ISBN978-85-472-1739-6
Gonçalves,CarlosRobertoDireitocivil:partegeral/CarlosRobertoGonçalves.–23.ed.–SãoPaulo:Saraiva,2017.–(Coleçãosinopses
jurídicas;v.1)1.Direitocivil2.Direitocivil-BrasilI.TítuloII.Série.16-1490CDU347(81)
Índicesparacatálogosistemático:
1.Direitocivil347(81)
2.DireitoCivil:Brasil347(81)
PresidenteEduardoMufarej
Vice-presidenteClaudioLensing
DiretoraeditorialFláviaAlvesBravin
Conselhoeditorial
PresidenteCarlosRagazzo
GerentedeaquisiçãoRobertaDensa
ConsultoracadêmicoMuriloAngeli
GerentedeconcursosRobertoNavarro
GerenteeditorialThaísdeCamargoRodrigues
EdiçãoLianaGanikoBritoCatenacci|SergioLopesdeCarvalho
ProduçãoeditorialMariaIzabelB.B.Bressan(coord.)|CarolinaMassanhi|ClaudirenedeMouraS.Silva|CecíliaDevus|DanieleDeboradeSouza|DenisePisaneschi|IvaniAparecidaMartinsCazarim|IvoneRufinoCalabria|
WilliansCalazansdeV.deMeloClarissaBoraschiMaria(coord.)|KelliPriscilaPinto|MaríliaCordeiro|MônicaLandi|TatianadosSantosRomão|
TiagoDelaRosa
Diagramação(LivroFísico)MônicaLandi
ComunicaçãoeMKTElaineCristinadaSilva
CapaAeroComunicações
Livrodigital(E-pub)
Produçãodoe-pubGuilhermeHenriqueMartinsSalvador
ServiçoseditoriaisSuraneVellenich
Datadefechamentodaedição:14-12-2016
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NenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzidaporqualquermeioouformasemapréviaautorizaçãodaEditoraSaraiva.
AviolaçãodosdireitosautoraisécrimeestabelecidonaLein.9.610/98epunidopeloartigo184doCódigoPenal.
SUMÁRIO
Abreviaturas
INTRODUÇÃOAODIREITOCIVIL
CapítuloI-CONCEITOEDIVISÃODODIREITO
1.CONCEITODEDIREITO.DISTINÇÃOENTREODIREITOEAMORAL
2.DIREITOPOSITIVOEDIREITONATURAL
3.DIREITOOBJETIVOEDIREITOSUBJETIVO
4.DIREITOPÚBLICOEDIREITOPRIVADO
5.AUNIFICAÇÃODODIREITOPRIVADO
CapítuloII-DIREITOCIVIL
1.ACODIFICAÇÃO
2.OCÓDIGOCIVILBRASILEIRO
LEIDEINTRODUÇÃOÀSNORMASDODIREITOBRASILEIRO
1.CONTEÚDOEFUNÇÃO
2.FONTESDODIREITO
3.ALEIESUACLASSIFICAÇÃO
4.VIGÊNCIADALEI
5.OBRIGATORIEDADEDASLEIS
6.AINTEGRAÇÃODASNORMASJURÍDICAS
7.APLICAÇÃOEINTERPRETAÇÃODASNORMASJURÍDICAS
8.CONFLITODASLEISNOTEMPO
9.EFICÁCIADALEINOESPAÇO
PARTEGERALDOCÓDIGOCIVIL
LivroI-DASPESSOAS
TítuloI-DASPESSOASNATURAIS
CapítuloI-DAPERSONALIDADEEDACAPACIDADE
1.CONCEITODEPESSOANATURAL
2.DASINCAPACIDADES
2.1.INCAPACIDADEABSOLUTA:OSMENORESDEDEZESSEISANOS
2.2.INCAPACIDADERELATIVA
2.2.1.OSMAIORESDEDEZESSEISEMENORESDEDEZOITOANOS
2.2.2.OSÉBRIOSHABITUAISEOSVICIADOSEMTÓXICO
2.2.3.OSQUE,PORCAUSATRANSITÓRIAOUPERMANENTE,NÃOPUDEREMEXPRIMIR
SUAVONTADE
2.2.4.OSPRÓDIGOS
2.2.5.CURATELADEPESSOASCAPAZES(DEFICIENTES)EINCAPAZES
2.2.6.OSÍNDIOS
3.CESSAÇÃODAINCAPACIDADE
4.COMEÇODAPERSONALIDADENATURAL
5.EXTINÇÃODAPERSONALIDADENATURAL
6.INDIVIDUALIZAÇÃODAPESSOANATURAL
6.1.NOME
6.1.1.CONCEITO
6.1.2.NATUREZAJURÍDICA
6.1.3.ELEMENTOSDONOMECOMPLETO
6.1.4.IMUTABILIDADEDONOME
6.2.ESTADO
6.2.1.ASPECTOS
6.2.2.CARACTERES
6.3.DOMICÍLIO
CapítuloII-DOSDIREITOSDAPERSONALIDADE
7.CONCEITO
8.FUNDAMENTOSECARACTERÍSTICAS
9.DISCIPLINANOCÓDIGOCIVIL
9.1.OSATOSDEDISPOSIÇÃODOPRÓPRIOCORPO
9.2.OTRATAMENTOMÉDICODERISCO
9.3.ODIREITOAONOME
9.4.APROTEÇÃOÀPALAVRAEÀIMAGEM
9.5.APROTEÇÃOÀINTIMIDADE
CapítuloIII-DAAUSÊNCIA
10.DACURADORIADOSBENSDOAUSENTE
11.DASUCESSÃOPROVISÓRIA
12.DASUCESSÃODEFINITIVA
TítuloII-DASPESSOASJURÍDICAS
13.CONCEITO
14.NATUREZAJURÍDICA
14.1.TEORIASDAFICÇÃO
14.2.TEORIASDAREALIDADE
15.REQUISITOSPARAACONSTITUIÇÃODAPESSOAJURÍDICA
16.CLASSIFICAÇÃODAPESSOAJURÍDICA
17.DESCONSIDERAÇÃODAPERSONALIDADEJURÍDICA
18.RESPONSABILIDADECIVILDASPESSOASJURÍDICAS
19.EXTINÇÃODAPESSOAJURÍDICA
TítuloIII-DODOMICÍLIO
20.DOMICÍLIODAPESSOANATURAL
20.1.CONCEITO
20.2.ESPÉCIES
21.DOMICÍLIODAPESSOAJURÍDICA
LivroII-DOSBENS
22.NOÇÕESINTRODUTÓRIAS
23.CLASSIFICAÇÃO
23.1.BENSCONSIDERADOSEMSIMESMOS
23.1.1.BENSIMÓVEISEBENSMÓVEIS
23.1.2.BENSFUNGÍVEISEINFUNGÍVEIS
23.1.3.BENSCONSUMÍVEISEINCONSUMÍVEIS
23.1.4.BENSDIVISÍVEISEINDIVISÍVEIS
23.1.5.BENSSINGULARESECOLETIVOS
23.2.BENSRECIPROCAMENTECONSIDERADOS
23.3.BENSQUANTOAOTITULARDODOMÍNIO
23.4.BENSQUANTOÀPOSSIBILIDADEDESEREMOUNÃOCOMERCIALIZADOS
LivroIII-DOSFATOSJURÍDICOS
TítuloI-DONEGÓCIOJURÍDICO
CapítuloI-DISPOSIÇÕESGERAIS
24.CONCEITO
25.CLASSIFICAÇÃODOSNEGÓCIOSJURÍDICOS
25.1.UNILATERAIS,BILATERAISEPLURILATERAIS
25.2.GRATUITOSEONEROSOS,NEUTROSEBIFRONTES
25.3.“INTERVIVOS”E“MORTISCAUSA”
25.4.PRINCIPAISEACESSÓRIOS
25.5.SOLENES(FORMAIS)ENÃOSOLENES(DEFORMALIVRE)
25.6.SIMPLES,COMPLEXOSECOLIGADOS
25.7.FIDUCIÁRIOSESIMULADOS
26.INTERPRETAÇÃODONEGÓCIOJURÍDICO
27.ELEMENTOSDONEGÓCIOJURÍDICO
28.RESERVAMENTAL
CapítuloII-DAREPRESENTAÇÃO
29.INTRODUÇÃO
30.CONTRATOCONSIGOMESMO(AUTOCONTRATO)
CapítuloIII-DACONDIÇÃO,DOTERMOEDOENCARGO
31.INTRODUÇÃO
32.CONDIÇÃO
33.TERMO
34.ENCARGOOUMODO
CapítuloIV-DOSDEFEITOSDONEGÓCIOJURÍDICO
36.ERROOUIGNORÂNCIA
37.DOLO
38.COAÇÃO
39.ESTADODEPERIGO
40.LESÃO
41.FRAUDECONTRACREDORES
41.1.HIPÓTESESLEGAIS
41.2.AÇÃOPAULIANA
41.3.FRAUDECONTRACREDORESEFRAUDEÀEXECUÇÃO.PRINCIPAISDIFERENÇAS
CapítuloV-DAINVALIDADEDONEGÓCIOJURÍDICO
42.INTRODUÇÃO
43.ATOINEXISTENTE,NULOEANULÁVEL
44.DIFERENÇASENTRENULIDADEEANULABILIDADE
45.DISPOSIÇÕESESPECIAIS
46.SIMULAÇÃO
TítuloII-DOSATOSJURÍDICOSLÍCITOS
TítuloIII-DOSATOSJURÍDICOSILÍCITOS
47.CONCEITO
48.RESPONSABILIDADECONTRATUALEEXTRACONTRATUAL
49.RESPONSABILIDADECIVILEPENAL
50.RESPONSABILIDADESUBJETIVAEOBJETIVA
51.IMPUTABILIDADEERESPONSABILIDADE
51.1.ARESPONSABILIDADEDOSPRIVADOSDEDISCERNIMENTO
51.2.ARESPONSABILIDADEDOSMENORES
52.PRESSUPOSTOSDARESPONSABILIDADEEXTRACONTRATUAL
52.1.AÇÃOOUOMISSÃO
52.2.CULPAOUDOLODOAGENTE
52.3.RELAÇÃODECAUSALIDADE
52.4.DANO
53.ATOSLESIVOSNÃOCONSIDERADOSILÍCITOS
53.1.ALEGÍTIMADEFESA
53.2.OEXERCÍCIOREGULAREOABUSODEDIREITO
53.3.OESTADODENECESSIDADE
TítuloIV-DAPRESCRIÇÃOEDADECADÊNCIA
CapítuloI-DAPRESCRIÇÃO
54.INTRODUÇÃO
55.CONCEITOEREQUISITOS
56.PRETENSÕESIMPRESCRITÍVEIS
57.PRESCRIÇÃOEINSTITUTOSAFINS(PRECLUSÃO,PEREMPÇÃOEDECADÊNCIA)
58.DISPOSIÇÕESLEGAISSOBREAPRESCRIÇÃO
59.DASCAUSASQUEIMPEDEMOUSUSPENDEMAPRESCRIÇÃO
60.DASCAUSASQUEINTERROMPEMAPRESCRIÇÃO
CapítuloII-DADECADÊNCIA
61.CONCEITOECARACTERÍSTICAS
62.DISPOSIÇÕESLEGAISSOBREADECADÊNCIA
TítuloV-DAPROVA
63.INTRODUÇÃO
64.MEIOSDEPROVA
Títulosjálançados
CarlosRobertoGonçalvesMestreemDireitoCivilpelaPUC-SP.
DesembargadoraposentadodoTribunaldeJustiçadeSãoPaulo.
MembrodaAcademiaBrasileiradeDireitoCivil.
ABREVIATURAS
art.—artigo
CBA—CódigoBrasileirodeAeronáutica
CC—CódigoCivil
CDC—CódigodeDefesadoConsumidor
cf.—conferirouconfronte
CF—ConstituiçãoFederal
CLT—ConsolidaçãodasLeisdoTrabalho
CP—CódigoPenal
CPC—CódigodeProcessoCivil
CTB—CódigodeTrânsitoBrasileiro
Dec.-Lei—Decreto-Lei
DJU—DiáriodaJustiçadaUnião
ECA—EstatutodaCriançaedoAdolescente
ed.—edição
ENTA(VI)—VIEncontroNacionaldeTribunaisdeAlçada
Funai—FundaçãoNacionaldoÍndio
j.—julgado
JTA—JulgadosdoTribunaldeAlçada
LD—LeidoDivórcio
LF—LeideFalências
LINDB—LeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiro
LRP—LeidosRegistrosPúblicos
Min.—Ministro
MP—MinistérioPúblico
n.—número
OEA—OrganizaçãodosEstadosAmericanos
ONU—OrganizaçãodasNaçõesUnidas
p.—página
p.ex.—porexemplo
Rel.—Relator
REsp—RecursoEspecial
RSTJ—RevistadoSuperiorTribunaldeJustiça
RT—RevistadosTribunais
RTJ—RevistaTrimestraldeJurisprudência
s.—seguinte(s)
STF—SupremoTribunalFederal
T.—Turma
v.—vide
INTRODUÇÃOAODIREITOCIVIL
CAPÍTULOI
CONCEITOEDIVISÃODODIREITO
1.CONCEITODEDIREITO.DISTINÇÃOENTREODIREITOEAMORAL
Nãoháumconsensosobreoconceitododireito.Podesermencionado,dentrevários,odeRadbruch:
“oconjuntodasnormasgeraisepositivas,queregulamavidasocial”(Introduccióna la filosofíadel
derecho,p.47).Origina-seapalavra“direito”dolatimdirectum,significandoaquiloqueéreto,queestá
deacordocomalei.Nasceujuntocomohomem,queéumsereminentementesocial.Destina-searegular
as relações humanas.As normas de direito asseguram as condições de equilíbrio da coexistência dos
sereshumanos,davidaemsociedade.
Hámarcante diferença entre o “ser” domundo da natureza e o “dever ser” domundo jurídico.Os
fenômenosdanatureza, sujeitosàs leis físicas, são imutáveis,enquantoomundo jurídico,odo“dever
ser”,caracteriza-sepelaliberdadenaescolhadaconduta.Direito,portanto,éaciênciado“deverser”.
Avidaemsociedadeexigeaobservânciadeoutrasnormas,alémdas jurídicas,comoasreligiosas,
morais, de urbanidade etc. As jurídicas e morais têm em comum o fato de constituírem normas de
comportamento.No entanto, distinguem-seprecipuamentepelasanção (que no direito é imposta pelo
Poder Público para constranger os indivíduos à observância da norma, e na moral somente pela
consciênciadohomem,traduzidapeloremorso,peloarrependimento,porémsemcoerção)epelocampo
deação,quenamoralémaisamplo.Écélebre,nesseaspecto,acomparaçãodeBentham,utilizando-se
dedois círculos concêntricos,dosquais a circunferência representativadocampodamoral semostra
maisampla.Algumasvezes temacontecidodeodireito trazerparasuaesferadeatuaçãopreceitosda
moral,consideradosmerecedoresdesançãomaiseficaz.
2.DIREITOPOSITIVOEDIREITONATURAL
Direitopositivoéoordenamentojurídicoemvigoremdeterminadopaíseemdeterminadaépoca.Éo
direitoposto.
Direito natural é a ideia abstrata do direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça
superior.
O jusnaturalismo foi defendido por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, bem como pelos
doutoresdaIgrejaepensadoresdosséculosXVIIeXVIII.HugoGrócio, jánoséculoXVI,defendiaa
existência deumdireito ideal e eterno, ao ladododireito positivo, sendo consideradoo fundador da
nova Escola de Direito Natural. A Escola Histórica e a Escola Positivista, entretanto, refutam o
jusnaturalismo, atendo-se à realidade concreta do direito positivo. No século passado, renasceu e
predominou a ideia jusnaturalista, especialmente em razão do movimento neotomista e da ideia
neokantiana.É,realmente,inegávelaexistênciadeleisanterioreseinspiradorasdodireitopositivo,as
quais,mesmonãoescritas,encontram-senaconsciênciadospovos.
Paraodireitopositivonãoéexigívelopagamentodedívidaprescritaededívidadejogo.Masparao
direitonaturalessepagamentoéobrigatório.
3.DIREITOOBJETIVOEDIREITOSUBJETIVO
DireitoobjetivoéoconjuntodenormasimpostaspeloEstado,decarátergeral,acujaobservânciaos
indivíduospodemsercompelidosmediantecoerção.Esseconjuntoderegrasjurídicascomportamentais
(normaagendi)geraparaosindivíduosafaculdadedesatisfazerdeterminadaspretensõesedepraticar
osatosdestinadosaalcançartaisobjetivos(facultasagendi).Encaradosobesseaspecto,denomina-se
direito subjetivo, que nada mais é do que a faculdade individual de agir de acordo com o direito
objetivo,deinvocarasuaproteção.
Direitosubjetivo é, portanto,omeiode satisfazer interesseshumanos ederivadodireitoobjetivo,
nascendocomele.Seodireitoobjetivoémodificado,altera-seodireitosubjetivo.
AsteoriasdeDuguitedeKelsen(TeoriaPuradoDireito)integramasdoutrinasnegativistas,quenão
admitemaexistênciadodireitosubjetivo.ParaKelsen,aobrigaçãojurídicanãoésenãoapróprianorma
jurídica. Sendo assim, o direito subjetivo não é senão o direito objetivo. Predominam, no entanto, as
doutrinas afirmativas, que se desdobram em:a) teoria da vontade;b) teoria do interesse; ec) teoria
mista.Paraaprimeira,odireitosubjetivoconstituiumpoderdavontade(Windscheid).Paraasegunda,
direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido (Ihering). A teoria mista conjuga o elemento
vontade com o elemento interesse. Jellinek o define como o interesse protegido que a vontade tem o
poderderealizar.
Na realidade, direito subjetivo e direito objetivo são aspectos da mesma realidade, que pode ser
encarada de uma ou de outra forma.Direito subjetivo é a expressão da vontade individual, e direito
objetivo é a expressão da vontade geral. Não somente a vontade, ou apenas o interesse, configura o
direito subjetivo. Trata-se de um poder atribuído à vontade do indivíduo, para a satisfação dos seus
própriosinteressesprotegidospelalei,ouseja,pelodireitoobjetivo.
4.DIREITOPÚBLICOEDIREITOPRIVADO
Emboraadivisãododireitoobjetivoempúblicoeprivadoremonteaodireitoromano,atéhojenãohá
consensosobreosseustraçosdiferenciadores.Várioscritériosforampropostos,combasenointeresse,
nautilidade,nosujeito,nafinalidadedanorma,nasanção,semquetodoselesestejamimunesacríticas.
Na realidade, o direito deve ser visto como um todo, sendo dividido em direito público e privado
somente por motivos didáticos. A interpenetração de suas normas é comum, encontrando-se com
frequêncianosdiplomasreguladoresdosdireitosprivadosasatinentesaodireitopúblico,evice-versa.
Costuma-se dizer, sempre, que direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da
coletividade,enquantoodireitoprivadocontémpreceitosreguladoresdasrelaçõesdosindivíduosentre
si.Maiscorreto,noentanto,éafirmarquepúblicoéodireitoqueregulaasrelaçõesdoEstadocomoutro
Estado,ouasdoEstadocomoscidadãos,eprivadoéoquedisciplinaasrelaçõesentreosindivíduos
comotais,nasquaispredominaimediatamenteointeressedeordemparticular.
Do direito civil, que é o cerne do direito privado, destacaram-se outros ramos, especialmente o
direitocomercial,odireitodo trabalho,odireitodoconsumidoreodireitoagrário. Integram,hoje,o
direitoprivado:odireitocivil,odireitocomercial,odireitoagrário,odireitomarítimo,bemcomoo
direito do trabalho, o direito do consumidor e o direito aeronáutico. Os demais ramos pertencem ao
direitopúblico,havendo,entretanto,divergêncianotocanteaodireitodotrabalho,quealgunscolocamno
elencododireitoprivadoeoutrosoconsideramintegrantetambémdodireitopúblico.
Normas de ordempública são as cogentes, de aplicação obrigatória.Normas de ordemprivada ou
dispositivassãoasquevigoramenquantoavontadedosinteressadosnãoconvencionardeformadiversa,
tendo, pois, caráter supletivo. No direito civil predominam as normas de ordem privada, malgrado
existam também normas cogentes, de ordem pública, como a maioria das que integram o direito de
família.
5.AUNIFICAÇÃODODIREITOPRIVADO
Desde o final do século XIX se observa uma tendência para unificar o direito privado e, assim,
disciplinarconjuntaeuniformementeodireitocivileodireitocomercial.Nãosejustifica,efetivamente,
que ummesmo fenômeno jurídico, como a compra e venda e a prescrição, para citar apenas alguns,
submeta-searegrasdiferentes,denaturezacivilecomercial.
A melhor solução, todavia, não parece ser a unificação do direito privado, mas sim a do direito
obrigacional,mantendo-seosinstitutoscaracterísticosdodireitocomercial,comofezoCódigoCivilde
2002, que unificou as obrigações civis emercantis, trazendo para o seu bojo amatéria constante da
primeirapartedoCódigoComercial(CC,art.2.045),procedendo,dessemodo,aumaunificaçãoparcial
dodireitoprivado.
CAPÍTULOII
DIREITOCIVIL
1.ACODIFICAÇÃO
NoperíodocolonialvigoravamnoBrasilasOrdenaçõesFilipinas.ComaIndependência,ocorridaem
1822,alegislaçãoportuguesacontinuousendoaplicadaentrenós,mascomaressalvadequevigoraria
atéque seelaborasseoCódigoCivil.AConstituiçãode1824 referiu-seàorganizaçãodeumCódigo
Civil, sendoqueem1865essa tarefa foiconfiadaaTeixeiradeFreitas,que jáhaviaapresentado,em
1858, um trabalho de consolidação das leis civis.O projeto então elaborado, denominado “Esboço”,
continha cinco mil artigos e acabou não sendo acolhido, após sofrer críticas da comissão revisora.
Influenciou,noentanto,oCódigoCivilargentino,doqualconstituiabase.
Váriasoutrastentativasforamfeitas,massomenteapósaProclamaçãodaRepública,comaindicação
deClóvisBeviláqua,foioProjetodeCódigoCivilporeleelaborado,depoisderevisto,encaminhadoao
Presidente daRepública, queo remeteu aoCongressoNacional, em1900.NaCâmaradosDeputados
sofreu algumas alterações determinadas por uma comissão especialmente nomeada para examiná-lo,
merecendo,noSenado,longoparecerdeRuiBarbosa.Aprovadoemjaneirode1916,entrouemvigorem
1ºdejaneirode1917.
2.OCÓDIGOCIVILBRASILEIRO
OCódigoCivilde1916continha1.807artigoseeraantecedidopelaLeideIntroduçãoàsNormasdo
DireitoBrasileiro.OsCódigosfrancês(1804)ealemão(1896)exerceraminfluênciaemsuaelaboração,
tendosidoadotadasváriasdesuasconcepções.
ContinhaumaParteGeral,daqualconstavamconceitos,categoriaseprincípiosbásicos,aplicáveisa
todososlivrosdaParteEspecial,equeproduziamreflexosemtodooordenamentojurídico.Tratavadas
pessoas (naturais e jurídicas), como sujeitosdedireito;dosbens, comoobjetododireito; edos fatos
jurídicos,disciplinandoaformadecriar,modificareextinguirdireitos,tornandopossívelaaplicaçãoda
ParteEspecial.Estaeradivididaemquatrolivros,comosseguintestítulos:DireitodeFamília,Direito
dasCoisas,DireitodasObrigaçõeseDireitodasSucessões.
Elogiado pela clareza e precisão dos conceitos, bem comopor sua brevidade e técnica jurídica, o
referidoCódigorefletiaasconcepçõespredominantesemfinsdoséculoXIXenoiníciodoséculoXX,
em grande parte ultrapassadas, baseadas no individualismo então reinante, especialmente ao tratar do
direitodepropriedadeedaliberdadedecontratar.Poressarazão,algumastentativasparamodificá-lo
foram realizadas, tendo sido apresentados projetos por grandes juristas como Orozimbo Nonato,
PhiladelphoAzevedoeHahnemannGuimarães(AnteprojetodeCódigodeObrigações),OrlandoGomes,
CaioMáriodaSilvaPereira(CódigodasObrigações).
Muitas leis trouxerammodificaçõesaoCódigoCivilde1916,sendooramododireitodefamíliao
maisafetado.Basta lembraraLein.4.121/62 (EstatutodaMulherCasada),aLein.6.515/77 (Leido
Divórcio) e as leis que reconheceram direitos aos companheiros e conviventes (Leis n. 8.971/94 e
9.278/96).AprópriaConstituiçãoFederalde1988trouxeimportantes inovaçõesaodireitodefamília,
especialmentenotocanteàfiliação,bemcomoaodireitodascoisas,aoreconhecerafunçãosocialda
propriedade.ALeidosRegistrosPúblicos(Lein.6.015/73),asdiversasleisdelocação,oCódigode
Defesa doConsumidor, oCódigo deÁguas, oCódigo deMinas e outros diplomas revogaram vários
dispositivosecapítulosdoCódigoCivil,emumatentativadeatualizaranossalegislaçãocivil,atéque
seultimasseareformadoCódigo.
Finalmente, no limiar deste novo século, o Congresso Nacional aprovou o atual Código Civil
brasileiro, que resultou do Projeto de Lei n. 634/75, elaborado por uma comissão de juristas sob a
supervisão de Miguel Reale, que unificou, parcialmente, o direito privado, trazendo para o bojo do
CódigoCivilamatériaconstantedaprimeirapartedoCódigoComercial.Contém2.046artigosedivide-
seem:ParteGeral,quetratadaspessoas,dosbensedosfatosjurídicos,eParteEspecial,divididaem
cincolivros,comosseguintestítulos,nestaordem:DireitodasObrigações,DireitodeEmpresa,Direito
dasCoisas,DireitodeFamíliaeDireitodasSucessões.
O atual Código manteve a estrutura do Código Civil de 1916, unificando as obrigações civis e
mercantis.Procurouatualizaratécnicadesteúltimo,queemmuitospontosfoisuperadopelosprogressos
daCiência Jurídica, bem como afastar-se das concepções individualistas que nortearam esse diploma
paraseguirorientaçãocompatívelcomasocializaçãododireitocontemporâneo.Contudo,ademorada
tramitação legislativa fez com que fosse atropelado por leis especiais modernas e pela própria
ConstituiçãoFederal,especialmentenoâmbitododireitodefamília,jáestandoamerecer,porisso,uma
reestruturação.
QUADROSINÓTICO–CONCEITOEDIVISÃODODIREITO
1.Conceitodedireito
SegundoRadbruch,éoconjuntodasnormasgeraisepositivasqueregulamavidasocial.Origina-seapalavra“direito”dolatimdirectum,significandoaquiloqueéreto,queestádeacordocomalei.
2.Distinçãoentreodirei-
toeamoral
Asnormasjurídicaseasmoraistêmemcomumofatodeconstituíremnormasdecomportamento.Noentanto,distinguem-seprecipuamentepela sanção (quenodireitoé impostapeloPoderPúblicopara constrangerosindivíduos à observância da norma e namoral somente pela consciência do homem, sem coerção) e pelocampodeação,quenamoralémaisamplo.
3.Direitopositivoedi-
reitonatural
Direitopositivoéoordenamento jurídicoemvigoremdeterminadopaíseemdeterminadaépoca.Éodireitoposto.
Direitonaturaléaideiaabstratadodireito,oordenamentoideal,correspondenteaumajustiçasuperior.
4.Direitoobjetivoedireitosubjetivo
DireitoobjetivoéoconjuntodenormasimpostaspeloEstado,decarátergeral,acujaobservânciaosindivíduospodemsercompelidosmediantecoerção(normaagendi).
Direitosubjetivo(facultasagendi)éafaculdadeindividualdeagirdeacordocomodireitoobjetivo,deinvocarasuaproteção.
5.Direitopú-
blicoedirei-
toprivado
PúblicoéodireitoqueregulaasrelaçõesdoEstadocomoutroEstado,ouasdoEstadocomoscidadãos.
Privado é o que disciplina as relações entre os indivíduos como tais, nas quais predomina imediatamente ointeressedeordemparticular.
Odireitocivil,odireitocomercial,odireitoagrário,odireitomarítimo,bemcomoodireitodotrabalho,odireitodoconsumidoreodireitoaeronáuticointegramodireitoprivado.Hádivergêncianotocanteaodireitodotrabalho,quealgunscolocamnoelencododireitopúblico.Osdemaisramospertencemaodireitopúblico.
DIREITOCIVIL
1.ACodifi-
cação
Noperíodocolonial vigoravamnoBrasilasOrdenaçõesFilipinas.Coma Independência,em1822,a legislaçãoportuguesacontinuousendoaplicadaentrenós,mascoma ressalvadequevigorariaatéqueseelaborasseoCódigoCivil.Váriastentativasforamfeitas,massomenteapósaproclamaçãodaRepública,comaindicaçãodeClóvisBeviláqua,foioProjetodeCódigoCivil,poreleconfeccionado,encaminhadoaoCongressoNacional,em1900,sendoaprovadoemjaneirode1916eentrandoemvigorem1ºdejaneirode1917.
2.OCódigoCivil
O Código Civil de 2002 resultou do Projeto de Lei n. 634/75, elaborado por uma comissão de juristas, sob asupervisão deMiguelReale, que unificou, parcialmente, o direito privado.Contém2.046 artigos e divide-se em:ParteGeral,quetratadaspessoas,dosbensedosfatosjurídicos,eParteEspecial,divididaemcincolivros,comos seguintes títulos, nesta ordem: Direito dasObrigações, Direito de Empresa, Direito das Coisas, Direito de
brasi-
leiro
FamíliaeDireitodasSucessões.
OatualCódigomanteveaestruturadoCódigoCivilde1916,afastando-se,porém,dasconcepçõesindividualistasqueonortearam,paraseguirorientaçãocompatívelcomasocializaçãododireitocontemporâneo.
LEIDEINTRODUÇÃOÀSNORMASDODIREITOBRASILEIRO
1.CONTEÚDOEFUNÇÃO
AvigenteLeideIntroduçãoaoCódigoCivil(Dec.-Lein.4.657,de4-9-1942),atualmentedenominada
“LeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiro”(Lein.12.376,de30-12-2010),revogouaantiga,
promulgada simultaneamente com o Código Civil, substituindo-a em todo o seu conteúdo. Contém
dezenoveartigos,enquantoaprimitivacontinhavinteeum.Trata-sedelegislaçãoanexaaoCódigoCivil,
mas autônoma, dele não fazendo parte. Embora se destine a facilitar a sua aplicação, tem caráter
universal,aplicando-seatodososramosdodireito.AcompanhaoCódigoCivilsimplesmenteporquese
trata dodiploma consideradodemaior importância.Na realidade, constitui um repositório de normas
preliminaràtotalidadedoordenamentojurídiconacional.
É um conjunto de normas sobre normas. Enquanto o objeto das leis em geral é o comportamento
humano,odaLeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiroéapróprianorma,poisdisciplinaasua
elaboração e vigência, a sua aplicação no tempo e no espaço, as suas fontes etc. Contém normas de
direito, podendo ser considerada umCódigo deNormas, por ter a lei como tema central.Dirige-se a
todosos ramosdodireito, salvonaquiloque for reguladode formadiferentena legislaçãoespecífica.
Assim, o dispositivo quemanda aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito aos
casos omissos (art. 4o) aplica-se a todo o ordenamento jurídico, exceto ao direito penal e ao direito
tributário,quecontêmnormasespecíficasaesserespeito.Odireitopenaladmiteaanalogiasomentein
bonampartem.EoCódigoTributárioNacionaladmiteaanalogiacomocritériodehermenêutica,coma
ressalvadequenãopoderáresultarnaexigênciadetributonãoprevistoemlei(art.108,§1o).Quandoo
art. 3o da Lei de Introdução prescreve que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a
conhece,estásereferindoàleiemgeral.Talregraaplica-seatodooordenamento.
Tem por funções regulamentar: a) o início da obrigatoriedade da lei (art. 1o); b) o tempo de
obrigatoriedadedalei(art.2o);c)aeficáciaglobaldaordemjurídica,nãoadmitindoaignorânciadalei
vigente, que a comprometeria (art. 3o); d) os mecanismos de integração das normas, quando houver
lacunas (art. 4o); e) os critérios de hermenêutica jurídica (art. 5o); f) o direito intertemporal, para
asseguraraestabilidadedoordenamento jurídico-positivo,preservandoassituaçõesconsolidadas(art.
6o); g) o direito internacional privado brasileiro (arts. 7o a 17); h) os atos civis praticados, no
estrangeiro,pelasautoridadesconsularesbrasileiras.
2.FONTESDODIREITO
AleiéoobjetodaLeideIntroduçãoeaprincipalfontedodireito.Aexpressão“fontesdodireito”
tem várias acepções. Podemos considerá-la o meio técnico de realização do direito objetivo. A
autoridade encarregada de aplicar o direito e também aqueles que devem obedecer aos seus ditames
precisamconhecerassuasfontes,quesãodeváriasespécies.Fonteshistóricassãoaquelasdasquais
sesocorremosestudiosos,quandoquereminvestigaraorigemhistóricadeuminstitutojurídicooudeum
sistema, como oDigesto, as Institutas, asOrdenações doReino etc.Atuais são as fontes às quais se
reportaoindivíduoparaafirmaroseudireito,eojuiz,parafundamentarasentença.
São consideradas fontes formais do direito a lei, a analogia, o costume e os princípios gerais de
direito(arts.4ºdaLINDBe140doCPC/2015);enãoformaisadoutrinaeajurisprudência.Dentreas
formais,aleiéafonteprincipal,easdemaissãofontesacessórias.Costuma-se, também,dividiras
fontesdodireitoemdiretas(ouimediatas)eindiretas(oumediatas).Asprimeirassãoaleieocostume,
queporsisósgeramaregrajurídica;assegundassãoadoutrinaeajurisprudência,quecontribuempara
queanormasejaelaborada.
3.ALEIESUACLASSIFICAÇÃO
Aexigênciademaiorcertezaesegurançaparaasrelaçõesjurídicasvemprovocando,hodiernamente,
a supremacia da lei, da norma escrita, sobre as demais fontes, sendo mesmo considerada a fonte
primacialdodireito.Dentreassuasváriascaracterísticasdestacam-seasseguintes:a)generalidade:
dirige-seatodososcidadãos,indistintamente.Oseucomandoéabstrato;b)imperatividade:impõeum
dever, uma conduta. Essa característica inclui a lei entre as normas que regulam o comportamento
humano, como a norma moral, a religiosa etc. Todas são normas éticas, providas de sanção. A
imperatividade(imposiçãodeumdeverdeconduta,obrigatório)distingueanormadasleisfísicas.Mas
nãoésuficienteparadistingui-ladasdemaisleiséticas;c)autorizamento:éofatodeserautorizante,
segundo Goffredo da Silva Telles, que distingue a lei das demais normas éticas. A norma jurídica
autorizaqueolesadopelaviolaçãoexijaocumprimentodelaouareparaçãopelomalcausado.Éela,
portanto,queautorizaelegitimaousodafaculdadedecoagir;d)permanência:aleinãoseexaurenuma
só aplicação, pois deve perdurar até ser revogada por outra lei. Algumas normas, entretanto, são
temporárias, destinadas a viger apenas durante certo período, como as que constam das disposições
transitórias e as leis orçamentárias; e) emanação de autoridade competente, de acordo com as
competênciaslegislativasprevistasnaConstituiçãoFederal.
Háváriasclassificaçõesdas leis.Quantoà imperatividadeouforçaobrigatóriaelassedividemem
cogentes (de imperatividade absoluta ou de ordem pública) e dispositivas (ou supletivas). As
primeiras são as que ordenam ou proíbem determinada conduta de forma absoluta, não podendo ser
derrogadas pela vontade dos interessados. As normas que compõem o direito de família revestem-se
dessa característica. Não pode a vontade dos interessados alterar, por exemplo, os impedimentos
matrimoniaisdoart.1.521,nemdispensarumdoscônjugesdosdeveresquealeiimpõeaambosnoart.
1.566.Normasdispositivasemgeralsãopermissivas,comoaquepermiteàspartesestipular,antesde
celebradoocasamento,quantoaosbens,oquelhesaprouver(art.1.639),ousupletivas,quandosuprema
falta de manifestação de vontade das partes. Nesse último caso, costumam vir acompanhadas de
expressõescomo“salvoestipulaçãoemcontrário”ou“salvoseaspartesconvencionaremdiversamente”
(ex.:art.327).
Quantoaoautorizamento(ouencaradassoboprismadasanção),podemclassificar-seemmaisque
perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas.Mais que perfeitas são as que autorizam a
aplicaçãodeduassanções,nahipótesedeseremvioladas(penadeprisãoparaodevedordealimentose
aindaaobrigaçãodepagarasprestaçõesvencidasevincendas,p.ex.).Sãoperfeitasasqueimpõema
nulidadedoato,comopuniçãoaoinfrator,comoaqueconsideranulooatopraticadoporabsolutamente
incapaz.Leismenosqueperfeitassãoasquenãoacarretamanulidadeouanulaçãodoato,emcasode
violação,somenteimpondoaovioladorumasanção,comonocasodoviúvoquesecasaantesdefazer
inventárioedarpartilhadosbensaosherdeirosdocônjugefalecido(art.1.523,I).Eimperfeitassãoas
leis cuja violaçãonão acarreta nenhuma consequência, comoas obrigações decorrentes de dívidas de
jogoededívidasprescritas.
Segundoasuanatureza,asleissãosubstantivasouadjetivas.Asprimeirassãodefundo,também
chamadasdemateriais,porquetratamdodireitomaterial.Assegundas,tambémchamadasdeprocessuais
ouformais,traçamosmeiosderealizaçãodosdireitos.Quantoàsuahierarquia,asnormasclassificam-
seem:a)normasconstitucionais:sãoasconstantesdaConstituição,àsquaisasdemaisdevemamoldar-
se;b) leiscomplementares: as que se situam entre a norma constitucional e a lei ordinária, porque
tratamdematérias especiais, quenãopodemser deliberadas em lei ordinária e cuja aprovação exige
quorum especial; c) leis ordinárias: as elaboradas pelo Poder Legislativo; d) leis delegadas:
elaboradaspeloExecutivo,porautorizaçãoexpressadoLegislativo,tendoamesmaposiçãohierárquica
dasordinárias.
4.VIGÊNCIADALEI
Aleipassaportrêsfases:adaelaboração,adapromulgaçãoeadapublicação.Emboranasçacoma
promulgação,sócomeçaavigorarcomsuapublicaçãonoDiárioOficial.Avigênciadaleicompreende
trêsmomentos: o início, a continuidade e a cessação.Comapublicação, tem-seo iníciodavigência,
tornando-seobrigatória,poisninguémpodeescusar-sedecumpri-laalegandoquenãoaconhece(art.3º).
Segundodispõeoart.1ºdaLeideIntrodução,aleicomeçaavigoraremtodoopaísquarentaecinco
diasdepoisdeoficialmentepublicada, salvodisposição emcontrário.Portanto, a suaobrigatoriedade
nãoseinicianodiadapublicação,salvoseelaprópriaassimodeterminar.Pode,assim,entraremvigor
na data de sua publicaçãoou emoutramais remota, conforme constar expressamente de seu texto. Se
nadadispuseraesserespeito,aplica-searegradoart.1ºsupramencionado.Ointervaloentreadatade
sua publicação e a sua entrada em vigor chama-se vacatio legis. Emmatéria de duração do referido
intervalo,foiadotadoocritériodoprazoúnico,porquealeientraemvigornamesmadata,emtodoo
país,sendosimultâneaasuaobrigatoriedade.AanteriorLeideIntroduçãoprescreviaquealeientrava
emvigoremprazosdiversos,ouseja,menoresnoDistritoFederaleEstadospróximos,emaioresnos
EstadosmaisdistantesdaCapitalenosterritórios.Seguia,assim,ocritériodoprazoprogressivo.
Quando a lei brasileira é admitidano exterior (emgeral quando cuidade atribuiçõesdeministros,
embaixadores, cônsules, convençõesdedireito internacional etc.), a suaobrigatoriedade inicia-se três
mesesdepoisdeoficialmentepublicada.Seduranteavacatiolegisocorrernovapublicaçãodeseutexto,
paracorreçãodeerrosmateriaisoufalhadeortografia,oprazodaobrigatoriedadecomeçaráacorrerda
novapublicação(LINDB,art.1º,§3º).Sealeijáentrouemvigor,taiscorreçõessãoconsideradaslei
nova,tornando-seobrigatóriaapósodecursodavacatiolegis(art.1º,§4º).Osdireitosadquiridosna
vigência da lei emendada são resguardados.Admite-se que o juiz, ao aplicar a lei, possa corrigir os
erros materiais evidentes, especialmente os de ortografia, mas não os erros substanciais, que podem
alterarosentidododispositivolegal,sendoimprescindível,nessecaso,novapublicação.Acontagemdo
prazoparaentradaemvigordas leisqueestabeleçamperíododevacância far-se-ácoma inclusãoda
datadapublicaçãoedoúltimodiadoprazo,entrandoemvigornodiasubsequenteà suaconsumação
integral(art.8º,§1º,daLeiComplementarn.95/98,comredaçãodaLeiComplementarn.107/2001).O
prazo de quarenta e cinco dias não se aplica aos decretos e regulamentos, cuja obrigatoriedade
determina-se pela publicação oficial. Tornam-se, assim, obrigatórios desde a data de sua publicação,
salvosedispuserememcontrário,nãoalterandoadatadavigênciadaleiaquesereferem.Afaltade
normaregulamentadoraé,hoje,supridapelomandadodeinjunção.
Salvoalgunscasosespeciais,aleitemcaráterpermanente,permanecendoemvigoratéserrevogada
poroutralei.Nissoconsisteoprincípiodacontinuidade.Emumregimequeseassentanasupremacia
daleiescrita,comoododireitobrasileiro,ocostumenãotemforçapararevogaralei,nemestaperdea
suaeficáciapelonãouso.Revogaçãoéasupressãodaforçaobrigatóriadalei,retirando-lheaeficácia
—oquesópodeserfeitoporoutralei.Podesertotal(ab-rogação)ouparcial(derrogação).Seem
seutexto,porém,constaroprópriotermo,perdeaeficáciaindependentementedeoutralei.Aperdada
eficácia pode decorrer, também, da decretação de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal,cabendoaoSenadosuspender-lheaexecução.
Arevogaçãopodeserexpressaoutácita.Expressa,quandoaleinovadeclaraquealeianterior,ou
partedela,ficarevogada.Tácita,quandonãotrazdeclaraçãonessesentido,masmostra-seincompatível
comaleiantigaouregulainteiramenteamatériadequetratavaaleianterior(art.2º,§1º).Dessemodo,
se toda uma matéria é submetida a nova regulamentação, desaparece inteiramente a lei anterior que
tratava do mesmo assunto, como aconteceu com a anterior Lei de Introdução, substituída pela atual.
Ocorre,também,arevogaçãotácitadeumaleiquandosemostraincompatívelcomamudançahavidana
Constituição,emfacedasupremaciadestasobreasdemaisleis.Aleinova,queestabeleçadisposições
geraisouespeciaisapardasjáexistentes,nãorevoganemmodificaaleianterior(art.2º,§2º).Podem,
portanto,coexistir.Épossível,noentanto,quehaja incompatibilidadeentrea leigeraleaespecial.A
existência de incompatibilidade conduz à possível revogação da lei geral pela especial, ou da lei
especialpelageral.
Preceituao§3ºdoart.2ºdaLeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiroquealeirevogada
não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, salvo disposição em contrário. Não há,
portanto, o efeito repristinatório, restaurador, da primeira lei revogada, salvo quando houver
pronunciamentoexpressodolegisladornessesentido.Assim,porexemplo,revogadaaLein.1pelaLei
n.2,eposteriormenterevogadaaleirevogadora(n.2)pelaLein.3,nãoserestabeleceavigênciadaLei
n.1,salvosean.3,aorevogararevogadora(n.2),determinararepristinaçãodan.1.
5.OBRIGATORIEDADEDASLEIS
Sendoa leiumaordemdirigidaàvontadegeral,umavezemvigor torna-seobrigatóriapara todos.
Segundooart.3ºdaLeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiro,ninguémseescusadecumpri-la,
alegandoquenãoaconhece(ignorantialegisneminemexcusat).Taldispositivovisagarantiraeficácia
global da ordem jurídica, que estaria comprometida se se admitisse a alegação de ignorância de lei
vigente. Como consequência, não se faz necessário provar em juízo a existência da norma jurídica
invocada,poissepartedopressupostodequeojuizconheceodireito(iuranovitcuria).Esseprincípio
nãoseaplicaaodireitomunicipal,estadual,estrangeiroouconsuetudinário(CPC/2015,art.376).
Trêsteoriasprocuramjustificaropreceito:adapresunçãolegal,adaficçãoeadanecessidade
social.Aprimeirapresumequea lei,umavezpublicada, torna-seconhecidadetodos.Écriticadapor
basear-se emuma inverdade.Ada ficçãopressupõeque a lei publicada torna-se conhecidade todos,
muitoemboraemverdadetalnãoocorra.Ateoriadanecessidadesocialéamaisaceita,porquesustenta
quealeiéobrigatóriaedevesercumpridaportodos,nãopormotivodeumconhecimentopresumidoou
ficto,masporelevadasrazõesdeinteressepúblico,ouseja,paraquesejapossívelaconvivênciasocial.
Opreceitodequeninguémpodeescusar-sedecumpriralei,alegandoquenãoaconhece,seriaumaregra
ditadapor uma razãodeordem social e jurídica, denecessidade social: garantir a eficácia global do
ordenamentojurídico,queficariacomprometidocasotalalegaçãopudesseseraceita.
Oerrodedireito(alegaçãodeignorânciadalei)sópodeserinvocadoquandonãohouveroobjetivo
de furtar-se o agente ao cumprimento da lei. Serve para justificar, por exemplo, a boa-fé em caso de
inadimplemento contratual, sem a intenção de descumprir a lei.ALei dasContravenções Penais, por
exceção,admiteaalegaçãodeerrodedireito(art.8º)comojustificativapelodescumprimentodalei.No
direitomexicano talalegaçãoéadmitidaemváriashipóteses, tendoemvistaqueapopulaçãodaquele
paíséconstituída,emgrandeparte,deindígenas.
6.AINTEGRAÇÃODASNORMASJURÍDICAS
Olegisladornãoconsegueprevertodasassituaçõesparaopresenteeparaofuturo.Comoojuiznão
podeeximir-sedeproferirdecisãosobopretextodequealeiéomissa,devevaler-sedosmecanismos
legaisdestinadosasupriraslacunasdalei,quesão:aanalogia,oscostumeseosprincípiosgeraisde
direito(LINDB,art.4º;CPC/2015,art.140).
Verifica-se,portanto,queoprópriosistemaapresentasoluçãoparaqualquercasosub judice.Sobo
pontodevistadinâmico,odaaplicaçãodalei,podeelaserlacunosa,masosistemanão.Issoporqueo
juiz,utilizando-sedosaludidosmecanismos,promovea integraçãodasnormas jurídicas,nãodeixando
nenhumcasosemsolução(plenitudelógicadosistema).Odireitoestaticamenteconsideradopodeconter
lacunas. Sob o aspecto dinâmico, entretanto, não, pois ele próprio prevê os meios para suprir-se os
espaços vazios e promover a integração do sistema.Por essa razão é que se diz que osmencionados
mecanismosconstituemmodosdeexplicitaçãodaintegridade,daplenitudedosistemajurídico.
Háumahierarquianautilizaçãodessesmecanismos,figurandoaanalogiaemprimeirolugar.Somente
podemserutilizadososdemais se a analogianãopuder ser aplicada. Issoporqueodireitobrasileiro
consagraasupremaciadaleiescrita.Quandoojuizutiliza-sedaanalogiaparasolucionardeterminado
casoconcreto,nãoestáapartando-sedalei,masaplicandoàhipótesenãoprevistaemleiumdispositivo
legalrelativoacasosemelhante.Nissoconsisteoempregodaanalogia.Oseufundamentoencontra-seno
adágioromanoubieademratio,ibiidemjus(oudispositio).Comessaexpressãopretende-sedizerque
asituaçõessemelhantesdeve-seaplicaramesmaregradedireito.Costuma-sedistinguiraanalogialegis
da analogia juris. A primeira consiste na aplicação de uma norma existente, destinada a reger caso
semelhante ao previsto. A segunda baseia-se em um conjunto de normas, para obter elementos que
permitamasuaaplicabilidadeaocasoconcretonãoprevisto,massimilar.
ALein.2.681,de1912,ésempremencionadacomointeressanteexemplodeaplicaçãodaanalogia.
Destinadaaregulamentararesponsabilidadedascompanhiasdeestradasdeferropordanoscausadosa
passageiros e a bagagens, passou a ser aplicada, por analogia, a todas as espécies de transportes
terrestres (bonde, metrô, ônibus e até em acidentes ocorridos em elevadores), à falta de legislação
específica.
Ocostume é, também, fonte supletiva em nosso sistema jurídico, porém está colocado em plano
secundário, em relação à lei.O juiz só pode recorrer a ele depois de esgotadas as possibilidades de
suprira lacunapeloempregodaanalogia.Diz-sequeocostumeécompostodedoiselementos:ouso
(elementoexterno)eaconvicção jurídica (elemento interno).Emconsequência, éconceituadocomoa
práticauniforme,constante,públicaegeraldedeterminadoato,comaconvicçãodesuanecessidade.
Em relação à lei, três são as espécies de costume: a) o secundum legem, quando sua eficácia
obrigatóriaéreconhecidapelalei,comonoscasosmencionados,dentreoutros,nosarts.1.297,§1º,596
e615doCódigoCivil;b)opraeterlegem,quandosedestinaasupriralei,noscasosomissos(LINDB,
art.4º;CPC/2015,art.140).Comoexemplo,podesermencionadoocostumedeefetuar-sepagamentos
comchequepré-datado,enãocomoordemdepagamentoàvista,afastandoaexistênciadecrime;c)o
contralegem,queseopõeàlei.Emregra,ocostumenãopodecontrariaralei,poisestasóserevoga,ou
semodifica,poroutralei.
Nãoencontrandosoluçãonaanalogia,nemnoscostumes,parapreenchimentodalacuna,ojuizdeve
buscá-la nos princípios gerais de direito. São estes constituídos de regras que se encontram na
consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não escritas. Tais regras, de caráter
genérico, orientama compreensãodo sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejamounão
incluídasnodireitopositivo.Muitasdelaspassaramaintegraronossodireitopositivo,comoadeque
“ninguémpode lesaraoutrem” (art.186),aquevedaoenriquecimentosemcausa (arts.1.216,1.220,
1.255,876etc.),aquenãoadmiteescusadenãocumprimentodaleipornãoaconhecer(LINDB,art.3º).
Em suamaioria, no entanto, os princípios gerais de direito estão implícitos no sistema jurídico civil,
comoodeque“ninguémpodevaler-sedaprópriatorpeza”,odeque“aboa-fésepresume”,odeque
“ninguémpodetransferirmaisdireitosdoquetem”,odeque“sedevefavorecermaisaquelequeprocura
evitarumdanodoqueaquelequebuscarealizarumganho”etc.
Aequidadenãoconstituimeiosupletivodelacunadalei,sendomerorecursoauxiliardaaplicação
desta.Nãoconsideradaemsuaacepçãolata,quandoseconfundecomoidealdejustiça,masemsentido
estrito, é empregada quando a própria lei cria espaços ou lacunas para o juiz formular a normamais
adequadaaocaso.Éutilizadaquandoaleiexpressamenteopermite.Prescreveoparágrafoúnicodoart.
140doCódigodeProcessoCivil/2015queo“juizsódecidiráporequidadenoscasosprevistosemlei”.
Issoocorregeralmentenoscasosdeconceitosvagosouquandoaleiformulaváriasalternativasedeixaa
escolhaacritériodojuiz.Comoexemplospodemsercitadosoart.1.586doCódigoCivil,queautorizao
juizaregularpormaneiradiferentedoscritérioslegais,sehouvermotivosgraveseabemdomenor;eo
art.1.740,II,quepermiteaotutorreclamardojuizqueprovidencie,“comohouverporbem”,quandoo
menortuteladohajamistercorreção,dentreoutros.
7.APLICAÇÃOEINTERPRETAÇÃODASNORMASJURÍDICAS
Asnormas são genéricas e contêmum comando abstrato, não se referindo especificamente a casos
concretos.Omagistradoéointermediárioentreanormaeofato.Quandoesteseenquadrananorma,dá-
se o fenômeno da subsunção. Há casos, no entanto, em que tal enquadramento não ocorre, não
encontrandoojuiznenhumanormaaplicávelàhipótesesubjudice.Deve,então,procederàintegração
normativa, mediante o emprego da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. Para
verificar seanormaéaplicávelaocasoem julgamento (subsunção)ousedeveprocederà integração
normativa,ojuizprocuradescobrirosentidodanorma,interpretando-a.
Interpretarédescobrirosentidoeoalcancedanormajurídica.Todaleiestásujeitaainterpretação,
não apenas as obscuras e ambíguas. O brocardo romano in claris cessat interpretatio não é, hoje,
acolhido,poisatéparaafirmar-sequealeiéclaraéprecisointerpretá-la.Há,naverdade,interpretações
maissimples,quandoaleiéclara,ecomplexas,quandoopreceitoédedifícilentendimento.Aherme-
nêuticaéaciênciadainterpretaçãodasleis.Comotodaciência,temosseusmétodos.Quantoàsfontes
ou origem, os métodos de interpretação classificam-se em: autêntico, jurisprudencial e doutrinário.
Interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador, por outro ato. Este, reconhecendo a
ambiguidade da norma, vota uma nova lei, destinada a esclarecer a sua intenção. Nesse caso, a lei
interpretativaéconsideradaaprópria lei interpretada. Interpretação jurisprudencialéa fixadapelos
tribunais. Embora não tenha força impositiva, salvo a hipótese de Súmula vinculante, influencia
grandemente os julgamentos nas instâncias inferiores. A doutrinária é a feita pelos estudiosos e
comentaristasdodireito.
Quanto aos meios, a interpretação pode ser feita pelos métodos gramatical (ou literal), lógico,
sistemático,históricoesociológico(outeleológico).Ainterpretaçãogramaticalétambémchamadade
literal, porque consiste em exame do texto normativo sob o ponto de vista linguístico, analisando a
pontuação, a colocação das palavras na frase, a sua origem etimológica etc. Na interpretação lógica
procura-se apurar o sentido e o alcance da norma, a intenção do legislador, pormeio de raciocínios
lógicos, com abandono dos elementos puramente verbais. A interpretação sistemática parte do
pressuposto de que uma lei não existe isoladamente e deve ser interpretada em conjunto com outras
pertencentesàmesmaprovínciadodireito.Assim,umanormatributáriadeveserinterpretadadeacordo
comosprincípiosque regemo sistema tributário.Emdeterminadomomentohistórico, predominavao
princípio da autonomia da vontade.Com o surgimento do intervencionismo na economia contratual, a
interpretação sistemática conduziu à proteção do contratante mais fraco. A interpretação histórica
baseia-senainvestigaçãodosantecedentesdanorma,doprocessolegislativo,afimdedescobriroseu
exato significado. É omelhormétodo para apurar a vontade do legislador e os objetivos que visava
atingir(ratiolegis).Ainterpretaçãosociológica(outeleológica)temporobjetivoadaptarosentidoou
finalidadedanormaàsnovasexigênciassociais,comabandonodoindividualismoquepreponderouno
períodoanterior à ediçãodaLeide IntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiro.Tal recomendaçãoé
endereçada ao magistrado no art. 5º da referida lei, que assim dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz
atenderáaosfinssociaisaqueelasedestinaeàsexigênciasdobemcomum”.
Osdiversosmétodosdeinterpretaçãonãooperamisoladamente,nãoserepelemreciprocamente,mas
secompletam.
8.CONFLITODASLEISNOTEMPO
Asleissãofeitaspara,emgeral,valerparaofuturo.Quandoaleiémodificadaporoutraejáhaviam
seformadorelaçõesjurídicasnavigênciadaleianterior,podeinstaurar-seoconflitodasleisnotempo.
Adúvidadirárespeitoàaplicaçãoounãodaleinovaàssituaçõesanteriormenteconstituídas.
Para solucionar tal questão, são utilizados dois critérios: o das disposições transitórias e o da
irretroatividadedasnormas.Disposiçõestransitóriassãoelaboradaspelolegislador,noprópriotexto
normativo,destinadasaevitareasolucionarconflitosquepoderãoemergirdoconfrontodanovaleicom
a antiga, tendo vigência temporária. Irretroativa é a lei que não se aplica às situações constituídas
anteriormente. É um princípio que objetiva assegurar a certeza, a segurança e a estabilidade do
ordenamento jurídico-positivo, preservando as situações consolidadas em que o interesse individual
prevalece.Entretanto,nãosetemdadoaelecaráterabsoluto,poisrazõesdepolíticalegislativapodem
recomendar que, em determinada situação, a lei seja retroativa, atingindo os efeitos de atos jurídicos
praticadossoboimpériodanormarevogada.
