SOCIABILIDADE DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS E CULTURAIS EM MATO
GROSSO COLONIAL (1748-1822).
Nileide Souza Dourado (PPGE/IE/UFMT) [email protected]
Nicanor Palhares Sá (PPGE/IE/UFMT)
[email protected] RESUMO A proposta desse artigo busca apresentar algumas informações sobre as práticas educativas e
culturais, vivenciadas pela população mato-grossense, dadas entre os anos de 1748 e 1822. Com
o enfoque para a sociabilidade dessa aprendizagem, nas vilas, no interior e no entorno das
instituições consideradas educativas, estendidas, do reino de Portugal para o Brasil Colonial,
como Câmaras Municipais, Igreja, Organizações Militares e Cientistas, instituídas na capitania
de Mato Grosso, especialmente, no contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e
Vila Bela da Santíssima Trindade e de outros pequenos pontos de povoamento nas
circunscrições vizinhas. Sobretudo, as que compartilharam práticas de iniciativa particular,
veiculadas através de professores, padres, mestres, militares, cientistas e familiares, que se
revestiam de conhecimentos expressos no interior da sociedade mato-grossense, no século
XVIII. Portanto, processos educativos estabelecidos, mediante procedimentos peculiares,
tenham sido desenvolvidos através das atividades de trabalho como por meio de ações
socioeducativas que estimularam, de certa forma, a sociabilidade e a circularidade cultural dos
saberes e da civilidade no interior dos segmentos sociais, que envolvem aprendizados
educacionais escolares e trocas culturais de hábitos, costumes, comportamentos, técnicas,
ofícios e aquelas de caráter religioso, além de outros saberes provenientes das várias origens
culturais e que se expressaram nessa área extrema do oeste colonial.
Palavras-Chave: História. Educação. Práticas Educativas. Mato Grosso. Período colonial.
RESUMEN
El propósito de este artículo tiene como objetivo proporcionar alguna información acerca de las
prácticas educativas y culturales vividas por la población de Mato Grosso, teniendo en cuenta,
entre los años 1748 y 1822. Con el foco de este aprendizaje para la sociabilidad, en los pueblos
dentro y alrededor de las instituciones educativas consideradas, extendido, el reino de Portugal a
Brasil Colonial, como ayuntamientos, iglesias, organizaciones militares y científicos, estableció
la capitanía de Mato Grosso especialmente en el contexto de Vila Real Señor El Buen Jesús de
Cuiabá y Vila Bela Santísima Trinidad y otros pequeños puntos de asentamiento en los distritos
vecinos. Por encima de todo, compartieron las prácticas de la empresa privada, la voz de los
profesores, sacerdotes, maestros, militares, científicos y familiares, que eran de conocimiento
expresado en la sociedad Mato Grosso, en el siglo XVIII. Por lo tanto, los procesos educativos
establecidos a través de procedimientos peculiares, se han desarrollado a través de las
actividades de trabajo y por medio de actividades sociales y educativas que estimulan de alguna
manera, la sociabilidad y culturales circularidad del conocimiento y la civilidad en los sectores
sociales, que implican el aprendizaje escolares hábitos de intercambios educativos y culturales,
costumbres, comportamientos, técnicas artesanales y las de carácter religioso, y otros
conocimientos provienen de diversos orígenes culturales y que han hablado en esta zona de
colonial occidental extrema.
Palabras clave: Historia. Educación. Las prácticas educativas. Mato Grosso. Período colonial
O Contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e
Vila Bela da Santísima Trindade (1748-1822).
A histórica cidade de Cuiabá - lugar pertencente à região da bacia do Alto Rio
Paraguai - cujo primeiro núcleo principal foi a Vila Real do Senhor Bom Jesus do
Cuiabá, teve sua procedência a partir da descoberta do ouro, mediante investidas e
conquistas dos bandeirantes luso-brasileiros que, no ano de 1719, nas margens do
Córrego da Prainha, encontraram ouro. Assim, coube ao governador da capitania da
qual essa região fazia parte, a de São Paulo, Rodrigo Moreira Cesar de Menezes, como
um dos representantes do poder metropolitano na Colônia, a missão de elevar, em 1º de
janeiro 1727, o arraial de Cuiabá à categoria de Vila, instalando a Câmara Municipal,
poder administrativo e fiscal no controle da extração aurífera nas minas de Cuiabá, na
entrada de mercadorias, na saída do ouro, mas também instância de poder metropolitano
local. Menezes estabeleceu uma estrutura capaz de facilitar a concretização dos
objetivos geopolíticos da Coroa portuguesa.
Entretanto, quem descreve com muita propriedade e grácil, a festividade na Vila
de Cuiabá, ocasionada pelo levantamento do pelourinho, a criação da Câmara de Cuiabá
e ainda pela nomeação do ouvidor Antônio Alves Lanhas Peixoto, da Vila de
Paranaguá, perante a participação e aclamação da população da vila, foi Barbosa de Sá:
[...] Anno de mil setecentos e vinte e sete no primeiro de janeiro
deste ano, mandou o General Levantar pilourinho com grandes
aplausos do povo que em repetidas vezes bradavaó: Viva a
Villa Real do Senhor Bom Iezus do Cuyabá, tomou cazas para o
Senado da Camara citas na rua chamada do sebo defronte do
oratório nomiou por Ouvidor o Doutor Antonio Alvares Lanha
Peixoto que era na Villa de Parnagoá mandado por sua
Magistade para o acompanhar e instruir no que fosse
necessário para adeministração da justiça mandou-o erigise
Senado da Camara na forma da Ley [...]. (1975, p. 19).
