intellectual
contexts, as well as to writing on exile, travel and cosmopolitanism (Spitzer,
2001). Brazil, land of the future contains a tense dialogue, full of failed encounters,
between Zweig and the Brazilian milieu: between the author’s cosmopolitan
and multilingual horizon, the impossibility of belonging and his constant feel-
ing of maladjustment. Zweig questions the European and North American pre-
conceptions concerning the country – at the same time as he reproduces them
– and tries to insert Brazil in the cosmopolitan and transnational horizon. Bra-
zil is the space of exile, but also of travel and transformation, an encounter and
confrontation with alterity. We also conceive Brazil, land of the future as an-
other manifesto of the 1930s and 1940s anti-racist agenda, the product of cross-
dialogues that were not limited to the social reflection on Brazil, but encom-
passed an international intellectual and political agenda that was continually
discussed and disseminated in the United States and Europe and that ap-
proached Brazil as a field of experimentation (the “Brazil Experiment,” in Zweig’s
expression), as well as of certifying and positivizing human relations.
Stefan Zweig (1881-1942) was a famous Jewish Austrian writer of novel-
las, novels and historical biographies. He watched with horror the outbreak of
the First World War and, following the arrival of Hitler to power in Germany
and the pro-Nazi climate in Austria, moved to London in 1934, subsequently
obtaining British citizenship. His books – translated and sold worldwide – were
burnt in 1933 by the Nazis and the German publishers were no longer able to
print them. He landed in Brazil for the first time in 1936, en route to Argentina
to take part in a meeting of the International PEN club Association. As a result
of this first voyage, he wrote the account Kleine Reise nach Brasilien (A short
journey to Brazil), published for the first time in 1936, with his initial observa-
tions from the voyage and the fundamental proposals of the future book. In
1940, he returned to Latin America for a lecture tour and travelled through
Brazil, Argentina and Uruguay, stopping over in Salvador, Recife and Belém. As
a result of his second trip, he wrote Brazil, land of the future, which would be
published the following year. In 1941, after acquiring a permanent visa, he
moved to Petrópolis. He committed suicide in 1942 with his wife, Charlotte
Altmann (Dines, 2004).
In recent decades, Zweig has been recuperated as a central figure to
understanding the challenges of the twenty-first century. Specifically, his essay
Brazil, land of the future and his relation to the country have come under the
scrutiny of cultural historians and literary critics. Alberto Dines (2004) wrote
one of the most systematic studies on Zweig’s relation to Brazil, arguing that
for him the country constituted a possible space for taking in Jewish refugees.
Leo Spitzer (2001), for his part, examines the figure of Zweig as a humanist and
181
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
181
internationalist Jew, his lack of identification with Zionism and his discomfort
with rigid definitions of identity, whether national or political. According to
Spitzer, Judaism for Zweig was never a community of belonging, but a mark
imposed from outside, given by the experience of persecution. The essay by
Mónica Grin (2002), on the other hand, analyses Zweig’s suicide through his
unease with nationalism and racialism, as a practice of resistance also symbol-
ized by miscegenated Brazilianness. Raul Antelo (2009), in his study, pointed to
Zweig’s convergence and divergences with Brazilian modernism, emphasizing
the modernists’ distanced attitude when he died. In a brief text, Sandra Pesaven-
to (2001) reads the book as an account of an estranged traveller, who saw Bra-
zil’s otherness from a European reference point, but who inverts its logic of
comprehending the real by setting out from the multiple and the not necessar-
ily normalized. Karen Macknow Lisboa (2011 and 2014), for her part, draws
comparisons with other reports by German travellers to Brazil, and underscores
the Eurocentric vision of the book, in which Europe remains hegemonic and
Brazil remains dependent on the modernizing drive of the European German
immigrant, whose contribution proves central (Lisboa, 2011: 289). Indeed even
when the book displays a degree of criticism of Europe, the Eurocentric and
Germanophile continues to predominate in the author’s reading of Zweig. By
contrast, Afrânio Garcia Jr. (2011) reads the eulogy to Brazilian miscegenation
in Zweig as a way of developing a humanitarian, pacific culture without ques-
tioning the correlated social conditions of this peace. Garcia emphasizes that,
a defender of the artist’s autonomy and of internationalism, Zweig found him-
self accused of being a nationalist and criticized as apolitical.
In dialogue with these readings, this article analyses the book from a
double perspective: as travel writing and an interpretation of Brazil, and at the
same time as a text on exile and on cosmopolitanism. Between voyage and
exile, the nation and the transnational sphere, the hypothesis is that Zweig
creates an interpretation of the country that, without abandoning ethnocen-
trism, questions the Eurocentric gaze and discovers a potentiality in Brazil, a
possible future thought from the periphery. For Zweig, Brazil’s potency resides
not so much in its economic or political development, but in the potential
creation of a multiple sociocultural horizon, which he, with poetic ingenuity,
believes to have seen in Brazil.
THE DIALOGUES OF STEFAN ZWEIG: BETWEEN BRAZIL,
THE USA AND EUROPE
There is a passage in Brazil, land of the future that illustrates the scenario of
discussions on race, society and culture in which the book proposes to intervene:
For four hundred years now the masses have been boiling and fermenting in the
enormous retort of this country – new material constantly being added, and the
mixture being constantly shaken up. Is this process now definitely finished?
182
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
182
Have these millions already taken form and shape of their own? Is there in
existence today something one could call the Brazilian race, the Brazilian man,
the Brazilian soul? (Zweig, 1941: 125).
Zweig’s questioning condenses the challenges that afflicted the Brazilian
intelligentsia from the second half of the nineteenth century, driven by a con-
stant and obsessive endeavour of self-reflection on the country and the prob-
lems in defining it as a modern nation. Albeit not without ambiguities, the
positive character of the “racial mixture” came to be valorised from the 1930s
on, especially by Vargas’s Estado Novo as part of its affirmation of a mixed
national identity. The anthropologist Roquette-Pinto (1929) alerted at the end
of the 1920s that it was not a question of substituting the existing people by
bringing thousands of white immigrants, but of valorising the miscegenated
profile of the Brazilian population. The theme of miscegenation was recurrent
among Brazilian intellectuals like Francisco José Oliveira Vianna and Gilberto
Freyre.
In the 1930s, Oliveira Vianna was at the centre of the formulation of the
social and labour policies of the Vargas government. Although he shared the
ideology of whitening, he believed in the idea of process, history and the evolu-
tion of society (Guerreiro Ramos, 1954). In his studies, Vianna argued that the
Brazilian people were in a process of formation. His book Raça e assimilação
(1932) (Race and assimilation) advocates the use of scientific discourse as a
foundation for mapping racial differences and, principally, establishing a pub-
lic policy for immigration control in response to the dynamics of Brazilian
miscegenation. The ideal point of mixture demanded, according to Oliveira
Vianna, a particular rate of assimilation of immigrants that would not endanger
the constitution of the Brazilian people. As for the Jews, he diagnosed the exist-
ence of a “zero degree of fusibility.” He recognized that miscegenation was a
given and sought to define the principles that should regulate the dynamics of
state action towards the whitening of Brazilian society with desirable immi-
grants of Iberian extraction (Oliveira Vianna, 1959; Ramos, 2003; Maio, 1999a;
Skidmore, 1993).
Zweig alternates between the valorisation of whitening, regarding the
European immigration under way then for at least five decades positively, an
indicator of civilization (Lisboa, 2011: 287), and the country as an experiment,
as an “art of contrasts,” a racial mixture, shifting closer to Gilberto Freyre. In
his dialectical perspective of “antagonisms in equilibrium,” the extreme violence
in the relations between whites and blacks produced by the slave-based plan-
tation monoculture, Freyre emphasizes the idea prevalent in Casa-grande &
senzala of a fraternization between the races, sealed by miscegenation, as the
distinctive hallmark of Brazilian society (Freyre, 1933; Araújo, 1994).
Zweig’s narrative also recalls the views of Rüdiger Bilden, a German
historian based in the United States, a scholar of Brazilian society who exerted
183
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
183
a significant influence on Gilberto Freyre. A professor of Fisk University, Nash-
ville, in the 1930s, a black college in the south of the United States, Bilden was
author of the article “Brazil: a laboratory of civilization,” published in the pres-
tigious magazine The Nation, in 1929. In this text, he emphasizes the importance
of the Portuguese heritage in Brazil’s social formation, especially in the devel-
opment of ethnic-racial relations that enabled intense miscegenation. In char-
acterizing Brazil as a laboratory of civilization, Bilden’s article condenses a
predominantly harmonious social imaginary of the country shared by various
North American and European social scientists between the 1930s and 1940s,
including Robert Park, Franklin Frazier, Melville Herskovits, Donald Pierson,
Lorenzo Turner, Otto Klineberg, Ruth Landes, Roger Bastide and Franz Boas
(Palhares-Burke, 2012; Valladares, 2010; Maio & Lopes, 2017; Sansone, 2011). Bra-
zil is a field of experimentation, a field of positive racial and cultural interac-
tions, including the ideas of testing, processing, mixing and forming a nation-
al identity. The ‘laboratory’ is a metaphor of Brazilianness translated by Stefan
Zweig as the “Brazil Experiment” (1941: 20). This becomes evident in the chap-
ter “Art of Contrasts.” In the author’s words:
In the streets one runs across many different races: the black Negro from the
Senegal in his torn shirt, the European in his smart suit, the Indios with their
heavy eyes and jet-black hair; and there are even more complicated breeds of all
nations and peoples which cannot be properly defined; but not, as in New York
and other cities, living in separate quarters. For in Rio all these people live se-
renely together, and through the enormous variety of faces the streets form a
constantly changing scene. What an art to be able to ease the tensions without
destroying them, to preserve this variety without trying to organize it by force!
(Zweig, 1941: 280).
Brazilian society revealed a capacity to balance contrasts. Brazil, land of
the future also represented a critique of the racialist theories then circulating in
Europe and the United States. The critical judgments were further expounded in
his Autobiography where Zweig compares living conditions in Brazil and Europe:
People [in Brazil] lived more peacefully, more courteously, the relations between
even the most diverse races were not as hostile as among us. [In Europe] man
was separated from man by absurd theories of blood and origin; there one could
still – and this I perceived with a strange presentiment – live in peace; there
space existed for the future in an incommensurable abundance, while in Europe
the nations fought and the politicians disputed the most miserable scraps. The-
re the soil still awaited man to take advantage and fill it with his presence. What
Europe created in terms of civilization could continue to be developed grandio-
sely in new and different forms. With my eyes delighted by the multifaceted
beauty of this new nature, I looked into the future (Zweig, 2014b: 296).
Zweig summarizes the argument that would later inform the eulogy
realized in Brazil, land of the future. According to his view, racial theories did not
influence local thought, differently from the European case. Moreover, the
184
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
184
paradisiacal vision of the land as an immense, uninhabited territory was a
recurrent feature of the national imaginary, which led to an envisioning (Car-
valho, 1998) of the persecuted migrants from Europe as subjects capable of
developing a civilization born in the Northern Hemisphere.
The book also offers the chance to think about particular affinities. The
Afro-American sociologist Franklin Frazier, professor of Howard University, the
most important black university in the United States at that time, arrived in
Salvador in 1941 to develop a research project on race relations in Salvador
(Frazier, 1942). His enchantment with Bahia is no different to that presented by
Zweig’s book, also released in 1941. Miscegenation and racial integration were
aspects of Brazilian society that called the attention of black and Jewish foreign
intellectuals who influenced each other. These sociological and anthropologi-
cal phenomena, portraits of Brazil, were incorporated into the anti-racist agen-
da of international organizations and black social movements in Brazil and the
United States between the 1930s and 1950s, serving as an instrument to de-
nounce racism and to fight for civil rights (Skidmore, 1993; Hellwig, 1992).
The idea of a civilization in deep crisis that could be revitalized by social
experiences from the periphery of the modern capitalist world, as can be ob-
served in Stefan Zweig’s account, was also present in the period after the Sec-
ond World War. In 1945, under the ashes of the Holocaust, UNESCO (United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) was created on Eu-
ropean soil with its headquarters in Paris. One of the first policy initiatives to
combat racism adopted by the international organisation was to conduct a
wide-ranging research project on race relations in Brazil, which continued to
be seen as a laboratory, an experiment with civilizational lessons to offer the
western world, as Zweig believed. The coordinator of the research project was
the Jewish Swiss-American anthropologist Alfred Métraux, who performed an
important role in the constitution of the field of human rights in international
institutions during the post-war period (Maio, 1999b; Krebs, 2016).
Like hundreds of American social scientists, Métraux served in US intel-
ligence agencies during the Second World War. He was in the theatre of opera-
tions of the war in Europe as part of the Morale Division, a body linked to the
US Strategic Bombing Survey (USSB) responsible for evaluating the impact of
the destruction caused by bombing raids by the Allied Forced in Germany and,
subsequently, in Japan. He witnessed the liberation of the survivors of Auschwitz.
The Holocaust had a significant impact on Alfred Métraux’s professional trajec-
tory. On May 18, 1945, he wrote a letter to his then wife, the anthropologist
Rhoda Métraux, from Tübingen, Germany, describing the dramatic situation:
This afternoon I have been deeply shaken by the sight of a group of Jewish girls
who were coming back from one of the death factories – Auschwitz. How to
describe them? Imagine corpses who had emerged from the grave. There was
around these ambulating skeletons something out of this world. A woman whom
185
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
185
I thought to be about 50 years old turned out to be 23. As she collapsed and was
obviously dying, she was taken away in a hurry. I talked with the others. No
sooner one of them began to mention the horrors of the camp, the others started
to cry and the girl became hysterical (Métraux quoted in Krebs, 2016: 29).
Métraux continues: “The experiences of this trip [to Germany] have a deep
effect on me. It will be difficult to return to library work and the S.A. Indians”.
Métraux coordinated a study circle on race relations in Brazil that unit-
ed a transatlantic network of Brazilian, American and French anthropologists,
sociologists and psychologists sponsored by UNESCO. In an article published
in the Correio, a science magazine produced by the UN organization, called
“Brazil: land of harmony for all races” (1951) – echoing Brazil, land of the future,
the title of Zweig’s book in the United States – Métraux conceives Bahia as a
miscegenated land that was creating a “new race” on the Latin American con-
tinent. Intense miscegenation, the anthropologist wrote, generates an absence
of concern over the definition of racial identities. Problems are social rather
than racial in nature, which prevailed in accordance with the perspective dom-
inant in the social sciences of the era (Métraux, 1951: 3).
The idea of a “new [Brazilian] race,” the outcome of miscegenation, ac-
companied some of the studies carried out by UNESCO, especially in Bahia. Such
is the case of the investigation conducted by the anthropologist Thales de
Azevedo, professor of the Faculty of Philosophy of Bahia. In his words: “Stefan
Zweig, in a book that was translated in diverse languages, provides a striking
description of Bahia and its still living traditions, claiming that it ‘was with this
town that Brazil – and one can legitimately say South America itself – began.
Here was erected the first pillar of the great cultural bridge spanning the ocean.
It was here – from European, African, and American substance – that the new
still-fermenting mixture came into existence’” (Zweig, 1941: 213, quoted in
Azevedo, 1955). Métraux’s vision aligns with Zweig’s when it comes to the image
of Brazil as a miscegenated country, where a new race was in a constant process
of formation. The questioning of Stefan Zweig, who saw his civilization per-
verted by Nazism, already contain within itself the belief that Brazil repre-
sented the new, an absence of races.
ZWEIG: COSMOPOLITAN AND EXILED
Zweig’s cosmopolitanism should be understood in relation to his pacificism and
his opposition to the nationalism, racism and xenophobia that he considered
responsible for the internecine European wars of the first half of the twentieth
century. Zweig thought like a citizen of the world, on the basis of an internation-
alist notion of identity, correlated to the flourishing of cosmopolitanism in the
twentieth century when the economic and political interconnection of peoples,
as well as transport and communication technologies, enabled distant commu-
nities to come into contact (Robbins & Horta, 2017; Fontanals Garcia, 2013).
186
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
186
On the other hand, the idea that Brazil was a new starting point from
which the global dilemmas of the twentieth century could be rethought was
closely linked to the status of Brazil, land of the future as a travel report, a text
on exile and the contradictions of cosmopolitanism. The book concerns the
tense and divergent dialogue between Zweig and Brazilian intellectuals, above
all between the author’s effort to think in cosmopolitan terms, within the “spir-
itual unity of the world” – the title of one of the lectures he gave in 1936 in Rio
de Janeiro and Buenos Aires (Zweig, 2014a) – and a national and international
context traversed by divisions of every kind. This divergence is evident in var-
ious areas, one of them being language, a central theme for the exiled intel-
lectual. Written originally in German, Zweig’s maternal language, the book was
translated and published simultaneously in Portuguese, English, German, Swed-
ish, French and Spanish. Although it was a best-seller in Brazil in the years
after its release (it sold 100,000 copies over this time) (Dines, 2004) and indeed
internationally, it was received extremely badly by the Brazilian intelligentsia.
As the history of its publication reveals, the book was inscribed within an in-
ternationalist horizon and its insertion in the Brazilian intellectual environment
was full of tensions. Thus, in the aforementioned lecture, Zweig affirms:
Another idealism, one that does not stare at the borders of countries as though
hypnotized, an idealism uncontaminated by ancient rancours and sentimental
memories – only it can help reconstruct the old Tower of Babel, humankind’s
solidarity, and all our hope is directed towards you, peoples still with the fresh-
ness of youth, who live for the future and not the past with its obsolete ideas
(Zweig, 2014a: 28).
In contrast to the nationalist fervour, the idealist horizon of Stefan Zweig,
cosmopolitan and multilingual, was embodied in the metaphor of the Tower
of Babel: in the Biblical story, the tower represents the human project to attain
unity among languages and peoples, with the potential to reach the heavens.
But the project is interrupted by divine intervention, which creates the differ-
ences between human beings and their languages. Interestingly, although he
situates the countries of South America as protagonists of this cosmopolitan
horizon embodied in the Tower of Babel, Zweig experienced, in his own skin,
the difficulties of dealing with the diversity that appears in the Biblical narra-
tive. Zweig experienced a tense, uncomfortable relationship with the Portuguese
language: he had problems adapting to Portuguese, a language that he and his
wife, Lotte Zweig, studied and eventually understood, but which they did not
like.4 Furthermore, one of the recurrent topics in Brazil, land of the future is the
lack, on Zweig’s part, of a detailed knowledge of the country – “What do I know
about Brazil?” (Dines, 2004) he exclaimed – which can be read as one more
symptom of his discomfort in his relationship with Brazil.
In her essay on Zweig’s autobiography, Hannah Arendt (2007: 318) calls at-
tention to one of the potential causes of this tension between the European intel-
187
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
187
lectual and the Latin American country: “He considered it unbearably humiliating
when the hitherto wealthy and respected citizens of Vienna had to go begging for
visas to countries which only a few weeks before they would have been unable to
find on a map.” As Arendt asserts, his was the Eurocentric perspective of the Vien-
nese citizen, cultured and European, who felt humiliated asking for refuge in an
unknown and apparently insignificant country like Brazil. Was Stefan Zweig ca-
pable of moving beyond his Eurocentric view of Brazil, meeting the Latin Ameri-
can country halfway? Brazil, land of the future is marked by the tensions between
Zweig’s cosmopolitan horizon and his difficulty perceiving the Brazilian differ-
ence, between a multilingual “unity of the world” and incomprehension in the
face of alterity: written in another language on a society and a culture that he saw
with the eyes of the expatriate and who saw him as a stranger too.
As Peter Burke (2017) argues in his book Exiles and expatriates in the his-
tory of knowledge, the encounter between the exiled intellectual and the country
that receives him or her is capable of producing a double process of deprovin-
cialization: those exiled end up displaced from their space of comfort, while
the receiving country is introduced to different ways of thinking, as well as new
modalities of knowledge. In the interaction, both sides become modified: the
exiled person acquires new awareness through the effort to live in a foreign
culture, while the culture acquires new horizons through this alien gaze. In the
case of the relation between Stefan Zweig and Brazil, this process of mutual
deprovincialization occurred while, having obtained his permanent visa in 1941,5
Zweig was still in Brazil for short periods only, just a few months. Even in these
brief intervals of time, though, his contact with Brazil marked his thought and
enabled him to rethink the European civilization in crisis via the horizon of
possibilities open “under the Southern Cross,” as he called it. Brazil, land of the
future sought to insert Brazil in the cosmopolitan horizon, which he succeeded
in doing as a result of the wide dissemination that the book received in its
various language editions. What kind of exile is this? Did Zweig see Brazil as a
homeland of refuge and potentially permanent stay or as one more place of
displacement and travel? As Edward Said (1996) emphasized, exile can become
a condition that is not only factual but also metaphoric for the intellectual, a
kind of permanent displacement, maladjustment, an impossibility of belonging,
which interposes a barrier and prevents the intellectual from ever arriving
completely. The Brazilian exile of Zweig matches this model and rejects any
possibility of assimilation: like a sort of permanent traveller between homelands
and cultures. Given the loss of the European perspective as a horizon of com-
pleteness, Brazil constitutes, for Zweig, not a space of assimilation or belonging,
nor a search for a return to the national perspective, but a point in a cosmo-
politan passage that allowed him to open unprecedented cultural possibilities.
The maladjustment in response to the imperative of identity and the
impossibility of belonging also determined Zweig’s ambivalent relation to Juda-
188
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
188
ism. Various critics have already highlighted his difficulty in identifying himself
as Jewish and the hybrid, indefinite and ambivalent space occupied by him in
relation to the Jewish identity.6 This is evident in his relationship with Theodor
Herzl, founder of modern political Zionism and his literary mentor: Herzl was
the first to support the young Zweig and offer him protection, allowing him to
publish in the prestigious Feuilleton of the Neue Freie Presse, the supplement
of which he was the editor (Zweig, 2014b: 87). However, Zweig distanced himself
from Herzl by refusing to participate actively in Zionism: “for me it was a grave
decision to not associate myself actively and as a leader to his Zionist move-
ment – which he perceived as ingratitude” (Zweig, 2014b: 85-86). In contrast to
Zweig, Herzl believed that the solution to the Jewish problem lay in the modern
State and the idea of the nation as a symbolic system capable of agglutinating
and organizing the population’s energy (Schorske, 1981: 203-204). While Herzl
affirmed the objective and function of a national solution to the Jewish ques-
tion, Zweig, contrary to nationalism, constructed another horizon of possible
solutions linked to cosmopolitanism – that is, to international agreements that
presumed non-fixed and fluid ethnic and national identities. In 1938, Zweig
travelled to Portugal to propose that the territory of Angola, a Portuguese col-
ony at the time, take in European refugees persecuted by Nazism, notably the
Jews (Garcia Jr., 2011: 123; Dines, 2004). In this sense, Brazil had signified for
Zweig a new possibility for achieving the project initially conceived for the
Portuguese colonies in Africa: obtain approval from the political authorities for
the mass immigration of European refugees (Garcia Jr., 2011: 127). Although the
book makes no explicit mention of this possibility, it emphasizes the role of
converted Jews in the settling of Brazil at the time of conquest:
The only colonists who arrive of their own accord, not from chains, and without
brands or verdict of the judge, are the Cristãos novos, the newly baptized Jews.
But even these do not come entirely of their own free will, but from precaution
and fear. They have taken the baptism in Portugal more or less sincerely to avoid
the stake, but quite naturally they no longer feel safe in the shadow of Torque-
mada. It seems wiser to move on to a new country in time, so long as the grim
hand of the Inquisition has not yet reached across the ocean. Forming groups,
these baptized and unbaptized Jews settle down in the ports as the first real
civilian colonizers. These Cristãos novos are destined to become the oldest fami-
lies of Bahia and Pernambuco, and incidentally the f irst organizers of trade
(Zweig, 1941: 53).
These converted Jews who arrived from the sixteenth century are, for
Zweig, the model colonizer; they had laid the foundations of modern Brazil.
Like the European refugees of the twentieth century, their immigration to Bra-
zil represented a flight from persecution by authoritarian systems of govern-
ment: indeed they had been forced to change identity, unable to stay in their
territory of origin without the risk of being deprived of their citizenship. How-
ever, from Zweig’s viewpoint, these immigrant Jews of the sixteenth century
189
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
189
had been capable of contributing to the country through their bourgeois condi-
tion, their capacity to organize trade and their “knowledge of the world market”
(Zweig, 1941: 24). In this sense, they too were similar to the European refugees
of the twentieth century who, from Zweig’s Eurocentric viewpoint, could con-
tribute with immigrant labour, science and technology to the productivity of a
country that he perceived as terra incognita, a virgin territory still waiting to be
explored (Garcia Jr., 2011: 127).
It is important to stress, however, that the text not only reproduces a
Eurocentric view of Brazil: it also questions and denounces it. One of the topics
that permeates the book, linked to the displacement and deprovincialization it
undertakes, are European and North American preconceptions about Brazilian
culture. Already in the introduction, Zweig reflects on his ideas prior to the voy-
age, which he considers paradigmatic of the mentality of the European and
North American tourist, and describes the exotic image that they have of Brazil:
My ideas of Brazil coincided with those of the average European and North Ame-
rican. It is only with an effort that I can reconstruct them today: it was very
difficult to distinguish any one of these South American republics from the other;
they all had a hot and unhealthy climate, political unrest, and desperate finan-
cial conditions; they were badly governed, and semi-civilized, and only near the
coastal cities. At the same time the scenery was beautiful and there were nume-
rous unexplored possibilities – in short, a land for desperate immigrants and
settlers, but never one from which to expect intellectual stimulation. Being nei-
ther a professional geographer, collector of butterf lies, sportsman, nor busines-
sman, I presumed that a visit of ten days would suffice. A week, ten days, then
back again, I thought; and I am not ashamed to confess to this naive attitude of
mine. I even consider it important, for this is the prevalent idea shared today by
most Europeans and North Americans. From the cultural point of view Brazil is
still as much the terra incognita as it was for the first seafaring men from the
geographical point of view (Zweig, 1941: 2-3).
The text calls attention to the Eurocentric imaginary of Brazil, which in
some respects echoes the orientalist and exotic ideology that Edward Said
analysed in his book Orientalism (1978) – in which the colonized nations are
associated with backwardness, lack of preparation and the impossibility of
self-governance7 – but applied to South America: the unhealthiness, the sup-
posed incapacity to govern, the absence of their own forms of culture and
civilization, the abundance of the natural environment. Zweig places in question
this view, which associates Brazil with adventure, the search for easy wealth,
the desire for conquest: in this view, the peripheral country is pure matter,
incapable of self-governance, unable to produce its own culture, given its sup-
posed lack of any “stimulus for the spirit.”
In contrast to the Eurocentric view, imbued with a sense of superiority
that Zweig calls a “presumption of superiority in civilization,” a gaze that ob-
serves “from the hotel and the automobile,” based on the premise that little
effort or time would be needed to know Brazil, over the course of the book Zweig
190
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
190
emphasizes the insufficiency of his own knowledge about the country and how
the vastness and complexity of the territory and Brazilian cultures challenge
the foreigner’s gaze. Thus, he spends various paragraphs narrating what he has
not visited, what he does not know, and what he cannot say about Brazil, high-
lighting the incompleteness of his viewpoint and the immensity of the country:
“I know that this picture is not, cannot be, complete. It is impossible to know
Brazil, a world in itself, completely. […] in spite of all my eagerness to learn
and constant travelling, my survey fails to be comprehensive; and I realize
also that a whole life-time would not give one the right to say: I know Brazil”
(Zweig, 1941: 12-13). Paradoxically, in reflecting on the Eurocentric perspective,
he himself repeats new stereotypes about Brazil and its nature, as an unexplored
country, immense, which the human will to explore and know could never
fully encompass.
BRAZIL, A COSMOPOLITAN CULTURAL EXPERIENCE
However, Zweig’s thought concerning Brazil experiences another profound dis-
placement. Even when he engages in generalizing, Eurocentric and ethnocentric
affirmations,8 his viewpoint is doubly deprovincialized: it distances itself from
the culture of origin through the loss of Austrian citizenship and the need to
rethink, in the face of Nazism, the premises on which European culture rested
– in which “the value of the words ‘civilization’ and ‘culture’ cease to be equiv-
alent to ‘organisation’ and ‘comfort’ (Zweig, 1941: 19) – but it also resists as-
similation into the cultures that provided him with refuge and citizenship:
British, North American and Brazilian. As he declares in his autobiography: “I
don’t belong anywhere, everywhere I am a foreigner or in the best of hypoth-
eses a guest; the very homeland that my heart had chosen for itself, Europe,
has become lost to me ever since it started tearing itself apart for the second
time in an internecine war” (Zweig, 2014b: 10). He describes Brazil from the
perspective of a multiple deprovincialization, comparing and contrasting it
with Europe and the United States – Rio de Janeiro with New York or Paris, São
Paulo with Manchester or Liverpool – always speaking of distinct societies and
national cultures from a certain distance. Brazil, land of the future indeed con-
structs a distanced viewpoint of Brazil – we can recall that the original title of
the text was “Looking at Brazil” – like looking at it from afar, from an airplane
– as revealed by the chapter titles “The flight over the North” and “The flight to
the Amazon.” This is a mobile perspective, in transit, which is evident in the
very short final chapter, “Farewell,” in which Zweig finds himself in the airport,
heading to the United States, which calls attention to the ephemerality of his
Brazilian experience.
Brazil, land of the future should be conceived as, at the same time, an
interpretation of Brazil, a text on exile and a piece of travel writing. It com-
prises an expanded notion of travel: to travel through the book is simultane-
191
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
191
ously research and knowledge, as well as exile, the search for a homeland, even
if it is ephemeral or temporary. The tension between the tourist experience, the
search for knowledge and refuge pervade the text: Zweig is a tourist, an adven-
turer in search of new experiences and knowledge, but also someone stateless.
As a tourist, he wanders through the streets of Rio de Janeiro, Copacabana beach
and the favelas and – as in the travel reports of colonial discovery about which
he himself wrote – he judges what he sees in comparison with its European or,
in some cases, North American equivalent. As he states in the chapter “Rio de
Janeiro: art of contrasts”:
In an hour or two one has driven through not only a city, but a world – to stand
still finally, slightly giddy, amidst this colourful tumult of people and shops. One
of these southern streets reminds one of the Cannebière in Marseille, another
of Naples, the thousand cafés with their chattering men of Barcelona or Rome,
the cinemas with their signs and the skyscrapers of New York. One is everywhe-
re at the same time; and by this unique combination one knows this is Rio (Zweig,
1941: 173).
From the perspective of Zweig the tourist, Rio de Janeiro ends up depro-
vincialized, becoming comparable and equivalent to various cities around the
world, Marseilles, Naples, Barcelona, Rome and New York, as a cosmopolitan
territory in itself, not “a city” but “a world,” seen on the international horizon.
Likewise, his visit to a coffee plantation and his trip by airplane to the Amazon
remind him of the German adventure and travel books he read in adolescence
and childhood:
Ever since childhood days – since the first time one read how Orellana travelled
in his tiny canoe down this r iver, accomplishing the most remarkable of all
journeys; […] one had been dreaming of a glimpse of this mighty river, the Ama-
zon. And now, here one is at its mouth – or rather at one of its mouths, each of
which is more enormous than that of any European river (Zweig, 1941: 299).
His imagination reprises the European gaze on Brazil and its literature
of adventures and voyages, but goes beyond, given that the Amazon is greater
than “any European river.” Through his cosmopolitan gaze, Zweig deprovincial-
izes Brazil, placing it on the global horizon.
On the other hand, more than as a tourist trip, the book narrates the
journey as a profound quest that forges a unique perspective with the help of
a geographical movement but also an epistemological movement. As Fernanda
Peixoto (2015: 14) studied in her book A viagem como vocação (Travel as vocation),
the modern journey relaunches the idea of travel as personal development, heir
to the German notion of Bildung, as a practice defined by the experience of
alterity, whose essence is to locate the ‘self’ in a movement that turns it into
an ‘other’. As he states in his 1936 conference in Rio de Janeiro “The spiritual
unity of the world” – which he repeated in São Paulo, Córdoba, Mendoza and
Montevideo in 1940 – the “young peoples” “of the South” had the capacity to
192
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
192
overcome the nationalism that threatened to destroy Europe and go beyond the
sectarianism and small-mindedness that “limits comradeship to one’s own
circle, one’s own country” and hates the ‘foreigner’ (Zweig, 2014a, p. 59). They
were capable of moving towards the “unity of humanity,” which transforms the
world and develops it in another direction. Zweig’s words reveal the intention
to question the Eurocentric perspective in the face of the crisis of European
values and the will to conceive an idea of ‘world’ – note that the original title
of the text in French was “The spiritual unity of Europe,” which he changes soon
after his lecture in Rio de Janeiro to “The spiritual unity of the world” (Zweig,
2014: 69) – which would set out from South America and its ‘youth’ as a space
of potentiality.
These reflections are continued in Brazil, land of the future. In the preface
by Afrânio Peixoto that appeared in the book’s first edition – and that so harmed
its reception at the time among the local intellectual circles – Peixoto calls
Zweig “our guest” and describes the book as the product of the “love of a su-
percivilized caboclo: the girlfriend will know now and will be confused by such
goodwill. But he has already left” (Zweig, 1941: 7).9 According to Afrânio Peixo-
to, the book was the outcome of Zweig’s passion for Brazil, which had not been
successful, resulting in a failed encounter. Peixoto refers to Zweig’s hybrid con-
dition, miscegenated, a ‘supercivilized’ European but at the same time Jewish
outcast, without a homeland or a place of belonging, which signals the am-
bivalence that he represented for the Brazilian intellectual environment of the
period. He was a successful and globally recognized European writer but, at the
same time, a refugee, someone who arrived begging – to use Hannah Arendt’s
word – to Brazil for citizenship. A difficult subject to classify, to fit into any
taxonomy, in various points similar to the figure of the Marrano, the converted
Jew who, for Zweig, was the model colonizer, who had laid the foundations of
modern Brazil. The Marrano is the other, a mestiço who, like Zweig, refuses the
logic of identity – whether the Jewish identity or any national identity – and
points to a type of incomplete and fractured subjectivity, which deconstructs
the hierarchy between religions and nationalities and between citizens and
those excluded from citizenship. Marrano subjectivity resides in the breakage,
in the splitting of identities.10
Brazil is a space of learning and transformation for the ‘supercivilized’
European, a space of potentiality. These are the lines along which we should
read his claim that it was during his voyage through South America that he
had “begun […] no longer to think on the scale of Europe, but also the rest of
the world – not bury oneself in a moribund past but participate in its rebirth”
(Zweig, 2014b: 295). On his trip to Buenos Aires and “under the Southern Cross”
he had started to imagine this ‘rebirth’ in a cosmopolitan sense, and relativize
the protagonism of a Europe in crisis. Similarly, on the trip to Brazil, he perceived
that there was “space for the future in an incommensurable abundance, while
193
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
193
in Europe the nations fought and the politicians disputed the most miserable
scraps” (Zweig, 2014b: 296). Brazil appears as pure potency, even from a perspec-
tive pervaded by stereotypes.
FINAL CONSIDERATIONS
As an exiled man, a pacifist, intellectual and anti-totalitarian writer; as a Jew,
a man with no homeland, persecuted, internationalist and cosmopolitan, Zweig
marks a series of possible pathways to think about the world. Through the rise
of Nazism, Zweig became a “foreigner,” a perpetual “guest,” someone stateless,
as he himself stated in his The world of yesterday: an autobiography. He reflected,
then, on the relevance of internationalism and cosmopolitan thought in the
Jewish tradition. After his arrival in Brazil he became an interpreter of the
country and a thinker on its racial, religious and cultural diversity, as apparent
in Brazil, land of the future.
In this article, we have sought to present some of the connections be-
tween Brazil, land of the future and Brazilian social thought, and suggest a pos-
sible dialogue with the United States and Europe in terms of anti-racist agendas
in a kind of triangular play of mirrors. We analysed Zweig’s voyage to Brazil as
a search for a renewed comprehension of the cosmopolitan “unity” of the world
seen from the South.
Zweig belongs to a group of Jewish intellectuals who set their sights on
Brazil. In seeking to deracialize the country, they invested in the deracialization
of Jews (Benedicty-Kokken, 2016). Alongside Zweig were Melville Herskovits,
Ruth Landes, Marvin Harris, Benjamin Zimmerman, Otto Klineberg, Levi-Strauss
and Alfred Métraux, among others.
Brazil, land of the future is a book about exile, at once a travel report, a
tourist trip and an exploration of otherness. A Eurocentric text that questions
Eurocentrism, an interpretation of Brazil that combines bewilderment and fas-
cination, cultural alterity and cosmopolitanism. By emphasizing the deep am-
bivalence of the text and the author himself, difficult to classify and fit into
any fixed taxonomy or identity – religious, national, cultural, racial or discursive
– we have sought to rethink some of the dilemmas of cosmopolitanism in the
twentieth century.
Received on 6/4/2018 | Revised on 31/3/2019 | Approved on 29/4/2019
194
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
194
Alejandra Josiowicz is Master and PhD in Spanish and Portuguese,
Princeton University (PU). She is currently researcher at the National
Council for Science and Technological Research of Argentina
(CONICET) and Postdoctoral Fellow at the School of Social Sciences of
the Getulio Vargas Foundation (CPDOC-FGV) in Brazil. Prof. Josiowicz
has published La Cruzada de los niños. Intelectuales, infancia y modernidad
literaria en América Latina (Universidad Nacional de Quilmes, 2018), as
well as articles in the Journal of Lusophone Studies, Lua Nova and others.
Marcos Chor Maio is researcher and professor of Graduate Program
on History of Sciences and Health, Oswaldo Cruz Foundation. He
received his Master and PhD in Political Science from the Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) and has been a
visiting scholar at the Department of History/NYU. Prof. Maio is the
author of Nem Rothschild, nem Trostky: o pensamento anti-semita de
Gustavo Barroso; co-editor of Raça, ciência e sociedade and Raça como
questão: história, ciência e identidades no Brasil. Currently he is studying
the relationship between social psychology, sociology and
anthropology on the studies of race and racism in Brazil
and United States (1940-1960).
195
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
195
NOTES
1 A previous version of this article was presented in the
“Why Stefan Zweig?” Debate Series, held in June 2017 at
the Midrash Cultural Centre (Rio de Janeiro) and in July
2017 at the 2nd Symposium of the Southern Cone Section
of the Latin American Studies Association (Montevideo).
2 The title of the first edition of Stefan Zweig’s book in
Portuguese (1941), Brasil, país do futuro matches the title
published in English: Brazil, land of the future. However, the
second edition (2006) was a direct translation from the
German: Brasilien, ein land der Zukunft (Brasil, um país do
futuro), Brazil, a land of the future. The German title re-
moves Brazil’s exceptionality. For a wider analysis of the
diverse titles of the editions translated from German, see
Dines, 2004.
3 In the interval between the 1920s and 1940s, essays were
published that became classics, seeking to make intelli-
gible the formational process of Brazilian society, com-
bined with diverse readings of the national identity.
These included: Populações meridionais do Brasil (Oliveira
Vianna, 1920), Retrato do Brasil (Paulo Prado, 1928), Casa-
grande & senzala (Gilberto Freyre, 1933), Evolução política do
Brasil (Caio Prado Jr., 1933), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque
de Holanda, 1936), Sobrados e mocambos (Gilberto Freyre,
1936), and Formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado
Junior, 1942). Exploring the relations between essayism
and the social sciences, Botelho (2010) proposes a prob-
lematization of the recurrent tendency in the literature
on the theme to approach the essays in a univocal form.
4 On this theme, see Zweig and Zweig (2012: 182, 183, 186,
189).
5 The concept of ‘deprovincialization’ is based on the his-
toriographic project of postcolonial studies of relativizing
the universalism implicit in the human sciences forged
in eighteenth-century Europe. Dipesh Chakrabarty (2000),
in his Provincializing Europe, for example, proposes to move
beyond Eurocentric history, signalling the limits to its
social and political categories and seeing colonial socie-
ties as central elements of modernity, capable of placing
the metropolitan identity itself under question.
196
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
196
BIBLIOGRAPHY
Antelo, Raúl. (2009). O ensaio terminal. Essência como
potência. Escritos II, p. 187-212.
Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-gran-
de & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de
Janeiro: Editora 34.
Arendt, Hannah. (2007). Stefan Zweig: Jews in the world
of yesterday. In: Ref lections on literature and culture. Stan-
ford: Stanford University Press, p. 58-68.
Azevedo, Thales. (1955). As elites de cor: um estudo de as-
censão social. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Benedicty-Kokken, Alessandra. (2016). On ‘being Jewish’,
on ‘studying Haiti’ … Herskovits, Métraux, race and hu-
man rights. In: Benedicty-Kokken, Alessandra et al. (eds).
The Haiti exception: anthropology and the predicaments of nar-
rative. Liverpool: Liverpool University Press.
Botelho, André. (2010). Passado e futuro das interpreta-
ções do país. Tempo Social, 22/1, p. 47-66.
6 On his difficulty in identifying himself as Jewish, or with
any nationalist or Zionist ideology, see Spitzer (2001). Grin
(2002) also emphasizes the ambivalent, indefinite and
hybrid space occupied by Stefan Zweig.
7 For a critique of this imaginary from the perspective of
postcolonial studies, see Chakrabarty (2000).
8 For a reading along these lines, see Karen Macknow Lisboa
(2013).
9 The publication of Brazil, land of the future generated a
series of controversies concerning the literary quality and
political nature of the work. Dines (2004) conducted a se-
ries of interviews with writers who had lived during
Zweig’s period, demonstrating the critical distance be-
tween Brazilian intellectuals (Sérgio Buarque de Holanda,
Gilberto Freyre, Carlos Drummond de Andrade and others)
and the Austrian writer.
10 For a discussion of the Marrano and Marranism, see Erin
Graff Zivin (2014).
197
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
197
Burke, Peter. (2017). Exiles and expatriates in the history of
knowledge, 1500-2000. Waltham: Brandeis University Press.
Carvalho, José Murilo de. (1998). O motivo edênico no
imaginário social brasileiro. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, 13/38, p. 19-38.
Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Postco-
lonial thought and historical difference. Princeton: Princeton
University Press.
Dines, Alberto. (2004). Morte no paraíso. A tragédia de Stefan
Zweig. Rio de Janeiro: Rocco.
Fontanals Garcia, David. (2013) La historia de una utopía
fallida. Proyectando una Europa cosmopolita y sin fronteras en
El mundo de ayer: memorias de un europeo, de Stefan
Zweig. Tesis de Maestría. Universidad de Barcelona.
Frazier, Franklin. (1942). The negro family in Bahia, Bra-
zil. American Sociological Review, 7/4, p. 465-478.
Freyre, Gilberto. (1933). Casa-grande & senzala. Rio de Ja-
neiro: Editora Maia & Schmidt.
Garcia Jr., Afrânio Raul. (2011). Les souvenirs d’un euro-
péen: entre le Brésil, Terre d’Avenir et Le Monde d’Hier.
Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 1/186-187, p. 112-
131.
Grin, Mónica. (2002). Modernidade, identidade e suicídio:
o “judeu” Stefan Zweig e o “mulato” Eduardo de Oliveira
e Oliveira. Topoi, 3/5, p. 201-220.
Guerreiro Ramos, Alberto. (1954). O problema do negro
na sociologia brasileira. Cadernos do Nosso Tempo, 2, p. 189-
230.
Hellwig, David. (1992). African-American ref lections on
Brazil’s racial paradise. Philadelphia: Temple University.
Krebs, Edgardo C. (2016). Popularizing anthropology, com-
bating racism: Alfred Métraux at The Unesco Courier. In:
Duedahl, Poul (ed.). A history of Unesco: global actions
and impacts. London: Palgrave/Macmillan.
Lisboa, Karen Macknow. (2014). Entre o passado europeu
e o futuro americano: dois ensaios sobre o Brasil da dé-
cada de 1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 21/1,
p. 317-332.
198
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
198
Lisboa, Karen Macknow. (2011). Mundo novo, mesmo mun-
do: viajantes de língua alemã no Brasil (1893-1942). São
Paulo: Fapesp/Hucitec.
Maio, Marcos Chor. (1999a). Estoque semita: a presença
dos judeus em Casa-grande & senzala. Luso-Brazilian Review,
36/1, p. 95-110.
Maio, Marcos Chor. (1999b). O projeto Unesco e a agenda
das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 14/41, p. 141-158.
Maio, Marcos Chor & Lopes, Thiago da Costa. (2017). Entre
Chicago e Salvador: Donald Pierson e o estudo das rela-
ções raciais. Estudos Históricos, 30/60, p. 115-140.
Métraux, Alfred. (1951). Brazil: land of harmony for all
races?. Courier, 4/4, p. 3.
Oliveira Vianna, Francisco José. (1959) [1932]. Raça e assi-
milação. 4 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
Palhares-Burke, Maria Lúcia. (2012). O triunfo do fracasso.
Rüdiger Bilden, o amigo esquecido de Gilberto Freyre. São Pau-
lo: Edusp.
Peixoto, Fernanda A. (2015). A viagem como vocação. Itine-
rários, parcerias e formas de conhecimento. São Paulo: Edusp.
Pesavento, Sandra. (2001). Stefan Zweig: uma janela para
a história. In: Chiappini, Lígia; Dimas, Antonio & Zelly,
Berthold (org.). Brasil, país do passado? São Paulo: Editora
Boitempo, p. 59-65.
Ramos, Jair de Souza. (2003). Ciência e racismo: uma lei-
tura crítica de Raça e assimilação em Oliveira Vianna. His-
tória, Ciências, Saúde, Manguinhos, 10/2, p. 573-601.
Robbins, Bruce & Horta, Paulo Lemos (eds.). (2017). Cos-
mopolitanisms. New York: New York University Press.
Roquette-Pinto, Edgard. (1929). Notas sobre os typos an-
thropológicos do Brasil. Actas e trabalhos do primeiro Con-
gresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, p. 119-147.
Said, Edward. (1996). Intellectual exile: expatriates and
marginals. In: Representations of the Intellectual. New York:
Vintage Books.
Sansone, Livio. (2011). Turner, Franklin and Herskovits in
the Gantois House of Candomblé: the transnational origin
of Afro-Brazilian studies. The Black Scholar, 41/1, p. 48-63.
199
article | alejandra josiowicz and marcos chor maio
199
Schorske, Carl E. (1981). Fin-de-siècle Vienna. Politics and
culture. New York: Vintage Books.
Skidmore, Thomas E. (1993) [1974]. Black into white: race
and nationality in Brazilian thought. Durham: Duke Univer-
sity Press.
Spitzer, Leo. (2001). Vidas de entremeio. Assimilação e mar-
ginalização na Áustria, no Brasil e na África Ocidental, 1780-
1945. Rio de Janeiro: Eduerj.
Valladares, Licia do Prado. (2010). A visita do Robert Park
ao Brasil, o “homem marginal” e a Bahia como laboratório.
Cadernos CRH, 23/58, p. 35-49.
Zivin, Erin Graff. (2014). Figurative inquisitions. Conversion,
torture and truth in the Luso-Hispanic Atlantic. Chicago: Nor-
thwestern University Press.
Zweig, Stefan. (2014a). A unidade espiritual do mundo. Rio
de Janeiro: Ed. Zahar.
Zweig, Stefan. (2014b) [1942]. Autobiografia: o mundo de on-
tem. Rio de Janeiro: Ed. Zahar.
Zweig, Stefan. (1941). Brasil, país do futuro. Trad. Odilon
Gallotti. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara.
Zweig, Stefan & Zweig, Lotte. (2012). Cartas da América. Rio,
Buenos Aires e Nova York, 1940-1942. Introdução e organi-
zação de Darién Davis e Oliver Marshall. Trad. Eduardo
Silva e Graça Salgado. Rio de Janeiro: Versal.
200
stefan zweig in exile: a cosmopolitan citizen’s interpretation of brazilso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 179
– 2
00 ,
jan
. – a
pr.,
2020
200
STEFAN ZWEIG E O EXÍLIO: INTERPRETAÇÕES DO
BRASIL DE UM CIDADÃO COSMOPOLITA
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar Brasil, país do futuro,
de Stefan Zweig, destacando os nexos que ligam essa obra,
a um só tempo, aos contextos intelectuais brasileiro, nor-
te-americano e europeu, assim como à escrita sobre o exí-
lio, sobre a viagem e sobre o cosmopolitismo. O livro diz
respeito a um diálogo tenso e cheio de desencontros entre
Zweig e o meio brasileiro: entre o horizonte cosmopolita
e multilíngue do autor, sua impossibilidade de pertencer
e seu permanente desajustamento. Concebemos ainda
Brasil, país do futuro como mais um manifesto da agenda
antirracista dos anos 1930 e 1940, fruto dos diálogos cru-
zados que não se limitam ao pensamento sobre o Brasil,
mas a uma pauta intelectual e política internacional em
permanente discussão e circulação nos Estados Unidos e
na Europa, e que tinha no Brasil uma espécie de campo de
experimentação, de certificação, de positivação das re-
lações humanas.
STEFAN ZWEIG, COSMOPOLITAN CITIZENSHIP, EXILE
AND INTERPRETATION OF BRAZIL
Abstract
This article sets out to analyse Brazil, land of the future, by
Stefan Zweig, highlighting the links that connect the book
to the Brazilian, North American and European intellec-
tual contexts, as well as to travel writing, exile and cosmo-
politanism. Brazil, land of the future contains a tense dia-
logue, full of failed encounters, between Zweig and the
Brazilian milieu: between the author’s cosmopolitan and
multilingual horizon, the impossibility of belonging and
his constant feeling of maladjustment. We examine Brazil,
land of the future as another manifesto of the 1930s and
1940s anti-racist agenda, the product of cross-dialogues
that were not limited to the social reflection on Brazil, but
encompassed an international intellectual and political
agenda that was continually discussed and disseminated
in the United States and Europe and that approached Bra-
zil as a field for experimenting, certifying and positivizing
human relations.