AConstituiçãoFederal de 1988 (art. 5º,XXXVI) e aLei de Introdução, afinadas com a tendência
contemporânea,adotaramoprincípiodairretroatividadedasleiscomoregra,eodaretroatividadecomo
exceção. Acolheu-se a teoria de Gabba, de completo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquiridoeàcoisajulgada.Assim,comoregra,aplica-sealeinovaaoscasospendenteseaosfuturos,
só podendo ser retroativa (atingir fatos pretéritos) quando: a) não ofender o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada;b) quando o legislador, expressamente,mandar aplicá-la a casos
pretéritos, mesmo que a palavra “retroatividade” não seja usada. Na doutrina, diz-se que é justa a
retroatividade quando não se depara, na sua aplicação, qualquer ofensa ao ato jurídico perfeito, ao
direitoadquiridoeàcoisajulgada;einjusta,quandoocorretalofensa.
Entre a retroatividade e a irretroatividade existe uma situação intermediária: a da aplicabilidade
imediata da lei nova a relações que, nascidas embora sob a vigência da lei antiga, ainda não se
aperfeiçoaram,nãoseconsumaram.Aimediataegeralaplicaçãodevetambémrespeitaroato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.O art. 6º da Lei de Introdução àsNormas doDireito
Brasileiropreceituaquealeiemvigor“teráefeitoimediatoegeral,respeitadosoatojurídicoperfeito,o
direitoadquiridoeacoisa julgada”.Ato jurídicoperfeito éo jáconsumadosegundoa leivigenteao
tempoemqueseefetuou(§1º).Direitoadquiridoéoquejáseincorporoudefinitivamenteaopatrimônio
e à personalidade de seu titular.Coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, não mais
sujeitaarecursos.
Exemplodeefeitoimediatodasleiséoquesedásobreacapacidadedaspessoas,poisalcançatodos
aquelespor ela abrangidos.Se a lei reduziro limitedamaioridadecivil paradezesseis anos, tornará
automaticamentemaiorestodososquejátenhamatingidoessaidade.Poroutrolado,sealeiaumentaro
limiteparavinteedoisanos,verbigratia,serárespeitadaamaioridadedosquejáhaviamcompletado
dezoitoanosnadatadasuaentradaemvigor.Noentanto,osqueaindanãohaviamatingidoaidadede
dezoitoanosterãodeaguardaromomentoemquecompletaremvinteedoisanos.
9.EFICÁCIADALEINOESPAÇO
Emrazãodasoberaniaestatal,anormatemaplicaçãodentrodoterritóriodelimitadopelasfronteiras
doEstado.Esseprincípiodaterritorialidade,entretanto,nãoéabsoluto.Acadadiaémaisacentuadoo
intercâmbio entre indivíduos pertencentes a Estados diferentes. Muitas vezes, dentro dos limites
territoriaisdeumEstado, surgeanecessidadede regular relaçõesentrenacionaiseestrangeiros.Essa
realidade levou o Estado a permitir que a lei estrangeira tenha eficácia em seu território, sem
comprometerasoberanianacional,admitindoassimosistemadaextraterritorialidade.
Pelosistemadaterritorialidade,anormajurídicaaplica-senoterritóriodoEstado,estendendo-seàs
embaixadas, consulados, navios de guerra onde quer que se encontrem, navios mercantes em águas
territoriaisouemalto-mar,naviosestrangeiros(menososdeguerra)emáguasterritoriais,aeronavesno
espaçoaéreodoEstadoebarcosdeguerraondequerqueseencontrem.
OBrasilsegueosistemada territorialidademoderada, sujeitaa regrasespeciais,quedeterminam
quando e em que casos pode ser invocado o direito alienígena (LINDB, arts. 7º e s.). Pela
extraterritorialidade, a norma é aplicada em território de outro Estado, segundo os princípios e
convençõesinternacionais.Estabelece-seumprivilégiopeloqualcertaspessoasescapamàjurisdiçãodo
Estadoemcujoterritórioseachem,submetendo-seapenasàjurisdiçãodoseupaís.Anormaestrangeira
passa a integrar momentaneamente o direito nacional, para solucionar determinado caso submetido à
apreciaçãojudicial.Denomina-seestatutopessoalasituaçãojurídicaqueregeoestrangeiropelasleis
deseupaísdeorigem.Baseia-seelenaleidanacionalidadeounaleidodomicílio.Dispõe,comefeito,
oart.7ºdaLeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiroque“Aleidopaísemquefordomiciliada
a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os
direitosdefamília”(grifonosso).
Verifica-seque,pelaatualLeideIntrodução,oestatutopessoalfunda-senaleidodomicílio,naleido
país onde a pessoa é domiciliada, ao contrário da anterior, que se baseava na nacionalidade. Em
determinadoscasos,ojuizaplicaráodireitoalienígena,emvezdodireitointerno.Porexemplo,seuma
brasileiraeumestrangeiroresidenteemseupaíspretenderemcasar-senoBrasil,tendoambosvinteeum
anosdeidade,ealeidopaísdeorigemdonoivoexigiroconsentimentodospaisparaocasamentode
menores de vinte e dois anos, como acontece na Argentina, precisará ele exibir tal autorização, por
aplicar-se no Brasil a lei de seu domicílio. No entanto, dispensável será tal autorização se o noivo
estrangeiroaquitiverdomicílio.Aplicar-se-áaleibrasileira,porqueocasamentorealizar-se-ánoBrasil
eoestrangeiroencontra-seaquidomiciliado.Oconceitodedomicílioédadopelalexfori(leidoforo
competente, da jurisdição onde se deve processar a demanda).O juiz brasileiro ater-se-á à noção de
domicílioassentadanosarts.70es.doCódigoCivil.
O§1ºdoart.7ºdaLeideIntroduçãoprescreve:“Realizando-seocasamentonoBrasil,seráaplicada
a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”.Ainda que os
nubentes sejam estrangeiros, a lei brasileira será aplicável (lex loci atus), inclusive no tocante aos
impedimentosdirimentes,absolutoserelativos(CC,arts.1.521e1.550).Não,porém,comrelaçãoaos
impedimentosproibitivosoumeramenteimpedientes(art.1.523),quenãoinvalidamocasamentoesão
consideradosapenas“causassuspensivas”.OestrangeirodomiciliadoforadopaísquesecasarnoBrasil
nãoestarásujeitoataissançõesseestasnãoforemprevistasnasualeipessoal.
Deacordocomo§2ºdoaludidoart.7º,“ocasamentodeestrangeirospodecelebrar-seperanteas
autoridadesdiplomáticasouconsularesdopaísdeambososnubentes”(destaquenosso).Nessecaso,
o casamento será celebrado segundo a lei do país do celebrante.Mas o cônsul estrangeiro só poderá
realizarmatrimônioquandoambos os contraentes foremconacionais.Cessa a sua competência seum
deles for de nacionalidade diversa. Os estrangeiros domiciliados no Brasil terão de procurar a
autoridadebrasileira.Ocasamentodebrasileirosnoexteriorpode ser celebradoperantea autoridade
consularbrasileira,desdequeambososnubentessejambrasileiros,mesmoquedomiciliados forado
Brasil.Nãopoderá,portanto,ocorrernoconsuladoocasamentodebrasileiracomestrangeiro.
Étambémaleidodomicíliodosnubentesquedisciplinaoregimedebensnocasamento(§4ºdo
art.7º).Seosdomicíliosforemdiversos,aplicar-se-áaleidoprimeirodomicíliodocasal.Odivórcio
obtidono estrangeiro será reconhecidonoBrasil, se os cônjuges forembrasileiros (Lei n. 12.036, de
1º-10-2009),desdequeobservadasasnormasdoCódigoCivilbrasileiroehomologadaasentençapelo
SuperiorTribunaldeJustiça.Semaobservânciadetaisformalidades,subsisteoimpedimentoparanovo
casamento.
“Asautoridadesconsularesbrasileirastambémpoderãocelebraraseparaçãoconsensualeodivórcio
consensualdebrasileiros,nãohavendofilhosmenoresouincapazesdocasaleobservadososrequisitos
legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à
descriçãoeàpartilhadosbenscomunseàpensãoalimentíciae,ainda,aoacordoquantoàretomadapelo
cônjugedeseunomedesolteiroouàmanutençãodonomeadotadoquandosedeuocasamento”(art.18,
§1º,daLINDB,introduzidopelaLein.12.874,de29-10-2013).
Regem-se ainda pela lei do domicílio a sucessão causa mortis (art. 10) e a competência da
autoridadejudiciária(art.12).Há,porém,umlimiteàextraterritorialidadedalei:as leis,osatoseas
sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil,
quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art. 17). Segundo
prescreveoart.10daLeideIntroduçãoàsNormasdoDireitoBrasileiro,asucessãopormorteoupor
ausênciaobedeceàleidopaísemqueeradomiciliadoodefuntoouodesaparecido,qualquerquesejaa
natureza e a situaçãodos bens.É a lei do domicílio dodecujus, portanto, que rege as condições de
validadedotestamentoporeledeixado.Maséaleidodomicíliodoherdeirooulegatárioqueregulaa
capacidadeparasuceder(§2ºdoart.10).AsucessãodebensdeestrangeirossituadosnoPaísserá
reguladapelaleibrasileiraembenefíciodocônjugeoudosfilhosbrasileiros,oudequemosrepresente,
semprequenãolhessejamaisfavorávelaleipessoaldodecujus(§1º,comaredaçãodadapelaLein.
9.047,de18-5-1995).Oart.12resguardaacompetênciada justiçabrasileira,quandooréufordomi-
ciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação, aduzindo no § 1º que só à autoridade
brasileiracompeteconhecerdasaçõesrelativasaimóveissituadosnoBrasil.
As sentençasproferidasno estrangeirodependem,para ser executadasnoBrasil, dopreenchimento
dosrequisitosmencionadosnoart.15daLeideIntrodução:a)haversidoproferidaporjuizcompetente;
b)teremsidoaspartescitadasouhaver-selegalmenteverificadoarevelia;c)terpassadoemjulgadoe
estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;d) estar
traduzidaporintérpreteautorizado;e)tersidohomologadapeloSuperiorTribunaldeJustiça.
Oart.515,VIII,donovoCódigodeProcessoCivil incluiasentençaestrangeira“homologadapelo
SuperiorTribunaldeJustiça”noroldos“títulosexecutivosjudiciais”.Eoart.963doreferidodiploma
estabeleceosrequisitosindispensáveisàhomologaçãodela.
AEmendaConstitucionaln.45,de8dedezembrode2004,acrescentou,aoart.105daConstituição
Federal,aalíneai,estabelecendoacompetênciadoSuperiorTribunaldeJustiçapara“ahomologaçãode
sentençasestrangeiraseaconcessãodeexequaturàscartasrogatórias”.
Esse controle ou juízo de delibação visa somente o exame formal do cumprimento daqueles
requisitosedeinocorrênciadeofensaàordempúblicaeàsoberanianacional,paraseimprimireficácia
à decisão estrangeira no território brasileiro, semquehaja reexamedomérito da questão.Mas não é
necessário o juízo de delibação para o cumprimento de carta rogatória estrangeira, porque não tem
caráterexecutório,nemparaaexecuçãodetítuloexecutivoextrajudicialoriundodeEstadoestrangeiro
(CPC,art.784,IX,§2º).
Como exceção à lei do domicílio, admite a Lei de Introdução a aplicação da lex rei sitae (lei da
situaçãodacoisa)paraqualificarosbens e regular as relaçõesa eles concernentes (art. 8º), embora
determine que se aplique a lei do domicílio do proprietário, quanto aos móveis que trouxer ou se
destinarematransporteparaoutroslugares.Paraqualificareregerasobrigações,noentanto,aplicar-
se-áaleidopaísemqueseconstituírem,segundodispõemoart.9ºearegralocusregitactum.Também
aprovadosfatosocorridosempaísestrangeirorege-sepelaleiquenelevigorar(art.13).
O Código de Bustamante, que constitui uma sistematização das normas de direito internacional
privado, foi ratificadonoBrasil, comalgumas ressalvas, e, na formade seu art. 2º, integra o sistema
jurídico nacional, no tocante aos chamados conflitos de lei no espaço, podendo ser invocado como
direito positivo brasileiro somente quando tais conflitos envolverem um brasileiro e um nacional de
EstadoquetenhasidosignatáriodaConvençãodeHavanade1928.ApesardeoBrasiltê-loratificado,a
LeideIntroduçãodeixoudeconsagrarasregrasfundamentaisdesuaorientação.
QUADROSINÓTICO–LEIDEINTRODUÇÃOÀSNORMASDODIREITOBRASILEIRO
1.Conteúdo
Contémnormasque tratamdenormasemgeral.Enquantooobjetodas leisemgeraléocomportamentohumano,odaLINDBéapróprianorma,poisdisciplinaasuaelaboraçãoevigência,asuaaplicaçãonotempoenoespaço,assuasfontesetc.Dirige-seatodososramosdodireito,salvonaquiloqueforreguladodeformadiferentenalegislaçãoespecífica.
2.FunçõesdaLINDB
ALINDBtemporfunçõesregulamentar:
a)oiníciodaobrigatoriedadedalei;b)otempodeobrigatoriedadedalei;c)aeficáciaglobaldaordemjurídica,não admitindo a ignorância da lei vigente; d) os mecanismos de integração das normas, quando houverlacunas;e)os critériosdehermenêutica jurídica; f)o direito intertemporal; g) o direito internacional privadobrasileiro;h)osatoscivispraticados,noestrangeiro,pelasautoridadesconsularesbrasileiras.
3.Fontesdodireito
A lei é o objeto daLINDBeaprincipal fonte dodireito.São consideradas fontes formaisdo direito a lei, aanalogia,ocostumeeosprincípiosgeraisdedireito;enãoformaisadoutrinaea jurisprudência.Dentreasformais,aleiéafonteprincipal,easdemaissãofontesacessórias.
4.Caracterís-
ticasdalei
a)Generalidade:dirige-se,abstratamente,atodos.
b)Imperatividade:impõeumdever,umaconduta.Éaquedistingueanormadasleisfísicas.
c)Autorizamento: autoriza que o lesado pela violação exija o cumprimento dela ou a reparação pelo malcausado.
d)Permanência:perduraatéserrevogadaporoutralei.Algumasnormas,entretanto,sãotemporárias,comoasqueconstamdasdisposiçõestransitóriaseasleisorçamentárias.
e)Emanaçãodeautoridadecompetente.
5.Classifica-
a)Quanto à imperatividade: dividem-se emcogentes e dispositivas. As primeiras são as que ordenam ouproíbemdeterminadacondutadeformaabsoluta,nãopodendoserderrogadaspelavontadedosinteressados.Normas dispositivas em geral são permissivas ou supletivas e costumam conter a expressão “salvoestipulaçãoemcontrário”.
b)Soboprismadasanção,dividem-seemmaisqueperfeitas,perfeitas,menosqueperfeitaseimperfeitas.Mais que perfeitas são as que impõem a aplicação de duas sanções (prisão e obrigação de pagar asprestaçõesalimentícias,p.ex.).Sãoperfeitasasquepreveemanulidadedoato,comopuniçãoao infrator.Leismenosqueperfeitas sãoasquenãoacarretamanulidadeouanulaçãodoato, somente impondoao
çãodasleis
violadorumasanção.Eimperfeitassãoasleiscujaviolaçãonãoacarretanenhumaconsequência,comoasobrigaçõesdecorrentesdedívidasdejogoededívidasprescritas.
c)Segundoasuanatureza,as leissãosubstantivasouadjetivas.Asprimeirassão tambémchamadasdemateriais, porque tratam do direitomaterial. As segundas, também chamadas de processuais, traçam osmeiosderealizaçãodosdireitos.
d)Quantoà suahierarquia, asnormasclassificam-seem: constitucionais (constantes daConstituição, àsquaisasdemaisdevemamoldar-se),complementares(asquesesituamentreanormaconstitucionalealeiordinária),ordinárias (aselaboradaspeloPoderLegislativo)edelegadas (aselaboradaspeloExecutivo,porautorizaçãoexpressadoLegislativo).
6.Vigênciadalei
Iníciodesuavigência
A lei só começa a vigorar com sua publicação no Diário Oficial, quando então se tornaobrigatória.Asuaobrigatoriedadenãoseinicianodiadapublicação(LINDB,art.1o),salvoseelaprópriaassimodeterminar.Ointervaloentreadatadesuapublicaçãoeasuaentradaemvigordenomina-sevacatiolegis.
6.Vigênciadalei
Duraçãodavacatiolegis
Foiadotadoocritériodoprazoúnico,porquealeientraemvigornamesmadata,emtodoopaís,sendosimultâneaasuaobrigatoriedade.AanteriorLICCprescreviaquealeientravaemvigoremprazosdiversosnosEstados,conformeadistânciadaCapital.Seguia,assim,ocritériodoprazoprogressivo.
Cessaçãodavigência
HipótesesEmregra,a leipermaneceemvigoratéser revogadaporoutra lei (princípiodacontinuidade).Pode tervigência temporária,quandoo legislador fixao tempodesuaduração.
Cessaçãodavigência
Revogação
Conceito:éasupressãoda forçaobrigatóriada lei, retirando-lheaeficácia—oquesópodeserfeitoporoutralei.
Espécies: a) ab-rogação (supressão total da norma anterior); b) derrogação(supressãoparcial);c)expressa(quandoaleinovadeclaraquealeianteriorficarevogada);d) tácita (quandohouver incompatibilidadeentre a lei velhae a nova(LINDB,art.2o,§1o).
6.Vigênciadalei
Critériosparasolucionaroconflitodeleisnotempo
—odasdisposiçõestransitórias;
—odosprincípiosdaretroatividadeeirretroatividadedanorma.Éretroativaanormaqueatingeefeitosdeatosjurídicospraticadossobaégidedanormarevogada.Éirretroativaaquenãoseaplica às situações constituídas anteriormente. Não se pode aceitar esses princípios comoabsolutos, pois razões de ordem político-legislativa podem recomendar que, em determinadasituação, a lei seja retroativa, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisajulgada(LINDB,art.6o,§§1oe2o).
7.Obrigato-
riedadedasleis
Sendoaleiumaordemdirigidaàvontadegeral,umavezemvigor,torna-seobrigatóriaparatodos.Segundooart.3odaLINDB,ninguémseescusadecumpri-la,alegandoquenãoaconhece.Taldispositivovisagarantiraeficáciaglobaldaordemjurídica(teoriadanecessidadesocial).
8.Integraçãodas
Conceito:éopreenchimentodelacunas,medianteaplicaçãoecriaçãodenormasindividuais,atendendoaoespíritodosistemajurídico.
Meiosdeintegração:
a)Analogia.Figuraemprimeirolugarnahierarquiadoart.4odaLINDB.Consistenaaplicaçãoahipótesenãoprevistaemleidedispositivolegalrelativoacasosemelhante.Aanalogialegisconsistenaaplicaçãodeuma
normasjurídicas
normaexistente,destinadaaregercasosemelhanteaoprevisto.Aanalogiajurisbaseia-seemumconjuntodenormas,paraobterelementosquepermitamasuaaplicaçãoaocasoconcretonãoprevisto,massimilar.
b)Costume.Éapráticauniforme,constante,públicaegeraldedeterminadoato,comaconvicçãodesuanecessidade.Emrelaçãoà lei, trêssãoasespéciesdecostume:osecundumlegem,quandosuaeficáciaobrigatóriaéreconhecidapelalei;opraeterlegem,quandosedestinaasupriralei,noscasosomissos;eocontralegem,queseopõeàlei.
8.Integraçãodasnormasjurídicas
c)Princípiosgeraisdedireito.Sãoregrasqueseencontramnaconsciênciadospovosesãouniversalmenteaceitas,mesmonãoescritas.Orientamacompreensãodosistemajurídico,emsuaaplicaçãoeintegração,estejamounãoincluídasnodireitopositivo.
Aequidadenãoconstituimeiosupletivodelacunadalei,sendomeroauxiliardaaplicaçãodesta.
9.Interpre-
taçãodasnormasjurídicas
Conceito:Interpretarédescobrirosentidoeoalcancedanorma.Ahermenêuticaéaciênciadainterpretaçãodasleis.Comotodaciência,temosseusmétodos,asaber:
a)quantoàorigem,classifica-seemautêntica, jurisprudencialedoutrinária. Interpretaçãoautênticaéa feitapeloprópriolegislador,poroutroato;jurisprudencialéafixadapelostribunais;edoutrináriaéarealizadapelosestudiososecomentaristasdodireito;
b)quantoaosmeios,ainterpretaçãopodeserfeitapelosmétodos:
—gramaticalouliteral,consistentenoexamedotextonormativosobopontodevistalinguístico,analisando-seapontuação,aordemdaspalavrasnafraseetc.;
—lógico,identificadopeloempregoderaciocínioslógicos,comabandonodoselementospuramenteverbais;
—sistemático,queconsideraosistemaemqueseinsereanorma,nãoaanalisandoisoladamente;
—histórico, que se baseia na investigação dos antecedentes da norma, do processo legislativo, a fim dedescobriroseuexatosignificado;
—sociológicoou teleológico, queobjetivaadaptar o sentidooua finalidadedanormaàsnovasexigênciassociais.
10.Eficáciadaleinoespaço
Em razão da soberania estatal, a norma tem aplicação dentro do território delimitado pelas fronteiras doEstado.Esseprincípiodaterritorialidade,entretanto,nãoéabsoluto.AnecessidadederegularrelaçõesentrenacionaiseestrangeiroslevouoEstadoapermitirquealeiestrangeiratenhaeficáciaemseuterritório,semcomprometerasoberanianacional,admitindo,assim,osistemadaextraterritorialidade.
OBrasilsegueosistemadaterritorialidademoderada,sujeitaaregrasespeciais,quedeterminamquandoeemquecasospodeserinvocadoodireitoalienígena(LINDB,arts.7oes.).
PARTEGERALDOCÓDIGOCIVIL
LIVROI
DASPESSOAS
TÍTULOI
DASPESSOASNATURAIS
CAPÍTULOI
DAPERSONALIDADEEDACAPACIDADE
1.CONCEITODEPESSOANATURAL
Éoserhumanoconsideradosujeitodedireitosedeveres(CC,art.1º).Paraserpessoa,bastaexistir.
Todapessoaédotadadepersonalidade,istoé,temcapacidadeparafiguraremumarelaçãojurídica.
Toda pessoa (não os animais nem os seres inanimados) tem aptidão genérica para adquirir direitos e
contrair obrigações (personalidade). O art. 1º, ao proclamar que toda “pessoa é capaz de direitos e
deveresnaordemcivil”(grifonosso),entrosaoconceitodecapacidadecomodepersonalidade.
Capacidadeéamedidadapersonalidade.Aquetodospossuem(art.1º)éacapacidadededireito(de
aquisição ou de gozo de direitos). Mas nem todos possuem a capacidade de fato (de exercício do
direito),queéaaptidãoparaexercer,porsisó,osatosdavidacivil,tambémchamadade“capacidade
de ação”. Os recém-nascidos e os amentais sob curatela têm somente a capacidade de direito (de
aquisiçãodedireitos),podendo,porexemplo,herdar.Masnãotêmacapacidadedefato(deexercício).
Para propor qualquer ação em defesa da herança recebida, precisam ser representados pelos pais e
curadores.
Capacidadenãoseconfundecomlegitimação.Estaéaaptidãoparaapráticadedeterminadosatos
jurídicos. Assim, o ascendente é genericamente capaz, mas só estará legitimado a vender a um
descendenteseoseucônjugeeosdemaisdescendentesexpressamenteconsentirem(CC,art.496).
Quem tem as duas espécies de capacidade, tem capacidadeplena. Quem só tem a de direito, tem
capacidadelimitadaenecessitadeoutrapessoaquesubstituaoucompleteasuavontade.São,porisso,
chamadosde“incapazes”.
2.DASINCAPACIDADES
Nodireitobrasileironãoexisteincapacidadededireito,porquetodossetornam,aonascer,capazes
de adquirir direitos (CC, art. 1º). Existe, portanto, somente incapacidade de fato ou de exercício.
Incapacidade,portanto,éarestriçãolegalaoexercíciodeatosdavidacivil.Epodeserdeduasespé-
cies:absolutaerelativa.
Aabsoluta (art. 3º) acarreta a proibição total do exercício, por si só, do direito. O ato somente
poderáserpraticadopelorepresentantelegaldoabsolutamenteincapaz,sobpenadenulidade(CC,art.
166,I).
Arelativa(art.4º)permitequeoincapazpratiqueatosdavidacivil,desdequeassistido,sobpenade
anulabilidade (CC, art. 171, I). Certos atos, porém, pode o incapaz praticar sem a assistência de seu
representante legal,comoser testemunha(art.228, I),aceitarmandato(art.666), fazer testamento(art.
1.860, parágrafo único), exercer cargos públicos (art. 5º, parágrafo único, III), casar (art. 1.517), ser
eleitor,celebrarcontratodetrabalhoetc.
Asincapacidades,absolutaourelativa,sãosupridas,pois,pelarepresentaçãoepelaassistência(art.
1.634, V, com redação dada pela Lei n. 13.058, de 22-12-2014). Na representação, o incapaz não
participadoato,queépraticadosomenteporseurepresentante.Naassistência,reconhece-seaoincapaz
certodiscernimentoe,portanto,eleéquempraticaoato,masnãosozinho,esimacompanhado,istoé,
assistidoporseurepresentante.Seoatoconsistir,porexemplo,naassinaturadeumcontrato,estedeverá
conteraassinaturadeambos.Narepresentação,somenteorepresentantedoincapazassinaocontrato.
OCódigoCivilcontémumsistemadeproteçãoaosincapazes.Emváriosdispositivosconstata-sea
intenção do legislador em protegê-los, como nos capítulos referentes ao poder familiar, à tutela, à
prescrição,àsnulidadeseoutros.Entretanto,nessesistemadeproteçãonãoestáincluídaarestitutio in
integrum (benefício de restituição), que existia no direito romano e consistia na possibilidade de se
anularonegócioválido,masqueserevelouprejudicialaoincapaz.Hoje,seonegóciofoivalidamente
celebrado (observados os requisitos da representação e da assistência, e autorização judicial, quando
necessária),nãosepoderápretenderanulá-lose,posteriormente,mostrar-seprejudicialaoincapaz.
2.1.INCAPACIDADEABSOLUTA:OSMENORESDEDEZESSEISANOS
Oart.3ºdoCódigoCivilconsideravaabsolutamenteincapazes:osmenoresdedezesseisanos;osque,
porenfermidadeoudeficiênciamental,nãotiveremonecessáriodiscernimentoparaapráticadosatosda
vidacivil;eosque,mesmoporcausatransitória,nãopuderemexprimirsuavontade.
A Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, denominada “Estatuto da Pessoa com Deficiência”,
promoveuumaprofundamudançano sistemadas incapacidades, alterando substancialmente a redação
dosarts.3ºe4ºdoCódigoCivil,quepassouaseraseguinte:“Art.3ºSãoabsolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. “Art. 4º São
incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I— os maiores de dezesseis e
menoresdedezoitoanos;II—osébrioshabituaiseosviciadosemtóxico;III—aquelesque,porcausa
transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV— os pródigos. Parágrafo único.A
capacidadedosindígenasseráreguladaporlegislaçãoespecial”.
Observa-sequeoart.3º,quetratadosabsolutamenteincapazes,tevetodososseusincisosrevogados,
apontandonocaput, como únicas pessoas com essa classificação, “osmenores de 16 (dezesseis)
anos”.
Porsuavez,oart.4º,querelacionaosrelativamenteincapazes,manteve,noincisoI,os“maioresde
dezesseisemenoresdedezoitoanos”,massuprimiu,noincisoII,“osque,pordeficiênciamental,
tenhamodiscernimentoreduzido”.Manteveapenas“osébrioshabituaiseosviciadosemtóxico”.E,
noincisoIII,suprimiu“osexcepcionais,semdesenvolvimentomentalcompleto”,substituindo-ospelos
que, “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.Ospródigos
permanecemnoincisoIVcomorelativamenteincapazes.
Destina-se a aludidaLei n. 13.146/2015, como proclama o art. 1º, “a assegurar e a promover, em
condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência,visandoàsuainclusãosocialecidadania”.Aconsequênciadiretaeimediatadessaalteração
legislativaéqueapessoacomdeficiênciaagoraéconsideradaplenamentecapaz,salvosenão
puderexprimir suavontade—casoemqueseráconsiderada relativamente incapaz (art. 4º,
III),podendo,quandonecessário, terumcuradornomeadoemprocesso judicial (Estatutoda
PessoacomDeficiência,art.84).Observe-sequeaincapacidaderelativanãodecorrepropriamente
dadeficiência,masdaimpossibilidadedeexprimirasuavontade.Oart.6ºdareferidaleideclaraque
“Adeficiêncianãoafetaaplenacapacidadecivildapessoa”.Eoart.84,caput,estatuicategoricamente
que “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em
igualdadedecondiçõescomasdemaispessoas”.Quandonecessário,aduzo§1º,“apessoacom
deficiênciaserásubmetidaàcuratela,conformealei”.
Pretendeu o legislador, com essas inovações, impedir que a pessoa deficiente seja considerada e
tratadacomoincapaz,tendoemvistaosprincípiosconstitucionaisdaigualdadeedadignidadehumana.
Todavia,têmelassidoobjetodepesadascríticasformuladaspeladoutrinapelofato,principalmente,
dedesprotegeraquelesquemerecemaproteçãolegal.
Permanecem,assim,comojádito,comoabsolutamenteincapazessomenteosmenoresde16anos.
Sãoosmenoresimpúberes,queaindanãoatingiramamaturidadesuficienteparaparticipardaatividade
jurídica.
Aincapacidadeabrangeaspessoasdosdoissexos.Oqueselevaemconta,nafixaçãodesselimite,
quenãoéigualemtodosospaíses,éodesenvolvimentomentaldoindivíduo.Algunspaísesnãofazem
distinção entre incapacidade absoluta e relativa.Outros, como aArgentina, consideram absolutamente
incapazes somente os menores de quatorze anos. O Código Civil italiano, no entanto, faz cessar tal
incapacidadeaosdezoitoanos,salvocasosespeciais.
2.2.INCAPACIDADERELATIVA
O art. 4º do Código Civil considerava incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer,osmaioresdedezesseisemenoresdedezoitoanos;osébrioshabituais,osviciadosemtóxicose
osque,pordeficiênciamental,tenhamodiscernimentoreduzido;osexcepcionais,semdesenvolvimento
mental completo; e os pródigos. No parágrafo único declarava que a “capacidade dos índios será
reguladaporlegislaçãoespecial”(grifonosso)(v.n.2.2.5,infra).
ALein.13.146,de6dejulhode2015,denominada“EstatutodaPessoacomDeficiência”,porsua
vez,conferiunovaredaçãoaoaludidodispositivo,verbis:“Art.4ºSãoincapazes,relativamenteacertos
atosouàmaneiradeosexercer:I—osmaioresdedezesseisemenoresdedezoitoanos;II—osébrios
habituaiseosviciadosemtóxico;III—aquelesque,porcausatransitóriaoupermanente,nãopuderem
exprimirsuavontade;IV—ospródigos.Parágrafoúnico.Acapacidadedosindígenasseráreguladapor
legislaçãoespecial”.
Como as pessoas supramencionadas têm algum discernimento, não ficam afastadas da atividade
jurídica, podendo praticar determinados atos por si sós.Estes, porém, constituem exceções, pois elas
devem estar assistidas por seus representantes, para a prática dos atos em geral, sob pena de
anulabilidade.Estãoemumasituaçãointermediáriaentreacapacidadeplenaeaincapacidadetotal.
2.2.1.OSMAIORESDEDEZESSEISEMENORESDEDEZOITOANOS
Osmaiores de dezesseis emenores de dezoito anos são osmenores púberes. Já vimos que podem
praticar apenas determinados atos sem a assistência de seus representantes: aceitar mandato, ser
testemunha, fazer testamento etc. Não se tratando desses casos especiais, necessitam da referida
assistência,sobpenadeanulabilidadedoato,seolesadotomarprovidênciasnessesentidoeovícionão
houversidosanado.
Se,entretanto,dolosamente,ocultaremasuaidadeouespontaneamentedeclararem-semaiores,noato
de se obrigar, perderão a proteção que a lei confere aos incapazes e não poderão, assim, anular a
obrigaçãooueximir-sedecumpri-la(CC,art.180).Exige-se,noentanto,queoerrodaoutraparteseja
escusável.Senãohouvemalíciaporpartedomenor,anula-seoato,paraprotegê-lo.Comoninguémpode
locupletar-seàcustaalheia,determina-sea restituiçãoda importânciapagaaomenorse ficarprovado
queopagamentonuloreverteuemproveitodele(CC,art.181).Oincapazrespondepelosprejuízosque
causar,seaspessoasporeleresponsáveisnãotiveremobrigaçãodefazê-loounãodispuseremdemeios
suficientes (CC, art. 928). A indenização, “que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do
necessáriooincapazouaspessoasquedeledependem”(parágrafoúnico).Adotou-se,pois,oprincípio
daresponsabilidadesubsidiáriaemitigadadosincapazes.
Osportadoresdedeficiência, consideradospessoas capazespelaLein. 13.146/2015, responderão,
todavia, com seus próprios bens, pelos danos que causarem a terceiros, afastada a responsabilidade
subsidiáriacriadapeloaludidoart.928doCódigoCivil.Sãotambémresponsáveispelareparaçãocivil
“ospais,pelosfilhosmenoresqueestiveremsobsuaautoridadeeemsuacompanhia”,bemcomootutor,
pelospupilos“queseacharemnasmesmascondições”(CC,art.932,IeII).
2.2.2.OSÉBRIOSHABITUAISEOSVICIADOSEMTÓXICO
O atual Código Civil, valendo-se de subsídios da ciência médico-psiquiátrica, incluiu os ébrios
habituais,os toxicômanoseosdeficientesmentaisdediscernimentoreduzidonoroldosrelativamente
incapazes.Essesúltimos,todavia,foramexcluídosdoreferidorolpelaLein.13.146,de6-7-2015,que
nelemanteveapenasosdoisprimeiros.
Somente, porém, os alcoólatras ou dipsômanos (os que têm impulsão irresistível para beber) e os
toxicômanos, isto é, os viciados no uso e dependentes de substâncias alcoólicas ou entorpecentes,
enquadram-senoincisoIIdoart.4º.Osusuárioseventuaisque,porefeitotransitóriodessassubstâncias,
ficaremimpedidosdeexprimirplenamentesuavontadeajustam-senoincisoIIIdoaludidodispositivo.
Osviciadosemtóxicoquevenhamasofrerreduçãodacapacidadedeentendimento,dependendodo
graude intoxicaçãoedependência,poderão ser, excepcionalmente, consideradosdeficientespelo juiz,
queprocederáàgraduaçãodacuratela,nasentença,conformeoníveldeintoxicaçãoecomprometimento
mental(Lein.13.146/2015,art.84eparágrafos).Assimtambémprocederáojuizseaembriguezhouver
evoluídoparaumquadropatológico,aniquilandoacapacidadedeautodeterminaçãodoviciado.
Preceitua o art. 755, I e II, do novo Código de Processo Civil que, na sentença que decretar a
interdição, o juiz nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da
curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito e considerará as características
pessoaisdointerdito,observandosuaspotencialidades,habilidades,vontadesepreferências.
2.2.3.OSQUE,PORCAUSATRANSITÓRIAOUPERMANENTE,NÃOPUDEREMEXPRIMIRSUAVONTADE
Aexpressão, tambémgenérica,nãoabrangeaspessoasportadorasdedoençaoudeficiênciamental
permanentes referidas no revogado inciso II do art. 3º do Código Civil, ou seja, os amentais, hoje
considerados plenamente capazes, salvo se não puderem exprimir sua vontade. Estes, bem como as
demaispessoasquetambémnãopuderem,serãotratadoscomorelativamenteincapazes(CC,art.4º,III),
sejaacausapermanente(doençamental)sejatransitória(emvirtudedealgumapatologia,porexemplo,
arteriosclerose,excessivapressãoarterial,paralisia,embriagueznãohabitual,usoeventualeexcessivo
de entorpecentes ou de substâncias alucinógenas, hipnose ou outras causas semelhantes, mesmo não
permanentes).
É anulável, assim, o ato jurídico exercido pela pessoa de condição psíquica normal, mas que se
encontravacompletamenteembriagadanomomentoemqueopraticoueque,emvirtudedessasituação
transitória,nãoseencontravaemperfeitascondiçõesdeexprimirasuavontade.
O atual Código, diversamente do diploma de 1916, não inseriu os ausentes no rol das pessoas
absolutamenteincapazes,dedicando-lhescapítulopróprio(arts.22a39).
A surdo-mudez deixou também de ser causa autônoma de incapacidade. Os surdos-mudos, mesmo
deficientes,sãoconsideradospessoasplenamentecapazes(Lein.13.146/2015,arts.6ºe84).
2.2.4.OSPRÓDIGOS
Pródigo é o indivíduo que dissipa o seu patrimônio desvairadamente. Trata-se de um desvio da
personalidadeenão,propriamente,deumestadodealienaçãomental.Podesersubmetidoàcuratela(art.
1.767, V), promovida pelo cônjuge ou companheiro, pelos parentes ou tutores, pelo representante da
entidadeemqueseencontraabrigadoointerditandoepeloMinistérioPúblico(CPC,art.747).
AocontráriodoCódigoCivilde1916,oatualnãopermiteainterdiçãodopródigoparafavorecera
seucônjuge,ascendentesoudescendentes,mas,sim,paraprotegê-lo,nãoreproduzindoapartefinaldo
art.461dodiplomade1916,quepermitiaolevantamentodainterdiçãonãoexistindomaisosparentes
designadosnoartigoanterior,artigoestequetambémnãofoimantido.
O pródigo só ficará privado, no entanto, de praticar, sem curador, atos que extravasam a mera
administração (esta, poderá exercer) e implicam comprometimento do patrimônio, como emprestar,
transigir,darquitação,alienar,hipotecar,demandarou serdemandado (CC,art.1.782).Podepraticar,
validamenteeporsisó,osatosdavidacivilquenãoenvolvamoseupatrimônioenãoseenquadremnas
restriçõesmencionadas.Pode,assim,casar,fixarodomicíliodocasal,darautorizaçãoparacasamento
dosfilhosetc.
2.2.5.CURATELADEPESSOASCAPAZES(DEFICIENTES)EINCAPAZES
2.2.5.1.Oprocedimentodacuratela
Oprocessodeinterdiçãosegueoritoestabelecidonosarts.747es.doCódigodeProcessoCivilde
2015,bemcomoasdisposiçõesdaLein.6.015/73, sendoa sentençadenaturezadeclaratóriadeuma
situação ou estado anterior. Para assegurar a sua eficácia erga omnes, deve ser registrada em livro
especialnoCartóriodo1ºOfíciodoRegistroCivildacomarcaemque forproferida (LRP,art.92)e
publicadatrêsvezesnaimprensalocalenaoficial.
É nulo o ato praticado pelo enfermo ou deficiente mental depois dessas providências. Entretanto,
comoéainsanidadementalenãoasentençadeinterdiçãoquedeterminaaincapacidade,umacorrente
sustenta que é semprenulo, também,o ato praticadopelo incapaz antes da interdição.Outra corrente,
porém,inspiradanodireitofrancês,entendequedeveserrespeitadoodireitodoterceirodeboa-féque
contratacomoprivadodonecessáriodiscernimentosemsaberdassuasdeficiênciaspsíquicas.Paraessa
corrente, somente énuloo atopraticadopelo amental se fossenotórioo estadode loucura, isto é, de
conhecimentopúblicogeral(cf.RT,625:166).OSuperiorTribunaldeJustiça,todavia,temproclamadoa
nulidademesmoqueaincapacidadesejadesconhecidadaoutraparteesóprotegidooadquirentedeboa-
fécomaretençãodobematéadevoluçãodopreçopago,devidamentecorrigido,ea indenizaçãodas
benfeitorias(REsp296.895,3ªT.,rel.Min.MenezesDireito,DJU,6-5-2004).
A velhice ou senilidade, por si só, não é causa de limitaçãoda capacidade, salvo semotivar um
estadopatológicoqueafeteoestadomental.
2.2.5.2.Atomadadedecisãoapoiada
Oart.1.780doCódigoCivil foiexpressamente revogadopeloart.123,VII,doEstatutodaPessoa
com Deficiência (Lei n. 13.146/ 2015), que trata da nova figura denominada “Tomada de decisão
apoiada”.O art. 1.783-AdoCódigoCivil, criadopeloEstatuto emapreço e que supre amencionada
revogação,ampliandooseuâmbito,dispõeque“Atomadadedecisãoapoiadaéoprocessopeloquala
pessoacomdeficiênciaelegepelomenos2(duas)pessoas idôneas,comasquaismantenhavínculose
que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil,
fornecendo-lheoselementoseinformaçõesnecessáriosparaquepossaexercersuacapacidade”.
O referidodispositivo aplica-se aos casosdepessoasquepossuemalgum tipodedeficiência,mas
podem, todavia,exprimira suavontade.Ocaso típico éodapessoacomsíndromedeDown,quea
tornaumapessoacomdeficiência,masnãoacarreta,necessariamente,impedimentoparaamanifestação
da suavontade.Neste caso,não se justifica a classificaçãodessapessoacomo relativamente incapaz,
sujeitaàcuratela.
“Opedidode tomadadedecisãoapoiadaserá requeridopelapessoaa serapoiada,com indicação
expressadaspessoasaptasaprestaremoapoioprevistonocaputdesteartigo”(CC,art.1.783-A,§2º).
2.2.6.OSÍNDIOS
Índiosousilvícolassãooshabitantesdasselvas,nãointegradosàcivilização.Nostermosdoart.4º,
parágrafoúnico,doCódigoCivil,a“capacidadedosíndiosseráreguladaporlegislaçãoespecial”.
OdiplomalegalqueatualmenteregulaasituaçãojurídicadosíndiosnoPaíséaLein.6.001,de19de
dezembrode1973,quedispõesobreoEstatutodoÍndio,proclamandoqueficarãosujeitosà tutelada
União, até se adaptarem à civilização.Referida lei consideranulos os negócios celebrados entre um
índio e pessoa estranha à comunidade indígena, sem a participação da Fundação Nacional do Índio
(Funai), enquadrando-o, pois, como absolutamente incapaz. Entretanto, declara que se considerará
válidotalatoseoíndiorevelarconsciênciaeconhecimentodoatopraticadoe,aomesmotempo,talato
nãooprejudicar.
AFundaçãoNacionaldoÍndiofoicriadapelaLein.5.371/67paraexerceratuteladosindígenas,em
nomedaUnião.ALeidosRegistrosPúblicos(LRP—Lein.6.015/73)estabelece,noart.50,§2º,que
os“índios,enquantonãointegrados,nãoestãoobrigadosainscriçãodonascimento.Estepoderáserfeito
emlivroprópriodoórgãofederaldeassistênciaaosíndios”.
Atuteladosíndiosorigina-senoâmbitoadministrativo.Oquevivenascomunidadesnãointegradasà
civilização já nasce sob tutela. É, portanto, independentemente de qualquer medida judicial, incapaz
desdeonascimento,atéquepreenchaosrequisitosexigidospeloart.9ºdaLein.6.001/73(idademínima
de 21 anos, conhecimento da língua portuguesa, habilitação para o exercício de atividade útil à
comunidadenacional,razoávelcompreensãodosusosecostumesdacomunhãonacional)esejaliberado
poratojudicial,diretamente,ouporatodaFunaihomologadopeloórgãojudicial.PoderáoPresidente
daRepública, por decreto, declarar a emancipação de uma comunidade indígena e de seusmembros.
CompetenteparacuidardasquestõesreferentesaosíndioséaJustiçaFederal.
Atuteladoindígenanãointegradoàcomunhãonacionaltemafinalidadedeprotegê-lo,àsuapessoae
aosseusbens.AlémdaassistênciadaFunai,oMinistérioPúblicoFederalfuncionaránosprocessosem
quehajainteressedosíndiose,inclusive,proporáasmedidasjudiciaisnecessáriasàproteçãodeseus
direitos.
3.CESSAÇÃODAINCAPACIDADE
Cessaaincapacidade,emprimeirolugar,quandocessarasuacausa(enfermidademental,menoridade
etc.)e,emsegundolugar,pelaemancipação.Amenoridadecessaaosdezoitoanoscompletos(CC,art.
5º),istoé,noprimeiromomentododiaemqueoindivíduoperfazosdezoitoanos.Seénascidonodia
29defevereirodeanobissexto,completaamaioridadenodia1ºdemarço.
Aemancipaçãopodeserdetrêsespécies:voluntária,judicialoulegal.Avoluntáriaéaconcedida
pelospais, seomenor tiverdezesseis anos completos (CC, art. 5º, parágrafoúnico, I).A judicial é a
concedidaporsentença,ouvidootutor,emfavordotuteladoquejácompletoudezesseisanos.Alegaléa
quedecorrededeterminadosfatosprevistosnalei,comoocasamento,oexercíciodeempregopúblico
efetivo,acolaçãodegrauemcursodeensinosuperioreoestabelecimentocomeconomiaprópria,civil
ou comercial, ou a existência de relação de emprego, tendo o menor dezesseis anos completos. A
emancipação voluntária deve ser concedida por ambos os pais, ou por umdeles na falta do outro.A
impossibilidadede qualquer deles participar do ato, por se encontrar em local ignoradooupor outro
motivorelevante,deveserdevidamentejustificadaemjuízo.Sedivergirementresi,adivergênciadeverá
ser dirimida pelo juiz. Quanto à forma, é expressamente exigido o instrumento público,
independentementedehomologaçãojudicial(art.5º,parágrafoúnico,I).
Talespéciedeemancipaçãosónãoproduz,segundoajurisprudência,inclusiveadoSupremoTribunal
Federal,oefeitodeisentarospaisdaobrigaçãodeindenizarasvítimasdosatosilícitospraticadospelo
menoremancipado,paraevitaremancipaçõesmaliciosas.Essaafirmaçãosóseaplicaàsemancipações
voluntariamenteconcedidaspelospais,nãoàsdemaisespécies.
Se o menor estiver sob tutela, deverá requerer sua emancipação ao juiz, que a concederá por
sentença,depoisdeverificaraconveniênciadodeferimentoparaobemdomenor.O tutornãopode
emancipá-lo.Evitam-se,comisso,emancipaçõesdestinadasapenasalivrarotutordosônusdatutela.
As emancipações voluntária e judicial devem ser registradas em livro próprio do 1º Ofício do
RegistroCivildacomarcadodomicíliodomenor,anotando-se também,comremissõesrecíprocas,no
assentodenascimento(CC,art.9º,I;LRP,art.107,§1º).Antesdo registro,nãoproduzirãoefeito
(LRP, art. 91, parágrafo único). Quando concedida por sentença, deve o juiz comunicar, de ofício, a
concessão ao escrivão do Registro Civil. A emancipação legal (casamento, emprego público etc.)
independederegistroeproduziráefeitosdesdelogo,istoé,apartirdoatooudofatoqueaprovocou.
DecidiuoTribunaldeJustiçadoRioGrandedoSulqueofatodeconviveremuniãoestávelnãoé
motivoparaconcederemancipaçãoajovemmenor,deapenas15anosdeidade.Afinal,afirmouorelator,
esse regime de união se equipara ao casamento somente para a finalidade de constituir família (Ap.
70.042.308.163,7ªCâm.,j.29-6-2011).
Aemancipação,emqualquerdesuasformas,éirrevogável.Nãopodemospais,quevoluntariamente
emanciparamo filho,voltaratrás. Irrevogabilidade,entretanto,nãoseconfundecominvalidadedoato
(nulidadeouanulabilidadedecorrentedecoação,p.ex.),quepodeserreconhecida.Ocasamentoválido
produzoefeitodeemanciparomenor.Seasociedadeconjugallogodepoissedissolverpelaviuvezou
pelaseparaçãojudicial,nãoretornaráàcondiçãodeincapaz.Ocasamentonulo,entretanto,nãoproduz
nenhumefeito(CC,art.1.563).Proclamadaanulidade,oumesmoaanulabilidade(cf.v.2destaColeção,
n. 18.2.2), o emancipado retorna à situação de incapaz, salvo se o contraiu de boa-fé.Nesse caso, o
casamentoseráputativoemrelaçãoaeleeproduzirátodososefeitosdeumcasamentoválido,inclusive
aemancipação(CC,art.1.561).
Notocanteaoexercíciodeempregopúblico,malgradoaindadominanteacorrentequeexigetratar-se
deempregoefetivo,afastandoosinterinos,contratados,diaristas,mensalistasetc.,têmalgumasdecisões
abrandadoorigordalei,entendendoquedeveprevalecerostatusdeservidorpúblico,qualquerqueseja
oserviçooufunçãoadministrativaeomododesuainvestidura.Ofatodetersidoadmitidonoserviço
público já denota maturidade e discernimento, máxime quando a simples existência de relação de
emprego,comestabelecimentodeeconomiaprópria,ésuficienteparaaemancipação(CC,art.5º,V).
Acolaçãodegrauemcursodeensinosuperior,eoestabelecimentociviloucomercial,ouaexistência
de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha
economiaprópria,justificamaemancipação,pordemonstrarmaturidadeprópriadomenor,afastando,nas
duasúltimashipóteses,asdificuldadesqueasubordinaçãoaospaisacarretaria,nagestãodosnegócios,
ounoexercíciodoempregoparticular,aomesmotempoemque tutelao interessede terceiros,quede
boa-fécomeleestabeleceramrelaçõescomerciais.
ALein.12.399,de1ºdeabrilde2011,acrescentao§3ºaoart.974doCódigoCivil,paradisporque
oRegistroPúblicodeEmpresasMercantisacargodasJuntasComerciais“deveráregistrarcontratosou
alteraçõescontratuaisdesociedadequeenvolvasócioincapaz,desdequeatendidos,deformaconjunta,
osseguintespressupostos:I—osócioincapaznãopodeexerceraadministraçãodasociedade;II—o
capitalsocialdevesertotalmenteintegralizado;III—osóciorelativamenteincapazdeveserassistidoe
oabsolutamenteincapazdeveserrepresentadoporseusrepresentanteslegais”.
4.COMEÇODAPERSONALIDADENATURAL
Apersonalidadecivildapessoacomeçadonascimentocomvida(CC,art.2º)—oqueseconstata
pela respiração. Antigamente, utilizava-se a técnica denominada “docimasia hidrostática de Galeno”,
extraindo-seospulmõesdoquemorreuduranteopartoecolocando-osemumrecipientecomágua.Se
nãoafundassem,eraporquetinhaminfladocomarespiração,concluindo-sequeorecém-nascidovivera.
Hoje,aMedicinatemrecursosmaismodernoseeficazesparafazertalconstatação.Deacordocomoart.
53,§2º, daLei dosRegistrosPúblicos, se a pessoa respirou, viveu.Não se exigeo corte do cordão
umbilical,nemquesejaviável(quetenhaaptidãovital),nemquetenhaformahumana.Nascendovivo,
ainda quemorra em seguida, o novo ente chegou a ser pessoa, adquiriu direitos, e com suamorte os
transmitiu.
Trêsteoriasprocuramexplicarejustificarasituaçãojurídicadonascituro.Anatalistaafirmaquea
personalidade civil somente se inicia com o nascimento com vida; a da personalidade condicional
sustenta que o nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade acha-se sob a
dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida, não se tratando propriamente de uma
terceirateoria,masdeumdesdobramentodateorianatalista,umavezquetambémpartedapremissade
queapersonalidadeteminíciocomonascimentocomvida;eaconcepcionistaadmitequeseadquirea
personalidade antes do nascimento, ou seja, desde a concepção, ressalvados apenas os direitos
patrimoniais, decorrentes de herança, legado e doação, que ficam condicionados ao nascimento com
vida.Paraosadeptosdateoriadapersonalidadecondicional,oart.130doCódigoCivilpermiteao
titular de direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, o exercício de atos
destinadosaconservá-lo,comorequerer,representadopelamãe,asuspensãodoinventário,emcasode
morte do pai, estando a mulher grávida e não havendo outros descendentes, para se aguardar o
nascimento.VáriosdispositivosdesseCódigoprotegemonascituro: arts.542,1.609,parágrafoúnico,
1.779eoutros.
Onatimortoéregistradonolivro“CAuxiliar”,comoselementosquecouberem(Lein.6.015/73,art.
53, § 1º). Se morrer na ocasião do parto, tendo porém respirado, serão feitos dois assentos: o de
nascimentoeodeóbito (§2º).Sãoobrigados a fazero registro, pelaordem:ospais, oparentemais
próximo, os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, pessoa idônea da casa em que
ocorreropartoeapessoaencarregadadaguardadomenor(LRP,art.52).
5.EXTINÇÃODAPERSONALIDADENATURAL
Somente comamorte real termina a existência da pessoanatural, quepode ser também simultânea
(comoriência).Doutrinariamente,pode-sefalarem:
a) Morte real, prevista no art. 6º do Código Civil. Ocorre com o diagnóstico de paralisação daatividadeencefálica,segundooart.3odaLein.9.434/97,quedispõesobreotransplantedeórgãos,eextingue a capacidade. A sua prova faz-se pelo atestado de óbito ou pela justificação, em caso decatástrofeenãoencontrodocorpo(Lein.6.015/73,art.88).Acarretaaextinçãodopoderfamiliar,adissoluçãodovínculomatrimonial,aextinçãodoscontratospersonalíssimos,aextinçãodaobrigaçãodepagaralimentosetc.
b)Mortesimultâneaoucomoriência,previstanoart.8ºdoCódigoCivil.Sedoisoumaisindivíduosfaleceremnamesmaocasião(nãoprecisasernomesmolugar),nãosepodendoaveriguarqualdelesmorreu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Alguns países adotaram outros critérios,comoodeconsiderarfalecidaantesapessoamaisidosa,adosexofemininoetc.
Não há transferência de bens entre comorientes. Por conseguinte, semorre em acidente casal sem
descendentes e ascendentes, sem se saber qual morreu primeiro, um não herda do outro. Assim, os
colateraisdamulherficarãocomameaçãodela,enquantooscolateraisdomaridoficarãocomameação
dele.Diversaseriaasoluçãosehouvesseprovadequeumfaleceupoucoantesdooutro.Oqueviveuum
poucomaisherdariaameaçãodooutroe,porsuamorte,atransmitiriaaosseuscolaterais.Odiagnóstico
científico do momento exato da morte, modernamente representado pela paralisação da atividade
cerebral,circulatóriaerespiratória,sópodeserfeitoporperitomédico.Tendoemvista,porém,que“o
juizapreciarálivrementeaprova”(CPC/2015,art.371),cumpre-lhe,emprimeiroplano,“deofíciooua
requerimentodaspartes,determinarasprovasnecessáriasaojulgamentodomérito”(CPC,art.370),ou
seja, apurar, pelos meios probatórios regulares, desde a inquirição de testemunhas até os processos
científicosempregadospelamedicinalegal,sealgumadasvítimasprecedeunamorteàsoutras.Nafalta
deumresultadopositivo,vigoraapresunçãodasimultaneidadedamorte,sematenderaqualquerordem
deprecedência,emrazãodaidadeoudosexo.
c) Morte civil, existente no direito romano, especialmente para os que perdiam o status libertatis(escravos). Há um resquício dela no art. 1.816 do Código Civil, que trata o herdeiro, afastado daherançaporindignidade,comoseele“mortofosseantesdaaberturadasucessão”.Massomenteparaafastá-lodaherança.Conserva,porém,apersonalidade,paraosdemaisefeitos.Tambémnalegislaçãomilitar pode ocorrer a hipótese de a família do indigno do oficialato, que perde o seu posto e
respectivapatente,perceberpensões,comoseelehouvessefalecido.
d)Mortepresumida,comousemdeclaraçãodeausência.Presume-seamorte,quantoaosausentes,noscasosemquealeiautorizaaaberturadesucessãodefinitiva(CC,art.6º,2ªparte).Adeclaraçãodeausência produz efeitos patrimoniais, permitindo a abertura da sucessão provisória e, depois, adefinitiva.Naúltimahipótese,constituicausadedissoluçãodasociedadeconjugal,nostermosdoart.1.571,§1º,doCódigoCivil.
Aleiqueconcedeuanistiaàspessoasqueperderamosseusdireitospolíticosporteremparticipado
da Revolução de 1964 (Lei n. 6.683, de 28-8-1979) abriu uma exceção, permitindo aos familiares
daquelesquedesaparecerameoscorposnãoforamencontradosaproposituradeaçãodedeclaraçãode
ausênciaparatodososefeitos,inclusivepessoais,sendoasentençairrecorrível.
O art. 7º do Código Civil permite a declaração de morte presumida, para todos os efeitos, sem
decretaçãodeausência:I—seforextremamenteprovávelamortedequemestavaemperigodevida;II
—sealguém,desaparecidoemcampanhaoufeitoprisioneiro,nãoforencontradoatédoisanosapóso
términodaguerra.Segundodispõeoparágrafoúnico,a“declaraçãodamortepresumida,nessescasos,
somentepoderáserrequeridadepoisdeesgotadasasbuscaseaveriguações,devendoasentençafixara
dataprováveldofalecimento”.
6.INDIVIDUALIZAÇÃODAPESSOANATURAL
Apessoaidentifica-senoseiodasociedadepelonome,peloestadoepelodomicílio.
6.1.NOME
Apalavra“nome”,comoelementoindividualizadordapessoanatural,éempregadaemsentidoamplo,
indicandoonomecompleto.
6.1.1.CONCEITO
Nomeéadesignaçãopelaqualapessoaidentifica-senoseiodafamíliaedasociedade.Oscriadores
intelectuais muitas vezes identificam-se pelo pseudônimo. Dispõe o art. 19 do Código Civil que o
“pseudônimoadotadoparaatividadeslícitasgozadaproteçãoquesedáaonome”.