Ainda, nessa perspectiva, a descrição da formalização do paço da Vila de Cuiabá
no século XVIII é dada, também, pelos Anais do Senado da Câmara - final do ano de
1730 – Chonicas do Cuyabá – quando é noticiada a chegada de uma grandiosa monção
vinda de São Paulo, com muita gente e fazendas, e nela o Doutor José de Burgos Villa
Lobos, por Ouvidor Geral “Entrou a fazer justiça com força, a por em arrecadação as
fazendas dos defuntos e ausentes; a princípio logo que chegou, deu início as obras da
Cadeia e Casas da Camara [...] e logo depois as casas, que para si fez, e são hoje as da
aposentaria dos Ministros [...]”. (ANAIS DO SENADO CUIABÁ DE 1730, 2007 p.
64). Ocorre, assim, a reprodução do modelo ordenador dos ambientes urbanos
português, ou seja, o Domus Municipalis -, casa-da-camara-cadeia-e-matriz (Figura-1).
Figura 1 - Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá (século XVIII)
Fonte: Acervo da Casa da Ínsua, Portugal apud História de Mato Grosso: da
ancestralidade aos dias atuais (SIQUEIRA, 2002, p. 32)
Desse modo, a nova vila foi se edificando e se estruturando; uma capela com a
madeira, o barro, a taipa de pilão e alvenaria, coberta de palha foi erguida para servir de
matriz, até que os moradores juntassem esmolas para a Provedoria erguer a capela-mor.
Portanto, na primeira Vila, no marco central da América do Sul que, homens e mulheres
se ocuparam em prover os espaços urbanos com várias atividades, como à produção
agrícola, criações de animais e outros saberes e fazeres culturais, no cotidiano da Vila.
Segundo Holanda (2000, p. 55) [...] em 1727 havia ali dois mil e seiscentos negros e
índios labutando nas lavras de ouro [...]. Na mesma época, criou-se uma Companhia de
Ordenanças de Homens Pardos.
Nesses termos e mediante a intensa movimentação na fronteira mato-grossense
em busca do ouro, na temporalidade em questão, os mineiros mais afoitos, na ânsia de
encontrar ouro em maior profusão, deixaram Cuiabá, seguindo rumos diversos. Nessa
movimentação foram descobertas outras jazidas auríferas de menor proporção,
responsáveis pelo povoamento de área mais a oeste que, pelo Tratado de Tordesilhas,
não pertenceriam oficialmente a Portugal. Desse ponto, entre a margem ocidental dos
rios Paraguai e Guaporé, desbravada pelos Irmãos Paes de Barros (paulistas), a partir do
ano de 1734, que adentraram a região e descobriram lavras de ouro no rio Galera, em
Santana, Brumado, São Francisco Xavier e Minas do Alto Paraguai foram edificadas
mais outra vila a de Vila Bela da Santíssima Trindade, a vila-capital, no oeste da
América portuguesa (SIQUEIRA, 2002, p. 40).
Ao avançar pelo território, alargando ainda mais a fronteira, os colonos
estabeleceram outro núcleo de povoamento e de atividade produtiva distante de Cuiabá.
Espaço ainda parcialmente desconhecido dos portugueses e passível de litígio, o rio
Guaporé se tornou, por essas características, prioritário na posse da fronteira. Para
garantir o abastecimento na região, foi publicada a Provisão Régia de 14 de novembro
de 1752, que permitiu o comércio com o Pará pelos rios Madeira e Guaporé
(LEVERGER, 2001, p. 44).
A Câmara Municipal de Cuiabá respondeu, até 1748, pela única municipalidade,
ocasião em que as terras que se circunscreviam às Minas do Cuiabá se desmembraram
da capitania geral de São Paulo e Minas do Ouro, quando foram instituídas duas novas
administrações portuguesas na América do Sul, as capitanias de Goiás e Mato Grosso.
Esse evento se deveu às negociações que estavam sendo estabelecidas em Madri entre
os anos de 1746 e 1750. Uma vez que a iniciativa da Coroa portuguesa visava
consolidar as posições lusitanas, tanto pelas convenções estabelecidas no limite do
estabelecido pela convenção de Madri, como também pela manutenção concreta da
fronteira viva, a capitania de Mato Grosso se constituiu, portanto, numa “capitania-
fronteira”. Vale lembrar que o princípio desse tratado tinha por base o uti possidetis,
adotando o povoamento enquanto marco de posse. A Coroa portuguesa tratou de
escolher o Guaporé como território onde seria construída a nova sede da capitania.
Cuiabá, mesmo já estruturada e povoada, cedeu lugar, dois anos antes da assinatura do
Tratado de Madri, para a primeira capital oficial da recém-criada capitania de Mato
Grosso, que já nasceu com o estatuto de Vila Bela da Santíssima Trindade, tendo sido
oficialmente inaugurada no ano de 1752.
Os Anais de Vila Bela 1734 -1789, no ano de 1752, noticiaram de forma simbólica
a representação da instalação do poder metropolitano na região guaporeana - Vila Bela
da Santíssima Trindade, mediante editais para se convocar ao povo para o levantamento
da vila, lavrado já para essa função o pelourinho (ANAIS DE VILA BELA de 1751,
2000 p. 51). Tal solenidade resultou num acontecimento público, de grande porte,
comandado pela comitiva do governo do capitão-general Antonio Rolim de Moura e
demais autoridades camaristas e clericais que, mediante o final das enchentes do mês de
março, cujas águas não venciam mais o barranco, “juntos os bons e povo destas minas,
em dia de São José, de tarde se puseram [...] abrindo-se o primeiro pelouro, dando-se
posse aos vereadores e aos oficiais da milícia, providos por Sua Excelência: João
Pereira da Cruz capitão-mor; Francisco de Sales Xavier, sargento-mor; Antônio da
Silveira Fagundes Borges capitão; e o ajudante João Nunes de Melo [...]” (ANAIS DE
VILA BELA DE 1751, 2000 p51).