Palavras-chave
Stefan Zweig;
pensamento social no Brasil;
identidade judaica;
exílio;
cosmopolitismo.
Keywords
Stefan Zweig;
Jewish identity;
intellectual history;
exile;
cosmopolitanism.
SENTIDOS DA MATERNIDADE EM NARRATIVAS DE PARTO NO RIO DE JANEIRO1
Claudia Barcellos Rezende I
1 Departamento de Antropologia, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-0297-1540
Em cada aniversário seu, a mãe de Milena ligava e falava: “estou lembrando do
seu parto! Que parto maravilhoso!”. Ela não se recordava de todos os detalhes,
mas dizia que teve que ser parto normal porque em Resende, no estado do Rio
de Janeiro, há quase 40 anos, era difícil realizarem cesáreas. Contava que havia
começado a sentir umas dores, foi para o hospital, e Milena nasceu “rapidinho”.
Esse episódio apareceu na narrativa dessa economista de 37 anos sobre seus
dois partos − e assim como Milena, outras mulheres estudadas haviam cresci-
do ouvindo suas mães contarem seus nascimentos.2 Relatar o parto não é prá-
tica restrita a essas mulheres de camadas médias do Rio de Janeiro, mas está
presente também em outras sociedades. Como em várias narrativas, aponta
questões de agência e subjetividade no modo como se fala a respeito de uma
determinada experiência, revelando também concepções pessoais culturalmen-
te específicas. No caso dos relatos de parto, essa prática apresenta também
uma vivência corporal que é específica das mulheres, bem como os valores e
significados que atravessam cada um destes termos – corpo, vivência, mulher.
Concepções de maternidade formam o contexto amplo no qual se inserem es-
sas histórias, seja transformando o parto em rito de passagem para um novo
papel social, seja tomando-o como evento existencialmente significativo para
a parturiente que já se vê como mãe, permeando assim o modo como a mulher
conta seu parto e fala sobre a relação com o feto. Neste artigo, apresento nar-
rativas de mulheres brancas de camadas médias do Rio de Janeiro sobre partos
vividos nos últimos cinco anos, com o intuito de analisar as concepções de
maternidade nelas expressas.
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1017
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
01 –
220
, ja
n. –
abr
., 20
20
202
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
202
Se as narrativas destacam a agência e a subjetividade do narrador, é
importante ressaltar que elas se constroem culturalmente, atravessadas por
relações de poder. Ortner (2007b: 376) entende a agência como parte da subje-
tividade, formulada “enquanto modos de percepção, afeto, pensamento, desejo,
medo e assim por diante, que animam os sujeitos atuantes” e que são mode-
lados e organizados por formações culturais e sociais. A agência, além de ser
constituída por significados culturais de pessoa e do que ela pode fazer, está
sempre circunscrita em relações de solidariedade e de poder. Assim, como des-
taca Ortner (2007a), a agência de projetos é ao mesmo tempo uma agência de
poder – a forma como cada sujeito dispõe diferencialmente de poder para re-
alizar suas metas. Com foco no conceito de projeto, Velho (1981) já havia enfa-
tizado que ele é elaborado a partir de significados e valores culturais e está
inserido em campos de possibilidade. Um projeto está sempre referido “a outros
projetos e condutas localizáveis no tempo e no espaço” (Velho, 1981: 28), que
lhe darão limites.
Recorro a esses conceitos para analisar, neste artigo, como as narrativas
de parto destacam as escolhas feitas em torno da maternidade, o que não sig-
nifica que elas não sejam permeadas e limitadas por valores e relações sociais
mais amplas. Nos relatos das mulheres pesquisadas, brancas com idades entre
37 e 46 anos e carreiras profissionais já desenvolvidas, sobressai o investimento
afetivo no planejamento do parto, muitos deles realizados a partir de uma pers-
pectiva médica humanizada, reforçando uma visão da maternidade como pro-
jeto construído dentro de um campo de possibilidades dado por suas situações
socioeconômicas, formas de conjugalidade e valores morais. O modo como o
feto enquanto bebê3 figura nas narrativas é também significativo, apontando
para concepções sobre o vínculo entre mãe e filho, construído e reforçado a
partir de uma experiência corporal da gestação e do parto vista como necessária.
Assim, discuto como uma forma de subjetividade que valoriza especialmente a
corporalidade (Duarte, 1999) pode tensionar a agência dessas mulheres.
Essas histórias se distinguem das experiências de parto tal como acon-
teceram. A ação seletiva do tempo e da memória, argumenta Halbwachs (1990),
afeta o ato de recontar um evento, marcado também por preocupações presen-
tes e pelo contexto de expressão. O relato de uma experiência torna-se também
uma ocasião em que ela é revivida e recriada, como Bruner (1986) enfatiza.
Nesse processo, ela é moldada por formas de expressão socialmente construí-
das, com unidades organizadas de significados que são acionadas em situações
específicas. O modo de elaborar certos temas, com maior ou menor detalha-
mento ou uso de adjetivos, pode revelar ordens de relevância distintas. Assim,
as narrativas dão ênfase ao narrador – a suas emoções, seus pensamentos,
motivações e ações (Carson et al., 2017; Maynes et al., 2008) –, apresentando
sempre começo, meio e fim, e estão inseridas em tempo e local particulares
(Riessman, 1993).
203
artigo | claudia barcellos rezende
203
Examino essas questões a partir de minha pesquisa de campo realizada
com mulheres brancas heterossexuais de camadas médias no Rio de Janeiro.4
Foram entrevistadas nove mulheres, todas casadas, que realizaram seus partos
nos últimos três anos em um contexto de debates mais amplos sobre sua hu-
manização. Têm formação universitária e profissões como economista, admi-
nistradora, arquiteta, musicista e professora universitária. Dessas mulheres,
algumas tiverem partos normais, outras fizeram cesáreas, mas todas desejaram
a gravidez. Esses relatos integram uma pesquisa comparativa que inclui também
histórias de parto de sete mulheres do mesmo segmento social com idades
entre 60 e 70 anos, que tiveram filhos entre 1970 e 1980, quando começavam a
aparecer grupos de preparação para o parto. Nesse conjunto de 16 mulheres,
havia dois pares de mãe e filha, mas essa relação não foi critério de seleção das
entrevistadas. As mais velhas tiveram em média três filhos, e as mais novas,
dois, e todas são usuárias do sistema privado de saúde no Brasil.
Neste artigo, minha análise se detém nas narrativas das mulheres mais
jovens, pois é entre elas que aparece uma visão da maternidade como um pro-
jeto ancorado na corporalidade. Em alguns momentos, contudo, me refiro às
mulheres mais velhas para realçar, por contraste, certas questões. Todas as
histórias foram contadas para mim, pesquisadora de geração intermediária às
duas pesquisadas. Sou também mãe, fato sabido pela maioria, o que afetou a
maneira como descreviam seus partos.5 Uma vez que leram e assinaram um
termo de consentimento livre, essas mulheres tiveram breve acesso aos obje-
tivos da pesquisa, o que criou um contexto para suas falas e, com relação às
mais velhas, trouxe um tom comparativo a seus relatos. Reforço, portanto, que
as narrativas que analiso ocorreram em uma relação intersubjetiva específica,
em tempo e local particulares.
CONSTRUÇÕES DIVERSAS DA MATERNIDADE
A maternidade é um laço de parentesco que recebe significados distintos, po-
dendo ser entendido como baseado, por exemplo, no compartilhamento de
material genético, na gestação e parto ou na criação e alimentação (Carsten,
2000; Luna, 2002; Pina-Cabral & Silva, 2013). Pode haver uma só mãe ou mais
de uma (Fonseca, 2002) e ser ainda escolhida pela criança (Viegas, 2007). Com-
para-se com a paternidade, especialmente nas sociedades marcadas por papéis
de gêneros demarcados (Carsten, 2004).
Nesse sentido, a maternidade é também um papel social de gênero, re-
vestido de significados e valores cultural e historicamente específicos em tor-
no do laço entre mãe e filho. Badinter (1985) problematizou a ideia de que o
amor materno seria natural e instintual. Ao contrário, com base em documen-
tos e livros históricos, sustentou que, durante muito tempo na burguesia fran-
cesa, havia uma indiferença materna em relação aos filhos, havendo quando
muito predileção por alguns. A construção da maternidade como um vínculo
204
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
204
afetivo se desenvolveu a partir do século XVIII, associada às transformações
na família. Antes, como argumenta Ariès (1981: 231), os pais “se ocupavam de
suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela
contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabeleci-
mento da família”. A nuclearização da família e a delegação da educação das
crianças às escolas contribuíram para o surgimento da família sentimental
moderna, nos termos de Ariès, e para a ideia de amor materno.
No Brasil, a visão da maternidade como um papel social primordial das
mulheres se fortaleceu na década de 1920, impulsionada pelos movimentos
sanitaristas que articulavam higiene, saúde, educação e nação (Freire, 2008). Se
por um lado havia a noção de um instinto materno inerente à condição femi-
nina, aparecia ao mesmo tempo a proposta de que as mulheres precisavam
preparar-se para a maternidade. Nessa preparação, os médicos desempenhavam
o papel fundamental de transmitir conhecimentos científicos sobre a higiene
e alimentação do bebê, para superar práticas tradicionais das amas e comadres
associadas a uma cultura antiga e atrasada (Freire, 2008: 160). A puericultura
forma-se nesse momento, diferenciando-se da pediatria por enfatizar a edu-
cação e a moral vistas como responsabilidades da mãe. Como ressalta Freire
(2008), essa nova elaboração da maternidade acompanha assim a reformulação
de noções de infância, dos papéis femininos e das relações trabalhistas e sociais.
Além das relações de gênero nos espaços doméstico e público, as dife-
renças de classe social na sociedade brasileira afetam também o modo como
a maternidade é entendida e vivenciada, argumenta Scavone (2001). Para as
mulheres de camadas populares, que sempre trabalharam para sustento próprio
e da família, a maternidade tende a vir mais cedo e com sentidos variados.
Segundo Salem (1980), quando o pai é ausente, o filho pequeno a ser sustenta-
do somente pela mãe pode ser percebido como “fardo” e é por ele que ela se
“sacrifica”. Como meio de lidar com essas dificuldades, Fonseca (2002) pondera
que a circulação rotineira de crianças entre redes familiares cria muitas vezes
a percepção de que há mais de uma mãe. Tem havido mudanças entre gerações
de mulheres nesses segmentos, como Machado (2009) argumenta. De acordo
com sua pesquisa com três gerações, a educação formal passou a ser mais
valorizada entre mulheres mais jovens, que já procuram outras fontes de au-
torrealização além das atividades de dona de casa, esposa e mãe (Machado,
2009: 321).
Nas camadas médias, a maior inserção no mercado de trabalho pelas
mulheres aparece associada ao desejo de alcançar estabilidade financeira antes
de ser mãe. De forma semelhante ao estudo intergeracional de Machado, Barros
et al. (2009) mostram como, para mulheres jovens desses segmentos, a mater-
nidade divide a atenção com a realização profissional e se apresenta cada vez
mais como escolha reflexiva, contrastando com o modo como suas mães e avós
a vivenciaram. Para as gerações mais velhas, ser mãe era um papel pouco ques-
205
artigo | claudia barcellos rezende
205
tionado, a ser desempenhado de acordo com códigos preestabelecidos (Almei-
da, 1987). O uso de contraceptivos colabora também para o planejamento e
postergação da gravidez, separando sexualidade de reprodução em um corpo
objeto de controle de um olhar medicalizado (Foucault, 2012). O surgimento de
formas de reprodução assistida na década de 1980 colaborou também para que
mulheres com problemas para engravidar, com frequência em idade acima dos
35 anos, pudessem gerar e gestar seus filhos − além disso, veio a problematizar
a definição de maternidade biológica, nos casos de doação de gametas ou da
chamada barriga de aluguel (Cussins, 1998; Luna, 2002; Ragoné, 1997).
Ainda que se apresente mais como escolha, a maternidade continua
associada muitas vezes a uma condição feminina essencializada, ligada ao cor-
po e à natureza. Os discursos do parto humanizado, disseminados a partir da
década de 1990, ao criticar o uso frequente de procedimentos médicos vistos
como desnecessários, reforçam a visão de um corpo feminino “naturalmente”
preparado para parir (Tornquist, 2002). Russo (2018) ressalta como a materni-
dade, nesse ideário, é apresentada como experiência eminentemente corporal.
De forma semelhante, a amamentação vem sendo valorizada em campanhas
de saúde pública pelo destaque dado à natureza feminina capaz de amamentar,
ato que expressaria um instinto materno de cuidar e dar amor aos filhos (Ca-
doná & Strey, 2014). Essas visões refletem elementos do dispositivo de sensibi-
lidade analisado por Duarte (1999) como parte das sociedades ocidentais mo-
dernas. Nele, destaca-se a busca pelo autoaperfeiçoamento contínuo por meio
da experiência ancorada na sensibilidade emocional e física. Em particular, o
fisicalismo enquanto uma teoria da pessoa considera “a corporalidade humana
como dotada de lógica própria, que deve ser descoberta e que tem implicações
imediatas sobre a condição humana” (Duarte, 1999: 25). Nessa luz, o parto va-
ginal natural vem se tornando desejo de mulheres de camadas médias e traba-
lhadoras (Carneiro, 2015a; Dias, 2016; Hirsch, 2015) ancorado a uma ideia de
natureza feminina a ser vivenciada de forma mais intensa.6 Uma vez que a
gestação já vem sendo considerada parte da maternidade, conforme tenho ana-
lisado (Rezende, 2015a, 2015b), esse evento deixa de ser um rito de passagem,
como em outras gerações (Almeida, 1987; Salem, 2007), para ser valorizado
enquanto experiência física e emocional da mulher.
É importante ressaltar que as escolhas em torno da maternidade acon-
tecem em um contexto de medicalização da gestação e do parto, que se cons-
titui em um conjunto de práticas, saberes e poderes em torno do corpo (Foucault,
2012; Rabinow & Rose, 2006).7 Se, como disse acima, as novas tecnologias re-
produtivas abrem novas possibilidades para mulheres mais velhas terem filhos,
a gravidez passa a ser vivenciada enquanto um estado corporal que deve ser
cuidado por profissionais de saúde, por meio de consultas e exames regulares.
O parto hospitalar, mesmo que em formatos humanizados, ainda é mais comum
em meio urbano. O olhar normalizador da medicina discutido por Foucault
206
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
206
permeia, portanto, essas experiências, mesmo entre aqueles que compartilham
o ideário humanizado do parto. As negociações com médicos obstetras, hospi-
tais e planos de saúde constituem os contextos e os campos de possibilidade
nos quais se inserem os projetos de maternidade das mulheres de camadas
médias.
As narrativas das mulheres jovens entrevistadas destacam uma visão
da maternidade como projeto, que envolve uma série de escolhas feitas com o
marido e às vezes com a família, e negociadas com os médicos. A gravidez e o
parto desejado foram planejados pelo casal após algum tempo de casamento,
quando as mulheres já tinham mais de 30 anos de idade. Predominou nos re-
latos o uso da primeira pessoa do plural não só para falar da gestação, mas
também do parto, do qual os maridos participaram ativamente. Para tanto,
prepararam-se com informações de livros e sites de internet ou frequentando
grupos de gestantes. A escolha do obstetra foi uma questão importante – ele
foi selecionado a partir de recomendações de parentes e amigos e, em muitos
casos, de sua reputação como favorável ao parto vaginal, mesmo que não acei-
tasse plano de saúde, como foi o caso dos que atenderam algumas entrevista-
das. Ainda que a referência às mães tenha sido mais frequente em suas histó-
rias, as escolhas médicas muitas vezes se contrapunham às opiniões maternas,
tendo sido feitas pelo casal. Vários aspectos dos discursos em torno do parto
humanizado figuram em seus relatos, e muitas tiveram partos com médicos
adeptos desse ideário, alguns sem anestesia ou episiotomia, tendo tudo sido
conversado e negociado com elas. Todas tiveram o parto escolhido – algumas
fizeram cesárea na primeira gravidez e depois realizaram parto vaginal. As
dificuldades ou problemas mencionados resultaram de imprevistos na evolução
do trabalho de parto, do comportamento médico, que teria sido mais crítico ou
menos acolhedor, ou da equipe de profissionais do hospital, por contas de regras
preestabelecidas. Com exceção de uma mulher, que preferiu não saber o sexo
do bebê, as demais já sabiam se esperavam menino ou menina, nomeados
desde o início da gestação e mencionados pelo nome ao longo das narrativas.
Como contraste, para as entrevistadas mais velhas, as primeiras gesta-
ções foram desejadas, mas em geral não esperadas, vindo quando tinham 20 e
poucos anos, eram recém-casadas e estavam cursando faculdade. Seus maridos
acompanharam-nas no hospital, mas poucos assistiram ao nascimento dos fi-
lhos. O relato das gestações também não os inclui.8 Suas mães aparecem pouco
nas narrativas, às vezes entrando em cena depois do parto para ajudar no cui-
dado dos bebês. São narrativas em sua maioria na primeira pessoa do singular,
remetida a experiências vividas de forma mais isolada. Nas primeiras gestações,
todas quiseram ter parto vaginal, considerado o “parto normal” na época. Entre
as sete mulheres entrevistadas, apenas duas buscaram alguma forma de prepa-
ro para o parto – uma pela leitura de livros, e outra frequentando um grupo de
gestantes, prática que começava a surgir no Rio de Janeiro. Muitas contaram
207
artigo | claudia barcellos rezende
207
experiências complicadas, com dificuldades ou mudanças no tipo de parto, por
conta de decisões do obstetra feitas sem as consultar, indicando assim uma
relação assimétrica com o médico. A indução do trabalho de parto por meio de
ocitocina sintética, a administração de anestesia geral e o recurso a fórceps ou
extrator a vácuo foram medidas usadas e desaprovadas, levando muitas a mudar
de obstetra na gestação seguinte. O parto foi o momento também em que “co-
nheceram” o bebê, cujo sexo a maioria desconhecia, não tendo sido nomeado
até então. Durante os relatos, o bebê não foi mencionado pelo nome quando
falavam sobre a gravidez e o parto; só depois de nascidos. Para elas, a materni-
dade se iniciou com esse evento e, mesmo assim, só se consolidou subjetiva-
mente algum tempo após o nascimento do primeiro filho.
Aprofundo a seguir os sentidos da maternidade das mulheres jovens
pela análise da relação com o bebê e do planejamento do parto, destacando
respectivamente os modos de pensar o laço de parentesco e o papel social, em
dois relatos específicos. Cada depoimento é exemplar no sentido de trazer à
tona, de forma clara, noções e valores em torno desses temas. São ao mesmo
tempo singulares, como foram todas as histórias.
O FETO COMO BEBÊ E FILHO
Júlia e seu marido planejaram engravidar ao voltar para o Brasil, depois de mo-
rar alguns anos na Europa. Apesar de ter emagrecido por conta dos enjoos, ela
achou sua gestação boa e tranquila, “bem conectada”. Queria muito um parto de
cócoras e se preparou com ioga e um método inglês de respiração. Por conta
desse desejo, trocou de obstetra no meio da gestação, pois percebeu que sua
médica preferia fazer cesáreas. Seu trabalho de parto foi muito rápido – logo
após sua bolsa estourar, as contrações vieram muito fortes e rápidas, mas o bebê
continuava alto. Teve problemas com a equipe médica, que ela qualificou como
“asquerosa”, porque insistia em dar anestesia quando ela não queria ou em fazer
episiotomia quando ela achava desnecessária. Tinha preparado música e luz
especiais para o parto, mas não conseguiu criar o ambiente que queria na sala
de parto por conta das interações com os médicos. Atribuiu ao estresse com a
equipe o fato de o bebê ter demorado a descer. Depois de muita dor e cansaço,
pediu anestesia, e o bebê desceu. O médico disse para ela fazer força, o que não
era bom segundo a técnica de respiração com a qual ela se preparara. Na hora,
ela sentiu que, se não acatasse seu médico, seu filho não iria nascer. Depois ele
insistiu que era preciso fazer o corte do períneo, senão o bebê não conseguiria
passar. Júlia cedeu, e Pedro nasceu. Sua recuperação pós-parto teve complicações
sérias por conta dessa episiotomia, que ela considera ter sido malfeita. Apesar
de ter tido febre durante um mês e ter feito pequenas cirurgias ao longo de um
ano, tinha muito leite para amamentar e Pedro foi um bebê “gigantesco”. Júlia
fala que a relação que desenvolveu com seu bebê na gravidez foi fundamental
para ajudá-la a não ter depressão pós-parto com todas as dificuldades de saúde
208
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
208
que enfrentou. Desde a gravidez se sentia conectada a Pedro − estabeleceu um
diálogo com ele, cantava para ele suas músicas e sentiu que o conhecia desde a
barriga.
Como outras mulheres mais jovens, Julia narra como planejou sua gra-
videz e seu parto, preparando-se por meio da ioga e de técnicas de respiração.
Conta também como buscou um obstetra com reputação de fazer parto normal
e, como algumas, teve queixas sobre o comportamento da equipe médica du-
rante o parto. Seu relato, contudo, foi o mais dramático por conta das dificul-
dades que teve no pós-parto, apontando para suspeitas de erro médico na epi-
siotomia, que causara a infecção no pós-parto e exigira mais de uma cirurgia
nos meses seguintes. A experiência tinha sido traumática a ponto de ela não
saber se teria coragem de enfrentar um segundo parto. O contraste em sua
história estava na figura pacífica de seu bebê, que era calmo e mamava bem.
Segundo ela, foi sua relação com ele, existente desde a gestação, que a susten-
tou emocionalmente durante sua recuperação.
Julia não foi a única a falar de uma relação com o bebê estabelecida já
desde a gravidez. Entre as mulheres mais jovens, o feto era sempre tratado
como bebê e referido pelo nome. Nesse sentido, o contraste com as histórias
das mulheres mais velhas é significativo, havendo, nas narrativas do parto,
poucas referências ao bebê e, quando aparecem, são vagas – a criança, o bebê.
Como naquela época a ultrassonografia obstétrica começava a se desenvolver
e ainda não era uma prática disseminada de cuidado pré-natal, a maioria des-
sas mulheres não sabia o sexo do bebê, que só recebeu nome depois de nascer.
Ressalto aqui que, como são relatos retrospectivos, os nomes dos bebês pode-
riam ter sido mencionados durante suas narrativas sobre a gestação e o parto,
mas não o foram. Como disseram algumas entrevistadas, o parto havia sido o
momento em que “conheceram” seus bebês.
Julia menciona, em sua descrição do parto, como Pedro não conseguia
descer. A nomeação do bebê contribui para sua construção como pessoa, como
já discuti em outro artigo (Rezende, 2015b). Não só seu primeiro nome costuma
ser escolhido cedo na gestação, como também seus sobrenomes, já o inserindo
em uma rede de parentesco. Assim nomeado, o bebê é foco de conversas e
música e, na história de Julia, é percebido como sujeito que faz parte de um
diálogo. A ideia de que é o bebê que ‘resolvia’ nascer em determinado dia ou
finalmente ‘descer’ era comum entre essas mulheres, reforçando uma concep-
ção de sujeito ativo em seu próprio nascimento.
Além de sua percepção como pessoa, o bebê já era frequentemente re-
ferido como “filho”. Nesse sentido, a concepção e gestação do bebê construíam
o vínculo de parentesco entre mãe e filho não só na narrativa de Júlia, mas
também na das demais. Esse tratamento refletia e reforçava a autopercepção
das mulheres como mães desde a gravidez, em contraste com as mulheres mais
velhas, para quem a maternidade se desenvolvia apenas depois do parto. Júlia
209
artigo | claudia barcellos rezende
209
enfatiza que já ‘conhecia’ seu filho quando ele nasceu. Como ela repetiu em
vários momentos, a conexão com seu filho, estabelecida desde a gestação, deu
a ela esteio emocional para lidar com seus problemas de saúde no pós-parto.
Aparece aqui de forma implícita a ideia de amor sacrificial da mãe (Mayblin,
2011), traço que remeteria à ontologia cristã, aproximando esse sentimento ao
amor divino.9 Júlia afirma que suas graves dificuldades físicas não a impediam
de sustentar no corpo o cuidado do filho por meio do leite abundante. Essa
noção permeia também a narrativa de Milena, que discuto a seguir.
A MATERNIDADE PLENA NO PARTO
Milena conta que sempre gostou de planejar tudo. Funcionária pública formada
em economia, optou por fazer um concurso público já pensando na estabilidade
para quando se tornasse mãe. Sempre quis ter filho. Casada com um homem
com um filho do primeiro casamento e que queria muito ter uma menina en-
quanto ela ainda se sentia insegura por conta das “preocupações de mãe”, eles
arriscaram, e ela engravidou logo, aos 34 anos. “Uma gestação muito amada,
muito querida”, que ela sentiu assim que houve a fecundação. Teve uma gravi-
dez tranquila, cantando sempre para seu bebê. Mas ela morria de medo de hos-
pital e não saber quando o bebê ia nascer a fez escolher uma cesárea. Milena
fala que o parto de sua filha foi lindo, pois a equipe respeitou a participação de
seu marido, que fotografou algumas coisas, e a anestesia e a recuperação foram
boas e tranquilas. O nascimento de Maria deu-lhe mais maturidade para lidar
com seus medos de doença, de hospital, de ver sangue. Ao mesmo tempo, sentiu
um “vácuo... como mulher; tinha me faltado vivenciar alguma coisa, a questão
do trabalho de parto, as dores do parto, a espera”. Assim, quando engravidou
pela segunda vez, aos 36 anos, quis um “parto normal humanizado”. Leu bas-
tante, procurou uma obstetra adepta desse tipo de procedimento e teve também
o acompanhamento de uma enfermeira obstétrica. Preparou-se mais “para ser
mãe: eu vivenciei mais essa relação da maternidade”. Entrou em trabalho de
parto e contou como sua filha a ajudava a contar as contrações. Teve um parto
vaginal sem anestesia e muito tranquilo, com a participação de seu marido a
segurando o tempo todo, de uma doula e de uma equipe médica na qual confia-
va plenamente. Ao contrário da filha mais velha, que amamentou com dificul-
dade, conseguiu insistir com o filho. Declarou que “amamentar a mãe tem que
querer muito”, mas teve ajuda da enfermeira obstétrica e, quando eu a conheci,
ela ainda amamentava João, já com um ano e meio. Por conta disso, “mãe e filho
ficam mais agarrados”. Milena cita um livro de uma autora feminista e afirma
que a sociedade cobra muito da mulher, que tem que ser uma boa mãe, uma boa
funcionária. Fala que procura fazer bem seu trabalho, mas voltar para casa e
estar com os filhos se tornaram sua prioridade.
Milena constrói uma narrativa coerente em que sempre houve o desejo
pela maternidade, que pareceu guiar momentos anteriores de sua vida. Em sua
210
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
210
narrativa, a ênfase na articulação dos projetos é clara – desde a escolha da
profissão estável à gestação e ao parto, ao modo de vivenciá-los e de criar os
filhos depois.10 Assim como outras mulheres mais jovens entrevistadas, plane-
jar a vida é um comportamento apreciado e valorizado por Milena. Não à toa,
Rosa, com 65 anos na época da pesquisa, chamava a geração da filha, amiga de
Milena, de “exceliana”, por conta do uso constante de planilhas de Excel para
organizar a vida. Aqui o contraste com as entrevistadas mais velhas é signifi-
cativo, pois embora quisessem filhos, a maioria engravidou cedo, logo após o
casamento, tendo sido uma surpresa perturbadora, e não se deteve na escolha
do obstetra nem do tipo de parto.
Se, nesses aspectos, a narrativa de Milena se aproxima da de outras
mulheres jovens entrevistadas, ela explicita tensões nas suas vivências, por
conta dos modelos de maternidade, da boa mãe especificamente, que exercem
uma “cobrança” na mulher. Ela comentou que, logo no início, se sentia insegu-
ra para ter filho, já por se preocupar como mãe, embora sempre tenha deseja-
do isso. Menciona seu medo da dor, de doença, de sangue, bem como a ansie-
dade com a espera do nascimento, que a levaram a preferir uma cesárea quan-
do de sua primeira gestação. A cesárea depois pareceu não a tornar mãe ple-
namente, daí a opção pelo parto vaginal na gestação seguinte. Conta as dificul-
dades em amamentar a filha, que acabou recebendo “complemento” desde cedo,
fazendo-a buscar apoio no segundo filho. Comenta depois sobre a conciliação
de maternidade e trabalho, declarando que “abriu mão” de fazer carreira e ser
promovida para priorizar os filhos. Ou seja, se a maternidade foi sempre um
desejo, ela teve vários custos para Milena, ainda que essa dimensão negativa
esteja menos enfatizada em sua narrativa.
Ao mesmo tempo em que apontou esses receios e dificuldades, insinua
também um movimento para os superar, principalmente na segunda gestação.
Milena explicita o quanto essa preparação para o segundo parto foi também
uma preparação para ser mãe. Nessa passagem, destaca-se a maternidade como
experiência corporal, muito enfatizada por Milena. Ela comenta já na primeira
gravidez que soube desde a fecundação. Se a cesárea atendeu aos medos, foi
sentida como deixando um “vácuo”. O parto humanizado desejado foi conside-
rado uma forma de vivenciar mais intensamente a maternidade. Sentir as dores
do parto, a ponto de não tomar anestesia, e também conseguir amamentar eram
experiências vistas como, se não necessárias, muito importantes. Essa percep-
ção aparece em outros estudos (Carneiro, 2015a; Hirsch, 2015) e vem associada
a uma visão crítica da cesárea, caracterizada como cirurgia e não como parto.
Trata-se, portanto, de um parto que deve ser vivido de acordo com um modelo
– com contrações, sem intervenções – abraçado por Milena com base em suas
leituras e em sua escolha por uma obstetra adepta do parto humanizado.
Essa dimensão corporal da maternidade, a ser vivenciada de uma forma
específica – no parto vaginal – parece diminuir o sentido de ser mãe de outras
211
artigo | claudia barcellos rezende
211
formas. Embora Milena já tivesse uma filha que a fez se sentir mãe desde a
gestação, parecia-lhe que essa vivência ainda não era suficiente. Mesmo lidan-
do com a internação de sua filha aos dez meses por conta de uma infecção,
faltava algo. Assim, para uma maternidade plena, era preciso não só pôr de lado
seus desconfortos e medos pelos filhos, mas também experimentar esse des-
locamento de si no corpo, suportando, em nome deles, as dores do parto e as
dificuldades da amamentação. Não pediu anestesia porque, segundo sua mé-
dica, poderia afetar o bebê. Ressalto que no relato de Milena não aparece uma
fruição do parto, como entre as mulheres estudadas por Carneiro (2015a), nem
uma narrativa do trabalho de parto guiada por sensações corporais, como apre-
sentado por Julia e outras mulheres, sugerindo o parto como experiência de si.
Seu relato enfatiza sim a percepção de uma vivência física do parto feita em
nome do filho. Essa dedicação ao filho expressava o modelo da boa mãe, reco-
nhecido por ela como cobrança externa da sociedade, mas mesmo assim inter-
nalizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em minha pesquisa, tenho buscado entender como as narrativas de parto, ao
se deter em certos aspectos e não em outros, mostram o que essas mulheres
consideram relevante me contar a respeito de suas experiências. Como Hal-
bwachs (1990) argumenta, a memória é seletiva e sujeita à relação com os outros.
A ação do tempo está imbricada a essa relação com os outros durante os acon-
tecimentos, de modo que deles se lembra ou se esquece com maior ou menor
intensidade, levando Halbwachs (1990: 51) a afirmar que “cada memória indi-
vidual é um ponto de vista sobre a memória coletiva”. Pollak (1992) acrescenta
que a memória sofre também flutuações em função do contexto em que está
sendo expressa, de forma que sua estruturação é marcada pelas preocupações
do momento. Ao se transformar em narrativa, ganha uma forma particular e
incorpora significados e valores coletivos (Riesmann, 1993; Maynes et al., 2008).
Assim, as narrativas de parto lidam com um evento do passado, do qual
se resgatam vivências específicas que são relatadas de formas distintas de
acordo com ordens de relevância socialmente compartilhadas. Se o fato de o
parto ter ocorrido há alguns ou muitos anos pode afetar o que dele se lembra,
para fins de análise, interessa entender o que é rememorado nas histórias e
como é contado. Martins (2005) e Almeida (1987) estudaram respectivamente
as memórias de mulheres de camadas trabalhadoras e segmentos médios sobre
seus partos e comentam como suas narrativas da gestação e do parto são rá-
pidas, com poucos detalhes. Ambas explicam essa forma de narrar não apenas
em relação ao tempo já passado, mas atrelada também ao sentido da materni-
dade para essas mulheres, um papel social a ser desempenhado sem questio-
namento. De forma semelhante, em outro trabalho (Rezende, 2017), analiso
como as narrativas de parto das mulheres mais jovens são mais elaboradas em
212
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
212
detalhes, com muitas referências às sensações e emoções, do que as histórias
contadas pelas mais velhas. Como Martins e Almeida, interpreto que essa di-
ferença se deve não apenas aos efeitos da memória, mas também ao lugar do
parto na vida dessas mulheres, por conta dos sentidos específicos de materni-
dade para elas.
Para as mulheres mais jovens que entrevistei, a maternidade aparece
claramente como projeto conscientemente elaborado (Velho, 1981), em que
gestação e parto são objetos de escolhas cuidadosas. A forma de conjugalidade
– compartilhada e mais igualitária (Salem, 2007) – e a situação profissional des-
sas mulheres contribuem para o modo como esse papel social de gênero é
abraçado. Acontece dentro de uma relação conjugal estável e em um momento
de carreira profissional consolidada, consideradas explicitamente para algumas,
como Milena, condições necessárias para criar os filhos. Com maridos que par-
ticiparam ativamente da gestação e do parto, todas afirmaram dividir com eles
o cuidado das crianças, possibilitando desse modo a conciliação do trabalho
com a maternidade. As narrativas constroem, portanto, uma trajetória conjugal
e profissional planejada de acordo com o desejo da maternidade, refletindo as
possibilidades dadas por suas condições socioeconômicas. A coerência apre-
sentada pode ser efeito da narrativa biográfica, como alerta Bourdieu (1998),
mas destaca de todo modo a ênfase atribuída à agência percebida em torno da
maternidade.
Se exercer o papel social é uma escolha, existem significados e valores
morais que orientam sua vivência. Para essas mulheres, a gestação construía
o vínculo de parentesco com o bebê, tornando-o filho antes de nascer, pessoa
com nome e sobrenome. Representava, assim, o início de suas experiências
como mãe. Diferentemente das mulheres australianas estudadas por Lupton e
Schmied (2013), que relataram com estranheza a hora em que o bebê saía delas,
nas histórias que ouvi, era uma criança nomeada que nascia delas, momento
em geral descrito com muita emoção.
Nesse sentido, o cuidado do filho começava com o modo de conduzir a
gestação e planejar e preparar o parto. Esta forma de vivenciar uma e outro
revelava uma acentuação da agência das mulheres (Rezende, 2015a), que bus-
cavam controlar seus corpos, suas emoções, organizando também seus trabalhos
e espaços domésticos para a chegada dos filhos. Essa ênfase narrativa não ig-
nora os limites dados pela medicalização dos corpos, contexto marcado por
relações de poder e saberes que atravessam o cuidado de si. Não à toa, em todas
as narrativas, sobressai a presença significativa da interação com o obstetra e
demais membros da equipe médica no parto, lembrando o quanto as escolhas
feitas aconteciam dentro de um campo possível dado pelas relações de poder
entre médico e paciente. Como, porém, argumenta Ivry (2010), ao olhar medi-
calizado e suas práticas se agregam significados culturalmente particulares.
Assim, à semelhança das japonesas estudadas por ela, que percebiam os cui-
213
artigo | claudia barcellos rezende
213
dados pré-natais como parte do desempenho da maternidade, vejo no plane-
jamento do parto não só uma forma de controlar riscos e monitorar o corpo
feminino, como também um modo de se dedicar ao bebê. A preparação para o
parto, com leituras, trabalhos corporais de respiração ou acompanhamento de
doulas, constitui um meio de se conectar ao bebê, como afirmaram Julieta e
Milena. Se fisicamente o feto está implantado no corpo da mulher, é necessário
construir com ele um laço afetivo durante a gestação e, depois, no parto e na
amamentação.
Esse processo, segundo os relatos, implicou muitas vezes enfrentar de-
safios pessoais pelo filho. Aqui apareceu outro sentido de maternidade que
envolveu vivenciar corporalmente a relação com o filho – na gestação, ao parir,
ao amamentar. Sem isso, a vivência da maternidade apareceu como incomple-
ta. Embora nem todas as mulheres entrevistadas que tiveram cesáreas tenham
expressado uma falta ou vazio do modo explícito como Milena o fez, muitas
buscaram, mesmo assim, na segunda gravidez, um parto normal, dispostas a
pôr de lado seus medos e sentir as dores do trabalho de parto, nem sempre
tomando anestesia para as aliviar. Todas amamentaram, o que para algumas
foi mais difícil e doloroso do que o parto vaginal.
Enquanto experiência ao mesmo tempo singular e cultural, física e afe-
tiva (Le Breton, 2013), a dor é um fato, e sua experiência implica os vínculos
sociais. Como Carneiro (2015b) discute, a dor nos relatos de parto pode ter
sentidos diversos. Entre as mulheres que ela estuda, a dor física aparece arti-
culada ao sofrimento social, particularmente nas situações em que há proce-
dimentos médicos impostos ou falta de atenção ou cuidado aos desejos da
parturiente. Em sua etnografia, há também mulheres que buscam experimen-
tar o parto e suas dores sem anestesia, como forma de “sentir tudo” (Carneiro,
2015a: 184). Em contraste, no estudo de Salem (2007) sobre os casais grávidos,
a dor do parto é considerada negativa e resultado de “distorções socioculturais”,
como os medos incutidos pelas mães, de modo que, com preparação física e
psicológica, seria possível parir sem dor.
Assim, a vivência da dor no parto nos relatos de Julia e Milena, bem como
de outras mulheres jovens entrevistadas, pode ser entendida como uma forma
de autoconhecimento, daí o destaque dado em suas narrativas a suas sensações
corporais no trabalho de parto. Até onde resistem à dor surge também como
função das relações sociais presentes. Se a presença de marido e doula recon-
forta em todos os relatos, a relação com a equipe médica pode ajudar a aguen-
tar as dores, como aconteceu com Milena, ou piorar a experiência, como no
caso de Julia. Uma vez que já se sentiam mães, a relação com o filho também
afeta a experiência da dor, a ela resistindo pelo bem do bebê. Suportar a dor no
corpo pelo filho, como forma de se tornar mãe, pode reforçar o sentido dessa
experiência física como rito de passagem (Le Breton, 2013; Sarti, 2001), expres-
sando também a ideia de amor materno sacrificial presente na ontologia cris-
214
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
214
tã (Mayblin, 2011). Mesmo que a maternidade para elas começasse na gestação,
ter um trabalho de parto e um parto vaginal e amamentar confirmavam-na de
um modo mais ritualizado e marcado. Assim, como Russo (2018) destaca, não
era apenas a escolha da maternidade que se tornava uma questão, mas também
o modo de a vivenciar.
Nas narrativas de parto analisadas neste artigo, a maternidade se cons-
titui então em uma experiência fortemente corporal, transformando a mulher
em mãe e vinculando-a ao bebê/filho. Essa valorização da vivência no corpo
remete ao dispositivo de sensibilidade discutido por Duarte (1999), que preco-
niza o autoaperfeiçoamento contínuo pautado na exploração de sua corpora-
lidade, entendido enquanto domínio sensorial com lógica própria. Constitui
assim uma visão de pessoa e uma configuração subjetiva nos termos de Ortner
(2007b). Nas histórias examinadas, a gestação acrescida do parto vaginal e da
amamentação torna-se experiência corporal que deve ser vivenciada para que
se instaure a maternidade. Por meio dessas situações, experimentam-se os li-
mites da dor e sua superação, tanto como forma de autoconhecimento como
pelo bem de seus filhos. Ganham assim um valor moral na medida em que se
apresentam como vivências necessárias tanto para a construção do vínculo
com o filho como para o desempenho adequado do papel de mãe. Tensionam,
portanto, a agência dessas mulheres nos seus projetos de maternidade.
Recebido em 10/9/2018 | Revisado em 29/3/2019 | Aprovado em 29/4/2019
Claudia Barcellos Rezende é doutora em antropologia pela London School
of Economics e professora titular do Departamento de Antropologia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Entre suas publicações
estão artigos em coletâneas e periódicos, a organização e apresentação do
volume de ensaios Raça como retórica: a construção da diferença, com Yvonne
Maggie, e Cultura e sentimentos: ensaios em antropologia das emoções, com
Maria Claudia Coelho, e os livros Os significados da amizade: duas visões de
pessoa e sociedade, Retratos do estrangeiro: identidade nacional, subjetividade e
emoção e Antropologia das emoções, em coautoria com Maria Claudia Coelho.
Suas áreas de atuação são: amizade e família, subjetividade e emoção,
gênero, corpo, gravidez e parto.
215
artigo | claudia barcellos rezende
215
NOTAS
1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no 18o
Congresso Mundial da International Union of Anthropo-
logical and Ethnological Sciences (IUAES), em Florianó-
polis, 2018.
2 Os dados pessoais das entrevistadas foram alterados pa-
ra preservar seu anonimato.
3 Em todas as narrativas, em ambos os grupos etários, o
feto era referido como bebê, por isso minha opção por
usar esse termo no texto.
4 Os dados analisados aqui resultam dos projetos de pes-
quisa “Histórias de parto: pessoa e parentesco” e “O par-
to narrado: corpo, subjetividade e relacionalidade”, apoia-
dos pelo Programa Prociência da Uerj e pelo CNPq por
meio de Bolsa de Produtividade.
5 Nas entrevistas com mulheres jovens sobre seus partos
feitas por um aluno meu, a descrição do parto, mesmo
quando cesárea, foi bem mais detalhada do que nos rela-
tos feitos a mim.
6 Carneiro (2015a: 170), contudo, em sua etnografia sobre
grupos de preparação para parto mais natural, destaca
que a centralidade da experiência do parto, para o qual
se prepara ao longo da gestação, ressalta uma busca pela
intensidade que nem sempre está associada à maternida-
de. Algumas de suas interlocutoras gostariam de ter novos
partos, mas não mais filhos.
7 Ivry (2010) apresenta em seu estudo etnográfico da gra-
videz em Israel e no Japão a maneira como significados
culturais atravessam a medicalização do corpo, dando-lhe
características específicas em cada sociedade.
8 Diferenciando-se dos casais estudados por Salem (2007),
que vivenciavam a gravidez em conjunto.
9 Embora Mayblin (2011) desenvolva seus argumentos em
relação a sua etnografia sobre uma cidade no interior nor-
destino, acredito que essa ontologia cristã permeia outros
segmentos sociais na sociedade brasileira.
10 O caráter planejado da gestação – desde a concepção a
seus cuidados e às preparações para a chegado do bebê
– aparece também em minha pesquisa anterior sobre gra-
videz (Rezende, 2015a).
216
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
216
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida, Maria Isabel Mendes de. (1987). Maternidade: um
destino inevitável? Rio de Janeiro: Editora Campus.
Ariès, Philippe. (1981). História social da criança e da família.
2 ed. Rio de Janeiro: Zahar.
Badinter, Elizabeth. (1985). Um amor conquistado: o mito do
amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Barros, Myriam Lins de et al. (2009). Mulheres, geração e
trabalho. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares,
11/2, p. 335-351.
Bourdieu, Pierre. (1998). A ilusão biográfica. In: Amado,
Janaina & Ferreira, Marieta M. (orgs.). Usos e abusos da
história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, p.
183-191.
Bruner, Edward. (1986). Experience and its expressions.
In: Turner, Victor W. & Bruner, Edward M. (org.). The an-
thropology of experience. Chicago: University of Chicago
Press, p. 3-30.
Cadoná, Eliane & Strey, Marlene Neves. (2014). A produção
da maternidade nos discursos de incentivo à amamenta-
ção. Revista Estudos Feministas, 22/2, p. 477-499. Disponível
em <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2014000200005>.
Acesso em 29 set. 2014.
Carneiro, Rosamaria Giatti. (2015a). Cenas de parto e polí-
ticas do corpo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Carneiro, Rosamaria Giatti. (2015b). “Para chegar ao Bo-
jador, é preciso ir além da dor”: sofrimento no parto e
suas potencialidades. Sexualidad, Salud y Sociedad, 20, p.
91-112. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/1984-
6487.sess.2015.20.08.a>. Acesso em 1 set. 2018.
Carson, Anna et al. (2017). A narrative analysis of the birth
stories of early-age mothers. Sociology of Health & Illness,
39/6, p. 816-831. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pmc/articles/PMC5516245/>. Acesso em 2 abr. 2018.
Carsten, Janet. (2004). After kinship. Cambridge: Cambrid-
ge University Press.
Carsten, Janet. (2000). Introduction: cultures of related-
ness. In: Carsten, Janet (org.). Cultures of relatedness. Cam-
bridge: Cambridge University Press, p. 1-37.
217
artigo | claudia barcellos rezende
217
Cussins, Charis M. (1998). Quit sniveling, cryo-baby. We’ll
work out which one’s your mama! In: Davis-Floyd, Robbie
& Dumit, Joseph (orgs.). Cyborg babies: from tecnho-sex to
techno-tots. London: Routledge, p. 40-66.
Dias, Camila Manni do Amaral. (2016). “Aqui a gente é tra-
tada como pessoa, no hospital é como corpo”: motivações e tra-
jetórias de gestantes em uma Casa de Parto pública no Rio de
Janeiro. Dissertação de Mestrado. PPCIS/Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Duarte, Luiz Fernando Dias. (1999). O império dos senti-
dos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na cultu-
ra ocidental moderna. In: Heilborn, Maria Luiza (org.).
Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jor-
ge Zahar, p. 21-30.
Fonseca, Claudia. (2002). Mãe é uma só? Ref lexões em
torno de alguns casos brasileiros. Psicologia USP, 13/2, p.
49-68.
Foucault, Michel. (2012). Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes.
Freire, Maria Martha de Luna. (2008). “Ser mãe é uma ciên-
cia”: mulheres, médicos e a construção da maternidade
científica na década de 1920. História, Ciências, Saúde − Man-
guinhos, 15, p. 153-171. Disponível em: <http://www.scielo.
br/scielo.php?scr ipt= sci_arttext&pid= S0104-5970200
8000500008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 3 jul. 2018.
Halbwachs, Maurice. (1990). A memória coletiva. São Paulo:
Vértice.
Hirsch, Olivia. (2015). O parto “natural” e “humanizado”
na visão de mulheres de camadas médias e populares no
Rio de Janeiro. Civitas, 15/2, p. 229-249.
Ivry, Tsipy. (2010). Embodying culture: pregnancy in Japan and
Israel. New Brunswick: Rutgers University Press.
LeBreton, David. (2013). Antropologia da dor. São Paulo: Ed.
Unifesp.
Luna, Naara. (2002). Maternidade desnaturada: uma aná-
lise da barriga de aluguel e da doação de óvulos. Cadernos
Pagu, 19, p. 233-278.
Lupton, Deborah & Schmied, Virginia. (2013). Splitting
bodies ⁄selves: women’s concepts of embodiment at the
moment of birth. Sociology of Health & Illness, 35/6, p. 828-
218
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
218
841. Disponível em: <dx.doi.org/10.1111/j.1467-9566.2012.01
532.x>. Acesso em 29 set. 2014.
Machado, Maria das Dores. (2009). Subjetividade femini-
na nas famílias dos segmentos populares do Rio de Ja-
neiro. Interseções, 11/2, p. 307-334.
Martins, Ana Paula Vosne. (2005) Memórias maternas:
experiências da maternidade na transição do parto do-
méstico para o parto hospitalar. História Oral, 8/2, p. 61-76.
Disponível em: <http://revista.historiaoral.org.br/index.
php?journal=rho&page = article&op =view&path%5B%
5D=174>. Acesso em 9 mar. 2018.
Mayblin, Maya. (2011). The madness of mothers. Agape
love and the maternal myth in Northeast Brazil. American
Anthropologist, 114/2, p. 240-252.
Maynes, Mary Jo et al. (2008). Telling stories: the use of per-
sonal narratives in the social sciences and history. Ithaca: Cor-
nell University Press.
Ortner, Sherry B. (2007a). Poder e projetos: reflexões sobre
a agência. In: Grossi, Miriam et al (orgs.). Conferências e
diálogos: saberes e práticas antropológicas. Blumenau: Nova
Letra, p. 45-80. Disponível em: <http://www.abant.org.br/
conteudo/livros/ConferenciaseDialogos.pdf>. Acesso em
10 maio 2018.
Ortner, Sherry B. (2007b). Subjetividade e crítica cultu-
ral. Horizontes Antropológicos, 13/28, p. 375-405. Disponível
em:<https://dx.doi.org /10.1590 /S0104-71832007000200
015>. Acesso em 10 maio 2018.
Pina-Cabral, João de & Silva, Vanda Aparecida da. (2013).
Gente livre: consideração e pessoa no Baixo Sul da Bahia. São
Paulo: Terceiro Nome.
Pollak, Michel. (1992). Memória e identidade social. Estu-
dos Históricos, 5/10, p. 200-212.
Rabinow, Paul & Rose, Nikolas. (2006). Biopower today.