6.1.2.NATUREZAJURÍDICA
Parauns,onometemanaturezadeum“direitodepropriedade”.Essacorrenteéinaceitável,porquea
propriedadeéalienáveletemcaracterísticasquenãosecompatibilizamcomonome.Outrosfalamem
propriedadesuigeneris,oqueéomesmoquenadaexplicar.LimongiFrança,corretamente,oconsidera
“umdireitodapersonalidade”.AssimtambémoCódigoCivil,quetratadaproteçãodispensadaaonome
nocapítuloreferenteaos“direitosdapersonalidade”(arts.11es.).
Destacam-se,noestudodonome,umaspectopúblico:édisciplinadopeloEstado(LRP,arts.54a58;
CC,arts.16a19),que teminteressenaperfeita identificaçãodaspessoas;eumaspecto individual:o
direitoaonome(“Todapessoatemdireitoaonome,nelecompreendidosoprenomeeosobrenome”—
CC, art. 16), que abrange o de usá-lo e o de defendê-lo contra usurpação (direito autoral) e contra
exposição ao ridículo. Basta o interessemoral. Dispõe, com efeito, o art. 17 doCódigoCivil que o
“nomedapessoanãopodeserempregadoporoutremempublicaçõesourepresentaçõesqueaexponham
aodesprezopúblico,aindaquandonãohajaintençãodifamatória”.Porsuavez,preceituaoart.18:“Sem
autorização,nãosepodeusaronomealheioempropagandacomercial”.
Trata-sededireito inalienávele imprescritível,essencialparaoexercícioregulardosdireitosedo
cumprimento das obrigações. A tutela do nome, como vimos, alcança o pseudônimo (CC, art. 19),
propiciandodireitoàindenizaçãoemcasodemáutilização,inclusiveempropagandacomercial.
6.1.3.ELEMENTOSDONOMECOMPLETO
São dois (CC, art. 16): prenome e sobrenome ou apelido familiar (ou simplesmente nome) e, em
algunscasos,agnome,sinalquedistinguepessoasdeumamesmafamília(Júnior,Neto,Sobrinhoetc.).
Axiônimo é designação que se dá à forma cortês de tratamento ou à expressão de reverência, como:
Exmo. Sr., Vossa Santidade, Dr. etc.Hipocorístico é diminutivo do nome, muitas vezes mediante o
empregodossufixos“inho”e“inha”,quedenotaintimidadefamiliar,comoZezinho(José),Mariazinha
(Maria),Beto(Roberto)etc.Alcunhaéapelidodepreciativoquesepõeemalguém,geralmentetiradode
algumaparticularidadefísicaoumoral,como,v.g.,Aleijadinho,Tiradentesetc.Cognomeépalavraque
qualificapessoaoucoisa,emregrausadacomosinônimadealcunha.Epítetopodeserapostoaonome
comodesignaçãoqualificativa,comoD.Pedro,“ojusticeiro”,porexemplo.
6.1.3.1.Prenome
Podeser livrementeescolhidopelospais,desdequenãoexponhao filhoao ridículo (LRP,art.55,
parágrafoúnico). Irmãosnãopodem ter omesmoprenome, anão ser que sejaduplo, estabelecendoa
distinção(LRP,art.63,parágrafoúnico).Ocaputdoreferidoartigodispõequeos“gêmeosquetiverem
o prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo que
possam distinguir-se”. Pode ser simples ou composto (duplo, triplo ou quádruplo, como ocorre nas
famíliasreais).
6.1.3.2.Sobrenome
Sinalqueidentificaaprocedênciadapessoa,indicandoasuafiliaçãoouestirpe.Éimutável(LRP,art.
56). Adquire-se-o com o nascimento (art. 55). Portanto, não é escolhido.Mesmo que a criança seja
registrada somente com prenome, o sobrenome faz parte, por lei, de seu nome completo, podendo o
escrivão lançá-lo de ofício adiante do prenome escolhido pelo pai (art. 55). Assim, o registro, com
indicaçãodosobrenome,temcaráterpuramentedeclaratório.Podeserodopai,odamãeouodeambos.
Podesersimplesoucomposto(ex.:PaesdeBarros,RebouçasdeCarvalho).
O registro de filhos havidos fora domatrimônio é regidopelos arts. 59 e 60 daLei dosRegistros
Públicos:nãoserálançadoonomedopaisemqueesteexpressamenteautorize.Hoje,aLein.8.560,de
29 de dezembro de 1992, obriga os escrivães do Registro Civil a remeter ao juiz os dados sobre o
supostopai,queseráconvocadoparareconhecervoluntariamenteofilho.Nãoofazendo,osdadosserão
encaminhados aoMinistério Público, que poderá promover a ação de investigação de paternidade.O
reconhecimentodosfilhoshavidosforadocasamentoéirrevogáveleseráfeitopelosmodosprevistosno
art.1.609doCódigoCivil,queadmiteinclusivequesefaçaporescritoparticular,aserarquivadoem
cartório,etambémporqualquerespéciedetestamento.
OConselhoNacionaldeJustiça(CNJ)publicou,nodia17defevereirode2012,oProvimento16,
quepermite àsmães,mesmo semapresençadohomem, registrar seus filhos.Alémdemães, pessoas
maioresde18anos,quenãotêmonomedopainoregistrocivil,poderãoprocuraroscartórioseindicar
onomedogenitor.Apósaindicação,ojuizescutaráamãeenotificaráopai.Seoreconhecimentonão
for espontâneo, o Ministério Público ou a Defensoria Pública irá propor a ação de investigação de
paternidade.
No mesmo sentido a Lei n. 13.112, de 30 de março de 2015, que autoriza a mulher a registrar
nascimentodofilhoemigualdadedecondiçõescomohomem.AreferidaleialterouaLeidosRegistros
Públicos,quegarantiaaopaiainiciativaderegistrarofilhonosprimeiros15diasdevida.Sóemcaso
deomissãoouimpedimentodopaidepoisdesseperíodoamãepoderiasubstituí-loeregistrarorecém-
nascido.
Atualmente,portanto,opaiouamãe, isoladamenteouemconjunto,devemprocederao registrono
prazode15dias.Seumdosdoisnãocumpriraexigênciadentrodesseperíodo,ooutroterá45diaspara
realizaradeclaração.
6.1.4.IMUTABILIDADEDONOME
O art. 58 da Lei dos Registros Públicos, em sua redação original, dispunha que o “prenome será
imutável”.Todavia,permitia,noparágrafoúnico,a retificação,emcasodeevidenteerrográfico,bem
comoasuamudança,nocasodoparágrafoúnicodoart.55,queproíbeoregistrodenomesquepossam
expor ao ridículo os seus portadores. A Lei n. 9.708, de 18 de novembro de 1998, deu ao aludido
dispositivoaseguinteredação:“Oprenomeserádefinitivo,admitindo-se,todavia,asuasubstituiçãopor
apelidospúblicosnotórios”.Porsuavez,aLein.9.807,de13dejulhode1999,deunovaredaçãoao
parágrafoúnico,prescrevendoquea“substituiçãodoprenomeseráaindaadmitidaemrazãodefundada
coaçãoouameaçadecorrentedacolaboraçãocomaapuraçãodecrime,pordeterminação,emsentença,
dejuizcompetente,ouvidooMinistérioPúblico”.
A jurisprudência já vinha admitindo a substituição do prenome oficial pelo prenome de uso. Se a
pessoaéconhecidade todosporprenomediversodoqueconstadeseu registro,aalteraçãopodeser
requeridaemjuízo,poisprenomeimutável,segundoostribunais,éaquelequefoipostoemusoenãoo
queconstadoregistro(RT,537:75).Osapelidospúblicosnotóriossomenteeramacrescentadosentreo
prenome e o sobrenome, como ocorreu com Luiz Inácio “Lula” da Silva e Maria da Graça “Xuxa”
Meneghel,porexemplo.Agora,noentanto,podemsubstituiroprenome.Seodesejar,EdsonArantesdo
Nascimento poderá passar a chamar-sePeléArantes doNascimento.Atualmente, portanto, o prenome
oficial tanto pode ser substituído por apelido popular, como exemplificamos acima, como por outro
prenome,peloqualapessoaéconhecidanomeiosocialemquevive.
Malgradoanovaredaçãodadaaomencionadoart.58,aretificaçãodoprenomeemcasodeevidente
erro gráfico e de outros “erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de
necessidadedesuacorreção”seprocessacombasenoart.110eparágrafosdaLein.6.015/73(Leidos
RegistrosPúblicos),comaredaçãodadapelaLein.12.100,de27denovembrode2009,quepreveem
para a hipótese um procedimento sumário, no próprio cartório, com manifestação “conclusiva” do
MinistérioPúblicoecorreção“deofíciopelooficialderegistronoprópriocartórioondeseencontraro
assentamento”. Igualmente continua sendo possível promover a mudança do prenome, no caso do
parágrafoúnicodoart. 55, seooficialnãoohouver impugnado,dispositivoestenão revogadoeque
impõe ao escrivão o dever de recusar o registro de nomes que possam expor ao ridículo os seus
portadores, com recurso para o juiz. A pretensão depende de distribuição, perante o juiz, de
procedimentoderetificaçãodenome(LRP,art.109).Incluem-senessecasoashipótesesdepessoasdo
sexomasculinoregistradascomnomefemininoevice-versa.Temajurisprudênciaadmitidoaretificação
nãosódoprenome,comotambémdeoutraspartesesdrúxulasdonome.
Ajurisprudênciaampliouaspossibilidadesdealteraçãodoprenome,autorizandoatraduçãodenomes
estrangeiros, para facilitar o aculturamento dos alienígenas que vêm fixar-se noBrasil.Tambémpode
haver mudança do prenome em caso de adoção, pois o art. 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do
Adolescente,comaredaçãoquelhefoidadapelaLein.12.010/2009,dispõequeasentençaconcessiva
deadoção“conferiráaoadotadoonomedoadotantee,apedidodequalquerdeles,poderádeterminara
modificação do prenome”. A alteração nesse caso poderá ser total, abrangendo o prenome e o
sobrenome.
Emoutroscasos,têm-seadmitidoalteraçõesdonome,semprejudicaroprenome(queemprincípioé
definitivo e imutável, salvo as exceções mencionadas) e o sobrenome. Permite o art. 56 da Lei dos
RegistrosPúblicosqueointeressado,noprimeiroanoapósteratingidoamaioridadecivil,altereo
nome, pela via administrativa e por decisão judicial (LRP, art. 110), desde que “não prejudique os
apelidosdefamília”.Costumam-seacrescentarnomesintermediários,comoosobrenomematerno,odos
avós etc., bem como apelidos populares pelos quais a pessoa é conhecida. Justifica-se a inclusão de
alcunhaouapelidocomoconsequênciadoentendimentodequeonomedeusodeveprevalecersobreo
de registro. Em vez de substituir o prenome, pode assim o interessado requerer a adição do apelido,
comonocasojácitadodopresidenteLuizInácio“Lula”daSilva.Seonomeéridículo,oucontémerro
gráfico,podesermudado,antesdisso,pelaviaprópria.
Decorrido o prazo decadencial de um ano após amaioridade, essas alterações ainda poderão ser
feitas,nãomaisadministrativamente,medianteapresentaçãodopedidoemcartório,mas,“porexceçãoe
motivadamente”, em ação de retificação de nome, conforme preceitua o art. 57 da Lei dos Registros
Públicos,quepermitetambém,no§1º,ainclusãodonomeabreviado,usadocomofirmacomercial.A
homonímia tem sido uma justificativa utilizada e aceita para a referida alteração,motivadamente, do
nome,poisécausadoradeconfusõeseprejuízos.
No§7ºdomencionadoart.57,acrescentadopelaLein.9.807,de13dejulhode1999,deproteçãoàs
vítimasetestemunhasameaçadas,permitiu-seaaverbaçãodasentençaconcessivadaalteraçãodonome,
deferidacomomedidadeproteção,semmençãoaonomealterado.
O nome completo pode também sofrer alterações no casamento, na adoção, no reconhecimento de
filho, na união estável (LRP, art. 57, §§ 2º e s.), na separação judicial e no divórcio. É possível
acrescentar o sobrenomedo cônjuge aonomecivil durante a convivência conjugal, por intermédiode
ação de retificação de registro civil, conforme os procedimentos do art. 109 da Lei n. 6.015/73, não
podendo a opção dada pelo legislador estar limitada à data da celebração do casamento (STJ, REsp
910.094-SC,j.4-9-2012).
OTribunaldeJustiçadoRiodeJaneiro,aodeferirasubstituiçãodosobrenomepaternodoapelante
pelopatronímicodopadrasto,queocrioudesdetenraidade,ausenteaconvivênciaeoslaçosafetivos
com o pai biológico e família paterna, frisou que as circunstâncias do caso demonstram que a
modificação se faz necessária para a preservação da dignidade da pessoa humana (Ap. 000969-
16.2013.8.19.0079,2ªCâm.,rel.Des.CláudiaTelles,j.12-3-2014).
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, proclamou que é possível a alteração de registro de
nascimento para a inclusão do sobrenome de companheiro, mesmo quando ausente comprovação de
impedimentolegalparaocasamento,conformeexigiaoart.57,§2º,daLeidosRegistrosPúblicos.Para
arelatora,MinistraNancyAndrighi,aconsolidaçãodauniãoestávelnocenáriojurídiconacional,coma
Constituiçãode1988,deunovaabrangênciaaoconceitodefamíliaeimpôsaoJudiciárioanecessidade
de adaptar à nova ordem jurídica a interpretação das leis produzidas no ordenamento anterior (REsp
1.206.656-60,3ªT.,rel.Min.NancyAndrighi,j.16-10-2012).
6.2.ESTADO
Estadoéasomadasqualificaçõesdapessoanasociedade,hábeisaproduzirefeitosjurídicos.Éoseu
modoparticulardeexistir.
6.2.1.ASPECTOS
Oestadoapresentatrêsaspectos:oindividualoufísico,ofamiliareopolítico.
Estadoindividualéomododeserdapessoaquantoàidade,sexo,cor,altura,saúde(sãoouinsanoe
incapaz)etc.
Estadofamiliaréoqueindicaasuasituaçãonafamília,emrelaçãoaomatrimônio(solteiro,casado,
viúvo,divorciado)eaoparentesco(pai,filho,irmão,sogro,cunhadoetc.).
Estadopolíticoé a qualidade jurídica que advémda posição do indivíduo na sociedade política,
podendosernacional(natoounaturalizado)eestrangeiro.
6.2.2.CARACTERES
Asprincipaiscaraterísticasouatributosdoestadosão:
a) Indivisibilidade — Ninguém pode ser, simultaneamente, casado e solteiro, maior e menor etc. Oestado é uno e indivisível e regulamentado por normas de ordem pública. A obtenção de duplanacionalidadeconstituiexceçãoàregra.
b)Indisponibilidade—Trata-sedebemforadocomércio,sendoinalienáveleirrenunciável.Issonãoimpedeasuamutação,diantededeterminadosfatosepreenchidososrequisitoslegais:solteiropodepassaracasado,estepodetornar-seviúvoetc.
c)Imprescritibilidade—Nãoseperdenemseadquireoestadopelaprescrição.Éelementointegrantedapersonalidadee,assim,nascecomapessoaecomeladesaparece.
6.3.DOMICÍLIO
Apalavra“domicílio”temumsignificadojurídicoimportante,tantonoCódigoCivilcomonoestatuto
processualcivil.É,emgeral,noforodeseudomicílioqueoréuéprocuradoparasercitado.
OCódigo trata conjuntamente dodomicílio da pessoa natural e da pessoa jurídica noTítulo III do
LivroIdestaParteGeral,queserácomentadoadiante(v.n.20,infra).
CAPÍTULOII
DOSDIREITOSDAPERSONALIDADE
7.CONCEITO
Osdireitosdapersonalidade,pornãoterconteúdoeconômicoimediatoenãosedestacardapessoade
seutitular,distinguem-sedosdireitosdeordempatrimonial.Sãoinerentesàpessoahumana,estandoaela
ligadosdemaneiraperpétua.A sua existência tem sidoproclamadapelodireitonatural.Destacam-se,
dentreoutros,odireitoàvida,àliberdade,aonome,aoprópriocorpo,àimagemeàhonra.
Na conceituação deMaria Helena Diniz, os direitos da personalidade são “direitos subjetivos da
pessoadedefenderoquelheépróprio,ouseja,asuaintegridadefísica(vida,alimentos,própriocorpo
vivooumorto,corpoalheiovivooumorto,partesseparadasdocorpovivooumorto);asuaintegridade
intelectual(liberdadedepensamento,autoriacientífica,artísticaeliterária);easuaintegridademoral
(honra,recato,segredoprofissionaledoméstico,identidadepessoal,familiaresocial)”.
OCódigoCivildedicouumcapítulonovoaosdireitosdapersonalidade(arts.11a21),visando,no
dizerdeMiguelReale,“àsuasalvaguarda,sobmúltiplosaspectos,desdeaproteçãodispensadaaonome
eà imagematéodireitodesedispordoprópriocorpoparafinscientíficosoualtruísticos”.Aduziuo
CoordenadordoProjetododiplomaque,“tratando-sedematériadepersicomplexaedesignificação
éticaessencial,foipreferidooenunciadodepoucasnormasdotadasderigoreclareza,cujosobjetivos
permitirãoosnaturaisdesenvolvimentosdadoutrinaedajurisprudência”.
8.FUNDAMENTOSECARACTERÍSTICAS
Certasprerrogativasindividuais,inerentesàpessoahumana,sempreforamreconhecidaspeladoutrina
epeloordenamentojurídico,bemcomoprotegidaspelajurisprudência.Sãodireitosinalienáveis,quese
encontramforadocomércio,equemerecemaproteçãolegal.
A Constituição Federal expressamente se refere aos direitos da personalidade, no art. 5º, X, que
proclama: “X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
asseguradoodireitoaindenizaçãopelodanomaterialoumoraldecorrentedesuaviolação”.OCódigo
Civil, por sua vez, preceitua, no art. 11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária”.São,também,inalienáveiseimprescritíveis.
9.DISCIPLINANOCÓDIGOCIVIL
OCódigoCivil,nocapítuloreferenteaosdireitosdapersonalidade,disciplinaosatosdedisposição
dopróprio corpo (arts. 13 e 14), o direito à não submissão a tratamentomédicode risco (art. 15), o
direitoaonomeeaopseudônimo(arts.16a19),aproteçãoàpalavraeàimagem(art.20)eaproteçãoà
intimidade(art.21).E,noart.52,preceitua:“Aplica-seàspessoasjurídicas,noquecouber,aproteção
dosdireitosdapersonalidade”.
9.1.OSATOSDEDISPOSIÇÃODOPRÓPRIOCORPO
Dispõe o art. 13 doCódigoCivil: “Salvo por exigênciamédica, é defeso o ato de disposição do
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes”. Acrescenta o parágrafo único: “O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante,naformaestabelecidaemleiespecial”.
Por sua vez, prescreve o art. 14: “É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição
gratuitadoprópriocorpo,notodoouemparte,paradepoisdamorte”.Aduzoparágrafoúnico:“Oatode
disposiçãopodeserlivrementerevogadoaqualquertempo”.
AleiespecialqueatualmentedisciplinaostransplanteséaLein.9.434,de4defevereirode1997,
que dispõe sobre “a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamentoedáoutrasprovidências”,comasalteraçõesdeterminadaspelaLein.10.211,de23demarço
de2001.
Oart.9º eparágrafosdaLein. 9.434/97, regulamentadapeloDecreton.2.268,de30de junhode
1997,permitemàpessoajuridicamentecapazdisporgratuitamentedetecidos,órgãosepartesdopróprio
corpovivo,parafinsterapêuticosouparatransplantes,desdequeoatonãorepresenteriscoparaasua
integridadefísicaementalenãocausemutilaçãooudeformaçãoinaceitável.Aretiradapostmortemé
disciplinadanosarts.3ºao9º.Acomercializaçãodeórgãosdocorpohumanoéexpressamentevedada
pelaConstituiçãoFederal(art.199,§4º).
Navisãodecorrentemaisconservadora,aovedaradisposiçãodoprópriocorposetalfatocontrariar
os bons costumes, o art. 13 do Código Civil, in fine, proíbe a ablação de órgãos do corpo humano
realizada em transexuais.AResolução n. 1.955/2010 doConselhoFederal deMedicina, todavia, não
considerailícitaarealizaçãodecirurgiasquevisamàadequaçãodosexo,autorizandoasuarealização.
AConstituiçãoFederal de1988, por suavez, em seu art. 5o,X, inclui entreosdireitos individuais a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, fundamento legal
autorizadordamudançadosexojurídicodetransexualquesesubmeteuacirurgiademudançadesexo,
poispatenteseuconstrangimentocadavezqueseidentificacomopessoadesexodiferentedaqueleque
aparenta ser. Em conformidade com tal posicionamento, aprovou-se, na IV Jornada de Direito Civil,
realizada pelo CJF/STJ, o Enunciado 276, retromencionado, do seguinte teor: “O art. 13 do Código
Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de
transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de
Medicina,eaconsequentealteraçãodoprenomeedosexonoRegistroCivil”.
9.2.OTRATAMENTOMÉDICODERISCO
“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervençãocirúrgica”(CC,art.15).
Aregraobrigaosmédicos,noscasosmaisgraves,anãoatuaremsempréviaautorizaçãodopaciente,
quetemaprerrogativadeserecusarasesubmeteraumtratamentoperigoso.Amatériatemrelaçãocom
aresponsabilidadecivildosmédicos,estudadano6ºvolume,tomoII,destaColeção.
9.3.ODIREITOAONOME
Odireitoeaproteçãoaonomeeaopseudônimosãoasseguradosnosarts.16a19doCódigoCivile
foramcomentadosnon.6.1,retro,aoqualnosreportamos.
9.4.APROTEÇÃOÀPALAVRAEÀIMAGEM
Atransmissãodapalavraeadivulgaçãodeescritos jáeramprotegidaspelaLein.9.610,de19de
fevereirode1998,quehojedisciplina todaamatéria relativaadireitosautorais.Oart.20doCódigo
Civil, considerando tratar-se de direitos da personalidade, prescreve que poderão ser proibidas, a
requerimentodoautoresemprejuízodaindenizaçãoquecouber,selheatingiremahonra,aboafamaou
a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, salvo se autorizadas, ou se necessárias à
administraçãodajustiçaouàmanutençãodaordempública.Complementaoparágrafoúnicoque,emse
“tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentesouosdescendentes”.
Omesmotratamentoédadoàexposiçãoouàutilizaçãodaimagemdeumapessoa,queoart.5º,X,da
ConstituiçãoFederalconsideraumdireito inviolável.Areproduçãodaimageméemanaçãodaprópria
pessoae somenteelapodeautorizá-la.ACartaMagna foi explícitaemassegurar, ao lesado,direitoa
indenizaçãopordanomaterialoumoraldecorrentedaviolaçãodaintimidade,davidaprivada,dahonra
eda imagemdaspessoas.Nos termosdo art. 20doCódigoCivil, a reproduçãode imagempara fins
comerciais,semautorizaçãodolesado,ensejaodireitoàindenização,aindaquenãolhetenhaatingidoa
honra,aboafamaouarespeitabilidade.
9.5.APROTEÇÃOÀINTIMIDADE
Dispõe o art. 21 do Código Civil: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrárioaestanorma”.Odispositivo,emconsonânciacomodispostonoart.5º,X,daConstituiçãoFe-
deral,suprarreferido,protegetodososaspectosdaintimidadedapessoa,concedendoaoprejudicadoa
prerrogativadepleitearquecesseoatoabusivoouilegal.
Casoodano,materialoumoral,játenhaocorrido,odireitoàindenizaçãoéasseguradoexpressamente
pelanormaconstitucionalmencionada.
CAPÍTULOIII
DAAUSÊNCIA
10.DACURADORIADOSBENSDOAUSENTE
Aausênciafoideslocadadolivrodo“DireitodeFamília”,ondesesituavanoCódigode1916,para
aParteGeraldoatual,ondeencontrasuasedenatural.
Ausenteéapessoaquedesaparecedeseudomicíliosemdarnotíciadeseuparadeiroesemdeixar
um representante ou procurador para administrar-lhe os bens (CC, art. 22). Nesse caso, o juiz, a
requerimentodequalquer interessado, oudoMinistérioPúblico, declarará a ausência, e nomear-lhe-á
curador.Tambémseráestenomeadoquandooausentedeixarmandatárioquenãoqueiraounãopossa
exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes (art. 23). “O cônjuge do
ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da
declaraçãodaausência,seráoseulegítimocurador.”Emfaltadecônjuge,aescolharecairá,emordem
preferencial,nospaisenosdescendentes.Dentreestes,osmaispróximosprecedemosmaisremotos.Na
faltadaspessoasmencionadas,ojuiznomearácuradordativo(CC,art.25,caputeparágrafos).
A situação do ausente passa por três fases. Na primeira, subsequente ao desaparecimento, o
ordenamento jurídico procura preservar os bens por ele deixados, para a hipótese de seu eventual
retorno.Éafasedacuradoriadoausente,emqueocuradorcuidadeseupatrimônio.Nasegundafase,
prolongando-se a ausência, o legislador passa a preocupar-se com os interesses de seus sucessores,
permitindo a abertura da sucessão provisória. Finalmente, depois de longo período de ausência, é
autorizadaaaberturadasucessãodefinitiva.
Acuradoriadoausenteficarestritaaosbens,nãoproduzindoefeitosdeordempessoal.Equipara-seà
morte(échamadade“mortepresumida”)somenteparaofimdepermitiraaberturadasucessão,masa
esposadoausentenãoéconsideradaviúva.Parasecasar,terádepromoverodivórcio,citandooausente
por edital, salvo se se tratar de pessoa voltada a atividades políticas e tiver sido promovida a
justificação prevista na Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979, que concedeu anistia aos políticos
envolvidosnaRevoluçãode1964.
Comunicadaaausênciaaojuiz,estedeterminaráaarrecadaçãodosbensdoausenteeosentregaráà
administraçãodo curadornomeado.Acuradoriadosbensdo ausenteprolonga-sepeloperíododeum
ano,duranteoqualserãopublicadoseditais“naredemundialdecomputadores,nosítiodotribunalaque
estivervinculadoenaplataformadeeditaisdoConselhoNacionaldeJustiça,ondepermaneceráporum
ano,ou,nãohavendosítio,noórgãooficialenaimprensadacomarca,duranteumano,reproduzidade
dois emdoismeses, anunciandoa arrecadaçãoe chamandooausente a entrarnapossede seusbens”
(CPC/2015,art.745).Decorridooprazo,semqueoausentereapareça,ousetenhanotíciadesuamorte,
ouseeledeixourepresentanteouprocurador,e,passandotrêsanos,poderãoosinteressadosrequerera
aberturadasucessãoprovisória(CC,art.26).
Cessaacuradoria:a)pelocomparecimentodoausente,doseuprocuradoroudequemorepresente;
b)pelacertezadamortedoausente;c)pelasucessãoprovisória.Aaberturadesta,comapartilhados
bensaosherdeiros,fazcessar,portanto,acuradoriadoausente.Daípordiante,segue-seoprocedimento
especialdos§§2º,3ºe4ºdoart.745doCódigodeProcessoCivil.
11.DASUCESSÃOPROVISÓRIA
Estão legitimados para requerer a abertura da sucessão provisória: a) o cônjuge não separado
judicialmente;b)osherdeirospresumidos,legítimosoutestamentários;c)osquetiveremsobreosbens
doausentedireitodependentedesuamorte;d)oscredoresdeobrigaçõesvencidasenãopagas(CC,art.
27).“Asentençaquedeterminaraaberturadasucessãoprovisóriasóproduziráefeitocentoeoitentadias
depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do
testamento,sehouver,eaoinventárioepartilhadosbens,comoseoausentefossefalecido”(art.28).
Osbensserãoentreguesaosherdeiros,porémemcaráterprovisórioecondicional,ouseja,desdeque
prestem garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões
respectivos. Se não o fizerem, não serão imitidos na posse, ficando os respectivos quinhões sob a
administraçãodocuradoroudeoutroherdeirodesignadopelojuizequepresteditagarantia.Porémos
ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão,
independentementedegarantia,entrarnapossedosbensdoausente(art.30eparágrafos).Osimóveisdo
ausentesósepoderãoalienar,nãosendopordesapropriação,ouhipotecar,quandooordeneojuiz,para
lhesevitararuína(art.31).
Odescendente,oascendenteouocônjugequeforsucessorprovisóriodoausentefaráseustodosos
frutos e rendimentos dos bens que couberem a este; os outros sucessores deverão capitalizar metade
desses frutos e rendimentos. Se o ausente aparecer, ficando provado que a ausência foi voluntária e
injustificada,perderáele,emfavordosucessor,suapartenosfrutoserendimentos(art.33eparágrafo
único).Seoausenteaparecer,ouselheprovaraexistência,depoisdeestabelecidaaposseprovisória,
cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando obrigados a tomar medidas
assecuratóriasprecisas,atéàentregadosbensaseudono(art.36).
Cessaráasucessãoprovisóriapelocomparecimentodoausenteeconverter-se-áemdefinitiva:
a)quandohouvercertezadamortedoausente;b)dezanosdepoisdepassadaemjulgadoasentençade
aberturadasucessãoprovisória;c)quandooausentecontaroitentaanosdeidadeehouveremdecorridos
cincoanosdasúltimasnotíciassuas(CC,arts.37e38).
12.DASUCESSÃODEFINITIVA
Poderãoosinteressados,dezanosdepoisdepassadaemjulgadoasentençaqueconcedeuaabertura
dasucessãoprovisória,requereradefinitivaeolevantamentodascauçõesprestadas.Tambémpodeser
requerida a sucessão definitiva provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade e decorreram
cincoanosdasúltimasnotíciassuas.
Ossucessoresdeixamdeserprovisórios,adquirindoodomíniodosbens,masresolúvel,porqueseo
ausenteregressarnosdezanosseguintesàaberturadasucessãodefinitiva,oualgumdeseusdescendentes
ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-
rogadosemseulugar,ouopreçoqueosherdeirosedemaisinteressadoshouveremrecebidopelosbens
alienados depois daquele tempo. Se, entretanto, o ausente não regressar nesses dez anos, e nenhum
interessadopromoverasucessãodefinitiva,osbensarrecadadospassarãoaodomíniodoMunicípioou
doDistritoFederal,selocalizadosnasrespectivascircunscrições,incorporando-seaodomíniodaUnião,
quandosituadosemterritóriofederal(CC,art.39eparágrafoúnico).
QUADROSINÓTICO–PESSOANATURAL
1.Conceito Éoserhumanoconsideradosujeitodedireitosedeveres(CC,art.1o).Paraserpessoa,bastaexistir.
2.Capaci-Conceito:éamaioroumenorextensãodosdireitosdeumapessoa.É,portanto,amedidadapersonalidade.
dade Espécies:a)dedireitooudegozo,queéaaptidãoquetodospossuem(CC,art.1o)deadquirirdireitos;b)defatooudeexercício,queéaaptidãoparaexercer,porsisó,osatosdavidacivil.
3.Incapaci-
dade
Conceito Éarestriçãolegalaoexercíciodosatosdavidacivil.
Espécies
Absoluta
Aqueacarretaaproibiçãototaldoexercíciodosatosdavidacivil(art.3o).Oatosomentepoderáserpraticadopelorepresentantelegaldoincapaz,sobpenadenulidade(art.166,I).
Éocasodosmenoresde16anos(art.3o).
Relativa Aquepermitequeoincapazpratiqueatosdavidacivil,desdequeassistido,sobpenadeanulabilidade(art.171,I).Éocaso
3.Incapaci-
dade
Espécies Relativa
dos maiores de 16 e menores de 18 anos, dos ébrios habituais etoxicômanos,dosque,por causa transitóriaoupermanente,nãopuderemexprimir suavontade,edospródigos (art. 4o, I a IV).Certosatos,porém,podemosmaioresde16emenoresde18anospraticarsemaassistênciadeseu representante legal, como,v.g., fazer testamento (art.1.860)esertestemunha(art.228,I).
Cessaçãodaincapacidade
Cessa a incapacidade quando desaparece a sua causa. Se esta for a menoridade,cessaráemdoiscasos:a)pelamaioridade,aos18anos;eb)pelaemancipação,quepodeservoluntária,judicialelegal(art.5oeparágrafoúnico).
4.Começodapersonalida-
denatural
Apersonalidadecivildapessoacomeçadonascimentocomvida—oqueseconstatapelarespiração.Antesdonascimentonãohápersonalidade.Masoart.2odoCódigoCivilressalvaosdireitosdonascituro,desdeaconcepção.Nascendocomvida,aindaquevenhaafalecerinstantesdepois,asuaexistência,notocanteaosseus interesses, retroage ao momento de sua concepção. Encontrando-se os seus direitos em estadopotencial,sobcondiçãosuspensiva,onascituropodepraticaratosnecessáriosàsuaconservação,comotitulardedireitoeventual(art.130).
5.Individua-
lizaçãodapessoanatural
Pelonome ConceitoNomeéadesignaçãopelaqualapessoaseidentificanoseiodafamíliaedasociedade.
5.Individua-
lizaçãodapessoanatural
Pelonome
Elementos
Prenomeesobrenome(CC,art.16).Algumaspessoastêmoagnome,sinalque distingue pessoas de umamesma família (Júnior, Neto). Axiônimo édesignaçãoquesedáà formacortêsde tratamento (Sr.,Dr.).Oprenomepodeserlivrementeescolhidopelospais,desdequenãoexponhaofilhoaoridículo(LRP,art.55,parágrafoúnico).Osobrenomeindicaaorigemfamiliardapessoa.
Alteração
a)quandohouvererrográficoemudançadesexo;
b)quandoexpuserseuportadoraoridículo;
c)quandohouverapelidopúbliconotório;
d)quandohouvernecessidadedeprotegertestemunhasdecrimes;
e)emcasodehomonímia;
f)quandohouverprenomedeuso;
g) em caso de tradução de nomes estrangeiros, de adoção, dereconhecimento de filho, de casamento e de dissolução da sociedadeconjugal.
Peloestado Conceito Estado é a soma das qualificações da pessoa na sociedade, hábeis aproduzirefeitosjurídicos.Éoseumodoparticulardeexistir.
5.Individua-
lizaçãodapessoanatural
Peloestado
Aspectos
Individual:dizrespeitoàscaracterísticasfísicasdapessoa(idade,sexo,cor,altura).
Familiar: indicaa suasituaçãona família, em relaçãoaomatrimônioeaoparentesco.
Político:concerneàposiçãodoindivíduonasociedadepolítica.
Caracteres
Indivisibilidade:oestadoéunoeindivisíveleregulamentadopornormasdeordempública.
Indisponibilidade: trata-se de bem fora do comércio, inalienável eirrenunciável.
Imprescritibilidade:nãoseperdenemseadquireoestadopelaprescrição.
Pelodomicílio
Conceito Domicílio é a sede jurídica da pessoa.É o local onde responde por suasobrigações.
Espécies
a)Necessáriooulegal:éodeterminadopelalei.
b) Voluntário, que pode ser geral ou especial. Geral, quando escolhidolivrementepelapessoa.Oespecialpodeseroforodocontrato(CC,art.78)eoforodeeleição(CPC/2015,arts.62e63).
Mudança Muda-seodomicílio,transferindoaresidênciacomaintençãomanifestadeomudar(CC,art.74).
6.Extinçãodapersonalida-
denatural
a)Mortereal(CC,art.6o,1aparte).
b)Mortesimultâneaoucomoriência(art.8o).
c)Mortepresumida(art.6o,2aparte).
d)Mortecivil(art.1.816).
7.Direitosdapersonali-
dade
Conceito São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a suaintegridadefísica(vida,corpo),intelectualemoral.
Características Os direitos da personalidade são inalienáveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, absolutos(oponíveisergaomnes),impenhoráveisevitalícios.
DisciplinanoCódigoCivil
OCódigoCivildisciplina:
a)osatosdedisposiçãodoprópriocorpo(arts.13e14);
b)odireitoànãosubmissãoatratamentomédicoderisco(art.15);
c)odireitoaonomeeaopseudônimo(arts.16a19);
d)aproteçãoàpalavraeàimagem(art.20);
e)aproteçãoàintimidade(art.21).
8.Daausên-
cia
Conceito Ausenteéapessoaquedesaparecedeseudomicíliosemdarnotíciadeseuparadeiroesemdeixarumrepresentanteouprocuradorparaadministrar-lheosbens(art.22).
Fases
Asituaçãodoausentepassaportrêsfases:
a)fasedacuradoria(arts.22a25);
b)fasedasucessãoprovisória(arts.26a36);
c)fasedasucessãodefinitiva(arts.37a39).
TÍTULOII
DASPESSOASJURÍDICAS
13.CONCEITO
Pessoasjurídicassãoentidadesaquealeiemprestapersonalidade,capacitando-asaseremsujeitos
de direitos e obrigações. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com
personalidadediversadados indivíduosqueascompõem(CC,art.50,acontrariosensu).Cadapaís
adota uma denominação para essas entidades.Na França, chamam-se “pessoasmorais”. EmPortugal,
“pessoascoletivas”.NoBrasil,naEspanhaenaItáliapreferiu-seaexpressão“pessoasjurídicas”.
14.NATUREZAJURÍDICA
Váriasteoriasprocuramexplicaressefenômeno,peloqualumgrupodepessoaspassaaconstituiruma
unidade orgânica, com individualidade própria reconhecida pelo Estado e distinta das pessoas que a
compõem.Podemserreunidasemdoisgrupos:odasteoriasdaficçãoeodasteoriasdarealidade.
14.1.TEORIASDAFICÇÃO
Podemserda“ficçãolegal”eda“ficçãodoutrinária”.Paraaprimeira,desenvolvidaporSavigny,a
pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei. Para a segunda, uma criação dos juristas, da
doutrina.
Ambasnãosãoaceitas.AcríticaqueselhesfazéadequeoEstadoéumapessoajurídica.Dizer-se
queoEstadoéumaficçãoéomesmoquedizerqueodireito,quedeleemana,tambémoé.
14.2.TEORIASDAREALIDADE
Opõem-seàsdoprimeirogrupoesedividemem:
a)Teoriadarealidadeobjetiva—Sustentaqueapessoajurídicaéumarealidadesociológica,sercomvidaprópria,quenasceporimposiçãodasforçassociais.Acríticaqueselhefazéadequeosgrupossociaisnãotêmvidaprópria,personalidade,queécaracterísticadoserhumano.
b) Teoria da realidade jurídica (ou institucionalista, de Hauriou)— Assemelha-se à da realidadeobjetiva.Consideraaspessoasjurídicasorganizaçõessociaisdestinadasaumserviçoouofício,eporissopersonificadas.Mereceamesmacríticafeitaàquela.Nadaesclarecesobreassociedadesqueseorganizamsemafinalidadedeprestarumserviçooudepreencherumofício.
c)Teoriadarealidadetécnica—Entendemseusadeptos,especialmenteIhering,queapersonificaçãodosgrupossociaiséexpedientedeordemtécnica,aformaencontradapelodireitoparareconheceraexistênciadegruposdeindivíduos,queseunemnabuscadefinsdeterminados.
15.REQUISITOSPARAACONSTITUIÇÃODAPESSOAJURÍDICA
Sãotrês:vontadehumanacriadora(intençãodecriarumaentidadedistintadadeseusmembros),
observância das condições legais (instrumento particular ou público, registro e autorização ou
aprovaçãodoGoverno)eliceidadedosseusobjetivos(objetivosilícitosounocivosconstituemcausa
deextinçãodapessoajurídica—cf.CC,art.69).
Avontadehumanamaterializa-senoatodeconstituição,quesedenominaestatuto,emsetratando
de associações (sem fins lucrativos); contrato social, em se tratando de sociedades, simples ou
empresárias(antigamentedenominadascivisecomerciais);eescriturapúblicaoutestamento,emse
tratandodefundações(CC,art.62).
Oatoconstitutivodeveser levadoa registro paraquecomece, então, a existência legaldapessoa
jurídicadedireitoprivado(CC,art.45).Antesdoregistro,nãopassarádemera“sociedadedefato”ou
“sociedade não personificada”, equiparada por alguns ao nascituro, que já foi concebidomas que só
adquirirápersonalidade senascer comvida.Nocasodapessoa jurídica, seo seuato constitutivo for
registrado.
Oregistrodocontratosocialdeumasociedadeempresáriafaz-senaJuntaComercial.Osestatutose
os atos constitutivos das demais pessoas jurídicas de direito privado são registrados no Cartório de
RegistroCivildasPessoasJurídicas(CC,art.1.150;LRP,arts.114es.).Masosdassociedadessimples
deadvogadossópodemserregistradosnaOAB—OrdemdosAdvogadosdoBrasil(EAOAB,arts.15e
16,§3º).Algumaspessoasjurídicasprecisam,ainda,deautorizaçãoouaprovaçãodoPoderExecutivo
(CC,art.45),comoasseguradoras,asinstituiçõesfinanceiras,asadministradorasdeconsórciosetc.O
cancelamentodoregistrodapessoa jurídica,noscasosdedissoluçãooucassaçãodaautorizaçãopara
seufuncionamento,nãosepromove,medianteaverbação,noinstanteemqueédissolvida,masdepoisde
encerradasualiquidação(art.51).
Prescreveoart.75,IX,donovoCódigodeProcessoCivilqueserãorepresentadasemjuízo,ativae
passivamente, “a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade
jurídica,pelapessoaaquemcouberaadministraçãodosseusbens”.
16.CLASSIFICAÇÃODAPESSOAJURÍDICA
Divide-seapessoajurídica:
a)Quantoànacionalidade,emnacionaleestrangeira.
b) Quanto à estrutura interna, em corporação (universitas personarum: conjunto ou reunião depessoas)efundação(universitasbonorum:reuniãodebens).Oqueasdistingueéqueascorporaçõesvisamàrealizaçãodefinsinternos,estabelecidospelossócios.Osseusobjetivossãovoltadosparaobem dos seus membros. As fundações, ao contrário, têm objetivos externos, estabelecidos peloinstituidor.Nas corporações tambémexiste patrimônio,mas é elemento secundário, apenas ummeioparaarealizaçãodeumfim.Nasfundações,opatrimônioéelementoessencial.
Ascorporaçõesdividem-seemassociaçõesesociedades.Estas, como jádissemos,podemser
simples e empresárias, antigamente denominadas civis e comerciais. Como no sistema do Código
Civiltodasassociedadessãocivis,optouolegisladorpelanovadesignaçãosupramencionada(cf.art.
982). As associações não têm fins lucrativos, mas morais, culturais, desportivos ou beneficentes.
Destaqueespecialdeveserdadoàprevisãodaexclusãodeassociado,que“sóéadmissívelhavendo
justacausa,assimreconhecidaemprocedimentoqueasseguredireitodedefesaederecurso,
nos termos previstos no estatuto”, conforme dispõe o art. 57 do Código Civil, com a redação
conferida pela Lei n. 11.127, de 28-6-2005. A referida lei revogou o parágrafo único e suprimiu a
segunda parte do dispositivo, segundo a qual, sendo omisso o estatuto, poderia também ocorrer a
exclusão do associado se fosse reconhecida a existência de motivos graves, em deliberação
fundamentada,pelamaioria absolutadospresentes àAssembleiaGeral especialmente convocadapara
essefim.
Associedadessimplestêmfimeconômicoevisamlucro,quedeveserdistribuídoentreossócios.
Sãoconstituídas,emgeral,porprofissionaisdeumamesmaárea(grandesescritóriosdeengenharia,de
advocacia etc.) ouporprestadoresde serviços técnicos.Mesmoque eventualmentevenhamapraticar
atosprópriosdeempresários, tal fatonãoalteraa suasituação,poisoqueseconsideraéaatividade
principal por elas exercida. As sociedades empresárias também visam lucro. Distinguem-se das
sociedades simples porque têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito ao
registro previsto no art. 967 do Código Civil. Aplicam-se-lhes, no que couber, as disposições
concernentesàsassociações(art.44,§2º).
As fundações constituem um acervo de bens, que recebe personalidade para a realização de fins
determinados.Compõem-sededoiselementos:opatrimônioeofim(estabelecidopeloinstituidorenão
lucrativo). Somente poderão constituir-se para fins de “I—assistência social; II—cultura, defesa e
conservaçãodopatrimôniohistóricoeartístico;III—educação;IV—saúde;V—segurançaalimentare
nutricional;VI—defesa,preservaçãoeconservaçãodomeioambienteepromoçãododesenvolvimento
sustentável; VII— pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de
sistemasdegestão,produçãoedivulgaçãodeinformaçõeseconhecimentostécnicosecientíficos;VIII—
promoçãodaética,dacidadania,dademocraciaedosdireitoshumanos;IX—atividadesreligiosas;eX
—(vetado) (art.62,parágrafoúnico).A limitação, inexistentenoCódigode1916, temavantagemde
impedir a instituiçãode fundaçõespara finsmenosnobresoumesmo fúteis.Os atosde administração
podem ser praticados em desacordo com os estatutos e as normas legais reguladoras, sujeitando os
administradores à responsabilidade administrativa, civil ou penal. “Pelas características de uma
fundaçãoprivada,sobretudoporlidarcomumpatrimôniovinculadoaumafinalidadesocial,épossível
dizer que a administração da entidade está adstrita aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade,publicidade,economicidadeedaeficiência (art.4º, I,daLein.9.790/99)”(GustavoSaad
Diniz,Direitodasfundaçõesprivadas,p.400).
Aformaçãodeumafundaçãopassaporquatrofases:
1)Ado ato de dotação ou de instituição (reserva de bens livres, com indicaçãodos fins a que se
destinam—CC,art.62).Faz-seporescriturapúblicaouportestamento.
2)Adaelaboraçãodosestatutos.Aelaboraçãopodeserdiretaouprópria(pelopróprioinstituidor)
oufiduciária (porpessoadesuaconfiança,poreledesignada).Seo instituidornãoelaboraoestatuto,
nemindicaquemdevafazê-lo,oMinistérioPúblicopoderátomarainiciativa.Omesmoacontecerásea
pessoadesignadanãocumpriro referidoencargo,noprazoque lhe foiassinaladopelo instituidor,ou,
nãohavendoprazo,dentroemcentoeoitentadias(CC,art.65eparágrafoúnico).
3) A da aprovação dos estatutos. Os estatutos são encaminhados ao Ministério Público para
aprovação. Antes, verificará se o objeto é lícito (CC, arts. 65, 66 e 69; LRP, art. 155), se foram
observadasasbasesfixadaspeloinstituidoreseosbenssãosuficientes(art.63).OMinistérioPúblico,
emquinzedias,aprovaráoestatuto, indicarámodificaçõesqueentendernecessáriasou lhedenegaráa
aprovação.Nosdoisúltimoscasos,podeointeressadorequereraojuizosuprimentodaaprovação(CC,
art. 65).O juiz, antes de suprir a aprovação, poderá também fazermodificações no estatuto, a fimde
adaptá-lo aos fins pretendidos pelo instituidor.Qualquer alteração nos estatutos deve ser submetida à
aprovaçãodoMinistérioPúblico,devendo-seobservarosrequisitosdosarts.67doCódigoCivile764
donovoCódigodeProcessoCivil.Osbensdafundaçãosãoinalienáveis.Masainalienabilidadenãoé
absoluta.Comprovadaanecessidadedaalienação,podeserestaautorizadapelo juizcompetente,com
audiênciadoMinistérioPúblico,aplicando-seoprodutodavendanaprópriafundação,emoutrosbens
destinados à consecuçãode seus fins. Feita semautorização judicial é nula.Comautorização judicial
podeserfeita,aindaqueainalienabilidadetenhasidoimpostapeloinstituidor.
4)Adoregistro.Indispensáveloregistro,quesefaznoRegistroCivildasPessoasJurídicas.Sócom
elecomeçaafundaçãoaterexistêncialegal.
As fundações extinguem-se nas seguintes hipóteses: a) se se tornar ilícito o seu objeto; b) se for
impossívelasuamanutenção;c)quandovenceroprazodesuaexistência(CPC,art.765;CC,art.69).
Nessescasos,opatrimônioteráodestinoprevistopeloinstituidor,noatoconstitutivo.Senãofoifeita
essaprevisão,oart.69doCódigoCivildeterminaquesejaincorporadoemoutrafundação(municipal,
estadualoufederal—cf.art.61),designadapelojuiz,queseproponhaafimigualousemelhante.Alei
não esclarece qual o destino do patrimônio, se não existir nenhuma fundação de fins iguais ou
semelhantes.Nessecaso,entendeadoutrinaqueosbensserãodeclaradosvagosepassarão,então,ao
Município ou ao Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao
domínio daUnião quando situados em território federal, aplicando-se por analogia o disposto no art.
1.822doCódigoCivil;
c)quantoàfunção(ouàórbitadesuaatuação),aspessoasjurídicasdividem-seem:dedireitopúblicoededireitoprivado.
c1)Asdedireitopúblicopodemser:dedireitopúblicoexterno(CC,art.42:asdiversasNações,
inclusive aSantaSé, todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, inclusive
organismos internacionais,comoaONU,aOEA,aUnesco,aFAOetc.)ededireito público interno.
Estas podem ser (art. 41): da administração direta (União, Estados, Distrito Federal, Territórios,
Municípios) e da administração indireta (autarquias, inclusive as associações públicas, fundações
públicasedemaisentidadesdecaráterpúblicocriadasporlei).Sãoórgãosdescentralizados,criadospor
lei,compersonalidadeprópriaparaoexercíciodeatividadedeinteressepúblico.
c2)Aspessoasjurídicasdedireitoprivadosãoascorporações(associações,sociedadessimplese
empresárias, organizações religiosas, partidos políticos, sindicatos, empresas individuais de
responsabilidadelimitada)easfundaçõesparticulares(CC,art.44;CLT,arts.511e512;CF,art.8º;
Lein.12.441,de12-7-2011).Asempresaspúblicaseassociedadesdeeconomiamistasujeitam-seao
regimeprópriodasempresasprivadas(CF,art.173,§1º).
17.DESCONSIDERAÇÃODAPERSONALIDADEJURÍDICA
O ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da dos seusmembros.
Essaregra,entretanto,temsidomalutilizadaporpessoasinescrupulosas,comaintençãodeprejudicar
terceiros,asquaisseutilizamdapessoajurídicacomoumaespéciede“capa”ou“véu”paraprotegeros
seusnegóciosescusos.
A reação a esses abusos ocorreu no mundo todo, dando origem à teoria da desconsideração da
personalidadejurídica(nodireitoanglo-saxão,comonomededisregardofthelegalentity).Permitetal
teoriaqueojuiz,emcasosdefraudeedemá-fé,desconsidereoprincípiodequeaspessoasjurídicas
têmexistênciadistintadadosseusmembroseosefeitosdessaautonomiaparaatingirevincularosbens
particularesdossóciosàsatisfaçãodasdívidasdasociedade.
ComonoBrasilnãoexistianenhumaleiqueexpressamenteautorizasseaaplicaçãodetalteoriaentre
nós,valiam-seos tribunais,paraaplicá-la, analogicamente,da regradoart.135doCódigoTributário
Nacional,queresponsabilizapessoalmenteosdiretores,gerentesourepresentantesdepessoasjurídicas
dedireitoprivadoporcréditoscorrespondentesaobrigações tributárias resultantesdeatospraticados
com“excessodepoderesouinfraçãodelei,contratosocialouestatutos”.
Atualmente, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 28 e seus parágrafos, autoriza o juiz a
desconsiderar apersonalidade jurídicada sociedadeemcasosde abusodedireito, excessodepoder,
infraçãodalei,fatoouatoilícitoouviolaçãodosestatutosoucontratosocial,bemcomonoscasosde
falência, insolvência, encerramento da pessoa jurídica provocado por má administração. E, ainda,
sempre que a personalidade da pessoa jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízoscausadosaosconsumidores.
Dentreasregrasdisciplinadorasdavidaassociativaemgeral,previstasnoCódigoCivil,destaca-sea
quedispõe sobrea repressãodouso indevidodapersonalidade jurídica,quandoesta fordesviadade
seusobjetivossocioeconômicosparaapráticadeatosilícitos,ouabusivos.Prescreve,comefeito,oart.
50: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusãopatrimonial,podeojuizdecidir,arequerimentodaparte,oudoMinistérioPúblicoquandolhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidosaosbensparticularesdosadministradoresousóciosdapessoajurídica”.
Observa-sequeadesconsideraçãodapersonalidadejurídicanãodecorresomentedodesviodosfins
estabelecidosnocontratosocialounosatosconstitutivos,podendooabusotambémconsistirnaconfusão
entreopatrimôniosocialeodossóciosouadministradores.Osseusefeitossãomeramentepatrimoniais
e sempre relativos a obrigações determinadas, pois a pessoa jurídica não entra em processo de
liquidação.O emprego da expressão “relações de obrigação” demonstra que o direito do demandante
tantopodeserfundadoemcontratocomoemumilícitocivil.
Caracteriza-seadesconsideraçãoinversaquandoéafastadooprincípiodaautonomiapatrimonial
dapessoajurídicapararesponsabilizarasociedadeporobrigaçãodosócio,comonahipótesedeumdos
cônjuges,aoadquirirbensdemaiorvalor,registrá-losemnomedepessoajurídicasobseucontrole,para
livrá-losdapartilhaaserrealizadanosautosdaseparaçãojudicial.
Écomumverificar,nasrelaçõesconjugaisedeuniõesestáveis,queosbensadquiridosparausodos
consortesoucompanheiros,móveis e imóveis, encontram-se registradosemnomedeempresasdeque
participaumdeles.ComoobservaGuillermoJulioBorda,éfácilencontrar,nasrelaçõesafetivasentre
marido emulher, “manobras fraudatórias de um dos cônjuges que, valendo-se da estrutura societária,
esvazia o patrimônio da sociedade conjugal em detrimento do outro (nomais das vezes omarido em
prejuízodaesposa)e,assim,comcolaboraçãodeterceiro,reduzemazeroopatrimôniodocasal”(La
personajurídicayelcorrimientodelvelosocietario,p.85).
Apropósito,afirmouoSuperiorTribunaldeJustiça:
“Considerando-se que a finalidade dadisregarddoctrineé combater a utilização indevida do ente
societárioporseussócios,oquepodeocorrertambémnoscasosemqueosóciocontroladoresvaziao
seupatrimôniopessoaleointegralizanapessoajurídica,conclui-se,deumainterpretaçãoteleológicado
art.50doCC/02,serpossíveladesconsideraçãoinversadapersonalidadejurídica,demodoaatingir
bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os
requisitosprevistosnanorma”(REsp948.117-MS,3ªT.,DJE3-8-2010).
É possível aplicar a disregard doctrine no processo de execução, sem necessidade de processo
autônomo,quandonãoencontradosbensdodevedoreestiverempresentesospressupostosqueautorizam
asuainvocação,requerendo-seapenhoradiretamenteembensdosócio(oudasociedade,emcasode
desconsideraçãoinversa).Oredirecionamentodaaçãoexige,contudo,citaçãodonovoexecutado,senão
participoudalide.Proclama,todavia,aSúmula430doSuperiorTribunaldeJustiça:“Oinadimplemento
da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio- -
gerente”. A mesma Corte editou também a Súmula 435, concernente ao mesmo tema: “Presume-se
dissolvidairregularmenteaempresaquedeixardefuncionarnoseudomicíliofiscal,semcomunicação
aosórgãoscompetentes,legitimandooredirecionamentodaexecuçãofiscalparaosócio-gerente”.
Oart. 133, § 2º, do novoCódigo deProcessoCivil, ao tratar do incidente da desconsideração da
personalidade jurídica,proclama:“Aplica-seodispostonesteCapítuloàhipótesededesconsideração
inversadapersonalidadejurídica”.A4ªTurmadoSuperiorTribunaldeJustiça,alinhando-seàposição
jáadotadapela3ªTurma(ambascompõema2ªSeção),decidiuqueapessoajurídicatemlegitimidade
para impugnar a desconsideração de sua personalidade jurídica, especialmente quando a empresa se
distancia de sua finalidade original, de forma fraudulenta, e isso afeta seu patrimônio moral (in
www.conjur.com.brde20-5-2015).
Talentendimentoaplica-sesobretudoàshipótesesdedesconsideraçãoinversa.
18.RESPONSABILIDADECIVILDASPESSOASJURÍDICAS
No tocante à responsabilidade contratual, as pessoas jurídicas em geral, desde que se tornem
inadimplentes, respondem por perdas e danos (CC, art. 389). No campo da responsabilidade
extracontratual,aspessoasjurídicasdedireitoprivado(corporaçõesefundações)respondemcivilmente
pelosatosdeseusprepostos,tenhamounãofinslucrativos(CC,arts.186e932,III).