O processo da escolha dos mandatários da municipalidade via pelouro pode ser
compreendido como um momento solene e revestido de grande importância para a
sociedade da época. A monarquia portuguesa, desde as Ordenações Afonsinas e das
Leis Extravagantes, procurou normatizar o processo de escolha para os cargos de juízes
ordinários, vereadores e procuradores das vilas. Por outro lado, as eleições também
eram de extremo interesse da população e servia como elemento de representação
política e social dos moradores das vilas. Logo, foi em meio a essas efetivas
movimentações, festividades e edificações que ensejou a fundação da primeira capital
de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima Trindade, através da Carta Régia datada de 9
de março de 1748, tendo D. João V nomeado para governá-la um nobre lusitano, D.
Antônio Rolim de Moura1. Pessoa, na opinião da coroa lusitana, de grande zelo e
prudência, que escolheu para fundação da sede da capitania, o local denominado Pouso
Alegre, nas margens do rio Guaporé, onde, em 19 de março de 1752, fundou
solenemente Vila Bela da Santíssima Trindade – Vila-Capital. Lugar de terreno
alagadiço, pelas constantes cheias que o Rio Guaporé derramava sobre a região
escolhida (MOURA, 1982, p. 31).
1 D. Antonio Rolim de Moura, nascido em 12 de março de 1709, em Portugal, filho de Nuno Manuel de
Mendonça, IV Conde de Al de Reis, Comendador e Alcaide - mor das Comendas e Alcadarias e de Dona
Leonor Maria Antonia de Noronha, filha do I Marquês de Angeja, D. Pedro de Noronha. Rolim de Moura
foi o sexto filho de um total de dezesseis, que tiveram o IV Conde de Val de Reis e sua esposa – dos quais
onze mulheres e cinco homens [...] (MOURA 1982 apud DOURADO, 2012, p. 152). [...].
D. Antonio Rolim de moura, foi dado ao estudo. Teve uma formação educacional capaz de fazê-lo
glorioso, de uma sagacidade adequada para torná-lo verdadeiro em atitudes, dono de um espírito crítico,
humano e justo, além de ser um jovem disciplinado nos estudos e um cristão exemplar. Seus estudos não
se limitaram à Filosofia e Teologia - abrange a sua instrução a todas as ciências – A Política dos Povos e
das Gentes, que forma o Direito público das Nações, um dos seus principais estudos. Apreciador das
Matemáticas puras, das Ciências e Artes mais úteis. Estudou, também, a História Universal e a História
de Portugal [...] Homem de vasta e profunda erudição, em todas as Artes Liberais, perfeito na música, na
poesia, equitação e na espada. O que se pode concluir que D. Antonio Rolim, além da educação normal
de um nobre português da Corte, na época, teve também uma excepcional formação cultural e científica.
Pessoa de grandeza e virtudes, por ter sido contemporâneo do Iluminismo, sua filosofia lhe trouxe
conhecimentos das Artes mais precisas à nação portuguesa. D. Rolim foi conhecedor das Ciências Exatas
e também um combativo militar português (CANOVA, 2011 apud DOURADO, 2012, p. 153).
Assim, sua edificação teve início com a ocupação lusitana, nativa, negra e
indígena no extremo oeste da América portuguesa. Vila instalada numa região
fronteiriça teve funções estratégicas enquanto núcleo colonizador e abrigo da sede do
governo de uma das capitanias mais astuciosas da América portuguesa face às riquezas
que possuía e à sua estratégica geopolítica. A municipalidade foi administrada pelos
oficiais da Câmara que, ainda no período de conquista, produziram um Estatuto ou
Código de Posturas (1753), documento oficial que regulamentou a vida dos vilabelenses
por um bom tempo.
À semelhança dos novos núcleos coloniais lusitanos do século XVIII, Vila Bela
da Santíssima Trindade foi planejada sob régua e compasso. Vila-Capital de ruas
simétricas, perpendiculares e em ângulo reto, demonstrou a arte do urbanismo português
em terras da colônia Brasil (Figura-2).
Figura 2 - A criação da Capital de Mato Grosso
Planta de Vila Bela da Santíssima Trindade
Fonte: Acervo da Casa da Ínsua, Portugal apud História de Mato Grosso:
da ancestralidade aos dias atuais (SIQUEIRA, 2002, p. 47)
Nesses termos, Vila Bela veio a se tornar o principal aglomerado político urbano,
visto ser a sede da Coroa portuguesa na parte mais a oeste da América portuguesa, na
fronteira entre as colônias espanholas (SIQUEIRA, 2002, p. 36). Vale ressalvar que,
além do ouro, essa região teve papel preponderante enquanto agente de ocupação, cujo
povoamento ocorreu também como resultado do plano político-estratégico traçado pelas
autoridades de Lisboa e local, para a ocupação da região guaporeana, garantindo os
domínios portugueses fronteiriços com os castelhanos, o que levou o Conselho
Ultramarino português a fazer da Capitania de Mato Grosso o antemural da colônia.