BioSocieties, 1, p. 195-217. Disponível em doi:10.1017/
S1745855206040014. Acesso em 22 maio 2017.
Ragoné, Helena. (1997). Chasing the blood tie: surrogate
mothers, adoptive mothers and fathers. In: Lamphere,
Louise; Ragoné, Helena & Zavella, Patricia (orgs.). Situated
lives: gender and culture in everyday life. London: Routledge,
p.110-127.
219
artigo | claudia barcellos rezende
219
Rezende, Claudia Barcellos. (2017). A narrativa como for-
ma de análise da experiência do parto. Trabalho apresen-
tado no Grupo de Trabalho Métodos e Técnicas em An-
tropologia da Saúde, XII Reunião de Antropologia do
Mercosul, Posadas, Argentina.
Rezende, Claudia Barcellos. (2015a). O parto em contexto:
narrativas da gravidez entre gestantes no Rio de Janeiro.
Civitas, 15/2, p. 214-228. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.
15448/1984-7289.2015.2.18947>. Acesso em 10 maio 2018.
Rezende, Claudia Barcellos. (2015b). Nomes que (des)co-
nectam: gravidez e parentesco no Rio de Janeiro. Mana,
21/3, p. 587-607.
Riessman, Catherine Kohler. (1993). Narrative analisys. Lon-
don: Sage Publications.
Russo, Jane. (2018). Padecendo no paraíso: dor, sofrimento
e prazer no ideário do parto humanizado. Trabalho apre-
sentado no 18o Congresso Mundial da IUAES, Florianópolis.
Salem, Tania (2007). O casal grávido: disposições e dilemas
da parceria igualitária. Rio de Janeiro: Ed. FGV.
Salem, Tania. (1980). Mulheres faveladas: “com a venda
nos olhos”. In: Cavalcanti, Maria Laura et al. (orgs). Pers-
pectivas antropológicas da mulher 1. Rio de Janeiro: Zahar
editores, p. 49-99.
Sarti, Cynthia A. (2001). A dor, o indivíduo e a cultura.
Saúde e Sociedade, 10/1, p. 3-13.
Scavone, Lucila. (2001). Maternidade: transformações na
família e nas relações de gênero. Interface, 5/8, p. 47-60.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-3283200
1000100004>. Acesso em 20 jun. 2017.
Tornquist, Carmem Susana. (2002). Armadilhas da Nova
Era: natureza e maternidade no ideário da humanização
do parto. Revista Estudos Feministas, 10, p. 483-492. Dispo-
nível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X20020 002
00016>. Acesso em 15 maio 2018.
Velho, Gilberto. (1981). Individualismo e cultura: notas para
uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro:
Zahar.
Viegas, Susana de Matos. (2007). Terra Calada: os Tupinam-
bás na Mata Atlântica do Sul da Bahia. Rio de Janeiro: 7Le-
tras.
220
sentidos da maternidade em narrativas de parto no rio de janeiroso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 201
– 2
20 ,
jan
. – a
br.,
2020
220
SENTIDOS DA MATERNIDADE EM NARRATIVAS DE
PARTO NO RIO DE JANEIRO
Resumo
Neste artigo, analiso os sentidos de maternidade presentes
em narrativas do parto de mulheres brancas heterossexu-
ais de camadas médias do Rio de Janeiro, com idades entre
37 e 46 anos. Sobressai o investimento afetivo no planeja-
mento do parto, muitos deles realizados a partir de uma
perspectiva médica humanizada, reforçando uma visão da
maternidade como projeto construído a partir de um cam-
po de possibilidades dado por suas situações socioeconô-
micas, formas de conjugalidade e valores morais. O modo
como o feto enquanto bebê figura nas narrativas aponta
para concepções sobre o vínculo entre mãe e filho, cons-
truído e reforçado a partir de uma experiência corporal da
gestação e do parto considerada necessária. Partindo dos
conceitos de Velho e Ortner sobre projeto, agência e sub-
jetividade, discuto como uma configuração subjetiva que
valoriza especialmente a corporalidade da maternidade
pode tensionar a agência dessas mulheres.
THE MEANINGS OF MOTHERHOOD IN CHILDBIRTH
NARRATIVES IN RIO DE JANEIRO
Abstract
In this article, I analyse the meanings of motherhood pre-
sent in the childbirth narratives of white heterosexual
middle-class women in Rio de Janeiro, aged between 37
and 46 years old. The affective investment in birth prepa-
rations comes to the fore, with many of the births involv-
ing a humanized birth, reinforcing the idea of motherhood
as a female project affected by the socioeconomic situa-
tions, forms of conjugality, and moral values of the women
involved. How the baby figures in the narratives is also
revealing of conceptions surrounding the bonds between
mother and child, built and reinforced by a bodily experi-
ence of pregnancy and birth that is seen as necessary.
Based on the concepts of Velho and Ortner of project, agen-
cy and subjectivity, I argue that a subjective formation that
especially values an embodied motherhood can reveal the
dynamic tensions involved in these women’s agency.
Palavras-chave
Parto;
narrativas;
maternidade;
corpo;
camadas médias.
Keywords
Birth;
narratives;
motherhood;
body;
middle class.
Jorge Mattar Villela I
1 Universidade Federal de São Carlos (Ufscar),
Departamento de Ciências Sociais, São Carlos, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-5240-4654
MEMÓRIA E THANASIMOLOGIA POLÍTICA NO SERTÃO DE PERNAMBUCO
INTRODUÇÃO1
Este artigo fala dos mortos nas vidas dos vivos e dos vivos nas vidas dos mortos.
Ele deriva de uma pesquisa posicionada, desde 1999, no sertão de Pernambuco,
especificamente no município de Floresta, localizado na mesorregião do São
Francisco e na microrregião de Itaparica, a cerca de 500km de Recife. Ali, essa
relação entre vivos e mortos é regulada pela memória, pela vingança e pela
política, levando-se em conta a indissociação desses aspectos aos da religião, do
território e, evidentemente, do sangue, da família e, enfim, do parentesco.
O objetivo deste artigo é o de mostrar a necessidade, tão sincera quanto
estratégica, de posicionamento no mundo por meio da constituição e manu-
tenção da memória dos mortos para a fabricação e exaltação de uma família,2
termo cujos sentidos são cambiantes e polissêmicos. Esse argumento é susten-
tado pelo núcleo etnográfico do texto: o personagem de Totonho do Marmelei-
ro, cuja morte ocorreu, segundo os relatos dominantes atualmente, no meado
do século XIX, em meio à caatinga, a 16km da fazenda Ema; esta, por sua vez,
distante 42km da sede municipal de Floresta. Pretendo mostrar que a celebra-
ção recém-criada em sua homenagem funciona como uma mnemotecnia capaz
de celebrar a memória de um morto que, por sua vez, torna-se o meio de enfa-
tizar a unidade, a força e as dimensões de uma família há muitas décadas
posicionada longe da administração de Floresta, mas também de fazer comu-
nidade e de reunir pessoas em torno de um ritual religioso. Essa família é co-
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
21 –
242
, ja
n. –
abr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1018
222
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
222
nhecida como o ‘o povo da Ema’, em certos casos, ‘os Gregório ou os ‘Ferraz da
Ema’. Vale adiantar, portanto, que a exaltação de um indivíduo é o meio pelo
qual uma família se faz e se dá a ver publicamente. Por outras palavras, família
no sertão de Pernambuco se faz por individualização de um ancestral, quer
dizer, de um parente morto.
Vale desde já adiantar que este artigo se insere na produção bibliográfi-
ca e nos debates concernentes à antropologia da política, da família e dos mor-
tos e não nos da antropologia da morte e do ritual. Ele fala de mortos e, mais
particularmente, da relevância dos mortos na vida dos vivos e do que os vivos
fazem os mortos fazerem por eles.
A proposta deste artigo insere-se precisamente nesta discussão, a saber,
a que pretende descrever analiticamente os modos pelos quais os vivos mobi-
lizam os mortos em suas próprias vidas conferindo-lhes uma existência de que
não disporiam não fossem certas incitações dos vivos uns em relação aos outros
em suas vidas cotidianas.
Inicio a análise apresentando as circunstâncias locais nas relações entre
vivos e mortos no que toca às relações familiares e às da política, e sigo pela
análise da memória genealógica, fundamental para compreender essas relações.
Posteriormente, esse aspecto será complementado com a constituição de uma
história que opera por meio da genealogia. Finalizo o texto avançando uma
reflexão acerca da temática bastante geral entre política, família e Estados
nacionais inspirada pela construção de personagens que formam coletividades
e circunscrevem pertenças.
OS MORTOS E A POLÍTICA
Os mortos, assim como as famílias, e os mortos por conta das famílias têm sido
formadores e conformadores das práticas cotidianas e extraordinárias das de-
mocracias modernas e contemporâneas. Os mortos criam lugares, montam ge-
nealogias, estabelecem ligações matrimoniais, formam partidos. Afinal, é com
os mortos que se fizeram, e também se desfizeram, história e consciência nacio-
nais (Detienne, 2010). Em sua memória celebram-se as nações e se estabilizam
as fronteiras. Ela reforça os governos dos povos e os incita contra seus inimigos.
Assim, grandiosas ou acanhadas e a despeito do seu alcance para fora
dos seus objetivos táticos e imediatos, a história política dos países ocidentais
não costumou abrir mão dos usos que os vivos fazem dos seus mortos, sejam
eles indivíduos ou indivíduos coletivos (o espírito de um povo), religiosos ou
laicos (o Mavzolei Lenina, o solo sagrado de Jerusalém). Pelos mortos, constru-
íam-se as individualidades dos vivos em função dos sangues que, misturados
pelo casamento, deram origem à sua força, bravura e lealdade; mas também às
sucessões monárquicas ou senhoriais. Os mortos, portanto, são responsáveis
pela individuação dos vivos desde que estes últimos sejam capazes de manter
a individuação dos seus mortos.
223
artigo | jorge mattar villela
223
O modo de individuação dos mortos levado a efeito pelos vivos diz res-
peito às suas biografias. A seleção do que fizeram e, não menos importante, do
que disseram em momentos decisivos de suas existências para a gravação de
suas memórias. Esse é o cerne do caráter do herói no pensamento europeu: ele
fala e age, e, por suas palavras e ações, é eficaz. Veremos, e nisso reside tanto
para o sertão quanto para demais circunstâncias históricas, a singularidade do
tema de Totonho do Marmeleiro, já que sua individuação efetuada por alguns
de seus descendentes dispensa o relato ou a refacção de sua vida, assim como
atos de palavras que a tenham marcado. Antonio da Costa Araújo, o Totonho
do Marmeleiro aparenta-se às figuras do ancestral fundador, do mártir e do
herói, mas delas distingue-se fortemente. Nominado, a impossibilidade de co-
nhecer sua vida também se distingue da impossibilidade equivalente do herói
anônimo ou desconhecido.
A modelização sertaneja das citações individua e individualiza um an-
cestral. Em muitos casos, essas palavras inscritas na memória e reproduzidas
nas bocas de seus descendentes foram proferidas quando a sua coragem foi
requisitada, quando suas vidas se puseram em risco pela ousadia de sua ora-
tória. Os distingue, portanto, dos parradores, para usar o termo sertanejo, quer
dizer, os que falam no vazio dos acontecimentos, sem fundamento factual, em
que nada nem ninguém é desafiado, em que nenhuma coragem é exigida, em
que a palavra é sem ato e não comporta riscos. ‘A partir de hoje eu sou político’;
‘não vou dar munição a bandido’; ‘Se o capitão [Lampião] for lá [lugar em que
viviam parentes distantes do sujeito de enunciação], saiba que eu vou dar re-
taguarda a eles’. A reiteração de frases como essas fez de alguém o que ele ou
ela é, mesmo morto ou morta; faz de todas as pessoas que se posicionaram ou
foram posicionadas, e assim são reconhecidas pelos demais como seus descen-
dentes, o que eles são ou o que poderão ser, dizer, fazer ou ambicionar.
Esses momentos excepcionais, escritos em textos de duas, três páginas,
é o que se chama de biografia no sertão. O grande modelo desse esquema talvez
seja Wilson (1974, 1978), natural de um município vizinho, dedicado à história
municipal desde 1972. Sua obra realiza essa tarefa ao selecionar “grandes ser-
tanejos”, cujos feitos da vida das armas deram ao sertão e suas famílias o as-
pecto que tinham na época do autor. É o discurso triunfalista de um lugar a
respeito de si mesmo. Seu principal argumento são as vidas desses personagens.
Em muitos dos inúmeros livros de genealogia, alguns dos mais destacados
personagens de cada família recebem a dignidade de ter um breve resumo de
suas vidas e de sua personalidade, relevantes na composição das famílias, mas
não necessariamente na fundação do sobrenome. Essas pessoas muitas vezes
são reconhecidas como um tronco. Em meio às metáforas vegetais dos ramos e
dos troncos circula uma espécie de seiva que é o sangue, um veículo caracteri-
zador do que uma pessoa é, justificativa dos seus atos e gestos e não apenas
da sua aparência, visto que esta não se dissocia daqueles.
224
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
224
É apenas nesse sentido que o modo como se viveu implica o modo como
se deu a morte de um tronco, assim como costuma ocorrer nas biografias dos
heróis nominados, mas não dos desconhecidos. Destes últimos recolhem-se
apenas o modo como a morte lhe foi dada, sem recurso possível à maneira
como conduziram suas vidas. Se o nome não é coextensivo à condição de herói,
o mesmo não pode ser dito dos seus atos, sequer os de palavra. As definições
do verbete “herói” nos dicionários OED, Larrouse e Caldas Aulete, implicam a
existência de uma biografia. Os textos mais clássicos, como o de Thomas Car-
lyle também insistem no tema da biografia associado ao que fizeram ou do que
foram capazes, a partir desta posição de fazer ou de dizer (Jones, 2007). A ex-
tensa literatura acerca do tema insiste nos aspectos coletivos e voluntários da
morte heroica (Rassool, 2004; Albert, 2007; Marschall, 2008). Esses são temas
que afastam a posição de Totonho do Marmeleiro da temática do herói, ainda
que esteja aparentada com ela, levando-se em conta o empréstimo das quali-
dades morais do vaqueiro à sua vida desconhecida (Cubitt & Warren, 2000).
O resgate das biografias dos que caíram anônimos nas batalhas ou em
massacres é uma das lutas empreendidas pela mnemopolítica descrita em traba-
lhos como os de Verdery (1999), Sanjurjo (2013), Petrovic-Steager (2011) e King
(2010). As circunstâncias de individualização e politização da morte do protago-
nista deste artigo parecem-me diferir na organização e nas ênfases da biografia e
da thanatografia, o relato da vida e o relato da morte. Pois o que chamo de thana-
simologia política, o dizer os mortos, baseia-se na vida, mesmo quando a morte é
o ponto nodal do relato e o mote da individualização de um morto. O caso de To-
tonho impede a realização de uma biografia, ainda que insista na thanasimolo-
gia.3 Daí o apelo à condição mais geral e despersonalizada do vaqueiro como meio
de individualização de um personagem nomeado, mas desconhecido.
É, pois, no processo de individualização sob a forma de um tronco, cujo
sangue sempre mistura outros sangues, que uma raça ou família ganha realida-
de e substância. A individualização de um ancestral, por meio de sua celebração
e celebrização, é fundamental para o agrupamento de pessoas cujas linhas de
parentesco atam-se em algum, mas em geral em vários momentos do passado
e em vários pontos do emaranhado genealógico. Até recentemente eu só havia
verificado essa atitude em relação ao parentesco nos casos em que os troncos
já estavam feitos e restava aos vivos apenas esforçar-se para inserir-se sob uma
descendência construída de direito, mas nem sempre de fato (Villela, 2015).
A novidade de alguns anos para cá foi a construção de troncos no pre-
sente. A primeira ocasião pareceu-me uma emulação acelerada dos processos
já entronizados na região. Uma família, proveniente da zona rural de um anti-
go distrito de Floresta, cuja urbanização, bem como a educação formal de seus
jovens, fornecia a ela os meios de criar o seu tronco e de se expor publicamen-
te como uma família digna de reconhecimento público, quer dizer, numerosa e
unida. A ela restava comprovar a sua antiguidade, o que se fez por meio da
225
artigo | jorge mattar villela
225
pesquisa genealógica. A respeito daquele processo, nota-se o esforço conjugar-
se com as possibilidades políticas de um dos membros dessa família que se
candidatara a uma vaga na câmara municipal (Villela, 2015). Sobretudo porque
o êxito dessa candidatura também contribuiu para a confirmação do próprio
esforço de fazer família. Afinal, assim como a família faz política, a política
também faz família (Villela, 2009).
As circunstâncias e a motivação do exemplo a que este artigo é dedica-
do, no entanto, diferem vigorosamente desse caso por três motivos: pela pree-
xistência da família em questão como ramificação da família Ferraz vastamen-
te constatada pela pesquisa genealógica e, consequentemente, pela fixação
prévia desse ramo sob a biografia de um tronco já determinado há várias déca-
das; pela escolha de um novo tronco desvinculado da vida político-partidária e
eleitoral; e pelo fato de a base discursiva da construção do tronco não ser a sua
biografia, mas a sua thanatografia, não a sua vida, mas a sua morte.
FLORESTA, SEUS VIVOS E SEUS MORTOS
Segundo a história municipal, amplamente chancelada pela bibliografia dispo-
nível, cujas publicações são estimuladas por várias administrações municipais,
em 1913 a política florestana foi dividida em dois partidos-família (os Ferraz e
os Novaes) que disputaram as eleições municipais e partilharam o colégio elei-
toral acoplando-se às candidaturas e às coligações adventícias da política es-
tadual e nacional e às suas transformações históricas. Naquele ano, segundo
os relatos constantes em alguns livros de genealogia, política e história, alguns
personagens passam a dirigir a grande divisão efetuada entre políticos e não
políticos nos pleitos e na vida partidária em Floresta (‘a partir de hoje sou po-
lítico’, um exemplo forte de ato de palavra individualizante e formador de tron-
co). Baseiam-se nessa cisão não apenas os grandes sobrenomes capazes dora-
vante de concorrer nos destinos da administração pública, mas as linhagens e
seus descendentes habilitados a disputar cargos eletivos, sobretudo o do Exe-
cutivo municipal.
Esse é o quadro geral das relações entre família e política necessário
para a singularização das circunstâncias de transformação de Antonio da Cos-
ta Araújo em ancestral de destaque (tronco). Pesquisa genealógica e história
municipal se enlaçam formando uma dupla exigência: a de que os mortos sejam
ditos e lembrados forjando e temperando a envolvência de certos descendentes
em sua linhagem e de que esses, por sua vez, habilitados a concorrer a cargos
eletivos, devolvam aos mortos a possibilidade de entronização, num ciclo de
mútua alimentação; a de esquecimento de alguns dos descendentes dos mes-
mos mortos e de outros mortos, de modo a selecionar, por meio da genealogia,
alguns dos pretendentes a cargos políticos. A fabricação da família, por meio
da celebrização dos e das ancestrais, faz-se, assim, uma tripla prática de inclu-
são/exclusão, pelo sangue, pelo partido e pela facção.
226
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
226
Mas a genealogia florestana exige outra forma de fabricação de família
que se pretende liberada da thanasimologia política, do modo político de dizer
os mortos. A segunda parte deste texto será a descrição de um processo de
fabricação de família, o mais espetacular (mas não o único) que testemunhei
em 17 anos de pesquisa de campo na região. Ela se expressa na, mas não se
reduz à, celebração de uma missa em memória de um vaqueiro morto há mais
de 150 anos.
A HOMENAGEM A TOTONHO DO MARMELEIRO
Embora imiscuída nas vésperas das eleições municipais, um dos traços distin-
tivos dessa celebração em memória de um ancestral era a insistência dos/as
organizadores/as em manter a política eleitoral e partidária afastada do even-
to. ‘Sem chapa, sem campanha, pelo amor de Deus’, insistia uma delas.4 E essa
era apenas uma das peculiaridades desse evento.
Essa missa não implicava a invenção de uma família, lembremos, posto
que os Ferraz da Ema, territorialmente referidos à Ribeira da Ema, localizada
no segundo distrito de Floresta, são reconhecidos como uma ‘família antiga’
pelos livros de genealogia da família Ferraz da cidade de Floresta. Seu paren-
tesco com os Ferraz de Floresta é comprovado pela adesão de parte do povo da
Ema à política dos Ferraz, mas também por um ancestral comum, o sogro de
Totonho do Marmeleiro, falecido em 1833. Tanto nos processos eleitorais quan-
to na administração municipal esses ramos costumam acompanhar5 essa política,
quer dizer, o partido dos Ferraz. Não obstante, a sua própria inserção como
família, como descendentes de um tronco, de um fundador, que os habilite a
concorrer a cargos eletivos, ganha ambiguidade em virtude da aliança do ho-
mem até recentemente reconhecido como o mais importante dentre os seus, o
major João Gregório (falecido em 1932), com uma família-política cujo protago-
nismo na administração pública foi substituído pela dos Novaes a partir de
1913: os Carvalho, muito numerosos até hoje, de quem os Novaes herdaram o
antagonismo político com os Ferraz.
A relevância do major mede-se pelo número de descendentes batizados
com seu nome (usado como segundo nome ou como primeiro), até o presente,
mesmo quando se trata de moças, e pelo fato de a Ribeira, o parentesco e a
patronimização de seu prenome identificarem-se ao território, à Ribeira da Ema.
João Gregório Ferraz Nogueira, major da Guarda Nacional, subprefeito de Flo-
resta, tinha relações com algumas das mais importantes figuras da política
vétero-republicana como, por exemplo, Francisco da Rosa e Silva.6 Sua biogra-
fia é vastamente conhecida, assim como seu senso de justiça, seu espírito pa-
cificador e seus conhecimentos de medicina. Características retomadas pelos
seus descendentes para caracterizarem-se e reconhecerem-se a si mesmos
como Ferraz da Ema, como os Gregórios. A ambiguidade da posição política do
povo da Ema deve-se ao fato de alguns dos descendentes imediatos do major,
227
artigo | jorge mattar villela
227
assim como as casas que lhe correspondem, terem acompanhado a ‘política dos
Novaes’. Os que se mantiveram aliados aos Ferraz de Floresta ao longo dos anos
pagaram o seu preço por essa divisão.
De certo modo, a celebração de Totonho como tronco em substituição
ao major João Gregório pode funcionar como correção dessa equivocidade po-
lítica. A missa, portanto, fazia recuar em uma geração o posicionamento do
tronco. Um personagem, sogro de João Gregório, cuja existência é descrita por
vias ambíguas, cuja biografia é desconhecida, cujos descendentes estavam qua-
se dispersos e, enfim, cujo local de nascimento nem sequer era a Ema ou o
segundo distrito ou o município de Floresta. Um defunto, vale lembrar, do qual
não se tinham notícias – nem do corpo, nem do sepultamento, nem dos restos,
nem do kolossós. Suas circunstâncias distinguem-se das dos mortos estudados
por uma antropologia que se atém aos corpos como possibilidades mnemônicas
de atribuição de sentido, significado e fixação de identidades (Sanjurjo, 2013;
Petrovic-Staeger, 2011; Verdery, 1999; Hayden, 1996) que exigem mausoléus,
exumação dos restos mortais, recomposição química da identidade do DNA.
Veremos que a pesquisa dos traços da vida de Totonho são as menos exigentes
e sua aceitação, a mais generosa.
Antonio da Costa Araújo, o Totonho do Marmeleiro, homenageado anu-
almente em uma missa campal em plena caatinga, consta na mais famosa
genealogia da família Ferraz, publicada em meados dos 1990. Filho de Triunfo,
cuja sede municipal é atualmente separada da fazenda Ema por quase 100km,
assim como diversas pessoas de lá, veio casar-se ali, onde também fixou resi-
dência, com uma das filhas do proprietário da antiga Fazenda Algodões, da qual
a Ema é um desmembramento por herança. Vaqueiro de profissão (o que me
parece enigmático, uma vez que era brejeiro7) teria morrido quando do retorno
de uma comitiva, sozinho, no pé de um pereiro, na exclusiva companhia de seu
cavalo e de seu cão fiel, que lhe guardou o corpo do ataque dos carcarás.
Não há confirmação e nem exigência de confirmação dessa história que
se tornou conhecida pela boca, pelos esforços e pelos escritos inéditos de meu
finado amigo Napoleão Ferraz Nogueira, seu Napole, neto do major, que a ouviu
do vaqueiro Genésio de Nato: ‘vaqueiro catingueiro como você eu só vi Totonho
do Marmeleiro’. Foi o que teria dito a Genésio o seu avô, segundo o próprio
Genésio no relato que fez a Napole que, então, concatenou essa história a seus
conhecimentos genealógicos. Segundo um dos filhos de Napole, a descoberta
se deu pelo seguinte diálogo:
Aí Genésio disse assim: vá lá no córrego de Totonho. Aí [Napole] disse assim:
quem é esse Totonho? Aí Genésio de Nato disse que o pai dele contava que tinha
esse vaqueiro que vinha e levou uma pancada, toda a história. Aí [Napole]: ô
xente! Antonio da Costa Araújo [este último sendo o sobrenome de vários paren-
tes próximos de Napole]? Aí ele foi pesquisar. Aí tinha inclusive um livro aí no
cartório com a herança da Bahia. Umas terras que tinha lá inundadas.
228
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
228
Foi assim que Gilson, o atual organizador da celebração, filho de Napole,
guardou em sua memória o primeiro contato de seu pai com Totonho. Motiva-
do pela curiosidade genealógica em torno da sua família, Napole chegou aos
registros da herança e conseguiu obter, por meio de sua persistência e de suas
pesquisas, a indenização paga pela Cia. Hidrelétrica do São Francisco (Chesf)
aos proprietários de terras inundadas pela barragem de Paulo Afonso. E isso é
o que se sabe dessa vida enigmática de Antonio da Costa Araújo, um nome, no
entanto, já mencionado desde a infância de uma das irmãs mais velhas de
Napole, ela também casada no Brejo.8
A partir daí, Napole concebeu uma homenagem ao homem esquecido
nas caatingas, mas ancestral de uma enorme descendência. Ancestral, mas
ainda não tronco, vale adiantar. Essa primeira homenagem foi uma missa à qual,
segundo se diz, compareceram seis pessoas, o padre incluído. Ela foi, sem que
se soubesse ou desejasse, o primeiro passo para a transformação de Totonho
de ancestral em tronco. E essa não era uma missa do vaqueiro, ainda. Era apenas
a marcação de um lugar, a entrada na memória familiar de um personagem até
então perdido e esquecido.
DUPLA CELEBRAÇÃO AOS MORTOS
Foi outra morte, a de Napole, idealizador da celebração e, após a sua morte,
também homenageado, o evento multiplicador da missa anual, maior a cada ano,
e que tirou Antonio da Costa Araújo do esquecimento quase completo. A única
marca deixada por ele era, até então, suspeito eu, cartorial: seu registro de nas-
cimento, de casamento, os de nascimento de seus filhos e os títulos de proprie-
dade de terras. A morte de Napole exigiu de seu filho, Gilson, uma homenagem.
Dizer outro morto, bem conhecido conquanto lateral mesmo em meio ao povo
da Ema, ampliou a celebração, antes doméstica, para um evento público. Os
esforços e os recursos passaram a ser angariados junto ao empregador de Gilson
e a seus primos de outro município, descendentes de Totonho e de João Gregório.
Sua prima Amélia Araújo, figura cada vez mais central na família e na organiza-
ção dos eventos culturais no município, passou a atuar com mais vigor também
como organizadora tanto do evento quanto do livro da genealogia de Totonho
(Ferraz, Araújo & Araújo, 2015) em associação com outro primo, Magno Araújo,
residente em Brasília, uma nova edição a cada ano atualizada pelas pesquisas
genealógicas da e dos autores. A organização do evento e as edições do livro
revelaram e levaram à missa bisnetos residentes em várias parte do estado,
além dos residentes no sertão de Pernambuco, já conhecidos, os homenageados
da edição de 2016. Ademais, as pesquisas decorrentes do evento revelaram bis-
netos e trinetos vivendo fora de Pernambuco e do Brasil. Afinal, sem genealogia,
sem família e sem troncos não se constitui uma genealogia.
Aqui temos este aspecto, relativamente novo, da thanasimologia serta-
neja: a celebração pública dos mortos não exclusiva às famílias políticas e
229
artigo | jorge mattar villela
229
como forma apenas secundária de sua legitimação política. Ela é feita por meio
de efemérides, geralmente nucleadas pela liturgia católica, à qual já retornarei;
são eventos periódicos que ocorrem em datas mais ou menos precisas. Sua
celebração, vale reiterar, é uma das maneiras de congregar e manter reunidas,
com capacidade de ostentação de si, famílias mais tradicionais.
Não custa insistir na ideia de que a própria existência de Antonio da
Costa Araújo remete à sua morte. Foi a sua thanatografia e não a sua biografia
que o tornou célebre, que o fez aparecer no mundo. O destaque do avô de Ge-
nésio era a sua habilidade na caatinga. Mas o que a ela se transmitiu da infor-
mação do pai de Genésio não foi o mesmo de Genésio a Napole, que viria a
descobrir-se descendente desse novo personagem familiar. O que Napole fez
perseverar não foi a sua habilidade. Foi essa forma de morrer sozinho. A solidão
e o esquecimento atraíram o interesse e a piedade de Napole. No livro anual
de sua genealogia, cuja última edição lista os 2.045 descendentes em nove
gerações, não há traço de biografia, quer dizer, nem ações nem atos de palavra.
Ali, como em outros escritos semelhantes, a noção de história é redutível à da
descendência do biografado. No sertão de Pernambuco genealogia é história.
Os textos, que ocupam sete páginas do total de 187, são depoimentos, recapi-
tulações e elogios à celebração, e, enfim, um texto de Napole a respeito de
Totonho que começa pela homenagem “a um vaqueiro que perdeu sua vida no
cumprimento de seu dever”, que “era natural de Triunfo”, que casou com “Ana
de Souza Ferraz” que “morava no sítio Marmeleiro”. Meio de vida, local de nas-
cimento, nome da esposa. Fala também da sua riqueza: era proprietário de 400
mil réis de terras no mesmo sítio e 100 mil réis em Casa Nova, na Bahia, e mais
50 mil no sítio Brejinho, em Triunfo. Fortuna incompatível com a angariável por
um vaqueiro, portanto. Pelas pesquisas feitas nos testamentos, Napole sabia
que Totonho era também boiadeiro e
possuía tanto dinheiro que espalhava nos couros para não criar zinabre [...] Nas
festas juninas sua casa era bastante frequentada, vinha gente de longe para
passear, tal como Dona Marina da Fazenda Modubin, que ficava próximo a Betâ-
nia. Esta senhora, os escravos a transportavam em uma liteira, espécie de andor.
A mesma vinha toda adornada de ouro, até mesmo os dentes que possuía eram
de ouro.
Em seguida, Napole descreve o episódio da morte de Totonho, o trecho
mais longo do texto, visto que as informações sobre a sua vida esgotaram-se:
Até que certo dia partiu uma boiada. Totonho partiu na frente para pegar um boi
nas caatingas, hoje fazenda Lucas, e combinaram para se encontrarem na fazen-
da Bonito. Com três dias, chegou o cavalo. O pessoal af lito foi a sua procura,
encontrando Totonho morto [...] Ele tinha levado uma forte pancada em um pé
de aroeira e veio a falecer. O seu cachorro de estimação estava vigiando o cadá-
ver. Prosseguiram com o seu corpo até a lagoa de Martin Mendes, onde sepulta-
ram, pois nessa época só existia cemitério em Floresta e Serra Talhada.
230
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
230
Napole lembra, então, os 13 filhos que o casal, bisavós do autor do texto,
deixou e a existência de um açude, que supõe ser o primeiro da região, nas
vizinhanças da casa em que morava essa família, signo das terras mais valori-
zadas. Finalmente, menciona enorme descendência, “espalhada por todo o
Brasil”, fazendo com que essa história “faça parte da História do Brasil”. Por
isso, essa “celebração se assemelha com a Primeira Missa [...] aquela grande
cruz, aquelas árvores e aquele areal”.
Embora rara, essa situação não é exclusiva. Ela contém, portanto, alguma
especificidade, curiosamente, nos dois sentidos da palavra: ela é singular e, no
entanto, não é individual. Apela para o interesse renitente na genealogia por
um lado e, por outro, indica linhas de demarcação do parentesco.
MEMÓRIA E HISTÓRIA EM FLORESTA
A primeira tendência faz a genealogia repousar nas bases do virtual integral
da genealogia, o todo completo, conquanto indizível, anterior à declinação dos
nomes e inextensivo do parentesco (Villela, 2004; Villela & Marques, 2016). A
segunda faz da história municipal e genealógica um recorte extensivo (o virtu-
al que se atualiza) do estoque virtual do parentesco concernente às pessoas
que importam aos conjuntos dos que fazem a sua história e, sobretudo, às li-
nhagens em que se inscrevem os e as historiadores/as.
A história municipal e a genealógica em Floresta são feitas nas bases,
digamos, da atividade da história tal como a caracteriza Weber: seus inventa-
riantes interessam-se em certas categorias de acontecimentos, mas, sobretudo,
em certas pessoas que se poderiam chamar, no vocabulário sertanejo, como
também em Weber (1968), de povos. Assim, o povo da Ema se interessa pela
história do povo da Ema, assim como os genealogistas dos Ferraz de Floresta
se interessam mais pelo seu povo. Esse modo de fazer história, por sua vez,
envolve dois aspectos cruciais: o da verdade e o do território.
Em relação à verdade, as historiadoras e os historiadores florestanos se-
guem até certo ponto a antiga fórmula de Langlois e Segnobos (2014), cuja edição
original é de 1897, segundo a qual é preciso enfrentar o passado como um paisa-
gista limpa a realidade verificada de toda poeira e a restitui tal como ele a teste-
munha. A única coisa a omitir da totalidade da paisagem era o pintor-observador,
pois residia nele toda a possibilidade de erro. As leitoras e os leitores florestanos
e os historiadores entre si, no entanto, monitoram a presença do pintor. Porque,
enfim, suspeita-se ali (bem mais do que na França fin de siècle) que toda história
é territorial e, simultaneamente, genealógica e política. A verdade, assim, é cons-
tantemente assombrada pela tendência ao erro ocasionada pelo sangue, pela
família e, correlativamente, pelo território (a casa, a ribeira, o lugar) do pintor. Ela
se faz segundo as tentativas de fazer família, ancestralidade e, não menos impor-
tante, a si mesmo(a) por meio da celebração e celebrização de um ou mais troncos
de uma descendência. As historiadoras e os historiadores florestanos criaram
231
artigo | jorge mattar villela
231
uma membrana em torno das grandes famílias, dos seus locais de nascimento,
dos seus troncos, que as isolavam das demais e atraíam para si, ao mesmo tempo
que afastavam das outras, o interesse e as possibilidades de ação política, assim
como o interesse das e dos demais habitantes. Territorial, portanto, a verdade é
alvo das críticas dos(as) leitores(as) nascidos(as) em outros territórios, que os(as)
diferenciam e, em certos casos, alijam das cadeias discursivas do parentesco, ao
passo que eles(as) se sabem incluídos(as) no estoque inextensivo (virtual) do
sangue (afinal, ali ‘é tudo braiado’; todo mundo é parente de todo mundo).
O processo de transformação de Totonho em tronco é um movimento ca-
paz de romper essa membrana, de resto, aqui e acolá, quebrada por movimentos
semelhantes, embora distintos na forma e na tática. Ao contrário das demais,
baseadas na biografia, não custa insistir, foi sua morte a forjadora de seu caráter,
o caráter tomado de empréstimo da figura ideal do vaqueiro, modo de vida que,
inversamente, acarretou sua morte. Totonho, lembremos, segundo Napole, mor-
reu no cumprimento do seu dever. No mesmo livro, após a foto de Napoleão sen-
tado na calçada de sua casa, talhando suas esculturas de pedra-sabão, segue-se
a toada escrita em homenagem ao falecido vaqueiro. O que lhe reservou a voz do
poeta foi a sua profissão (ainda que sua riqueza o aproxime mais de um boiadei-
ro), o destemor, a lida com os animais, a firmeza; mas também sua vasta prole e
o nome de sua esposa. Das seis estrofes, no entanto, três são reservadas à sua
morte, a face mais conhecida e extraordinária de sua vida, roteiro da morte que
traslada do esquecimento à glória uma vida quase desconhecida. Na impossibi-
lidade de o fazer por sua vida individual, faz-se pela do futuro que plantou em
sua prole, mas, sobretudo, pela sua atividade, a de vaqueiro. Não foi a vida de
Totonho como vaqueiro que inspirou a sua homenagem. A expressão cerimonial
da consolidação da sua existência só após a morte de Napole foi transformada
numa missa de vaqueiro. Houve certa deriva da posição de um ancestral de uma
família específica à condição de um personagem a quem se acopla a celebração
de um ideal sertanejo, a figura do vaqueiro, uma imagem do próprio sertão, ao
mesmo tempo em que se afasta dele a figura do boiadeiro rico.
Este último aspecto é fundamental para a compreensão da homenagem
à memória desse homem. Ele confere singularidade ao modo como os Ferraz
da Ema entendem-se e se mostram como família, cuja descendência de Antonio
da Costa Araújo faz particularmente grande e unida e que se celebra ao mesmo
tempo em que celebra o seu (novo) tronco. A imagem do vaqueiro, como foi
recentemente mostrada por Pereira (2017), dispõe da propriedade de eternizar
o tempo. Ela consiste, portanto, num oximoro. O desfile da vaqueirama, uma
parada que atraiu a atenção de todas as 500 pessoas − mesmo a dos candidatos
às eleições municipais e dos(as) políticos(as) (incluídos um deputado federal e
outro estadual), que aproveitaram o ajuntamento para ajustar os compromissos
com os eleitores, mostrar-se e angariar novos votos − fez a audiência deparar-
se consigo mesma, com o que mais deseja de si, com a sua condição mais
232
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
232
gloriosa e bela. Todos voltados para a procissão dos vaqueiros, a atividade que
abriu a celebração, contemplavam um modelo. O vaqueiro é uma imagem, em-
bora em movimento, descarnada dos acontecimentos cotidianos. O couro que
reveste a pele dos homens os libera dos juízos e das avaliações. Na parada, a
despeito de quem são em suas vidas corriqueiras − até se são “vaqueiros, va-
queiros mesmo”, como diz Pereira (2017: 22) −, quem os vê apenas testemunha
não os sertanejos, mas o sertão inteiro, indiviso, em que o tempo, ao contrário
dos animais, não se pode marcar.
Em 1924, conforme me contou um de seus sobrinhos, João Gregório, na
época do caso e do seu relato, grande tronco do povo da Ema, recebeu de Virgu-
lino Ferreira, seu antigo vizinho, uma carta solicitando a retirada dele e de
todos os parentes da ribeira por conta do parentesco que tinham com seus
inimigos residentes na vila em cujo distrito a Ema encontra-se até hoje. Só
seria permitida a visita periódica de um vaqueiro que, se encourado, não so-
freria agressões e poderia olhar o gado livremente. A indumentária do vaquei-
ro é mais do que uma segunda natureza, é uma segunda pele que se solda às
aspirações dos sertanejos todas as vezes em que ela é instada a atuar. Cada vez
mais nas missas, portanto, antes do litúrgico e do festivo, ela é chamada a se
manifestar num desfile. Porque sua imagem eterna, da bravura, do desassom-
bro, do sofrimento e da humildade, ressoa na imagem que o sertão faz de si
mesmo sob circunstâncias equivalentes. E é na missa do vaqueiro, na liturgia
cristã, que essa figura conflui com o fundo que a inspira.
A MISSA
A missa de Totonho é uma homenagem a um vaqueiro, e a liturgia é entrecor-
tada pelo ofertório dos couros: o peitoril, as luvas, as perneiras, o gibão, o cha-
péu, o cabeçal e o arreio. Após a Eucaristia com a hóstia consagrada, o mesmo
gesto é repetido, mas com a distribuição de queijo coalho e rapadura, que ra-
tifica a comunhão dos vaqueiros entre si. Ao Pai Nosso é acrescentado o Pai
Nosso do Vaqueiro (como, de resto, ocorre em todas as missas do vaqueiro).
A missa em memória de Antonio da Costa Araújo é uma missa do vaquei-
ro como as que acontecem em todo o sertão, liturgia inaugurada pela missa do
vaqueiro de Serrita em homenagem à morte de Raimundo Jacó, primo de Luiz
Gonzaga, o “rei do baião”, em consequência de uma intriga de famílias, quer
dizer, uma sequência de vinganças de sangue cujo fundo é movido por laços de
parentesco. A partir desse modelo, as missas do vaqueiro multiplicaram-se por
muitos municípios e vilas sertanejas e seguem uma sequência que, ademais da
estrutura brevemente descrita acima, são acompanhadas por toadas que home-
nageiam o modo de existência vaqueiro pela sua dureza, força, resiliência à dor
e ao sofrimento e presentificam a memória de alguns dos vaqueiros mais ilus-
tres da história sertaneja.9 As missas do vaqueiro são memoriais, no sentido
estrito da palavra, sem os monumentos de pedra e cal: homenagens aos vaquei-
233
artigo | jorge mattar villela
233
ros que morreram. Assim como, de resto, veremos ao fim deste artigo, é o ritual
da Igreja católica, um memorial ao mais importante de seus mortos em que a
forma da morte como lhe foi dada tornou-se central, mas que não teria alguma
importância não fosse o modo como conduziu a sua vida, até mesmo na prepa-
ração da sua morte. A missa para Totonho exigiu, vimos já, uma deriva da posi-
ção de Totonho à de vaqueiro. Napole o caracterizara como boiadeiro e vaqueiro,
mas não dedicara a ele uma missa de vaqueiro.
E foi como vaqueiro, não como político, que Totonho, celebrado em seu
local de morte e não de nascimento, tornou-se o tronco da família Ferraz da Ema.
Nem como político nem como homem de armas; para fazer família os Ferraz
da Ema recrutaram a imagem do vaqueiro – a figura mais relevante de toda a
ecologia mental do sertão – e empregaram, como meio desse recrutamento, um
homem cuja importância, salvo para a sua casa, era discreta, o nosso amigo
Napoleão Ferraz Nogueira. A modéstia, a mansidão, o comunitarismo dos Ferraz
da Ema exigiam uma figura como essa: catingueiro, discreto até o momento de
descoberta de sua morte, mas de uma prole imensa, grandeza de alma e rique-
za de espírito (a de moedas e rebanhos não foi enfatizada, salvo no breve texto
de Napole, como vimos) tomadas de empréstimo de uma vida que não foi a sua.
Vale repetir que essa não é obra do calculismo. Não há indícios de que, para
Napole, idealizador da homenagem, o objetivo fosse criar um tronco novo para
o povo da Ema. Nada no discurso e no planejamento que agora organiza o
evento transparece o interesse em ‘entrar na política’.
Uma descrição do ambiente da missa, muito mais do que a do ritual,
poderá esclarecer melhor alguns desses aspectos. Nessa missa campal, uma
grande tenda abrigava o altar e o que seria a nave da igreja, onde se dispunham
as cadeiras de plástico para que os fiéis se sentassem. O lado de fora, desco-
berto, ao sol, era o lugar dos vaqueiros encourados escanchados em seus cava-
los, distribuídos ao redor da tenda após seu desfile que fez parar toda a assis-
tência. À sombra do arvoredo trabalhavam os políticos, candidatos ao pleito de
outubro de 2016, e os que pretendiam com eles negociar seus votos, alheios às
homenagens que se iam prestar em seguida. Sob a tenda, em agitação, os e as
responsáveis pela missa disputavam a atenção da audiência para dar início à
cerimônia quando o conjunto musical começou a cantar as toadas em home-
nagem a Antonio da Costa Araújo.
Além dos versos já mencionados, a toada cantava seu cavalo selado che-
gando na casa da “família”, que o procurou “pelo rastro do cavalo acharam
debaixo de um pé de pereiro. O cachorro companheiro ali estava sentado”. Se-
pultado ficou mesmo “na lagoa de Martin Mendes”, onde “sempre será lembra-
do” aos 25 de agosto “a missa vamos celebrar, com bravura de vaqueiro, Totonho
do Marmeleiro vamos homenagear”. Enfim, após a marca de sua morte, o traço
de sua vida: “todos os descendentes saibam que esse herói vaqueiro e a turma
que homenageia tem sangue nas veias de Totonho do Marmeleiro”. Outra toa-
234
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
234
da conta que a celebração a Totonho “vem trazendo união” e sentir a emoção
de “ter sangue de vaqueiro”. “Antonio”, segue a toada, é a “semente que nos
traz e nos faz sentir mais família”. “A missa firma um contrato entre todos os
parentes, todo ano, mês de agosto, dê um jeito minha gente, último domingo
do mês”, é preciso “estar aqui novamente”.
A esses cantos seguiu-se a liturgia propriamente dita. Às leituras de
Lucas 14 e do Eclesiástico 3, que enfatizam a humildade,10 seguiu-se a homilia,
que enfatizou a modéstia de Totonho, emprestada de um dos traços do ofício
de vaqueiro e do povo da Ema, e a grandeza que a determinava contrastando-as
com a pequenez dos que desejam estar em primeiro plano, com os arrogantes
e querelantes. Salvo nos bancos da igreja, dizia o padre, todos desejam sentar-
se à frente. Quando estão as autoridades, os políticos, todos desejam as pri-
meiras filas. Ao redor, muitos dos ouvidos eram de mercador. Fora da tenda o
único interesse eram os votos. Soubesse ou não o que se iria passar ali, a ho-
milia acertou em cheio tanto da indireta aos candidatos quanto ao modo como
o povo da Ema gostaria de se ver exposto publicamente e como se entende a si
mesmo, conforme já mencionei.
A missa, portanto, é uma dupla homenagem: ao vaqueiro e à prole de
Totonho. Em ambos os casos, esse é o único recurso de a ele emprestar uma
vida que só é conhecida pela sua morte. Podemos notar que, ao contrário dos
heróis, cuja morte aparenta-se aos atos de heroísmo, em certos casos físicos,
em outros discursivos, no caso de Totonho, seja-me desculpada a iteração, é a
morte apenas que o liga à vida de vaqueiro e à da sua descendência.
OS VIVOS E SEUS MORTOS
Tudo isso, é claro, dá a aparência do cálculo e da estratégia. Como no caso das
leituras e da homilia, tática, improviso e alguma implausibilidade descrevem
melhor como as coisas acontecem. Ao celebrar a primeira missa, Napole, de-
certo, não visava ampliar a capacidade eleitoral de algum parente, muito menos
do lado dos Ferraz, uma vez que fora, durante toda a vida, seguidor dos Novaes
da Fazenda Santa Paula e, daí, dos Ferraz do Nazaré (a vila que dista uma légua
da Ema, célebre pelas lutas contra os irmãos Ferreira e depois contra o seu
desdobramento, o cangaço de Lampião). Apesar de ‘se assinar Ferraz’, João Gre-
gório não aderiu à política dos Ferraz. Napole queria celebrar um de seus mortos,
retirá-lo do esquecimento e do isolamento na caatinga. Totonho não estava
num cemitério, juntos aos seus, na proximidade dos que foram do seu sangue;
seus restos deixados na caatinga não se reuniram, na morte, ao povo da Ema,
em sua própria terra, no cemitério ali construído visando a esse fim. Sequer
estava sepultado em seu sítio, como ocorre em certos casos. Esquecido na
mente, esquecido em monumento.
Eis aqui um ponto central da thanasimologia. A memória-lembrança
(para usar o conceito bergsoniano11) é o lugar de contração de vivos, mortos,
235
artigo | jorge mattar villela
235
política e história. Entre minhas amigas e meus amigos de Floresta, para citar
Marques (2013: 720), “as relações de parentesco sublinham todos os relatos do
passado”, sejam eles territoriais, oficiais, políticos ou das vinganças. Se lembram
Weber, Langlois e Segnobos, já citados, a memória, a história jordanense também
se formulam como as dos Wolof (Irvine, 1978), e as dos Nuer (Evans-Pritchard,
1978): elas falam das relações capazes de atualizar-se e reconhecer-se no tem-
po; mas fazem essa mnemotécnica genealógica fazer passado histórico. De
modo que as e os genealogistas sertanejas(os) funcionam como agentes polí-
ticos que colaboram com os processos de composição e dissolução familiares.
Com toda razão, pode-se argumentar que não há especificidade nisso. E,
de fato, essa é uma das principais contribuições que a thanasimologia serta-
neja pode trazer às reflexões acerca do Estado, um dos objetivos, embora late-
ral, deste trabalho. Os Estados nacionais fazem-se empregando essa entre ou-
tras táticas de manutenção, como afirma Nora (1986), um dos maiores avalistas
da religiosidade cívico-nacional francesa. Afinal, duas figuras se desprendem
quando o Estado-nação é reclamado numa etnografia que descreve as relações
entre memória, homenagens e família: a dos já mencionados heróis e a dos
mártires. Totonho, tal como foi recuperado pelo povo da Ema, é próximo, mas
irredutível a esses dois personagens.