Aresponsabilidadecivildaspessoasjurídicasdedireitopúblicopassoupordiversasfases:a)ada
irresponsabilidadedoEstado,representadapelafraseuniversalmenteconhecida:TheKingcandonot
wrong; b) a fasecivilista, representada pelo art. 15 do Código Civil de 1916, que responsabilizava
civilmenteaspessoasjurídicasdedireitopúblicopelosatosdeseusrepresentantes,quenessaqualidade
causassemdanosaterceiros;nessafase,avítimatinhaoônusdeprovarculpaoudolodofuncionário;
assegurou-seaoEstadoaçãoregressivacontraesteúltimo;c)afasepublicista,apartirdaConstituição
Federalde1946,quandoaquestãopassouaser tratadaemníveldedireitopúblico, regulamentadana
Constituição Federal. A responsabilidade passou a ser objetiva, mas na modalidade do risco
administrativo(nãoadoriscointegral,emqueoEstadorespondeemqualquercircunstância).Assim,a
vítimanãotemmaisoônusdeprovarculpaoudolodofuncionário.Masadmite-seainversãodoônusda
prova.OEstadoseexonerarádaobrigaçãodeindenizarseprovarculpaexclusivadavítima,forçamaior
efatoexclusivodeterceiro.Emcasodeculpaconcorrentedavítima,aindenizaçãoseráreduzidapela
metade.AlgunsautoresafirmamqueasnossasConstituiçõesadotarama teoriadorisco integral (v. g.,
WashingtondeBarrosMonteiro,MariaHelenaDiniz).Mas trata-se deumequívoco apenasdeordem
semântica,porqueadmitemqueoEstadopodeprovarculpaexclusivadavítimaouforçamaior,paranão
indenizar.
Atualmente,oassuntoestá regulamentadonoart.37,§6º,daConstituiçãoFederal,que trouxeduas
inovaçõesemrelaçãoàsConstituiçõesanteriores: substituiuaexpressão“funcionários”por“agentes”,
mais ampla, e estendeu essa responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito privado
prestadorasde serviçospúblicos (concessionárias,permissionárias).Oart.43doCódigoCivil,nesse
diapasão, proclama: “Aspessoas jurídicas dedireito público interno são civilmente responsáveis por
atosdosseusagentesquenessaqualidadecausemdanosaterceiros,ressalvadodireitoregressivocontra
oscausadoresdodano,sehouver,porpartedestes,culpaoudolo”.
Emboraalgunsautoresentendamqueaaçãosópodesermovidacontraapessoajurídicaenãocontra
o funcionário, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que as ações fundadas na responsabilidade
objetivasópodemserajuizadascontraapessoajurídica.Mas,seoautorsedispõeaprovaraculpaou
dolo do servidor (responsabilidade subjetiva), abrindo mão de uma vantagem, poderá movê-la
diretamentecontraocausadordodano,principalmenteporqueaexecuçãocontraoparticularémenos
demorada,nãosujeitaaexpediçãodeprecatório.Sepreferirmovê-lacontraambos,terátambémdearcar
comoônusdedescreveramodalidadedeculpadofuncionárioedeprovarasuaexistência.
O Superior Tribunal de Justiça tem proclamado ser possível, por expressa disposição legal e
constitucional,adenunciaçãodalideaofuncionário,mesmoqueoEstado,nacontestação,alegueculpa
exclusiva da vítima, sendo defeso ao juiz condicioná-la à confissão de culpa do denunciante (cf.RT,
759:41).Tem repelido, portanto, a corrente restritivista, quenão admite a denunciaçãoda lidenesses
casos,porqueadiscussãosobreaculpaoudolonalidesecundária(entreoEstadoeoseufuncionário,
regressivamente)seriaintroduzirumelementonovonademanda,retardandoasoluçãodalideprincipal
entre a vítima e o Estado. E também porque se entende não ser correto o Estado assumir posições
antagônicasnomesmoprocesso:nalideprincipal,aocontestar,alegandoculpaexclusivadavítima;e,na
lidesecundária,atribuindoculpaoudoloaoseufuncionário.
Cabe ação contra o Estado mesmo quando não se identifique o funcionário causador do dano,
especialmentenoscasosdeomissãodaAdministração.Essescasossãochamadosde“culpaanônimada
administração”(enchentesemSãoPaulo,quenãoforamsolucionadaspelasdiversasadministraçõesque
acidadeteve).MalgradoaopiniãodeBandeiradeMello,nosentidodequeoEstadosomenteresponde
deformaobjetivanoscasosdeação(nãodeomissão),ajurisprudêncianãofazessadistinção.
19.EXTINÇÃODAPESSOAJURÍDICA
Terminaaexistênciadapessoajurídicapelasseguintescausas(CC,arts.54,VI,2ªparte,e1.033e
s.):convencional(pordeliberaçãodeseusmembros,conformequorumprevistonosestatutosounalei);
legal (em razão de motivo determinante na lei — art. 1.034); administrativa (quando as pessoas
jurídicasdependemdeaprovaçãoouautorizaçãodoPoderPúblicoepraticamatosnocivosoucontrários
aosseusfins.PodehaverprovocaçãodequalquerdopovooudoMP);natural(resultadamortedeseus
membros,senãoficouestabelecidoqueprosseguirácomosherdeiros);e judicial(quandoseconfigura
algumdoscasosdedissoluçãoprevistosemleiounoestatutoeasociedadecontinuaaexistir,obrigando
umdossóciosaingressaremjuízo).
TÍTULOIII
DODOMICÍLIO
20.DOMICÍLIODAPESSOANATURAL
Como afirmado anteriormente (n. 6.3, retro), a palavra “domicílio” tem um significado jurídico
importante, tanto no Código Civil como no estatuto processual civil. É, em geral, no foro de seu
domicílioqueoréuéprocuradoparasercitado.
20.1.CONCEITO
Domicílio é a sede jurídicadapessoa, onde ela se presumepresente para efeitos dedireito.Onde
pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos.É o local onde responde por suas obrigações.É
conceitojurídico(CC,arts.327e1.785;CPC/2015,art.46).
OCódigoCivil,noart.70,consideradomicílioolugarondeapessoaestabeleceasuaresidênciacom
ânimo definitivo. A residência é, portanto, um elemento do conceito de domicílio, o seu elemento
objetivo.Oelementosubjetivoéoânimodefinitivo.OCódigoCivilbrasileiroadotouomodelosuíço.
Domicílio também não se confunde com habitação ou moradia, local que a pessoa ocupa
esporadicamente(casadepraia,decampo).
Umapessoapodeterumsódomicílioeváriasresidências.Podeter tambémmaisdeumdomicílio,
pois oCódigoCivil admite a pluralidade domiciliar. Para tanto, basta que tenha diversas residências
ondealternadamenteviva(CC,art.71).DiversamentedoquedispunhaoCódigoCivilde1916,oatual
nãomais consideradomicílioocentrodeocupaçãohabitual. É certo, porém, que esteCódigo não
afasta totalmenteocentrodeocupaçãohabitualdoconceitodedomicílio,poisconsagra,noart.72,o
domicílio profissional, nestes termos: “É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações
concernentesàprofissão,olugarondeestaéexercida.Parágrafoúnico.Seapessoaexercitarprofissão
emlugaresdiversos,cadaumdelesconstituirádomicílioparaasrelaçõesquelhecorresponderem”.É
possível,também,segundooart.73,alguémterdomicíliosemterresidênciafixa(domicílioocasional).
Éocasodosciganoseandarilhos,oudecaixeiros-viajantes,quepassamavidaemviagensehotéise,
porisso,nãotêmresidênciahabitual.Considera-sedomicílioolugarondeforemencontrados.
20.2.ESPÉCIES
O domicílio pode ser voluntário ou necessário (legal). O voluntário pode ser geral (fixado
livremente)ouespecial(fixadocombasenocontrato:forocontratualoudeeleição).Ogeraloucomum,
escolhidolivremente,podesermudado,conformeprescreveoart.74.Odocontratoéprevistonoart.78
do Código Civil, e o de eleição nos arts. 62 e 63 do Código de Processo Civil. A parte por este
beneficiada pode abrir mão do benefício e ajuizar a ação no foro do domicílio do réu. Não se tem
admitidoo forode eleiçãonos contratosde adesão, salvodemonstrando-se a inexistênciadeprejuízo
paraoaderente.
Domicílionecessáriooulegaléodeterminadopelalei,emrazãodacondiçãoousituaçãodecertas
pessoas.Assim,orecém-nascidoadquireodomicíliodeseuspais,aonascer,poisosincapazesemgeral
têmodomicíliodeseusrepresentantesouassistentes;oservidorpúblicotempordomicílioolugarem
que exerce permanentemente suas funções, não perdendo, contudo, o domicílio voluntário, se o tiver
(admite-seapluralidadedomiciliar);omilitaremserviçoativotemseudomicílionolugarondeserve,e,
sendodaMarinhaoudaAeronáutica,nasededocomandoaqueseencontraimediatamentesubordinado;
odomicílio domarítimo é o local emqueo navio estámatriculado; e o dopreso, o lugar emque se
encontra cumprindo a sentença (CC, art. 76 e parágrafo único). O agente diplomático do Brasil que,
citadonoestrangeiro,alegarextraterritorialidadesemdesignarondetem,nopaís,oseudomicíliopoderá
serdemandadonoDistritoFederalounoúltimopontodoterritóriobrasileiroondeoteve(CC,art.77).
21.DOMICÍLIODAPESSOAJURÍDICA
O art. 75 do Código Civil declara que o domicílio da União é o Distrito Federal; dos Estados e
Territórios,asrespectivascapitais;edoMunicípio,olugarondefuncioneaadministraçãomunicipal.O
das demais pessoas jurídicas, incluindo-se as de direito privado, é o lugar onde funcionarem as
respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos
constitutivos.
Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será
consideradodomicílioparaosatosnelepraticados(§1º).Seaadministração,oudiretoria,tiverasede
no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por
qualquerdesuasagências,olugardoestabelecimento,sitonoBrasil,aqueelacorresponder(§2º).
QUADROSINÓTICO–PESSOASJURÍDICAS
1.Conceito São entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a ser sujeitos de direitos e obrigações.Atuamnavidajurídicacompersonalidadediversadadosindivíduosqueascompõem.
2.Naturezajurídica
Teoriasdaficção
a)Ficçãolegal:desenvolvidaporSavigny,sustentaqueapessoajurídicaconstituiumacriaçãoartificialdalei.
b)Ficçãodoutrinária:afirmaqueapessoajurídicaécriaçãodosjuristas,dadoutrina.
AcríticaquesefazataisteoriaséqueoEstadoéumapessoajurídica.Dizer-sequeoEstadoéumaficçãoéomesmoquedizerqueodireito,quedeleemana,tambémoé.
Teoriasdarealidade
a)Realidadeobjetiva:sustentaqueapessoajurídicaéumarealidadesociológica,quenasceporimposiçãodasforçassociais.
b)Realidadejurídicaouinstitucional:assemelha-seàprimeira.Consideraaspessoasjurídicasorganizaçõessociaisdestinadasaumserviçoouofício,eporissopersonificadas.
c)Realidade técnica: entendem seus adeptos, especialmente Ihering, que a personificaçãodos grupos sociais é expediente de ordem técnica, a forma encontrada pelo direito parareconheceraexistênciadegruposdeindivíduos,queseunemnabuscadefinsdeterminados.
2.Naturezajurídica
Teoriasdarealidade
As primeiras são criticadas porque não explicam como os grupos sociais adquirempersonalidade.
3.Classifi-
cação
Quantoànaciona-
lidade
a)Nacionais.
b)Estrangeiras.
Quantoàestruturainterna
a) Corporação (universitas personarum): conjunto ou reunião de pessoas. Dividem-se emassociaçõesesociedades,quepodemsersimpleseempresárias.
b)Fundação.
Quantoàfunção
Pessoasju-
rídicasde
direitopú-
blico
Externo
Naçõesestrangeiras.
SantaSé.
Organismosinternacionais
Interno
Adminis-
tração
direta
União, Estados, Distrito Federal, Territórios,Municípios.
Adminis-
traçãoin-
autarquias, inclusive as associações públicas,fundaçõespúblicaseasdemaisentidadesdecaráterpúblicocriadasporlei.
direta
Pessoasjurídicas dedireito privado(art.44)
Associações:entidadesquenãotêmfins lucrativos,masmorais,culturais,desportivosoubeneficentes.
Sociedadessimples: têm fimeconômicoesãoconstituídas,emgeral,porprofissionaisliberaisouprestadoresdeserviços.
3.Classifi-
caçãoQuantoàfunção
Pessoasjurídicas dedireito privado(art.44)
Sociedades empresárias: também visam lucro. Distinguem-se das socie-dades simples jurídicas porque têm por objeto o exercício de atividadeprópriadeempresáriosujeitoaoregistroprevistonoart.967doCC.
Fundaçõesparticulares: acervo de bens que recebe personalidade para arealizaçãodefinsdeterminados(art.62,parágrafoúnico).
Organizações religiosas: têm fins pastorais e evangélicos e tratam dacomplexaquestãodafé,distinguindo-sedasdemaisassociaçõescivis.
Partidos políticos: têm fins políticos, não se caracterizando pelo fimeconômicoounão.
Sindicatos:emboranãomencionadosnoart.44doCC,têmanaturezadeassociaçãocivil(CF,art.8o;CLT,arts.511e512).
Empresasindividuaisderesponsabilidadelimitada:foramincluídasnoroldoart.44doCCpelaLein.12.441/2011.
4.Requisi-
tosparaaconstituiçãodapessoajurídica
a)vontadehumanacriadora(intençãodecriarumaentidadedistintadadeseusmembros)
b)observânciadascondiçõeslegais
— atoconstitutivo
estatuto(associações)
contratosocial(sociedades)
escriturapúblicaoutestamento(fundações)
—registro
público
sociedadeempresária:naJuntaComercial;
sociedadesimplesdeadvogados:naOAB;
demaispessoasjurídicasdedireitoprivado:noCartóriodeRegistroCivildasPessoasJurídicas(LRP,arts.114es.).
—aprova-
çãodo
governo
algumaspessoasjurídicasprecisamaindadeautorizaçãodoExecutivo(CC,art.45).
4.Requisi-
tosparaaconstituiçãodapessoajurídica
c)liceidade
deseusobjetivos(CC,art.69)
objetivosilícitosounocivosconstituemcausadeextinçãodapessoajurídica.
5.Descon-
sideraçãodapersona- A teoriadadesconsideraçãodapersonalidade jurídica (disregardof the legalentity)permitequeo juiz,em
casosdefraudeedemá-fé,desconsidereoprincípiodequeaspessoasjurídicastêmexistênciadistintada
lidadejurí-
dica
deseusmembroseautorizeapenhoradebensparticularesdossócios(CC,art.50;CDC,art.28).
6.Respon-
sabilidadecivildaspessoasjurídicas
a)Responsabilidadecontratual:aspessoas jurídicas,desdequese tornem inadimplentes, respondemporperdasedanos(CC,art.389).Têmresponsabilidadeobjetivaporfatoevíciodoprodutoedoserviço(CDC,arts.12a25).
b)Responsabilidadeextracontratual: as pessoas jurídicas de direitoprivado (corporações, fundações etc.)respondemcivilmentepelosatosdeseusprepostos,tenhamounãofinslucrativos(CC,arts.186e932,III).
A responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por ato de seus agentes é objetiva, sob amodalidadedoriscoadministrativo.Avítimanãotemoônusdeprovarculpaoudolodoagentepúblico,massomente o dano e o nexo causal. Admite-se a inversão do ônus da prova. O Estado se exonerará daobrigaçãodeindenizarseprovarculpaexclusivadavítima,forçamaiorefatoexclusivodeterceiro.Emcasodeculpaconcorrentedavítima,aindenizaçãoseráreduzidapelametade(CF,art.37,§6o;CC,art.43).
7.Extinçãodapessoajurídicadedireitoprivado
a)Convencional:pordeliberaçãodeseusmembros,conformequorumprevistonosestatutosounalei.
b)Legal:emrazãodemotivodeterminantenalei—CC,art.1.034.
c)Administrativa:quandoaspessoasjurídicasdependemdeautorizaçãodoGovernoepraticamatosnocivosoucontráriosaosseusfins.
d)Natural:resultadamortedeseusmembros,senãoficouestabelecidoqueprosseguirácomosherdeiros.
7.Extinçãodapessoajurídicadedireitoprivado
e)Judicial:quandoseconfiguraalgumdoscasosdedissoluçãoprevistosemleiounoestatutoeasociedadecontinuaaexistir,obrigandoumdossóciosaingressaremjuízo.
8.Domicíliodapessoajurídicadedireitopúblico
Oart.75doCódigoCivildeclaraqueodomicíliodaUniãoéoDistritoFederal;dosEstadoseTerritórios,asrespectivascapitais;edoMunicípio,olugarondefuncioneaadministraçãomunicipal.Odasdemaispessoasjurídicaséolugarondefuncionaremasrespectivasdiretoriaseadministrações,ouondeelegeremdomicílioespecialnoseuestatutoouatosconstitutivos.
LIVROII
DOSBENS
22.NOÇÕESINTRODUTÓRIAS
Tododireito temo seuobjeto.Comoodireito subjetivo époderoutorgadoaum titular, requerum
objeto.Sobreoobjetodesenvolve-seopoderdefruiçãodapessoa.
Em regra, esse poder recai sobre umbem. Bem, em sentido filosófico, é tudo o que satisfaz uma
necessidade humana. Juridicamente falando, o conceito de coisas corresponde ao de bens, mas nem
sempre há perfeita sincronização entre as duas expressões. Às vezes, coisas são o gênero e bens, a
espécie; outras vezes, estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras, finalmente, são os dois termos
usados como sinônimos, havendo então entre eles coincidência de significação (Scuto, Istituzioni di
dirittoprivato; partegenerale,v. 1,p. 291).OCódigoCivilde1916nãoosdistinguia,usandoora a
palavracoisa,oraapalavrabem,aosereferiraoobjetododireito.Oatual,aocontrário,utilizasempre
aexpressãobens,evitandoovocábulocoisa,queéconceitomaisamplodoqueodebem,noentenderde
JoséCarlosMoreiraAlves,queseapoianaliçãodeTrabucchi(Istituzionididirittocivile,13.ed.,n.
158, p. 366). Bens, portanto, são coisas materiais ou imateriais, úteis aos homens e de expressão
econômica,suscetíveisdeapropriação.
Osromanosfaziamadistinçãoentrebenscorpóreoseincorpóreos.Talclassificaçãonãofoiacolhida
pelanossalegislação.Corpóreossãoosquetêmexistênciafísica,materialepodemsertangidospelo
homem.Incorpóreossãoosquetêmexistênciaabstrata,masvaloreconômico,comoodireitoautoral,o
crédito,asucessãoaberta.Osprimeirospodemserobjetodecompraevenda,eossegundos,somentede
cessão.Ambosintegramopatrimôniodapessoa.
Outrosbens,alémdascoisascorpóreaseincorpóreas,podemserobjetodedireito,comocertosatos
humanos, que expressam um comportamento que as pessoas podem exigir umas das outras, e que se
denominam prestações (de dar, fazer, não fazer). Os direitos também podem ser objeto de outros
direitos(usufrutodecrédito,cessãodecrédito).Assimtambémcertoscomoodireitoàimagem.
Emsentidoamplo,oconjuntodebens,dequalquerordem,pertencentesaumtitular,constituioseu
patrimônio.Emsentidoestrito, talexpressãoabrangeapenasasrelaçõesjurídicasativasepassivasde
queapessoaétitular,aferíveiseconomicamente.Restringe-se,assim,aosbensavaliáveisemdinheiro.
Não se incluem no patrimônio as qualidades pessoais, como a capacidade física ou técnica, o
conhecimento, a força de trabalho, porque são considerados simples fatores de obtenção de receitas,
quandoutilizadosparaessesfins,malgradoalesãoaessesbenspossaacarretaradevidareparação.
Certas coisas, insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico, o mar etc., são
chamadasdecoisascomuns.Nãopodemserobjetoderelação jurídica.Entretanto,sendopossívelsua
apropriaçãoemporçõeslimitadas,tornam-seobjetododireito(gasescomprimidos,águafornecidapela
AdministraçãoPública).Ascoisassemdono(resnullius),porquenuncaforamapropriadas,comoacaça
solta,ospeixes,podemsê-lo,poisacham-seàdisposiçãodequemasencontrarouapanhar,emboraessa
apropriaçãopossa ser regulamentadapara finsdeproteçãoambiental.Acoisamóvelabandonada (res
derelicta)foiobjetoderelaçãojurídica,masoseutitularalançoufora,comaintençãodenãomaistê-la
parasi.Nessecaso,podeserapropriadaporqualqueroutrapessoa.
23.CLASSIFICAÇÃO
Aclassificaçãodosbenséfeitasegundocritériosdeimportânciacientífica,poisainclusãodeumbem
emdeterminadacategoriaimplicaaaplicaçãoautomáticaderegrasprópriaseespecíficas,vistoquenão
sepodemaplicarasmesmasregrasatodososbens.Obemdefamíliafoideslocadoparaodireitode
família,estandoregulamentadonosarts.1.711a1.722.
OCódigoCivilbrasileiroclassifica,inicialmente,os“bensconsideradosemsimesmos”.
23.1.BENSCONSIDERADOSEMSIMESMOS
Sobestaóticapodemser:
23.1.1.BENSIMÓVEISEBENSMÓVEIS
Éamais importante classificação, fundadana efetivanaturezadosbens.Os seusprincipais efeitos
práticos são: os bensmóveis são adquiridos por simples tradição, enquanto os imóveis dependemde
escriturapúblicaeregistronoCartóriodeRegistrodeImóveis;estesexigemtambém,paraseralienados,
a outorga uxória, omesmo não acontecendo com osmóveis; usucapião de bens imóveis exige prazos
maioresdoqueodebensmóveis;hipoteca,emregra,édireitorealdegarantiareservadoaosimóveis,
enquantoopenhoréreservadoaosmóveis;sóosimóveissãosujeitosàconcessãodasuperfície(CC,art.
1.369), enquanto os móveis prestam-se ao contrato de mútuo; os imóveis estão sujeitos, em caso de
alienação,aoimpostodesisa(ITBI—ImpostodeTransmissãodeBensImóveis),enquantoavendade
móveiségeradoradoimpostodecirculaçãodemercadorias.
23.1.1.1.Bensimóveis
ClóvisBeviláquaconsiderabens imóveisascoisasquenãopodemserremovidasdeumlugarpara
outrosemdestruição.Esseconceitonãoabrange,porém,osimóveispordeterminaçãolegal.Oart.79do
Código Civil assim descreve os bens imóveis: “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente”. E o art. 80 complementa o enunciado, mencionando os imóveis assim considerados,
“paraos efeitos legais”.Osbens imóveis emgeral podemser classificadosdesta forma: imóveis por
natureza,poracessãonatural,poracessãoartificialepordeterminaçãolegal.
a) Imóveispornatureza—Emrigor,somenteosolo,comsuasuperfície,subsoloeespaçoaéreo,éimóvelpornatureza.Tudoomaisqueaeleaderedeveserclassificadocomoimóvelporacessão.
b) Imóveisporacessãonatural—Incluem-senessacategoriaasárvoreseosfrutospendentes,bemcomo todos os acessórios e adjacências naturais. As árvores, quando destinadas ao corte, sãoconsideradas bens “móveis por antecipação”. Mesmo que as árvores tenham sido plantadas pelohomem, deitando suas raízes no solo são imóveis. Não o serão se plantadas em vasos, porqueremovíveis.
c)Imóveisporacessãoartificialouindustrial—Acessãosignificajustaposiçãoouaderênciadeumacoisa a outra. Acessão artificial ou industrial é a produzida pelo trabalho do homem. São asconstruçõeseplantações.Étudoquantoohomemincorporarpermanentementeaosolo,comoasementelançada à terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição,modificação,fraturaoudano.Nesseconceitonãoseincluem,portanto,asconstruçõesprovisórias,quese destinam a remoção ou retirada, como os circos e parques de diversões, as barracas de feiras,pavilhõesetc.
Não há alusão, no referido art. 79, aos imóveis por destinação do proprietário, ou por acessão
intelectual, como eram denominados, no Código de 1916 (art. 43, III), aqueles que o proprietário
imobilizava por sua vontade,mantendo-os intencionalmente empregados em sua exploração industrial,
aformoseamento, ou comodidade, como as máquinas (inclusive tratores) e ferramentas, os objetos de
decoração, os aparelhos de ar condicionado etc. A razão é que o atual Código acolhe, seguindo a
doutrinamoderna,oconceitodepertença,queseencontranoart.93.
Nãoperdemocaráterdeimóveis:a)asedificaçõesque,separadasdosolo,masconservandoasua
unidade, forem removidas para outro local (casas pré-fabricadas); b) os materiais provisoriamente
separadosdeumprédio,paranelesereempregarem(CC,art.81).Poisoqueseconsideraéafinalidade
da separação, a destinação dosmateriais. Coerentemente, aduz o art. 84: “Osmateriais destinados a
alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade demóveis; readquirem
essaqualidadeosprovenientesdademoliçãodealgumprédio”.
d) Imóveispordeterminação legal—Oart. 80doCódigoCivil assimconsidera: I—osdireitosreaissobre imóveiseasaçõesqueosasseguram;II—odireitoàsucessãoaberta.Trata-sedebensincorpóreos,imateriais(direitos),quenãosão,emsi,móveisouimóveis.Olegislador,noentanto,paramaiorsegurançadas relações jurídicas,osconsidera imóveis.Odireitoabstratoàsucessãoabertaéconsideradobemimóvel,aindaqueosbensdeixadospelodecujussejamtodosmóveis.Arenúnciadaherançaé,portanto,renúnciadeimóveledeveserfeitaporescriturapúblicaoutermonosautos(CC,art.1.806),medianteautorizaçãodocônjuge,seorenuncianteforcasado,erecolhimentodasisa.
23.1.1.2.Bensmóveis
O art. 82 do Código Civil considera móveis “os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de
remoçãoporforçaalheia,semalteraçãodasubstânciaoudadestinaçãoeconômico-social”.Trata-sedos
móveispornatureza,quesedividememsemoventes(osquesemovemporforçaprópria,comoos
animais)epropriamenteditos(osqueadmitemremoçãoporforçaalheia,semdano,comoosobjetos
inanimados,nãoimobilizadosporsuadestinação).Ogás,assimcomoosnavioseasaeronaves,ébem
móvel.Osúltimos,noentanto,sãoimobilizadossomenteparafinsdehipoteca(CC,art.1.473,VIeVII;
CódigoBrasileirodeAeronáutica—Lein.7.565,de19-12-1986,art.138).
Osbensmóveispodemserclassificadostambémemmóveispordeterminaçãolegal,mencionados
noart.83doCódigoCivil:I—asenergiasquetenhamvaloreconômico;II—osdireitosreaissobre
objetos móveis e as ações correspondentes; III — os direitos pessoais de caráter patrimonial e
respectivas ações. São bens imateriais, que adquirem essa qualidade jurídica por disposição legal.
Podemsercedidos, independentementedeoutorgauxóriaoumarital. Incluem-se,nesserol,o fundode
comércio,asquotaseaçõesdesociedadesempresárias,osdireitosdoautor,oscréditosemgeraletc.
Adoutrinadistingue,ainda,umaterceiracategoriadebensmóveis:osmóveisporantecipação.São
bensincorporadosaosolo,mascomaintençãodesepará-losoportunamenteeconvertê-losemmóveis,
comoasárvoresdestinadasaocorte.Ouentãoosque,porsuaancianidade,sãovendidosparafinsde
demolição.
23.1.2.BENSFUNGÍVEISEINFUNGÍVEIS
Bensfungíveissãoosmóveisquepodemsersubstituídosporoutrosdamesmaespécie,qualidadee
quantidade (CC, art. 85), como o dinheiro. Infungíveis são os que não têm esse atributo, porque são
encarados de acordo com as suas qualidades individuais, como o quadro de um pintor célebre, uma
esculturafamosaetc.OCódigoadotouaorientaçãodesóconceituaroindispensável,nãofazendoalusão
anoçõesmeramentenegativas,comoasdebensinfungíveis,inconsumíveiseindivisíveis.Nãoé,porém,
pelofatodeomencionadoart.85sóhaverdefinidobemfungívelque,porisso,deixamdeexistirosbens
infungíveis.Mesmoporquesedefineobemfungívelparadistingui-lodoinfungível.
Afungibilidadeécaracterísticadosbensmóveis,comoomencionaoreferidodispositivolegal.Pode
ocorrer,noentanto,emcertosnegócios,quevenhaaalcançarosimóveis,comonoajuste,entresóciosde
um loteamento, sobre eventualpartilha emcasodedesfazimentoda sociedade,quandooque se retira
receberá certa quantidade de lotes. Enquanto não lavrada a escritura, será ele credor de coisas
determinadasapenaspelaespécie,qualidadeequantidade.
Afungibilidadeouainfungibilidaderesultamnãosódanaturezadobem,comotambémdavontadedas
partes. A moeda é um bem fungível. Determinada moeda, porém, pode tornar-se infungível, para um
colecionador.Um boi é infungível e, se emprestado a um vizinho para serviços de lavoura, deve ser
devolvido.Se,porém,foidestinadoaocorte,poderásersubstituídoporoutro.Umacestadefrutasébem
fungível.Mas,emprestadaparaornamentação,transforma-seeminfungível(comodatumadpompamvel
ostentationem).
Aclassificaçãodosbensemfungíveiseinfungíveistemimportânciaprática,porexemplo,nadistinção
entre mútuo, que só recai sobre bens fungíveis, e comodato, que tem por objeto bens infungíveis. E,
também,dentreoutrashipóteses,nafixaçãodopoder liberatóriodacoisaentregueemcumprimentoda
obrigação.Acompensaçãosóseefetuaentredívidaslíquidas,vencidasedecoisasfungíveis(CC,art.
369), por exemplo. No direito das obrigações também se classificam as obrigações em fungíveis e
infungíveis.Asaçõespossessóriassãofungíveisentresi.Odireitoprocessualadmite,emcertoscasos,a
fungibilidadedosrecursos.
23.1.3.BENSCONSUMÍVEISEINCONSUMÍVEIS
Os bens podem ser consumíveis de fato (natural ou materialmente consumíveis) e de direito
(juridicamenteconsumíveis).Taisqualidadeslevamemcontaosentidoeconômicodosbens.
Comefeito,prescreveoart.86doCódigoCivilquesãoconsumíveisosbensmóveiscujousoimporta
destruição imediata da própria substância (de fato, como os gêneros alimentícios), sendo também
consideradostaisosdestinadosàalienação(dedireito,comoodinheiro).Inconsumíveis,aocontrário,
sãoosqueadmitemusoreiterado,semdestruiçãodesuasubstância.
Podeobemconsumíveltornar-seinconsumívelpelavontadedaspartes,comoumcomestívelouuma
garrafadebebidararaemprestadosparaumaexposição.Assimtambém,umbeminconsumíveldefato
pode transformar-se em juridicamente consumível, comoos livros (quenãodesaparecempelo fato de
seremutilizados)colocadosàvendanasprateleirasdeumalivraria.
Certosdireitosnãopodemrecair,emregra,sobrebensconsumíveis.Éocasodousufruto.Quando,no
entanto,temporobjetobensconsumíveis,passaachamar-se“usufrutoimpróprio”ou“quaseusufruto”,
sendonestecasoousufrutuárioobrigadoarestituir,findoousufruto,osqueaindaexistireme,dosoutros,
oequivalenteemgênero,qualidadeequantidade,ou,nãosendopossível,oseuvalor,estimadoaotempo
darestituição(CC,art.1.392,§1º).
23.1.4.BENSDIVISÍVEISEINDIVISÍVEIS
OCódigoCivil,noart.87,consideradivisíveisosbensquesepodemfracionarsemalteraçãonasua
substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam. São divisíveis,
portanto, os bens que se podem fracionar em porções reais e distintas, formando cada qual um todo
perfeito. Um relógio, por exemplo, é bem indivisível, pois cada parte não conservará as qualidades
essenciaisdotodo,sefordesmontado.
OCódigo introduziu, nadivisibilidadedosbens, o critério dadiminuição considerável do valor,
seguindoamelhordoutrinaeporser,socialmente,omaisdefensável,nodizerdaComissãoRevisora,
cujorelatórioadverte:“Atente-separaahipótesede10pessoasherdaremumbrilhantede50quilates,
que,semdúvida,valemuitomaisdoque10brilhantesde5quilates;seessebrilhantefordivisível(e,a
não ser pelo critério da diminuição sensível do valor, não o será), qualquer dos herdeiros poderá
prejudicartodososoutros,seexigiradivisãodapedra”.
Dispõeoart.88doCódigoCivilqueosbensnaturalmentedivisíveispodemtornar-seindivisíveispor
determinaçãodaleiouporvontadedaspartes.Verifica-se,assim,queosbenspodemserindivisíveispor
natureza (os que se não podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição de valor ou
prejuízo), por determinação legal (as servidões, as hipotecas) ou por vontade das partes
(convencional).Nesseúltimocaso,oacordo tornaráacoisacomumindivisaporprazonãomaiorque
cincoanos,suscetíveldeprorrogaçãoulterior(CC,art.1.320,§1º).Seaindivisãoforestabelecidapelo
doadoroupelotestador,nãopoderáexcederdecincoanos(§2º).
No primeiro caso, a indivisibilidade é física ou material; no segundo, é jurídica; no terceiro, é
convencional. Os imóveis rurais, por lei, não podem ser divididos em frações inferiores ao módulo
regional.ALein.6.766,de19dedezembrode1979 (LeidoParcelamentodoSoloUrbano), também
proíbeodesmembramentoem lotescujaárea seja inferiora125m2,exigindo frentemínimadecinco
metros(art.4º,II).Asobrigaçõestambémsãodivisíveisouindivisíveisconformesejadivisívelounãoo
objetodaprestação.
23.1.5.BENSSINGULARESECOLETIVOS
Oart.89doCódigoCivildeclaraquesãosingularesosbensque,emborareunidos,seconsideramde
per si, independentemente dos demais. São singulares, portanto, quando considerados na sua
individualidade (umaárvore, p. ex.).Aárvorepode ser, portanto, bemsingular ou coletivo, conforme
sejaencaradaindividualmenteouagregadaaoutras,formandoumtodo(umafloresta).
Os bens coletivos são chamados, também, de universais ou universalidades e abrangem as
universalidadesdefatoeasuniversalidadesdedireito.Estasconstituemumcomplexodedireitosou
relaçõesjurídicas.
Oart.90doCódigoCivilconsiderauniversalidadede fato apluralidadedebens singularesque,
pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária (rebanho, biblioteca), acrescentando, no
parágrafo único, que os bens que formam a universalidade podem ser objeto de relações jurídicas
próprias.Porsuavez,oart.91proclamaconstituiruniversalidadededireitoocomplexoderelações
jurídicas,deumapessoa,dotadasdevaloreconômico(herança,patrimônio,fundodecomércio).
23.2.BENSRECIPROCAMENTECONSIDERADOS
Reciprocamenteconsiderados,osbensdividem-seemprincipaiseacessórios.
Principaléobemquetemexistênciaprópria,queexisteporsisó.Acessórioéaquelecujaexistência
dependedoprincipal.Assim,osoloébemprincipal,porqueexisteporsi,concretamente,semqualquer
dependência. A árvore é acessório, porque sua existência supõe a do solo, onde foi plantada. Os
contratosdelocação,decompraevendasãoprincipais.Afiança,acláusulapenal,nestesestipuladas,
sãoacessórios.
Prescreve o art. 92 do Código Civil: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou
concretamente;acessório,aquelecujaexistênciasupõeadoprincipal”.Emconsequência,comoregrao
bemacessóriosegueodestinodoprincipal (accessoriumsequitursuumprincipale).Paraque talnão
ocorraénecessárioquetenhasidoconvencionadoocontrário(vendadeveículo,convencionando-sea
retiradadealgunsacessórios)ouquedemodocontrárioestabeleçaalgumdispositivolegal,comooart.
1.284doCódigoCivil,peloqualos frutospertencemaodonodosoloondecaíramenãoaodonoda
árvore.
Asprincipaisconsequênciasdareferidaregrasão:a)anaturezadoacessórioéamesmadoprincipal
(seosoloéimóvel,aárvoreaeleanexadatambémoé);b)oacessórioacompanhaoprincipalemseu
destino (extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória; mas o contrário não é
verdadeiro);c)oproprietáriodoprincipaléproprietáriodoacessório(v.g.,art.237doCC).Dentreas
inúmeras aplicações do aludido princípio podem sermencionadas as constantes dos arts. 233, 287 e
1.209doCódigoCivil,bemcomotodoocapítuloreferenteàsacessões(arts.1.248a1.259).
Nagrandeclassedosbensacessórioscompreendem-seosprodutoseosfrutos(art.95).Produtos
são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzem
periodicamente,comoaspedraseosmetais,queseextraemdaspedreirasedasminas.Distinguem-se
dosfrutosporqueacolheitadestesnãodiminuiovalornemasubstânciadafonte,eadaquelessim.
Frutos são as utilidades que uma coisa periodicamente produz.Nascem e renascemda coisa, sem
acarretar-lheadestruiçãonotodoouemparte,comoocafé,oscereais,osfrutosdasárvores,oleite,as
criasdosanimaisetc.Dividem-se,quantoàorigem,emnaturais,industriaisecivis.Naturaissãoosque
sedesenvolvemeserenovamperiodicamente,emvirtudedaforçaorgânicadapróprianatureza,comoas
frutasdasárvores,ascriasdosanimaisetc.Industriaissãoosqueaparecempelamãodohomem,istoé,
osquesurgememrazãodaatuaçãodohomemsobreanatureza,comoaproduçãodeumafábrica.Civis
são os rendimentos produzidos pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o
proprietário,comoosjuroseosaluguéis.
ClóvisBeviláquaclassificaosfrutos,quantoaoseuestado,empendentes,enquantounidosàcoisa
queosproduziu;percebidosoucolhidos,depoisdeseparados;estantes,osseparadosearmazenados
ouacondicionadosparavenda;percipiendos,osquedeviamsermasnãoforamcolhidosoupercebidos;
e consumidos, os que não existem mais porque foram utilizados. São de grande importância esses
conceitos,porqueolegisladorosutilizanosarts.1.214es.doCódigoCivil.
OCódigoCivilincluiu,noroldosbensacessórios,aspertenças,ouseja,osbensmóveisque,não
constituindopartesintegrantes(comoosãoosfrutos,produtosebenfeitorias),estãoafetadosporforma
duradouraaoserviçoouornamentaçãodeoutro,comoostratoresdestinadosaumamelhorexploraçãode
propriedadeagrícolaeosobjetosdedecoraçãodeumaresidência,porexemplo.
Prescreve, comefeito,o art. 93do referidodiploma: “Sãopertençasosbensque,nãoconstituindo
partesintegrantes,sedestinam,demododuradouro,aouso,aoserviçoouaoaformoseamentodeoutro”.
Por sua vez, o art. 94 mostra a distinção entre parte integrante (frutos, produtos e benfeitorias) e
pertença,aoproclamarqueos“negóciosjurídicosquedizemrespeitoaobemprincipalnãoabrangem
aspertenças,salvoseocontrárioresultardalei,damanifestaçãodevontade,oudascircunstânciasdo
caso”.Verifica-se,pelainterpretaçãoacontrariosensudoaludidodispositivo,quearegra“oacessório
segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes, já que não é aplicável às pertenças. Na
prática,jásetemverificadoque,mesmosemdisposiçãoemcontrário,aspertenças,comoomobiliário,
porexemplo,nãoacompanhamo imóvelalienadooudesapropriado.Amodificação introduzida, tendo
em vista que se operou a unificação parcial do direito privado, atenderá melhor aos interesses
comerciais.
Também se consideramacessórias todas asbenfeitorias, qualquer que seja o seu valor.OCódigo
Civil(art.96)consideranecessáriasasbenfeitoriasquetêmporfimconservarobemouevitarquese
deteriore;úteis as que aumentamou facilitamo uso do bem (o acréscimode umbanheiro ou de uma
garagem à casa); e voluptuárias, as de mero deleite ou recreio (jardins, mirantes, fontes, cascatas
artificiais),quenãoaumentemousohabitualdobem,aindaqueo tornemmaisagradávelousejamde
elevadovalor.
Essaclassificaçãonãotemcaráterabsoluto,poisumamesmabenfeitoriapodeenquadrar-seemuma
ou outra espécie, dependendo das circunstâncias. Uma piscina, por exemplo, pode ser considerada
benfeitoriavoluptuáriaemumacasaoucondomínio,masútilounecessáriaemumaescoladenatação.
Benfeitoriasnecessáriasnãosãoapenasasquesedestinamàconservaçãodacoisa(obras,medidasde
naturezajurídica,pagamentodeimpostos),mastambémasrealizadasparapermitiranormalexploração
econômicadobem(adubação,esgotamentodepântanosetc.).
Benfeitoriasnãoseconfundemcomacessões industriaisouartificiais, previstasnos arts. 1.253a
1.259doCódigoCivil equeconstituemconstruçõeseplantações.Benfeitorias sãoobrasoudespesas
feitas em bem já existente. As acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime
jurídicodiverso, sendoumdosmodosde aquisiçãodapropriedade imóvel.Malgradoo atualCódigo
Civilnãotenharepetido,naParteGeral,asexceçõesconstantesdoart.62dodiplomade1916,nãose
consideram bens acessórios: a pintura em relação à tela, a escultura em relação àmatéria-prima e a
escrituraououtroqualquertrabalhográficoemrelaçãoàmatéria-primaqueosrecebe,considerando-seo
maiorvalordotrabalhoemrelaçãoaodobemprincipal(CC,art.1.270,§2º).
23.3.BENSQUANTOAOTITULARDODOMÍNIO
Oart.98doCódigoCivilconsiderapúblicos“osbensdodomínionacionalpertencentesàspessoas
jurídicasdedireitopúblico interno”.Osparticulares sãodefinidosporexclusão:“todososoutros são
particulares,sejaqualforapessoaaquepertencerem”.
Osbenspúblicosforamclassificadosemtrêsclasses:a)bensdeusocomumdopovo;b)bensdeuso
especial;c)bensdominicais(CC,art.99).Éumaclassificaçãofeitasegundoadestinaçãodosreferidos
bens.OsdeusocomumeosdeusoespecialsãobensdodomíniopúblicodoEstado.Osdominicaissão
dodomínioprivadodoEstado.Senenhumaleihouvesseestabelecidonormasespeciaissobreestaúltima
categoria de bens, seu regime jurídico seria o mesmo que decorre do Código Civil para os bens
pertencentes aos particulares. No entanto, as normas de direito civil aplicáveis aos bens dominicais
sofreram inúmeros desvios ou derrogações impostos por normas publicísticas. Assim, se afetados à
finalidade pública específica, não podem ser alienados. Em caso contrário, podem ser alienados por
meiodeinstitutosdodireitoprivado,comocompraevenda,doação,permuta,oudodireitopúblico.Tais
bens encontram-se, portanto, no comércio jurídico de direito privado e de direito público. Dispõe o
parágrafo único do art. 99 que, não “dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens
pertencentesàspessoas jurídicasdedireitopúblicoaquese tenhadadoestruturadedireitoprivado”.
Porsuavez,preceituaoart.101queos“benspúblicosdominicaispodemseralienados,observadasas
exigênciasdalei”.
Bens de uso comum do povo são os que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem
formalidades.Exemplificativamente,oCódigoCivilmenciona“osrios,mares,estradas,ruasepraças”.
NãoperdemessacaracterísticaseoPoderPúblicoregulamentarseuuso,outorná-looneroso,instituindo
cobrança de pedágio, como nas rodovias (CC, art. 103).AAdministração pode também restringir ou
vedaroseuuso,emrazãodesegurançanacionaloudeinteressepúblico,interditandoumaestrada,por
exemplo,ouproibindootrânsitopordeterminadolocal.
Opovosomente temodireitodeusar taisbens,masnão temoseudomínio.Odomíniopertenceà
pessoa jurídicadedireitopúblico.Maséumdomíniocomcaracterísticasespeciais,que lheconferea
guarda,administraçãoe fiscalizaçãodosreferidosbens,podendoaindareivindicá-los.Segundoalguns
autores,nãohaveriapropriamenteumdireitodepropriedade,masumpoderdegestão.
Bensdeusoespecialsãoosquesedestinamespecialmenteàexecuçãodosserviçospúblicos.São
os edifícios onde estão instalados os serviços públicos, inclusive os das autarquias, e os órgãos da
administração(repartiçõespúblicas,secretarias,escolas,ministériosetc.).Sãoutilizadosexclusivamente
peloPoderPúblico.
Bens dominicais ou do patrimônio disponível são os que constituem o patrimônio das pessoas
jurídicasdedireitopúblico,comoobjetodedireitopessoal,oureal,decadaumadessasentidades(CC,
art.99, III).SobreelesoPoderPúblicoexercepoderesdeproprietário. Incluem-senessacategoriaas
terrasdevolutas,asestradasdeferro,oficinasefazendaspertencentesaoEstado.Nãoestandoafetadosa
finalidadepúblicaespecífica,podemseralienadospormeiodeinstitutosdedireitoprivadooudedireito
público(compraevenda,legitimaçãodeposseetc.),observadasasexigênciasdalei(art.101).
Osbensdeusocomumdopovoeosdeusoespecialapresentamacaracterísticadainalienabilidadee,
comoconsequênciadesta,aimprescritibilidade,aimpenhorabilidadeeaimpossibilidadedeoneração.
Masainalienabilidadenãoéabsoluta,anãosercomrelaçãoàquelesbensque,porsuapróprianatureza,
são insuscetíveis de valoração patrimonial, como os mares, as praias, os rios navegáveis etc. Os
suscetíveis de valoração patrimonial podem perder a inalienabilidade que lhes é peculiar pela
desafetação(naformaquealeideterminar—CC,art.100).Desafetaçãoéaalteraçãodadestinação
do bem, visando incluir bens de uso comum do povo, ou bens de uso especial, na categoria de bens
dominicais,parapossibilitaraalienação,nostermosdasregrasdodireitoadministrativo.
Aalienabilidade,característicadosbensdominicais,tambémnãoéabsoluta,porquepodemperdê-la
peloinstitutodaafetação(atooufatopeloqualumbempassadacategoriadebemdodomínioprivado
do Estado para a categoria de bem do domínio público), anotando-se que a alienação sujeita-se às
exigênciasdalei(art.101).
Aafetaçãoeadesafetaçãopodemserexpressasoutácitas.Naprimeirahipótese,decorremdeato
administrativo ou de lei; na segunda, resultam de atuação direta daAdministração, semmanifestação
expressa de sua vontade, ou de fato da natureza. Por exemplo, a Administração pode baixar decreto
estabelecendo que determinado imóvel, integrado na categoria dos bens dominicais, será destinado à
instalaçãodeumaescola;oupodesimplesmenteinstalaressaescolanoprédio,semqualquerdeclaração
expressa.Emumeoutrocaso,obemestáafetadoaousoespecialdaAdministração,passandoaintegrar
a categoria de bem de uso especial. A operação inversa também pode ocorrer, mediante declaração
expressaoupela simplesdesocupaçãodo imóvel,que fica semdestinação,comoavelhaestradaque,
pelaaberturadeoutracomamesmafinalidade,deixadeserutilizadaparaotrânsito.
Dispõe, ainda, o art. 102 doCódigoCivil que os “bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.
NessemesmosentidojáproclamavaanteriormenteaSúmula340doSupremoTribunalFederal:“Desdea
vigênciadoCódigoCivil,osbensdominicais,comoosdemaisbenspúblicos,nãopodemseradquiridos
porusucapião”.Trata-sedeumdaquelesdesviosquesofreuoregimejurídicodosbensdominicais.
23.4.BENSQUANTOÀPOSSIBILIDADEDESEREMOUNÃOCOMERCIALIZADOS
EmboraoatualCódigoCivilnão tenhadedicadoumcapítuloaosbensqueestão foradocomércio
(extracommercium),comoofizeraoCódigode1916,noart.69,encontram-senessasituaçãoosbens
naturalmente indisponíveis (insuscetíveisdeapropriaçãopelohomem,comooaratmosférico,aágua
domar),os legalmente indisponíveis(bensdeusocomumedeusoespecial,bensde incapazes)eos
indisponíveis pela vontade humana (deixados em testamento ou doados, com cláusula de
inalienabilidade—CC,arts.1.848e1.911).Aduza-sequeoaratmosféricoeaáguadomarquepuderem
sercaptados,empequenasporções,podemsercomercializados,porquehouveaapropriação.
Prescreveoart.1.911doCódigoCivilqueacláusuladeinalienabilidade,impostaaosbensporatode
liberalidade,implicaimpenhorabilidadeeincomunicabilidade.Jádispunha,anteriormente,aSúmula49
doSupremoTribunalFederal: “Acláusulade inalienabilidade inclui a incomunicabilidadedosbens”.
Emboranãomencionado,abrangia,também,aimpenhorabilidade.
Incluem-se na categoria dos bens legalmente inalienáveis os valores e direitos da personalidade,
preservadosemrespeitoàdignidadehumana,comoaliberdade,ahonra,avidaetc.(CC,art.11),bem
como os órgãos do corpo humano, cuja comercialização é expressamente vedada pela Constituição
Federal(art.199,§4º).
QUADROSINÓTICO–DOSBENS
1.ConceitoBens são coisasmateriais ou imateriais, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis deapropriação.Coisaégênerodoqualbeméespécie.Aclassificaçãodosbenséfeitasegundocritériosdeimportânciacientífica.
2.Benscon-
sideradosemsimesmos
a)Corpóreos:osquetêmexistênciafísica,material.Incorpóreos:osquetêmexistênciaabstrata,masvaloreconômico,comoocrédito,p.ex.
b) Imóveis: os que não podem ser removidos de um lugar para outro sem destruição e os assimconsideradosparaosefeitoslegais(arts.79e80).Dividem-seem:
—imóveispornatureza(art.79,1aparte);
—poracessãonatural(art.79,2aparte);
—poracessãoartificialouindustrial(art.79,3aparte);e
—pordeterminaçãolegal(art.80).
c)Móveis:ossuscetíveisdemovimentopróprioouderemoçãoporforçaalheia(art.82).Classificam-seem:
—móveispornatureza,quesesubdividememsemoventes(osquesemovemporforçaprópria,comoosanimais)emóveispropriamenteditos(osqueadmitemremoçãoporforçaalheia);
—móveispordeterminaçãolegal;e
—móveisporantecipação(arts.82e83).
d)Fungíveiseinfungíveis:osbensmóveisquepodemeosquenãopodemsersubstituídosporoutrosdamesmaespécie,qualidadeequantidade(art.85).
e)Consumíveis:osbensmóveiscujousoimportadestruiçãoimediatadaprópriasubstância(consumíveisde fato), sendo também considerados tais os destinados à alienação (consumíveis de direito).Inconsumíveis:sãoosqueadmitemusoreiterado,semdestruiçãodesuasubstância(art.86).
f)Divisíveis:osquesepodemfracionarsemalteraçãonasuasubstância,diminuiçãoconsideráveldevalorouprejuízodousoaquesedestinam(art.87).Osbenspodemserindivisíveispornatureza(osquenãosepodemfracionarsemalteraçãonasuasubstância,diminuiçãodevalorouprejuízo),pordeterminaçãolegal(asservidões,ashipotecas)ouporvontadedaspartes(convencional).
2.Benscon-
sideradosemsimesmos
g) Singulares: os que, embora reunidos, são considerados na sua individualidade (uma árvore, p. ex.).Coletivos: os encarados em conjunto, formando um todo (uma floresta, p. ex.). Abrangem asuniversalidadesdefato(rebanho,biblioteca—art.90)easdedireito(herança,patrimônio—art.91).
3.Bensreci-
procamenteconsiderados
EspéciesPrincipal:obemquetemexistênciaprópria,queexisteporsi.
Acessório:aquelecujaexistênciadependedoprincipal(art.92).
Princípiobásico
O bem acessório segue o destino do principal, salvo estipulação em contrário. Emconsequência: a) a natureza do acessório é a mesma do principal; b) o proprietário doprincipaléproprietáriodoacessório.
Espéciesdebensacessórios
a) Frutos: são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Dividem-se, quanto àorigem,emnaturais, industriaisecivis;e,quantoaoestado,empendentes,percebidosoucolhidos,estantes,percipiendoseconsumidos.
b)Produtos:sãoasutilidadesqueseretiramdacoisa,diminuindo-lheaquantidade.
c)Pertenças:osbensmóveisque,nãoconstituindopartesintegrantes,sedestinam,demododuradouro,aoserviçoouornamentaçãodeoutro(art.93).
d)Acessões: podem dar-se por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo eplantaçõesouconstruções(art.1.248,IaV).
e)Benfeitorias:acréscimos,melhoramentosoudespesasembemjáexistente.Classificam-seemnecessárias,úteisevoluptuárias(art.96).
4.Bensquantoaotitulardodomínio
Benspúblicos
Conceito: são os do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito públicointerno(art.98).
Espécies:deusocomumdopovo,deusoespecialedominicais(art.99).
Caracteres: inalienabilidade (art. 100), imprescritibilidade (CF, art. 91, parágrafo único) eimpenhorabilidade.
Bensparticu-
lares
Porexclusão,sãotodososoutrosbensnãopertencentesaqualquerpessoajurídicadedireitopúblicointerno,masapessoanaturaloujurídicadedireitoprivado(art.98).
5.Bensforadocomércio
São os bens naturalmente indisponíveis (insuscetíveis de apropriação pelo homem), os legalmenteindisponíveis(bensdeusocomumedeusoespecial,bensdeincapazes),eosindisponíveispelavontadehumana(deixadosemtestamentooudoados,comcláusuladeinalienabilidade).
Incluem-se entre os legalmente inalienáveis os direitos da personalidade (arts. 11 a 21), bem como osórgãosdocorpohumano,cujacomercializaçãoévedadapelaCF(art.199,§4o).
LIVROIII
DOSFATOSJURÍDICOS
TÍTULOI
DONEGÓCIOJURÍDICO
CAPÍTULOI
DISPOSIÇÕESGERAIS
24.CONCEITO
Odireitotambémtemoseuciclovital:nasce,desenvolve-seeextingue-se.Essasfasesoumomentos
decorrem de fatos, denominados fatos jurídicos, exatamente por produzir efeitos jurídicos. Segundo
AgostinhoAlvim,“fatojurídicoétodoacontecimentodavidarelevanteparaodireito,mesmoqueseja
fatoilícito”.
Os fatos jurídicos em sentido amplopodemser classificados em: fatosnaturais (fatos jurídicos em
sentidoestrito)efatoshumanos(atosjurídicosemsentidoamplo).Osprimeirosdecorremdanatureza,e
os segundos, da atividade humana. Os fatos naturais, por sua vez, dividem-se em ordinários
(nascimento, morte, maioridade, decurso do tempo) e extraordinários (terremoto, raio, tempestade e
outrosfatosqueseenquadramnacategoriadofortuitoouforçamaior).
Osfatoshumanosouatosjurídicosemsentidoamplosãoaçõeshumanasquecriam,modificam,
transferemouextinguemdireitos;dividem-seemlícitoseilícitos.Lícitossãoosatoshumanosaquealei
defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico,
produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em
desacordocomoprescritonoordenamentojurídico,emborarepercutamnaesferadodireito,produzem
efeitos jurídicos involuntáriosmasimpostosporesseordenamento.Emvezdedireitos,criamdeveres.
Hojeseadmitequeosatos ilícitos integramacategoriadosatos jurídicospelosefeitosqueproduzem
(geramaobrigaçãoderepararodano—CC,art.927).
Osatos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito (ou meramente lícito), negócio
jurídicoeato-fato jurídico.Nos dois primeiros, exige-se umamanifestação de vontade.Nonegócio
jurídico (numcontratode compra evenda,p. ex.), a açãohumanavisadiretamente a alcançarum fim
práticopermitidona lei,dentreamultiplicidadedeefeitospossíveis.Poressa razãoénecessáriauma
vontade qualificada, sem vícios. No ato jurídico, o efeito da manifestação da vontade está
predeterminadonalei(notificação,queconstituiemmoraodevedor;reconhecimentodefilho,tradição,
percepçãodosfrutos,ocupação,usodeumacoisaetc.),nãohavendo,porisso,qualquerdosedeescolha
dacategoriajurídica.Aaçãohumanasebaseianãonumavontadequalificada,masemsimplesintenção,
como ocorre quando alguém fisga um peixe, dele se tornando proprietário graças ao instituto da
ocupação.Oatomaterialdessacapturanãodemandaavontadequalificadaqueseexigeparaaformação
de um contrato. Por essa razão, nem todos os princípios do negócio jurídico, como os vícios do
consentimento e as regras sobre nulidade ou anulabilidade, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido
estritonãoprovenientesdeumadeclaraçãodevontade,masdeumasimplesintenção.
Um garoto de sete ou oito anos de idade torna-se proprietário dos peixes que pesca, pois a
incapacidade,nocaso,nãoacarretanulidadeouanulação,aocontráriodoquesucederiaseessamesma
pessoacelebrasseumcontratodecompraevenda.“Porque,nahipótesedeocupação,avontadeexigida
pelaleinãoéavontadequalificada,necessáriaparaarealizaçãodocontrato;bastaasimplesintençãode
tornar-seproprietáriodaresnullius,queéopeixe,eessa intençãopodemtê-la todososquepossuem
consciênciadosatosquepraticam.Ogarotodeseis,seteouoitoanostemperfeitamenteconsciênciado
ato de assenhoreamento” (José CarlosMoreira Alves,Revista de Informação Legislativa, 40:5 e s.,
out./dez.1973).
Muitasvezesoefeitodoatonãoébuscadonemimaginadopeloagente,masdecorredeumacondutae
ésancionadopelalei,comonocasodapessoaqueacha,casualmente,umtesouro.Acondutadoagente
nãotinhaporfimimediatoadquirir-lheametade,mastalacabaocorrendo,porforçadodispostonoart.
1.264,aindaquesetratedeumlouco.Équehácertasaçõeshumanasquealeiencaracomofatos,sem
levar em consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, demandando apenas o ato
materialdeachar.Assim,olouco,pelosimplesachadodotesouro,torna-seproprietáriodepartedele.