Sugeria que tais garantias fossem ampliadas, estendidas através das ações nas áreas de
defesa e de comércio, com destaque para o de Mato Grosso com o Pará – através da
Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão – projeto delineado pelo marquês de
Pombal que visava à penetração nos domínios espanhóis via rio Guaporé, atingindo as
províncias de Quito, Orenoco e Peru para contrabandear a prata: “Certamente, foi nessas
condições que a capitania de Mato Grosso configurou-se também como capitania
fronteira viva dinâmica e extremamente importante para determinar os territórios das
Coroas (Portuguesa e Espanhola)”. (SIQUEIRA, 2002, p. 43-44). Segundo Holanda
(1973, p. 27) “os bandeirantes transformaram-se em mineradores e fundam arraiais,
logo engrossados por toda casta de gente. Povoa-se a faixa central Minas-Goiás-Cuiabá,
e delineia-se a fronteira do Mato Grosso”.
Essa ideia de garantia e defesa dessa territorialidade conquistada significava, para
a Coroa portuguesa, uma forma de fortificar a região com forças militares suficientes
para a manutenção e posse das espacialidades obtidas durante as negociações do Tratado
de Madri (1750), definidor dos limites entre as colônias ibéricas. Assim, o lusitano
Antônio Rolim de Moura, ao vir para Mato Grosso, trouxe em sua bagagem as
Instruções Régias 2 expedidas pela da Rainha D. Mariana Vitória, com data de 19 de
janeiro de 1749. Eram elas compostas de 32 itens que determinava e detalhava o modo
como ele deveria administrar a recém-criada capitania, principalmente no que concerne
aos aspectos de segurança e defesa da fronteira. Segundo Loiva Canova (2008, p.75) “é
nesse contexto de enfrentamento como administrador de extensa área do extremo oeste
colonial e chefe da comissão portuguesa de limites com os territórios espanhóis que
Rolim de Moura governou o Mato Grosso”.
Acompanhava a comitiva do então capitão-general, o tenente de dragões Manoel
da Ponte Pedreira, um criado e toda comitiva e família. Com ela vieram também os
reverendíssimos Estevão de Castro e Agostinho Lourenço religiosos missionários da
Companhia de Jesus, com missão de aldear e congregar índios para a fé católica; alguns
soldados dragões e o primeiro Juiz de Fora, Teotônio da Silva Gusmão, nomeado para
exercer o cargo na nova sede da capitania.
2 Instrução Régia – Orientação Real para execução de atos normativos: Documento - “fundador” -
repassado aos capitães-generais que vinham governar a capitania de Mato Grosso, quando saiam de
Lisboa, contendo recomendações expressas que bem representavam as preocupações da Corte com a
Capitania. [...] Eram mandados para uma terra distante, sem grande aparato militar de defesa, fronteira
com o reino espanhol, com quem, apesar do tratado de paz e limites assinado, vivia Portugal em
constantes desavenças [...]. Ainda, havia as instruções trocadas entre os capitães-generais, quando da
transferência de governo (IHGMT - Instruções aos Capitães-Generais, p. 8-9).
Além das preocupações da Rainha de Portugal, D. Mariana de Áustria,
demonstradas na Instrução Régia de 19 de janeiro de 1749, com relação à instalação da
Capital da capitania de Mato Grosso percebe-se em seu texto o empenho requerido ao
primeiro governador, Antonio Rolim de Moura3, principalmente, no que diz respeito ao
fortalecimento da povoação do território e, que, o lugar escolhido para a Vila-Capital
fosse defensável e que lograsse as comodidades necessárias da navegação e pesca para a
população. Solicita cuidado no traçamento das ruas e prima pelas ruas direitas e largas,
visando o estabelecimento da vila em boa direção. Nessa perspectiva, demonstra, ainda,
a Rainha, preocupação com a civilidade da população, principalmente à indígena, onde
roga ao Capitão – General que aplique em prol dessa gente [...] todos os meios de
suavidade e indústria para civilizá-los e doutrinar em tudo como pede a caridade cristã
[...] (IHGMT, 2001, p.16).
Depreende-se que as questões de urbanidade, defesa e de civilidade almejadas
pelas autoridades locais e lusas na vila-capital, assim como na vila de Cuiabá, se
expressavam também por meio de outra instituição, as irmandades laicas ou confrarias
das várias ordens religiosas, ocasião em que os irmãos de fé doavam e construíam
espaços sagrados segundo sua devoção, em sinal de agradecimento e reconhecimento
pela graça divina alcançada. Charles Boxer (2002, p. 306) revela que “a composição da
maioria dessas irmandades obedecia a critérios raciais, pois brancos, negros e mulatos
tinham as suas”. [...] assegura ainda que “algumas não faziam nenhuma distinção de
classe ou de cor, nem separavam escravos de homens livres [...]”
Dando prosseguimento em historiar a edificação da vila-capital, ressalva-se que,
no ano de 1752, enunciou o governador Antônio Rolim4 “o princípio das obras que na
vila se fizeram e fazem por conta do El-Rei, como foram os quartéis para os dragões,
cuja casaria ocupa o lado do sul da praça; e se principiaram os alicerces de pedra da
casa para o governador, que ocupa o lado do norte”. (ANAIS DE VILA BELA – Ano
de 1734. 2006 p. 53). A mão de obra da fronteira, responsável por todas as edificações
3 Rolim de Moura governou a Capitania de Mato Grosso por 13 anos 11 meses e 4 dias, compreendendo
o período de 1751 a 1765(SIQUEIRA, 2002, p. 79). 4 Antonio Rolim de Moura [...] Em 1754, o Rei D. José I o nomeou Brigadeiro depois o fez Conde de
Azambuja e Marechal de campo de seus exércitos. O despachou como governador da Baía de Todos os
Santos, aonde chegou aos 25 de março de 1764, de onde veio, em 1767, para o Rio de Janeiro, com o
título de Vice-Rei ao render o Conde da Cunha. Tomou posse e governou o Rio de Janeiro até outubro de
1769. Partiu para Lisboa e foi despachado pelo Rei D. José I e por sua augusta filha. Presidente do
Conselho da Fazenda, Tenente General do Exército de S. Majestade do Conselho de guerra, e Governador
das Armas da Corte e Estremadura. Antonio Rolim de Moura faleceu em Lisboa, na noite de 8 de
dezembro de 1782[...](DOURADO, 2012, p. 155/156).