Vejamos primeiro o caso dos mártires. Ikechukwu (2017), para um exem-
plo africano e, portanto, não distante de nós, mostra como no cristianismo os
santos foram tratados como mortos-vivos sem os quais a Igreja não teria so-
brevivido por tantos séculos, e para isso os martírios muito colaboraram e as
relíquias dos mártires são ainda objetos centrais de culto e cobiça. A liturgia
cristã, sobretudo a eucaristia, é destinada à lembrança de um morto, o mais
relevante, o mais empregado ao longo da história. Segundo os evangelhos, esse
é um ato feito por uma demanda do próprio homenageado: que se faça isso em
minha memória. Totonho assemelha-se ainda aos mártires no aspecto da de-
riva da personagem dos mártires como indivíduos para o coletivo, conforme
defendem Souza e Ciccarone (2012), acerca das romarias do Mato Grosso, ainda
mais próximo de nós. A Totonho, ao contrário, por conta de ser passível apenas
de uma thanatografia, se lhe impõem o movimento contrário: o coletivo pre-
enche todas as camadas do indivíduo, dá a ele uma biografia impossível de ser
resgatada. Ele é humilde, modesto e cumpridor, tanto quanto os vaqueiros e o
povo da Ema. Ademais, como bem lembra Albert (2007), o mártir define-se como
alguém que entrega a vida, por consentimento, à morte certa para servir aos
interesses da coletividade. Nenhum desses traços define a morte de Totonho,
já que a vida é desconhecida, salvo por seus traços e pelo registro cartorial.
Os heróis congregam, fazem comunidade. Suas vidas, atos e palavras
vulcanizam-se com certos objetivos de governo das pessoas e das coisas e são
transliterados de modo a selecionar um conjunto de imagens e efetuar um
feixe de relações de umas às outras. Vimos que Totonho funcionou para agregar,
236
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
236
por meio do argumento do sangue, mais descendentes do que o tronco anterior
do povo da Ema, João Gregório. Para um cenário em Nómeque, Andes colombia-
nos, onde estão em vigor vinganças de sangue, Alvarez (2001) mostra a vingan-
ça associada ao culto do herói faccional, como ocorre no sertão de Pernambu-
co, ainda que a associação de política e família tenda a expandir essa condição
às façanhas públicas municipais. Totonho, mais uma vez, não sendo herói, não
se atém a uma família, mesmo que a homenagem seja construída a partir do
modelo familiar-genealógico.
No sertão, não é a nação o valor mais universalmente legítimo da vida
política, ao contrário da formulação excessivamente geral de Anderson (1991.
Ali, a família e o parentesco não são elementos de um conjunto metafórico e
metonímico acionado pelo Estado-nação, como preferiu até recentemente uma
certa antropologia do Estado (Anderson, 1991 e, com outra abordagem e obje-
tivos, Herzfeld, 1985). Ela tampouco é um “lugar privilegiado para organizar a
interface entre Estado e indivíduo”, como bem sintetizou essa abordagem San-
jurjo (2013: 106).
O que torna os estudos da família, da política e dos mortos em Pernam-
buco relevantes para os debates concernentes a esses temas em antropologia
é sua evidente rearticulação, uns em relação aos outros. No sertão de Pernam-
buco, a família lança mão de práticas e símbolos do Estado-nação para fazer-se.
Ali, o Estado-nação é metáfora e metonímia. As famílias dispõem de heróis
capazes de fundar linhagens políticas, de emprestar coragem e competência a
descendentes por meio de seu sangue, seus enunciados e suas batalhas. Estes
dedicam àqueles homenagens, canções e celebrações. Ainda nesse cenário sin-
gular, surgem outras singularidades, como essa de Totonho e do povo da Ema.
Amigos e amigas pertencentes a ‘famílias antigas’ no sertão de Pernam-
buco têm elaborado críticas à expressão pública do luto por meio das celebra-
ções abertas e da exposição de banners com imagens dos mortos, uma das no-
vidades nas relações dos mortos com os vivos. Uma democratização, digamos,
da possibilidade de prestar homenagens públicas a mortos que não são públi-
cos. ‘E o sentimento?’, duas das pessoas com quem conversei a esse respeito
perguntaram. A ideia é a de que a dor interna que a falta do morto faz sofrer é
substituída pela ostentação do amor. Defendi a ideia de que a relação com quem
morreu precocemente era doméstica, própria ao ambiente da casa (Villela, 2015).
Essa crítica à deriva para o exterior na homenagem aos mortos confirma essa
análise, mas diagnostica uma transformação no processo.
Esse tema é o mais geral da “veneração dos ancestrais”, para usar a ex-
pressão do mesmo Ikechukwu (2017: 39). No sertão, veneram-se os que se ligam
a si, de modo que a recordação se reverta num fluxo mútuo de lembrança e
prestígio. Isso se fez com personagens públicos, por conta de suas ações públi-
cas, recordados em virtude de seu impacto público. Ao longo dessas quase duas
décadas, eu só havia testemunhado esse esforço por meio da política propria-
237
artigo | jorge mattar villela
237
mente dita. Aqui se encontra a singularidade da celebração dos Ferraz da Ema.
Um desvio não político, simultaneamente religioso (uma missa campal) e ligado
à mais profunda e impactante tradição sertaneja, segundo os próprios sertane-
jos: o vaqueiro. Essas duas figuras inquestionáveis, circunstancialmente de al-
cance geral e inclusivas, permitem a adesão completa de não importa que famí-
lia precisamente porque a produção não se dá em meio à disputa e à concorrên-
cia. A paz, a hospitalidade, formam, para os Ferraz da Ema – fazendo a transpo-
sição funcional e terminológica que o artigo propõe – o seu caráter nacional; o
que os caracteriza como o povo da Ema: os descendentes do major João Gregório
que carregam em seu sangue a benevolência, o pacifismo e a generosidade. Não
está ao alcance de ninguém a antecipação dos possíveis engajamentos, provei-
tos e vantagens políticas que ela poderá, doravante, ensejar.
Este texto é inteiramente dedicado ao povo da Ema em geral, em especial
às casas do Jericó e do Açude Novo que me entregaram ao longo desses anos o
mais belo de todos os sertões.
Recebido em 19/3/2018 | Revisado em 22/3/2019 | Aprovado em 10/6/2019
Jorge Mattar Villela é antropólogo, professor-associado
do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. Doutor
em antropologia pelo PPGAS-Museu Nacional. É autor,
entre outras publicações, dos livros O povo em armas,
Política e eleições no sertão de Pernambuco e Ordem pública
e segurança individual.
238
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
238
NOTAS
1 Agradeço à Fapesp o financiamento do projeto “As Impli-
cações das Vidas dos Mortos nas dos Vivos” (proc.
016/03846-6), entre 2016 e 2018; as leituras e correções de
Amelia Ferraz e Gilson Ferraz, organizadores da missa em
Floresta; os comentários e sugestões das antropólogas
Fernanda Peixoto, Ana Claudia Marques, Sara Munhoz,
Dibe Ayube e Jacqueline Lima e do antropólogo Antonio
Rafael Barbosa. Os equívocos, sabe-se, são todos meus.
2 Os termos em itálico pertencem à grade conceitual das e
dos personagens desse artigo. Aspas simples são usadas
para suas citações. Aspas duplas para citações de outras
autoras e autores de publicações citadas na bibliografia.
3 Existe, é claro, a possibilidade de uma thanasimologia
que se dirije à vida dos mortos como tais, mortos. A esse
respeito, ver, por exemplo, Lima e Vander Velden (2018).
4 O aspecto da campanha durante a missa será apenas men-
cionado quando necessário, pois sua descrição foge ao
interesse deste artigo.
5 O verbo eleitoral acompanhar, mais do que o voto, envolve
apoiar, gostar, se engajar.
6 Deputado geral no Segundo Reinado, deputado constituin-
te da República, duas vezes presidente da Câmara dos
Deputados, eleito para o segundo mandato, para que se
tenha alcance de seu prestígio, mesmo vivendo na Europa
e, enfim, vice-presidente sob o mandato de Manoel de
Campos Salles.
7 Embora situados na mesma microrregião de diversos mu-
nicípios sertanejos, o Vale do Pajeú, triunfenses conside-
ram-se brejeiros, pois uma parte do município localiza-se
numa altitude de 1000m. Seus terrenos em pequenos pla-
tôs formam uma estrutura fundiária muito diferente da
sertaneja, assim como os cultivos e as criações de ani-
mais. Por este motivo, a ausência quase completa de caa-
tinga e grandes propriedades fundiárias, não há e nunca
houve vaqueiros ali.
8 Ana Claudia Marques em comunicação pessoal
9 São escassas as publicações sobre missas do vaqueiro:
Lima (1991) e Lima, Torres e Prazeres (2016).
239
artigo | jorge mattar villela
239
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Albert, Jean-Pierre. (2007). Martyre et mort volontaire en
Europe. Bulletin of Death and Life Studies, 3.
Alvarez, Santiago. (2001). Enterrando heróis, patriarcas,
suicidas e traidores. Mana, 7/2.
Anderson, Benedict. (1991). Imagined community. London:
Verso.
Bergson, Henri. (1934). Matière et mémoire. Essai sur la ré-
lation du corps à l’esprit. Paris: Félix Alcan.
Cubitt, Geoffrey & Warren, Allen. (2000). Heroic reputations
and exemplary lives. Manchester: Manchester University
Press.
Detienne, Marcel. (2010). L’identité national, une enigme. Pa-
ris: Gallimard.
Evans-Pritchard, Edward. (1978) [1940]. Os Nuer. São Pau-
lo: Perspectiva.
Ferraz, Gilson; Araújo, Maria Amelia & Araújo, Magno.
(2015). Antonio da Costa Araújo (Totonho do Marmeleiro). Sua
história e seus descendentes. Floresta: [s.n].
Hayden, Robert. (1996). Imagined communities and real
victims: self-determination and ethnic cleansing in You-
goslavia. American Anthropologist, 23/4.
Herzfeld, Michael. (1985). The poetics of Manhood: contest
and identity in a Cretan mountain village. Princeton: Prince-
ton University Press.
10 14,1.7-14: quem se elevar será humilhado; que se humilhar
será elevado. “Jesus notou como os convidados escolhiam
os primeiros lugares...”; Eclesiástico, 3: “Sê humilde e en-
contrarás a graça do Senhor”. O tema da humildade, cen-
tral para vaqueiros e para o povo da Ema, foi uma coin-
cidência pois, sabe-se, as leituras diárias são escolhidas
numa instância mundial da Igreja católica para todas as
missas.
11 Uma memória hábito distingue-se em Bergson (1934: 164
e ss.), sabe-se bem, da “memória verdadeira” que “alinha
nossos estados à medida que eles se fazem”.
240
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
240
Ikechukwu, Nwafor. (2017). The living-dead (ancestors)
among the Igbo-African people: an interpretation of Ca-
tholic sainthood. International Journal of Sociology and An-
thropology, 9/4.
Irvine, Judith. (1978). When is genealogy history? Wolof
genealogies in comparative perspective. American Ethno-
logist, 5/4.
Jones, Max. (2007). What should historians do with he-
roes?. History Compass, 5/2.
King, Anthony. (2010). The Afgan war and ‘postmorten’
memory. British Journal of Sociology, 61/1.
Langlois, Charles-Victor & Segnobos, Charles. (2014)
[1897]. Introduction aux études historiques. Lyon: ENS.
Lima, Clarissa & Vander Velden, Felipe. (2018). The dead
among the living. In: Seebach, Sophie & Willerlev, Rane.
Mirrors of passing. Unlock the mysteries of death, materiality
and time. New York: Berghahn.
Lima, Irenilda Souza; Torres, Adamastor Moreira & Pra-
zeres, Giselle Gomes. (2016). Religião, cultura e desenvol-
vimento local: a missa do vaqueiro em Serrita - Pernam-
buco. Humanae, 10/2.
Lima, Jarniza. (1991). Rezas ao sol: memória e tradição na
missa do vaqueiro em Serrita-PE. Cadernos CERU, 3, p. 33-
48.
Marques, Ana Claudia. (2013). Founders, ancestors and
enemies: memory, family, time and space in the Pernam-
buco Sertão. Journal of the Royal Anthropological Institute,
19/4.
Marques, Ana Claudia. (2003). Intrigas e questões. Rio de
Janeiro: Relume Dumará.
Marschall, Sabine. (2008). Pointing to the dead: victims,
martyrs and public memory in South Africa. South African
Historical Journal, 60/1.
Nora, Pierre. (1986). Lieux de mémoire. La Nation. Paris: Gal-
limard.
Pereira, Renan. (2017). Rastros e memórias: etnografia dos
vaqueiros no Sertão (Floresta-PE). Dissertação de Mestrado.
PPGAS/Universidade Federal de São Carlos.
241
artigo | jorge mattar villela
241
Petrovic-Steger, Maja. (2011). Anathomizing conf lict. In:
Lambert, Helen & McDonald, Maarion (orgs.). Social bodies.
Oxford: Berghan Books.
Rassool, Ciraj. (2004). The individual, auto-biography and
history in South Africa. Tese de Doutorado. University of
the Western Cape.
Sanjurjo, Liliana. (2013). Sangue, identidade e verdade: me-
mórias sobre o passado ditatorial argentino. Tese de Douto-
rado. PPGAS/Universidade Estadual de Campinas.
Souza, Edmilson & Ciccarone, Celeste. (2012). Trânsito das
almas: romarias camponesas e sacralização dos mártires
da terra. Habitus, 10/1.
Verdery, Katherine. (1999). Political lives of dead bodies. New
York: Columbia University Press.
Villela, Jorge Mattar. (2015). Os vivos, os mortos e a polí-
tica no Sertão de Pernambuco. Revista de História, 173.
Villela, Jorge Mattar. (2009). Família como grupo? Política
como agrupamento?. Revista de Antropologia, 52/1.
Villela, Jorge Mattar. (2004). O povo em armas. Violência e
política no sertão de Pernambuco. Rio de Janeiro: Relume
Dumará.
Villela, Jorge Mattar & Marques, Ana Claudia. (2016). Le
sang et la politique. Anthropologica, 58/2.
Weber, Max. (1968) [1904]. L’objectivité. De la connaissan-
ce dans les sciences et la politique sociales. In: Essais sur
la théorie de la science. Paris: Plon.
Wilson, Luis. (1978). Roteiro de grandes e velhos sertanejos.
3 v. Recife: Cepe.
Wilson, Luis. (1974). Vila Bela, os Pereiras e outras histórias.
Recife: Editora Universitária.
242
memória e thanasimologia política no sertão de pernambucoso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 221
– 2
42 ,
jan
. – a
br.,
2020
242
Palavras-chave
Mortos;
celebração;
política;
família;
sertão.
Keywords
The dead;
celebration;
politics;
family;
sertão.
MEMÓRIA E THANASIMOLOGIA POLÍTICA
NO SERTÃO DE PERNAMBUCO
Resumo
Por meio da descrição analítica da constituição de um an-
cestral de uma extensa família, com base na celebração
campal dedicada à memória de um vaqueiro falecido na
década de 1850 no sertão de Pernambuco, mostro um dos
modos pelos quais as famílias sertanejas fazem história de
si mesmas. Alguns dos elementos dos seus métodos de fa-
zer história, contada sob a forma da genealogia e legitima-
da pela existência de um fundador, costumam misturar-se
à história política e administrativa do município em ques-
tão. Esse artigo mostra que as famílias, como os países, pro-
curam fazer história com instrumentos como os monu-
mentos, os personagens célebres que, no sertão –são cha-
mados troncos, e a sua própria celebrização ritual.
MEMORY AND POLITICAL THANASIMOLOGY IN THE
PERNAMBUCO BACKLANDS, BRAZIL
Abstract
Through the analytical description of the constitution of an
ancestor of an extended family, based on the celebration of
a mass dedicated to the memory of a man who died in the
1850s in the Pernambuco backlands (sertão), I look to show
one of the ways in which families in the region make their
own history. Some of the elements of their methods of
making history, told in the form of genealogies and legiti-
mized by the existence of a founding father, frequently
blend with the political and administrative history of the
local municipality. Families, like countries, seek to make
history using instruments such as monuments and cele-
brated figures – in the sertão called troncos, trunks – and
their own ritual celebrations.
Sergio B. F. Tavolaro I
1 Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Sociologia,
Brasília, DF, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-2755-3361
STASIS, MOTION AND ACCELERATION:THE SENSES AND CONNOTATIONS OF TIME IN RAÍZES DO BRASIL AND SOBRADOS E MUCAMBOS (1936)1
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
43 –
266
, ja
n. –
apr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v1019
It will perhaps appear somewhat redundant to highlight the prominent place
held by Sérgio Buarque de Holanda and Gilberto Freyre, as well as the relevance
of Raízes do Brasil (Roots of Brazil: hereafter Roots) and Sobrados e mucambos (The
mansions and the shanties: hereafter Mansions), among the ample and diverse
list of authors and works to have shaped “Brazilian thought.” In this article, I
reprise the interest in these interpreters and their essays, but with a somewhat
restricted purpose in mind: I wish to revisit the senses and connotations of the
category “time” that work to define the cognitive horizons and ground the for-
mulations contained in the first editions of the works exploring Brazilian social
experience.2 It should be immediately stressed that the disagreements between
Freyre and Holanda and between their respective works were not few in num-
ber, as amply highlighted by the critical literature. This said, the article’s em-
phasis pursues another direction: in dialogue with this same literature, I pro-
pose to examine the affinities and points of convergence between Roots and
Mansions concerning this specific problematic. In fact, while we can affirm, as
Elide Bastos (2013: 288) proposes, that “the main line of inquiry present in the
various moments of development of Brazilian social thought concerns the ques-
tion of delay,3” it seems to me equally plausible to surmise that the most re-
nowned essays interpreting Brazil tend to allude to a temporal configuration in
the country distinct from the kind commonly attributed to “paradigmatic” mod-
ern societies.4 As I aim to show, these same anxieties pervade many of the
244
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
244
questions and aspects contemplated in Mansions and Roots as part of their at-
tempts to elucidate the geneses of Brazilian society and analyse the impacts
of the transformations that shook the country from the nineteenth century on.
Just as important, I also wish to explore their potential contributions to a par-
ticular area of reflection in contemporary social theory: my aim is to probe the
contributions these essays can make to expanding the sociological repertoire
on social experience under modernity.
Some methodological explanations are necessary. The first concerns the
selection of these essays rather than other works by the same interpreters:
aside from their prominence in Brazilian thought, the choice derives from the
fact that these are the works in which Sérgio Buarque and Freyre focused more
systematically and exhaustively on the modernization of Brazilian society in
articulation with the country’s formation processes. In this sense, more so than
others from their output, these two works offer an unparalleled opportunity to
investigate the problems delineated here. The second explanation relates to
the choice of the first editions of Mansions and Roots: both the essays gained
new versions after 1936 and, moreover, the later editions underwent innumer-
able alterations, some of them patent in their interpretative implications. While
acknowledging the relevance of the aspects later incorporated into the inau-
gural texts, my preference for the first editions derives from my interest in
investigating the original contributions of Roots and Mansions to the intellec-
tual landscape of the first decades of the twentieth century. I should also ob-
serve that, although a promising line of inquiry, it is beyond the scope of the
article to explore the significances that such modifications may have for the
questions discussed here, just as it is not my goal to compare the content of
the inaugural publications of Mansions and Roots with other works by Freyre
and Holanda that either precede or follow them. Finally, I should also empha-
size that it lies outside my present remit to explore the possible impacts of the
intellectual sources and references of these authors on the ideas found in Man-
sions and Roots concerning the problematic of time in Brazil. Each of these oth-
er concerns would require a specific work.
In fact, the idea is not alien to the critical literature that, like other in-
terpreters, Sérgio Buarque and Gilberto Freyre detected a composite temporal
configuration in Brazilian society, appreciably different from the kind of con-
figuration most often identified in contexts taken as originary and/or in the
avant-garde of modern experience (eo ipso “prototypical”): in other words, Bra-
zil displayed a configuration that diverged from the latter’s abstract, uniform,
progressive and linear connotation of time (Bastos, 2003: 78; Feldman, 2009:
114; Lage, 2016: 354-355; Nicodemo, 2014: 54; Pesavento, 2005: 17-79; Vecchi,
2005: 170; Villas Bôas, 2003: 120-121). My interest focuses on the fact that this
presumed disparity is very frequently linked to the country’s supposed diver-
gences from other parameters (political, institutional, economic, social, cul-
245
article | sergio b. f. tavolaro
245
tural, ethical-moral, epistemological and aesthetic) also discerned in so-called
central countries. Ultimately, the argument goes, we are left with two substan-
tively different modalities of societal experience, constructed over the course
of unmistakably diverse historical trajectories. Still in the early stages of my
research, however, this framing seemed far from exhausting the full heuristic
potential of Roots and Mansions. From early on, I felt that the senses of time
that support their depictions of Brazil might refer to something more than the
country’s paths and its (alleged) deviations. Undoubtedly, the critical literature
on the two authors has itself glimpsed in their reflections a critical tone in
relation to the imaginary of modernity (Avelino Filho, 1990; Bastos, 2003; Burke
& Pallares-Burke, 2009; Cavalcante, 2008; Crespo, 2003; Larreta & Giucci, 2007;
Motta, 2013; Vecchi, 2005; Villas Bôas, 2003). Nonetheless, the bibliography shows
a general tendency to take these works, along with others by Holanda and Freyre,
as works whose cognitive potential is mostly limited to “non-model” contexts
– that is, societies that supposedly entered modernity in a delayed and/or mar-
ginal fashion because of special circumstances.
The article sets out to explore an alternative interpretation: my hypoth-
esis is that, while they indeed strove to explain an experience that seemed to
them “anti-paradigmatic” in various aspects, Mansions and Roots succeed in
providing valuable clues to a critical appreciation of a certain “substantialist”5
and “internalist” bias6 underlying the imaginary of modernity and its
temporality(ies). As I wish to argue in this article, performing this exercise
requires accentuating and amplifying the implications of the transactional/re-
lational7 dimension of the works: I refer to a certain dimension of their propo-
sitions that fixes the geneses of Brazilian society and its modernization in the
country’s multiple social entanglements, connections and exchanges (Rocha,
2008; Feldman, 2009; Lage, 2016). Also according to my hypothesis, seen from
this perspective, Roots and Mansions encourage us to explore the pattern of so-
ciability and the senses of time most frequently attributed to Brazilian experi-
ence not merely as manifestations and developments of its “singular,” “delayed”
and/or “peripheral” condition within the modern context – as I observed, an
appraisal recurrent in the critical literature. Instead, this alternative perspec-
tive would enable us to conceive at least some of the traces and aspects dis-
cerned in this pattern and this temporal configuration as facets of modernity itself,
generally obfuscated by the sociological imagination or, in the best case sce-
nario, closely associated with so-called “non-model experiences”. In this case,
the works in question can be affirmed to possess elements that assist the so-
ciological imaginary to amplify and diversify the array of notions and concepts
used to codify, describe and comprehend modernity.
A final preliminary observation. Although neither Mansions or Roots actu-
ally formalize or systemize a sociological theory concerning time, this does not
justify limiting our discussion of them to empirical questions. In considering
246
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
246
the content of their reflections, it seems to me both legitimate and promising
to interrogate the propositions of the essays with theoretical questions too,
exploring their articulations and potential contributions to the sociological
imagination.
THREE MEANINGS OF TIME IN ROOTS AND MANSIONS
According to Pedro Monteiro’s (2015: 77) analysis, in addition to their stylistic
differences, Roots and Mansions are founded on clearly disparate principles:
while Sérgio Buarque’s essay “is constructed under the sign of conflict,” Man-
sions is written “under the sign of reconciliation, balance and adaptation”. In-
deed, any analysis that sets out to compare them is compelled to admit that
they comprise works and authors in various aspects unmistakable. To begin
with, though from the same generation, Freyre and Holanda not only lived and
acted in different regions of the country involved in distinct intellectual dis-
putes, they also pursued their own personal, professional and institutional
trajectories (Burke & Pallares-Burke, 2009: 35-76; Candido, 2008: 29-31; Monteiro,
2015: 58; Rocha, 2012: 37). No less important, their works reflect different ana-
lytic starting points, as well as expressing sometimes incompatible methodo-
logical and interpretative perspectives, informed, in turn, by theoretical-intel-
lectual references with their own well-known specificities (Bastos, 2008: 227-228;
Feldman, 2009: 85; Monteiro, 2015: 56-57; Motta, 2013: 224; Nicodemo, 2014:
52-53; Burke, 2013: 208; Crespo, 2003; Mata, 2016: 66-69; Rocha, 2008: 249, 264;
Waizbort, 2011). This divergent background combines with diverse thematic
interests, as well as a preference for distinct explanatory frameworks (Araújo,
1994; Bastos, 2006; Ferreira, 1996: 232-242; Monteiro, 2015: 59; Souza, 2000: 161-
167, 205-270). Ultimately, there is no shortage of elements to confirm these
discrepancies, equally expressed in dissonant diagnoses and judgments about
the country’s present attributes and future potential – not infrequently trans-
lated into politico-ideological positions that grew deeper with the passing of
the years (Candido, 2008: 29-36; Eugênio, 2008: 451-452; Melo, 2016: 454-455;
Monteiro, 2015: 71-74; Nicodemo, 2014: 47-49; Rocha, 2012: 36; Souza, 2000: 211-
212; Waizbort, 2016: 469-470). Attentive to these differences, the article pro-
poses a different exercise: focused on the specific objective of analysing the
problematic of time and its senses in Mansions and Roots, as well as their con-
tributions to the sociological imagination, I wish to explore the confluences
and affinities of the two works.
On the very first pages of Roots of Brazil, Sérgio Buarque alludes to “forms
of life” and “institutions”, as well as to a certain “worldview” [visão do mundo]
(Holanda, 1936: 3),8 inherited by Brazilians through “an Iberian nation,” belong-
ing to a “border, transition zone” [zona fronteiriça, de transição] that would over
time become a bridge of communication between Europe and “other worlds”
(Holanda, 1936: 4). The close attention paid to this past scenario was justified
247
article | sergio b. f. tavolaro
247
by the enormous implications that Portugal and Spain’s “delayed entry” [in-
gresso tardio] into the “European chorus” [côro europeu] – consummated only
“from the era of the discovery of America” – had “for their destinies, determin-
ing many aspects of their history and spiritual formation” (Holanda, 1936: 4).
Mutatis mutandis, something similar occurs in the evaluations of The mansions
and the shanties: Freyre is also occupied with the primordial origins of Brazilian
society, in his view clearly distinct from the inaugural moments of the para-
digmatic contexts of modernity, emphasizing its “three centuries of relative
segregation from non-Iberian Europe” (Freyre, 1936: 257), during which the
country had seen the delineation of “a social landscape with many Asiatic,
Moorish and African elements” [uma paizagem social com muita coisa de asiatico,
de mourisco, de africano] (Freyre, 1936: 258).
The size of the explanatory burden consigned to the antecedents and
primordial origins of contemporary Brazil did not pass unnoticed by the critical
literature, attentive to its supposedly persistent past, relatively impervious to
change, the source of world conceptions, mental configurations, aesthetic ref-
erences, ways of life, behaviours, values and institutions taken as very different
to the forms and patterns of modern societies (Bastos, 2008: 227-229; Cavalcante,
2008: 150-151; Feldman, 2009; Ferreira, 1996: 235; Nicodemo, 2014: 58; Souza,
2000: 161-167; Wegner, 2000: 29, 33, 39, 51). These aspects are said to explain
many of Brazil’s inner descompassos, desencontros, desajustes and desacertos (di-
vergences, discrepancies, mismatches and maladjustments), as well as its de-
calagens (dealignments) vis-à-vis the prototypical modern scenarios (Avelino
Filho, 1990: 7-8; Bastos, 2003: 135; 2008: 228; Cavalcante, 2008: 150-151; Feldman,
2013: 133-134; Ferreira, 1996: 244; Melo, 2016: 451; Pesavento, 2005: 65-69; Vecchi,
2005: 171; Waizbort, 2011: 48-49, 50; Wegner, 2000: 49-50).
Whatever the case, while recognizing the relevance and influence at-
tributed to the past, the incursion made by Roots and Mansions in the most re-
mote origins of Brazil far from exhausts the ways in which the essays allude
and refer to time. The critical literature itself highlights the semantic excesses
surrounding this aspect: according to Roberto Vecchi (2005: 168), Roots evokes
both “a regressive time and another progressive time [that] forge the contem-
poraneity” of the country, or indeed a temporal configuration characterized by
the “complex and indivisible combination of present and past, in the folding
of the past into the present” (Vecchi, 2005: 165). Sandra Pesavento (2005: 64,
original emphasis), for her part, argues that Sérgio Buarque “works with multi-
ple temporalities […]: that of permanencies or the long term […] and that of
changes or the short term […], in addition to the cosmic triad constructed by
men over the course of history (a present, a past, a future).” In the case of Freyre,
Elide Bastos draws our attention to the influence of Ortega y Gasset’s notion of
a tempo tríbio in the “sociological dimension” of his reflections, expressed in his
non-linear perception of the transformations experienced by the country, and
248
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
248
in the idea of an overlapping and a “simultaneity of the times of formation,
consolidation and decline” (Bastos, 2003, p. 83-84), or even a “simultaneity of
present, past and future times” (Bastos, 2003: 95, original emphasis). Along the
same lines, Luiz Feldman (2009) and Victor Lage (2016) converge in pointing out,
respectively, the “temporal complementarity between past and present” (Feld-
man, 2009: 69-70) inscribed in Casa-grande & senzala (published in English as
The masters and the slaves) and Mansions, as well as the author’s “general concern”
with “the interpretation of the past, in order to understand the present and the
future of Brazil” (Lage, 2016: 126). Aware of these proposals, and given the spe-
cific concerns of the present article, I wish to adopt a slightly different termi-
nology: in my view, coexisting with a static acceptation of time, the depictions
and diagnoses of the country delineated in Mansions and Roots are also based
on images of a time in motion, referring to a society whose identity slowly took
shape over the course of formative processes and movements; finally, time
appears in these essays as an index and agent of sudden dizzying transforma-
tions that, impacting on Brazil’s ways of life, behavioural references, institutions
and values, impelled the country towards modern societal forms and their cor-
responding cognitive, practical-moral and aesthetic-expressive patterns – that
is, as suggested by Pesavento (2005: 65, 70, 72), a time that accelerated under the
pace of modernity.9
STASIS: RETICENCES OF THE PAST
Writing about Brazil’s connections “to the Iberian Peninsula, and Portugal es-
pecially” and while recognizing the unique aspects forged through the coloniz-
ing adventure in America, Sérgio Buarque nonetheless symptomatically con-
cludes that “a long and living, very much living tradition” [uma tradição longa e
viva, bastante viva] continues to feed “a common soul even today” (Holanda,
1936: 15). In reality, the content of this proposition, alluding to the paradox of
a time that does not flow, a stagnant/inert temporality, indicates a recurrent feature
of the essays examined here: both works refer, with enormous frequency, to
habits, behavioural patterns, norms, values, feelings, ways of thinking, institu-
tions and even extra-social aspects (psychic, organic and environmental) out
of tune with modern forms in order to assert that, although tracing back to a
remote past, they remain very much alive in the present, to the point not only
of attenuating “Brazil’s re-Europeanization” [re-europeisação do Brasil] but also
of “conserving as far as possible in the country the anti-European traits and
colours, enlivened [avivadas] by deep centuries of segregation” (Freyre, 1936:
259). Notably both Roots and Mansions emphasize the innumerable future im-
plications of these reticences of the past – the case, for example, of the long-
term effects of the centrality of the patriarchal family during the colonial pe-
riod, where, according to Holanda, it is possible to comprehend “the retrograde
spirit [espirito retrogrado] that dominated the organization of our public ser-
249
article | sergio b. f. tavolaro
249
vices,” imposing an “important resistance” to the “large-scale undertakings” [grandes
emprehendimentos] and transformations working to push Brazil in other directions
(Holanda, 1936: 46). Mansions has the very same impetus, asserting that: “Patriarchal
or semi-patriarchal privatism still dominates us” (Freyre, 1936: 23, original emphasis).
This is why, despite being dazed by the new airs and confronted with new and very
different behavioural models, forms of sociability mostly linked to tradition had
resisted being supplanted or completely disfigured by societal codes of another
kind. Of course, we should not underestimate the sensitivity of Roots and Mansions
to the transformations that, attesting to the passage of time, eventually altered
the physiognomy of Brazilian society. Nonetheless, neither can we ignore the in-
sistent referrals in these works to aspects that, although rooted in the past – wheth-
er as direct products of Brazil’s long-term cultural heritage (both European and
extra-European) or even as habits, practices, institutions and ways of perceiving
reality forged in original form in the Americas – appeared to Freyre and Holanda
to persevere, projecting themselves into Brazil’s present and, in this way, hindering
the course of time.
MOTION: MOVEMENT AND FORMATION
Though fundamental, the inertial dimension of time – most often associated with
the past and tradition – does not, of course, close off the perceptual horizons of
Mansions and Roots. These are essays expressly concerned with discussing the ef-
fects of changes that, intensified and accelerating from the nineteenth century,
worked to alter the features of Brazilian society in decisive fashion. But neither
does this preoccupation exhaust all the analytic ambition of the works, keen to
search for the supposedly more fundamental traits of Brazil. In this case, while
they focus on the diverse legacies responsible for limiting in advance the range of
possibilities available to the colonial adventure, Roots and Mansions also revisit the
processes, syntheses and injunctions that, even before the country’s moderniza-
tion, had already contributed to building this “experience without simile” [experi-
encia sem simile] (Holanda, 1936: 3). This new analytical angle pursued by the two
works exposes a second sense of the category “time”, in turn indicative of the
initial processes of the country’s formation – a time in movement.
We should immediately highlight the care taken by the two essays to explore
the “internal” motives for the transformations that began to awaken the colonial
experience from its centuries-long stupor. As is well-known, the author of Roots
even comes to suspect Brazil’s real capacity to “create spontaneously” (Holanda,
1936: 7). Nonetheless, concurring about its very often sporadic and incipient nature,
while pondering what had occurred on the “Piratininga plateau” [planalto de Piratin-
inga] in remote times, Sérgio Buarque identifies an intrinsic dynamism within the
new land, signalling “a new moment of our national history” (Holanda, 1936: 72)
– the germ of “a new sense of time” (Pesavento, 2005: 60): there, the disentanglement
of colonial life from “its roots on the other side of the ocean” – its separation from
250
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
250
the “stimulus of the metropolis” – was foreshadowed (Holanda, 1936: 72). These
transformative impulses, expressions of a time in motion, are also explored in
Freyre’s Mansions. Setting out to identify the primordial injunctions and move-
ments that eventually led to the construction of a new society, Freyre argues
that it was from the “sugar mills [engenhos], eager to free themselves from the
‘directed economy’ [economia dirigida] of the Captain Generals of His Majesty,
that the ‘first desires [primeiros anceios] for independence and democracy’ were
unleashed in Brazil” (Freyre, 1936: 84). Mansions once again converges with Roots
(Holanda, 1936: 74-75) through its depiction of the “mining industry” [industria
das minas] as an important stimulus for changes in the living conditions in the
colony, leading to a “more direct intervention of the Crown in Brazil’s affairs”
(Freyre, 1936: 30). These transmutations, which would end up tilting the po-
litical structure towards emergent agents and classes, resulted in the social,
political and economic repositioning of old figures, the rise of new social types
and categories (Freyre, 1936: 35-36) and, undoubtedly, an ever more complex
and dynamic scenario.
Roots and Mansions, it is worth noting, also concur in associating these
outbreaks of complexification – signals of a time in movement – with the first
solid steps towards urbanization, an omen of the “collapse in the resistance
[perda de resistencia] of agrarianism, once sovereign”, the “decline [definhamento]
of the conditions that stimulated the formation among us of a powerful rural
aristocracy” (Holanda, 1936: 138) and, subsequently, a “tremendous social dis-
equilibrium” (Holanda, 1936: 99). In contrast, then, with the stagnation and
inertia of the past, the “growth of cities and towns [burgos]” not only testified
to the cooling of the monarch’s relations with the rural landowners (Freyre,
1936: 46), it also created “new social distances […] between rich and poor, whites
and people of colour, the manor house and the small house” [a casa-grande e a
casa pequena] (Freyre, 1936: 15-16). As unequivocal proof of the new situation,
this sequence of transformations could be observed in aspects as varied as
basic etiquettes of behaviour and posture, clothing, generational, racial and
gender tensions, as well as the very architecture of urban buildings (Freyre,
1936: 20-21, 115, 162, 302-303).
This said, an analysis of Mansions and Roots also reveals a third modal-
ity or connotation of time: from a determined moment, the authors argue, Bra-
zilian society had incorporated patterns of sociability more aligned with mo-
dernity in the wake of an increasingly vertiginous dynamics.
ACCELERATION: TOWARDS MODERNITY10
In the final chapter of Roots, Sérgio Buarque (1936: 136) refers to the “great
Brazilian revolution” as “a protracted process” [um processo demorado], but de-
finitive in its developments and implications: extending from at least “the
transmission of the Portuguese royal family” to the events of 1889, this “secure
251
article | sergio b. f. tavolaro
251
and concerted” revolution (Holanda, 1936: 135-136) led Brazil in other directions,
thereafter without “the traditional brakes [freios tradicionaes] against the advent
of a new state of affairs [um novo estado de coisas]” (Holanda, 1936: 136). In con-
templating those “three-quarters of a century”, Sérgio Buarque takes Abolition
“as perhaps the most decisive moment of all our national development” (Ho-
landa, 1936: 136), “the watershed [marco divisório] between two eras”, when
“Brazilian life shifts clearly from one pole to another”, with the complete impo-
sition of “urbanocracy” (Holanda, 1936: 43). Ultimately, we are faced with a “new
system with its base no longer in the rural domains but in the urban centres”
(Holanda, 1936: 137).11 Though acknowledging its incompleteness – hence the
certainty that “for a long time” [durante largo tempo] Brazil would continue to
feel “the last resonances” of the status quo ante – Sérgio Buarque qualifies such
changes as a veritable “cataclysm”, given its effect of “annihilating the Iberian
roots of our culture” in favour of the “inauguration of a new style” (Holanda,
1936: 137). Put otherwise, the timid movement of the past, which had merely
aroused colonial life from its prolonged lethargy, finally achieved a force, speed
and range without parallel in the course of the nineteenth century: not only
did the pace of transformations quicken dramatically, the latter acquired a
fairly clear direction – towards modern sociability.
Mansions is equally emphatic concerning the significance of this meta-
morphosis. Freyre remarks on “a period of profound differentiation,” a “terrible
period of transition”, during which it was possible to observe with increasing
intensity “less patriarchalism […] and more individualism” (Freyre, 1936: 54).
The new signs of the era left no doubt about what was becoming established
with implacable force: around 1810, the writer observes, “the Gazeta do Rio de
Janeiro announced coaches arriving from London; English carriages with their
harnesses; a ‘very rapid’ [muito ligeira] four-wheel English coach” (Freyre, 1936:
294) – unavoidable evidence of the “prestige of the wheel, the machine, the
horse, their triumph over the palanquin, the arm of the slave and the slow-
moving ox” (Freyre, 1936: 294). Rather than mere borrowings with little connec-
tion to the national reality, these new habits and “[n]ew life-styles” began to
find solid footing in the “Europeanization of labour and to a certain point of
commerce”, imposed “through the industrialization of Brazilian life” (Freyre,
1936: 300). By the end of these alterations, a “New pace [rythmo] of life” had
come to prevail (Freyre, 1936: 300).
Here Mansions notably converges once again with Roots in stressing the
social and political implications of these frenetic changes, crowned by the
“greater prestige of the cities” (Freyre, 1936: 37) – a prestige accompanied by
improvements in urban services, the modernization of the “technique of trans-
port” (Freyre, 1936: 54) and, of course, political centralization away from the
“predominance of family” and towards the state apparatus (Freyre, 1936: 107-108).
Just like Sérgio Buarque (Holanda, 1936: 139-140) – for whom “continuous, pro-
252
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
252
gressive, overwhelming urbanization” had overthrown the “powerful rural main-
stay [esteio]” of the past (Holanda, 1936: 141) – Freyre also emphasizes the grow-
ing relevance assumed by new social figures: “graduates [bachareis] and physi-
cians, some children of mechanics or peddlers [mascates] with black and mu-
lata women” (Freyre, 1936: 37-38) who emerged in the urban setting, assisted
by the “greater […] opportunities for social ascension” (Freyre, 1936: 160). With
the completion of these processes, “the European technician ended up triumph-
ing. Until the mulato learnt how to drive trains, manufacture glass, make pasta
and noodles [aletria]” (Freyre, 1936: 301). At a certain point, nothing seemed able
to resist such ardour, most clearly symbolized by the desolate supremacy of
the rhythm of the clocks (Freyre, 1936: 300).
The reflections of Roots and Mansions concerning Brazil’s adherence to
these new ethical-moral and aesthetic-expressive references, these new be-
havioural patterns, these institutional structures and legal ordinations, and
lastly these mental frameworks and worldviews – in general terms, societal
patterns that had also become crystallized and disseminated in Europe and
North America systematically over the nineteenth century – note the country’s
adaptation to a certain temporal configuration typically associated with mod-
ern experience: overwhelmed by a time that accelerated at an ever growing
pace, Brazilian society seemed to them increasingly compelled to adjust to the
cadence and march of modernity. Even so, considering the nuances and modu-
lations of these images, this alignment did not seem to have proceeded with
the same pace and harmony encountered in these paradigmatic scenarios. As
I wish to underscore, the allusions to the time that pervade Mansions and Roots
also contributed to project onto Brazil images of a disjunctive and discontinu-
ous experience vis-à-vis the modern setting.
COMPOSITE TIME AND SOCIABILITY IN MODERN BRAZIL
Going by the depictions contained in Roots and Mansions, while the changes
experienced over the nineteenth century had brought the country closer to
prototypical modern contexts (Freyre, 1936: 77; Holanda, 1936: 140), these im-
pulses towards synchronization did not produce results entirely harmonious,
definitive or fully aligned with the parameters of modernity. Indeed, they argue,
there was no lack of evidence and accounts to confirm the sensation of a dis-
juncture (Freyre, 1936: 279-280) – as Brazil’s “administrative structure” revealed,
according to Sérgio Buarque, forced to resort to “elements from the same con-
tingent [massa] as the former rural landowners”, that is, individuals “linked to
the old domestic system, still in full vigour [viço], not only in the cities but on
the farm estates too” (Holanda, 1936: 99).
Nevertheless, it would be misleading to suggest that the authors con-
sidered such “mismatches” to derive primarily from the delay (atraso) of Brazil-
ian society and/or merely from its late adherence to the modern order. Were
253
article | sergio b. f. tavolaro
253
that the case, it would suffice for time to pass for the “hiatuses” to be shortened
and, at a certain point, become extinguished entirely. Their diagnosis is other,
however, just as the expectations concerning the repercussions of the country’s
modernization are diverse: rather than an efficient cause of Brazil’s “dealign-
ments”, the first editions of Roots and Mansions indicate that the country’s
“delay” and “late entry” themselves constituted effects and symptoms of deep-
er specificities, which had long inclined Brazilian society to assume a unique
temporal configuration. It is these specificities to which the works turn to explain
its sui generis modernization. Ultimately, they were held responsible for the fact
that, in the Brazilian case, the transformations experienced in the nineteenth
century, rather than placing the country once and for all on the progressive
march of modernity, had led to unequivocal asynchronies – that is, a society
fractured by internal mismatches, marked by all kinds of dealignments and, no
less important, out of synch with the pace of the paradigmatic modern sce-
narios. In sum, as the critical literature itself indicates, the formulations of
Mansions and Roots fix on the existence of a perennial core of identity, a pri-
mary source of the most crucial predicates of Brazilian society, resistant to the
uniformizing pressures of modernization (Burke & Pallares-Burke, 2009: 213;
Souza, 2000: 167; Waizbort, 2011: 49-50).
Given the restricted focus of this article, what matters to me here, on
one hand, is to discern the temporal sharing of these ideas: exploring the prop-
ositions of the two essays, unlike the temporality more frequently associated
with modernity – homogenous, abstract, linear, progressive and oriented to-
wards the future (Anderson, 1991; Giddens, 1991; Gumbrecht, 2015; Habermas,
1990) – in the Brazilian society that took shape from the nineteenth century
both the present time and its possible futures continued to be saturated with
tangible (i.e. non-abstract) elements bound to a singular past, feeding on it (and,
to a large extent, being encircled by it) during its leaps towards the modern
order (Bastos, 2003: 135, 146-152; Cavalcante, 2008: 151; Feldman, 2013: 121;
Lage, 2016: 126, 354-355; Ferreira, 1996; Pesavento, 2005: 60; Vecchi, 2005: 167-
168; Waizbort, 2011: 49-50; Wegner, 2000: 51). Moreover, rather than provisional
or circumstantial, this composite temporal configuration, “dense and heterog-
enous” (Chatterjee, 2008: 63), with its disjunctive effects on reality, would prove
to be as fundamental as distinctive of this societal experience. In sum, we are
faced with “a peculiar sense of time” (Lage, 2016: 127): a “protended temporal
structure” (Nicodemo, 2014: 48), marked by the “permanence of one time with-
in the other” (Vecchi, 2005: 174) or, put otherwise, by the “accumulation of times”
that “anticipate” but also “hinder each and every process of transformation”
(Pesavento, 2005: 69).
Having said this, it is also important to stress that the allusions of Man-
sions and Roots to this special time (thick, composite and heterogenous) are found
intertwined with images of a pattern of sociability in Brazil equally divergent
254
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
254
from the kind commonly attributed to the societies prototypical of modernity
– a pattern of sociability characterized by the permeability between social life and
the dynamic of natural world, rooted in subjectivities decentred and out of step
from modern imperatives and institutions, marked by the overlapping of private
codes of conviviality and public rules of sociability, configured by the interpen-
etration of diverse social spheres and domains, and, finally, by the marked
influence of non-secularized conceptions of the world in public and private
spaces (Tavolaro, 2014: 642-644). Filled with resounding temporal connotations,
these images converge to intensify the sense of Brazilian society being out of
phase, confirming its marginal status in the modern setting and, as can be
inferred, feeding the impression that modernization in the country followed a
route as torturous (non-linear) as it was filled with vacillations and retreats
(non-progressive).
In my view, these depictions do not entirely delimit the perceptual ho-
rizons of the essays, however. In their attempts to discern what was distinctive
in Brazil, both Roots and Mansions do, of course, end up accepting these same
parameters disseminated in the sociological imaginary – hence the recurrent
correlations with contexts that occupy a “model position”, situated at the “fore-
front of social time” (Feldman, 2009: 111-112). Nevertheless, insofar as one ex-
tends and deepens the implications of the relational/transactional dimension of
the works, their formulations concerning the Brazilian experience indicate a
certain potential to diversify and amplify the repertoire of conceptions concern-
ing modernity and its temporality(ies).
MANSIONS AND ROOTS: CONTRIBUTIONS TO THE SOCIOLOGICAL
IMAGINATION OF MODERNITY
Prominent in the sociological imagination is the idea that the advent of the
modern era constituted a rupture in time, the dawn of an era without precedents,
broken loose from everything that had preceded it and oriented predominant-
ly towards the future (Gumbrecht, 2015: 14-15; Habermas, 1990: 16-17; Koselleck,
2006: 294). At the end of the increasingly rapid social transformations and pro-
cesses (Koselleck, 2006: 282; Rosa, 2013: 71-80) and ensnared in the establish-
ment of new societal parameters, “the standardization of temporal reference” (Zeru-
bavel, 1982: 2) had expanded sufficiently to allow for “different people to meas-
ure the passage of time in an identical manner”, that is, “to date any past,
present or future instant in a common fashion” (Zerubavel, 1982: 3). Emanci-
pated from particular spatial connections (Giddens, 1991: 25-29; Rosa, 2013:
28-29), this “homogenous, empty” temporality, “measured by the clock and by
the calendar” (Anderson, 1991: 24), had contributed to the “global dissemination”
of institutions that, though gestated in the West, were projected to the four
corners of the planet (Giddens, 1991: 57). Abstract and uniform, progressive and
linear, this temporal configuration was seen to express – in the same propor-
255
article | sergio b. f. tavolaro
255
tion in which it promoted – a unique modality of sociability: divorced from the
imperatives and movements of the natural world; anchored in individuals en-
dowed with centred subjectivities; marked by the radical separation between
public and private domains; by the complete differentiation and specialization
of diverse social spheres and arenas; and, finally by cognitive and ethical-mor-
al rationalization (Tavolaro, 2008: 275; 2017: 120-122; Rosa, 2013: 58). A product
of historical transformations (social, political, cultural, epistemological, eco-
nomic and so on) normally taken to be intrinsic to a determined region of
Europe, such parameters and references later spread out to other parts of the
world. Nonetheless, in “delayed” modern contexts, these societal patterns (in-
cluding their schemas, categories and temporal-spatial experiences) would end
up acquiring their own modulations and formats, consistent with their idiosyn-
crasies and particular trajectories.
By way of conclusion, in dialogue with contemporary reflections (Chakra-
barty, 2000; Chatterjee, 2008; Gumbrecht, 2015; Hall, 2011; Harootunian, 2007)
and with the critical literature on the authors (Avelino Filho, 1990; Feldman,
2009; Lage, 2016; Rocha, 2008; Villas Bôas, 2003), my interest resides in evaluat-
ing whether Mansions and Roots possess elements that, on one hand, enable an
alternative to the substantialism and internalism subjacent to this sociological
imaginary and, on the other, allow us to amplify the array of notions and per-
ceptions relating to modernity. It is no novelty that, with considerable regular-
ity, experiences like the Brazilian case tend to be framed as configurations
shaped in the course of particular societal itineraries, away from or on the mar-
gin of the so-called central countries. This would explain precisely one of the
sources of the country’s divergences from the modern pace of life and its char-
acteristic pattern of sociability. While this same diagnosis is not entirely alien
to Roots and Mansions, the relational/transactional dimension of their depictions
of the country encourages a different approach. Certainly, the references of the
works to Brazil’s supposed specificities, not infrequently underlined in contrast
to “prototypical” contexts of modernity, tend to reinforce perceptions of the
former as a deviant experience in the contemporary scenario. Even so, we can-
not underestimate the innumerable moments in which these same essays allude
to the country’s engagement, from far back, in a vast “system of international
relations” (Freyre, 1936: 283); neither can we ignore the recurrent connection
between “our forms of life, our institutions and our worldview” and Brazil’s ties
to “distant countries” and places (Holanda, 1936: 3). In these cases, moving away
from the comparative analytic emphasis in favour of the exploration of “con-
nected histories”,12 both works invite us to examine the country’s formation
and modernization (as well as the experiences of other societies) in light of the
multiple entanglements (cultural, political, economic, epistemological and so
on) established between diverse regions of the planet since the dawn of mo-
dernity.