Essas ações são denominadas pela doutrina atos-fatos jurídicos ou fatos jurídicos em sentido
estrito. No ato-fato jurídico ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em
consideraçãoavontadedepraticá-lo.
Demodogeral,noato jurídicoodestinatáriodamanifestaçãodavontadeaelanãoadere,comona
notificação,porexemplo.Àsvezes,nemexistedestinatário,comonatransferênciadedomicílio.Oato
jurídicoépotestativo, istoé,oagentepode influirnaesferade interessesde terceiro,querelequeira,
quernão.
No negócio jurídico há uma composição de interesses, um regramento geralmente bilateral de
condutas,comoocorrenacelebraçãodecontratos.Amanifestaçãodevontadetemfinalidadenegocial,
que em geral é criar, adquirir, transferir, modificar, extinguir direitos etc. Mas há alguns negócios
jurídicosunilaterais,em que ocorre o seu aperfeiçoamento com uma únicamanifestação de vontade.
Podem ser citados como exemplos o testamento, a instituição de fundação e a renúncia da herança,
porqueoagenteprocuraobterdeterminadosefeitosjurídicos,istoé,criarsituaçõesjurídicas,comasua
manifestação de vontade (o testamento presta-se à produção de vários efeitos: não só para o testador
dispordeseusbensparadepoisdesuamortecomotambémpara,eventualmente,reconhecerfilhohavido
foradomatrimônio,nomear tutorparao filhomenor, reabilitar indigno,nomear testamenteiro,destinar
verbasparaosufrágiodesuaalmaetc.).
Verifica-se, assim,queoato jurídicoémenos ricodeconteúdoepobrenacriaçãodeefeitos.Não
constitui exercício da autonomia privada, e a sua satisfação somente se concretiza pelos modos
determinadosnalei.
OatualCódigoCivilsubstituiuaexpressãogenérica“atojurídico”,queseencontravanoCódigode
1916,peladesignaçãoespecífica“negóciojurídico”,porquesomenteesteéricoemconteúdoejustifica
uma pormenorizada regulamentação, aplicando-se-lhe os preceitos constantes do Livro III. E, com
relaçãoaosatosjurídicoslícitosquenãosejamnegóciosjurídicos,abriu-lhesumtítulo,comartigoúnico
(Título II, art. 185), em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições
disciplinadorasdonegóciojurídico.
25.CLASSIFICAÇÃODOSNEGÓCIOSJURÍDICOS
Osnegóciosjurídicospodemserclassificadosem:
25.1.UNILATERAIS,BILATERAISEPLURILATERAIS
Unilateraissãoosqueseaperfeiçoamcomumaúnicamanifestaçãodevontade,comootestamento,o
codicilo,ainstituiçãodefundação,aaceitaçãoearenúnciadaherança,apromessaderecompensaetc.
Sãodeduasespécies:receptíciosenãoreceptícios.Receptíciossãoaquelesemqueadeclaraçãode
vontade temdese tornarconhecidadodestinatárioparaproduzirefeitos (denúnciaou resiliçãodeum
contrato, revogação de mandato etc.).Não receptícios, em que o conhecimento por parte de outras
pessoaséirrelevante(testamento,confissãodedívida).
Bilateraissãoosqueseperfazemcomduasmanifestaçõesdevontade,coincidentessobreoobjeto.
Essa coincidência chama-se consentimentomútuo ou acordo de vontades (contratos em geral). Podem
existirváriaspessoasnopoloativoetambémváriasnopolopassivo,semqueocontratodeixedeser
bilateralpelaexistênciadeduaspartes.
Plurilateraissãooscontratosqueenvolvemmaisdeduaspartes,comoocontratodesociedadecom
maisdedoissócios.
25.2.GRATUITOSEONEROSOS,NEUTROSEBIFRONTES
Negócios jurídicosgratuitos sãoaquelesemque sóumadaspartesauferevantagensoubenefícios
(doaçãopura).
Nos negócios jurídicos onerosos, ambos os contratantes auferem vantagens, às quais, porém,
correspondeumacontraprestação(compraevenda,locaçãoetc.).
Hánegóciosquenãopodemserincluídosnacategoriadosonerosos,nemdosgratuitos,poislhesfalta
atribuiçãopatrimonial.Sãochamadosdeneutrosesecaracterizampeladestinaçãodosbens.Emgeral
coligam-seaosnegóciostranslativos,quetêmatribuiçãopatrimonial.Enquadram-senessamodalidadeos
negóciosquetêmporfinalidadeavinculaçãodeumbem,comooqueotornaindisponívelpelacláusula
de inalienabilidade e o que impede a sua comunicação ao outro cônjuge, mediante cláusula de
incomunicabilidade. A instituição do bem de família também se inclui na categoria dos negócios de
destinação, isto é, de afetaçãodeumbema fimdeterminado, não sequalificandocomooneroso, nem
comogratuito,emborasejapatrimonial.Arenúnciaabdicativa,quenãoaproveitaaquemquerqueseja,e
adoaçãoremuneratóriatambémpodemserlembradas.
Bifrontessãooscontratosquepodemseronerososougratuitos,segundoavontadedaspartes,comoo
mútuo,omandatoeodepósito.Aconversãosóse tornapossívelseocontratoédefinidona leicomo
negóciogratuito,poisavontadedaspartesnãopodetransformarumcontratoonerosoembenéfico,visto
que subverteria sua causa. Frise-se que nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em
onerososporconvençãodaspartes.Adoaçãoeocomodato,porexemplo,ficariamdesfiguradossetal
acontecesse,poissetransformariam,respectivamente,emvendaelocação.
25.3.“INTERVIVOS”E“MORTISCAUSA”
Osnegócioscelebradosintervivosdestinam-seaproduzirefeitosdesdelogo,istoé,estandoaspartes
aindavivas,comoapromessadevendaecompra.Mortiscausasãoosnegóciosdestinadosaproduzir
efeitosapósamortedoagente,comoocorrecomotestamento.
25.4.PRINCIPAISEACESSÓRIOS
Principaissãoosquetêmexistênciaprópriaenãodependem,pois,daexistênciadequalqueroutro
(compra e venda, locação etc.).Acessórios são os que têm sua existência subordinada à do contrato
principal (cláusula penal, fiança etc.). Seguem o destino do principal.Nulo este, nulo será também o
negócioacessório,sendoquearecíprocanãoéverdadeira.
25.5.SOLENES(FORMAIS)ENÃOSOLENES(DEFORMALIVRE)
Solenessãoosnegóciosquedevemobedeceràformaprescritaemleiparaseaperfeiçoar.Quandoa
formaéexigidacomocondiçãodevalidadedonegócio,esteésoleneeaformalidadeéadsolemnitatem,
istoé,constituiaprópriasubstânciadoato(escriturapúblicanaalienaçãodeimóvel, testamentoetc.).
Masdeterminadaformapodeserexigidaapenascomoprovadoato.Nessecasosediztratar-sedeuma
formalidadeadprobationemtantum(assentodocasamentonolivroderegistro—CC,art.1.536).
Nãosolenes sãoosnegóciosdeformalivre.Comoa leinãoreclamanenhumaformalidadeparao
seuaperfeiçoamento,podemsercelebradosporqualquerforma,inclusiveaverbal.
25.6.SIMPLES,COMPLEXOSECOLIGADOS
Simplessãoosnegóciosqueseconstituemporatoúnico.
Complexossãoosqueresultamdafusãodeváriosatossemeficáciaindependente.Compõem-sede
váriasdeclaraçõesdevontade,quesecompletam,emitidaspelomesmosujeito,oudiferentessujeitos,
paraaobtençãodosefeitospretendidosnasuaunidade.Comoexemplopodesermencionadaaalienação
deumimóvelemprestações,queseiniciapelacelebraçãodeumcompromissodecompraevenda,mas
secompletacomaoutorgadaescrituradefinitiva;e,ainda,onegócioqueexigeadeclaraçãodevontade
doautoreadequemdeveautorizá-la.
Onegóciojurídicocomplexoéúnicoenãoseconfundecomonegóciocoligado,quesecompõede
vários outros (arrendamento de posto de gasolina, coligado pelo mesmo instrumento ao contrato de
locação das bombas, de comodato de área para funcionamento de lanchonete, de fornecimento de
combustível,definanciamentoetc.).
25.7.FIDUCIÁRIOSESIMULADOS
No negócio fiduciário, omeio excede o fim.Verifica-se, por exemplo, quando alguém transfere a
propriedade ou titularidade de umbemoudireito a outra pessoa, para determinado fim (emgeral, de
administração), com a obrigação de restituí-la ou transmiti-la a terceiro. Trata-se de negócio lícito e
sério, perfeitamente válido, e que se desdobra emduas fases.Na primeira, ocorre verdadeiramente a
transmissãodapropriedade.Nasegunda,oadquirentefiduciárioseobrigaarestituirobemaofiduciante.
Essesnegócioscompõem-sededoiselementos:aconfiançaeorisco.Quantomaioraconfiança,maioro
risco.Atransmissãodapropriedadeéatoverdadeiro.Tantoque,seofiduciáriorecusar-searestituiro
bem,caberáaofiduciantesomentepleitearasperdasedanos,comoconsequênciadoinadimplementoda
obrigaçãodeodevolver.Nãoéconsideradonegóciosimulado,malgradoatransferênciadapropriedade
seja feitasema intençãodequeoadquirentese torneverdadeiramenteproprietáriodobem.Nãoháa
intençãodeprejudicarterceiros,nemdefraudaralei.
Negóciosimuladoéoquetemaparênciacontráriaàrealidade.Emboranessepontohajasemelhança
comonegóciofiduciário,asdeclaraçõesdevontadesãofalsas.Aspartesaparentamconferirdireitosa
pessoasdiversasdaquelasaquemrealmenteosconferem.Oufazemdeclaraçõesnãoverdadeiras,para
fraudaraleiouofisco.Onegóciosimuladonãoé,portanto,válido(CC,art.167).
26.INTERPRETAÇÃODONEGÓCIOJURÍDICO
Nãosóa lei,maso contrato,devemser interpretados.Muitasvezes a suaexecuçãoexige, antes, a
interpretaçãodesuascláusulas,nemsempremuitoclaras.
Avontadedaspartesexterioriza-sepormeiodesinaisousímbolos,dentreosquaisaspalavras.Nos
contratosescritos,aanálisedotextoconduz,emregra,àdescobertadaintençãodospactuantes.Parte-se,
portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes. Quando, no entanto,
determinada cláusula mostra-se obscura e passível de dúvida, alegando um dos contratantes que não
representa com fidelidadeavontademanifestadaporocasiãoda celebraçãodaavença, e tal alegação
restademonstrada,deve-seconsiderarverdadeiraestaúltima,poisoart.112doCódigoCivildeclara
que,nasdeclaraçõesdevontade,atender-se-ámaisàintençãonelasconsubstanciadadoqueaosentido
literaldalinguagem.Portanto,oCódigoCivilbrasileirodeuprevalênciaàteoriadavontadesobreada
declaração.Oacréscimodaexpressão“nelesconsubstanciada”,inexistentenoart.85doCódigoCivilde
1916,correspondenteaoatualart.112,mostraquesedeveatenderàintençãomanifestadanocontrato,e
nãoaopensamentoíntimododeclarante.
Preceitua, também, o art. 113 doCódigoCivil que os negócios jurídicos “devem ser interpretados
conformeaboa-féeosusosdolugardesuacelebração”.Deveointérpretepresumirqueoscontratantes
procedemcomlealdadeequetantoapropostacomoaaceitaçãoforamformuladasdentrodoquepodiam
e deviam eles entender razoável, segundo a regra da boa-fé. Esta, portanto, se presume; a má-fé, ao
contrário,deveserprovada.Tambémdevemserconsideradososusosecostumesdecadalocalidade.
Dispõe, ainda, o art. 114 do Código Civil que “os negócios jurídicos benéficos e a renúncia
interpretam-seestritamente”.Benéficosougratuitossãoosqueenvolvemumaliberalidade:somenteum
dos contratantes se obriga, enquanto o outro apenas aufere um benefício. A doação pura constitui o
melhorexemplodessaespécie.Devemterinterpretaçãoestritaporquerepresentamrenúnciadedireitos.
HáoutrospoucosartigosesparsosnoCódigoCivileemleisespeciais,estabelecendoregrassobre
interpretação de determinados negócios: quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423); a transação
interpreta-se restritivamente (art. 843); a fiançanão admite interpretação extensiva (art. 819); sendo a
cláusula testamentária suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a
observânciadavontadedotestador(art.1.899);ascláusulascontratuaisserãointerpretadasdemaneira
maisfavorávelaoconsumidor(art.47doCDC).
Algumas regras práticas podem ser observadas no tocante à interpretação dos contratos.Amelhor
maneira de apurar a intenção dos contratantes é verificar omodo pelo qual o vinham executando, de
comumacordo.Deve-seinterpretarocontrato,nadúvida,damaneiramenosonerosaparaodevedor.As
cláusulascontratuaisnãodevemserinterpretadasisoladamente,masemconjuntocomasdemais.
27.ELEMENTOSDONEGÓCIOJURÍDICO
Alguns elementos do negócio jurídico podem ser chamados de essenciais, porque constituem
requisitos de existência e de validade. Outros, porém, são chamados de acidentais, porque não
exigidos pela lei mas introduzidos pela vontade das partes, em geral como requisitos de eficácia do
negócio, comoacondição,o termo,oprazoetc.Assim,onegócio jurídicopodeserestudadoem três
planos:odaexistência,odavalidadeeodaeficácia.
Osrequisitosdeexistênciadonegócio jurídicosãoosseuselementosestruturais,sendoquenãohá
uniformidade, entre os autores, sobre a sua enumeração. Preferimos dizer que são os seguintes: a
declaraçãodevontade,afinalidadenegocialeaidoneidadedoobjeto.Faltandoqualquerdeles,o
negócioinexiste.
A vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. A
manifestaçãodevontadepodeserexpressa (palavra faladaouescrita,gestos,mímicaetc.), tácita (a
queseinferedacondutadoagente)oupresumida(adeclaraçãonãorealizadaexpressamente,masquea
leideduzdecertoscomportamentosdoagente);noscontratos,podesertácita,quandoaleinãoexigirque
sejaexpressa.Dispõeoart.111doCódigoCivil,comefeito,queo“silêncioimportaanuência,quando
as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.
Portanto,osilênciopodeserinterpretadocomomanifestaçãotácitadavontadequandoaleideraeletal
efeito, como acontece nos arts. 539 (doação pura), 659 (mandato) etc., ou quando tal efeito ficar
convencionadoemumpré-contratoouaindaresultardosusosecostumes(CC,art.432).
Pelotradicionalprincípiodaautonomiadavontadeaspessoastêmliberdadede,emconformidade
com a lei, celebrar negócios jurídicos, criando direitos e contraindo obrigações.Esse princípio sofre
algumas limitaçõespeloprincípiodasupremaciadaordempública,poismuitasvezes,emnomeda
ordempúblicaedointeressesocial,oEstadointerferenasmanifestaçõesdevontade,especialmentepara
evitar a opressão dos economicamente mais fortes sobre os mais fracos. Em nome desse princípio
surgiramdiversasleis:LeidoInquilinato,LeidaEconomiaPopular,CódigodeDefesadoConsumidor
etc.
Avontade,umavezmanifestada,obrigao contratante.Esseprincípio éodaobrigatoriedade dos
contratos (pacta sunt servanda) e significa que o contrato faz lei entre as partes, não podendo ser
modificadopeloJudiciário.Destina-se,também,adarsegurançaaosnegóciosemgeral.Opõe-seaeleo
princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva, baseado na cláusula rebus sic
stantibusenateoriadaimprevisãoequeautorizaorecursoaoJudiciárioparasepleiteararevisãodos
contratos,anteaocorrênciadefatosextraordinárioseimprevisíveis.
A finalidade negocial ou jurídica é a vontade de criar, conservar,modificar ou extinguir direitos.
Semessaintenção,amanifestaçãodevontadepodedesencadeardeterminadoefeito,preestabelecidono
ordenamento jurídico, praticando o agente, então, um ato jurídico. A existência do negócio jurídico,
porém,dependedamanifestaçãodevontadecomfinalidadenegocial,istoé,comafinalidadedeproduzir
osefeitossupramencionados.
Aidoneidadedoobjetoénecessáriaparaarealizaçãodonegócioquesetememvista.Assim,sea
intençãoécelebrarumcontratodemútuo,amanifestaçãodevontadedeverecairsobrecoisafungível.No
comodato,oobjetodeversercoisa infungível.Paraaconstituiçãodeumahipotecaénecessárioqueo
bemdadoemgarantiasejaimóvel,navioouavião.Osdemaisbenssãoinidôneosparaacelebraçãode
talnegócio.
O atual Código não adotou a tricotomia existência-validade-eficácia. Na realidade, não há
necessidadedemencionarosrequisitosdeexistência,poisesseconceitoencontra-senabasedosistema
dosfatosjurídicos.AsistemáticaseguidaéamesmadoCódigode1916.Depoisdeseestabeleceremos
requisitosdevalidadedonegóciojurídico,sãotratadosdoisaspectosligadosàmanifestaçãodavontade:
ainterpretaçãoearepresentação.Emseguida,disciplinam-seacondição,otermoeoencargo,quesão
autolimitações da vontade. Finalmente, surge a parte patológica do negócio jurídico: seus defeitos e
invalidade.
Osrequisitosdevalidadedonegóciojurídico,decarátergeral,são:capacidadedoagente(condição
subjetiva); objeto lícito, possível, determinado ou determinável (condição objetiva); e forma
prescritaounãodefesaemlei(CC,art.104,IaIII).Osdecaráterespecíficosãoaquelespertinentesa
determinadonegóciojurídico.Acompraevenda,porexemplo,temcomoelementosessenciaisacoisa,o
preçoeoconsentimento.
A capacidade do agente é a aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou
declaratário. A incapacidade de exercício é suprida, porém, pelosmeios legais: a representação e a
assistência(CC,art.1.634,V).Osabsolutamenteincapazesnãoparticipamdoato,sendorepresentados
pelospais,tutoresoucuradores.Osrelativamenteincapazesjáparticipamdoato,juntocomosreferidos
representantes,queassimosassistem.
Aincapacidadenãoseconfundecomosimpedimentosoufaltadelegitimação.Estaéaincapacidade
paraapráticadedeterminadosatos.Oascendentenãoestarálegitimadoavenderbensaumdescendente
enquantonãoobtiveroconsentimentodoseucônjugeedosdemaisdescendentes(CC,art.496),embora
não sejaum incapaz,genericamente,para realizarnegócios jurídicos.Aproibição impostaao tutorde
adquirirbensdopupilo,mesmoemhastapública,criaumimpedimentooufaltadelegitimaçãoquenão
importaemincapacidadegenérica.
Avalidadedonegóciojurídicorequer,ainda,objetolícito.Objeto lícitoéoquenãoatentacontraa
lei,amoralouosbonscostumes.Quandooobjetodocontratoéimoral,ostribunaisporvezesaplicamo
princípio de direito de que ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam
turpitudinemallegans).Talprincípioé aplicadopelo legislador,por exemplo,noart. 150doCódigo
Civil,quereprimeodolooutorpezabilateral.
Oobjetodeve ser, também,possível.Quando impossível, o negócio é nulo.A impossibilidade do
objetopodeserfísicaoujurídica.Impossibilidadefísicaéaqueemanadeleisfísicasounaturais.Deve
ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente. A relativa, que atinge o devedormas não outras
pessoas,nãoconstituiobstáculoaonegóciojurídico(CC,art.106).Impossibilidade jurídicadoobjeto
ocorrequandooordenamentojurídicoproíbe,expressamente,negóciosarespeitodedeterminadobem,
comoaherançadepessoaviva(CC,art.426),algunsbensforadocomércioetc.Ailicitudedoobjetoé
maisampla,poisabrangeoscontráriosàmoraleaosbonscostumes.
O objeto do negócio jurídico deve ser, também, determinado ou determinável (indeterminado
relativamente ou suscetível de determinação nomomento da execução).Admite-se, assim, a venda de
coisa incerta, indicadaaomenospelogêneroepelaquantidade (CC,art.243),queserádeterminada
pela escolha,bemcomoavendaalternativa, cuja indeterminaçãocessa coma concentração (CC, art.
252).
Oterceirorequisitodevalidadedonegóciojurídicoéaforma.Deveseraprescritaounãodefesaem
lei.Emregra,aformaélivre.Aspartespodemcelebrarocontratoporescrito,públicoouparticular,ou
verbalmente,anãosernoscasosemquealei,paradarmaiorsegurançaeseriedadeaonegócio,exijaa
forma escrita, pública ou particular (CC, art. 107). É nulo o negócio jurídico quando “não revestir a
forma prescrita em lei” ou “for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade”(art.166,IVeV).Emalgunscasosaleireclamatambémapublicidade,medianteosistemade
RegistrosPúblicos(CC,art.221).
Na mesma esteira, estabelece o art. 406 do Código de Processo Civil: “Quando a lei exigir
instrumentopúblicocomodasubstânciadoato,nenhumaoutraprova,pormaisespecialqueseja,pode
suprir-lhe a falta”. Por sua vez, estatui o art. 188 domesmo diploma: “Os atos e termos processuais
independemdeformadeterminada,salvoquandoaleiexpressamenteaexigir,considerando-seválidos
osque,realizadosdeoutromodo,lhepreenchamafinalidadeessencial”.
Podem ser distinguidas três espécies de formas: forma livre, forma especial (ou solene) e forma
contratual.
a)Formalivre—Éapredominantenodireitobrasileiro.Équalquermeiodemanifestaçãodavontade,nãoimpostoobrigatoriamentepelalei(palavraescritaoufalada,escritopúblicoouparticular,gestos,mímicasetc.).
b)Formaespecial (ousolene)—Éaexigidapela lei,comorequisitodevalidadededeterminadosnegóciosjurídicos.Emregra,aexigênciadequeoatosejapraticadocomobservânciadedeterminadasolenidadetemporfinalidadeasseguraraautenticidadedosnegócios,garantiralivremanifestaçãodavontade, demonstrar a seriedade do ato e facilitar a sua prova.A forma especial pode ser única oumúltipla (plural).Formaúnica é aque,por lei,nãopode ser substituídaporoutra.Exemplos:oart.108,queconsideraaescriturapúblicaessencialàvalidadedasalienaçõesimobiliárias,nãodispondoaleiemcontrário;oart.1.964,queautorizaadeserdaçãosomentepormeiodetestamento;osarts.1.535e1.536,queestabelecemformalidadesparaocasamentoetc.Formamúltipla(ouplural)diz-sequandooatoésolenemasaleipermiteaformalizaçãodonegóciopordiversosmodos,podendoointeressadooptarvalidamenteporumdeles.Comoexemploscitam-seo reconhecimentovoluntáriodo filho,quepodeser feitodequatromodos,deacordocomoart.1.609doCódigoCivil; a transação,quepodeefetuar-seportermosnosautosouescriturapública(CC,art.842);ainstituiçãodeumafundação,que
podeocorrerporescriturapúblicaouportestamento(art.62);arenúnciadaherança,quepodeserfeitaporescriturapúblicaoutermojudicial(art.1.806).
c)Formacontratual—Éa convencionadapelas partes.Oart. 109doCódigoCivil dispõeque, no“negóciojurídicocelebradocomacláusuladenãovalerseminstrumentopúblico,esteédasubstânciadoato”.Oscontratantespodem,portanto,medianteconvenção,determinarqueo instrumentopúblicotorne-senecessárioparaavalidadedonegócio.
Tambémsedizqueaformapodeseradsolemnitatemouadprobationemtantum.Aprimeira,quando
determinadaformaédasubstânciadoato,indispensávelparaqueavontadeproduzaefeitos.Exemplo:a
escriturapública,naaquisiçãodeimóvel(art.108),eosmodosdereconhecimentodefilhos(art.1.609).
Asegunda,quandoaformadestina-seafacilitaraprovadoato.ClóvisBeviláquacriticaessadistinção,
afirmando que não hámais formas impostas exclusivamente para prova dos atos. Estes ou têm forma
especial,exigidaporlei,ouaformaélivre,podendo,nessecaso,serdemonstradaportodososmeios
admitidosemdireito(CPC/2015,art.369).Entretanto,alavraturadoassentodecasamentonolivrode
registro (art.1.536)podesermencionadacomoexemplodeformalidadeadprobationemtantum,pois
destina-seafacilitaraprovadocasamento,emboranãosejaessencialàsuavalidade.
Não se deve confundir forma, que émeio para exprimir a vontade, comprova do ato ou negócio
jurídico,queémeioparademonstrarasuaexistência(v.arts.212es.).
28.RESERVAMENTAL
Prescreveoart.110doCódigoCivil:“Amanifestaçãodevontadesubsisteaindaqueoseuautorhaja
feitoareservamentaldenãoquereroquemanifestou,salvosedelaodestinatáriotinhaconhecimento”.
Ocorreareservamentalquandoumdosdeclarantesocultaasuaverdadeiraintenção,istoé,quando
não quer um efeito jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante ou
declaratário.Seeste,entretanto,nãosoubedareserva,oatosubsisteeproduzosefeitosqueodeclarante
nãodesejava.Areserva,istoé,oquesepassanamentedodeclarante,éindiferenteaomundojurídicoe
irrelevantenoqueserefereàvalidadeeeficáciadonegóciojurídico.
Seodeclaratárioconheceareserva,asoluçãoéoutra.OCódigoCivilportuguêsmandaaplicar,nesse
caso, o regime da simulação, considerando nula a declaração. No sistema do atual Código Civil
brasileiro,porém,configura-sehipótesedeausênciadevontade,considerando-seinexistenteonegócio
jurídico(cf.art.110,retro).Podemsercitados,comoexemplosdereservamental,adeclaraçãodoautor
deobraliterária,aoanunciarqueoprodutodavendadoslivrosterádestinaçãofilantrópica,comoúnico
objetivo, porém, de vendermaior número de exemplares; o casamento realizado por estrangeiro com
mulherdopaísemqueestáresidindo,comaúnicafinalidadedenãoserexpulso(seamulhernãotiver
conhecimentodareserva,ocasamentoéválidoenãopoderáseranulado;setiverdelaconhecimento,em
tesepoderáocasamentoseranuladooudeclaradoinexistente,conformealegislaçãodessepaís).
CAPÍTULOII
DAREPRESENTAÇÃO
29.INTRODUÇÃO
O presente capítulo (arts. 115 a 120) trata dos preceitos gerais sobre a representação legal e a
voluntária. Preceitua o art. 115 que os “poderes de representação conferem-se por lei ou pelo
interessado”.Eoart.120aduz:“Osrequisitoseosefeitosdarepresentaçãolegalsãoosestabelecidos
nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial desteCódigo”. Esta
última é disciplinada no capítulo concernente aomandato, uma vez que, em nosso sistema jurídico, a
representaçãoédaessênciadessecontrato(cf.art.653).
É de destacar, no presente capítulo, o art. 119, que dispõe: “É anulável o negócio concluído pelo
representanteemconflitodeinteressescomorepresentado,setalfatoeraoudeviaserdoconhecimento
dequemcomaqueletratou”.Oparágrafoúnicoestabeleceoprazodecadencialdecentoeoitentadias,a
contardaconclusãodonegóciooudacessaçãodaincapacidade,parapleitear-seaanulaçãoprevistano
caputdoartigo.
30.CONTRATOCONSIGOMESMO(AUTOCONTRATO)
Oart.117doCódigoCiviltratadoautocontratooucontratoconsigomesmo,considerando-o,em
princípio, anulável, nestes termos: “Salvo seopermitir a lei ouo representado, é anulável onegócio
jurídicoqueorepresentante,noseuinteresseouporcontadeoutrem,celebrarconsigomesmo”.Aduzo
parágrafoúnico: “Paraesseefeito, tem-secomocelebradopelo representanteonegócio realizadopor
aqueleemquemospodereshouveremsidosubstabelecidos”.
Como o contrato, por definição, é um acordo de vontades, não se admite a existência de contrato
consigomesmo,salvoseopermitiraleiouorepresentado.Oquehá,narealidade,sãosituaçõesquese
assemelhamanegóciodessanatureza, comoocorrenocumprimentodemandato em causa própria,
previstonoart.685doCódigoCivil,emqueomandatáriorecebepoderesparaalienardeterminadobem,
pordeterminadopreço,aterceirosouasipróprio.Naúltimahipóteseapareceapenasumapessoaaoato
dalavraturadaescritura,massóaparentemente,porqueomandatárioestáalirepresentandoomandante.
Este, quando da outorga da procuração, já fez uma declaração de vontade. Preceitua a Súmula 60 do
Superior Tribunal de Justiça: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário
vinculadoaomutuante,noexclusivointeressedeste”.Arazãoéquetalsituaçãoconfiguramodalidadede
contratoconsigomesmo.PelanovasistemáticadoCódigoCivil,porém,aobrigaçãocambialéapenas
anulável.
CAPÍTULOIII
DACONDIÇÃO,DOTERMOEDOENCARGO
31.INTRODUÇÃO
Além dos elementos essenciais, que constituem requisitos de existência e de validade do negócio
jurídico, pode este conter outros elementosmeramenteacidentais, introduzidos facultativamente pela
vontadedaspartes,nãonecessáriosàsuaessência.Umavezconvencionados,passam,porém,aintegrá-
lo, de forma indissociável.OatualCódigoabandonouo título “Dasmodalidadesdoato jurídico”, do
diplomaanterior,porimpróprio.
São três os elementos acidentais no direito brasileiro: acondição, o termo e oencargo (modo).
Essasconvençõesacessóriasconstituemautolimitaçõesdavontadeesãoadmitidasnosatosdenatureza
patrimonialemgeral(comalgumasexceções,comonaaceitaçãoerenúnciadaherança),masnãopodem
integrar os de caráter eminentemente pessoal, como os direitos de família puros e os direitos
personalíssimos. Não comportam condição, por exemplo, o casamento, o reconhecimento de filho, a
adoção,aemancipaçãoetc.
32.CONDIÇÃO
O conceito de condição nos é dado pelo art. 121 do Código Civil: é a cláusula que, derivando
exclusivamentedavontadedaspartes,subordinaoefeitodonegóciojurídicoaeventofuturoeincerto.A
frase “derivando exclusivamente da vontade das partes” afasta do terreno das condições em sentido
técnico as condições impostas pela lei. Os requisitos, portanto, para que se configure o negócio
condicionalsãoafuturidadeeaincerteza.
Quanto à futuridade, pode-se dizer quenão se considera condiçãoo fato passadooupresente,mas
somente o futuro. Exemplo clássico é o de Spencer Vampré, em que alguém promete certa quantia a
outremseestiverpremiadooseubilhetedeloteriacorridonodiaanterior.Nessecaso,ouobilhetenão
foipremiadoe,então,adeclaraçãoéineficaz,ouofoieaobrigaçãoépuraesimplesenãocondicional.
Malgrado chamadasde condições impróprias, na realidadenão constituempropriamente condições.O
evento,aquese subordinaoefeitodonegócio,deve tambémser incerto.Se forcerto,comoamorte,
condiçãonãohaverá,massimtermo.
Háváriasespéciesdecondiçõesquepodemserclassificadasquanto:
a) À licitude— Sob esse aspecto, as condições podem ser lícitas ou ilícitas. Dispõe o art. 122 doCódigoCivilquesãolícitas,emgeral,“todasascondiçõesnãocontráriasàlei,àordempúblicaouaosbonscostumes”.Acontrariosensu,serãoilícitastodasasqueatentaremcontraproibiçãoexpressaouvirtualdoordenamentojurídico,amoralouosbonscostumes.Éilícita,porexemplo,acláusulaqueobriga alguém amudar de religião, por contrariar a liberdade de credo assegurada na ConstituiçãoFederal, bem como a de alguém se entregar à prostituição. Em geral, as cláusulas que afetam aliberdadedaspessoassósãoconsideradasilícitasquandoabsolutas,comoaqueproíbeocasamentoouexigeaconservaçãodoestadodeviuvez.Sendorelativas,comoadesecasaroudenãosecasarcomdeterminadapessoa,nãosereputamproibidas.OCódigoCivil,nosarts.122e123,proíbeexpres-samente as condições que privarem de todo efeito o ato (perplexas); as que o sujeitarem ao puroarbítrio de uma das partes (puramente potestativas); as física ou juridicamente impossíveis; e asincompreensíveisoucontraditórias.
b) À possibilidade—As condições podem ser possíveis e impossíveis. Estas podem ser física oujuridicamenteimpossíveis.Fisicamenteimpossíveissãoasquenãopodemsercumpridaspornenhumserhumano,comoadecolocartodaaáguadosoceanosemumpequenocopo,porexemplo.Desdequea impossibilidade física seja genérica, não restrita ao devedor, têm-se por inexistentes, quandoresolutivas (CC, art. 124), isto é, serão consideradas não escritas. A mesma solução aplica-se àsjuridicamenteimpossíveis.Condiçãojuridicamenteimpossíveléaqueesbarraemproibiçãoexpressado ordenamento jurídico ou fere amoral ou os bons costumes.Como exemplo da primeira hipótesepodesermencionadaacondiçãodeadotarpessoadamesmaidadeouaderealizarnegócioquetenhaporobjetoherançadepessoaviva;e,dasegunda,acondiçãodecometercrimeoudeseprostituir.
Preceituaoart.123doCódigoCivilqueascondiçõesfísicaoujuridicamenteimpossíveisinvalidam
osnegóciosjurídicosquelhessãosubordinados,quandosuspensivas(I).Assim,tantoacondiçãocomo
o contrato são nulos. Segundo ainda dispõe o mencionado dispositivo, também contaminam todo o
contrato “as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita” (II), e “as condições incompreensíveis ou
contraditórias”(III).
c) À fonte de onde promanam — Sob esse ângulo, as condições classificam-se em casuais,potestativasemistas,segundopromanemdeeventofortuito,davontadedeumdoscontraentesou,aomesmotempo,davontadedeumdoscontraentesedeoutracircunstância,comoavontadedeterceiro.Podemseracrescentadas,também,asperplexaseaspromíscuas.
Casuaissãoasquedependemdoacaso,dofortuito,defatoalheioàvontadedaspartes.Opõem-seàs
potestativas. Exemplo clássico: “dar-te-ei tal quantia se chover amanhã”. Potestativas são as que
decorrem da vontade de uma das partes, dividindo-se em puramente potestativas e simplesmente
potestativas.Somenteasprimeirassãoconsideradasilícitaspeloart.122doCódigoCivil,queasinclui
entreascondiçõesdefesasporsujeitaremtodooefeitodoato“aopuroarbítriodeumadaspartes”,sem
ainfluênciadequalquerfatorexterno.Éacláusulasivoluero(semeaprouver),muitasvezessobaforma
de“seeuquiser”,“seeulevantarobraço”eoutras,quedependemdemerocapricho.Assimplesmente
(oumeramente)potestativassãoadmitidaspordependernãosódamanifestaçãodevontadedeumadas
partes,comotambémdealgumacontecimentooucircunstânciaexteriorqueescapaaoseucontrole.Por
exemplo:“dar-te-eitalbemseforesaRoma”.Talviagemnãodependesomentedavontade,mastambém
daobtençãodetempoedinheiro.Tem-seentendidoqueacláusula“pagareiquandopuder”ou“quando
possível”nãoconstituiarbítriocondenável.Mistassãoascondiçõesquedependemsimultaneamenteda
vontadedeumadaspartesedavontadedeumterceiro.Exemplos:“dar-te-eitalquantiasecasarescom
tal pessoa” ou “se constituíres sociedade com fulano”. A eficácia da liberalidade, nesses casos, não
dependesomentedavontadedobeneficiário,mas,também,doconsentimentodeterceirapessoaparao
casamentoouparaaconstituiçãodasociedade.
Oart.122doCódigoCivilinclui,ainda,entreascondiçõesdefesas,“asqueprivaremdetodoefeitoo
negóciojurídico”.Sãoascondiçõesperplexas.Ascondiçõespuramentepotestativaspodemperderesse
caráteremrazãodealgumacontecimentoinesperado,casual,quevenhaadificultarsuarealização.É,de
início,puramentepotestativaacondiçãodeescalardeterminadomorro.Masperderáessecaráterseo
agente, inesperadamente, vier a padecer de algum problema físico que dificulte e torne incerto o
implemento da condição.Nesse caso, a condição transforma-se empromíscua. As potestativas eram
chamadas de promíscuas pelos romanos porque de um momento para outro podiam deixar de sê-lo,
passando a reger-se pelo acaso. Não se confundem, no entanto, com as mistas, porque nestas a
combinaçãodavontadeedoacasoéproposital.
Não se considera condição a cláusula que não deriva exclusivamente da vontade das partes, mas
decorranecessariamentedanaturezadodireitoaqueacede.Assim,adealienardeterminadoimóvelse
forporescriturapúblicaouafórmula“seocomodatoforgratuito”nãoconstituemverdadeiramenteuma
condição,pois trata-sedeelementosque fazempartedaessênciadessesnegócios (escriturapúblicae
gratuidadedocomodato),sendochamadosdeconditionesjuris.
d) Ao modo de atuação— Assim considerada, a condição pode ser suspensiva ou resolutiva. Aprimeira (suspensiva) impedequeoatoproduzaefeitosatéa realizaçãodoevento futuroe incerto.Exemplo: “dar-te-ei tal bem se lograres tal feito”.Não se terá adquirido o direito enquanto não severificar a condição suspensiva (CC, art. 125). Resolutiva é a que extingue, resolve o direitotransferidopelonegócio,ocorridooevento futuroe incerto.Porexemplo:obeneficiáriodadoação,depois de recebido o bem, casa-se com a pessoa que o doador proibira, tendo este conferido aoeventual casamento o caráter de condição resolutiva; ou alguém constitui uma renda em favor deoutrem,enquantoesteestudar.
Ascondiçõespodemserconsideradassobtrêsestados.Enquantonãoseverificaounãosefrustrao
evento futuro e incerto, a condição encontra-se pendente. A verificação da condição chama-se
implemento.Nãorealizada,ocorreafrustraçãodacondição.Pendenteacondiçãosuspensiva,nãose
terá adquirido o direito a que visa o negócio jurídico.Na condição resolutiva, o direito é adquirido
desdelogo,maspodeextinguir-se,paratodososefeitos,seocorreroseuimplemento.Mas,“seapostaa
umnegóciodeexecuçãocontinuadaouperiódica,asuarealização,salvodisposiçãoemcontrário,não
temeficáciaquantoaosatosjápraticados,desdequecompatíveiscomanaturezadacondiçãopendentee
conformeaosditamesdeboa-fé” (CC,art.128).Oart.130permiteao titulardedireitoeventual,nos
casos de condição suspensiva ou resolutiva, o exercício de atos destinados a conservá-lo, como a
interrupçãodaprescrição,aexigênciadecauçãoaofiduciário(art.1.953,parágrafoúnico)etc.
Verificada a condição suspensiva, o direito é adquirido. Embora a incorporação ao patrimônio do
titularocorrasomenteporocasiãodoimplementodacondição,odireitocondicionalconstituir-se-ána
data da celebração do negócio, como se desde o início não fosse condicional. Frustrada a condição,
considera-se nunca tendo existido o negócio. Preceitua o art. 129: “Reputa-se verificada, quanto aos
efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem
desfavorecer,considerando-se,aocontrário,nãoverificadaacondiçãomaliciosamente levadaaefeito
por aquele a quem aproveita o seu implemento”.Como exemplo pode sermencionada a condição de
pagar somente se as ações de determinada empresa alcançarem certo valor, e houvermanipulação na
BolsadeValores,pelointeressado,paraevitarqueovalorestipuladoseverifique.
A condição resolutiva pode ser expressa ou tácita. O atual Código suprimiu a referência que o
parágrafo único do art. 119 do diploma de 1916 fazia à condição resolutiva tácita, por não se tratar
propriamente de condição em sentido técnico, considerando-se que esta só se configura se aposta ao
negócio jurídico. E a denominada condição resolutiva expressa— que é, juridicamente, condição—
opera,comoqualqueroutracondiçãoemsentidotécnico,deplenodireito.Emqualquercaso,noentanto,
a resoluçãoprecisa ser judicialmentepronunciada.Em todosos contratosbilaterais ou sinalagmáticos
presume-se a existência de uma cláusula resolutiva tácita (CC, art. 475), que não é propriamente
condiçãoedependedeinterpelação,sendodenominadaconditionesjuris.
Prescreve,porfim,oart.126doCódigoCivilque,“sealguémdispuserdeumacoisasobcondição
suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novasdisposições, estas não terãovalor, realizada a
condição, se com ela forem incompatíveis”. Exemplo: doação sob condição suspensiva e posterior
oferecimentoempenhor,aterceiro,domesmobem;realizadaacondição,extingue-seopenhor.Trata-se
deaplicaçãodoprincípiodaretroatividadedascondições,reafirmadonoart.1.359doCódigoCivil:
“Resolvidaapropriedadepeloimplementodacondiçãooupeloadventodotermo,entendem-setambém
resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a
resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha”. Quem adquire domínio
resolúvel está assumindo um risco, não podendo alegar prejuízo se advier a resolução. Em regra,
extinguem-seosdireitosconstituídospendenteconditione,valendoapenasosatosdeadministração,bem
comoosdepercepçãodosfrutos(CC,arts.1.214es.).Aretroatividadedacondiçãosuspensivanãoé
aplicável, contudo, aos direitos reais, uma vez que só há transferência do domínio após a entrega do
objetosobreoqualversamouapósoregistrodaescritura.
33.TERMO
Termoéodiaemquecomeçaouseextingueaeficáciadonegóciojurídico.Termoconvencionaléa
cláusulacontratualquesubordinaaeficáciadonegócioaeventofuturoecerto.Diferedacondição,que
asubordinaaeventofuturoeincerto.Apesardessadistinção,podeocorrerqueotermo,emboracertoe
inevitávelnofuturo,sejaincertoquantoàdatadesuaverificação.Exemplo:determinadobempassaráa
pertencera talpessoaapartirdamortedeseuproprietário.Amorteécerta,masnãose sabequando
ocorrerá(adataéincerta).Sobesseaspecto,otermopodeserdivididoem incerto,comonoreferido
exemplo,ecerto,quandosereportaadeterminadadatadocalendárioouadeterminadolapsodetempo.
Termodedireitoéoquedecorredalei.Etermodegraçaéadilaçãodeprazoconcedidaaodevedor.
Otermopodeser,também,inicialoususpensivo(diesaquo)efinalouresolutivo(diesadquem).Se
forcelebrado,porexemplo,umcontratodelocaçãonodiavintededeterminadomêsparatervigênciano
diaprimeirodomêsseguinte,estadataseráotermoinicial.Setambémficarestipuladaadataemque
cessará a locação, esta constituirá o termo final. O termo inicial suspende o exercício, mas não a
aquisição do direito (CC, art. 131). Por suspender o exercício do direito, assemelha-se à condição
suspensiva,queproduz tambémtalefeito.Diferem,noentanto,porqueacondiçãosuspensiva,alémde
suspenderoexercíciododireito,suspendetambémasuaaquisição.Otermonãosuspendeaaquisiçãodo
direito, mas somente protela o seu exercício. A segunda diferença já foi apontada: na condição
suspensiva,oeventodoqualdependeaeficáciadoatoéfuturoeincerto,enquantonotermoéfuturoe
certo.
Emrazãodetalsemelhança,dispõeoart.135doCódigoCivilque“Aotermoinicialefinalaplicam-
se,noquecouber,asdisposiçõesrelativasàcondiçãosuspensivaeresolutiva”.Assim,otermonãoobsta
ao exercício dos atos destinados a conservar o direito a ele subordinado, como o de interromper a
prescriçãoouderechaçaratosdeesbulhoouturbação.
Termonão se confunde comprazo, também regulamentado peloCódigoCivil.Prazo é o intervalo
entreotermoaquoeotermoadquem,estandoregulamentadonosarts.132a134doCódigoCivil.Na
contagemdosprazos,exclui-seodiadocomeçoeinclui-seodovencimento(art.132).Seestecairem
feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil (§ 1º).Meado considera-se, em
qualquermês, o seu décimo quinto dia (§ 2º). “Os prazos demeses e anos expiram no dia de igual
número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência” (§ 3º), como ocorre em ano
bissexto. “Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto” (§ 4º), como no pedido de
falência,porexemplo.
Nostestamentos,presume-seoprazoemfavordoherdeiro(CC,art.133).Assim,seotestadorfixar
prazoparaaentregado legado, entender-se-áque foi estabelecidoem favordoherdeiro,obrigadoao
pagamento,enãodolegatário.Noscontratos,presume-seemproveitododevedor.Dessemodo,podeo
devedorrenunciaraoprazoeanteciparopagamentodadívida,paralivrar-se,porexemplo,deumíndice
de atualização monetária que estaria vigorando na data do seu vencimento, sem que o credor possa
impedi-lo. No entanto, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que o prazo se
estabeleceuabenefíciodocredoroudeambososcontratantes(CC,art.133,2ªparte),talrenúncianão
poderá ocorrer sem a anuência do credor, salvo se a avença for regida pelo Código de Defesa do
Consumidor. Permite esse Código, sem distinção, a liquidação antecipada do débito, com redução
proporcionaldosjuros(art.52,§2º).
Osnegóciosjurídicosentrevivos,paraosquaisnãoseestabeleceprazo,sãoexequíveisdesdelogo.
Aregra,entretanto,nãoéabsoluta,comoressalvaoart.134doCódigoCivil,poisalgunsatosdependem
decertotempo,sejaporqueterãodeserpraticadosemlugardiverso,sejapelasuapróprianatureza.Em
umcontratodeempreitadaparaaconstruçãodeumacasa,porexemplo, semfixaçãodeprazo,nãose
pode exigir a imediata execução e conclusão da obra, que depende, naturalmente, de certo tempo.Na
compradeumasafraoprazonecessárioseráaépocadacolheita.Aobrigaçãodeentregarbens,como
animais, por exemplo, quedeverão ser transportados para localidadedistante, nãopode ser cumprida
imediatamente.
34.ENCARGOOUMODO
Trata-sedecláusulaacessóriaàsliberalidades(doações,testamentos),pelaqualseimpõeumônusou
obrigação ao beneficiário. É admissível, também, em declarações unilaterais da vontade, como na
promessa de recompensa. É comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação de
construirumhospital,escola,crecheoualgumoutromelhoramentopúblico;enostestamentos,emquese
deixaaherançaaalguém,comaobrigaçãodecuidardedeterminadapessoaoudeanimaisdeestimação.
Emregra,éidentificadapelasexpressões“paraque”,“afimdeque”,“comaobrigaçãode”.
Segundodispõeoart.136doCódigoCivil,o“encargonãosuspendeaaquisiçãonemoexercíciodo
direito...”. Assim, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens transmitem-se desde logo aos
herdeirosnomeados,comaobrigação,porém,decumpriroencargoaelesimposto.Seesseencargonão
forcumprido,aliberalidadepoderáserrevogada.
Dispõeoart.553doCódigoCivilque“odonatárioéobrigadoacumprirosencargosdadoação,caso
foremabenefíciododoador,deterceiro,oudointeressegeral”.Acrescentaoparágrafoúnico:“Sedesta
última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do
doador,seestenãotiverfeito”.Oart.1.938acrescequeaolegatário,noslegadoscomencargo,aplica-se
odispostoquantoàsdoaçõesdeigualnatureza,omesmoacontecendocomosubstituto,porforçadoart.
1.949. E o art. 562 prevê que a doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o
donatário incorrer emmora.Taldispositivoaplica-se,por analogia, às liberalidadescausamortis. O
terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está legitimado a propor ação
revocatória. Esta é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por ele
intentada, caso venha a falecer depois do ajuizamento. O instituidor também pode reclamar o
cumprimentodoencargo.OMinistérioPúblicosópoderáfazê-lodepoisdamortedoinstituidor,seeste
nãootiverfeitoeseoencargofoiimpostonointeressegeral.
O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do direito, enquanto
aquele não suspende a aquisiçãonemo exercíciododireito.A condição suspensiva é imposta como
empregodapartícula“se”,eoencargocomasexpressões“paraque”,“comaobrigaçãode”etc.Difere,
também, da condição resolutiva, porque não conduz, por si, à revogação do ato. O instituidor do
benefíciopoderáounãoproporaaçãorevocatória,cujasentençanãoteráefeitoretroativo.Oencargo
podeserimpostocomocondiçãosuspensivaecomefeitosprópriosdesteelementoacidental,desdeque
taldisposiçãosejaexpressa(art.136,2ªparte).
Preenchendo lacuna do Código Civil de 1916, o atual disciplina o encargo ilícito ou impossível,
dispondo,noart. 137: “considera-senãoescritoo encargo ilícitoou impossível, salvo se constituiro
motivodeterminantedaliberalidade,casoemqueseinvalidaonegóciojurídico”.
QUADROSINÓTICO–DONEGÓCIOJURÍDICO
1.Fatojurídico
Conceito Fatojurídicoétodoacontecimentodavidarelevanteparaodireito,mesmoquesejafatoilícito.
1.Fatojurídico
Classificação
Fatos
naturais
ordinários(nascimento,morteetc.)
extraordinários(raio,tempestadeetc.)
Fatos
humanos
(atosjurí-
dicosem
sentidoamplo)
lícitos
a)atojurídicoemsentidoestrito;
b)negóciojurídico;
c)ato-fatojurídico.
ilícitos
a)Atojurídicoemsentidoestrito:oefeitodamanifestaçãodavontadeestápredeterminadonalei.Bastaameraintenção.Ésempreunilateral.
b)Negócio jurídico: é, em regra, bilateral. Exige vontade qualificada. Permite a criação desituaçõesnovaseaobtençãodemúltiplosefeitos.Amanifestaçãodevontadetemfinalidade
Atoslícitosnegocial: criar, modificar, extinguir direitos. Mas há alguns poucos negócios jurídicosunilaterais,emqueocorreoseuaperfeiçoamentocomumaúnicamanifestaçãodevontadeesecriamsituaçõesjurídicas:testamento,instituiçãodefundaçãoetc.
c)Ato-fato jurídico: ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar emconsideraçãoavontadedepraticá-lo.Assim,olouco,pelosimplesachadodotesouro,torna-seproprietáriodepartedele,porqueestaéaconsequênciaprevistanoart.1.264doCódigoCivilparaquemoacharcasualmenteemterrenoalheio.
2.Classifica-
çãodos
negóciosjurídicos
a)unilaterais,bilateraiseplurilaterais;
b)gratuitoseonerosos,neutrosebifrontes;
c)intervivosemortiscausa;
d)principaiseacessórios;
e)solenes(formais)enãosolenes(deformalivre);
f)simples,complexosecoligados;e
g)fiduciáriosesimulados.
3.Interpre-
taçãodo
negóciojurídico
a)Nasdeclaraçõesdevontadeseatenderámaisàintençãonelasconsubstanciadadoqueaosentidoliteraldalinguagem(art.112).Prevalênciadateoriadavontade.
b)Osnegóciosjurídicosdevemserinterpretadosconformeaboa-féeosusosdolugardesuacelebração(art.113).
c)Osnegóciosjurídicosbenéficosearenúnciainterpretam-serestritivamente(art.114).
d) Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar ainterpretaçãomaisfavorávelaoaderente(art.423).
e)Atransaçãointerpreta-serestritivamente(art.843).
f)Afiançanãoadmiteinterpretaçãoextensiva(art.819).
g)Aintençãodaspartespodeserapuradapelomodocomovinhamexecutandoocontrato,decomumacordo.
h)Deve-seinterpretarocontrato,nadúvida,damaneiramenosonerosaparaodevedor.
i)Ascláusulascontratuaisnãodevemserinterpretadasisoladamente,masemconjuntocomasdemais.
4.Elementosdonegóciojurídico
Essenciais
Requisitos
deexistên-
cia
a)manifestaçãodavontade;
b)finalidadenegocial;
c)idoneidadedoobjeto.
Requisitos
devalida-
de(art.104)
a)capacidadedoagente;
b)objetolícito,possível,determinadooudeterminável;
c)formaprescritaounãodefesaemlei.
Acidentais condição,termoeencargo.
5.Requisitosdeexistência
a)Manifestaçãoda vontade, que pode ser expressa, tácita ou presumida.O silêncio pode ser interpretadocomomanifestaçãotácitaquandoalei,ascircunstânciasouosusosoautorizarem(art.111).Avontade,umavez manifestada, obriga o contratante, segundo o princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta suntservanda),aoqualseopõeodaonerosidadeexcessiva(art.478).
Amanifestaçãodavontade“subsisteaindaqueoseuautorhajafeitoareservamentaldenãoquereroquemanifestou,salvosedelaodestinatáriotinhaconhecimento”
5.Requisitosdeexistência
(art.110).Ocorreareservamentalquandoumdosdeclarantesocultaasuaverdadeiraintenção.Onegócioéconsideradoinexistente(nãosubsiste)seodeclaratáriotinhaconhecimentodareserva,tudonãopassandodeumafarsa.
Comoocontratoéumacordodevontades,nãoseadmiteaexistênciadecontratoconsigomesmo,salvoseopermitiraleiouorepresentado(art.117).
b)Finalidadenegocial:intençãodecriar,conservar,modificarouextinguirdireitos.
c)Idoneidadedoobjeto:avontadedeverecairsobreobjetoapto,quepossibilitearealizaçãodonegócioquesetememvista,umavezquecadacontratotemobjetoespecífico.
6.Requisitosdevalidade
a) Capacidade do agente: aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou declaratário. Aincapacidadedeexercícioésuprida,porém,pelosmeioslegais:arepresentaçãoeaassistência(art.1.634,V).Nãoseconfundecomfaltadelegitimação,queéaincapacidadeparaapráticadedeterminadosatos.
b)Objeto lícito é o quenãoatenta contra a lei, amoral ou os bons costumes.Oobjeto deve ser tambémpossível.Quandoimpossível,onegócioénulo.Impossibilidadefísicaéaqueemanadeleisfísicasounaturais.Deveserabsoluta.Ocorreaimpossibilidadejurídicadoobjetoquandooordenamentojurídicoproíbenegóciosarespeitodedeterminadobem(art.426).Ailicitudedoobjetoémaisampla,poisabrangeoscontráriosàmoraleaosbonscostumes,alémdenãoserimpossívelocumprimentodaprestação.Oobjetodeveser,também,determinadooudeterminável.
c)Forma.Deveseraprescritaounãodefesaemlei.Emregra,aformaélivre,anãosernoscasosemquealeiexijaaformaescrita,públicaouparticular(art.107).Hátrêsespéciesdeformas:livre,especialousolene(éa exigida pela lei) e contratual (convencionada pelas partes (art. 109). A forma pode ser, também, adsolemnitatem e ad probationem tantum. A primeira, quando determinada forma é da substância do ato,indispensável,comoaescriturapúblicanaaquisiçãodeimóvel(art.108);asegunda,quandoaformadestina-seafacilitaraprovadoato(lavraturadoassentodecasamentonolivrodoregistro(art.1.536).
7.Elementosacidentais
donegóciojurídico
ConceitoSãodetrêsespécies:condição,termoeencargo.Taiselementosacidentaissãointroduzidosfacultativamente pela vontade das partes e não são necessários à essência do negóciojurídico.
Condição
Conceito: é a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina oefeitodonegóciojurídicoaeventofuturoeincerto(art.121).Sósãoconsideradascondição,portanto,asconvencionais,enãoasimpostaspelalei.
Elementos:futuridadeeincerteza.Ascondiçõessubordinadasaeventopassadooupresentesãodenominadascondiçõesimpróprias.
Classificação:
a)Quantoàlicitude:podemserlícitaseilícitas(art.122,1ªparte).
b)Quantoàpossibilidade:possíveiseimpossíveis.
c)Quanto
àfontede
ondepro-
manam
casuais
potesta-
tivas
puramentepotestativa
simplesmentepotestativa
mistas
Promíscuas são as condições no início puramente potestativas, que se convertem emsimplesmentepotestativasemrazãodefatosuperveniente.
d)Quantoaomododeatuação:suspensivaseresolutivas.
Efeitos:ascondiçõesimpossíveisinvalidamosnegóciosjurídicosquelhessãosubordinados,quando suspensivas, assim como as ilícitas, incompreensíveis e contraditórias (art. 123).Têm-seporinexistentesascondiçõesimpossíveis,quandoresolutivas(art.124).
7.Elementosacidentais
donegóciojurídico
Termo
Conceito:éomomentoemquecomeçaouseextingueaeficáciadonegóciojurídico.
Espécies:a)termoconvencional,termodedireito,termodegraça;b)termoinicial(diesaquo)e final (dies ad quem); c) termo certo e incerto; d) termo impossível (art. 135); e) termoessencialenãoessencial.Éessencialquandooefeitopretendidodevaocorreremmomentobem preciso, sob pena de, verificado depois, não ter mais valor (data para a entrega devestidoparaumacerimônia).
Prazo:éointervaloentreotermoinicialeofinal(arts.132a134).
Encargooumodo
Conceito:cláusulaacessóriaàs liberalidades,pelaqualse impõeumônusouobrigaçãoaobeneficiário. É admissível também em declarações unilaterais, como na promessa derecompensa.
Efeitos:oencargonãosuspendeaaquisiçãonemoexercíciododireito(art.136).Sendoilícitoouimpossível,considera-senãoescrito(art.137).Diferedacondiçãosuspensivaporqueestaimpedeaaquisiçãododireito.Edaresolutiva,porquenãoconduz,porsisó,àrevogaçãodoato.Oinstituidordobenefíciopoderáounãoproporaaçãorevocatória,cujasentençanãoteráefeitoretroativo.