de casas, igrejas, fortes e fortalezas, majoritariamente, eram compostas por militares de
baixa patentes, quase sempre iletrados que, auxiliados por outros trabalhadores
igualmente inabilitados - homens livres, índios e negros - ergueram, com precisão
milimétrica, os estabelecimentos que defenderam as possessões lusitanas, sob a
orientação de um engenheiro militar formado e de vasta experiência.
Tanto que na leitura das fontes e da bibliografia relacionadas ao processo de
colonização portuguesa na fronteira de Mato Grosso no século XVIII, percebe-se em tal
processo estratégias e táticas alojadas, ambas voltadas para garantir a posse da região,
conquistas, espaço novo e promissor, almejados também, por categorias sociais
diversas. Desse modo, para assentar o projeto colonizador português na região,
contaram os lusos e nativos para essa conquista, com ações definidas oficialmente
através dos diversos tratados de limite e marcada por conflitos e guerras com povos
indígenas e negros que se encontravam ainda, fora dos domínios, conquistas e
privilégios da Coroa. Portanto, o povoamento da região vai se estabelecendo, com as
camadas médias de homens livres e pobres que edificavam casas cobertas de telha, as
igrejas e, os demais 26 edifícios, de grande e pequeno porte na localidade, à época.
De acordo com a empiria, a região contava ainda com casas coberta de palha e
povoada por uma população composta aproximadamente de “quinhentas almas”, pouco
mais ou menos, entre brancos e negros e índios, habitantes dos arraiais e minas de Mato
Grosso que, nos sítios, desenvolviam atividades agrícolas de sobrevivência. Não só na
perspectiva arquitetônica que a conformação urbana foi promovida, mas sua dinâmica
era composta de manifestações culturais e de civilidade materializadas nas festividades
solenes organizadas pela igreja católica e assistida por todo o clero, nobreza, cientistas,
elites, corpos militares/ordenanças e povo de todo o distrito. Essas práticas coletivas
integravam o projeto colonizador português, sendo vitais para a conquista e defesa da
raia fronteiriça do Guaporé, quase sempre sob a batuta dos oficiais camaristas e corpos
militares. Na realidade, as diversas modalidades culturais se expressavam
diuturnamente, constituindo a vila-capital enquanto espaço de circularidade de saberes,
fazeres e práticas culturais cotidianas.
O contexto do Objeto
A temporalidade do estudo em questão, ou seja, a segunda metade do século
XVIII e inicio do XIX teve em Portugal, a marca do “iluminismo” e das “reformas
pombalinas”. O Iluminismo, segundo Gilberto Luiz Alves (1996, p.61) trata-se de “um
movimento universal, a pesar de ser reconhecido básicamente como uma manifestação
superestrutural características da Europa no século XVIII”. Esclarece ainda que, “o
movimento teve sua expressão clásica na França, onde pontificaram Voltaire, Diderot,
D’Alembert, Quesnay e outros”. Argumenta ainda, Alves (1996, p. 62) que […] a
riqueza e a consistencia dos efeitos operados por esse movimento em diferentes países
da Europa, no século XVIII, estiveram estreitamente associadas ao poderio económico e
político da burguesía no seio de cada um deles[…].
Ainda, a despeito do Iluminismo, percebe-se no projeto português, segundo
Alves, “[…] Mesmo sendo fruto da conciliação política, as reformas pombalinas devem
ser reconhecidas na condição de realizadoras dos ideais burgueses na educação, dentro
dos domínios do reino luso […]. Esclarece também que […] elas acrescentaram aos
conteúdos da escola as armas, com as quais a burguesía vinha operando o domínio do
mundo material: as ciências modernas e técnicas. Conclui o autor que […] Basta essa
sucinta exposição para demonstrar o sentido avançado da política educacional
pombalina, assim como o seu enraizamento no Iluminismo […]” (ALVES, 1996, p. 64).
Frente a essa breve exposição, depreende-se que a Coroa portuguesa, influenciada
à época pelo ideais iluministas, passou, então, a promover uma política de expansão e
de planejamento urbano em suas colônias. Tanto que, a maior parte dos anos de
governo de Antônio Rolim de Moura em Mato Grosso, o foco foi para as ações como
processo de restauração, fortalecimento, organização e adequação à época e, a meta
principal da Coroa era a de construir a fronteira e garantir o novo território do Extremo
Oeste, articulando o comércio com a Metrópole e assegurando a posse da região mais
indefinida de toda a colônia.
Sociabilidade das Práticas Educativas e Culturais em
região de frontera
A presente proposta busca apresentar algumas informações sobre as práticas
educativas e culturais, vivenciadas pela população mato-grossense, dadas entre os anos
de 1748 e 1822. Com o enfoque para a sociabilidade dessa aprendizagem, nas vilas, no
interior e no entorno das instituições consideradas educativas, estendidas, do reino de
Portugal para o Brasil Colonial, como Câmaras Municipais, Igreja, Organizações
Militares e Cientistas, instituídas na capitania de Mato Grosso, especialmente, no
contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e Vila Bela da Santíssima
Trindade e de outros pequenos pontos de povoamento nas circunscrições vizinhas.