256
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
256
In my view, this other analytic perspective also inscribed in Mansions
and Roots contains theoretical-interpretative suggestions that may be project-
ed beyond the preferred referents of the works themselves. On this point, the
insights and analyses of Rocha (2008), Feldman (2009) and Lage (2016) prove
fertile. As I wish to emphasize, the transactional/relational dimension in which
“Brazil […] is enunciated as a country entangled with world politics” (Feldman,
2009: 10) through “its different encounters with modernity” (Lage, 2016: 123) –
the opposite, therefore, to a certain “self-referential, essentialist nationalism”,
which pretends that the country is the “root, the origin of itself” (Rocha, 2008:
265) – enables us to pursue an alternative intellectual path to the modern ex-
perience, resistant to the “internalist” and “substantialist” traps mentioned
above. Taking another step in this direction, we are persuaded to conceive mo-
dernity itself, from its most remote origins, beyond “a particular European tra-
jectory” (Subrahmanyam, 1997: 737) – that is, attentive to its expressive his-
torical density and its countless “entanglements” (Therborn, 2003: 295), ex-
changes and transits (cultural, political, economic, technological, epistemo-
logical, institutional, ethical-moral and aesthetic).13 Taking into account the
power differentials imbued in these processes, such a step implies reframing
modern experience as “a more-or-less global shift, with many different sourc-
es and roots, and – inevitably – many different forms and meanings” (Sub-
rahmanyam, 1997: 737). This even allows us to cast doubt on the existence of
modern patterns of sociability essential to each particular context and/or each
specific position, and crystallized in the wake of supposedly unique historical
trajectories.14
A significant portion of these problems are considered by Lage (2016) in
the author’s exploration of the notions of the “contemporaneity of the non-con-
temporaneous” and “contemporaneity”, the latter understood as the “the encoun-
ter of different times and spaces; of universals and particulars” (Lage, 2016:
550-565). Wielding these ideas, Lage (2016: 560) seeks to highlight the “hetero-
geneity of time” evoked in key essays in the “interpretation of Brazil”. Discern-
ing in these works “a wider problematization of the lines of demarcation that
separate and unite inside and outside, the past, present and future” (Lage, 2016:
572), as well as the capacity to “expose a global process” (Lage, 2016: 559), the
author comes to perceive them as “potential sites of critique of modernization”
(Lage, 2016: 36) – given the fact that they question “central concepts of what is
usually defined as ‘modernity’” (Lage, 2016: 533). In my view, these propositions
are comparable to other more or less recent elaborations in social theory that
point precisely to the multiplicity and overdetermination of diverse times observed
in the midst of modernity (Hall, 2011: 108-109; Chatterjee, 2008: 107-121; Gum-
brecht, 2015: 15-16; Harootunian, 2007: 474). Following the reflections of Haroo-
tunian (2007: 474), the predominance of a “progressive”, abstract and linear
conception of time, usually attributed to the “industrial centres of Euro-Amer-
257
article | sergio b. f. tavolaro
257
ica” (Harootunian, 2007: 480), was accompanied on one hand by the “diminished
awareness of the persistence of coexistent temporalities” (Harootunian, 2007:
480) at the very core of these contexts and, on the other hand, the exterioriza-
tion of “the image of dissonant rhythms to the periphery, where it became a
sign of a rift between modernity and nonmodernity” (Harootunian, 2007: 480).
Once hidden the “mixed, and often “discordant temporalities” regulating the
rhythms of life” (Harootunian, 2007: 474) in its own interior, this “collision of
temporalities” would soon become a stereotype of “the nonmodern” (Harootu-
nian, 2007: 474). Nonetheless, for the author, it is very possible that the com-
bination of “multiple temporalities” in the “historical present” (Harootunian,
2007: 486), or “the articulation of these ambiguous mixtures of modern and
archaic, new and old, here and there, contemporary and nativist has always
been present to remind us of the perseverance of a temporal refraction distin-
guished by noncontemporaneous contemporaneity” (Harootunian, 2007: 475).
As I have been arguing, this change of perspective has important impli-
cations for the analytic-descriptive range of the depictions of Brazil traced out
in Roots and Mansions. As highlighted earlier, while acknowledging the particu-
larities of each essay, their first editions converge on five aspects that would
confirm the uniqueness of the pattern of sociability crystallized in Brazil (Ta-
volaro, 2017: 125-128): firstly, these depictions point to a society susceptible to
the dynamics and functioning of the natural world, falling short of the techni-
cal control and domination of nature observed in paradigmatic modern contexts
(Holanda, 1936: 26-27, 62-63; Freyre, 1936: 252-254). Secondly, given the preva-
lence of the passional and impulsive in the “national character” – the source
of the frequent imprudence, lack of discipline and behavioural vagaries of the
average Brazilian – it also seemed to them that Brazil lacked the conditions for
the overall consolidation of the figure of the individual, endowed with a centred
and stable subjective life, capable of imposing his or her will on the changing
circumstances of the environment and taking rational decisions (Holanda, 1936:
33, 46-47, 105; Freyre, 1936: 356-358). Also in contrast to prototypical modern
societies, public and private Brazilian domains are said to have remained shuf-
fled, such that codes from the domestic-family sphere and primary contacts
supposedly continued to project and intrude into spaces of sociability in which,
under entirely modern conditions, impersonality and universal respect of the
individual’s privacy should prevail (Holanda, 1936: 88-89; Freyre, 1936: 23, 71).
Furthermore, the processes of complexification and social differentiation ob-
served in Brazil was taken to have attained neither a similar scope or level nor
an analogous depth to the so-called central societies; hence why politics, econ-
omy, civil society, culture, along with other social spheres and domains, re-
mained largely entangled, sometimes juxtaposed, in detriment to their relative
autonomy and the fulfilment of their specific functions (Holanda, 1936: 32, 46-
47, 100-101; Freyre, 1936: 84-85, 202). Finally, the societal rationalization most-
258
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
258
ly associated with originary/avant-garde contexts of modernity, with their nor-
mativity founded on general and abstract principles, seemed to them hesitant
and superficial in Brazil, a situation confirmed by the continuing influence of
magical and religious conceptions of the world at the heart of society (Holanda,
1936: 11-12, 99-100, 105, 108; Freyre, 1936: 15-16, 71, 365-366).
If the aforementioned relational/transactional dimension of both works
can sensitize us to envisage modernity itself in light of the countless historical
and societal connections in which it was always involved, there follow at least
two theoretical-interpretative implications: first, the Brazilian configuration
can be conceived beyond the stigma of “deviation”; and second, it can be plau-
sibly argued that the patterns of sociability discerned in Mansions and Roots, as
well as the connotations and senses of time that they employ, far from being
limited to the supposed uniqueness of the country’s historical itinerary, con-
stitute alternative parameters for the sociological imagination of modernity. In
sum, it becomes conceivable to affirm that in addition to their ability to capture
and depict the societal repercussions of the formation and modernization of
Brazil, Mansions and Roots, each in its own way, also successfully provide evi-
dence of other aspects and facets of the modern experience itself, considered
more widely – facets and aspects rendered invisible by the sociological imagi-
nary or, in the best hypothesis, linked only to societal contexts frequently
catalogued as “delayed,” “marginal” or “non-paradigmatic.” As a consequence,
such images and depictions can be adopted among the array of conceptions
and connotations that equip the sociological discourse to codify, describe and
comprehend the enormous diversity of experiences that coinhabit and consti-
tute modernity – in its “peripheries,” but also in its “centres.”
Received on 5/7/2018 | Revised on 8/4/2019 | Approved on 29/4/2019
Sergio B. F. Tavolaro is Associate professor in the Depart-
ment of Sociology at the University of Brasília and CNPq
Researcher (PQ 1D). He holds a Ph.D. in Sociology from The
New School for Social Research and is the author of Cidada-
nia e modernidade no Brasil (1930-1945).
259
article | sergio b. f. tavolaro
259
NOTES
1 This article was supported by CNPq (303342/2015-3). I
thank the anonymous reviewers for their valuable criti-
cisms, which helped me improve my argument. I also
thank David Rodgers for the translation of the article.
2 My intention here is not to reveal or bring out any sub-
stantive notion of time prior and external to Mansions and
Roots as an analytic parameter for their propositions.
Rather, I aim to investigate the connotations and mean-
ings intrinsic to the essays themselves in order to iden-
tify and analyse their depictions of Brazilian society and
its status within modernity.
3 TN: In Portuguese, delay is atraso, a term also signifying
retardation, backwardness.
4 On this point, see the formulations of Costa Pinto (1978:
53-55) and Florestan Fernandes (2008: 60-61). For a me-
ticulous analysis of the centrality of this aspect in key
figures of Brazilian thought, I recommend the work of
Victor Lage (2016).
5 As Mustafa Emirbayer (1997: 282) contends, “the substan-
tialist perspective […] takes as its point of departure the
notion that it is substances of various kinds (things, beings,
essences) that constitute the fundamental units of all
inquiry.”
6 Sebastian Conrad (2016: 88) argues that: “Conventional
social histories generally operate within what can be
called an internalist paradigm,” owing to which societies
tend to be treated as “self-generating” entities. This leads
to a certain propensity to taking the very predicates of
these societies as the main sources of their transforma-
tions.
7 According to François Dépelteau (2013), given that for
transactional sociology “A and B are interdependent”, its
fundamental premise is that “A does not do what it does
without transacting with B, and vice-versa” (Dépelteau, 2013:
178, original emphasis). To the extent that all “capacities
and their related actions happen always in relation to
something else,” the analytic emphasis must be on the
actual “transactions” between the involved parties
(Dépelteau, 2013: 180).
260
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
260
8 All excerpts from Roots and Mansions cited in this article
are translations from the first Brazilian editions of both
works (1936). A special effort has been made to remain
as faithful as possible to their original meanings.
9 The bibliography on this theme is profuse. As an example,
see Reinhart Koselleck (2006: 294), who conceives moder-
nity as an era “of rupture” as well as “transition” in which
“acceleration” became “a basic experience of time.” Again
it is worth stressing that rather than constituting param-
eters extrinsic to the elaborations of Roots and Mansions,
the terms stasis, motion and acceleration are employed here
with the aim of codifying meanings and connotations
inscribed in the works themselves, which in my view cir-
cumscribe and orient their images concerning the Brazil-
ian experience, its societal connections, as well as Brazil’s
status under modernity. Although Pesavento (2005) fo-
cuses on Roots, I think that acceleration can also be useful
to the investigation of Mansions.
10 Along with Koselleck (2006), Hartmut Rosa (2013) also ar-
gues that “the experience of modernization is an experience of
acceleration” (Rosa, 2013: 21, original emphasis). Generally
speaking, at least some of his descriptions of what he
calls social acceleration help us access this third connota-
tion of time inscribed in the depictions of Brazil found in
Roots and Mansions. According to Rosa (2013: 71-80), social
acceleration comprises “three types of phenomena”: “tech-
nical acceleration”, “the acceleration of social change”,
and “the acceleration of the pace of life”. It is not difficult
to perceive them all implicated in the acceleration of time.
11 According to Sandra Pesavento (2005: 72), for Holanda,
along with the bandeirantes, the “process of industrializa-
tion” and urbanization “represent, in time, an acceleration
and a promise of a future” (my emphasis).
12 Here I refer to the sense of the expression used by Sub-
rahmanyam (1997: 744-745) and Gruzinski (2003: 323) – al-
though the latter judged Sérgio Buarque’s work on Portu-
guese colonization to be indebted to a comparative per-
spective (Gruzinski, 2003: 322).
13 In this case, it becomes essential to “re-establish the in-
ternational and intercontinental connections that the
national historiographies and cultural histories discon-
261
article | sergio b. f. tavolaro
261
BIBLIOGRAPHY
Anderson, Benedict. (1991). Imagined communities. London:
Verso.
Araújo, Ricardo. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala
e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed. 34.
Avelino Filho, George. (1990). Cordialidade e civilidade em
Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 5/12, p. 5-14.
Bastos, Elide. (2013). A construção do debate sociológico no
Brasil. Ideias, 1, p. 287-300.
Bastos, Elide. (2008). Raízes do Brasil – Sobrados e Mucambos :
um diálogo. In: Monteiro, Pedro & Eugênio, João (eds). Sérgio
Buarque de Holanda: Perspectivas. Campinas/Rio de Janeiro: Ed.
Unicamp/Ed. Uerj, p. 227-244.
Bastos, Elide. (2006). As criaturas de Prometeu. São Paulo: Global.
Bastos, Elide. (2003). Gilberto Freyre e o pensamento hispânico:
entre Dom Quixote e Alonso El Bueno. Bauru: Edusc.
Burke, Peter. (2013). Tropicalização, tropicalismo, tropicolo-
gia: a contribuição de Gilberto Freyre. In: Mota, Roberto &
Fernandes, Marcionila (eds.). Gilberto Freyre: região, tradição,
trópico e outras aproximações. Rio de Janeiro: Fundação Miguel
de Cervantes, p. 198-212.
Burke, Peter & Pallares-Burke, Maria L. (2009). Repensando os
trópicos: um retrato intelectual de Gilberto Freyre. São Paulo: Ed.
Unesp.
Candido, Antonio. (2008). A visão política de Sérgio Buarque
de Holanda. In: Monteiro, Pedro & Eugênio, João (eds). Sérgio
Buarque de Holanda: Perspectivas. Campinas/Rio de Janeiro: Ed.
Unicamp/Ed. Uerj, p. 29-36.
nected or concealed, sealing off their respective frontiers”
(Gruzinski, 2003: 323).
14 Ultimately, as the proposals of Hall (2011: 108-110) and
Chatterjee (2008: 57-88) seem to indicate, it is also pos-
sible to question the strict distinction of a linear, abstract,
progressive and homogenous time exclusive to the “Cen-
tre” in comparison to a hybrid, heterogenous, sinuous and
thick time characteristic of the “Periphery.”
262
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
262
Cavalcante, Berenice. (2008). História e modernismo: he-
rança cultural e civilização nos trópicos. In: Monteiro,
Pedro & Eugênio, João (eds.). Sérgio Buarque de Holanda:
Perspectivas. Campinas/Rio de Janeiro: Ed. Unicamp/Ed.
Uerj, p.137-154.
Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Prin-
ceton: Princeton University Press.
Chatterjee, Partha. (2008). La nación en tiempo heterogéneo.
Buenos Aires: Siglo Veintiuno.
Conrad, Sebastian. (2016). What is global history? Princeton:
Princeton University Press.
Costa Pinto, Luiz A. (1978). Desenvolvimento econômico e
transição social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Crespo, Regina. (2003). Gilberto Freyre e suas relações com
o universo cultural hispânico. In: Kosminsky, Ethel; Lépine,
Claude & Peixoto, Fernanda (eds.). Gilberto Freyre em qua-
tro tempos. Bauru/São Paulo: Edusc/Ed. Unesp, p. 181-204.
Dépelteau, François. (2013). What is the direction of the
“relational turn”? In: Powell, Christopher & Dépelteau,
François (eds.). Conceptualizing relational sociology. New
York: Palgrave Macmillan, p. 163-185.
Emirbayer, Mustafa. (1997). Manifesto for a relational so-
ciology. American Journal of Sociology, 103/2, p. 281-317.
Eugênio, João. (2008). Um horizonte de autenticidade −
Sérgio Buarque de Holanda: monarquista, modernista,
romântico (1920-1935). In: Monteiro, Pedro & Eugênio, João
(eds.). Sérgio Buarque de Holanda: Perspectivas. Campinas/
Rio de Janeiro: Ed. Unicamp/Ed. Uerj, p. 425-459.
Feldman, Luiz. (2013). Um clássico por amadurecimento:
Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 28/82,
p. 119-140.
Feldman, Luiz. (2009). O Brasil no mundo e vice-versa: Esta-
do em Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos e
Raízes do Brasil. Dissertação de Mestrado. IRI/Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Fernandes, Florestan. (2008). Sociedade de classes e subde-
senvolvimento. São Paulo: Global Editora.
Ferreira, Gabriela. (1996). A formação nacional em Buar-
que, Freyre e Vianna. Lua Nova, 37, p. 229-247.
263
article | sergio b. f. tavolaro
263
Freyre, Gilberto. (1936). Sobrados e mucambos: decadencia
do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Edi-
tora Nacional.
Giddens, Anthony. (1991). As consequências da modernidade.
São Paulo: Ed. Unesp.
Gumbrecht, Hans. (2015). Nosso amplo presente. São Paulo:
Ed. Unesp.
Gruzinski, Serge. (2003). O historiador, o macaco e a cen-
taura: a “história cultural” no novo milênio. Estudos Avan-
çados, 17/49, p. 321-342.
Habermas, Jürgen. (1990). O discurso filosófico da moderni-
dade. Lisboa: Dom Quixote.
Hall, Stuart. (2011). Da diáspora. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
Harootunian, Harry. (2007). Remembering the historical
present. Critical Inquiry, 33/3, p. 471-494.
Holanda, Sérgio Buarque de. (1936). Raízes do Brasil. Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio Editora.
Koselleck, Reinhart. (2006). Futuro passado: contribuição à
semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contrapon-
to/Ed. PUC-Rio.
Lage, Victor. (2016). Interpretations of Brazil, contemporary
(de)formations. Tese de Doutorado. IRI/Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro.
Larreta, Enrique & Giucci, Guillermo. (2007). Gilberto Frey-
re: uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasi-
leiro: 1900-1936. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Mata, Sérgio da. (2016). Tentativas de desmitologia: a re-
volução conservadora em Raízes do Brasil. Revista Brasilei-
ra de História, 36/33, p. 63-87.
Melo, Alfredo. (2016). Mudanças em ritmo próprio. In: Ho-
landa, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil – Edição crítica.
São Paulo: Companhia das Letras, p. 449-455.
Monteiro, Pedro. (2015). Raízes rurais da família brasilei-
ra: Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. In: Mon-
teiro, Pedro. Signo e desterro: Sérgio Buarque de Holanda e a
imaginação do Brasil. São Paulo: Hucitec, p. 54-77.
Motta, Roberto. (2013). Tempo, desenvolvimento e (in)
correção histórica: a propósito da lusotropicologia de Gil-
264
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
264
berto Freyre. In: Motta, Roberto & Fernandes, Marcionila
(eds.). Gilberto Freyre: região, tradição, trópico e outras apro-
ximações. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes,
p. 213-242.
Nicodemo, Thiago. (2014). Os planos de historicidade na
interpretação do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.
História da Historiografia, 14, p. 44-61.
Pesavento, Sandra. (2005). Cartografias do tempo: palimp-
sestos na escrita da história. In: Pesavento, Sandra (org.).
Um historiador nas froneiras: o Brasil de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 17-79.
Rocha, João. (2012). Raízes do Brasil: Biografia de um livro-
problema. In: Marras, Stelio (org.). Atualidade de Sérgio
Buarque de Holanda. São Paulo: Edusp/IEB, p. 19-39.
Rocha, João. (2008). O exílio como eixo: bem-sucedidos e
desterrados – ou por uma edição crítica de Raízes do Bra-
sil. In: Monteiro, Pedro & Eugênio, João (eds.). Sérgio Buar-
que de Holanda: Perspectivas. Campinas/Rio de Janeiro: Ed.
Unicamp/Ed. Uerj, p. 245-275.
Rosa, Harmut. (2013). Social acceleration : a new theory of
modernity. New York: Columbia University Press.
Souza, Jessé. (2000). A modernização seletiva. Brasília: Ed.
UnB.
Subrahmanyam, Sanjay. (1997). Connected histories: no-
tes towards a reconfiguration of early modern Eurasia.
Modern Asian Studies, 31/3, p. 735-762.
Tavolaro, Sergio B. F. (2017). Retratos não modelares da mo-
dernidade: hegemonia e contra-hegemonia no pensamento
brasileiro. Civitas – Revista de Ciências Sociais, 17/3, p. 115-141.
Tavolaro, Sergio B. F. (2014). A tese da singularidade bra-
sileira revisitada: desafios teóricos contemporâneos. Da-
dos – Revista de Ciências Sociais, 57/3, p. 633-673.
Tavolaro, Sergio B. F. (2008). “À sombra do mato virgem ...”:
natureza e modernidade em uma abordagem sociológica
brasileira. Ambiente & Sociedade, 11/2, p. 273-287.
Therborn, Göran. (2003). Entangled modernities. European
Journal of Social Theory, 6/3, p. 293-305.
Vecchi, Roberto. (2005). Atlas intersticial do tempo do fim:
‘Nossa revolução’. In: Pesavento, Sandra (org.). Um histo-
265
article | sergio b. f. tavolaro
265
riador nas froneiras: o Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 161-193.
Villas Bôas, Glaucia. (2003). Casa grande e terra grande,
sertões e senzala: a sedução das origens. In: Kosminsky,
Ethel; Lépine, Claude & Peixoto, Fernanda (eds.). Gilberto
Freyre em quatro tempos. Bauru/São Paulo: Edusc/Ed. Unesp,
p. 115-134.
Waizbort, Leopoldo. (2016). Raízes do Brasil: inércia e trans-
formação lenta. In: Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do
Brasil – Edição crítica. São Paulo: Companhia das Letras, p.
465-470.
Waizbort, Leopoldo. (2011). O mal-entendido da democra-
cia: Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1936. Re-
vista Brasileira de Ciências Sociais, 26/76, p. 39-62.
Wegner, Robert. (2000). A conquista do oeste: a fronteira na
obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
Zerubavel, Eviatar. (1982). The standardization of time: A
sociohistorical perspective. American Journal of Sociology,
88/1, p. 1-23.
266
stasis, motion and accelerationso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 243
– 2
66 ,
jan
. – a
pr.,
2020
266
ESTASE, CINESIA E ACELERAÇÃO: SENTIDOS
E ACEPÇÕES DO TEMPO EM SOBRADOS
E RAÍZES (1936)
Resumo
O artigo investiga as acepções da categoria tempo que par-
ticipam dos horizontes de cognição das edições princeps
(1936) de Raízes do Brasil e Sobrados e Mucambos. Ao retratar
a experiência brasileira como portadora de uma configura-
ção temporal distinta daquela identificada em sociedades
tomadas por prototípicas da modernidade, essas obras
tendem a caracterizar a modernização no país em disso-
nância com as referências institucionais, culturais, ético-
morais, epistemológicas e estéticas comumente vinculadas
àqueles contextos. Isso posto, conforme quer-se aqui exa-
minar, empenhados em explanar uma configuração socie-
tária que se lhes afigurava antiparadigmática em vários
de seus traços, esses mesmos ensaios logram lançar pistas
valiosas para uma apreciação crítica de certo viés “subs-
tancialista” e “internalista” que, não raro, orienta a imagi-
nação sociológica acerca da modernidade e de sua tempo-
ralidade.
STASIS, MOTION AND ACCELERATION: THE SENSES
AND CONNOTATIONS OF TIME IN ROOTS OF BRAZIL
AND THE MANSIONS AND THE SHANTIES (1936)
Abstract
This article investigates the senses and connotations of
“time” that work to define the cognitive horizons of the first
editions (1936) of Roots of Brazil and The mansions and the
shanties. By ascribing to Brazilian society a temporal con-
figuration distinct from those attributed to so-called central
modern societies, both essays tend to depict Brazil’s mod-
ernization as a dissonant case in terms of the institution-
al, cultural, moral-ethical, epistemological and aesthetic
patterns commonly associated with modernity. At the
same time, the article also seeks to demonstrate that these
very same works – striving to explain a societal configura-
tion that appeared to them anti-paradigmatic in many of
its features – offer valuable clues for a critical assessment
of the “substantialist” and “internalist” biases that fre-
quently orient the sociological imagination concerning
modernity and its temporality.
Palavras-chave
Sobrados e mucambos;
Raízes do Brasil;
pensamento brasileiro;
modernidade no Brasil;
teoria sociológica.
Keywords
The mansions and the
shanties;
Roots of Brazil;
Brazilian sociology;
modernity in Brazil;
sociological theory.
Renan Springer de Freitas I
1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto de Estudos
Avançados Transdisciplinares (Ieat), Belo Horizonte, MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-6109-6841
THE SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE AND ITS MOVEMENTS
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
67 –
287
, ja
n. –
apr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v10110
“The sociology of knowledge is alive and kicking” was the title given by Lewis
Coser (1987) to his review of a collection of articles, published in 1984, edited
by Nico Stehr and Volker Meja (1984), whose contributions contained what was
supposedly most relevant and innovative in the discipline at the time. In as-
serting that the sociology of knowledge was very much ‘alive,’ Coser was imply-
ing, of course, that there might be some reason for it not to be so. But what
reason? He does not tell us, though he explains the title given to the review
when he mentions that the discipline’s “imminent death” had already been
foretold various times. It remains unclear what these sombre predictions were
based on, yet they are unsurprising when we recall that for at least 30 years
the discipline had seen numerous attempts to ‘redefine’ its course. The first
occurred in 1966 with the publication of The social construction of reality, the
celebrated “treatise in the sociology of knowledge” by Peter Berger and Thomas
Luckmann (1966). Five years later, Norbert Elias (1971a, b), no less, took the
same route, publishing the article “Sociology of knowledge: new perspectives”
in two instalments in the journal Sociology. Another five years passed and a
new venture was made: this time it was the turn of the Edinburgh sociologist
David Bloor (1976) to propose his “Strong programme in the sociology of knowl-
edge”. A short while later, in 1984, the aforementioned collection of articles
edited by Stehr and Meja was released, whose contributions, following the path
cleared by Bloor’s work, expressed – with some exceptions – an endeavour to
268
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
268
redefine the courses of what had become known as the sociology of scientific
knowledge. A decade or so later it would be the turn of the periodical Social
Epistemology to dedicate a special issue to what it called “New directions in the
sociology of knowledge”.1 This publication announced the advent of a “new,
hermeneutically grounded sociology of knowledge” (Kögler, 1997b: 223). An-
other two years passed and yet another endeavour appeared, presenting itself
under the name of a hermeneutic sociology of knowledge (Hitzler, Reichertz &
Schröer, 1999. Other attempts may have followed these, but I remain unaware
of their existence, much less of their fate. Among all the cited endeavours, the
only ones that effectively opened up a field of empirical investigation – on
which I shall focus attention in section 2 – were the “Strong programme in the
sociology of knowledge” and the sociology of scientific knowledge. As for the
rest, I remain oblivious to what happened to the new perspectives announced
in 1971, or the new directions announced in 1997, or the hermeneutic sociol-
ogy of knowledge announced in 1999.
However, the sociology of knowledge does not exist solely as an aca-
demic discipline. Beyond the sociology of knowledge that became established
as such following the seminal writings of Mannheim, published in the 1920s,2
there is another one that never turned into a discipline, but nevertheless re-
mains alive and kicking within other disciplines. In what we could call this
‘intrauterine’ condition, it prospers without the help of any endeavour to rede-
fine its course. In this article I discuss the fertility of both the sociology of
knowledge that established itself as an academic discipline and this sociology
of knowledge that is alive and kicking in an intrauterine condition. This aim in
mind, I have to explain what the distinctive mark common to both is.
This task is not difficult for anyone able to turn for assistance to Robert
Merton (1968). In the chapter devoted to the sociology of knowledge in his
celebrated Social theory and social structure, published for the first time in 1949,
Merton argued that this area of investigation could not exist without the “sig-
nal hypothesis” that the successful distinguishing of truth from error is as
socially conditioned as it is conspicuously unsuccessful.3 The distinctive mark
of any sociology of knowledge is none other than this “signal hypothesis”. The
aim here, therefore, is to show the different modes through which a sociology
of knowledge can make itself present (can be alive and kicking) whenever our
“signal hypothesis” enters into action. My own hypothesis is that the path that
has most favoured the fertility of the “signal hypothesis” is not the one that
has most claimed to be committed to doing so, namely, the sociology of knowl-
edge institutionally recognized as an academic discipline.
1
The fertility of a seed that floats in the breeze depends on the fertility of the
terrain on which it eventually lands. The same can be said, by analogy, of the
269
article | renan springer de freitas
269
fertility of a hypothesis, whether a signal one or not. I argue that since the
seminal writings of Mannheim, our floating seed has ‘landed’ on at least three
distinct ‘terrains.’ One of them is constituted by Wittgenstein’s philosophy of
language insofar as this is manifested in Thomas Kuhn’s philosophy of science.
Another, which I consider the most fertile of all, is constituted by intellectual
history and the history of science. In this terrain there is no place for the sys-
tematic thought of any author in particular, but only for inspired case studies,
one of which especially, published in 1971, rose to a paradigmatic position. I
refer to the study by Paul Forman “Weimar culture, causality, and quantum
theory, 1918-1927. Adaptation by German physicists and mathematicians to a
hostile intellectual environment.” I return to this work in section 3. A third is
the multifaceted terrain of sociological thought itself, in which flourished the
sociology of knowledge that eventually became established as an academic
discipline – this discipline that, from time to time, seems to feel the need to
make clear that it remains alive and kicking. This terrain essentially consists
of solutions to problems of a metatheoretical nature. This is why I consider it
to be the least fertile of the three. There is something particularly curious about
it because, of all three, it is the only strand constituted by a body of thought
explicitly committed to defining the courses to be taken by the discipline, and
yet it is simultaneously the only one where our “signal hypothesis”, I would
argue, ‘germinated’ poorly. The writings constituting this variant have been
authored by sociologists of the highest renown – we are talking about the likes
of Peter Berger and Norbert Elias – and yet they have never managed to rise
beyond a merely programmatic level. These are writings that are always reflect-
ing, recommending or problematizing, but never formulating a specific problem
or defending a specific thesis that might inspire the formulation of new prob-
lems and new research hypotheses. However sophisticated these reflections
and recommendations may be from a metatheoretical viewpoint, they turn the
discipline into an eternal promise, given that they never succeed in establish-
ing an empirical investigative agenda of the sort achieved by the writings con-
stituting the other two terrains.
Having made these initial remarks, and remembering that whenever our
“signal hypothesis” enters into action, a sociology of knowledge – albeit not
necessarily the academic discipline known as the sociology of knowledge – be-
gins to live and kick, I am left with the task of showing what befell our “signal
hypothesis” in each of the terrains on which it came to land. The following
three sections focus on each of these terrains respectively.
2
The ‘fertility’ of the first terrain ultimately resides in three theses formulated
by Thomas Kuhn in his seminal The structure of scientific revolutions, first pub-
lished in 1962. All of the theses, insofar as they are built on the premise that
270
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
270
scientific knowledge is ultimately a particular form of language and, as such,
has no existence outside the uses made of this same language in specific cir-
cumstances, bear the mark of the philosophy of language set out in Wittgen-
stein’s Philosophical Investigations.
The first is enunciated in the final lines of The structure of scientific revo-
lutions: “Scientific knowledge, like language, is intrinsically the common prop-
erty of a group or else nothing at all. To understand it we shall need to know
the special characteristics of the groups that create and use it” (Kuhn, 1962:
208). The second can be expressed in the following terms: precisely because it
is “the common property of a group,” scientific activity presumes far more the
socialization in specific paradigms and a disposition for the arid, detailed, dull,
mostly unreflective work of the everyday life of the laboratories than any ‘ra-
tional debate,’ given that the latter only emerges in special circumstances. Com-
bined, these two theses converge on the third: scientific knowledge always
bears the mark of the worldviews, values, commitments and beliefs shared by
the members of the community in which it is produced.
In the introductory section, where I described the successive efforts to
redefine the discipline’s courses that became characteristic of the sociology of
knowledge for at least three decades, I remarked that two of the very few at-
tempts to have proven capable of opening a field of empirical investigation
were the Strong programme in the sociology of knowledge and the so-called
sociology of scientific knowledge. Here one can add that the reason for this
success lies in the fact that these attempts were all descendants of the afore-
mentioned theses of Kuhn. Their source of inspiration was a sociology of knowl-
edge that does not exist as an academic discipline, but even so is alive and
kicking within a philosophy of science sculpted in Wittgenstein’s philosophy
of language. Operating from its intrauterine condition, this sociology of knowl-
edge opened a formidable field of empirical investigation, focused on the ways
through which scientists reach agreement on what is considered a scientific
fact, a good theory, evidence, an empirical proof, a crucial experiment, a suc-
cessful experiment, a replication of an experiment, a valid argument, a refuta-
tion of a theory, an error and so on.4
However, the legacy of this intrauterine sociology is not exhausted here.
Kuhn’s second thesis described above imparted an additional agenda of inves-
tigation: how are decisions taken within the scientific community? How are
scientific controversies settled? How does the dogmatic attachment to certain
worldviews prove, in some circumstances, to be of fundamental importance to
the development of scientific knowledge? In what circumstances does ration-
al debate perform a relevant role in scientific activity?
This agenda has occupied successive generations of sociologists ever
since it was posited. Anyone who picks up a volume of the periodicals Social
Studies of Science or Science, Technology and Human Values, among others, will soon
271
article | renan springer de freitas
271
come across some work setting out to discuss at least one of the questions in
this investigative agenda. As far as I can tell, the discussions raised by these
works converge on a thesis that can be expressed in very simple terms: every
form of knowledge, including scientific, is contingent on localized games of interest and
agreements.5 I return to this thesis in the next section for reasons that will become
clear. For now, suffice to mention that despite appearing overly generic, the
thesis is fertile because it contains another more specific argument: namely that
factors of an extra-cognitive kind may be determinant in the rejection of a the-
ory by the scientific community. This thesis was illustrated in exemplary fashion
by the historians of science John Farley and Gerald Geison (1974), who sought to
show the way in which factors of a political variety helped overthrow the theo-
ry of spontaneous generation of Pouchet, the great rival to Pasteur.
Although the thesis highlighted above (in italics) is one of the main pil-
lars both of the Strong programme and the sociology of scientific knowledge,
both heavily influenced by the writings of David Bloor, the thesis that Bloor
himself seeks to illustrate in his Knowledge and social imagery (the work that
constitutes the ‘founding landmark’ of the Strong programme) is slightly dif-
ferent. The first part of the work is dedicated to a metatheoretical recommen-
dation: a sociology of knowledge worthy of the name must be governed by
principles of causality, impartiality, symmetry and reflexivity. In the second,
and this is what matters here, Bloor seeks to show what can be achieved if we
observe these principles. As far as my understanding goes, we can arrive at a
thesis – whose nature is, truth be told, much more epistemological than socio-
logical – that I would summarize in the following terms: every body of knowl-
edge, no matter whether true or false, rational or irrational, produced by an
Einstein or by a self-styled flat earther, it is only a body of knowledge because
it expresses some socially sanctioned form of operating specific objects and
making inferences on this basis. Bloor illustrates this thesis taking mathemat-
ical knowledge as an object of discussion. He seeks to show that mathematics,
as a body of knowledge, is indissociable from a “characteristically mathemati-
cal” mode of grouping, ordering and separating physical objects.6 Admittedly,
the mere postulation of the existence of a characteristically mathematical mode
of behaving is fairly inspiring, but I am unaware whether it actually inspired
any noteworthy discussion. I do know, however, of a counterexample. In 1992,
the sociologist Sal Restivo published a book entitled Mathematics in society and
history: sociological inquiries, whose objective was, in the words of Restivo (1992:
X) himself, “to illustrate different, sociologically grounded, ways of thinking,
writing, and speaking about mathematics.” I searched in vain for the mark of
Bloor and his strong sociology of knowledge in the book. The only time Restivo
mentions it is to say that the strong sociology of mathematics present in his
book should not be confused with the strong sociology of knowledge proposed
by Bloor.
272
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
272
3
In the summer of 1923, the German physicist Max Born, who would later receive
the Nobel Prize for Physics for his work in the development of quantum theory,
expressed the feeling that dominated German physicists of the period when
he declared that “the entire system of concepts of physics must be rebuilt from
the ground up” (Forman, 1971: 61-62). This declaration had a specific target: the
idea, until then considered unassailable, that physics was by its very nature a
science committed to the formulation of causal explanations. For a ‘sketch’ of
a sociology of knowledge to emerge in a case like this, all that is necessary is
some response, even in essay form, to the following question: what is ‘socially
explicable’ in this refusal of German physicists to commit to causal explana-
tions? More specifically: what relation might a refusal of this kind have to the
place and period in which it occurred, namely Germany during the first years
of the Weimar Republic? If the response is not essay-like in format, but is based
on a systematic empirical investigation, sufficiently well-articulated to inspire
successive generations of scholars to study analogous problems and formulate
a body of testable hypotheses concerning this same topic and correlate themes,
then we are no longer faced with a sketch of a sociology of knowledge, but a
sociology of knowledge properly speaking, and one of the highest level.
It was precisely a response of this kind (running to 115 pages) that the
historian of science Paul Forman offered in his article “Weimar culture, causal-
ity, and quantum theory, 1918-1927,” cited above. There is something perturbing
about this response: it was formulated without any assistance from the litera-
ture produced under the label “sociology of knowledge.” The academic discipline
with a significant input into his formulation was instead so-called intellectual
history, especially the contribution made by the intellectual historian Max Jam-
mer in a book called The conceptual development of quantum mechanics. This re-
sponse – which incidentally became known as “the Forman thesis” – can be
summarized as follows: the urge to reconstruct physics from scratch peculiar
to the most eminent German physicists of the first years of the Weimar Repub-
lic, especially the urge to construct a physics not bound up with the concept
of causality, was a way these same physicists found to adapt to the hostile
intellectual climate of the exact sciences more generally, and to the concept of
causality in particular, which became established in Germany soon after the
country’s humiliating defeat in the First World War. Before the end of the war,
when Germans found the idea of defeat unimaginable, the intellectual climate
was the exact opposite: any science worthy of the name should be capable of
offering causal explanations. The same physicists who previous to defeat had
displayed pride in the (causal) science they practiced came to see it afterwards
as fundamentally outmoded. Defeat generated a widespread feeling of crisis
to which even scientific knowledge found itself compelled to adapt or see its
reputation tarnished. In this context, a scientific discipline not seen to be “in
273
article | renan springer de freitas
273
crisis” merited little respect. And since being in crisis became, so to speak, the
password to achieving a good public image, both inside and outside the universi-
ties, everything that the physicians (and mathematicians) of this period did involve
making use of this password. Hence, the eagerness to reconstruct physics “from
scratch,” without being bound by the concept of causality – an eagerness that, it
is important to stress, would prove of fundamental importance to the subsequent
development of quantum mechanics. Could there be any better example of a strong
sociology of knowledge than the postulate of a thesis like this?
This thesis, it should be pointed out, has been the subject of fierce contro-
versies, yet its controversial nature has not prevented it from prospering. The text
has been in existence now for over four decades (what other thesis formulated
within the boundaries of the sociology of knowledge itself can display the same?)
and throughout this period it has never ceased being a source of inspiration for
empirical research. Unsurprisingly, the landmark of four decades did not pass by
unacknowledged. The celebration began four years earlier when a large meeting
was organized, entitled The cultural alchemy of the exact sciences: revisiting the
Forman thesis. A conference at the University of British Columbia. In the opening
remarks to this meeting, which took place in March 2007, the speaker (unidenti-
fied) remarked that Forman’s thesis “permanently changed the disciplinary land-
scape of the history and philosophy of science” and “contributed just as signifi-
cantly to the appeal of the new sociology of scientific knowledge.”
Acknowledging the pertinence of these remarks, what matters to us here is
knowing whether by “permanently chang[ing] the disciplinary landscape of the
history and philosophy of science,” Forman’s thesis also changed in some way the
‘disciplinary landscape’ of the sociology of knowledge. In the opening remarks
cited above, it is said that Forman’s thesis “contributed just as significantly to the
appeal of the new sociology of scientific knowledge.” Unfortunately, the text fails
to explain what the ‘appeal’ is of the “new sociology of scientific knowledge,” but
the aforementioned book review of Coser can help shed some light. Commenting
on a chapter entitled “The conventional component in knowledge and cognition,”
contributed by Barry Barnes (whose main work is cited in note 5), Coser describes
Barnes’s argument in the following terms:
Barnes argues that bodies of knowledge are developed in the main because they
serve different kinds of interest. All are socially sustained, whether they are rational
or not, as component parts of a given culture. A body of knowledge is used because
it serves dominant particular interests, not because it is inherently more rational
than another (Coser, 1987: 219).
I presume that the appeal of the new sociology of scientific knowledge resides
precisely in the above argument. This indeed can be seen as a reverberation of For-
man’s thesis, although the latter does not authorize the generalization that all bod-
ies of knowledge are “socially sustained as component parts of a given culture.” In
truth, this generalization is much more a premise in search of an illustration than
274
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
274
a hypothesis to be tested. And the sociology of scientific knowledge has no
shortage of case studies with the objective of illustrating the premise, turned
conclusion, that “bodies of knowledge are developed in the main because they
serve different kinds of interest […] whether they are rational or not.” Perhaps
no other case study better illustrates this premise (turned conclusion) than the
one presented by Donald MacKenzie (1978) in his work “Statistical theory and
social interests”. The focus of this text was a controversy that occurred at the
dawn of the twentieth century between two statisticians, Yule and Pearson, con-
cerning the adequacy of their respective statistical association measures, the
well-known Yule’s Q and Pearson’s C. MacKenzie’s thesis is that the terms of the
objections exchanged between these statisticians are not intelligible in the form
in which they are presented since they conceal the interests that drove each of
them to formulate their respective objections. Pearson formed part of a small
group of statisticians who shared an interest in promoting eugenics; Yule had
no affiliation to any specific group and took statistical prediction as an end in
itself. Pearson belonged to a rising professional class, which sought to assert its
superiority on the basis of the intellectual abilities of its members; Yule belonged
to a decadent conservative elite that repelled whatever might appear like eugen-
ics. In the history books on statistics all of this tends to be ignored. For MacKen-
zie, this is an error, given that, in his view, the objections exchanged between
Yule and Pearson are only truly intelligible insofar as they are considered in light
of the above information. For example: in one of his attacks on Yule, Pearson
argued that the “Q” coefficient has little predictive power. An observer well versed
in statistics, but without knowledge of the sociology of knowledge, would say
that Pearson’s argument was formulated in “strictly statistical” terms. MacKen-
zie would respond to this observer that there is no strictly statistical argument
and that alleging that Pearson’s attack on Yule was strictly statistical loses sight
of the fact that this attack expressed an interest that had nothing to do with
statistics: namely, the promotion of eugenics by the group of statisticians to
which Pearson belonged. Consequently, not even statistical knowledge fails to
reflect specific social interests.
An exercise like this, demonstrating the permeability of statistical knowl-
edge to social interests, can indeed be seen as a reverberation of Forman’s thesis,
but I do not think that this was the kind of exercise that Forman wished to inspire.
The exercises that better illustrate Forman’s legacy are those that, like his own,
seek to offer responses to specific problems. Put otherwise, I believe that the
most important legacy of Forman’s thesis resides in the characteristics of the
field of discussion and empirical investigation that his thesis opened up. This
is a field composed not of illustrations of pre-established conclusions, nor of
recommendations of a metatheoretical kind such as those I shall demonstrate
in the next section, but of responses to substantive questions like those implied
in the titles7 of some of the works presented at the meeting to which I referred
275
article | renan springer de freitas
275
earlier (27 in total), which were later edited into a collection by Carson, Koje-
vnikov and Trischler (2011) under the title Weimar culture and quantum mechan-
ics. The Forman thesis: 40 years after.
Unfortunately, given the limits of an article, I am unable to discuss the
sociology of knowledge that is alive and kicking in the works listed in note 7.
Since the path that led to all these works was opened up by the sociology of
knowledge that pulsates within Forman’s thesis, however, I can seek to dem-
onstrate what is special about this sociology of knowledge. Its basic ingredient
has already been mentioned: the formulation of a substantive problem, name-
ly explaining the emergence of the feeling, widespread among the German
physicists of the first years of the Weimar Republic, that physics should re-
nounce its traditional commitment to the formulation of causal explanations.
The remaining ingredients are of two types: those that led to the formulation
of this problem and those that related to the attempt to offer a response.
The ingredients that led to the formulation of this problem were the
interlocution with the contributions of “intellectual history” concerning the
conceptual development of quantum mechanics and the identification of a
paradox: the place (Germany) and the period (1918-1927) displaying the deepest
hostility to physics and mathematics was also one of the most creative through-
out the entire history of these disciplines. Notably, a sketch of a sociology of
knowledge is already present in the very postulate that we are faced by a par-
adox, given that outside the frameworks of a sociology of knowledge there was
nothing paradoxical in what was being described. The argument would be sim-
ply that science is autonomous in relation to its social environment, it develops
or evolves according to its own laws and thus there is nothing paradoxical about
a scientific discipline developing in an environment hostile to it. The mere
possibility of an argument of this kind becoming enunciated already forces
Forman to formulate an alternative hypothesis that may prove more sustain-
able. The alternative hypothesis that Forman arrived at was as follows:
We may suppose that when scientists and their enterprise are enjoying high
prestige in their immediate (or otherwise most important) social environment,
they are also relatively free to ignore the specific doctrines, sympathies, and
antipathies which constitute the corresponding intellectual milieu. With appro-
bation assured, they are free of external pressure, free to follow the internal
pressure of the discipline which usually means free to hold fast to traditional
ideology and conceptual predispositions. When, however, scientists and their
enterprise are experiencing a loss of prestige, they are impelled to take measu-
res to counter that decline (Forman, 1971: 6).
At first glance, this hypothesis may appear a mere ‘glimmer’ of a sociol-
ogy of knowledge, but it is actually much more than this. Glimmers appear in
essay-like works, such as the renowned text by Mannheim (1953) “Conservative
thought.” There is no ignoring the brilliance of Mannheim’s writing in this es-
276
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
276
say, but he does not formulate specific hypotheses capable of opening up an
agenda of empirical investigation to be explored in the future. With Forman’s
thesis, by contrast, we are presented with a specific hypothesis, which, like any
hypothesis worthy of the name, can be tested, proven true or false, and inspire
the formulation of other hypotheses. It was Forman’s attempt to demonstrate
the validity of this hypothesis that led him to the idea that the almost unparal-
leled development experienced by physics and mathematics during the period
studied by him was not due to the “internal dynamics” of science, as typically
alleged, but to the fact that the physicists and mathematicians active during
the period in question had felt threatened by an environment hostile to their
respective disciplines and, as a consequence, compelled to refound them in
order for them to enjoy a good public image. The legacy of this thesis translates
into a question, addressed by successive generations of scholars, which can be
expressed as follows: does a relation exist between scientific development and
the task that occasionally compels scientists to adapt to a hostile environment?
Three decades of attempts to define the direction taken by the sociology of
knowledge did not lead to a single problem capable of mobilizing successive
generations of scholars in the way that the Forman thesis did.
4
The moment has arrived to discuss what happened to our “signal hypothesis”
on the terrain on which the sociology of knowledge flourished as an academic
discipline. I begin by recalling that there were many attempts to redefine the
course taken by this discipline but ultimately none of them prospered with the
exception of the strong sociology of knowledge and the sociology of scientific
knowledge, precisely those derived from a sociology of knowledge that does
not exist as an academic discipline, but that, working from its intrauterine
condition (as we saw in section 2), succeeded in opening up a rich field of em-
pirical investigation.
In the chapter that Merton devoted to the sociology of knowledge in his
famous Social theory and social structure, cited earlier, he attributed the task of
systemizing the knowledge thus far (in the 1940s) produced in this discipline.
To this end, he proposed to develop what he himself called a paradigm for the
sociology of knowledge through which it be possible to produce
an inventory of extant findings in the field; for indicating contradictory, contrary
and consistent results; setting forth the conceptual apparatus […] in use; deter-
mining the nature of problems which have occupied workers in this field; asses-
sing the character of the evidence which they have brought to bear upon these
problems; ferreting out the characteristic lacunae and weaknesses in current
types of interpretation (Merton, 1968: 557).
In formulating this proposal, Merton (1968: 557) expected that as the
years passed, the flaws contained in it could be gradually corrected until “an
277
article | renan springer de freitas
277
improved and more exacting analytical model” took hold. But the years passed
and this analytic model never appeared. What was witnessed thereafter was,
as I mentioned earlier, a frenetic succession of attempts to refound the disci-
pline: first, that of Berger and Luckmann (1966), who ignored the existence of
the paradigm proposed by Merton; next, that of Norbert Elias (1971a, b), who
ignored both Merton’s paradigm and the effort of Berger and Luckmann; after-
wards, that of David Bloor (1976), which, as we saw, prospered without any help
from the sociology of knowledge as an academic discipline; next, the self-de-
nominated new, hermeneutically grounded sociology of knowledge, which ig-
nored all the previous attempts; and, to conclude, the proposal to found, in the
wake of the attempt to define a new direction made by Berger and Luckmann,
a hermeneutic sociology of knowledge, which, curiously, maintained no relation
to the new, hermeneutically grounded sociology of knowledge.