CAPÍTULOIV
DOSDEFEITOSDONEGÓCIOJURÍDICO
35.INTRODUÇÃO
Estecapítulotratadashipótesesemqueavontadesemanifestacomalgumvícioquetorneonegócio
anulável. O Código Civil brasileiro menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de
perigo,lesãoefraudecontracredores.Noart.171,II,dizseranulávelonegóciojurídicoquecontenha
taisvícios.Édequatroanosoprazodedecadênciaparapleitear-seaanulaçãodonegóciojurídico,
contado:a)nocasodecoação,dodiaemqueelacessar;b)nodeerro,dolo, fraudecontracredores,
estadodeperigooulesão,dodiaemqueserealizouonegóciojurídico(art.178,IeII).
Os referidosdefeitos,excetoa fraudecontracredores, sãochamadosdevícios do consentimento
porqueprovocamumamanifestaçãodevontadenãocorrespondentecomoíntimoeverdadeiroquererdo
agente. Criam uma divergência, um conflito entre a vontademanifestada e a real intenção de quem a
exteriorizou.Afraudecontracredoresnãoconduzaumdescompassoentreoíntimoquererdoagenteea
suadeclaração.Avontademanifestadacorrespondeexatamenteaoseudesejo.Maséexteriorizadacoma
intençãodeprejudicarterceiros.Poressarazãoéconsideradavíciosocial.Asimulação,quetambémé
chamadadevíciosocial,porqueobjetivailudirterceirosouviolaralei,constavatambémdestecapítulo,
noCódigoCivilde1916.Oatual,entretanto,trouxeumarelevantealteraçãonessaparte,disciplinando-a
nocapítuloquetratadainvalidadedonegóciojurídico.Oart.167doreferidodiplomadeclaranuloo
negóciojurídicosimulado,subsistindoporémodissimulado,seválidofornasubstânciaenaforma.
36.ERROOUIGNORÂNCIA
No erro, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por
terceiro, caracteriza-se o dolo. Poucas são as ações anulatórias ajuizadas com base no erro, porque
difícilsetornapenetrarnoíntimodoautorparadescobriroquesepassouemsuamentenomomentoda
celebraçãodonegócio.Porisso,sãomaiscomunsasaçõesfundadasnodolo,poisoinduzimentopode
sercomprovadoeaferidoobjetivamente.
OCódigoequiparouosefeitosdoerroàignorância.Erroéaideiafalsadarealidade.Ignorânciaéo
completo desconhecimento da realidade.Dispõe o art. 138 que são “anuláveis os negócios jurídicos,
quandoasdeclaraçõesdevontadeemanaremdeerrosubstancialquepoderiaserpercebidoporpessoa
dediligêncianormal,emfacedascircunstânciasdonegócio”.Pessoadediligêncianormaléaparteque
erra.NãoadotouoCódigoocritériodacognoscibilidadedoerropelaoutraparte.
Nãoé, porém,qualquer espéciede erroque torna anulável onegócio jurídico.Para tantodeve ser
substancial(ouessencial),escusávelereal.
Errosubstancialéoerrosobrecircunstânciaseaspectosrelevantesdonegócio.Hádeseracausa
determinante,ouseja,seconhecidaarealidadeonegócionãoseriacelebrado.Segundooart.139,éo
que:a)interessaànaturezadonegócio(errorinnegotio).Exemplo:ocontratoédecompraevendae
oadquirenteimaginatratar-sededoação;concerneaoobjetoprincipaldadeclaração(errorincorpore).
Exemplo:aquisiçãodeumterrenoquesesupõevalorizadoporquesituadoemruaimportantemasquena
verdadetempoucovalor,poissesituaemruadomesmonome,porémdeoutralocalidade;versasobre
qualidadesessenciaisdoobjeto(errorinsubstantia).Exemplo:aquisiçãodecandelabrosprateados,
masdematerialinferior,comosefossemdeprata;compradeumrelógiodouradocomosefossedeouro;
b)diz respeitoà identidadeouàqualidadeessencialdapessoa a quemse refira adeclaraçãode
vontade(errorinpersona),desdequetenhainfluídonestademodorelevante.Exemplo:doaçãooudeixa
testamentáriaapessoaqueodoadorimagina,equivocadamente,serseufilhonaturalou,ainda,aquelhe
salvouavida;c)sendodedireito(errorjuris)enãoimplicandorecusaàaplicaçãodalei,foromotivo
único ou principal do negócio jurídico. Exemplo: pessoa que contrata a importação de determinada
mercadoriaignorandoexistirleiqueproíbetalimportação.Comotalignorânciafoiacausadeterminante
doato,podeseralegadaparaanularocontrato,semcomissosepretenderquealeisejadescumprida.
Emboraateoriadosvíciosredibitóriosseassentenaexistênciadeumerroeguardesemelhançacom
estequantoàsqualidadesessenciaisdoobjeto,nãoseconfundemosdoisinstitutos.Ovícioredibitórioé
erro objetivo sobre a coisa, que contémumdefeito oculto.O seu fundamento é a obrigaçãoque a lei
impõeatodoalienantedegarantiraoadquirenteousodacoisa.Provadoodefeitooculto,nãofacilmente
perceptível,cabemasaçõesedilícias(redibitóriaequantiminoris—ouestimatória),respectivamente
para rescindirocontratoepedirabatimentodopreço, sendodecadencial eexíguooprazoparaa sua
propositura(trintadias,sesetratardebemmóvel,eumano,seforimóvel).Oerroquantoàsqualidades
essenciaisdoobjetoésubjetivo,poisresidenamanifestaçãodavontade.Dáensejoaoajuizamentode
açãoanulatória,sendodequatroanosoprazodecadencial.Sealguémadquireumrelógioquefunciona
perfeitamente, mas não é de ouro, como o adquirente imaginava (e somente por essa circunstância o
adquiriu),trata-sedeerroquantoàqualidadeessencialdoobjeto.Se,noentanto,orelógioémesmode
ouromasnãofuncionaemrazãododefeitodeumapeçainterna,ahipóteseédevícioredibitório.
Erroescusáveléoerrojustificável,desculpável,exatamenteocontráriodeerrogrosseiro,deerro
decorrentedonãoempregodadiligênciaordinária.Oart.138doCódigoCivil,aoproclamarquesão
anuláveisosnegócios jurídicosquandoasdeclaraçõesdevontadeemanaremde“erro substancialque
poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”,
explicitouanecessidadedequeoerrosejaescusável,adotandoumpadrãoabstrato,odohomemmédio
(homomedius),paraaaferiçãodaescusabilidade.Adotou,assim,ocritériodecompararacondutado
agentecomadamédiadaspessoas,malgradoa jurisprudênciadominanteàépocadapromulgaçãodo
referido diploma preferisse o critério do caso concreto, considerando, em cada hipótese levada aos
tribunais,ascondiçõespessoais(dedesenvolvimentomental,cultural,profissionaletc.)dequemalegao
erro.Assim,pode-seconsiderarescusável,peloreferidocritério,aalegaçãodeerroquantoànatureza
donegócio(celebraçãodecontratodecompraevendajulgandotratar-sededoação,p.ex.)feitaporuma
pessoarústicaeanalfabetae,poroutrolado,considerá-lainescusável,injustificável,quandofeitaporum
advogado.Ocritériodocasoconcretofoiadotado,porém,peloCódigo,paraaaferiçãodagravidadeda
coação(art.152).
Sustentamalgunsautores,porém,queonegóciosóéanulávelseovícioeraconhecidooupoderiaser
reconhecido pelo contratante beneficiado, entendendo que o atual Código exigiu apenas a
cognoscibilidade e não a escusabilidade como requisito do erro. Nesse sentido o Enunciado 12 da
JornadadeDireitoCivil promovidapeloConselhode JustiçaFederal: “Na sistemáticado art. 138, é
irrelevanteserounãoescusáveloerro,porqueodispositivoadotaoprincípiodaconfiança”.
O erro, para anular o negócio, deve ser também real, isto é, efetivo, causador de real prejuízo ao
interessado.Assim,o erro sobreo anode fabricaçãodoveículo adquirido (1994, emvezde1999) é
substancial e real, porque, se o adquirente tivesse conhecimento da realidade, não o teria comprado.
Tendo-o adquirido, sofreu grande prejuízo. No entanto, se o erro dissesse respeito somente à cor do
veículo(preto,emvezdeazul-escuro),seriaacidentalenãotornariaonegócioanulável.
Acidental,portanto,éoerroqueseopõeaosubstancialereal,porqueserefereacircunstânciasde
somenosimportânciaequenãoacarretamefetivoprejuízo,ouseja,aqualidadessecundáriasdoobjeto
oudapessoa.Seconhecidaarealidade,mesmoassimonegócioseriarealizado.
Odireitoalemãoconsideratãograveoerrosobreanaturezadonegócioesobreoobjetoprincipal
da declaração que nem os considera vícios do consentimento. São chamados de erroobstativo (erro
obstáculo) ou impróprio, pois impedemou obstam a própria formação do negócio, que se considera
inexistente.Nodireito italianoeno francêsassimsãochamadossomenteoserrossobreanaturezado
negócio.Nodireitobrasileiro,porém,nãosefazessadistinção,poisseconsideraoerro,qualquerque
seja ahipótese (in negotio, in corpore, in substantia, in personaou juris), vício de consentimento e
causadeanulabilidadedonegócio.
O Código, ao enumerar os casos em que há erro substancial (art. 139), contempla, ao lado das
hipótesesdeerrodefato,quedecorredeumanoçãofalsadascircunstâncias,oerrodedireito(error
juris), desde que não se objetive, com a sua alegação, descumprir a lei ou subtrair-se à sua força
imperativa e seja o motivo único ou principal do negócio jurídico, pois ignorantia legis neminem
excusat(LINDB,art.3º).Pode-se invocaroerrodedireito,porexemplo,paraafastara imputaçãode
má-fé.
OCódigoCivilequiparaoerroàtransmissãodefeituosadavontade(art.141).Seodeclarantenãose
encontranapresençadodeclaratárioesevaledeumintermediário(interpostapessoaounúncio)oude
ummeiodecomunicação(fax,telégrafo,Internetetc.)eatransmissãodavontade,nessescasos,nãose
faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido
erroneamente(mensagemtruncada),caracteriza-seovícioquepropiciaaanulaçãodonegócio.
O motivo do negócio não precisa ser mencionado pelas partes. Motivos são as ideias, as razões
subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a apreciação da validade do
negócio.Emumacompraevenda,osmotivospodemserdiversos:anecessidadedevenda,investimento,
edificaçãodemoradiaetc.Sãoestranhosaodireitoenãoprecisamsermencionados.OCódigoCivilnão
serefereaeles,anãoser,excepcionalmente,noart.140,aoprescreverqueo“falsomotivosóviciaa
declaraçãodevontadequandoexpressocomorazãodeterminante”.Quandoexpressamentemencionados
comorazãodeterminante,osmotivospassamàcondiçãodeelementosessenciaisdonegócio.Oart.140
doCódigoCivilpermite,portanto,queaspartespromovamoerroacidentalaerrorelevante.Oscasos
maiscomuns sãodedeixas testamentárias, comexpressadeclaraçãodomotivodeterminante (filiação,
parentesco,p.ex.),queentretantoserevelam,posteriormente,falsos.
Segundodispõeoart.142doCódigoCivil,oerronaindicaçãodapessoaoudacoisa,aquesereferir
adeclaraçãodevontade,nãoviciaráonegócioquando,porseucontextoepelascircunstâncias,sepuder
identificaracoisaoupessoacogitada.Nodireitodassucessõesháregrasemelhante(art.1.903).Trata-se
deerroacidentalousanável.Porexemplo,odoadorou testadorbeneficiaoseusobrinhoAntônio.Na
realidade, não tem nenhum sobrinho com esse nome.Apura-se, porém, que tem um afilhado de nome
Antônio,aquemsemprechamoudesobrinho.Trata-sededispositivolegalquecomplementaoart.138,
segundooqualaanulaçãodeumnegóciosóéadmissívelemcasodeerrosubstancial.
Oart.143éexpressonosentidodequeoerrodecálculoapenasautorizaaretificaçãodadeclaração
devontade.Porsuavez,oart.144preceituaqueo“erronãoprejudicaavalidadedonegóciojurídico
quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na
conformidadedavontaderealdomanifestante”.Talofertaafastaoprejuízodoqueseenganou,deixando
oerrodeserreale,portanto,anulável.
Questãopoucocomentada,quandoseestudaoerro,éarelativaaointeressenegativo,quedecorre
do fato de o vendedor ver-se surpreendido com uma ação anulatória, julgada procedente, com os
consectários da sucumbência, sem que tenha concorrido para o erro do outro contratante—o que se
configurainjusto,máximejátendodadodestinaçãoaonumeráriorecebido.OCódigoalemãoprevê,para
essescasos,queadoutrinachamade“interessenegativo”,umacompensaçãoparaocontratantequenão
concorreuparaoerro.OCódigoCivilbrasileironãoprevêahipótese,maseladecorredosprincípios
gerais de direito, especialmente o que protege a boa-fé. Poderá, porém, o declaratário, como já
mencionado,evitaraanulação,oferecendo-separaexecutaraavençanaconformidadedavontaderealdo
manifestante,selheforpossível(art.144).
37.DOLO
Doloéoinduzimentomaliciosodealguémàpráticadeumatoquelheéprejudicial,masproveitoso
aoautordodoloouaterceiro.
Dispõeoart.145doCódigoCivilquesão“osnegóciosjurídicosanuláveispordolo,quandoestefor
a sua causa”. É o dolo chamado deprincipal. Éacidental quando, “a seu despeito, o negócio seria
realizado,emboraporoutromodo”.Este“sóobrigaàsatisfaçãodasperdasedanos”(CC,art.146).Diz
respeito,portanto,àscondiçõesdonegócio.
Odolopodeserprovenientedooutrocontratanteoudeterceiro,estranhoaonegócio(CC,art.148).O
dolodeterceiro,noentanto,somenteensejaráaanulaçãodonegócio“seaparteaquemaproveitedele
tivesseoudevesseterconhecimento”.Seobeneficiadopelodolodeterceironãoadverteaoutraparte,
estátacitamenteaderindoaoexpedienteastucioso,tornando-secúmplice.Porexemplo,seoadquirenteé
convencidoporumterceirodequeorelógioqueestáadquirindoédeouro,semquetalafirmaçãotenha
sidofeitapelovendedor,eesteouveaspalavrasdeinduzimentoutilizadaspeloterceiroenãoalertao
comprador,onegócio torna-seanulável.Entretanto, seaparteaquemaproveite (noexemplosupra, o
vendedor)nãosoubedodolodeterceiro,nãoseanulaonegócio.Masolesadopoderáreclamarperdase
danosdoautordodolo(art.148,2ªparte),poisestepraticouumatoilícito(art.186).
Vemdodireitoromanoaclassificaçãododoloembonusemalus.Dolusbonuséodolotolerávelno
comércio em geral. É considerado normal, e até esperado, o fato de os comerciantes exagerarem as
qualidadesdasmercadoriasqueestãovendendo.Nãotornaanulávelonegóciojurídico,porquedecerta
maneiraaspessoasjácontamcomeleenãosedeixamenvolver,amenosquenãotenhamadiligênciaque
se espera do homemmédio. Somente vicia o ato odolusmalus,exercido com o propósito de causar
prejuízo.
Pode, o dolo, tanto ser praticado por ação (dolo positivo) como por omissão (dolo negativo,
reticência ouomissão dolosa). O último é definido, no art. 147 do Código Civil, como o silêncio
intencionaldeumadaspartesarespeitodefatoouqualidadequeaoutrapartehajaignorado.Provando-
seque,semaomissão,onegócionãoseteriacelebrado,podeserpleiteadaasuaanulação.Esteia-setal
dispositivo no princípio da boa-fé, que deve nortear todos os negócios. Tal princípio é reiterado em
outrosdispositivosdoCódigoCivilquecuidamdehipótesesdeomissãodolosa,comooart.180,que
pune o menor que oculta dolosamente a sua idade, e o art. 766, que acarreta a perda do direito ao
recebimento do seguro se o estipulante de seguro de vida oculta dolosamente ser portador de doença
gravequandodaestipulação.
Odolodorepresentanteétratadonoart.149doCódigoCivil,quedistingueorepresentantelegaldo
convencional.Torna, também,anulávelonegócio jurídico seconstituir a suacausadeterminante.Seo
dolo for acidental, só obrigará à satisfação das perdas e danos. Responde pela indenização o
representante, como autor do dolo. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o
representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. Se o dolo for do
representanteconvencional,orepresentadoresponderásolidariamentecomeleporperdasedanos(art.
149),porterescolhidomalomandatário.
Odolopodeser,também,bilateral,istoé,deambasaspartes(CC,art.150).Nessecaso,seambas
têmculpa,umavezquecadaqualquisprejudicar aoutra,nenhumadelaspodealegá-lopara anularo
negócio, ou reclamar indenização. Há uma compensação, porque ninguém pode valer-se da própria
torpeza(nemoauditurpropriamturpitudinemallegans).
O chamado dolo de aproveitamento constitui o elemento subjetivo de outro defeito do negócio
jurídico,queéa lesão.Configura-sequandoalguémseaproveitadasituaçãodeprementenecessidade
oudainexperiênciadooutrocontratanteparaobterlucroexagerado,manifestamentedesproporcionalà
naturezadonegócio(CC,art.157).
38.COAÇÃO
Oquecaracterizaacoaçãoéoempregodaviolênciapsicológicaparaviciaravontade.Coaçãoé
todaameaçaoupressãoexercidasobreumindivíduoparaforçá-lo,contraasuavontade,apraticarum
atoourealizarumnegócio.
Já o direito romanodistinguia a coação absoluta ou física (visabsoluta)da relativa oumoral (vis
compulsiva). Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento ou manifestação da vontade. A
vantagempretendidapelocoatoréobtidamedianteoempregodeforçafísica.Porexemplo:acolocação
daimpressãodigitaldoanalfabetonocontrato,agarrando-seàforçaoseubraço.Embora,porinexistir
nessecasoqualquermanifestaçãodevontade,osautoresemgeralconsideremnuloonegócio,trata-sena
realidadedecasodeinexistênciadonegóciojurídico,porausênciadoprimeiroeprincipalrequisitode
existência,queéavontade.
A coação que constitui vício da vontade e torna anulável o negócio é a relativa oumoral. Nesta,
deixa-seumaopçãoouescolhaàvítima:praticaroatoexigidopelocoatoroucorreroriscodesofreras
consequênciasdaameaçaporelefeita.Trata-se,portanto,deumacoaçãopsicológica.
EmboraoCódigoCivilnãofaçaadistinção,adoutrinaentendeexistircoaçãoprincipaleacidental,
comonodolo.Aquelaseriaacausadeterminantedonegócio;estainfluenciariaapenasascondiçõesda
avença,ouseja,semelaonegócioassimmesmoserealizaria,masemcondiçõesmenosdesfavoráveisà
vítima. A coação principal constitui causa de anulação do negócio; a acidental somente obriga ao
ressarcimentodoprejuízo.
Nemtodaameaça,entretanto,configuracoação.Oart.151doCódigoCivilespecificaosrequisitos
paraqueacoaçãopossaviciaroconsentimento.Assim:
a) Deve ser a causa do ato — Deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o atoextorquido, ou seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ouviolência,queprovocounavítimafundadoreceiodedanoàsuapessoa,àsuafamíliaouaosseusbens.Semela,onegócionãoseteriaconcretizado.
b)Deve sergrave—A coação deve ser de tal intensidade que efetivamente incuta ao paciente umfundadotemordedanoabemqueconsiderarelevante.
Para aferir a gravidade ou não da coação, não se considera o critério do homem médio (padrão
abstrato), ou seja, não se compara a reação da vítima com a do homemmédio ou normal. Por esse
critério, se a média das pessoas se sentir atemorizada na situação da vítima, então a coação será
considerada grave. Segue-se o critério do caso concreto, ou seja, o de avaliar, em cada caso, as
condiçõesparticularesoupessoaisdavítima.Algumaspessoas,emrazãodediversosfatores,sãomais
suscetíveisdesesentiratemorizadasdoqueoutras.Poressarazão,determinaoart.152doCódigoCivil
que,noapreciaracoação,“ter-se-ãoemcontaosexo,aidade,acondição,asaúde,otemperamentodo
pacienteetodasasdemaiscircunstânciasquepossaminfluirnagravidadedela”.
Oart.153,2ªparte,domesmodiplomanãoconsideracoação“osimplestemorreverencial”.Assim,
nãoserevestedegravidadesuficienteparaanularoatooreceiodedesgostarospaisououtraspessoasa
quemsedeveobediênciaerespeito,comoossuperioreshierárquicos.Oempregodovocábulo“simples”
evidenciaqueotemorreverencialnãoviciaoconsentimentoquandodesacompanhadodeoutrosatosde
violência.Pode,entretanto, ter talconsequênciaseacompanhadodeameaçasouviolências.Assim,no
casamento,consideram-secoação,enãosimplestemorreverencial,asgravesameaçasdecastigoàfilha,
paraobrigá-laacasar.
c)Deveserinjusta—Talexpressãodeveserentendidacomoilícita,contráriaaodireito,ouabusiva.
Prescreve,comefeito,oart.153,1ªparte,doCódigoCivil:“Nãoseconsideracoaçãoaameaçado
exercícionormaldeumdireito”.Assim,nãoconstituicoaçãoaameaçafeitapelocredordeprotestarou
executarotítulodecrédito.Oreferidodispositivoempregaoadjetivonormal,referindo-seaoexercício
dodireito.Dessemodo,configura-seacoaçãonãoapenasquandooatopraticadopelocoatorcontrariao
direito,comotambémquandosuaconduta,conquantojurídica,constituiexercícioanormalouabusivode
umdireito.Assim,éinjustaacondutadequemsevaledosmeioslegaisparaobtervantagemindevida.
Porexemplo:adocredorqueameaçaprocederàexecuçãodahipotecacontrasuadevedoracasoesta
nãoconcordeemdesposá-lo;adoindivíduoque,surpreendendoalguémapraticaralgumcrime,ameaça
denunciá-locasonãorealizecomeledeterminadonegócio.
d)Deveserdedanoatualouiminente—Aleirefere-seaodanopróximoeprovável,afastando,assim,oimpossível,remotooueventual.Tememvistaaqueleprestesaseconsumar,variandoaapreciaçãotemporalsegundoascircunstânciasdecadacaso.
e)Deve acarretar justo receio de dano— Não mais se exige que este seja igual, pelo menos, aodecorrentedodanoextorquido,vistoqueessaproporçãoouequilíbrioentreosacrifícioexigidoeomalevitado,previstanoCódigode1916,eraalvodecríticasenãoconstaemoutraslegislações.
f)Deveconstituirameaçadeprejuízoàpessoaouabensdavítima,ouapessoasdesuafamília—Otermo“família” tem,hoje, acepçãoampla, compreendendonão sóaque resultadocasamento, comotambém a decorrente de união estável. Também não se faz distinção entre parentesco legítimo ouilegítimooudecorrentedaadoção,qualquerquesejaasuaespécie(CF,art.227,§6º).Paraosfinsdeintimidação,incluem-setambémasameaçasaparentesafins,comocunhados,sogrosetc.
A doutrina já vinha entendendo que a referência do texto a familiares, no codex anterior, era
meramente exemplificativa, admitindo uma exegese ampliadora. Aceitava-se, assim, que a ameaça
dirigida a pessoa não ligada ao coacto por laços familiares, como um amigo íntimo, noiva ou noivo,
podia caracterizar a coação se ficasse demonstrado que ela tinha sido bastante para sensibilizá-lo e
intimidá-lo.Poressarazão,oCódigoconsignou,noparágrafoúnicodoart.151,que,seacoação“disser
respeitoapessoanãopertencenteàfamíliadopaciente,ojuiz,combasenascircunstâncias,decidiráse
houvecoação”.Otextoébastanteamplo,abrangendoinclusivepessoasnãoligadasaocoactoporlaços
deamizade.
Acoaçãoviciaoato,aindaquandoexercidaporterceiro,sedelativesseoudevesseterconhecimento
aparteaqueaproveite,eestaresponderásolidariamentecomaqueleporperdasedanos(CC,art.154).
Subsistirá, no entanto, o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as
perdasedanosquehouvercausadoaocoacto(art.155).Adisciplinaésimilaràdodoloexercidopor
terceiro.
39.ESTADODEPERIGO
Configura-seoestadodeperigoquandoalguém,premidodanecessidadedesalvar-se,ouapessoa
de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Tratando-sedepessoanãopertencenteàfamíliadodeclarante,ojuizdecidirásegundoascircunstâncias
(CC, art. 156 eparágrafoúnico).Considerouo legisladorque, naprática, podemocorrer vínculosde
afetividadequeatuempsicologicamentede forma tão intensacomoadoparentesco.Deixou,então,ao
juiz a tarefa de verificar, no exame do caso concreto, a ocorrência ou não de liame similar ao que
normalmentesepresumeexistirentreosmembrosdafamília.
Oestadodeperigoocorre,assim,quandoalguémseencontraemsituaçãoequiparadaao“estadode
necessidade”e,porisso,assumeobrigaçãoexcessivamenteonerosa.Oexemploclássicoéodapessoa
que se está afogando e, desesperada, promete toda sua fortuna para ser salva. Compõe-se de dois
elementos: o objetivo, que é a assunção de “obrigação excessivamente onerosa”; e o subjetivo,
caracterizadopeloconstrangimentocausadopelanecessidadede“salvar-se”oude“salvarpessoadesua
família”doriscograveexistente.Esteúltimodevesercomplementadopelaadesãodapartebeneficiada
aodesviopsicológico,quehádeserconhecedoradograveperigoporquepassaodeclarante.
Sustentaumapartedadoutrinaqueoestadodeperigoseaproximadacoaçãomoral,poisavítima
nãoseencontraemcondiçõesdedeclararlivrementeasuavontade.Nãoseconfundem,contudo,esses
dois vícios do consentimento. No estado de perigo inocorre a hipótese de um dos contratantes
constrangerooutroàpráticadedeterminadoatoouaconsentirnacelebraçãodedeterminadocontrato.
Oart.178,II,doCódigoCivildeclaraanulávelonegócio jurídicocelebradoemestadodeperigo.
Segundo alguns, nesse caso, a pessoa beneficiada, e que não provocara a situação de perigo, será
prejudicada. Outros, no entanto, acham que, não se anulando o negócio, a vítima experimentará um
empobrecimentodesproporcionalaoserviçoprestado.Parecemaisequânimenãoanularocontrato,mas
reduzir o valor do pagamento ao justo limite pelo serviço prestado. O Código Civil brasileiro, no
entanto, considera anulável o negócio e, “ao contrário do que sucede no direito italiano (art. 1.447,
segundaparte),quedeterminaqueojuiz,aorescindironegócio,pode,segundoascircunstâncias,fixar
compensação equitativa à outra parte pelo serviço prestado, não estabelece regra semelhante, o que
implicadizerqueoprestadordo serviço só se ressarcirá se seconfigurarhipótesedeenriquecimento
semcausa”(JoséCarlosMoreiraAlves,AParteGeraldoProjetodeCódigoCivilbrasileiro,2.ed.,
Saraiva, 2003, p. 113). Não se anulará o contrato se a obrigação assumida não for excessivamente
onerosa. Se o for, deverá o juiz, para evitar o enriquecimento sem causa, apenas reduzi-la a uma
proporçãorazoável,anulandooexcessoenãotodoonegóciojurídico.
40.LESÃO
OCódigoCivilbrasileiroincluiutambéma lesãonoroldosvíciosdoconsentimento.Configura-se
quando alguém obtém um lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou da
situação de necessidade do outro contratante. Segundo dispõe o art. 157 do Código Civil, ocorre o
referidovíciodoconsentimento“quandoumapessoa,sobprementenecessidade,ouporinexperiência,se
obriga a prestaçãomanifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.Não se contenta o
dispositivo com qualquer desproporção: há de sermanifesta. Exige-se, ainda, que a avaliação da
desproporçãoentreasprestaçõessejafeita“segundoosvaloresvigentesaotempoemquefoicelebrado
onegóciojurídico”(§1º).
OCódigoCivilde1916nãodisciplinouoinstitutodalesão.Asuaaplicação,noentanto,erafeita,por
analogia,aoscontratosemgeral,combasenaLeidaEconomiaPopular(Lein.1.521/51),cujoart.4º
exigia desproporção superior a um quinto do valor recebido em troca. Posteriormente, o Código de
Defesa do Consumidor considerou nulas as cláusulas abusivas, reprimindo a prática da lesão nos
contratosdeconsumo(art.51,IV).
A lesão compõe-se de dois elementos: oobjetivo, consistente namanifesta desproporção entre as
prestaçõesrecíprocas,geradoradelucroexagerado;eosubjetivo,caracterizadopela“inexperiência”ou
“prementenecessidade”do lesado.Ocontratoéanulávelporque foiviciadooconsentimentodaparte
prejudicada, mesmo que o outro contratante não tenha tido conhecimento das suas condições de
necessidade ou inexperiência, pois o Código Civil brasileiro não se preocupa em punir a atitude
maliciosadofavorecido,comosucedenodireitoitalianoenoportuguês.Malgradoapartebeneficiada
tire vantagemda situação (alguns denominam a hipótese “dolo de aproveitamento”), não se exige que
tenhainduzidoavítimaacelebrarocontratolesivo,nemquetivesseciênciadesuaprementenecessidade
ouinexperiência.Diversamentedoqueocorrenodolo,ocontratantenãoinduzooutroàpráticadoato
lesivo,masapenastiraproveitodesuasituação.
Nãoseconfundealesãotambémcomoestadodeperigo,poisexigedesequilíbriodeprestações,
enquantoesteúltimopodeconduziranegóciosunilateraisemqueaprestaçãoassumidasejaunicamente
da vítima (promessa de recompensa, doação etc.). A lesão ocorre quando não há estado de perigo,
decorrentedanecessidadedesalvar-se.A“prementenecessidade”mencionadanoart.157podeserade
obter recursos. No estado de perigo alguém se obriga a uma prestação de dar ou fazer, por uma
contraprestaçãosempredefazer.Poressarazão,nãoéadmitidaasuplementaçãodacontraprestaçãopara
validar o negócio. O § 2º do mencionado art. 157, ao disciplinar a lesão, admite a referida
suplementação.Talfatodemonstraqueelasóocorreemcontratoscomutativos(nãonosaleatórios,pois
nestesasprestaçõesenvolvemriscoe,porsuapróprianatureza,nãoprecisamserequilibradas),emque
acontraprestaçãoéumdar,enãoumfazer.Alémdisso,nãoseexige,paraacaracterizaçãodalesão,que
a outra parte saiba da necessidade ou da inexperiência do lesado, enquanto no estado de perigo tal
ciênciaéconsideradarequisitoessencialparaasuaconfiguração.
OCódigoconsideraa lesãoumvíciodoconsentimento,que tornaanulávelocontrato(art.178, II).
Faz, porém, uma ressalva: não se decretará a anulação do negócio “se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito” (art. 157, § 2º). O lesado
poderá,assim,optarpelaanulaçãooupela revisãodocontrato.Mesmoqueescolhaaanulação,será
facultadoaooutrocontratanteilidirapretensãoderupturadonegócio,medianteoreferidosuplemento,
suficienteparaafastaramanifestadesproporçãoentreasprestaçõeserecomporopatrimôniodaquele.
A doutrina denomina a lesão usurária ou real quando a lei exige, além da necessidade ou
inexperiênciado lesionado,odolodeaproveitamentodaoutra; eespecial, enormeou simplesmente
lesãoquandoaleilimita-seàmesmaexigênciadevantagemdesproporcional,semindagação,porém,da
má-fédapartebeneficiada.
41.FRAUDECONTRACREDORES
Afraudecontracredoresévíciosocial.Épraticadacomointuitodeprejudicarterceiros,ouseja,os
credores.Asuaregulamentaçãojurídicaassenta-senoprincípiododireitodasobrigaçõessegundooqual
opatrimôniododevedorrespondeporsuasobrigações.Éoprincípiodaresponsabilidadepatrimonial.O
patrimônio do devedor constitui a garantia geral dos credores. Se ele o desfalca maliciosa e
substancialmente, a ponto de não garantir mais o pagamento de todas as dívidas, tornando-se assim
insolvente, com o seu passivo superando o ativo, configura-se a fraude contra credores. Esta só se
caracteriza, porém, se o devedor já for insolvente, ou tornar-se insolvente em razão do desfalque
patrimonialpromovido.Seforsolvente,istoé,seoseupatrimôniobastar,comsobra,paraopagamento
desuasdívidas,amplaéasualiberdadededispordeseusbens.
Ao tratar do assunto, o legislador teve de optar entre proteger o interesse dos credores ou o do
adquirentedeboa-fé.Preferiuprotegerointeressedeste.Assim,seignoravaainsolvênciadoalienante,
nemtinhamotivosparaconhecê-la,conservaráobem,nãoseanulandoonegócio.Dessemodo,ocredor
somentelograráinvalidaraalienaçãoseprovaramá-fédoterceiroadquirente,istoé,aciênciadesteda
situação de insolvência do alienante. Este é o elemento subjetivo da fraude: o consilium fraudis ou
conluiofraudulento.Nãoseexige,noentanto,queoadquirenteestejamancomunadoouconluiadocomo
alienanteparalesaroscredoresdeste.Bastaaprovadaciênciadasuasituaçãodeinsolvência.
A lei (CC, art. 159) presume amá-fé do adquirente quando a insolvência do alienante for notória
(títulosprotestados, várias execuções emandamento)ouquandohouvermotivopara ser conhecidado
primeiro(parentescopróximo,preçovil,continuaçãodosbensalienadosnapossedodevedoretc.).
Oelementoobjetivoda fraude éoeventusdamni (prejuízo decorrente da insolvência).O autor da
ação anulatória (pauliana ou revocatória) tem assim o ônus de provar, nas transmissões onerosas, o
eventusdamnieoconsiliumfraudis.
41.1.HIPÓTESESLEGAIS
Nãosónas transmissõesonerosaspodeocorrer fraudeaoscredores.OCódigoCivil regulamenta,
também,aocorridaematosde transmissãogratuitadebensou remissãodedívida, nopagamento
antecipadodedívidasvincendasenaconstituiçãodegarantiasaalgumcredorquirografário.
O art. 158 declara que poderão ser anulados pelos credores quirografários os atos de transmissão
gratuita de bens (doações), ou remissão de dívida (perdão), quando os pratique o devedor já
insolvente,ouporelesreduzidoàinsolvência,aindaquandooignore.Oestadodeinsolvência,segundo
Clóvis (Código Civil comentado, Francisco Alves, v. 1, p. 377), é objetivo — existe, ou não,
independentemente do conhecimento, ou não, do insolvente. Nesses casos os credores não precisam
provaroconluiofraudulento(consiliumfraudis),poisaleipresumeaexistênciadopropósitodefraude.
Tendodeoptarentreodireitodoscredores,queprocuramevitarumprejuízo,eodosdonatários (em
geral,filhosouparentespróximosdodoadorinsolvente),queprocuramassegurarumlucro,olegislador
destavezpreferiuprotegerosprimeiros,quebuscamevitarumprejuízo.Aremissãodedívidatambém
constituiumaliberalidade,quereduzopatrimôniododevedor.Daíasuainclusãonoaludidodispositivo
legal.
Há fraude, também,quandoodevedor já insolventepagaacredorquirografáriodívida ainda não
vencida. A intenção da lei é colocar em situação de igualdade todos os credores. Presume-se, na
hipótese,o intuito fraudulento, eo credorbeneficiado ficaráobrigadoa repor, emproveitodoacervo
sobrequesetenhadeefetuaroconcursodecredores,aquiloquerecebeu(CC,art.162).Seadívidajá
estivervencida,opagamentoseráconsideradonormal.
Tambémsepresumeointuitofraudulentonaconcessãodegarantiasdedívidas(hipoteca,penhor,
anticrese)pelodevedorjáinsolventeaalgumcredor,colocando-oemposiçãomaisvantajosadoqueos
demais,emdetrimentodaigualdadequedeveexistirentreoscredores(CC,art.163).Oqueseanula,na
hipótese,é somenteagarantia,apreferênciaconcedidaaumdoscredores (art.165,parágrafoúnico).
Continuaele,porém,comocredor,retornandoàcondiçãodequirografário.
Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de
estabelecimentomercantil, rural,ou industrial,ouàsubsistênciadodevedoredesuafamília (CC,art.
164).Assim, o dono de uma loja não fica, só pelo fato de estar insolvente, impedido de continuar a
venderasmercadoriasexpostasnasprateleirasdeseuestabelecimento.Nãopoderá,contudo,alienaro
próprio estabelecimento. Admite-se, também, que o adquirente dos bens do devedor insolvente, que
aindanãotiverpagoopreçoedesdequeesteseja,aproximadamente,ocorrente,evitea consumação
dafraudeeaanulaçãodonegócio,depositando-oemjuízo,comacitaçãodetodososinteressados,bem
comoquepossaconservá-los, seopreço for inferior aocorrente,depositandoem juízoaquantiaque
correspondaaovalorreal(art.160eparágrafoúnico).
41.2.AÇÃOPAULIANA
Aaçãoanulatóriadonegóciocelebradoemfraudecontraoscredoreséchamadade“pauliana”(em
atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano) ou revocatória. O atual diploma civil
manteve o sistema do anterior, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do
negócio jurídico. Não adotou, assim, a tese de que se trataria, na hipótese, de ineficácia relativa,
defendidaporgrandepartedadoutrina,segundoaqual,demonstradaafraudeaocredor,asentençanão
anularáaalienação,massimplesmente,comonoscasosdefraudeàexecução,declararáaineficáciado
ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes, o executado-
alienanteeoterceiroadquirente.
Paraalguns,comoHumbertoTheodoroJúnior(RT,780:11),osistemaadotadopeloatualCódigoCivil
representa um retrocesso, pois o próprio direito positivo brasileiro, após oCódigoCivil de 1916, já
havia dispensado a esse tipo de fenômeno o tratamento adequado da ineficácia em relação à fraude
praticadanoâmbitododireitofalimentaredodireitoprocessualcivil.Contudo,malgradotratar-sede
questãopolêmica,oSuperiorTribunaldeJustiça,nosprecedentesquelevaramàediçãodaSúmula195,
adiantetranscrita,criadosantesdapromulgaçãodoatualdiplomacivil,jávinhaaplicando,pormaioria
devotos,atesedaanulabilidadedonegócio,enãoadaineficácia(cf.REsp20.166-8-RJ,27.903-7-RJe
13.322-0-RJ).
Sóestãolegitimadosaajuizaraçãopauliana(legitimaçãoativa)oscredoresquirografáriosequejá
o eram ao tempo da alienação fraudulenta (CC, art. 158, capute § 2º). Os que se tornaram credores
depoisdaalienaçãojáencontraramdesfalcadoopatrimôniododevedoremesmoassimnegociaramcom
ele.Nada podem, pois, reclamar.Os credores comgarantia real não podem, em princípio, ajuizá-la
porque já existe um bem determinado especialmente afetado à solução da dívida. Se for alienado, o
credor privilegiado poderá exercer o direito de sequela, penhorando-o nas mãos de quem quer que
esteja.Poderãopropô-la,noentanto,seagarantiasetornarinsuficiente(§1º).
A ação pauliana deve ser intentada (legitimação passiva) contra o devedor insolvente e também
contraapessoaquecomelecelebrouaestipulaçãoconsideradafraudulenta,bemcomocontraterceiros
adquirentes que hajam procedido de má-fé, conforme dispõe o art. 161 do Código Civil. Embora o
referidodispositivolegaluseoverbopoderá,quedáaimpressãodeserumafaculdadedocredorpropor
açãocontratodos,naverdadeeleassimdeveráprocederparaqueasentençaproduzaefeitosemrelação
tambémaosadquirentes.Denadaadiantaacionarsomenteoalienanteseobemseencontraempoderdos
adquirentes.Oart.506donovoCódigodeProcessoCivilestabelece,comefeito,que“asentença faz
coisajulgadaàspartesentreasquaisédada,nãoprejudicandoterceiros”.
41.3.FRAUDECONTRACREDORESEFRAUDEÀEXECUÇÃO.PRINCIPAISDIFERENÇAS
Afraudecontracredoresnãoseconfundecomfraudeàexecução,poisaprimeiravisaàanulaçãoea
segunda,àdeclaraçãodeineficáciadaalienaçãofraudulenta.Encontra-se,hoje,superadooentendimento
dequeafraudecontracredorestornaoatoanuláveleafraudeàexecuçãootornanulo.Narealidade,nos
casosde fraudeàexecuçãoaalienaçãoéapenasconsiderada ineficazemfacedocredor.Assim,seo
devedor-alienante,queseencontraemestadodeinsolvência,conseguir,emrazãodealgumfatoeventual
(loteria,p.ex.),pagaradívida,mantém-seválidaaalienação.
AfraudecontracredoresédefeitodonegóciojurídicoreguladonoCódigoCivil.Afraudeàexecução
é incidentedoprocessodisciplinadopelodireitopúblico.Aprimeiracaracteriza-sequandoaindanão
existe nenhuma ação ou execução em andamento contra o devedor, embora possam existir protestos
cambiários.A segunda pressupõe demanda em andamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência
(CPC/2015,art.792,IV).Ajurisprudênciadominantenostribunaisénosentidodequeestasomentese
caracteriza quando o devedor já havia sido citado, na época da alienação. A doutrina, entretanto,
considerafraudeàexecuçãoqualqueralienaçãoefetivadadepoisqueaaçãoforaproposta(distribuída,
segundo o art. 312 do CPC). Sem dúvida, é a corrente mais justa, por impedir que o réu se oculte,
enquantocuidadedilapidaroseupatrimônio,parasódepoisentãoaparecerparasercitado,eaquemais
seajustaàsexpressõesdoart.792,IV,doCódigodeProcessoCivil:“quando,aotempodaalienaçãoou
oneração,tramitavacontraodevedoraçãocapazdereduzi-loàinsolvência”.Paraevitaroempregode
tal artifício, entretanto, deve o credor obter certidão de distribuição da execução e diligenciar a
averbaçãonoregistrodeimóveis,registrodeveículosouregistrodeoutrosbenssujeitosàpenhoraou
arresto, como permitido pelo art. 828, caput, do Código de Processo Civil de 2015, a fim de que
negóciosposterioresseconsideremfraudeàexecução(§3o).
Afraudecontracredoresdeveserpronunciadaemaçãopauliana,enquantoafraudeàexecuçãopode
ser reconhecida mediante simples petição, nos próprios autos. Não se tem, atualmente, admitido a
alegaçãodefraudecontracredoresemembargosdeterceiro,mesmotendosidoaprovada,pormaioria,
noVIENTA(EncontroNacionaldeTribunaisdeAlçada)atesedeque“Afraudecontracredorespode
ser apreciada em embargos de terceiro, desde que todos os interessados participem ou tenham sido
convocados ao processo”. Apesar do grande número de decisões nesse sentido, bem como do
entendimento de vários doutrinadores sobre encontrar-se superado o conceito de que o negócio é
anulável,sendoapenasineficazemfacedoscredores(portanto,asentençaquereconheceafraudecontra
credoresnãoanulaoato,tendonaturezadeclaratóriadeineficácia),devendo-se,porisso,admitirasua
discussão em embargos de terceiro, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento contrário,
editandoapropósitodotemaaSúmula195,doseguinteteor:“Emembargosdeterceironãoseanulaato
jurídico,porfraudecontracredores”.
Pode ser lembrado, por último, que a caracterização da fraude contra credores, nas alienações
onerosas,dependedeprovadoconsiliumfraudis, istoé,damá-fédoterceiro(provaestadispensável
quandosetratadealienaçãoatítulogratuitoouderemissãodedívida),enquantoareferidamá-fé,paraa
correntetradicional,ésemprepresumidanafraudeàexecução.Sendodenaturezarelativa,apresunção
defraudepelaalienaçãodobem,estandoemcursoexecuçãocontraoalienante,cedepassoparaproteger
o terceiro adquirente comprovadamente de boa-fé. Aduza-se que, se o adquirente, porventura, já
transferiu o bema outra pessoa, não se presume amá-fé desta (a qual deve, então, ser demonstrada),
salvoseaalienaçãosedeudepoisdoregistrodapenhoradobem.ASúmula375,editadaemmarçode
2009,doSTJestatui:“Oreconhecimentodafraudeàexecuçãodependedoregistrodapenhoradobem
alienadooudaprovademá-fédoterceiroadquirente”.
Apropósito,dispõeoart.792,I,doCódigodeProcessoCivilde2015queaalienaçãoouaoneração
debeméconsideradafraudeàexecução“quandosobreobempenderaçãofundadaemdireitorealou
compretensão reipersecutória, desdeque a pendência doprocesso tenha sido averbadano respectivo
registropúblico,sehouver”.
QUADROSINÓTICO–DOSDEFEITOSDONEGÓCIOJURÍDICO
1.Espécies
Víciosdoconsentimento:erro,dolo,coação,estadodeperigo,lesão.
Víciosocial:fraudecontracredores.
Tornamanulávelonegóciojurídico(art.171,II).Éde4anosoprazodecadencialparaaproposituradaaçãoanulatória(art.178).
Conceito Éafalsa ideiadarealidade.Noerro,oagenteengana-sesozinho.Quandoé induzidoemerropelooutrocontratanteouporterceiro,caracteriza-seodolo.
Requisitos Não é qualquer espécie de erro que torna anulável o negócio jurídico. Para tanto deve sersubstancial,escusávelereal.
2.Erroouignorância Erro
substan-
cial
Éoque:
a)interessaànaturezadonegócio;
b)dizrespeitoaoobjetoprincipaldadeclaração;
c)concerneaalgumadasqualidadesessenciaisdoobjeto;
d)versasobrequalidadesessenciaisdapessoa;
e)sendodedireito,nãoimplicarecusaàaplicaçãodalei(art.139).
Erroescusável
Conceito Éoerrojustificável,exatamenteocontráriodeerrogrosseiro,deerrodecorrentedonãoempregodadiligênciaordinária.
2.Erroouignorância
Erroescusável
Critériospara suaaferição
a)critériodohomemmédio(homomedius).Comparaacondutadoagentecomadamédiadaspessoas.Foiadotadonoart.138doCódigoCivil;
b) critério do caso concreto: considera, em cada hipótese, as condiçõespessoaisdequemalegaoerro.
Erroreal Éoerroefetivo,causadorderealprejuízoaointeressado.
Erroacidental
É o que se opõe ao substancial e real, porque se refere a circunstâncias de somenosimportânciaequenãoacarretamefetivoprejuízo,ouseja,aqualidadessecundáriasdoobjetooudapessoa.
Erroobstativoouimpróprio
Éoqueimpedeouobstaaprópriaformaçãodonegócio,talagravidadedoengano,tornando-oinexistente,comoacontecenodireitoitalianonotocanteaoerrosobreanaturezadonegócio.NoBrasil,porém,talerrotornaonegócioapenasanulável.
3.Dolo
Conceito Éoinduzimentomaliciosodealguémàpráticadeumatoquelheéprejudicial,masproveitosoaoautordodoloouaterceiro.
Espécies
a)Doloprincipal (quando é a causa do negócio) e dolo acidental (quando, a seu despeito, onegócioseriarealizado,emboraporoutromodo).Sóoprimeiroacarretaaanulabilidade.
b)Dolusbonusedolusmalus.Oprimeiroétolerávelnocomércioemgeral.Osegundocausaaanulaçãodonegócio.
3.Dolo Espécies
c)Dolopositivoedolonegativo(reticênciaouomissãodolosa—art.147).
d)Dolounilateraledolobilateral(deambasaspartes).Naúltimahipótese,nenhumadelaspodereclamaremjuízo,porqueninguémpodevaler-sedaprópriatorpeza.
e)Dolodaoutraparteoudeterceiro.Odeterceirosóacarretaaanulabilidadeseaoutraparte,beneficiada,oconhecia.Senão,cabeapenaspedidodeperdasedanoscontraoautordodolo(art.148).
f)Dolodaparteedo representante.Odo representante legal deumadaspartes sóobriga orepresentado a responder até a importância do proveito que teve. Se for do representanteconvencional, o representado responderá solidariamente comele por perdas e danos, por terescolhidomalomandatário(art.149).
É todaameaçaoupressãoexercidasobreum indivíduopara forçá-lo,contraasuavontade,a
4.Coação
Conceito praticarumatoourealizarumnegócio.
Espécies
a)Absoluta, exercidamediante o emprego de força física. Inocorre qualquermanifestação davontadee,porisso,onegócioéinexistente.
b)Relativaoumoral,emqueocoatorfazumagraveameaçaàvítima,deixando-lheumaopção:praticaroatoexigidooucorreroriscodesofrerasconsequênciasdeameaçaquelhefoifeita.Trata-sedeumacoaçãopsicológica.Éestaquetornaanulávelonegóciojurídico.
c) Da outra parte ou de terceiro. A de terceiro só acarreta a anulabilidade se a outra parte,beneficiada, a conhecia. Se não, cabe apenas pedido de perdas e danos contra o autor dacoação(art.155).
4.CoaçãoRequisitosdacoação
a)Deveseracausadeterminantedonegócio.
b)Devesergrave,ouseja,incutirnavítimaumfundadotemor.Levam-seem
contaascondiçõespessoaisdavítima,noapreciaragravidadedaameaça.Nãoseconsideracoaçãoosimplestemorreverencial(art.153,2aparte).
c)Deveserinjusta,contráriaaodireito.Nãoseconsideracoaçãoaameaçadoexercícionormaldeumdireito(art.153,1aparte).
d)Aameaçadeveserdecausardanoatualouiminente.
e) Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de suafamília.Seacoaçãodisserrespeitoapessoanãopertencenteàfamíliadopaciente,ojuiz,combasenascircunstâncias,decidirásehouvecoação(art.151,parágrafoúnico).
5.Estadodeperigo
Conceito
Configura-sequandoalguém,premidodanecessidadedesalvar-se,ouapessoadesuafamília,de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo ascircunstâncias(art.156eparágrafoúnico).
Efeitos
OCódigoCivilconsideraanulávelonegóciorealizadoemestadodeperigo.Nãoseráanulado,todavia,seaobrigaçãoassumidanãoforexcessivamenteonerosa.Seofor,deveráojuiz,paraevitar o enriquecimento sem causa, apenas reduzi-la a uma proporção razoável, anulando oexcessoenãotodoonegóciojurídico.
6.Lesão
Conceito
Éoprejuízoresultantedaenormedesproporçãoexistenteentreasprestaçõesdeumcontrato,nomomentodesua
celebração,determinadapelaprementenecessidadeou inexperiênciadeumadaspartes (art.157).
Elementosdalesão
a)elementoobjetivo:manifestadesproporçãoentreasprestaçõesrecíprocas;
b)elementosubjetivo:inexperiênciaouprementenecessidade.
Espécies
a)usuráriaoureal:quandoaleiexige,alémdanecessidadeouinexperiênciadolesionado,odolodeaproveitamentodaoutraparte;
b)lesãoespecialoulesãoenorme:quandoaleilimita-seàexigênciadeobtençãodevantagemdesproporcional,semindagaçãodamá-fédapartebeneficiada.ÉaespécieadotadapeloCódigoCivilde2002.
OCódigoconsideraalesãoumvíciodoconsentimento,quetornaanulávelonegócio(art.178,II).
Efeitos Faz,porém,umaressalva:nãosedecretaráaanulação“seforoferecidosuplementosuficienteouseapartefavorecidaconcordarcomareduçãodoproveito”(art.157,§2o).
7.Fraudecontracre-
dores
ConceitoÉvíciosocial.Configura-sequandoodevedordesfalcaoseupatrimônio,apontodese tornarinsolvente,comointuitodeprejudicarosseuscredores.Caracteriza-seainsolvênciaquandooativo,ouseja,opatrimôniodedevedor,nãoésuficientepararesponderpeloseupassivo.
7.Fraudecontracre-
dores
Hipóteseslegais
a)Nas transmissõesonerosas. Para anulá-las os credores terão de provar: o eventus damni(que a alienação reduziu o devedor à insolvência) e o consilium fraudis (a má-fé do terceiroadquirente).
b)Nasalienaçõesatítulogratuito(art.158).Nessescasososcredoresnãoprecisamprovaroconsilium fraudis, poisa lei presumeopropósitode fraude.A remissão (ou perdão) de dívidatambémconstituiumaliberalidade,quereduzopatrimôniododevedor.
c)Quandoodevedorjáinsolventepagaacredorquirografáriodívidaaindanãovencida(art.162).
d)Quandoodevedorjáinsolventeconcedegarantiasdedívidasaalgumcredor,colocando-oemposiçãomaisvantajosadoqueosdemais(art.163).
Açãopaulianaourevocatória
Temnaturezadesconstitutiva:anulaasalienaçõesouconcessõesfraudulentas,determinandooretornodobemaopatrimôniododevedor.
Legitimaçãoativa:doscredoresquirografários,quejáoeramaotempodaalienaçãofraudulenta(art.158).Oscredorescomgarantiarealsópoderãoajuizá-laseagarantiasetornarinsuficiente(art.158,§1o).
Legitimaçãopassiva: do devedor insolvente e da pessoa que com ele celebrou a estipulaçãoconsiderada fraudulenta, bemcomodos terceirosadquirentes, quehajamprocedidodemá-fé(art.161).
Fraudeàexecução
a)éincidentedoprocessocivil,reguladopelodireitopúblico,enquantoafraudecontracredoreséreguladanodireitocivil;
7.Fraudecontracre-
dores
Fraudeàexecução
b) pressupõe demanda emandamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência (CPC, art.792,IV).Configura-sequandoodevedorjáhaviasidocitado.Aalienaçãofraudulentafeitaantesdacitaçãocaracterizafraudecontracredores;
c)podeserreconhecidamediantesimplespetição,nosprópriosautos.Afraudecontracredoresdeveserpronunciadaemaçãopauliana,nãopodendoserreconhecidaemembargosdeterceiro(STJ,Súmula195);
d) a má-fé do terceiro adquirente deve ser provada, para a caracterização da fraude contracredoresnasalienaçõesonerosas,bemcomodafraudeàexecução,conformedispõeaSúmula375doSTJ;
e) torna ineficaz, em face dos credores, o negócio jurídico; a fraude contra credores o tornaanulável.
CAPÍTULOV
DAINVALIDADEDONEGÓCIOJURÍDICO
42.INTRODUÇÃO
Aexpressão “invalidade” abrange anulidade e aanulabilidade do negócio jurídico.É empregada
paradesignaronegócioquenãoproduzosefeitosdesejadospelaspartes,oqualseráclassificadopela
formaretromencionadadeacordocomograudeimperfeiçãoverificado.
O Código Civil não acolheu a distinção entre anulabilidade e rescindibilidade, por entender o
legislador que não há razão de fundo para sua adoção. Também não seguiu a tricotomia existência-
validade-eficáciadonegóciojurídico,destacadaparticularmenteporPontesdeMiranda.Oatoválido,
massujeitoatermooucondiçãosuspensiva,nãoserevestedeeficáciaimediata,vistoquesomenteapós
oimplementodotermooudacondiçãoterápossibilidadedeproduziroefeitodesejadopelaspartes.Não
foramaceitas,porém,assugestõesparaque,apósocapítuloreferenteaosdefeitosdonegóciojurídico,
se abrisse um específico para a condição, termo e encargo, com a denominação “Da Eficácia dos
Negócios Jurídicos”. Optou-se por considerar tais institutos como autolimitações da vontade,
disciplinando-osdepoisdeseestabeleceremosrequisitosdevalidadedonegóciojurídicoedesetratar
de dois aspectos ligados à manifestação de vontade: a interpretação do negócio jurídico e a
representação.
43.ATOINEXISTENTE,NULOEANULÁVEL
O negócio é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento
(manifestaçãodavontade),porexemplo.Senãohouvequalquermanifestaçãodevontade,onegócionão
chegouaseformar;inexiste,portanto.Seavontadefoimanifestadamasencontra-seeivadadeerro,dolo
ou coação, por exemplo, o negócio existemas éanulável. Se a vontade emana de um absolutamente
incapaz,maioréodefeitoeonegócioexistemasénulo.
Ateoriadonegóciojurídicoinexistenteé,hoje,admitidaemnossodireito.ConcebidanoséculoXIX
paracontornar,emmatériadecasamento,oprincípiodequenãohánulidadesemtextolegal(porqueas
hipóteses de identidade de sexo, de falta de celebração e de ausência de consentimento não estão
catalogadasexpressamentenoscasosdenulidade),ingressoutambémnocampodosnegóciosjurídicos.
Por se constituir em um nada nomundo jurídico, não reclama ação própria para combatê-lo, nem há
necessidadedeolegisladormencionarosrequisitosdeexistência,vistoqueoseuconceitoencontra-se
na base do sistema dos fatos jurídicos. Às vezes, no entanto, a aparência material do ato apresenta
evidênciasqueenganam,justificando-seaproposituradeaçãoparadiscutiredeclararasuainexistência.
Paraefeitospráticos,taldeclaraçãoteráasmesmasconsequênciasdadeclaraçãodenulidade.
O negócio énulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à sociedade. Assim,
quandoointeressepúblicoélesado,asociedadeorepele,fulminando-odenulidade,evitandoquevenha
aproduzirosefeitosesperadospeloagente.Quandoaofensaatingeointeresseparticulardepessoasque
o legisladorpretendeuproteger, semestarem jogo interessessociais, faculta-seaestas, sedesejarem,
promoveraanulaçãodoato.Trata-sedenegócioanulável,queseráconsideradoválidoseointeressado
seconformarcomosseusefeitosenãooatacar,nosprazoslegais,ouoconfirmar.