Sobretudo, as que compartilharam práticas de iniciativa particular, veiculadas através de
professores, padres, mestres, militares, cientistas e familiares, que se revestiam de
conhecimentos expressos no interior da sociedade mato-grossense, no século XVIII.
Portanto, processos educativos estabelecidos, mediante procedimentos peculiares,
seja pelas atividades de trabalho como por meio de ações socioeducativas que
estimularam, de certa forma, a sociabilidade e a circularidade cultural dos saberes e da
civilidade no interior dos segmentos sociais, que envolvem aprendizados educacionais
escolares e trocas culturais de hábitos, costumes, comportamentos, técnicas, ofícios, e
aquelas de caráter religioso, além de outros saberes provenientes das várias origens
culturais e que se expressaram nessa área extrema do oeste colonial.
Vale ressalvar que às instituições, referenciadas no texto, diz respeito às
instituições educativas, ou seja, locais de saberes e instituidores de conhecimentos, seja
de ordem profana, humanos e científicos. Tanto que Andrê Burgière, no Dicionário das
Ciências Históricas (1993) 5, oferece algumas definições para o vocábulo “instituição”.
Para ele, os historiadores fazem do termo um uso empírico espontâneo, enumerando “o
Rei, o Domínio, as Finanças, a Justiça, a Igreja, a Senhoria”. (1993, p. 443) Ainda no
panorama do Dicionário das Ciências Históricas, é Roland Mousnier que oferece uma
definição mais sintética da “instituição”, apontando o termo, primeiramente, como uma
“ideia diretriz” e, depois, “o grupo de homens” que a põe em prática. Fusão do abstrato
e do concreto, tal abordagem amplia o domínio do que é institucional para a maior parte
da atividade coletiva. Argumenta ainda Mousnier (1993, p. 443) que:
[...] as instituições e sua história possuem uma história que rege
imperativamente seu campo de exercício. O pensamento
clássico instalava, às escondidas, a instituição na historicidade.
Isto pode ser aplicado a “tudo o que é inventado pelos homens”,
como definia Furetière no século XVII. “Ela se opõe à natureza.
5 Andrê Burgière, organizador do Dicionário das Ciências Históricas. Tradução de Henrique de Araujo
Mesquisata – Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 443-444. Apresenta entendimentos sobre instituições. [...]
No vocabulário contemporâneo, as “instituições” designam a constituição da República, ou mais
tecnicamente, o conjunto de regras e de órgãos que fixam a organização de um setor da vida pública, ou
mais amplamente, o conjunto das formas sociais fundadas pela lei ou pelo costume [...].
Tudo o que provém da natureza é, da mesma forma em todos os
lugares e em todos os momentos, de instituição divina”. As
cerimônias profanas são de instituição humana. Obras do
homem e obra consciente, as instituições exprimiam essa
capacidade organizadora, esse poder que tem o homem sobre si
mesmo. Mas elas se subordinavam implicitamente à natureza, à
lei divina que conferia seu sentido à história do homem [...].
Ao abordar sobre a educação na América portuguesa, em especial a manifesta na
capitania de Mato Grosso no século XVIII, há que se romperem as fronteiras da
educação escolar e buscar também nas práticas educativas realizadas fora das escolas,
os saberes que foram constituídos na interação e movimentação cotidiana da população
lusitana, indígena, africana e aquelas advindas da miscigenação, radicadas em Mato
Grosso. Sobretudo, tais práticas foram, majoritariamente, constituídas por indivíduos
que, em sua maioria, se encontravam alheios à herança cultural do Velho Mundo,
porém, manifestas pelos vínculos de sociabilidade e de dimensão cultural estabelecidos
no envolvimento dos diversos universos culturais que se entrecruzavam nessas
territorialidades, fruto do legado dos colonizadores e dos colonizados.
De acordo com as evidências das fontes, percebeu-se que as gerações adultas e
jovens advindas dos desfavorecidos, trabalhavam em ofícios diversos, como pedreiros,
soldados da companhia de pedestres, aventureiros (soldados sem fardas), domésticos,
remadores, raizeiros, carpinteiros, barbeiros, ferreiros e alfaiates, cujos processos
educativos e culturais ocorridos, também, nos espaços de sociabilidade, como no seio
familiar, campo de trabalho, nas praças e lugares públicos, nas festas, atividades
religiosas, representações teatrais e ações pedagógicas práticas. Portanto, ações
corroboradas pelos contatos com agentes governamentais, elites, camadas médias e
homens livres e pobres que se relacionavam dentro de uma sociabilidade e circularidade
cultural, tanto que nos dão a ver e a dizer:
Ano de 1772
[...] No dia 4 de Outubro pelas cinco horas da tarde entrou nesta
Vila vindo pelo caminho de terra Ilustríssimo e Excelentíssimo
General que ainda hoje existe governando, Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, foi recebido na
entrada da Vila pela Câmara que o esperava em uma casa
ricamente ornada, que para esse fim que se armou na paragem,
e rua chamada à mandioca, e dali conduzido de baixo de palio,
que carregaram seis republicanos, e acompanhados da mesma
Câmara, Nobreza, e Povo para a Igreja Matriz, onde o esperava
paramentado de capa o Reverendo Pároco como a mais
eclerezia da terra, e depois de feitas as cerimônias do incenso, e
beijamento da cruz, entoou o dito Pároco o Te Deum Laudamus,
que prosseguiu a Música. Findo este ato se recolheu da mesma
forma para a residência, que se lhe havia preparado, dando lhe
os corpos auxiliar, e ordenanças as descargas do estilo; o que
feitos, e praticados nas mais circunstancias devidas, nessa
mesma noite, e nas duas seguintes iluminaram os moradores as
suas casas. Depois houvera vários festejos de óperas, e
comedias em tablado publico, além de danças, bailes, e outros
festejos, que durarão por muitos dias, sendo em todo geral o
contentamento. Aqui se demorou até o dia três de Novembro
em que se regressou para a Capital de Mato Grosso pelo
caminho de terra [...] (ANNAIS DO SENNADO DA
CÂMARA DO CUIABÁ, 2007, p. 101).