It is not difficult to understand this succession of disparagements: if
different proposals follow one another without being aware of the other’s exist-
ence, this is because none of them formulates a specific problem, nor, much
less, offers any kind of solution in the way Forman’s thesis did. Instead of
specific problems, they offer: a) reflections on the conditions of possibility of
the sociology of knowledge itself, on the metatheoretical dilemmas that sup-
posedly plague the discipline and on the nature of the knowledge that this
discipline can produce; b) recommendations on how to establish, within the
discipline, a “unified theoretical-conceptual” framework that can serve as a
guide for empirical investigation; and c) the problematization of certain con-
ceptions deep-rooted in the discipline. Let’s examine each item in turn.
The best way to clarify what is meant in item “a” is to present examples
of the reflections to which I refer. I begin with one concerning the metatheo-
retical dilemmas that supposedly haunt the discipline:
Social and cultural theories that seek robust explanations of practices face a
recurrent dilemma: how to reconcile agents’ capacities with inevitable social
limitations upon them; or, to put it more generally, practical agency with cultu-
ral constraint. These persistent dilemmas are perhaps most apparent in two
areas of social inquiry: theories of action and the sociology of knowledge (Boh-
man, 1997: 171).
According to this excerpt, the very viability of the sociology of knowledge
as a body of knowledge appears to depend, at least partially, on the offer of a
good solution to the dilemma of how to “reconcile agents’ capacities with in-
evitable social limitations.” It may be that the number of solutions offered by
this dilemma in sociological thought have already reached two figures. What-
ever the case, there are other dilemmas, supposedly related to the viability of
the discipline, for which some solution is sought. I have selected one that was
posited in the context of the aforementioned new, hermeneutically grounded
sociology of knowledge (not to be confused with the hermeneutic sociology of
278
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
278
knowledge!). It runs as follows: at the same time as the sociologist of knowledge
contends that the knowledge produced by him about the knowledge of others
is valid independently of the contexts of meaning in which his or her own
knowledge is produced, he or she is also “confronted with context of meanings
in which agents themselves make assumptions about the truth and validity of
their beliefs and statements.” It is necessary to distinguish, therefore, between
two sets of validity-imputations: that of the sociologist, which is supposedly
scientific-theoretical and that of the agent, which is lifeworldly-contextual.
Hence, the big problem: how do “these two sets of validity-imputations, the
scientific-theoretical and the life worldly-contextual, relate to each other?” How,
in other words, does “the sociologist relate to the interpretive schemes of agents
in the lifeworld while also being in a situated position?” (Kögler, 1997a, p. 159).
It is difficult to imagine any attempt more innocuous than that of seek-
ing to offer a solution to problems like those described above. In relation to the
former, let us admit that the described dilemma actually exists and that it is
even persistent. My question then is: what difference does this make? What
harm does the persistence of this dilemma cause to the sociology of the knowl-
edge in terms of its capacity to establish agendas for empirical investigation
and explanations for specific phenomena? If the reply is “none,” “I don’t know”
or silence, the postulated dilemma is irrelevant and, consequently, the exercise
of describing it and searching for a solution is, I venture to say, futile. Among
the options suggested, my own wavers between “none” and “I don’t know,” but
the response of those who, under the pretext of reflecting on the conditions
that need to be met for sociology to produce valid knowledge about itself and
about other forms of knowledge, set out to describe the persistent dilemmas
that supposedly hinder the production of this knowledge tends to be a resound-
ing silence. In relation to the second problem mentioned, we can apply the
same reasoning: what are the phenomena not being adequately explained be-
cause of the lack of a solution to this problem of, we could say, elucidating the
relationship between the two cited “sets of imputations of validity”? None?
Nobody knows? Once again, we are faced with the search for a solution to a
problem that, if it indeed exists, requires no solution. That suffices for item “a.”
We can turn, then, to item “b,” which concerns the recommendations of a
metatheoretical nature that became characteristics of the discipline.
With regard to this item, I think it would be difficult to encounter so
many recommendations in such little space as in the abstract written by Nor-
bert Elias for his article “Sociology of knowledge: new perspectives,” originally
published in 1971:
The core problems of sociological and philosophical theories of knowledge remain
insoluble and unrelated as long as both theories start from static models. The
problems can be solved, and the respective theories related to each other, without
undue difficulties if the acquisition of knowledge is conceptualized as a longterm
279
article | renan springer de freitas
279
process which takes place within societies also considered as long-term proces-
ses. This approach has the added advantage of being in closer agreement with
the evidence. The paper indicates what needs to be unlearned and what to be
learned in order to prepare the way for such a unified theoretical framework
which can serve as a guide to, and which can be in turn corrected by, empirical
sociological studies of all types of knowledge, scientific and practical as well as
non-scientific or ideological (Elias, 1971a: 149).
As we can see, Elias (1971a: 149) was striving to “prepare the way” for
the formulation of a “unified theoretical framework” able to “serve as a guide
to […] empirical sociological studies of all types of knowledge.” More than 45
years later, no sign exists of this “unified theoretical framework.” Why was it
never formulated? Simply because this is an offer without a demand, just like
the solutions offered for the dilemmas and problems described previously. What
exactly is the specific problem that cannot be solved unless the sociology of
knowledge becomes provided with a unified theoretical framework? Elias does
not answer, simply because there is nothing to answer. A unified theoretical
framework is not something planned, it is something done, perhaps without
even perceiving that it is being done, when seeking a solution to a specific
problem. An example? Freud and his unified theoretical framework, psychoa-
nalysis. Was there some problem demanding this framework? There was: ex-
plaining how, for example, someone could suffer from numbness in one arm,
as happened to one of its patients, if nothing explained the occurrence of a
symptom of this kind from a clinical point of view. Unable to offer up a similar
kind of problem, though, Elias presented the recommendations that appear
from the first to final line of his abstract. Granted, the recommendations are
good, but recommendations that do not respond to any kind of specific demand
tend to eventually vanish without trace.
Curiously, just five years before Elias pointed towards a unified theo-
retical framework, Peter Berger and Thomas Luckmann, no less, did the very
same. Following in the trail of Talcott Parsons’s thought, their stated aim was
to produce “a single body of systematic theoretical reasoning” so as to elucidate
“the full theoretical significance of the sociology of knowledge.” Fifty years
later, has any such thing been elucidated? No! And why not? Simply because
the proposed elucidation is another offer without a demand. As in the case of
Elias’s unified theoretical framework, the single body of systematic theoretical
reasoning of Berger and Luckmann is not constructed on the basis of some
substantive problem, but recommendations of a metatheoretical nature, as in
the following:
the sociolog y of knowledge must concern itself with whatever passes for
“knowledge” in a society, regardless of the ultimate validity or invalidity (by wha-
tever criteria) of such “knowledge.” And in so far as all human “knowledge” is
developed, transmitted and maintained in social situations, the sociology of
knowledge must seek to understand the processes by which this is done in such
280
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
280
a way that a taken-for-granted “reality” congeals for the man in the street. In
other words, we contend “that the sociology of knowledge is concerned with the analy-
sis of the social construction of reality” (Berger & Luckman, 1966: 14, original italics).
The exhortations are clear: “the sociology of knowledge must concern
itself with whatever…” or: “the sociology of knowledge must seek…” But why
do the authors themselves not concern themselves or seek rather than appeal-
ing to others to do so? The answer is simple: because, just like Elias, they be-
lieved that a unified theoretical framework would be necessary to serve as a
guide for future empirical studies, and their own task was solely to produce
this framework. Unsurprisingly, this project was never realized, although it led
to a veritable avalanche of recommendations of a metatheoretical nature. The
aforementioned proposal for a hermeneutic sociology of knowledge (not to be
confused with the new, hermeneutically grounded sociology of knowledge, pro-
posed two years earlier!), which announces its debt to the work of Berger and
Luckmann, is above all an expression of this kind of avalanche. Its discussion
agenda is composed of recommendations on every subject imaginable: from
how to overcome the “intentionalistic reductionism of understanding that is
satisfied with a reconstruction of actors’ subjective perspectives” to how “to
elucidate the objective conditions under which sense configurations can occur
in everyday life,” and including recommendations on how to avoid both the
“normativization” and the “subjectivization” of the sociology of knowledge (Sch-
netler, 2002). Indeed, “overcome,” “elucidate” and “avoid” appear to be the key-
words of the sociology of knowledge practiced recently in some circles.
Nevertheless, few ideas are more widespread in sociological thought
than the notion of social construction. This expression seems to have seduced
everyone from an author more than deservedly renowned like Mark Granovet-
ter, who more than ten years ago published an article called “The social con-
struction of corruption” (Granovetter, 2006), to some starting their career like
the promising anthropologist Joana Ramalho Ortigão Corrêa, who recently pub-
lished the article “The social construction of fandango as a popular cultural
expression and a theme in folklore studies” (Corrêa, 2016). The fact is, though,
that such works owe absolutely nothing to the recommendations of Berger and
Luckmann. What the latter call an analysis of the social construction of reality
can only be pursued in light of the unified theoretical framework that they
themselves propose to develop – and for this same reason, they could not be-
queath the sociology of knowledge an agenda of empirical investigation, but
merely recommendations and reflections of a metatheoretical kind, notably
those articulated around the verb “elucidate.”
At the level relating to item “c,” the “problematization” of conceptions
deep-rooted in the discipline, the sociology of scientific knowledge seems to
have been more successful. It has to be acknowledged, as Michel Mulkay (1979)
aptly showed, for example, that sociological thought sometimes incorporates
281
article | renan springer de freitas
281
acritically some equivocal conceptions concerning the range and validity of
scientific knowledge. One of them is that scientific knowledge is, by its very
nature, indispensable for the spectacular discoveries that surround us, wheth-
er in the field of science itself, such as the case of vaccines, or in the field of
technology, examples of which I leave to the reader’s imagination. This idea
presumes that scientific development always precedes, and is necessarily in-
dispensable to, technological development. Many academic disciplines very
rightly problematize this idea, and the sociology of scientific knowledge is no
exception. An exercise of this nature can, without doubt, establish a rich agen-
da of empirical investigation. The very scientific basis of the discovery of certain
vaccines would be a good theme to investigate. Pasteur, for example, credited
with discovering the rabies vaccine, had very little scientific knowledge about
how a vaccine acts once inoculated in the human organism. As late as the 1880s,
he presumed that immunity resulted from the exhaustion of the essential nu-
trients required by the bacteria to thrive in the host organism. This idea, known
as the depletion theory, would prove bizarre just a few years later. Likewise, the
German bacteriologist Robert Koch, seen as responsible for the discovery of the
tuberculosis vaccine, also had little scientific knowledge about how the vaccine
worked. Around 1890, he noted the presence of the anthrax bacillus in the leu-
kocytes of sick animals and concluded, much to the scorn of future generations,
that the leukocyte was the medium through which the bacteria enters the body,
multiplies and then spreads to different organs.8 These bizarre errors of judg-
ment committed by major scientists point to a clear mismatch between the
intrinsic validity of scientific knowledge and the utility of scientific practice. A
practice (a vaccination, for example) based on knowledge later revealed to be
invalid from a scientific viewpoint (such as the knowledge embedded in the
aforementioned depletion theory) may prove more useful than a practice based
on knowledge whose scientific validity is unquestioned. In fact, this observa-
tion is not in the least surprising for specialists from the area. An immunologist
once explained to me in a personal communication that the discovery of the
diphtheria vaccine had been very good for humanity but very bad for immunol-
ogy itself as a scientific body of knowledge, since the vaccine’s success had
diverted attention from more promising lines of research. I have no way of
knowing if this is true, but it is a marvellous illustration of the mismatch I have
in mind: in this specific case, the usefulness of the knowledge of immunology
conspired against the progress of this same body of knowledge. It has to be
admitted that one need not be a leading historian of science nor be called Paul
Forman to convert a mismatch of this kind into an object of sociological inves-
tigation, but it helps greatly not to become lost in futile reflections – whether
on the nature of the knowledge produced by the sociology of knowledge, or on
the conditions of possibility of the production of this knowledge – nor in equal-
ly futile recommendations about how to overcome supposed metatheoretical
282
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
282
dilemmas or elucidate the theoretical meaning of conceptions supposedly cen-
tral to the discipline, or avoid the adoption of reductionist analytic approaches.
Reflections and recommendations of this kind are only justified when confront-
ing a challenge like the one cited above demands. In the absence of an em-
pirical problem whose solution requires these kinds of reflections, recommen-
dations and problematizations, the latter are merely a good theme for classroom
discussion, school exams and publishing articles. Nothing else.
5
By way of conclusion, I would like to re-emphasize that the sociology of knowl-
edge can exist as an academic discipline and as a body of knowledge. There is
no discipline without the body of knowledge, but there can be a body of knowl-
edge without the discipline. Paraphrasing the title given by Coser to the book
review cited in the first paragraph of this article, I would say that the sociology
of knowledge, as a body of knowledge, can be alive and kicking both in the state
of an academic discipline, more precisely the discipline we know by the name
of sociology of knowledge, and in the state I have called here intrauterine. In
this case, it only exists insofar as it pulsates within other disciplines, such as
the philosophy of science, the history of science and intellectual history. The
thesis defended here is that while this intrauterine sociology of knowledge
kicks by offering explanations for specific phenomena, the other, the one con-
stituted as an academic discipline, kicks by reflecting on the conditions of
possibility of the production of knowledge about knowledge itself, about the
nature of the knowledge produced in these conditions, on the metatheoretical
dilemmas that supposedly plague the production of this knowledge, on the
means of overcoming these dilemmas, on the conceptual problems suppos-
edly involved in the production of this knowledge and on the ways of solving
these conceptual problems. Certainly, it is not due to a lack of reflection on its
own capacity to produce knowledge about knowledge that this sociology of
knowledge will cease to prosper.
Received on 24/10/2018 | Revised on 29/4/2019 | Approved on 31/5/2019
Renan Springer de Freitas is professor of sociology at
UFMG. Author of Sociologia do conhecimento, pragmatismo e
pensamento evolutivo (2003), Judaísmo, racionalismo e
teologia cristã da superação: um diálogo com Max Weber
(2010), and Ciladas no caminho do conhecimento sociológico
(2020). Member of the Editorial Board of the journal
Philosophy of the Social Sciences.
283
article | renan springer de freitas
283
NOTES
1 See in particular Kögler (1997a, b) and Burkitt (1997).
2 Especially following the publication of Das Problem einer
Soziologie des Wissensin 1924 and Ideologie und Utopie in
1929.
3 “The sociology of knowledge came into being with the
signal hypothesis that even truths were to be held so-
cially accountable, were to be related to the historical
society in which they emerged” (Merton, 1968: 514).
4 Among the works that worked around this focal point in
particular, aside from the work by Bloor (1976), already
cited, we can highlight the texts of Latour and Woolgar
(1979), Knorr-Cetina (1981) and Collins (1985).
5 See, especially, Barnes (1977).
6 See, especially, Chapter 5 of the book by Bloor cited abo-
ve. I engaged in this discussion myself in Freitas (2004).
7 Some of these titles (with the names of the authors af-
terwards in brackets) are: “Philosophical rhetoric in early
quantum mechanics 1925-1927: high principles, cultural
values and professional anxieties” (Alexei Kojevnikov),
“‘The shackles of causality’: physics and philosophy in the
Netherlands in the interwar period” (Kai Eigner & Frans
van Lunteren), “Crisis, measurement problems and con-
troversy in early quantum electrodynamics: the failed
appropriation of epistemology in the second quantum
generation” (Anja Skaar Jacobsen), “Weimar culture and
quantum mechanics science and politics: pathology in
Weimar Germany (1918-1933)” (Cay-Rüdiger Prüll), “Jordan
alias Domeier: science and cultural politics in late Wei-
mar conservatism” (Richard H. Beyler), “The causality
debates of the interwar years and their preconditions:
revisiting the Forman thesis from a broader perspective”
(Michael Stöltzner), and “Modern or anti-modern science?
Weimar culture, natural science and the Heidegger-Hei-
senberg exchange” (Cathryn Carson).
8 On this point, see Tauber (1990).
284
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
284
BIBLIOGRAPHY
Barnes, Barry. (1977). Interests and the growth of knowledge.
London: Routledge.
Berger, Peter & Luckmann, Thomas. (1966). The social con-
struction of reality: a treatise in the sociology of knowledge.
New York: Penguin Books.
Bloor, David. (1976). Strong programme in the sociology
of knowledge. In: Knowledge and social imagery. Chicago:
The University of Chicago Press.
Bohman, James. (1997). Reflexivity, agency and constraint:
the paradoxes of Bourdieu’s sociology of knowledge. Social
Epistemology, 11/2, p. 171-186.
Burkitt, Ian. (1997). The situated social scientist: ref lexiv-
ity and perspective in the sociology of knowledge. Social
Epistemology, 11/2, p. 193-202.
Carson, Cathryn; Kojenivkov, Alexei & Trischler, Helmuth
(eds.). (2011). Weimar culture and quantum mechanics. The
Forman thesis: 40 years after. London: Imperial College
Press.
Collins, Harry. (1985). Changing order: replication and induc-
tion in scientific practice. London: Sage.
Corrêa, Joana Ramalho Ortigão. (2016). A construção so-
cial do fandango como expressão cultural popular e tema
de estudos de folclore. Sociologia & Antropologia, 6/2, p. 407-
445.
Coser, Lewis. (1987). The sociology of knowledge is alive
and kicking. Contemporary Sociology, 16/2, p. 218-220.
Elias, Norbert. (1971a). Sociology of knowledge: new per-
spectives − Part One. Sociology, 5/2, p. 149-168.
Elias, Norbert. (1971b). Sociology of knowledge: new per-
spectives − Part Two. Sociology, 5/3, p. 355-370.
Farley, John & Geison, Gerald. (1974). Science, politics and
spontaneous generation in nineteenth century France: the
Pasteur-Pouchet debate. Bulletin of the History of Medicine,
48, p. 161-198.
Forman, Paul. (1971). Weimar culture, causality, and quan-
tum theory, 1918-1927. Adaptation by German physicists
and mathematicians to a hostile intellectual environment.
Historical Studies in the Physical Sciences, 3, p. 1-115.
285
article | renan springer de freitas
285
Freitas, Renan Springer de. (2004). A saga do ideal de boa
ciência. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19/55, p. 91-105.
Granovetter, Mark. (2006). A construção social da cor-
rupção. Política e Sociedade, 9, p. 11-37.
Hitzler, Ronald; Reichertz, Jo & Schröer, Norbert (eds.).
(1999). Hermeneutische Wissenssoziologie. Standpunkte zur
Theorie der Interpretation [Hermeneutic sociology of knowl-
edge. Aspects of a theory of interpretation]. (Series: The-
orie und Methode, v. 1). Konstanz: Universitätsverlag
Konstanz.
Knorr-Cetina, Karin. (1981). The manufacture of knowledge:
toward a constructivist and contextual theory of science. Ox-
ford: Pergamon.
Kögler, Hans-Herbert. (1997a). Alienation as epistemo-
logical sources: ref lexivity and social background after
Mannheim and Bourdieu. Social Epistemology, 11/2, p. 141-
164.
Kögler, H. Herbert. (1997b). Reconceptualizing ref lexive
sociology: a reply. Social Epistemology, 11/2, p. 223-250.
Kuhn, Thomas. (1962). The structure of scientific revolutions.
Chicago: The University of Chicago Press.
Latour, Bruno & Woolgar, Steve. (1979). Laboratory life: the
social construction of scientific facts. London: Sage.
MacKenzie, Donald. (1978). Statistical theory and social
interests: a case study. Social Studies of Science, 8, p. 35-83.
Mannheim, Karl. (1953). Conservative thought. In: Kec-
skemeti, Paul (ed.). Essays on sociology and social psychol-
ogy by Karl Mannheim. London: Routledge.
Merton, Robert. (1968). Social theory and social structure.
New York: The Free Press.
Mulkay, Michel. (1979). Knowledge and utility: implica-
tions for the sociology of knowledge. Social Studies of Sci-
ence, 9/1, p. 63-80.
Restivo, Sal. (1992). Mathematics in society and history: so-
ciological inquiries. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.
Schnettler, Bernt. (2002). Social constructivism, herme-
neutics, and the sociology of knowledge. Forum Qualitative
Social Research, 3/4. Available at: <http://www.qualitative-
286
the sociology of knowledge and its movementsso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 267
– 2
87 ,
jan
. – a
pr.,
2020
286
research.net/index.php/fqs/article/view/785/1704>. Ac-
cessed Mar. 17, 2018.
Stehr, Nico & Meja, Volker (eds.). (1984). Society and knowl-
edge: contemporary perspectives on the sociology of knowledge.
New Brunswick: Transaction Books.
Tauber, Alfred. (1990). Metchinikoff, the modern immu-
nologist. Journal of Leukocyte Biology, 47, p. 561-567.
287
article | renan springer de freitas
287
A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E SEUS
MOVIMENTOS
Resumo
A sociologia do conhecimento que se constituiu enquan-
to disciplina acadêmica “vive” lado a lado com outra que
não o fez, mas, não obstante, se manifesta no interior de
algumas disciplinas, tais como a filosofia da ciência, a
história da ciência e a história intelectual. Nesse trabalho
discuto o modo como cada uma delas tem-se movido. Ar-
gumento que enquanto a primeira se move ref letindo
sobre as condições de possibilidade da produção de co-
nhecimento acerca do próprio conhecimento, sobre a na-
tureza do conhecimento que se produz nessas condições,
sobre os dilemas metateóricos que supostamente ator-
mentam a produção desse conhecimento, sobre os meios
de superar esses dilemas, sobre os problemas conceituais
talvez envolvidos na produção desse conhecimento e so-
bre os modos de solucionar esses problemas conceituais,
a segunda se move oferecendo solução para problemas
empíricos específicos.
THE SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE AND ITS
MOVEMENTS
Abstract
The sociology of knowledge that became established as an
academic discipline ‘lives’ alongside another that never
did so, but nevertheless manifests itself within other dis-
ciplines, including the philosophy of science, the history
of science, and intellectual history. I discuss the ways in
which each of them has evolved. I argue that while the
former works by reflecting on the conditions of possibility
of the production of knowledge about knowledge itself, the
nature of the knowledge produced under these conditions,
the metatheoretical ‘dilemmas’ that supposedly plague the
production of this knowledge, the means by which these
dilemmas can be ‘overcome,’ the conceptual problems sup-
posedly involved in the production of this knowledge, and
the ways through which these conceptual problems can be
solved, the latter works by offering solutions to specific
empirical problems.
Palavras-chave
Sociologia do conhecimento;
história da ciência;
filosofia da ciência;
conhecimento científico;
história intelectual.
Keywords
Sociology of knowledge;
history of science;
philosophy of science;
scientific knowledge;
intellectual history.
MEMÓRIA
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
91 –
298
, ja
n. –
abr
., 20
20
Quando era concierge em Paris, numa rua sem saída, apenas um quarteirão,
logo ao lado do Jardim do Luxemburgo, sempre que saía de casa ou voltava,
parava em frente a uma livraria que hoje não mais existe. Na época fazia meus
estudos de graduação em Vincennes e praticamente desconhecia a geração de
pensadores brasileiros que me antecedera. Tinha passado quatro anos na Es-
cola Politécnica (USP), mas deixei o curso de engenharia no último ano e parti.
As ciências sociais brasileiras me eram estranhas. Mesmo assim, sem a conhe-
cer, parava em frente à vitrine para contemplar o livro exibido: Réforme et révo-
lution dans les sociétés traditionnelles (Anthropos, 1968). Uma sensação de orgulho
me invadia − Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018), brasileira, me con-
templava do outro lado do vidro. A última vez que a vi foi em novembro de 2002
um pouco antes de ela sucumbir à doença do esquecimento. Conversamos e,
generosa, presenteou-me com uma edição de I cangaceiros. I banditi d’onore bra-
siliani (Liguri Editori, 1993). A conheci em francês e me despedi em italiano. O
leitor pode se surpreender com a descrição de algo assim tão banal, mas ao
direcionar dessa forma sua atenção, desde a abertura deste texto, tenho clara
uma intenção: narrar minha pequena homenagem de um ponto de vista pouco
usual. Sei que Maria Isaura fez toda sua carreira na FFLCH da USP, fundou o
Centro de Estudos Rural e Urbano, deu aulas, orientou pesquisas e estudantes
de pós-graduação. Sua vida entrelaça-se à cidade de São Paulo e à universida-
de na qual ingressou ainda em 1946. Alguns textos que consultei, sobre a au-
tora e sua obra, realçam esse aspecto. Entretanto, ao tomar como ponto de
PEQUENA HOMENAGEM A UMA GRANDE SENHORA*
Renato Ortiz I
1 Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Departamento de
Sociologia, Campinas, São Paulo, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-0246-5576
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v10111
292
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
91 –
298
, ja
n. –
abr
., 20
20pequena homenagem a uma grande senhora
partida o exterior, o que se encontra lá fora, meu olhar quer deslocar uma
certa narrativa que se faz sobre a história das ciências sociais brasileiras. Con-
sigo assim retocar o retrato de uma grande senhora e, talvez, abrir uma peque-
na brecha nas interpretações consagradas em relação a nosso próprio passado.
Apesar da diferença de idade, quase 30 anos, tínhamos uma relação de
amizade. Ao consultar seus livros na estante do escritório, nas dedicatórias de
alguns deles está escrito: “com amizade constante e afetuosa” (Carnaval brésilien,
Gallimard, 1993); “com toda amizade” (edição italiana de Os cangaceiros). Ela,
aliás, tinha participado da banca examinadora de minha livre-docência quando
me presenteou com o livro que eu cobiçava na vitrine parisiense: “lembrança
de uma velha livre-docência comemorando a sua, novíssima, e o abraço afetu-
oso” (Réforme et révolution”). Eu a visitava com certa frequência, telefonava e era
convidado para um café. Em 1977, quando estava na UFMG, pediu que eu orga-
nizasse o encontro do grupo de sociologia da cultura na reunião da Anpocs
realizada em Belo Horizonte (a Anpocs foi fundada em 1976). Participamos jun-
tos no seminário que organizei em Ouro Preto (“Cultura brasileira?”) e vários
dos textos que vieram a compor meu livro Cultura brasileira e identidade nacional
foram primeiro publicados como artigos nos Cadernos do CERU, do qual ela era
a editora principal. Maria Isaura não era uma pessoa de fácil convivência; tinha
sido educada nos moldes tradicionais da elite paulista dos anos 1920-1930. Es-
quece-se de que nessa hierárquica sociedade brasileira as relações entre pro-
fessor e aluno, pais e filhos, homens e mulheres eram bastante formais, havia
todo um código, bastante rígido (gestos, entonação da voz, Sr., Sra.), regendo a
interação das pessoas. De alguma maneira tal formalidade se desfazia entre nós,
talvez por causa da diferença de idade − minha geração tinha sido educada
dentro de outros moldes. O trabalho intelectual nos unia, mas outros aspectos
também nos aproximavam. Eu era um outsider, estrangeiro, não tinha cursado
a USP; conhecia a história das disputas entre as cadeiras de sociologia I e II, os
conflitos envolvendo o meio acadêmico paulistano, mas essas coisas eram in-
diferentes para mim. Tínhamos ainda dois pontos em comum: Paris e Roger
Bastide. Maria Isaura dizia que seu pai era francófilo desde cedo a submergira
na cultura francesa; em meados dos anos 30, ela saindo da adolescência, seu
pai ganhou na loteria e foi com a mulher e as duas filhas a Paris. Ficaram vários
meses em um hotel. Esse tipo de relato e de experiência me fascinava, lembra-
va os escritores “malditos” norte-americanos “exilados” nessa França pós-Gran-
de Guerra. Ela retornou a Paris inúmeras vezes, numa época em que o desloca-
mento se fazia por navio (15 dias de ida; 15 dias de volta); nos anos 1950 fez seu
doutorado sobre o messianismo do Contestado na École Pratique des Hautes
Études. Seu livro Os cangaceiros (Queiroz, 1977b) foi originalmente escrito em
francês tendo sido publicado pela editora Julliard em 1968 (a tradução para o
português, feita pela autora, é bem posterior).
293
memória | renato ortiz
Roger Bastide era também uma ponte entre nós; sua amizade e admira-
ção pelo mestre era conhecida. No livro que preparou sobre sua obra para a
coleção Grandes Cientistas Sociais (Queiroz, 1983) posso ler na dedicatória de
meu exemplar: “esta é uma lembrança dupla, não é? Com grande abraço afe-
tuoso”. As pessoas da geração dos anos 1940/1950, quando se consolidam as
ciências sociais no Brasil, eram cultas e eruditas, tiveram formação intelectual
privilegiada, particularmente na cidade de São Paulo que se modernizava a
passos céleres. Nessa época o horizonte de leitura dos cientistas sociais am-
pliou-se consideravelmente. Os textos da Escola de Chicago foram introduzidos
entre nós pela Escola de Sociologia e Política, e as traduções em espanhol, vin-
das do México e da Argentina, colocavam à disposição dos leitores toda uma
literatura de língua alemã. A missão francesa na USP, da qual Bastide fazia
parte (permaneceu no Brasil de 1937 a 1954), era um polo ativo desse dinamis-
mo intelectual. Maria Isaura iniciou sua trajetória acadêmica dentro desse am-
biente, traduziu As regras do método sociológico, de Durkheim, e tinha o curioso
hábito de fazer apostilas para oferecer a alunos e pesquisadores, como uma
que me presenteou, com sua tradução de As classificações primitivas, de Durkheim
e Mauss. Acredito, porém, que, no seu caso, isso não se restringe a um simples
interesse pelos autores franceses; há algo mais: a incorporação de toda uma
tradição, como em Bastide, que a fez aproximar as fronteiras disciplinares da
sociologia e da antropologia. Seu interesse pela esfera da cultura fazia com que
transitasse entre universos que, naquele momento, diante do processo de ins-
titucionalização das ciências sociais brasileiras, começavam a se separar.
Maria Isaura foi a mais importante socióloga que tivemos entre nós. Uma
das poucas que conseguiram reconhecimento internacional com a tradução de
seus livros para o francês, italiano e espanhol. No entanto, a afirmação que
faço não se impõe enquanto tal. A velha senhora nunca conseguiu no Brasil o
prestígio que merecia. Nos encontramos assim diante de uma espécie de es-
quecimento modelar pelos pares. Nem mesmo a literatura feminina ou femi-
nista − que procura redefinir o papel das mulheres na sociedade e se contrapõe
com outros olhos a uma versão da história que se solidificou – se interessou
por seu destino. Esse esquecimento sistemático, inconsciente ou não, é proble-
mático, distorce o passado e compromete o presente. Por que a considero im-
portante? Certamente por causa de sua obra. A noção de obra implica uma
totalidade, ou seja, a continuidade do trabalho intelectual. Nesse sentido dife-
re da ideia de produtividade, atualmente vigente, quando se refere aos critérios,
geralmente quantitativos, relativos à produção científica. A produtividade su-
blinha a particularidade de cada ponto descontínuo e por isso pode ser conta-
bilizada em números. Quando me refiro à obra de um autor, ao contrário, im-
portam antes a continuidade e a qualidade de seu trabalho. É preciso um es-
forço para que ela se prolongue no tempo e se realize em textos, livros ou ar-
tigos, que se articulem à sua totalidade. Uma obra se define ainda pela varie-
294
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
91 –
298
, ja
n. –
abr
., 20
20pequena homenagem a uma grande senhora
dade de temas sobre os quais se debruça. No caso de Maria Isaura, seu labor
criativo estende-se por vários anos; para se ter uma ideia, A Guerra Santa no
Brasil: o movimento messiânico do Contestado é de 1957, e o livro Carnaval brasilei-
ro, de 1992. O esforço intelectual cobre um extenso período de sua vida ativa.
Mas é também pela variedade de temas abordados que sua obra se impõe:
folclore, messianismo, religiões populares, mandonismo rural, campesinato,
banditismo social, cultura brasileira (cf. Queiroz, 1958, 1973, 1976). Seu interes-
se pela cultura popular considera tanto a dimensão do folclore, por exemplo, a
dança de São Gonçalo, quanto uma manifestação nacional como o carnaval. Em
suas pesquisas temos uma clara preocupação com a dimensão empírica, pu-
blicou, aliás, um opúsculo (Queiroz, 1991) sobre as variações técnicas do uso
do gravador no registro das informações sociológicas, mas foi também ousada
ao desenvolver projetos mais ambiciosos, como sua pesquisa original sobre o
messianismo. O messianismo no Brasil e no mundo (Queiroz, 1977a) é um belo
estudo comparativo no qual a autora aborda o mesmo fenômeno social entre
as tribos do oeste americano, na África, Melanésia, assim como em alguns
movimentos do século XIX. Sublinho: quantos estudos comparativos desse por-
te existem nessa época no Brasil?
Maria Isaura era mulher em um mundo dominado por homens. Tinha
clara consciência disso. Em nossas conversas deixava transparecer certo orgu-
lho por suas origens, era sobrinha de Carlota Pereira de Queiroz, a primeira
deputada mulher eleita para a Assembleia Constituinte em 1934. É importante
ter em mente que o Brasil dos anos 1930-1950 era predominantemente mascu-
lino, inclusive junto à elite dominante. São poucos os exemplos de mulheres
que se realizam plenamente e se impõem por seu próprio mérito diante de um
quadro profundamente desfavorável. O espaço universitário não escapa a isso,
a vida intelectual era uma prerrogativa masculina. Maria Isaura é a exceção
que confirma a regra. Porém, quando se olha a tradição das ciências sociais no
Brasil, em sociologia ou antropologia (a ciência política ainda não existia como
disciplina entre nós), constata-se que sua estatura intelectual não apenas a
distinguia de suas colegas mulheres como também era superior a muitos de
seus colegas homens (por exemplo, Costa Pinto no Rio de Janeiro ou Thales de
Azevedo na Bahia). Sua obra fala por si. Florestan Fernandes, colega e concor-
rente, por suas qualidades pessoais e grande capacidade de liderar um grupo
dinâmico e criativo de jovens sociólogos, é talvez a única referência masculina
que lhe pode fazer sombra. Como, entretanto, a narrativa sobre a história das
ciências sociais no Brasil tomou como um de seus eixos de articulação a Esco-
la de Sociologia da USP, uma dimensão feminina permaneceu olvidada. Sempre
me intrigou como seria a vida dessas mulheres diante da situação inóspita à
qual não podiam escapar. No caso de Maria Isaura talvez pudéssemos apontar
dois tipos de estratégias que buscavam minorar tal condição de desigualdade
estrutural. A primeira delas é de ordem pessoal, o fato de ter optado por não
295
memória | renato ortiz
se casar. A recusa do lar, ou seja, do papel tradicional da mulher, permitiu-lhe
mais oportunidades para construir seu próprio destino. Em termos sartrianos
poderíamos dizer, sua liberdade privilegiou o caminho do “projeto” que acalen-
tava. Outro aspecto diz respeito a sua trajetória no exterior (recordo-me de dois
personagens importantes que conheci que faziam grandes elogios a sua obra:
Michel De Certau e Eric Hobsbawm). Pode-se perguntar, pelo menos enquanto
hipótese, se o circuito internacional no qual se movia não seria uma forma de
compensar as restrições que conhecia em seu país natal. Se os caminhos aqui
encontravam-se fechados, para sermos precisos, parcialmente fechados, o des-
locamento para fora oferecia-lhe um horizonte mais aberto de realizações. Esse
tipo de estratégia, entretanto, combinava dois elementos conflitantes, reconhe-
cimento e restrição. Não é difícil identificar a dimensão relativa ao reconheci-
mento: seu livro publicado por Gallimard, uma das mais prestigiosas editoras
francesas, ou seu círculo de amizades, Fernand Braudel, Lucien Febvre, Georges
Balandier.1 Mas havia também restrição nesse movimento de ampliação da
circulação intelectual. Os anos 1940 e 1950 coincidem com a legitimação da
sociologia brasileira como “ciência”, ou seja, quando definitivamente se sepa-
ra do ensaísmo de seus predecessores. O nacional é o espaço privilegiado de
sua afirmação, e nesse sentido as fronteiras do reconhecimento são mais exí-
guas; o que se encontrava fora delas era importante, mas não decisivo.
A obra de Maria Isaura pode ser lida sob o signo da tradição, seus objetos
de estudo assim o demonstram: messianismo, religiosidade popular (o trabalho
sobre o padre Donizetti em Tambaú), folclore (dança de São Gonçalo na Bahia),
campesinato brasileiro. Vários autores enfatizam essa dimensão; no entanto, a
tradição não é percebida na sua imobilidade; pelo contrário, insere-se no qua-
dro mais amplo das mudanças que marcam a sociedade brasileira (ver Botelho
& Carvalho, 2011). Um exemplo: o coronelismo. Ele é simultaneamente fruto
das transformações sociais e uma resposta a elas. O coronel é um oligarca que
nas zonas rurais do Brasil deve adaptar o seu mando, fundado nas relações
pessoais e na troca de favores com seu eleitorado, a uma situação de moderni-
dade na qual o poder político se estrutura a partir de eleições generalizadas.
Dito de outra forma, o “mandonismo” tradicional deve se adequar às mudanças
impostas pela modernização do país. Pode-se dizer o mesmo em relação à cul-
tura popular, ela se transforma mantendo uma certa “permanência” de seus
traços. É interessante notar que Maria Isaura não se deixa seduzir pelos “estu-
dos de comunidade” então em voga, ela não busca desenhar as fronteiras de
uma identidade cultural particular (como os estudos de Antonio Candido em
Bofete ou de Donald Pierson em Cruz das Almas). Pelo contrário, a tradição
preservase em sua transformação. Em um plano mais geral pode-se dizer, ela
não opera com a dicotomia tradição/modernidade. Esse é um caso relativamen-
te raro na sociologia de seu tempo. A relação de antagonismo entre tradição e
modernidade é a moeda corrente na maioria dos trabalhos que se fazem no
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
91 –
298
, ja
n. –
abr
., 20
20pequena homenagem a uma grande senhora
Brasil e na América Latina. É preciso superar o “atraso” para que se possa, enfim,
construir o projeto nacional almejado: ser moderno. Por fim, uma última con-
sideração. Quando se lê uma obra desse tipo, para além do que está sendo dito,
ela nos ensina sobre nossa própria história intelectual. Se nos países ocidentais
(França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Estados Unidos) a sociologia se funda a
partir do entendimento de um determinado tipo de modernidade (industriali-
zação, urbanização, burocratização etc.), entre nós os temas são outros: mes-
tiçagem, mundo rural, cultos afro-brasileiros, cultura popular. Esses são os
objetos privilegiados pelos precursores do pensamento sociológico (Nina Ro-
drigues, Sílvio Romero, Euclides da Cunha), temas que se prolongam, tratados
agora de outra forma, nos trabalhos de sociólogos e antropólogos. Isso signifi-
ca que a modernidade se realiza no Brasil de maneira distinta, e não “atrasada”
como era percebida pela perspectiva eurocêntrica. Ou seja, a expansão da so-
ciologia se faz levando em consideração os conceitos que a disciplina partilha
e os contextos no qual se realiza. Como costumo dizer, a língua sociológica,
comum àqueles que a praticam, só existe quando falada em seus diferentes
sotaques.
Recebido em 1/10/2019 | Aprovado em 7/1/2020
Renato Ortiz é professor titular do Departamento de
Sociologia da Unicamp. Pesquisador 1A do CNPQ. Doutor em
sociologia/antropologia pela École des Hautes Études en
Sciences Sociales (Paris), é autor de diversos livros:
A moderna tradição brasileira (1988), Mundialização e cultura
(1994), A diversidade dos sotaques: o inglês e as ciências sociais
(2008), todos pela Brasiliense; Universalismo e diversidade
(Boitempo, 2016); O universo do luxo (Alameda, 2019).
297
memória | renato ortiz
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Botelho, André & Carvalho, Lucas.. (2011). A sociedade em
movimento: dimensões da mudança na sociologia de Ma-
ria Isaura Pereira de Queiroz. Sociedade e Estado, 26/2.
Ortiz, Renato. (1985). Cultura brasileira e identidade nacional.
São Paulo: Brasiliense.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1992). Carnaval brasilei-
ro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1991). Variações sobre a
técnica do gravador no registro da informação viva. São Paulo:
T.A.Queiroz.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1983). Roger Bastide. São
Paulo: Ática (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1977a). O messianismo
no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa-Ômega.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1977b). Os cangaceiros.
São Paulo: Duas Cidades.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1976). O mandonismo
local na vida política brasileira. São Paulo: Alfa-Ômega.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1973). O campesinato
brasileiro. Petrópolis: Vozes.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. (1958). Sociologia e folclo-
re. São Paulo: Livraria Progresso.
Villas Bôas, Glaucia. (2014). Amizade e memória: Maria
Isaura Pereira de Queiroz e Roger Bastide. Lua Nova, 91.
NOTAS
* Intervenção feita na mesa-redonda “Maria Isaura Pereira
de Queiroz e o Trabalho Intelectual”, 19o Congresso de
Sociologia da Sociedade Brasileira de Sociologia, Floria-
nópolis, julho 2019.
1 Glaucia Villas Bôas (2014) aponta para esse aspecto quan-
do analisa sua relação com Bastide.
298
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
91 –
298
, ja
n. –
abr
., 20
20pequena homenagem a uma grande senhora
Palavras-chave
História das ideias;
teoria sociológica;
história das ciências sociais;
trajetória intelectual;
Maria Isaura Pereira de Queiroz.
Keywords
History of ideas;
sociological theory;
history of social sciences;
intelectual trajectory;
Maria Isaura Pereira de Queiroz.
HOMENAGEM A UMA GRANDE SENHORA
Resumo
Texto em homenagem a Maria Isaura Pereira de Queiroz.
Diferentemente da maioria dos estudos sobre a história
da sociologia brasileira, o autor toma a trajetória de Maria
Isaura no exterior, principalmente a publicação de seus
livros em outros idiomas, para entender determinados as-
pectos do campo intelectual nacional nas décadas de 1950,
1960 e 1970. Situa ainda a autora, uma mulher excepcional,
dentro das relações de gênero da época em que trabalha.
HOMAGE TO A GREAT WOMAN
Abstract
An article in homage to Maria Isaura Pereira de Queiroz.
Diverging from the majority of studies on the history of-
Brazilian Sociology, the author considers the intellectua
trajectory of Maria Isaura from the perspective of how her
writings were received abroad, beyond Brazil’s intellectual
frontiers. The publication of many of her books in foreign
languages sheds light on various aspects of the Brazilian
intellectual field in the 1950s, 60s and 70s. The article also
situates the author, a prominent woman of her time, with-
in the context of gender relations during the period when
she worked.
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 2
99 –
324
, ja
n. –
abr
., 20
20
A entrevista que se vai ler foi concedida pela socióloga Alzira Alves de Abreu
em dezembro de 2018, no Rio de Janeiro, como parte da iniciativa da revista
Sociologia & Antropologia em rememorar as experiências pretéritas de ensino e
pesquisa em ciências sociais da UFRJ por ocasião da comemoração dos 80 anos
de existência de seu curso, completados em 2019. Como o leitor poderá perce-
ber, a trajetória de Alzira se entrelaça com momentos significativos por que
passaram as ciências sociais no Rio de Janeiro em seus esforços de institucio-
nalização acadêmica e consolidação enquanto campo disciplinar, especialmen-
te com as atividades investigativas conduzidas no interior do Instituto de Ci-
ências Sociais (ICS), centro de pesquisas da antiga Universidade do Brasil (atu-
al UFRJ), criado em 1958. Nesse sentido, seu depoimento, além de constituir
fonte importante para o resgate da memória da instituição, fornece pistas
sugestivas para os estudiosos interessados em ampliar a compreensão que se
tem da história daquelas disciplinas na cidade.
Nascida em uma família de imigrantes portugueses de classe média, Al-
zira ingressou no curso de história e geografia da Faculdade Nacional de Filoso-
fia (FNFi) da Universidade do Brasil em 1954 (Abreu, 2012). Na instituição, apro-
ximou-se das ciências sociais sobretudo a partir da antropologia − cuja carga
horária era considerável na grade curricular, sendo ministrada nos três primei-
ros anos do curso −, assistindo às aulas de Marina São Paulo de Vasconcellos,
catedrática interina, e de Darcy Ribeiro, que então lecionava etnografia brasilei-
ra e língua tupi. Criada em 1939, na vigência do Estado Novo, em substituição à
O INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E A SOCIOLOGIA NO RIO DE JANEIRO: ENTREVISTA COM ALZIRA ALVES DE ABREU
Thiago da Costa Lopes I
1 Casa de Oswaldo Cruz (COC), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-6111-2645
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v10112
300
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
Universidade do Distrito Federal, por iniciativa do ministro da Educação e Saúde
Gustavo Capanema, a FNFi, cuja montagem contou com o envolvimento estreito
de Alceu Amoroso Lima, expressiva liderança da intelectualidade católica leiga,
esteve voltada prioritariamente para a formação de professores destinados ao
ensino secundário, constituindo um desafio perene para os quadros da univer-
sidade a rotinização da pesquisa científica e o prosseguimento de uma carreira
acadêmica em seu interior, e isto em razão de uma estrutura institucional per-
cebida como frágil, pouco favorável à autonomia didática e administrativa
(Schwartzman, Bomeny & Costa, 1984; Fávero, 1989; Almeida, 2001; Oliveira,
1995; Ferreira, 2013). Na segunda metade dos anos 1950, período em que Alzira
realizou sua graduação, tanto a pesquisa de natureza arquivística quanto o tra-
balho de campo permaneceram em segundo plano nos cursos da instituição
(Ferreira, 2013), informação que seu depoimento corrobora.
Não obstante esse cenário, as ciências sociais no Rio de Janeiro trilharam
caminhos alternativos na busca de condições para a realização da investigação
empírica sistemática. Os anos 1950 foram pródigos em projetos coletivos de
grande envergadura, como o Projeto Unesco de Relações Raciais, e em iniciati-
vas institucionais, como o Centro Brasileiro de Estudos Pedagógicos (CBPE) e o
Centro Latino-americano de Pesquisas em Ciências Sociais (Clapcs), que aca-
baram por albergar as atividades de pesquisa em ciências sociais na cidade a
partir da articulação entre atores, instituições e agendas investigativas locais,
agências estrangeiras e organismos multilaterais, como a Unesco (Peixoto, 2001;
Maio, 1997). Os rumos que Alzira imprime à sua carreira ao final da graduação
acompanham esse processo. Por intermédio de Darcy Ribeiro, com quem havia
trabalhado enquanto aluna da FNFi, realizando levantamentos arquivísticos na
Biblioteca Nacional, ela passa a atuar no CBPE, órgão criado em 1955 por Anísio
Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em colaboração
com a Unesco, que visava prover subsídios ao planejamento das políticas edu-
cacionais do país com base na investigação do universo sociocultural de dife-
rentes localidades e regiões brasileiras. Não apenas Darcy Ribeiro, que veio a
ser coordenador de cursos de formação de pesquisadores sociais e diretor da
Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do CBPE, mas uma gama de im-
portantes nomes das ciências sociais do período esteve vinculada ou desenvol-
veu projetos de pesquisa no âmbito da instituição, a exemplo de Luiz de Aguiar
Costa Pinto, Bertram Hutchinson, Oracy Nogueira, Manuel Diégues Júnior e
Florestan Fernandes, de modo que esta acabou se tornando um polo aglutina-
dor de cientistas sociais nacionais, que atuavam em cidades como Rio de Ja-
neiro e São Paulo, e estrangeiros (Oliveira, 1995). Com a saída de Darcy Ribeiro,
envolvido com a criação da Universidade de Brasília, e o clima de insegurança
que se instala no CBPE após o golpe de 1964, que instituiu o regime militar no
país, Alzira transferiu suas atividades, graças à intermediação de Roberto Car-
doso de Oliveira, antropólogo do Museu Nacional que conhecera naquela ins-
301
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
tituição, para o Instituto de Ciências Sociais (ICS), trabalhando com pesquisa
até a partida para o doutorado na França, em 1969.
O depoimento de Alzira sobre sua experiência no ICS, que constitui o
eixo principal da entrevista, assume particular relevo, em especial quando se
considera que o exame dessa iniciativa, ainda pouco pesquisada e conhecida,
pode servir para matizar as interpretações mais recorrentes sobre a história
das ciências sociais no Rio de Janeiro, geralmente concebida, em suas contra-
marchas e dificuldades, em oposição à relativamente bem-sucedida experiên-
cia paulista de institucionalização universitária. Centro investigativo da Uni-
versidade do Brasil que ganhou corpo em 1958, e que refletia o empenho de
seus quadros em suprir as insuficiências da instituição no terreno da pesquisa,
o ICS não esteve vinculado a nenhuma cadeira em particular, resultando, antes,
dos esforço de cooperação interdisciplinar de professores da Faculdade Nacio-
nal de Filosofia, da Faculdade Nacional de Direito, da Faculdade de Ciências
Econômicas e da Divisão de Antropologia do Museu Nacional. Por seu Conselho
Diretor passaram nomes como Evaristo de Moraes Filho, Themístocles Caval-
canti, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Luiz de Castro Faria, Victor Nunes Leal, Ro-
berto Cardoso de Oliveira e Marina São Paulo de Vasconcellos, Darcy Ribeiro e
Lineu de Albuquerque Mello.
Ao ingressar no corpo técnico de pesquisadores do instituto, que fun-
cionava com base em recursos da própria universidade, Alzira passou a traba-
lhar, ao lado de Maria Luiza Carvalho Proença, que também pertencera aos
quadros do CBPE, nas investigações sobre o empresariado brasileiro sob res-
ponsabilidade de Luciano Martins, sociólogo formado na Universidade do Bra-
sil que havia sido contratado para atuar como professor do Curso de Desenvol-
vimento Econômico das cadeiras de sociologia da FNFi e da Faculdade Nacional
de Ciências Econômicas (Martins, 1968), cadeiras entre cujos responsáveis es-
tava Costa Pinto. A fim de proceder a uma ampla radiografia do setor, identifi-
cando suas origens, composição social e padrões de comportamento econômi-
co e político, a equipe de pesquisadores do ICS realizou levantamentos de dados
oficiais dos maiores grupos empresariais nacionais, além de entrevistar e apli-
car questionários a seus dirigentes. Em um segundo momento, o interesse dos
estudiosos em compreender o envolvimento desses agentes com as políticas
de desenvolvimento industrial das décadas de 1930 e 1940 levou Alzira à pes-
quisa em arquivos privados de atores que ocuparam posições-chave no gover-
no brasileiro, como o de Getúlio Vargas.