44.DIFERENÇASENTRENULIDADEEANULABILIDADE
OCódigoCivilbrasileiro,nocapítulodedicadoà invalidadedonegóciojurídico, tratadanulidade
absolutaedarelativa(anulabilidade).Levandoemcontaorespeitoàordempública,formulaexigências
de caráter subjetivo, objetivo e formal. Assim, considera nulo o ato quando “praticado por pessoa
absolutamente incapaz” (art. 166, I), quando “for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto”
(inciso II), quando “omotivodeterminante, comuma ambas as partes, for ilícito” (inciso III), quando
“não revestir a forma prescrita em lei” (inciso IV); ou “for preterida alguma solenidade que a lei
considereessencialparaasuavalidade”(incisoV);quando“tiverporobjetivofraudarleiimperativa”
(inciso VI); e, finalmente, quando “a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção” (incisoVII).Oart. 167declara tambémnuloonegócio jurídicosimulado, aduzindo
que,noentanto,subsistiráoquesedissimulou,seválidofornasubstânciaenaforma.
O inciso III do art. 166 é preceito novo. Confere relevância jurídica aomotivo determinante,
fulminandodenulidadeonegóciojurídicoquando,sendocomumaambasaspartes,forilícito.Também
nãoconstavadoCódigoCivilde1916oincisoVI,queconsideranuloonegóciojurídicoquanto“tiver
porobjetofraudarleiimperativa”.Refere-seodispositivoaonegóciocelebradoemfraudeapreceitode
ordem pública, a norma cogente, que a jurisprudência já vinha considerando nulo antes mesmo da
mencionadainovaçãolegislativa.
Quanto ao inciso VII do art. 166, observa-se que algumas vezes, com efeito, a lei expressamente
declaranulodeterminadonegócio(exs.:“Art.489.Nuloéocontratodecompraevenda,quandosedeixa
aoarbítrioexclusivodeumadaspartesafixaçãodopreço”;e,ainda,arts.548,549,1.428,1.475,1.548
etc.). Nesses casos diz-se que a nulidade é expressa ou textual. Outras vezes a lei não declara
expressamenteanulidadedoatomasproíbeasuapráticaousubmeteasuavalidadeàobservânciade
certos requisitos de interesse geral. Utiliza-se, então, de expressões como “Não pode” (arts. 426 e
1.521), “Não se admite” (art. 380), “ficará sem efeito” (arts. 483 e 485) etc. Em tais hipóteses,
dependendodanaturezadadisposiçãoviolada,anulidadeestásubentendida,sendochamadadevirtual
ouimplícita.
Aanulabilidadevisaàproteçãodoconsentimentoou refere-seà incapacidadedoagente.Assim,o
art. 171 doCódigoCivil declara que, além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negóciojurídicopor“incapacidaderelativadoagente”(incisoI)epor“vícioresultantedeerro,dolo,
coação,estadodeperigo,lesãooufraudecontracredores(incisoII)”.
Outrasdiferençasentreanulabilidadeenulidadepodemserapontadas:
a)Aprimeiraédecretadanointeresseprivadodapessoaprejudicada.Nelanãosevislumbraointeressepúblicomasameraconveniênciadaspartes.Asegundaédeordempúblicaedecretadanointeressedaprópriacoletividade.
b)Aanulabilidadepodesersupridapelojuiz,arequerimentodaspartes(CC,art.168,parágrafoúnico,a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art. 172). Quando aanulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a derposteriormente(art.176).Anulidadenãopodesersanadapelaconfirmaçãonemsupridapelojuiz.OatualCódigoCivil,paraatenderàmelhortécnica,substituiuotermo“ratificação”por“confirmação”.
A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma
declaraçãodevontadequecontenhaasubstânciadonegóciocelebrado,sendonecessárioqueavontade
demantê-losejaexplícita(art.173),devendoobservaramesmaformadoatopraticado.Tácitaquandoa
obrigaçãojáfoicumpridaempartepelodevedor,cientedovícioqueainquinava(art.174),ouquando
deixaconsumar-seadecadênciadeseudireito.Expressaoutácita,importaaextinçãodetodasasações,
ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art. 175). A confirmação não
poderá,entretanto,serefetivadaseprejudicarterceiro(CC,art.172).Seriaahipótese,porexemplo,da
vendadeimóvelfeitaporrelativamenteincapaz,semestarassistido,equeovendeutambématerceiro,
assim que completou a maioridade. Nesse caso não poderá confirmar a primeira alienação para não
prejudicarosdireitosdosegundoadquirente.
c)Aanulabilidadenãopodeserpronunciadadeofício.Dependedeprovocaçãodosinteressados(CC,art. 177) e não opera antes de julgada por sentença.O efeito de seu reconhecimento é, portanto, exnunc.Anulidade,aocontrário,deveserpronunciadadeofíciopelojuiz(CC,art.168,parágrafoúnico)eseuefeitoéextunc,poisretroageàdatadonegócio,paralhenegarefeitos.Amanifestaçãojudicial,nessecaso, é, então,denaturezameramentedeclaratória.Naanulabilidade, a sentençaédenaturezadesconstitutiva,poisonegócioanulávelvaiproduzindoefeitos,atéserpronunciadaasuainvalidade.Aanulabilidade, assim, deve ser pleiteada em ação judicial.A nulidade quase sempre opera de plenodireitoedeveserpronunciadadeofíciopelo juiz,quandoconhecerdonegócio jurídicooudosseusefeitoseaencontrarprovada (art.168,parágrafoúnico).Somente se justificaaproposituradeaçãopara esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre aexistênciadapróprianulidade).Setalnãoocorre,ouseja,seelaconstadoinstrumento,ouseháprovaliteral,ojuizapronunciadeofício.
d)Aanulabilidadesópodeseralegadapelos interessados, istoé,pelosprejudicados(orelativamenteincapazeoquemanifestouvontadeviciada),sendoqueosseusefeitosaproveitamapenasaosqueaalegaram, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade (CC, art. 177). A nulidade pode seralegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou peloMinistério Público, quando lhe couberintervir,emnomedasociedadequerepresenta(CC,art.168,caput).Omenor,entredezesseisedezoitoanos,nãopode,paraeximir-sedeumaobrigação,invocarasuaidadesedolosamenteaocultouquandoinquiridopelaoutraparte, ou se, no atodeobrigar-se, espontaneamentedeclarou-semaior (CC, art.180),perdendo,porisso,aproteçãodalei.
e)Ocorreadecadênciadaanulabilidadeemprazosmaisoumenoscurtos.Quandoa leidispuserquedeterminadoatoéanulável,semestabelecerprazoparapleitear-seaanulação,seráestededoisanos,acontardadatadaconclusãodoato(CC,art.179).Negócionulonãosevalidacomodecursodotempo,nemésuscetíveldeconfirmação(CC,art.169).Masaalegaçãododireitopodeesbarrarnausucapiãoconsumadaemfavordoterceiro.
f)Onegócioanulávelproduzefeitosatéomomentoemqueédecretadaasuainvalidade.Oefeitodessadecretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum efeito (quodnullumestnullumproduciteffectum).Opronunciamentojudicialdenulidadeproduzefeitosex tunc,
istoé,desdeomomentodaemissãodavontade(naturezadeclaratória).
Deve-seponderar,porém,queaafirmaçãodequeoatonulonãoproduznenhumefeitonão temum
sentidoabsolutoesignifica,naverdade,queédestituídodosefeitosquenormalmentelhepertencem.Isto
porque, algumas vezes, determinadas consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento
putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio mas vale como causa
justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz
interrompeaprescriçãoeconstituiodevedoremmora(CPC/2015,art.240).
45.DISPOSIÇÕESESPECIAIS
A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por
outromeio(CC,art.183).Assim,porexemplo,anulidadedaescriturademútuodepequenovalornão
invalidaocontrato,porquepodeserprovadoportestemunhas.Masserádiferenteseaescriturapública
fordasubstânciadoato,comonocontratodemútuocomgarantiahipotecária.
Dispõeoart.184doCódigoCivilque,respeitadaaintençãodaspartes,“ainvalidadeparcialdeum
negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. Trata-se de aplicação do
princípio utile per inutile non vitiatur. Assim, por exemplo, se o testador, aomesmo tempo em que
dispôsdeseusbensparadepoisdesuamorte,aproveitouacédula testamentáriaparareconhecerfilho
havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades legais, não será
prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até por instrumento particular, sem
formalidades (CC, art. 1.609, II, e Lei n. 8.560/92). A invalidade da hipoteca também, por falta de
outorgauxória,impedeaconstituicãodoônusreal,maséaproveitávelcomoconfissãodedívida.
Oreferidoart.184aindaprescreveque“ainvalidadedaobrigaçãoprincipalimplicaadasobrigações
acessórias,masadestasnãoinduzadaobrigaçãoprincipal”.Aregraconsisteemaplicaçãodoprincípio
accessoriumsequitursuumprincipale.Assim,anulidadedaobrigaçãoprincipalacarretaanulidadeda
cláusulapenaleadadívidacontratadaacarretaadahipoteca.Masanulidadedaobrigaçãoacessória
nãoimportaadaobrigaçãoprincipal.
Tratando dos efeitos da invalidação do negócio jurídico, dispõe o art. 182 do Código Civil que,
anuladoonegóciojurídico(havendonulidadeouanulabilidade),“restituir-se-ãoaspartesaoestadoem
queantesdeleseachavam,e,nãosendopossívelrestituí-las,serãoindenizadascomoequivalente”.A
partefinalaplica-seàshipótesesemqueacoisanãomaisexisteoufoialienadaaterceirodeboa-fé.O
Códigoabreexceçãoemfavordos incapazes, aodisporque“Ninguémpode reclamaroque,poruma
obrigaçãoanulada,pagouaumincapaz,senãoprovarquereverteuemproveitodeleaimportânciapaga”
(art.181).Provadoqueopagamentonulo reverteuemproveitodo incapaz,determina-sea restituição,
porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova,mantém-se inalterada a situação.O
ônusdaprovaincumbeaquempagou.
Oart.169doatualCódigoCivil,quenãoconstavadoanterior,proclamaqueo“negóciojurídiconulo
não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Mas admite-se a sua
conversão, por força do art. 170, também novo, que prescreve: “Se, porém, o negócio jurídico nulo
contiverosrequisitosdeoutro,subsistiráestequandoofimaquevisavamaspartespermitirsuporqueo
teriamquerido,sehouvessemprevistoanulidade”.
A teoria das nulidades do negócio jurídico sofre algumas exceções quando aplicada ao casamento.
Assim,emboraosnegóciosnulosnãoproduzamefeitos,ocasamentoputativoproduzalguns.Malgradoa
nulidade deva ser decretada de ofício pelo juiz, a decretação de nulidade do casamento do enfermo
mentalquenãotenhaonecessáriodiscernimento,edocelebradocominfringênciaaimpedimento,pode
ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (CC, art.
1.549).
46.SIMULAÇÃO
Simulação é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do
efetivamente desejado. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A
simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o
negócioaparentaconferir.Diferedodolo,porquenesteavítimaparticipadaavença,sendoinduzidaem
erro, porém.Na simulação, a vítima lhe é estranha.É chamadadevício social porqueobjetiva iludir
terceirosouviolaralei.
Pode ser absoluta e relativa. Na primeira, as partes na realidade não realizam nenhum negócio.
Apenas fingem,para criar umaaparência, uma ilusão externa, semquenaverdadedesejemo ato.Em
geral,destina-seaprejudicarterceiro,subtraindoosbensdodevedoràexecuçãooupartilha.Exemplos:
a emissão de títulos de crédito em favor de amigos e posterior dação em pagamento de bens, em
pagamentodessestítulos,pormaridoquepretendeseparar-sedaesposaesubtrairdapartilhataisbens;a
falsaconfissãodedívidaperanteamigo,comconcessãodegarantiareal,paraesquivar-sedaexecução
decredoresquirografários.
Nasimulaçãorelativa,aspartespretendemrealizardeterminadonegócio,prejudicialaterceiroouem
fraudeàlei.Paraescondê-lo,oudar-lheaparênciadiversa,realizamoutronegócio.Compõe-se,pois,de
doisnegócios:umdeleséosimulado,aparente,destinadoaenganar;ooutroéodissimulado,oculto,
mas verdadeiramente desejado. O negócio aparente, simulado, serve apenas para ocultar a efetiva
intenção dos contratantes, ou seja, o negócio real. É o que acontece, por exemplo, quando o homem
casado,paracontornaraproibiçãolegaldefazerdoaçãoàconcubina,simulaavendaaumterceiro,que
transferirá o bem àquela; ou quando, para pagar impostomenor e burlar o fisco, as partes passam a
escrituraporpreçoinferioraoreal.
Simulaçãonãoseconfunde,pois,comdissimulação,emboraemambashajaopropósitodeenganar.
Nasimulação,procura-seaparentaroquenãoexiste;nadissimulação,oculta-seoqueéverdadeiro.Na
simulação, háopropósito de enganar sobre a existência de situaçãonãoverdadeira; nadissimulação,
sobreainexistênciadesituaçãoreal.
OatualCódigoCivilafastou-se,aodisciplinarasimulação,dosistemaobservadopeloanterior,não
maisatratandocomodefeito,ouvíciosocial,queacarretaaanulabilidadedonegóciojurídico.Nonovo
regime, a simulação, seja a relativa, seja a absoluta, acarreta a nulidade do negócio simulado. Se
relativa, subsistirá o negócio dissimulado, se válido for na substância e na forma (CC, art. 167).
Ressalvam-se, porém, os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico
simulado(§2º).Assim,noexemplodaescriturapública lavradaporvalor inferiorao real, anuladoo
valoraparente,subsistiráoreal,dissimulado,porém,lícito.
O§1ºdoart.167doCódigoCivildispõequehaverásimulação:a)por interposiçãodepessoa
(relembre-seoexemplodoterceiroqueadquirebemdohomemcasadoeotransfereàconcubinadeste);
b)porocultaçãodaverdadenadeclaração(declaraçãodevalorinferior,naescritura,aoreal);c)por
falsidadededata.
Nãomais sedistinguea simulação inocenteda fraudulenta ou “maliciosa”.Oart. 103doCódigo
Civilde1916consideravainocenteasimulaçãoquandonãohouvesseintençãodeprejudicaraterceiros,
oudeviolardisposiçãode lei.Seria fraudulenta,edefeitodonegócio jurídico,quandohouvesseessa
intenção (art. 104).No primeiro caso, não constituía defeito do negócio jurídico (hipótese, p. ex., de
doaçãofeitapelohomemsolteiroàsuaconcubina,massobaformadevenda).Comonãohavianenhum
impedimento legal para essa doação, a concretização do ato sob a forma de venda era considerada
simulaçãoinocente,pornãoobjetivarafraudeàlei.
Tendoemvista adificuldadepara seprovaro ardil, o expediente astucioso, admite-se aprova da
simulaçãoporindíciosepresunções(CPC/39,art.252;CPC/73,arts.332e335;CPC/2015,arts.369e
375).
QUADROSINÓTICO–DAINVALIDADEDONEGÓCIOJURÍDICO
1.Introdução
Aexpressão“invalidade”abrangeanulidadeeaanulabilidadedonegóciojurídico.Adoutrinamencionatambémonegóciojurídicoinexistente(quandolhefaltaalgumelementoestrutural,comooconsentimento,p.ex.).
Onegócioénuloquandoofendepreceitosdeordempública,queinteressamàsociedade(arts.166e167).Éanulável quandoaofensaatingeo interesseparticular depessoasqueo legisladorpretendeuproteger (art.171).
2.Nulidadeeanulabili-
dade
Espéciesdenulidade
a)absolutaerelativa(anulabilidade);
b) expressa ou textual (quando a lei declara nulo determinado negócio) e virtual ou implícita(quandoaleiseutilizadeexpressõescomo“nãopode”,“nãoseadmite”etc.)
Diferenças a)Aanulabilidadeédecretadanointeresseprivadodapessoaprejudicada.
2.Nulidadeeanulabili-
dade
Diferenças
Anulidadeédeordempúblicaedecretadanointeressedaprópriacoletividade.
b) A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (art. 168, parágrafoúnico),ousanadapelaconfirmação(art.172).Anulidadenãopodesersanadapelaconfirmaçãonemsupridapelojuiz.
c) A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. A nulidade, ao contrário, deve serpronunciadaexofficiopelojuiz(art.168,parágrafoúnico).
d)Aanulabilidadesópodeseralegadapelosprejudicados,enquantoanulidadepodeserarguidaporqualquerinteressado,oupeloMinistérioPúblico(art.168).
e)Ocorreadecadênciadaanulabilidadeemprazosmaisoumenoscurtos.Anulidadenuncaprescreve(art.169).
f)Onegócioanulável produzefeitosatéomomentoemqueédecretadaa sua invalidade.Oefeitoé,pois,exnunc(naturezadesconstitutiva).Opronunciamentojudicialdenulidadeproduzefeitosextunc,istoé,desdeomomentodaemissãodavontade(naturezadeclaratória).
3.Disposi-
çõesespe-
ciais
a)Ainvalidadedoinstrumentonãoinduzadonegóciojurídicosemprequeestepuderprovar-seporoutromeio(art.183).
b)Ainvalidadeparcialdeumnegóciojurídiconãooprejudicaránaparteválida,seestaforseparável(art.184).
c)Seonegóciojurídicofornulo,mascontiverosrequisitosdeoutro,poderáojuizfazerasuaconversão,semdecretaranulidade(art.170).
4.Simulação
Conceito É uma declaração enganosa da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamentedesejado.
4.Simulação
Espécies
a)absoluta:aspartesnãorealizamnenhumnegócio.Apenasfingem,paracriarumaaparênciaderealidade;
b)relativa:aspartesprocuramocultaronegócioverdadeiro,prejudicialaterceiroourealizadoemfraudeàlei,dando-lheaparênciadiversa.Compõe-sededoisnegócios:osimulado,aparente,eodissimulado,oculto,masverdadeiramentedesejado.
Efeitos Acarretaanulidadedonegóciosimulado.Serelativa,subsistiráonegóciodissimulado,seválidofornasubstânciaenaforma(art.167).
TÍTULOII
DOSATOSJURÍDICOSLÍCITOS
Dispõeoart.185doCódigoCivilque,aos“atosjurídicoslícitos,quenãosejamnegóciosjurídicos,
aplicam-se,noquecouber,asdisposiçõesdoTítuloanterior”.
Osatosjurídicosemgeralsãoaçõeshumanaslícitasouilícitas.Lícitossãoosatoshumanosaquea
leidefereos efeitosalmejadospeloagente.Praticadosemconformidadecomoordenamento jurídico,
produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em
desacordocomoprescritonoordenamentojurídico,emborarepercutamnaesferadodireito,produzem
efeitos jurídicos involuntáriosmasimpostosporesseordenamento.Emvezdedireitos,criamdeveres.
Hojeseadmitequeosatosilícitosintegramacategoriadosatosjurídicos,pelosefeitosqueproduzem
(geramaobrigaçãoderepararoprejuízo—CC,arts.186,187e927).
Osatos jurídicos lícitosdividem-seem: ato jurídicoemsentidoestrito,negócio jurídicoe ato-fato
jurídico.Comoasaçõeshumanasqueproduzemefeitosjurídicosdemandamdisciplinadiversa,conforme
aleilhesatribuaconsequências,combasenomaioroumenorrelevoqueconfiraàvontadedequemas
pratica,oCódigoCiviladotouatécnicamodernadedistinguir,deumlado,onegóciojurídico,queexige
vontadequalificada(contratodecompraevenda,p.ex.),e,deoutro,osdemaisatosjurídicoslícitos(v.
n. 24, retro): o ato jurídico em sentido estrito (ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta a
simplesintençãodetornar-seproprietáriodaresnullius,queéopeixe)eoato-fatojurídico(encontrode
tesouro,quedemandaapenasoatomaterialdeachar,independentementedavontadeouconsciênciado
inventor).AosdoisúltimosmandaoCódigoaplicar,apenasnoquecouber(nãosepodefalaremfraude
contracredoresemmatériadeocupação,p.ex.),osprincípiosdisciplinadoresdonegóciojurídico.
TÍTULOIII
DOSATOSJURÍDICOSILÍCITOS
Ocapítuloreferenteaosatosilícitos,noCódigoCivil,contémapenastrêsartigos:o186,o187eo
188.Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos arts. 927 a 943
(“DaObrigaçãodeIndenizar”)e944a954(“DaIndenização”).
47.CONCEITO
Ato ilícitoéopraticadocominfraçãoaodever legaldenão lesaraoutrem.Taldeveré impostoa
todos no art. 186 do Código Civil, que prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
cometeatoilícito”.Tambémocometeaquelequepraticaabusodedireito(art.187).Emconsequência,o
autordodanoficaobrigadoarepará-lo(art.927).
Atoilícitoé,portanto,fontedeobrigação:adeindenizarouressarciroprejuízocausado.Épraticado
cominfraçãoaumdeverdeconduta,pormeiodeaçõesouomissõesculposasoudolosasdoagente,das
quaisresultadanoparaoutrem.
OatualCódigoaperfeiçoouoconceitodeato ilícito,aodizerqueopraticaquem“violardireitoe
causar dano a outrem” (art. 186), substituindo o “ou” (“violar direitoou causar dano a outrem”) que
constavadoart.159dodiplomade1916.Comefeito,oelementosubjetivodaculpaéodeverviolado.A
responsabilidade é uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda
mesmoquehajaviolaçãodeumdeverjurídicoequetenhahavidoculpa,eatémesmodolo,porpartedo
infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Se, por
exemplo,omotoristacometeváriasinfraçõesdetrânsito,masnãoatropelanenhumapessoanemcolide
comoutroveículo,nenhumaindenizaçãoserádevida,malgradoailicitudedesuaconduta.Aobrigação
deindenizardecorre,pois,daexistênciadaviolaçãodedireitoedodano,concomitantemente.
48.RESPONSABILIDADECONTRATUALEEXTRACONTRATUAL
Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever
contratual).Porexemplo:oatorquenãocompareceparadaroespetáculocontratado;ocomodatárioque
não devolve a coisa que lhe foi emprestada porque, por sua culpa, ela pereceu. O inadimplemento
contratualacarretaaresponsabilidadedeindenizarasperdasedanos,nostermosdoart.389doCódigo
Civil.Quandoa responsabilidadenãoderivadecontrato,masde infraçãoaodeverdeconduta (dever
legal) imposto genericamente no art. 927 do mesmo diploma, diz-se que ela é extracontratual ou
aquiliana.
Emboraaconsequênciadainfraçãoaodeverlegaleaodevercontratualsejaamesma(obrigaçãode
ressarciroprejuízocausado),oCódigoCivilbrasileirodistinguiuasduasespéciesderesponsabilidade,
acolhendoateoriadualistaeafastandoaunitária,disciplinandoaextracontratualnosarts.186e187,
sobo título“DosAtos Ilícitos”, complementandoa regulamentaçãonosarts.927e s., e acontratual,
comoconsequênciadainexecuçãodasobrigações,nosarts.389,395es.,omitindoqualquerreferência
diferenciadora.Noentanto,algumasdiferençaspodemserapontadas:a)naresponsabilidadecontratual,
oinadimplementopresume-seculposo.Ocredorlesadoencontra-seemposiçãomaisfavorável,poissó
estáobrigadoademonstrarqueaprestaçãofoidescumprida,sendopresumidaaculpadoinadimplente
(casodopassageirodeumônibusqueficaferidoemcolisãodestecomoutroveículo,porsercontratual
(contrato de adesão) a responsabilidade do transportador, que assume, ao vender a passagem, a
obrigação de transportar o passageiro são e salvo (cláusula de incolumidade) a seu destino); na
extracontratual, ao lesado incumbe o ônus de provar culpa ou dolo do causador do dano (caso do
pedestrequeéatropeladopeloônibusetemoônusdeprovaraimprudênciadocondutor);b)acontratual
temorigemnaconvenção,enquantoaextracontratuala temna inobservânciadodevergenéricodenão
lesar a outrem (neminem laedere); c) a capacidade sofre limitações no terreno da responsabilidade
contratual,sendomaisamplanocampodaextracontratual.
49.RESPONSABILIDADECIVILEPENAL
Ailicitudeéchamadadeciviloupenaltendoemvistaexclusivamenteanormajurídicaqueimpõeo
dever violado pelo agente.Na responsabilidade penal, o agente infringe uma norma penal, de direito
público.Ointeresselesadoéodasociedade.Naresponsabilidadecivil,ointeressediretamentelesadoé
oprivado.Oprejudicadopoderápleitearounãoa reparação.Se,aocausardano,oagente transgride,
também, a lei penal, ele torna-se, aomesmo tempo, obrigado civil e penalmente.A responsabilidade
penal é pessoal, intransferível.Responde o réu com a privação de sua liberdade.A responsabilidade
civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações.Ninguémpode ser
presopordívidacivil,excetoodevedordepensãooriundadodireitodefamília.
Aresponsabilidadepenalépessoaltambémemoutrosentido:apenanãopodeultrapassarapessoado
delinquente.Nocível,háváriashipótesesderesponsabilidadeporatodeoutrem(cf.art.932doCC,p.
ex.).Atipicidadeéumdosrequisitosgenéricosdocrime.Nocível,noentanto,qualqueraçãoouomissão
podegerararesponsabilidade,desdequevioledireitoecausedanoaoutrem(CC,arts.186e927).A
culpabilidade é bemmais ampla na área cível (a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar).Na
esferacriminalexige-se,paraacondenação,queaculpatenhacertograuouintensidade.Naverdade,a
diferençaéapenasdegrauoudecritériodeaplicação,porquesubstancialmenteaculpacivileaculpa
penalsãoiguais,pois têmosmesmoselementos.Aimputabilidadetambémétratadademododiverso.
Somenteosmaioresdedezoitoanossãoresponsáveiscriminalmente.Nocível,omenordedezoitoanos
respondepelosprejuízosquecausar,seaspessoasporeleresponsáveisnãotiveremobrigaçãodefazê-
loounãodispuseremdemeiossuficientes,eseaindenização,quedeveráserequitativa,nãooprivardo
necessário ao seu sustento, ou ao das pessoas que dele dependem (CC, art. 928, caput, e parágrafo
único).
50.RESPONSABILIDADESUBJETIVAEOBJETIVA
A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como
fundamentodaresponsabilidadecivil.Emnãohavendoculpa,nãoháresponsabilidade.Diz-se,pois,ser
subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa (em sentido lato,
abrangendoodoloouaculpaemsentidoestrito)passaaserpressupostonecessáriododanoindenizável.
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano
cometido semculpa.Quando isto acontece, diz-seque a responsabilidade é legal ouobjetiva, porque
prescindedaculpaesesatisfazapenascomodanoeonexodecausalidade.Essateoria,ditaobjetivaou
dorisco,temcomopostuladoquetododanoéindenizáveledeveserreparadoporquemaeleseligapor
umnexodecausalidade, independentementedeculpa.Noscasosde responsabilidadeobjetiva,não se
exigeprovadeculpadoagenteparaquesejaobrigadoarepararodano.
Umadas teorias queprocuram justificar a responsabilidadeobjetiva é a teoria do risco.Para essa
teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser
obrigadaarepará-lo,aindaquesuacondutasejaisentadeculpa.Aresponsabilidadecivildesloca-seda
noçãodeculpaparaaideiaderisco,oraencaradacomo“risco-proveito”,quesefundanoprincípiode
queéreparávelodanocausadoaoutrememconsequênciadeumaatividaderealizadaembenefíciodo
responsável (ubi emolumentum, ibi onus, isto é, quem aufere os cômodos (lucros) deve suportar os
incômodosouriscos);oramaisgenericamentecomo“riscocriado”,aquesesubordinatodoaqueleque,
semindagaçãodeculpa,expuseralguémasuportá-lo,emrazãodeumaatividadeperigosa;ora,ainda,
como“riscoprofissional”,decorrentedaatividadeouprofissãodolesado,comoocorrenosacidentesde
trabalho.
OCódigoCivilbrasileirofiliou-seàteoriasubjetiva.Éoquesepodeverificarnoart.186,queerigiu
odoloeaculpacomofundamentosparaaobrigaçãode repararodano.Aresponsabilidadesubjetiva
subsiste como regranecessária, semprejuízoda adoçãoda responsabilidadeobjetiva emdispositivos
várioseesparsos(arts.936,937e938—quetratam,respectivamente,daresponsabilidadedodonodo
animal,dodonodoprédioemruínaedohabitantedacasadaqualcaíremcoisas—,alémdeoutros,
como os arts. 929, 930, 939 e 940), e da responsabilidade objetiva independentemente de culpa, no
parágrafo único do art. 927, “nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvidapeloautordodanoimplicar,porsuanatureza,riscoparaosdireitosdeoutrem”.Os“casos
especificados em lei” são os previstos no próprioCódigoCivil (art. 933, p. ex.) e em leis esparsas,
como a Lei de Acidentes do Trabalho, o Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei n. 6.453/77 (que
estabelecearesponsabilidadedooperadordeinstalaçãonuclear),oDecreto-Lein.2.681,de1912(que
regulaaresponsabilidadecivildasestradasdeferro),aLein.6.938/81(quetratadosdanoscausadosao
meio ambiente) e outras. E quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico — como o de
transporte, ou de trabalho, por exemplo — implica a existência de riscos inerentes à atividade
desenvolvida,impõe-searesponsabilidadeobjetivadequemdelatiraproveito,hajaounãoculpa.
Issosignificaquearesponsabilidadeobjetivanãosubstituiasubjetiva,masficacircunscritaaosseus
justos limites. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se conjugam e dinamizam. Sendo a
teoria subjetiva insuficiente para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar
especialmenteoscasosemquedeveráocorreraobrigaçãodereparar,independentementedaquelanoção.
51.IMPUTABILIDADEERESPONSABILIDADE
Oart.186doCódigoCivilpressupõeoelementoimputabilidade,ouseja,aexistência,noagente,da
livredeterminaçãodevontade.Paraquealguémpratiqueumatoilícitoesejaobrigadoarepararodano
causado,énecessárioque tenhacapacidadedediscernimento.Aquelequenãopodequerereentender,
nãoincorreemculpae,porisso,nãopraticaatoilícito.
51.1.ARESPONSABILIDADEDOSPRIVADOSDEDISCERNIMENTO
Aconcepçãoclássicaconsideraque,sendooprivadodediscernimento(amental)uminimputável,não
éeleresponsávelcivilmente.Sevieracausardanoaalguém,oatoequipara-seàforçamaiorouaocaso
fortuito. Se a responsabilidade não puder ser atribuída ao encarregado de sua guarda, a vítima ficará
irressarcida.Pessoasassimgeralmentetêmumcuradorincumbidodesuaguardaouvigilância.Eoart.
932, II, do Código Civil responsabiliza o curador pelos atos dos curatelados que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia, independentemente de culpa de sua parte (art. 933). Contudo, se as
pessoasporelesresponsáveisnãotiveremobrigaçãoderesponderpelosprejuízosquecausarem,ounão
dispuserem de meios suficientes, respondem os próprios curatelados. A indenização, que deverá ser
equitativa,nãoterálugarseprivardonecessáriooincapazouaspessoasquedeledependem(CC,art.
928,caputeparágrafoúnico).Nessecaso,ficaráavítimairressarcida,damesmamaneiraqueocorreria
nahipótesedecasofortuito.Asoluçãoacolhidanoaludidodispositivolegal,queconstituiinovaçãodo
atual Código Civil, consta dos códigos de vários países, como Suíça, Portugal, México, Espanha e
outros.
AguiarDiasentendeque,seoalienadomentalnãotemcuradornomeado,masviveemcompanhiado
pai,esterespondepeloatodofilho,nãocombasenoart.932,I,massimnoart.186,poisdecorrede
omissão culposa na vigilância de pessoa privada de discernimento, não a fazendo internar ou não a
obstandodoatodanoso.E, seoamentalnãoestá sobopoderdeninguém, responderão seuspróprios
benspelareparação,pois“areparaçãododanocausadoporpessoasnessascondiçõesseháderesolver
foradosquadrosdaculpa”(Daresponsabilidadecivil,4.ed.,Forense,p.561e574).Seria,nessecaso,
umahipótesederesponsabilidadeobjetiva.
Anote-sequeaLein.13.146,de6dejulhode2015,proclama,noart.6º,que“Adeficiêncianãoafeta
a plena capacidade civil da pessoa”. A consequência direta e imediata dessa alteração legislativa é
exatamenteesta:odeficienteéagoraconsideradoplenamentecapaz.Dessemodo,oamentalnãomais
respondesubsidiariamenteporseusatos,esimdiretamente.
51.2.ARESPONSABILIDADEDOSMENORES
Comojámencionado,oart.186doCódigoCivilpressupõeoelemento imputabilidade,ouseja,a
existência, no agente, da livre determinação de vontade.Aquele que não pode querer e entender, não
incorreemculpae,porisso,nãopraticaatoilícito.
Amaioridadeciviléalcançadasomenteaosdezoitoanos(CC,art.5º).Osmenoresdedezesseisanos
são absolutamente incapazes.E osmaiores de dezesseis emenores de dezoito anos são relativamente
incapazes. Considera-se, portanto, no primeiro caso, que não têm o necessário discernimento para a
práticadosatosdavidacivil;e,nosegundo,que têmodiscernimentoreduzido.Ora,paraquealguém
pratiqueumatoilícitoesejaobrigadoarepararodanocausado,énecessárioquetenhaplenacapacidade
dediscernimento.
Oart.932,I,doCódigoCivilresponsabilizaospaispelosatospraticadospelosfilhosmenoresque
estiveremsob suaautoridadee companhia.Dessemodo, avítimanão ficará irressarcida.Ospais são
responsáveispeloatodofilhomenordedezoitoanos.Estesórespondepelosprejuízosquecausarseas
pessoasporeleresponsáveisnãotiveremobrigaçãodefazê-loounãodispuseremdemeiossuficientes
(CC,art.928,caput).Aindenização,nessecaso,quedeveráserequitativa,nãoterálugarseprivardo
necessáriooincapazouaspessoasquedeledependem(parágrafoúnico).
Seomenorestiver sob tutela,a responsabilidadenessescasosserádo tutor (art.932, II).Seopai
emancipao filho,voluntariamente,aemancipaçãoproduz todososefeitosnaturaisdoato,menosode
isentaroprimeirodaresponsabilidadepelosatosilícitospraticadospelosegundo,consoanteproclamaa
jurisprudência. Tal não acontece quando a emancipação decorre do casamento ou das outras causas
previstasnoart.5º,parágrafoúnico,doCódigoCivil.
52.PRESSUPOSTOSDARESPONSABILIDADEEXTRACONTRATUAL
Aanálisedoart.186doCódigoCivil,quedisciplinaa responsabilidadeextracontratual,evidencia
que quatro são os seus elementos essenciais: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de
causalidadeedano.
52.1.AÇÃOOUOMISSÃO
Refere-se a lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A
responsabilidadepodederivardeatopróprio(CC,arts.939,940,953etc.),deatodeterceiroqueesteja
sobaguardadoagente(art.932)e,ainda,dedanoscausadosporcoisas(art.937)eanimais(art.936)
que lhe pertençam. Nesse último caso, a culpa do dono é presumida (responsabilidade objetiva
imprópria). Para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista o dever
jurídicodepraticardeterminado fato (denão seomitir) eque sedemonstreque, coma suaprática,o
dano poderia ter sido evitado.O dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei (dever de
prestarsocorroàsvítimasdeacidentesimpostoatodocondutordeveículos)ouresultardeconvenção
(deverdeguarda,devigilância,decustódia)eatédacriaçãodealgumasituaçãoespecialdeperigo.
52.2.CULPAOUDOLODOAGENTE
Aosereferiràaçãoouomissãovoluntária,oart.186doCódigoCivilcogitoudodolo.Emseguida,
referiu-seàculpaemsentidoestrito,aomencionara“negligênciaou imprudência”.Doloéaviolação
deliberada,intencional,dodeverjurídico.Aculpaconsistenafaltadediligênciaqueseexigedohomem
médio.Paraqueavítimaobtenhaareparaçãododano,exigeoreferidodispositivolegalqueprovedolo
ouculpastrictosensu (aquiliana)doagente(imprudência,negligênciaouimperícia),demonstrandoter
sido adotada, entre nós, a teoria subjetiva. Como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser
conseguida, o Código Civil algumas vezes adota a teoria objetiva, como, por exemplo, no parágrafo
únicodoart.927,segundooqualhaveráobrigaçãoderepararodano,“independentementedeculpa,nos
casos especificados em lei” (leis especiais admitem, em hipóteses específicas, casos de
responsabilidade independentemente de culpa fundada no risco), “ou quando a atividade normalmente
desenvolvidapeloautordodanoimplicar,porsuanatureza,riscoparaosdireitosdeoutrem”.Verifica-
se,assim,quearesponsabilidadesubjetivasubsistecomoregranecessária,semprejuízodaadoçãoda
responsabilidadeobjetiva,noscasosespecificadosemleioudeexercíciodeatividadeperigosa.
A teoria subjetiva fazdistinçõescombasenaextensãodaculpa.Culpa lataougrave: imprópriaao
comumdoshomenseamodalidadequemaisseavizinhadodolo;culpaleve:faltaevitávelcomatenção
ordinária;culpa levíssima:faltasóevitávelcomatençãoextraordináriaoucomespecialhabilidade.A
culpagraveaodoloseequipara(culpalatadolusequiparatur).Assim,seemdeterminadodispositivo
legalconstararesponsabilidadedoagentepordolo,deve-seentenderque tambémrespondeporculpa
grave(CC,art.392).Nocível,aculpamesmolevíssimaobrigaa indenizar(in legeaquilia levissima
culpavenit).Emgeral,nãosemedeodanopelograudeculpa.Omontantedodanoéapuradocombase
noprejuízocomprovadopelavítima.Todoodanoprovadodeveserindenizado,qualquerquesejaograu
deculpa.Preceituaoart.944doCódigoCivil,comefeito,que“Aindenizaçãomede-sepelaextensãodo
dano”.Aduzoparágrafoúnicoque,noentanto,sehouver“excessivadesproporçãoentreagravidadeda
culpaeodano,poderáojuizreduzir,equitativamente,aindenização”.Emalgumaspoucasleisespeciais,
comonaLeideImprensa(Lein.5.250/67),ograudeculpapodeterinfluêncianoarbitramentododano.
52.3.RELAÇÃODECAUSALIDADE
Éonexocausalouetiológicoentreaaçãoouomissãodoagenteeodanoverificado.Vemexpressano
verbo“causar”,empregadonoart.186.Semelanãoexisteaobrigaçãode indenizar.Sehouveodano
massuacausanãoestárelacionadacomocomportamentodoagente,inexistearelaçãodecausalidadee,
também,aobrigaçãodeindenizar.Asexcludentesdaresponsabilidadecivil,comoaculpadavítimaeo
casofortuitoeaforçamaior(CC,art.393),rompemonexodecausalidade,afastandoaresponsabilidade
doagente.Assim,porexemplo,seavítima,querendosuicidar-se,atira-sesobasrodasdoveículo,não
sepodeafirmarteromotorista“causado”oacidente,poisnaverdadefoimeroinstrumentodavontadeda
vítima,estasimresponsávelexclusivapeloevento.
52.4.DANO
Sem a prova do dano ninguémpode ser responsabilizado civilmente.O dano pode ser patrimonial
(material) ou extrapatrimonial (moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do lesado. O
CódigoCivilconsignaumcapítulosobrealiquidaçãododano,istoé,sobreomododeseapuraremos
prejuízos e a indenização cabível (arts. 944 a 954), com o título “Da Indenização”.Mesmo que haja
violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator,
nenhumaindenizaçãoserádevida,umavezquenãosetenhaverificadoprejuízo.Ainexistênciadedano
tornasemobjetoapretensãoàsuareparação.Àsvezesaleipresumeodano,comoacontecenaLeide
Imprensa,quepressupõeaexistênciadedanomoralemcasosdecalúnia,difamaçãoeinjúriapraticadas
pelaimprensa.Aconteceomesmoemofensasaosdireitosdapersonalidade.
Podeserlembrada,comoexceçãoaoprincípiodequenenhumaindenizaçãoserádevidasenãotiver
ocorridoprejuízo,aregradoart.940doCódigoCivil,queobrigaapagaremdobroaodevedorquem
demanda dívida já paga, como uma espécie de pena privada pelo comportamento ilícito do credor,
mesmo sem prova de prejuízo. E, na responsabilidade contratual, pode ser lembrado o art. 416 do
CódigoCivil,quepermiteaocredorcobraracláusulapenalsemprecisarprovarprejuízo.
53.ATOSLESIVOSNÃOCONSIDERADOSILÍCITOS
Oart.188doCódigoCivildeclaranãoconstituírematosilícitosospraticadosemlegítimadefesaou
noexercícioregulardeumdireitoreconhecido,ouemestadodenecessidade.
53.1.ALEGÍTIMADEFESA
Oart.188,I,doCódigoCivilproclamaquenãoconstituematosilícitosospraticadosem“legítima
defesa ou no exercício regular de umdireito reconhecido”.O próprio “cumprimento do dever legal”,
emboranãoexplicitamente,neleestácontido,poisatuanoexercícioregulardeumdireitoreconhecido
aquelequepraticaumato“noestritocumprimentododeverlegal”.
Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser
responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Entretanto, se, por engano ou erro de pontaria,
terceirapessoafoiatingida(oualgumacoisadevalor),nessecasodeveoagenterepararodano.Mas
terá ação regressiva contra o agressor, para se ressarcir da importância desembolsada. Dispõe o
parágrafoúnicodo art. 930: “Amesmaaçãocompetirá contra aquele emdefesadequemse causouo
dano(art.188,incisoI)”.Note-searemissãofeitaaoart.188,I.
Somentealegítimadefesareal,epraticadacontraoagressor,deixadeseratoilícito,apesardodano
causado, impedindo a ação de ressarcimento de danos. Se o agente, por erro de pontaria (aberratio
ictus), atingir um terceiro, ficaráobrigado a indenizar osdanos a este causados, ficando, porém, com
direitoàaçãoregressivacontraoinjustoofensor,comojádito.
A legítima defesa putativa também não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a
culpabilidadeenãoaantijuridicidadedoato.Oart.65doCódigodeProcessoPenalnãofaznenhuma
referênciaàscausasexcludentesdaculpabilidade,ouseja,àsdenominadasdirimentespenais.Umavez
quesetratadeerrodefato,nãoháquecogitardaaplicaçãodoart.65doCódigodeProcessoPenal.Na
legítima defesa putativa, o ato de quem a pratica é ilícito, embora não punível por ausência de
culpabilidade em grau suficiente para a condenação criminal. No cível, entretanto, a culpa mesmo
levíssimaobrigaaindenizar.Enãodeixadehavernegligêncianaapreciaçãoequivocadadosfatos.
Na esfera civil, o excesso, a extrapolação da legítima defesa, por negligência ou imprudência,
configuraasituaçãodoart.186doCódigoCivil.
53.2.OEXERCÍCIOREGULAREOABUSODEDIREITO
Adoutrinadoabusododireitonãoexige,paraqueoagentesejaobrigadoaindenizarodanocausado,
quevenhaainfringirculposamenteumdeverpreexistente.Mesmoagindodentrodoseudireito,pode,não
obstante,emalgunscasos,serresponsabilizado.
Prevalecenadoutrina,hoje,oentendimentodequeoabusodedireitoprescindedaideiadeculpa.O
abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a
finalidadesocialdeseudireitosubjetivoeoexorbita,aoexercê-lo,causandoprejuízoaoutrem.Embora
nãohaja,emgeral,violaçãoaoslimitesobjetivosdalei,oagentedesvia-sedosfinssociaisaqueestase
destina.
OCódigoCivilde1916admitiuaideiadoabusodedireitonoart.160,I,emboranãootenhafeitode
formaexpressa.Sustentava-seaexistênciadateoriaemnossodireitopositivo,medianteinterpretaçãoa
contrariosensu do aludido dispositivo. Se ali estava escrito não constituir ato ilícito o praticado no
exercícioregulardeumdireitoreconhecido,era intuitivoqueconstituíaato ilícitoaquelepraticadono
exercícioirregulardeumdireito.
Eradessa formaqueseencontrava fundamento legalparacoibiroexercícioanormaldodireitoem
muitas hipóteses.Uma dasmais comuns enfrentadas por nossos tribunais era a reiterada purgação da
mora pelo inquilino, que passou a ser considerada abusiva pela jurisprudência, até ser limitada pela
próprialeidoinquilinato.
O atual CódigoCivil expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, ao dispor: “Também
cometeato ilícitoo titulardeumdireitoque,aoexercê-lo,excedemanifestamenteos limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187).Também serve de
fundamentoparaaaplicação,entrenós,dareferidateoria,oart.5ºdaLeideIntroduçãoàsNormasdo
DireitoBrasileiro,quedeterminaaojuiz,naaplicaçãodalei,oatendimentoaosfinssociaisaqueelase
dirigeeàsexigênciasdobemcomum.Équeailicitudedoatoabusivosecaracterizasemprequeotitular
dodireitosedesviadafinalidadesocialparaaqualodireitosubjetivofoiconcedido.
Observa-sequeajurisprudência,emregra,ejáhámuitotempo,consideraabusodedireitooatoque
constituioexercícioegoístico,anormaldodireito,semmotivoslegítimos,nocivosaoutrem,contrários
aodestinoeconômicoesocialdodireitoemgeral.
Vários dispositivos legais demonstram que no direito brasileiro há uma reação contra o exercício
irregular de direitos subjetivos. O art. 1.277 do Código Civil, inserido no capítulo dos “Direitos de
Vizinhança”, permite que se reprima o exercício abusivo do direito de propriedade que perturbe o
sossego, a segurança ou a saúde do vizinho. Constantes são os conflitos relativos à perturbação do
sossegoalegadacontraclubesdedança,boates,oficinasmecânicas,terreirosdeumbandismoetc.Podem
sermencionados,ainda,comoexemplos,osarts.939,940,1.637e1.638.OCódigodeProcessoCivil
também reprime o abuso de direito nos arts. 77 a 81 e também no processo de execução (arts. 771,
parágrafoúnico,e776).
Observa-sequeo institutodoabusodedireito temaplicaçãoemquase todososcamposdodireito,
como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos. O Código de
ProcessoCivilde2015,verbigratia, tambémreprimeoabusodedireitonosarts.77a81,eaindano
processodeexecução(arts.776e771,parágrafoúnico).
53.3.OESTADODENECESSIDADE
Nodireitobrasileiro, a figurado chamado “estadodenecessidade” foi delineadapelo art. 160, II,
combinadocomosarts.1.519e1.520doCódigoCivilde1916.
O atual diploma trata dessamatéria no art. 188, II, combinado com os arts. 929 e 930. Dispõe o
primeironãoconstituiratoilícito“adeterioraçãooudestruiçãodacoisaalheia,oualesãoapessoa,a
fim de remover perigo iminente”. E o parágrafo único completa: “No caso do inciso II, o ato será
legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os
limitesdoindispensávelparaaremoçãodoperigo”.Éoestadodenecessidadenoâmbitocivil.
Entretanto,emboraaleideclarequeoatopraticadoemestadodenecessidadenãoéatoilícito,nem
porissoliberaquemopraticaderepararoprejuízoquecausou.Seummotorista,porexemplo,atirao
seuveículocontraummuro,derrubando-o,paranãoatropelarumacriançaque,inesperadamente,surgiu-
lheàfrente,oseuato,emboralícitoemesmonobilíssimo,nãooexoneradepagarareparaçãodomuro.
Comefeito,oart.929doCódigoCivilestatuique,seapessoalesada,ouodonodacoisa(odonodo
muro), no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á o direito à
indenizaçãodoprejuízoquesofreram(somentesenãoforemculpadosdoperigo).Entretanto,oevento
ocorreu por culpa in vigilando do pai da criança, que é responsável por sua conduta. Desse modo,
emboratenhadepagaroconsertodomuro,omotoristateráaçãoregressivacontraopaidomenorpara
seressarcirdasdespesasefetuadas.Éoqueexpressamentedispõeoart.930doCódigoCivil:“Nocaso
doincisoIIdoart.188,seoperigoocorrerporculpadeterceiro,contraesteteráoautordodanoação
regressivaparahaveraimportânciaquetiverressarcidoaolesado”.
Pelo Código Civil de 1916, os danos porventura decorrentes de ato praticado em estado de
necessidadesópodiamdizer respeitoàscoisasenuncaàspessoas (cf.RT,100:533).Onovo incluiu,
contudo,expressamente,noincisoIIdoart.188,a“lesãoapessoa”.Emboraoart.188,II,aparenteestar
em contradição com o citado art. 929, explica-se o teor do último pela intenção de não se deixar
irressarcidaavítimainocentedeumdano.Poroutrolado,justifica-seaafirmaçãodoprimeiro,dequeo
atopraticadoemestadodenecessidadenãoéilícito,porteroagentedireitoàaçãoregressivacontrao
terceirocausadordasituaçãodeperigo.
Oart.65doCódigodeProcessoPenalproclamafazercoisajulgada,nocível,asentençapenalque
reconhecertersidooatopraticadoemestadodenecessidade.Sendooréuabsolvidocriminalmentepor
teragidoemestadodenecessidade,estáo juizcívelobrigadoa reconhecer tal fato.Masdaráaeleo
efeito previsto noCódigoCivil e não noCódigo Penal, qual seja, o de obrigá-lo a ressarcir o dano
causado à vítima inocente, comdireito, porém, à ação regressiva contra o provocador da situação de
perigo.
QUADROSINÓTICO–DOSATOSJURÍDICOSILÍCITOS
1.Conceito Atoilícitoéopraticadocominfraçãoaodeverlegaldenãolesaraoutrem.Taldeveréimpostoatodosnosarts.186e927doCódigoCivil.Tambémocometeaquelequepraticaabusodedireito(art.187).
2.Responsa- Oinadimplementocontratualacarretaaresponsabilidadedeindenizarasperdasedanos(art.389).Quando
aresponsabilidadederivadeinfraçãoaodeverlegal(art.927),diz-sequeelaéextracontratualouaquiliana.
bilidadecon-
tratualeex-
tracontratual
Nas duas a consequência é a mesma: obrigação de ressarcir o prejuízo causado. Na contratual, oinadimplementosepresumeculposo.Nasegunda,aculpadeveserprovada.
3.Responsa-
bilidadepe-
nalerespon-
sabilidadecivil
Napenal,oagenteinfringeumanormapenal,dedireitopúblico.Nacivil,ointeressediretamentelesadoéoprivado. A primeira é pessoal: responde o réu com a privação de liberdade. A responsabilidade civil épatrimonial:éopatrimôniododevedorquerespondeporsuasobrigações.
4.Responsa-
bilidadesubjetivaeresponsabili-
dadeobje-
tiva
Diz-sesersubjetivaaresponsabilidadequandoseesteiana ideiadeculpa.Aprovadaculpapassaaserpressupostonecessáriododanoindenizável.
A teoria objetiva se funda no risco. Prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo decausalidade.
OCódigoCivilfiliou-se,comoregra,àteoriasubjetiva,semprejuízodaadoçãodaresponsabilidadeobjetivaemváriosdispositivosesparsos(arts.927,parágrafoúnico,933etc.).
5.Arespon-
sabilidadedosprivadosdediscerni-
mento
Sendooprivadodediscernimentoum inimputável,nãoéele responsávelcivilmente.A responsabilidadeéatribuída ao seu representante legal (curador, tutor, genitor). Se este, todavia, não dispuser de meiossuficientes,respondeopróprioincapaz.Aindenização,quedeveráserequitativa,nãoterálugarseprivá-lodonecessário(art.928,caput,eparágrafoúnico).Nessecaso,avítimaficaráirressarcida.
6.Pressupos-
tosdares-
ponsabilida-
deextracon-
tratual
a)açãoouomissão
atopróprio;
atodeterceiro;
fatodacoisaedoanimal.
b)culpa
dolo
culpaemsentidoestritoa)imprudência,negligênciaeimperícia;
b)grave,leveelevíssima.
c)relaçãodecausalidade
Éonexocausalouetiológicoentreaaçãoouomissãodoagenteeodanoverificado.
6.Pressupos-
tosdares-
ponsabilida-
deextracon-
c)relaçãodecausalidade
Vemexpressanoverbo“causar”empregadonoart.186.Semelanãoexisteaobrigaçãodeindenizar.
d)danoÉ pressuposto inafastável, sem o qual ninguém pode ser responsabilizado civilmente.
tratual Podeserpatrimonial(material)ouextrapatrimonial(moral).
7.Excluden-
tesdailici-
tude
a)Legítimadefesa:quandorealepraticadacontraopróprioagressor(art.188,I).Se,porerrodepontaria,terceirapessoafoiatingida,oagentedeverepararodano,masteráaçãoregressivacontraoagressor(art.930). A legítima defesa putativa também não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui aculpabilidadeenãoaantijuridicidadedoato.
b)Exercícioregulardeumdireito(art.188,I).Masoabusodedireitoéconsideradoatoilícito(art.187).
c)Estadodenecessidade(art.188,II).Adeterioraçãooudestruiçãodacoisaalheia,oua lesãoapessoa,nãoconstituematosilícitos.Nempor issoquemospraticafica liberadoderepararoprejuízoquecausou.Masteráaçãoregressivacontraquemcriouasituaçãodeperigo(arts.929e930).
TÍTULOIV
DAPRESCRIÇÃOEDADECADÊNCIA
CAPÍTULOI
DAPRESCRIÇÃO
OCódigoCivil tratadasdisposiçõesgeraissobreaprescriçãoextintivanosarts.189a196;edos
prazosprescricionaisnosarts.205(geral)e206(especiais).
54.INTRODUÇÃO
Odecursodotempoteminfluêncianaaquisiçãoenaextinçãodedireitos.Distinguem-se,pois,duas
espéciesdeprescrição:aextintivaeaaquisitiva(usucapião).Algunspaísestratamconjuntamentedessas
duasespéciesemumúnicocapítulo.OCódigoCivilbrasileiroregulamentouaextintivanaParteGeral,
dando ênfase à força extintora do direito. No direito das coisas, na parte referente aos modos de
aquisiçãododomínio,tratoudaprescriçãoaquisitiva,emquepredominaaforçageradora.Emumeoutro
caso,noentanto,ocorremosdoisfenômenos:alguémganhae,emconsequência,alguémperde.Comoo
elemento“tempo”écomumàsduasespéciesdeprescrição,dispõeoart.1.244doCódigoCivilqueas
causasqueobstam,suspendemouinterrompemaprescriçãotambémseaplicamàusucapião.
O instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela
consolidaçãodetodososdireitos.Dispensaainfinitaconservaçãodetodososrecibosdequitação,bem
como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite no tempo. Com a
prescriçãodadívida,bastaconservarosrecibosatéadataemqueestaseconsuma,ouexaminarotítulo
doalienanteeosdeseuspredecessoresimediatos,emumperíododedezanosapenas.
Paradistinguirprescriçãodedecadência,o atualCódigoCivil optouporuma fórmulaqueespanca
qualquer dúvida. Prazos de prescrição são, apenas e de modo exclusivo, os taxativamente
discriminados na Parte Geral, nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de
decadência todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege amatéria,
tantonaParteGeralcomonaEspecial.Paraevitaradiscussãosobreseaaçãoprescreveounão,adotou-
seatesedaprescriçãodapretensão,porserconsideradaamaiscondizentecomodireitoprocessual
contemporâneo.
55.CONCEITOEREQUISITOS
ParaClóvisBeviláqua,prescriçãoextintiva“éaperdadaaçãoatribuídaaumdireito,edetodaasua
capacidadedefensiva,emconsequênciadonãousodela,durantedeterminadoespaçode tempo”.Caio
MáriodaSilvaPereira,entretanto,entendequeaprescriçãoémodopeloqualseextingueumdireito(não
apenasaação)pelainérciadotitulardurantecertolapsodetempo.
Entretanto,comovisto,oatualCódigoCivil,evitandoessapolêmica,adotouovocábulo“pretensão”
paraindicarquenãosetratadodireitosubjetivopúblicoabstratodeação.E,noart.189,enunciouquea
prescrição se inicia nomomento em que há violação do direito.A propósito, esclareceu aComissão
RevisoradoProjetoque,emse tratandodosdenominadosdireitospotestativos(emqueoagentepode
influir na esfera de interesses de terceiro, quer ele queira, quer não, como o de anular um negócio
jurídico,p.ex.),comosãoeles invioláveis,nãoháque falaremprescrição,mas, sim,emdecadência.
Atendendo-se à circunstância de que a prescrição é instituto de direito material, usou-se o termo
“pretensão”,quediz respeitoà figura jurídicadocampododireitomaterial,conceituando-seoquese
entende por essa expressão no art. 189, que tem a virtude de indicar que a prescrição se inicia no
momentoemqueháviolaçãododireito.
A prescrição tem como requisitos:a)a inércia do titular, ante a violação de um seu direito;b) o
decursodotempofixadoemlei.
Configura-seaprescriçãointercorrentequandooautordeprocessojáiniciadopermaneceinerte,de
forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão.
Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir do último ato do processo ou do próprio ato que a
interrompeu(acitaçãoválida,v.g.).