A potencialidade desse registro de memória, documento de cunho noticioso, os
“annais” nos revela elementos que reforçam status ou melhoria da elite local, bem como
o envolvimento da camada média nos festejos, caracterizando, de certa maneira, uma
educação de cunho cultural e de natureza pública, inscrevendo-se na civilidade das
aparências, constituindo um ornamento a ser ostentado pelos indivíduos socialmente
privilegiados.
Isso também possibilitou ao povo o refinamento de hábitos, a circularidade
cultural, uma vez que muitos membros da sociedade colonial mato-grossense fossem
eles representados pelas elites, a camada média e os homens livres e pobres, era
composta por homens rústicos que não sabiam ler, escrever ou contar.
Dessa maneira, os espaços de sociabilidade e de afirmação de homens e mulheres,
retratadas no registro de memória, podem ser vista também, como um acelerado
processo civilizador, que passava a sociedade da capitania de Mato Grosso, na segunda
metade do século XVIII.
Tato que o registro de memória, aponta ainda, para as representações culturais da
sociedade, mediante atividades festivas e de comemorações, seja a partir da organização
da municipalidade na Vila, nos espaços públicos, ou perante, a união, reunião e
representação dos poderes constituídos como o eclesiástico da terra, representados pelos
párocos e outros, representantes do povo como nobreza e camaristas, ordenanças,
moradores e suas edificações. Além, dos ensinamentos, assistidos, durante as
comemorações e festejos públicos como o cortejo ofertado ao mandatário superior, com
direito à descargas de artilharias, beija mão, apresentação de música sagrada, como Te
Deum Laudamus, operas e comédias, danças e bailes.
Na leitura da empiria, especialmente, nos Anais do Senado da Câmara de Cuiabá e
de Vila Bela da Santíssima Trindade, percebe-se que na segunda metade do século
XVIII, a capitania de Mato Grosso, estava organizada numa administração pública, com
assente na escrita. Tanto que a escrituração dos anais dá testemunhos dos diferentes
aspectos da vida oficial, manifestações religiosas e das festas públicas. Além dessas
dimensões, há que se considerar que, pelas regiões da Capitania, as atividades culturais
e festivas eram intensas, tanto as promovidas no Palácio do Governo, na Corte
Portuguesa, ou pela Igreja Católica, bem como as de iniciativa espontânea da população
índia, negra, branca e mestiça, mediante práticas religiosas, comunitárias das
irmandades, como a de Santo Antônio, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e
pelas festividades com tradições africanas, predominavam e representavam também
certas garantias de segurança e povoamento da região, funcionando como elementos de
sociabilidades locais, civilidade e inserção social.
Vale ressaltar que durante os longos anos do governo de Luiz de Albuquerque, na
capitania de Mato Grosso, tanto em Cuiabá, como em Vila Bela (Vila Capital), o
governante promoveu várias festividades culturais e de sociabilidade. Gilberto Freyre
(1978, p. 59) revela que Luiz “[...] foi promotor e animador dessas expansões de alegria
portuguesa e dessas exibições de arte européia quase no meio de matos tropicais do
Brasil”. Tanto que, cioso da pragmática, comemorava as cerimônias da corte e da
igreja, como podemos observar nos Anais de Vila Bela (1734-1789), registro de
memória, apresesentado, em Câmara, pelo vereador e alferes Gregório Pereira:
[...] No dia 17 de dezembro, que é o do aniversário da Rainha
Fidelíssima, nossa Senhora, foi Sua Excelência, ministros,
oficiais militares e nobreza assistir ao Te Deum laudamus, que
em ação de graça se cantou na igreja matriz [...] Houve no
palácio, à noite, um baile de bem disfarçadas ricas máscaras,
que a quase não cabiam em três ordens de brincos (dança) por
toda a sala grande, que estava muito iluminada e vistosa. Deu
Sua Excelência uma suntuosa e magnífica ceia, na alta noite, em
diversas salas, assistindo os ministros e senhoras da terra.
Depois da ceia se repetiram algumas poesias sobre o assunto tão
feliz e alegre daquele dia [...]. (ANZAI; AMADO. 2006 p. 234-
235).
A existência desta documentação comprova a vitalidade da época e justifica que a
pesquisa tem privilegiado a segunda metade do século XVIII e inicio do XIX, tempo
que correspondem as administrações lusitanas de D. José I, D. Maria I e D. João VI.
Portanto, temporalidade de estudo, que se justifica, visto que a circulação de ideias
fomentadas num determinado tempo, é, a priori, apropriada e consolidada em outros
momentos, ocasião em que se salienta o movimento de renovação intelectual no que diz
respeito aos campos econômico, político e cultural, na perspectiva das correntes
filosóficas, com circularidade no mundo europeu, constituídos no âmbito do embate
entre tradição e modernidade e entre fé e ciência. Ideários que, quando transplantado
para outras regiões, no caso brasileiro, em especial para a Capitania de Mato Grosso,
ganhou novos contornos e adaptações de acordo com as especificidades regionais.