Os estudos dirigidos por Martins, que contaram com recursos do Insti-
tuto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social das Nações Unidas
(Martins, 1968, p. 166), constituíam, por sua vez, um desdobramento do amplo
projeto de pesquisa coordenado por Maurício Vinhas de Queiroz acerca dos
grupos multibilionários, nacionais e estrangeiros, em atuação no Brasil. Con-
forme indicou Villas Bôas (2019, p. 302), das discussões e seminários promovi-
302
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
dos por esses pesquisadores participaram com frequência cientistas sociais
vinculados à Universidade de São Paulo, como Florestan Fernandes, Fernando
Henrique Cardoso e Francisco Weffort. José de Souza Martins, por recomenda-
ção de Cardoso, chegou a trabalhar nas pesquisas do ICS como assistente de
Maurício, e parte dos seus achados foram utilizados na tese que defendeu na
USP, sob a orientação de Florestan, tratando da formação do grupo econômico
chefiado pelo conde Matarazzo. Ademais, por meio das pesquisas sobre o em-
presariado conduzidas no ICS, os sociólogos situados no Rio de Janeiro partici-
param dos acalorados debates em torno do desenvolvimento brasileiro, das
possibilidades de que o país ingressasse no rol das nações modernas, galgando
autonomia econômica e quebrando os laços de dependência com as grandes
potências, temas que povoaram o imaginário dos anos 1950 e ao qual as ciências
sociais não permaneceram indiferentes (Villas Bôas, 2019, p. 302-303). Embora
as teses de Fernando Henrique Cardoso tenham se tornando mais conhecidas
a esse respeito (Rodrigues, 2009), os estudiosos do ICS enveredaram igualmen-
te pela crítica à visão, então bastante difundida nos meios nacionalistas de
esquerda, e adotada, grosso modo, nos anos 1950, pelos quadros do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), instituição sediada no Rio de Janeiro, e
pelo Partido Comunista Brasileiro, segundo a qual a denominada burguesia
nacional constituía ator-chave nas transformações socioeconômicas que, com
base em um processo de contínua e acelerada industrialização orientada pelo
planejamento estatal, acabariam por levar à superação dos entraves ao desen-
volvimento representados pelos interesses dos setores “arcaicos” da sociedade,
ligados ao latifúndio agrário-exportador. Nesse caso, como os estudos de Mar-
tins (1968, p. 107-161) permitem entrever, esses pesquisadores contribuíram, ao
lado de cientistas sociais em atuação em São Paulo, para problematizar a ideia
de protagonismo histórico que o conceito de burguesia nacional pressupunha,
assinalando os nexos de dependência que ligavam o empresariado brasileiro
ao capital estrangeiro, ao Estado e aos grandes produtores agrícolas, bem como
suas posturas tímidas frente aos ideais de reforma que, a princípio, deveria
encampar, assumido a liderança do processo político. Ademais, de acordo com
o sociólogo, a conjuntura pós-1964 já não autorizava perspectivas otimistas
quanto às mudanças sociais e políticas que poderiam advir do desenvolvimen-
to do país em moldes capitalistas (Martins, 1968, p. 11-14).
Tais indicações, relativas à amplitude das tomadas de posição crítica em
face do nacional-desenvolvimentismo nas ciências sociais, que envolveram
pesquisadores tanto do Rio quanto de São Paulo, são reforçadas pelo depoimen-
to de Alzira. Elas nos lembram que, além das diferenças quanto às circunstân-
cias que marcaram seus respectivos esforços de institucionalização, exploradas
pela bibliografia, houve trocas, conexões e circulação entre atores e instituições
situados nas duas cidades, quadro intrincado que se abre à investigação quan-
do nos afastamos das rígidas chaves dualistas de leitura, como aquelas que
303
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
tenderam a opor, na história das ciências sociais, a experiência carioca, fre-
quentemente pensada a partir do Iseb, à experiência paulista.1
Incorporado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) com a Re-
forma Universitária de 1967, o ICS não ficou imune à maré autoritária dos anos
1960, e o recrudescimento do regime militar após o Ato Institucional n.5 pro-
duziu uma atmosfera de insegurança que repercutiu nos quadros da instituição,
comprometendo a continuidade de suas atividades e o financiamento das pes-
quisas (Amorim, 1999). Seguindo a trilha aberta por Luciano Martins, que des-
de 1968 se encontrava em Paris, cidade que recebeu diversos intelectuais bra-
sileiros vivendo no exílio, como Celso Furtado, Alzira partiu para o doutorado
na Université Paris-Descartes (Paris V). Entre 1970 e 1975, ela se dedicou, sob a
orientação de François Bourricaud, estudioso da América Latina, a um exame
da experiência do Iseb à luz dos estudos sobre os “grupos de interesse”, conce-
bidos como atores organizados que buscavam se colocar na posição de inter-
mediários entre o Estado e diferentes segmentos da sociedade, funcionando
como canal para a expressão de diferentes demandas junto às instâncias do
poder (Abreu, 1975).
A tese de Alzira, intitulada Nationalisme et action politique au Brésil: une
étude sur l’Iseb, sugere que, a despeito do cenário adverso com que o ICS se de-
frontou, as discussões sobre desenvolvimento que transcorreram em seu inte-
rior tiveram repercussão nos anos subsequentes. Em seu trabalho, à semelhan-
ça de estudos produzidos na USP no mesmo período, como o de Caio Navarro de
Toledo, Alzira buscava examinar criticamente a atuação do Iseb partindo daque-
las leituras sociológicas sobre o desenvolvimento brasileiro mais céticas quanto
aos papéis a ser desempenhados pelos grupos industriais nacionais. Em suas
conclusões, ela observa que, contrariamente ao que preconizavam os ideólogos
do nacional-desenvolvimentismo, os industriais não percebiam quaisquer con-
tradições entre seus interesses e aqueles mantidos pelos setores agrários, en-
xergando-os, ao contrário, como importantes fontes de divisas para a incorpo-
ração de tecnologia estrangeira à produção local. Ademais, sua associação es-
treita com o capital estrangeiro fazia cair por terra as expectativas de maior
autonomia nacional, aprofundando os vínculos de dependência com o capita-
lismo mundial (Abreu, 1975, p. 301-302). Ao apontar para os limites do naciona-
lismo como instrumento ideológico de combate destinado a impulsionar as
mudanças, Alzira se apoiava em análises sociológicas que, oriundas das pesqui-
sas do ICS e da USP, buscavam fornecer, em substituição a modelos teóricos de
desenvolvimento julgados por demais abstratos, etapistas e lineares, visões
mais nuançadas acerca das circunstâncias históricas concretas que haviam pre-
sidido os surtos industrializantes do país (Abreu, 1975, p. 256-262).
Além de fornecer elementos para o debate em torno do desenvolvimen-
to, o ICS constituiu o espaço das primeiras experiências de pesquisa de cien-
tistas sociais cujos trabalhos se tornaram conhecidos nas décadas seguintes,
304
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
como Gilberto Velho, Yvonne Maggie e Alba Zaluar. Nomes que passaram pelo
instituto também tiveram papel relevante, posteriormente, na conformação de
centros de estudo, como foi o caso do Cpdoc, da Fundação Getulio Vargas, de
cuja montagem participaram Celina Vargas do Amaral Peixoto, que estagiou no
ICS, e a própria Alzira, que revela, em seu depoimento, a riqueza das experiên-
cias de pesquisa do instituto e a importância que teve, para a sua atividade
profissional, o trabalho com arquivos privados iniciado no âmbito das investi-
gações dirigidas por Luciano Martins. Iluminando um momento ainda pouco
estudado da história das ciências sociais no Rio de Janeiro, a entrevista com
Alzira oferece a oportunidade de rememorar o passado e, ao mesmo tempo, de
refletir sobre questões de pesquisa que ainda hoje merecem ser exploradas.
Tiago da Costa Lopes. Boa tarde. Hoje é dia 18 de dezembro de 2018. Estamos
aqui a fim de conversar com a professora Alzira Alves de Abreu para a seção
de Memória, da revista Sociologia & Antropologia, sobretudo interessados em
rastrear um pouco a história do ICS, futuro Ifcs, e do curso de ciências sociais
da UFRJ. Para começar nossa conversa, é sempre interessante que se faça pri-
meiro um panorama de sua formação. Quando a senhora chegou no curso?
Alzira Alves de Abreu. Fiz, na antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Eu fiz
curso de história e geografia.
T.C.L. Ainda era o curso de história e geografia oferecido conjuntamente?
A.A.A. Era sim. Quando terminei a faculdade, eu fui convidada por Darcy Ribei-
ro, que era o professor de antropologia da Faculdade Nacional de Filosofia, pa-
ra trabalhar com ele no CBPE, Centro de Pesquisa e Documentação. Então tra-
balhei com Darcy muitos anos. Fiz pesquisa em educação. Quando Darcy foi
embora para Brasília, criar a Universidade de Brasília, o CBPE ficou meio sem
nada e acabou. Aí veio 1964. Vamos lembrar que tudo começou a ficar muito
ruim. A situação ficou muito ruim, e nós não tínhamos o que fazer lá. O que
importa é que, quando chegou 1964, nós estávamos muito mal no CBPE. Então
Roberto Cardoso de Oliveira, que era do Museu Nacional, me convidou, junto
com Maria Luiza de Carvalho Proença, para trabalhar com Luciano Martins no
Instituto de Ciências Sociais, aqui na Marquês de Olinda.
A situação no CBPE estava muito ruim. Então aceitei. Nós fomos lá con-
versar com Luciano Martins, que estava começando uma pesquisa. O que eu
posso contar é que eu fui ver com Luciano Martins o que ele estava fazendo.
Era uma pesquisa sobre a tomada de decisão quanto ao desenvolvimento in-
305
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
dustrial brasileiro. Na ocasião, ele dizia que eram dez decisões estratégicas
para o desenvolvimento. E precisava de pessoas que fossem trabalhar com ele.
Aceitei. Então, pedimos transferência de lá para o instituto e fui trabalhar nes-
sa pesquisa. Luciano queria começar com a tomada de decisão e criação da
indústria siderúrgica de Volta Redonda. Então lá fui eu trabalhar com Maria
Luiza, que já morreu. É uma pena que não dê para ela contar a história. E o que
era a pesquisa? Eu queria chamar a atenção disso. Nós fomos trabalhar em uma
pesquisa numa época em que ainda não se usava muito trabalhar com arquivos.
Luciano falava assim: “Nós temos que fazer a pesquisa sobre a criação de Vol-
ta Redonda. Como foi criado isso? Quem criou? Como é que saiu isso?”
T.C.L. A senhora diz nas ciências sociais?
A.A.A. Sim, nas ciências sociais. Luciano era das ciências sociais. Eu trabalhava
com sociologia e antropologia. Então nós começamos a trabalhar. Como se criou
Volta Redonda? Que história foi essa? De onde saiu isso? Isso é uma coisa im-
portante. Nós fomos vendo que essa decisão tinha sido tomada no período de
Getúlio. E como é que havia se tomado essa decisão de criar Volta Redonda?
Então fomos procurar Alzira Vargas do Amaral Peixoto, que tinha o arquivo de
Getúlio Vargas. Fomos consultar, para fazer essa pesquisa, o arquivo de Getúlio
Vargas. Na ocasião, não tinha essa coisa de consultar arquivo privado. Quem
fazia isso eram os americanos. Eu lembro que os pesquisadores americanos
que vinham fazer pesquisa no Brasil já consultavam arquivos privados e já
consultavam os arquivos na casa de dona Alzira Vargas.
T.C.L. Quem eram esses americanos?
A.A.A. Você vai pegar todos os pesquisadores americanos dessa época. Agora
aqui eu não vou lembrar. Eles vão fazer pesquisa sobre o Brasil, sobre a história
do Brasil do período.
T.C.L. São historiadores?
A.A.A. Historiadores e cientistas sociais. Eles já faziam isso. Eu lembro que,
quando nós chegamos na casa de dona Alzira, perguntando se podíamos con-
sultar o arquivo Vargas, ela disse que os americanos já tinham ido lá fazer isso.
Ela tinha aberto os arquivos para os americanos. Então ela abriu os arquivos
para nós. Começamos a consultar os arquivos pelo arquivo Vargas. Depois con-
sultamos outros arquivos. Se você quiser, eu trouxe aqui o livro de Luciano.
Aqui tem os arquivos que nós consultamos. Eu não me lembro direito. Arquivo
Vargas, o arquivo de Barbosa Carneiro, Horta Barbosa, Lourival Fontes, Lúcio
Meira, Ibá Jobim Meireles... Na ocasião, não era muito comum consultar arqui-
306
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
vos privados. Nós consultávamos muito mais o arquivo público. Então fizemos
essa pesquisa e entrevistas, coisa que também não era muito comum. Come-
çamos a entrevistar as pessoas que participaram de tudo. Fomos entrevistando.
E quem trabalhou nesse grupo que Luciano constituiu? Celina Vargas do Ama-
ral Peixoto, que era estudante da PUC e foi trabalhar conosco. Alba Zaluar tam-
bém foi nossa colega, Ayrton, Ana Maria Roiter. Muitas pessoas foram estagiá-
rias nesse grupo.
T.C.L. Essa era a pesquisa coordenada pelo Maurício Vinhas de Queiroz, dos
grupos multibilionários, ou era a pesquisa de tese de Luciano Martins?
A.A.A. Não. Depois é que se transformou na tese dele de doutorado de Estado,
na França. Depois ele vai para a França e usa esse material para fazer a tese de
doutorado. Eu acho que foi uma experiência. Eu queria lembrar também que
não foi só o grupo de Luciano Martins. Tinha o grupo de Luciano Martins no
Instituto de Ciências Sociais, o grupo de Maurício Vinhas de Queiroz, do qual
Stella fazia parte...
T.C.L. E como era a dinâmica desses grupos? Eles se encontravam para discutir
as pesquisas? Como essas pesquisas se articulavam?
A.A.A. Nós nos encontrávamos. Fazíamos reuniões para discutir o trabalho,
como estava o andamento e o que estávamos fazendo. Nós fazíamos isso.
T.C.L. E as atividades do ICS tinham uma conexão forte com alguma instituição
de ensino, como a própria UFRJ ou a PUC?
A.A.A. Não, não tinha nada a ver. Era totalmente distante das instituições. Era
a pesquisa e só. Essas pessoas vinham como estagiários e faziam a pesquisa.
Nós ensinávamos a fazer isto e aquilo, pedíamos para levantar dados e reco-
mendávamos a leitura de tais e tais livros. Fizemos pesquisa sobre a siderúr-
gica de Volta Redonda, a criação da Petrobras, do BNDES e da indústria auto-
mobilística. Esses eram os temas que tratávamos, com cada um trabalhando lá.
T.C.L. Quais são as questões que estruturam esses temas? O que está sendo
discutido nesse momento? Tem a questão do desenvolvimento?
A.A.A. Tem a questão do desenvolvimento, sim. No caso de Luciano, ele estava
trabalhando com a industrialização, o processo de desenvolvimento industrial
do Brasil, e estava muito preocupado com o papel do industrial, qual era o papel
que esse industrial estava tendo nesse processo, o papel do industrial nacional.
Falava-se muito sobre o papel do industrial estrangeiro. Ele então vai discutir o
307
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
papel do industrial brasileiro, e nós trabalhávamos com esse industrial. Nós os
entrevistávamos e investigávamos quem eram e de onde vinham. Na época, era
algo novo para nós. Fernando Henrique Cardoso já estava trabalhando com isso
e era muito ligado a Luciano Martins. Weffort... Eram frequentadores ali do ins-
tituto Fernando Henrique Cardoso, Maria da Conceição Tavares... Ela ia muito lá.
T.C.L. No Instituto de Ciências Sociais?
A.A.A. É. Ela ia lá e discutia conosco.
T.C.L. Eles iam como convidados para alguma atividade?
A.A.A. Não. Eles iam lá porque eram amigos de Luciano e queriam discutir o
assunto. Luciano chamava. Fernando Henrique ia discutir o tema porque esta-
va trabalhando com o processo de industrialização. Todos trabalhavam com
isso. Conceição Tavares estava trabalhando também.
T.C.L. Celso Furtado também frequentava o instituto?
A.A.A. Celso Furtado era muito amigo de Luciano também. Conheci toda essa
gente ali. Todos apareciam ali por causa dos temas que estavam sendo tratados.
T.C.L. É interessante, porque Fernando Henrique tem uma interpretação muito
própria sobre como ele se posicionava nesse debate sobre o papel da burguesia
nacional.
A.A.A. É, o papel da burguesia nacional. Exatamente.
T.C.L. De certa maneira, é uma discussão que está colocada ali. E como seria
então essa tese de Luciano Martins nesse debate mais amplo sobre a burguesia
nacional?
A.A.A. Ele quer mostrar exatamente como é um momento novo do Brasil, como
esses novos empresários estão chegando. Eu trouxe até o livro aqui. Não sei se
vocês conhecem. É a tese dele. Na tese, ele vai trabalhar exatamente com isso.
Como é que o empresário chega nesse momento e começa a ter uma nova ati-
tude e tomar uma posição importante no processo de desenvolvimento? Ele vai
ter outro papel. Não vai só assistir. Ele vai ser um incentivador e investir mui-
to. Começa o maior investimento do empresário industrial brasileiro.
T.C.L. E como funcionava em termos de recursos? Fazer pesquisa era difícil,
especialmente na universidade do Brasil.
308
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
A.A.A. Era dinheiro da universidade. Eu não me lembro muito bem, mas acho
que Luciano tinha recursos de outras instituições. Tem que ver isso. Eu não
tenho muita certeza, mas ele tinha recursos de outras instituições. Ele tinha
muitos contatos e trazia mais recursos. Mas nós éramos todos contratados
pela universidade. Nós éramos do Ministério da Educação.
T.C.L. O contrato era como pesquisador?
A.A.A. Isso, como pesquisador.
T.C.L. É um contrato que não existe mais nesses termos. E, de certa maneira, é
uma forma disjuntiva, não é? Ou se é professor ou se é pesquisador? É isso?
A.A.A. Nós não éramos professores, e sim pesquisadores. Fazíamos pesquisa e
etc. Eu não me lembro direito, mas chegou uma época em que junta a universi-
dade. Essas datas são difíceis para mim, mas eu queria lembrar que junta a
universidade, a Faculdade Nacional de Filosofia. Acho que é em 1967. Aí os alu-
nos de história vão para o ICS. Eu me lembro bem disso. Acho que foi em 1967.
T.C.L. Com a reforma universitária, certo?
A.A.A. É, a história passou a fazer parte do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais. Aí ela vem para a Marquês de Olinda. Nós éramos um grupo tranquilo.
Todo mundo tinha sua salinha. Tinha o grupo de Maurício. Tinha o grupo de
Pessoa de Queiroz. Eram três grupos de pesquisa: de Luciano, de Maurício e de
Pessoa de Queiroz. Pessoa de Queiroz também fazia pesquisa na área econômi-
ca. Como eu disse, Maurício tinha estagiários como Gilberto, Yvonne e Hélio. E
tinha Stella, que era assistente de Maurício e também fazia parte dos grupos
econômicos. E tinha Pessoa de Queiroz, que logo depois foi embora para os
Estados Unidos. Depois os alunos de história vão para o instituto. Você não
pode imaginar o que era. A polícia chegava, e os meninos corriam para a nossa
sala, porque eles faziam manifestações ali e tudo o mais. Aí a polícia vinha. Nós
escondíamos os alunos. “Entra aqui. Fica ali.” Nós escondíamos os meninos
quando a polícia chegava e dizíamos que não tinha ninguém ali. Era uma con-
fusão. Vocês não podem imaginar o que era. Era o período áureo da repressão,
e os meninos faziam a maior confusão. Eles faziam a provocação e, quando a
polícia chegava, eles corriam e se escondiam. Eles iam lá para a nossa sala e
pediam ajuda, e nós os escondíamos.
T.C.L. Isso era na faculdade de história ou de ciências sociais?
A.A.A. Era história e ciências sociais.
309
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
T.C.L. A filosofia não estava?
A.A.A. Eu me lembro que eles ficavam lá atrás. Nós tínhamos... Agora não tem
mais. Hoje tem um prédio no lugar. Mas antes era uma casa. Atrás é que ficavam
os alunos. O ensino ficava atrás e nós ficávamos na frente. Eu lembro que eles
corriam, iam para a nossa sala e pediam para ficar ali. Era uma bagunça.
T.C.L. E a diretora era Marina São Paulo de Vasconcellos?
A.A.A. Olha, eu me lembro muito do doutor Evaristo de Moraes. Depois era a
dona Marina Vasconcellos, que era uma figura maravilhosa, que nos ajudava e
nos incentivava muito. Acho que foi na fase dela que se deu a fusão e essa
coisa toda. Então foi isso. Não tenho muito o que falar. Eu queria me lembrar
disso. Foi um período muito importante para a pesquisa de ciências sociais, do
qual eu e Maria Luiza participamos como pesquisadoras com Luciano Martins.
Agora, se vocês quiserem, tem os estagiários que fizeram parte disso. Nós en-
sinávamos e mandávamos fazer pesquisa nos arquivos públicos, e ele nos aju-
davam nas entrevistas e faziam levantamento bibliográfico. Bom, nesse perío-
do todo, Luciano vai para a França fazer doutorado. Eu também, em 1969. Aí
junta tudo isso. Eu lembro que Celso Furtado incentivava muito ir para a Fran-
ça fazer doutorado. Ele, aliás, é quem faz o contato na França para eu ir fazer
meu doutorado na École de Troisième Cycle. Luciano faz o doutorado de Estado,
o Doctorat d’État, eu faço o Troisième Cycle. Fico na França até 1973. Depois volto
ao Brasil para acabar minha tese e só retorno à França para defender. Luciano
voltou antes. Quando eu voltei, o instituto aqui tinha acabado.
T.C.L. Lá no Centro?
A.A.A. Ali na cidade, no Largo de São Francisco, onde era a escola politécnica.
T.C.L. Quando a senhora diz que era um momento muito importante da pes-
quisa em ciências sociais no Rio de Janeiro, o que se fazia em termos de pes-
quisa na cidade? Qual era o lugar do instituto no mundo das ciências sociais
nesse período?
A.A.A. Tinha aquele instituto de ciências sociais em que se fazia pesquisa. Co-
mo era o nome? Era aquele que tinha Wanderley Guilherme dos Santos.
T.C.L. O Iseb?
A.A.A. Não, o Iseb é uma coisa. Até minha tese é sobre o Iseb. Não, depois do
Iseb tem um instituto.
310
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
T.C.L. O antigo Iuperj?
A.A.A. É o Iuperj. Aí eles vão fazer tudo. É isso que eu me lembro.
T.C.L. A senhora se lembra de algum tipo de interação ou contato com o Centro
Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais?
A.A.A. Tivemos contato. Eu me lembro bem. Qual era o nome dele?
T.C.L. Manuel Diégues Júnior?
A.A.A. Isso, eu o conhecia bem.
T.C.L. E como era essa relação?
A.A.A. Muito boa. Nós tínhamos uma relação boa com eles. Discutíamos muito
o trabalho que eles faziam também. O Instituto da América Latina era impor-
tante.
T.C.L. É curioso, porque tanto o Clapcs quanto o ICS, dois lugares importantes
da pesquisa no Rio de Janeiro, eram desconectados do ensino.
A.A.A. É, os dois não tinham nada de ensino. Eram só centros de pesquisa.
T.C.L. Não havia nenhum esforço nesse sentido de interligar essas atividades
e de trazer esses estudantes?
A.A.A. Não, nós trazíamos apenas estagiários. Quando precisávamos de um
estagiário, íamos buscar na faculdade. Chegávamos lá e perguntávamos: “Quem
conhece alguém que queira vir aqui?” Eu lembro que veio muito mais gente da
PUC do que de outros lugares. Nossos estagiários vinham mais da PUC.
T.C.L. Existia alguma mediação específica?
A.A.A. É porque um conhecia o outro e indicava. Era mais por aí.
T.C.L. É que nós temos a impressão de que, no caso da Faculdade Nacional de
Filosofia, como durante uns 20 anos, o catedrático efetivo foi o Hildebrando
Leal... É uma figura sobre a qual nós conhecemos muito pouco, mas parece que
ele não tinha nenhuma orientação de pesquisa na cadeira de sociologia. A
senhora conheceu o Hildebrando? Como ele era?
311
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
A.A.A. Conheci. Olha, ele era uma pessoa que não tinha nenhum... Eu lembro
que, quando eu voltei da França e o instituto tinha acabado, eu fui lá para o Ifcs.
Aquilo era uma tragédia, porque não tinha pesquisa. Acabou. Quando eu esta-
va estudando lá, não tinha pesquisa. O que eu podia fazer? Agora, quando eu
saí e fui trabalhar com Darcy Ribeiro, ele sim começava a fazer pesquisa. Quan-
do eu fui aluna de Darcy, fui para Biblioteca Nacional e tudo o mais fazer pes-
quisa com ele. Isso como aluna.
T.C.L. Isso ainda no curso de história e geografia? A senhora se aproximou mais
de Darcy?
A.A.A. Isso, no curso de história e geografia, e fui fazer pesquisa com Darcy.
Yedda Linhares era uma pessoa que fazia pesquisa também, mas não era como
nós fazíamos com Darcy. Ele mandava fazer um tema, fazer um levantamento
na biblioteca e ver o arquivo tal. Isso não existia.
T.C.L. Como eram as aulas de Darcy Ribeiro?
A.A.A. Ele era muito criativo. Tinha uma criatividade muito grande e sempre
inventava coisas. Você tinha que saber as novidades. Eu me entusiasmei com
as aulas de Darcy. Eu ainda era aluna quando ele começa a me botar para fazer
pesquisa em biblioteca e arquivo. Eu fazia pesquisa sobre índio. Quando acabei,
ele me levou para o CBPE.
T.C.L. É interessante, porque era um trabalho de pesquisa arquivística, porque
a cadeira dele era etnologia do Brasil. Mas não chega a ter nenhum trabalho de
campo ou alguma articulação com o Museu Nacional?
A.A.A. Não.
T.C.L. Um traço também interessante desse período e que, em algumas versões
da história das ciências sociais, é visto como negativo – embora não vejamos
assim – era a profunda relação entre os pesquisadores, o pessoal de sociologia,
e outras atividades, no campo cultural e político. O próprio Darcy Ribeiro tam-
bém foi chefe de gabinete.
A.A.A. É, depois ele vai ser político.
T.C.L. O próprio Luciano Martins. Destacamos isso porque, por um acaso mui-
to interessante, o Ifcs recebeu, há pouco tempo, o arquivo de Luciano Martins.
Ele trabalhou como jornalista durante um tempo.
312
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
A.A.A. É, ele foi jornalista do Jornal do Brasil.
T.C.L. Pois é. Esse era um traço dessa geração que marca de modo diferente as
ciências sociais. Naquele momento, isso era visto como um problema? Porque
existe uma tendência de ver como um problema, pensando em certas versões
da história das ciências sociais. Vocês viam assim?
A.A.A. Não.
T.C.L. Esse problema se colocava para vocês nesse período? Era visto como uma
incompatibilidade?
A.A.A. Não. Ninguém discutia isso. Eu nunca discuti isso.
T.C.L. Porque é como se fosse um entrave a uma tentativa de profissionalização.
A.A.A. Não. Por exemplo, Darcy Ribeiro foi um cara que teve um papel impor-
tante na antropologia durante um determinado momento e depois larga tudo.
Ele vai criar a Universidade de Brasília e depois vira político.
T.C.L. Eu queria, se possível, explorar a experiência da senhora na Faculdade
Nacional de Filosofia, pensando o curso de história e geografia. Muito pouco se
sabe desses cursos nessa época. E eu estou pensando especialmente nas dis-
ciplinas e nos professores do curso de geografia. A senhora se lembra dessa
experiência?
A.A.A. Olha, eu lembro que tinha um professor de geografia que era muito bom.
Como ele se chamava mesmo?
T.C.L. Hilgard Sternberg, de geografia do Brasil.
A.A.A. É. Acho que era isso. Porque tinha umas pessoas muito ruins. Não queria
nem falar isso, porque fica chato. Na história, tinha a Yedda Linhares. Era um
curso excelente. Isso não tem dúvida nenhuma. Ela nos botava para pensar e
fazer pesquisa. Pesquisa bibliográfica, é importante frisar. Ninguém fazia pes-
quisa. Agora, vocês sabem como era Hélio Viana. Era decorar o livro dele. Tinha
um de história da América também.
T.C.L. Era Sílvio Júlio de Albuquerque Lima? A senhora teve aula com ele?
A.A.A. Tive.
313
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
T.C.L. Como era Sílvio Júlio? Porque ele é dessas personagens pouco conhecidas.
A.A.A. Ele também não tinha nada de importante. Eram pessoas que não te
transmitiam nada, que não despertavam nada. Eu me lembro disso. Agora, his-
tória com Yedda, sim. Nós chegávamos a brigar. Tinha Marina Vasconcellos, que
era professora de antropologia. Darcy Ribeiro entra depois, já no final. Eram
pessoas que te despertavam o interesse em pesquisa, em pensar e discutir. Os
outros, não. Eu lembro que, com Hélio Viana, nós tínhamos que decorar o livro
dele e repetir aquilo para ter nota. Em história da América também não tinha
ninguém bom. Era ruim também. Então, quando tem professores que chegam
e põem a coisa para cima, como Darcy Ribeiro e Yedda, que nos faziam pensar,
que discutiam... Tinha também o Francisco Falcon, assistente de Yedda. Era
outro que nos colocava para discutir.
T.C.L. A senhora conhecia os outros professores de ciências sociais dessa épo-
ca, como Djacir Menezes?
A.A.A. Eu conheci, mas não fui aluna. De Djacir Menezes, fui aluna muito bre-
vemente.
T.C.L. Carneiro Leão nessa época dava aula de didática e era o diretor da facul-
dade.
A.A.A. É, mas também não tinha a menor importância. Eram pessoas que não
despertavam nada em você.
T.C.L. E havia alguma interação entre os cursos, entre alunos de ciências sociais,
história e geografia? Havia algum trânsito entre as cadeiras?
A.A.A. Não. Praticamente nada. Tenho que pensar um pouco, porque não estou
lembrando. De sociologia, tinha o Costa Pinto.
T.C.L. Que era da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, certo?
A.A.A. Mas o Costa Pinto era de sociologia lá do Ifcs.
T.C.L. Mas ele só vai ser catedrático em 1958, certo?
A.A.A. É, eu me lembro do Costa Pinto como assistente. Mas eu não era aluna
dele, era de história. Só conhecia porque era amiga de pessoas da área de ci-
ências sociais. Por exemplo, Maria Luiza, que era de ciências sociais. Então nós
discutíamos muito com pessoas da área.
314
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
T.C.L. Quando a senhora diz que alguns professores davam aulas que desperta-
vam o interesse e outros não, eu me pergunto sobre as clivagens político-ideo-
lógicas que também existiam no ambiente acadêmico.
A.A.A. É, claro. Tinha isso.
T.C.L. Hilgard Sternberg, por exemplo, ficou conhecido, ou pelo menos era tido,
como um professor mais conservador. Era católico. Como era isso?
A.A.A. É. Tinha o Eremildo Vianna.
T.C.L. Como isso se dava? Como a senhora percebia isso?
A.A.A. Na época, isso para nós já era uma questão. Havia uma perseguição.
Isso começa depois que eu saio da faculdade. Então veio 1964. É aí que começa.
Mas já havia uma diferença em relação a quem era de direita, católico e essa
coisa toda.
T.C.L. Havia essa marca de um professor católico? Isso estava colocado?
A.A.A. Estava, se defendiam posições católicas e tudo o mais.
T.C.L. Os cursos de ciências sociais e história funcionavam no mesmo prédio,
na atual Casa de Itália?
A.A.A. Primeiro, sim. Depois história e ciências sociais vieram para cá. Depois
voltou tudo para o Largo de São Francisco.
T.C.L. Não tinha então uma integração forte dos alunos em relação aos cursos
e aos catedráticos?
A.A.A. Não. Não me lembro muito disso. Nós tínhamos contato, é isso.
T.C.L. Então a clivagem mais forte em termos políticos era com católicos (talvez
alguns ex-integralistas) e comunistas?
A.A.A. Hélio Viana era de história do Brasil. Era um cara católico. Não sei se
vocês sabem, mas era isso.
T.C.L. É interessante, porque, em meados dos anos 1950, essas clivagens ainda
estão colocadas na Universidade do Brasil.
315
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
A.A.A. É. Enfim, eu tenho pouco a dizer. Não me lembro mais. Já faz tanto tem-
po, que já até esqueci. Mas aí foi isso. Quando eu volto da França, já está tudo
no Largo de São Francisco. Eu voltei e fui me apresentar lá, depois do doutora-
do. Era o Eduardo Prado Mendonça o diretor? Eu tenho isso anotado, porque eu
queria lembrar o nome dele. Era Eduardo Prado de Mendonça. Quando eu volto
da França, ele era o diretor da Faculdade Nacional de Filosofia, que já era ali no
Largo de São Francisco. Eu lembro que eu volto, depois de fazer minha tese
sobre o Iseb, e vou falar com o Eduardo Prado. Ele vira para mim e diz: “A se-
nhora pode saber que aqui não tem mais pesquisa nenhuma. A senhora aqui
vai dar aula. Não tem mais pesquisa nenhuma.” Era assim. Aí eu fui dar aula.
Não tinha pesquisa nenhuma. Eu brigava e falava com os alunos para pensarmos
em fazer alguma coisa. Mas não, só podia dar aula, não podia fazer pesquisa.
T.C.L. E já era a estrutura atual de departamentos, certo?
A.A.A. Eu era do Departamento de Ciências Sociais.
T.C.L. É muito interessante sua pesquisa pensar a atuação do Iseb. Mas isso
parte de que discussão? Qual é o contexto desse interesse em pensar a atuação
do Iseb? Está ligada a alguma forma de avaliar criticamente a visão do Iseb
sobre o desenvolvimento?
A.A.A. É sobre o desenvolvimento. Era uma discussão que eu fazia muito com
Luciano Martins sobre o desenvolvimento. É um grupo de intelectuais que quer
discutir e levar adiante o desenvolvimento brasileiro. Eu escolho o Iseb como
tese. Vou fazer a tese e venho para cá. Saio da França e passo uns meses aqui
fazendo entrevistas com todo o pessoal do Iseb. E aí, quando eu volto da Fran-
ça, a Faculdade Nacional de Filosofia não tinha mais pesquisa. “Não tem pes-
quisa. Você vai dar aula.” Eu lembro que isso me chocou terrivelmente, porque
eu estava no instituto aqui, fazendo pesquisa, e fui para a França também fazer
pesquisa. Toda a minha experiência na França foi fazendo pesquisa. E, quando
chego aqui, me dizem: “Vai dar aula. Não tem nada de pesquisa.” Isso foi em
1973 ou 1974, quando eu volto.
T.C.L. É interessante porque o ICS, salvo engano, é pensado desde 1951 e cria-
do em 1958. O Iseb, nesse momento, já é uma instituição muito importante. Não
havia então uma dinâmica de concorrência entre o Iseb e o ICS?
A.A.A. Não.
T.C.L. Como é que se dava essa relação em termos político-ideológicos? Porque
aparentemente, no ICS, havia uma postura mais crítica ao desenvolvimentismo.
316
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
A.A.A. É, mas não tem essa coisa. Pelo contrário. O pessoal do atual Ifcs era
contra o pessoal do Iseb, lógico.
T.C.L. Mas a equipe do ICS não tinha nenhuma relação?
A.A.A. Bom, aí tinha entre os professores, seus colegas. Isso é uma coisa. Mas
a direção, o que te orienta, aí era contra. É isso que eu estou dizendo. Colegas
não. Nós éramos contra aquilo tudo que estava sendo feito, eu, Maria Luiza,
Stella, todo mundo. Vocês têm que ouvir Stella.
T.C.L. Claro, nós estamos prevendo uma conversa com Stella também.
A.A.A. Porque Stella trabalhou e depois foi para o Ifcs.
T.C.L. A senhora chegou a frequentar cursos, seminários e palestras no Iseb?
A.A.A. Não.
T.C.L. Porque havia sessões abertas também.
A.A.A. Eu sei. Eu conhecia antes e tal, mas nunca fui aluna do Iseb. Fui é fazer
pesquisa sobre ele.
T.C.L. Mas uma coisa que chama muita atenção no próprio ICS é que essa é
uma estrutura totalmente interdisciplinar. Como exemplo, podemos pegar o
conselho diretor de 1967 do ICS. Temos, como presidente, Evaristo de Moraes
Filho, que era da Faculdade Nacional de Direito (mas também dava aulas na
Faculdade Nacional de Filosofia), Roberto Cardoso de Oliveira (do Museu Na-
cional) como vice-presidente e os conselheiros de várias faculdades. Temos
ainda Themístocles Cavalcanti, Antônio Garcia Neto, Marina São Paulo de Vas-
concellos, José Ferreira de Souza e o corpo técnico de pesquisadores. Essa di-
vulgação interdisciplinar de fato era sentida no cotidiano da instituição? Era
de fato uma perspectiva de análise?
A.A.A. Era. Eu acho que sim. Nós tínhamos uma visão de discussão muito gran-
de.
T.C.L. Era muito interessante, porque juntava economia, direito, ciências sociais,
o Museu Nacional...
A.A.A. Antropologia. Nós tínhamos uma visão bem ampla e discutíamos muito.
Éramos muito atuantes naquela época. Já faz muitos anos.
317
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
T.C.L. De fato, é uma concepção de uma visão mais integrada em relação ao
próprio sentido do desenvolvimento. É como se o próprio objeto requeresse
uma abordagem interdisciplinar. Isso aparece também bastante no Clapcs e no
próprio CBPE, nas pesquisas. E isso está colocado no ICS.
A.A.A. É.
T.C.L. É um ponto interessante. Pensando em São Paulo, a marcação disciplinar,
sobretudo em relação à sociologia, foi muito mais definida do que no Rio.
A.A.A. É, isso nem se discute. Nem vamos discutir isso.
T.C.L. É interessante ver o que se ganha e o que se perde em cada um desses
projetos de pesquisa.
A.A.A. É.
T.C.L. Outro ponto importante sobre o qual queríamos conversar é a dissolução
do ICS. Então o ICS de fato é dissolvido com a reforma universitária, cedendo
lugar ao Ifcs. Como a senhora avaliaria o impacto do ICS tanto para a pesquisa
no Rio de Janeiro quanto para as gerações seguintes que vão criar em outras
bases as ciências sociais aqui no Rio?
A.A.A. Pois é, como eu tinha dito. Eu estou falando do ICS. É um grupo de pes-
quisa, claramente o grupo de Luciano, que forma gente. O Cpdoc é criado por
Celina, que foi estagiária lá. Nós fazíamos pesquisa no arquivo do avô dela. Eu
fazia pesquisa no arquivo de dona Alzira. Ela dizia: “Vocês chegam depois do
almoço e saem antes do jantar.” Nós chegávamos e passávamos o dia inteiro lá.
Ela trazia os documentos e nós consultávamos todos. Tinha outros arquivos
também. Eu não vou me lembrar de tudo que fizemos lá. Era uma loucura. E o
debate que existia. Eu lembro que era assim. Fernando Henrique Cardoso era
uma pessoa muito importante para nós. Francisco Weffort, Conceição Tavares.
Eu me lembro desses no momento, mas tinha outros. Eram pessoas com as
quais nós discutíamos. O ICS era um lugar onde se tinha um debate. Tinha o
grupo que trabalhava mais com economia. Stella pode falar mais sobre isso. Era
o grupo dela. O grupo de Luciano trabalhava com sociologia. Nós trabalhávamos
com sociologia, história e tal. E tinha o grupo que trabalhava mais com os as-
pectos econômicos do desenvolvimento. Isso acaba lá, mas depois se recompõe.
Quando eu volto, é uma desgraça aquilo. Não tinha pesquisa nenhuma. Não
podia fazer pesquisa nenhuma, só dar aula. Depois eu acho que as coisas vão
mudando. Os outros diretores vão alterando aquela situação.
318
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
T.C.L. De todo modo, como a senhora relatou, foi um espaço muito importante
de socialização e pesquisa de uma geração que vai ser fundamental para a
própria construção das ciências sociais no Rio de Janeiro nos anos 1970 e 1980.
A.A.A. Eu acho que sim. Esse grupo... Tem o grupo do Iuperj, que é muito im-
portante e que vai fazer pesquisa no Rio de Janeiro.
T.C.L. Algum deles esteve no ICS, dessa primeira geração do Iuperj?
A.A.A. Não, eu acho que não. Nenhum deles. É outra turma. Tinha também um
pessoal da PUC importante, que vai fazer pesquisa no Rio de Janeiro. Aí a coisa
começa a evoluir. Vocês é que vão fazer essa pesquisa.
T.C.L. Eu acho que se tem um cenário que vai se tornando mais complexo.
A.A.A. É. Depois vem a Uerj, que também vai fazer pesquisa, a UFF, de Niterói...
E vai se diversificando ao longos dos anos. Vocês é que vão fazer a pesquisa
para saber isso.
T.C.L. É interessante porque as instituições com esse perfil de pesquisa inter-
disciplinar como o ICS, o Clapcs e o CBPE vão cedendo lugar a passos mais
disciplinares e mais ligados à universidade, um fenômeno mais assentado de
institucionalização.
A.A.A. É.
T.C.L. Mas esse momento é muito rico, com esses arranjos bem diferentes em
relação ao que aconteceu depois. É interessante também pensar que a senhora
diz que, em história, não se fazia pesquisa arquivística, mas a senhora faz pes-
quisa documental a partir de um trabalho em sociologia, com Luciano Martins,
em arquivos pessoais. Eu penso em termos de reflexão metodológica. Tomando
os americanos como exemplo, desde os anos 1930 e 1940, nas ciências sociais,
eles falam de história de vida, da importância de documentos pessoais, cartas
e etc. Havia alguma discussão nesse terreno nesse grupo? Como era a reflexão
metodológica? Vocês estão lá fazendo trabalho com o arquivo da Alzira Vargas.
A.A.A. Eram vários arquivos. No nosso trabalho, nós víamos como eram esses
empresários, como era a atitude deles em relação ao desenvolvimento, como
eles se colocavam no desenvolvimento, como eles se viam nisso e como o Es-
tado via isso, como o Estado dava a possibilidade para que eles entrassem
nisso. Acho que Luciano está preocupado com isso. A partir dos anos 1950,
começa uma mudança no desenvolvimento brasileiro. A partir da década de
319
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
1950 e 1960, os empresários brasileiros começam a tomar uma posição e a ter
um papel mais importante na criação de novas possibilidades e em novos in-
vestimentos. Eles vão fazer novos investimentos em novas áreas.
T.C.L. A própria expressão “empresários brasileiros” já sugere um deslocamen-
to em relação à expressão “burguesia nacional” como um ator muito unificado
que faria uma revolução burguesa como uma classe. Dá um deslocamento em
relação ao espaço imaginado da burguesia nacional.
A.A.A. É.
T.C.L. Quais são as conclusões em termos gerais dessa pesquisa do Luciano?
Teve repercussão? Pensando em termos de discussão mais ampla e na inserção
maior para além da universidade.
A.A.A. Eu acho que o papel dele foi importante. Agora, se houve divulgação? Eu
acho que teve. Entre os pesquisadores, Luciano teve um papel importante. A
pesquisa dele foi importante. Mas, naquela época, não tinha esse papel que
tem hoje. Não podemos pensar nisso. Não tinha assim uma grande divulgação.
Era aquele grupo de pesquisadores que sabia que ele estava fazendo aquela
pesquisa, que ia e que se interessava. Era limitado. Pensa assim. Não era como
hoje, que você faz uma pesquisa e tem divulgação. Não tinha, não.
T.C.L. De alguma forma, a pesquisa conseguiu interpelar o debate político?
Pensando mesmo nessa inserção mais ampla dos cientistas sociais nos jornais.
A.A.A. Não, não tinha. Se você fizer uma pesquisa de jornal dessa época, não
vai ver nada. Eu nunca fui fazer essa pesquisa, mas tenho certeza de que não
se falava disso. Era tudo muito limitado nos anos 1950 e 1960. A coisa começa
a mudar depois. Se vocês quiserem fazer um levantamento de jornais da época,
vão ver que não tinha.
T.C.L. Não, mas imaginamos que tenha sido uma experiência fundamental e
muito diferente em relação ao que se fazia antes e ao que se fez depois em
ciências sociais. Abrir a caixa-preta do ICS é fundamental.
A.A.A. Eu acho que mudou muito. A coisa vai mudar a partir dos anos 1960. Mas
antes era uma coisa limitada. Mesmo em São Paulo, com um grupo mais co-
nhecido, que contava com Fernando Henrique, Florestan Fernandes e aquela
turma toda que vai impulsionar as ciências sociais. Aqui no Rio, a coisa é mais
devagar. Quem nós tínhamos aqui? O Costa Pinto. O nome que nós tínhamos
nas ciências sociais, na sociologia, era o Costa Pinto.
320
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
T.C.L. Guerreiro Ramos?
A.A.A. Que era uma pessoa inteligente, mas que não fazia a menor divulgação
das coisas. Ele não trazia os alunos para a pesquisa, não fazia nada disso. Pes-
soalmente, eu acho o Costa Pinto uma pessoa inteligente, competente, tudo
isso. Agora, se pararmos para pensar no que ele fez com os grupos, se criou
grupos ou se fez estudos, que eu me lembre, não teve nada disso. Já outros
professores faziam isso, como Darcy Ribeiro, por exemplo. Os outros professo-
res davam aula. O pesquisador dava sua aulinha e acabou. Às vezes fazia até
uma pesquisa, mas não tinha uma coisa de envolver os alunos. Mas Luciano
Martins fez isso. Ele fez uma pesquisa, envolveu estudantes e tal. Era diferente.
T.C.L. Luciano Martins era muito ligado ao Costa Pinto, não? Era uma impor-
tante aposta.
A.A.A. Era. Também era ligado. Tinha Maurício Vinhas de Queiroz também no
instituto. Aí tem que ver essa gente toda, como fazia isso. Eu acho que ainda
era muito limitado. A pesquisa vai se desenvolvendo ao longo dos anos e to-
mando um outro rumo. Então Capes e CNPq vão começar a financiar pesquisas.
Estudantes vão participar e tal. É outra coisa. Os alunos começam a se interes-
sar. Eu acho que é diferente. Olha, eu já falei muito. Não tenho mais o que falar.
T.C.L. Eu queria fazer uma última pergunta sobre a sua experiência docente já
no final dos anos 1970 e depois nos anos 1980. Sei que é um período longo.
Como foi sua experiência no Ifcs como professora? Pesquisa estava fora de
cogitação?
A.A.A. Aí eu vim para o Cpdoc. Eu vim fazer pesquisa aqui e trouxe os alunos
para cá. Mas, lá no instituto, eu dava aula. Eu gostei. Não vou dizer que não
gostei. Gostei sim. Foi uma experiência boa. Eu dava aula de sociologia e dei
coisas boas. Tive uma boa experiência, mas não dava para fazer pesquisa. Eu
vim fazer pesquisa aqui. Foi aqui que eu comecei a fazer pesquisa. Lá tinha
essa coisa. Estou falando de Eduardo Prado virando para mim e dizendo: “A
senhora sabe que vai dar aula, não é? Não tem nada que fazer pesquisa aqui.”
Para mim, foi um choque. Não tinha que fazer pesquisa nenhuma, lá só se
dava aula. Depois a coisa começa a mudar devagar. Mas eu gostei de ter dado
aula lá. Foi uma boa experiência. Você tem que preparar a aula e pensar coisas.
Tive muitas ideias lá, dando aula. Para mim, isso foi importante. Mas eu vim
fazer pesquisa aqui.
Recebido em 28/2/2020 | Aprovado em 10/3/2020
321
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
Thiago da Costa Lopes é graduado em ciências sociais pelo Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e doutor em história pelo
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da
Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sua tese, intitulada Comunitarismo,
sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil/EUA (1930-1950),
foi vencedora do Prêmio Capes-Fulbright de Tese de 2019.
NOTA
1 Estudos que, além dos contrastes, têm enfocado similitu-
des ou conexões entre as experiências do Rio de Janeiro
e de São Paulo no terreno das ciências sociais, exploran-
do especialmente a dimensão cognitiva da produção so-
ciológica ocorrida nas duas cidades, encontram-se, por
exemplo, em Lima (1999), Villas Bôas (2006), Botelho
(2007), (Brasil Jr., 2013) e Maio & Lopes (2015).
322
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
REFERÊNCIAS
Abreu, Alzira Alves de. (2012). Depoimento. Rio de Janeiro:
Cpdoc/FGV. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/
default /f iles/cientistas_sociais/alzira_abreu/Transcri-
caoAlziraAbreu.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2019.
Abreu, Alzira Alves de. (1975). Nationalisme et action politi-
que au Brésil: une étude sur l’Iseb. Thèse pour le doctorat
de 3e cycle. Université René-Descartes – Paris V.