O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer o marco inicial para a contagem da
prescriçãointercorrente.Oart.921,III,prevêasuspensãodoprocessodeexecução“quandooexecutado
nãopossuirbenspenhoráveis”.Eo§1ºcomplementa:“Nahipótesedo inciso III,o juiz suspenderáa
execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição”. Por sua vez, o § 4º
proclama:“Decorridooprazodeque tratao§1º, semmanifestaçãodoexequente, começaacorrero
prazodeprescriçãointercorrente”.
Oreferidodiplomaproíbeadecisão-surpresa,dispondono§5ºdoaludidoart.921:“Ojuiz,depois
deouvidasaspartes,noprazode15 (quinze)dias,poderá,deofício, reconheceraprescriçãodeque
tratao§4ºeextinguiroprocesso”.E,noart.924,V,preceitua:“extingue-seaexecuçãoquandoocorrera
prescriçãointercorrente”.
56.PRETENSÕESIMPRESCRITÍVEIS
Apretensãoédeduzidaemjuízopormeiodaação.Àprimeiravista,tem-seaimpressãodequenãohá
ações imprescritíveis, na sistemática doCódigoCivil, pois a prescrição ocorre em prazos especiais,
discriminados no art. 206, ou no prazo geral de dez anos, previsto no art. 205.Entretanto, a doutrina
aponta várias pretensões imprescritíveis, afirmando que a prescritibilidade é a regra e a
imprescritibilidade,aexceção.
Assim,nãoprescrevem:a)asqueprotegemosdireitosdapersonalidade, comoodireito àvida, à
honra,àliberdade,àintegridadefísicaoumoral(v.n.8,retro);b)asqueseprendemaoestadodaspes-
soas(estadodefiliação,qualidadedecidadania,condiçãoconjugal).Nãoprescrevem,assim,asações
deseparaçãojudicial,deinterdição,deinvestigaçãodepaternidadeetc.;c)asdeexercíciofacultativo
(oupotestativo),emquenãoexistedireitoviolado,comoasdestinadasaextinguirocondomínio(açãode
divisãooudevendadacoisacomum),adepedirmeaçãonomurovizinhoetc.;d)as referentesabens
públicosdequalquernatureza,quesãoimprescritíveis;e)asqueprotegemodireitodepropriedade,que
éperpétuo(reivindicatória); f)aspretensõesde reaverbensconfiadosàguardadeoutrem,a títulode
depósito,penhoroumandato.
57.PRESCRIÇÃOEINSTITUTOSAFINS(PRECLUSÃO,PEREMPÇÃOEDECADÊNCIA)
Apreclusãoconsistenaperdadeumafaculdadeprocessual,pornãotersidoexercidanomomento
próprio. Impede que se renovem as questões já decididas, dentro damesma ação. Só produz efeitos
dentrodopróprioprocessoemqueadvém.
Aperempção também é de natureza processual. Consiste na perda do direito de ação pelo autor
contumaz, que deu causa a três arquivamentos sucessivos (CPC/2015, art. 486, § 3º). Não extingue o
direitomaterialnemapretensão,quepassamaseroponíveissomentecomodefesa.
Várias foram as tentativas de se encontrar a linha divisória entre prescrição e decadência na
vigênciadoCódigoCivilde1916,quesósereferiaàprimeira.Noentanto,váriosprazosestipuladosna
ParteGeraleramdecadenciais,conformedistinguiaadoutrina,dentreeles,porexemplo,osfixadospara
aproposituradeaçãonegatóriadepaternidadeeparaaanulaçãodecasamento.Oscritérioseram,em
geral, alvo de críticas, por não ter base científica ou por pretender fazer a distinção pelos efeitos ou
consequências.
Assim,dizia-seque,quantoaosefeitos,aprescriçãonãocorrecontradeterminadaspessoas,enquanto
a decadência corre contra todos. A prescrição pode suspender-se ou interromper-se, enquanto a
decadência tem curso fatal, não se suspendendo nem se interrompendo pelas causas suspensivas ou
interruptivasdaprescrição,sópodendoserobstadaasuaconsumaçãopeloefetivoexercíciododireito
ou da ação, quando esta constitui o meio pelo qual deve ser exercido o direito. Aduza-se que,
modernamente, já se vinha admitindo a suspensão dos prazos decadenciais (ou de caducidade), como
ocorreunoCódigodeDefesadoConsumidor.
Ocritérioclássico,nodireitobrasileiro,consisteemcolocaroelementodiferenciadornocampode
incidênciadecadaumdosinstitutos.Assim,aprescriçãoatingediretamenteaaçãoe,porviaoblíqua,
fazdesaparecerodireitoporelatutelado(oquepereceéaaçãoqueprotegeodireito).Adecadência,ao
contrário, atinge diretamente o direito e, por via oblíqua, extingue a ação (é o próprio direito que
perece).
Hoje,noentanto,predominaoentendimento,namodernadoutrina,dequeaprescriçãoextinguea
pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio.O direito
material, violado, dá origem à pretensão (CC, art. 189), que é deduzida em juízo pormeio da ação.
Extintaapretensão,nãoháação.Portanto,aprescriçãoextingueapretensão,atingindotambémaação.O
institutoqueextinguesomenteaação(conservandoodireitomaterialeapretensão,quesópodemser
opostosemdefesa)éaperempção.
Como já mencionado, o novo Código, considerando que a doutrina e a jurisprudência tentaram,
durante anos a fio, sem sucesso, distinguir os prazos prescricionais dos decadenciais, optou por uma
fórmulasegura:prazosdeprescriçãosãounicamenteostaxativamentediscriminadosnaParteGeral,nos
arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de decadência todos os demais, estabelecidos
comocomplementodecadaartigoque regeamatéria, tantonaParteGeral comonaEspecial.Adotou
ainda,deformaexpressa,atesedaprescriçãodapretensão(Anspruch).
Acrescente-sequeaprescriçãoresultaexclusivamentedalei,enquantoadecadênciapoderesultarda
lei,docontratoedotestamento;eque,segundoproclamaaSúmula150doSupremoTribunalFederal,
“prescreveaexecuçãonomesmoprazodeprescriçãodaação”.
58.DISPOSIÇÕESLEGAISSOBREAPRESCRIÇÃO
Violadoodireito,nasceparaotitularapretensão,aqualseextingue,pelaprescrição,nosprazosa
quealudemosarts.205e206(CC,art.189),únicaeexclusivamente.Aexceçãoprescrevenosmesmos
prazos(art.190).
AjustificativaapresentadapelaComissãoRevisoraparaamanutençãodaúltimanorma,queconstitui
inovação,équeseestásuprindoumalacunadoCódigoCivil,quetemdadoproblemanaprática:saber
seaexceçãoprescreve(havendoquemsustentequequalquerexceçãoéimprescritível,jáqueoCódigoé
omisso),e,emcasoafirmativo,dentrodequeprazo.Ambasasquestõessãosolucionadaspeloart.190.
Oquesequerevitaréque,prescritaapretensão,odireitocompretensãoprescritapossaserutilizado
perpetuamenteatítulodeexceçãocomodefesa.AreferidaComissãoRevisoramenciona,apropósito,a
seguinteobservaçãodeHélioTornaghi:“Quandoaexceçãose fundaemumdireitodo réu (porex.:a
compensaçãosebaseianocréditodoréucontraoautor),prescritoeste,nãohámaiscomoexcepcioná-lo.
Seaexceçãonãoprescrevesse,perdurariaadinfinitum...”.
O art. 191 doCódigoCivil não admite a renúncia prévia da prescrição, isto é, antes que se tenha
consumado.Nãoseadmitearenúnciaprévia,nemdeprescriçãoemcurso,porqueoreferidoinstitutoé
deordempúblicaearenúnciatornariaaaçãoimprescritívelporvontadedaparte.
Doissãoosrequisitosparaavalidadedarenúncia:a)queaprescriçãojáestejaconsumada;b)que
não prejudique terceiro. Terceiros eventualmente prejudicados são os credores, pois a renúncia à
possibilidade de alegar a prescrição pode acarretar a diminuição do patrimônio do devedor. Em se
tratandodeatojurídico,requeracapacidadedoagente.
Observadosessesrequisitos,arenúncia,istoé,adesistênciadodireitodearguiraprescrição,pode
ser expressa ou tácita.A renúnciaexpressa decorre demanifestação taxativa, inequívoca, escrita ou
verbal,dodevedordequedelanãopretendeutilizar-se.Tácita,segundodispõeoart.191,“éarenúncia
quandosepresumedefatosdointeressado,incompatíveiscomaprescrição”.Consumadaaprescrição,
qualquer ato de reconhecimento da dívida por parte do devedor, como o pagamento parcial ou a
composiçãovisandoàsoluçãofuturadodébito,seráinterpretadocomorenúncia.
ALein.11.280,de16defevereirode2006,revogouoart.194doCódigoCivileaindaintroduziuo§
5º ao art. 219 do Código de Processo Civi de 1973, tornando obrigatório o pronunciamento da
prescrição,deofício,pelojuiz.Essaobrigatoriedadenãoretiradodevedorapossibilidadederenúncia
admitidanomencionadoart.191,poisaordemjurídicanãoimpedequeoobrigado,querendo,paguea
dívidajáalcançadapelaprescrição.
Osprazosdeprescriçãonãopodemseralteradosporacordodaspartes(CC,art.192).Aprescrição
emcursonãocriadireitoadquirido,podendooseuprazoserreduzidoouampliadoporleisuperveniente,
ou transformado em prazo decadencial. Não se admite, porém, ampliação ou redução de prazo
prescricionalpelavontadedaspartes.Noprimeirocaso,importariarenúnciaantecipadadaprescrição,
vedada pela lei. A possibilidade de se reduzir o prazo, que constituía questão polêmica, foi também
afastadapeloaludidoart.192.
Dispõeoart.193que“aprescriçãopodeseralegadaemqualquergraude jurisdição,pelapartea
quem aproveita”. Pode ser arguida emqualquer fase ou estado da causa, em primeira ou em segunda
instância.Pode,portanto, seralegadaemqualquer fasedoprocessodeconhecimento,aindaqueo réu
tenha deixado de invocá-la na contestação, não significando renúncia tácita a falta de invocação na
primeira oportunidade em que falar no processo. Considera-se que, se essa defesa não foi, desde o
primeiromomento,invocada,éporqueoréu,provavelmente,teriaconfiadonosoutrosmeiosdedefesa
—oquenãotolheoefeitodaprescrição.
Nafasedeliquidaçãodasentençaéinadmissívelainvocaçãodeprescrição,quedeveserobjetode
deliberação se arguida na fase cognitiva do processo. A que pode ser alegada, mesmo na fase de
execução,éaprescriçãosupervenienteàsentença(CPC/2015,art.535,VI).
Seaprescrição,entretanto,nãofoisuscitadanainstânciaordinária(primeiraesegundainstância),é
inadmissívelasuaarguiçãonorecursoespecial,peranteoSuperiorTribunaldeJustiça,ounorecurso
extraordinário, interpostoperanteoSupremoTribunalFederal, por faltar oprequestionamento exigido
nos regimentos internosdesses tribunais,que têmforçade lei.DispõeaSúmula282doúltimoque“é
inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal
suscitada”.Igualmente,notocanteàaçãorescisória(RTJ,71:1;RT,488:145).
Prescreviaoart.194doCódigoCivil,naredaçãooriginal,que“ojuiznãopodesuprir,deofício,a
alegaçãodeprescrição,salvosefavoreceraabsolutamenteincapaz”.Nãopodia,portanto,conhecerda
prescrição, se não fosse invocada pelas partes, salvo em benefício de absolutamente incapaz. Essa
ressalva,quenãofavoreciaorelativamente incapaz,constituiu inovação,poisnãoconstavadoCódigo
Civilde1916.Oaludidodispositivofoi,todavia,expressamenterevogadopeloart.11daLein.11.280,
de16defevereirode2006,queainda,comofoidito,introduziuo§5ºaoart.219doCódigodeProcesso
Civilde1973, tornandoobrigatórioopronunciamentodaprescrição,deofício,pelo juiz.Oassuntoé
tratado nos arts. 332, § 1º, e 487, parágrafo único, do diploma processual de 2015. Os direitos não
patrimoniais(direitospessoais,defamília)estãosujeitosàdecadênciaoucaducidade.Estatambémpode
serdeclaradadeofício,pelojuiz(CPC,art.487,II).Oart.210doCódigoCivildiz,imperativamente,
queo juiz“deve” (édeverenão faculdade),deofício,conhecerdadecadência,“quandoestabelecida
por lei”.Aindaquese tratededireitospatrimoniais,adecadênciapodeserdecretadadeofício (RTJ,
130:1001;RT,652:128e656:220),quandoestabelecidaporlei.
Se a parte, pessoalmente, não invoca a prescrição, poderá fazê-lo o representante do Ministério
Público,emnomedoincapaz,oudosinteressesquetutela.Nãopoderá,entretanto,argui-la,emmatéria
patrimonial,quandoatuacomomerocustoslegis(STF,REsp15.265-PR,DJU,17maio1993,p.9316,
1ªcol.,JTA,102:287).Tambémpoderáalegá-laocuradordalide,emfavordocuratelado,bemcomoo
curadorespecial,noscasosemquelhescaibaintervir.
Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou
representanteslegaisquederemcausaàprescriçãoounãoaalegaremoportunamente(CC,art.195).Seo
tutordomenorpúbere,por exemplo, culposamente,permitirquea açãodo tuteladoprescreva,deverá
indenizá-lopeloprejuízoocasionado.Trata-sedeumaregradeproteçãodos incapazes,edaspessoas
jurídicas em geral, que reafirma a do art. 186. Entretanto, não abrange os absolutamente incapazes,
mencionadosnoart.3º,porquecontraestesnãocorreaprescrição(art.198,I).
A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr (accessiopraescriptionis) contra o seu
sucessor(CC,art.196).Assim,oherdeirododecujusdisporáapenasdoprazofaltanteparaexercera
ação, quando esse prazo iniciou-se com o autor da herança. O prazo, desse modo, não se inicia
novamente,comamortedeste.Nãosóoprazocontramastambémoprazoafavordosucessor,quetanto
podeserintervivoscomocausamortis,atítulouniversal(herdeiro)comoatítulosingular(legatário),
continuaacorrer.
59.DASCAUSASQUEIMPEDEMOUSUSPENDEMAPRESCRIÇÃO
OCódigoCivil agrupou as causas que suspendem e impedem a prescrição em umamesma seção,
entendendo que estão subordinadas a uma unidade fundamental. Asmesmas causas ora impedem, ora
suspendemaprescrição,dependendodomomentoemquesurgem.Seoprazoaindanãocomeçouafluir,
a causa ou obstáculo impede que comece (ex.: a constância da sociedade conjugal). Se, entretanto, o
obstáculo(casamento)surgeapósoprazoter-seiniciado,dá-seasuspensão.Nessecaso,somam-seos
períodos, istoé, cessadaacausade suspensão temporária,o lapsoprescricionalvoltaa fluir somente
pelo tempo restante. Diferentemente da interrupção, que será estudada adiante, em que o período já
decorridoéinutilizadoeoprazovoltaacorrernovamenteporinteiro.
Ajustificativaparaasuspensãodaprescriçãoestánaconsideraçãolegaldequecertaspessoas,por
suacondiçãooupelasituaçãoemqueseencontram,estãoimpedidasdeagir.Assim,oart.197doCódigo
Civildeclaraquenãocorreaprescriçãoentreoscônjuges,naconstânciadasociedadeconjugal;entre
ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou
curadores,duranteatutelaoucuratela.Omotivo,nostrêscasos,éaconfiançaeamizadequeexisteentre
aspartes.
Oart. 198mencionaqueaprescrição tambémnãocorre contraos incapazesdeque tratao art. 3º;
contraosausentesdoPaísemserviçopúblicodaUnião,dosEstadosoudosMunicípios;contraosquese
acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Denota-se a preocupação de proteger
pessoas que se encontram em situações especiais. Não corre prescrição contra os absolutamente
incapazes,istoé,contraosmenoresde16anos(quandoteriamdireitodeproporaação).Aprescrição
contraomenorsóseiniciaapóscompletardezesseisanosdeidade.Mascorreafavordosabsolutamente
incapazes(quandopoderiamseracionados).
Tendo a Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa comDeficiência) revogado os
incisosdoart.3ºdoCódigoCivilemantidocomoabsolutamenteincapazessomenteosmenoresde16
anos, correrão contra o deficiente (enfermo ou excepcional), considerado agora pessoa plenamente
capaz,aprescriçãoeadecadência.
Outros casos de suspensão foram criados por leis especiais (v. arts. 440 da CLT, 6º da Lei de
Falênciasetc.).Ajurisprudênciaadmiteasuspensãodaprescriçãoemcasodeobstáculojudicial,como
grevedosservidoresetc.
Estatuioart.199quenãocorreigualmenteaprescriçãopendendocondiçãosuspensiva;nãoestando
vencidooprazo;pendendoaçãodeevicção.Nasduasprimeirashipótesesodireitoaindanãosetornou
exigível, não sendo possível, pois, falar em prescrição. Se terceiro propõe a ação de evicção, fica
suspensaaprescriçãoatéoseudesfechofinal.Nessedispositivoobserva-seaaplicaçãodoprincípioda
actionatadosromanos,segundooqualsomentesepodefalaremfluênciadeprazoprescricionaldesde
quehajaumaaçãoaserexercitada,emvirtudedaviolaçãododireito.Enquantonãonasceapretensão,
nãocomeçaafluiroprazoprescricional.Édaviolaçãododireitoquenasceapretensão,queporsuavez
dáorigemàação.Eaprescriçãocomeçaacorrerdesdequeapretensãoteveorigem,istoé,desdeadata
emqueaviolaçãododireitoseverificou.
Tendo em vista que a sentença penal condenatória constitui título executivo judicial (CC, art. 935;
CPC,art.515,VI;CPP,art.63),prescreveoart.200doCódigoCivilque,quando“aaçãoseoriginarde
fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva”.
Dispõe ainda o art. 201 que, “suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só
aproveitamosoutrosseaobrigaçãoforindivisível”.Aprescriçãoébenefíciopessoalesófavoreceas
pessoas taxativamente mencionadas, mesmo na solidariedade. Assim, existindo três credores contra
devedorcomumdeimportânciaemdinheiro,sendoumdoscredoresabsolutamenteincapaz,porexemplo,
aprescrição correrá contraosdemais credores, pois aobrigaçãode efetuarpagamento emdinheiro é
divisível,ficandosuspensasomenteemrelaçãoaomenor.Sesetratasse,porém,deobrigaçãoindivisível
(de entregarumanimal, p. ex.), a prescrição somente começaria a fluir, para todos, quandoo incapaz
completassedezesseisanos.Sendoodireitoindivisível,asuspensãoaproveitaatodososcredores.
60.DASCAUSASQUEINTERROMPEMAPRESCRIÇÃO
Ainterrupçãodepende,emregra,deumcomportamentoativodocredor.Qualqueratodeexercícioou
proteçãoaodireito interrompeaprescrição, extinguindoo tempo jádecorrido,quevolta a correrpor
inteiro. O efeito da interrupção da prescrição é, portanto, instantâneo: “a prescrição interrompida
recomeçaacorrerdadatadoatoqueainterrompeu,oudoúltimoatodoprocessoparaainterromper”
(CC, art. 202, parágrafo único). Sempre que possível a opção, ela se verificará pela maneira mais
favorávelaodevedor.
Oart. 202 indica as causasque interrompemaprescrição.Deacordo como inciso I, aprescrição
interrompe-se “por despacho do juiz,mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a
promovernoprazoenaformadaleiprocessual”.
OnovoCódigodeProcessoCivilassimdispõe,noart.240:
“Art.240.Acitaçãoválida,aindaquandoordenadaporjuízoincompetente,induzlitispendência,torna
litigiosa a coisa e constitui emmora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei n.
10.406,dejaneirode2002(CódigoCivil).
§1ºAinterrupçãodaprescrição,operadapelodespachoqueordenaacitação,aindaqueproferido
porjuízoincompetente,retroagiráàdatadeproposituradaação.
§2ºIncumbeaoautoradotar,noprazode10(dez)dias,asprovidênciasnecessáriasparaviabilizara
citação,sobpenadenãoseaplicarodispostono§1º.
§3ºApartenãoseráprejudicadapelademoraimputávelexclusivamenteaoserviçojudiciário.
§4ºOefeitoretroativoaqueserefereo§1ºaplica-seàdecadênciaeaosdemaisprazosextintivos
previstosemlei”.
O comportamento do credor vem previsto nos parágrafos do mencionado art. 240 do estatuto
processual. Cumpre-lhe promover, nos dez dias seguintes à prolação do despacho, a citação do réu.
Promover a citação éprovidenciar a extraçãodomandadode citação, como recolhimentodas custas
devidas, inclusive despesas de condução do oficial de justiça. Frise-se que a parte não pode ser
prejudicada por obstáculo judicial para o qual não tenha concorrido, isto é, pela demora imputável
exclusivamenteaoserviçojudiciário(CPC,art.240,§3º;Súmula106doSTJ).
Seoprazolegal,dedezdias,forultrapassado,nemporissoacitaçãoválidadeixadeproduzirosseus
efeitos regulares, exceto quanto ao efeito de interromper a prescrição retroativamente. Se o prazo
prescricional jádecorreu,haver-se-ápornãointerrompidaaprescrição,nãoseefetuandoacitaçãono
aludidoprazo.
Todavia,despachoquedeterminaaemendadapetiçãoinicialnãointerrompeaprescrição.Omesmo
sucedecomasentençaqueindefereapetiçãoinicial.Nessalinha,decidiuoextintoSegundoTribunalde
AlçadaCivildeSãoPauloqueainterrupçãodaprescrição“retroageàdatadaproposituradaação,sea
petiçãoinicialpreencherosrequisitoslegais;casocontrário,retroagiráàdataemqueforregularizada”
(E.I.660.211-01/4,9ªCâm.,rel.GilCoelho,j.10-10-2001).
Para interromper a prescrição, a citação deve preencher os requisitos de existência e de validade,
segundoaleiprocessual.Épreciso,pois,queexista,aindaqueordenadaporjuizincompetente,etenha-
se completado. A citação ordenada por juiz incompetente interrompe a prescrição, para beneficiar
aquelesquedeboa-fépeticionamperantejuizincompetente.Nãoseadmitem,porém,abusos.Épreciso,
também,quesejaválida,istoé,nãosejanulaporinobservânciadasformalidadeslegais.
Tem-se entendido que a citação ordenada em processo anulado é idônea para interromper a
prescrição, não tendo a nulidade sido decretada exatamente por vício de citação.Assim, decretada a
nulidade do processo, sem ser atingida a citação, houve interrupção e continua eficaz. A Comissão
RevisoradoProjeto,aorejeitaremendasquepretendiamtornarsemefeitoainterrupçãodaprescriçãose
extinto o processo sem julgamento do mérito, ou se anulado totalmente o processo, salvo se por
incompetênciadojuiz,observouque“oefeitointerruptivonãosedáematençãoàsentença,masdecorre
dacitação.Aproposituradaaçãodemonstrainequivocamentequeoautor,cujodireitodizviolado,não
está inerte. Se o simples protesto judicial basta para interromper a prescrição, porque não bastará a
citaçãoemprocessoqueseextingasemjulgamentodomérito?”.AreferidaComissãoacrescentouque“a
interrupçãodaprescrição,peloProjeto,sedácomainequivocidadedequeotitulardodireitoviolado
nãoestáinerte”.Sehánulidadeprocessual,nemporissosedevedesprotegerotitulardodireitoviolado,
quedemonstrounãoestarinerte,parabeneficiarovioladordodireito.
Aprescriçãotambéminterrompe-sepelo“protesto,nascondiçõesdoincisoantecedente”(art.202,II).
Trata-se do protesto judicial, medida cautelar autorizada pelo art. 726, § 2º, do novo Código de
ProcessoCivil,aindaqueordenadopor juiz incompetente.Nãoseconfundecomoprotestocambial,
que figuraem terceiro lugar (inciso III)no roldascausasde interrupçãodaprescriçãoporque indica,
inequivocamente,queotitulardodireitovioladonãoestáinerte.
Aquartamodalidade de atos interruptivos da prescrição é a “apresentação do título de crédito em
juízode inventárioouemconcursodecredores”.Ahabilitaçãodocredorem inventário,nosautosda
falênciaouda insolvência civil, constitui comportamentoativoquedemonstra a intençãodo titulardo
direitoeminterromperaprescrição.
O inciso V do art. 202 declara, ainda, que a prescrição pode ser interrompida por “qualquer ato
judicial que constitua em mora o devedor”. Diante da generalização, inclui-se na hipótese toda
manifestaçãoativadocredor,emespecialapropositurademedidascautelares,notadamentenotificações
e interpelações.A propositura de ação pauliana, necessária para a cobrança eficaz do crédito, já foi
consideradahábilparainterromperaprescrição.
Por último, dispõe o inciso VI do art. 202 que a prescrição se interrompe por “qualquer ato
inequívoco,aindaqueextrajudicial,queimportereconhecimentododireitopelodevedor”.Estaéaúnica
hipóteseemqueainterrupçãodaprescriçãoocorresemamanifestaçãovolitivadocredor.Incluem-se,
nessesatosdereconhecimentodadívida,porexemplo,pagamentosparciais,pedidosdeprorrogaçãodo
prazooudeparcelamento,pagamentodejurosetc.
Ressalte-sequeoutrascausasdeinterrupçãodaprescriçãosãoprevistasemleisespeciais.Oart.202,
caput,doCódigoCivilexpressamentedeclaraqueainterrupçãodaprescrição“somentepoderáocorrer
umavez”.Arestriçãoébenéfica,paranãoseeternizaremasinterrupçõesdaprescrição.
Aprescriçãopodeserinterrompidaporqualquerinteressado(CC,art.203),comooprópriotitulardo
direito em via de prescrição, quem legalmente o represente ou, ainda, terceiro que tenha legítimo
interesse(herdeirosdoprescribente,seuscredoreseofiadordodevedor).
Os efeitos da prescrição são pessoais. Em consequência, a interrupção da prescrição feita por um
credor não aproveita aos outros, assim como aquela promovida contra umdevedor não prejudica aos
demais coobrigados (CC, art. 204). Essa regra, porém, admite exceção: a interrupção por um dos
credoressolidários(solidariedadeativa)aproveitaaosoutros;assimcomoainterrupçãoefetuadacontra
odevedorsolidárioenvolveosdemaise seusherdeiros (solidariedadepassiva,emquecadadevedor
respondepeladívidainteira).Ainterrupçãooperadacontraumdosherdeirosdodevedorsolidárionão
prejudicaosoutrosherdeirosoudevedores(oprazoparaestescontinuaráacorrer),anãoserquandose
trate de obrigações e direitos indivisíveis. Nesse caso, todos os herdeiros ou devedores solidários
sofrem os efeitos da interrupção da prescrição, passando a correr contra todos eles o novo prazo
prescricional. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Se o direito em discussão é indivisível, a
interrupçãodaprescriçãoporumdoscredoresatodosaproveita”(RSTJ,43:298).
Porfim,dispõeo§3ºdoart.204quea“interrupçãoproduzidacontraoprincipaldevedorprejudicao
fiador”.Como a fiança é contrato acessório, e este segue o destino do principal, se a interrupção for
promovida apenas contra o principal devedor ou afiançado, o prazo se restabelece também contra o
fiador, que fica, assim, prejudicado.O contrário, entretanto, não é verdadeiro: a interrupção operada
contraofiadornãoprejudicaodevedor,poisoprincipalnãosegueodestinodoacessório.
Comrespeitoà retroatividadeda leiprescricional,prelecionaCamaraLeal:“Estabelecendoanova
leiumprazomaiscurtodeprescrição,essacomeçaráacorrerdadatadanovalei,salvoseaprescrição
iniciadanavigênciada leiantigaviesseacompletar-seemmenos tempo,segundoessa lei,que,nesse
caso,continuariaaregê-la,relativamenteaoprazo”(Prescriçãoedecadência,4.ed.,Forense,p.90,n.
67).OCódigodeDefesadoConsumidor,porexemplo,estabeleceuprazoprescricionaldecincoanos
paraasaçõespessoais.OsprazosvintenáriosdoCódigoCivilde1916queestavamemcurso,referentes
arelaçõesdeconsumo,recomeçaramacorrerporcincoanos,acontardadatadanovalei,noscasosem
queo tempofaltanteerasuperior.Quandoa leinovaestabeleceumprazomais longodeprescrição,a
consumação se dará ao final desse novo prazo, “contando-se, porém, para integrá-lo, o tempo já
decorridonavigênciadaleiantiga”(CamaraLeal,Prescriçãoedecadência,cit.,p.91).
Nas“DisposiçõesTransitórias”,oatualCódigoCivilestabeleceuaseguinteregra:“Serãoosdalei
anteriorosprazos,quandoreduzidosporesteCódigo,ese,nadatadesuaentradaemvigor, jáhouver
transcorridomaisdametadedotempoestabelecidonaleirevogada”.
CAPÍTULOII
DADECADÊNCIA
61.CONCEITOECARACTERÍSTICAS
O Código Civil de 1916 não se referia, expressamente, à decadência. Englobava,
indiscriminadamente,emummesmocapítulo,ascausasdevidasàfluênciadotempo,aparecendotodas
sobadenominaçãogenéricadeprescrição.
O atualCódigo, contudo, optou por uma fórmula segura de distinção, considerandoprescricionais
somente os prazos taxativamente discriminadosnaParteGeral, nos arts. 205 (regra geral)e
206 (regras especiais), sendodecadenciais todos os demais, estabelecidos como complemento de
cadaartigoqueregeamatéria,tantonaParteGeralcomonaEspecial.Paraevitardiscussõessobrese
açãoprescreve, ounão,oCódigoadotoua tesedaprescrição da pretensão, por ser considerada a
maiscondizentecomodireitoprocessualcontemporâneo(v.n.54e57,infra).
Na decadência, que é instituto do direito substantivo, há a perda de um direito previsto em lei.O
legisladorestabelecequecertoatoterádeserexercidodentrodedeterminadotempo,foradoqualele
nãopoderámais efetivar-seporquedeledecaiuo seu titular.Adecadência se consubstancia, pois, no
decurso infrutífero de um termo prefixado para o exercício do direito. O tempo age em relação à
decadência como um requisito do ato, pelo que a própria decadência é a sanção consequente da
inobservânciadeumtermo.
SegundoentendimentodaComissãoRevisoradoProjeto,quese transformounoatualCódigoCivil,
manifestadopara justificaradesnecessidadede sedefinirdecadência, estaocorre“quandoumdireito
potestativonãoéexercido,extrajudicialmenteoujudicialmente(noscasosemquealei—comosucede
emmatériadeanulação,desquiteetc.—exigequeodireitodeanular,odireitodedesquitar-sesópossa
ser exercido em Juízo, ao contrário, por exemplo, do direito de resgate, na retrovenda, que se exerce
extrajudicialmente), dentro do prazo para exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito
potestativo.Ora,osdireitospotestativossãodireitossempretensão,poissãoinsuscetíveisdeviolação,
jáqueaelesnãoseopõeumdeverdequemquerqueseja,masumasujeiçãodealguém(omeudireitode
anularumnegóciojurídiconãopodeservioladopelaparteaquemaanulaçãoprejudica,poisestaestá
apenas sujeita a sofrer as consequências da anulação decretada pelo juiz, não tendo, portanto, dever
algumquepossadescumprir)”.
Nasequência,aduziuareferidaComissão:“Assim,seahipótesenãoédeviolaçãodedireito(quando
seexercer, judicialmente,odireitodeanularumnegócio jurídico,nãoseestápedindocondenaçãode
ninguémporviolaçãodedireito,mas,apenas,exercendoumdireitoporviajudicial),masháprazopara
exerceressedireito—prazoessequenãoénemdoart.205,nemdoart.206,masseencontraemoutros
artigos—,esseprazoédedecadência”.
62.DISPOSIÇÕESLEGAISSOBREADECADÊNCIA
Comrelaçãoàdecadência,oCódigoCiviltrataapenasdesuasregrasgerais.Distingueadecadência
legaldaconvencional,paraestabelecerque,quantoaesta,“aparteaquemaproveitapodealegá-laem
qualquergraudejurisdição,masojuiznãopodesupriraalegação”(art.211).Contudo,oart.210diz,
imperativamente, que o juiz “deve” (é dever e não faculdade), de ofício, conhecer da decadência,
“quando estabelecida por lei”. Ainda que se trate de direitos patrimoniais, a decadência pode ser
decretadadeofício(RTJ,130:1001;RT,652:128e656:220),quandoestabelecidaporlei.
Prescreve o art. 207 do Código Civil: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à
decadência as normas que impedem, suspendemou interrompem a prescrição”. Emprincípo, pois, os
prazosdecadenciaissãofataiseperemptórios,poisnãosesuspendem,nemseinterrompem.Ainserção
daexpressão“salvodisposição legalemcontrário”noaludidodispositivo tema finalidadededefinir
que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não são revogados os casos em que um
dispositivolegal,atualmenteemvigor(comooart.26,§2º,doCDC,p.ex.),determine,paraatendera
hipóteseespecialíssima,ainterrupçãooususpensãodeprazodedecadência.Talressalvatemtambémo
condãodeacentuarquearegradoart.207édecarátergeral,sóadmitindoexceçõesporlei,enãopela
simplesvontadedaspartesquandoaleinãolhesdátalfaculdade.
Oart.208doCódigoCivildeterminaqueseapliqueàdecadência“odispostonosarts.195e198,
incisoI”,quedizemrespeitoaincapazes.Eoart.209proclama:“Énulaarenúnciaàdecadênciafixada
em lei”. A irrenunciabilidade decorre da própria natureza da decadência. O referido dispositivo,
contudo, considera irrenunciável apenas o prazo de decadência estabelecido em lei, e não os
convencionais,comoopactuadonaretrovenda,emque,porexemplo,pode-seestabelecerqueoprazode
decadênciadodireitoderesgatesejadeumanoapartirdacompraevendae,depois,renunciar-seaesse
prazo,prorrogando-se-lheatétrêsanos,queéolimitemáximoestabelecidoemlei.
Proclamoua4ªTurmadoSuperiorTribunaldeJustiçaque,emcasodeleimaisnovaestabelecendo
prazo decadencial maior que a antiga, aplica-se o novo prazo, computando-se o tempo decorrido na
vigênciadaleiantiga(REsp1.434.755,rel.Min.HumbertoMartins,j.11-3-2014).
QUADROSINÓTICO–DAPRESCRIÇÃOEDADECADÊNCIA
1.Prescrição
Espéciesa)aquisitiva(usucapião);
b)extintiva.
Conceitodeprescriçãoextintiva
ParaClóvisBeviláqua,prescriçãoextintiva “éaperdadaaçãoatribuídaaumdireito,edetodaasuacapacidadedefensiva,emconsequênciadonãousodela,durantedeterminadoespaçodetempo”.
1.Prescrição
Requisitos
a)violaçãododireito;
b)inérciadotitular;
c)decursodotempofixadoemlei.
Pretensõesimprescritíveis
a)asqueprotegemosdireitosdapersonalidade;
b)asqueseprendemaoestadodaspessoas;
c)asdeexercíciofacultativo;
d)asconcernentesabenspúblicos;
e)asqueprotegemodireitodepropriedade,queéperpétuo;
f)asdereaverbensconfiadosàguardadeoutrem.
2.Prescriçãoeinstitutosafins
a)Preclusão. É de ordem processual. Consiste na perda de uma faculdade processual, por não ter sidoexercidanomomentopróprio.
b)Perempção.Tambémédenaturezaprocessual.Consistenaperdadodireitodeaçãopeloautorcontumaz,quedeucausaatrêsarquivamentossucessivos(CPC,art.486,§3º).Nãoextingueodireitomaterialnemapretensão,quepassamaseroponíveissomentecomodefesa.
c)Decadência.Atingediretamenteodireitoe,porviaoblíqua,extingueaação(éoprópriodireitoqueperece).Aprescriçãoextingueapretensão(art.189).
3.Decadên-
cia
Conceito Éaperdadodireitopotestativopelainérciadoseutitularnoperíododeterminadoemlei.
Distinçãoentreprescriçãoedecadência
OCódigo de 2002 optou por uma fórmula segura: são prescricionais somente os prazosdiscriminados naParteGeral, nos arts. 205 (regra geral) e206 (regras especiais), sendodecadenciaistodososdemais,estabelecidoscomocomplementodecadaartigoqueregeamatéria.Paraevitardiscussõessobreseaaçãoprescreve,ounão,oCódigoadotouatesedaprescriçãodapretensão.
3.Decadên-
cia
Disposiçõeslegais
Decadêncialegal:deveojuizconhecê--ladeofício(art.210).
Decadência convencional: a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau dejurisdição,masojuiznãopodesupriraalegação(art.211).
Não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem aprescrição,salvoestipulaçãoemcontrário(art.207).
Aplica-seàdecadênciaodispostonosarts.195e198,I.
Énulaarenúnciaàdecadênciafixadaemlei(art.209).
4.Disposi-
çõeslegaissobreapres-
crição
Doissãoosrequisitosparaavalidadedarenúnciadaprescrição:a)queestajáestejaconsumada;b)quenãoprejudiqueterceiro(art.191).
Osprazosdeprescriçãonãopodemseralteradosporacordodaspartes(art.192).
Aprescriçãopodeseralegadaemqualquergraudejurisdição,pelaparteaquemaproveita(art.193),devendoserdeclaradadeofíciopelojuiz(CPC,art.487,II).
Osrelativamente incapazeseaspessoas jurídicastêmaçãocontraosseusassistentesourepresentantesquederemcausaàprescriçãoounãoaalegaremoportunamente(art.195).
Aprescriçãoiniciadacontraumapessoacontinuaacorrercontraoseusucessor(art.196).
5.Causasqueimpe-
demousus-
pendemaprescrição
Arts.197,198,199e200doCódigoCivil.
6.Causasqueinter-
rompemaprescrição
Art.202eseus incisos.Ressalte-sequeoutrascausasde interrupçãodaprescriçãosãoprevistasem leisespeciais.
TÍTULOV
DAPROVA
63.INTRODUÇÃO
Amatériarelativaàprovanãoé tratada,comonoCódigoCivilde1916, juntoaonegóciojurídico,
poistodososfatosjurídicos,enãoapenasonegóciojurídico,sãosuscetíveisdeserprovados.Entreas
inovaçõesqueessetítuloapresenta,destacam-seadisciplinadaconfissão(arts.213e214)eaadmissão
demeiosmodernosdeprova(arts.223e225).
Prova é meio empregado para demonstrar a existência do ato ou negócio jurídico. Deve ser
admissível(nãoproibidaporleieaplicávelaocasoemexame),pertinente(adequadaàdemonstração
dosfatosemquestão)econcludente(esclarecedoradosfatoscontrovertidos).
Nãobastaalegar:éprecisoprovar.Poisallegarenihil etallegatumnonprobareparia sunt (nada
alegarealegarenãoprovarqueremdizeramesmacoisa).Oqueseprovaéofatoalegado,nãoodireito
aaplicar,poiséatribuiçãodojuizconhecereaplicarodireito(iuranovitcuria).Poroutrolado,oônus
daprovaincumbeaquemalegaofatoenãoaquemocontesta,sendoqueosfatosnotóriosindependem
deprova.
A regulamentação dos princípios referentes à prova é encontrada noCódigoCivil e noCódigo de
ProcessoCivil.Ao primeiro cabe a determinação das provas, a indicação do seu valor jurídico e as
condiçõesdeadmissibilidade;aodiplomaprocessualcivil,omododeconstituiraprovaedeproduzi-la
emjuízo.
Quandoaleiexigirformaespecial,comooinstrumentopúblico,paraavalidadedonegóciojurídico,
nenhumaoutraprova,pormaisespecialqueseja,podesuprir-lheafalta(CPC,art.406;CC,art.107,a
contrario sensu). Por outro lado, não havendo nenhuma exigência quanto à forma (ato não formal),
qualquermeiodeprovapodeserutilizado,desdequenãoproibido,comoestatuioart.369doCódigode
ProcessoCivil:“Aspartestêmodireitodeempregartodososmeioslegais,bemcomoosmoralmente
legítimos,aindaquenãoespecificadosnesteCódigo,paraprovaraverdadedosfatosemquesefundao
pedidoouadefesae influireficazmentenaconvicçãodojuiz”.Portanto,quandooart.212doCódigo
Civilenumeraosmeiosdeprovadosnegóciosjurídicosaquesenãoimpõeformaespecial,ofazapenas
exemplificativamenteenãotaxativamente.
64.MEIOSDEPROVA
Sãoosseguintes:
a) Confissão — Ocorre quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse efavorávelaoadversário (CPC/2015,art.389).Podeser judicial (em juízo)ouextrajudicial (foradoprocesso),espontâneaouprovocada,expressaoupresumida(ouficta)pelarevelia(CPC,arts.341e344). Tem, como elementos essenciais, a capacidade da parte, a declaração de vontade e o objetopossível.Nãoéválida,assim,aconfissãoseprovierdequemnãoécapazdedispordodireitoaquesereferemosfatosconfessados(CC,art.213).Sefeitaaconfissãoporumrepresentante,somenteéeficaznos limites em que este pode vincular o representado (art. 213, parágrafo único). Nas ações queversaremsobrebens imóveis, a confissãodeumcônjugenãovalerá semadooutro (CPC, art. 391,parágrafoúnico).Nãovale, também,aconfissão relativaadireitos indisponíveis (CPC,art.392).Aconfissãoéirrevogável,maspodeseranuladasedecorreudeerrodefatooudecoação(CC,art.214).
b) Documento — Pode ser público ou particular. Tem função apenas probatória. Públicos são oselaborados por autoridade pública, no exercício de suas funções, como as certidões, traslados etc.Particulares quando elaborados por particulares. Uma carta, um telegrama, por exemplo, podemconstituirimportanteelementodeprova.Documentosnãoseconfundemcominstrumentospúblicosouparticulares. Estes são espécies e aqueles são o gênero. O instrumento é criado com a finalidadeprecípuadeservirdeprova,comoaescriturapública,oualetradecâmbio.Osinstrumentospúblicossão feitos perante o oficial público, observando-se os requisitos do art. 215 doCódigoCivil.Têm,pois, fidedignidade, inerente à fé pública do notário. Por essa razão, não se exige a subscrição portestemunhas instrumentárias. Não se admite, com efeito, provar com testemunhas contra ou além doinstrumentopúblico.Osinstrumentosparticularessãorealizadossomentecomaassinaturadosprópriosinteressados.Dispõe o art. 221 doCódigoCivil que o “instrumento particular, feito e assinado, ousomente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova asobrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não seoperam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público” (grifo nosso).Mesmo semtestemunhas o documento particular vale entre as próprias partes, por força do art. 219 do mesmodiploma, que prescreve: “As declarações constantes de documentos assinados presumem-severdadeirasemrelaçãoaossignatários”.
Estatuioart.220doCódigoCivilquea“anuênciaouaautorizaçãodeoutrem,necessáriaàvalidade
de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio
instrumento”. Dessemodo, só por instrumento público pode a mulher casada outorgar procuração ao
marido para a alienação de bens imóveis, pois é essencial à validade do ato a escritura pública (art.
108).
Emprincípio,oinstrumentodeveserexibidonooriginal.Estatuioart.216doCódigoCivil,porém,
quefarãoamesmaprovaqueosoriginais“ascertidõestextuaisdequalquerpeçajudicial,doprotocolo
dasaudiências,oudeoutroqualquer livroacargodoescrivão, sendoextraídasporele,ou soba sua
vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão
consertados”.Essaregraérepetidanoart.425doCódigodeProcessoCivil.Oart.217doCódigoCivil
acrescenta que terão “a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou
oficialderegistro,deinstrumentosoudocumentoslançadosemsuasnotas”.Certidãoéareproduçãodo
que se encontra transcrito em determinado livro ou documento. Quando integral, abrangendo todo o
conteúdodaanotação, chama-se verboadverbum.Seabranger apenasdeterminadospontos indicados
pelo interessado, denomina-se certidão em breve relatório. Traslado é cópia do que se encontra
lançadoemum livroouemautos.Aadmissibilidadedasdiversas formasde reproduçãomecânicade
documentoshojeexistentes,bemcomoosseusefeitos,estáregulamentadanoCódigodeProcessoCivil,
naseçãoemquetratadaforçaprobantedosdocumentos(arts.405es.).
A tendência moderna é que a atividade jurisdicional do Estado passe a ser, cada vez mais,
desenvolvida com os recursos eletrônicos a serviço do Poder Estatal e das partes. Atos e termos
processuaisserãopraticadospormeioeletrônico,bemassimatramitaçãoeocontroledetramitaçãodos
processos,acomunicaçãodosatoseatransmissãodepeçasprocessuais,garantidaessaatividadepela
infraestruturadechavespúblicaspostaàdisposiçãopelaAdministraçãopararegulamentareautenticaro
documentoeletrônicoegarantirarealizaçãodetransaçõeseletrônicasseguras.
OnovoCódigodeProcessoCiviltratada“PráticaEletrônicadosAtosProcessuais”nosarts.193a
199.Oprimeirodispõequeos“atosprocessuaispodemser totalouparcialmentedigitais,de formaa
permitirquesejamproduzidos,comunicados,armazenadosevalidadospormeioeletrônico,naformada
lei”.
ALein.11.419,de19dedezembrode2006,quepermaneceemvigor,dispôssobreainformatização
doprocesso judicial, preceituando, no art. 11: “Osdocumentosproduzidos eletronicamente e juntados
aosprocessoseletrônicoscomgarantiadaorigemedeseusignatário,naformaestabelecidanestaLei,
serão considerados originais para todos os efeitos legais”. “O telegrama, quando lhe for contestada a
autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado” (CC, art. 222). “A cópia
fotográficadedocumento,conferidaportabeliãodenotas,valerácomoprovadedeclaraçãodavontade,
mas,impugnadasuaautenticidade,deveráserexibidoooriginal.Aprovanãosupreaausênciadotítulo
de crédito, ou do original, nos casos emque a lei ou as circunstâncias condicionaremo exercício do
direitoàsuaexibição”(art.223eparágrafoúnico).“Asreproduçõesfotográficas,cinematográficas,os
registrosfonográficose,emgeral,quaisqueroutrasreproduçõesmecânicasoueletrônicasdefatosoude
coisasfazemprovaplenadestes,seaparte,contraquemforemexibidos,nãolhesimpugnaraexatidão”
(art. 225), não se exigindo que sejam autenticadas. “Os livros e fichas dos empresários e sociedades
provamcontraaspessoasaquepertencem,e,emseufavor,quando,escrituradossemvícioextrínsecoou
intrínseco,foremconfirmadosporoutrossubsídios.Aprovaresultantedoslivrosefichasnãoébastante
noscasosemquealeiexigeescriturapública,ouescritoparticularrevestidoderequisitosespeciais,e
pode ser ilididapela comprovaçãoda falsidadeou inexatidãodos lançamentos” (art. 226 eparágrafo
único).Aduza-se,porfim,queos“documentosredigidosemlínguaestrangeiraserãotraduzidosparao
portuguêsparaterefeitoslegaisnoPaís”(art.224).
c)Testemunhas—Podemserinstrumentáriasoujudiciárias.Estassãoasqueprestamdepoimentoemjuízo. Aquelas são as que assinam o instrumento. A prova testemunhal é menos segura que adocumental.OCódigoCivil, no art. 227,caput, só admitia a prova exclusivamente testemunhal nosnegócioscujovalornãoultrapassasseo“décuplodomaiorsaláriomínimovigentenoPaísaotempoemqueforamcelebrados”.Oreferidodispositivo foiexpressamente revogadopeloCódigodeProcessoCivilde2015que,porsuavez,proclama,noart.442:“Aprovatestemunhalésempreadmissível,nãodispondoa leidemododiverso”.Noart.444,declaraoaludidodiploma:“Noscasosemquea leiexigirprovaescritadaobrigação,éadmissívelaprovatestemunhalquandohouvercomeçodeprovaporescrito,emanadodapartecontraaqualsepretendeproduziraprova”.E,noart.445,acrescenta:“Também se admite a prova testemunhal quando o credor não pode ou não podia, moral oumaterialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, de depósitonecessáriooudehospedagememhotelouemrazãodaspráticascomerciaisdolocalondecontraídaaobrigação”.
Algumas pessoas, no entanto, não podem ser admitidas como testemunhas.O art. 228menciona os
menores de dezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem
discernimentoparaapráticadosatosdavidacivil;oscegosesurdos,quandoaciênciadofatoquese
querprovardependadossentidosquelhesfaltam;ointeressadonolitígio,oamigoíntimoouoinimigo
capitaldaspartes;eoscônjuges,osascendentes,osdescendenteseoscolaterais,atéoterceirograude
alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.No entanto, para a prova de fatos que só elas
conheçam,podeojuizadmitirodepoimentodasreferidaspessoas(art.228,§1º).OCódigodeProcesso
Civil,noart.447,relacionaosincapazesparatestemunhar,osimpedidoseossuspeitos.Eoart.229
doCódigoCivildispõequeninguémpodeserobrigadoadeporsobrefato:a)acujorespeito,porestado
ouprofissão,devaguardarsegredo;b)aquenãopossarespondersemdesonraprópria,deseucônjuge,
parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; c) que o exponha, ou às pessoas referidas na letra
antecedente,aperigodevida,dedemanda,oudedanopatrimonialimediato.
d)Presunção—Éailaçãoqueseextraideumfatoconhecidoparasechegaraumdesconhecido.Nãoseconfundecom indício,queémeiode sechegaraumapresunção.Exemplodepresunção:comoéconhecidoofatodequeocredorsóentregaotítuloaodevedorporocasiãodopagamento,asuapossepelo devedor conduz à presunção de haver sido pago. As presunções podem ser legais (juris) oucomuns(hominis).Legais são as que decorremda lei, como a que recai sobre omarido, que a leipresumeserpaidofilhonascidodesuamulher,naconstânciadocasamento.Comunsouhominis sãoasquesebaseiamnoqueordinariamenteacontece,naexperiênciadavida.Presume-se,porexemplo,emboranãodeformaabsoluta,queasdívidasdomaridosãocontraídasembenefíciodafamília.Aspresunçõeslegaisdividem-seemabsolutas(jurisetdejure)erelativas(juristantum).Absolutassãoasquenãoadmitemprovaemcontrário.Apresunçãodeverdadeatribuídapela lei a certos fatos é,nesses casos, indiscutível. Exemplo: a de que são fraudatórias dos direitos dos outros credores asgarantiasdedívidasqueodevedorinsolventetiverdadoaalgumcredor(CC,art.163).Relativasoujuris tantum são as que admitem prova em contrário. Por exemplo, a presunção de paternidadeatribuídaaomarido,emrelaçãoaofilhodesuamulhernascidonaconstânciadocasamento,podeserelididapormeiodaaçãonegatóriadepaternidade(CC,art.1.601).
e)Perícia—OCódigodeProcessoCivildenomina“provapericial”oexameeavistoriaouavaliação.Exame é a apreciação de alguma coisa, por peritos, para auxiliar o juiz a formar a sua convicção.Exemplos: exame grafotécnico, exame hematológico nas ações de investigação de paternidade etc.Vistoria é também perícia, restrita porém à inspeção ocular. É diligência frequente nas açõesimobiliárias,comopossessóriasedemarcatórias.Avistoriadestinadaaperpetuaramemóriadecertosfatos transitórios, antes que desapareçam, é denominada ad perpetuam rei memoriam, reguladaatualmente no capítulo do Código de Processo Civil que trata da “produção antecipada de provas”
(arts.381a383).
O referido diploma também considera prova pericial a avaliação. O arbitramento é forma de
avaliação. É o exame pericial destinado a apurar o valor de determinado bem, comum nas
desapropriaçõeseaçõesdeindenização.
O atual Código Civil contém, nesse Título V, dois artigos novos: o 231 (“Aquele que se nega a
submeter-seaexamemédiconecessárionãopoderáaproveitar-sedesuarecusa”)eo232(“Arecusaà
perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”). A
jurisprudênciajáseadiantara,poisvinhaproclamando,emaçõesdeinvestigaçãodepaternidade,que“a
recusa ilegítimaàperíciamédicapodesupriraprovaquesepretendia lograrcomoexamefrustrado”
(TJSP,JTJ,201:128e210:202).OSuperiorTribunaldeJustiça,namesmalinhadepensamento,jávinha
decidindoque “a recusado investigadoemsubmeter-se ao examedeDNA, aliadoà comprovaçãode
relacionamentosexualentreo investigadoeamãedoautor impúbere,geraapresunçãodeveracidade
dasalegaçõespostasnaexordial”(RSTJ,135:315).Talentendimentofoisedimentadocomaediçãoda
Súmula301,doseguinteteor:“Emaçãoinvestigatória,arecusadosupostopaiasubmeter-seaoexame
deDNAinduzpresunçãojuristantumdepaternidade”.
ALein.12.004,de29dejulhode2009,mandouacresceràLein.8.560,de29dedezembrode1992,
oart.2o-A,cujoparágrafoúnicoassimdispõe:“Arecusadoréuemsesubmeteraoexamedecódigo
genético—DNA—gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto como contexto
probatório”.Observa-sequeareferidaleinãoinovou,masapenasrepetiuoquejávinhasendoaplicado
pelajurisprudência.
Todavia,arecusadeparentesemrealizarexamedeDNAnãogerapresunçãodepaternidade,porse
tratar de direito personalíssimo e indisponível, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp
714.969,4ªT.,rel.Min.LuisFelipeSalomão,EditoraMagister,15-3-2010).
QUADROSINÓTICO–DAPROVA
1.Conceito
Éomeioempregadoparademonstraraexistênciadoatoounegóciojurídico.
2.Requisitos
Deve ser admissível (não proibida por lei), pertinente (adequadaà demonstraçãodos fatos emquestão) econcludente(esclarecedoradosfatoscontrovertidos).
3.Princípios
Nãobastaalegar:éprecisoprovar,poisallegarenihiletallegatumnonprobarepariasunt(nadaalegarealegarenãoprovarqueremdizeramesmacoisa).
Oqueseprovaéofatoalegado,nãoodireitoaaplicar,poiséatribuiçãodojuizconhecereaplicarodireito(iuranovitcuria).
Oônusdaprovaincumbeaquemalegaofatoenãoaquemocontesta.
Osfatosnotóriosindependemdeprova.
4.Meiosdeprova
a)confissão
judicialeextrajudicial;
espontâneaeprovocada;
expressaepresumida(ficta)pelarevelia.
b)documentopúblico;
particular.
c)testemunhasinstrumentárias;
judiciárias.
d)presunçãolegal(juris)ecomum(hominis);
absoluta(jurisetdejure)erelativa(juristantum).
e)períciaexame;
vistoria.
TÍTULOSJÁLANÇADOS
Volume1—DireitoCivil—ParteGeral
Volume2—DireitoCivil—DireitodeFamília
Volume3—DireitoCivil—DireitodasCoisas
Volume4—DireitoCivil—DireitodasSucessões
Volume5—DireitoCivil—DireitodasObrigações—ParteGeral
Volume6,tomoI—DireitoCivil—DireitodasObrigações—ParteEspecial—Contratos
Volume 6, tomo II — Direito Civil — Direito das Obrigações — Parte Especial —
ResponsabilidadeCivil
Volume7—DireitoPenal—ParteGeral
Volume8—DireitoPenal—Doscrimescontraapessoa
Volume 9—Direito Penal—Dos crimes contra o patrimônio aos crimes contra a propriedade
imaterial
Volume 10 — Direito Penal — Dos crimes contra a dignidade sexual aos crimes contra a
administração
Volume11—ProcessoCivil—Teoriageraldoprocessoeprocessodeconhecimento
Volume12—ProcessoCivil—Processodeexecuçãoecautelar
Volume13—ProcessoCivil—Procedimentosespeciais
Volume14—ProcessoPenal—ParteGeral
Volume15,tomoI—ProcessoPenal—Procedimentos,nulidadeserecursos
Volume15,tomoII—JuizadosEspeciaisCíveiseCriminais—estaduaisefederais
Volume16—DireitoTributário
Volume17—DireitoConstitucional—TeoriageraldaConstituiçãoedireitosfundamentais
Volume 18—DireitoConstitucional—Da organização do Estado, dos poderes e histórico das
Constituições
Volume19—DireitoAdministrativo—ParteI
Volume20—DireitoAdministrativo—ParteII
Volume21—DireitoComercial—Direitodeempresaesociedadesempresárias
Volume22—DireitoComercial—Títulosdecréditoecontratosmercantis
Volume23—DireitoFalimentar
Volume24, tomoI—LegislaçãoPenalEspecial—Crimeshediondos—drogas—terrorismo
—tortura—armadefogo—contravençõespenais—crimesdetrânsito
Volume24,tomoII—LegislaçãoPenalEspecial—CrimesdoECA—contraoconsumidor—
contraas relaçõesdeconsumo—contraaordem tributária—ambientais—doEstatutodo Idoso—
falimentares—organizado
Volume25—DireitoPrevidenciário
Volume26—TuteladeInteressesDifusoseColetivos
Volume27—DireitodoTrabalho—Teoriageralatrabalhodomenor
Volume28—DireitodoTrabalho—Duraçãodotrabalhoadireitodegreve
Volume29—DireitoEleitoral
Volume30—DireitosHumanos
Volume31—ProcessodoTrabalho—JustiçadoTrabalhoedissídiostrabalhistas
Volume 32 — Processo do Trabalho — Recursos trabalhistas, execução trabalhista e ações
cautelares
Volume33—DireitoInternacional—Público,privadoecomercial
Volume34—PortuguêsJurídico
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