Thais Nívia de Lima Fonseca (2009, p. 11-12) adverte6 que a investigação sobre a
educação no período colonial precisa levar em conta a diversidade e as particularidades
da sociedade brasileira de então, considerando-se também suas especificidades
regionais. Argumenta ainda a autora que:
[...] significa colocar, no centro das problematizações possíveis,
a existência de idéias acerca de uma educação escolar de matriz
européia, calcada em seus modelos de civilidade e progresso,
em seus preceitos políticos e moraes e sua implantação numa
sociedade mestiça, que relia e reelaborava os pressupostos
europeizantes, no contexto de outras práticas. Dessa maneira,
muitas delas podiam adquirir novos significados, mesmo
quando mantinham suas formas originais, incorporando valores
advindos tanto de suas matrizes européias quanto de outras
referências culturais. Nesse sentido, o papel de grupos e de
indivíduos é crucial para a compreensão desses movimentos na
perspectiva de mudanças e de permanências, atuando como
mediadores entre tempos, espaços e culturas [...].
Assim, a inclusão desse olhar mais ampliado sobre o cenário educacional de Mato
Grosso, nos oitocentos, e inicio do século XIX tem possibilitado vislumbrar, organizar e
acumular um conjunto documental raríssimo, tendo como foco significativas
publicações historiográficas e instrumentais sobre o tema em relevo. A documentação é
constituída de fontes de natureza administrativas (correspondências); noticiosas
(Annais) 7; notariais e legislativas (testamentos, inventários e benesses) 8. Além destas
6 Ver FONSECA, Thais Nívia de Lima e. Letras, ofícios e bons costumes. Civilidade, ordem e
sociabilidades na América portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 11 -12. 7 Annais – gênero narrativo da história que enfeixam documentos noticiosos escritos ano a ano, recheados
de eventos, memórias e cotidiano da população nativa, lusitana e a africana, que circulou no espaço de
Vila Bela da Santíssima Trindade e da Vila Real do Senhor bom Jesus do Cuiabá, século XVIII
(AMADO; CASELLI, 2006, p. 27).
fontes, outras, porém, riquíssimas e recheadas de informações, pistas e sinais sobre a
“educação” e “instrução” escolar na capitania de Mato Grosso, no período colonial, com
ênfase para as reformas educacionais, na instituição de aulas régias em Cuiabá e Vila
Bela, nos concursos para provimento de cadeiras de professores régios, na contratação e
atuação de professores régios, substitutos e particulares, nas reformas de escolas e
também sobre o deslocamento de alunos mato-grossenses para os estudos superiores em
Portugal, dentre outros aspectos.
Referências
ALVES, Gilberto Luiz. Educação e História em Mato Grosso: 1719-1864. Campo
Grande: UFMS, 1996.
ANNAIS do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830 (Transcrição e Organização
Yumiko Takamoto Suzuki). Cuiabá, MT: Entrelinhas: Arquivo Público de Mato Grosso,
2007.
Anais de Vila Bela 1734-1789. Janaina amado, Leny Caselli Anzai, organizadoras.
Cuiabá, MT: Carlini@: EdUFMT, 2006. Anais de 1752, p.51.
BOXER, Charles, R. O império marítimo português 1415-1825. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002, p 05 -442.
CANOVA, Loiva. Rolim de Moura: Um ilustrado na Capitania de Mato Grosso.
COLETÂNEAS DO NOSSO TEMPO, Rondonópolis - MT, v. VII nº 8, p. 75 a 86,
2008.
---------------- Antonio Rolim de Moura e as representações da paisagem no interior da
Colônia portuguesa na América (1751-1764). Tese (Doutorado em História).
Universidade Federal do Paraná, 2011.
DICIONÁRIO DAS CIÊNCIAS HISTÓRICAS. André Burgière (org.); tradução de
Henrique de Araujo Mesquita. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.
DOURADO, Nileide Souza. Discurso de Posse no IHGMT: 23/09/2011. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. N.71. Cuiabá, 2012, 172p.
FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Letras, ofícios e bons costumem: Civilidade, ordem
e sociabilidade na América Portuguesa. Belo Horizonte: Autentica 2009, 174p.
8 Notarias (inventários e testamentos) e Legislação - documentos de natureza estritamente jurídicos, que
refletem no ato escrito as relações políticas, legais sociais e administrativas entre o estado e os cidadãos
(CANAVARROS, Otávio [et ali]. 2009, p. 16).
FREYRE, Gilberto. Contribuição Para Uma Sociologia da Biografia: O exemplo de
Luiz de Albuquerque, Governador de Mato Grosso, no fim do século XVIII. Cuiabá:
Fundação Cultural de Mato Grosso, 1978, 404p.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. I A Época
Colonial: Administração, Economia, Sociedade. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1973, 518p.
______. Monções. São Paulo: Brasiliense, 2000.
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MATO GROSSO. Instruções aos
Capitães-Generais. Cuiabá: IHGMT, 2001, 106p.
LEVERGER. Apontamentos Cronológicos da Província de Mato Grosso. Cuiabá:
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 2001, p. 134.
MOURA, Carlos Francisco. Antônio Rolim de Moura, Primeiro Conde de Azambuja;
biografia. Cuiabá: NDIHR/UFMT/ Imprensa Universitária, 1982(Coleção Documentos
Ibéricos – Série: Capitães-Generais).
SÁ, José Barbosa de. Relações das Povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus
princípios até os presentes tempos. Cuiabá: UFMT, 1975.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da Ancestralidade aos dias
atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
Top Related