Almeida, Maria Hermínia Tavares de. (2001) [1989]. Dile-
mas da institucionalização das ciências sociais no Rio de
Janeiro. In: Miceli, Sergio (ed.). História das ciências sociais
no Brasil, v.1, 2 ed. São Paulo: Idesp/Sumaré/Fapesp, p.
223-256.
Amorim, Maria Stella. (1999). Costa Pinto e a missão so-
ciológica. In: Maio, Marcos Chor & Villas Bôas, Glaucia
(eds.). Ideais de modernidade e sociologia no Brasil: ensaios
sobre Luiz Aguiar Costa Pinto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS,
p. 23-38.
Botelho, André. (2007). Sequências de uma sociologia po-
lítica brasileira. Dados, 50/1, p. 49-82.
Brasil Jr., Antonio. (2013). A reinvenção da sociologia da
modernização: Luiz Costa Pinto e Florestan Fernandes
(1950-1970). Trabalho, Educação e Saúde, 11/1, p. 229-249.
Fávero, Maria de Lourdes de A. (ed.). (1989). Faculdade Na-
cional de Filosofia: projeto ou trama universitária?, v. 1. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Ferreira, Marieta de Moraes. (2013). A história como ofício: a
constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Ed. FGV.
Lima, Nísia Trindade. (1999). Um sertão chamado Brasil: in-
telectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio
de Janeiro: Iuperj/Ucam/Revan.
Maio, Marcos Chor. (1997). A história do Projeto Unesco: es-
tudos raciais e ciências sociais no Brasil. Tese (Doutorado em
Ciência Política). Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro.
Maio, Marcos Chor & Lopes, Thiago da Costa. (2015). ‘For
the establishment of the social disciplines as sciences’:
Donald Pierson e as ciências sociais no Rio de Janeiro
(1942-1949). Sociologia & Antropologia, 5/2, p. 343-380.
323
memória | entrevista com alzira alves de abreu | thiago da costa lopes
Martins, Luciano. (1968). Industrialização, burguesia nacional
e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Saga.
Oliveira, Lucia Lippi. (1995). As ciências no Rio de Janeiro.
In: Miceli, Sergio (ed.). História das ciências sociais no Brasil,
v. 2. São Paulo, Idesp/Sumaré/Fapesp.
Peixoto, Fernanda Arêas. (2001) [1989]. Franceses e norte-
-americanos nas ciências sociais brasileiras, 1930-1960. In:
Miceli, Sergio. (ed.). História das ciências sociais no Brasil, v.1, 2
ed. São Paulo: Sumaré/Fapesp, p. 477-532.
Rodrigues, Leôncio Martins. (2009). Fernando Henrique
Cardoso: a ciência e a política como vocação. In: Botelho,
André & Schwarcz, Lilia Moritz (eds.). Um enigma chamado
Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das
Letras, p. 390-405.
Schwartzman, Simon; Bomeny, Helena Maria Bousquet &
Costa, Vanda Maria Ribeiro. (1984). Tempos de Capanema.
São Paulo: USP/Paz & Terra.
Villas Bôas, Glaucia. (2019). 80 anos de ciências sociais na
UFRJ: relembrando o pioneirismo dos projetos Grupos
Econômicos (1962) e Trabalhadores Cariocas (1987). Socio-
logia & Antropologia, 9/1, p. 297-312.
Villas Bôas, Glaucia. (2006). Mudança provocada: passado e
futuro no pensamento sociológico brasileiro. Rio de Janeiro: Edi-
tora FGV.
324
o instituto de ciências sociais e a sociologia no rio de janeiro so
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 299
– 3
24, j
an
. – a
br.,
2020
O INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E A
SOCIOLOGIA NO RIO DE JANEIRO:
ENTREVISTA COM ALZIRA ALVES DE ABREU
Resumo
A entrevista com Alzira Alves de Abreu faz parte de uma
iniciativa mais ampla, promovida por S&A, de rememorar
a história do curso de ciências sociais na Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro, que completou 80 anos em 2019. A
trajetória de Alzira se entrelaça com momentos significa-
tivos por que passaram as ciências sociais no Rio de Janei-
ro em seus esforços de institucionalização acadêmica e
consolidação enquanto campo disciplinar, especialmente
com as atividades investigativas conduzidas no interior do
Instituto de Ciências Sociais (ICS), centro de pesquisas da
antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ), criado em 1958.
Nesse sentido, seu depoimento, além de constituir fonte
importante para o resgate da memória da instituição, for-
nece pistas sugestivas para os estudiosos interessados em
ampliar a compreensão que se tem da história daquelas
disciplinas na cidade.
THE INSTITUTE OF SOCIAL SCIENCES AND
SOCIOLOGY IN RIO DE JANEIRO:
INTERVIEW WITH ALZIRA ALVES DE ABREU
Abstract
The interview with Alzira Alves de Abreu forms part of a
broader initiative by S&A to record the history of the social
sciences course at the Federal University of Rio de Janeiro,
which completed 80 years in 2019. Alzira’s trajectory is
interwoven with some of the key moments experienced by
the social sciences in Rio de Janeiro in their efforts to
achieve academic institutionalization and consolidation
as a disciplinary field, especially with the investigative
activities pursued at the Institute of Social Sciences (ICS),
a research centre of the former University of Brazil (now
UFRJ), created in 1958. As well as constituting an important
source for the recovery of the institution’s memory, her
testimony provides tantalizing leads for scholars inter-
ested in expanding our understanding of the history of
these disciplines in the city.
Palavras-chave
Ciências sociais no Rio de
Janeiro;
Alzira Alves de Abreu;
Instituto de Ciências Sociais;
Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Keywords
Social sciences in Rio de
Janeiro;
Alzira Alves de Abreu;
Institute of Social Sciences;
Federal University of Rio de
Janeiro.
325
RESENHAS
SENTIDOS EN PUGNA: LA INSTITUCIONALIZACIÓN DE LA SOCIOLOGÍA EN LA UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES
Paola Adriana BayleI
1 Instituto de Ciencias Humanas, Sociales y Ambientales (INCIHUSA),
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET),
Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo), Mendoza, Argentina
https://orcid.org/0000-0001-7386-5521
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v10113
Juan Pedro Blois realiza un análisis
socio-histórico del devenir de la so-
ciología en Argentina entre 1957, año
en que se crea la carrera de sociología
en la Universidad de Buenos Aires
(UBA), y 2007, año en que, según el
autor, esta pierde su centralidad al
crearse otras carreras en universida-
des cercanas. Esta propuesta se ins-
cribe en investigaciones previas que
han reconstruido el desarrollo de las
ciencias sociales en general y de la
sociología en particular. Nos referimos
a los trabajos de Fernanda Beigel (2010,
2013), Alejandro Blanco (2004, 2006),
Antonio Brasil Jr. (2013), Agustina Diez
(2008), Luiz Jackson y Alejandro Blan-
co (2014), Diego Pereyra (2007, 2010),
Hélgio Trindade (2007), entre otros/as.
En este marco, el libro de Blois, en lí-
nea con sus trabajos anteriores, inno-
va al abordar 50 años del desarrollo de
la disciplina realizando interesantes
aportes tales como: las disputas en
torno a los planes de estudios que
guiaron y guían a la sociología como
carrera universitaria; aspectos vincu-
lados con la profesionalización y la
inserción laboral de los/as sociólogos/
as (en ámbitos públicos y privados);
los distintos sentidos otorgados a la
carrera; el cruce entre política y pro-
fesión; la tensión entre la sociología
de investigación y la libresca; el papel
de las audiencias universitarias y ex-
tra universitarias en la configuración
de un modelo de carrera, entre otros
elementos que se despliegan en el tex-
to en base a una rica investigación con
fuentes diversas.
El libro se desarrolla en seis capítu-
los en los que Blois identifica rupturas
Juan Pedro Blois. Medio siglo de sociología en
Argentina. Ciencia, profesión y política (1957-2007).
Buenos Aires: EUDEBA, 2018.
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
27 –
332
, en
e. –
abr
., 20
20
328
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
27 –
332
, en
e. –
abr
., 20
20sentidos en pugna: la institucionalización de la sociología en la universidad de buenos aires
328
entre distintas etapas, pero también,
continuidades y herencias que aún
hoy perduran. En el capítulo primero,
Blois analiza el proceso de institucio-
nalización de la sociología, extendido
luego de la caída del peronismo en
1955 por agentes críticos a esta expe-
riencia. Gino Germani ocupa un lugar
central en esta crónica en tanto impul-
sor en la UBA de un proyecto de carrera
e investigación enmarcado en iniciati-
vas ligadas a modernizar la universi-
dad y el país; planificar para el desarro-
llo apelando a la ciencia y la tecnología.
En ese contexto, se apostaba a que la
sociología brindaría herramientas pa-
ra racionalizar y democratizar las so-
ciedades.
Para Germani y otros colegas, la so-
ciología debía privilegiar la investiga-
ción empírica, que se pensaba como
una ruptura con experiencias prece-
dentes, asistemáticas y ensayísticas.
En términos teóricos se apeló al es-
tructural funcionalismo y a la teoría de
la modernización, y se pregonaba la
neutralidad valorativa. Era sociología
aplicada a los problemas del desarro-
llo; los/as estudiantes realizarían prác-
ticas pre-profesionales durante su for-
mación y el Estado se vería beneficiado
con sociólogos/as expertos/as en te-
mas de urbanización, migraciones, es-
tratificación social.
Ya en los años 1960, este modelo re-
cibió críticas por parte del estudianta-
do, graduados/as e, incluso de sectores
ajenos a la universidad. La apelación al
estructural funcionalismo, la ruptura
con el pensamiento social nacional y
la casi exclusión del marxismo genera-
ron fuertes resistencias en un contex-
to de creciente politización. Sociología
y política comenzaron a tener una nue-
va relación donde el cientificismo y la
neutralidad valorativa fueron puntos
de ataque. Blois aborda estos ejes en el
capítulo dos, mostrando los cuestiona-
mientos a Germani, quien finalmente
se desplaza hacia el ámbito privado a
mediado de los años 1960.
El campo académico argentino
muestra su heterogeneidad estructu-
ral e institucional con el desarrollo de
centros privados de investigación que,
en ciertos momentos, actuaron como
espacio de refugio. Estos centros reci-
bieron importantes fondos internacio-
nales generando, por un lado, capaci-
dad para desarrollar investigaciones y,
por el otro, fuertes críticas hacia el ori-
gen del financiamiento. En 1966, un
nuevo golpe de Estado atravesó a la
carrera produciéndose la intervención
de universidades, exclusiones y des-
plazamientos, que son abordados en
adelante.
En el capítulo 3, Blois reconstruye la
diversificación de la sociología en el
período 1966-1973. La investigación
como eje de la formación sociológica
perdió centralidad. Los/as docentes
conformaban un grupo heterogéneo al
frente de un estudiantado con un fuer-
te protagonismo y portador de un im-
portante capital militante. En este mo-
mento se produjo la peronización de la
sociología y surgió una experiencia in-
édita: las denominadas Cátedras Na-
cionales. Marco de esto fueron los
cuestionamientos al gobierno, el res-
cate del pensamiento social nacional,
las críticas al marxismo dogmático y
los quiebres en la Iglesia católica. En
329
reseña | paola adriana bayle
329
paralelo surgieron las Cátedras Mar-
xistas, con otras referencias teóricas y
políticas, pero con una compartida va-
loración por el intelectual crítico y mi-
litante.
En este capítulo, por el período que
abarca, se extraña la referencia al Con-
sejo Latinoamericano de Ciencias So-
ciales (CLACSO). Una mirada sobre es-
te espacio podría complejizar el análi-
sis acerca del papel ejercido por algu-
nos agentes académicos − incluso el
del mismo Germani − y sobre la cons-
trucción de redes académicas creadas
para revertir la direccionalidad Nor-
te-Sur (Ansaldi & Calderón, 1991; Bayle,
2010, 2015)
El cuarto capítulo comienza con la
vuelta del peronismo al gobierno, en
1973. La universidad y la sociología de-
bían estar al servicio de la transforma-
ción social del país. Con la muerte de
Perón, en 1974, se desplegó en la escena
nacional un giro conservador y represi-
vo que se profundizó a partir de 1976
con el golpe cívico militar. La carrera
sufrió importantes transformaciones:
cierre, reapertura, cambio de edificio y
aislamiento respecto de las problemá-
ticas sociales imperantes y de la histo-
ria latinoamericana. Nuevamente los
centros privados de investigación se
convirtieron en un espacio de refugio.
Para Blois, en estos centros se reprodu-
jo una lógica de trabajo impulsada por
fondos extranjeros: la producción de
papers atentos a una agenda exógena y
ensimismada. Aquí, el autor introduce
la idea de sociología de enclave, un tér-
mino provocador que nos invita a re-
flexionar sobre la producción académi-
ca en momentos de mayor heteronomía.
El capítulo cinco focaliza en la ca-
rrera a partir de la recuperación demo-
crática. Nuevamente se suscitaron dis-
putas en torno a la reorganización de
la misma, que terminó adoptando un
perfil que perduró en el tiempo. Las
personas responsables de este proceso
asumieron un criterio inclusivo, frente
a etapas previas donde la exclusión −
basada principalmente en criterios po-
líticos − había sido moneda corriente.
Los/as sociólogo/as tuvieron diver-
sas ofertas laborales en espacios ex-
tra-universitarios. El plantel docente
post dictadura también fue heterogé-
neo; estaba formado por profesores/as
que regresaban del exilio y por gradua-
dos/as que habían permanecido en el
país forjando diferentes trayectorias.
Los/as estudiantes eran defensores de
un modelo de sociólogo/a: aquel vin-
culado al ideal de intelectual público.
Blois señala aquí lo que invisibilizaba
el pluralismo como valor adoptado en
la organización de la carrera; esto es, la
configuración de una oferta académica
separada de la preocupación por el
mercado laboral y de la investigación.
Estas omisiones quedaron registradas
en el plan de estudios aprobado en
1988 que legitimó una formación so-
ciológica sin prácticas pre-profesiona-
les y con un perfil básicamente acadé-
mico.
En el último capítulo, el autor re-
construye el campo de la sociología ar-
gentina desde los años 1990 al 2007,
arrojando interesantes pistas a pro-
fundizar. Este período involucra im-
portantes cambios en el país; desde la
implementación de un modelo neoli-
beral en la economía y sus consecuen-
330
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
27 –
332
, en
e. –
abr
., 20
20sentidos en pugna: la institucionalización de la sociología en la universidad de buenos aires
330
cias en el sistema universitario, hasta
su crisis a principios del presente siglo.
En el sistema universitario se incre-
mentaron los espacios de formación
sociológica de grado y posgrado, al
tiempo que la investigación en espa-
cios privados se vio afectada por el re-
traimiento de fondos internacionales.
Blois da cuenta de varios procesos
que atravesaron la práctica sociológi-
ca: la creación del Programa Nacional
de Incentivos; el otorgamiento de sub-
sidios públicos a proyectos colectivos;
la multi ocupación y la precarización
laboral de los/as sociólogos/as; la in-
serción laboral en espacios extra-aca-
démicos (consultoría y recursos huma-
nos en empresas privadas); la imple-
mentación de criterios de evaluación
elaborados en los centros académicos
mundiales que privilegian el paper so-
bre otros formatos. Respecto de este
punto creemos que, si bien estos crite-
rios se han extendido en distintas ins-
tituciones académicas, no han per-
meado de la misma forma y con el mis-
mo peso en todos los espacios de pro-
ducción del conocimiento y en todas
las disciplinas. La heteronomía, tanto
en la producción como en la circula-
ción y evaluación del conocimiento
científico, es un rasgo que atraviesa
con distinto peso los campos académi-
cos periféricos y centrales (ver Beigel,
Gallardo & Bekerman, 2018).
La primera década de este siglo en-
contró a la carrera en la UBA con un
perfil principalmente académico. Per-
dura aún el debate en torno a los inte-
rrogantes ¿qué es y para qué sirve la
sociología? Las respuestas, dice el au-
tor, están condicionadas por los capi-
tales y credenciales de quienes contes-
tan. Creemos, además, que las mismas
suelen teñirse de un imperativo moral
del que carecen otras carreras.
A modo de cierre, es justo señalar
que el autor − aunque da cuenta de la
literatura que abordan otros espacios −
al focalizar en la UBA posiblemente in-
visibiliza otros derroteros locales que,
si bien no tuvieron el peso de esta ca-
rrera (por los recursos materiales y hu-
manos que movilizó y por los debates
que allí se suscitaron, entre otros moti-
vos), su análisis podría enriquecer una
reconstrucción con pretensión nacio-
nal.
Dicho esto, creemos que el libro que
nos ofrece Juan Pedro Blois además de
reconstruir minuciosamente distintas
aristas del desarrollo de una disciplina
tiene un potencial extra: su invitación
a pensar las prácticas sociológicas hoy,
la formación universitaria y su rela-
ción con la política y el ejercicio profe-
sional. Continuar el análisis a partir de
2007, cuando Argentina experimenta-
ba un aumento en el presupuesto na-
cional en ciencia y tecnología y su re-
traimiento a partir de los cambios polí-
ticos ocurridos en 2015, puede arrojar
nuevas pistas sobre los espacios de in-
serción de los/as sociólogos/as. Cree-
mos que el análisis de otros espacios
institucionales que conversen con el
trabajo de Blois serán vitales en esta
tarea de reconstrucción del derrotero
de la sociología en Argentina.
Recibido en 18/6/2019 |
Aprovado en 9/7/2019
331
reseña | paola adriana bayle
331
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ansaldi, Waldo & Calderón, Fernando.
(1991). La búsqueda de América Lati-
na. Cuadernos, 1.
Bayle, Paola. (2015). Conectando Su-
res: la construcción de redes acadé-
micas entre América Latina y África.
Íconos. Revista de Ciencias Sociales, 1/53,
p.153-170.
Bayle, Paola (2010). La migración for-
zosa de una población calificada: El
Programa de Reubicación de Cientis-
tas Sociales, CLACSO y el exilio chi-
leno (1973-1976). In: Beigel, Fernanda
(Dir.). Autonomía y dependencia acadé-
mica. Universidad e investigación cientí-
fica en un circuito periférico: Chile y Ar-
gentina (1950-1980). Buenos Aires:
Biblos. p. 233-269.
Beigel, Fernanda (Ed.). (2013). The po-
litics of academic autonomy in Latin
America. London: Ashgate.
Beigel, Fernanda (Dir.). (2010). Auto-
nomía y dependencia académica. Univer-
sidad e investigación científ ica en un
circuito periférico: Chile y Argentina
(1950-1980). Buenos Aires: Biblos.
Paola Adriana Bayle es doctora en ciencias sociales (UNCuyo,
Argentina), investigadora adjunta (CONICET). Intereses:
Sociología latinoamericana, migraciones y movilidad
académica, internacionalización científica y universitaria,
dependencia académica. Publicaciones: “Conectando Sures.
La construcción de redes académicas entre América Latina y
África”, “Chile y Reino Unido: vaivenes de una relación
diplomática no siempre tan cordial (1970-1980)” y, con Juan
Jesús Morales, “Itinerario del Diccionario de Ciencias
Sociales en español (UNESCO, 1952-1976)”
332
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
27 –
332
, en
e. –
abr
., 20
20sentidos en pugna: la institucionalización de la sociología en la universidad de buenos aires
332
Beigel, Fernanda; Gallardo, Osvaldo
& Bekerman, Fabiana. (2018). Institu-
tional Expansion and Scientific Deve-
lopment in the Periphery: The Struc-
tural Heterogeneity of Argentina’s
Academic Field. Minerva, 56, p.305-331.
Disponível em: <https://doi.org/10.10
07/s11024-017-9340-2>.
Blanco, Alejandro. (2006). Razón y mo-
dernidad. Gino Germani y la sociología
en la Argentina. Buenos Aires: Siglo
XXI.
Blanco, Alejandro. (2004). La sociolo-
gía: una profesión en disputa. In:
Neiburg, F. & Plotkin M. (Comp.). In-
telectuales y expertos. Buenos Aires:
Paidós.
Brasil Jr., Antonio. (2013). Passagens
para a teoria sociológica: Florestan Fer-
nandes e Gino Germani. São Paulo: Hu-
citec.
Diez, María Agustina. (2008). Dos ca-
ras frente al espejo: una comparación
de las sociologías argentina y chilena
entre 1966 y 1976. Sociohistórica. Cua-
dernos del CISH, 23-24, p. 39-79.
Jackson, Luiz & Blanco, Alejandro.
(2014). Sociología no espelho. Ensaístas,
cientistas sociais e críticos literários no
Brasil e na Argentina (1939-1970). São
Paulo: Editora 34.
Pereyra, Diego (compilado). (2010). El
desarrollo de las ciencias sociales. Tradi-
ciones, actores e instituciones en Argen-
tina, Chile, México y América Central.
San José de Costa Rica: FLACSO. (Se-
rie Cuadernos de Ciencias Sociales).
Pereyra, Diego. (2007). Cincuenta
años de la carrera de sociología de
UBA. Algunas notas contracelebrato-
rias para repensar la historia de la
sociología en Argentina. Revista Ar-
gentina de Sociología, 9, p. 153-159.
Trindade, Hélgio (Coord.). (2007). Las
ciencias sociales en América Latina en
perspectiva comparada. México: Siglo
XXI.
O SOCIAL, O POLÍTICO E A FORÇA DAS IDEIAS
Mariana Miggiolaro Chaguri I
1 Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Sociologia,
Campinas, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-5201-360X
André Botelho (2019). O retorno da sociedade. Política
e interpretações do Brasil. Petrópolis: Vozes.
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
33 –
337
, ja
n. –
abr
., 20
20
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v10114
O retorno da sociedade. Política e inter-
pretações do Brasil, de André Botelho, é
uma obra interessada pela crítica do
tempo presente e com ela comprome-
tida. Como anuncia sua epígrafe,1 me-
nos do que render homenagens à “ver-
dade do passado”, está em questão
construir a “inteligência de nosso
tempo” por meio da comunicação en-
tre as questões do presente e as inter-
pretações do passado.
Uma leitura ressabiada certamente
não deixará de indagar, afinal, quais
seriam os motivos pelos quais tal co-
municação se faria necessária. Orga-
nizados em três partes, os dez capítu-
los da obra − quatro deles em coauto-
ria, com Antonio Brasil Jr., Andre Veiga
Bittencourt, Elide Rugai Bastos e Lucas
Carvalho – não se furtam da resposta,
enfrentando-a à medida que um ex-
tenso conjunto de temas e problemas
é percorrido por meio de dois cami-
nhos analíticos: o acúmulo teórico
produzido pelo pensamento social na
interpretação de alguns dos dilemas
da sociedade brasileira; e a persistên-
cia do passado na modulação de as-
pectos da construção da cidadania e
das bases sociais da democracia e das
instituições no Brasil contemporâneo.
Caminhos que não correm em pa-
ralelo; ao contrário, vão se cruzando
e se implicando ao longo da obra por
meio daquele que se tem mostrado
um dos mais persistentes e produtivos
esforços teórico-metodológicos de seu
autor: a reflexividade das conexões de
sentido entre ideias, intelectuais e so-
ciedade.
Comecemos, porém, pelo ponto
inicial. Especialmente em sua primei-
334
o social, o político e a força das ideiasso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 333
– 3
37, j
an
. – a
br.,
2020
ra parte (“Baralhamento entre público
e privado”), o acúmulo teórico produ-
zido no interior do pensamento social
brasileiro é reconstruído e mobilizado
analiticamente pelo autor, o que se dá
por meio da demonstração de que tal
baralhamento ajudou a conformar
modos recorrentes pelos quais deba-
tes públicos sobre a extensão dos di-
reitos, o papel e a atuação do Estado
e o alcance da ação coletiva foram
construídos e ajudaram a moldar as-
pectos da luta social no país. Debates
que ganharam, assim, progressiva ex-
pressão teórica e política em temas
como corrupção e patrimonialismo,
por exemplo.
Argumento decisivo para a econo-
mia do livro é apontar que tal baralha-
mento faz referência, a um só tempo,
a problemas teóricos e a conflitos po-
líticos, e nessa dupla condição gera
um repertório-chave por meio do qual
diferentes ideias foram produzidas,
disputadas e colocadas em circulação.
Para ler tal repertório, Botelho sinte-
tiza e operacionaliza a categoria ana-
lítica “sequências”, isto é, “um recurso
analítico, da família do tipo ideal we-
beriano, forjado para repensar, na lon-
ga duração, diferentes interpretações
sociológicas” (p. 14). Explorando obras
de autores e autoras como Oliveira
Vianna, Maria Sylvia de Carvalho Fran-
co, Maria Isaura Pereira de Queiroz,
Vitor Nunes Leal e Costa Pinto, os ca-
pítulos percorrem uma longa exten-
são de debates sobre as relações, mais
ou menos conflitivas, entre Estado e
sociedade, e apontam tanto para a ca-
racterística cumulativa do conheci-
mento sociológico quanto para o mo-
do como, para cada autor(a), as ideias
são recolocadas tendo em vista os
dilemas das variadas situações histó-
ricas, assumindo efeito variável em
cada uma delas.
Na formulação do autor, a catego-
ria “sequências” visa construir anali-
ticamente “um espaço dinâmico de
embates entre ‘temporalidades’, ‘lin-
guagens’ e ‘verdades’ sobre as inter-
pretações do Brasil” (p. 20). Um espaço
marcado, assim, por uma “repetição
com diferença”, posto que, como ar-
gumenta Botelho, novas ideias não
emergem nem se realizam no vazio;
antes incorporam, recusam ou dialo-
gam com as interpretações que as
precedem.
Se aqui está explicitada a caracte-
rística da repetição, o lugar da dife-
rença está, segundo o autor, na inte-
ração reflexiva entre ideias, intelectu-
ais e sociedade. É, portanto, na “repe-
tição com diferença” de uma “sequên-
cia” que texto e contexto se implicam.
Esse movimento analítico ganha cor-
po por meio da demonstração de co-
mo questões colocadas pela sociedade
se repõem e se renovam ao longo do
processo histórico.
Como uma obra é composta, tam-
bém, por seus agradecimentos, as pá-
ginas em branco que Botelho preen-
che ao longo de O retorno da sociedade
carregam as cores e as texturas de
seus diálogos intelectuais, que se ex-
pressam em formulações como, por
exemplo, a "repetição com diferença",
que persegue a provocação de Silviano
Santiago (2019) de que a repetição
sempre produziria a diferença. Ao
mobilizá-la em seu argumento, o autor
335
resenha | mariana miggiolaro chaguri
demonstra o caráter reiterativo e a
dimensão contingente sem os quais
as interações entre ideias, intelectuais
e sociedade não poderiam ser toma-
das reflexivamente.
Se o caráter reiterativo dessa inte-
ração já estava presente na reflexão
de Botelho desde os debates com as
sugestões teórico-metodológicas de
Gildo Marçal Brandão (2007), a ênfase
na contingência e, especialmente, na
reflexividade, que estrutura a obra, é
bastante devedora do diálogo com
Santiago. E guarda, ainda, profundo
diálogo com as formulações teórico-
-metodológicas de Elide Rugai Bastos
(2002) acerca dos efeitos sociais das
ideias, indicando que tanto elas quan-
to os intelectuais são partes constitu-
tivas do confronto político e das lutas
pela cultura.2
Chegamos aqui ao segundo cami-
nho analítico da obra: a comunicação
entre questões do passado e interpre-
tações do presente. Tal comunicação
é certamente aquilo que permite fla-
grar a aludida “repetição com diferen-
ça”. Exemplares, nesse sentido, são os
capítulos que compõem a segunda
parte do livro (“A política na socieda-
de: fios contemporâneos”). Nela, Bo-
telho retoma a reflexividade entre
ideias, intelectuais e sociedade para
demonstrar que os diferentes modos
de ler e interpretar o país estiveram –
e permanecem – sujeitos à constante
atualização de leituras críticas que
recusam ou retomam suas proposi-
ções, numa evidência de que as “in-
terpretações do Brasil” integram o
horizonte imaginativo da elaboração
de categorias, conceitos e métodos
que marcam a prática profissional da
sociologia realizada no país.
Longe de argumentar sobre uma
eventual especificidade nacional, o
autor indica que o pensamento social
constitui um corpo de problemas e de
soluções intelectuais que ajudaram a
dar densidade ao processo de sistema-
tização teórica e de organização me-
todológica da sociologia. Afinal, ao
relacionar, reflexivamente, categorias
e conceitos para análise da interação
entre sociedade e política, o pensa-
mento social oferece, ainda, um reper-
tório para “o enfrentamento de velhas
e novas questões postas pelo pelo de-
senvolvimento social” (p. 56).
O retorno da sociedade evidencia, en-
tão, que um contexto possui muitos
tempos e que as várias camadas de um
texto não só guardam as inflexões de
tais tempos, como também são marca-
das pelo chão intelectual no qual se
realizam. Ou seja, o acúmulo de conhe-
cimento não é mero inventário de au-
tores e ideias, assim como a produção
da diferença – interpretativa e históri-
ca – só se pode realizar na imbricação
entre textos e contextos.
Articulando os dois caminhos ana-
líticos que estruturam a obra, Botelho
desenvolve a terceira e última parte
(“Interpretar interpretações do Brasil”),
dedicada a explorar e a propor uma
agenda para o pensamento social co-
mo área de pesquisa e campo temático.
É no interior dessa agenda que o retor-
no da sociedade que dá título à obra
ganha densidade teórica e metodológi-
ca, apontando para duas dimensões
fundamentais: de um lado, a necessi-
dade de voltar a atenção para a persis-
336
o social, o político e a força das ideiasso
cio
l. a
ntr
opo
l. |
rio
de
jan
eiro
, v.1
0.01
: 333
– 3
37, j
an
. – a
br.,
2020
336
tência de um passado que não passa,
isto é, “de valores e práticas autoritá-
rias de socialização e de orientação das
condutas, de afirmação das hierar-
quias nas mais diferentes relações so-
ciais e de reiteração das desigualdades”
(p. 11); de outro, a discussão sobre o
alcance da ação coletiva no país, num
debate que recorta a interação “ação” e
“estrutura” como problema de pesquisa
e aponta que “nem a ação coletiva de-
veria ser vista em termos voluntaristas,
nem tampouco as estruturas políticas
como estáticas” (p. 12).
Como já indicado, ao longo de suas
três partes, O retorno da sociedade sus-
tenta que nem as ideias e nem as ins-
tituições se realizam num vazio de
relações sociais, o que marca, decisi-
vamente, a natureza da política e de
sua interação com a sociedade. Perse-
guindo as bases sociais das institui-
ções, Botelho ressalta a importância
de uma leitura sociológica da política,
isto é, uma análise que tome a intera-
ção entre Estado e sociedade como
relação, situando assim sua historici-
dade, mas também possibilitando que
tal relação seja lida em termos de ge-
neralidade (p. 127-129).
Normativamente, O retorno da socie-
dade aponta para a concretude da base
social na qual ideias e instituições se
realizam; uma concretude que, no en-
tanto, não significa determinação,
mas sim interação reflexiva entre o
social e o político. Aprofundando o ar-
gumento do autor, temos que as ideias
estão nos textos, mas também nos
modos de dizer e naquilo que é dizível.
A tarefa crítica do tempo presente,
portanto, não pode ficar escondida no
antiquário das genealogias sobre o pas-
sado, mas também deve evitar as arma-
dilhas de se “refugiar no tempo presen-
te” (p. 20). O caminho trilhado pelo
autor para fugir ao impasse é estabele-
cer a comunicação entre passado e pre-
sente por meio da articulação entre
teoria sociológica e pensamento social,
perseguindo aquilo que adequadamen-
te nomeia como uma “sociologia histo-
ricamente orientada” (p.20).
Como demonstrado em O retorno da
sociedade, o engajamento na reflexão
sobre o movimento reflexivo entre as
ideias e a empiria do mundo social per-
mite a investigação das bases sociais
das instituições, das visões de mundo,
das ideologias e fabulações implicadas
na realização de projetos conservado-
res, liberais ou progressistas. Se a so-
ciedade retorna, a obra de Botelho não
deixa de mostrar que as ideias concor-
rem, reflexivamente, para produzir a
diferença que permite reagir contra e,
sobretudo, refazer a imaginação socio-
lógica.
Recebido em 28/2/2020
| Aprovado em 10/3/2020
337337
resenha | mariana miggiolaro chaguri
337
Mariana Miggiolaro Chaguri é doutora em sociologia e
professora do Departamento de Sociologia e do Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Estadual de Campinas. Atua especialmente nos temas
ligados ao pensamento social e estudos pós-coloniais.
Entre suas publicações recentes estão os artigos
“Essayism and sociology in Brazil: notes on colonization,
slavery and nation”, em The American Sociologist (2019), e
“Women’s war: gender activism in the Vietnam war, and
in the wars for the Kurdish autonomy”, em coautoria
com Flávia X. M. Paniz, em Sociologia & Antropologia (2019).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bastos, Elide Rugai. (2002). Pensa-
mento social da escola sociológica
paulista. In: Miceli, Sergio. O que ler
na ciência social brasileira, 1970-2002.
São Paulo/Brasília: Anpocs/Editora
Sumaré/Capes.
Brandão, Gildo Marçal. (2007). Linha-
gens do pensamento político brasileiro.
São Paulo: Hucitec.
Santiago, Silviano. (2019) [1978]. Uma
literatura nos trópicos. Recife: Cepe.
NOTAS
1 Retirada do livro Critique et vérité
(1966) de Roland Barthes: “assim, po-
de-se travar, no seio da obra crítica,
o diálogo de duas histórias, a do autor
e a do crítico. Mas esse diálogo é
egoisticamente todo desviado para o
presente: a crítica não é uma home-
nagem à verdade do passado ou à ver-
dade do ‘outro’, ela é a construção da
inteligência de nosso tempo”.
2 No caso de O retorno da sociedade, a
parceria e o diálogo com a autora es-
tão expressos, também, na coautoria
do capítulo 9 (“Por uma sociologia dos
intelectuais”).
339
INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES
ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL
Sociologia & Antropologia busca contribuir para a divulgação, expansão e
aprimoramento do conhecimento sociológico e antropológico em seus diversos
campos temáticos e perspectivas teóricas, valorizando a troca profícua entre
as distintas tradições teóricas que configuram as duas disciplinas. Sociologia
& Antropologia almeja, portanto, a colaboração, a um só tempo crítica e
compreensiva, entre as perspectivas sociológica e antropológica, favorecendo
a comunicação dinâmica e o debate sobre questões teóricas, empíricas,
históricas e analíticas cruciais. Reconhecendo a natureza pluriparadigmática
do conhecimento social, a Revista valoriza assim as oportunidades de
intercâmbio entre pontos de vista convergentes e divergentes nesses diferentes
campos do conhecimento. Essa é a proposta expressa pelo símbolo “&”, que,
no título da revista Sociologia & Antropologia, interliga as denominações das
disciplinas que nos referenciam.
Sociologia & Antropologia aceita os seguintes tipos de contribuição em
português e inglês:
1) Artigos inéditos (até 9 mil palavras incluindo referências
bibliográficas e notas)
2) Registros de pesquisa (até 4.400 palavras). Esta seção inclui:
a. Apresentação de fontes e documentos de interesse para a história das
ciências sociais
b. Notas de pesquisa com fotografias
c. Balanço bibliográfico de temas e questões das ciências sociais
3) Resenhas bibliográficas (até 1.600 palavras).
4) Entrevistas
Manuscritos originais podem ser submetidos em português, espanhol,
inglês e francês, porém os textos somente serão publicados em português,
espanhol e inglês. Se necessário, o autor se responsabilizará pela tradução.
Excepcionalmente será concedido auxílio financeiro.
A pertinência para publicação será avaliada, numa primeira etapa, pela
Comissão Editorial no que diz respeito à adequação ao perfil e à linha
editorial da revista e, se aprovados, numa segunda etapa, por pareceristas ad
hoc brasileiros e estrangeiros, sempre doutores, de reconhecida expertise tema
no que diz respeito ao conteúdo e à qualidade das contribuições.
A revista funciona sob o princípio do duplo anonimato: os artigos serão
submetidos a dois pareceristas ad hoc e, em caso de pareceres
contraditórios, uma terceira avaliação será requerida. Sendo
identificado conflito de interesse da parte dos pareceristas, o texto será
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
39 –
344
, ja
n. –
abr
., 20
20
340
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
39 –
344
, ja
n. –
abr
., 20
20
reencaminhado para avaliação. Os artigos serão avaliados de acordo
com os critérios de qualidade e rigor dos argumentos, validade dos dados,
oportunidade e relevância para sua área de pesquisa, atualidade e adequação das
referências.
A editoria demanda de todos os autores e avaliadores que declarem
possíveis conflitos de interesse relacionados a manuscritos submetidos a
Sociologia & Antropologia. Entende-se conflito de interesse como qualquer
interesse comercial, financeiro ou pessoal relacionados a dados ou questões
do estudo de um ou mais autores que levem a potenciais conflitos entre as
partes envolvidas. Conflitos de interesse podem influenciar os resultados e
conclusões de um estudo e do processo de avaliação. A sua existência não
impede a submissão de um artigo ou sua publicação na revista, porém, os
autores deverão explicar a razão do conflito aos editores, que tomarão uma
decisão sobre o encaminhamento do manuscrito.
A revista encaminhará, em prazo estimado de aproximadamente (6) seis
meses, uma carta de decisão sobre o artigo recebido, anexando, de acordo
com cada caso, os devidos pareceres. Um dos seguintes resultados será
informado: (a) aceito sem alterações; (b) aceito mediante pequenas revisões;
(c) reformular e reapresentar para nova avaliação; e (d) negado. Ao revisar os
manuscritos aceitos para publicação, os autores devem marcar todas as
alterações feitas no texto e justificar devidamente quaisquer eventuais
exigências ou recomendações de pareceristas não atendidas.
O periódico segue as diretrizes dos Códigos de Ética do Committee on
Publication Ethics (COPE) (<http://www.publicationethics.org/>), do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (<http://
www.cnpq.br/web/guest/diretrizes>) e da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (<http://www.fapesp.br/boaspraticas/>).
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE COLABORAÇÕES
Forma e preparação de textos
O texto completo não deverá conter os nomes dos autores e deverá incluir
notas substantivas (de fim de texto) em algarismos arábicos; referências
bibliográficas; título e resumo (entre cem e 150 palavras) acompanhado
de cinco palavras-chave, em português e inglês; e, quando for o caso,
os créditos das imagens utilizadas. Agradecimentos e notas biográficas
dos autores (de até 90 palavras) incluindo formação, instituição, cargo,
áreas de interesse e principais publicações deverão ser enviados em
arquivo separado.
341
Desenhos, fotografias, gráficos, mapas, quadros e tabelas devem conter
título e fonte, e estar numerados. Além de constarem no corpo do
artigo, as imagens deverão ser encaminhadas em arquivo separado do
texto, em formato .tiff (de preferência) ou .jpg e em alta resolução (300
dpi), medindo no mínimo 17cm (3.000 pixels) pelo lado maior. No caso
de imagens que exijam autorização para reprodução, a obtenção da
mesma caberá ao autor.
Os textos deverão ser escritos em fonte Times New Roman, tamanho 12,
recuo padrão de início de parágrafo, alinhamento justificado,
espaçamento duplo e em páginas de tamanho A4 (210x297cm), numa
única face.
As notas devem vir ao final do texto, não podendo consistir em simples
referências bibliográficas. Estas devem aparecer no corpo do texto com
o seguinte formato:
(sobrenome do autor, ano de publicação),
conforme o exemplo: (Tilly, 1996)
No caso de citações, quando a transcrição ultrapassar cinco linhas
deverá ser centralizada em margens menores do que as do corpo do
artigo; quando menor do que cinco linhas, deverá ser feita no próprio
corpo do texto entre aspas. Em ambos os casos a referência seguirá o
formato:
(sobrenome do autor, ano de publicação: páginas),
conforme os exemplos:
(Tilly, 1996: 105)
(Tilly, 1996: 105-106)
As referências bibliográficas em ordem alfabética de sobrenome devem vir
após as notas, seguindo o formato que aparece nos seguintes exemplos (os
demais elementos complementares são de uso facultativo):
1. Livro
Pinto, Luis de Aguiar Costa. (1949). Lutas de famílias no Brasil: introdução
ao seu estudo. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
2. Livro de dois autores
Cardoso, Fernando Henrique & Ianni, Octávio. (1960). Cor e mobilidade
social em Florianópolis: aspectos das relações entre negros e brancos numa
comunidade do Brasil meridional. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
3. Livro de vários autores
Wagley, Charles et al. (1952). Race and class in rural Brasil. Paris: Unesco.
4. Capítulo de livro
Fernandes, Florestan. (2008). Os movimentos sociais no “meio negro”. In: A
integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Globo, p. 7-134 (vol. 2).
342
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
39 –
344
, ja
n. –
abr
., 20
20
5. Coletânea
Botelho, André & Schwarcz, Lilia Moritz (orgs.). (2009). Um enigma
chamado Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
6. Artigo em coletânea organizada pelo mesmo autor
Gonçalves, José Reginaldo Santos. (2007). Teorias antropológicas e
objetos materiais. In: Antropologia dos objetos: coleções, museus e
patrimônios. Rio de Janeiro: Iphan, p. 13-42.
7. Artigo em coletânea organizada pelo autor em conjunto com outro
Villas Bôas, Glaucia. (2008). O insolidarismo revisitado em O problema do
sindicato único no Brasil. In: Villas Bôas, Glaucia; Pessanha, Elina Gonçalves
da Fonte & Morel, Regina Lúcia de Moraes. Evaristo de Moraes Filho, um
intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, p. 61-84.
8. Artigo em coletânea organizada por outro autor
Alexander, Jeffrey. (1999). A importância dos clássicos. In: Giddens,
Anthony & Jonathan Turner (orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: Ed.
Unesp, p. 23-89.
9. Artigo em Periódico
Lévi-Strauss, Claude. (1988). Exode sur exode. L’Homme, XXVIII/2–3,
p. 13-23.
10. Tese Acadêmica
Veiga Junior, Maurício Hoelz. (2010). Homens livres, mundo privado:
violência e pessoalização numa sequência sociológica. Dissertação de
Mestrado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.
11. Segunda ocorrência seguida do mesmo autor
Luhmann, Niklas. (2010). Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis:
Vozes.
Luhmann, Niklas. (1991). O amor como paixão. Lisboa/Rio de Janeiro:
Difel/Bertrand Brasil.
12. Consultas on-line
Sallum Jr., Brasílio & Casarões, Guilherme. (2011). O impeachment de
Collor: literatura e processo. Disponível em <http://www.acessa.com/gr
amsci/?page=visualizar&id=1374>. Acesso em 9 jun. 2011.
343
ENVIO DE CONTRIBUIÇÕES
Sociologia & Antropologia não assume responsabilidade por conceitos
emitidos pelos autores, aos quais solicita que declarem
responsabilidade pelo conteúdo do manuscrito submetido, bem como
que especifiquem, em caso de coautoria, a participação de cada um na
sua versão final, da pesquisa à redação.
Os trabalhos enviados para publicação devem ser originais e inéditos,
não sendo permitida sua apresentação simultânea em outro periódico.
O sistema Plagius é utilizado para identificação de plágio.
A revista não cobra taxa de submissão, avaliação e processamento dos
artigos e tem acesso aberto, seguindo o princípio de que disponibilizar
gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior
democratização mundial do conhecimento.
Possíveis modificações de estrutura ou de conteúdo, por parte da
Editoria, serão previamente acordadas com os autores, e não serão
admitidas após os trabalhos serem entregues para composição.
Contribuições deverão ser submetidas eletronicamente através do
sistema ScholarOne acessando o link:
<https://mc04.manuscriptcentral.com/sant-scielo>
A revista solicita aos autores que registrem um identificador
digital ORCID.
Autores que publicam em Sociologia & Antropologia (1) mantêm os direitos
autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o
trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons
Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com
reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista; (2) têm
autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para
distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista
(ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro),
com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista; e (3)
têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho
online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal e
sistemas de auto arquivo), já que isso pode aumentar o impacto e a
citação do trabalho publicado (veja O efeito do acesso aberto em <http://
opcit.eprints.org/oacitation-biblio.html>).
344
Para mais informações, consultar os editores no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia:
Sociologia & Antropologia
Revista do PPGSA
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/UFRJ
Largo de São Francisco de Paula, 1, sala 420
20051–070 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Telefone/Fax +55 (21) 2224–8965 ramal 215
sociologiaeantropologia.com.br
revistappgsa.ifcs.ufrj.br
scielo.br/sant
The guidelines for submitting manuscripts are available in
English at our website
soci
ol.
an
tro
pol.
| ri
o d
e ja
nei
ro, v
.10.
01: 3
39 –
344
, ja
n. –
abr
., 20
20
Revista Dados – 2010 – Vol. 53 no
4
1ª Revisão: 06.01.2011
Cliente: Iuperj – Produção: Textos & Formas
Preâmbulo. O valor e os benefícios provenientes da pesquisa dependem essencialmente da sua inte-gridade. Embora haja diferenças entre países e entre disciplinas na maneira pela qual a pesquisa éorganizada e conduzida, há também princípios e responsabilidades profissionais comuns que sãofundamentais para a integridade da mesma, onde quer que seja realizada.
PRINCÍPIOSHonestidade em todos os aspectos da pesquisa.Responsabilização na condução da pesquisa.
Respeito e imparcialidade profissionais no trabalho com outros.Boa gestão da pesquisa em benefício de outros.
RESPONSABILIDADES1. Integridade: Os pesquisadores devemassumir a responsabilidade pelaconfiabilidade de suas pesquisas.2. Cumprimento com as regras: Ospesquisadores devem estar cientes das regrase políticas de pesquisa e segui-las em todas asetapas.3. Métodos de pesquisa: Os pesquisadoresdevem utilizar métodos de pesquisaapropriados, embasar as conclusões em umaanálise crítica das evidências e relatar osachados e interpretações de maneira integrale objetiva.4. Documentação da pesquisa: Ospesquisadores devem manter documentaçãoclara e precisa de suas pesquisas, de maneiraque sempre permita a averiguação ereplicação do seu trabalho por outros.5. Resultados: Os pesquisadores devemcompartilhar seus dados e achados pronta eabertamente, após assegurarem aoportunidade de estabelecer a prioridade epropriedade sobre os mesmos.6. Autoria: Os pesquisadores devem assumirplena responsabilidade pelas suascontribuições em todas as publicações,solicitações de financiamento, relatórios eoutras representações de suas pesquisas. Alista de autores deve sempre incluir todosaqueles (mas apenas aqueles) que atendam oscritérios de autoria.7. Agradecimentos na publicação: Naspublicações, os pesquisadores devemreconhecer os nomes e papéis daqueles quefizeram contribuições significativas à pesquisa,inclusive redatores, financiadores,patrocinadores e outros, mas que não atendemaos critérios de autoria.8. Revisão de pares: Ao participar daavaliação do trabalho de outros, ospesquisadores devem fornecer pareceresimparciais, oportunos e rigorosos.9. Conflitos de interesse: Os pesquisadoresdevem revelar quaisquer conflitos de interesse,sejam financeiros ou de outra natureza, quepossam comprometer a confiabilidade de seutrabalho nos projetos, publicações ecomunicações públicas de suas pesquisas,
assim como, em todas as atividades derevisão.10. Comunicação pública: Os pesquisadoresdevem limitar seus comentários profissionais àsua própria área de especializaçãoreconhecida quando participarem emdiscussões públicas sobre a aplicação erelevância de resultados de pesquisa, e devemdistinguir claramente entre comentáriosprofissionais e opiniões baseadas em visõespessoais.11. Notificação de práticas de pesquisairresponsáveis: Os pesquisadores devemnotificar às autoridades competentes qualquersuspeita de má conduta profissional, inclusivea fabricação e/ou falsificação de resultados,plágio e outras práticas de pesquisairresponsáveis que comprometam aconfiabilidade da pesquisa, tais comodesleixo, inclusão inapropriada de autores,negligência no relato de dados conflitantes ouuso de métodos analíticos enganosos.12. Resposta a alegações de práticas depesquisa irresponsáveis: As instituições depesquisa, assim como as revistas,organizações profissionais e agências quetiverem compromissos com a pesquisa emquestão devem dispor de procedimentos pararesponder a alegações de má conduta e outraspráticas de pesquisa irresponsáveis, assimcomo proteger aqueles que, de boa fé, tenhamdenunciado tais comportamentos. Quando forconfirmada a má conduta ou outra prática depesquisa irresponsável, devem ser tomadas asmedidas cabíveis prontamente, inclusive acorreção da documentação da pesquisa.13. Ambientes de pesquisa: As instituições depesquisa devem criar e sustentar ambientesque incentivem a integridade através daeducação, políticas claras e normas razoáveispara o progresso da pesquisa, ao mesmotempo em que fomentam ambientes detrabalho que apóiem a integridade da mesma.14. Considerações sociais: Os pesquisadorese as instituições de pesquisa devem reconhecerque têm uma obrigação ética no sentido depesar os benefícios sociais contra os riscosinerentes apresentados pelo seu trabalho.
A Declaração de Singapura sobre Integridade em Pesquisa foi desenvolvida como parte da II Conferência Mundial sobre Integridadeem Pesquisa, realizada de 21 a 24 de julho de 2010, em Singapura, como guia global para a condução responsável de pesquisas. Nãoé um documento regulatório, nem representa as políticas oficiais dos países e organizações que financiaram ou participaram na Con-ferência. Para informações sobre políticas oficiais, normas e regras na área de integridade em pesquisa, devem ser consultadas asagências nacionais e organizações apropriadas. A Declaração original em inglês está disponível em: <http://www.singaporestatement.org>.
348
Top Related